Liturgia

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  • 18º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    18º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    1 de Agosto, 2021

    ANO B
    18º Domingo do Tempo Comum

    Tema do 18º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum repete, no essencial, a mensagem das leituras do passado domingo. Assegura-nos que Deus está empenhado em oferecer ao seu Povo o alimento que dá a vida eterna e definitiva.
    A primeira leitura dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A acção de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores.
    No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o "pão" da vida que desceu do céu para dar vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus pede que aceitem esse "pão" - isto é, que escutem as palavras que Ele diz, que as acolham no seu coração, que aceitem os seus valores, que adiram à sua proposta.
    A segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o "pão" que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.

    LEITURA I - Ex 16,2-4.12-15

    Leitura do Livro do Êxodo

    Naqueles dias,
    toda a comunidade dos filhos de Israel
    começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
    Disseram-lhes os filhos de Israel:
    «Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egipto,
    quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
    e comíamos pão até nos saciarmos.
    Trouxestes-nos a este deserto,
    para deixar morrer à fome toda esta multidão».
    Então o Senhor disse a Moisés:
    «Vou fazer que chova para vós pão do céu.
    O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
    Vou assim pô-lo à prova,
    para ver se segue ou não a minha lei.
    Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
    Vai dizer-lhes:
    'Ao cair da noite comereis carne
    e de manhã saciar-vos-eis de pão.
    Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus'».
    Nessa tarde apareceram codornizes,
    que cobriram o acampamento,
    e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
    em volta do acampamento.
    Quando essa camada de orvalho se evaporou,
    apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
    fina como a geada sobre a terra.
    Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
    «Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
    pois não sabiam o que era.
    Disse-lhes então Moisés:
    «É o pão que o Senhor vos dá em alimento».

    AMBIENTE

    A secção de Ex 15,22-18,27 desenvolve um dos grandes temas do Pentateuco: a marcha pelo deserto. Aqui estamos, ainda, na primeira etapa dessa marcha - a que vai desde a passagem do mar, até ao Sinai.
    Três dos episódios apresentados nesta secção tratam o tema da murmuração do Povo (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). O esquema é simples e é sempre o mesmo: o Povo desconfia e murmura diante das dificuldades, subleva-se contra Moisés e chega a acusar Deus pelos desconfortos da caminhada; quando estão prestes a sofrer o castigo pela sua revolta, Moisés intercede diante do Jahwéh e o Senhor perdoa o pecado do Povo; finalmente, apesar do pecado, Jahwéh concede ao Povo os bens de que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, com um crescendo de intensidade até ao desfecho final, que se apresenta sempre na forma de uma intervenção prodigiosa de Deus, em benefício do seu Povo.
    Provavelmente, estes relatos têm por base elementos de carácter histórico (dificuldades reais sentidas pelos hebreus que saíram do Egipto com Moisés, no seu caminho para a Terra Prometida, através do deserto do Sinai) e que ficaram na memória colectiva; no entanto, os catequistas bíblicos estão mais interessados em fazer catequese, do que em apresentar uma reportagem jornalística da viagem (o episódio mistura uma catequese "jahwista", do séc. X a.C. com uma catequese "sacerdotal", do séc. VI a.C). A catequese apresentada pretende sempre avisar o Povo contra a tentação de procurar refúgio e segurança fora de Jahwéh... Aqui, Israel fala em regressar ao Egipto, onde eram escravos, mas tinham pão e carne em abundância: o Egipto representa a tentação que o Povo sentiu, em tantas situações da sua história, de voltar atrás, de abandonar os valores e a vida de Deus, de se instalar comodamente em esquemas à margem de Deus. O catequista jahwista garante ao seu Povo que Deus o acompanha sempre ao longo da sua caminhada e que só ele oferece a Israel vida em abundância.
    O episódio que hoje nos é proposto - o episódio das codornizes e do maná - é situado no deserto de Sin, "que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a saída da terra do Egipto" (Ex 16,1). O deserto de Sin estende-se de Kadesh-Barnea para ocidente.
    A história das codornizes tem por base um fenómeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai muito cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve ter por base uma pequena árvore ("tamarix mannifera") existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada por um insecto, segrega uma substância resinosa e espessa que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (que chamam "man"), derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o pão.
    Vai ser com estes elementos - elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto - que os catequistas bíblicos vão "amassar" a catequese que nos transmitem no texto que nos é proposto.

    MENSAGEM

    1. O episódio começa com a murmuração do Povo "contra Moisés e contra Aarão" (vers. 2). Por estranho que pareça, Israel sente saudades do tempo em que passou no Egipto pois, apesar da escravidão, estava sentado "ao pé de panelas de carne" e comia "pão com fartura" (vers. 3). Ao longo da caminhada, vêm ao de cima as limitações e as deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de escravo, demasiado "verde" e sem maturidade, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo, ao comodismo, que prefere a escravidão à liberdade. Por outro lado, é um Povo que ainda não aprendeu a confiar no seu Deus, a segui-lo de olhos fechados, a responder sem hesitações às suas propostas, a segui-l'O incondicionalmente no caminho da fé.
    2. A resposta de Deus é "fazer chover pão do céu" (vers. 4) e dar ao Povo carne em abundância (vers. 12). O objectivo de Deus é, não só satisfazer as necessidades materiais do Povo, mas também revelar-Se como o Deus da bondade e do amor, que cuida do seu Povo, que está sempre ao seu lado ao longo da caminhada, que milagrosamente entrega de bandeja a Israel a possibilidade de satisfazer as suas necessidades mais básicas e de vencer as forças da morte que se ocultam nas areias do deserto. Dessa forma, o Povo pode fazer uma experiência de encontro e de comunhão com Deus, que se traduzirá em confiança, em amor, em entrega. O cuidado, a solicitude e o amor de Deus experimentados nesta "crise", não só ajudarão o Povo a sobreviver, mas irão permitir-lhe, também, superar mentalidades estreitas e egoístas, fazendo-o ver mais além, alargar os horizontes, tornar-se mais adulto, mais consciente, mais responsável e mais santo. Israel aprende, assim, a confiar em Deus, a entregar-se nas suas mãos, a não duvidar do seu amor e fidelidade... Israel aprende, neste percurso, que Jahwéh é a rocha segura em quem se pode confiar nas crises e dramas da vida.
    3. O facto de se dizer que Deus apenas dava ao Povo a quantidade de maná necessária "para cada dia" (vers. vers. 4) é uma bonita lição sobre desprendimento e confiança em Deus. Ensina o Povo a não acumular bens, a não viver para o "ter", a libertar o coração da ganância e do desejo de possuir sempre mais, a não viver angustiado com o futuro e com o dia de amanhã; ensina, também, a confiar em Deus, a entregar-se serenamente nas suas mãos, a vê-l'O como verdadeira fonte de vida.

    ACTUALIZAÇÃO

    • Mais uma vez, a Palavra de Deus que nos é proposta dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A acção de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores. Para Deus, "alimentar" o Povo é ajudá-lo a descobrir os caminhos que conduzem à felicidade e à vida verdadeira. O Deus em quem nós acreditamos é o mesmo Deus que, no deserto, ofereceu a Israel a possibilidade de libertar-se de uma mentalidade de escravo e de descobrir o caminho para a vida nova da liberdade e da felicidade... Ele vai connosco ao longo da nossa caminhada pelo deserto da vida, vê as nossas necessidades, conhece os nossos limites, percebe a nossa tendência para o egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos caminhos novos, convida-nos a ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à terra da liberdade e da vida verdadeira. Este texto fala-nos da solicitude e do amor com que Deus acompanha a nossa caminhada de todos os dias; convida-nos, também, a escutar esse Deus, a aceitar as propostas de vida que Ele faz e a confiar incondicionalmente n'Ele.

    • As "saudades" que os israelitas sentem do Egipto, onde estavam "sentados junto de panelas de carne" e tinham "pão com fartura", revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado tranquilamente numa vida sem perspectivas e sem saída, incapaz de arriscar, de enfrentar a novidade, de querer mais, de aceitar a liberdade que se constrói na luta e no risco. Esta mentalidade de escravidão continua, bem viva, no nosso mundo... É a mentalidade daqueles que vivem obcecados pelo "ter" e que são capazes de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a mentalidade daqueles que trocam valores importantes pelos "cinco minutos de fama" e de exposição mediática; é a mentalidade daqueles que têm como único objectivo na vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade daqueles que se instalam comodamente nos seus esquemas cómodos, nos seus preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade daqueles que vivem voltados para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos tempos; é a mentalidade daqueles que se resignam à mediocridade e que não fazem nenhum esforço para que a sua vida faça sentido... A Palavra de Deus que nos é proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de chegar à vida verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso encontro, desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a crescer e a dar passos firmes e seguros em direcção à liberdade e à vida nova... E, durante o caminho, nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso lado.

    • A ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a subsistência (proibindo "juntar" mais do que o necessário para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do "ter", da ganância, da ambição desmedida. É um convite, também a nós, a não nos deixarmos dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n'Ele devemos confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva ao encontro da vida definitiva.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 77 (78)

    Refrão: O Senhor deu-lhes o pão do céu.

    Nós ouvimos e aprendemos,
    os nossos pais nos contaram
    os louvores do Senhor e o seu poder
    e as maravilhas que Ele realizou.

    Deus ordens às nuvens do alto
    e abriu as portas do céu;
    para alimento fez chover o maná,
    deu-lhes o pão do céu.

    O homem comeu o pão dos fortes!
    Mandou-lhes comida com abundância
    e introduziu-os na sua terra santa,
    na montanha que a sua direita conquistou.

    LEITURA II - Ef 4,17.20-24

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor:
    Não torneis a proceder como os pagãos,
    que vivem na futilidade dos seus pensamentos.
    Não foi assim que aprendestes a conhecer a Cristo,
    se é que d'Ele ouvistes pregar e sobre Ele fostes instruídos,
    conforme a verdade que está em Jesus.
    É necessário abandonar a vida de outrora
    e pôr de parte o homem velho,
    corrompido por desejos enganadores.
    Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência
    e revesti-vos do homem novo, criado á imagem de Deus
    na justiça e santidade verdadeiras.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a Carta aos Efésios, essa "carta circular" que Paulo escreve enquanto está na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?) e que envia a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor. É uma carta (já o dissemos atrás) onde Paulo apresenta, de forma extremamente serena e reflectida, uma teologia amadurecida, completa, bem elaborada, sobre as exigências da vida nova em Cristo.
    A secção da Carta aos Efésios que vai de 4,1 a 6,20 (já o dissemos também no passado domingo) é um texto parenético, que tem por objectivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Baptismo e com o seu compromisso com Cristo. Depois de convidar os crentes a viverem na unidade do amor (cf. Ef 4,1-6) e de lhes apresentar uma reflexão sobre a comunidade, Corpo de Cristo formado por muitos membros (cf. Ef 4,7-13), Paulo exorta os cristãos a viverem de acordo com a sua condição de Homens Novos em Cristo (cf. 4,14-5,14). O texto que nos é hoje proposto como segunda leitura é parte dessa exortação.

    MENSAGEM

    O nosso texto é, fundamentalmente, um convite - feito com a veemência que Paulo usava sempre nas suas exortações - a deixar a vida antiga e os esquemas do passado, para abraçar definitivamente a vida nova que Cristo veio propor.
    Paulo usa duas expressões opostas para definir a realidade do homem antes do encontro com Cristo e depois do encontro com Cristo. O homem que ainda não aderiu a Cristo é, para Paulo, o homem velho, cuja vida é marcada pela mediocridade, pela futilidade (vers. 17), pela corrupção, pela escravidão aos "desejos enganadores" (vers. 22). O homem que já encontrou Cristo e que aderiu à sua proposta é o homem novo, que vive na verdade (vers. 21), na justiça e na santidade verdadeiras (vers. 24).
    O Baptismo - o momento da adesão a Cristo - é o momento decisivo da transformação do homem velho em homem novo. O próprio rito do Baptismo (o imergir na água significa o morrer para a vida antiga de pecado; o emergir da água significa o nascimento de um outro homem, purificado do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, do pecado) sugere a transformação e a ressurreição do homem para uma vida nova - a vida em Cristo. A partir daí, o homem devia adoptar uma nova maneira de pensar e de agir, consequência do seu compromisso com Cristo e com a proposta de vida que Cristo veio apresentar.
    Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de fragilidade... Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do pecado... O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no dia do seu Baptismo. O homem novo não é uma realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige um trabalho contínuo e uma constante renovação.

    ACTUALIZAÇÃO

    • O cristão é, antes de mais, alguém que encontrou Cristo, que escutou o seu chamamento, que aderiu à sua proposta. A consequência dessa adesão é passar a viver de uma forma diferente, de acordo com valores diferentes, e com uma outra mentalidade. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo. Antes de mais devemos tomar consciência de que também nós encontrámos Cristo, fomos chamados por Ele, aderimos à sua proposta e assumimos com Ele um compromisso. O momento do nosso Baptismo não foi um momento de folclore religioso ou uma ocasião para cumprir um rito cultural qualquer; mas foi um verdadeiro momento de encontro com Cristo, de compromisso com Ele e o início de uma caminhada que Deus nos chama a percorrer, com coerência, pela vida fora, até chegarmos ao homem novo.

    • Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a vida do homem velho... O homem velho é o homem dominado pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos, que vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o êxito, a moda...), que se deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos a nossa vida à margem das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores de Deus para abraçar outros valores que nos escravizam?

    • Paulo apela a que os crentes vivam a vida do homem novo. O homem novo é o homem continuamente atento às propostas de Deus, que aceita integrar a família de Deus, que não se conforma com a maldade, a injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na verdade, no amor, na justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o meu "projecto" de vida? Os meus gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um homem novo, que vive em comunhão com Deus e no amor aos irmãos?

    • Todos nós, no dia do nosso Baptismo, optámos pelo homem novo... É preciso, no entanto, termos consciência que a construção do homem novo nunca é um processo acabado... A monotonia, o cansaço, os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas "meias tintas", na não exigência, na acomodação; então, o homem velho espreita-nos a cada esquina e toma conta de nós... Precisamos de ter consciência de que em cada minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de Deus. O cristão não cruza os braços considerando que já atingiu um nível satisfatório de perfeição; mas está sempre numa atitude de vigilância e de conversão, para poder responder adequadamente, em cada instante, aos desafios sempre novos de Deus.

    ALELUIA - Mt 4,4b

    Aleluia. Aleluia.

    Nem só de pão vive o homem,
    mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
    EVANGELHO - Jo 6,24-35

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    quando a multidão viu
    que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
    subiram todos para as barcas
    e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
    Ao encontrá-l'O no outro lado do mar, disseram-Lhe:
    «Mestre, quando chegaste aqui?»
    Jesus respondeu-lhes:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    vós procurais-Me, não porque vistes milagres,
    mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
    Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
    mas pelo alimento que dura até à vida eterna
    e que o Filho do homem vos dará.
    A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
    marcou com o seu selo».
    Disseram-Lhe então:
    «Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?»
    Respondeu-lhes Jesus:
    «A obra de Deus
    consiste em acreditar n'Aquele que Ele enviou».
    Disseram-Lhe eles:
    «Que milagres fazes Tu,
    para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
    Que obra realizas?
    No deserto os nossos pais comeram o maná,
    conforme está escrito:
    'Deu-lhes a comer um pão que veio do céu'».
    Jesus respondeu-lhes:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
    meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
    O pão de Deus é o que desce do Céu
    para dar a vida ao mundo».
    Disseram-Lhe eles:
    «Senhor, dá-nos sempre desse pão».
    Jesus respondeu-lhes:
    «Eu sou o pão da vida:
    quem vem a Mim nunca mais terá fome,
    quem acredita em Mim nunca mais terá sede».

    AMBIENTE

    No passado domingo, João contou-nos como Jesus alimentou a multidão com cinco pães e dois peixes, na "outra" margem do Lago de Tiberíades (cf. Jo 6,1-15). Ao "cair da tarde" desse dia, Jesus e os discípulos voltaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).
    O episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no "dia seguinte" ao episódio da multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que ainda estava do "outro lado" do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e dirigiu-se ao seu encontro.
    A multidão encontra Jesus na sinagoga de Cafarnaum - uma cidade situada na margem ocidental do Lago e à volta da qual se desenrola uma parte significativa da actividade de Jesus na Galileia. Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso (cf. Jo 6,22-59) que explica o sentido do gesto precedente (a multiplicação dos pães e dos peixes).

    MENSAGEM

    A cena inicial (vers. 24) parece sugerir, à primeira vista, que a pregação de Jesus alcançou um êxito total: a multidão está entusiasmada, procura Jesus com afã e segue-O para todo o lado. Aparentemente, a missão de Jesus não podia correr melhor.
    Contudo, Jesus percebe facilmente que a multidão está equivocada e que O procura pelas razões erradas. Na verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço; mas a multidão não foi sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se pelas aparências e só percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pão em abundância. Assim, o facto de a multidão procurar Jesus e Se dirigir ao seu encontro não significa que tenha aderido à sua proposta; significa, apenas, que viu em Jesus um modo fácil e barato de resolver os seus problemas materiais.
    Na verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes gerou um perigoso equívoco. Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal-entendido. Por isso, nem sequer responde à pergunta inicial que Lhe põem ("Mestre, quando chegaste aqui?" - vers. 25); mas, mal se encontra diante da multidão, procura esclarecer coisas bem mais importantes do que a hora da sua chegada a Cafarnaum... As palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o problema da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução dos seus problemas materiais (vers. 26). Trata-se de uma procura interesseira e egoísta, que é absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou passar-lhes. Depois de identificar o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é preciso esforçar-se por conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento que sacia a fome de vida que todo o homem tem. A multidão, ao preocupar-se apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o essencial - o alimento que dá vida definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio Jesus que o traz (vers. 27).
    O que é preciso fazer para receber esse pão? - pergunta-se a multidão (vers. 28). A resposta de Jesus é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projecto (vers. 28). Na cena da multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projecto de Jesus (que falava de amor, de partilha, de serviço); apenas correu atrás do profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância... Mas, para receber o alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros homens. É acolhendo e interiorizando esse "pão" que se adquire a vida que não acaba.
    Os interlocutores de Jesus não estão, no entanto, convencidos de que esse "pão" garanta a vida definitiva. Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do amor, do serviço, da partilha. O que é que garante, perguntam eles, que esse seja um caminho verdadeiro para a vida definitiva (vers. 30)? Qual a prova de que a realização plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? Porque é que Jesus não realiza um gesto espectacular - como Moisés, que fez chover do céu o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada - para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora de vida (vers. 31)?
    Jesus responde pondo a questão da seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse "pão" que sacia a fome de vida eterna do homem. Só Deus dá aos homens, de forma contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não veio ao encontro dos homens através de Moisés, mas através de Jesus (vers. 32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espectaculares, que deslumbram e impressionam mas não mudam nada; mas é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.
    A última frase do nosso texto identifica o próprio Jesus, já não com o "portador" do pão, mas como o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida (vers. 35). "Comê-lo" será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida (como Jesus fez) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa "qualidade" de vida que o leva à sua realização plena, à vida eterna.

    ACTUALIZAÇÃO

    • O caminho que percorremos nesta terra é sempre um caminho marcado pela procura da nossa realização, da nossa felicidade, da vida plena e verdadeira. Temos fome de vida, de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de transcendência e procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade e de realização, em valores efémeros, em propostas que parecem sedutoras mas que só geram escravidão e dependência... Na verdade, o dinheiro, o poder, a realização profissional, o êxito, o reconhecimento social, os prazeres, os amigos são valores efémeros que não chegam para "encher" totalmente a nossa vida e para lhe dar um sentido pleno. Como podemos "encher" a nossa vida e dar-lhe pleno significado? Onde encontrar o "pão" que mata a nossa fome de vida?

    • Jesus de Nazaré é o "pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo". É esta a questão central que o Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus sacia a fome e a sede dos homens e lhes oferece a vida em plenitude. Isto leva-nos às seguintes questões: que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? Ele é, verdadeiramente, a coordenada fundamental à volta da qual construímos a nossa existência? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um homem excepcional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude? Ele é "mais uma" das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?

    • O que é preciso fazer para ter acesso a esse "pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo"? De acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir ("acreditar") a Jesus, o "pão" que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens. Aderir a Jesus é escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e interiorizar os seus valores, segui-l'O no caminho do amor, da partilha, do serviço, da entrega da vida a Deus e aos irmãos. Trata-se de uma adesão que deve ser consequente e traduzir-se em obras concretas. Não chegam declarações de boas intenções, ou actos institucionais que nos fazem constar dos livros de registo da nossa paróquia; aderir a Jesus é assumir o seu estilo de vida e fazer da própria vida um dom de amor, até à morte.

    • No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo... É um equívoco procurar o Baptismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco celebrar o matrimónio na Igreja porque, assim, a cerimónia é mais espectacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos auto-promovermos ou para resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida cómoda e tranquila; é um equívoco praticarmos certos actos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de desgraças, nos pague resolvendo algumas das nossas necessidades materiais... A nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que só Ele é o "pão" que nos dá vida.

    • A recusa de Jesus em realizar gestos espectaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua presença no mundo; mas Deus actua na vida do homem de forma discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projecto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha, do serviço. Convém que nos familiarizemos com os métodos de Deus, para o conseguirmos perceber e encontrar, no caminho da nossa vida.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

  • S. João Maria Vianey

    S. João Maria Vianey


    4 de Agosto, 2021

    S. João Maria Vianney nasceu perto da cidade de Lião, em França, a 8 de Maio de 1786. Cedo descobriu a sua vocação para o sacerdócio. Mas foi excluído do seminário pela sua dificuldade nos estudos. Foi, então, ajudado pelo pároco de Écully e, com quase trinta anos, foi ordenado sacerdote em Grenoble. Em 1819, foi nomeado pároco de Ars. Permaneceu quarenta e dois anos a paroquiar a pequena aldeia, que transformou, graças à sua bondade, à pregação da palavra de Deus, a sua mortificação e à sua caridade. A sua fama espalhou-se de tal forma que gente de toda a parte o procurava para se confessar e ouvir os seus conselhos. Faleceu a 4 de Agosto de 1859. Foi canonizado por Pio XI, em 1925, que também o declarou padroeiro de todos os párocos.

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 3, 16-21

    O Senhor dirigiu a palavra dizendo: 17«Filho de homem, nomeei-te sentinela da casa de Israel; se ouvires uma palavra saída da minha boca, tu lha dirigirás da minha parte. 18Se Eu digo ao pecador: 'Vais morrer', e tu não o exortas e não falas para o afastar do mau caminho, para que ele possa viver, é ele, o pecador, que perecerá por causa do seu pecado; mas, é a ti que Eu pedirei contas do seu sangue. 19Mas, se tu avisares o pecador e ele não se emendar da sua perversidade e má conduta, então ele morrerá por causa do seu pecado; mas tu terás salvo a tua vida. 20Quando o justo se desvia da sua justiça para fazer o mal, Eu lhe preparo uma armadilha, de modo que ele morra; porque tu não o avisaste, ele perecerá por causa do seu pecado e ninguém recordará a justiça que ele praticou; mas é a ti que Eu pedirei contas do seu sangue. 21Se, pelo contrário, tu preveniste um justo para que não pecasse e ele, de facto, não peca, ele viverá, porque foi advertido, e tu salvarás a tua vida.

    O profeta é colocado por Deus como sentinela do Seu povo para vigiar, velar e, se necessário, defendê-lo. O Senhor dá-lhe a graça de discernimento para o tornar capaz de advertir o perigo que incumbe sobre a consciência dos outros e de os alertar para a situação. A sua missão é ser a voz de Deus. E terá de dar contas sobre o modo como a exerceu. O profeta corajoso, que não tem medo de alertar, aqueles a quem é enviado, receberá a sua recompensa.

    Evangelho: Mateus 9, 35-10, 1

    Naquele tempo, 35Jesus percorria as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças.36Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. 37Disse, então, aos seus discípulos: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. 38Rogai, portanto, ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe.» 1Jesus chamou doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos malignos e de curar todas as enfermidades e doenças.

    No exercício do seu ministério, Jesus prega e faz milagres nas sinagogas, e nas cidades e aldeias por onde passa. Ele é o primeiro missionário, que todos os outros têm de imitar. No seu ministério, o Senhor tem em conta o homem todo. Por isso ensina, prega e cura doenças e enfermidades. A sua ação dirige-se a toda a humanidade cansada, desfalecida e desorientada. É a humanidade escravizada pelo mal. É a humanidade vítima de tantos opressores. É a humanidade desorientada à qual Deus continua a enviar pastores segundo o seu coração, como o Cura d´Ars.

    Meditatio
    Hoje, pretendo percorrer brevemente a vida do Santo Cura d'Ars, destacando alguns traços que possam servir de exemplo para os sacerdotes do nosso tempo, certamente uma época diferente daquela em que ele viveu, mas marcada, em muitos aspetos, pelos mesmos desafios fundamentais humanos e espirituais... O Santo Cura d'Ars sempre manifestou a mais alta consideração pelo dom recebido. Afirmava: "Que grandioso é o sacerdócio! Só se compreende bem no Céu... Mas, se o compreendesse sobre a terra, morrer-se-ia, não de temor, mas de amor". Além disso, quando criança, tinha confiado a sua mãe: "Se eu fosse padre, conquistaria muitas almas". E assim foi. No serviço pastoral, tão simples como extraordinariamente fecundo, este anónimo pároco de uma distante aldeia do sul da França conseguiu de tal modo identificar-se com o seu ministério que se tornou, de uma maneira visivelmente reconhecível,outro Cristo, imagem do Bom Pastor, que, ao contrário dos mercenários, dá a vida por suas ovelhas (cf. Jo 10:11). A exemplo do Bom Pastor, ele deu a vida durante as décadas do seu serviço pastoral. Sua existência foi uma catequese viva que adquiria uma eficácia particularíssima quando as pessoas o viam celebrar a missa, deter-se em adoração diante do sacrário ou passar muitas horas no confessionário... Atualmente, os desafios da sociedade moderna não são menos exigentes do que no tempo do Santo Cura d´Ars. Talvez até se tenham tornado mais complexos. Se naquele tempo havia a "ditadura do racionalismo", hoje verifica-se em muitos ambientes uma espécie de "ditadura do relativismo". Ambas oferecem respostas inadequadas à justa procura do homem... O racionalismo foi inadequado porque não teve em conta os limites humanos e aspirou a elevar apenas à razão a medida de todas as coisas, transformando-as numa ideia; o relativismo contemporâneo mortifica a razão, porque de fato chega a afirmar que o ser humano não pode conhecer nada com certeza além do campo científico positivo. Hoje, como então, o homem, "mendicante de significado e completude", sai em permanente busca de respostas exaustivas às questões de fundo, que não cessa de se colocar... O ensinamento que a este propósito continua a transmitir o Santo Cura d'Ars é que, na base de tal empenho pastoral, o sacerdote deve cultivar uma íntima união pessoal com Cristo, fazendo-a crescer dia após dia. Só se estiver apaixonado por Cristo, o sacerdote poderá ensinar a todos esta união, esta amizade íntima com o divino Mestre; poderá tocar os corações das pessoas e abri-las ao amor misericordioso do Senhor. Só assim poderá infundir entusiasmo e vitalidade espiritual à comunidade que o Senhor lhe confia... (Extratos de um discurso de Bento XVI, em 5 de Agosto de 2009).

