Liturgia

Week of Set 4th

  • 23º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    23º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    4 de Setembro, 2022

    ANO C

    23º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 23º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo convida-nos a tomar consciência de quanto é exigente o caminho do "Reino". Optar pelo "Reino" não é escolher um caminho de facilidade, mas sim aceitar percorrer um caminho de renúncia e de dom da vida.
    É, sobretudo, o Evangelho que traça as coordenadas do "caminho do discípulo": é um caminho em que o "Reino" deve ter a primazia sobre as pessoas que amamos, sobre os nossos bens, sobre os nossos próprios interesses e esquemas pessoais. Quem tomar contacto com esta proposta tem de pensar seriamente se a quer acolher, se tem forças para a acolher... Jesus não admite meios-termos: ou se aceita o "Reino" e se embarca nessa aventura a tempo inteiro e "a fundo perdido", ou não vale a pena começar algo que não vai levar a lado nenhum (porque não é um caminho que se percorra com hesitações e com "meias tintas").
    A primeira leitura lembra a todos aqueles que não conseguem decidir-se pelo "Reino" que só em Deus é possível encontrar a verdadeira felicidade e o sentido da vida. Há, portanto, aí, um encorajamento implícito a aderir ao "Reino": embora exigente, é um caminho que leva à felicidade plena.
    A segunda leitura recorda que o amor é o valor fundamental, para todos os que aceitam a dinâmica do "Reino"; só ele permite descobrir a igualdade de todos os homens, filhos do mesmo Pai e irmãos em Cristo. Aceitar viver na lógica do "Reino" é reconhecer em cada homem um irmão e agir em consequência.

    LEITURA I - Sab 9,13-19

    Leitura do Livro da Sabedoria

    Qual o homem que pode conhecer os desígnios de Deus?
    Quem pode sondar as intenções do Senhor?
    Os pensamentos dos mortais são mesquinhos
    e inseguras as nossas reflexões,
    porque o corpo corruptível deprime a alma
    e a morada terrestre oprime o espírito que pensa.
    Mal podemos compreender o que está sobre a terra
    e com dificuldade encontramos o que temos ao alcance da mão.
    Quem poderá então descobrir o que há nos céus?
    Quem poderá conhecer, Senhor, os vossos desígnios,
    se Vós não lhe dais a sabedoria
    e não lhe enviais o vosso espírito santo?
    Deste modo foi corrigido o procedimento dos que estão em terra,
    os homens aprenderam as coisas que Vos agradam
    e pela sabedoria foram salvos.

    AMBIENTE

    O Livro da Sabedoria é um texto de carácter sapiencial (isto é, cujo objectivo é transmitir a "sabedoria", identificada com a arte de bem viver, de ter êxito e de ser feliz). O autor apresenta-se como um "rei", apaixonado pela "sabedoria" e que construiu um templo na "montanha santa" e um altar na "cidade da habitação de Deus" (Sab 9,6-8). Tudo indica, pois, que o autor quer apresentar-se como sendo o rei Salomão; mas trata-se de um livro escrito na primeira metade do séc. I a.C. (Salomão é da primeira metade do séc. X a.C.) por um judeu piedoso, provavelmente pertencente à comunidade judaica de Alexandria. O objectivo do autor é duplo: por um lado, dirige-se aos seus compatriotas, mergulhados no paganismo, na idolatria e na imoralidade, e mostra-lhes as vantagens de perseverar na fé e de viver na justiça; por outro lado, dirige-se aos pagãos e apresenta-lhes a superioridade da fé e dos valores israelitas. O autor exprime-se em termos e concepções do mundo helénico, esforçando-se por exprimir a sua fé e as suas convicções numa linguagem actualizada, erudita, bem ao gosto da cultura grega da época.
    O texto que nos é apresentado é o final da segunda parte do livro (cf. Sab 6,1-9,18). Aí, o autor coloca na boca de um rei (Salomão, embora o nome nunca seja referido explicitamente) o elogio da "sabedoria".

    MENSAGEM

    A questão fundamental para o autor do texto é esta: só essa sabedoria que é um dom de Deus permite ao homem compreender tudo, fazer o que agrada a Deus e ser salvo.
    O autor parte da constatação da nossa finitude, das nossas limitações, das nossas dificuldades típicas de seres humanos, para concluir: por nós, não conseguimos compreender o alcance das coisas, não conseguimos descobrir o verdadeiro sentido da nossa vida, apercebermo-nos dos valores que nos levam, verdadeiramente, pelo caminho da vida e da felicidade. Como chegar, portanto, a "conhecer os desígnios de Deus"?
    O autor só encontra uma resposta: o homem tem de acolher a "sabedoria", dom de Deus para todos aqueles que estão interessados em dar um verdadeiro sentido à sua vida. Só a acção de Deus que derrama sobre os homens a "sabedoria" permite encontrar o sentido da vida e discernir o verdadeiro do falso, o importante do inútil.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes dados:

    • Face ao contínuo cruzamento de perspectivas, de desafios, de teorias, ficamos confusos e sem saber, tantas vezes, como escolher. Por outro lado, as nossas escolhas acabam, tantas vezes, por ser condicionadas pelos "media", pelo politicamente correcto, pela ideologia dominante, pela moda, pelos valores que as telenovelas impõem, pelas ideias das pessoas que nos rodeiam, pela filosofia da empresa que nos paga ao fim do mês... Será que esses caminhos que nos são mais ou menos impostos nos conduzem no sentido da vida plena, da realização total, da felicidade?

    • Para os crentes, o critério que serve para julgar a validade ou a não validade dessas propostas é o Evangelho - embora, muitas vezes, ele se apresente em absoluta contradição com os valores que a sociedade propõe e impõe. Como é que eu me situo face a isto? O que é que vale mais, quando tenho de decidir: os valores do Evangelho, ou as propostas dessa máquina trituradora, impositiva, limitadora das escolhas individuais que é a opinião pública?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 89 (90)

    Refrão: Senhor, tendes sido o nosso refúgio
    através das gerações.

    Vós reduzis o homem ao pó da terra
    e dizeis: «Voltai, filhos de Adão».
    Mil anos a vossos olhos são como o dia de ontem que passou
    e como uma vigília da noite.

    Vós os arrebatais como um sonho,
    como a erva que de manhã reverdece;
    de manhã floresce e viceja,
    à tarde ela murcha e seca.

    Ensinai-nos a contar os nossos dias,
    para chegarmos à sabedoria do coração.
    Voltai, Senhor! Até quando...
    Tende piedade dos vossos servos.

    Saciai-nos desde a manhã com a vossa bondade,
    para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias.
    Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus.
    Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos.

    LEITURA II - Flm 9b-
    10.12-17

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo a Filémon

    Caríssimo:
    Eu, Paulo, prisioneiro por amor de Cristo Jesus,
    rogo-te por este meu filho, Onésimo, que eu gerei na prisão.
    Mando-o de volta para ti, como se fosse o meu próprio coração.
    Quisera conservá-lo junto de mim,
    para que me servisse, em teu lugar,
    enquanto estou preso por causa do Evangelho.
    Mas, sem o teu consentimento, nada quis fazer,
    para que a tua boa acção não parecesse forçada,
    mas feita de livre vontade.
    Talvez ele se tenha afastado de ti durante algum tempo,
    a fim de o recuperares para sempre,
    não já como escravo, mas muito melhor do que escravo:
    como irmão muito querido.
    É isto que ele é para mim
    e muito mais para ti, não só pela natureza,
    mas também aos olhos do Senhor.
    Se me consideras teu amigo,
    recebe-o como a mim próprio.

    AMBIENTE

    A Carta a Filémon é a mais breve e pessoal das cartas de Paulo. É endereçada a um tal Filémon, aparentemente um membro destacado da Igreja de Colossos.
    A partir dos dados da carta, podemos reconstruir as circunstâncias em que o texto aparece. Onésimo, escravo de Filémon, fugiu de casa do seu senhor. Encontrou Paulo, ligou-se a ele e tornou-se cristão. Paulo, que nessa altura estava na prisão (em Éfeso? Em Roma?), fê-lo seu colaborador e manteve-o junto de si. No entanto, a situação podia tornar-se delicada se Filémon se ofendesse com Paulo; e, do ponto de vista legal, ao dar guarida a um escravo fugitivo, Paulo era cúmplice de uma grave infracção ao direito privado. Enfim, Onésimo corria o risco de ser preso, devolvido ao seu senhor e severamente castigado.
    É neste contexto que Paulo resolve enviar Onésimo a Filémon. Onésimo leva consigo uma carta, em que Paulo explica a Filémon a situação e intercede pelo escravo fugitivo. Com extrema delicadeza, Paulo insinua a Filémon que, sendo possível, lhe devolva Onésimo, já que este lhe vem sendo de grande utilidade; no entanto, Paulo pede, sugere, mas sem impor nada e deixando a decisão nas mãos de Filémon.
    É um texto belíssimo, carregado de sentimentos, "verdadeira obra-prima de tacto e de coração".

    MENSAGEM

    O que está em causa neste texto é muito mais do que um problema privado, embora com alcance social; é, sobretudo, um problema eclesial (embora com implicações sociais), e que deve ser resolvido a partir desse valor supremo da ética cristã que é o amor.
    Para Paulo, o amor deverá ser a suprema e insubstituível norma que dirige e condiciona as palavras, os comportamentos, as decisões dos crentes. Ora, o amor tem consequências bem práticas, que os membros da comunidade cristã não podem olvidar: implica o ver em cada homem um irmão - independentemente da sua raça, da sua cor, ou do seu estatuto social. Vistas as coisas nesta perspectiva, não é de estranhar que Paulo solicite a Filémon que receba Onésimo não como o que era antes (um escravo), mas sim como é agora - um irmão em Cristo. Se Filémon é, de facto, cristão, é essa a atitude que deve assumir para com Onésimo.
    O problema da escravatura deve ter-se posto, desde muito cedo, à comunidade eclesial. Mas os cristãos cedo perceberam que a solução não estava na violência ou na revolta, mas no levar até às últimas consequências a fraternidade que une todos os homens e que resulta do facto de todos serem "filhos de Deus" e irmãos em Cristo. A violência, quando muito, serviria para substituir uns escravos por outros, sem alterar a situação; só o amor poderia mudar o coração dos homens, de forma a acabar com a exploração do homem pelo outro homem. A conversão ao amor - exigência fundamental para integrar a comunidade eclesial - exige o reconhecimento da igualdade fundamental de todos os homens ("sem distinção entre judeu ou grego, entre escravo ou homem livre, entre homem ou mulher, porque todos são um só em Cristo Jesus", dirá Paulo - Gal 3,28). A partir do amor, o "dono" do escravo descobre a igualdade profunda de todos os homens, filhos do mesmo Deus e irmãos em Cristo; a partir do amor, o escravo descobre a afirmação clara da sua dignidade de homem. É esta a questão fundamental que o texto nos apresenta.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes questões:

    • O amor - elemento que está no centro da experiência cristã - exige ao cristão o reconhecimento efectivo da igualdade de todos as pessoas, apesar das diferenças de cor da pele, de estatuto social, de sexo, de opções políticas. O meu comportamento para com aqueles que comigo se cruzam é sempre consequente com esta exigência? A cor da pele alguma vez me levou a discriminar alguém? O facto de uma pessoa ser pobre ou rica já alguma vez me levou a tratá-la com mais ou menos consideração? O facto de uma pessoa ser homem ou mulher já alguma vez me levou a dar-lhe mais ou menos importância ou dignidade?

