Liturgia

Week of Jul 3rd

  • 14º Domingo do Tempo Comum – Ano C

    14º Domingo do Tempo Comum – Ano C


    3 de Julho, 2022

    ANO C
    14º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 14º Domingo do Tempo Comum

    Embora as leituras de hoje nos projectem em sentidos diversos, domina a temática do “envio”: na figura dos 72 discípulos do Evangelho, na figura do profeta anónimo que fala aos habitantes de Jerusalém do Deus que os ama, ou na figura do apóstolo Paulo que anuncia a glória da cruz, somos convidados a tomar consciência de que Deus nos envia a testemunhar o seu Reino.
    É, sobretudo, no Evangelho que a temática do “envio” aparece mais desenvolvida. Os discípulos de Jesus são enviados ao mundo para continuar a obra libertadora que Jesus começou e para propor a Boa Nova do Reino aos homens de toda a terra, sem excepção; devem fazê-lo com urgência, com simplicidade e com amor. Na acção dos discípulos, torna-se realidade a vitória do Reino sobre tudo o que oprime e escraviza o homem.
    Na primeira leitura, apresenta-se a palavra de um profeta anónimo, enviado a proclamar o amor de pai e de mãe que Deus tem pelo seu Povo. O profeta é sempre um enviado que, em nome de Deus, consola os homens, liberta-os do medo e acena-lhes com a esperança do mundo novo que está para chegar.
    Na segunda leitura, o apóstolo Paulo deixa claro qual o caminho que o apóstolo deve percorrer: não o podem mover interesses de orgulho e de glória, mas apenas o testemunho da cruz – isto é, o testemunho desse Jesus, que amou radicalmente e fez da sua vida um dom a todos. Mesmo no sofrimento, o apóstolo tem de testemunhar, com a própria vida, o amor radical; é daí que nasce a vida nova do Homem Novo.

    LEITURA I – Is 66,10-14c

    Leitura do Livro de Isaías

    Alegrai-vos com Jerusalém,
    exultai com ela, todos vós que a amais.
    Com ela enchei-vos de júbilo,
    todos vós que participastes no seu luto.
    Assim podereis beber e saciar-vos
    com o leite das suas consolações,
    podereis deliciar-vos no seio da sua magnificência.
    Porque assim fala o Senhor:
    «Farei correr para Jerusalém a paz como um rio
    e a riqueza das nações como torrente transbordante.
    Os seus meninos de peito serão levados ao colo
    e acariciados sobre os joelhos.
    Como a mãe que anima o seu filho,
    também Eu vos confortarei:
    em Jerusalém sereis consolados.
    Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração
    e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros.
    A mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos.

    AMBIENTE

    Os capítulos 56-66 do Livro de Isaías (designados genericamente como “Trito-Isaías”) são atribuídos pela maior parte dos estudiosos a diversos autores, vinculados espiritualmente ao Deutero-Isaías (o autor dos capítulos 40-55 do Livro de Isaías). Sobre esses autores não sabemos rigorosamente nada, a não ser que apresentaram a sua mensagem nos últimos anos do séc. VI e primeiros anos do séc. V a.C.
    Estamos em Jerusalém, vários anos após o regresso do Exílio da Babilónia. A reconstrução faz-se muito lentamente e em condições penosas; a maioria da população de Jerusalém está mergulhada na miséria; os inimigos atacam continuamente e põem em causa o esforço da reconstrução; a esperança está em crise… O Povo pergunta: “quando é que Deus vai realizar as promessas que fez, ainda na Babilónia, através do Deutero-Isaías?”
    Os profetas da época procuram, então, apresentar uma mensagem de salvação e alimentar a esperança, a fim de que o Povo recobre forças e confie em Deus. É nesse contexto que podemos situar este hino que a primeira leitura de hoje nos propõe: o profeta apresenta um quadro de restauração da cidade (cf. Is 66,7-14) e convoca os seus habitantes para a alegria.

    MENSAGEM

    Neste quadro de restauração, o objectivo fundamental do profeta é “consolar” esse Povo martirizado, sofrido, angustiado, que não vê grandes perspectivas de futuro e já perdeu a esperança. Como é que o profeta vai “dizer” a mensagem que Deus lhe confiou?
    Todo o quadro gira à volta da apresentação de Jerusalém como mãe. Depois de dar à luz o seu filho (o povo), sem esforço e antes do tempo (cf. Is 66,7), a mãe/Jerusalém alimenta-o com um leite abundante e reconfortante (cf. Is 66,11). As expressões utilizadas (a referência ao “sugar o leite até à saciedade”, ao “seio glorioso”) evocam, de forma bem sugestiva, a imagem da fecundidade, da riqueza, da vida em abundância. Tudo é fácil, rápido, abundante, pleno… No entanto, o profeta está consciente de que é Deus que está por detrás desta corrente de vida e de fecundidade que a mãe/cidade dispensa ao filho/povo.
    Na “tradução” da imagem, o profeta põe Deus a fazer chegar à cidade/mãe (para que depois ela distribua pelo filho/povo) a paz e a riqueza das nações. A paz (“shalom”) exprime aqui bem mais do que a ausência de guerra: inclui saúde, fecundidade, prosperidade, amizade com Deus e com os outros; é, portanto, sinónimo de felicidade total. É isso que Deus quer para o seu Povo e que Se propõe oferecer-lhe em abundância.
    Particularmente sugestiva é a forma como se fala de Deus. Ele é o pai que dá ao filho/povo a vida abundante e plena, que o acaricia e consola como uma mãe. O profeta propõe ao seu Povo um Deus que ama e que, em cada dia, vem ao encontro dos homens para lhes trazer a salvação. Daí o insistente convite à alegria.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar as seguintes questões, para a reflexão:

    • Esta proposta de “consolação” vem de Deus e atinge o coração do Povo através da acção e do testemunho profético. É através do profeta que Deus actua no mundo, que consola os corações feridos, que revitaliza a esperança, que salva da morte, que liberta do medo… Todos os crentes são profetas e todos comungam desta missão. Eu assumo e procuro concretizar, dia a dia, esta proposta profética e procuro testemunhar a esperança?

    • Deus é o pai que dá vida em abundância e a mãe que acaricia e consola. É esta a perspectiva que temos d’Ele? Sabemos “ler” a nossa vida à luz da bondade de Deus, ver nos acontecimentos sinais do seu amor? Sabemos manifestar-Lhe a nossa gratidão? É este Deus de amor que procuramos testemunhar, com palavras e com gestos?

    • O insistente convite à alegria feito pelo profeta atinge-nos também a nós… O medo e a angústia não podem ser os nossos companheiros de viagem, pois acreditamos no amor e na bondade desse Deus que nos acompanha, que nos acaricia, que nos consola e que faz nascer para nós, dia a dia, esse mundo novo de vida plena e abundante.

    • Aqueles que a vida feriu e que perderam a esperança encontram nas nossas comunidades (cristãs ou religiosas) um testemunho que os consola e que os anima? Que temos para transmitir aos doentes incuráveis, aos que perderam a família e as referências e vivem na rua, aos imigrantes explorados, aos marginalizados, aos fracassados?

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 65 (66)

    Refrão: A terra inteira aclame o Senhor.

    Aclamai a Deus, terra inteira,
    cantai a glória do seu nome,
    celebrai os seus louvores, dizei a Deus:
    «Maravilhosas são as vossas obras».

    A terra inteira Vos adore e celebre,
    entoe hinos ao vosso nome.
    Vinde contemplar as obras de Deus,
    admirável na sua acção pelos homens.

    Mudou o mar em terra firme,
    atravessaram o rio a pé enxuto.
    Alegremo-nos n’Ele:
    domina eternamente com o seu poder.

    Todos os que temeis a Deus, vinde e ouvi,
    vou narrar-vos quanto Ele fez por mim.
    Bendito seja Deus que não rejeitou a minha prece,
    nem me retirou a sua misericórdia.

    LEITURA II – Gal 6,14-18

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Gálatas

    Irmãos:
    Longe de mim gloriar-me,
    a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo,
    pela qual o mundo está crucificado para mim
    e eu para o mundo.
    Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa:
    o que tem valor é a nova criatura.
    Paz e misericórdia para quantos seguirem esta norma,
    bem como para o Israel de Deus.
    Doravante ninguém me importune,
    porque eu trago no meu corpo os estigmas de Jesus.
    Irmãos, a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo
    esteja com o vosso espírito. Amen.

    AMBIENTE

    Terminamos hoje a leitura da Carta aos Gálatas. Nos domingos anteriores, já dissemos qual é a questão fundamental abordada nesta carta: face às exigências dos “judaízantes” (segundo os quais os cristãos, além de acreditar em Cristo, devem cumprir escrupulosamente a Lei de Moisés e, de forma especial, aderir à circuncisão), Paulo considera que só Cristo interessa e que tudo o resto são leis e ritos desnecessários ou, ainda pior, geradores de escravidão.
    Este texto pertence à conclusão da carta (cf. Gal 6,11-18). É uma espécie de remate, no qual Paulo resume toda a sua argumentação anterior a propósito de Cristo, da Lei e da salvação.

    MENSAGEM

    Paulo começa por denunciar quais os interesses que movem os “judaízantes” que pregam a circuncisão: eles têm por finalidade evitar a perseguição (fazendo do cristianismo apenas um ramo do judaísmo e, por isso, uma “religião lícita” aos olhos do império); além disso, são pessoas desejosas de se evidenciar, para quem a circuncisão que impõem aos outros serve para mostrar o sucesso do seu proselitismo (o “prosélito” era um pagão convertido à observância da fé judaica)…
    Isso não tem qualquer importância para Paulo. O único título de glória que interessa ao apóstolo é a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Falar da “cruz de Jesus Cristo” é falar do dom total da vida, da entrega de Si mesmo por amor. Esse (e não a circuncisão ou a prática dos rituais da Lei de Moisés) é que é o grande objectivo de Paulo e da sua pregação, pois é a morte para o egoísmo e o nascimento para o amor (cumpridos e representados na cruz) que fazem surgir o “Homem Novo”, o “Israel de Deus”, o novo Povo de Deus.
    Precisamente aqui (vers. 15), Paulo inaugura um dos seus temas favoritos, ao qual voltará nas cartas posteriores: o tema do Homem Novo em Cristo Jesus. Na perspectiva paulina, a identificação do cristão com o Cristo da cruz – isto é, com o Cristo do amor total – fará surgir um Homem Novo, liberto do egoísmo e da preocupação consigo próprio, capaz de amar sem medida. Esse Homem Novo, imagem de Jesus Cristo, será capaz de superar o pecado e a morte e de chegar à vida plena, à felicidade total.
    De resto, o próprio Paulo luta pessoalmente para chegar a esse objectivo. Aliás, ele já leva “no seu corpo as marcas de Jesus” (vers. 17). Esta indicação não parece referir-se à presença no corpo de Paulo dos sinais físicos da paixão de Jesus (“estigmas”), mas às cicatrizes reais deixadas pelas feridas recebidas por Paulo no exercício do seu apostolado. Na sociedade greco-romana, cada escravo levava uma marca, como sinal da sua pertença a um determinado dono; assim, as marcas do seu sofrimento por causa do Evangelho mostram que Paulo pertence a Cristo, que é propriedade d’Ele: por elas, Paulo demonstra a sua vontade de amar, de dar a vida e a sua pertença inalienável a esse Cristo cujo amor se fez entrega na cruz.
    Esta carta é a única em que a palavra “irmãos” aparece na saudação final (vers. 18): é um grito, ao mesmo tempo de angústia e de confiança, que apela à comunhão e que manifesta a esperança no restabelecimento da fraternidade.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes questões:

    • Como Paulo, cada crente é um enviado a testemunhar o Cristo da cruz – quer dizer, a anunciar a todos os homens que só no amor radical, no amor até às últimas consequências se gera vida e nasce o Homem Novo. Este caminho é, no entanto, um caminho de exigência, pois conduz ao confronto com o pecado, com o egoísmo, com a injustiça, com a opressão. Eu estou, como Paulo, disposto a percorrer este caminho, com coragem profética?

