Liturgia

Week of Abr 10th

  • Domingo de Ramos – Ano C

    Domingo de Ramos – Ano C


    10 de Abril, 2022

    ANO C
    DOMINGO DE RAMOS NA PAIXÃO DO SENHOR

    Tema do Domingo de Ramos

    A liturgia deste último Domingo da Quaresma convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz (que a liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus) apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.
    A primeira leitura apresenta-nos um profeta anónimo, chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projectos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de Jesus.
    A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até ao dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe.
    O Evangelho convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz revela-se o amor de Deus, esse amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total.

    LEITURA I – Is 50,4-7

    Leitura do Livro de Isaías
    O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo,
    para que eu saiba dizer uma palavra de alento
    aos que andam abatidos.
    Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos,
    para eu escutar, como escutam os discípulos.
    O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
    e eu não resisti nem recuei um passo.
    Apresentei as costas àqueles que me batiam
    e a face aos que me arrancavam a barba;
    não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
    Mas o senhor Deus veio em meu auxílio,
    e por isso não fiquei envergonhado;
    tornei o meu rosto duro como pedra,
    e sei que não ficarei desiludido.

    AMBIENTE
    No livro do Deutero-Isaías (Is 40-55), encontramos quatro poemas que se destacam do resto do texto (cf. Is 42,1-9;49,1-13;50,4-11;52,13-53,12). Apresentam-nos uma figura enigmática de um “servo de Jahwéh”, que recebeu de Deus uma missão. Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem carácter universal; concretiza-se no sofrimento, na dor e no abandono incondicional à Palavra e aos projectos de Deus. Apesar de a missão terminar num aparente insucesso, a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o perdão para o pecado do povo. Deus aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus detractores e adversários.
    Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura colectiva que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a ser um testemunho de Deus no meio do sofrimento em que vive? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.
    O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de Jahwéh”.

    MENSAGEM
    O texto dá a palavra a um personagem anónimo, que fala do seu chamamento por Deus para a missão. Ele não se intitula “profeta”; porém, narra a sua vocação, com os elementos típicos dos relatos proféticos de vocação.
    Em primeiro lugar, a missão que este “profeta” recebe de Deus tem claramente a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles que necessitam de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de Deus, para que possa depois apresentar – com fidelidade – essa Palavra de Deus para os homens.
    Em segundo lugar, a missão profética realiza-se no sofrimento e na dor. É um tema sobejamente conhecido da literatura profética: o anúncio das propostas de Deus provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam quase sempre em dor e perseguição. No entanto, o profeta não se demite: a paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento.
    Em terceiro lugar, vem a expressão de confiança no Senhor, que não abandona aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas que tem a força de Deus, torna o profeta mais forte do que a dor e o sofrimento. Por isso, o profeta “não será confundido”.

    ACTUALIZAÇÃO
    A reflexão pode fazer-se de acordo com as seguintes coordenadas:
    - Não sabemos, efectivamente, quem é este “servo de Jahwéh”; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a libertação/salvação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera vida nova.
    - Jesus, o “servo” sofredor que faz da sua vida um dom por amor, mostra aos seus seguidores o caminho: a vida, quando é posta ao serviço da libertação dos pobres e dos oprimidos, não é perdida mesmo que pareça, em termos humanos, fracassada e sem sentido. Temos a coragem de fazer da nossa vida uma entrega radical ao projecto de Deus e à libertação dos nossos irmãos? O que é que ainda entrava a nossa aceitação de uma opção deste tipo? Temos consciência de que, ao escolher este caminho, estamos a gerar vida nova para nós e para os nossos irmãos?
    - Temos consciência de que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o nosso mundo?

    SALMO RESPONSORIAL Sal. 21 (22), 8-9.17-18a.19-20.23-24 (R. 2a)

    Refrão: Meu Deus, meu Deus,
    porque me abandonastes?

    Todos os que me vêem escarnecem de mim,
    estendem os lábios e meneiam a cabeça:
    «Confiou no Senhor, Ele que o livre,
    Ele que o salve, se é seu amigo».

    Matilhas de cães me rodearam,
    cercou-me um bando de malfeitores.
    Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
    posso contar todos os meus ossos.

    Repartiram entre si as minhas vestes
    e deitaram sortes sobre a minha túnica.
    Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
    sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.

    Hei-de falar do vosso nome aos meus irmãos,
    hei-de louvar-Vos no meio da assembleia.
    Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
    glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
    reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.

    LEITURA II – Filip 2,6-11

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses

    Cristo Jesus, que era de condição divina,
    não Se valeu da sua igualdade com Deus,
    mas aniquilou-Se a Si próprio.
    Assumindo a condição de servo,
    tornou-Se semelhante aos homens.
    Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
    obedecendo até à morte e morte de cruz.
    Por isso Deus O exaltou
    e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
    para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
    no céu, na terra e nos abismos,
    e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
    para glória de Deus Pai.

