Liturgia

Week of Jun 5th

  • 9.º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    9.º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    2 de Junho, 2024

    9.º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    Tema do 9.º Domingo Comum

    A liturgia do 9.º Domingo do Tempo Comum convida-nos a refletir sobre a celebração do Dia do Senhor, sábado para os judeus, domingo para os cristãos, fazendo memória da ação criadora e redentora de Deus para com o seu Povo.
    A primeira leitura recorda-nos o preceito do terceiro mandamento, de guardar o sábado para o santificar, sugerindo que seja um dia que exprime a unidade do Povo que celebra a ação libertadora de Deus, sem qualquer tipo de desigualdades.
    O Evangelho, retomando a mesma temática, mostra que, quando se faz uma interpretação demasiado rigorista dos preceitos da Lei, ela deixa de cumprir a sua missão de estar ao serviço do homem de cada tempo. Jesus convida-nos, por isso, a posicionar-nos ao serviço dos necessitados, tendo em conta que o Dia do Senhor foi feito para o homem, não para fazer do homem um escravo. É um convite a vivermos não do preceito, mas da Lei que assumimos no nosso coração.
    A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de ardor apostólico de São Paulo, para quem ser evangelizador equivale a ser prolongamento da vida de Cristo que deve ser visível naqueles que a anunciam. Apesar das fragilidades humanas, a mensagem evangélica não fica comprometida, porque é um tesouro precioso, sinal de que a obra evangelizadora é obra do poder de Deus.

    LEITURA I - Deut 5,12-15
    Leitura do Livro do Deuteronómio
    Eis o que diz o Senhor:
    «Guarda o dia de sábado, para o santificares,
    como te mandou o Senhor, teu Deus.
    Trabalharás durante seis dias
    e neles farás todas as tuas obras.
    O sétimo, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus.
    Não farás nele qualquer trabalho,
    nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha,
    nem o teu escravo, nem a tua escrava,
    nem o teu boi, nem o teu jumento,
    nem nenhum dos teus animais,
    nem o estrangeiro que mora contigo.
    Assim, o teu escravo e a tua escrava
    poderão descansar como tu.
    Recorda-te que foste escravo na terra do Egipto
    e que o Senhor, teu Deus, te fez sair de lá
    com mão forte e braço estendido.
    Por isso, o Senhor, teu Deus,
    te mandou guardar o dia de sábado».

    AMBIENTE
    O livro do Deuteronómio, mesmo que de redação posterior ao tempo da narração (que seria o tempo do caminho deserto, sob a guia de Moisés) e com notórias influências de textos extra-bíblicos de culturas vizinhas do Povo de Israel (nomeadamente dos tratados de vassalagem neo-assírios), é importante para as reformas de Ezequias (725-697 a.C.; cf. 2Rs 18,4.22) e sobretudo de Josias (640-609 a.C.; cf. 2Rs 23,4-20), uma vez que as centra no evento fundador de Israel como Povo, com a celebração da Aliança no Sinai-Horeb. Os elementos fundamentais que dão corpo às reformas são: o monoteísmo (um só Deus), a centralidade do curso num só lugar (Jerusalém), a Aliança de Deus-YHWH com o povo, que faz do Povo propriedade de Deus-YHWH e, portanto, a unidade do povo, demostrando a insensatez da constituição de dois reinos no período pós-salomónico e afirmando o ideal de regressar à unidade política das 12 tribos de Israel.
    O livro do Deuteronómio é tradicionalmente dividido em três grandes secções, que corresponderiam a três grandes discursos de Moisés; o nosso texto situa-se no início do segundo discurso (cf. Dt 4,44 - 26,19), depois de uma breve introdução histórica que o situa no contexto da teofania do Sinai-Horeb (Dt 4,44 - 5,5) e é parte da versão deuteronómica do decálogo (Dt 5,6-21). Quanto à sua forma literária, sendo parte do decálogo (dez mandamentos), é um texto de carácter legislativo, sem perder, porém, a sua componente didática como se vê pelo início do discurso de Moisés.

    MENSAGEM
    Não é difícil perceber qual a temática que está em foco no texto de Dt 5,12-15: trata-se do mandamento referente ao sábado, como se percebe até pela repetição desta palavra por três vezes. Praticamente é a enunciação do mandamento, uma explicação didática de como se deve praticar esse mandamento e uma fundamentação teológica para essa mesma prática.
    Quanto à enunciação do mandamento, há que notar que, a par do mandamento de honrar pai e mãe (cf. Dt 5,16), este é o único que não exprime uma proibição, mas uma ordem positiva: «Guarda o dia de sábado, para o santificares» (v. 12). Este enunciado positivo desdobra-se depois em duas explicações, uma positiva (v.13-14a) e outra em chave de proibição (v.14b): a positiva basicamente estabelece que o trabalho seja limitado aos primeiros seis dias da semana, de modo a reservar o sábado para o Senhor-YHWH, mostrando que o «sábado» é um dia que lhe pertence; já a explicação em chave de proibição centra-se na celebração do sábado que exclui qualquer possibilidade de trabalho. Esta explicação negativa, porém, transporta consigo um ideal de justiça para a sociedade que se baseia na solidariedade, uma vez que é uma espécie de crítica direta a um sistema social baseado numa lógica de mercado, uma vez que todos, também os escravos e os estrangeiros, são chamados a guardar o dia de sábado, com igualdade de direitos em relação às classes médias-altas que teriam a possibilidade de guardar o sábado exatamente socorrendo-se dos serviços de escravos e estrangeiros. A terceira parte do texto, o fundamento teológico, é típico do Deuteronómio, uma vez que, ao contrário do decálogo do livro do Êxodo que fundamenta o sábado com o repouso de Deus na obra da criação (cf. Ex 20,8-11), o Deuteronómio relaciona a obrigação do sábado com o evento de libertação do Egito (Dt 5,15); de facto, este último livro do Pentateuco insiste fortemente sobre a importância da memória da escravatura de Israel no Egito e sobre a libertação que lhe pôs termo (cf. Dt 4,23; 7,19; 11,2; 26,8).
    Uma releitura do texto do decálogo na versão do Deuteronómio (5,6-21) permite notar que o mandamento referente ao sábado é central a vários títulos no contexto do mesmo decálogo e, portanto, de importância cabal para a identidade hebraica: numa divisão tripartida do decálogo deuteronómico (vv. 6-11; vv. 12-15; vv. 16-21), o sábado ocupa a posição central; além disso, no contexto do decálogo menciona-se o evento libertador do Egito por duas vezes, a primeira no título que encabeça todo o decálogo (Dt 5,6) e no mandamento do sábado (Dt 5,15). Centrado assim na experiência libertadora do Êxodo, que é constitutiva para Israel, este mandamento funciona como um símbolo dos deveres para com o Senhor-YHWH, Deus libertador (Dt 5,6.15) e para com o próximo, que também fez a experiência da libertação (Dt 5,14.21).

    ATUALIZAÇÃO
    • Uma compreensão anárquica da realidade poderia relativizar os preceitos do Decálogo do Deuteronómio e, mais concretamente, de «guardar o dia de sábado para o santificar». Há que ter em conta que a Lei é sobretudo instrução paternal de Deus, uma oferta para o seu Povo, para regular as relações em sociedade. O texto da primeira leitura convida-nos a regressar aos fundamentos da celebração do Dia do Senhor, tomando a sério o valor do verbo «santificar».
    • Destacámos para o sábado e podemos fazê-lo para o domingo cristão as duas fundamentações teológicas expressas no livro do Êxodo e do Deuteronómio, respetivamente, fazendo memória do repouso do Senhor, depois da obra da criação, e da sua obra de libertação da escravidão do Egito. É importante voltar aos fundamentos da celebração do Dia do Senhor, vivendo-o como memorial da libertação do Pecado na Páscoa de Cristo que atualiza a obra libertadora de Deus da escravidão do Egito.
    • Notámos que a celebração do Dia do Senhor - sábado para os judeus e domingo para os cristãos - tem uma grande dimensão social, sendo dia de descanso para todos, garantindo esse direito sobretudo aos pobres que se veem assim protegidos pela Lei divina. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica: «O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus "descansou" no sétimo dia, o homem deve também "descansar" e deixar que os outros, sobretudo os pobres, "tomem fôlego". O sábado faz cessar os trabalhos quotidianos e concede uma folga. É um dia de protesto contra as servidões do trabalho e o culto do dinheiro» (n. 2172).
    • O texto do Deuteronómio socorre-se de uma tradição antiga, que está na origem de Israel como Povo, para redefinir a própria identidade em tempo de crise, concretamente no tempo do exílio e pós-exílio. A celebração do Dia do Senhor pode ser um bom recurso para recuperar a identidade cristã. De facto, se no passado irmãos nossos deram a vida para defender o domingo («Não podemos passar sem o domingo», diziam diante do cônsul que os condenaria à morte, como quem diz, «sem nos reunirmos em assembleia ao domingo para celebrar a Eucaristia não podemos viver»). Como ensinou Bento XVI, a experiência dos mártires de Abitene pode ser paradigmática para nós cristãos do séc. XXI: «Precisamos do pão da vida para enfrentar as fadigas e o cansaço da viagem. O Domingo, Dia do Senhor, é a ocasião propícia para haurir a força d'Ele, que é o Senhor da vida. Por conseguinte, o preceito festivo não é um dever imposto pelo exterior, um peso sobre os nossos ombros. Ao contrário, participar na Celebração dominical, alimentar-se do Pão eucarístico e experimentar a comunhão dos irmãos e irmãs em Cristo é uma necessidade para o cristão, é uma alegria, e assim pode encontrar a energia necessária para o caminho que devemos percorrer todas as semanas. Um caminho, aliás, não arbitrário: a via que Deus nos indica na sua Palavra vai na direção inscrita na própria essência do homem, a Palavra de Deus e a razão caminham juntas. Seguir a Palavra de Deus e caminhar com Cristo significa para o homem realizar-se a si mesmo; perdê-la equivale a perder-se a si próprio.»

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 80 (81)
    Refrão 1: Exultai em Deus, que é o nosso auxílio.
    Refrão 2: Aclamai a Deus, nossa força.

    Aclamai a Deus, nossa força,
    aplaudi ao Deus de Jacob.
    Fazei ressoar a trombeta na lua nova
    e na lua cheia, dia da nossa festa.
    É uma obrigação para Israel,
    é um preceito do Deus de Jacob,
    lei que Ele impôs a José,
    quando saiu da terra do Egipto.
    Ouço uma língua desconhecida:
    «Aliviei os teus ombros do fardo
    e soltei as tuas mãos dos cestos;
    gritaste na angústia e Eu te libertei.
    Não terás contigo um deus alheio,
    nem adorarás divindades estranhas.
    Eu, o Senhor, sou o teu Deus,
    que te fiz sair da terra do Egipto».

    LEITURA II - 2Cor 4,6-11
    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
    Irmãos:
    Deus, que disse: «Das trevas brilhará a luz»
    fez brilhar a luz em nossos corações,
    para que se conheça em todo o seu esplendor
    a glória de Deus, que se reflete no rosto de Cristo.
    Nós trazemos em vasos de barro o tesouro do nosso ministério,
    para que se reconheça que um poder tão sublime
    vem de Deus e não de nós.
    Em tudo somos oprimidos, mas não esmagados;
    andamos perplexos, mas não desesperados;
    perseguidos, mas não abandonados;
    abatidos, mas não aniquilados.
    Levamos sempre e em toda a parte no nosso corpo
    os sofrimentos da morte de Jesus,
    a fim de que se manifeste também no nosso corpo
    a vida de Jesus.
    Porque, estando ainda vivos,
    somos constantemente entregues à morte por causa de Jesus,
    para que se manifeste também na nossa carne mortal
    a vida de Jesus.