    • O amor - elemento que está no centro da experiência cristã - exige que as nossas comunidades sejam espaços de comunhão, de fraternidade, de acolhimento, sejam quais forem os defeitos dos irmãos. As nossas comunidades têm facilidade em acolher? Como são tratados os "diferentes" ou, então, aqueles que se afastaram ou que cometeram alguma falta? Acolhemo-los com amor, ou marcamo-los toda a vida com o estigma da suspeita e da desconfiança?

    ALELUIA - Salmo 118 (119), 135

    Aleluia. Aleluia.

    Fazei brilhar sobre mim, Senhor, a luz do vosso rosto
    e ensinai-me os vossos mandamentos.

    EVANGELHO - Lc 14,25-33

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    seguia Jesus uma grande multidão.
    Jesus voltou-Se e disse-lhes:
    «Se alguém vem ter comigo,
    sem Me preferir ao pai, à mãe,
    à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs
    e até à própria vida,
    não pode ser meu discípulo.
    Quem não toma a sua cruz para Me seguir,
    não pode ser meu discípulo.
    Quem de entre vós, que, desejando construir uma torre,
    Não se senta primeiro a calcular a despesa,
    para ver se tem com que terminá-la?
    Não suceda que, depois de assentar os alicerces,
    se mostre incapaz de a concluir
    e todos os que olharem comecem a fazer troça, dizendo:
    'Esse homem começou a edificar,
    mas não foi capaz de concluir'.
    E qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei
    e não se senta primeiro a considerar
    se é capaz de se opor, com dez mil soldados,
    àquele que vem contra com ele com vinte mil?
    Aliás, enquanto o outro ainda está longe,
    mand
    a-lhe uma delegação a pedir as condições de paz.
    Assim, quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens,
    não pode ser meu discípulo».

    AMBIENTE

    Estamos, ainda, no "caminho para Jerusalém". Desta vez, o ensinamento de Jesus dirige-se "às multidões", quer dizer, a todos os discípulos presentes e futuros de Jesus.
    A parábola anterior (cf. Lc 14,15-24) havia sugerido que o "banquete do Reino" estava aberto a todos os que aceitassem o convite de Jesus, inclusive aos pobres, estropiados, cegos e coxos... Agora, Lucas vai apresentar algumas exigências que devem cumprir todos aqueles que entram no "banquete do Reino". A "instrução" reúne diversos ensinamentos de Jesus sobre a condição dos discípulos, predominando o tema da renúncia.

    MENSAGEM

    Quais são então, na perspectiva de Jesus, as exigências fundamentais para quem quer seguir o "caminho do discípulo" e chegar a sentar-se à mesa do "Reino"? Jesus põe três exigências, todas elas subordinadas ao tema da renúncia.
    A primeira exige o preferir Jesus à própria família (vers. 26). A este propósito, Lucas põe na boca de Jesus uma expressão muito forte. Literalmente, podemos traduzir o verbo "misséô" aqui utilizado como "odiar" ("quem não odeia o pai, a mãe... não pode ser meu discípulo"). Para ser discípulo, é preciso odiar alguém? Não. Segundo a maneira oriental de falar, "odiar" significa "pôr em segundo lugar algo porque, entretanto, apareceu na vida da pessoa um valor que ainda é mais importante". É evidente que Jesus não está a pedir o ódio a ninguém, muito menos a esses a quem nos ligam laços de amor... Está, sim, a exigir que as relações familiares não nos impeçam de aderir ao "Reino". Se for necessário escolher, a prioridade deve ser do "Reino".
    A segunda exige a renúncia à própria vida (vers. 27). O discípulo de Jesus não pode viver a fazer opções egoístas, colocando em primeiro lugar os seus interesses, os seus esquemas, aquilo que é melhor para ele; mas tem de colocar a sua vida ao serviço do "Reino" e fazer da sua vida um dom de amor aos irmãos, se necessário até à morte. Foi esse, de facto, o caminho de Jesus; e o discípulo é convidado a imitar o mestre.
    A terceira exige a renúncia aos bens (vers. 33). Jesus sabe que os bens podem facilmente transformar-se em deuses, tornando-se uma prioridade, escravizando o homem e levando-o a viver em função deles; assim sendo, que espaço fica para o "Reino"? Por outro lado, dar prioridade aos bens significa viver de forma egoísta, esquecendo as necessidades dos irmãos; ora, viver na dinâmica do "Reino" implica viver no amor e deixar que a vida seja dirigida por uma lógica de amor e de partilha... Pode, então, viver-se no "Reino" sem renunciar aos bens?
    Com este rol de exigências, fica claro que a opção pelo "Reino" não é um caminho de facilidade e, por isso, talvez não seja um caminho que todos aceitem seguir. É por isso que Jesus recomenda o pesar bem as implicações e as consequências da opção pelo "Reino". A parábola do homem que, antes de construir uma torre, pensa se tem com que terminá-la (vers. 28-30) e a parábola do rei que, antes de partir para a guerra, pensa se pode opor-se a outro rei com forças superiores (vers. 31-32) convidam os candidatos a discípulos tomar consciência da sua força, da sua vontade, da sua decisão em corresponder aos desafios do Evangelho e em assumir, com radicalidade, as exigências do "Reino".

    ACTUALIZAÇÃO

    Para reflectir e partilhar, considerar as seguintes questões:

    • Jesus não é um demagogo que faz promessas fáceis e cuja preocupação é juntar adeptos ou atrair multidões a qualquer preço. Ele é o Deus que veio ao nosso encontro com uma proposta de salvação, de vida plena; no entanto, essa proposta implica uma adesão séria, exigente, radical, sem "paninhos quentes" ou "meias tintas". O caminho que Jesus propõe não é um caminho de "massas", mas um caminho de "discípulos": implica uma adesão incondicional ao "Reino", à sua dinâmica, à sua lógica; e isso não é para todos, mas apenas para os discípulos que fazem séria e conscientemente essa opção. Como é que eu me situo face a isto? O projecto de Jesus é, para mim, uma opção radical, que eu abracei com convicção e a tempo inteiro ou um projecto em que eu vou estando, sem grande esforço ou compromisso, por inércia, por comodismo, por tradição?

    • A forma exigente como Jesus põe a questão da adesão ao "Reino" e à sua dinâmica faz-nos pensar na nossa pastoral - vocacionada para ser uma pastoral de massas - e na tentação que sentem os agentes da pastoral no sentido de facilitar as coisas, de não serem exigentes... Às vezes, interessa mais que as estatísticas da paróquia apresentem um grande número de baptizados, de casamentos, de crismas, de comunhões, do que propor, com exigência, a radicalidade do Evangelho e dos valores de Jesus... O caminho cristão é um caminho de facilidade, onde cabe tudo, ou é um caminho verdadeiramente exigente, onde só cabem aqueles que aceitam a radicalidade de Jesus? A nossa pastoral deve facilitar tudo, ou ir pelo caminho da exigência?

    • Às vezes, as pessoas procuram a comunidade cristã por tradição, por influências do meio social ou familiar, porque "a cerimónia religiosa fica bonita nas fotografias"... Sem recusarmos nada, devemos, contudo, fazê-las perceber que a opção pelo baptismo ou pelo casamento religioso é uma opção séria e exigente, que só faz sentido no quadro de um compromisso com o "Reino" e com a proposta de Jesus.

    • Dentro do quadro de exigências que Jesus apresenta aos discípulos, sobressai a exigência de preferir Jesus à própria família. Isso não significa, evidentemente, que devamos rejeitar os laços que nos unem àqueles que amamos... No entanto, significa que os laços afectivos, por mais sagrados que sejam, não devem afastar-nos dos valores do "Reino". As pessoas têm mais importância para mim do que o "Reino"? Já me aconteceu renunciar aos valores do "Reino" por causa de alguém?

    • Outra exigência que Jesus faz aos discípulos é a renúncia à própria vida e o tomar a cruz do amor, do serviço, do dom da vida. O que é mais importante para mim: os meus interesses, os meus valores egoístas, ou o serviço d
    os irmãos e o dom da vida?

    • Uma terceira exigência de Jesus pede aos candidatos a discípulos a renúncia aos bens. Os bens, a procura da riqueza são, para mim, uma prioridade fundamental? O que é mais importante: a partilha, a solidariedade, a fraternidade, o amor aos outros, ou o ter mais, o juntar mais?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 23º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. CONVIDAR A CONTEMPLAR A CRUZ.
    Se houver uma cruz bem situada, pode-se enfeitá-la com flores ou iluminá-la com um projector... No momento penitencial, o presidente da assembleia pode convidar os fiéis a olhar para a cruz... Pode ainda aproveitar todo esse simbolismo durante a homilia.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Pai do céu, quem pode descobrir as tuas intenções e descobrir a tua vontade? Mas nós podemos bendizer-Te por Jesus, por quem comunicaste a tua Sabedoria, e pelo Espírito Santo, que Tu nos deste.
    Nós Te pedimos pelos pais e educadores, catequistas e pregadores. Que o teu Espírito seja a sua Sabedoria, que Ele os sustente e os guie".

    No final da segunda leitura:
    "Deus nosso Pai, nós Te damos graças pelo baptismo, que é um novo nascimento. Por ele deste-nos a vida no teu Filho Jesus.
    Nós Te pedimos pelos mediadores e conciliadores, que se dedicam a restaurar o diálogo nos conflitos profissionais e noutros conflitos. Pelo teu Espírito, orienta os nossos pensamentos e os nossos esforços na procura da conciliação".

    No final do Evangelho:
    "Deus nosso Pai, como bom empreendedor Tu construíste pacientemente a nova torre que nos liga a Ti e une o céu e a terra. Colocaste as fundações e pelo teu Espírito acabas em nós a obra começada.
    Nós Te pedimos por todos nós, teu povo, que chamas a seguir-Te. Confiamos-Te todos aqueles que levam cruzes pesadas".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    O que Jesus critica nos dois heróis das parábolas é o facto de não terem tomado tempo para se sentar. Ora, Ele propõe estas duas parábolas no momento em que convida os seus discípulos a segui-l'O sem condições, e mesmo a levar a sua cruz, isto é, a aceitar as provas que seguirão ao seu compromisso. Quer dizer que, antes de seguir Jesus, é preciso reservar tempo para a reflexão. Jesus não esconde as exigências, mas é preciso perguntar porque O seguimos, até onde O podemos seguir. É a maneira de Jesus respeitar a liberdade do homem. Ele não quer discípulos que decidem segui-l'O sem mais nem menos. Ele não pede a mesma coisa a toda a gente, mas a cada um Ele pede para segui-l'O em função dos seus carismas. Mais uma razão para nos sentarmos e perguntar: quais são os meus carismas que quero pôr ao serviço do Reino?