    AMBIENTE
    A cidade de Filipos era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia directamente do imperador; gozava, por isso, dos mesmos privilégios das cidades de Itália. A comunidade cristã, fundada por Paulo, era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da colecta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8,1-5), por quem Paulo nutria um afecto especial. Apesar destes sinais positivos, não era, no entanto, uma comunidade perfeita… O desprendimento, a humildade e a simplicidade não eram valores demasiado apreciados entre os altivos patrícios que compunham a comunidade.
    É neste enquadramento que podemos situar o texto que esta leitura nos apresenta. Paulo convida os Filipenses a encarnar os valores que marcaram a trajectória existencial de Cristo; para isso, utiliza um hino pré-paulino, recitado nas celebrações litúrgicas cristãs: nesse hino, ele expõe aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo.

    MENSAGEM
    Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino. Dado que os Filipenses são cristãos, quer dizer, dado que Cristo é o protótipo a cuja imagem estão configurados, têm a iniludível obrigação de comportar-se como Cristo. Como é o exemplo de Cristo?
    O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão (o homem que reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu – cf. Gn 3,5.22) e Cristo (o Homem Novo que, ao orgulho e revolta de Adão responde com a humildade e a obediência ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.
    Em traços precisos, o hino define o “despojamento” (“kenosis”) de Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir, para dar a vida, para revelar totalmente aos homens o ser e o amor do Pai. Não deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-Se servidor dos homens, para garantir vida nova para os homens. Esse “abaixamento” assumiu mesmo foros de escândalo: Ele aceitou uma morte infamante – a morte de cruz – para nos ensinar a suprema lição do serviço, do amor radical, da entrega total da vida.
    No entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem um fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projectos do Pai resultaram em ressurreição e glória. Em consequência da sua obediência, do seu amor, da sua entrega, Deus fez d’Ele o “Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a terra e os infernos”) reconhece Jesus como “o senhor” que reina sobre toda a terra e que preside à história.
    É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida que Paulo faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo esse Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos; esse caminho não levará ao aniquilamento, mas à glorificação, à vida plena.

    ACTUALIZAÇÃO
    Para reflexão, podem considerar-se as seguintes indicações:
    - Os valores que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser demasiado apreciados em muitos dos nossos ambientes contemporâneos. De acordo com os critérios que presidem ao nosso mundo, os grandes “ganhadores” não são os que põem a sua vida ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o mundo com agressividade, com auto-suficiência e fazem por ser os melhores, mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à frente dos outros. Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo e a ser competitivo) conviver com estes valores?
    - Paulo tem consciência de que está a pedir aos seus cristãos algo realmente difícil; mas é algo que é fundamental, à luz do exemplo de Cristo. Também a nós é pedido, nestes últimos dias antes da Páscoa, um passo em frente neste difícil caminho da humildade, do serviço, do amor: será possível que, também aqui, sejamos as testemunhas da lógica de Deus?

    ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Filip 2,8-9

    Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.
    Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
    Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
    Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
    Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.
    Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
    Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

    Cristo obedeceu até à morte e morte de cruz.
    Por isso Deus O exaltou
    e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes.