    Oratio
    Senhor Jesus, em São João Maria Vianney, quiseste dar à Igreja uma comovente imagem da tua caridade pastoral. Que possamos, como ele, diante de tua Eucaristia, aprender como é simples e instrutiva a tua Palavra de cada dia, como é terno o amor com que acolhes os pecadores arrependidos, e como é consolador abandonar-nos confiantemente a tua Mãe Imaculada. Por intercessão do Santo Cura d'Ars, faz que as famílias cristãs se tornem "pequenas igrejas", nas quais todas as vocações e todos os carismas, infundidos pelo teu Santo Espírito, possam ser acolhidos e valorizados. Ámen.

    Contemplatio

    Depois que recebeu o batismo de João Baptista, e antes de se entregar à organização da sua Igreja, o bom Mestre mergulhou numa profunda oração durante quarenta dias no deserto. Queria acumular graças para os seus apóstolos e para os seus discípulos. Depois destes quarenta dias, começa a sua pregação. Ganha primeiro João e André que ficam apaixonados por Ele e passam todo um dia a escutá-lo (Jo 1, 35). Depois das suas primeiras pregações, passa ainda uma noite em oração. No dia seguinte faz o seu grande apelo a Pedro, a André, a Tiago, a João: segui-me. (Lc 6, 12). E, antes de completar o colégio dos seus apóstolos e dos seus discípulos, rezou ainda e mandou rezar. Percorreu a Galileia. Viu as multidões miseráveis e mal conduzidas pelos rabinos e pelos fariseus. "São como ovelhas sem pastores", diz com emoção! "Rezai, portanto, ao Mestre supremo para enviar trabalhadores para a sua vinha e pastores para o seu rebanho" (Mt 9, 38). Quantas lições para nós! Estimemos o elevado valor da vocação; peçamos a Deus que multiplique os santos sacerdotes. (Leão Dehon, OSP 4, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Que grandioso é o sacerdócio!
    Só se compreende bem no Céu!" (Santo Cura d´Ars).

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    S. João Maria Vianey (4 Agosto)

  • Transfiguração do Senhor

    Transfiguração do Senhor


    6 de Agosto, 2021

    A festa da Transfiguração do Senhor, celebrada no Oriente desde o século V, celebra-se no Ocidente desde 1457. Situada antes do anúncio da Paixão e da Morte, a Transfiguração prepara os Apóstolos para a compreensão desse mistério. Quase com o mesmo objetivo, a Igreja celebra esta festa quarenta dias antes da Exaltação da Cruz, a 14 de Setembro. A Transfiguração, manifestação da vida divina, que está em Jesus, é uma antecipação do esplendor, que encherá a noite da Páscoa. Os Apóstolos, quando virem Jesus na sua condição de Servo, não poderão esquecer a sua condição divina.

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel 7, 9-10.13s.

    «Continuava eu a olhar, até que foram preparados uns tronos, e um Ancião sentou-se. Branco como a neve era o seu vestuário, e os cabelos da cabeça eram como de lã pura; o trono era feito de chamas, com rodas de fogo flamejante. 10Corria um rio de fogo que jorrava da parte da frente dele. Mil milhares o serviam, dez mil miríades lhe assistiam.O tribunal reuniu-se em sessão e foram abertos os livros. 13Contemplando sempre a visão nocturna, vi aproximar-se, sobre as nuvens do céu, um ser semelhante a um filho de homem. Avançou até ao Ancião, diante do qual o conduziram. 14Foram-lhe dadas as soberanias, a glória e a realeza. Todos os povos, todas as nações e as gentes de todas as línguas o serviram. O seu império é um império eterno que não passará jamais, e o seu reino nunca será destruído.»

    Daniel, em visão noturna, vê a história do ponto de vista de Deus. Sucedem-se os impérios e os opressores, mas o projeto de Deus não falha. Ele é o último juíz, que avaliará as ações dos homens e intervirá para resgatar o seu povo. Aos reinos terrenos contrapõe-se o Reino que o Ancião confia a um misterioso "filho de homem" que vem sobre as núvens. Trata-se de um verdadeiro homem, mas de origem divina.
    No nosso texto já não se trata do Messias davídico que havia de restaurar o Reino de Israel, mas da sua transfiguração sobrenatural: o Filho do homem vem inaugurar um reino que, embora se insira no tempo, "não é deste mundo" (Jo 18, 36). Ele triunfará sobre as potências terrenas, conduzindo a história à sua realização escatológica. Jesus irá identificar-se muitas vezes com esta figura bíblica na sua pregação e particularmente diante do Sinédrio, que o condenará à morte.

    Segunda leitura: 2 Pedro 1, 16-19

    Caríssimos: Demo-vos a conhecer o poder e a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, não por havermos ido atrás de fábulas engenhosas, mas por termos sido testemunhas oculares da sua majestade. 17Com efeito, Ele foi honrado e glorificado por Deus Pai, quando a excelsa Glória lhe dirigiu esta voz:Este é o meu Filho, o meu muito Amado,
    em quem Eu pus o meu encanto. 18E esta voz, vinda do Céu, nós mesmos a ouvimos quando estávamos com Ele na montanha santa. 19E temos assim mais confirmada a palavra dos profetas, à qual fazeis bem em prestar atenção como a uma lâmpada que brilha num lugar escuro, até que o dia desponte e a estrela da manhã nasça nos vossos corações.

    Pedro e os seus companheiros reconhecem-se portadores de uma graça maior que a dos profetas, porque ouviram a voz celeste que proclamava Filho muito amado do Pai, Jesus, seu mestre. Mas a Palavra do Antigo Testamento continua a ser "uma lâmpada que brilha num lugar escuro" (v. 19), até ao dia sem fim, quando Cristo vier na sua glória. Jesus transfigurado sustenta a nossa fé e acende em nós o desejo da esperança nesta caminhada. A "estrela da manhã" já brilha no coração de quem espera vigilante.

    Evangelho: Lucas 9, 28b-36

    Naquele tempo, Jesus, levando consigo Pedro, João e Tiago, subiu ao monte para orar.29Enquanto orava, o aspecto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma brancura fulgurante. 30E dois homens conversavam com Ele: Moisés e Elias, 31os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua morte, que ia acontecer em Jerusalém. 32Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. 33Quando eles iam separar-se de Jesus, Pedro disse-lhe: «Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Não sabia o que estava a dizer. 34Enquanto dizia isto, surgiu uma nuvem que os cobriu e, quando entraram na nuvem, ficaram atemorizados. 35E da nuvem veio uma voz que disse: «Este é o meu Filho predilecto. Escutai-o.» 36Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou só. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, nada contaram a ninguém do que tinham visto.

    A Transfiguração confirma a fé dos Apóstolos, manifestada por Pedro em Cesareia de Filipe, e ajuda-os a ultrapassar a sua oposição à perspetiva da paixão anunciada por Jesus. Quem quiser Seu discípulo, terá de participar nos seus sofrimentos (Mt 16, 21-27. A Transfiguração é um primeiro resplendor da glória divina do Filho, chamado a ser Servo sofredor para salvação dos homens. Na oração, Jesus transfigura-se e deixa entrever a sua identidade sobrenatural. Moisés e Elias são protagonistas de um êxodo muito diferente nas circunstâncias, mas idêntico na motivação: a fidelidade absoluta a Deus. A luz da Transfiguração clarifica interiormente o seu caminho terreno. Quando a visão parece estar a terminar, Pedro como que tenta parar o tempo. É, então, envolvido com os companheiros pela nuvem. É a nuvem da presença de Deus, do mistério que se revela permanecendo incognoscível. Mas Pedro, Tiago e João recebem dele a luz mais resplandecente: a voz divina proclama a identidade Jesus, Filho e Servo sofredor (cf Is 42, 1).

    Meditatio

    Jesus manda os seus discípulos rezar. Hoje, toma à parte os seus prediletos, Pedro, Tiago e João, para os fazer rezar mais longa e intimamente. Estes três representam particularmente os pontífices, os religiosos, as almas chamadas à perfeição. Para rezar Jesus gosta da solidão, a montanha onde reina a paz, a calma, onde pode ver-se a grandeza da obra divina sob o céu estrelado durante as belas noites do Oriente. A transfiguração é uma visão do céu. É uma graça extraordinária para os três apóstolos. Não nos devemos agarrar às graças extraordinárias que são por vezes o fruto da contemplação. Pedro agarra-se a isso. Engana-se. Queria ficar lá: «Façamos três tendas», diz. Não sabia o que dizia. A visão desaparece numa nuvem. Há aqui uma lição para nós. Entreguemo-nos à oração habitual, à contemplação. Não desejemos as graças extraordinárias. Se vierem, não nos agarremos a elas. Os frutos desta festa são, em primeiro lugar, o crescimento da fé. Os apóstolos testemunham-nos que viram a glória do Salvador. «Não são fábulas que vos contamos, diz S. Pedro (2Pd 1, 16), fomos testemunhas do poder e da glória do Redentor. Ouvimos a voz do céu sobre a montanha gritando-nos no meio dos esplendores da transfiguração: É o meu Filho bem-amado, escutai-o». S. Paulo encoraja a nossa esperança recordando a lembrança da glória do salvador manifestada na transfiguração e na ascensão: «Veremos a glória face a face, diz, e seremos transfigurados à sua semelhança» (2Cor 3, 18). - Esperamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo terrestre e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso» (Fil 3, 21). Mas este mistério é sobretudo próprio para aumentar o nosso amor por Jesus. Nosso Senhor manifestou-nos naquele dia toda a sua beleza. O seu rosto era resplandecente como o sol. Os apóstolos, testemunhas da transfiguração, estavam totalmente inebriados de amor e de alegria. «Que bom é estar aqui», dizia S. Pedro. «Façamos aqui a nossa tenda». A beleza de Cristo transfigurado, contemplada pelo pintor Rafael, inspirou-lhe a obra-prima da arte cristã. Nosso Senhor falava então da sua Paixão com Moisés e Elias: nova lição de amor por nós. O Coração de Jesus, mesmo na sua glória, não pensa senão em nós e nos sacrifícios que quer fazer por nós. Lições também de penitência, de reparação, de compaixão pelo Salvador. Porque teve de sofrer tanto para nos resgatar, choremos os nossos pecados, amemos o nosso Redentor, consolemo-lo.
    Este é o meu Filho muito amado: Escutai-o. - A voz do Pai celeste diz-nos: "Escutai-o", palavra cheia de sentido, como todas as palavras divinas. Deus dá-nos o seu divino Filho por guia, por chefe, por mestre. Escutai-o, fala-nos nas leis santas do Evangelho e nos conselhos de perfeição. Fala-vos nas vossas santas regras, se sois religiosos; no vosso regulamento de vida, se sois do mundo. Fala-vos pelos vossos superiores, pelo vosso diretor. Têm a missão para vos dizer a vontade divina. Fala-vos pela sua graça, na oração, na união habitual com ele. A palavra de Deus nunca vos falta, é a vossa docilidade que falta habitualmente. Esta palavra divina - «Escutai-o» - espera de vós uma resposta. Não basta apenas uma promessa vaga: «hei-de escutar». É preciso uma disposição habitual: «escuto, escuto sempre; falai, Senhor, o vosso servo escuta». Escutarei no começo de cada ação, para saber o que devo fazer e como devo fazê-lo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 132s.).

    Oratio

    Sim, Senhor, quero doravante escutar-vos. Falai, Senhor, que o vosso servo escuta. Senhor, que quereis que eu faça? A vossa vontade será a minha lei, como a vontade do vosso Pai era a lei do vosso coração. Para cada uma das minhas ações, farei o que vós quiserdes. Consultar-vos-ei antes de agir. Falai, Senhor. (Leão Dehon, OSP 4, p. 252).

    Contemplatio

    Pedro e os seus dois companheiros, fatigados da caminhada, tinham caído no sono, quando, acordando de repente, viram Jesus na sua glória, entre dois homens, Moisés e Elias, que conversavam com Ele. Moisés e Elias, representando a lei e os profetas, vinham prestar homenagem a Jesus Cristo, no qual se realizavam todas as figuras e todas as promessas do Antigo Testamento. Vinham reconhecer nele o Messias que tinham anunciado e esperado. E de que é que juntos conversavam? Falavam, diz S. Lucas, da sua saída do mundo, que devia cumprir-se em Jerusalém. Falavam do grande mistério da redenção dos homens pelo sacrifício de Jesus Cristo. Jesus explicava a Moisés e a Elias todo o sentido das figuras da antiga lei: a libertação do Egipto, símbolo da redenção; a imolação do cordeiro, figura da morte de Jesus; a salvação dos filhos de Israel pelo sangue do cordeiro, símbolo da redenção dos homens pelo sangue do Coração de Jesus. Jesus dizia aos dois profetas a sua alegria de ver chegar o dia do sacrifício. Oh! Como o seu amor por nós se manifesta sem cessar! Os apóstolos, à vista deste espetáculo, são mergulhados numa espécie de êxtase. Julgam-se transportados ao céu. S. Pedro, sempre ardente, é o primeiro que manifesta o seu sentimento: Senhor, diz, que bom é estar aqui; façamos aqui três tendas, uma para vós, uma para Moisés, uma para Elias. S. Pedro é humilde e desinteressado; esquece-se, e não pensa em montar uma tenda para si. Ele não quer ser senão o servidor de Jesus. Mas isso é ainda muito. Ele não compreendeu que é preciso comprar a recompensa através das provações. A glória definitiva não virá senão depois da cruz e do sacrifício. Trabalhemos, sejamos generosos. A recompensa virá quando agradar a Deus. S. Pedro reconheceu mais tarde que não sabia o que dizia naquele dia, e fê-lo notar pelo seu evangelista, S. Marcos. (Leão Dehon, OSP 3, p. 250s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Este é o meu Filho predilecto. Escutai-o." (Lc 9, 35).

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    Transfiguração do Senhor (6 Agosto)

  • 19º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    19º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    8 de Agosto, 2021

    ANO B
    19º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 19º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 19º Domingo do Tempo Comum dá-nos conta, uma vez mais, da preocupação de Deus em oferecer aos homens o "pão" da vida plena e definitiva. Por outro lado, convida os homens a prescindirem do orgulho e da auto-suficiência e a acolherem, com reconhecimento e gratidão, os dons de Deus.
    A primeira leitura mostra como Deus Se preocupa em oferecer aos seus filhos o alimento que dá vida. No "pão cozido sobre pedras quentes" e na "bilha de água" com que Deus retempera as forças do profeta Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo.
    O Evangelho apresenta Jesus como o "pão" vivo que desceu do céu para dar a vida ao mundo. Para que esse "pão" sacie definitivamente a fome de vida que reside no coração de cada homem ou mulher, é preciso "acreditar", isto é, aderir a Jesus, acolher as suas propostas, aceitar o seu projecto, segui-l'O no "sim" a Deus e no amor aos irmãos.
    A segunda leitura mostra-nos as consequências da adesão a Jesus, o "pão" da vida... Quando alguém acolhe Jesus como o "pão" que desceu do céu, torna-se um Homem Novo, que renuncia à vida velha do egoísmo e do pecado e que passa a viver no caridade, a exemplo de Cristo.

    LEITURA I - 1 Re 19,4-8

    Leitura do Primeiro Livro dos Reis

    Naqueles dias,
    Elias entrou no deserto e andou o dia inteiro.
    Depois sentou-se debaixo de um junípero
    e, desejando a morte, exclamou:
    «Já basta, Senhor. Tirai-me a vida,
    porque não sou melhor que meus pais».
    Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero.
    Nisto, um Anjo do Senhor tocou-lhe e disse:
    «Levanta-te e come».
    Ele olhou e viu à sua cabeceira
    um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água.
    Comeu e bebeu e tornou a deitar-se.
    O Anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-lhe e disse:
    «Levanta-te e come,
    porque ainda tens um longo caminho a percorrer».
    Ele levantou-se, comeu e bebeu.
    Depois, fortalecido com aquele alimento,
    caminhou durante quarenta dias e quarenta noites
    até ao monte de Deus, Horeb.

    AMBIENTE

    Elias actua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX a.C., num tempo em que a fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros (especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de Israel. Provavelmente, estamos diante de uma tentativa de abrir Israel a outras culturas, a fim de facilitar o intercâmbio cultural e comercial... Mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. O ministério profético de Elias desenvolve-se sobretudo durante o reinado de Acab (873-853 a.C.), embora a sua voz também se tenha feito ouvir no reinado de Ocozias (853-852 a.C.).
    Elias é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh. Ele aparece como o representante dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma apresentação teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre os fiéis a Jahwéh e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.
    Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot): ele representa os pobres de Israel, na sua luta sem tréguas contra uma aristocracia e uns comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.
    Após o massacre dos 400 profetas de Baal no monte Carmelo, Acab e a sua esposa fenícia juraram matar Elias; e o profeta fugiu para o sul, a fim de salvar a vida. Chegado à zona de Beer-Sheba, Elias internou-se no deserto. É precisamente nesse contexto que o episódio do Livro dos Reis que hoje nos é proposto nos situa.

    MENSAGEM

    A cena apresenta-nos um Elias abatido, deprimido e solitário face à incompreensão e à perseguição de que é alvo. O profeta sente que falhou, que a sua missão está condenada ao fracasso e que a sua luta o conduziu a um beco sem saída; sente medo e está prestes a desistir de tudo... O pedido que o profeta faz a Deus no sentido de lhe dar a morte (vers. 4) reflecte o seu profundo desânimo, desilusão, angústia e desespero. É uma cena tocante, que nos recorda que o profeta é um homem e que está, por isso, condenado a fazer a experiência da sua fragilidade e da sua finitude.
    No entanto, Deus não está longe e não abandona o seu profeta. O nosso texto refere, neste contexto, a solicitude e o amor de Deus, que oferece a Elias "pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água" (vers. 6). É a confirmação de que o profeta não está perdido nem abandonado por Deus, mesmo quando é incompreendido e perseguido pelos homens. A cena garante-nos a presença contínua de Deus e o seu cuidado com aqueles que chama e a quem dá o alimento e o alento para serem fiéis à missão, mesmo em contextos adversos. Repare-se como Deus não anula a missão do profeta, nem elimina os perseguidores; mas limita-Se a dar ao profeta a força para continuar a sua peregrinação.
    Alimentado pela força de Deus, o profeta caminha durante "quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, o Horeb" (vers. 8). A referência aos "quarenta dias e quarenta noites" alude certamente à estadia de Moisés na montanha sagrada (cf. Ex 24,18), onde se encontrou com Deus e onde recebeu de Jahwéh as tábuas da Lei; também pode aludir à caminhada do Povo durante quarenta anos pelo deserto, até alcançar a Terra Prometida. Em qualquer caso, esta peregrinação ao Horeb - o monte da Aliança - é um regresso às fontes, uma peregrinação às origens de Israel como Povo de Deus... Perseguido, incompreendido, desesperado, Elias necessita revitalizar a sua fé e reencontrar o sentido da sua missão como profeta de Jahwéh e como defensor dessa Aliança que Deus ofereceu ao seu Povo no Horeb/Sinai.

    ACTUALIZAÇÃO

    • No quadro que o texto nos apresenta, Elias aparece como um homem vencido pelo medo e pela angústia, marcado pela decepção e pelo desânimo, que experimentou dramaticamente a sua impotência no sentido de mudar o coração do seu Povo e que, por isso, desistiu de lutar; a sua desilusão é de tal forma grande, que ele prefere morrer a ter de continuar. "Este" Elias testemunha essa condição de fragilidade e de debilidade que está sempre presente na experiência profética. É um quadro que todos nós conhecemos bem... A nossa experiência profética está, muitas vezes, marcada pelas incompreensões, pelas calúnias, pelas perseguições; outras vezes, é o sentimento da nossa impotência no sentido de mudar o mundo que nos angustia e desanima; outras vezes ainda, é a constatação da nossa fragilidade, dos nossos limites, da nossa finitude que nos assusta... Como responder a um quadro deste tipo e como encarar esta experiência de fragilidade e de debilidade? A solução será baixar os braços e abandonar a luta? Quem pode ajudar-nos a enfrentar o drama da desilusão e da decepção?

    • O nosso texto garante-nos que Deus não abandona aqueles a quem chama a dar testemunho profético. No "pão cozido sobre pedras quentes" e na "bilha de água" com que Deus retempera as forças de Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo. Quando tudo parece cair à nossa volta e quando a nossa missão parece condenada ao fracasso, é em Deus que temos de confiar e é n'Ele que temos de colocar a nossa segurança e a nossa esperança.

    • Como nota marginal, atentemos na forma de actuar de Deus: Ele não resolve magicamente os problemas do profeta, nem Se substitui ao profeta... O profeta deve continuar a sua missão, enfrentando os mesmos problemas de sempre; mas Deus "apenas" alimenta o profeta, dando-lhe a coragem para continuar a sua missão. Por vezes, pedimos a Deus que nos resolva milagrosamente os problemas, com um golpe mágico, enquanto nós ficamos, de braços cruzados, a olhar para o céu... O nosso Deus não Se substitui ao homem, não ocupa o nosso lugar, não estimula com a sua acção a nossa preguiça e a nossa instalação; mas está ao nosso lado sempre que precisamos d'Ele, dando-nos a força para vencer as dificuldades e indicando-nos o caminho a seguir.

    • A "peregrinação" de Elias ao Horeb/Sinai, para se reencontrar com as origens da fé israelita e para recarregar as baterias espirituais, sugere-nos a necessidade de, por vezes, encontrarmos momentos de "paragem", de reflexão, de "retiro", de reencontro com Deus, de redescoberta dos fundamentos da nossa missão... Essa "paragem" não será nunca um tempo perdido; mas será uma forma de recentrarmos a nossa vida em Deus e de redescobrirmos os desafios que Deus nos faz, no âmbito da missão que nos confiou.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 33 (34)

    Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

    A toda a hora bendirei o Senhor,
    o seu louvor estará sempre na minha boca.
    A minha alma gloria-se no Senhor:
    escutem e alegrem-se os humildes.

    Enaltecei comigo o Senhor
    e exaltemos juntos o seu nome.
    Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
    libertou-me de toda a ansiedade.

    Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
    o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
    Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
    salvou-o de todas as angústias.

    O Anjo do Senhor protege os que O temem
    e defende-os dos perigos.
    Saboreai e vede como o Senhor é bom:
    feliz o homem que n'Ele se refugia.

    LEITURA II - Ef 4,30-5,2

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Não contristeis o Espírito Santo de Deus,
    que vos assinalou para o dia da redenção.
    Seja eliminado do meio de vós
    tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência
    e toda a espécie de maldade.
    Sede bondosos e compassivos uns para com os outros
    e perdoai-vos mutuamente,
    como Deus também vos perdoou em Cristo.
    Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados.
    Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo,
    que nos amou e Se entregou por nós,
    oferecendo-Se como vítima agradável a Deus.

    AMBIENTE

    A nossa segunda leitura apresenta-nos, mais uma vez, um texto dessa "carta circular" que Paulo escreveu a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor (inclusive aos cristãos de Éfeso), enquanto estava na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?). Esta carta (escrita na fase final da vida de Paulo) é uma carta onde o apóstolo expõe aos cristãos, de forma serena e reflectida, as principais exigências da vida nova que resulta do Baptismo.
    Na secção que vai de 4,1 a 6,20, temos uma "exortação aos baptizados": é um texto parenético, que tem por objectivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Baptismo e com o seu compromisso com Cristo. A perícopa de 4,14-15,14 (que inclui o nosso texto) deve ser entendida como um convite a viver de acordo com a condição de Homem Novo, que o cristão adquiriu no dia do seu Baptismo.

    MENSAGEM

    Pelo Baptismo, cada cristão tornou-se morada do Espírito; e ao acolher o Espírito, recebeu um sinal ou selo que prova a sua pertença a Deus. Tem, portanto, de viver em consequência e de expressar, nas suas acções concretas, a vida nova do Espírito. A exortação a "não contristar" o Espírito (4,30) deve entender-se como "não decepcioneis o Espírito que habita em vós, continuando a viver de acordo com o homem velho".
    Em concreto, o que é que implica ser "morada do Espírito"?
    Significa, por um lado, que os vícios do "homem velho" (o azedume, a irritação, a cólera, o insulto, a maledicência e toda a espécie de maldade - 4,31) devem ser eliminados da vida do cristão. Repare-se como todos estes "vícios" dizem respeito ao mundo da relação com os irmãos: o cristão deve evitar qualquer acção que se oponha ao amor.
    Significa, por outro lado, pautar toda a vida por atitudes de bondade, de compaixão, de perdão, de amor, tendo Cristo como o modelo de vida (4,32).
    O que fundamenta todas estas exortações é o facto de os crentes serem "filhos bem amados de Deus"; por isso, devem imitar a perfeição, a bondade e o amor de Deus. Como exemplo concreto, os crentes têm diante dos olhos Cristo, o Filho bem amado de Deus que, cumprindo os projectos do Pai, ofereceu a sua vida por amor aos homens (5,1-2).

    ACTUALIZAÇÃO

    • Pelo Baptismo, os cristãos tornam-se filhos amados de Deus e passam a integrar a comunidade de Deus. O Baptismo não é, portanto, uma tradição familiar, um rito cultural, ou uma obrigação social; mas é um momento sério de opção por Deus e de compromisso com os valores de Deus. Tenho consciência de que me comprometi com a família de Deus e que devo viver como filho de Deus? Tenho consciência de que assumi o compromisso de testemunhar no mundo, com os meus gestos e atitudes, os valores de Deus? Tenho consciência de que devo, portanto, procurar ser perfeito "como o Pai do céu é perfeito" (cf. Mt 5,48)?

    • Para os baptizados, o modelo do "Filho amado de Deus" que cumpre absolutamente os planos do Pai, é Jesus... A vida de Jesus concretizou-se na contínua escuta dos projectos do Pai e no amor total aos homens. Esse amor (que teve a sua expressão máxima na cruz) expressou-se sempre em gestos de entrega aos homens, de serviço humilde aos irmãos, de dom de Si próprio, de acolhimento de todos os marginalizados, de bondade sem fronteiras, de perdão sem limites... Dessa forma, Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o modelo que Deus propõe a todos os outros seus filhos. Como é que me situo face a esse "modelo" que é Jesus? Como Ele, vivo numa atenção constante às propostas de Deus e disposto a responder positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou disposto a despir-me do egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida um dom total aos irmãos?

    • Seguir Cristo e ser um Homem Novo implica, na perspectiva de Paulo, assumir uma nova atitude nas relações com os irmãos. O apóstolo chega a especificar que o azedume, a irritação, os rancores, os insultos, as violências, a má-língua, a inveja, os orgulhos mesquinhos devem ser totalmente banidos da vida dos cristãos. Esses "vícios" são manifestações do "homem velho" que não cabem na existência de um "filho de Deus", cuja vida foi marcada com o selo do Espírito. É necessário que estejamos cientes desta realidade: quando na nossa vida pessoal ou comunitária nos deixamos levar pelo rancor, pelo ciúme, pelo ódio, pela violência, pela mesquinhez e magoamos os irmãos que nos rodeiam, estamos a ser incoerentes com o compromisso que assumimos no dia do nosso Baptismo e a cortar a nossa relação com a família de Deus.