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Podemos ainda comentar esta página do Evangelho? Jesus, decididamente, é demasiado duro, as suas exigências demasiado radicais: "Se alguém vem ter comigo, sem Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo... Quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo». Sem contar com este convite ao sofrimento: "Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo". Parece que Jesus quer desencorajar quem quer ser seu discípulo. Como compreender? Primeiro, é preciso compreender que Lucas escreve o seu Evangelho num contexto de perseguições. Alguns cristãos preferiam morrer a renegar a sua fé. Outros, talvez os mais numerosos, escolhiam colocar, pelo menos momentaneamente, a sua fé entre parêntesis para salvar os seus bens, a sua família e a sua própria vida. São Lucas quis, não tanto condenar estas fraquezas na fé, mas sobretudo dar um forte encorajamento àqueles que se mantinham firmes na fé, até à morte. Eram esses, os mártires, que tinham razão em seguir Jesus até no mistério da sua morte na cruz. O que nos podem estas palavras dizer hoje? O nosso mundo é duro em tantos domínios. Por exemplo, talvez não se possa dizer que o sentido do casamento e da família, o valor da palavra dada para ser fiel ao seu marido, à sua esposa, sejam referências maiores da nossa cultura. Querer, neste mundo, ter em conta estes valores não somente "espirituais", mas propriamente cristãos, fazer referência ao Evangelho, afirmar-se como crente em Jesus, numa sociedade "descristianizada", não é evidente hoje. A maior parte tomou as suas distâncias em relação a Deus, à fé cristã. Então, a palavra de hoje é-nos dada para nos despertar e, ao mesmo tempo, para nos encorajar. Aqueles que, apesar de tudo e contra tudo, continuam a dar um lugar importante na sua vida a Jesus, têm razão. O Evangelho de hoje é um convite urgente a mantermo-nos na nossa fé, por mais que isso custe!

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III que evoca, particularmente, a oblação de Cristo.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    Como O seguimos? No caminho, grandes multidões à procura de Jesus, com interesses muito variados! Era ontem! E nós, hoje, como o seguimos? Como um líder político? Uma estrela da canção? Um ídolo do futebol? "Jesus voltou-Se", indicando claramente os desafios. Tornar-se seu discípulo é uma questão de preferência absoluta, num caminho que passa pela cruz.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

     

  • XXIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    5 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 5, 1-8
    Irmãos: 1ouve-se dizer por toda a parte que existe entre vós um caso de imoralidade, e uma imoralidade como não se encontra nem mesmo entre os pagãos: um de vós vive com a mulher de seu pai. 2E continuais cheios de orgulho, em vez de andardes de luto, a fim de que seja retirado do meio de vós o autor de tal acção. 3Quanto a mim, ausente de corpo mas presente em espírito, já julguei, como se estivesse presente, aquele que assim procedeu: 4em nome do Senhor Jesus e com o seu poder, por ocasião de uma assembleia onde eu estarei presente em espírito, que 5tal homem seja entregue a Satanás para mortificação da sua carne, a fim de que o seu espírito seja salvo no Dia do Senhor. 6Não é digno o vosso motivo de orgulho! Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa? 7Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, já que sois pães ázimos. Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. 8Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da pureza e da verdade.
    A primeira carta de S. Paulo aos Coríntios pode ser considerada um conjunto de respostas a questões levantadas por essa comunidade. Para dar uma resposta unificada a essas questões, o Apóstolo apela para o núcleo da fé cristã, o mistério pascal de Jesus.
    O texto de hoje trata de um caso de imoralidade que não pode passar em claro. Um cristão de Corinto tinha cometido um grave pecado de incesto unindo-se com a «mulher de seu pai», provavelmente já viúva. A comunidade não o tinha expulsado do seu seio, correndo o grave risco de corrupção interna, e com escândalo dos próprios pagãos, uma vez que as leis romanas proibiam essas uniões conjugais. O que mais impressiona é que Paulo, em vez de amontoar proibições e recomendações mais ou menos paternalistas, apela para o evento pascal que, tendo caracterizado a vida de Jesus, deve também caracterizar a vida de todos os cristãos e a das respectivas comunidades: «Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, já que sois pães ázimos» (v. 7). A imagem é de fácil compreensão: temos diante de nós o binómio «velho/novo». Com ele, Paulo quer afastar, não só uma certa preguiça espiritual, mas também e sobretudo a adesão estática e nostálgica àquilo que foi definitivamente ultrapassado com a vinda de Cristo. Não se pode ficar parados, nem os cristãos, nem as comunidades. Há que acertar o passo com Jesus Cristo.
    «Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos a festa» (v. 7b-8): é a motivação pascal oferecida por Paulo a uma comunidade que deve viver a fé em termos de alegre novidade, em novidade de vida, esquecendo o que está para trás.
    Evangelho: Lucas 6, 6-11
    Naquele tempo, Jesus 6entrou na sinagoga a um sábado e começou a ensinar. Encontrava-se ali um homem cuja mão direita estava paralisada. 7Os doutores da Lei e os fariseus observavam-no, a ver se iria curá-lo ao sábado, para terem um motivo de acusação contra Ele. 8Conhecendo os seus pensamentos, Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e põe-te de pé, aí no meio.» Ele levantou-se e ficou de pé. 9Disse-lhes Jesus: «Vou fazer-vos uma pergunta: O que é preferível, ao sábado: fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou perdê-la?» 10Então, olhando-os a todos em volta, disse ao homem: «Estende a tua mão.» Ele estendeu-a, e a mão ficou sã. 11Os outros encheram-se de furor e falavam entre si do que poderiam fazer contra Jesus.
    Lucas volta à polémica sobre o sábado. A ocasião é-lhe proporcionada por um milagre de Jesus em favor de um homem paralítico, que desencadeia críticas dos seus adversários. O choque é ainda mais forte do que fora quando os discípulos colheram e comeram espigas de trigo, ao sábado. Uma certa mentalidade farisaica queria, não só parar os discípulos de Jesus, mas também pôr fim à actividade taumatúrgica do seu Mestre. Jesus não pode aceitar a pretensão dos escribas e fariseus, e aponta-lhes, não só o criticismo, mas também a perversidade. Jesus lê o coração do homem: daquele que o escuta e segue, mas também daquele que O espia e quer apanhar em falso...
    Realizado o milagre, Jesus enfrenta os adversários colocando a questão do seguinte modo: «O que é preferível, ao sábado: fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou perdê¬ la?» (v. 9). Jesus está tão seguro da sua certeza que nem espera a resposta. Cura o doente, e desencadeia uma reacção de fúria contra Si. A intolerância e a violência dos adversários levam Jesus à morte espiritual, ainda antes da morte física.

    Meditatio
    Os cristãos correm o risco de se deixar iludir. Os da comunidade de Corinto pensavam ter atingido o cume da perfeição e orgulhavam-se disso, não se dando conta de que havia entre eles «uma imoralidade como não se encontra nem mesmo entre os pagãos» (v. 1). Havia, pois, temas a esclarecer, nomeadamente no que se refere à liberdade humana. Até que ponto obriga a própria lei divina? Todas as leis valem o mesmo? Há espaço para interpretações libertadoras? Como harmonizar no dia a dia autoridade e liberdade, norma escrita e autodeterminação? As páginas evangélicas sobre a observância do sábado oferecem-nos alguns raios de luz.
    Toda a lei quer ser considerada com dom de Deus ao seu povo, e a todo o homem e mulher que queira dar ouvidos à Palavra, portadora de vida. Se conseguirmos considerar a lei, toda a lei, como dom, teremos diante de nós um caminho de liberdade genuína, autêntica. A lei, toda a lei, é-nos oferecida como luz para os nossos passos, como lâmpada para o nosso caminho. Devemos confessar que precisamos de uma luz capaz de iluminar mesmo o mais recôndito da nossa vida, capaz de orientar as nossas opções no devir da história.
    A lei, toda a lei, é-nos oferecida como pedagogo, isto, como instituição capaz de nos educar no exercício da liberdade: a liberdade psicológica, pela qual afirmamos a nossa dignidade diante de toda a tentativa de instrumentalização; a liberdade evangélica, pela qual reconhecemos o primado de Deus e a prioridade de Cristo em todas as nossas opções.
    «Cristo...pela sua morte e ressurreição, abriu-nos ao dom do Espírito e à liberdade dos Filhos de Deus (cf. Rom 8,21). Ele é para nós o Primeiro e o Último, Aquele que vive (cf. Apoc 1,17-18)» (Cst 11). O Espírito de Cristo é um Espírito de amor e "onde está o Espírito há liberdade" (2 Cor 3, 17). Os preciosos frutos do Espírito (cf. Gal 5, 22) tornam o homem verdadeiramente livre, inclusivamente de si mesmo, pe
    lo "auto-domínio", quando, nos seus pensamentos, desejos, afectos, palavras, acções não se deixa guiar pelo seu eu, pelo egoísmo, mas pelo Espírito de Deus.

    Oratio
    Senhor Jesus, ver-Te actuar segundo a lei do amor, mesmo na certeza de que os teus adversários iriam reagir negativamente, é para mim uma lufada de ar fresco! Que alegria observar a tua certeza, apoiada apenas no teu amor libertador, em contraste com a mesquinhez dos fariseus, apenas preocupados em mostrar a sua impecável observância! Que luz perceber uma nova lei que respeita a liberdade, uma autoridade solícita em promover a responsabilidade dos outros! Que conforto ver Paulo sacudir a comunidade de Corinto, para que substitua o velho fermento pelo novo, o da sinceridade e da verdade!
    Ó Senhor, liberta-nos da cegueira dos fariseus que, por amor da lei, chegaram a matar-te e, em defesa das suas tradições não tinha escrúpulos em espezinhar o próximo. Amen.