    • Existe, por vezes, alguma perplexidade acerca da identidade fundamental do cristão. Qual é, verdadeiramente, a essência da nossa experiência cristã? O discípulo de Cristo é alguém que se distingue pelo uniforme que veste, pela cruz que traz ao pescoço, pelo papel que alguém assinou por ele no dia do baptismo, pelos ritos que cumpre, pela observância de certas leis, ou é alguém que se distingue pela sua identificação com Cristo – com o Cristo do amor, da entrega, do dom da vida?

    • Quais são, verdadeiramente os nossos títulos de glória: a conta bancária, os diplomas universitários, o estatuto social, o êxito profissional, a visibilidade nas festas do “jet-set”, os “fans” incondicionais que circulam à nossa volta? Ou são os gestos de amor, de partilha, de doação, de entrega e as feridas recebidas a lutar pela justiça, pela verdade e pela paz?
    ALELUIA – Col 3,15a.16a

    Aleluia. Aleluia.

    Reine em vossos corações a paz de Cristo,
    habite em vós a sua palavra.
    EVANGELHO – Lc 10,1-12.17-20

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    designou o Senhor setenta e dois discípulos
    e enviou-os dois a dois à sua frente,
    a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir.
    E dizia-lhes:
    «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos.
    Pedi ao dono da seara
    que mande trabalhadores para a sua seara.
    Ide: Eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos.
    Não leveis bolsa nem alforge nem sandálias,
    nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho.
    Quando entrardes nalguma casa,
    dizei primeiro: ‘Paz a esta casa’.
    E se lá houver gente de paz,
    a vossa paz repousará sobre eles:
    senão, ficará convosco.
    Ficai nessa casa, comei e bebei do que tiverem,
    que o trabalhador merece o seu salário.
    Não andeis de casa em casa.
    Quando entrardes nalguma cidade e vos receberem,
    comei do que vos servirem,
    curai os enfermos que nela houver
    e dizei-lhes: ‘Está perto de vós o reino de Deus’.
    Mas quando entrardes nalguma cidade e não vos receberem,
    saí à praça pública e dizei:
    ‘Até o pó da vossa cidade que se pegou aos nossos pés
    sacudimos para vós.
    No entanto, ficai sabendo:
    Está perto o reino de Deus’.
    Eu vos digo:
    Haverá mais tolerância, naquele dia, para Sodoma
    do que para essa cidade».
    Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo:
    «Senhor, até os demónios nos obedeciam em teu nome».
    Jesus respondeu-lhes:
    «Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago.
    Dei-vos o poder de pisar serpentes e escorpiões
    e dominar toda a força do inimigo;
    nada poderá causar-vos dano.
    Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem;
    alegrai-vos antes
    porque os vossos nomes estão escritos nos Céus».

    AMBIENTE

    O Evangelho situa-nos, outra vez, no contexto da caminhada de Jesus para Jerusalém. Apresenta-nos mais uma etapa desse “caminho espiritual”, durante o qual Jesus vai oferecendo aos discípulos a plenitude da revelação do Pai e preparando-os para continuar, após a sua partida, a missão de levar o Evangelho a todos os homens.
    A história do envio dos 72 discípulos é uma tradição exclusiva de Lucas. Seria uma história estranha e inesperada, se a víssemos como um relato fotográfico de acontecimentos concretos: de onde vêm estes 72, que não são nomeados nem por Mateus nem por Marcos e que aqui aparecem surgidos do nada? Trata-se, fundamentalmente, de uma catequese através da qual Lucas propõe, aos discípulos de todas as épocas, uma reflexão sobre a missão da Igreja, em caminhada pelo mundo.

    MENSAGEM

    Trata-se, portanto, de uma catequese. Nela, Lucas ensina que o cristão tem de continuar no mundo a missão de Jesus, tornando-se testemunha, para todos os homens, dessa proposta de salvação/libertação que Cristo veio trazer.
    O texto começa por nos apresentar o número dos discípulos enviados: 72 (vers. 1). Trata-se, evidentemente, de um número simbólico, que deve ser posto em relação com Gn 10 (na versão grega do Antigo Testamento), onde esse número se refere à totalidade das nações pagãs que habitam a terra. Significa, portanto, que a proposta de Jesus é uma proposta universal, destinada a todos os povos, de todas as raças.
    Depois, Lucas assinala que os discípulos foram enviados dois a dois. Trata-se de assegurar que o seu testemunho tem valor jurídico (cf. Dt 17,6; 19,15); e trata-se de sugerir que o anúncio do Evangelho é uma tarefa comunitária, que não é feita por iniciativa pessoal e própria, mas em comunhão com os irmãos.
    Lucas indica, ainda, que os discípulos são enviados às aldeias e localidades onde Jesus “devia de ir”. Dessa forma, indica que a tarefa dos discípulos não é pregar a sua própria mensagem, mas preparar o caminho de Jesus e dar testemunho d’Ele.
    Depois desta apresentação inicial, Lucas passa a descrever a forma como a missão se deve concretizar.
    Há, em primeiro lugar, um aviso acerca da dificuldade da missão: os discípulos são enviados “como cordeiros para o meio de lobos” (vers. 3). Trata-se de uma imagem que, no Antigo Testamento, descreve a situação do justo, perdido no meio dos pagãos (cf. Ben Sira 13,17; nalgumas versões, esta imagem aparece em 13,21). Aqui, expressa a situação do discípulo fiel, frente à hostilidade do mundo.
    Há, em segundo lugar, uma exigência de pobreza e simplicidade para os discípulos em missão: os discípulos não devem levar consigo nem bolsa, nem alforge, nem sandálias; não devem deter-se a saudar ninguém pelo caminho (vers. 4); também não devem saltar de casa em casa (vers. 7). As indicações de não levar nada para o caminho sugerem que a força do Evangelho não reside nos meios materiais, mas na força libertadora da Palavra; a indicação de não saudar ninguém pelo caminho indica a urgência da missão (que não permite deter-se nas intermináveis saudações típicas da cortesia oriental, sob pena de o essencial – o anúncio do Reino – ser continuamente adiado); a indicação de que não devem saltar de casa em casa sugere que a preocupação fundamental dos discípulos deve ser a dedicação total à missão e não o encontrar uma hospitalidade mais confortável.
    Qual deve ser o anúncio fundamental que os discípulos apresentam? Eles devem começar por anunciar “a paz” (vers 5-6). Não se trata aqui, apenas, da saudação normal entre os judeus, mas do anúncio dessa paz messiânica que preside ao Reino. É o anúncio desse mundo novo de fraternidade, de harmonia com Deus e com os outros, de bem-estar, de felicidade (tudo aquilo que é sugerido pela palavra hebraica “shalom”). Esse anúncio deve ser complementado por gestos concretos de libertação, que mostrem a presença do Reino no meio dos homens (vers. 9).
    As palavras de ameaça a propósito das cidades que se recusam a acolher a mensagem (vers. 10-11) não devem ser tomadas à letra: são uma forma bem oriental de sugerir que a rejeição do Reino trará consequências nefastas à vida daqueles que escolhem continuar a viver em caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência.
    Nos vers. 17-20, Lucas refere o resultado da acção missionária dos discípulos. As palavras com que Jesus acolhe os discípulos descrevem, figuradamente, a presença do Reino enquanto realidade libertadora (as serpentes e escorpiões são, frequentemente, símbolos das forças do mal que escravizam o homem; a “queda de Satanás” significa que o reino do mal começa a desfazer-se, em confronto com o Reino de Deus).
    Apesar do êxito da missão, Jesus põe os discípulos de sobreaviso para o orgulho pela obra feita: eles não devem ficar contentes pelo poder que lhes foi confiado, mas sim porque os seus nomes estão “inscritos no céu” (a imagem de um livro onde estão inscritos os nomes dos eleitos é frequente nesta época, particularmente nos apocalipses – cf. Dn 12,1; Ap 3,5; 13,8; 17,8; 20,12.15; 21,27).

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes questões:

    • O Evangelho que hoje nos é proposto sugere, essencialmente, que os discípulos – a totalidade dos discípulos – são responsáveis pela continuação no mundo do projecto libertador de Jesus, do projecto do Reino. Estamos verdadeiramente conscientes disto? Como é que, na prática, anunciamos Jesus? Jesus já chegou, efectivamente, ao nosso local de trabalho, à nossa escola, à nossa paróquia, à nossa comunidade religiosa? De quem é a responsabilidade, se Jesus ainda parece estar ausente de tantos sectores da vida de hoje? Conseguimos dormir tranquilos quando o egoísmo, a injustiça, a escravidão assentam arraiais à nossa volta e impedem o Reino de acontecer?

    • O ser “cordeiro no meio de lobos” e o não levar “nem bolsa, nem alforge, nem sandálias” sugere que o anúncio do Reino não depende do poder dos instrumentos utilizados. Procurar conquistar poder económico ou político para depois impor o Evangelho, controlar os mass-media ou utilizar sofisticadas técnicas de marketing para “vender” a proposta do Reino é negar a essência do Evangelho – que é amor, partilha, serviço, vividos na simplicidade, na humildade, no despojamento…

    • O “não andeis de casa em casa” sugere que o missionário deve contentar-se com aquilo que põem à sua disposição e viver com simplicidade e sem exigências. O seu objectivo não é enriquecer ou viver de acordo com o último grito do conforto ou da moda; a sua prioridade é o anúncio do Reino: tudo o mais é secundário.

    • O anúncio do “Reino” não se esgota em palavras, mas deve ser acompanhado de gestos concretos… O missionário tem de mostrar nos seus gestos o amor, o serviço, o perdão, a doação que ele anuncia em palavras (se isso não acontecer, o seu testemunho é oco, hipócrita, incoerente e não convencerá ninguém).

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (em parte adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 14º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. ACOLHER OS FIÉIS DE PASSAGEM.
    Os textos de hoje convidam-nos à alegria, a ver longe… Neste domingo e ao longo dos meses de Julho e Agosto (tempo de férias, de passagens…), deveria haver uma atenção particular aos fiéis de passagem. Logo no início da celebração, poder-se-á fazer uma referência e, se possível, uma breve apresentação (sobretudo nas assembleias menos numerosas). Poderá haver mesmo uma saudação inicial aos fiéis de passagem que estão na assembleia. O celebrante pode ainda dirigir algumas palavras noutra língua, no caso de haver um bom grupo de estrangeiros. O importante é que eles se sintam acolhidos como irmãos em comunhão na Eucaristia.

    3. ECO AO EVANGELHO.
    A paz na construção do Reino de Deus… Seria bom “noticiar”, nos avisos finais, algumas acções concretas que acontecem no nosso mundo, no nosso país, no lugar onde estamos… a favor da paz e da construção do reino de Deus. Se possível, alguma acção onde os cristãos se possam envolver directamente…

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    “Deus fiel, que velas o teu Povo como uma mãe o seu filho, nós Te damos graças pelas consolações que Tu lhe anunciaste outrora, quando estava desanimado e desorientado.
    Confiamos-Te a nossa solidariedade para com os exilados e as vítimas das catástrofes, das guerras e das violências, para com todos aqueles que são expulsos das suas casas”.

    No final da segunda leitura:
    “Pai, nós Te damos graças pela cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Era um instrumento de morte, mas tornou-se para nós e para o mundo inteiro a origem de uma nova criação e de um novo Israel de Deus.
    Nós Te pedimos por todos os nossos irmãos que trazem no seu corpo a marca dos sofrimentos. Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja sempre com o nosso espírito”.

    No final do Evangelho:
    “Mestre da seara, bendito sejas pelo teu Filho Jesus, pelos setenta e dois discípulos e todos os missionários que nos revelaram a presença do teu Reino. Nós Te bendizemos, porque os nossos nomes estão inscritos nos céus.
    Mestre da seara, nós Te pedimos: que o teu reino venha, haja paz nas nossas casas! Envia operários para a tua seara”.