    AMBIENTE
    A relação de Paulo com as comunidades cristãs por ele fundadas ou pelo menos solidificadas é semelhante à de um pai que se ocupa da educação dos filhos: ao verificar comportamentos pouco condizentes com a fé cristã, Paulo intervém indicando o caminho a seguir. Esta atitude não será certamente estranha a quem conhece a Primeira Carta aos Coríntios, em que o apóstolo das gentes individua vários comportamentos reprováveis e mostra o caminho a seguir, oferecendo também, normalmente, um fundamento teológico. A Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios insere-se nestas relações paternas de Paulo com aquela comunidade, que se fazem através de visitas presenciais e de correspondência epistolar. Uma vez que o seu ministério apostólico é posto em causa, muito provavelmente pelo grupo dos "Homens Espirituais" a que se refere a Primeira Carta aos Coríntios (cf. 2,6-16; 4,8-10) e nem sequer os seus cristãos vêm em sua defesa, Paulo faz a sua apologia, uma espécie de defesa do seu ministério apostólico, mostrando que nele se verificam os critérios que permitem identificar um verdadeiro apóstolo.
    É neste contexto que se insere este texto proposto pela liturgia, que se esforça por demonstrar que o ministério apostólico de Paulo é condizente com o mistério de Cristo e, sobretudo, não o ofusca com pretensões de protagonismo, uma vez que é o conteúdo da mensagem transmitida por Paulo que assume o verdadeiro papel de protagonista na sua missão apostólica.

    MENSAGEM
    No centro do nosso texto, temos uma descrição autobiográfica de situações limite (vv. 8-9) vividas pelo apóstolo Paulo e possivelmente pelos seus companheiros que, porém, não põem termo à sua vida, mas que demonstram bem como a vida humana do apóstolo é frágil, não imortal. Estes factos autobiográficos, conjugados com a imagem simbólica dos «vasos de barro» - a fragilidade e a limitação humana - que transportam o «tesouro do ministério» apostólico, ou seja, o Evangelho, enquanto conteúdo da mensagem que o apóstolo anuncia (v. 7). Há, portanto, uma desproporção de valor entre os «vasos de barro» e o «tesouro» que eles transportam e isso será visível no contraste que se estabelece entre as situações de fragilidade descritas nos vv. 8-9 e a mensagem que essas situações podem transmitir (v. 10), isto é, que a vida e a morte de Cristo estão presentes nas várias situações existenciais, mesmo nas tribulações do apóstolo. Este é um ponto assente na teologia e na vivência de fé de Paulo, como se pode verificar ao comparar 2Cor 4,8-10 com Gl 2,19-20 («Estou crucificado com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim»); e ainda na Carta aos Gálatas, o apóstolo quisera demonstrar que o Evangelho por ele pregado não tinha origem na vontade humana, mas é fruto da revelação divina (cf. Gl 1,11-12: «O Evangelho por mim anunciado, não o conheci à maneira humana; pois eu não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por uma revelação de Jesus Cristo»).
    Não podemos esquecer que este texto se situa num ambiente apologético, de defesa do apóstolo diante de quem denigre o seu ministério. De facto, a grande mensagem do nosso texto está nas frases de abertura e de conclusão que servem de moldura a esta descrição autobiográfica de Paulo: ele não se anuncia a si mesmo (v. 5), mas anuncia «a glória de Deus, que se reflete no rosto de Cristo» (v. 6), e que Deus, autor da luz na criação do mundo, fez brilhar como luz no seu coração, talvez numa alusão, também autobiográfica, ao episódio da estrada de Damasco, do encontro com Cristo, quando «uma grande luz o envolveu» (At 9,4). O objetivo de Paulo é demonstrar que Cristo está vivo no seu ministério apostólico, mesmo a partir da fragilidade que se manifesta na forma como é perseguido e entregue à morte em nome de Cristo (v. 11).

    ATUALIZAÇÃO
    • São Paulo é um modelo de servidor do Evangelho para todos os que, na Igreja, se posicionam ao serviço humilde do Povo de Deus. Dele aprendemos que a grande característica do apostolado, mais que as ações pastorais inovadoras ou não, é a relação com Cristo, a ponto de trazer na própria vida as marcas dessa união, seja nas tribulações que se sofre por causa de Cristo e do Evangelho, seja porque se incarna na própria vida aquilo que se ensina.
    • Para se exercer um serviço na Igreja, mais concretamente ao serviço do anúncio e da evangelização, sem excluir nenhum dos outros serviços e ministérios, é necessário pôr de parte todo e qualquer desejo de ser protagonista, para dar protagonismo ao Evangelho, verdadeiro «tesouro» que transportamos «em vasos de barro», frágeis, da nossa fragilidade humana. Mesmo quando o Senhor fortalece a nossa fragilidade, é importante que seja claro para nós, como era para Paulo, que o verdadeiro tesouro é o Evangelho que não depende de nós, mas de Deus que no-lo deu a conhecer na pessoa de Jesus Cristo.
    • A vida do evangelizador deve conformar-se cada vez mais à vida de Cristo a ponto de se tornar um espelho de Cristo, um livro aberto do Evangelho, onde se pode ler os sinais da vida oferecida de Jesus. Só uma grande intimidade com Jesus Cristo, como a que teve Paulo, poderá dar-nos a possibilidade de sermos pessoas identificadas com o Evangelho que anunciamos.

    ALELUIA - cf. Jo 17,17b.a
    Aleluia. Aleluia.
    A vossa palavra, Senhor, é a verdade;
    santificai-nos na verdade.

    EVANGELHO - Mc 2,23–3,6
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
    Passava Jesus através das searas, num dia de sábado,
    e os discípulos, enquanto caminhavam,
    começaram a apanhar espigas.
    Disseram-Lhe então os fariseus:
    «Vê como eles fazem ao sábado o que não é permitido».
    Respondeu-lhes Jesus:
    «Nunca lestes o que fez David,
    quando ele e os seus companheiros
    tiveram necessidade e sentiram fome?
    Entrou na casa de Deus,
    no tempo do sumo sacerdote Abiatar,
    e comeu dos pães da proposição,
    que só os sacerdotes podiam comer,
    e os deu também aos companheiros».
    E acrescentou:
    «O sábado foi feito para o homem
    e não o homem para o sábado.
    Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado».
    Jesus entrou de novo na sinagoga,
    onde estava um homem com uma das mãos atrofiada.
    Os fariseus observavam Jesus,
    para verem se Ele ia curá-lo ao sábado
    e poderem assim acusá-l'O.
    Jesus disse ao homem que tinha a mão atrofiada:
    «Levanta-te e vem aqui para o meio».
    Depois perguntou-lhes:
    «Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal,
    salvar a vida ou tirá-la?».
    Mas eles ficaram calados.
    Então, olhando-os com indignação
    e entristecido com a dureza dos seus corações,
    disse ao homem:
    «Estende a mão».
    Ele estendeu-a e a mão ficou curada.
    Os fariseus, porém, logo que saíram dali,
    reuniram-se com os herodianos
    para deliberarem como haviam de acabar com Ele.

    AMBIENTE
    O texto evangélico deste domingo conclui a primeira secção do Evangelho de Marcos, que descreve a fase inicial do ministério de Jesus (cf. 1,14-3,6), e é a última das controvérsias de Jesus com os seus opositores acerca de algumas práticas rituais judaicas, no caso sobre o sábado judaico. É de notar que estes dois textos que formam Mc 1,23 - 3,6 são os únicos dois textos de Marcos em que Jesus se contrapõe ao sábado; no resto do Evangelho, tanto Jesus como quem está com Ele observam as práticas judaicas a respeito do mandamento de guardar o sábado. Recapitulando, Jesus tinha-se já confrontado com os escribas a respeito do perdão dos pecados ao paralítico (cf. 2,1-13), do estar à mesa com os publicamos e pecadores (cf. 2,14-17); depois, com os discípulos de João Batista e os fariseus sobre as práticas do jejum, não observado pelos discípulos de Jesus (cf. 2,18-22); confronta-se agora com os fariseus sobre o respeito pelo dia de sábado em dois episódios (2,23-28; 3,1-6), sendo que, neste último episódio, pela primeira vez os seus opositores se reuniam com os herodianos para encontrar maneira de condenar Jesus à morte (3,6), funcionando esta decisão como conclusão de todos os confrontos.
    Será bom ter em conta o objetivo desta primeira secção do Evangelho de Marcos; o evangelista pretende mostrar a novidade trazida pelo movimento de Jesus, bem diferente do ambiente judaico e rabínico, mostrando o amor de Deus pelos que estavam marginalizados (os publicamos e pecadores), uma mensagem que toma corpo no perdão dos pecados (na cura do paralítico) e a total rejeição de leituras rigoristas da Lei de Moisés, demonstrando que o formalismo pode aniquilar a experiência de fé, que deve estar sempre orientada para o bem do outro. Como se verá o critério que Jesus deixa para interpretar o sábado judaico, mas também outros preceitos é o amor ao outro.

    MENSAGEM
    O nosso texto é composto por dois episódios que colocam Jesus em confronto com a instituição do sábado judaico: os discípulos a colher espigas para comer e um homem com uma mão atrofiada que nos coloca, com Jesus e os seus interlocutores, diante do dilema de curar ou não esse homem; ambos os episódios em dia de sábado. No que ao primeiro episódio diz respeito, o problema de colher espigas talvez seja o problema de se entender como colheita.
    De qualquer forma, Marcos convida-nos a centrar-nos nas palavras de Jesus que ajudam a interpretar a sua liberdade diante da instituição do sábado judaico: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado» (Mc 2,27-28); «Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar a vida ou tirá-la?» (Mc 3,4). Estas palavras de Jesus dão a interpretação dos episódios, bem como da forma como Jesus se posiciona diante da instituição de sábado em geral.
    Já na controvérsia de Mc 2,1-12 sobre o perdão dos pecados, a questão era do «poder» ou «autoridade» para o fazer. Da mesma forma, agora apenas nas palavras de Jesus, a relação de Jesus com o sábado exprime-se em chave de poder e autoridade, uma vez que Ele, «o Filho do homem, é também Senhor do sábado» (Mc 2,28).
    A segunda linha de argumentação é a da total precedência das necessidades humanas, mesmo em relação ao sagrado: isto vale para a fome dos discípulos diante do sábado que é sagrado, como valeu para a fome de David e dos seus homens diante dos pães sagrados da proposição (pelo menos na forma como Mc 2,25-26 nos conta o episódio com algumas nuances em relação a 1Sm 21,1-7) e valerá também para a cura do homem com a mão atrofiada diante da instituição de sábado. Diante do poder de Jesus e das necessidades humanas, as coisas sagradas não têm um valor próprio (nem o pão do santuário, no caso de David, nem o sábado, no caso dos discípulos de Jesus ou do homem com a mão atrofiada), mas existem para o bem da humanidade (os pães da proposição para alimentar David e os seus homens, o sábado para o homem e para Jesus); na interpretação de Jesus, é fundamental que o que é sagrado esteja ao serviço do homem. A par deste critério, se partirmos da formulação da pergunta retórica de Mc 3,4, na perspetiva de Jesus não há um agir neutro e ainda menos decisivas são as instituições: a lei é a da atenção ao outro, a quem sou chamado a fazer bem, salvando-lhe a vida, ou então posiciono-me diante dele para lhe fazer mal, causando-lhe a morte. Em ambos os momentos, Jesus escolheu fazer o bem e colocar-se ao serviço das necessidades humanas, satisfazendo-as, mesmo se isso lhe acarreta a decisão do conluio das autoridades políticas e religiosas contra Ele, para o condenarem à morte.
    É importante ter em conta que Jesus não retira qualquer importância ao sábado, enquanto dia consagrado a Deus, mas redireciona-o de modo a voltar à intuição inicial da Lei de Moisés, uma vez que «o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado» (2,27). Não está em causa uma interpretação libertina ou relativista do sábado, mas fazer dele o dia da relação com Deus que vem em auxílio de quem está em necessidade. Uma boa interpretação lê todos estes aforismos de Jesus em relação entre eles, de modo que o sábado esteja sempre ao serviço do homem, para fazer bem e salvar a vida; se, de facto, Jesus é o senhor do sábado, é para o recolocar ao serviço do homem e da salvação da vida.