    EVANGELHO – Lc 22,14-23,56 (forma longa) ou Lc 23,1-49 (forma breve)
    N Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
    N Quando chegou a hora,
    Jesus sentou-Se à mesa com os seus Apóstolos
    e disse-lhes:
    J «Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa,
    antes de padecer;
    pois digo-vos que não tornarei a comê-la,
    até que se realize plenamente no reino de Deus».
    N Então, tomando um cálice, deu graças e disse:
    J «Tomai e reparti entre vós,
    pois digo-vos que não tornarei a beber do fruto da videira,
    até que venha o reino de Deus».
    N Depois tomou o pão e, dando graças,
    partiu-o e deu-lho, dizendo:
    J «Isto é o meu corpo entregue por vós.
    Fazei isto em memória de Mim».
    N No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo:
    J «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue,
    derramado por vós.
    Entretanto, está comigo à mesa
    a mão daquele que Me vai entregar.
    O Filho do homem vai partir, como está determinado.
    Mas ai daquele por quem Ele vai ser entregue!»
    N Começaram então a perguntar uns aos outros
    qual deles iria fazer semelhante coisa.
    Levantou-se também entre eles uma questão:
    qual deles se devia considerar o maior?
    Disse-lhes Jesus:
    J «Os reis da nações exercem domínio sobre elas
    e os que têm sobre elas autoridade são chamados malfeitores.
    Vós não deveis proceder desse modo.
    O maior entre vós seja como o menor
    e aquele que manda seja como quem serve.
    Pois quem é o maior: o que está à mesa ou o que serve?
    Não é o que está à mesa?
    Ora Eu estou no meio de vós como aquele que serve.
    Vós estivestes sempre comigo nas minhas provações.
    E Eu preparo para vós um reino,
    como meu Pai o preparou para Mim:
    comereis e bebereis à minha mesa, no meu reino,
    e sentar-vos-eis em tronos,
    a julgar as doze tribos de Israel.
    Simão, Simão, Satanás vos reclamou
    para vos agitar na joeira como trigo.
    Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça.
    E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos».
    N Pedro respondeu-Lhe:
    R «Senhor, eu estou pronto a ir contigo,
    até para a prisão e para a morte».
    N Disse-lhe Jesus:
    J «Eu te digo, Pedro: não cantará hoje o galo,
    sem que tu, por três vezes, negues conhecer-Me».
    N Depois acrescentou:
    J «Quando vos enviei sem bolsa nem alforge nem sandálias,
    faltou-vos alguma coisa?».
    N Eles responderam que não lhes faltara nada.
    Disse-lhes Jesus:
    J «Mas agora, quem tiver uma bolsa pegue nela,
    bem como no alforge;
    e quem não tiver espada venda a capa e compre uma.
    Porque Eu vos digo
    que se deve cumprir em Mim o que está escrito:
    ‘Foi contado entre os malfeitores’.
    Na verdade, o que Me diz respeito está a chegar ao fim».
    N Eles disseram:
    R «Senhor, estão aqui duas espadas».
    N Mas Jesus respondeu:
    J «Basta».
    N Então saiu
    e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras
    e os discípulos acompanharam-n’O.
    Quando chegou ao local, disse-lhes:
    J «Orai, para não entrardes em tentação».
    N Depois afastou-Se deles cerca de um tiro de pedra
    e, pondo-Se de joelhos, começou a orar, dizendo:
    J «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice.
    Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua».
    N Então apareceu-Lhe um Anjo, vindo do Céu, para O confortar.
    Entrando em angústia, orava mais instantemente
    e o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue,
    que caíam na terra.
    Depois de ter orado,
    levantou-Se e foi ter com os discípulos,
    que encontrou a dormir, por causa da tristeza.
    Disse-lhes Jesus:
    J «Porque estais a dormir?
    Levantai-vos e orai, para não entrardes em tentação».
    N Ainda Ele estava a falar,
    quando apareceu uma multidão de gente.
    O chamado Judas, um dos Doze, vinha à sua frente
    e aproximou-se de Jesus, para O beijar.
    Disse-lhe Jesus:
    J «Judas, é com um beijo que entregas o Filho do homem?»
    N Ao verem o que ia suceder,
    os que estavam com Jesus perguntaram-Lhe:
    R «Senhor, vamos feri-los à espada?»
    N E um deles feriu o servo do sumo sacerdote,
    cortando-lhe a orelha direita.