    Contemplatio
    Deus conhece-se, ama-se, goza a perfeição das suas perfeições infinitas, nada lhe falta, não tem necessidade de nenhum ser fora dele. Mas como a bondade é difusiva por natureza, Deus quis expandir-se para fora pela efusão da sua bondade. As criaturas inanimadas são como que o vestígio do seu Ser. As criaturas dotadas apenas da vida vegetal ou animal já são um reflexo da vida divina. Mas, só as criaturas inteligentes, os anjos e os homens, são verdadeiramente a imagem e a semelhança de Deus. Pela sua vida, inteligência e vontade, o homem é a imagem da santa Trindade; cada uma das três pessoas divinas imprimiu na sua alma o seu traço característico; vivendo, a nossa alma reproduz a vida divina e o poder do Pai; sendo inteligente, ela imita a inteligência do Verbo; amando, ela exprime o amor do Espírito Santo. O homem tem semelhança com família com Deus.
    Deus é espírito; a nossa alma é espírito. - Deus é um na natureza e triplo nas pessoas; a nossa alma é una segundo a natureza e múltipla nas suas faculdades. - Deus é eterno; o homem é imortal. - Deus é livre; o homem é livre. Por esta liberdade, nós merecemos o céu; e por isso Deus comunica-nos, na medida do possível, a mais incomunicável das suas perfeições, a sua qualidade de ser e de ter por si mesmo tudo o que Ele é e tudo o que tem.
    Deus colocou todas as criaturas ao nosso serviço, mas fez ainda mais ao nos dar a sua própria semelhança e ao se nos dar a si mesmo, para fazer a nossa felicidade pelo seu conhecimento e pelo seu amor. Porque as nossas faculdades naturais, a nossa inteligência, a nossa razão, já nos permitem conhecer a Deus como nosso Criador e amá-lo como nosso remunerador, fora mesmo da revelação e dos dons sobrenaturais (Leão Dehon, OSP 2, pp.189-190).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Cristo, nossa Páscoa, foi imolado» (1 Cor 5, 7).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Terça-feira
    Lectio
    Primeira leitura: 1 Coríntios 6, 1-11
    Irmãos: 1Quando algum de vós entra em litígio com outro, como é que se atreve a submetê-lo ao juízo dos injustos e não ao dos santos? 2Ou não sabeis que os santos é que hão-de julgar o mundo? E, se é por vós que o mundo há-de ser julgado, sereis indignos de julgar questões menores? 3Não sabeis que havemos de julgar os anjos? Quanto mais, as pequenas coisas da vida! 4Quando, pois, tendes questões menores, porque escolheis como juízes aqueles que a Igreja menospreza? 5Digo isto para vossa vergonha. Não haverá, entre vós, ninguém suficientemente sábio para poder julgar entre irmãos? 6No entanto, um irmão processa o seu irmão, e isto diante dos não crentes! 7Ora, a existência de questões entre vós é já um sinal de inferioridade. Porque não preferis, antes, sofrer uma injustiça? Porque não preferis ser prejudicados? 8Mas, pelo contrário, sois vós que cometeis injustiças e causais danos, e isto contra os próprios irmãos! 9Ou não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos iludais: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os pedófilos, 10nem os ladrões, nem os avarentos, nem os beberrões, nem os caluniadores, nem os salteadores herdarão o Reino de Deus. 11E alguns de vós eram assim. Mas vós cuidastes de vos purificar; fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus.
    Nesta página emerge outra situação da comunidade de Corinto: alguns cristãos, na tentativa de dirimirem algumas questões surgidas entre eles, apelaram para tribunais pagãos. Paulo intervém com autoridade e clareza. Começa por usar um tom provocador (vv. 1.1-3) para levar os seus interlocutores a darem-se conta da gravidade e da delicadeza da situação de certas atitudes. Quer, sobretudo, recordar-lhes que o juízo entre irmãos na fé deveria obedecer a critérios que a própria fé sugere e é capaz de formular. Caso contrário, seria preciso concluir que a fé daquela comunidade era incapaz de orientar a vida dos crentes e de iluminar as suas opções. Depois, o Apóstolo recorre a um tom irónico: com isso, quer que os cristãos de Corinto se sintam envergonhados por não encontrarem entre eles uma pessoa sábia para arbitrar as suas questões. É uma ironia cheia de tristeza e mesmo, talvez, de uma certa raiva, semelhantes às que Paulo manifesta noutras cartas. Finalmente, passa a um discurso teológico (v. 11). O Apóstolo retoma o núcleo da sua doutrina e, referindo-se ao baptismo, lembra a novidade do dom recebido: «Vós cuidastes de vos purificar; fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus». Da novidade do dom, depende obviamente a novidade de vida.
    Evangelho: Lucas 6, 12-19
    12Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer oração e passou a noite a orar a Deus. 13Quando nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos: 14Simão, a quem chamou Pedro, e André, seu irmão; Tiago, João, Filipe e Bartolomeu; 15Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado o Zelote; 16Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que veio a ser o traidor. 17Descendo com eles, deteve-se num sítio plano, juntamente com numerosos discípulos e uma grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon, 18que acorrera para o ouvir e ser curada dos seus males. Os que eram atormentados por espíritos malignos ficavam curados; 19e toda a multidão procurava tocar-lhe, pois emanava dele uma força que a todos curava.
    Como outras vezes, Lucas refere que Jesus se retira para a montanha a fim de rezar, passando lá toda a noite (v. 12). Ainda que não haja uma referência explícita à relação entre a oração de Jesus e a escolha dos Doze, é possível, à luz da fé, estabelecer essa relação. O gesto que Jesus está para realizar tem uma enorme importância. Daí a necessidade de dialogar com o Pai. A escolha dos Doze inclui um chamamento: «convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles». Vocação e missão são inseparáveis. Sem a vocação, a missão não é mais que profissão. Por outro lado, a vocação, sem a missão, seria um gesto incompleto.
    «Aos quais deu o nome de Apóstolos» (v. 13b): parece um anacronismo, pois "apóstolo" é um nome tipicamente pós-pascal. Mas é a luz da Páscoa já projectada sobre o tempo do ministério público de Jesus, como que a dizer-nos que essa luz também se projecta sobre a nossa vida e a nossa história.
    Finalmente, a relação de Jesus com a multidão é, mais uma vez caracterizada de duas maneiras: as multidões vêm para escutar Jesus e para ser curadas das suas doenças (v. 18). Em ambos os casos, trata-se, na perspectiva de Lucas, de uma "força" que dá autoridade à sua doutrina e eficácia aos seus gestos taumatúrgicos.
    Meditatio
    A escolha dos Apóstolos é um tema central no texto evangélico que a liturgia hoje nos propõe. Por isso, parece oportuno deter-nos um pouco a meditar na apostolicidade da Igreja. Como se sabe, trata-se de uma das características da Igreja de Cristo, juntamente com a unidade, a santidade e a catolicidade.
    Em primeiro lugar, notemos que não se trata de notas simplesmente jurídicas. Pelo contrário, são notas espirituais, dadas à Igreja pelo Espírito de Deus e do Senhor ressuscitado. A Igreja de Cristo não se torna apostólica a certo ponto do seu caminho, mas nasce apostólica. A razão fundamental de tudo isto é que o próprio Jesus é o apóstolo por excelência, o missionário do Pai. Antes de ser o fundador da Igreja, Jesus é o seu salvador: a Igreja nasce do Lado aberto do Crucificado, no poder do "espírito" que Ele dá na cruz (cfr. Jo 19, 30). À missão que Jesus confiou aos Doze durante o seu ministério público (cfr. Mt 10, 1ss.) corresponde a missão bem mais importante que lhes confiou depois da Ressurreição (cfr. Mt 28, 16-20).
    É preciso não confundir a apostolicidade da Igreja com a sua missionaridade, ainda que haja entre eles uma ligação íntima e profunda. A primeira nasceu da Igreja e está ligada ao colégio dos Doze, enquanto esta é tarefa da Igreja e está ligada à pessoa de todos os seus membros. A primeira é um artigo da nossa fé: «Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica»; a segunda é objecto do nosso testemunho.
    A nossa congregação é um instituto religioso apostólico, isto é, um instituto chamado a participar na acção missionária da Igreja, concretam
    ente na missão "ad gentes". De início o Pe. Dehon excluiu a actividade apostólica nas missões longínquas porque lhe parecia difícil harmonizá-la com a espiritualidade do instituto. Mas, já em 1882, numa carta a Leão XIII, manifesta o desejo de trabalhar nas missões. A 8 de Novembro de 1888 partem os primeiros missionários dehonianos para o Equador. De facto, depois da audiência com Leão XIII, a 6 de Setembro de 1888, o Pe. Dehon considera o apostolado nas missões longínquas, com a pregação das encíclicas do Papa, a oração e a ajuda aos sacerdotes e a adoração eucarística, como parte essencial da "missão que nos foi confiada pelo Papa".
    Os motivos são: fazer conhecer o amor do Coração de Jesus nas terras infiéis; o espírito de sacrifício e, portanto, de imolação, a alegria de Nosso Senhor e da Igreja.
    Oratio
    Senhor Jesus, é próprio do sábio assumir comportamentos cada vez mais honestos, ligados à progressiva transparência da vida: dá-me a graça de envelhecer desse modo! É próprio do sábio ser ponderado nos seus juízos, o que o torna imparcial para com todos e livre da corrupção: dá-me a graça de me relacionar assim com os outros. É próprio do sábio ter um profundo respeito pelos outros: dá-me a graça de assim me alegrar! É próprio do sábio valorizar a vida com todas as suas luzes e sombras: dá-me a graça de crescer desse modo! É próprio do sábio favorecer o crescimento da pessoa sem pressões, sem castigos, sem preconceitos: dá-me a graça de agir assim!
    Senhor, dá-me a sabedoria, a ciência prática da vida e da fé que me torna livre emocionalmente, capaz de um discernimento correcto e justo no juízo, para indicar a todos o caminho do bem. Amen.
    Contemplatio
    A devoção ao Papa e a docilidade a todas as suas orientações deve ser o carácter próprio da devoção ao Sagrado Coração. Não há analogias tocantes entre o Papa e a Eucaristia? Não é Nosso Senhor quem nos dirige e nos instrui pelo seu Vigário? Ele vive nele por uma assistência especial. Ensina, fala pelo seu Vigário. Disse aos apóstolos: «Quem vos escuta a mim escuta e quem vos despreza a mim despreza». Isto deve entender-se também do Papa, ao qual S. Pedro transmitiu a plenitude da autoridade apostólica.
    A Eucaristia, é Jesus que se imola, Jesus que permanece connosco, que se dá a nós, que nos escuta e nos consola. O Papa, é Jesus que nos dirige e nos ensina. Na Eucaristia, é a presença real de Jesus; no Papa, é a sua autoridade e o seu ensinamento, com uma assistência especial.
    Admiro, ó meu bom Mestre, mais do que compreendo, a imensidade do amor pelo qual vos entregastes a vós mesmo aos cismáticos. Oh! Como gostaria de vos consolar com um amor sem limites (Leão Dehon, OSP 2, p. 478).
    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Vós fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus» (1 Cor 6, 11).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    7 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 7, 25-31
    Irmãos: 25A respeito de quem é solteiro, não tenho nenhum preceito do Senhor, mas dou um conselho, como homem que, pela misericórdia do Senhor, é digno de confiança. 26Julgo, pois, que essa condição é boa, por causa das angústias presentes; sim, é bom para o homem continuar assim. 27Estás comprometido com uma mulher? Não procures romper o vínculo. Não estás comprometido? Não procures mulher. 28Todavia, se te casares, não pecas; e se uma virgem se casar, também não peca. Mas estes terão de suportar as tribulações corporais e eu quisera poupar-vos a elas. 29Eis o que vos digo, irmãos: o tempo é breve. De agora em diante, os que têm mulher, vivam como se não a tivessem; 30e os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; 31os que usam deste mundo, como se não o usufruíssem plenamente. Porque este mundo de aparências está a terminar.
    Paulo lembra às pessoas virgens uma verdade fundamental: «o tempo é breve» (v. 29), que poderia traduzir-se literalmente: o tempo já embrulhou as velas, lembrando uma expressão das artes náuticas dos gregos, usada ao aproximar-se de um porto. Paulo parece pensar o seguinte: qualquer que seja o tempo que falta para o regresso glorioso do Senhor, o mundo futuro já está presente no meio de nós, graças ao Ressuscitado; pela morte e ressurreição de Jesus, Deus já inaugurou em nós, e no meio de nós, a novidade do seu reino. A esta luz, a virgindade, livre e alegremente escolhida pelo Reino (cfr. Mt 19, 12), longe de ser um desprezo pelo matrimónio, constitui um sinal escatológico que tende a orientar a nossa esperança, e a dos outros, para a alegria definitiva. As exortações são consequências lógicas da verdade anunciada. Em primeiro lugar, é preciso viver a espiritualidade do «como se» (vv. 29-31). Depois vem da lógica de «o que é melhor» (cfr. 7, 9: «é melhor casar-se do que ficar abrasado»; 7, 38.40: «quem a não desposa ainda faz melhor»). Paulo pretende propor à nossa liberdade aquilo que ele, por experiência pessoal e pelo que o liga a Cristo, está convencido de que é o melhor a desejar e a realizar.
    Em segundo lugar - mas é apenas um conselho seu - quando alguém chega à fé em Cristo, continue a viver como casado ou como virgem, na situação em que se encontrava. Mas o mais importante - e é nisso que Paulo se apoia - é a consciência de que fomos «comprados por um alto preço» (7, 23), por Cristo Jesus, pela sua morte e ressurreição. É sempre o mistério pascal que projecta luz sobre a nossa vida.