    ATUALIZAÇÃO
    • Jesus ensina-nos a posicionar-nos com verdadeira liberdade diante da Lei de Moisés, ou melhor, diante da Lei de Deus, que nos chegou por Moisés, sem perder nunca de vista o seu objetivo de regular a nossa vida em sociedade e em Igreja, protegendo os mais frágeis e evitando toda e qualquer opressão por parte de quem exerce o poder. Interpretações rigoristas da Lei - como são as dos fariseus no nosso texto - cegam e não deixam ver as necessidades humanas que, na perspetiva de Jesus, são o verdadeiro critério para manter uma atitude livre diante da Lei.
    • O nosso texto não coloca em causa a celebração do culto no dia de sábado, mas reposiciona-a de modo a que possa coabitar com o serviço dos necessitados, na pessoa dos discípulos com fome e de uma pessoa com uma mão atrofiada. A celebração do Dia do Senhor, ao domingo, pode ser cada vez mais expressão desta dupla faceta do sábado reinterpretado com Jesus que, em dia de sábado entra na sinagoga, lugar onde se realiza o culto, mas não pactua com a necessidade de quem sofre, indo em seu auxílio, dando conforto e, no caso, mesmo a cura. Se o cristão prolonga na existência a vida de Cristo, é importante que no dia maior, a Ele consagrado, não se perca de vista aqueles que foram os seus prediletos.
    • A regra hermenêutica que Jesus dá para saber o que se pode fazer ou não ao domingo pode ser transposta para outros campos da nossa vida: é importante saber que queremos estar ao serviço do bem e da salvação da vida humana, em linha com o desejo de Deus, tal como se manifesta na vida e mensagem de Jesus; a par disso, sabemos que as instituições, sejam elas religiosas ou civis, devem estar ao serviço da vida humana, para que possam realizar a missão para a qual nasceram.

    A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 10º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho, P. Ricardo Freire
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • IX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    3 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Pedro 1, 2-7

    Caríssimos, 2a graça e paz vos sejam concedidas em abundância por meio do conhecimento de Deus e de Jesus, Senhor nosso. 3O divino poder, ao dar-nos a conhecer aquele que nos chamou pela sua glória e pelo seu poder, concedeu-nos todas as coisas que contribuem para a vida e a piedade. 4Com elas, teve a bondade de nos dar também os mais preciosos e sublimes bens prometidos, a fim de que - por meio deles - vos torneis participantes da natureza divina, depois de vos livrardes da corrupção que a concupiscência gerou no mundo. 5Por este motivo é que, da vossa parte, deveis pôr todo o empenho em juntar à vossa fé a virtude; à virtude o conhecimento; 6ao conhecimento a temperança; à temperança a paciência; à paciência a piedade; 7à piedade o amor aos irmãos; e ao amor aos irmãos a caridade.

    Em princípios do século II, a Igreja debatia-se com os gnósticos, que pensavam que o homem pode conseguir tudo por si mesmo, inclusivamente a salvação. A Segunda Carta de Pedro começa com uma afirmação peremptória: Jesus é a única causa de salvação do homem. É a comunidade petrina que fala a todos os crentes em Cristo, «àqueles a quem coube em sorte, pela justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, uma fé tão preciosa como a nossa» (v. 1). Esses crentes, com a fé preciosa, também receberam aquela graça e paz, que agora, em Cristo ressuscitado, os tornam «participantes da natureza divina» (v. 4). O cristão é aquele que toma consciência do dom recebido, com inteligência e afecto, ou com um «conhecimento» pleno e grato, como insinua o nosso texto, pelo menos três vezes. Com efeito, o verdadeiro cristão, sentindo-se um predilecto de Deus, decide ser coerente com a graça que actua nele, uma graça mais forte do que a «corrupção que a concupiscência gerou no mundo» (v. 4). E o autor da nossa Carta aponta sete virtudes, a juntar à fé, e que hão-de distinguir o cristão: a virtude, o conhecimento, a temperança, a paciência, a piedade, o amor aos irmãos, a caridade cf. vv. 5-7). O princípio de toda a virtude é a «fé». A «virtude» é a atitude constante, que dá coragem nas dificuldades; o «conhecimento» é a abertura da mente ao esplendor da verdade; a «temperança» é o autodomínio, fruto da participação na vitalidade do Ressuscitado; a «paciência» não é simples resignação, mas força nas provações e resistência às oposições externas; a «piedade» é a relação com Deus, verdadeiro centro e coração da vida dos crentes; o «amor fraterno» é fruto da intimidade afectuosa com Deus Pai; deste amor, chega-se à «caridade», ao amor total e iluminado, meta do caminho do crente.

    Segunda leitura: Marcos 12, 1-12

    Naquele tempo, 1Jesus começou a falar-lhes em parábolas: «Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e construiu uma torre. Depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. 2A seu tempo enviou aos vinhateiros um servo, para receber deles parte do fruto da vinha. 3Eles, porém, prenderam-no, bateram-lhe e mandaram-no embora de mãos vazias. 4Enviou-lhes, novamente, outro servo. Também a este partiram a cabeça e cobriram de vexames. 5Enviou outro, e a este mataram-no; mandou ainda muitos outros, e bateram nuns e mataram outros. 6Já só lhe restava um filho muito amado. Enviou-o por último, pensando: 'Hão-de respeitar o meu filho'. 7Mas aqueles vinhateiros disseram uns aos outros: 'Este é o herdeiro. Vamos matá-lo e a herança será nossa'. 8Apoderaram-se dele, mataram-no e lançaram-no fora da vinha. 9Que fará o dono da vinha? Regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros. 10Não lestes esta passagem da Escritura:A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. 1Tudo isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos?» 12Eles procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se.

    A alegoria usada por Jesus só se percebe se tivermos em conta o «cântico da vinha», que lemos em Is. 5, e o seu contexto histórico, isto é, a recusa da salvação pelos chefes de Israel, os «agricultores», que matam os profetas. Deus é o dono da vinha e o construtor do edifício, que é Israel. Surpreendentemente, aparece como «estrangeiro» no meio do povo de Israel. Deus não está vinculado às vicissitudes de um povo. Confiou uma tarefa aos responsáveis pela vinha israelita e foi-se embora, porque está noutro lado... Os servos são os numerosos profetas e homens de Deus enviados ao longo da história do povo escolhido. O filho recusado e morto, mas depois tornado pedra angular, é Jesus. A alegoria faz tocar os extremos: o amor de Deus Pai, que envia o seu Filho, e a recusa do chefes de Israel, que O matam.
    À volta de Jesus, e do mistério da sua morte e ressurreição, hoje, como no passado, decide-se, para cada um de nós, o acolhimento ou a recusa da salvação. Não há direitos de progenitura, ou de eleição preferencial, que nos valham. O pretenso monopólio dos israelitas sobre a salvação está votado ao fracasso: «O dono regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros» (v. 9). O importante é que, no confronto com Jesus e com o seu mistério pascal, nos abramos a Ele, livre e responsavelmente, para sermos salvos. E Deus premiará a nossa coragem.

    Meditatio

    Na Segunda Carta de Pedro, o cristão é aquele que toma consciência do dom recebido, e o faz com inteligência e afecto, ou com um «conhecimento» pleno e grato, como insinua o nosso texto, pelo menos três vezes: «a graça e paz vos sejam concedidas em abundância por meio do conhecimento de Deus e de Jesus, Senhor nosso»(v. 2);«o divino poder, ao dar-nos a conhecer aquele que nos chamou pela sua glória e pelo seu poder, concedeu-nos todas as coisas...»(v. 3); «deveis pôr todo o empenho em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento ao conhecimento a temperança»(v. 5). A consciência é graça a que devemos estar abertos, e que exige renúncia às paixões, pureza de coração, disponibilidade para Deus, que nos tornou participantes da sua natureza, «participantes da natureza divina», como escreve Pedro.
    Ser participante da natureza divina significa ter-se livrado «da corrupção que a concupiscência gerou no mundo» (v. 4), isto é, participar do amor divino, e não do egoísmo e da ânsia de poder, que corrompem o mundo. A natureza divina é incorruptível, porque é puro amor.
    O evangelho mostra-nos em acção esse amor divino,
    mas também a concupiscência e a falta de conhecimento. Os vinhateiros querem apoderar-se da vinha e batem e insultam repetidamente os servos. Quando vêem chegar o «filho muito amado» (v. 6), não hesitam em matá-lo. E assim se auto-excluem do Reino do amor.
    Marcos anota que os sumos-sacerdotes, os escribas e fariseus «procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se» (v. 12). O seu conhecimento é incoerente: escutaram, compreenderam, podiam pensar que estava a preparar um destino semelhante aos dos vinhateiros, que Jesus tenta evitar, mas a inveja cega-os. Jesus põe em perigo o poder deles. E decidem matá-l´O.
    O conhecimento de Deus, o conhecimento de Jesus, Filho de Deus é um dom do Espírito Santo. Como dehonianos, somos chamados a esse conhecimento, iluminado pelo carisma e pela missão que recebemos de Deus: «somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração e a anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento: «Cristo habite pela fé, nos vossos corações de sorte que, enraizados e fundados no amor, possais compreender, com todos os Santos, qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer, enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para serdes repletos da plenitude de Deus» (Ef 3,17-19)». Esse conhecimento obtém-se na escuta da Palavra e na celebração da Eucaristia: «Fiéis à escuta da Palavra, e à fracção do Pão, somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração...», escrevem as nossas Constituições (n. 17).

    Oratio

    Senhor Jesus, concede-nos, a mim, aos meus irmãos, ao mundo inteiro, a graça de vencermos os movimentos da concupiscência, do amor possessivo e da inveja, bem como o dom de nos deixarmos iluminar pela luz que sempre nos ofereces. Que toda a humanidade Te conheça, Te ame e possa tomar parte na herança que nos conquistaste ao derramar o teu precioso sangue na cruz.
    Abre os nossos olhos, Senhor. Abre a nossa mente. Tu, que és manso e humilde de coração, abate a nossa presunção e força-nos a não nos «retirarmos», como fizeram os teus adversários, quando perceberam que falavas para eles. Decidiram matar-te, mas temeram a multidão. Que jamais Te deixemos passar em vão pela nossa vida, mas saibamos reconhecer-Te como o «Deus connosco», como a Videira fecunda que o Pai plantou na nossa vinha. Amen.

    Contemplatio

    Só vós, Senhor, fizestes tudo. Tudo dispusestes para que me eleve degrau a degrau até à vida de união e de amor convosco.
    Conduzistes-me ao vosso Coração. Quereis que eu nele penetre e nele faça a minha morada. Quereis que me inspire nos seus sentimentos, que viva da sua vida, que me inflame do seu zelo, para levar por toda a parte o seu conhecimento e o seu amor. Como estabelecestes os vossos apóstolos para espalharem a fé, confiastes-me uma parte da missão de propagar o amor do Sagrado Coração. Eis-me aqui. Senhor, não permitais que eu me subtraia a esta admirável missão. Indicai-me pelas vossas inspirações o que devo fazer desde hoje para amar cada vez mais e fazer amar o vosso divino Coração (Pe. Dehon, OSP 3, p. 461s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «A graça e paz vos sejam concedidas por meio do conhecimento de Deus e de Jesus» (2 Pe 1, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

    SS. Carlos Lwanga e Companheiros, Mártires

    SS. Carlos Lwanga e Companheiros, Mártires


    3 de Junho, 2024

    Carlos Luanga e os seus vinte e um companheiros, ugandeses, foram martirizados entre 1885 e 1886, por ordem do rei Mwanga. Tendo abraçado a fé, graças à pregação dos Padres Brancos, opuseram-se ao rei, esclavagista e pederasta. Uns foram decapitados e outros queimados vivos. Foram canonizados por Paulo VI, em 1964.