    5. BILHETE DE EVANGELHO.
    Jesus envia os seus discípulos dois a dois, porque está consciente daquilo que lhes é confiado: uma mensagem difícil de proclamar, nem sempre bem recebida. Ele sugere-lhes para rezar para que sejam numerosos no campo da seara; se há trabalho, são precisos trabalhadores. Previne-os: a sua fragilidade encontrará forças hostis. Devem pregar o Reino de Deus, mas Satanás espera-os e procurará impedir o estabelecimento deste mundo melhor. Jesus pede-lhes para estarem completamente despojados de dinheiro, de saco, de sandálias, de congratulações, para estarem apenas preocupados com o crescimento do Reino que se reconhece no dom da Paz e com o levantar dos homens e mulheres que a doença impede de estar de pé. Os discípulos podem, então, pôr-se a caminho. Estão prevenidos, Jesus não os deixa na ilusão. É respeitando este contracto que encontrarão a felicidade, a alegria completa.

    6. À ESCUTA DA PALAVRA.
    «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara». É nesta palavra que se baseia a “oração pelas vocações”, em particular pelas vocações ao ministério presbiteral. Jesus dirige-se, primeiramente, a 72 discípulos que designou para além dos Doze Apóstolos. Os nomes têm muitas vezes um sentido simbólico. A tradução grega do Génesis (capítulo 10) dá uma lista de todas as nações que povoam a terra: 72! Podemos, assim, compreender que Jesus envia os discípulos a todas as nações. A missão de anunciar o Evangelho não está reservada apenas ao grupo dos Doze, é confiada, finalmente, a todos os discípulos, para irem até aos confins da terra. É toda a Igreja que é constituída missionária e missionada! Rezar pelas “vocações” é pedir a Deus para fazer de cada baptizado um testemunho da Boa Nova da salvação dada em Jesus. E se os trabalhadores são poucos, é talvez porque os baptizados não estão ainda suficientemente conscientes da sua missão. Em Igreja, normalmente não deveria haver cristãos que se contentam em ser “consumadores espirituais”. Todos são chamados a ser “pedras vivas”. Além disso, a seara não pertence aos ceifeiros. É a seara do mestre, que envia trabalhadores para a “sua seara”. Não se trata de um mero detalhe! É Deus que, em Jesus, semeou a boa semente. Este grão, de seguida, cresceu sozinho, até ao tempo da ceifa. Os trabalhadores vêm recolher o fruto de um trabalho que os precedeu. Os ceifeiros nunca devem esquecer que um Outro está em acção há muito tempo no coração dos homens para neles semear o grão do seu amor. Todo o ministério na Igreja está apenas ao serviço do Espírito Santo, já presente no segredo de cada ser humano. Então, compreendemos melhor o porquê de estes servos não deverem agir como se o êxito do seu ministério dependesse exclusivamente dos seus esforços!

    7. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Oração Eucarística I. É longa, mas é uma oportunidade para fazer memória dos santos que deram a sua vida pelo Reino. Depois dos nomes de Matias e Barnabé, pode-se acrescentar: “de todos os discípulos que o Senhor enviou a trabalhar na sua seara e de todos os santos…”

    8. PALAVRA PARA O CAMINHO…
    “Ide! Envio-vos!” Julho/Agosto: multidões deslocam-se para lugares turísticos. Para uns, tempo de distância da prática religiosa. Para outros, ocasião para recuperar energias na fé. “A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Ide! Envio-vos!” Como os setenta e dois discípulos, eis-nos enviados àqueles que encontraremos neste verão. Com quem iremos “perder tempo” para falar desta espantosa notícia: “Está perto de vós o reino de Deus”? E porque não ocuparmos as férias (ou em parte delas) numa acção de voluntariado, no nosso país ou em país de missão?!

    https://youtu.be/krAmZSXyxhA

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

    S. Tomé, Apóstolo

    S. Tomé, Apóstolo


    3 de Julho, 2022

    O martirológio jeronimiano do século VI coloca no dia 3 de Julho a transladação do corpo de S. Tomé para Edessa, na atual Turquia. Este apóstolo, também chamado Dídimo, é-nos dado a conhecer sobretudo por S. João evangelista. É Tomé que convida os outros apóstolos a acompanharem Jesus para a Judeia, para morrerem com Ele (Jo 11, 16). É a pergunta de Tomé que leva Jesus a definir-se: "

    Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida." (Jo 14, 5s.). Finalmente, Tome, com a sua incredulidade, ajuda-nos a fortalecer a nossa adesão a Jesus, por meio de uma profissão de fé muito clara: "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20, 24-29).Como escreve S. Gregório Magno, "A incredulidade de Tomé foi mais útil à nossa fé do que a fé dos discípulos crentes". Após o Pentecostes, partiu em missão. Mas não temos dados precisos acerca do seu apostolado.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 2, 19-22

    Irmãos: Já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus, 20edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. 21É nele que toda a construção, bem ajustada, cresce para formar um templo santo, no Senhor. 22É nele que também vós sois integrados na construção, para formardes uma habitação de Deus, pelo Espírito.

    Para Paulo, Cristo é a nossa paz. Por isso, na Igreja, não fazem sentido as divisões, as discriminações, as discórdias. Em Cristo, fomos todos reconciliados e unidos, seja que tenhamos vindo de longe, como os pagãos, seja que tenhamos vindo de mais perto, como os judeus. Já não existem dois povos, mas um só povo. Tudo isto é dom de Deus Pai, por meio de Cristo Senhor, no Espírito Santo. A Igreja é como que um grande edifício, um templo santo, onde habita Deus. Os Apóstolos e os Profetas são fundamento desse edifício onde todos estamos e vivemos como "concidadãos dos santos e membros da casa de Deus" (v. 19), e que tem Cristo como "pedra angular".

    Evangelho: João 20, 24-29

    Naquele tempo, Tomé, um dos Doze, a quem chamavam o Gémeo, não estava com eles quando Jesus veio.25Diziam-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor!» Mas ele respondeu-lhes: «Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito.» 26Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez dentro de casa e Tomé com eles. Estando as portas fechadas, Jesus veio, pôs-se no meio deles e disse: «A paz seja convosco!» 27Depois, disse a Tomé: «Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas fiel.» 28Tomé respondeu-lhe: «Meu Senhor e meu Deus!» 29Disse-lhe Jesus: «Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crêem sem terem visto!»

    A incredulidade de Tomé, como referimos na introdução a esta festa, citando S. Gregório Magno, foi "mais útil à nossa fé do que a fé dos discípulos crentes". Aproveitando o episódio, João abre diante de nós uma pista nova para chegarmos à libertadora experiência da fé em Jesus ressuscitado. Na aparição seguinte aos seus discípulos, Jesus convida Tomé a percorrer o caminho de busca, que os seus colegas já tinham feito. Tomé, disponível e dócil à ordem de Jesus, chega a um ato de fé claro e convicto: "Meu Senhor e meu Deus!" (v. 28). A bem-aventurança, que Jesus proclama em seguida, dirige-se a nós que, percorrendo um itinerário de fé, em atitude de completo abandono, chegamos a Jesus morto e ressuscitado.

    Meditatio

    No episódio narrado no evangelho, Tomé não é, certamente, um modelo para nós. Jesus di-lo claramente: "Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crêem sem terem visto!" (v. 29). Mas, como já referimos, a sua incredulidade foi útil para nós.
    O que mais impressiona é que Tomé acompanhara Jesus, tal como os outros apóstolos. Conhecia bem o seu rosto e as suas palavras. Mas, agora, para acreditar, quer ver os sinais da Paixão: "Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito." (v. 25). Mas, exatamente nisto, Tomé torna-se modelo para nós, pois sabe discernir o que carateriza Jesus. Depois da Paixão, Jesus é caraterizado pelas suas chagas. Esses sinais do seu amor são suficientes para O reconhecermos. Por isso, as conserva na sua carne gloriosa: "Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas fiel." (v. 27). Tomé, podemos dizê-lo, foi o primeiro devoto do Coração de Jesus. Quis contatar, também fisicamente, com esse Coração trespassado por nosso amor. Quantos cristãos contemplaram o Lado aberto e o Coração trespassado de Jesus. O P. Dehon compara-o ao livro escrito por fora e por dentro, referido no Apocalipse, e que nos fala só de amor.
    A contemplação do Lado aberto e do Coração de Jesus levou Tomé à sua fortíssima expressão de fé: "Meu Senhor e meu Deus!" (v. 28). Que essa mesma contemplação do mais expressivo sinal do amor do nosso Salvador nos leve a uma fé clara, decidida, forte, apostólica.

    Oratio

    Meu Senhor e meu Deus! Quero tirar das vossas chagas a bebida da salvação. Sede condescendente comigo como fostes com S. Tomé. Emprestai-me as vossas mãos e os vossos pés para que aí cole os meus lábios. Tenho tanta necessidade de forças. Ousarei mesmo aproximar-me do vosso Coração para dele tirar o arrependimento e o fervor. Perdoai-me! (Leão Dehon, OSP 3, p. 297).

    Contemplatio

    S. Tomé exprimiu a sua fé: «Meu Senhor e meu Deus!». Meu Senhor, é o Filho do homem, é o Cristo, é o Messias. Meu Deus, é o Filho de Deus, é o Verbo incarnado. A fé é completa e explícita. «Tu és feliz, Tomé, diz-lhe Nosso Senhor, viste e acreditaste; mas mais felizes, isto é, mais meritórios, serão os que acreditarem sem terem visto». Eu devia ser destes, Senhor. Não vi as chagas, mas tenho tantos motivos de fé: o testemunho do Evangelho, a Igreja e as suas graças, os santos, a ação sobrenatural sempre viva na Igreja. E não toquei, por assim dizer, com o dedo a vossa ação e a vossa graça, em mil circunstâncias da minha vida, seja em mim mesmo seja nas almas com as quais estive em contacto? Não seria mais culpado do que Tomé, se não tivesse uma fé viva? E porque é que a minha fé é ainda tão fraca, tão inerte e quase morta? Creio, mas vivo como se não tivesse fé. Quero hoje pedir o milagre da minha conversão às cinco chagas. Contemplo-as em espírito. Aproximo delas os meus lábios. Queria beber nestas fontes de água vivificante de que fala S. João. (Leão Dehon, OSP 3, p. 296s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20, 28).

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    S. Tomé, Apóstolo (03 Julho)

  • XIV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    4 de Julho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIV Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Oseias 2. 16. 17b-18. 21-22

    Eis o que diz o Senhor: «É assim que a vou seduzir: ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração. 17Aí, ela responderá como no tempo da sua juventude, como nos dias em que subiu da terra do Egipto». 18Naquele dia - oráculo do Senhor ela me chamará: «Meu marido» e nunca mais: «Meu Baal.» 21Então, te desposarei para sempre; desposar-te-ei conforme a justiça e o direito, com amor e misericórdia. 22Desposar-te-ei com fidelidade, e tu conhecerás o Senhor.

    Oseias é o único profeta escritor do reino do Norte. Escreve no tempo de Jereboão III (713-743 a. C.), um período próspero para Israel, mas minado pela prostituição do povo a Baal e a Anat, deuses cananeus da sexualidade, da fecundidade e da vegetação. Embora contemporâneo de Amós e de Isaías, profetas originários de Judá, mas que também actuam em Israel, Oseias exerce o seu ministério de um modo próprio. Enquanto os dois profetas do Sul pregam, diríamos, do púlpito, Amós integra-se nas vivências dos seus ouvintes e, a partir delas, transformando os elementos, oferece-lhes um autêntico testemunho de vida, muito mais eloquente do que todos os sermões. Por isso, casa com uma das prostitutas cultuais, que ama extremosamente. Esta mulher dá-lhe dois filhos, cujos nomes são uma mensagem para Israel, mas atraiçoa-o voltando à prostituição num templo de Baal. De coração despedaçado, Oseias é introduzido no significado mais profundo daquele adultério: também Israel é adúltero na relação com Deus. Por mandato divino, o profeta retoma a esposa infiel para manifestar o drama de um Deus de tal modo fiel a Israel, que não hesita em atraí-lo novamente para si, para o renovar num encontro de profunda intimidade.

    Evangelho: Mateus 9, 18-26

    Naquele tempo, estava Jesus a falar aos seus discípulos, quando um chefe se prostrou diante dele e disse: «Minha filha acaba de morrer, mas vem impor-lhe a tua mão e viverá.» 19Jesus, levantando-se, seguiu-o com os discípulos. 20Então, uma mulher, que padecia de uma hemorragia há doze anos, aproximou-se dele por trás e tocou-lhe na orla do manto, 21pois pensava consigo: 'Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada.' 22Jesus voltou-se e, ao vê-la, disse-lhe: «Filha, tem confiança, a tua fé te salvou.» E, naquele mesmo instante, a mulher ficou curada. 23Quando chegou a casa do chefe, vendo os flautistas e a multidão em grande alarido, disse: 24«Retirai-vos, porque a menina não está morta: dorme.» Mas riam-se dele. 25Retirada a multidão, Jesus entrou, tomou a mão da menina e ela ergueu-se. 26A notícia espalhou-se logo por toda aquela terra.