    Mas Jesus interveio, dizendo:
    J «Basta! Deixai-os».
    N E, tocando na orelha do homem, curou-o.
    Disse então Jesus aos que tinham vindo ao seu encontro,
    príncipes dos sacerdotes, oficiais do templo e anciãos:
    J «Vós saístes com espadas e varapaus,
    como se viésseis ao encontro dum salteador.
    Eu estava todos os dias convosco no templo
    e não Me deitastes as mãos.
    Mas esta é a vossa hora e o poder das trevas.
    N Apoderaram-se então de Jesus,
    levaram-n’O e introduziram-n’O em casa do sumo sacerdote.
    Pedro seguia-os de longe.
    Acenderam uma fogueira no meio do pátio,
    sentaram-se em volta dela
    e Pedro foi sentar-se no meio deles.
    Ao vê-lo sentado ao lume,
    uma criada, fitando os olhos nele, disse:
    R «Este homem também andava com Jesus».
    N Mas Pedro negou:
    R «Não O conheço, mulher».
    N Pouco depois, disse outro, ao vê-lo:
    R «Tu também és um deles».
    N Mas Pedro disse:
    R «Homem, não sou».
    N Passada mais ou menos uma hora,
    afirmava outro com insistência:
    R «Esse homem, com certeza, também andava com Jesus,
    pois até é galileu».
    N Pedro respondeu:
    R «Homem, não sei o que dizes».
    N Nesse instante – ainda ele falava – um galo cantou.
    O Senhor voltou-Se e fitou os olhos em Pedro.
    Então Pedro lembrou-se da palavra do Senhor,
    quando lhe disse:
    ‘Antes do galo cantar, Me negarás três vezes’.
    E, saindo para fora, chorou amargamente.
    Entretanto, os homens que guardavam Jesus
    troçavam d’Ele e maltratavam-n’O.
    Cobrindo-Lhe o rosto, perguntavam-Lhe:
    R «Adivinha, profeta: Quem te bateu?»
    N E dirigiam-Lhe muitos outros insultos.
    Ao romper do dia,
    reuniu-se o conselho dos anciãos do povo,
    os príncipes dos sacerdotes e os escribas.
    Levaram-n’O ao seu tribunal e disseram-Lhe:
    R «Diz-nos se Tu és o Messias».
    N Jesus respondeu-lhes:
    J «Se Eu vos disser, não acreditareis
    e, se fizer alguma pergunta, não respondereis.
    Mas o Filho do homem sentar-Se-á doravante
    à direita do poder de Deus».
    N Disseram todos:
    R «Tu és então o Filho de Deus?»
    N Jesus respondeu-lhes:
    J «Vós mesmos dizeis que Eu sou».
    N Então exclamaram:
    R «Que necessidade temos ainda de testemunhas?
    Nós próprios o ouvimos da sua boca».
    N Levantaram-se todos e levaram Jesus a Pilatos.
    N Começaram a acusá-l’O, dizendo:
    R «Encontrámos este homem a sublevar o nosso povo,
    a impedir que se pagasse o tributo a César
    e dizendo ser o Messias-Rei».
    N Pilatos perguntou-Lhe:
    R «Tu és o Rei dos judeus?»
    N Jesus respondeu-lhe:
    J «Tu o dizes».
    N Pilatos disse aos príncipes dos sacerdotes e à multidão:
    R «Não encontro nada de culpável neste homem».
    N Mas eles insistiam:
    R «Amotina o povo, ensinando por toda a Judeia,
    desde a Galileia, onde começou, até aqui».
    N Ao ouvir isto, Pilatos perguntou se o homem era galileu;
    e, ao saber que era da jurisdição de Herodes,
    enviou-O a Herodes,
    que também estava nesses dias em Jerusalém.
    Ao ver Jesus, Herodes ficou muito satisfeito.
    Havia bastante tempo que O queria ver,
    pelo que ouvia dizer d’Ele,
    e esperava que fizesse algum milagre na sua presença.
    Fez-Lhe muitas perguntas, mas Ele nada respondeu.
    Os príncipes dos sacerdotes e os escribas que lá estavam
    acusavam-n’O com insistência.
    Herodes, com os seus oficiais, tratou-O com desprezo
    e, por troça, mandou-O cobrir com um manto magnífico
    e remeteu-O a Pilatos.
    Herodes e Pilatos, que eram inimigos,
    ficaram amigos nesse dia.
    Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes,
    os chefes e o povo, e disse-lhes:
    R «Trouxestes este homem à minha presença
    como agitador do povo.
    Interroguei-O diante de vós
    e não encontrei n’Ele nenhum dos crimes de que O acusais.
    Herodes também não, uma vez que no-l’O mandou de novo.
    Como vedes, não praticou nada que mereça a morte.
    Vou, portanto, soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
    N Pilatos tinha obrigação de lhes soltar um preso
    por ocasião da festa.
    E todos se puseram a gritar:
    R «Mata Esse e solta-nos Barrabás».
    N Barrabás tinha sido metido na cadeia
    por causa de uma insurreição desencadeada na cidade