    ALELUIA - Jo 6,51

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o pão vivo que desceu do Céu, diz o Senhor;
    quem comer deste pão viverá eternamente.

    EVANGELHO - Jo 6,41-51

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito:
    «Eu sou o pão que desceu do Céu».
    E diziam: «Não é ele Jesus, o filho de José?
    Não conhecemos o seu pai e a sua mãe?
    Como é que Ele diz agora: 'Eu desci do Céu'?»
    Jesus respondeu-lhes:
    «Não murmureis entre vós.
    Ninguém pode vir a Mim,
    se o Pai, que Me enviou, não o trouxer;
    e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia.
    Está escrito no livro dos Profetas:
    'Serão todos instruídos por Deus'.
    Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino
    vem a Mim.
    Não porque alguém tenha visto o Pai;
    só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.
    Em verdade, em verdade vos digo:
    Quem acredita tem a vida eterna.
    Eu sou o pão da vida.
    No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram.
    Mas este pão é o que desce do Céu
    para que não morra quem dele comer.
    Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.
    E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne,
    que Eu darei pela vida do mundo».

    AMBIENTE

    No seu "Livro dos Sinais" (cf. Jo 4,1-11,56), João apresenta-nos um conjunto de cinco catequeses sobre Jesus; e, em cada uma delas, usando diferentes símbolos, Jesus é apresentado como o Messias que veio ao mundo para cumprir o plano do Pai e fazer aparecer um Homem Novo. Todas essas catequeses ("Jesus, a água que dá a vida" - cf. Jo 4,1-5,47; "Jesus, o verdadeiro pão que sacia todas as fomes" - cf. Jo 6,1-7,53; "Jesus, a luz que liberta o homem das trevas" - cf. Jo 8,12-9,41; "Jesus, o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas" - cf. Jo 10,1-42; "Jesus, vida e ressurreição para o mundo" - cf. Jo 11,1-56) terminam com uma secção onde se manifesta a oposição dos judeus a essa vida nova que Jesus veio propor aos homens. João vai, dessa forma, preparando os seus leitores para aquilo que vai acontecer em Jerusalém no final da caminhada histórica de Jesus: a morte na cruz.
    O texto que nos é hoje proposto apresenta-nos uma dessas histórias de confronto entre Jesus e os judeus. No final do discurso explicativo da multiplicação dos pães e dos peixes, pronunciado na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,22-40), Jesus propusera-Se como "o Pão da vida" e convidara os seus interlocutores a aderirem à sua proposta para nunca mais terem fome. O nosso texto é a sequência desse episódio. Refere a murmuração dos judeus a propósito das palavras de Jesus e descreve a controvérsia que se seguiu.

    MENSAGEM

    Os interlocutores de Jesus não aceitam a sua pretensão de Se apresentar como "o pão que desceu do céu". Eles conhecem a sua origem humana, sabem que o seu pai é José, conhecem a sua mãe e a sua família; e, na sua perspectiva, isso exclui uma origem divina (vers. 41). Em consequência, eles não podem aceitar que Jesus Se arrogue a pretensão de trazer aos homens a vida de Deus.
    Em lugar de discutir a questão da sua origem divina, Jesus prefere denunciar aquilo que está por detrás da atitude negativa dos judeus face à proposta que lhes é feita: eles não têm o coração aberto aos dons de Deus e recusam-se a aceitar os desafios de Deus... O Pai apresenta-lhes Jesus e pede-lhes que vejam em Jesus o "pão" de Deus para dar vida ao mundo; mas os judeus, instalados nas suas certezas, amarrados às suas seguranças, acomodados a um sistema religioso ritualista, estéril e vazio, já decidiram que não têm fome de vida e que não precisam para nada do "pão" de Deus. Não estão, portanto, dispostos, a acolher Jesus, "o pão que desceu do céu" (vers. 43-46). Eles não escutam Jesus, porque estão instalados num esquema de orgulho e de auto-suficiência e, por isso, não precisam de Deus.
    Para aqueles que, efectivamente, O querem aceitar como "o pão de Deus que desceu do céu", Jesus traz a vida eterna. Ele "é", de facto, o "pão" que permite ao homem saciar a sua fome de vida ("Eu sou o pão da vida" - vers. 48). A expressão "Eu sou" é uma fórmula de revelação (correspondente ao nome de Deus - "Eu sou aquele que sou" - tal como aparece em Ex 3,14) que manifesta a origem divina de Jesus e a validade da proposta de vida que Ele traz. Quem adere a Jesus e à proposta que Ele veio apresentar ("quem acredita" - vers. 47) encontra a vida definitiva. O que é decisivo, neste processo, é o "acreditar" - isto é, o aderir efectivamente a Jesus e aos valores que Ele veio propor.
    Essa vida que Jesus está disposto a oferecer não é uma vida parcial, limitada e finita; mas é uma vida verdadeira e eterna. Para sublinhar esta realidade, Jesus estabelece um paralelo entre o "pão" que Ele veio oferecer e o maná que os israelitas comeram ao longo da sua caminhada pelo deserto... No deserto, os israelitas receberam um pão (o maná) que não lhes garantia a vida eterna e definitiva e que nem sequer lhes assegurava o encontro com a terra prometida e com a liberdade plena (alimentada pelo antigo maná, a geração saída da escravidão do Egipto nunca conseguiu apropriar-se da vida em plenitude e nem sequer chegou a alcançar essa terra da liberdade que buscavam); mas o "pão" que Jesus quer oferecer ao homem levará o homem a alcançar a meta da vida plena (vers. 49-50). "Vida plena" não indica aqui, apenas, um "tempo" sem fim; mas indica, sobretudo, uma vida com uma qualidade única, com uma qualidade ilimitada - uma vida total, a vida do homem plenamente realizado.
    Jesus vai dar a sua "carne" ("o pão que Eu hei-de dar é a minha carne" - vers. 51) para que os homens tenham acesso a essa vida plena, total, definitiva. Jesus estará aqui a referir-se à sua "carne" física? Não. A "carne" de Jesus é a sua pessoa - essa pessoa que os discípulos conhecem e que se lhes manifesta, todos os dias, em gestos concretos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia. Essa "pessoa" revela-lhes o caminho para a vida verdadeira: nas atitudes, nas palavras de Jesus, manifesta-se historicamente ao mundo o Deus que ama os homens e que os convida, através de gestos concretos, a fazer da vida um dom e um serviço de amor.

    ACTUALIZAÇÃO

    • Repetindo o tema central do texto que reflectimos no passado domingo, também o Evangelho que hoje nos é proposto nos convida a acolher Jesus como o "pão" de Deus que desceu do céu para dar a vida aos homens... Para nós, seguidores de Jesus, esta afirmação não é uma afirmação de circunstância, mas um facto que condiciona a nossa existência, as nossas opções, todo o nosso caminho. Jesus, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, com o seu amor, com a sua proposta, veio dizer-nos como chegar à vida verdadeira e definitiva. Que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? É à volta d'Ele que construímos a nossa existência? O projecto que Ele veio propor-nos tem um real impacto na nossa caminhada e nas opções que fazemos em cada instante?

    • "Quem acredita em Mim, tem a vida eterna" - diz-nos Jesus. "Acreditar" não é, neste contexto, aceitar que Ele existiu, conhecer a sua doutrina, ou elaborar altas considerações teológicas a propósito da sua mensagem... "Acreditar" é aderir, de facto, a essa vida que Jesus nos propôs, viver como Ele na escuta constante dos projectos do Pai, segui-l'O no caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos irmãos; é fazer da própria vida - como Ele fez da sua - uma luta coerente contra o egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo o que desfeia a vida dos homens e traz sofrimento ao mundo. Eu posso dizer, com verdade e objectividade, que "acredito" em Jesus?

    • No seu discurso, Jesus faz referência ao maná como um alimento que matou a fome física dos israelitas em marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a vida definitiva, não lhes transformou os corações, não lhes assegurou a liberdade plena e verdadeira (só o "pão" que Jesus oferece sacia verdadeiramente a fome de vida do homem). O maná pode representar aqui todas essas propostas de vida que, tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a revelar-se falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão nem geram vida plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa esperança e a nossa segurança no "pão" que não sacia a nossa fome de vida definitiva; é necessário aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno; é preciso aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas propostas de realização e de felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos manipular, aceitando como "pão" verdadeiro os valores e as propostas que a moda ou a opinião pública dominante continuamente nos oferecem...

    • Porque é que os judeus rejeitam a proposta de Jesus e não estão dispostos a aceitá-l'O como "o pão que desceu do céu"? Porque vivem instalados nas suas grandes certezas teológicas, prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num sistema religioso imutável e estéril e perderam a faculdade de escutar Deus e de se deixar desafiar pela novidade de Deus. Eles construíram um Deus fixo, calcificado, previsível, rígido, conservador, e recusam-se a aceitar que Deus encontre sempre novas formas de vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer vida em abundância. Esta "doença" de que padecem os líderes e "fazedores" de opinião do mundo judaico não é assim tão rara... Todos nós temos alguma tendência para a acomodação, a instalação, o aburguesamento; e quando nos deixamos dominar por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos preconceitos, das ideias política ou religiosamente correctas, de catecismos muito bem elaborados mas parados no tempo, das elaborações teológicas muito coerentes e muito bem arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério de Deus e para os desafios sempre novos que Deus nos faz. É preciso aprendermos a questionar as nossas certezas, as nossas ideias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que nos instalamos comodamente; é preciso termos sempre o coração aberto e disponível para esse Deus sempre novo e sempre dinâmico, que vem ao nosso encontro de mil formas para nos apresentar os seus desafios e para nos oferecer a vida em abundância.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 19º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Antes de nos pormos a caminho para receber o Pão da Vida, Jesus recorda-nos que, antes de mais, somos convidados, que é Deus que dá o primeiro passo: "Felizes os convidados para a ceia do Senhor!" De seguida, pede-nos que façamos um acto de fé: "Dizei uma palavra e serei salvo!" Crer n'Aquele que Deus enviou... Crer, isto é, ter confiança nas suas palavras e nos seus gestos. Aquele que tem confiança sabe que não ficará decepcionado. O que Cristo quer é que vivamos plenamente, enquanto vamos ao seu encontro: a sua palavra é alimento, a sua carne (a sua pessoa) é alimento, com Ele ficamos saciados. Ele vem até nós para que vivamos d'Ele e, por Ele, a nossa vida ganhe sentido, os nossos gestos possam dar a vida, as nossas palavras possam exprimir a ternura, a nossa oração se torne relação filial com o Pai.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Os judeus recriminavam Jesus: "Esse homem não é Jesus, filho de José? Conhecemos bem seu pai e sua mãe. Como pode dizer «Eu desci do céu»?" Os adversários de Jesus discutiam a sua origem e a sua pretensão exorbitante. Devemos reconhecer que a dificuldade dos compatriotas não era pequena. Jesus não tinha nada de extraterrestre. Se estivéssemos lá, talvez tivéssemos a mesma atitude... Ora, para descobrir o mistério profundo de Jesus, é preciso ir para além das aparências. Para conhecer Jesus, é preciso acolher a luz que vem da Palavra de Deus, ter o olhar da fé. A fé é uma "luz obscura", pede um salto numa "confiança nocturna", na noite. Isso verifica-se já nas nossas relações humanas de amor e de amizade. A fé-confiança não é uma evidência "científica" que leva a uma adesão imediata da inteligência. A fé só se pode aceitar e viver numa relação de amor, de amizade. Para além das aparências... Só podemos aceitar a Palavra de Jesus se nos abrirmos a Deus. Jesus pede aos seus discípulos para terem confiança: "Crede em Deus, crede também em Mim". A fé é uma graça, um dom gratuito. Mas é também um combate, segundo São Paulo: "Combati até ao fim o bom combate... guardei a fé". Em definitivo, somos reenviados a uma escolha que, certamente, não suprime as exigências da nossa razão, mas ultrapassa-as, porque aceitamos entrar numa relação de amor e de amizade com Jesus, "o filho de José", que reconhecemos também como "o Filho de Deus".

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Saborear Deus, saborear a bondade da Criação... O verão presta-se muito particularmente, em qualquer lugar onde estivermos, a fazer-nos saborear a bondade do Senhor através da beleza da sua Criação. Paisagens, elementos naturais, animais, astros, etc... E, no cume, as pessoas que encontramos, todas criadas à imagem do Criador!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

  • S. Teresa Benedita de Cruz, Virgem e mártir, Padroeira da Europa

    S. Teresa Benedita de Cruz, Virgem e mártir, Padroeira da Europa


    9 de Agosto, 2021

    Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) é, com Santa Brígida e Santa Catarina de Sena, Padroeira da Europa. Filha de judeus, nasceu em Breslau (Alemanha), a 12 de Outubro de 1891. Procurando ansiosamente a verdade, dedicou-se ao estudo da Filosofia até que encontrou a fé católica e se converteu. Muito a ajudou a leitura da autobiografia de Santa Teresa de Jesus: "Esta é a verdade!", exclamou. Fez-se batizar em Janeiro de 1922. Prosseguiu o estudo e o ensino da Filosofia, procurando encontrar o modo de unir ciência e fé. Em 1933, entrou para o convento das Carmelitas de Colónia, passando a chamar-se Teresa Benedita da Cruz e servindo os seus irmãos judeus e alemães. Em 1938 foi transferida para a Holanda, por causa da perseguição nazi. Acabou por ser presa, a 2 de Agosto de 1942, pela Gestapo, em represália a um comunicado dos Bispos dos Países Baixos contra as deportações dos judeus. Foi morta nas câmaras de gás, em Auschwitz-Birkenau (Polónia), a 9 de Agosto do mesmo ano. Assim, recebeu a coroa do martírio. Foi canonizada pelo Papa João Paulo II, em 1998.

    Lectio

    Primeira leitura: Oseias 2, 16b.17b.21-22

    Eis o que diz o Senhor: Hei-de conduzir Israel ao deserto e falar-lhe ao coração. 17Aí, corresponderá como no tempo da sua juventude, como nos dias em que subiu da terra do Egipto.21"Então, - diz o Senhor - te desposarei para sempre; desposar-te-ei conforme a justiça e o direito, com amor e misericórdia. 22Desposar-te-ei com fidelidade, e tu conhecerás o Senhor".

    Oseias, em nome de Deus, proferiu as mais fortes diatribes contra o seu povo, que já não é sua mulher, nem Ele seu marido, anunciando-lhe os mais terríveis castigos. Mas, continuando a falar em nome de Deus, o profeta deixa vir ao de cima a sua ternura e o seu amor para afirmar que o Senhor não pode deixar de amar a esposa, novamente prostituída. Tal como o segundo casamento do profeta fora sua iniciativa, assim Deus livremente se dispõe a um novo casamento com o seu povo prostituído, a uma nova aliança. Uma nova experiência de deserto afastará o povo dos deuses cananeus, permitindo um novo encontro a sós com Deus, que pagará o respetivo dote. Israel poderá fiar-se de Deus e confiar nele. Mais ainda: poderá conhecê-lo, fazer experiência dele. É sobretudo esta graça de intimidade com Deus, que cumula de bens os que a aceitam, que a nossa leitura quer sublinhar na festa de S. Teresa Benedita da Cruz.

    Evangelho: Mateus 25, 1-13

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 1«O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: 'Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!' 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.' 9Mas as prudentes responderam: 'Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.' 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta. 11Mais tarde, chegaram as outras virgens e disseram: 'Senhor, senhor, abre-nos a porta!' 12Mas ele respondeu: 'Em verdade vos digo: Não vos conheço.' 13Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.

    Santa Teresa Benedita da Cruz foi uma das virgens que souberam esperar vigilantes a vinda do Esposo. Assim mereceu participar na boda onde só entram as jovens prudentes. As insensatas ficaram fora, não porque adormeceram: todas adormecem, todas são frágeis. Não entraram porque não estavam preparadas para a missão, não contaram com o eventual atraso do noivo. Ele não deixará de vir a qualquer momento. A seriedade desse momento exige uma preparação pessoal insubstituível.

    Meditatio

    Pensamos que a melhor proposta de meditação para hoje nos é oferecida pela santa que celebramos. Por isso, transcrevemos um texto recolhido nos seus escritos: "Para os que creem no Crucificado abre-se a porta da vida. Cristo tomou sobre Si o jugo da Lei, cumprindo plenamente a Lei e morrendo pela Lei e através da Lei. Assim libertou da Lei aqueles que querem receber d'Ele a vida. Mas eles sabem que só poderão recebê-la se ofereceram a sua própria vida. Porque os que foram batizados em Cristo foram batizados na sua morte. Submergiram-se na vida de Cristo, para se tornarem membros do seu Corpo, destinados a sofrer e a morrer com Ele, mas também a ressuscitar com Ele para a vida eterna, a vida divina. Para nós, evidentemente, esta vida atingirá a sua plenitude no Dia do Senhor. Contudo, já desde agora - «na carne» - participamos da sua vida quando acreditamos: acreditamos que Cristo morreu por nós para nos dar a sua vida. É esta fé que nos permite ser uma só realidade com Ele, como os membros com a cabeça, e nos abre a torrente da sua vida. Assim, esta fé no Crucificado - a fé viva, que está associada ao vínculo do amor - constitui para nós a entrada na vida e o princípio da futura glorificação. Por isso a cruz é o nosso único título de glória: Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Quem decidiu aderir a Cristo morreu para o mundo e o mundo para ele. Leva no seu corpo os estigmas do Senhor. É débil e desprezado perante os homens; mas por isso mesmo é forte, porque na fraqueza se manifesta o poder de Deus. Tendo consciência disto, o discípulo de Jesus aceita não somente a cruz que lhe é imposta, mas crucifica-se a si mesmo: Os que são de Cristo crucificaram a sua carne com as suas paixões e concupiscências. Suportaram um combate implacável contra a sua natureza, a fim de que morra neles a vida do pecado e dê lugar à vida do espírito. Porque é esta que importa. Contudo a cruz não é um fim em si mesma: ela eleva-nos para as alturas e revela-nos as realidades superiores. Por isso ela não é somente um símbolo; ela é a arma poderosa de Cristo; é o cajado de pastor com que o divino David sai ao encontro do David infernal e com o qual bate fortemente à porta do Céu e a abre. Então brotam as torrentes da luz divina que envolvem todos aqueles que seguem o Crucificado"

    Oratio

    Senhor, Deus dos nossos pais, que conduzistes a mártir Teresa Benedita ao conhecimento do vosso Filho crucificado e à sua imitação até à morte, concedei que, pela sua intercessão, todos os homens conheçam o Salvador, Jesus Cristo, e por Ele cheguem à perpétua visão do vosso rosto. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. Ámen (coleta da Missa).

    Contemplatio

    Também nós devemos levar a nossa cruz. Foi o próprio Senhor que nos deu esse preceito: «Quem não leva a sua cruz, não é digno de mim», diz-nos. Não devemos, acaso, conformar-nos com o nosso chefe? Se Nosso Senhor escolheu a cruz, é porque ela é boa, é porque é necessária. Ela repara e apaga o pecado. Adquire as graças; e em nós, ela comprime as paixões e enfraquece-as. É tão necessária, que Nosso Senhor fez dela a medida da nossa glória. Quando nos vier julgar, o sinal da redenção planará no céu. Os que se tiverem conformado com a cruz serão salvos. Aliás toda a vida está semeada de cruz, aí está a condição da nossa vida mortal desde a queda de Adão. Seria uma loucura não aproveitar destas ocasiões de reparação e de mérito. Como é que devemos levar a cruz? Primeiro com resignação,como Jesus, que dizia sem cessar: «Meu Pai, que a vossa vontade seja feita e não a minha!» - Com confiança na graça de Jesus Cristo que nos ajudará a levar a cruz. - Com alegria, porque a cruz é o caminho do céu. - Com amor sobretudo, porque a cruz nos torna semelhantes a Jesus Cristo, porque a nossa generosidade consola o Coração de Jesus e une-nos ao Salvador na sua obra redentora, porque as nossas cruzes, levadas com coragem são fontes de graças para todas as nossas obras, para todas as almas que nós recomendamos a Nosso Senhor. (Leão Dehon, OSP 3, p. 359s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Toda a minha glória está na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Gl 6, 14ª).
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    S. Teresa Benedita de Cruz, Virgem e mártir,  Padroeira da Europa (09 Agosto)

  • S. Lourenço, Diácono

    S. Lourenço, Diácono


    10 de Agosto, 2021

    Natural de Huesca, na Península Ibérica, onde nasceu por volta do ano 230, Lourenço foi acolhido em Roma pelo Papa Sixto II, que o fez arquidiácono. Serviu a igreja de Roma durante a perseguição. Quando o Papa foi martirizado, com quatro dos seus diáconos, a 6 de Agosto, recomendou-lhe a distribuição dos bens da igreja aos pobres e profetizou-lhe o martírio, que aconteceu no dia 10 do mesmo mês. O imperador Valeriano fê-lo queimar sobre uma grelha. Os seus restos mortais repousam na basílica que lhe foi dedicada, S. Lourenço Fora dos Muros.

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Coríntios 9, 6-10

    Irmãos: Lembrai-vos: Quem pouco semeia, também pouco colherá; mas quem semeia com generosidade, com generosidade também colherá.7Cada um dê como dispôs em seu coração, sem tristeza nem constrangimento, pois Deus ama quem dá com alegria. 8E Deus tem poder para vos cumular de toda a espécie de graça, para que, tendo sempre e em tudo quanto vos é necessário, ainda vos sobre para as boas obras de todo o género. 9Como está escrito: Distribuiu, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre. 10Aquele que dá a semente ao semeador e o pão em alimento, também vos dará a semente em abundância e multiplicará os frutos da vossa justiça.

    São muitas as formas de pobreza humana: a espiritual, a material, a cultural, a moral. Mas qualquer uma delas pode ser ultrapassada pela caridade. Deus é caridade e é o dador de todos os bens. As criaturas são apenas seus instrumentos. Quanto mais generosos forem com os outros, maiores favores receberão de Deus. Por isso, quem repartir com generosidade recolherá com generosidade.

    Evangelho: João 12, 24-26

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto. 25Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna. 26Se alguém me serve, que me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há-de honrá-lo.

    Quem vive em união com Cristo, entra no dinamismo do seu amor, e torna-se uma só coisa com o Pai. Servir o Filho é reinar com Ele no coração do Pai. Servir o Filho é associar-se a Ele na obra da redenção. O amor pelo Pai e pelo homem levaram Jesus a entregar-se até à morte, até ao dom da própria vida, para que todos tivéssemos vida. O grão de trigo, quando morre na terra, gera vida e torna-se fecundo. O discípulo de Jesus é chamado a viver o mesmo mistério de morte para gerar a vida e ser fecundo em favor dos seus irmãos.

    Meditatio

    S. Lourenço, arquidiácono da igreja de Roma, no tempo do Papa Sisto II (séc. III), era a segunda figura da hierarquia eclesiástica, logo após o Papa, e era natural que lhe viesse a suceder. Sendo os diáconos os conselheiros e colaboradores do Papa, num serviço idêntico ao que hoje prestam os cardeais da cúria romana, o arquidiácono administrava os bens da Igreja: dirigia a construção dos cemitérios, recebia as esmolas e conservava os arquivos. Em grande parte, dependiam dele o clero romano, os confessores da fé, as viúvas, os órfãos e os pobres. Quando o imperador o mandou entregar os bens da Igreja, Lourenço apresentou-se diante do juiz com os pobres de Roma, e declarou: "Aqui estão os tesouros da Igreja!". O juiz mandou-o imediatamente torturar e executar. A sua Passio (paixão) narra que, intimado a sacrificar aos deuses, respondeu: "Ofereço-me a Deus em sacrifício de suave odor, porque um espírito contrito é um sacrifício para Deus". O Papa S. Dâmaso (+ 384) escreveu na inscrição que mandou colocar na basílica que lhe é dedicada: "Só a fé de Lourenço conseguiu vencer os flagelos do algoz, as chamas, os tormentos, as cadeias. Dâmaso suplicante enche de dons estes altares, admirando os méritos do glorioso mártir".
    Ao fazer memória dos mártires do século XX, João Paulo II, ao comentar Jo 12, 25, dizia no Coliseu, a 7 de Maio do ano 2000: "Trata-se de uma verdade que o mundo contemporâneo muitas vezes recusa e despreza, fazendo do amor por si mesmos o critério supremo da existência. Mas as testemunhas da fé não consideravam a sua vantagem, o seu bem-estar, a sua sobrevivência como valores maiores que a fidelidade ao Evangelho. Apesar da sua fraqueza, opuseram corajosa resistência ao mal. Na sua debilidade refulgiu a força da fé e da graça do Senhor". É o tesouro da Igreja na caridade suprema.
    "Se nem todos são chamados ao estado de vítima mística - afirmava o P. Dehon -, todos podem e devem ser vítimas práticas, por meio da docilidade em seguir a graça, por meio da fidelidade no cumprimento do próprio dever, por meio da generosidade em aceitar o sacrifício" (DSP, parte III, c. V, § 3, p. 116).

    Oratio

    O Soberano e Senhor deu-te, ó mártir, como ajuda, o carvão em brasa: queimado por ele, tu rapidamente depuseste a tenda de barro e herdaste a vida e o reino imortais. Por isso, jubilosamente festejamos a tua memória, ó beatíssimo Lourenço coroado.
    Resplandecendo pelo Espírito divino, como carvão em brasa, queimaste a sarça do engano, Lourenço vitorioso, arquidiácono de Cristo: por isso, foste oferecido em holocausto como incenso racional Àquele que te exaltou, atingindo a perfeição pelo fogo. Protege, pois, de toda a ameaça quantos te honram, ó homem de mente divina. (De um antigo texto da Igreja bizantina).