    A ressurreição da filha de Jairo e a cura da mulher que sofria de um fluxo de sangue, dois episódios embutidos na página evangélica, que hoje escutamos, mostram-nos que Jesus tem poder sobre a morte, que é o vencedor da morte, que é a ressurreição e vida. Sendo o Messias, vem trazer o reino de Deus, onde a morte não tem a última palavra. O Reino de Deus é vida. A existência de Jesus é uma parábola em acção: caminha para a morte, para a vencer na ressurreição. A fé em Jesus faz passar da morte à vida.
    Jairo chega a casa de Mateus, onde Jesus fala de núpcias, de pano novo e de vinho novo (cf. 9, 16s.). As palavras do «chefe» da sinagoga (cf. Mc 5, 35; Lc 8, 41) introduzem o lamento pela morte da filha de 12 anos, e a súplica a Jesus para que lhe dê novamente a vida. Jesus levanta-se e vai a caminho da casa da defunta, quando uma mulher, que sofria de hemorragias, lhe toca na borla do manto. A sua fé dizia-lhe que isso bastava para ser curada. Efectivamente, Jesus diz-lhe: «Filha, tem confiança, a tua fé te salvou» (v. 22). Se perder sangue significa risco de morte, a cura da mulher preludia a vitória da Vida, em casa de Jairo: «a menina não está morta: dorme» (v. 24). Jesus é o vencedor da morte. É a Vida. Acreditar n´Ele, dar-Lhe espaço em nós, acolher a sua pessoa, é acolher a Vida, porque Jesus que, por nós experimentou a morte, a tragou pela sua ressurreição (cf. 1 Cor 15, 55). Para o crente, a morte corporal é como um simples sono e, deixar-se «tocar» por Jesus, é certeza de ressurreição. A vida, como caminho para a plenitude das núpcias de amor eterno, confiando em Jesus, tem nesta página uma exemplar interpretação. Viver é caminhar na fé, tocar e deixar-se tocar por Cristo vivo na Palavra, na eucaristia e no próximo.

    Meditatio

    A fidelidade do Senhor é a nossa esperança. Também nós, como os israelitas, podemos deixar-nos seduzir pelos ídolos de morte denunciados por Oseias: o dinheiro, os bens materiais, o culto da imagem, o sexo, o hedonismo e mesmo o subtil domínio do egoísmo que, ainda quando fazemos o bem, nos leva a buscar-nos a nós próprios e aos nossos interesses, mais do que a glória de Deus e o seu Reino. E o nosso coração permanece profundamente insatisfeito e inquieto. É preciso escutá-lo quando grita o vazio que o preenche, e a desolação daquele adultério que consiste em esquecer a Deus no frenesim de um activismo exacerbado, no afã de se prostituir aos ídolos supramencionados. E é preciso deixar-se conduzir novamente, pelo Senhor, ao deserto. A meditação pode abrir-nos os olhos para a idolatria da vida comprometida com as lógicas deste mundo, verdadeiro insulto ao Senhor, mas também progressiva perda da vida, como acontecia com a mulher, antes de tocar na borla do manto de Jesus. Pouco a pouco, perde-se o gosto pela oração, a alegria de fazer o bem, a sensibilidade em fazer-nos próximos dos que precisam da nossa ajuda. Pouco a pouco, apaga-se a vida espiritual. E tornamo-nos mortos ambulantes, mesmo mergulhados no activismo e na aparência de fazer o bem.
    Mas «o Senhor é clemente e cheio de compaixão», como canta o salmo responsorial. Há-de transformar «o vale de Acôr em porta de esperança» (Os 2, 17). Acôr fora o lugar do acto de infidelidade duramente punido por Deus. Mas, graças ao amor eterno do Senhor, tornara-se porta de entrada na terra santa.
    Quando o amor humano se perde, é muito difícil voltar ao tempo do namoro, ao tempo do encanto, quando se pensa que o dom recíproco jamais irá desaparecer. Mas, com Deus, não é assim. Jesus venceu a morte, e vence toda a morte. Tudo pode ser renovado, porque Deus é fiel e o seu amor é eterno: «vou seduzir-te... vou falar-te ao coração... vou desposar-te com fidelidade, e tu conhecerás o Senhor». Estas palavras vêm-nos à mente e ao coração, com mais intensidade, quando desconfiamos de nós mesmos e temos confiança n´Ele, no seu poder purificador, capaz de fazer reflorir o mais belo amor.
    A vida cristã, e particularmente a vida religiosa dehoniana, exige momentos de recolhimento,
    de deserto, para nos renovarmos e crescermos na intimidade com o Senhor. É fundamental darmos espaço a Jesus na nossa vida, mesmo no meio das mais intensas actividades. É o tempo de oração comunitária e pessoal, é o tempo da meditação ou da lectio divina, é o tempo da adoração. São os brevíssimos momentos das jaculatórias, a que recorrem as almas fervorosas, porque ajudam a pessoa, o religioso, a não se deixar absorver a cem por cento pelas ocupações, pelo trabalho, pelo estudo, quando sessenta por cento são suficientes para cumprir com diligência o próprio dever. O espaço que sobra deve pertencer unicamente a Jesus. Então também o trabalho, o estudo, o descanso, serão de Jesus, serão permeados pela Sua presença, pelo Seu amor. Então seremos curados das nossas perdas de vida, como a mulher de que nos fala o evangelho, ou ressuscitados do torpor espiritual em que tivermos caído, pior que o «sono» da filha de Jairo.

    Oratio

    Senhor, quanto me reconheço idólatra e adúltero. Mas Tu falas-me ao coração, com grande amor. Quero escutar-te e voltar ao fervor da minha juventude, ao fervor do meu baptismo, da minha primeira profissão religiosa... Infunde em mim o teu Espírito, para que me deixe seduzir e levar ao deserto interior que, de lugar de horrível vazio e de morte, se torne lugar de intimidade nupcial Contigo. Aumenta a minha fé, a experiência de tocar-te e deixar-me tocar por Ti na oração, na eucaristia, no próximo carente dos meus cuidados. E aquela perda de forças, e aquela sensação de morte, que experimento quando me afasto de Ti, serão vencidas. Amen.

    Contemplatio

    O Coração de Jesus é a fonte da nossa vida sobrenatural. - Jesus comunica-nos a sua vida divina unindo-se a nós pela graça: «Eu sou a vida, diz, e vim para a espalhar nas almas» (Jo 10, 10). - «Eu vivo e vós viveis da minha própria vida» (Jo 4, 19). - «Quem tem o Filho de Deus em si, tem a vida» (Jo 5, 12).
    É pelo seu Coração que Jesus nos comunica a sua vida divina. «Este Coração sagrado, diz o Padre Eudes, é o princípio da vida não só do Homem-Deus, mas da mãe e dos filhos de Deus. O Coração espiritual de Jesus, isto é, a sua alma santíssima, unido à sua divindade, é o princípio da sua vida espiritual e moral. É também o princípio da vida da Mãe de Deus. O Filho-Deus recebia de Maria a vida material e transmitia-lhe a vida espiritual e sobrenatural. O Coração de Jesus é também o princípio da vida sobrenatural de todos os filhos de Deus. Como é a vida da cabeça, é também a vida dos membros. Em Jesus, diz S. Tomás, está a plenitude da graça ou da vida das almas. Ela está depositada no seu Coração, como num reservatório universal, de onde ela corre para a humanidade a fim de a santificar». Nosso Senhor disse-nos isso várias vezes: «Se alguém me ama, o meu Pai amá-lo-á, e nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada» (Jo 14, 23). Jesus habita em nós pela sua graça, e o seu Coração une-se ao nosso coração para aí se tornar o princípio vivo da vida espiritual e divina em nós. (Leão Dehon, OSP 3, p. 508).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Tem confiança, a tua fé te salvou» (Mt 9, 22).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    5 de Julho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIV Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Oseias 8, 4-7. 11-13

    Eis o que diz o Senhor: «Elegeram reis sem minha aprovação, estabeleceram chefes sem o meu conhecimento. Da sua prata e do seu ouro fizeram ídolos para sua própria perdição. 5Rejeito o teu bezerro, ó Samaria! A minha cólera inflamou-se contra eles. Até quando serão incapazes de purificar-se? 6Porque ele é de Israel; foi um artista quem o fez, não é Deus. Será, pois, despedaçado o bezerro da Samaria. 7Semearam ventos, colherão tempestades. Não terão espigas, e o grão não dará farinha; e mesmo que a desse, seria comida pelos estrangeiros. 11Efraim multiplicou os altares, e os seus altares só lhe serviram para pecar. 12Tinha-lhes escrito todos os preceitos da minha lei, mas ela foi tida por eles como uma lei estrangeira. 13Imolam e oferecem vítimas e comem-lhes as carnes, mas o Senhor não as aceita. Antes se lembrará da sua iniquidade e castigará os seus pecados. Voltarão para o Egipto».

    Oseias proclama o amor de Deus, sempre fiel e rico em misericórdia. Mas também manifesta que Deus desaprova o comportamento corrupto de Israel, que não pode ficar sem castigo. Deus não é caprichoso. Mas é justo.
    À morte de Jereboão II, seguiram-se tempos de egoísmos desenfreados e de religião insincera. Em vista de interesses mesquinhos, elegeram-se reis não designados por Deus. O culto, cada vez mais exterior, corrompeu-se ao ponto de erguer um bezerro de ouro em Samaria. Inicialmente, pretendia-se que fosse apenas expressão da presença invisível de Javé no meio do seu povo. Mas rapidamente descambou para a idolatria. Oseias acusa o povo de ter violado a Aliança e de ter transgredido a Lei. O castigo está iminente: «Semearam ventos, colherão tempestades» (v. 7). A reflexão de Oseias, em estilo proverbial, é uma alusão aos cultos cananeus das estações do ano. Embora se espere o contrário, esses cultos só trarão ruína: tempestades, secas, searas sem espigas. Israel escusa de invocar os seus numerosos altares, a solenidade das suas luas-novas. Tudo isso só lhe multiplica os pecados, por causa do baalismo latente, e porque a vida não está em sintonia com o culto. A aliança nupcial (berith) entre Deus e o seu povo inclui condições precisas expressas na Lei. Um culto, que não inclua o respeito pela Lei, é falso e há-de conduzir ao novo Egipto, isto é, ao exílio em Babilónia.

    Evangelho: Mateus 9, 32-38

    Naquele tempo, apresentaram-lhe um mudo, possesso do demónio. 33Depois que o demónio foi expulso, o mudo falou; e a multidão, admirada, dizia: «Nunca se viu tal coisa em Israel.» 34Os fariseus, porém, diziam: «É pelo chefe dos demónios que Ele expulsa os demónios.» 35Jesus percorria as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças. 36Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. 37Disse, então, aos seus discípulos: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. 38Rogai, portanto, ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe.»