    e por assassínio.
    De novo Pilatos lhes dirigiu a palavra,
    querendo libertar Jesus.
    Mas eles gritavam:
    R «Crucifica-O! Crucifica-O!»
    N Pilatos falou-lhes pela terceira vez:
    R Mas que mal fez este homem?
    Não encontrei n’Ele nenhum motivo de morte.
    Por isso vou soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
    N Mas eles continuavam a gritar,
    pedindo que fosse crucificado,
    e os seus clamores aumentavam de violência.
    Então Pilatos decidiu fazer o que eles pediam:
    soltou aquele que fora metido na cadeia
    por insurreição e assassínio,
    como eles reclamavam,
    e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam.
    N Quando o conduziam,
    lançaram mão de um certo Simão de Cirene,
    que vinha do campo,
    e puseram-lhe a cruz às costas,
    para a levar atrás de Jesus.
    Seguia-O grande multidão de povo
    e mulheres que batiam no peito
    e se lamentavam, chorando por Ele.
    Mas Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes:
    J «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim;
    chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos;
    pois dias virão em que se dirá:
    ‘Felizes as estéreis, os ventres que não geraram
    e os peitos que não amamentaram’.
    Começarão a dizer aos montes: ‘Caí sobre nós’;
    e às colinas: ‘Cobri-nos’.
    Porque, se tratam assim a madeira verde,
    que acontecerá à seca?».
    N Levavam ainda dois malfeitores
    para serem executados com Jesus.
    Quando chegaram ao lugar chamado Calvário,
    crucificaram-n’O a Ele e aos malfeitores,
    um à direita e outro à esquerda.
    Jesus dizia:
    J «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem».
    N Depois deitaram sortes,
    para repartirem entre si as vestes de Jesus.
    O povo permanecia ali a observar.
    Por sua vez, os chefes zombavam e diziam:
    R «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo,
    se é o Messias de Deus, o Eleito».
    N Também os soldados troçavam d’Ele;
    aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
    R «Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo».
    N Por cima d’Ele havia um letreiro:
    «Este é o rei dos judeus».
    Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados
    insultava-O, dizendo:
    R «Não és Tu o Messias?
    Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
    N Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
    R «Não temes a Deus,
    tu que sofres o mesmo suplício?
    Quanto a nós, fez-se justiça,
    pois recebemos o castigo das nossas más acções.
    Mas Ele nada praticou de condenável».
    N E acrescentou:
    R «Jesus, lembra-Te de mim,
    quando vieres com a tua realeza».
    N Jesus respondeu-lhe:
    J «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».
    N Era já quase meio-dia,
    quando as trevas cobriram toda a terra,
    até às três horas da tarde,
    porque o sol se tinha eclipsado.
    O véu do templo rasgou-se ao meio.
    E Jesus exclamou com voz forte:
    J «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito».
    N Dito isto, expirou.
    N Vendo o que sucedera,
    o centurião deu glória a Deus, dizendo:
    R «Realmente este homem era justo».
    N E toda a multidão que tinha assistido àquele espectáculo,
    ao ver o que se passava, regressava batendo no peito.
    Todos os conhecidos de Jesus,
    bem como as mulheres que O acompanhavam
    desde a Galileia,
    mantinham-se à distância, observando estas coisas.
    N Havia um homem chamado José, da cidade de Arimateia,
    que era pessoa recta e justa e esperava o reino de Deus.
    Era membro do Sinédrio, mas não tinha concordado
    com a decisão e o proceder dos outros.
    Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus.
    E depois de o ter descido da cruz,
    envolveu-o num lençol
    e depositou-o num sepulcro escavado na rocha,
    onde ninguém ainda tinha sido sepultado.
    Era o dia da Preparação
    e começavam a aparecer as luzes do sábado.
    Entretanto,
    as mulheres que tinham vindo com Jesus da Galileia
    acompanharam José e observaram o sepulcro
    e a maneira como fora depositado o corpo de Jesus.
    No regresso, prepararam aromas e perfumes.
    E no sábado guardaram o descanso, conforme o preceito.