    Contemplatio

    O imperador furioso mandou despojar o santo dos seus vestidos e ordenou que lhe dilacerassem o corpo com açoites e unhas de ferro. O mártir rezava, com o sorriso nos lábios... À noite, o imperador mandou estendê-lo sobre uma grelha de ferro sob a qual acenderam um fogo de carvões para o queimarem lentamente... O mártir virando-se para o tirano disse-lhe: «Estes fogos não são para mim senão refrigerantes, mas não será o mesmo daqueles que te atormentarão no inferno». Ao carrasco, dizia heroicamente: «Não vês que a minha carne está bastante grelhada deste lado, volta-me do outro». O santo, tendo rezado pela conversão de Roma e agradecido a Deus pela graça do martírio, expirou serenamente... O segredo desta coragem é o amor pelo Salvador. S. Lourenço desejava dar a Jesus amor por amor e sacrifício por sacrifício. Era feliz por se imolar pela conversão dos pagãos. Tinha pressa em ir para o céu encontrar o Salvador bem-amado. Deus não nos pedirá um semelhante martírio, mas o Sagrado Coração de Jesus espera de nós uma grande generosidade nos sacrifícios quotidianos. (Leão Dehon, OSP 4, p. 145s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Onde Eu estiver, aí estará também o meu servo" (Jo 12, 26)

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    S. Lourenço, Diácono (10 Agosto)

    Tempo Comum – Anos Ímpares – XIX Semana – Terça-feira

    Tempo Comum – Anos Ímpares – XIX Semana – Terça-feira


    10 de Agosto, 2021

    Tempo Comum – Anos Ímpares – XIX Semana – Terça-feira

    Lectio

    Primeira Leitura: Deuteronómio 31, 1-8

    Naqueles dias, 1Moisés dirigiu ainda estas palavras a todo o Israel: 2«Tenho cento e vinte anos; já não posso andar de um lado para o outro. Além disso, o Senhor disse-me: ‘Não atravessarás o Jordão.’ 3O Senhor, teu Deus, passará, Ele mesmo, à tua frente; exterminará esses povos diante de ti e desalojá-los-ás. Josué passará à tua frente, como o Senhor afirmou. 4O Senhor lhes fará, como fez a Seon e Og, reis dos amorreus, e à terra deles, que Ele destruiu. 5O Senhor te entregará esses povos e procederás com eles segundo os mandamentos que te ordenei. 6Sê forte e valente! Não temas, nem te aterrorizes à vista deles. Pois, o Senhor, teu Deus, vai contigo; não te deixará sucumbir nem te abandonará!» 7Depois, Moisés chamou Josué e disse-lhe na presença de todo o Israel: «Sê forte e valente! Porque tu é que vais entrar com este povo na terra que o Senhor jurou dar a seus pais. Tu é que a repartirás entre eles. O próprio Senhor irá à tua frente; Ele estará contigo; não deixará que o teu joelho se dobre e não te abandonará. Não temas, portanto, nem desanimes.»

    Num clima teológico, que remete para Deus, senhor da história, Moisés, que vê aproximar-se o fim dos seus dias, fala-lhes da sua morte iminente: «Tenho cento e vinte anos; já não posso andar de um lado para o outro» (v. 2). Depois, o grande condutor de Israel, lembra a palavra do Senhor: «Não atravessarás o Jordão» (v. 2). Moisés teve o seu papel. Mas é Deus que, na verdade, conduz Israel. E não deixará de prosseguir a sua obra.
    Moisés passa a chama a Josué, também ele eleito de Deus para conduzir o povo à terra prometido. Passam os mediadores humanos. Mas Deus continua a sua obra! Moisés fez experiência dessa verdade, e quer ensiná-la a Josué. Deus é o verdadeiro protagonista de uma história que leva por diante, no meio das contradições dos homens, com a sua provada fidelidade. A imposição de mãos de Moisés sobre Josué visa dar-lhe essa certeza, com o dom do espírito de sabedoria (cf. Dt 34, 9).

    Evangelho: Mateus 18, 1-5.10.12-14

    1Naquela hora, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: «Quem é o maior no Reino do Céu?» 2Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles 3e disse: «Em verdade vos digo: Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. 4Quem, pois, se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu. 5Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe.» 10«Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus anjos, no Céu, vêem constantemente a face de meu Pai que está no Céu. 12Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? 13E, se chegar a encontrá-la, em verdade vos digo: alegra-se mais com ela do que com as noventa e nove que não se tresmalharam. 14Assim também é da vontade de vosso Pai que está no Céu que não se perca um só destes pequeninos.»

    O c. 18 contém o quarto discurso, dos cinco à volta dos quais gira o evangelho de Mateus. É o “Discurso eclesial”, no qual Jesus traça as características fundamentais da comunidade dos discípulos. Estes revelam a mentalidade comum, a daqueles que vêem a vida em sociedade como uma permanente tentativa de subir, mesmo à custa dos outros, para ocupar os lugares cimeiros, os postos de comando. É nesse contesto que interrogam Jesus: «Quem é o maior no Reino do Céu?» (v. 1). Jesus mostra-lhes o que realmente tem mais valor diante de Deus e ensina uma nova forma de vivência em comunidade. Como os antigos profetas, faz um gesto (o de colocar no centro uma criança), cujo sentido depois revela. Jesus recolhe a ideia da inversão das sortes no reino futuro, já amadurecida no rabinismo: põe no centro, não um adulto, ou uma pessoa tida por importante, mas uma criança. A criança precisa de tudo, depende dos grandes; é a «ovelhinha tresmalhada», que o pastor procura e cuida «mais do que as noventa e nove que não se tresmalharam» (v. 13). O discípulo deve ser como a criança, isto é, converter-se mudar de mentalidade e de comportamento. Deve saber “abaixar-se” e não tentar empoleirar-se nos primeiros lugares. O discípulo deve também acolher os pequeninos e não os desprezar, porque têm a dignidade do Senhor, são seu sacramento (v. 5). Há que procurá-los, para que nenhum se perca.

    Meditatio

    A história da salvação é a história da presença de Deus no meio do seu povo, fazendo promessas, mas também fazendo exigências. As promessas de Deus são generosas. Promete estar com o seu povo e particularmente com Josué: «Não temas…o próprio Senhor irá à tua frente; Ele estará contigo… e não te abandonará. Não temas, portanto, nem desanimes» (cf. vv. 6-8). Mas estas promessas são acompanhadas por fortes exigências. Moisés diz aos Israelitas: «Sê forte e valente!» (v. 6). Depois disse a Josué: «Sê forte e valente!» (v. 7). A verdadeira esperança não é passiva. É dinâmica e corajosa.
    A presença de Deus, na história da salvação, é uma presença cada vez mais próxima. Da presença de Deus na criação, passa-se à presença de Deus na Arca da Aliança. Deus, cujo nome é Javé, “Deus presente”, “Aquele que precede, segue e acompanha”, é sempre o Deus próximo, o Deus que faz exclamar a Moisés: «Que grande nação haverá que tenha um deus tão próximo de si como está próximo de nós o Senhor, nosso Deus, sempre que o invocamos?» (Dt 4, 7).
    A certeza do povo de Israel, ao atravessar a fronteira da terra prometida, fundamenta-se também na promessa da presença de Deus. Essa presença, quando chegar o tempo, terá sede no templo, no Santo dos Santos. E não cessará com a destruição do templo! O Senhor “emigrará” com o seu povo para o exílio. Mas o vértice da presença de Deus acontecerá com o Verbo Incarnado, a viver entre nós. Ele é a tenda e o templo, Ele é a presença de Deus ainda mais próxima, junto de nós. Mas a proximidade torna-se imanência: «viremos a ele e nele faremos morada» (Jo 14, 23). Deus, no Verbo incarnado, vem habitar no coração de cada homem que o queira acolher. Por isso, quem acolhe um pequeno do Reino, acolhe Jesus presente nele. O que se faz a um dos mais pequenos, é a Ele que se faz (Mt 25, 40), é a Deus que se faz.
    A completa disponibilidade de Maria -“Ecce Ancilla” – tornou presente, na sua vida, mas também
    na vida e na história do mundo, o Verbo eterno de Deus, Cristo Jesus. Assim também, hoje, cada dehoniano, deve tornar presente, por meio da sua pessoa, na história da Igreja e do mundo, Cristo Jesus, sacerdote e vítima da Nova Aliança.

    Oratio

    Senhor, Tu gostas de estar presente, de viver no meio de nós, de viver em nós. Assim vives a nossa história e, com força e delicadeza, a vais conduzindo. Tu és realmente um Deus amigo e, por isso, um Deus presente, um Deus próximo, um Deus de quem se escutam os palpites do coração, com quem se pode falar coração a coração, como se falam os amigos.
    Dá-nos um suplemento de fé e de luz, para que possamos ver a tua presença escondida e velada na história, na Palavra e na Eucaristia, mas também nos irmãos mais humildes e carenciados. Que todos possamos amar e servir com a solicitude e a ternura com que nos amas a nós. Amen.

    Contemplatio

    É àqueles que vão ter com Nosso Senhor com prontidão, confiança e amor, que dá o seu Espírito. As almas dissipadas não podem recebê-lo. É àqueles que observam a sua lei com amor. Excitemo-nos, então, hoje ao seu amor. Recordemos o que fez por nós. «Como o seu Pai nos amou, ele também nos amou». Fez-se homem por nós, deu a sua vida por nós; elevou-nos até uma união íntima com ele e trata-nos como aos seus amigos mais caros. Respondamos ao seu amor com o nosso. O meio de perseverar no seu amor é a obediência filial aos seus preceitos. «Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor». O amor sem as obras é uma ilusão. – E entre os seus preceitos, Nosso Senhor recomenda-nos sobretudo a caridade pelo próximo, é o seu mandamento preferido. Examinemo-nos um pouco a nós mesmos. Conhecemos bastante o Espírito Santo, o que ele é na adorável Trindade, os dons que traz, a necessidade que temos dele? Desejamo-lo com um ardor que responde à necessidade que temos dele e às vantagens que podemos esperar da sua vinda? Estamos preparados para o recebermos por um desejo sincero de cumprirmos toda a lei com um amor filial? (Leão Dehon, OSP 3, p. 587s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Viremos a ele e nele faremos morada» (Jo 14, 23).

  • Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria


    15 de Agosto, 2021

    Tema da Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Bendita és tu, Maria! Hoje, Jesus ressuscitado acolhe a sua mãe na glória do céu... Hoje, Jesus vivo, glorificado à direita do Pai, põe sobre a cabeça da sua mãe a coroa de doze estrelas...
    Primeira leitura: Maria, imagem da Igreja. Como Maria, a Igreja gera na dor um mudo novo. E como Maria, participa na vitória de Cristo sobre o Mal.
    Salmo: Bendita és tu, Virgem Maria! A esposa do rei é Maria. Ela tem os favores de Deus e está associada para sempre à glória do seu Filho.
    Segunda leitura: Maria, nova Eva. Novo Adão, Jesus faz da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para todos os homens.
    Evangelho: Maria, Mãe dos crentes. Cheia do Espírito Santo, Maria, a primeira, encontra as palavras da fé e da esperança: doravante todas as gerações a chamarão bem-aventurada!

    LEITURA I - Ap 11,19a;12,1-6a.10ab

    Leitura do Apocalipse de São João

    O templo de Deus abriu-se no Céu
    e a arca da aliança foi vista no seu templo.
    Apareceu no Céu um sinal grandioso:
    uma mulher revestida de sol,
    com a lua debaixo dos pés
    e uma coroa de doze estrelas na cabeça.
    Estava para ser mãe
    e gritava com as dores e ânsias da maternidade.
    E apareceu no Céu outro sinal:
    um enorme dragão cor de fogo,
    com sete cabeças e dez chifres
    e nas cabeças sete diademas.
    A cauda arrastava um terço das estrelas do céu
    e lançou-as sobre a terra.
    O dragão colocou-se diante da mulher que estava para ser mãe,
    para lhe devorar o filho, logo que nascesse.
    Ela teve um filho varão,
    que há-de reger todas as nações com ceptro de ferro.
    O filho foi levado para junto de Deus e do seu trono
    e a mulher fugiu para o deserto,
    onde Deus lhe tinha preparado um lugar.
    E ouvi uma voz poderosa que clamava no Céu:
    «Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus
    e o domínio do seu Ungido».

    BREVE COMENTÁRIO

    As visões do Apocalipse exprimem-se numa linguagem codificada. Elas revelam que Deus arranca os seus fiéis de todas as formas de morte. Por transposição, a visão o sinal grandioso pode ser aplicada a Maria.
    O livro do Apocalipse foi composto no ambiente das perseguições que se abatiam sobre a jovem Igreja, ainda tão frágil. O profeta cristão evoca estes acontecimentos numa linguagem codificada, em que os animais terrificantes designam os perseguidores. A Mulher pode representar a Igreja, novo Israel, o que sugere o número doze (as estrelas). O seu nascimento é o do baptismo que deve dar à terra uma nova humanidade. O Dragão é o perseguidor, que põe tudo em acção para destruir este recém-nascido. Mas o destruidor não terá a última palavra, pois o poder de Deus está em acção para proteger o seu Filho.
    Proclamando esta mensagem na Assunção, reconhecemos que, no seguimento de Jesus e na pessoa de Maria, a nova humanidade já é acolhida junto de Deus.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 44 (45)

    Refrão 1: À vossa direita, Senhor, a Rainha do Céu,
    ornada do ouro mais fino.

    Refrão 2: À vossa direita, Senhor, está a Rainha do Céu.

    Ao vosso encontro vêm filhas de reis,
    à vossa direita está a rainha, ornada com ouro de Ofir.

    Ouve, minha filha, vê e presta atenção,
    esquece o teu povo e a casa de teu pai.

    Da tua beleza se enamora o Rei;
    Ele é o teu Senhor, presta-Lhe homenagem.

    Cheias de entusiasmo e alegria,
    entram no palácio do Rei.

    LEITURA II - 1 Cor 15,20-27

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Cristo ressuscitou dos mortos,
    como primícias dos que morreram.
    Uma vez que a morte veio por um homem,
    também por um homem veio a ressurreição dos mortos;
    porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram,
    assim também em Cristo serão todos restituídos à vida.
    Cada qual, porém, na sua ordem:
    primeiro, Cristo, como primícias;
    a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda.
    Depois será o fim,
    quando Cristo entregar o reino a Deus seu Pai
    depois de ter aniquilado toda a soberania, autoridade e poder.
    É necessário que Ele reine,
    até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés.
    E o último inimigo a ser aniquilado é a morte,
    porque Deus tudo colocou debaixo dos seus pés.
    Mas quando se diz que tudo Lhe está submetido
    é claro que se exceptua Aquele que Lhe submeteu todas as coisas.

    BREVE COMENTÁRIO

    A Assunção é uma forma privilegiada de Ressurreição. Tem a sua origem na Páscoa de Jesus e manifesta a emergência de uma nova humanidade, em que Cristo é a cabeça, como novo Adão.
    Todo o capítulo 15 desta epístola é uma longa demonstração da ressurreição. Na passagem escolhida para a festa da Assunção, o apóstolo apresenta uma espécie de genealogia da ressurreição e uma ordem de prioridade na participação neste grande mistério. O primeiro é Jesus, que é o princípio de uma nova humanidade. Eis porque o apóstolo o designa como um novo Adão, mas que se distingue absolutamente do primeiro Adão; este tinha levado a humanidade à morte, ao passo que o novo Adão conduz aqueles que o seguem para a vida.
    O apóstolo não evoca Maria, mas se proclamamos esta leitura na Assunção, é porque reconhecemos o lugar eminente da Mãe de Deus no grande movimento da ressurreição.

    ALELUIA
    Aleluia. Aleluia.

    Maria foi elevada ao Céu;
    alegra-se a multidão dos Anjos.

    EVANGELHO - Lc 1,39-56
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naqueles dias,
    Maria pôs-se a caminho
    e dirigiu-se apressadamente para a montanha,
    em direcção a uma cidade de Judá.
    Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
    Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
    o menino exultou-lhe no seio.
    Isabel ficou cheia do Espírito Santo
    e exclamou em alta voz:
    «Bendita és tu entre as mulheres
    e bendito é o fruto do teu ventre.
    Donde me é dado
    que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
    Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos
    a voz da tua saudação,
    o menino exultou de alegria no meu seio.
    Bem-aventurada aquela que acreditou
    no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito
    da parte do Senhor».
    Maria disse então:
    «A minha alma glorifica o Senhor
    e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
    porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
    de hoje em diante me chamarão bem-aventurada
    todas as gerações.
    O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas:
    Santo é o seu nome.
    A sua misericórdia se estende de geração em geração
    sobre aqueles que O temem.
    Manifestou o poder do seu braço
    e dispersou os soberbos.
    Derrubou os poderosos de seus tronos
    e exaltou os humildes.
    Aos famintos encheu de bens
    e aos ricos despediu de mãos vazias.
    Acolheu a Israel, seu servo,
    lembrado da sua misericórdia,
    como tinha prometido a nossos pais,
    a Abraão e à sua descendência para sempre».
    Maria ficou junto de Isabel cerca de três meses
    e depois regressou a sua casa.

    BREVE COMENTÁRIO

    O cântico de Maria descreve o programa que Deus tinha começado a realizar desde o começo, que ele prosseguiu em Maria e que cumpre agora na Igreja, para todos os tempos.
    Pela Visitação que teve lugar na Judeia, Maria levava Jesus pelos caminhos da terra. Pela Dormição e pela Assunção, é Jesus que leva a sua mãe pelos caminhos celestes, para o templo eterno, para uma Visitação definitiva. Nesta festa, com Maria, proclamamos a obra grandiosa de Deus, que chama a humanidade a se juntar a ele pelo caminho da ressurreição.
    Em Maria, Ele já realizou a sua obra na totalidade; com ela, nós proclamamos: "dispersou os soberbos, exaltou os humildes". Os humildes são aqueles que crêem no cumprimento das palavras de Deus e se põem a caminho, aqueles que acolhem até ao mais íntimo do seu ser a Vida nova, Cristo, para o levar ao nosso mundo. Deus debruça-se sobre eles e cumpre neles maravilhas.

    Rezar por Maria.
    Frequentemente, ouvimos a expressão: "rezar à Virgem Maria"... Esta maneira de falar não é absolutamente exacta, porque a oração cristã dirige-se a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os nossos irmãos protestantes que, contrariamente ao que se pretende, por vezes têm a mesma fé que os católicos e os ortodoxos na Virgem Maria Mãe de Deus, recordam-nos que Maria é e se diz ela própria a Serva do Senhor.
    Rezar por Maria é pedir que ela reze por nós: "Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte!" A sua intervenção maternal em Caná resume bem a sua intercessão em nosso favor. Ela é nossa "advogada" e diz-nos: "Fazei tudo o que Ele vos disser!"

    Rezar com Maria.
    Ela está ao nosso lado para nos levar na oração, como uma mãe sustenta a palavra balbuciante do seu filho. Na glória de Deus, na qual nós a honramos hoje, ela prossegue a missão que Jesus lhe confiou sobre a Cruz: "Eis o teu Filho!" Rezar com Maria, mais que nos ajoelharmos diante dela, é ajoelhar-se ao seu lado para nos juntarmos à sua oração. Ela acompanha-nos e guia-nos na nossa caminhada junto de Deus.

    Rezar como Maria.
    Aprendemos junto de Maria os caminhos da oração. Na escola daquela que "guardava e meditava no seu coração" os acontecimentos do nascimento e da infância de Jesus, nós meditamos o Evangelho e, à luz do Espírito Santo, avançamos nos caminhos da verdade. A nossa oração torna-se acção de graças no eco ao Magnificat. Pomos os nossos passos nos passos de Maria para dizer com ela na confiança: "que tudo seja feito segundo a tua Palavra, Senhor!"

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE MARIA
    (tópicos inspirados em "Signes d'aujourd'hui")

    1. A liturgia meditada ao longo da semana.
    Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade da Assunção de Maria, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. Confiar o Magnificat a uma voz de mulher.
    No Evangelho, excepcionalmente, porque não confiar o "Magnificat" a uma voz de mulher que poderia lê-lo ou cantá-lo?

    3. Pensar na participação das crianças.
    Uma festa é bem conseguida quando se consegue congregar todas as gerações. Seria bom pensar em particular na participação das crianças: ficarem à volta da estátua de Nossa Senhora durante a procissão do ofertório; fazerem uma oração a Nossa Senhora no final da celebração...

    4. Oração na lectio divina.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Pai do céu, juntamos as nossas vozes à que nos vem do céu para proclamar: Eis agora a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus e o poder do seu Cristo. Glória a Ti, Deus de vida.
    Nós Te pedimos pelas tuas Igrejas, ameaçadas pelos «dragões» da nossa época: a indiferença, as religiosidades desviadas e as perseguições".

    No final da segunda leitura:
    "Deus Pai, nós Te damos graças pela ressurreição que manifestaste pelo teu Filho Jesus, o novo Adão, e pela assunção na vida gloriosa que revelas em Maria, mãe do teu Filho.
    Nós Te confiamos os nossos defuntos e as famílias em luto. Releva-nos pela promessa da ressurreição. Transformas as nossas penas em esperança".

    No final do Evangelho:
    "Nós Te bendizemos, Deus do universo, porque pelo teu Filho ainda pequeno e pela sua mãe, Maria, visitaste o teu povo, vieste até nós. Felizes aqueles que acreditam no cumprimento da tua Palavra.
    Nós Te pedimos pelas nossas comunidades cristãs, encarregadas, como Maria, de levar Cristo ao mundo. Como fizeste por ela, guia-nos pelo teu Espírito Santo".

    5. Oração Eucarística.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, em que a primeira intercessão exprime bem o mistério deste dia.

    6. Palavra para o caminho.
    Um tríplice segredo... A meio do verão, eis uma festa para nos fazer parar junto de Maria e receber dela um tríplice segredo: o segredo da fé sem falha tão bem ajustada a Deus ("Eis a serva do Senhor"...); o segredo da sua esperança confiante em Deus ("nada é impossível a Deus"...); o segredo da sua caridade missionária ("Maria pôs-se a caminho apressadamente"...). E nós podemos pedir-lhe para nos acompanhar no caminho das nossas vidas...

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • S. João Eudes, Presbítero

    S. João Eudes, Presbítero


    19 de Agosto, 2021

    S. João Eudes nasceu em França, em 1601. Tendo estudado num colégio dos Jesuítas, acabou por entrar no Oratório de Paris, em 1624, onde foi iniciado na espiritualidade por Bérulle e Condren. Dedicou-se à pregação de missões populares e ao ministério do confessionário. Em 1642 fundou a congregação dos Eudistas e a de Nossa Senhora da Caridade, que tiveram importante papel na divulgação da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. João Eudes foi o autor dos primeiros textos para a celebração litúrgica dos sagrados Corações de Jesus e de Maria. Faleceu em 1680.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 3, 14-19

    Irmãos: Eu dobro os joelhos diante do Pai, 15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.

    Toda a família, isto é, qualquer grupo que possamos imaginar, nos céus e na terra, tem por autor o mesmo e único Deus. O internacionalismo de Paulo é absoluto e universal. No império romano eram toleradas, e até apoiadas, todas as religiões, na condição de que não pretendessem ser internacionais. Paulo tinha consciência de ser instrumento de uma irrupção do divino, que o impelia a percorrer o caminho do universalismo absoluto. Mas desconhecia as consequências sociais e políticas da sua cosmovisão religiosa. O Apóstolo fala do "homem interior" que terá de ser "fortificado pelo Espírito". Vislumbra a grandiosidade da meta para a qual se dirige a partir da saída de si mesmo. Só através da fé os cristãos poderão "apreender qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade" (v. 18) de algo que é indizível, "o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento" (v. 19), até ficarem "repletos de toda a plenitude de Deus" (v. 19).

    Evangelho: da féria (ou do Comum)

    Meditatio

    O Padre Eudes, a maravilha do seu século, no dizer de M. Olier, depois de ter penetrado até ao mais íntimo das almas de Jesus e de Maria e depois de ter perscrutado os seus mistérios, tão tardou a encontrar um alimento para a sua piedade na devoção aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria. Esclarecido pelas luzes sobrenaturais da Irmã Maria des Vallées e provavelmente também pelas suas próprias revelações, não quis ter outra meta para o seu amor e para as suas homenagens senão estes Corações Sagrados, Resolveu consagrar a sua vida a estabelecer e a propagar o culto destes dois Corações, que uniu como fazendo um só todo moral, considerando-os como um mesmo Coração em unidade de espírito, de sentimento, de vontade e de afeto. Começa a sua propaganda em 1640, e a primeira grande revelação de Margarida Maria não data senão de 1673. «Ele foi, diz o Padre Regnault (diretor do Mensageiro do Sagrado Coração), um zelador excecional ao qual cabe a honra insigne de ter sido o primeiro a trabalhar na propagação do culto do Sagrado Coração». - «O Padre Eudes, diz o cardeal Perraud, foi suscitado por Deus para preparar o mundo cristão a receber a grande devoção da qual uma revelação miraculosa devia confiar mais tarde o apostolado à visitandina de Paray».
    O Padre Eudes começou por fundar duas congregações, consagradas aos sagrados Corações de Jesus e de Maria. A sua Congregação de Padres propagou esta devoção em várias dioceses. Depois erigiu confrarias dedicadas à mesma devoção e obteve para elas a aprovação da Santa Sé. Fundou várias capelas em honra dos dois Sagrados Corações. A de São Salvador, na diocese de Coutance, é designada numa bula de Clemente X sob o nome preciso de igreja do Coração de Jesus e de Maria. A sua construção deu lugar às ofertas mais generosas da parte de todas as classes da sociedade. O Padre Eudes preparava assim o público, em França, para receber as manifestações de Paray-le-Monial.
    Até 1670, o Padre Eudes tinha unido mais ou menos constantemente os dois Corações do Filho e da Mãe, considerando-os na sua união moral. A partir desta altura, faz de cada um destes Corações objeto de um culto especial.
    O Padre Eudes redige então esta missa deliciosa do Sagrado Coração que se chamou a missa do fogo tanto é animada por um amor ardente. Foi aprovada em várias dioceses. Escreve o seu belo ofício, que exprime tão bem o espírito suave e terno de Jesus, e que nos revela, como diz o Padre Le Doré, os tesouros de mansidão, de misericórdia e de bondade que encerra o Coração tão cheio de amor do divino Mestre. São como outros tantos jatos de fogo que se escapam uns atrás dos outros do Coração de Jesus e da alma que canta o seu amor, as suas grandezas e os seus encantos.
    Várias comunidades religiosas adotaram o ofício da missa, nomeadamente as beneditinas do Santíssimo Sacramento e a abadia de Montmartre.
    No seu livro sobre o Coração adorável de Jesus, publicado em 1670, o Padre Eudes exprime já todos os sentimentos que Margarida Maria devia receber diretamente do Coração de Jesus, pouco tempo depois.
    Como ela, une a reparação ao amor. Diz-nos que um dos sentimentos do Coração de Jesus que mais merece ser objeto da nossa devoção é esta imensa dor de que está penetrado desde a sua agonia até ao Calvário, e que o inundaria todos os dias, se a dor pudesse entrar no céu.
    Mostra-nos também no Coração de Jesus o altar de ouro do divino amor, a cidade de refúgio das almas provadas, e ensaiado já o tesouro de todas as graças e de todas as reparações. (Leão Dehon, OSP 4, p. 171s.).

    Oratio

    Senhor, com S. João Eudes, como com todos os apóstolos do vosso divino Coração, consagro-vos o meu coração, para o entregar ao vosso amor e à reparação que esperais dos vossos amigos. Ámen. (Leão Dehon OSP 4, p. 172).