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Macabeus 7, 1-2.9-14

    Naqueles dias, foram presos sete irmãos com a mãe, aos quais o rei, por meio de golpes de azorrague e de nervos de boi, quis obrigar a comer carnes de porco, proibidas pela lei. 2Um deles, tomou a palavra e falou assim: «Que pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos a antes morrer do que violar as leis dos nossos pais.» 3O rei, irritado, ordenou que aquecessem ao fogo sertãs e caldeirões. 4Logo que ficaram em brasa, ordenou que cortassem a língua ao que primeiro falara, lhe arrancassem a pele da cabeça e lhe cortassem também as extremidades das mãos e dos pés, na presença dos irmãos e da mãe. 5Mutilado de todos os seus membros, o rei mandou aproximá-lo do fogo e, vivo ainda, assá-lo na sertã. Enquanto o cheiro da panela se espalhava ao longe, os outros, com a mãe, animavam-se a morrer corajosamente, dizendo: 6«Deus, o Senhor, nos vê e, na verdade, Ele terá compaixão de nós, como diz claramente Moisés no seu cântico de admoestação: Ele terá piedade dos seus servidores.» 7Morto, deste modo, o primeiro, conduziram o segundo ao suplício. Arrancaram-lhe a pele da cabeça com os cabelos e perguntaram-lhe: «Comes carne de porco, ou preferes que o teu corpo seja torturado, membro por membro?» 9Prestes a dar o último suspiro, disse: «Ó malvado, tu arrebatas-nos a vida presente, mas o rei do universo há-de ressuscitar-nos para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis.» 10Depois deste, torturaram o terceiro, o qual, mal lhe pediram a língua, deitou-a logo de fora e estendeu as mãos corajosamente. 11E disse, cheio de confiança: «Do Céu recebi estes membros, mas agora menosprezo-os por amor das leis de Deus, mas espero recebê-los dele, de novo, um dia.» 12O próprio rei e os que o rodeavam ficaram admirados com o heroísmo deste jovem, que nenhum caso fazia dos sofrimentos.13Morto também este, aplicaram os mesmos suplícios ao quarto, 14o qual, prestes a expirar, disse: «É uma felicidade perecer à mão dos homens, com a esperança de que Deus nos ressuscitará; mas a tua ressurreição não será para a vida.»

    Perante a perseguição de Antíoco IV, que pretendia impor a cultura e a religião gregas em todo o reino, também em Jerusalém, o autor do 2 Macabeus apresenta o testemunho heroico dos seus irmãos perseguidos. Os Macabeus lutam para evitar a normalização política e religiosa, que vai contra a identidade e a liberdade do povo de Deus. Hoje escutamos a impressionante narrativa do martírio dos sete irmãos e da sua mãe. Os Mártires de Uganda, em nome da fé cristã, e dos seus princípios morais, resistiram ao tirano Mwanga, pagando o seu atrevimento com a própria vida.

    Evangelho: Mateus 5, 1-12ª

    Naquele tempo, ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. 2Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo:3«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. 4Felizes os que choram, porque serão consolados. 5Felizes os mansos, porque possuirão a terra.  6Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. 9Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.  10Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. 11Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa.12Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu.

    Mateus apresenta a Jesus como o novo Moisés, que promulga a nova lei. O reino de Deus está presente e atuante no mundo. A situação do homem, tornado filho de Deus, é nova. Há que viver de acordo com ela, há que construir uma sociedade nova. Há que viver "segundo o espírito" e não "segundo a carne" (cf. Gl 5, 10ss.). O novo estilo de vida, pessoal e coletivo, - ser construtores de paz, misericordiosos, amigos da justiça, puros de coração, pobres em espírito, vai contra os princípios e hábitos do mundo. Por isso, há que contar com o sofrimento e a perseguição, tal como aconteceu com Cristo. Mas Cristo diz-lhes: "Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu. (v. 12).

    Meditatio

    Ao canonizar os mártires, que hoje celebramos, Paulo VI pronunciou estas palavras: "Estes Mártires Africanos acrescentam ao álbum dos vencedores, chamado Martirológio, uma página ao mesmo trágica e grandiosa, verdadeiramente digna de figurar ao lado das célebres narrações da África antiga, as quais, neste tempo em que vivemos, julgávamos, por causa da nossa pouca fé, que nunca mais viriam a ter semelhante continuação... Estes Mártires Africanos dão, sem dúvida, início a uma nova era... Com efeito, a África, orvalhada com o sangue destes mártires, que são os primeiros desta nova era, (e queira Deus que sejam os últimos - tão grande e precioso é o seu holocausto), a África renasce livre e resgatada".
    Nos Mártires de Uganda realizou-se a palavra de Jesus: "Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto." (Jo 12, 24). As novas comunidades cristã, no coração da África, nascem marcadas pelo seu martírio. O seu sangue é semente de novas comunidades, que floresceram e continuarão a florescer em África, comunidades jovens, dinâmicas e evangelizadoras.
    Os Mártires de Uganda são para nós um ícone vivo. São um desafio a construir, com clareza de identidade, a sociedade contemporânea e, como escreveu João Paulo II, a "não deixar faltar a este mundo o clarão da divina beleza que ilumine o caminho da existência humana".
    Como batizados, participamos no sacerdócio de Cristo, mas, com Ele e como Ele, somos também "vítimas" do seu e nosso sacerdócio: "Saiamos, então, ao seu encontro fora do acampamento, suportando a sua humilhação... ofereçamos continuamente a Deus um sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome." (Heb 13, 13.15). Os Mártires participam na oblação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, para glória e alegria de Deus, e para redenção da humanidade. Com efeito, comenta Cipriani, "O sacrifício de Cristo não pode permanecer isolado, não partilhável; o Seu martírio é um apelo ao nosso martírio". S. Paulo, ao escrever aos Romanos, diz-lhes: "Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos (isto é, vós mesmos) como sacrifício, vivo, santo e agradável a Deus; é este o vosso culto espiritual" (Rom 12, 1).

    Oratio

    Senhor nosso Deus, que fazeis do sangue dos mártires semente de cristãos, concedei que a seara da vossa Igreja, regada com o sangue de São Carlos Lwanga e seus companheiros, produza sempre abundante colheita para o vosso reino. Ámen. (Coleta da Missa).

    Contemplatio

    As ladainhas cantam a glória do nome de Jesus, o seu valor, a sua fecundidade... É um nome glorioso pelas suas origens celestes: Jesus, filho do Deus vivo; Jesus, esplendor do Pai; Jesus pureza da luz eterna; Jesus, rei de glória; Jesus, sol de justiça, tende piedade de nós. É um nome glorioso sobre a terra, pela sua beleza sobrenatural e pela sua grande missão: Jesus, filho da Virgem Maria; Jesus amável; Jesus admirável; Jesus, Deus forte; Jesus, Pai do século que há-de vir; Jesus, anjo do grande conselho; Jesus muito poderoso tende piedade de nós. É um nome glorioso pelas suas virtudes: Jesus, muito paciente; Jesus muito obediente; Jesus manso e humilde de coração; Jesus que amais a castidade; Jesus, que nos amastes; Jesus, Deus de paz; Jesus, autor da vida; Jesus, modelo de toda a virtude; Jesus zelador das almas, tende piedade de nós. É um nome glorioso pelos seus títulos mais amáveis: Jesus, nosso Deus; Jesus, nosso refúgio; Jesus, pai dos pobres; Jesus, tesouro dos fiéis; Jesus, bom Pastor; Jesus, verdadeira luz; Jesus, sabedoria eterna; Jesus, bondade infinita; Jesus, nosso caminho e nossa vida; tende piedade de nós. É um nome glorioso pela sua preeminência sobre todas as glórias: Jesus, alegria dos anjos; Jesus, rei dos patriarcas; Jesus, senhor dos apóstolos; Jesus, doutor dos evangelistas; Jesus, mártir e força dos mártires; Jesus, confessor e luz dos confessores; Jesus, virgem e pureza das virgens; Jesus, santo e coroa de todos os santos, tende piedade de nós. Verdadeiramente este nome está acima de todos os nomes. (Leão Dehon, OSP 3, p.59s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Felizes sereis quando vos perseguirem por minha causa." (cf. Mt 5, 12).
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    SS. Carlos Lwanga e Companheiros, Mártires (03 Junho)

  • IX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    4 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Pedro 3, 12-15ª.17-18

    Caríssimos: 12enquanto esperais e apressais a chegada do dia de Deus, quando os céus, a arder, se desintegrarem e os elementos do mundo, com o ardor do fogo, se derreterem! 13Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça. 14Portanto, caríssimos, enquanto esperais estes acontecimentos, esmerai-vos para que Ele vos encontre imaculados, irrepreensíveis e em paz. 15Considerai que a paciência de Nosso Senhor é para nossa salvação. 17Vós, caríssimos, dado que sabeis isto de antemão, estai alerta para que não venhais a descair da vossa firmeza, arrastados pelo erro desses malvados. 18Crescei, antes, na graça e no conhecimento do Nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. A Ele seja dada glória, agora e até ao dia eterno. Ámen.

    A secção anterior a este texto terminou com a afirmação de que a vinda do Senhor pode ser «apressada», para que apareçam os novos céus e a nova terra onde reine a justiça. O texto que lemos hoje é uma reflexão sobre o estado do cristão que espera «a chegada do dia de Deus» (v. 12). O autor desta carta explica que, o que se espera, são «uns novos céus e uma nova terra» (v. 13; cf. Is 65, 17; 66, 22), nos quais se manifestará Cristo e se realizará, na «justiça», o projecto de Deus. Mas, a manifestação do Senhor não se deve aguardar passivamente. Uma vida na piedade e na santidade pode «apressar» o dia do Senhor, pois torna já presente na história a justiça típica do esperado dia do Senhor. Há pois que viver «imaculados e irrepreensíveis e em paz» (v. 14), tal como há-de acontecer no dia sem ocaso da vida futura. Mais importante do que procurar saber quando será o dia do Senhor, é viver na justiça e na santidade. O que realmente conta é a magnanimidade do Senhor, que organiza os tempos e a história na amorosa perspectiva da salvação. Os ímpios não conhecem esse desígnio de Deus. Mas os crentes vão-no conhecendo progressivamente.

    Segunda leitura: Marcos 12, 13-17

    Naquele tempo, 13foram enviados a Jesus alguns fariseus e partidários de Herodes, a fim de o apanharem em alguma palavra. 14Aproximando-se, disseram-lhe: «Mestre, sabemos que és sincero, que não te deixas influenciar por ninguém, porque não olhas à condição das pessoas mas ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade. Diz-nos, pois: é lícito ou não pagar tributo a César? Devemos pagar ou não?» 15Jesus, conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu: «Porque me tentais? Trazei-me um denário para Eu ver.» 16Trouxeram-lho e Ele perguntou: «De quem é esta imagem e a inscrição?» Responderam: «De César.» 17Jesus disse: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» E ficaram admirados com Ele.