    AMBIENTE
    Com a chegada de Jesus a Jerusalém e os acontecimentos da semana santa, chegamos ao fim do “caminho” começado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho de Lucas, para aqui, para Jerusalém: é aí que deve irromper a salvação de Deus. Em Jerusalém, Jesus vai realizar o último acto do programa enunciado em Nazaré: da sua entrega, do seu amor afirmado até à morte, vai nascer esse Reino de homens novos, livres, onde todos serão irmãos no amor; e, de Jerusalém, partirão as testemunhas de Jesus, a fim de que esse Reino se espalhe por toda a terra e seja acolhido no coração de todos os homens.

    MENSAGEM
    A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma missão: anunciar a Boa Nova aos pobres, sarar os corações feridos, pôr em liberdade os oprimidos. Para concretizar este projecto, Jesus passou pelos caminhos da Palestina “fazendo o bem” e anunciando a proximidade de um mundo novo, de vida, de liberdade, de paz e de amor para todos. Ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham o coração mais disponível para acolher o Reino; e avisou os “ricos”, os poderosos, os instalados, de que o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, o fechamento só podiam conduzir à morte.
    O projecto libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável – com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder, influência, domínio, privilégios; não estavam dispostos a arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, prenderam Jesus, julgaram-n’O, condenaram-n’O e pregaram-n’O na cruz.
    A morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do Reino: resultou das tensões e resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que dominavam este mundo.
    Podemos também dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada com sangue), daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço.
    Na cruz de Jesus, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este Homem Novo vai assumir como missão a luta contra o pecado, isto é, contra todas as causas objectivas que geram medo, injustiça, sofrimento, exploração, morte. Assim, a cruz contém o dinamismo de um mundo novo – o dinamismo do Reino.
    Para além da reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus, convém ainda notar alguns dados que são exclusivos da versão lucana da paixão:
    · No relato da instituição da Eucaristia, só Lucas põe Jesus a dizer: “fazei isto em memória de Mim” (cf. Lc 22,19). A expressão não quer só dizer que os discípulos devem celebrar o ritual da última ceia e repetir as palavras de Jesus sobre o pão e sobre o vinho; mas quer, sobretudo, dizer que os discípulos devem repetir a entrega de Jesus, a doação da vida por amor.
    · Só Lucas coloca no contexto da última ceia a discussão acerca de qual dos discípulos seria o “maior” e a resposta de Jesus (cf. Lc 22,24-27). Jesus avisa os seus que “o maior” é “aquele que serve”; e apresenta o seu próprio exemplo de uma vida feita serviço e dom. Estas palavras soam a “testamento” e convocam os discípulos para fazerem da sua vida um serviço aos irmãos, ao jeito de Jesus.
    · No jardim das Oliveiras, só Lucas faz referência ao aparecimento do anjo e ao “suor de sangue” (cf. Lc 22,42-44). Esta cena acentua a fragilidade humana de Jesus que, no entanto, não condiciona a sua submissão total ao projecto do Pai; e sublinha a presença de Deus, que não abandona nos momentos de prova aqueles que acolhem, na obediência, a sua vontade.
    · Também no relato da paixão aparece a ideia fundamental que perpassa pela obra de Lucas: Jesus é o Deus que veio ao nosso encontro, a fim de manifestar a todos os homens, em gestos concretos, a bondade e a misericórdia de Deus. Essa ideia está presente no gesto de curar o guarda ferido por Pedro no Jardim do Getsemani (cf. Lc 22,51); está também presente nas palavras de Jesus na cruz: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” – Lc 23,34 (é desconcertante o amor de um Filho de Deus que morre na cruz pedindo desculpa ao Pai para os seus assassinos); está, ainda, presente nas palavras que Jesus dirige ao criminoso que morre numa cruz, ao seu lado: “hoje mesmo estarás comigo no paraíso” – Lc 23,43 (é desconcertante a bondade de um Deus que faz de um assassino o primeiro santo canonizado da sua Igreja).
    · Todos os sinópticos falam da requisição de Simão de Cirene para levar a cruz de Jesus (cf. Mt 27,32; Mc 15,21); no entanto, só Lucas refere que Simão transporta a cruz “atrás de Jesus” (cf. Lc 23,26). Este dado serve a Lucas para apresentar o modelo do discípulo: é aquele que toma a cruz de Jesus e O segue no seu caminho de entrega e de dom da vida (“se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-mM” – Lc 9,23; cf. 14,27).
    ACTUALIZAÇÃO
    Reflectir a partir das seguintes linhas:
    Celebrar a paixão e morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, tremeu perante a morte, suou sangue antes de aceitar a vontade do Pai; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir connosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes.
    Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade… Significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias. Significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens. Significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de um dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE RAMOS
    (adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Ramos, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. O EVANGELHO DA PAIXÃO… PROCLAMADO E ACOLHIDO.
    Neste Domingo de Ramos temos a leitura da Paixão, na sua forma longa ou na forma breve. O leccionário propõe uma leitura dialogada. Procurar que os vários leitores a preparem com afinco para que a Palavra seja bem proclamada (e bem acolhida!) e não apenas recitada (e mal percebida!). A proclamação por vários leitores deve ajudar à concentração na Palavra e à sua interiorização profunda e não à dispersão e a um acolhimento superficial. Se tal ajudar, pode-se prever um breve tempo de silêncio (ou um refrão apropriado) entre cada sequência da Paixão.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
    No final da primeira leitura:
    Pai, nós Te damos graças pelo testemunho de não-violência dado e ensinado pelos teus profetas e, sobretudo, pelo teu Filho Jesus.
    Nós Te pedimos: vem em nosso auxílio, desperta-nos em cada manhã para a escuta da tua Palavra, ensina-nos com o teu Espírito de paciência. Que nós saibamos reconfortar aqueles que não aguentam mais viver.
    No final da segunda leitura:
    Cristo Jesus, nós Te adoramos e bendizemos: Tu, que és de condição divina, despojaste-Te e fizeste-Te servidor. Pai, nós Te glorificamos, porque o teu Filho humilhado até ao extremo pelos homens, Tu O revelaste acima de tudo.
    Nós Te pedimos pela nossa humanidade que continua a sofrer e a fazer sofrer: levanta-a e cura-a com o teu Espírito de ressurreição.