    Contemplatio

    Jesus comunica-nos a sua vida divina unindo-se a nós pela graça: «Eu sou a vida, diz, e vim para a espalhar nas almas» (Jo 10, 10). - «Eu vivo e vós viveis da minha própria vida» (Jo 4, 19). - «Quem tem o Filho de Deus em si, tem a vida» (Jo 5, 12). É pelo seu Coração que Jesus nos comunica a sua vida divina. «Este Coração sagrado, diz o Padre Eudes, é o princípio da vida não só do Homem-Deus, mas da mãe e dos filhos de Deus. - O Coração espiritual de Jesus, isto é, a sua alma santíssima, unido à sua divindade, é o princípio da sua vida espiritual e moral. - É também o princípio da vida da Mãe de Deus. O Filho-Deus recebia de Maria a vida material e transmitia-lhe a vida espiritual e sobrenatural. - O Coração de Jesus é também o princípio da vida sobrenatural de todos os filhos de Deus. Como é a vida do chefe, é também a vida dos membros. Em Jesus, diz S. Tomás, está a plenitude da graça ou da vida das almas. Ela está depositada no seu Coração, como num reservatório universal, de onde ela corre para a humanidade a fim de a santificar». Nosso Senhor disse-nos isso várias vezes: «Se alguém me ama, o meu Pai amá-lo-á, e nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada» (Jo 14, 23). Jesus habita em nós pela sua graça, e o seu Coração une-se ao nosso coração para aí se tornar o princípio vivo da vida espiritual e divina em nós (Père Eudes: Le royaume de Jesus, et le coeur admirable de Marie). (Leão Dehon, OSP 3, p. 508).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Cristo habite, pela fé, nos vossos corações" (Ef 3, 17).

    ----
    S. João Eudes, Presbítero (19 Agosto)

  • 21º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    21º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    22 de Agosto, 2021

    ANO B
    21º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 21º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 21º Domingo do Tempo Comum fala-nos de opções. Recorda-nos que a nossa existência pode ser gasta a perseguir valores efémeros e estéreis, ou a apostar nesses valores eternos que nos conduzem à vida definitiva, à realização plena. Cada homem e cada mulher têm, dia a dia, de fazer a sua escolha.
    Na primeira leitura, Josué convida as tribos de Israel reunidas em Siquém a escolherem entre "servir o Senhor" e servir outros deuses. O Povo escolhe claramente "servir o Senhor", pois viu, na história recente da libertação do Egipto e da caminhada pelo deserto, como só Jahwéh pode proporcionar ao seu Povo a vida, a liberdade, o bem estar e a paz.
    O Evangelho coloca diante dos nossos olhos dois grupos de discípulos, com opções diversas diante da proposta de Jesus. Um dos grupos, prisioneiro da lógica do mundo, tem como prioridade os bens materiais, o poder, a ambição e a glória; por isso, recusa a proposta de Jesus. Outro grupo, aberto à acção de Deus e do Espírito, está disponível para seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida; os membros deste grupo sabem que só Jesus tem palavras de vida eterna. É este último grupo que é proposto como modelo aos crentes de todos os tempos.
    Na segunda leitura, Paulo diz aos cristãos de Éfeso que a opção por Cristo tem consequências também ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja.

    LEITURA I - Jos 24,1-2a.15-17.18b

    Leitura do Livro de Josué

    Naqueles dias,
    Josué reuniu todas as tribos de Israel em Siquém.
    Convocou os anciãos de Israel,
    os chefes, os juízes e os magistrados,
    que se apresentaram diante de Deus.
    Josué disse então a todo o povo:
    «Se não vos agrada servir o Senhor,
    escolhei hoje a quem quereis servir:
    se os deuses que os vossos pais serviram no outro lado do rio,
    se os deuses dos amorreus em cuja terra habitais.
    Eu e a minha família serviremos o Senhor».
    Mas o povo respondeu:
    «Longe de nós abandonar o Senhor para servir outros deuses;
    porque o Senhor é o nosso Deus,
    que nos fez sair, a nós e a nossos pais,
    da terra do Egipto, da casa da escravidão.
    Foi Ele que, diante dos nossos olhos,
    realizou tão grandes prodígios
    e nos protegeu durante o caminho que percorremos
    entre os povos por onde passámos.
    Também nós queremos servir o Senhor,
    porque Ele é o nosso Deus».

    AMBIENTE

    O Livro de Josué (de onde é tirada a nossa primeira leitura) abarca uma parte do séc. XII a.C., desde a época da entrada na Terra Prometida das tribos do Povo de Deus libertadas do Egipto, até à morte de Josué. O livro oferece-nos uma visão muito simplificada da ocupação de Canaan: as doze tribos, unidas sob a liderança de Josué, realizaram várias expedições militares fulgurantes e apoderaram-se, quase sem oposição, de todo o território anteriormente nas mãos dos cananeus... Historicamente, contudo, as coisas não se passaram nem de forma tão fácil, nem de forma tão linear: é mais verosímil a versão apresentada no Livro dos Juízes e que fala de uma conquista lenta e difícil (cf. Jz 1), incompleta (cf. Jz 13,1-6; 17,12-16), que não foi obra de um povo unido à volta de um chefe único, mas de tribos que fizeram a guerra isoladamente.
    O Livro de Josué, antes de ser um livro de história, é um livro de catequese. O objectivo dos autores deuteronomistas que o escreveram era destacar o poder imenso de Jahwéh, posto ao serviço do seu Povo: foi Deus (e não a capacidade militar das tribos) que, com os seus prodígios, ofereceu a Israel a Terra Prometida; ao Povo resta-lhe aceitar os dons de Deus e responder-Lhe com a fidelidade à Aliança e aos mandamentos.
    O texto que nos é hoje proposto situa-nos na fase final da vida de Josué. Sentindo aproximar-se a morte, Josué teria reunido em Siquém (no centro do país) os líderes das diversas tribos do Povo de Deus e ter-lhes-ia proposto uma renovação do seu compromisso com Jahwéh. De acordo com Jos 24,15, Josué teria colocado as coisas da seguinte forma: "escolhei hoje a quem quereis servir... porque eu e a minha casa serviremos o Senhor".
    Na versão do autor deuteronomista a quem devemos esta notícia, Josué parece dirigir-se a um grupo de tribos que partilha uma fé comum em Jahwéh. Estaremos diante de uma assembleia que reúne essas "doze tribos" que, mais tarde (na época de David) vão constituir uma unidade nacional? Alguns biblistas pensam que não. Entre as tribos presentes não estaria certamente a tribo de Judá, já que os contactos entre Judá e a "casa de José" só se estabeleceram na época do rei David. A "casa" de Josué a que o texto se refere é certamente constituída pelas tribos do centro do país - Efraim, Benjamim e Manassés - que há muito tempo tinham aderido a Jahwéh e à Aliança. E as outras tribos, convidadas a comprometer-se com Jahwéh? Provavelmente, o convite a escolher entre "o Senhor" e os outros deuses (cf. Jos 24,14) dirige-se às tribos do norte do país que, sem dúvida, não abandonaram a Palestina desde a época dos patriarcas (e que, portanto, não viveram a experiência do Egipto, nem fizeram a experiência de encontro com Jahwéh, o Deus libertador).
    Talvez a "assembleia de Siquém" referida em Jos 24 seja a primeira tentativa histórica de estabelecer laços entre as tribos do centro da Palestina (Efraim, Benjamim e Manassés - as tribos que viveram a experiência do Egipto, a libertação, a caminhada pelo deserto e a Aliança com Jahwéh) e as tribos do norte (Issacar, Zabulón, Neftali, Asher e Dan - tribos que nem sequer estiveram no Egipto). A ligação far-se-ia à volta de uma fé comum num mesmo Deus. A união das diversas tribos do norte e do centro não se deu, contudo, de uma vez; mas foi uma caminhada lenta e progressiva, que só se completou muito tempo depois de Josué.
    O ponto de partida para o texto que nos é proposto é o facto histórico em si (provavelmente, uma assembleia em Siquém, onde Josué propôs às tribos do norte que aceitassem Jahwéh como seu Deus). No entanto, o autor deuteronomista responsável por este texto pegou na notícia histórica e transformou-a numa catequese sobre o compromisso que Israel assumiu para com Jahwéh. O seu objectivo é convidar os israelitas da sua época (séc. VII a.C.) a não se deixarem seduzir por outros deuses e a manterem-se fiéis à Aliança.

    MENSAGEM

    Estamos, portanto, em Siquém, com "todas as tribos de Israel" (vers. 1) reunidas à volta de Josué. Na interpelação que dirige às tribos, Josué começa por elencar alguns momentos capitais da história da salvação, mostrando ao Povo como Jahwéh é um Deus em quem se pode confiar; as suas acções salvadoras e libertadoras em favor de Israel são uma prova mais do que suficiente do seu poder e da sua fidelidade (cf. Jos 24,2-13).
    Depois dessa introdução, Josué convida os representantes das tribos presentes a tirarem as devidas consequências e a fazerem a sua opção. É necessário escolher entre servir esse Senhor que libertou Israel da opressão, que o conduziu pelo deserto e que o introduziu na Terra Prometida, ou servir os deuses dos mesopotâmios e os deuses dos amorreus. Josué e a sua família já optaram: eles escolheram servir Jahwéh (vers. 15).
    A resposta do Povo é a esperada. Todos manifestam a sua intenção de servir o Senhor, em resposta à sua acção libertadora e à sua protecção ao longo da caminhada pelo deserto (vers. 16-18). Israel compromete-se a renunciar a outros deuses e a fazer de Jahwéh o seu Deus.
    A aceitação de Jahwéh como Deus de Israel é apresentada, não como uma obrigação imposta a um grupo de escravos, mas como uma opção livre, feita por pessoas que fizeram uma experiência de encontro com Deus e que sabem que é aí que está a sua realização e a sua felicidade. Depois de percorrer com Jahwéh os caminhos da história, Israel constatou, sem margem para dúvidas, que só em Deus pode encontrar a liberdade e a vida em plenitude.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O problema fundamental posto pelo autor do nosso texto é o das opções: "escolhei hoje a quem quereis servir" - diz Josué ao Povo reunido. É uma questão que nunca deixará de nos ser posta... Ao longo da nossa caminhada pela vida, vamos fazendo a experiência do encontro com esse Deus libertador e salvador que Israel descobriu na sua marcha pela história; mas encontramo-nos também, muito frequentemente, com outros deuses e outras propostas que parecem garantir-nos a vida, o êxito, a realização, a felicidade e que, quase sempre, nos conduzem por caminhos de escravidão, de dependência, de desilusão, de infelicidade. A expressão "escolhei hoje a quem quereis servir" interpela-nos acerca da nossa servidão ao dinheiro, ao êxito, à fama, ao poder, à moda, às exigências dos valores que a opinião pública consagrou, ao reconhecimento público... Naturalmente, nem todos os valores do mundo são geradores de escravidão ou incompatíveis com a nossa opção por Deus... Temos, no entanto, que repensar continuamente a nossa vida e as nossas opções, a fim de não corrermos atrás de falsos deuses e de não nos deixarmos seduzir por propostas falsas de realização e de felicidade. O verdadeiro crente sabe que não pode prescindir de Deus e das suas propostas; e sabe que é nesse Deus que nunca desilude aqueles que n'Ele confiam que pode encontrar a sua realização plena.

    ¨ Israel aceitou "servir o Senhor" e comprometer-se com Ele, não por obrigação, mas pela convicção de que era esse o caminho para a sua felicidade. Por vezes, Deus é visto como um concorrente do homem e os seus mandamentos como uma proposta que limita a liberdade e a independência do homem... Na verdade, o compromisso com Deus e a aceitação das suas propostas não é um caminho de servidão, mas um caminho que conduz o homem à verdadeira liberdade e à sua realização plena. O caminho que Deus nos propõe - caminho que somos livres de aceitar ou não - é um caminho que nos liberta do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, da escravidão dos bens materiais e que nos projecta para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida, para a verdadeira felicidade.

    ¨ Josué, o líder da comunidade do Povo de Deus, tem um papel fundamental no sentido de interpelar o Povo e de testemunhar a sua opção por Deus. Não é um líder que diz belas palavras e apresenta belas propostas, mas que desmente com a vida aquilo que diz... É um líder plenamente comprometido com Deus e que testemunha, com a própria vida, essa opção. Josué poderia ser um exemplo para todos aqueles que têm responsabilidades na condução da comunidade do Povo de Deus em marcha pela história. O seu exemplo convida aqueles que presidem à comunidade do Povo de Deus a serem uma voz de Deus que interpela e que questiona aqueles que caminham ao seu lado; e convida também os responsáveis pelas comunidades cristãs a testemunharem com a própria vida aquilo que ensinam ao Povo.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 33 (34)

    Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

    A toda a hora bendirei o Senhor,
    o seu louvor estará sempre na minha boca.
    A minha alma gloria-se no Senhor:
    escutem e alegrem-se os humildes.

    Os olhos do Senhor estão voltados para os justos
    e os ouvidos atentos aos seus rogos.
    A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
    para apagar da terra a sua memória.

    Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
    livrou-os de todas as suas angústias.
    O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
    e salva os de ânimo abatido.

    Muitas são as tribulações do justo,
    mas de todas elas o livra o Senhor.
    Guarda todos os seus ossos,
    nem um só será quebrado.

    A maldade leva o ímpio à morte,
    os inimigos do justo serão castigados.
    O Senhor defende a vida dos seus servos,
    não serão castigados os que n'Ele se refugiam.

    LEITURA II - Ef 5,21-32

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo.
    As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor,
    porque o marido é a cabeça da mulher,
    como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo,
    do qual é o Salvador.
    Ora, como a Igreja se submete a Cristo,
    assim também as mulheres
    se devem submeter em tudo aos maridos.
    Maridos, amai as vossas mulheres,
    como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela.
    Ele quis santificá-la,
    purificando-a no baptismo da água pela palavra da vida,
    para a apresentar a Si mesmo como Igreja cheia de glória,
    sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante,
    mas santa e imaculada.
    Assim devem os maridos amar as suas mulheres,
    como os seus corpos.
    Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo.
    Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo,
    antes o alimenta e lhe presta cuidados,
    como Cristo à Igreja;
    porque nós somos membros do seu Corpo.
    Por isso, o homem deixará pai e mãe,
    para se unir à sua mulher,
    e serão dois numa só carne.
    É grande este mistério,
    digo-o em relação a Cristo e à Igreja.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a parte moral e parenética da Carta aos Efésios (cf. Ef 4,1-6,20). Nessa parte, Paulo lembra aos crentes a opção que fizeram no dia do seu Baptismo e que os obriga a viver como Homens Novos, à imagem de Jesus.
    A vida desse Homem Novo que deixou as trevas e escolheu a luz deve traduzir-se em atitudes concretas. Por isso, Paulo enumera, a dado passo da sua reflexão, um conjunto de normas de conduta, através das quais se deve manifestar a opção que o crente assumiu no dia do seu Baptismo.
    Na secção de Ef 5,21-6,9 (a que o texto que hoje nos é proposto pertence), Paulo apresenta as normas que devem reger as relações familiares. De forma especial, Paulo refere-se aos deveres dos esposos, seguramente porque vê na sua união uma figura da união de Cristo com a sua Igreja. Trata-se de um dos temas mais importantes da teologia desenvolvida na Carta aos Efésios.

    MENSAGEM

    O nosso texto começa com um princípio geral que deve regular as relações entre os diversos membros da família cristã: "sede submissos uns aos outros no temor de Cristo" (Ef 5,21). O "ser submisso" expressa aqui a condição daquele que está permanentemente numa atitude de serviço simples e humilde, sem deixar que a sua relação com o irmão seja dominada pelo orgulho ou marcada por atitudes de prepotência. A expressão "no temor de Cristo" recorda aos crentes que o Cristo do amor, do serviço, da partilha é o exemplo e o modelo que eles devem ter sempre diante dos olhos.
    Depois, Paulo dirige-se aos vários membros da família e propõe-lhes normas concretas de conduta. O texto que nos é proposto, contudo, apenas conservou a parte que se refere à relação dos esposos um com o outro (na continuação, Paulo falará também da conduta dos filhos para com os pais, dos pais para com os filhos, dos senhores para com os escravos e dos escravos para com os senhores - cf. Ef 6,1-9).
    Às mulheres, Paulo pede a submissão aos maridos, porque "o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo" (vers. 23). Esta afirmação - que, à luz da nossa sensibilidade e dos nossos esquemas mentais modernos parece discriminatória - deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, onde o homem aparece como a referência suprema da organização do núcleo familiar. De qualquer forma, a "submissão" de que Paulo fala deve ser sempre entendida no sentido do amor e do serviço e não no sentido da escravidão.
    Aos maridos, Paulo recomenda que amem as suas esposas, "como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela" (vers. 25). Não se trata de um amor qualquer, mas de um amor igual ao de Cristo pela sua comunidade - isto é, de um amor generoso e total, que é capaz de ir até ao dom da própria vida. Para Paulo, portanto, o amor dos maridos pelas esposas deve ser um amor completamente despido de qualquer sinal de egoísmo e de prepotência; e deve ser um amor cheio de solicitude, que se manifesta em atitudes de generosidade, de bondade e de serviço, que se faz dom total à pessoa a quem se ama.
    Neste contexto, Paulo desenvolve a sua teologia da relação entre Cristo e a Igreja, para depois tirar daí as devidas consequências para a união dos esposos cristãos... Cristo santificou a Igreja, purificando-a "no baptismo da água pela palavra da vida" (vers. 26). Há aqui, certamente, uma alusão ao baptismo cristão (inspirada, provavelmente, nas cerimónias preparatórias do matrimónio, que contemplavam o "banho" da noiva antes de se apresentar diante do noivo), pelo qual Cristo edifica a sua comunidade e a purifica do pecado. O Baptismo é o momento em que Cristo oferece a vida plena à sua Igreja e em que a Igreja se compromete com Cristo numa comunidade de amor. A partir desse momento, Cristo e a Igreja formam um só corpo... Como Cristo e a Igreja formam um só corpo, do mesmo modo marido e esposa, comprometidos numa comunidade de amor, formam um só corpo: "por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua mulher e serão dois numa só carne" (vers. 31). A expressão "uma só carne" aqui usada por Paulo não alude só à união carnal dos esposos, mas a toda a sua vida conjugal, feita de um empenho quotidiano na vivência do amor, da fidelidade e da partilha de toda a existência.
    Este paralelismo estabelecido por Paulo entre a união de Cristo e da Igreja e o amor que une os esposos dá um significado especial ao casamento cristão: a vocação dos esposos é anunciar e testemunhar, com o seu amor e a sua união, o amor de Cristo pela sua Igreja. Dito de outra forma: a união dos esposos cristãos deve ser, aos olhos do mundo, um sinal e um reflexo do "mistério" de amor que une Cristo e a Igreja.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O compromisso com Jesus e com a proposta de vida nova que Ele veio apresentar mexe com a totalidade da vida do homem e tem consequências em todos os níveis da existência, nomeadamente ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser também o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja. "Os esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afecto e de pensamento e com mútua santidade de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição" (Gaudium et Spes, 52).

    ¨ Para Paulo, o amor que une o marido e a esposa deve ser um amor como o de Cristo pela sua Igreja. Desse amor devem, portanto, estar ausentes quaisquer sinais de egoísmo, de prepotência, de exploração, de injustiça... Deve ser um amor que se faz doação total ao outro, que é paciente, que não é arrogante nem orgulhoso, que compreende os erros e as falhas dos outro, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13,4-7).

    ¨ Para Paulo, o amor que une a esposa e o marido deve ser um amor que se faz serviço simples e humilde. Não se trata de exigir submissão de um a outro, mas trata-se de pedir que os crentes manifestem total disponibilidade para servir e para dar a vida, sem esperar nada em troca. Trata-se de seguir o exemplo de Cristo que não veio para afirmar a sua superioridade e para ser servido, mas para servir e dar vida. O matrimónio cristão não pode tornar-se uma competição para ver quem tem mais direitos ou mais obrigações, mas uma comunhão de vida de pessoas que, a exemplo de Cristo, fazem da sua existência uma partilha e um serviço a todos os irmãos que caminham ao seu lado.

    ¨ Paulo utiliza, neste texto, a propósito das mulheres, uma palavra que não devemos absolutizar: "submissão". Esta palavra deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, em que o marido era considerado a referência fundamental da ordem familiar. É claro que, nos dias de hoje, Paulo não teria usado este termo para falar da relação da esposa com o marido. A afirmação de Paulo não pode servir para fundamentar qualquer tipo de discriminação contra as mulheres... Aliás, Paulo dirá, noutras circunstâncias, que "não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus" (Gal 3,28).

    ALELUIA - cf. Jo 6,63c.68c

    Aleluia. Aleluia.

    As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida:
    Vós tendes palavras de vida eterna.

    EVANGELHO - Jo 6,60-69

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram:
    «Estas palavras são duras.
    Quem pode escutá-las?»
    Jesus, conhecendo interiormente
    que os discípulos murmuravam por causa disso,
    perguntou-lhes:
    «Isto escandaliza-vos?
    E se virdes o Filho do homem
    subir para onde estava anteriormente?
    O espírito é que dá vida,
    a carne não serve de nada.
    As palavras que Eu vos disse são espírito e vida.
    Mas, entre vós, há alguns que não acreditam».
    Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início,
    quais eram os que não acreditavam
    e quem era aquele que O havia de entregar.
    E acrescentou:
    «Por isso é que vos disse:
    Ninguém pode vir a Mim,
    se não lhe for concedido por meu Pai».
    A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se
    e já não andavam com Ele.
    Jesus disse aos Doze:
    «Também vós quereis ir embora?»
    Respondeu-Lhe Simão Pedro:
    «Para quem iremos, Senhor?
    Tu tens palavras de vida eterna.
    Nós acreditamos
    e sabemos que Tu és o Santo de Deus».

    AMBIENTE

    Estamos no final do episódio que começou com a multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Jo 6,1-15) e que continuou com o "discurso do pão da vida" (cf. Jo 6,22-59). Trata-se de um episódio atravessado por diversos equívocos e onde se manifesta a perplexidade e a confusão daqueles que escutam as palavras de Jesus... A multidão esperava um messias rei que lhe oferecesse uma vida confortável e pão em abundância e Jesus mostrou que não veio "dar coisas", mas oferecer-Se a Ele próprio para que a humanidade tivesse vida; a multidão esperava de Jesus uma proposta humana de triunfo e de glória e Jesus convidou-a a identificar-se com Ele e a segui-l'O no caminho do amor e do dom da vida até à morte... Os interlocutores de Jesus perceberam claramente que Jesus os tinha colocado diante de uma opção fundamental: ou continuar a viver numa lógica humana, virada para os bens materiais e para as satisfações mais imediatas, ou o assumir a lógica de Deus, seguindo o exemplo de Jesus e fazendo da vida um dom de amor para ser partilhado. Instalados nos seus esquemas e preconceitos, presos a aspirações e sonhos demasiado materiais, desiludidos com um programa que lhes parecia condenado ao fracasso, os interlocutores de Jesus recusaram-se a identificar-se com Ele e com o seu programa.
    O nosso texto mostra-nos a reacção negativa de "muitos discípulos" às propostas que Jesus faz. Nem todos os discípulos estão dispostos a identificar-se com Jesus ("comer a sua carne e beber o seu sangue") e a oferecer a sua vida como dom de amor que deve ser partilhado com toda a humanidade. Temos de situar esta "catequese" no contexto em que vivia a comunidade joânica, nos finais do séc. I... A comunidade cristã era discriminada e perseguida; muitos discípulos afastavam-se e trilhavam outros caminhos, recusando-se a seguir Jesus no caminho do dom da vida. Muitos cristãos, confusos e perplexos, perguntavam: para ser cristão é preciso percorrer um caminho tão radical e de tanta exigência? A proposta de Jesus será, efectivamente, um caminho de vida plena, ou um caminho de fracasso e de morte? É a estas questões que o "catequista" João vai tentar responder.

    MENSAGEM

    A perícopa divide-se em duas partes. A primeira (vers. 60-66) descreve o protesto de um grupo de discípulos face às exigências de Jesus; a segunda (vers. 67-69) apresenta a resposta dos Doze à proposta que Jesus faz. Estes dois grupos (os "muitos discípulos" da primeira parte e os "Doze" da segunda parte) representam duas atitudes distintas face a Jesus e às suas propostas.
    Para os "discípulos" de que se fala na primeira parte do nosso texto, a proposta de Jesus é inadmissível, excessiva para a força humana (vers. 60). Eles não estão dispostos a renunciar aos seus próprios projectos de ambição e de realização humana, a embarcar com Jesus no caminho do amor e da entrega, a fazer da própria vida um serviço e uma partilha com os irmãos. Esse caminho parece-lhes, além de demasiado exigente, um caminho ilógico. Confrontados com a radicalidade do caminho do Reino, eles não estão dispostos a arriscar.
    Na resposta à objecção desses "discípulos", Jesus assegura-lhes que o caminho que propõe não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um caminho destinado à glória e à vida eterna. A "subida" do Filho do Homem, após a morte na cruz, para reentrar no mundo de Deus, será a "prova provada" de que a vida oferecida por amor conduz à vida em plenitude (vers. 61-62). Esses "discípulos" não estão dispostos a acolher a proposta de Jesus porque raciocinam de acordo com uma lógica humana, a lógica da "carne"; só o dom do Espírito possibilitará aos crentes perceber a lógica de Jesus, aderir à sua proposta e seguir Jesus nesse caminho do amor e da doação que conduz à vida (vers. 63).
    Na realidade, esses discípulos que raciocinam segundo a lógica da "carne" seguem Jesus pelas razões erradas (a glória, o poder, a fácil satisfação das necessidades materiais mais básicas). A sua adesão a Jesus é apenas exterior e superficial. Jesus tem consciência clara dessa realidade. Ele sabe até que um dos "discípulos" O vai trair e entregar nas mãos dos líderes judaicos (vers. 64). De qualquer forma, Jesus encara a decisão dos discípulos com tranquilidade e serenidade. Ele não força ninguém; apenas apresenta a sua proposta - proposta radical e exigente - e espera que o "discípulo" faça a sua opção, com toda a liberdade.
    Em última análise, a vida nova que Jesus propõe é um dom de Deus, oferecido a todos os homens (vers. 65). O termo deste movimento que o Pai convida o "discípulo" a fazer é o encontro com Jesus e a adesão ao seu projecto. Se o homem não está aberto à acção do Pai e recusa os dons de Deus, não pode integrar a comunidade dos discípulos e seguir Jesus.
    A primeira parte da cena termina com a retirada de "muitos discípulos" (vers. 66). O programa exposto por Jesus, que exige a renúncia às lógicas humanas de ambição e de realização pessoal, é recusado... Esses "discípulos" mostram-se absolutamente indisponíveis para percorrer o caminho de Jesus.
    Confirmada a deserção desses "discípulos", Jesus pede ao grupo mais restrito dos "Doze" que façam a sua escolha: "também vós quereis ir embora?" (vers. 67). Repare-se que Jesus não suaviza as suas exigências, nem atenua a dureza das suas palavras... Ele está disposto a correr o risco de ficar sem discípulos, mas não está disposto a prescindir da radicalidade do seu projecto. Não é uma questão de teimosia ou de não querer dar o braço a torcer; mas Jesus está seguro que o caminho que Ele propõe - o caminho do amor, do serviço, da partilha, da entrega - é o único caminho por onde é possível chegar à vida plena... Por isso, Ele não pode mudar uma vírgula ao seu discurso e à sua proposta. O caminho para a vida em plenitude já foi claramente exposto por Jesus; resta agora aos "discípulos" aceitá-lo ou rejeitá-lo.
    Confrontados com esta opção fundamental, os "Doze" definem claramente o caminho que querem percorrer: eles aceitam a proposta de Jesus, aceitam segui-l'O no caminho do amor e da entrega. Quem responde em nome do grupo (uso do plural) é Simão Pedro: "Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna" (vers. 68). A comunidade reconhece, pela voz de Pedro, que só no caminho proposto por Jesus encontra vida definitiva. Os outros caminhos só geram vida efémera e parcial e, com frequência, conduzem à escravidão e à morte; só no caminho que Jesus acabou de propor (e que "muitos" recusaram) se encontra a felicidade duradoura e a realização plena do homem (vers. 68).
    É porque reconhece em Jesus o único caminho válido para chegar à vida eterna que a comunidade dos "Doze" adere ao que Ele propõe ("cremos" - vers. 69a). A "fé" (adesão a Jesus) traduz-se no seguimento de Jesus, na identificação com Ele, no compromisso com a proposta que Ele faz ("comer a carne e beber o sangue" que Jesus oferece e que dão a vida eterna).
    A resposta posta na boca de Pedro é precisamente a resposta que a comunidade joânica (a tal comunidade que vive a sua fé e o seu compromisso cristão em condições difíceis e que, por vezes, tem dificuldade em renunciar à lógica do mundo e apostar na radicalidade do Evangelho de Jesus) é convidada a dar: "Senhor, as tuas propostas nem sempre fazem sentido à luz dos valores que governam o nosso mundo; mas nós estamos seguros de que o caminho que Tu nos indicas é um caminho que leva à vida eterna. Queremos escutar as tuas palavras, identificar-nos contigo, viver de acordo com os valores que nos propões, percorrer contigo esse caminho do amor e da doação que conduz à vida eterna.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O Evangelho deste domingo põe claramente a questão das opções que nós, discípulos de Jesus, somos convidados a fazer... Todos os dias somos desafiados pela lógica do mundo, no sentido de alicerçarmos a nossa vida nos valores do poder, do êxito, da ambição, dos bens materiais, da moda, do "politicamente correcto"; e todos os dias somos convidados por Jesus a construir a nossa existência sobre os valores do amor, do serviço simples e humilde, da partilha com os irmãos, da simplicidade, da coerência com os valores do Evangelho... É inútil esconder a cabeça na areia: estes dois modelos de existência nem sempre podem coexistir e, frequentemente, excluem-se um ao outro. Temos de fazer a nossa escolha, sabendo que ela terá consequências no nosso estilo de vida, na forma como nos relacionamos com os irmãos, na forma como o mundo nos vê e, naturalmente, na satisfação da nossa fome de felicidade e de vida plena. Não podemos tentar agradar a Deus e ao diabo e viver uma vida "morna" e sem exigências, procurando conciliar o inconciliável. A questão é esta: estamos ou não dispostos a aderir a Jesus e a segui-l'O no caminho do amor e do dom da vida?