    Alguns fariseus e partidários de Herodes, que se consideravam nacionalistas, mas colaboravam com os romanos, fingindo sinceridade, fazem a Jesus uma pergunta armadilhada. Queriam embaraçá-lo, tornando-O malvisto pelas autoridades romanas ou pela multidão. Jesus evita a armadilha, e aproveita a ocasião para oferecer um importante critério para a vida cristã: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (v. 17). Deus e César não se opõem, nem se colocam ao mesmo nível. O primado de Deus não retira ao Estado os seus direitos. O cristão deve obedecer a Deus, mas também aos homens. Em qualquer caso, obedece por causa de Deus e não por causa dos homens, porque toda a autoridade humana tem as suas raízes no Eterno. Este princípio está na origem da liberdade de consciência, afasta da idolatria do poder, leva a acolher a soberania da Igreja, mas também a do Estado.
    Esta mensagem de liberdade surpreende os adversários de Jesus: «Ficaram admirados com Ele» (v. 17b). A opção a fazer não é entre Deus e César, mas entre Deus e todo o movimento humano, ainda que chamado libertador, ainda que seja o dos zelotas. Os movimentos libertadores, mais tarde ou mais cedo, pretendem tornar-se absolutos. É por isso que o profeta mantém a devida distância, em relação a eles.

    Meditatio

    O cristão espera, - e até pode apressar -, a vinda do Senhor, para que apareçam os novos céus e a nova terra. Em vez de se pôr a calcular o tempo divino, que se rege por uma escala diferente da nossa, há que pensar na finalidade do tempo que Deus nos concede: dar a todos a oportunidade de se converterem, aproveitando a graça, que o seu amor nos oferece (cf. 1 Tm 2, 4). É à luz desta intenção divina que devemos avaliar a duração do tempo. A Segunda Carta de Pedro acentua o carácter repentino e imprevisível da parusia. O cristão deve estar sempre preparado para a segunda vinda de Cristo, vivendo na confiança e na entrega a Deus. Um comportamento digno, em conformidade com a sua condição de cristão, segundo a mentalidade judaica, podia até antecipar esse dia. Deus não destrói por destruir. Se destrói o mundo velho, ou envelhecido, é para criar um mundo novo, onde reine a justiça (cf. Mt 19, 28; Ap 20, 11; 21, 1).
    As duas imagens - esperar e apressar o dia do Senhor, dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus - descrevem a vida do cristão. Em primeiro lugar, ela é espera de um acontecimento, anúncio de que o Esposo ainda não veio, saudade de um amor maior do que qualquer afecto humano, como um desejo ainda não satisfeito... Ao mesmo tempo, indica misteriosamente presente nele o Esposo, manifesta a alegria do encontro com Ele, do desejo satisfeito. Mas, como quando uma expectativa se realiza, o desejo satisfeito se torna desejo de algo mais, assim o encontro com o Senhor acende o desejo de maior intimidade, e, de algum modo, acelera a vinda do Senhor. É por isso que o cristão não foge do mundo nem da história, mas permanece aí, para indicar quanto neles há «de Deus», e a Deus há-de voltar, quanto no coração humano pertence ao Altíssimo e só nele encontra paz. Ao mesmo tempo, também revela quanto há de corruptível no homem, e deve ser abandonado. Não se trata de desprezar o que é humano, mas de dar a cada coisa o justo valor e de manter viva a esperança do «dia do Senhor», em que todo o fragmento terreno se há-de fundir no fogo do amor eterno. E acontecerão os «novos céus e a nova terra».
    Entretanto, o cristão é chamado a «dar a César o que é de César, e a dar a Deus o que é de Deus». É a inesperada reposta de Jesus à pergunta hipócrita dos fariseus e dos herodianos. Jesus reconhece que o Estado tem direito a receber o que lhe pertence, mas clarifica que nenhum poder político pode arrogar-se os direitos de Deus.
    A Igreja não é deste mundo, mas vive nele, com muitas relaç&
    otilde;es humanas, nas quais deve aplicar esta palavras de Jesus. O equilíbrio não é fácil. Há que rezar muito pelos pastores da Igreja, que têm essa grave responsabilidade.
    Com os nossos Pastores, e com todos os nossos irmãos na fé, também nós, que participamos no carisma do P. Dehon e, em harmonia com a sua experiência de fé, seguimos a Cristo e nos abrimos ao Espírito, e aos Seus dons, queremos irradiar os seus frutos e praticar as bem-aventuranças, convencidos de que, colaborando com o Espírito, «os novos céus» e a «nova terra», em que «habita a justiça» (2 Pe 3, 13; Cf. Is. 65, 17; 66, 22; Apoc 21, 1.27), não são apenas uma expectativa futura, escatológica, mas podem tornar-se uma realidade actual.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pela nossa história e pelo nosso tempo. Eles são teus e estão cheios de Ti. Vêm de Ti, e a Ti devem voltar, tal como eu, e cada um dos meus irmãos, com toda a nossa humanidade, com a nossa vontade de viver e de amar. Quando tal acontecer, quando testemunharmos que és a origem e o termo de quanto somos e temos, o nosso tempo entra na tua eternidade, e a nossa história torna-se história de salvação. A nossa vida celebra a tua soberania; a nossa morte será um regresso às origens.
    Perdoa que, tantas vezes, tenhamos tentado apoderar-nos do nosso tempo, e não tenhamos sabido esperar a novidade do teu dia. Perdoa que, tantas vezes, não tenhamos reconhecido a tua imagem nas coisas, e tenhamos tentado apoderar-nos delas, em vez de as reconduzirmos a Ti. Perdoa que, em vez de esperarmos os novos céus e a nova terra, tenhamos preferido apegar-nos a ilusões imediatas destes céus e desta terra.
    Ensina-nos a esperar o Dia do Senhor e, enquanto o esperamos, a sabermos «dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». Amen.

    Contemplatio

    Toda a autoridade vem de Deus: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». - «Que cada um se submeta às autoridades superiores, diz S. Paulo; porque não há autoridade que não venha de Deus; e todas as autoridades da terra são dispostas por Deus. Portanto, quem resiste às autoridades, resiste à ordenação de Deus, e atrai sobre si a maldição... O príncipe é o ministro de Deus para o bem. É o executor da vingança divina a respeito daqueles que fazem o mal.
    Devemos ser submissos, não apenas por temor, mas também por princípio de consciência. É por isso que pagais o tributo aos príncipes, porque eles são ministros de Deus no cumprimento da sua missão. Dai, portanto, a cada um o que lhe é devido: o tributo, o imposto, o temor e a honra (Rm 13, 1).
    Nosso Senhor, portanto, consolidou a autoridade de todos os poderes estabelecidos. Unamo-nos aos sentimentos do Coração de Jesus para com toda a autoridade estabelecida pela Providência (Pe. Dehon, OSP4, p. 78).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mc 12, 17).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    5 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Timóteo 1, 1-3.6-12

    1Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, por desígnio de Deus, segundo a promessa de vida que há em Cristo Jesus, 2a Timóteo, meu filho querido: graça, misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor. 3Dou graças a Deus, a quem sirvo em consciência pura, como já o fizeram os meus antepassados, ao recordar-te constantemente nas minhas orações, noite e dia. 6Por isso recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, 7pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso. 8Portanto, não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus. 9Ele salvou-nos e chamou-nos, por santo chamamento, não em atenção às nossas obras, mas segundo o seu próprio desígnio e a graça a nós concedida em Cristo Jesus, antes dos séculos eternos, 10e agora revelada na manifestação do nosso Salvador, Cristo Jesus, que destruiu a morte e irradiou vida e imortalidade, por meio do Evangelho, 11do qual eu próprio fui constituído arauto, apóstolo e mestre. 12Por este motivo é que suporto também esta situação. Mas não me envergonho, pois sei em quem acreditei e estou persuadido de que Ele tem poder para guardar, até àquele dia, o bem que me foi confiado.

    Quando escreve esta carta, Paulo encontra-se preso em Roma, e já antevê a sua morte próxima. Ela tem, pois, o sabor de um testamento espiritual.
    Depois de endereçar a carta ao seu discípulo predilecto, o Apóstolo exorta-o a lutar e a sofrer pelo Evangelho, que é «promessa de vida em Cristo Jesus» (v. 1), «que destruiu a morte e irradiou vida e imortalidade» (v. 10). Paulo é um homem escolhido por Deus para levar ao mundo este Evangelho da vida, não com um Espírito «de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso» (v. 7). O mundo não lhe perdoará, e irá privá-lo da liberdade. Mas Paulo não se envergonha das suas cadeias, e incita Timóteo à mesma atitude. É o preço do testemunho da fé, da vocação santa, da graça oferecida em Cristo Jesus e agora revelada no mistério da sua incarnação. As cadeias são sinal da liberdade nova que nasce da fé em Cristo e da confiança na sua fidelidade até ao último dia, quando a vida vencer a morte. Provavelmente, a comunidade de Timóteo estava ameaçada por perseguições. Mas os cristãos, e em particular aquele que foi ordenado, hão-de ser lutadores e dirigentes corajosos, evitando a prudência segundo a carne.

    Segunda leitura: Marcos 12, 18-27

    Naquele tempo, 18vieram ter com Ele os saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: 19«Mestre, Moisés prescreveu-nos que se morrer o irmão de alguém, deixando a mulher e não deixando filhos, seu irmão terá de casar com a viúva para dar descendência ao irmão. 20Ora havia sete irmãos, e o primeiro casou e morreu sem deixar filhos. 21O segundo casou com a viúva e morreu também sem deixar descendência, e o mesmo aconteceu ao terceiro; 22e todos os sete morreram sem deixar descendência. Finalmente, morreu a mulher. 23Na ressurreição, de qual deles será ela mulher? Porque os sete a tiveram por mulher.» 24Disse Jesus: «Não andareis enganados por desconhecer as Escrituras e o poder de Deus? 25Quando ressuscitarem de entre os mortos, nem eles se casarão, nem elas serão dadas em casamento, mas serão como anjos no Céu. 26E acerca de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça, como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? 27Não é um Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito enganados.»

    Os saduceus, frios e calculistas, querem desfazer-se de Jesus, que consideram um homem perigoso, mas não perdem a calma. Limitam-se a procurar meter Jesus a ridículo diante do povo, levando até ao absurdo as suas ideias sobre a ressurreição. Jesus aproveita para apresentar correctamente o sentido da vida para além da morte.
    No tempo de Jesus, eram várias as posições diante do tema da ressurreição: os saduceus negavam-na; os rabinos fariseus afirmavam-na, mas com uma certa liberdade interpretativa: ressuscitariam só os justos, ou só os Judeus, ou todos os homens, os ressuscitados voltariam à sua corporalidade original, incluindo as enfermidades; os helenistas pagãos, influentes quando Marcos escreve o seu evangelho, preferiam falar da imortalidade do espírito, capaz de sobreviver por si mesmo ao corpo, e de se libertar da prisão. Jesus responde a todos, pondo no centro a verdade do amor de Deus: se Deus ama o homem, não pode abandoná-lo ao poder da morte, mas há-de uni-lo a Si, fonte de vida, tornando-o imortal.
    Como será a vida além-túmulo? Para Jesus, será uma vida que escapa aos esquemas do mundo presente: será divina, eterna, comparável à dos anjos, de tal modo que o matrimónio e a reprodução serão supérfluos. Não será um prolongamento desta vida, mas uma existência nova, resultante de uma misteriosa transformação, fruto da fidelidade do Eterno, que envolverá o homem todo, e não só o espírito.