    Ao narrar a cura de um mudo, e ao referir a reacção dos adversários de Jesus, Mateus antecipa a luta renhida que o Senhor irá travar com os seus inimigos, e que será amplamente abordada no capítulo 12, a fim de preparar, para ela, os seus leitores. Além desta razão pedagógica, Mateus tem uma razão teológica. Fora anunciado que o Messias, entre outros prodígios, faria ouvir os surdos e falar os mudos, situações atribuídas ao demónio, inimigo do homem. Se Jesus realiza tais maravilhas, libertadoras da escravidão e limitações humanas, quebra o poder de Satanás, e só pode ser o Messias. O povo, mais propenso a reconhecer as maravilhas de Deus, reage com admiração. Os fariseus atribuem tais maravilhas ao poder satânico, que, segundo eles, actua por meio de Jesus.
    Mateus, logo a seguir, introduz o tema da missão, apresentando a itinerância de Jesus. Ele não permanece num determinado lugar, à espera dos discípulos, como faziam os rabis, mas percorre a Galileia, e vai até à terra dos gentios, proclamando o evangelho e curando todas as doenças (cf. v. 35). Há, em tudo isto, um ar de universalidade.
    O centro do nosso texto é aquele em que o evangelista capta o coração de Cristo que se enche de compaixão pela multidão cansada e abatida, «como ovelhas sem pastor» (v. 36). Para compreender bem este «encher-se de compaixão», convém saber que essa expressão traduz o verbo grego splanknízomai reservado à expressão dos sentimentos de Jesus e do Pai. Esse verbo expressa o amor materno de Jesus para connosco. O nosso sofrimento toca-o até ao ponto de o fazer com-padecer-se, com-sofrer connosco, de carregar sobre si as nossas dores, no seu mistério de morte e ressurreição.
    Jesus convida os discípulos a rezar ao Pai para que suscite pessoas dispostas a segui-Lo na tarefa da evangelização, semelhante ao trabalho da ceifa, pela sua urgência.

    Meditatio

    Oseias verbera um culto formal, que não estava em sintonia com a Aliança de Deus com o seu povo, nem tinha correspondência na vida. Não será também essa, muitas vezes, a nossa forma de culto? Talvez por isso é que, tantas vezes, sentimos a aridez invadir-nos o coração e a vida. Não vivemos centrados e unificados em Deus.
    É fácil pagar o tributo de práticas religiosas, vividas como hábitos rotineiros, sem correspondência na vida de cada dia. Mas podem tornar-se idolatria! «Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim» (Mc 7, 6). É fácil «multiplicar altares», que acabam povoados de ídolos, para nossa perdição! (Os 8, 4). Todas as crises de fé, e até de identidade, nascem da separação entre religiosidade e vida. Mas, como evitar um tal perigo?
    Não é o voluntarismo que nos salva. O nosso compromisso, o nosso método e o nosso itinerário espiritual, podem ajudar. Mas só Senhor, que tem compaixão das nossas situações mais ou menos escabrosas e difíceis, da nossa sede d´Ele, pode valer-nos. É pois absolutamente necessário contactar, na fé, com o amor paterno e materno de Deus, que Jesus manifestou ao «encher-se de compaixão» pela multidão, que andava como ovelhas sem pastor. É preciso que o nosso coração seja tocado pelos «entranhas de misericórdia do nosso Deus».
    A nossa vida, para ser verdadeiro caminho espiritual, há-de mover-se a partir de uma Palavra revelada, fulcro luminoso do nosso crer, esperar e amar: «É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos peca
    dos» (1 Jo 4, 10). Se assim for, então, mesmo nas tentações, quando formos perturbados pela corrida do activismo ou pelo fascínio dos aplausos, quando a desilusão do fracasso nos abater, seremos apoiados pela força de Deus-Amor, de Jesus-Presença na nossa vida.
    O Senhor procura colaboradores para, como Ele, se encherem de compaixão e usarem de misericórdia para com as multidões, que povoam o nosso mundo: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos» (Mt 9, 37). Como cristãos, e como dehonianos, somos sensíveis às palavras de Jesus, e queremos cooperar com Ele na obra da redenção do mundo. A evangelização pode e deve tornar-se um verdadeiro culto, agradável a Deus. Na carta aos Romanos, Paulo fala do seu ministério apostólico, usando o vocabulário cultual e sacrificial do Antigo Testamento: oferecer os pagãos em «oblação agradável, santificada pelo Espírito», como sacrifício espiritual a Deus (cf. TOB, nota c a Rm 15, 16). A exemplo do Apóstolo, o missionário deve viver o seu «serviço do Evangelho» como uma liturgia, de que ele é o celebrante: "Ser um ministro (liturgo) de Jesus Cristo entre os pagãos, exercendo o ofício sagrado do Evangelho de Deus, a fim de que os pagãos se tornem uma oblação agradável, santificada pelo Espírito Santo" (Rm 15, 16).
    O apostolado missionário inclui-se na dimensão eclesial e social da nossa «oblação reparadora», que deve ser preparada pela oblação pessoal, conforme recomenda Paulo: «Exorto-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos (vós mesmos) como hóstia viva, santa e agradável a Deus: tal é o culto espiritual que lhe deveis prestar" (Rm 12, 1). Visto nesta "perspectiva espiritual" (Cst 26), descobrimos uma convergência profunda entre o apostolado missionário e a nossa espiritualidade, como nota uma carta do Superior Geral, Pe. António Panteghini: «A nossa espiritualidade é particularmente apta para alimentar e sustentar o compromisso missionário: disponibilidade de coração e de vida, abandono e esperança, alegria em anunciar o amor de Deus em Cristo, testemunhar este amor na vivência do dom de si mesmo, no serviço aos afastados, aos pequenos, aos pobres, pobreza partilhada e acolhimento dos outros, na sua raça, na sua cultura, com as suas qualidades e defeitos, tudo isto em comunhão com o Coração de Cristo na Sua paixão pelo anúncio do Reino de Deus a todos os homens".

    Oratio

    Senhor, a «messe» é, na verdade, imensa e os trabalhadores são poucos. Quantos biliões de homens esperam o anúncio do Evangelho, e quão poucos são os missionários! A maior parte dos nossos contemporâneos, provavelmente, não está consciente da necessidade de Te conhecer e amar. Mas, que é a sede de transcendência, de bondade, de certezas, senão sede de Ti? Só Tu és a água viva, que sacia a nossa sede!
    Queremos, pois, juntar a nossa prece à tua compaixão, para rezarmos ao Pai: «Mandai, Senhor, trabalhadores para a vossa messe». Que muitos jovens ouçam o teu chamamento e lhe correspondam, abraçando o sacerdócio, a vida consagrada, a vida religiosa, a vida missionária, para responderem ao grito do mundo carecido de salvação. Que a sua vida e o seu trabalho sejam oblação, para que a humanidade e a criação inteira se tornem também oferenda santa e agradável ao teu nome. Amen.

    Contemplatio

    O bom Mestre, depois de receber o baptismo de João Baptista, e antes de se entregar à organização da sua Igreja, mergulhou numa profunda oração de quarenta dias no deserto. Queria acumular graças para os seus apóstolos e os seus discípulos.
    Depois destes quarenta dias, começa a sua propaganda. Ganha primeiro João e André que ficam apaixonados por Ele e passam todo um dia a escutá-lo: Apud eum manserunt die illo (Jo 1, 35). - Depois das suas primeiras pregações, passa ainda uma noite em oração, depois no dia seguinte faz o seu grande apelo a Pedro, a André, a Tiago, a João: Sequere me, segui-me. «Passou a noite a orar a Deus. Quando nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos» (Lc 6, 12).
    E antes de completar o colégio dos seus apóstolos e dos seus discípulos, rezou ainda e mandou rezar. Percorreu a Galileia. Viu as multidões miseráveis e mal conduzidas pelos rabinos e pelos fariseus. «São ovelhas sem pastores, diz com emoção! Rezai, portanto, ao Mestre supremo para enviar trabalhadores para a sua vinha e pastores para o seu rebanho» (Mt 9, 38).
    Quantas lições para nós! Estimemos de elevado valor a vocação; peçamos a Deus que multiplique os santos sacerdotes (Leão Dehon, OSP 4, p. 255).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Mandai, Senhor, trabalhadores para a vossa messe» (cf. Mt 9, 38).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIV Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIV Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Julho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIV Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Oseias 10, 1-3. 7-8. 12

    Israel era uma vinha frondosa, que dava muitos frutos. Quanto mais abundavam os seus frutos, tanto mais multiplicou os seus altares. Quanto mais prosperou a sua terra, mais ricas estelas construiu. 2O coração deles é falso: vão sofrer o devido castigo; Ele mesmo derrubará os seus altares e deitará abaixo as suas estelas. 3E dizem: «Não temos um rei, porque não tememos o Senhor; e que poderá fazer por nós o nosso Rei?» 7Samaria está aniquilada, o seu rei é como uma palha à deriva sobre a superfície da água. 8Os lugares altos de Bet-Aven, o pecado de Israel, serão destruídos. Os espinhos e os abrolhos crescerão sobre os seus altares. Dirão então às montanhas: «Cobri-nos!» E às colinas: «Caí sobre nós!» 12Lançai sementes de justiça, colhei segundo a misericórdia, lavrai terras incultas. É tempo de buscar o Senhor, até que venha e faça chover a justiça para vós.

    Oseias insiste na denúncia da infidelidade de Israel, bem como na chamada de atenção para o castigo inevitável dessa mesma infidelidade. E termina incitando à conversão: «É tempo de buscar o Senhor» (v. 12).
    O profeta começa por recorrer à imagem da vinha, tão ao gosto dos autores bíblicos. Israel é semelhante a um agricultor que, tendo enriquecido com os produtos da sua vinha, descambou para o materialismo, para o esquecimento de Deus, e para a idolatria. Oseias percute com violência o formalismo religioso, bem como a erecção de estelas, colunas com pretensões artísticas, mas que apenas contribuíam para a depravação idólatra.
    O povo lamenta-se por não ter um rei como os outros povos. Mas o profeta afirma que, sem Javé, Israel está perdido, tenha ou não um rei. Samaria será destruída, e o seu rei arrastado como palha pelas águas impetuosas. Os espinhos e os abrolhos povoarão os altares e a cidade deserta. O povo, finalmente consciente dos seus erros, pedirá aos montes que desabem sobre ele e o enterrem, para fugir à vergonha (cf. Mt 23, 30). Mas Deus é um esposo fortemente apaixonado, fiel e misericordioso. Daí o convite final à conversão, à sementeira da «justiça», isto é, da obediência à vontade de Deus. E virá o tempo da ceifa, num clima de «bondade». Quem semeia justiça, colhe misericórdia.

    Evangelho: Mateus 10, 1-7

    Naquele tempo, Jesus chamou doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos malignos e de curar todas as enfermidades e doenças. 2São estes os nomes dos doze Apóstolos: primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; 3Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; 4Simão, o Zelota, e Judas Iscariotes, que o traiu. 5Jesus enviou estes doze, depois de lhes ter dado as seguintes instruções: «Não sigais pelo caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos. 6Ide, primeiramente, às ovelhas perdidas da casa de Israel. 7Pelo caminho, proclamai que o Reino do Céu está perto».

    Mateus apresentou várias vezes Jesus como novo Moisés, que funda o novo povo de Deus. O antigo povo de Deus era formado por 12 tribos. O novo povo de Deus tem as características da universalidade, que o número 12 significa. Jesus, novo Moisés, funda o novo povo de Deus, a Igreja. Os Doze são chamados para «estarem» com o Senhor e «ser enviados» por Ele aos irmãos. Foram chamados pelo nome, isto é, dentro da própria identidade, desde sempre pensada por Deus que, por amor, começa por chamar à vida. Em Mateus, como em Lucas (9, 1), Jesus confere o seu mesmo «poder» que se manifesta na vitória sobre as forças demoníacas e na cura de males parciais (as doenças) como antecipação e sinal da libertação total do mal.
    Mateus apresenta a lista dos nomes dos apóstolos, seguindo a mesma ordem de Marcos ( 3, 16-19) e de Lucas (6, 14-16). Encabeça a lista «Simão, chamado Pedro» (v. 2). Seguem os outros nomes, dois a dois. Mateus não se envergonha de acrescentar ao seu nome próprio, o de ofício: publicano. Encerra a lista Judas Iscariotes, «que o traiu» (v. 4). Seguem-se algumas instruções de Jesus: começar a «missão» pelos israelitas, e anunciar o Reino de Deus. Assim se cumprirá a promessa feita a Abraão: «Na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da Terra» (cf. Act 3, 25). A realização desta bênção, de que Israel, se se converter, será portador, é o «Reino de Deus», isto é, a presença de Deus-Amor que, em Jesus, liberta e salva.