    Evangelho: Lucas 6, 20-26
    Naquele tempo, Jesus 20Erguendo os olhos para os discípulos, pôs-se a dizer: «Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. 21Felizes vós, os que agora tendes fome, porque sereis saciados. Felizes vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. 22Felizes sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem. 23Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois a vossa recompensa será grande no Céu. Era precisamente assim que os pais deles tratavam os profetas». 24«Mas ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação! 25Ai de vós, os que estais agora fartos, porque haveis de ter fome! Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis! 26 Ai de vós, quando todos disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas».
    Lucas reduz as bem-aventuranças a quatro, acrescentando os quatro «ai de vós». Segundo os exegetas, o texto de Lucas seria mais próximo da verdade histórica das palavras de Jesus, o que lhe daria especial relevo. Mas convém recordar que as mediações dos vários evangelistas, ao referirem os ensinamentos de Jesus, não atraiçoam a verdade da mensagem. Pelo contrário, focalizam-no e relêem-na para bem das suas comunidades.
    Tanto as oito bem-aventuranças de Mateus, como as quatro de Lucas, podem reduzir-se a uma só: a bem-aventurança de quem acolhe a palavra de Deus na pregação de Jesus e procura adequar a vida a essa palavra. O verdadeiro discípulo de Jesus é, ao mesmo tempo, pobre, manso, misericordioso, fazedor de paz, puro de coração, etc. Pelo contrário, quem não acolhe a novidade do Evangelho merece todas as ameaças que, na boca de Jesus, correspondem a profecias de tristeza e de infelicidade. O texto de Lucas caracteriza-se pela contraposição ente o «já» e o «ainda não», entre o presente histórico e o futuro escatológico. Obviamente a comunidade para a qual Lucas escrevia precisava de ser alertada para a necessidade de traduzir a sua fé em gestos de caridade evangélica, mas também para a de manter viva a esperança, pela total adesão à doutrina, ainda que radical, das bem-aventuranças evangélicas.

    Meditatio
    A Palavra de Deus oferece, hoje, um tema forte e actual para a nossa meditação: que é melhor para um cristão: o matrimónio ou a virgindade. O que é mandamento e o que é só conselho?
    Paulo oferece à comunidade de Corinto, e a todos nós, uma doutrina clara e equilibrada. Até que ponto a sua experiência pessoal teve influência nesta doutrina? Não sabemos. Mas sabemos que o encontro com Jesus no caminho de Damasco deu uma nova orientação à sua vida, fez nascer nele uma nova mentalidade e, portanto, uma nova capacidade de julgar.
    Uma doutrina clara: o Apóstolo leva-nos a considerar, tanto o matrimónio como a virgindade, duas opções de vida dignas da pessoa humana, ambas boas de acordo com a economia da criação, ambas em sintonia com a novidade de vida de quem acredita em Cristo, ambas ricas de espiritualidade, ambas "lugares" onde viver a caridade em sumo grau, ambas capazes de conduzirem os crentes aos cumes da santidade.
    Uma doutrina equilibrada: Paulo não impõe nada a ninguém, sabendo que se trata de uma opção pessoal livre e alegre, digna da pessoa humana. Ninguém, nem sequer Deus, pode fazer violência ao santuário da consciência humana.
    Pela profissão religiosa e pela prática dos conselhos evangélicos, concretamente do celibato consagrado, devemos ser as testemunhas por excelência, no meio do povo de Deus, desta exigência das bem-aventuranças na prática de uma autêntica vida cristã.
    Se reflectirmos com atenção, as bem-aventuranças, tal como as lemos no Evangelho de Mateus (cf. 5, 3-13), ultrapassam o campo moral, para envolverem toda a nossa vida: damos espaço a Jesus para que seja pobre em espírito na nossa pobreza, manso na nossa mansidão, sofredor pelos males do mundo na nossa aflição, faminto e sedento de justiça, misericordioso, puro de coração, obreiro de paz, perseguido em nós perseguidos...
    Se também reflectirmos no facto de que as bem-aventuranças se vivem praticando todas as virtudes teologais e morais de modo habitual, com facilidade, sob o influxo dos dons do Espírito Santo e irradiando os seus frutos saborosos (cf. Gl 5, 22), então compreenderemos como viver as bem-aventuranças seja viver o mandamento do Senhor, a caridade: o amor de Deus e o amor do próximo (cf. Mt 22, 37-39; 1Jo 4, 7-21). Se isto é válido para todos os cristãos e para todos os religiosos, é especialmente válido para os «Oblatos, Sacerdotes do Coração de Jesus» (Cst. 6), que têm como «carisma profético» (Cst. 27) a oblação de amor unida «à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens» (Cst. 6). Desse modo, também praticamos os nossos votos religiosos, nas «perspectiva espiritual» do Pe. Dehon «reconhecida pela Igreja», isto é, «procurar... como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» e realizar «o nosso carisma profético» que nos coloca «ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje» (Cst. 27). «Professamos os conselhos evangélicos com os votos de celibato consagrado, de pobreza e de obediência (cf. LG 44, PC 1)» (Cst. 40). Mais do que os votos de pobreza e de obediência, é o voto de celibato consagrado que caracteriza o estado religioso como forma de vida. Mas também os outros votos, sendo vividos «segundo o espírito das bem-aventuranças» (Cst. 40), que são a vida de Cristo pobre, manso, aflito... em nós, são reais estados de vida, de acordo com as exigências radicais do Evangelho; não são, portanto, apenas obrigações jurídicas que temos de cumprir.
    É assim que o Pe. Dehon quer que compreendamos e vivamos os nossos votos religiosos. Escreve nas Cst de 1885: «Os votos de pobreza, de castidade e de obediência, que constituem formalmente o estado religioso, são comuns a todas as congregações; mas diversificam-se na sua aplicação prática, conforme o fim especial que se propõe cada uma das congregações. Os Sacerdotes do Coração de Jesus compreenderão que... estes votos, constituem já (por si mesmos) o religioso em estado de vítima, em união com Jesus Cristo».

    Oratio
    Senhor Jesus, obrigado por nos teres escolhido e chamado a professar os conselhos evangélicos com os votos de celibato consagrado, de pobreza e de obediência, que nos libertam para um amor autêntico, segundo o espírito das Bem-aventuranças. Agradecemos-te, hoje, de modo particular o dom do celibato consagrado, que intimamente nos aproxima da tua caridade total e oblativa. Com ele queremos expressar a nossa doação integral ao Pai, a consagração total da mente, do coração, da alma e do corpo: "Seduziste-me, Senhor, e eu deixei-me seduzir"(Jer 20, 7). Mas queremos também significar o dom de nós mesmos aos irmãos, em pobreza, mansidão, pureza de coração, trabalho pela justiça e pela paz.
    Dá-nos o teu Espírito para que, vivendo a nossa condição de redimidos e de chamados a partilhar o teu estilo de vida, e a tua missão, sejamos teus cooperadores na construção do mundo novo. Amen.

    Contemplatio
    A virgindade é mais do que a castidade. Ela dá às almas o privilégio de ter no céu uma intimidade particular com o Sagrado Coração. «As virgens, diz S. João, seguem o cordeiro onde quer que Ele vá» (Ap 14).
    A Bem-Aventurada Margarida Maria vai-nos ensinar, pelos seus exemplos, mais ainda do que pelas suas palavras, como é preciso responder ao apelo do Esposo das virgens, que modelo é preciso seguir e que meios é preciso empregar.
    O apelo que Nosso Senhor dirige a algumas almas privilegiadas, de se alistarem sob o estandarte virginal, quer no sacerdócio, quer na vida religiosa, quer no meio do mundo é uma graça de predilecção. As almas que o escutam devem apressar-se a responder-lhe, depois de terem consultado os seus directores.
    ... Felizes as almas generosas e vigilantes que, escutando o apelo do Esposo divino: Ecce sponsus venit, se levantam imediatamente para O seguirem! Fá-las-á entrar no seu divino Coração, verdadeira sala do festim nupcial: Intraverunt cum eo ad nuptias.
    Felizes também as almas que, depois de se terem dado, perseveram e progridem nesta virtude cara ao Coração de Jesus!... O templo do Senhor é a alma santificada pela virgindade. Deus queria que no templo da antiga lei tudo brilhasse pela pureza... A este preço, o Senhor estava lá especialmente presente. E o mesmo se passa com a alma virgem. Se ela é fiel, Deus promete-lhe uma presença especial de protecção e de amor.
    A alma virgem tem, portanto, como modelo a pureza do próprio Jesus e as suas imolações, simbolizadas pela branca hóstia do tabernáculo (Leão Dehon, OSP 2, p. 449s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O tempo é breve» (1 Cor 7, 29).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • Natividade da Virgem Santa Maria

    Natividade da Virgem Santa Maria


    8 de Setembro, 2022

    A memória litúrgica da Natividade de Nossa Senhora remonta ao século V, quando foi edificada em Jerusalém uma igreja, num sítio que os Apócrifos indicavam como lugar da casa de Joaquim e de Ana, pais da mãe de Jesus. São desconhecidas as razões da data de 8 de Setembro. A Igreja Oriental soleniza a natividade de Maria como início do ano litúrgico; no Ocidente (a partir de Roma) as primeiras celebrações surgem no século VII.

    Lectio

    Primeira leitura: Romanos, 8, 28-30

    Irmãos: Nós sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados, de acordo com o seu desígnio. 29Porque àqueles que Ele de antemão conheceu, também os predestinou para serem uma imagem idêntica à do seu Filho, de tal modo que Ele é o primogénito de muitos irmãos. 30E àqueles que predestinou, também os chamou; e àqueles que chamou, também os justificou; e àqueles que justificou, também os glorificou.

    S. Paulo manifesta neste texto uma fé assimilada e madura, com a preocupação de que todos acolham a mensagem, se convençam e se alegrem com ela. O Apóstolo apresenta tudo num quadro trinitário: o Espírito acompanha e ensina (vv. 26ss), Cristo consolida a comunhão no amor (vv. 31-39), Deus Pai mantém o projeto eterno de manifestar a sua paternidade divina dando aos homens a graça da filiação e da fraternidade com Cristo, primogénito de muitos irmãos.
    O núcleo da mensagem está num anúncio de fé: há um nascimento como dom do amor de Deus, um acompanhamento da vida nova, uma realização na partilha da glória.