    ¨ Os "muitos discípulos" de que fala o texto que nos é proposto não tiveram a coragem para aceitar a proposta de Jesus. Amarrados aos seus sonhos de riqueza fácil, de ambição, de poder e de glória, não estavam dispostos a trilhar um caminho de doação total de si mesmos em benefício dos irmãos. Este grupo representa esses "discípulos" de Jesus demasiado comprometidos com os valores do mundo, que até podem frequentar a comunidade cristã, mas que no dia a dia vivem obcecados com a ampliação da sua conta bancária, com o êxito profissional a todo o custo, com a pertença à elite que frequenta as festas sociais, com o aplauso da opinião pública... Para estes, as palavras de Jesus "são palavras duras" e a sua proposta de radicalidade é uma proposta inadmissível. Esta categoria de "discípulos" não é tão rara como parece... Em diversos graus, todos nós sentimos, por vezes, a tentação de atenuar a radicalidade da proposta de Jesus e de construir a nossa vida com valores mais condizentes com uma visão "light" da existência. É preciso estarmos continuamente numa atitude de vigilância sobre os valores que nos norteiam, para não corrermos o risco de "virar as costas" à proposta de Jesus.

    ¨ Os "Doze" ficaram com Jesus, pois estavam convictos de que só Ele tem "palavras que comunicam a vida definitiva". Eles representam aqueles que não se conformam com a banalidade de uma vida construída sobre valores efémeros e que querem ir mais além; representam aqueles que não estão dispostos a gastar a sua vida em caminhos que só conduzem à insatisfação e à frustração; representam aqueles que não estão dispostos a conduzir a sua vida ao sabor da preguiça, do comodismo, da instalação; representam aqueles que aderem sinceramente a Jesus, se comprometem com o seu projecto, acolhem no coração a vida que Jesus lhes oferece e se esforçam por viver em coerência com a opção por Jesus que fizeram no dia do seu Baptismo. Atenção: esta opção pelo seguimento de Jesus precisa de ser constantemente renovada e constantemente vigiada, a fim de que o nível da coerência e da exigência se mantenha.

    ¨ Na cena que o Evangelho de hoje nos traz, Jesus não parece estar tão preocupado com o número de discípulos que continuarão a segui-l'O, quanto com o manter a verdade e a coerência do seu projecto. Ele não faz cedências fáceis para ter êxito e para captar a benevolência e os aplausos das multidões, pois o Reino de Deus não é um concurso de popularidade... Não adianta escamotear a verdade: o Evangelho que Jesus veio propor conduz à vida plena, mas por um caminho que é de radicalidade e de exigência. Muitas vezes tentamos "suavizar" as exigências do Evangelho, a fim de que ele seja mais facilmente aceite pelos homens do nosso tempo... Temos de ter cuidado para não desvirtuarmos a proposta de Jesus e para não despojarmos o Evangelho daquilo que ele tem de verdadeiramente transformador. O que deve preocupar-nos não é tanto o número de pessoas que vão à Igreja; mas é, sobretudo, o grau de radicalidade com que vivemos e testemunhamos no mundo a proposta de Jesus.

    ¨ Um dos elementos que aparece nitidamente no nosso texto é a serenidade com que Jesus encara o "não" de alguns discípulos ao projecto que Ele veio propor. Diante desse "não", Jesus não força as coisas, não protesta, não ameaça, mas respeita absolutamente a liberdade de escolha dos seus discípulos. Jesus mostra, neste episódio, o respeito de Deus pelas decisões (mesmo erradas) do homem, pelas dificuldades que o homem sente em comprometer-se, pelos caminhos diferentes que o homem escolhe seguir. O nosso Deus é um Deus que respeita o homem, que o trata como adulto, que aceita que ele exerça o seu direito à liberdade. Por outro lado, um Deus tão compreensivo e tolerante convida-nos a dar mostras de misericórdia, de respeito e de compreensão para com os irmãos que seguem caminhos diferentes, que fazem opções diferentes, que conduzem a sua vida de acordo com valores e critérios diferentes dos nossos. Essa "divergência" de perspectivas e de caminhos não pode, em nenhuma circunstância, afastar-nos do irmão ou servir de pretexto para o marginalizarmos e para o excluirmos do nosso convívio.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Não há dúvida que Pedro não tinha compreendido todas as palavras de Jesus sobre o Pão da Vida, mas, um dia, ele tinha deixado tudo para seguir este Mestre que falava e agia com autoridade. Ele tinha-Lhe dado toda a sua confiança sem reservas: as suas palavras eram palavras de vida, os seus gestos eram gestos de vida. Então porque não aceitar que toda a sua pessoa fosse doadora de vida eterna? Pedro não se vê, pois, a deixar Aquele que promete a vida em nome de Deus. Imagina-se o sofrimento de Jesus ao ver alguns dos seus discípulos deixarem de O seguir. Mas imagina-se também a sua alegria diante da confiança daqueles que não O deixarão, mesmo se vierem a conhecer abandono momentâneo, negação, dúvida... Estamos prontos a fazer o acto de fé de Pedro: "Senhor, para quem iremos nós?" Em Cristo, e somente n'Ele, nunca ficaremos decepcionados!

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    O escândalo não tardou em rebentar! "Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?" Desta vez, não são os escribas e os fariseus que se opõem violentamente a Jesus, mas a maior parte dos seus discípulos. No lugar de Jesus, teríamos, sem dúvida, tentado acalmar os espíritos dizendo, por exemplo, que comer o seu corpo, beber o seu sangue para ter a vida eterna, era uma imagem, certamente chocante, mas apenas uma imagem! Nada disso com Jesus! Ele não apenas não retira nenhuma das suas palavras, mas provoca os Doze: "Também vós quereis ir embora?" Ele aceitaria antes ver partir os seus discípulos mais próximos do que negar uma só das suas palavras! O desafio era capital, incontornável. Não podemos apagar estas palavras se queremos ser seus discípulos. Tudo à luz do acontecimento central da Morte e Ressurreição, celebrado na Eucaristia! Isso exige uma dupla atitude para entrarmos no mistério da Eucaristia: Reconhecemos verdadeiramente neste homem, Jesus de Nazaré, o Filho de Maria, o verdadeiro Filho único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, como dizemos no Credo? Cremos verdadeiramente que Jesus ressuscitou e é verdadeiramente vencedor da morte? Aí está o centro da nossa fé, onde tudo se decide! Quando comungamos o corpo e o sangue de Cristo, dizemos: "Ámen! Adiro a esta presença de Jesus ressuscitado com todas as fibras do meu ser!" Uma fé celebrada na Eucaristia a marcar toda a nossa existência... Não há meios-termos!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Qual é a minha fé? Cada um de nós pode interrogar-se: posso sinceramente dizer a minha fé com as palavras de Pedro? Se sim, terei, nos próximos dias, a força de a testemunhar junto de uma pessoa que duvida, que procura, ou que contesta a fé cristã? Quais são os meios que tenho para alimentar a minha fé?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

    A Virgem Santa Maria

    A Virgem Santa Maria


    22 de Agosto, 2021

    A festa litúrgica de "A Virgem Santa Maria, Rainha", ou da realeza de Maria, foi auspiciada por alguns congressos marianos a partir do ano de 1900. Em 1925, Pio XI instituiu a festa de Cristo Rei. Em 1954, na conclusão do centenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, Pio XII anunciou esta festa para o dia 31 de Maio. Na reforma do calendário, promovida pelo Vaticano II, a festa foi fixada na oitava da Assunção de Nossa Senhora, a 22 de Agosto, para manifestar a conexão que existe entre a realeza de Maria e a sua Assunção ao céu.

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 9, 1-6

    O povo que andava nas trevas viu uma grande luz;habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles. 2Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo; alegram-se diante de ti como os que se alegram no tempo da colheita, como se regozijam os que repartem os despojos. 3Pois Tu quebraste o seu jugo pesado, a vara que lhe feria o ombro e o bastão do seu capataz, como na jornada de Madian.4Porque a bota que pisa o solo com arrogância e a capa empapada em sangue serão queimadas e serão pasto das chamas.5Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz. 6Dilatará o seu domínio com uma paz sem limites, sobre o trono de David e sobre o seu reino. Ele o estabelecerá e o consolidará com o direito e com a justiça, desde agora e para sempre. Assim fará o amor ardente do Senhor do universo.

    O nosso texto, expressão da esperança messiânica de Israel, pode ser interpretado sob o ponto de vista cristológico-mariano. Proclamado por Isaías depois do ano 740 a. C., tem um tom de festa e encorajamento, apesar das nuvens negras que pairam sobre Israel. Os vv. 5ss podem ser lidos segundo a chave que a festa de hoje nos sugere. A realeza de Maria permanece ligada e subordinada à realeza do Messias, Cristo Senhor. O Libertador esperado é o menino que "nasceu para nós: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz" (v. 5). Estas imagens aplicadas à realeza de Cristo são alegóricas, porque o seu reino não é deste mundo, e a sua paz é diferente da que o mesmo mundo nos pode dar. Jesus é manso e humilde de coração. O mesmo se pode dizer da realeza de Maria, humilde serva do Senhor.

    Evangelho: Lucas 1, 26-38

    Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,27a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. 28Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo.» 29Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. 30Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. 31Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus.32Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, 33reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» 34Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» 35O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. 36Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril,37porque nada é impossível a Deus.» 38Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela.

    Em toda esta bela cena, Deus é o principal ator: fala pelo seu anjo, age de modo criador por meio do Espírito, atualiza-se no "Filho", que nasce de Maria. Maria é expressão da humildade que se mantém aberta ao mistério de Deus, é enriquecida pelo mesmo Deus, e concretiza a esperança de Israel. Isabel terá toda a razão quando proclamar, dirigindo-se a Maria: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. 43E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor?" (Lc 1, 43). O apelativo "bendita" oferece-nos uma pequena janela que nos permite entrever a senhoria ou realeza de Maria. De fato, é "Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor!" (Lc 19, 37) e "Bendito seja o que vem em nome do Senhor! Bendito o Reino do nosso pai David que está a chegar." (Mc 11, 9s.). Jesus é o fruto "bendito" do ventre de Maria. O clarão que ilumina a consciência de Maria remete para a senhoria do filho concebido por obra do Espírito Santo, e não tanto para qualquer sua soberania pessoal. Por isso, exulta em Deus, seu salvador (cf. Lc 1, 46ss.).

    Meditatio

    Hoje, somos chamados a contemplar Aquela que, sentada à direita do rei dos séculos, resplandece como rainha e intercede por nós como mãe. A figura da rainha-mãe permanece em muitas culturas populares como protótipo de solenidade, de senhoria, de cordialidade, de benevolência. O culto e a própria iconografia representam espontaneamente Maria na postura de uma rainha, revestida de beleza e de glória, muitas vezes sentada e coroada de estrelas, feita, ela mesma, trono do filho que tem nos braços, o Menino Jesus. A liturgia contempla esse ícone de Maria, mãe e rainha. Contempla a ligação de Maria serva a Senhor Deus como participação na realeza de Cristo. Trata-se de uma realeza que é serviço, colaboração com Cristo na salvação da humanidade. A obra de Cristo exigiu a sua morte no Calvário. Junto dele estava a sua mãe. A realeza de Cristo custou-lhe a Paixão e a Morte. A de Maria custou-lhe as dores que a Paixão e a Morte de Jesus lhe causaram.
    O povo cristão costuma invocar Maria como Rainha da Paz. Trata-se de uma conotação com o oráculo de Isaías que fala do "príncipe da paz". Jesus Cristo é a nossa paz, afirma Paulo (cf. Ef 2, 14). Maria é mãe do príncipe da paz. O Menino que nasceu para nós é o fruto bendito do ventre de Maria, é o Senhor, fonte da paz. A paz é sonho e utopia, que convidam ao acolhimento do Senhor da Paz, Jesus Cristo, filho de Maria. Ela é a Virgem pacificada e operadora de paz. O sonho e a utopia convidam-nos a acreditar em Jesus e a realizar obras de paz, que são testamento seu e dom do Espírito.
    O privilégio da maternidade divina de Maria, fonte e a causa das suas grandezas, das suas graças, do seu poder e da sua glória, faz dela a Rainha de todas as criaturas. Veneremo-la, tenhamos confiança nela, amemo-la.

    Oratio

    Salve, Virgem Santa Maria, mãe generosa do Senhor do universo, rei de paz e de justiça. Mulher humilde, acolhida já no céu pelo amor do Pai, inspira o nosso serviço na edificação do reino de Cristo. Mãe feliz, que acreditaste, fica connosco para nos ajudar a guardar e a alimentar a lâmpada da nossa fé. Esposa do Espírito Santo, ensina-nos a perseverar nas obras de misericórdia, de justiça, de paz. Ámen.

    Contemplatio

    O Profeta real repete o seu admirável cântico: «Vejo à vossa direita, ó meu Príncipe, uma Rainha vestida com um manto de ouro todo adornado de bordados. As virgens, depois dela, apresentam-se ao meu Rei com santa alegria» (Sl 44). - Isaías, transportado pelo espírito de Deus, canta num arroubamento sublime: «Eis a Virgem que devia conceber e dar à luz um Filho». A voz de Deus domina todas as exclamações de alegria: «Vinde minha esposa, diz, vinde, minha bem-amada, vinde do Líbano para ser coroada» (Cântico). A Santíssima Trindade concede a Maria a auréola do Martírio, do doutoramento e da virgindade, ornamenta a sua augusta fronte com a coroa real. Eis a Rainha de glória, mas também Rainha de bondade e de misericórdia. Vinde a ela vós todos que estais em dificuldade. O seu poder não tem outros limites que os do amor que o seu Filho tem por ela. Ela é o asilo dos pecadores, a protetora dos justos, a esperança e o sustentáculo da Igreja, o refúgio dos povos e dos reis. Os espíritos celestes são os seus ministros, o género humano os seus súbditos, as três Igrejas o seu reino. Ela é três vezes Rainha. - O segredo do seu poder é o amor que lhe leva o Coração de Jesus. Se o Coração de Jesus é a fonte das graças e o tesouro do céu, quem melhor do que Maria pode ir até a esta fonte e abrir este tesouro? Este coração, não é feito do sangue e da carne de Maria? Rainha do Sagrado Coração, abençoai-nos - se o Sagrado Coração de Jesus é o sol da cidade celeste, o Coração de Maria é como a lua brilhante que nos transmite os seus raios. (Leão Dehon, OSP 4, p. 159s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Bendita a Mãe do meu Senhor!" (cf. Lc 1, 42s).

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    A Virgem Santa Maria (22 Agosto)

  • S. Bartolomeu, Apóstolo

    S. Bartolomeu, Apóstolo


    24 de Agosto, 2021

    S. Bartolomeu é um dos Doze escolhidos por Jesus (cf. Mt 1, 11ss.; Lc 6, 12) para andarem com Ele, serem dotados dos seus poderes e enviados em missão. Identificado com Natanael, amigo de Filipe (cf. Jo 1, 43-51; 22, 2), era natural de Caná. Pouco sabemos sobre Bartolomeu e sobre a sua missão. De acordo com Jo 1, 43ss., era um homem simples e reto, aberto à esperança de Israel. Diversas tradições colocam-no em diferentes regiões do mundo, o que pode indicar um raio de ação muito vasto. Segundo uma dessas tradições, foi esfolado vivo na Pérsia, coroando a sua laboriosa vida missionária com a glória do martírio.

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 21, 9b-14

    O Anjo falou-me dizendo: Vou mostrar-te a noiva, a esposa do Cordeiro.» 10E transportou-me, em espírito, a uma grande e alta montanha e mostrou-me a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus. 11Tinha o resplendor da glória de Deus: brilhava como pedra preciosa, como pedra de jaspe cristalino; 12tinha uma grande e alta muralha com doze portas; nas portas havia doze anjos e em cada uma estava gravado o nome de uma das doze tribos de Israel: 13ao oriente havia três portas, ao norte três portas, ao sul três portas e ao ocidente três portas. 14A muralha da cidade tinha doze alicerces, nos quais estavam gravados doze nomes, os nomes dos doze Apóstolos do Cordeiro.

    A Igreja, no Apocalipse, é a cidade santa, que recolhe as doze tribos de Israel, isto é, o novo Israel de Deus. Os seus muros apoiam-se sobre doze colunas, que são os doze apóstolos. No nosso texto, a Igreja é também chamada "noiva", "a noiva, a esposa do Cordeiro" (v. 9), para evidenciar o vínculo de amor com que Deus Se ligou à humanidade, e Cristo se uniu à Igreja. Cada um dos apóstolos participa e testemunha este amor no seu ministério e, finalmente, no martírio. Por isso, os Doze são também chamados "Apóstolos do Cordeiro" (v. 14). De fato, não só exercem o ministério que Jesus hes confiou, mas também, e principalmente, participam no seu mistério pascal, bebendo com Ele o cálice (cf. Mt 20, 22).

    Evangelho: João 1, 45-51

    Naquele tempo, Filipe encontrou Natanael e disse-lhe: «Encontrámos aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os Profetas: Jesus, filho de José de Nazaré.» 46Então disse-lhe Natanael: «De Nazaré pode vir alguma coisa boa?» Filipe respondeu-lhe: «Vem e verás!»47Jesus viu Natanael, que vinha ao seu encontro, e disse dele: «Aí vem um verdadeiro israelita, em quem não há fingimento.» 48Disse-lhe Natanael: «Donde me conheces?» Respondeu-lhe Jesus: «Antes de Filipe te chamar, Eu vi-te quando estavas debaixo da figueira!» 49Respondeu Natanael: «Rabi, Tu és o Filho de Deus! Tu és o Rei de Israel!»50Retorquiu-lhe Jesus: «Tu crês por Eu te ter dito: 'Vi-te debaixo da figueira'? Hás-de ver coisas maiores do que estas!» 51E acrescentou: «Em verdade, em verdade vos digo: vereis o Céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo por meio do Filho do Homem.»

    Jesus dirige a Natanael um elogio que o deixa surpreendido: "Aí vem um verdadeiro israelita, em quem não há fingimento." (v. 47). Com efeito, as palavras de Jesus incluíam a verificação que nos deixa entrever um pouco mais o espírito de Natanael: o seu amor pela verdade. O apóstolo era um homem que procurava a verdade. A sua inteligência abre-se ao mistério que se revela. É o que também se verificará quando da primeira aparição de Jesus ressuscitado. Da procura passa à fé. Por isso, este apóstolo é um ícone do verdadeiro crente que, iluminado pela Palavra, agudiza a sua capacidade visiva interior e que, pela fé, reconhece em Jesus o Salvador esperado.

    Meditatio

    Jesus conhece o coração do homem. Por isso, pode chamar, com autoridade, aqueles que quer mais perto de si. O Senhor chama para pôr os homens em relação com o céu, para revelar o seu ser, que está em completa relação com o Pai e connosco, ponto de convergência do movimento de Deus rumo aos homens e do anseio dos homens por Deus: Filho do homem e Filho de Deus. Na verdade, quem se aproxima de Jesus vê o céu aberto e os anjos de Deus subir e descer sobre o Filho do homem.
    Os Doze estão com Jesus porque devem ver o Pai agir e permanecer no Filho do homem, numa união que se manifestará plenamente na paixão de Jesus, quando for erguido na cruz e novamente introduzido na glória do Pai. Então se realizará p sonho de Jacob.
    Todos somos chamados a esta profunda revelação. Na Eucaristia revivemos o mistério da morte e da glorificação de Jesus, sacerdote e vítima da nova aliança entre o Pai e os homens. E, com Ele, queremos ser também sacerdotes e vítimas fazendo a oblação de nós mesmos, para glória e alegria de Deus e para salvação da humanidade. O Senhor revela-se a nós como aos Apóstolos, os doze alicerces, sobre os quais se apoia a muralha da cidade, "a noiva, a esposa do Cordeiro" (v. 9).

    Oratio

    Senhor, reacende a nossa fé na contemplação dos mistérios que nos revelas, na festa do apóstolo Bartolomeu. Nós te agradecemos por nos teres reunido na Igreja. Nós te agradecemos por todos aqueles e aquelas que, de coração sincero, continuam a difundir no mundo inteiro, apoiados pelo teu Espírito Santo, a fé e o amor dos Apóstolos. Ámen.

    Contemplatio

    Deus compraz-se naqueles que caminham diante dele na simplicidade do seu coração (Prov. 11). Deus detesta os corações duplos e hipócritas. Aqueles que usam a dissimulação e a astúcia provocam a sua cólera (Job 36). O Espírito Santo retira-se daqueles que são duplos e dissimulados (Sab 1, 5). Natanael ganhou o coração de Nosso Senhor pela simplicidade e retidão do seu coração (Jo 1, 47). Deus não desprezará nunca a simplicidade, diz Job. Não rejeitará aqueles que se aproximam dele com simplicidade (Job 8,10). O Espírito Santo assegura-nos que os cumulará com os seus dons e as suas bênçãos (Prov. 28,10). O simples é bem sucedido nos seus desígnios e Deus abençoa-O. Segue os caminhos de Deus; pode caminhar com confiança (Prov. 10,9 e 29). Deus frustrará os que são dúplices e dará as suas graças aos humildes (Prov. 3,34). Os simples são acarinhados, estimados por Jesus, como aquelas crianças do Evangelho que Jesus atraía apesar dos seus apóstolos. «É imitando esta inocência e esta candura de crianças, dizia Jesus, que vos haveis de tornar agradáveis ao meu coração» (Mt 18). Como é que havemos de hesitar em amar e em praticar a simplicidade?(Leão Dehon, OSP 3, p. 48s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Rabi, Tu és o Filho de Deus! Tu és o Rei de Israel!" (Jo 1, 49).

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    S. Bartolomeu, Apóstolo (24 Agosto)

  • S. Mónica

    S. Mónica


    27 de Agosto, 2021

    Santa Mónica nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 331 ou 332, no seio de uma família cristã e com boas condições sociais. Ainda adolescente, foi dada em casamento a Patrício, que possuía um modesto património e era membro do conselho municipal de Tagaste. Mónica é uma mulher africana, mãe de um dos maiores Padres da Igreja, S. Agostinho. «Era mulher no aspecto, mas viril na fé, anciã na pacatez, materna no amor, verdadeira cristã» - escreve Agostinho (Conf. IX, 4,8). Ganhou para Cristo o marido e o filho. Esteve presente no batismo de Agostinho, em Milão, e acompanhou de perto a sua primeira experiência monástica em Casissíaco. Quando voltava para África, com o filho e os amigos, morreu em Óstia Tiberina, perto de Roma, antes de 13 de Novembro de 387.

    Lectio

    Primeira leitura: Ben-Sirá: 26, 1-4.13-16

    Feliz o homem que tem uma virtuosa mulher, porque será dobrado o número dos seus anos. 2A mulher forte é a alegria do marido; derramará paz nos anos da sua vida. Uma mulher virtuosa é uma sorte excelente, é o prémio dos que temem o Senhor.4Rico ou pobre, o seu coração será feliz, e o seu rosto ver-se-á sempre alegre. 13A graça de uma mulher deleita o marido, e seu bom proceder revigora-lhe os ossos. 14É dom do Senhor uma mulher silenciosa; nada é comparável a uma mulher bem educada. 15A mulher honesta é uma graça inestimável; não há preço comparável a uma alma casta. 16Como o sol se eleva nas alturas do Senhor, assim a beleza de uma mulher virtuosa é ornamento da sua casa.

    Esta leitura realça a especificidade da mulher de cuja bondade e virtude depende a felicidade do homem. Na casa, a mulher é mediadora e incarnação da beleza de Deus. O homem pode, não só contemplar essa beleza, mas também desposá-la. A felicidade, a alegria, a serenidade, a boa sorte, a paz, a vida longa, o vigor e, enfim, a graça, são como que veiculados por esse tipo de mulher que incarna em si os atributos da virtude. A mulher virtuosa do Ben-Sirá, ou a mulher perfeita dos Provérbios, é a própria Sabedoria

    Evangelho: Lucas 7, 11-17

    Naquele tempo, dirigia-se Jesus para uma cidade chamada Naim, indo com Ele os seus discípulos e uma grande multidão. 12Quando estavam perto da porta da cidade, viram que levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que era viúva; e, a acompanhá‑la, vinha muita gente da cidade. 13Vendo‑a, o Senhor compadeceu­-se dela e disse‑lhe: «Não chores.» 14Aproximan­do-se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam. Disse então: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta‑te!» 15O morto sentou‑se e começou a falar. E Jesus entregou‑o à sua mãe. 16O temor apoderou‑se de todos, e davam glória a Deus, dizendo: «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» 17E a fama deste milagre espalhou‑se pela Judeia e por toda a região.