    Meditatio

    Quantas vezes nos deixamos embalar no eficientismo! Como a vinha de Oseias, produzimos frutos, mas não do Senhor e para o Senhor. O nosso coração endurece e perde sensibilidade. Cobre-se de «espinhos e abrolhos» (Os 10, 8), que são as preocupações, a ansiedade, a falta de sentido para a vida e para a acção. Mas, se voltarmos a procurar o Senhor na «justiça», que é santidade de vida com Deus e para Deus, poderemos colher «bondade» para nós e para os outros. É o que também nos diz Jesus, ao chamar os Doze, e ao dar-lhes poder para libertar do mal e anunciar o reino de Deus, o amor e a misericórdia do Pai, próximos de quem O procura na rectidão, e disposto a cumprir a sua vontade.
    É importante entrarmos nesta dinâmica de vocação. Jesus chama-nos pelo nome, tal como fez com os Doze. Também nós somos únicos e irrepetíveis. Deus conhece-nos e ama-nos desde sempre e para sempre. O seu projecto de salvação passa, não só por nos retirar da falsidade de uma vida centrada em interesses mesquinhos, mas também por fazer, de cada um de nós, instrumento de salvação para os outros. O importante é que acreditar no poder que nos dá, para nos tornarmos luz no mundo, desde que permaneçamos unidos a Ele em oração, orientados para Ele e para os interesses do Reino.
    O reino de Deus começou por ser reservado a Israel. Daí as palavras de Jesus: «Não sigais pelo caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos. Ide, primeiramente, às ovelhas perdidas da casa de Israel» (Mt 10, 5-6). Mas, com a morte e a ressurreição de Cristo, começou uma nova fase em que a salvação, rejeitada por Israel, é oferecida a todos os povos. A gradualidade do plano de Deus é uma lição para a nossa impaciência: queremos tudo imediatamente e não sabemos agradecer os pequenos passos que o Senhor nos faz dar no caminho para Ele e para os outros.
    Mateus mostra-nos que Jesus chamou os Doze pelo próprio nome. Deus escolhe os seus apóstolos, com um imenso respeito pela dignidade de cada um: «Chamei-te pelo nome...» (Is 4
    3, 1). Já antes, com esse mesmo respeito, os tinha chamado à vida, pondo neles o selo trinitário, de acordo com a revelação completa que nos veio por Cristo, por meio da qual compreendemos a fundo a intenção de Deus no princípio da humanidade: «Façamos o homem à nossa imagem e semelhança... Deus criou o homem à Sua imagem, à imagem de Deus os criou, homem e mulher os criou» (Gn 1, 26-27). Três vezes é repetido o termo "imagem". Nós somos à imagem do Deus trino como criaturas humanas, pela inteligência, a memória, a vontade e como filhos de Deus (cf. 2 Pe 1, 4; 1 Jo 3, 1), por meio do qual somos espírito no Espírito (cf. Jo 3, 6) e amamos com o amor típico da Trindade, o amor oblativo. É este amor oblativo que nos leva a consagrar-nos ao Senhor, para estarmos com Ele, partilharmos a sua vida e a sua missão de proclamar: o reino de Deus está perto, está no meio de vós!

    Oratio

    Senhor, livra-me de cair no erro do teu povo, tornando-me uma vinha que produz muitos frutos, que não vêm de Ti, nem são para Ti, mas que nascem do meu eficientismo e visam satisfazer a minha vaidade e o meu orgulho. Em vez disso, ajuda-me a semear segundo a justiça, respondendo ao teu chamamento para Contigo, pelo poder do Espírito, realizar aquilo que o Pai quer de mim. Dá-me a graça de cultivar o campo novo que é viver e anunciar o reino de Deus, que é reino de amor, de paz, de paciência, de mansidão e de uma esperança que sabe ver para além das dificuldades presentes. Continua a chamar-me pelo nome, cada dia, para que não me torne vinha idólatra, mas ramo vivo da cepa que é Tu. E produzirei frutos para o Reino, em Ti e por Ti. Amen.

    Contemplatio

    «Ide à vinha». É o que nos diz o bom Mestre em todas as idades da nossa vida e em todas as horas do dia. A vinha, é a nossa alma para cultivar, é também o campo onde deve exercer-se o nosso apostolado segundo a vocação de cada um de nós.
    O que é que se faz na vinha? Cava-se, planta-se, corta-se, protege-se o campo, trabalha-se todo o dia. - Cavar, trabalhar profundamente! É sacudir fortemente a nossa consciência endurecida, pelos retiros, pela meditação das grandes verdades.
    Plantar e mergulhar a videira, é fixar nos nossos corações as virtudes fundamentais: uma fé viva, uma caridade ardente, a humildade e a pureza, e isto faz-se pelo trabalho quotidiano da oração, da vigilância, dos exames. - Aparar as cepas, é cortar pela mortificação cristã, as solicitudes mundanas e o apego aos prazeres e às alegrias que amolecem. - Prender a cepa, é unir-nos a Nosso Senhor e ao seu divino Coração pelo hábito da presença de Deus, pela submissão da nossa vontade e pela vida de amor e de reparação. - Envolver a vinha com uma sebe ou com um muro de defesa, é velar sobre a nossa alma e defendê-la pela oração contra os seus inimigos: a carne e o mundo.
    O apostolado pede de nós o mesmo trabalho em favor das almas que nos são confiadas. Plantar, é instruí-las e formá-las na virtude; sachar e envolver a vinha, é protegê-las pela vigilância, pela disciplina, pela oração.
    Em que ponto me encontro no meu trabalho por mim mesmo e pelas almas? Aqui está um longo exame para fazer. O meu trabalho é quotidiano, assíduo e constante? Que progressos fiz? Que progressos tenho levado a fazer aos outros que devo ajudar? (Leão Dehon, OSP 3, p. 130).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Ide, proclamai que o Reino do Céu está perto» (cf. Mt 10, 6-7).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    7 de Julho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIV Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Oseias 11, 1-4. 8c-9

    1Quando Israel era ainda menino,Eu amei-o, e chamei do Egipto o meu filho. 2Mas, quanto mais os chamei, mais eles se afastaram; ofereceram sacrifícios aos ídolos de Baal e queimaram oferendas a estátuas. 3Entretanto, Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços, mas não reconheceram que era Eu quem cuidava deles. 4Segurava-os com laços humanos, com laços de amor, fui para eles como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto; inclinei-me para ele para lhe dar de comer. O meu coração dá voltas dentro de mim, comovem-se as minhas entranhas. 9Não desafogarei o furor da minha cólera, não voltarei a destruir Efraim; porque sou Deus e não um homem, sou o Santo no meio de ti, e não me deixo levar pela ira.

    Estamos diante de um dos mais importantes textos em ordem à revelação de Deus-Amor. O melhor comentário seria a contemplação silenciosa e reconhecida dos intensos e manifestos sentimentos paternais de Deus. Mas diremos breves palavras, na esperança de não perturbar excessivamente a amorosa contemplação dos nossos leitores.
    Depois de nos ter falado de um Deus-Esposo (Os 2), o profeta fala-nos de Deus como Pai extremamente terno, que recorda ao filho, Israel, os tempos remotos em que, arrancando-o da escravidão do Egipto, o conduziu suavemente pela mão. O povo repetidas vezes tombava na idolatria. Mas Deus estava sempre ao seu lado, para o retomar nos braços e lhe manifestar amor, com expressões que tocavam as mais íntimas cordas da humana sede de ser amado, procurando persuadi-lo sobre a força, a fidelidade e a misericórdia desse amor pelo homem.
    No texto, que escutamos, transparece uma tal vontade de salvação da parte de Deus, que ultrapassa, em muito, a sua indignação pelo pecado do homem. Deus conhece a fragilidade do coração humano, um «coração incircunciso», um «coração endurecido», incapaz de corresponder ao amor de Deus. Só quando for alcançado e penetrado pelo Espírito, pode tornar-se um «coração de carne», capaz de amar a Deus e nele, os irmãos (cf. Ez 36, 26s.). Só o «rugido» de Javé, isto é, a sua palavra viva e eficaz, fará voltar Israel, com a docilidade de um passarinho e a obediência de uma pomba à voz do dono. Deus, se castiga e corrige, é sempre para salvar.

    Evangelho: Mateus 10, 7-15

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus Apóstolos: 7«Ide e proclamai que o Reino do Céu está perto. 8Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça. 9Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; 10nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento. 11Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, procurai saber se há nela alguém que seja digno, e permanecei em sua casa até partirdes. 12Ao entrardes numa casa, saudai-a. 13Se essa casa for digna, a vossa paz desça sobre ela; se não for digna, volte para vós. 14Se alguém não vos receber nem escutar as vossas palavras, ao sair dessa casa ou dessa cidade, sacudi o pó dos vossos pés. 15Em verdade vos digo: No dia do juízo, haverá menos rigor para a terra de Sodoma e de Gomorra do que para aquela cidade.»

    Os discípulos devem anunciar a presença do Reino, tal como fizera João Baptista (cf. Mt 3, 2) e, sobretudo, Jesus (4, 17). Quem acreditar que o Reino é o Senhor, e viver como Ele, torna-se "sinal" da sua presença e pode realizar curas, ressuscitar mortos, curar leprosos, expulsar demónios (v. 8). O mais importante é estar conscientes das forças divinas que nos enchem, graças à paixão, morte e ressurreição de Cristo. Recebemos de graça. Podemos projectar a nossa vida pessoal e comunitária sobre a gratuidade.
    O conteúdo da pregação dos discípulos está expresso nas afirmações relativas à paz. Os judeus saudavam-se desejando-se mutuamente a paz. Mas, aqui, há algo mais. É atribuída à paz a mesma eficácia que tem a Palavra de Deus. Onde se deseja a paz, acontece a paz. Esta paz equivale ao reino de Deus, a Cristo, nossa paz (cf. Mc 5, 34; Rm 5, 1; Ef 2, 14). Anunciar a paz é anunciar a Cristo e tudo o que Ele significa para o homem.
    O missionário deve avançar "desarmado": «Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado» (vv. 9-10). Sabe que tem direito ao sustento (v. 10; cf. Lc 10, 7), à recompensa. Mas contenta-se com o necessário. Permanecerá junto de quem for digno de acolhê-lo (v. 11). Levará consigo o sinal distintivo, que é a paz. Quem a acolhe, acolhe o reino de Deus e todas as suas promessas de bênção. Quem não a acolhe, exclui-se de tudo. Por isso, tem sentido «sacudir o pó dos pés» (cf. v. 14), gesto de quem, ao entrar em Israel, deixava para trás a terra dos infiéis. Tal como Sodoma e Gomorra, foram arrasadas por não terem acolhido os enviados de Deus (Gn 19, 24ss.), assim também acontecerá àqueles que não acolherem o irmão e, portanto, o reino.

    Meditatio

    Nada de mais tranquilizante para o nosso espírito agitado e dividido que a certeza de um Pai, que nos ergue da nossa pequenez e da nossa fragilidade, para nos apertar ternamente contra o seu rosto cheio de amor e misericórdia. Esse, Abbá do Céu, retira-nos dos vários Egiptos de escravidão, onde nos retêm o nosso «fazer» frenético, que nos faz esquecê-l´O. Mas Ele não nos esquece. Ele sabe esperar com paciência, porque deseja a vida e não a morte do homem, a paz e não a discórdia. Há que tomar consciência, não só intelectualmente, mas também existencialmente, de que Deus cuida de nós. Se assim não for, caímos no desconforto, na angústia, e até no sentimento de traição, quando formos provados pelo sofrimento, pelas dificuldades da vida. Quando se faz a experiência de que Deus é «Deus e não homem», a paz e a serenidade impregnam-nos o coração e a vida, até às suas raízes mais profundas. A certeza de que Deus é amor, nos ama e cuida de nós, leva-nos a tomar a atitude de que nos fala Jesus no evangelho: «Recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8). É pois na gratuidade que devemos dirigir-nos aos irmãos para lhe oferecer a paz, para lhes anunciar o reino de Deus, que é a luz, o sentido e a alegria da nossa vida. «Ide..., proclamai..., curai..., ao entrar numa casa saudai-a...» Anúncio de salvação, acção de cura, saudação e desejo de paz. Mas tudo isto pode ser recusado. Ainda nessa circunstância, o discípulo não há-de perder a paz: «Se essa casa não for digna, vossa paz volte para vós», isto é, permanecei em paz. Filhos da paz, h
    avemos de comunicá-la. Isso é possível porque a paz não é um sentimento nosso ou obra nossa, mas tem fundamento no dom de Jesus, o Espírito Santo.
    O Coração de Cristo é a manifestação suprema da ternura e da misericórdia de Deus. A espiritualidade que decorre da contemplação do Trespassado coloca-nos «no coração do Evangelho» e impele-nos a inserir-nos «no coração do mundo» sedento de amor, de paz, de alegria, de fraternidade, que só a descoberta de Cristo pode satisfazer plenamente: «Ele é o homem perfeito... Pela Sua Encarnação... o próprio Filho de Deus uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos de homem, pensou com mente de homem, actuou com vontade de homem, amou com coração de homem... Ele é o Redentor do homem!», escreveu João Paulo II (Redemptor Hominis, n. 8). Só dando Cristo ao mundo, somos «profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens... em Cristo» (Cst 7). É isto que o Pe. Dehon espera dos seus religiosos.