    Evangelho: Mateus, 1, 1-16.18-23

    Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão: 2Abraão gerou Isaac;Isaac gerou Jacob; Jacob gerou Judá e seus irmãos; 3Judá gerou, de Tamar, Peres e Zera; Peres gerou Hesron; Hesron gerou Rame; 4Rame gerou Aminadab; Aminadab gerou Nachon; Nachon gerou Salmon; 5Salmon gerou, de Raab, Booz; Booz gerou, de Rute, Obed; Obed gerou Jessé;6Jessé gerou o rei David. David, da mulher de Urias, gerou Salomão; 7Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa; 8Asa gerou Josafat; Josafat gerou Jorão; Jorão gerou Uzias; 9Uzias gerou Jotam; Jotam gerou Acaz;
    Acaz gerou Ezequias; 10Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias; 11Josias gerou Jeconias e seus irmãos, na época da deportação para Babilónia.12Depois da deportação para Babilónia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel;13Zorobabel gerou Abiud. Abiud gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azur; 14Azur gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; 15Eliud gerou Eleázar; Eleázar gerou Matan; Matan gerou Jacob. 16Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo.18Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito Santo.19José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente.20Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. 21Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados.» 22Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: 23Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão-de chamá-lo Emanuel, que quer dizer: Deus connosco.

    Mateus começa o seu evangelho apresentando a genealogia de Jesus, uma espécie de ladainha de nascimentos. Todos os antepassados foram, de algum modo, protagonistas de uma etapa da história; no nascimento e na aventura humana de muitos foi determinante a intervenção de Deus.
    No final da lista, o evangelista coloca José, esposo de Maria «da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo» (v. 16). Com S. José não houve presença mas apenas vizinhança ou contiguidade no evento da Encarnação, revelado como mistério esponsal entre a Virgem e o Espírito Santo. O mistério também foi anunciado a José. Também ele amadureceu na fé a compreensão do nascimento d´Aquele que foi gerado em Maria sua esposa pelo Espírito Santo e destinado a salvar o povo dos seus pecados (v. 21). José secunda a palavra divina, obediente, silencioso, ativo.

    Meditatio

    A festa da Natividade de Maria, aurora da nossa salvação, oferece-nos importantes elementos de meditação. São os evangelhos apócrifos que narram o nascimento da Mãe do Salvador, com emocionantes e inverosímeis fantasias, que podem ser vistas como simbologias e interpretações. A Bíblia não nos dá informações sobre o nascimento de Maria. Mas ele foi uma realidade importante na prossecução do projeto divino da nossa salvação. Daí que valha a pena meditar sobre esse acontecimento à luz da fé em Deus que, na sua misericórdia, quis salvar os homens com a colaboração de Maria, nova criatura, cuja entrada no mundo hoje celebramos.
    Para nos darmos conta da importância do nascimento de Maria, devemos ter em conta que o seu protagonista é Deus. As fantasias dos apócrifos indiciam fé nesse protagonismo. A Liturgia aponta para a presença e o protagonismo de Deus no nascimento e na vida de Maria. O oráculo de Miqueias (1ª leitura alternativa da festa) tem em vista a maternidade, isto é, a fonte de um nascimento, projetado por Deus: a citação desse oráculo em Mt 2, 6 regista uma convicção messiânica do evangelista traduzida em convicção cristológica e contextualmente mariológica. A releitura de um outro oráculo (Is 7, 14) pelo mesmo evangelista vê na Virgem que dá à luz, a mãe designada pelo próprio Deus e envolta no abismo místico da comunhão com o Espírito Santo, o «Senhor que dá a vida». A importância do nascimento da Virgem também se deduz pela verificação da sua presença entre aqueles que foram chamados por Deus conforme o seu desígnio, desde sempre conhecidos, predestinados, justificados (a singular redenção antecipada da Imaculada), glorificados.
    Esta festa é uma excelente ocasião para crescermos no amor e na devoção à Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa mãe. Escreve o Pe. Dehon: «Nesta festa, quero renovar-me na devoção a Maria, na fidelidade ao seu culto diário, na união com ela, como meio para me elevar a uma união mais íntima com Jesus, em todas as minhas ações» (OSP 4, p. 234).

    Oratio

    Salve santa Maria, filha do Deus da vida, criatura nascida na alegria, cofre da graça plasmado pelo Espírito. Ó Mãe d´Aquele que vive, canta mais uma vez, por nós, o louvor do Omnipotente, e guia a nossa gratidão por cada vida que nasce e cresce à nossa volta. Mulher escolhida desde sempre para abrir a vida ao Filho do homem, ao vencedor da morte na sua ressurreição, acompanha-nos no caminho e nas paragens da existência. Virgem solitária, presença amorosa e serviçal na nossa história, acolhe a oração dos teus servos. Ámen.

    Contemplatio

    Que alegria no céu! Que cânticos de alegria entre os anjos quando Maria nasceu! Informados pela mensagem do Arcanjo Gabriel, sabiam que era a aurora da salvação dos homens. Maria ocupa um importante lugar nas promessas, nas figuras, na redenção! Ela é como que a aurora que precede o sol, como a lua que reflete os raios do astro-rei. É a nova Eva, a mãe espiritual dos homens, é Judite que será vitoriosa sobre o inimigo do povo de Deus. É Ester que alcançará misericórdia para o seu povo. É a esposa dos cantares, cuja poesia sagrada cantou a união com Jesus. Foi ela que Adão entreviu quando Deus lhe disse que uma mulher esmagaria a cabeça da serpente. Deus tinha-a em vista quando prometia a Abraão, aos patriarcas, a David, que o Salvador brotaria da sua estirpe. Ela é o tronco de Jessé que havia de dar a flor escolhida, conforme a profecia de Isaías. (Leão Dehon, OSP 4, p. 232s.).

    Actio

    Repete hoje a antífona:
    «Bendita e venerável sois,
    ó Virgem Maria Santa Mãe de Deus» (da Liturgia).

    ----
    Natividade da Virgem Santa Maria (08 Setembro)

    XXIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    8 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 8, 2-7.11-13
    Irmãos: A ciência incha, mas a caridade edifica. 2Se alguém pensa que sabe alguma coisa, ainda não sabe como deveria saber. 3Mas se alguém ama a Deus, esse é conhecido por Deus. 4Portanto, quanto ao consumo de carnes imoladas aos ídolos, sabemos que um ídolo não é nada no mundo, e que não há outro deus a não ser o Deus único. 5Pois, embora haja pretensos deuses, quer no céu quer na terra - e há muitos deuses e muitos senhores - 6para nós, contudo, um só é Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só é o Senhor Jesus Cristo, por meio do qual tudo existe e mediante o qual nós existimos. 7Mas nem todos têm esta ciência. Alguns, acostumados até há pouco ao culto dos ídolos, comem a carne como se fosse um verdadeiro sacrifício aos ídolos, e a sua consciência, fraca como é, fica manchada. 11E assim, pela tua ciência, vai perder-se quem é fraco, um irmão pelo qual Cristo morreu. 12Pecando contra os próprios irmãos e ferindo a consciência deles que é débil, é contra Cristo que pecais. 13Por isso, se um alimento for motivo de queda para o meu irmão, nunca mais voltarei a comer carne, para não causar a queda do meu irmão.
    Paulo apresenta-nos outro caminho para atingirmos a centralidade do mistério pascal de Cristo: a caridade fraterna. Havia em Corinto cristãos, seguros de si mesmos, facilmente provocavam escândalos na comunidade, sobretudo entre os crentes mais fracos. Ostentavam comer carnes sacrificadas aos ídolos, coisa que, não sendo totalmente proibida, era muito inconveniente. Assim, na comunidade, contrapunham-se "os fortes" e "os fracos", semeando escândalo e ruína espiritual. A uns e outros, Paulo lembra duas verdades fundamentais: os ídolos são deuses falsos e mentirosos, invejosos da nossa liberdade e déspotas em relação a nós, enquanto que «para nós, há um só é Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só é o Senhor Jesus Cristo, por meio do qual tudo existe e mediante o qual nós existimos (v. 6)». Não estamos perante um monoteísmo filosófico, fruto do esforço humano, mas perante a revelação de Deus como o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, de Quem nos vem, não só o mandamento do amor, mas também a capacidade para o observar. A segunda verdade é, mais uma vez, a do mistério pascal de Cristo: «Assim, pela tua ciência, vai perder¬ se quem é fraco, um irmão pelo qual Cristo morreu» (v. 11). A morte e a ressurreição de Jesus contrastam com a atitude de quem, na comunidade, pelo escândalo, provoca a morte, ainda que só espiritual, de um irmão na fé, talvez sem esperança de ressurreição.

    Evangelho: Lucas 6, 27-38
    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: 27«Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, 28abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam. 29A quem te bater numa das faces, oferece-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, não impeças de levar também a túnica. 30Dá a todo aquele que te pede e, a quem se apoderar do que é teu, não lho reclames. 31O que quiserdes que os outros vos façam, fazei-lho vós também. 32Se amais os que vos amam, que agradecimento mereceis? Os pecadores também amam aqueles que os amam. 33Se fazeis bem aos que vos fazem bem, que agradecimento mereceis? Também os pecadores fazem o mesmo. 34E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, que agradecimento mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, a fim de receberem outro tanto. 35Vós, porém, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca. Então, a vossa recompensa será grande e sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bom até para os ingratos e os maus. 36Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso.» 37«Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. 38Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.»
    Esta página evangélica é uma verdadeira ressonância das bem-aventuranças, ajudando-nos mesmo a descobrir o seu fundamento.
    «Amai os vossos inimigos» (vv. 27.35): o discurso não podia ser mais claro. Jesus, como mestre e guia, distancia-se de todos os rabis do seu tempo: não só contrapõe o amor ao ódio, mas exige que o amor dos seus discípulos se concentre exactamente sobre aqueles que os odeiam. Jamais um mestre usara propor um ideal de vida tão exigente e sublime. Não se trata de um amor abstracto, mas de um amor que se concretiza, dia a dia, em inúmeros pequenos gestos, que são a prova da sua autenticidade. Seria ridículo, sob o ponto de vista de Jesus, amar só aqueles que nos amam: não teríamos qualquer mérito e, sobretudo, o nosso amor não seria sinal da nossa exclusiva e inequívoca pertença a Cristo: «Os pecadores também amam aqueles que os amam» (v. 32).
    O ensinamento de Jesus termina com a famosa expressão em que Lucas escreve "misericórdia" onde Mateus escreve "perfeição": «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (v. 36). Segundo a lógica da espiritualidade evangélica, não há perfeição senão a do amor fraterno que revela a nossa identidade filial em relação a Deus; não há outra meta a perseguir, senão a de um amor que sabe perdoar porque experimentou o perdão; não há outro mandamento a observar, senão o de tender à imitação de Deus, que é amor misericordioso, por meio de gestos de bondade e de misericórdia.