    O centro desta narrativa de Lucas é o encontro de Jesus com aquela mulher, uma viúva, só, sem amor, mãe de um filho, a que deu a vida, mas que agora não pode arrancar da morte. Temos aqui alguns paralelismos com a paixão e ressurreição de Jesus: o encontro, que acontece «perto da porta da cidade» de Naim, portanto, fora dela, e a sua crucifixão fora das portas de Jerusalém; o «caixão» e o seu «sepulcro»; o «levantar-se, ressuscitar» do jovem e a Sua ressurreição (de Jesus). Lucas revela aqui a identidade de Jesus: o Ressuscitado, o Vencedor da morte é também o Senhor de misericórdia. Ele assume em si os sentimentos maternos daquela mulher: todo o seu espírito se envolve numa co-moção profunda, visceral, como acontece com as «vísceras maternas», que se abrem para acolher uma nova criatura no acto de dar lugar, de con-sentir (alegria e dor), com alguém que está nelas (cfr. Lc 15, 20). Jesus dá à mulher uma ordem paradoxal: «não chores!» É uma palavra que leva em si a força e a ternura de uma promessa - «Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Porque as primeiras coisas passaram.» (Ap 21, 4) - uma promessa de felicidade, que vai para além da morte. Aqui encontramos todo o sentido da incarnação, sinteticamente expresso no gesto de Jesus que «toca» o caixão e pronuncia, ali onde o homem se encontra no fim, a Palavra que o faz recomeçar: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta‑te!»
    No contacto com Jesus e com a sua palavra, o filho morto é novamente dado à vida. Da escuridão do sem sentido e do isolamento, é restituído à relação vital com os outros e com o mundo. Adquire novamente a capacidade de falar e de comunicar. E Jesus, com um gesto de grande delicadeza, «entregou‑o à sua mãe».

    Meditatio

    Mónica é uma «santa» e, portanto, uma «mulher» verdadeira. Nela convergem e incarnam a beleza da «mulher virtuosa» do Ben-Sirá e a materna com-paixão da «viúva» do Novo Testamento, que faz da sua vida uma intercessão pelo filho. A santidade de Mónica leva-nos ao coração da vocação e da missão da mulher. Mónica realizou até ao fim a missão de «guarda do homem». Enfrentou com grande dignidade e inteligência, com a genialidade própria da mulher, as dificuldades da vida matrimonial com um homem «pagão» de carácter muito difícil, «a quem - diz cruamente Agostinho - foi entregue». Sem jamais perder o gosto pelo bem, mesmo nas adversidades, «esforçou-se por ganhá-lo para Ti, falando-lhe de Ti com as suas virtudes com que a embelezaste e por meio das quais lhe merecias o seu afecto respeitoso e admirado» (S. Agostinho, Confissões IX, 9, 19).
    Servindo-se das grandes forças do espírito feminino apoiou, com as lágrimas e a oração de uma vida toda consagrada a Deus, a verdadeira luta pela fé do seu filho Agostinho. Esta luta é «a luta pelo homem, pelo seu verdadeiro bem, pela sua salvação».
    De Mónica, Agostinho escreverá mais tarde: «Creio, sem qualquer dúvida que, pelas tuas lágrimas, mãe, Deus concedeu-me não querer, não pensar, não amar outra coisa senão alcançar a verdade». Mónica é, pois, mãe numa dupla maternidade: «Deu-me à luz na carne, para que eu nascesse para a luz temporal, e deu-me à luz no espírito para que eu nascesse para a luz eterna»» (Conf IX, 8s.). Se a mulher na relação homem-Deus representa o ponto de encontro da humanidade com Deus, mesmo pela maternidade de que é portadora, em Mónica, no seu ser mãe em plenitude, a paternidade de Deus pôde agir numa admirável aliança.

    Oratio

    Pai santo, na sua vida mortal, o vosso Filho Jesus passou fazendo o bem e socorrendo todos os que eram prisioneiros do mal. Ainda hoje, como bom samaritano, vem ao encontro de todos os homens atribulados no corpo ou no espírito e derrama sobre as suas feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança. Nós vos louvamos e bendizemos pelo que, por meio de Cristo, fizestes em Santa Mónica e no seu filho Agostinho. Por intercessão da mãe e do filho, dai-nos a graça de chorarmos os nossos pecados para alcançarmos o vosso perdão. Ámen.

    Contemplatio

    O Coração de Jesus é compassivo, não só com os doentes, mas também com todos os que sofrem e se encontram em dificuldade. Como é bom para com as almas provadas pela perda daqueles que lhe são caros, como Jairo, cujo filho bem-amado acabava de morrer. Como é bom para com a pobre viúva de Naim que leva o seu filho único à sepultura, para com Marta e Madalena que choram o seu irmão. Está emocionado até ao fundo da alma, chora. As suas lágrimas comovem os próprios judeus. Apela ao poder divino para ressuscitar os mortos. A sua compaixão para com Jerusalém é imensa: chora por causa das tribulações futuras desta cidade ingrata e culpada. Num movimento de compaixão sem medida, abre os seus braços a todos os infortunados: «Vinde a mim, diz, vós todos que sofreis e que sois esmagados sob o peso do trabalho e da dor; vinde e vos aliviarei». No caminho do calvário, esquece os seus próprios sofrimentos para se compadecer das filhas de Jerusalém e convidá-las a chorar pelos castigos que cairão em breve sobre a sua pátria. (L. Dehon, OSP 4, p. 139s.).

    Actio

    Repete com frequência e vive a expressão de Santo Agostinho:
    «Quem é feliz tem Deus» (De vita beata, II, 11).
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    S. Mónica (27 Agosto)

  • S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja

    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja


    28 de Agosto, 2021

    Santo Agostinho nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 354. A sua mãe, Santa Mónica, educou-o cristãmente. As suas qualidades intelectuais depressa se revelaram, apontando para um futuro brilhante como mestre de retórica. Apesar de tudo, enveredou por uma vida dissoluta. Mas não se apagou nele a sede nem a ânsia da verdade. Leu o Hortêncio, de Cícero, e a Sagrada Escritura. Não se entusiasmou e acabou por aderir ao racionalismo e ao materialismo dos Maniqueus. Rumando à Itália, conheceu o bispo Santo Ambrósio de Milão. Reviu as suas posições acerca da Igreja Católica, voltou a ler a Bíblia e abriu-se definitivamente à luz e à riqueza de Cristo. Batizado em 387, regressou a África e fundou a sua primeira comunidade monástica em Tagaste, organizando-a segundo o modelo das comunidades de que nos falam os Atos dos Apóstolos. Em 391 foi ordenado sacerdote pelo bispo Valério, a quem sucedeu no governo da diocese de Hipona, no ano 395. Transferiu a sua comunidade para a casa episcopal, e dedicou-se ao ministério da Palavra e à defesa da fé. Escreveu mais de duzentos livros, e quase um milhar de sermões e cartas. Morreu a 28 de Agosto de 430. S. Agostinho é um dos padroeiros da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 4, 7-16

    Caríssimos: Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. 8Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor. 9E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. 10É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. 11Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros. 12A Deus nunca ninguém o viu; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição em nós. 13Damos conta de que permanecemos nele, e Ele em nós, por nos ter feito participar do seu Espírito. 14Nós o contemplámos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. 15Quem confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus.

    "Deus é amor". Por isso, mais do que procurá-lo com os olhos ou a mente, há que procurá-lo com o coração. Além disso, só os puros de coração verão a Deus (cf. Mt 5, 8). Se queremos ver a Deus, também com os nossos olhos, há que purificá-los, afastando as imperfeições que nos impedem ver a Deus. "Deus é amor". Que rosto, forma, estatura, pés, mãos, tem o amor? Não sabemos dizê-lo. Mas dispomos de pés para ir à Igreja, de mãos para fazer o bem, os olhos para ver os necessitados. O campo para exercer o amor é a caridade fraterna. Podemos dizer que não vemos a Deus; mas não podemos dizer que não vemos os homens. Se amamos os irmãos, veremos a Deus, porque veremos a própria caridade, e Deus habita na caridade.(Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário a 1 Jo 9, 1; VII, 10; v. 7).

    Evangelho: Mateus 13, 8-12

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Não vos deixeis tratar por 'mestres', pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai', porque um só é o vosso 'Pai': aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores', porque um só é o vosso 'Doutor': Cristo. 11O maior de entre vós será o vosso servo.12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

    O amor precede a observância dos mandamentos. A amor é a causa geradora da observância dos mandamentos. Não se trata só de nos amarmos uns aos outros, mas também de amar a Deus. Se o amor é a plenitude da lei (cf. Rm 13, 10), onde há caridade nada mais pode haver. Pelo contrário, onde não há caridade, nada nos pode valer. O diabo acredita mas não ama; mas quem ama não pode deixar de acreditar. Só amando a Deus podemos amar a nós mesmos e aos outros como a nós mesmos. Havemos de amar a todos para que Deus seja tudo em todos. (Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário ao Ev. de João LXXX, 2,3; LXXXII, 2).

    Meditatio

    Santo Agostinho é uma verdadeira parábola de amor apaixonado. A inquietação do coração, a saudade, o desejo, que o enchem interiormente, manifestam-se na procura incansável da verdade e do amor, num clima de oração permanente. Agostinho procura a sua própria identidade, a semelhança divina. Abre completamente a Deus o seu passado, o seu presente e o seu futuro, na certeza de que só Deus é capaz de vencer as suas resistências, medos, fraquezas humanas e saciar a sua sede.
    "Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti" (Confissões 1, 1). À luz da verdade reencontrada, Agostinho vê claramente o seu pecado e a necessidade da graça, da intervenção divina, e dá-se conta da orgulhosa pretensão do seu eu. Mas tudo acontece, agora, no centro do seu perene diálogo com Deus. Foi Deus quem o despertou, porque o ama. Esta certeza é para Agostinho garantia de que a graça de Cristo vencerá o seu pecado. Será restaurado nele "a ordem do amor" e, com essa restauração, poderá experimentar a bem-aventurança da paz e da liberdade sem fim. "Chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez... Tocaste-me e agora desejo ardentemente a paz" (Confissões, 10, 27).

    Oratio

    Senhor, eu amo-te. Trespassaste o meu coração com a tua palavra e desde então amei-te. O céu e a terra dizem-me que devo amar-te e não cessam de o dizer a todos. Quando te amo, não amo uma beleza corporal, uma graça passageira, a claridade de uma luz amável, os sons de uma qualquer melodia, o perfume de flores, de unguentos ou aromas, do maná ou do mel, ou membros que se entregam ao abraço: nada disso amo quando amo o meu Deus. E todavia amo uma certa luz, uma certa voz, um certo perfume e alimento e amplexo quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, amplexo do meu homem interior, onde brilha na minha alma aquilo que nada contém... É isso que amo, quando amo o meu Deus" (inspirado em Santo Agostinho, Confissões X, 6.8).

    Contemplatio

    Santo Agostinho não conheceu o símbolo do Coração de Jesus saído do seu lado para significar o seu amor, mas em todo o resto pode chamar-se um santo do Sagrado Coração. Ninguém falou melhor do lado de Jesus aberto pela lança para daí deixar escapar o sangue e a água, símbolo dos sacramentos e da Igreja. Viu nas chagas de Jesus um refúgio para a nossa alma. As belas invocações da oração Anima Christi são tiradas das suas efusões de amor para com o Salvador: «Água do lado de Jesus, dizia, purificai-me. - Jesus, escondei-me nas vossas chagas». Quem melhor do que ele cantou o amor de Deus? - «Ó Deus, dizia, é possível a alguém saber que sois Deus e que vos não ame? - Ó beleza sempre antiga e sempre nova, tarde vos conheci, tarde vos amei! - Fizestes-nos para vós, Senhor, e o nosso coração está sempre agitado, enquanto não repousa em vós». A regra composta por ele para a sua ordem religiosa foi justamente chamada a regra de amor. Ela respeita o mais puro amor de Deus e do próximo. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Ama e faz o que queres" (S. Agostinho, Comentário a 1 Jo VII, 8).

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    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja (28 Agosto)

  • 22º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    22º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    29 de Agosto, 2021

    ANO B
    22º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 22º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 22º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre a "Lei". Deus quer a realização e a vida plena para o homem e, nesse sentido, propõe-lhe a sua "Lei". A "Lei" de Deus indica ao homem o caminho a seguir. Contudo, esse caminho não se esgota num mero cumprimento de ritos ou de práticas vazias de significado, mas num processo de conversão que leve o homem a comprometer-se cada vez mais com o amor a Deus e aos irmãos.
    A primeira leitura garante-nos que as "leis" e preceitos de Deus são um caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Por isso, o autor dessa catequese recomenda insistentemente ao seu Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela.
    No Evangelho, Jesus denuncia a atitude daqueles que fizeram do cumprimento externo e superficial da "lei" um valor absoluto, esquecendo que a "lei" é apenas um caminho para chegar a um compromisso efectivo com o projecto de Deus. Na perspectiva de Jesus, a verdadeira religião não se centra no cumprimento formal das "leis", mas num processo de conversão que leve o homem à comunhão com Deus e a viver numa real partilha de amor com os irmãos.
    A segunda leitura convida os crentes a escutarem e acolherem a Palavra de Deus; mas avisa que essa Palavra escutada e acolhida no coração tem de tornar-se um compromisso de amor, de partilha, de solidariedade com o mundo e com os homens.

    LEITURA I - Dt 4,1-2.6-8

    Leitura do Livro do Deuteronómio

    Moisés falou ao povo, dizendo:
    «Agora escuta, Israel,
    as leis e os preceitos que vos dou a conhecer
    e ponde-os em prática,
    para que vivais e entreis na posse da terra
    que vos dá o Senhor, Deus de vossos pais.
    Não acrescentareis nada ao que vos ordeno,
    nem suprimireis coisa alguma,
    mas guardareis os mandamentos do Senhor vosso Deus,
    tal como eu vo-los prescrevo.
    Observai-os e ponde-os em prática:
    eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência
    aos olhos dos povos,
    que, ao ouvirem falar de todas estas leis, dirão:
    'Que povo tão sábio e tão prudente é esta grande nação!'
    Qual é, na verdade, a grande nação
    que tem a divindade tão perto de si
    como está perto de nós o Senhor, nosso Deus,
    sempre que O invocamos?
    E qual é a grande nação
    que tem mandamentos e decretos tão justos
    como esta lei que hoje vos apresento?»

    AMBIENTE

    O Livro do Deuteronómio é aquele "livro da Lei" ou "livro da Aliança" descoberto no Templo de Jerusalém no 18º ano do reinado de Josias (622 a.C.) (cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas - originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios - apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
    Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de "testamento espiritual": lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
    O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do primeiro discurso de Moisés (cf. Dt 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso (cf. Dt 1,6-3,29), em estilo narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de Moisés um resumo da história do Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao monte Pisga, na Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt 4,1-43), o autor apresenta, em estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança e das suas exigências. Esta secção final do primeiro discurso de Moisés começa com a expressão "e agora, Israel...", que enlaça esta secção com a precedente: mostra-se que o compromisso que agora se pede a Israel se apoia nos acontecimentos históricos anteriormente expostos... A acção de Deus ao longo da caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao compromisso.
    O capítulo 4 do Livro do Deuteronómio é um texto redigido, muito provavelmente, na fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilónia. Perdido numa terra estrangeira e mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando tentava afirmar a sua fé em Jahwéh e celebrá-la através do culto, impressionado com o esplendor ritual e as solenidades do culto babilónico, o Povo bíblico corria o risco de trocar Jahwéh pelos deuses babilónicos. É neste contexto que os teólogos da escola deuteronomista vão convidar o Povo a olhar para a sua história (cf. Dt 1,6-3,29), a redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Jahwéh e a comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança.

    MENSAGEM

    Esse Deus que, no passado, interveio na história para salvar e libertar Israel é o mesmo Deus que agora oferece ao seu Povo leis e preceitos.
    Porque é que Israel deve acolher e praticar essas leis e preceitos que Deus lhe propõe? Em primeiro lugar, como forma de gratidão: é a resposta de Israel a esse Deus libertador, que mil vezes agiu no passado para salvar o seu Povo... Em segundo lugar, porque as leis e preceitos do Senhor são inquestionavelmente um caminho que conduz o Povo pela estrada da felicidade e da liberdade. Em qualquer caso, o viver de acordo com as leis e os preceitos de Jahwéh ajudará o Povo a concretizar todos os seus sonhos e esperanças - nomeadamente o grande sonho de se estabelecer numa terra, escapando aos perigos e incomodidades da vida nómada (vers. 1).
    Israel deve, contudo, ter cuidado para não adulterar as leis e preceitos que Deus lhe propõe. Há sempre o perigo de os homens adaptarem a Palavra de Deus, de forma a que ela sirva os seus interesses; há sempre o perigo de os homens suavizarem a Palavra de Deus, de forma a que ela não seja tão exigente; há sempre o perigo de os homens suprimirem da Palavra de Deus aquilo que os incomoda; há sempre o perigo de os homens acrescentarem algo à Palavra de Deus, atribuindo a Deus ideias e propostas com as quais Deus não tem nada a ver... Israel tem de resistir a estas tentações: a Palavra de Deus deve ser uma proposta sagrada, que o Povo se esforçará por cumprir integralmente (vers. 2).
    Na parte final do texto que nos é proposto, o catequista deuteronomista manifesta o seu orgulho pelo facto de Israel ser um Povo especial, o Povo eleito de Deus. Essa eleição manifesta-se na presença amorosa e libertadora de Jahwéh junto do seu Povo ("qual a grande nação que tem a divindade tão perto de si como está perto o Senhor nosso Deus sempre que O invocamos?" - vers. 7), no dom da Lei e na "sabedoria" presente nessas leis e preceitos que o Senhor deu a Israel, a fim de o conduzir pelos caminhos da história ("qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão justos como esta lei que hoje vos apresento?" - vers. 8).
    Israel, Povo "de dura cerviz", nem sempre acolheu e cumpriu as leis e os preceitos que o Senhor lhe propôs; mas os círculos religiosos de Israel preocuparam-se sempre em mostrar ao Povo que essa Lei era uma proposta segura para chegar à vida plena, à felicidade. É essa convicção que o nosso catequista deuteronomista deixa transparecer nesta "homilia" que nos propõe.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O autor deste texto é, antes de mais, um crente com um enorme apreço pela Palavra de Deus. Ele vê nas leis e preceitos de Deus um caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Por isso, recomenda insistentemente ao seu Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela. Que importância é que a Palavra de Deus assume na minha existência? Consigo encontrar tempo e disponibilidade para escutar, para meditar e interiorizar a Palavra de Deus, de forma a que ela informe os meus valores, os meus sentimentos e as minhas acções?

    ¨ Para muitos dos nossos contemporâneos, as leis e preceitos de Deus são um caminho de escravidão, que condicionam a autonomia e que limitam a liberdade do homem; para outros, as leis e preceitos de Deus são uma moral ultrapassada, que não condiz com os valores do nosso tempo e que deve permanecer, coberta de pó, no museu da história. Em contrapartida, para o catequista que nos oferece esta reflexão do Livro do Deuteronómio, a Palavra de Deus é um caminho sempre actual, que liberta o homem da escravidão do egoísmo e que o conduz ao encontro da verdadeira vida e da verdadeira liberdade. De facto, a escuta atenta e o compromisso firme com a Palavra de Deus é, para os crentes, uma experiência libertadora: salva-nos do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência e projecta-nos para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida.

    ¨ Uma das insistentes recomendações do nosso texto é a de não adulterar a Palavra de Deus, ao sabor dos interesses pessoais dos homens. Existe sempre o perigo, quer na nossa reflexão pessoal, quer na nossa partilha comunitária, de torcermos a Palavra ao sabor dos nossos interesses, de limarmos a sua radicalidade, de lhe cortarmos os aspectos mais questionantes, ou de a fazermos dizer coisas que não vêm de Deus... É preciso perguntarmo-nos constantemente se a Palavra que vivemos e anunciamos é a Palavra de Deus ou é a nossa "palavra", se ela transmite os valores de Deus ou os nossos valores pessoais, se ela testemunha a lógica de Deus ou a nossa lógica humana. Este processo de discernimento é mais fácil quando é feito em comunidade, no diálogo e no confronto com os irmãos que caminham connosco, que nos questionam e que partilham connosco a sua perspectiva das coisas.

    ¨ Nós os crentes comprometidos andamos sempre muito ocupados a fazer coisas bonitas no sentido de mudar o mundo, num activismo por vezes exagerado e que, aos poucos, nos vai fazendo perder o sentido da nossa acção e do nosso testemunho. No meio dessa actividade frenética, temos de encontrar tempo para escutar Deus, para meditar as suas propostas, para repensar as suas leis e preceitos, para descobrir o sentido da nossa acção no mundo. Sem a escuta da Palavra, a nossa acção torna-se um "fazer coisas" estéril e vazio que, mais tarde ou mais cedo, nos leva a perder o sentido do nosso testemunho e do nosso compromisso.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 14 (15)

    Refrão 1: Quem habitará, Senhor, no vosso santuário?

    Refrão 2: Ensinai-nos, Senhor:
    quem habitará em vossa casa?

    O que vive sem mancha e pratica a justiça
    e diz a verdade que tem no seu coração
    e guarda a sua língua da calúnia.

    O que não faz mal ao seu próximo nem ultraja o seu semelhante,
    o que tem por desprezível o ímpio,
    mas estima os que temem o Senhor.

    O que não falta ao juramento, mesmo em seu prejuízo,
    e não empresta dinheiro com usura,
    nem aceita presentes para condenar o inocente.
    Quem assim proceder jamais será abalado.

    LEITURA II - Tg 1,17-18.21-22.27

    Leitura da Epístola de São Tiago

    Caríssimos irmãos:
    Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto,
    descem do Pai das luzes,
    no qual não há variação nem sombra de mudança.
    Foi Ele que nos gerou pela palavra da verdade,
    para sermos como primícias das suas criaturas.
    Acolhei docilmente a palavra em vós plantada,
    que pode salvar as vossas almas.
    Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes,
    pois seria enganar-vos a vós mesmos.
    A religião pura e sem mancha,
    aos olhos de Deus, nosso Pai,
    consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações
    e conservar-se limpo do contágio do mundo.

    AMBIENTE

    A carta de onde foi extraída a nossa segunda leitura de hoje é um escrito de um tal Tiago (cf. Tg 1,1), que a tradição liga a esse Tiago "irmão" do Senhor, que presidiu à Igreja de Jerusalém e do qual os Evangelhos falam acidentalmente como filho de certa Maria (cf. Mt 13,55; 27,56). Teria morrido decapitado em Jerusalém no ano 62... No entanto, a atribuição deste escrito a tal personagem levanta bastantes dificuldades. O mais certo é estarmos perante um outro qualquer Tiago, desconhecido até agora (o "Tiago, filho de Alfeu" - de que se fala em Mc 3,18 e par. - e o "Tiago, filho de Zebedeu" e irmão de João - de que se fala em Mc 1,19 e par. - também não se encaixam neste perfil). É, de qualquer forma, um autor que escreve em excelente grego, recorrendo até, com frequência, à "diatribe" - um género muito usado pela filosofia popular helénica. Inspira-se particularmente na literatura sapiencial, para extrair dela lições de moral prática; mas depende também profundamente dos ensinamentos do Evangelho. Trata-se de um sábio judeo-cristão que repensa, de maneira original, as máximas da sabedoria judaica, em função do cumprimento que elas encontraram na boca e no ensinamento de Jesus.
    A carta foi enviada "às doze tribos que vivem na Diáspora" (Tg 1,1). Provavelmente, a expressão alude a cristãos de origem judaica, dispersos no mundo greco-romano, sobretudo nas regiões próximas da Palestina - como a Síria ou o Egipto; mas, no geral, a carta parece dirigir-se a todos os crentes, exortando-os a que não percam os valores cristãos autênticos herdados do judaísmo através dos ensinamentos de Cristo. Denuncia, sobretudo, certas interpretações consideradas abusivas da doutrina paulina da salvação pela fé, sublinhando a importância das obras; e ataca com extrema severidade os ricos (cf. Tg 1,9-11; 2,5-7; 4,13-17; 5,1-6).
    O nosso texto pertence à primeira parte da carta (cf. Tg 1,2-27). Aí, o autor apresenta, num conjunto de desenvolvimentos e de sentenças aparentemente sem ordem nem lógica, uma síntese ou guia breve da carta, pois oferece um breve panorama dos problemas que o preocupam e que ele vai tratar nos capítulos seguintes.

    MENSAGEM

    Os versículos da Carta de Tiago que nos são propostos como segunda leitura reflectem sobre a Palavra de Deus. O autor da carta não desenvolve um raciocínio continuada, mas vai elencando vários aspectos relacionados com a forma como os crentes devem ver e acolher a Palavra de Deus...
    1. Deus oferece continuamente ao homem os seus dons, a fim de lhe proporcionar vida e felicidade (vers. 17). A Palavra de Deus é um dom que o "Pai das luzes" oferece ao homem e destina-se a gerar uma nova humanidade. Os crentes, iluminados pela "Palavra da verdade" que lhes vem de Deus, podem caminhar em segurança em direcção à vida plena, à felicidade sem fim (vers. 18).
    2. Os crentes devem estar sempre disponíveis para acolher a Palavra de Deus. Não podem fechar-se no seu orgulho e auto-suficiência, ignorando as propostas de Deus; mas devem abrir o coração para que a Palavra lançada por Deus aí encontre lugar, aí possa lançar raízes e desenvolver-se (vers. 21b).
    3. A escuta e o acolhimento da Palavra têm, contudo, de conduzir à acção. A escuta da Palavra de Deus tem de conduzir à conversão, à mudança, ao abandono da vida velha do egoísmo e do pecado, a fim de abraçar uma vida segundo Deus. A escuta da Palavra de Deus também não pode fechar o homem num espiritualismo alienante e estéril, mas tem de conduzir a um compromisso efectivo com a transformação do mundo (vers. 22).
    4. No último versículo da nossa leitura (vers. 27), o autor da carta descreve a religião autêntica (por oposição à religião vazia, inoperante, morta, daqueles que falam muito mas não praticam acções coerentes com as suas palavras - vers. 26): "visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo". Ligando este versículo com o tema central do resto da leitura (a Palavra de Deus), podemos dizer que é a escuta atenta da Palavra de Deus que nos projecta para a acção e para o compromisso. A escuta da Palavra de Deus leva o crente a passar de uma religião ritual, legalista, externa, superficial, para uma religião de efectivo compromisso com a realização do projecto de Deus e com o amor dos irmãos.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ Na nossa sociedade, há uma tal super-abundância de palavras, que a palavra se desvalorizou. Todos dizem o que muito bem entendem, às vezes de uma forma pouco serena e pouco equilibrada, sem pesar as consequências. Habituamo-nos, portanto, a não levar demasiado a sério as palavras que escutamos e a não lhes conceder um crédito absoluto. O nosso texto, contudo, valoriza a Palavra de Deus e sublinha a sua importância no sentido de nos conduzir ao encontro da vida verdadeira e eterna. É preciso darmos à Palavra que Deus nos dirige um peso infinitamente superior às palavras sem nexo que todos os dias enchem os nossos ouvidos e que intoxicam a nossa mente... A Palavra de Deus é Palavra geradora de vida, de eternidade, de felicidade; por isso, deve ser por nós valorizada.