    Meditatio

    Hoje, começamos por escutar a exortação de Paulo a Timóteo: «Recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso» (vv. 6-7). Esta exortação é também para nós. Há que ter ideias grandes sobre Deus, que é magnânimo, que fará grandes coisas por nós, tal como as fez por Paulo, prisioneiro em Roma, e por Timóteo. Se o «dom», que Paulo recomenda reavivar a Timóteo, é um carisma sacerdotal, todos nós recebemos a graça da vocação cristã, os dons de Cristo, que não devemos pensar de modo humano, como os fariseus pensavam na ressurreição. São dons no Espírito que havemos de não deformar, mas renovar com o auxílio do Espírito. Por isso, é que convém varrer da nossa mente todas as ideias mesquinhas sobre a vida em Cristo, e conformar os nossos pensamentos à magnanimidade, ao amor, ao poder glorioso de Deus, com humildade e com esperança.
    O cristianismo é o evangelho da vida. A vida é a boa nova que o cristão anuncia a um mundo cada vez mais mergulhado numa cultura de morte. Só quem acredita em Cristo pode falar de uma vida que venceu a morte, e acreditar na imortalidade. E tem de fazê-lo, sem medo nem timidez, graças ao Espírito de força e de amor que lhe foi dado, como Paulo o fez em Roma, pouco antes da sua morte violenta. O cristão não é dispensado do drama do sofrimento nem da derrota da mo
    rte. Mas, é mesmo nessa experiência, das profundezas do abismo, que anuncia a esperança da vida que não morre. Lembremos as palavras de Bento XVI na encíclica Spe salvi sobre o modo como Santa Josefina Bakhita, raptada aos nove anos pelos traficantes de escravos, espancada barbaramente e vendida cinco vezes nos mercados do Sudão, e finalmente comprada, em 1882, por um comerciante italiano para o cônsul Callisto Legnani, chegou à esperança cristã. Em casa do cônsul, Bakhita acabou por conhecer um «patrão» totalmente diferente dos anteriores, isto é o Deus vivo, o Deus de Jesus Cristo. Soube que esse Senhor também a conhecia, a tinha criado e a amava. Mais ainda, soube que esse Patrão tinha enfrentado pessoalmente o destino de ser flagelado e agora estava à espera dela «à direita de Deus Pai». E assim nasceu nela a «esperança», a grande esperança, que vinha de ser definitivamente amada e esperada por esse Amor. E, então, deixou de se sentir escrava, passando a sentir-se livre filha de Deus (cf. Spe salvi 3).
    Nesta santa como que se tocam dois abismos: o da fragilidade humana e o do poder divino, como aconteceu em Jesus crucificado. Por isso, tal como Deus Pai ressuscitou o Filho, também há libertar das cadeias da morte todo aquele que não se envergonhar do Evangelho da Vida. De facto, não é um «Deus de mortos, mas de vivos» (v. 27).
    «Na Igreja, fomos iniciados na Boa Nova de Jesus Cristo: "Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem" (1 Jo 4,16). Recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança» (Cst 9).

    Oratio

    Senhor, Tu és o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. Tu é o Deus que ama a vida. Tudo existe e subsiste em Ti. Sem Ti, eu seria nada. Mas como és, e estás comigo, vibra em mim um frémito de eternidade. Eu Te bendigo, porque venho de Ti, vivo por Ti, e vou para Ti. Que eu saiba proclamar sempre a tua glória, e jamais me envergonhe do Evangelho ou tenha medo das incompreensões e recusas que a sua proclamação me pode acarretar. Dá-me a coragem de Paulo, que, mesmo agrilhoado, proclama o Evangelho da vida. Reaviva em mim o teu dom para que, também eu, seja um livre prisioneiro de Cristo, deixando-me amarrar eternamente pelas cadeias daquele amor divino que venceu a morte. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor dá-nos o exemplo. Aceita as perseguições, as zombarias, as calúnias, para nos consolar nas nossas provações, para nos encorajar e para nos ensinar também que a paciência tem diante de Deus um grande valor. «A paciência, diz S. Paulo, é a provação, mas a provação prepara a esperança» (Rom 5,4).
    Nosso Senhor quis ser julgado e condenado e sucumbir vítima da justiça humana, para nos ensinar o desprezo das acusações falsas, das zombarias, dos juízos falsos e temerários. São tantas provas que se tornam também esperanças e fontes de graças, se as suportarmos em espírito de fé.
    O «seja crucificado» de Jesus, é a minha salvação, obtida pela sua paciência, pelos seus sofrimentos, pelas suas expiações, pelo amor do seu Coração. O «seja crucificado» da minha má natureza, é ainda a salvação obtida pelo sacrifício, pela mortificação, pela paciência. Agradeço a Nosso Senhor, pela sua adorável paciência, que é para mim a salvação e o exemplo a seguir (Pe. Dehon, OSP 3, p. 347s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos» (Mc 12, 27).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Quinta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: 2 Timóteo 2, 8-15

    Caríssimo, 8tem sempre bem presente Jesus Cristo, ressuscitado de entre os mortos e nascido da linhagem de David, segundo o meu evangelho, 9pelo qual sofro mesmo estas cadeias, como se fosse um malfeitor. Mas a palavra de Deus não pode ser acorrentada. 10Por isso, tudo suporto pelos eleitos, para que também eles alcancem a salvação em Cristo Jesus e a glória eterna. 11É digna de fé esta palavra:Se com Ele morrermos, também com Ele viveremos. 12Se nos mantivermos firmes, reinaremos com Ele. Se o negarmos, também Ele nos negará. 13Se formos infiéis, Ele permanecerá fiel, pois não pode negar-se a si mesmo. 14Lembra-lhes estas coisas, advertindo seriamente em nome de Deus que não se envolvam em litígios de palavras. Isso não serve para nada e leva à ruína dos ouvintes. 15Esforça-te por te apresentares diante de Deus como trabalhador digno e irrepreensível, interpretando rectamente a palavra da verdade.

    A Segunda Carta a Timóteo, leva-nos comunidades cristãs da Ásia Menor, na última quarta parte do século I. Aí começavam a surgir controvérsias teológicas baseadas em diferentes interpretações da fé cristã. E cada uma tinha a pretensão de provir directamente da primeiríssima tradição e de assim obter o monopólio da interpretação da fé. Neste contexto, Timóteo lembra os conselhos do seu mestre, Paulo. Antes de discutir qualquer doutrina, há que ir ao único fundamento da fé, que é Jesus Cristo. A Teologia está sujeita à cristologia. Ser cristão é, fundamentalmente, acreditar em Jesus Cristo, naquele homem histórico concreto, conhecido de todos, e que continua misteriosamente presente na comunidade, depois da sua ressurreição. A vida do cristão é a vida de Cristo nele; é participação sempre renovada na morte e na vida gloriosa do Senhor, que misteriosamente sofre e ressuscita naquele que acredita nele. É o que se verifica em Paulo, preso «como um malfeitor» (v. 9), mas também convencido de «reinar com ele» (v. 12). Daqui, seguem duas consequências. Em primeiro lugar, os sofrimentos do cristão participam do valor redentor dos sofrimentos de Cristo e são, de facto, instrumento de salvação, na medida em que o cristão sofre, como Paulo, «por Cristo» e «morre com ele» (v. 11). Desde que o Filho de Deus morreu na cruz, nenhum sofrimento terreno é inútil, e nenhum crente pode sentir-se não responsável pela salvação dos outros. É a comunhão na cruz que dá a cada um a força para «tudo suportar» pelos irmãos, «para que também eles alcancem a salvação em Cristo Jesus e a glória eterna» (v. 10). E então - é a segunda consequência - a vida do cristão torna-se uma existência pascal, na memória da ressurreição de Jesus (v.8) e na profecia da sua própria ressurreição (v.11). Com estas perpectivas, o cristão não se perde em «em litígios de palavras» (v. 14), nem se envergonha da Palavra, mas proclama-a, ainda que, para isso, tenha de sofrer: «a palavra de Deus não pode ser acorrentada»(v. 9) .

    Segunda leitura: Marcos 12, 28b-34

    Naquele tempo, 28aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» 29Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; 30amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. 31O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» 32O escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e não existe outro além dele; 33e amá-lo com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» 34Vendo que ele respondera com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais ousava interrogá-lo.

    Depois dos fariseus, herodianos e saduceus, aparece um escriba de boa vontade, que faz uma pergunta simplesmente teórica, sem armadilhas mais ou menos camufladas. Era uma questão clássica e frequentemente debatida. A resposta de Jesus também não era completamente nova. Na verdade trata-se de uma questão central para Jesus e para todos os crentes. A resposta mais completa será dada com toda a sua vida.
    Jesus oferece ao escriba honesto uma resposta rigorosamente bíblica: remete-o para Dt 6, 4s. e para Lv 19, 18. Mas a compreensão plena da resposta só se obtém à luz da revelação, segundo a qual o nosso amor a Deus e ao próximo supõe um facto precedente e fundante: o amor de Deus para connosco. O amor de Deus é a medida com que se deve confrontar todo o amor humano. Se este nascer daquele, estender-se-á a toda a humanidade, a todo o homem sem distinções, e será um amor com toda a humanidade de que dispomos: o coração, a mente e a vontade. Este amor supera todo e qualquer acto de culto, sobretudo aquele que está separado do amor ao próximo. Notemos também a afirmação clara e incisiva do monoteísmo (vv. 29.32), em polémica com o ambiente pagão em que vivia a comunidade para quem Marcos escrevia o seu evangelho.

    Meditatio

    Para o escriba, a questão posta a Jesus era simplesmente intelectual. Mas, para Jesus, tratava-se de uma questão vital.
    O Senhor começa por apresentar o essencial da vontade de Deus, que consiste em amar a Deus e amar ao próximo: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Jesus unifica o primeiro e o segundo mandamento: «Não há outro mandamento maior que estes» (vv. 30-31). Só Jesus viveu este único mandamento de modo perfeito. O seu amor pelo Pai e por nós levou-o a morrer na cruz, dando a sua vida até às últimas gotas de sangue, que jorraram do seu Coração trespassado.
    O nosso coração foi criado por Deus, à imagem e semelhança do seu, isto é, capaz de amar, e de amar à maneira divina. É o maior sinal do amor de Deus pelo homem. O Criador não guardou ciosamente para Si o poder de amar, mas partilhou-o com a criatura. É por isso que, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos é o maior de todos os mandamentos. É o maior porque, antes de ser um mandamento, é um dom. E, se é maior que todos os hol
    ocaustos e todos os sacrifícios, quer dizer que o homem realiza a maior experiência do amor divino quando ama à maneira de Deus, porque só então se pode dar conta de quando foi amado pelo Eterno, a ponto de poder amar como Ele ama.
    É nesta linha que Paulo convida Timóteo, e todos nós, a sofrer e a morrer por Cristo, para que os irmãos sejam salvos. Esta comunhão no amor redentor da cruz, revela-nos o surpreendente mistério da comunhão de Deus com o homem, do amor divino com o amor humano. Graças a esta comunhão, o amor de Deus já está presente e visível na terra. Mais ainda: o próprio Deus amou com um rosto humano, e um coração de carne bate desde já, com ritmos eternos, no meio dos homens.
    As nossas Constituições lembram-nos: «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo» (n. 24). A nossa oblação, motivada e animada pelo amor oblativo de Cristo, torna-se instrumento de santificação para cada um de nós e para a Igreja, torna-se instrumento de redenção para o mundo. Por isso, as Constituições citam Paulo: «Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja» (Cl 1,24) (cf. Cst 24).

    Oratio
    Senhor Jesus, o Pai não quis holocaustos nem sacrifícios. Por isso, ofereceste-te a Ti mesmo e, num acto de perfeito amor filial, fizeste-te vítima e sacerdote, dom extremo de amor pelos teus: Por isso é que o teu discípulo amado, João, escreve: «Ele, que amara os seus, levou o seu amor por eles até ao extremo» (Jo 13, 1).
    Agradeço, adoro e alimento-me do teu sacrifício, do teu duplo amor, tornado um único amor. Ensina-me a amar como Tu amaste. Sabes quanto vivo à procura de mim mesmo, grudado ao meu egoísmo, mesmo quando procuro amar. Ensina-me o teu amor oblativo. Ensina-me a morrer contigo, para que o mundo seja salvo. E, estou certo, viverei contigo, para sempre.
    Dá-me o teu Coração, alimenta-me sempre da Eucaristia, para que viva em união contigo, de modo cada vez mais profundo. Assim poderei amar o próximo como Tu o amas, e cumprir toda a Lei e os Profetas. Amen.