    No final do Evangelho:
    Jesus, Filho do Deus vivo, nós Te bendizemos por esta revelação admirável que Tu fizeste ao bom ladrão, pela qual fortificas a nossa esperança: «hoje mesmo estarás comigo no paraíso».
    Em nome de todos os nossos irmãos e irmãs mergulhados na dor e na infelicidade, nós Te pedimos: «No teu Reino, lembra-te de nós, Senhor».

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    É difícil fazer calar uma multidão. Na descida do monte das Oliveiras, a multidão de Jerusalém aclama Jesus: “Bendito o que vem, o nosso rei, em nome do Senhor!” Mas uma multidão pode ser manipulada e acabar por dizer o contrário. Assim, alguns dias mais tarde, ela gritará: “Morte a este homem! Crucifica-o!” Jesus não quer calar a multidão que O aclama, porque, se eles se calam, as pedras falarão! Será um malfeitor, crucificado junto d’Ele, que O reconhecerá como rei: “Jesus, lembra-Te de mim, quando vieres com a tua realeza”. Será um centurião, um pagão do exército romano, a fazer um acto de fé: “Realmente este homem era justo!” As pedras não terão necessidade de gritar, porque estes dois homens recusaram calar-se: já o Espírito os animava e fazia-lhes dizer a verdade. Quanto a Jesus, é por ter dito a verdade que é levado à morte. De facto, a verdade desarranja… O trono que espera este rei é a cruz e a sua coroa será de espinhos: na fraqueza manifestar-se-á o poder de Deus, o poder do Amor!

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Dante definiu São Lucas como “o escriba da misericórdia de Deus”. De facto, mesmo no relato da Paixão, sem esquecer os sofrimentos de Jesus, em particular a sua angústia na agonia do monte das Oliveiras, Lucas continua a revelar até ao fim a misericórdia do Pai. Ele guardou memória de três palavras de Jesus. Primeira palavra de Jesus: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Jesus não se limita a perdoar, vai mais longe. Ele sabe que a fonte de todo o amor e de todo o perdão não está n’Ele, mas no Pai. Ele apresenta-Se diante do Pai como o intercessor a quem o Pai nada pode recusar. Ele apaga-Se, para que vejamos que é a vontade do Pai que se está a cumprir. É a oração de sempre de Jesus por nós, Ele que está sempre vivo para interceder em nosso favor. Segunda palavra de Jesus, que é a resposta ao “bom ladrão”: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso”. A eficácia do perdão que o Pai dá por Jesus não suporta qualquer adiamento. Jesus apaga definitivamente a imagem de um Deus terrível e vingador, que nada deixa passar. Cremos num Deus Pai que perdoa “setenta vezes sete”. Terceira palavra de Jesus, que é um grito de uma infinita confiança no seu Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Jesus acolheu sempre, na liberdade da sua consciência humana, o amor que Lhe dava o seu Pai. Sempre esteve nas mãos do Pai. Mesmo na sua última palavra, Jesus manifesta a sua adesão a este amor infinito do seu Pai, à sua vontade de salvação, de misericórdia, para além de tudo o que possamos imaginar.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se rezar a Oração Eucarística II pela sua densidade e brevidade. No início, pode inserir-se uma referência ao Domingo de Ramos, como primeiro dia da Semana Santa em que celebramos já o dia da ressurreição…

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
    «Hossana! Crucifica-O!…» Gritos de alegria! Gritos de ódio!… A mesma multidão! E o nosso grito hoje? Somos discípulos de Jesus quando tudo vai bem… e prontos a negá-l’O quando nos sentimos comprometidos com Ele? Durante a Semana Santa, tomemos o tempo de parar com Paulo a fim de revivificar a nossa fé em “Cristo Jesus imagem de Deus… abaixando-Se até à morte de Cruz… elevado acima de tudo…”. Ousemos proclamá-lo pela nossa vida “Cristo e Senhor para a glória do Pai”! Vivamos a Semana Santa na oração e na contemplação de Jesus Cristo, a essência do nosso ser e da comunhão de irmãos em Igreja!

    https://youtu.be/iWbY_KWLGho

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • Segunda - Semana Santa

    Segunda - Semana Santa


    11 de Abril, 2022

    Segunda - Semana Santa

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 42, 1-7

    1 «Eis o meu servo, que Eu amparo, o meu eleito, que Eu preferi. Fiz repousar sobre ele o meu espírito, para que leve às nações a verdadeira justiça. 2 Ele não gritará, não levantará a V04 não clamará nas ruas. 3 Não quebrará a cana rachada, não apagará a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a fidelidade a verdadeira justiça. 4 Não desanimará, nem desfalecerá, até estabelecer na terra o direito, as leis que os povos das ilhas esperam dele. 5 Eis o que diz o Senhor Deus, que criou os céus e os estendeu, que consolidou a terra com a sua vegetação, que deu vida aos seus habitantes, e o alento aos que andam por ela. 6 Eu, o Senhor, chamei-te por causa da justiça, segurei-te pela mão; formei-te e designei-te como aliança de um povo e luz das nações; 7 para abrires os olhos aos cegos, para tirares do cárcere os prisioneiros, e da prisão, os que vivem nas trevas.