    Meditatio
    As leituras de hoje falam-nos de caridade. O Evangelho lança uma preciosa luz sobre as nossas relações interpessoais, que hão-de ser vividas na caridade, que também é misericórdia, e que é o vínculo da perfeição.
    «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso», escreve Lucas; Mateus, pelo contrário, escreve: «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está no céu» (Mt 5, 48). Será uma contradição? Será um convite a procurar outra direcção? Esta diferença pode ter a seguinte explicação: Mateus, como bom judeu convertido, tende a apontar aos seus destinatários uma meta de perfeição correspondente às exigências da nova lei, inaugurada por Jesus. Estaria assim na linha da espiritualidade veterotestamentária... Os exegetas acham que a versão de Lucas deve ser mais próxima da palavra pronunciada pelo Jesus histórico. O terceiro evangelista gosta de recordar explicitamente uma doutrina, que até já encontramos difus
    a no Antigo Testamento, e que caracteriza Deus como amor misericordioso (cfr. Ex 34, 6; Dt 4, 31; Sl 78, 38; 86, 15). Ao fim e ao cabo, é essa a mensagem central de todo o ensinamento de Jesus de Nazaré. Todas as suas palavras, todos os seus gestos, evidenciam a verdade de Deus-amor, amor imenso e misericordioso, amor paciente e indulgente, amor proveniente e incondicional.
    Sublinhemos também que, em Deus se identificam perfeição e misericórdia e que Lucas, como bom pedagogo, quer que a perfeição do discípulo atinja o nível da do Mestre: amor até ao dom de si mesmo, sem reservas nem interesses; amor até ao limite das próprias forças, sem arrependimentos e sem desforras; amor a todos e sempre, sem excepção.
    Os ensinamentos de Jesus sobre o amor e a misericórdia, são recordados por João Paulo II na Dives in misericórdia. Esse documento pontifício indica um vasto campo onde nós, dehonianos, podemos estar presentes e desenvolver a nossa missão: «A mentalidade contemporânea, talvez mais do que a do homem do passado, parece opor-se ao Deus da misericórdia e tende, por outro lado, a marginalizar da vida e a tirar do coração humano a própria ideia de misericórdia» (n. 2). Neste mundo que se orienta para ser um mundo «sem esperança» e «sem coração» nós, a exemplo do Pe. Dehon, podemos viver a nossa oblação e dar toda a nossa colaboração para testemunhar e anunciar o primado do amor.

    Oratio
    Senhor Jesus, para ti, o amor não foi conversa fiada, nem um sonho vago e abstracto; não foi simples qualidade ou ornamento para satisfazeres o ego ou Te gabares; também não foi um sentimento mais ou menos romântico. Não o definiste porque não é algo de estático. Pelo contrário. Para Ti, o amor é um arco-íris de cores que se abraçam sem barreiras entre brancos e negros, judeus e pagãos, gregos e romanos, jovens e velhos, amigos e inimigos, bons e maus. É um sentimento dinâmico e indefinível porque, como a vida, gera permanentemente algo de novo, e está na base de toda a relação: Pedro, a viúva, o ladrão, Zaqueu, os pequenos, a adúltera, Lázaro e tantos outros. Ó Senhor, para Ti, viver é amar: e é esse o maior dom que nos deixaste! Obrigado, Senhor! Amen.

    Contemplatio
    Enquanto nós estivermos nesta pobre vida, não estamos irremediavelmente perdidos. A nossa alma pode voltar a levantar-se, salvar-se, santificar-se, Nosso Senhor ama-a sempre. Ela considera-a, solicita-a, emprega as habilidades da graça para a salvar, Ele ama-a.
    Foi pelos pecadores que Ele ofereceu a sua vida. S. Paulo não cessava de admirar esta generosidade: «Com dificuldade, dizia ele, encontraria um homem que desse a sua vida por justos, mas o Homem-Deus deu a sua mesmo por culpados: Vix pro justo quis moritur, commendat autem caritatem suam Deus in nobis, quoniam cum adhuc peccatores essemus, Christus pro nobis mortuus est» (Rom 5, 8). S. Paulo repete isto aos Coríntios, aos Efésios: «Deus é tão rico em misericórdia, diz ele a estes, que por causa do seu grande amor, embora nós fôssemos pecadores, nos deu a vida da graça por Cristo, para nos mostrar toda a extensão da sua misericórdia e da sua bondade a nosso respeito: ut ostenderet abundantes divitias gratiae suae in bonitate super nos in Christo Jesu (Ef 2).
    Jesus ama-nos ainda como nos amava no Calvário, mesmo depois dos nossos pecados e das nossas recaídas. Ele daria ainda a sua vida por nós, se isso fosse necessário. Vamos, portanto, até Ele com uma confiança sem limites. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 302-303).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Pecar contra os próprios irmãos é pecar contra Cristo» (cfr. 1 Cor 8, 12).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    9 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 9, 16-19.22b-27
    Irmãos: 16Porque, se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar! 17Se o fizesse por iniciativa própria, mereceria recompensa; mas, não sendo de maneira espontânea, é um encargo que me está confiado. 18Qual é, portanto, a minha recompensa? É que, pregando o Evangelho, eu faço-o gratuitamente, sem me fazer valer dos direitos que o seu anúncio me confere. 19De facto, embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo. 23E tudo faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante. 24Não sabeis que os que correm no estádio correm todos, mas só um ganha o prémio? Correi, pois, assim, para o alcançardes. 25Os atletas impõem a si mesmos toda a espécie de privações: eles, para ganhar uma coroa corruptível; nós, porém, para ganhar uma coroa incorruptível. 26Assim, também eu corro, mas não às cegas; dou golpes, mas não no ar. 27Castigo o meu corpo e mantenho-o submisso, para que não aconteça que, tendo pregado aos outros, venha eu próprio a ser eliminado.
    Mais uma vez, Paulo se vê obrigado a defender, não tanto a sua pessoa, mas a sua acção de apóstolo no meio da comunidade cristã de Corinto. Havia quem o acusasse de interesse próprio no exercício do seu ministério: busca de bens materiais, afirmação pessoal. O Apóstolo reage afirmando que, para ele, evangelizar é "um dever". Quem livremente se põe ao serviço de um senhor, não pode furtar-se a esse serviço. É o que acontece com Paulo. Por isso afirma: «ai de mim, se eu não evangelizar!» (v. 16b). Sabe que está sujeito ao juízo de Deus, e espera d´Ele um veredicto de fidelidade ou de infidelidade. A ameaça que pende sobre ele, longe de o inibir, estimula-o a novas iniciativas apostólicas. A única recompensa que espera é a de poder pregar gratuitamente o Evangelho que lhe foi confiado (cf. Mt 10, 8).
    A sua maior preocupação é o santo orgulho de poder dizer: «Tudo faço por causa do Evangelho» (v. 23). Paulo está concentrado física, psíquica e espiritualmente no seu ministério, cada vez mais generoso, mais desinteressado, mais consagrado (cf. 2 Cor 6, 3-10; Fil 3, 7-14). Isto é para nós instrutivo e estimulante.

    Evangelho: Lucas 6, 39-42
    Naquele tempo, Jesus disse lhes ainda esta parábola: 39«Um cego pode guiar outro cego? Não cairão os dois nalguma cova? 40Não está o discípulo acima do mestre, mas o discípulo bem formado será como o mestre. 41Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista? 42Como podes dizer ao teu irmão: 'Irmão, deixa-me tirar o argueiro da tua vista', tu que não vês a trave que está na tua? Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista e, então, verás para tirar o argueiro da vista do teu irmão.»
    O argueiro e a trave: podia ser este o título da página evangélica de hoje. Jesus trata desse tema e procura alertar para o perigo da presunção de que pecavam os fariseus. A parábola não precisa de grandes explicações, pois desmascara uma possível atitude interior de quem deve exercer o ministério de guia dos seus irmãos. Em contraluz, emerge um forte convite de Jesus à humildade. O verdadeiro guia não julga os irmãos, mas submete-se à correcção fraterna.
    Do discurso em parábolas, Jesus passa ao discurso propositivo: «Não está o discípulo acima do mestre» e ao discurso provocatório: «Por que reparas no argueiro ... Como podes dizer ao teu irmão... Hipó¬crita!» (vv. 41 ss.). Jesus quer suscitar atitudes de vida comunitária naqueles a quem confia o Evangelho, isto é, a sua proposta de vida nova. A verdadeira espiritualidade cristã verifica-se na prática dos mandamentos e, mais ainda, na adesão total à novidade evangélica. Jesus convida os ouvintes a assumirem as suas responsabilidades, e a não caírem nas ratoeiras em que estavam presos os fariseus.

    Meditatio
    Impressionam, no texto evangélico de hoje, o convite a ser como o mestre e a acusação de hipocrisia que vem logo a seguir. É a tensão em que vive - e de que não é fácil libertar-se - todo o discípulo de Cristo.
    Por um lado, é convidado a pôr os olhos no mestre Jesus como o único que merece ser ouvido e seguido; por outro lado, é tentado a ver n´Ele um modelo dificilmente imitável: «Não está o discípulo acima do mestre» (v. 40). Não podemos, certamente, procurar uma perfeição divina. Seria um atrevimento impróprio do verdadeiro discípulo. Todavia, somos chamados a seguir bem de perto, e o mais possível, o nosso Mestre. O fundamental é que, quem é chamado a ser guia dos outros, persevere no seguimento de Jesus, até Jerusalém, até ao Calvário.
    Depois, Jesus chama aos fariseus guias estultas e «hipócritas», termo que na Bíblia tem amplo significado. Pode indicar dissimulação voluntária (cf. Mt 22, 18), incoerência entre o pensamento e a acção (cf. Mt 15, 7; 23, 25.27) ou, como nesta página, falsidade mais ou menos consciente naqueles a quem Jesus se dirige. Trata-se de uma falsidade repassada de soberba e que transpira presunção. A advertência é clara: só sabe mandar quem aprende a obedecer; só sabe julgar bem os outros quem se colocou docilmente à escuta do Evangelho e do Mestre.
    A lei fundamental do apostolado é: antes de "fazer", é preciso "ser"; antes de "pregar", é preciso "viver" (cf. Evangelii Nuntiandi, n. 21). O exemplo vem-nos de Cristo, que primeiro começa a "fazer" e, depois, a "ensinar" (cf. Act 1, 1).
    Tal como para o Pe. Dehon, a evangelização, realizada gratuitamente, generosamente, zelosamente, é um modo privilegiado para viver «o nosso carisma profético»" que «nos coloca ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje (cf. LG 12)» (Cst. 27) e nos insere no «movimento de amor redentor» (Cst. 21) «na missão eclesial», e nos permite, de modo muito especial, «desenvolver as riquezas da nossa vocação» (Cst. 34) de oblatos-reparadores. Como S. Paulo, o primeiro grande missionário da Igreja, os nossos missionários devem alegrar-se por pôr em prática o preceito do Senhor: «Há maior alegria em dar do que em receber» (Act 20, 35). Assim mostram a sua amizade para com os povos que evangelizam. Como S. Paulo, cada um deles deve poder dizer: «Tenho servido o Senhor com toda a humildade e com lágrimas, no meio das provações que as ciladas dos judeus me acarretaram. Jamais recuei perante qualquer coisas que vos pudesse ser útil. Preguei e instrui-vos, tanto publicamente como em vossas casas, afirmando a judeus e a gregos a necessidade de se converterem a Deus e de acreditarem em Nosso Senhor Jesus Cristo» (Act 20, 19-21).