    Oratio

    Senhor Jesus, toma posse do meu coração, tantas vezes presa fácil de depressões, de euforias, de ansiedade. Que a experiência do teu amor terno de pai e de mãe, manifestado no teu Coração trespassado, me faça sentir a tua presença todos os dias da minha vida, para me libertar dos Egiptos e dos destroços de uma vida superficial e naturalista. Só Tu podes fazer de mim um dom perene, generoso e gratuito aos irmãos. Só Tu podes fazer de mim um missionário da paz, um arauto do Reino. Que eu Te saiba dar aos meus irmãos, para ser profeta do amor e servidor da reconciliação. Amen.

    Contemplatio

    Há uma luta que é de todos os dias, o demónio não repousa. Mas há dias mais difíceis, dias de provas e de combates; é para esses dias, que é preciso estarem armados com a espada.
    Jesus adverte os seus apóstolos para que estejam preparados, especialmente para o dia seguinte, o grande dia da sua Paixão, para também para o futuro, para a luta espiritual que deve fazer deles suas sangrentas testemunhas e os vencedores do mundo.
    «Noutras vezes, diz o Salvador, enviei-vos sem bolsa e sem cajado, mas hoje digo-vos: se alguém tem uma bolsa, que a tome, e se não tem, que venda a sua capa para comprar uma espada». Os apóstolos tomam as coisas no sentido literal: «Temos aqui duas espadas, dizem». Ora bem, diz o Salvador, e não tem tempo para lhes explicar o sentido alegórico das suas palavras, que Judas já está lá com o seu bando.
    É evidentemente uma espada espiritual que Jesus nos quer ver preparar. E qual será esta arma invencível? Uma só, o amor do Salvador, o amor do Sagrado Coração. Como o diz S. Paulo, só o amor nos pode manter indissoluvelmente unidos a Cristo. «Quem poderá separar-nos de Cristo, se o amarmos ardentemente? Nada, nem a tribulação, nem a angústia, nem a fome, nem a espoliação, nem os perigos, nem as perseguições, nem a espada. Alcançaremos sempre a vitória pelo amor daquele que nos amou tanto» (Rm 8, 35) (Leão Dehon, OSP 4, p. 425s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Ide e proclamai que o Reino do Céu está perto» (Mc 10, 7).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    8 de Julho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIV Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Oseias 14, 2-10

    Assim fala o Senhor: 2«Volta, Israel, ao Senhor teu Deus, porque caíste por causa dos teus pecados. 3Tomai convosco palavras de arrependimento. E voltai ao Senhor, dizendo-lhe: «Perdoa todos os nossos pecados, e acolhe favoravelmente o sacrifício que oferecemos, a homenagem dos nossos lábios. 4A Assíria não nos salvará; não montaremos a cavalo, e nunca mais chamaremos nosso Deus a uma obra das nossas mãos, pois só junto de ti o órfão encontra compaixão.» 5Curarei a sua infidelidade, amá-los-ei de todo o coração, porque a minha cólera se afastou deles. 6Serei para Israel como o orvalho: florescerá como um lírio e deitará raízes como um cedro do Líbano. 7Os seus ramos estender-se-ão ao longe, a sua opulência será como a da oliveira, o seu perfume como o odor do Líbano. 8Regressarão os que habitavam à sua sombra; renascerão como o trigo, darão rebentos como a videira e a sua fama será como a do vinho do Líbano. 9Efraim, que tenho Eu ainda a ver com os ídolos? Sou Eu quem responde e olha por ele. Eu sou como um cipreste sempre verdejante; é de mim que procede o teu fruto». 10Quem é sábio para compreender estas coisas, inteligente para as conhecer? Porque os caminhos do Senhor são rectos, os justos andarão por eles, mas os pecadores tropeçarão neles.

    Oseias, num arrebatamento lírico-afectivo, proclama, mais uma vez, o apaixonado amor de Deus por Israel. No primeiro versículo, que não se encontra no texto litúrgico, é descrito o fim dramático de Samaria. Um cume de horror. Mas, a esse cume, corresponde outro: o do amor de Deus.
    E estrutura do capítulo 14 é o de uma celebração penitencial. Há que tomar consciência do próprio pecado (v. 2). É um convite muitas vezes repetido pelos profetas (cf. Am 5, 21-24; Is 1, 10-17; Mq 6, 6-8; Sl 50, 8-21; 51, 18s.). Diante do arrependimento do povo, já convencido da inutilidade e do prejuízo do recurso a potências estrangeiras (Assur-Assíria), e da ilusória confiança nas próprias iniciativas (v. 4), Deus vai garantir o futuro esperançoso do povo: «Curarei a sua infidelidade, amá-los-ei de todo o coração, porque a minha cólera se afastou deles» (v. 5). A decisão de Javé provoca uma reviravolta que o profeta expressa com imagens de extraordinária beleza: «Serei para Israel como o orvalho: florescerá como um lírio e deitará raízes como um cedro do Líbano. Os seus ramos estender-se-ão ao longe, a sua opulência será como a da oliveira, o seu perfume como o odor do Líbano. Regressarão os que habitavam à sua sombra; renascerão como o trigo, darão rebentos como a videira e a sua fama será como a do vinho do Líbano» (vv. 6-8). E seguem outras imagens igualmente belas, até ao v. 10, que confia aos sábios a compreensão de todos os oráculos. Mas a verdadeira sabedoria pode resumir-se a percorrer com rectidão os caminhos do Senhor.

    Evangelho: Mateus 10, 16-23

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus Apóstolos: 16«Envio-vos como ovelhas para o meio dos lobos; sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. 17Tende cuidado com os homens: hão-de entregar-vos aos tribunais e açoitar-vos nas suas sinagogas; 18sereis levados perante governadores e reis, por minha causa, para dar testemunho diante deles e dos pagãos. 19Mas, quando vos entregarem, não vos preocupeis nem como haveis de falar nem com o que haveis de dizer; nessa altura, vos será inspirado o que tiverdes de dizer. 20Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós. 21O irmão entregará o seu irmão à morte, e o pai, o seu filho; os filhos hão-de erguer-se contra os pais e hão-de causar-lhes a morte. 22E vós sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo. 23Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo: Não acabareis de percorrer as cidades de Israel, antes de vir o Filho do Homem.»

    O nosso texto reflecte a profecia de Jesus sobre a sorte dos seus discípulos, mas também a experiência posterior da Igreja, que descobriu todo o sentido das palavras do seu Senhor e Mestre. Quando Mateus escreveu, já muitos discípulos tinham sido presos, levados aos tribunais e executados por causa do «nome» de Jesus. O judaísmo oficial, pelo ano 70, declarou excomungados da Sinagoga todos aqueles que confessassem que Jesus é o Messias. E surgiu, ou acentuou-se a divisão e o ódio nas famílias: uns a favor de Jesus e outros contra. Os discípulos, particularmente os missionários, são comparados ao Cordeiro «que tira o pecado do mundo» (Jo 1, 29), Aquele que carregou sobre si os nossos pecados e os nossos sofrimentos (cf. Is 59, 11), para realizar o projecto de Deus, que quer salvar todos os homens (1 Tm 2, 4). A mansidão e a não-violência do missionário não são fraqueza nem masoquismo, mas vivência de duas virtudes aparentemente opostas: a prudência da serpente, como exercício de inteligência vigilante, realista e crítica, que evita o engano; a simplicidade da pomba, como exercício de um procedimento límpido e confiante, próprio de quem sabe estar nas mãos de Deus-Pai, poderoso e bom. Nos tribunais, há que confiar na presença e na acção do Espírito.
    O futuro do discípulo não é róseo. O mal gera o mal e abala as próprias relações familiares. Mas quem suportar ser odiado, não pelos seus crimes, mas por causa de Cristo, será salvo.

    Meditatio

    A primeira leitura ensina-nos que não há poderes humanos capazes de nos salvar: «A Assíria não nos salvará» (v. 4). Também projectos baseados na auto-suficiência, tal como uma religião imaginada e construída à nossa medida, não são fiáveis: «nunca mais chamaremos nosso Deus a uma obra das nossas mãos» (v. 5). Só Deus pode salvar: «só junto de ti o órfão encontra compaixão» (v. 5). É Deus que constrói o Reino em nós e a nossa volta. O segredo para a vida, para a ultrapassagem das situações difíceis, é o coração habitado por Deus. Fazer memória, re-cordar permanentemente a Deus, é um modo eficaz para ser habitado por Deus, e produzir frutos, ou, melhor dizendo, deixar que o seu Espírito produza os seus frutos em nós, e por meio de nós, no apostolado.
    Jesus não promete facilidades aos seus discípulos. Pelo contrário, apresenta-lhes um quadro espantoso de provações, de perseguições, de traições. O mundo resistirá à graça da mensagem evangélica, porque ela exige conversão profunda. Mas o Senhor promete estar com eles, para lhes dar coragem e inspirar as palavras adequadas: «quando vos entregarem, não vos preocupeis nem como haveis de fa
    lar nem com o que haveis de dizer; nessa altura, vos será inspirado o que tiverdes de dizer. Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós» (Mt 10, 19-20).
    Também nós, nas pequenas e grandes dificuldades da vida e do nosso ministério, havemos de confiar no Espírito Santo, o Espírito de Jesus, presença viva em nós, comportando-nos como instrumentos dóceis, aos quais Ele dá pensamentos, palavras e acções. A nossa vida de cristãos, e de missionários do Reino, não é fácil. Mas o Senhor é «orvalho» de Espírito Santo, sugerindo-nos o modo como enfrentar e relacionar-nos com o mundo em que vivemos. Ajudar-nos-á a ser simples na busca de Deus e de tudo o que é verdade de amor: ajudar-nos-á a ser prudentes no discernimento dos caminhos que não nos afastem dessa verdade.
    Jamais compreenderemos suficientemente a maravilha que é a presença de Deus em nós, a força e a eficácia apostólica de um coração habitado por Deus, a grandeza dos dons de Cristo e do Espírito. Eles constroem-nos pessoal e comunitariamente, são uma força imparável nas dificuldades da vida e do apostolado: «Tudo posso n´Aquele que me dá força» (Fl 4, 13). São luz, são dinamismo de memória de Cristo, da sua doutrina, do que fez por nós: «O Consolador, o Espírito Santo que o Pai há-de enviar em Meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo aquilo que vos tenho dito» (Jo 14, 26). São força de vida e acção cristã: «O amor de Deus foi derramado nos nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). O mundo não pode compreender estas realidades maravilhosas, porque, tendo recusado a Cristo, não pode receber o seu Espírito (cf. Jo 14, 17).

    Oratio

    Eu Te bendigo, Senhor, que quiseste habitar em mim. Que eu Te procure a cada instante, e viva em perene intimidade Contigo. A tua maravilhosa presença permitir-me-á corresponder ao projecto de amor e salvação em que me quiseste envolver. O orvalho do teu Espírito tornar-me-á capaz de florir e produzir frutos de amor vital e esponsal para Contigo e de bem generoso e perene para com os irmãos.
    Faz-me manso, na força do teu amor; faz-me capaz de perdoar, de compreender os outros, ainda que não possa ou não deva partilhar das suas ideias, do seu credo ou das suas acções.
    Que eu, habitado por Ti, seja sempre, para todos, presença do teu amor que salva. Amen.