    ¨ O excesso de palavras (autêntica poluição sonora!) leva também à dificuldade em escutar com atenção. Não temos tempo nem paciência para escutar todos os disparates, todas as conversas sem sentido, toda a verborreia daqueles que gostam de se ouvir a si próprios, embora não digam nada de importante. Por outro lado, as exigências da vida moderna, o trabalho excessivo, o corre-corre do dia a dia, limitam muito a nossa disponibilidade para escutar. Criamos hábitos de não escuta e tornamo-nos surdos aos apelos que chegam até nós através da palavra. A nossa leitura convida-nos, entretanto, a encontrar tempo e disponibilidade para escutar o Deus que nos fala e que, através da Palavra que nos dirige, nos apresenta as suas propostas para nós e para o mundo.

    ¨ A Palavra de Deus que escutamos e que acolhemos no coração deve conduzir-nos à acção. Se ficamos apenas pela escuta e pela contemplação da Palavra, ela torna-se estéril e inútil. É preciso transformar essa Palavra que escutamos em gestos concretos, que nos levem à conversão e que tragam um acréscimo de vida para o mundo. A Palavra de Deus que escutamos tem de nos levar ao compromisso - à luta pela justiça, pela paz, pela dignidade dos nossos irmãos, pelos direitos dos pobres, por um mundo mais fraterno e mais cristão.

    ¨ A nossa religião, sem a escuta atenta e comprometida da Palavra de Deus, pode facilmente tornar-se o mero cumprimento de ritos, a fidelidade a certas práticas de piedade, uma tradição que herdámos e na qual nos instalámos, uma prática que torna mais fácil a nossa inserção num determinado meio social, uma alienação que nos faz esquecer certos dramas da nossa vida... É a Palavra de Deus que, propondo-nos uma escuta contínua de Deus e dos seus projectos e um compromisso continuamente renovado com a construção do mundo, dá sentido a toda a nossa experiência religiosa, transformando-a numa verdadeira experiência de vida nova, de vida autêntica.

    ALELUIA - Tg 1,18

    Aleluia. Aleluia.

    Deus Pai nos gerou pela palavra da verdade,
    para sermos como primícias das suas criaturas.

    EVANGELHO - Mc 7,1-8.14-15.21-23

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

    Naquele tempo,
    reuniu-se à volta de Jesus
    um grupo de fariseus e alguns escribas
    que tinham vindo de Jerusalém.
    Viram que alguns dos discípulos de Jesus
    comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar.
    – Na verdade, os fariseus e os judeus em geral
    não comem sem terem lavado cuidadosamente as mãos,
    conforme a tradição dos antigos.
    Ao voltarem da praça pública,
    não comem sem antes se terem lavado.
    E seguem muitos outros costumes
    a que se prenderam por tradição,
    como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre –.
    Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus:
    «Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos,
    e comem sem lavar as mãos?»
    Jesus respondeu-lhes:
    «Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas,
    como está escrito:
    'Este povo honra-Me com os lábios,
    mas o seu coração está longe de Mim.
    É vão o culto que Me prestam,
    e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos'.
    Vós deixais de lado o mandamento de Deus,
    para vos prenderdes à tradição dos homens».
    Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão
    e começou a dizer-lhe:
    «Ouvi-Me e procurai compreender.
    Não há nada fora do homem
    que ao entrar nele o possa tornar impuro.
    O que sai do homem é que o torna impuro;
    porque do interior dos homens é que saem os maus pensamentos:
    imoralidades, roubos, assassínios,
    adultérios, cobiças, injustiças,
    fraudes, devassidão, inveja,
    difamação, orgulho, insensatez.
    Todos estes vícios saem lá de dentro
    e tornam o homem impuro».

    AMBIENTE

    Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30), o autor apresenta Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Deslocando-se por toda a Galileia, Jesus anuncia a Boa Nova do Reino de Deus com as suas palavras e os seus gestos, propondo um mundo novo de vida, de liberdade, de fraternidade para todos os homens. A sua proposta provoca as reacções e as respostas mais diversas nos líderes judaicos, no povo e nos próprios discípulos.
    A cena que nos é hoje proposta no Evangelho mostra-nos, precisamente, a reacção dos fariseus e dos doutores da Lei à acção de Jesus. Pouco antes, Jesus tinha realizado a multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Mc 6,34-44), propondo, com o seu gesto, um mundo novo de fraternidade, de serviço e de partilha (o "Reino de Deus"); e os líderes judaicos, sem coragem para enfrentar-se directamente com Jesus e para pôr em causa a sua proposta, escolhem os discípulos como alvo das suas críticas... Naturalmente, esses fariseus, fanáticos da Lei, vão questionar os discípulos de Jesus acerca da forma deficiente como eles cumprem a "tradição dos antigos".
    Para os fariseus, a "tradição dos antigos" não se cingia às normas escritas contidas na Lei (Torah), mas abrangia um imenso conjunto de leis orais onde apareciam as decisões e as sentenças dos rabis acerca dos mais diversos temas. Na época de Jesus, essa "tradição dos antigos" constava de 613 leis (tantas quantas as letras do Decálogo dado a Moisés no Monte Sinai), das quais 248 eram preceitos de formulação positiva e 365 eram preceitos de formulação negativa. Essas leis - que o Povo tinha dificuldade em conhecer na sua totalidade e que tinha, ainda mais, dificuldade em praticar - eram, para os fariseus, o caminho para tornar Israel um Povo santo e para apressar a vinda libertadora do Messias. Vai ser, precisamente, à volta desta temática que se vai centrar a polémica entre Jesus e os fariseus que o Evangelho de hoje nos relata.
    Quando Marcos escreveu o seu Evangelho (durante a década de 60), a questão do cumprimento da Lei judaica ainda era uma questão "quente". Para os cristãos vindos do judaísmo, a fé em Jesus devia ser complementada com o cumprimento rigoroso das leis judaicas... No entanto, a imposição dos costumes judaicos levaria, certamente, ao afastamento dos cristãos vindos do paganismo. A questão que era preciso equacionar era a seguinte: o cumprimento da Lei de Moisés era importante, para a comunidade cristã? Para que o Reino que Jesus propôs se concretizasse, era necessário o cumprimento integral da Lei judaica? O Concílio de Jerusalém (por volta do ano 49) já havia dado uma primeira resposta à questão: para os cristãos, o fundamental é a pessoa de Jesus e o seu Evangelho; não é lícito impor aos cristãos vindos do paganismo o fardo da Lei de Moisés. No entanto, o problema continuou a colocar-se durante algumas décadas mais, nomeadamente a propósito dos tabus alimentares hebraicos e que os cristãos vindos do judaísmo pretendiam impor a toda a Igreja (cf. Rom 14,1-15,6).
    É, provavelmente, a esta temática que o evangelista Marcos quer responder.

    MENSAGEM

    Os povos antigos, em geral, e os judeus, em particular, sentiam um grande desconforto quando tinham de lidar com certas realidades desconhecidas e misteriosas (quase sempre ligadas à vida e à morte) que não podiam controlar nem dominar. Criaram, então, um conjunto abundante de regras que interditavam o contacto com essas realidades (por exemplo, os cadáveres, o sangue, a lepra, etc.) ou que, pelo menos, regulamentavam a forma de lidar com elas, de forma a torná-las inofensivas. No contexto judaico, quem infringia - mesmo involuntariamente - essas regras colocava-se a si próprio numa situação de marginalidade e de indignidade que o impedia de se aproximar do mundo divino (o culto, o Templo) e de integrar a comunidade do Povo santo de Deus. Dizia-se então que a pessoa ficava "impura". Para readquirir o estado de "pureza" e poder reintegrar a comunidade do Povo santo, o crente necessitava de realizar um rito de "purificação", cuidadosamente estipulado na "Lei".
    Na época de Jesus, as regras da "pureza" tinham sido absurdamente ampliadas pelos doutores da Lei. Na opinião dos rabis de Israel, existia uma lista imensa de coisas que tornavam o homem "impuro" e que o afastavam da comunidade do Povo santo de Deus. Daí a obsessão com os rituais de "purificação", que deviam ser cumpridos a cada passo da vida diária.
    Um desses ritos consistia na lavagem das mãos antes das refeições. Na sua origem está, provavelmente, a universalização do preceito que mandava os sacerdotes lavarem os pés e as mãos, antes de se aproximarem do altar para o exercício do culto (cf. Ex 30,17-21). Na perspectiva dos doutores da Lei, a purificação das mãos antes das refeições não era uma questão de higiene, mas uma questão religiosa... Em cada momento o crente corria o risco, mesmo sem o saber, de tropeçar com uma realidade impura e de lhe tocar; para evitar que a "impureza" (que lhe ficara agarrada às mãos) se introduzisse, juntamente com os alimentos, no corpo exigia-se a lavagem das mãos antes das refeições.
    Na Galileia, terra em permanente contacto com o mundo pagão e onde as normas de "pureza" não eram tão rígidas como em Jerusalém, não se dava demasiada importância ao ritual de lavar as mãos antes das refeições para evitar a ingestão da "impureza". Os fariseus vindos de Jerusalém, testemunhando como os discípulos comiam sem realizar o gesto ritual de purificação das mãos, ficaram escandalizados e referiram o caso a Jesus. Provavelmente, a história serviu aos fariseus para sondar Jesus e para averiguar a sua ortodoxia e o seu respeito pela tradição dos antigos.
    Para Jesus, a obsessão dos fariseus com os ritos externos de purificação é sintoma de uma grave deficiência quanto à forma de ver e de viver a religião; por isso, Jesus responde ao reparo dos fariseus com alguma dureza... Partindo da Escritura (vers. 6-8) e da análise da praxis dos judeus (vers. 9-13), Jesus denuncia essa vivência religiosa que aposta apenas na repetição de práticas externas e formalistas, mas que não se preocupa com a vontade de Deus ("este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim" - vers. 6) ou com o amor aos irmãos. Trata-se de uma religião vazia e estéril ("é vão o culto que Me prestam" - vers. 7), que não vem de Deus mas foi inventada pelos homens ("as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos" - vers. 7). Àqueles que apostam na religião dos ritos estéreis, Jesus chama "hipócritas" (vers. 6): interessa-lhes mais o "parecer" do que o "ser", a materialidade do que a essência das coisas... Eles cumprem as regras, mas não amam; vestem com fingimento a máscara da religião, mas não se preocupam minimamente com a vontade de Deus. Esta religião é uma mentira, uma hipocrisia, ainda que se revista de ares muito santos e muito piedosos.
    Depois, Jesus dirige-Se à multidão e formula o princípio decisivo da autêntica moralidade: "não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro; o que sai do homem é que o torna impuro" (vers. 15). Este princípio geral, à primeira vista enigmático e passível de várias interpretações, será explicado mais à frente: "do interior do homem é que saem os maus pensamentos: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem lá de dentro e tornam o homem impuro" (vers. 22-23). O dito de Jesus refere-se, naturalmente, a dois "circuitos" diversos: o do estômago (onde entram os alimentos que se ingerem) e o do coração (de onde saem os pensamentos, os sentimentos e as acções). Os alimentos que entram no estômago não são fonte de "impureza"; os pensamentos e as acções más que saem do coração do homem é que são fonte de "impureza": afastam o homem de Deus e da comunidade do Povo santo.
    Na antropologia judaica, o "coração" é o "interior do homem" em sentido amplo; é aí que está a sede dos sentimentos, dos desejos, dos pensamentos, dos projectos e das decisões do homem. É nesse "centro vital" de onde tudo parte que é preciso actuar. A verdadeira religião não passa, portanto, pelo cumprimento de regras externas, que regulam o que o homem come ou não come; mas passa por uma autêntica conversão do coração, que leve o homem a deixar a vida velha e a transformar-se num Homem Novo, que assume e que vive os valores do Reino. A preocupação com as regras externas de "pureza" é uma preocupação estéril, que não toca com o essencial - o coração do homem; pode até servir para distrair o crente do essencial, dando-lhe uma falsa segurança e uma falsa sensação de estar em regra com Deus. A verdadeira preocupação do crente deve ser moldar o seu coração, a fim de que os seus sentimentos, os seus desejos, os seus pensamentos, os seus projectos, as suas decisões se concretizem, no dia a dia, na escuta atenta dos desafios de Deus e no amor aos irmãos.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O que é que é decisivo na experiência religiosa? Será o estrito cumprimento das leis definidas pela Igreja? Serão as manifestações exteriores de religiosidade que definem quem é bom ou mau, santo ou pecador, amigo ou inimigo de Deus?

    ¨ As "leis" têm o seu lugar numa experiência religiosa, enquanto sinais indicadores de um caminho a percorrer. No entanto, é preciso que o crente tenha o discernimento suficiente para dar à "lei" um valor justo, vendo-a apenas como um meio para chegar mais além no compromisso com Deus e com os irmãos. A finalidade da nossa experiência religiosa não é cumprir leis, mas aprofundar a nossa comunhão com Deus e com os outros homens sendo, eventualmente, ajudados nesse processo por "leis" que nos indicam o caminho a seguir.

    ¨ Se fizermos das leis algo de absoluto, elas podem tornar-se para nós um fim e não um caminho. Nesse caso, as "leis" serão, em última análise, uma forma de acalmar a nossa consciência, de nos julgarmos em regra com Deus, de sentirmos que Deus nos deve algo porque nós cumprimos todas as regras estabelecidas. Tornamo-nos orgulhosos e auto-suficientes, pois sentimos que somos nós que, com o nosso esforço para estar em regra, conquistamos a nossa salvação. Deixamos de precisar de Deus, ou só precisamos d'Ele para apreciar o nosso esforço e para nos dar aquilo que julgamos ser uma "justa recompensa". O culto que prestamos a Deus pode tornar-se, nesse caso, um processo interesseiro de compra e venda de favores e não uma manifestação do amor que nos enche o coração. A nossa religião será, nesse caso, uma mentira, uma negociata, que Deus não aprecia nem pode caucionar.

    ¨ De acordo com os ensinamentos de Jesus, não é muito religioso ou muito cristão quem aceita todas as "leis" propostas pela Igreja, ou quem cumpre escrupulosamente todos os ritos; mas é cristão verdadeiro aquele que, no seu coração, aderiu a Jesus e procura segui-l'O no caminho do amor e da entrega, que aceita integrar a comunidade dos discípulos, que acolhe com gratidão os dons de Deus, que celebra a fé em comunidade, que aceita fazer com os irmãos uma experiência de amor partilhado.

    ¨ É isso que Jesus quer dizer quando convida os seus discípulos a não se preocuparem com as leis e os ritos externos, mas a preocuparem-se com o que lhes sai do coração. É no interior do homem que se definem os sentimentos, os desejos, os pensamentos, as opções, os valores, as acções do homem. É daí que nascem os nossos gestos injustos, as discórdias e violências que destroem a relação, as tentativas de humilhar os irmãos, os rancores que nos impedem de perdoar e de aceitar os outros, as opções que nos fazem escolher caminhos errados e que nos escravizam a nós e àqueles que caminham ao nosso lado... A verdadeira religião passa por um processo de contínua conversão, no sentido de nos parecermos cada vez mais com Jesus e de acolhermos a proposta de Homem Novo que Ele nos veio fazer.

    ¨ É preciso mantermo-nos livres e críticos em relação às "leis" que nos são propostas, sejam elas leis civis ou religiosas... Elas servem-nos e devem ser consideradas se nos ajudarem a ser mais humanos, mais fraternos, mais justos, mais comprometidos, mais coerentes, mais "família de Deus"; elas deixam de servir se geram escravidão, dependência, injustiça, opressão, marginalização, divisão, morte. O processo de discernimento das "leis" boas e más não pode, contudo, ser um processo solitário; mas deve ser um processo que fazemos, com o Espírito Santo, na partilha comunitária, no confronto fraterno com os irmãos, numa procura coerente e interessada do melhor caminho para chegarmos à vida plena e verdadeira.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 22º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 22º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Só Deus pode ver o coração, enquanto os homens, esses, vêem as aparências. É, pois, com toda a confiança filial que podemos deixar Deus olhar-nos. Mas isso é exigente para nós, porque todas as nossas palavras e todos os nossos gestos devem estar em harmonia com o que o nosso coração quer exprimir. As nossas palavras e orações devem ser a expressão do nosso amor filial e fraternal. A lei de Deus está inscrita no nosso coração, conhecemos a sua vontade, sabemos muito bem o que Lhe agrada: cabe a nós pormo-nos de acordo sobre os nossos comportamentos e sobre esta vontade de Deus. Aliás, falta-nos pedir-Lhe: "Que a tua vontade seja feita!" Então, talvez Deus dir-nos-á: "Honras-Me com os lábios, fazes a minha vontade, mas o teu coração está longe de Mim".

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Os escribas e fariseus tinham enchido a Lei de Moisés com tantas interpretações que se acabou por sacralizá-la e torná-la intocável, sob o nome de "tradições dos antigos". A lei tinha-se tornado, em todos os detalhes da vida quotidiana, um fardo insuportável denunciado pelo próprio Jesus. Assim, era contrário à tradição dos antigos comer sem ter lavado as mãos. Regra de higiene elementar, sem dúvida, mas que se tinha intitulado de "purificação". Não se submeter a essa regra era tornar-se impuro aos olhos de Deus! O que faziam precisamente alguns discípulos de Jesus. Jesus aproveita para dar uma lição de moral... A palavra de Jesus tem todo o seu valor e vigor. Quantas interpretações dadas em Igreja, ao longo dos séculos, que acabámos por identificar com a Palavra de Deus! Multiplicaram-se leis, obrigações e proibições, dizendo: "É a tradição!" Nem pensar em mudar uma vírgula das regras litúrgicas ou morais! É, sem dúvida, uma atitude tranquilizadora, mas esconde muitas vezes medos e inseguranças. É a mesma reacção que a dos escribas e dos fariseus! Ora, não é protegendo a nossa fé com uma carapaça de leis que a tornamos mais sólida, mas por uma escuta sem cessar nova daquilo que "o Espírito diz às Igrejas". Mas é verdade que o Espírito Santo sempre teve tendência para mexer com os homens e provocá-los, para fazê-los avançar para o grande largo! O Espírito de Jesus quer construir-nos como seres vivos, com uma coluna vertebral interior e não com uma carapaça exterior, para que possamos manter-nos de pé, como ressuscitados!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Ter um objectivo... Não fiquemos pelas boas intenções... Não tenhamos demasiadas ambições... Cristo não nos pede grandes façanhas, Ele prefere a sinceridade do coração e a vontade de servir o nosso próximo. Vale mais ter um objectivo razoável (visitar determinada pessoa que está só, ajudar outra nas suas preocupações materiais) e tudo fazer para o atingir.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

    Martírio de S. João Baptista

    Martírio de S. João Baptista


    29 de Agosto, 2021

    O «maior nascido de mulher» morreu mártir por ter censurado a Herodes Agripa pela sua conduta desonesta e imoral. Foi vítima da fé e da missão que exerceu. A sua degolação aconteceu na fortaleza de Maqueronte, junto ao Mar Morto, lugar de férias de Herodes. O sangue de João Baptista sela o seu testemunho em favor de Jesus: com a sua morte, completou a missão de precursor. A Igreja celebra hoje o seu nascimento para o céu, talvez por, nesta data, foi dedicada em sua honra uma antiga basílica, erguida em Sebaste, na Samaria.

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 1, 17-19

    A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 17Tu, porém, cinge os teus rins, levanta-te e diz-lhes tudo o que Eu te ordenar. Não temas diante deles; se não, serei Eu a fazer-te temer na sua presença. 18E eis que hoje te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos sacerdotes e do povo da terra. 19Far-te-ão guerra, mas não hão-de vencer, porque Eu estou contigo para te salvar» -oráculo do Senhor.

    João Baptista ajuda-nos a compreender a missão de Jesus, e a vida de Jeremias ajuda-nos a compreender a missão de João Baptista. Seria interessante lembrar a vida de Jeremias para compreender o valor destas duas vidas paralelas. Mas esta leitura da missa evidencia particularmente a «coragem» do profeta em dizer «tudo», a sua fortaleza para resistir à prepotência dos poderosos e a sua fé, isto é, a certeza de vencer em nome do Senhor. São qualidades típicas dos verdadeiros profetas...

    Evangelho: Marcos 6, 17-29

    Naquele tempo, Herodes tinha mando prender João e pô-lo a ferros na prisão, por causa de Herodíade, mulher de Filipe, seu irmão, que ele desposara. 18Porque João dizia a Herodes: «Não te é lícito ter contigo a mulher do teu irmão.» 19Herodíade tinha-lhe rancor e queria dar-lhe a morte, mas não podia, 20porque Herodes temia João e, sabendo que era homem justo e santo, protegia-o; quando o ouvia, ficava muito perplexo, mas escutava-o com agrado. 21Mas chegou o dia oportuno, quando Herodes, pelo seu aniversário, ofereceu um banquete aos grandes da corte, aos oficiais e aos principais da Galileia. 22Tendo entrado e dançado, a filha de Herodíade agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: «Pede-me o que quiseres e eu to darei.» 23E acrescentou, jurando: «Dar-te-ei tudo o que me pedires, nem que seja metade do meu reino.» 24Ela saiu e perguntou à mãe: «Que hei-de pedir?» A mãe respondeu: «A cabeça de João Baptista.» 25Voltando a entrar apressadamente, fez o seu pedido ao rei, dizendo: «Quero que me dês imediatamente, num prato, a cabeça de João Baptista.» 26O rei ficou desolado; mas, por causa do juramento e dos convidados, não quis recusar. 27Sem demora, mandou um guarda com a ordem de trazer a cabeça de João. O guarda foi e decapitou-o na prisão; 28depois, trouxe a cabeça num prato e entregou-a à jovem, que a deu à mãe. 29Tendo conhecimento disto, os discípulos de João foram buscar o seu corpo e depositaram-no num sepulcro.

    Marcos coloca a narrativa do martírio de João Baptista no caminho de Jesus para Jerusalém, como uma etapa fundamental. Com ela, concluiu-se o ciclo da vida do profeta e preludia-se o martírio de Jesus.
    Não devemos deixar-nos impressionar apenas pelos pormenores narrativos, aliás muito sugestivos, desta página de Marcos. O evangelista não pretende evidenciar nem os vícios de Herodes nem a malícia de Herodíade e nem sequer a leviandade da filha. A sua intenção é dar o devido realce à figura de João Baptista, que é como que o «mentor» do Nazareno, e mostrar como este grande profeta leva a termo a sua vida do mesmo modo e pelos mesmos motivos que Jesus.
    Este é o «pequeno mistério pascal» de João Baptista que, depois de experimentar a adversidade dos inimigos do evangelho, conhece agora o silêncio do sepulcro, onde espera a ressurreição.

    Meditatio

    As memórias litúrgicas de João Baptista levam-nos a meditar sobre o dom da profecia e sobre a figura do profeta. Qual é a sua função no meio do povo de Deus? Quais são as características que o qualificam como profeta? De que modo se coloca perante os seus contemporâneos como sinal de uma presença superior, como porta-voz da Palavra divina?
    O profeta revela-se como tal pelo seu modo de falar, pelo estilo da sua pregação. A palavra não é tudo, mas é capaz de manifestar o sentido de uma presença, incómoda mas incontornável, com a qual todos se devem confrontar. O profeta manifesta-se também, e sobretudo, pelas suas opções de vida. Assim mostra ter percebido que o tempo em que se vive aquele em que Deus nos chama a ser-para-os-outros. O profeta não pode escapar a esse chamamento, sob pena de ser infiel à missão. Finalmente o profeta manifesta autenticidade da sua missão pela coragem em dar a vida por aquele que o chamou e por aqueles a quem é enviado. Ou se é profeta com a vida, a vida gasta por amor, ou não é profeta a sério.
    O Pe. Dehon quer que nós sejamos os "profetas" e os "servidores... em Cristo" do amor redentor de Deus. Só dando Cristo ao mundo, somos "profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens... em Cristo" (Cst. 7). Há que sê-lo pela nossa vida e pelas nossas opções de vida: "Uma vida serena, porque oferecida em sacrifício a Deus; uma vida alegre, porque somos testemunhas do amor de Cristo; uma vida empenhada, porque colaboramos no advento do Reino de Deus; uma vida disponível, porque dada ao próximo, a exemplo de Cristo; uma vida partilhada, porque queremos ser testemunhas de que a "a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65). Escreve o Fundador: «Não devem os homens apostólicos assemelhar-se muito particularmente ao Precursor? Como ele, devem preparar os caminhos de Nosso Senhor. Como ele, devem contribuir para a salvação dos pecadores pelas suas expiações e sacrifícios» (OSP 4, p. 562)

    Oratio

    Ó glorioso S. João Baptista, pregador corajoso e coerente da verdade, intercede por nós e por todos quantos, na Igreja, são chamados a exercer a missão profética. Que a exerçam com clareza, com coerência de vida, com coragem, dispostos a selar com o próprio sangue o seu testemunho. Que todos os homens apostólicos se assemelhem a ti, a fim de prepararem os caminhos do Senhor, entre os caminhos dos homens de hoje. Que o fogo da caridade divina arda em nossos corações, para sermos zelosos e perseverantes no testemunho do seu amor e no serviço da reconciliação. Ámen.

    Contemplatio

    Não devia o Precursor assemelhar-se a Nosso Senhor e preparar-lhe os caminhos? Nosso Senhor devia salvar-nos pela cruz, devia cumprir a sua missão pelo sofrimento: "Não devia Cristo padecer?" (Lc 24). Devia estabelecer a religião pela cruz e pelo sofrimento, e convinha que o seu Precursor passa-se pelo mesmo caminho e que se mostrasse heroico nas aflições e sofrimentos. Convinha que o mártir da sinagoga, que chegava ao fim, preparasse os caminhos ao Salvador, que devia abrir o céu pelos seus sofrimentos e pelo seu sangue. Nosso Senhor queria fazer partilhar a graça dos seus sofrimentos ao seu Precursor. Queria também preparar os espíritos para o Evangelho mostrando-lhe o que os justos têm a esperar dos homens. Queria também dar-nos um modelo para nos ensinar a bem sofrer... A coragem deste justo condena o nosso desleixo e incita-nos, a nós pecadores, a sofrer pacientemente pelos nossos pecados e por seu amor (Leão Dehon, OSP 4, p. 561.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Eu estou contigo para te salvar» (Jer 1, 19).

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    Martírio de S. João Baptista (29 Agosto)

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