    Oratio
    Senhor, para Ti, servir o Pai foi uma manifestação do teu amor. Ensina-me o espírito de serviço, na abnegação, na pobreza, na perseguição, na obediência, até ao dom total de mim mesmo. Para Ti, servir os irmãos, foi a tua alegria. Ensina-me a levar lenitivo às feridas dos outros, a consolar os aflitos, a dar ânimo aos deprimidos, a acalmar os violentos, a instruir os ignorantes, a pregar o Evangelho sem presunção mas com humildade. Para Ti, servir foi uma opção que marcou a tua existência e qualificou a tua vida.
    Ensina-me a compreender que, também para mim, a decisão de servir não é opcional, mas constitutiva da minha vida cristã, da minha vida religiosa apostólica: ajuda-me a servir para levar a Cristo o maior número possível de irmãos e de irmãs. Amen.

    Contemplatio
    Amarás a Deus com toda a tua força. Isto quer dizer, em primeiro lugar, que devendo amar a Deus com toda a força que te dá a graça actual e esta graça aumentando sempre pelo exercício do amor, deves também de dia para dia amar a Deus sempre mais.
    Isto quer dizer ainda que deves consagrar a Deus todos os teus projectos, todos os teus desígnios, todas as tuas acções, não tendo outra intenção senão a de lhe agradar; cumprir por amor todos os teus deveres; empregar os teus talentos, os teus bens, o teu crédito para o fazer amar; ter um zelo ardente pela sua glória e procurá-la com todo o teu poder, tanto quanto a graça para aí te incline, o teu estado o autorize e sábios conselhos te regulem e te dirijam (Leão Dehon, OSP 2, p. 57).

    Actio
    Repete muitas vezes e vive hoje a Palavra:
    "Ai de mim se não pregar o Evangelho!" (1 Cor 9, 16).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    10 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Sábado

    Lectio
    Primeira leitura: Coríntios 10, 14-22
    14Meus caros, fugi da idolatria. 15Falo-vos como a pessoas sensatas; julgai vós mesmos o que digo. 16O cálice de bênção, que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? 17Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão. 18Vede o Israel segundo a carne: os que comem as vítimas não estão em comunhão com o altar? 19Que vos hei-de dizer, pois? Que a carne imolada aos ídolos tem algum valor, ou que o próprio ídolo é alguma coisa? 20Não! Mas aquilo que os pagãos sacrificam, sacrificam-no aos demónios e não a Deus. E eu não quero que estejais em comunhão com os demónios. 21Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demónios; não podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demónios. 22Ou queremos provocar a ira do Senhor? Acaso somos mais fortes do que Ele?
    Paulo faz considerações sobre a vida sacramental da comunidade cristã de Corinto. As coisas não correm bem. Tal como nos vv. 1-13 alertou para o carácter fundamental do baptismo, trata, agora, da celebração eucarística, a que aludem as expressões «cálice de bênção, que abençoamos» e «o pão que partimos» (v. 16).
    Em primeiro lugar, o Apóstolo, lembra as notas características da eucaristia: é sacrifício agradável a Deus, pelo qual, quem o oferece entra em comunhão com Aquele a Quem é feita a oferta. Paulo dá grande importância a esta fundamental experiência mística, sem a qual toda a celebração não passa de exterioridade e cria divisão. Em segundo lugar, a eucaristia é sacramento de unidade: por sua natureza, tende a edificar a Igreja como corpo místico de Cristo. Um só cálice e «um só pão»: portanto, uma só Igreja! Esta dimensão eclesiológica - também sacramental - está intimamente ligada à primeira: entra-se a fazer parte da Igreja porque se pertence a Deus, porque se está radicado em Cristo. A eucaristia, para Paulo, é também sinal distintivo da comunidade crente, sinal distintivo dos verdadeiros crentes.

    Evangelho: Lucas 6, 43-49
    Naquele tempo, disse Jesus aos discípulos: 43«Não há árvore boa que dê mau fruto, nem árvore má que dê bom fruto. 44Cada árvore conhece-se pelo seu fruto; não se colhem figos dos espinhos, nem uvas dos abrolhos. 45O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o que é bom; e o mau, do mau tesouro tira o que é mau; pois a boca fala da abundância do coração.» 46«Porque me chamais 'Senhor, Senhor', e não fazeis o que Eu digo? 47Vou mostrar-vos a quem é semelhante todo aquele que vem ter comigo, escuta as minhas palavras e as põe em prática. 48É semelhante a um homem que edificou uma casa: cavou, aprofundou e assentou os alicerces sobre a rocha. Sobreveio uma inundação, a torrente arremessou-se com violência contra aquela casa mas não a abalou, por ter sido bem edificada. 49Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica é semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a terra, sem alicerces. A torrente arremessou-se contra ela, e a casa imediatamente se desmoronou. E foi grande a sua ruína!»
    Estes versículos podem ser considerados variações sobre o tema das bem-aventuranças. Nota-se isso no contraste entre a «árvore boa» e a «árvore má» (v. 43), tal como no da casa construída sobre a rocha e a casa construída sobre a areia (vv. 48s.)
    Para Jesus, toda a pessoa é comparável a uma árvore, seja porque pode dar «bons frutos», seja porque não se lhe podem exigir bons frutos se for «má». As palavras de Jesus orientam-se do interior para o exterior (do coração para os actos), mas também do exterior para o interior (dos actos para o coração).
    Palavras como estas devem ter feito tremer os discípulos e os outros ouvintes. Jesus sabe o que há no coração dos homens e fala com um conhecimento muito próprio. Diante d´Ele, todos se sentem como cadernos abertos. Para Jesus há, pois, um «tesouro bom» e um «tesouro mau» (v. 45): em ambos os casos se trata do coração da pessoa humana, fonte dos seus pensamentos e nascente das suas acções.
    Para concluir, observemos como Jesus exige que a profissão de fé: 'Senhor, Senhor!' (v. 46) exija concretos actos de obediência. Mas o acto de obediência também deve ser inspirado pelo dom recebido, a fé.

    Meditatio
    Aprofundemos mais um pouco a palavra central desta página evangélica: «O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o que é bom; e o mau, do mau tesouro tira o que é mau; pois a boca fala da abundância do coração».
    É a motivação que queremos relevar: o coração humano experimenta uma plenitude que, de certo modo, não pode conter. Sobe-lhe do coração à boca. Não é fácil separar os pensamentos das palavras. O coração é a "central" da pessoa humana. Nele nascem e dele brotam pensamentos bons e pensamentos maus, projectos bons e projectos maus, acções boas e acções más.
    Uma pessoa, que tira o bem do bom tesouro do seu coração, é «semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a rocha». O bom coração que ele recebeu como dom, e que procura cultivar com todas as suas forças, oferece-lhe permanentemente material para construir, tijolo a tijolo, a casa onde habitar com o seu Senhor, a morada da intimidade.
    Pelo contrário, uma pessoa que tira o mal do «mau tesouro» é como aquele que constrói sobre a areia. O coração mau que construiu para si, subtraindo-se à escuta da Palavra, e negando-se ao diálogo com o Senhor, não só o afasta cada vez mais da intimidade com Deus, mas também das relações fraternas. Arranja mesmo conflitos com aqueles que Deus convoca para a Sua casa.
    A nossa união com Cristo, «no seu amor pelo Pai e pelos homens», manifesta-se, não só «na escuta da Palavra e na partilha do Pão», mas também «na disponibilidade e no amor para com todos» (cf. Cst 17-18). A "Palavra", e sobretudo a "partilha do Pão", são um convite diário, eucarístico para nós, dehonianos, a sermos pão bom, partido pelos irmãos, de modo especial para os mais fracos e carenciados: «os pequenos e os que sofrem» (Cst. 18). As palavras de Cristo na instituição da eucaristia «Fazei isto em memória de Mim» (Lc 22, 19; 1 Cor 11, 24-25), não se referem apenas à Eucaristia como memorial, mas são
    um convite para todo o discípulo de Jesus para que seja "pão partido" e "sangue derramado" por todos.
    A Eucaristia é o máximo sacramento da união com Cristo e entre nós, edifica-nos na caridade como indivíduos e como comunidade: «Testamento do amor de Cristo que se entrega para que a Igreja se realize na unidade e assim anuncie a esperança ao mundo, a Eucaristia reflecte-se em tudo o que somos e vivemos» (Cst. 81). Cada celebração eucarística deve levar a um aumento de caridade fraterna no único amor do Coração de Jesus: «O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão» (1 Cor 10, 16-17). Se a Igreja faz a Eucaristia, também é verdade que a Eucaristia faz a Igreja. A comunidade religiosa é a nossa pequena Igreja; constrói-se, desenvolve-se e floresce à volta de um único centro: o altar do Senhor, Cristo-Eucaristia. Se a Eucaristia brotou do amor do Coração de Cristo, o amor entre nós brota da Eucaristia: «Discípulos do Padre Dehon, queremos fazer da nossa união com Cristo, no seu amor pelo Pai e pelos homens, o princípio e o centro da nossa vida» (Cst. 17).

    Oratio
    Ó Senhor, aparecer mascarado com um "eu" que não se tem, é enganar; prometer um bem que não foi cultivado, é desilusão; falar das próprias qualidades sem as traduzir em obras, é vanglória; escutar sem pôr em prática, é perda de tempo.
    Ó Senhor, só quem maturou o próprio "eu" no íntimo do seu coração, poderá propô-lo original e apetecível para bem de todos; só quem cultivou os seus pontos fortes, no silêncio do seu eu profundo, pode oferecê-los, com força e coragem, para dar apoio a quem precisa; só quem vive no silêncio pode captar e avaliar a realidade que é e a que está à sua volta, aprendendo a exteriorizá-la com poucas palavras verdadeiras e muitas acções.
    Ensina-me, Senhor, que só posso apresentar aos outros, o que recolhi na quietude, na tua presença. Amen.

    Contemplatio
    O cardeal de Lugo faz-nos observar: Toda a matéria num sacramento exprime uma graça essencial especial. Ora, na sagrada Eucaristia, há uma matéria dupla: o pão e o vinho. Portanto, uma graça muito especial está ligada a cada uma das espécies, embora cada uma delas contenha todo o corpo, todo o sangue, toda a divindade, todo o Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    Há portanto uma graça ligada à Comunhão do cálice, distinta da do pão eucarístico. O santo e sábio cardeal acrescenta que esta graça consiste na embriaguez espiritual: et calix meus inebrians quam praeclarus est, na alegria forte e generosa: bonum vinum laetificat cor hominum, na própria acção de graças, porque o padre não encontra outro meio de exprimir o seu reconhecimento pelo amor tão grande do Salvador senão tomar e beber o cálice de sangue: quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi? Calicem salutaris accipiam...
    O corpo, a alma, a inteligência, o coração, devemos tudo esquecer diante do Sagrado Coração eucarístico e sacerdotal; porque Ele se torna louco de amor por nós, porque não O imitaríamos nesta santa loucura? O Sagrado Coração de Jesus não gera senão alegria, esta alegria que inebriava os mártires no momento dos seus suplícios, esta alegria que arrebata para fora de si mesmos as almas das crianças, cheias de simplicidade e de rectidão e que é o fruto da comunhão no Sangue do Salvador. (Leão Dehon, OSP 2, pp.503-505).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo.» (1 Cor 10, 17).
    | Fernando Fonseca, scj |

plugins premium WordPress