    Contemplatio

    A Igreja colocou a festa da dispersão dos apóstolos depois de todo o ciclo dos mistérios de Nosso Senhor, no momento em que ela nos vai fazer reler, na liturgia, durante os meses de Verão, o relato da vida apostólica levada durante três anos pelo Salvador em companhia dos seus apóstolos.
    Mais tarde, Nosso Senhor dir-lhes-á que os envia como cordeiros para meio de lobos. Precisarão de uma grande coragem, sustida por um grande amor de Deus, porque serão perseguidos, como os profetas o foram outrora.
    Este mundo corrompido e corruptor, diz-lhes, é a vós, meus apóstolos e meus discípulos escolhidos, e fundadores da minha Igreja, que pertence convertê-lo, reconduzi-lo a mim pelo espectáculo das vossas virtudes não menos que pelo poder da vossa palavra. Sereis os profetas do novo povo de Deus. Como os de outrora, sereis perseguidos, mas sede orgulhosos e felizes, porque a vossa recompensa será grande no céu (Leão Dehon, OSP 4, p. 47s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Não sereis vós a falar:
    o Espírito do vosso Pai é que falará por vós» (Mt 10, 20).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XIV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    9 de Julho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIV Semana - Sábado
    Lectio
    Primeira leitura: Isaías 6, 1-8
    1No ano em que morreu o rei Uzias, vi o Senhor sentado num trono alto e elevado; as franjas do seu manto enchiam o templo. 2Os serafins estavam diante dele, cada um tinha seis asas; com duas asas cobriam o rosto, com duas asas cobriam o corpo, com duas asas voavam. 3E clamavam uns para os outros:«Santo, santo, santo, o Senhor do universo! Toda a terra está cheia da sua glória!» 4E tremiam os gonzos das portas ao clamor da sua voz, e o templo encheu-se de fumo. 5Então disse: «Ai de mim, estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, que habita no meio de um povo de lábios impuros, e vi com os meus olhos o Rei, Senhor do universo!» 6Um dos serafins voou na minha direcção; trazia na mão uma brasa viva, que tinha tomado do altar com uma tenaz. 7Tocou na minha boca e disse: «Repara bem, isto tocou os teus lábios, foi afastada a tua culpa, e apagado o teu pecado!» 8Então, ouvi a voz do Senhor que dizia: «Quem enviarei? Quem será o nosso mensageiro?» Então eu disse: «Eis-me aqui, envia-me.»
    Este texto de Isaías, escrito cerca de 724 a. C., é muito importante para compreendermos a sua mensagem. Morto o rei Ozias, termina um período de prosperidade e de autonomia para Israel. O profeta aproveita a ocasião para proclamar a santidade e a grandeza de um Deus que transcende em muito a grandeza humana e que é, por excelência, «o Santo de Israel». Isaías sente-se chamado por esse Deus a ser profeta. Tudo acontece num dia de festa, no templo de Jerusalém. Isaías, no meio da assembleia, dá-se conta do seu carisma. Senaquerib, que devastara 46 cidades e muitas aldeias, ameaçava Jerusalém. Os dirigentes do povo, interesseiros, procuravam ganhar os favores de Javé à custa de uma religião vazia e de uma liturgia aparatosa, enquanto continuavam a oprimir as camadas sociais mais carenciadas, nomeadamente os órfãos e as viúvas.
    O profeta faz uma descrição antropomórfica de Deus, sentado num trono e rodeado de serafins (criaturas com semelhança humana, mas dotados de seis asas), muito ao estilo das representações do Médio Oriente. Mas a visão de Isaías diz muito mais. A tripla aclamação «Santo, santo, santo» procura expressar a infinita santidade de Deus, a sua transcendência, a sua absoluta alteridade em relação ao que é terreno. A vibração das portas do templo e o fumo manifestam a presença de Deus. Isaías sente-se aterrado por causa da sua indignidade, devida aos seus pecados e aos do povo. A sua reacção lembra-nos Ex 33, 20: «Pode um homem ver a Deus e não morrer?» Mas Deus não quer a morte do homem. Por isso, intervém com um gesto simbólico de purificação (vv. 7s.). Resumindo: Deus interpela e chama Isaías para que, investido da glória e da santidade de Deus, vá profetizar em seu nome. Isaías corresponde com a total disponibilidade de quem se sabe invadido por um Deus que salva: «Eis-me aqui, envia-me» (v. 8).
    Evangelho: Mateus 10, 24-33
    Naquele tempo, disse Jesus aos seus Apóstolos: 24«O discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do senhor. 25Basta ao discípulo ser como o mestre e ao servo ser como o senhor. Se ao dono da casa chamaram Belzebu, o que não chamarão eles aos familiares! 26Não os temais, portanto, pois não há nada encoberto que não venha a ser conhecido. 27O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; e o que escutais ao ouvido, proclamai-o sobre os terraços. 28Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer na Geena o corpo e a alma. 29Não se vendem dois pássaros por uma pequena moeda? E nem um deles cairá por terra sem o consentimento do vosso Pai! 30Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados! 31Não temais, pois valeis mais do que muitos pássaros.» 32«Todo aquele que se declarar por mim, diante dos homens, também me declararei por ele diante do meu Pai que está no Céu. 33Mas aquele que me negar diante dos homens, também o hei-de negar diante do meu Pai que está no Céu.
    As exigências da missão são extremas, podendo incluir a perseguição e a morte, como lemos ontem. Hoje, Jesus introduz no seu discurso a expressão «Não temais», que ocorre 366 vezes na Bíblia. O nosso texto está estruturado sobre a repetição, a modo de imperativo, do convite a não ter medo (vv. 26.28.31), seguido das razões pelas quais a confiança deve sempre vencer. A primeira razão é: ainda que o bem esteja, por agora, velado, e a astúcia e a virulência do mal pareçam escondê-lo, acontecerá uma reviravolta completa e veremos, no triunfo de Cristo, a vitória dos que escolheram praticar o bem. Eis a razão pela qual os discípulos de Jesus são encorajados à audácia do anúncio. O que recebemos é pequeno como uma luzinha nas trevas, como um sussurro ao ouvido, mas deve ser dado à plena luz do dia, gritado sobre os telhados. Inicialmente, o Evangelho era algo de oculto e misterioso, que era preciso manter em segredo, dado a conhecer a poucos e com as devidas precauções, para não desencadear a perseguição. Mas chegou o tempo de o dar a conhecer ao mundo inteiro! O pior que pode acontecer aos missionários do Reino é a morte do corpo. Mas seria muito pior a morte da alma, a perda da vida (alma significa vida). Ora, só Deus pode tirar a vida. Mas não o faz àqueles que O amam e O temem. Jesus conclui a sua argumentação com duas imagens muito ternas: a dos pássaros que, valendo pouco, são amados pelo Pai, e a dos cabelos da cabeça, contados por Ele. Não há, pois, que temer: «Ide: proclamai que o Reino do Céu está perto!» (Mt 10, 7).
    Meditatio
    Perante a visão de Deus, Isaías treme de medo porque se dá conta da sua fragilidade e necessidade de purificação, e porque é membro de um povo também ele carecido de ser purificado: «Ai de mim, estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, que habita no meio de um povo de lábios impuros» (v. 5). Deus purifica-o, e Isaías dispõe-se a ser profeta no meio do seu povo: «Um dos serafins...trazia na mão uma brasa viva... tocou na minha boca e disse: foi afastada a tua culpa, e apagado o teu pecado!.. Então eu disse: «Eis-me aqui, envia-me».
    O temor de Deus é uma atitude complexa em que confluem o respeito reverente, a obediência, a adesão profunda, a adoração, o amor. Foi sentido por muitos profetas e santos, que fizeram a experiência do encontro com Deus, três vezes santo. Diante d´Ele, damo-nos conta da nossa condição de criaturas e da impureza da nossa vida. Já o salmista rezava: «Senhor, nosso Deus, como é admirável o teu nome em toda a terra! Adorarei a tua majestade, mais alta que os céus... que é o homem para te lembrares dele, o filho do homem para com ele te preocupares?&raq
    uo; (Sl 8, 2.5). Mas, se nos deixarmos penetrar por esta atitude, também poderemos ter toda a confiança na sua misericórdia. Jesus une o temor de Deus e a confiança: «Não se vendem dois pássaros por uma pequena moeda? E nem um deles cairá por terra sem o consentimento do vosso Pai! ... Não temais, pois valeis mais do que muitos pássaros» (vv. 29.31)
    Ambas as leituras nos falam da experiência de temor na presença de Deus, que Se nos revela e chama a uma missão. Mas também em ambas as leituras escutamos a palavra do Senhor que nos diz: «não tenhas medo», «não temais». Aquele que nos ama, nos chama e nos envia, purifica-nos e está connosco: «Não temas: eu estarei contigo»; «não temais, eu estarei convosco» (Ex 3, 12; Dt 31, 6; 31, 15; 1 Cr 28, 20; Jr 1, 17; 46, 28; 30, 11). A Virgem Maria também experimentou a sua condição de criatura limitada e frágil perante a grandeza e poder de Deus, no dia da Anunciação. Por isso, o Anjo lhe diz: «Não tenhas medo, Maria » (Lc 1, 30).
    O medo e a desconfiança, na relação com Deus, mas também na relação connosco ou com os outros, paralisam-nos, transformam-nos em escravos. Mas Paulo adverte-nos: «Vós não recebestes um espírito de escravidão para recair no medo, mas recebestes um espírito de filhos adoptivos, por meio do qual gritamos: "Abbá, Pai!". O mesmo Espírito atesta ao nosso espírito que somos filhos de Deus» (Rm 8, 15-16). «Se vivemos do Espírito, caminhemos segundo o Espírito» (Gl 5, 25). Na relação com Deus, embora conhecendo os nossos limites e os nossos pecados, temos consciência de estar perante um Pai, cheio de amor e de misericórdia. No exercício da missão que nos confia, na sua obra de salvação do mundo, sabemos que não estamos sós, mas que Ele está connosco.
    Oratio
    Senhor, purifica os meus lábios, mas purifica, sobretudo, o meu coração. Quantas vezes alimento pensamentos e desejos, que não nascem da certeza do teu amor, da vontade de lhe corresponder, da confiança em Ti. Quantas vezes, me deixo dominar pelo temor, quando surgem dificuldades e problemas no caminho para Ti, ou na missão que me confiaste. Faz-me escutar novamente a tua palavra: «Não temas; Eu estou contigo!». Purifica-me, Senhor, e dá-me coragem e confiança para aceitar a purificação! Dá-me agilidade no combate espiritual contra as paixões, para que deseje e queira, sempre, em tudo, e somente a tua glória. Assim encontrarei também a paz e a serenidade, que tornarão mais felizes e plenos os breves dias da minha vida. Amen.
    Contemplatio
    As piedosas mulheres, enquanto vão ao sepulcro, dizem entre si: Quem é que nos vai tirar a pedra que fecha o túmulo? Esperam encontrar alguém. As almas amantes não duvidam de nada. Mas Nosso Senhor providenciou, e, ao chegarem lá, vêem a grande pedra afastada. Se tivéssemos mais confiança, quantos obstáculos não se dissipariam!
    Entram na gruta do sepulcro. Está lá um jovem sentado à direita do túmulo, vestido com uma túnica branca resplandecente. São tomadas de espanto. Mas o anjo diz-lhes: «Não temais». Nolite timere, vos. Faz alusão aos guardas, a Pilatos, a todos aqueles que não amam nem conhecem Jesus. Não temais, vós que procurais Jesus, vós que enfrentais os terrores da noite, os horrores do túmulo, a violência dos guardas. Não temais, mas eles, os inimigos, os traidores, os deicidas, esses têm tudo a temer e devem tremer... Não temais, entrai. É Jesus que procurais, já não está aqui, ressuscitou como tinha dito. Vede, foi ali que o puseram. E agora, regressai, depressa, ide ao encontro dos discípulos, e dizei-lhes que ressuscitou, que os precederá na Galileia e que lá o verão». Estão mudas de espanto. Saem do túmulo. Depois, a alegria apodera-se delas, e ei-las que correm para levarem aos discípulos a mensagem angélica (Leão Dehon, OSP 3, p. 378s).
    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Não temais» (Mt 10, 26.28.31).
    | Fernando Fonseca, scj |

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