    Contemplatio

    O amor do Coração de Jesus pelo seu Pai é o modelo do nosso amor. Jesus é o corifeu do amor das criaturas por Deus. Há certamente o amor dos Anjos e de algumas boas almas, mas o que é isto para Deus? Jesus veio e oferece ao Pai um amor digno. E Pai compraze-se nesse amor, como disse o próprio Jesus nas margens do Jordão.
    Jesus ama o Pai. Esse amor é a sua vida. Amou-o na sua vida mortal, ama-o na Eucaristia, e ama-o no céu. Cumpre sempre o grande preceito: «Amarás o Senhor com todo o teu coração, com toda a sua alma, com todas as tuas forças».
    Entre os homens, Deus é tão pouco amado! Somos ingratos. Esquecemos Aquele de quem temos tudo: a vida, o perdão, a graça, a esperança do céu. E, no entanto, pede-nos o nosso coração: Filho, dá-me o teu coração (Pr 23, 26). Incapazes de O amarmos bem, por nós mesmos, amemo-lo pelo Coração de Jesus. Este divino Coração pertence-nos, suprirá à nossa impotência. Começarei, portanto, esta vida de amor em união com o Coração de Jesus. Amigo de Deus, amarei tudo o que me aproxima dele: a oração, o recolhimento, a visita ao Santíssimo Sacramento, a santa comunhão.
    Amar o próximo como o Coração de Jesus e com ele. O amor de Jesus pelos homens é o modelo daquele que devemos ter. Quanto Jesus nos amou! Porque é que o Filho de Deus se fez homem? Porque é que escolheu uma vida de pobreza, de trabalho e de sofrimento? Por nós e pela nossa salvação! O seu amor é a única explicação dos mistérios de Belém, de Nazaré, da Agonia e do Calvário. «Amou-me e entregou-se por mim» (Gal 2). Foi por nós também que quis permanecer na Eucaristia, e por nós ainda que intercede no céu.
    Jesus é caridade, como Deus é caridade. - A caridade é também o seu mandamento: «Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei», diz-nos (Jo 15). - «Se Jesus, diz S. João, sacrificou por nós a sua vida, devemos também estar prontos a sacrificar a nossa pelos nossos irmãos» (1Jo 3).
    Deus pede raramente um tal sacrifício, mas pede ao menos que pratiquemos a doçura e a paciência. Devemos mostrar-nos serviçais, sofrer as contrariedades, assistir aos infelizes, rezar pelos pecadores. Devemos ser afáveis e delicados, prestar serviços ao próximo, não o criticar nem o desprezar. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 607s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Amarás o Senhor, teu Deus, e o teu próximo como a ti mesmo» (cf. Mc 12, 30-31).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    IX Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    7 de Junho, 2024

    Tempo Comum – Anos Pares
    IX Semana – Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Timóteo 3, 10-17

    Caríssimo, 10Tu seguiste de perto o meu ensinamento, o meu modo de vida e os meus planos, a minha fé e a minha paciência, o meu amor fraterno e a minha firmeza, 11as perseguições e sofrimentos que tive de suportar em Antioquia, Icónio e Listra. Que perseguições tive de suportar! Mas de todas elas me livrou o Senhor. 12E assim também todos os que quiserem viver a fé em Cristo Jesus serão perseguidos. 13Quanto a esses perversos e impostores, irão de mal a pior, extraviando outros e extraviando-se a si próprios. 14Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e de que adquiriste a certeza, bem ciente de quem o aprendeste. 15Desde a infância conheces a Sagrada Escritura, que te pode instruir, em ordem à salvação pela fé em Cristo Jesus. 16De facto, toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, 17a fim de que o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa.

    A fé de Timóteo está autenticada pelas perseguições e sofrimentos que passou com Paulo: «Tu seguiste de perto o meu ensinamento, o meu modo de vida e os meus planos, a minha fé e a minha paciência, o meu amor fraterno e a minha firmeza, as perseguições e sofrimentos que tive de suportar» (vv. 10-11). Se Cristo sofreu, todo o discípulo há-de estar disposto a sofrer: «todos os que quiserem viver a fé em Cristo Jesus serão perseguidos» (v. 12). Paulo sofreu, e Timóteo participou nesses sofrimentos. Por isso, deve permanecer firme no que aprendeu e lhe foi transmitido. Deus é fiel, e há-de libertá-lo de todas as tribulações, que serão garantia da autenticidade da sua fé e do seu ensinamento.
    Em seguida, Paulo aponta duas dimensões vitais da fé. Em primeiro lugar, ela é recebida, das Escrituras e do testemunho de outros crentes, tais como os familiares. A fé recebida é, depois, submetida a um processo de aprendizagem que leva à convicção pessoal (v. 14), à fé, como sabedoria cristã, síntese de conhecimento orante e praxe coerente, que, de qualquer modo, passa pela provação, tornando-se fé provada e vivida. A Escritura, inspirada por Deus, tem o importante papel de «ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (v. 16) o crente e o mestre da fé.

    Segunda leitura: Marcos 12, 35-37

    Naquele tempo, 35ensinando no templo, Jesus tomou a palavra e perguntou: «Como dizem os doutores da Lei que o Messias é filho de David? 36O próprio David afirmou, inspirado pelo Espírito Santo: Disse o Senhor ao meu Senhor: ‘Senta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés’. 37O próprio David chama-lhe Senhor; como é Ele seu filho?» E a numerosa multidão ouvia-o com agrado.

    Terminado o diálogo com o escriba excepcionalmente honesto, o evangelista retoma a polémica com os outros escribas e fariseus para dar um ensinamento da máxima importância sobre o mistério da sua pessoa, e levantar muito discretamente o véu, que esconde o seu segredo messiânico. De acordo com a tradição judaica, fundada na promessa a Natan (2 Sam 7, 14), e confirmada pelos grandes profetas da esperança messiânica, o Messias devia ser um descendente de David. Mas, no Sl 110, 1, David chama «meu Senhor» ao Messias: «como é Ele seu filho» (v. 37). Com esta pergunta deixada em suspenso, Jesus rompe, mais uma vez, esquemas feitos e tidos por seguros, que parecem afastar o esforço por acreditar. Ao mesmo tempo incita-nos a reflectir, e a deixar-nos descobrir pelo mistério da sua pessoa, a não presumirmos saber tudo sobre Ele. Há que reflectir sempre sobre a «experiência de Deus» que já fizemos.
    Jesus não recusa a ascendência davídica do Messias, quer que ultrapassemos a lógica limitada da continuidade histórica dinástica, porque a promessa de Deus vai além dos critérios da sucessão hereditária. O dom do Pai, no Filho, vai muito além de tudo quanto a mente humana possa entender, porque será sempre um dom inédito e surpreendente.

    Meditatio

    A Sagrada Escritura é Palavra que vem do coração de Deus e fala ao nosso coração. Não é uma Palavra simplesmente escrita. É uma Palavra «aberta» por Jesus. Se assim não fosse, permaneceria enigmática e incompreensível, apesar da sua beleza.
    Paulo incita Timóteo a aprofundar as Escrituras, porque «toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (v. 16).
    Hoje, graças ao Senhor, dispomos de muitos meios para ler e compreender as Sagradas Escrituras. O concílio Vaticano II como que oficializou a Lectio divina, uma antiquíssima forma de ler a Bíblia, que estava adormecida na Igreja, principalmente depois das controvérsias da Reforma. A Lectio divina é, no fundo, uma leitura crente e orante da Bíblia que encontra as suas raízes no Novo Testamento. Lucas apresenta-nos Jesus a convidar os discípulos de Emaús a reler o Antigo Testamento a partir do acontecimento da Páscoa (Lc 24,13-35). E podemos dizer que os Evangelhos seguem, em grande parte, essa mesma dinâmica. A Lectio Divina pode assumir diferentes formulações e práticas. Mas, no essencial, consta dos quatro degraus indicados por Guigo II, o cartuxo, por volta de 1150: a leitura, a meditação, a oração e a contemplação. Este método de leitura da Sagrada Escritura pode contribuir em muito para que «o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa» (v. 17), também para o anúncio correcto e eficaz da Boa Nova. Este anúncio leva inevitavelmente quem o faz ao encontro da rejeição, se não mesmo da perseguição. Foi o que aconteceu com o divino Mestre. Mas essa rejeição e perseguição levam à bem-aventurança: «Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa» (Mt 5, 11). Paulo, e muitos outros arautos do Evangelho, viveram essas perseguições e experimentaram essa bem-aventurança.
    As nossas Constituições afirmam: «Prestamos atenção ao que o Espírito nos inspira, mediante a Palavra de Deus recebida na Igreja e através dos acontecimentos da vida» (n. 57). O Pe. Dehon dá-nos um extraordinário exemplo de «escuta da Palavra», desde seminarista, como testemunham os dois primeiros cadernos do seu «Diário». Quase todos os conteúdos das suas notas têm raiz na Escritura. As citações são tomadas sem qualquer diferença tanto do Antigo como do Novo Testamento. Em 138 páginas manuscritas contamos 210 citações da Sagrada Escritura. A sua preferência vai para S. João (57 vezes) e para S. Paulo (38 vezes).
    Preparado pela “escuta da Palavra”, meditada e assimilada, Leão Dehon vive generosa e alegremente as exig
    ências do seu espírito de oblação, de reparação e de imolação.
    As palavras do evangelho de hoje são misteriosas: «Como dizem os doutores da Lei que o Messias é filho de David?… O próprio David chama-lhe Senhor; como é Ele seu filho?»(cf. vv. 35-37). Jesus insinua o mistério da sua pessoa: é filho de David, mas também Filho de Deus, Unigénito do Pai. É Ele quem no-lo revela. É por Ele que obtemos a salvação.

    Oratio

    Senhor, abre o meu coração à tua Palavra, aumenta a minha fé, incendeia o meu amor. E, então, poderei dar-te graças, porque iluminas a minha vida, dás sentido àquilo que faço, me ensinas, me convences, me corriges e formas em mim o homem novo. Também Te dou graças porque a tua palavra me dá força e me sustenta nas provações. Nela, a verdade brilha como o sol. Mas também Te agradeço por aquelas vezes em que a tua palavra é obscura e misteriosa, dura e amarga, e me penetra «como espada de dois gumes», pondo à luz os meus medos, as minhas feridas, os meus monstros, os meus demónios, provocando-me a buscar-te onde não queria que estivesses, onde não me leva o coração, muito para além dos meus gostos pessoais.
    Dá-me, Senhor, a coragem de Paulo nas provações. Faz com que aprenda, como Timóteo, a «permanecer firme» na Palavra, e naquilo que a Igreja me ensina, para que a minha fé seja recebida da Escritura e provada na vida. Amen.

    Contemplatio

    A Sagrada Escritura constitui, juntamente com a divina Eucaristia, o alimento da nossa vida espiritual. É uma parte do nosso pão supersubstancial: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que saí da boca de Deus (Mt 4, 4).
    Os Sacerdotes do Coração de Jesus, desejosos de fazer crescer em si mesmos a vida sobrenatural, farão da Sagrada Escritura o seu alimento quotidiano. Será o seu estudo preferido.
    Na Sagrada Escritura, com a ajuda da meditação, aprenderão a conhecer melhor o Coração de Jesus, objecto exclusivo do seu amor.
    O Apóstolo S. João é, de modo particular, o apóstolo do amor, o teólogo do Coração de Jesus. Mas todos os livros sagrados falam do Salvador.
    No Antigo Testamento, Jesus é anunciado, figurado, preparado. No Evangelho, encontramo-l’O vivo na terra: lá se encontram as suas palavras e os seus mistérios. Nas Epístolas, nos Actos dos Apóstolos e no Apocalipse, encontramos ainda Jesus que continua presente na Igreja e está glorioso no céu.
    Todas as leituras da Sagrada Escritura e de autores ascéticos devem servir-nos para melhor conhecermos a Jesus, a fim de aprendermos a amá-l’O melhor.
    A conclusão destas leituras, como também das nossas orações, deve ser sempre um amor novo e mais ardente ao Coração de Jesus.
    Cada um de nós leia todos os dias um trecho da Escritura Sagrada e faça a leitura espiritual (Leão Dehon, Directório Espiritual, nn. 143-144).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Permanece firme no que aprendeste» (2 Tm 3, 14).

    | Fernando Fonseca, scj |

     

  • IX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    8 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Timóteo 4, 1-8

    Caríssimo: 1Diante de Deus e de Cristo Jesus, que há-de julgar os vivos e os mortos, peço-te encarecidamente, pela sua vinda e pelo seu Reino: 2proclama a palavra, insiste em tempo propício e fora dele, convence, repreende, exorta com toda a compreensão e competência. 3Virão tempos em que o ensinamento salutar não será aceite, mas as pessoas acumularão mestres que lhes encham os ouvidos, de acordo com os próprios desejos. 4Desviarão os ouvidos da verdade e divagarão ao sabor de fábulas. 5Tu, porém, controla-te em tudo, suporta as adversidades, dedica-te ao trabalho do Evangelho e desempenha com esmero o teu ministério. 6Quanto a mim, já estou pronto para oferecer-me como sacrifício; avizinha-se o tempo da minha libertação. 7Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel. 8A partir de agora, já me aguarda a merecida coroa, que me entregará, naquele dia, o Senhor, justo juiz, e não somente a mim, mas a todos os que anseiam pela sua vinda.

    Paulo sente-se no crepúsculo da vida: «avizinha-se o tempo da minha libertação» (v. 7). O testo que hoje escutamos é a parte mais comovedora do testamento espiritual, que muitos vêem na Segunda Carta a Timóteo. O Apóstolo, por um lado, está consciente dos perigos que rondam a comunidade, e por outro, como dissemos, sabe que o seu fim se aproxima. E então esconjura o seu discípulo Timóteo a que nada deixe ao acaso, para anunciar a todos o Evangelho: «Tu, porém, controla-te em tudo, suporta as adversidades, dedica-te ao trabalho do Evangelho e desempenha com esmero o teu ministério» (v. 5). Timóteo deve sentir-se responsável pelo anúncio da Boa Nova, porque é da escuta da Palavra que vem a salvação (cf. Rm 10, 17). Os tempos são difíceis, é verdade. A Palavra corre o risco de ser sufocada por «fábulas». O prurido das novidades pode prevalecer sobre a escuta da verdade. Mas Timóteo, e todo aquele que está à frente de uma comunidade cristã, não podem baixar os braços. Devem, sim, vigiar, saber suportar, insistir, avisar, repreender, cumprir a missão de arautos do Evangelho até ao fim, até dar a vida, como Paulo.
    O Apóstolo sabe que o seu fim se aproxima. Mas isso não o entristece. Como um atleta que já avista a meta, e a vitória, Paulo está cheio de alegria. A sua vida vai ser oferecida em sacrifício de amor a Deus, tal como a vida de Jesus. É bom viver e morrer em oblação pela salvação dos outros. É bom regressar ao Pai depois de ter realizado a missão recebida. Paulo faz da sua fidelidade um veemente apelo à de Timóteo. Se conservar fielmente o depósito da fé que lhe foi confiado, receberá «a merecida coroa», resposta de amor do Senhor àqueles que «anseiam pela sua vinda» (v. 8). Todas estas exortações de Paulo brotam, como verificamos, de uma experiência profunda e dolorosa: está prestes a ser sacrificado e tem a consciência tranquila, porque observou as regras de combate expostas a Timóteo.

    Segunda leitura: Marcos 12, 38-44

    Naquele tempo, 38continuando o seu ensinamento, Jesus dizia: «Tomai cuidado com os doutores da Lei, que gostam de exibir longas vestes, de ser cumprimentados nas praças, 39de ocupar os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes; 40eles devoram as casas das viúvas a pretexto de longas orações. Esses receberão uma sentença mais severa.»
    41Estando sentado em frente do tesouro, observava como a multidão deitava moedas. Muitos ricos deitavam muitas. 42Mas veio uma viúva pobre e deitou duas moedinhas, uns tostões. 43Chamando os discípulos, disse: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou no tesouro mais do que todos os outros; 44porque todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria, deitou tudo quanto possuía, todo o seu sustento.»

    Jesus aponta duas atitudes erradas nos escribas: a vaidade e a hipocrisia. A vaidade revela-se nas longas vestes, no prazer em ser cumprimentados publicamente, na presunção de ocupar sempre os primeiros lugares. A hipocrisia revela-se em ostentarem grande devoção, prolongando os tempos de oração comum, só para darem nas vistas. A sua pretensa religiosidade torna-se ainda mais escandalosa quando não revelam qualquer pudor na opressão dos fracos e dos indefesos. Os escribas são homens impuros, incapazes de fazerem dom de si mesmos a Deus e ao próximo. Mesmo quando oferecem avultadas quantias ao templo, apenas revelam o seu egoísmo e a convicção de que são indispensáveis à causa de Deus. A viúva pobre, pelo contrário, lançou no tesouro do templo duas moedinhas, uns cêntimos. Mas «deitou tudo quanto possuía» (v. 44). Não julgava fazer uma grande oferta, nem «ajudar» a Deus. Mas tinha um coração puro. Amava a Deus e entregava-se a Ele completamente. É por isso que Jesus a apresenta aos discípulos como exemplo.

    Meditatio

    A primeira leitura e o evangelho, que hoje escutamos, completam-se reciprocamente. Paulo põe de sobreaviso Timóteo, e a comunidade a que preside, para o perigo de se deixarem levar por «mestres que lhes encham os ouvidos, de acordo com os próprios desejos» (v. 3). Por outras palavras, Paulo previne Timóteo, e a sua comunidade, contra a vã curiosidade nas leituras, nos divertimentos e nas doutrinas. No evangelho, Jesus fala de mestres que procuram satisfazer a própria vaidade, buscando honras, cumprimentos nas praças e «os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes» (v. 39).
    Também nós, hoje, corremos o risco de nos deixar levar pelas «fábulas» dos falsos mestres, que nos batem à porta, que encontramos na rua e que, sobretudo, vemos, ouvimos e lemos nos meios de comunicação social. Tanto a primeira leitura, como o evangelho, nos alertam para esse perigo.
    Mas há mais: tanto em Paulo como na viúva pobre, encontramos a coragem de amar e de viver aquilo em que crêem, até às últimas consequências. É por essa razão que Paulo está na prisão, e continua a anunciar o Evangelho, enquanto espera a morte. É por isso que a viúva pobre oferece a Deus tudo o que tem, nada reservando para as suas próprias necessidades. As duas leituras exaltam a fé dos apóstolos e dos mártires, a fé dos simples e humildes, mas também a força da própria fé e a sua coerência, fruto de uma paixão interior, que, unida à convicção da mente, é actuada na vida prática. Paulo está devorado pela sua paixão pelo Evangelho e pelo seu anúncio, tal como a viúva pobre está totalmente presa pela centralidade e pelo primado de Deus na sua vida. E, quando a fé se torna paixão, que envolve a mente, o coração, a vontade, os sentidos, a emotividade, as mãos, os pés, todo o seu ser, o crente já não teme dar tudo e entregar a si mesmo a Deus, por amor, e só por amor. Paulo oferece a sua vida
    em sacrifício de amor a Deus, tal como Jesus oferecera a sua. O Apóstolo sabe que é bom viver e morrer em oblação pela salvação dos outros, que é bom regressar ao Pai, depois de ter realizado a missão recebida. A viúva pobre também sabe que, dando tudo o que tem, ainda que sejam apenas «uns cêntimos» (v. 42), dá «mais do que todos os outros» (v. 43), por era «tudo quanto possuía, todo o seu sustento» (v. 44).
    Cristo deu-se inteiramente ao Pai e aos homens com um amor sem reservas (Cst 41). Como cristãos, e particularmente como dehonianos, havemos de estar dispostos, não só a dar tudo, mas também a dar-nos totalmente, sem reservas Àquele que tudo deu por nós. Numa carta escrita aos seus missionários, o Pe. Dehon mostrava-se orgulhoso por esses filhos, porque iam para terras longínquas, entregando tudo, e entregando-se inteiramente, à missão de alargar o Reino do Coração de Jesus, a viver a vida de reparação e de imolação, que a sua vocação exige. E, acrescenta o Fundador, «devem desejar morrer na missão, para que o sacrifício seja mais completo e sem reservas, para fazer conhecer e amar o bom Deus e o amor do Coração de Jesus, especialmente na Eucaristia».

    Oratio

    Senhor, quanto me sinto semelhante aos doutores da Lei, na minha vaidade, na minha auto-suficiência, que me tornam presumido diante de Ti e hipócrita diante dos meus irmãos. E quanto me sinto longe, mas também atraído, pelo exemplo de Paulo e da viúva pobre.
    Dá-me, Senhor, a coerência de Paulo, aquela coerência que o levou à prisão, mas que também lhe deu força, e autoridade moral, para pedir a Timóteo coragem no anúncio do Evangelho. Dá-me a fé corajosa e linear da viúva, que te deu tudo, e confiou na tua Providência.
    Interceda por mim a Virgem Maria, a humilde serva que se ofereceu a Si mesma Contigo, pela salvação do mundo. Amen.

    Contemplatio

    Desde o primeiro instante da sua vida humana, Jesus formula no seu coração os sentimentos que exprimiam os antigos sacrifícios. Substitui-se a todas as vítimas, que não eram senão figurativas. Oferece-se ao seu pai, dá-se. Torna-se hóstia, oblação, holocausto e vítima. Começa o sacrifício da obediência e da submissão à vontade de seu Pai; adora, dá graças, reza, repara.
    Ecce venio! Eis aqui, ó meu Pai, para suprir às vítimas imperfeitas do passado; eis-me aqui para vos oferecer doravante e sem interrupção a homenagem perfeita da adoração, do amor, da oração, da reparação.
    Estes actos formam o Coração espiritual de Jesus. Está deles penetrado, identifica-se com eles.
    Mas a nossa fraca inteligência não se dá conta da perfeição desta oblação senão supondo actos sucessivos.
    Vemos primeiro no Coração imolado de Jesus um acto de adoração e de amor, e para exprimir esta adoração, aniquilamentos infinitos.
    Jesus confessa a absoluta dependência na qual está diante da absoluta Majestade de seu Pai.
    Proclama que lhe deve tudo, e para lhe fazer um sacrifício de tudo o que é, abaixa-se até ao nada, como o explica S. Paulo (Fil 2, 6); porque foi bem o nada que esta natureza humana tomou na sua pobreza, na sua infinita pequenez, com a carga de todos os pecados dos homens.
    E este coração humilhado funde-se no amor da infinita beleza divina.
    Mas mais o Verbo de Deus se abaixa, mais devemos exaltá-lo com os nossos louvores (Leão Dehon, OSP 4, p. 414).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Estou pronto a oferecer-me em sacrifício» (2 Tm 4, 6).

    | Fernando Fonseca, scj |

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