    A liturgia apresenta-nos, hoje, a figura do Servo de Javé, que nos ajuda a entrar no mistério pascal, que celebramos com particular intensidade. A eleição, a missão e o sofrimento desta misteriosa figura, são profecia do destino de Cristo. De facto, a sua missão é de capital importância, mas extremamente difícil. Por isso, o próprio Deus o apoia. Este Servo é consagrado com o espírito profético, para levar a todas as nações «a verdadeira justiça», isto é, o conhecimento dos juízos de Deus. A missão do Servo é descrita tendo como pano de fundo os costumes de Babilónia, onde o «arauto do grande rei» era encarregado de proclamar pelas ruas da cidade os decretos de condenação à morte. Se, ao terminar a volta, ninguém se erguesse para defender o condenado, o arauto quebrava a cana e apagava a lâmpada que levava, para indicar que a condenação se tornara irrevogável.

    Mas o Servo do único verdadeiro rei, que é Deus, não quebra a cana, nem apaga a lâmpada. Sendo portador do juízo de Deus, não vai para condenar, mas para salvar. Com a força da mansidão e com a firmeza da verdade, cumpre a sua missão, levando às mais remotas paragens a Lei que todos esperam (cf. v. 4).

    A figura do Servo realiza-se em Cristo, simultaneamente servo sofredor e libertador da humanidade, escolhido para realizar a salvação, iluminar os povos, e estabelecer a nova e eterna aliança (cf. v. 6), selada com o seu sangue.

    Evangelho: João 12, 1-11

    1 Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde vivia Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. 20fereceram-Ihe lá um jantar. Marta servia e Lázaro era um dos que estavam com Ele à mesa. 3 Então, Maria ungiu os pés de Jesus com uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, e enxugou-lhos com os seus cabelos. A casa encheu-se com a fragrância do perfume. 4 Nessa altura disse um dos discípulos, Judas Isceriotes. aquele que havia de o entregar: 5 «Porque é que não se vendeu este perfume por trezentos denários, para os dar aos pobres?» 6 Ele, porém, disse isto, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa do dinheiro, tirava o que nela se deitava. 7 Então, Jesus disse: «Deixa que ela o tenha guardado para o dia da minha sepultura! 8 De facto, os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim não me tendes sempre.» 9Um grande número de judeus, ao saber que Ele estava ali, vieram, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. 10 Os sumos sacerdotes decidiram dar a morte também a Lázaro, 11 porque muitos judeus, por causa dele, os abandonavam e passavam a crer em Jesus.

    o cuidado de João em referir a cronologia dos acontecimentos com preosao permite-nos reviver pontualmente a graça dos últimos eventos que prepararam a páscoa de Jesus. O jantar de Jesus, em Betânia, é prelúdio da Última Ceia. A refeição, tomada em grupo, era um gesto sagrado porque indicava comunhão de sentimentos e de vida, e era ensejo para dar graças a Deus por todos os seus dons, a começar pela vida. No episódio que o evangelho de hoje refere, esse aspecto era realçado pela presença de Lázaro, «ressuscitado dos mortos- (v. 9). Mas, na cena descrita por João, tem particular realce Maria, com o seu gesto de amor adorante, sem cálculos nem medida. Essa mulher derrama sobre os pés de Jesus um perfume que podia custar o salário recebido por um trabalhador manual durante dez meses. E, anota João, «a casa encheu-se com a fragrância do perfume. (v. 3). Maria é imagem da Igreja-Esposa, unida ao sacrifício de Cristo-Esposo, que contrasta com a esquálida figura de Judas. O amor dilatou o coração de Maria, irmã de Lázaro, enquanto a mesquinhez fechou irremediavelmente o de Judas Iscariotes.

    Meditatio

    Ao meditar sobre o texto evangélico que a liturgia hoje nos oferece, o Pe. Dehon começa por nos convidar a contemplar Maria Madalena que «traz aos pés de Jesus o perfume simbólico do seu amor e da sua reparação». É belo deter-nos nesta cena, tão cheia de afecto e de amizade, numa página carregada de presságios e interrogações. O nosso seguimento de Jesus pode desenrolar-se como caminho da morte à vida, como aconteceu a Lázaro, ou como solicitude atenta e cuidadosa no serviço ao Mestre e aos seus, como aconteceu com Marta; mas pode também assemelhar-se a um caminho de amor adorante, como aconteceu com Maria, ou a um caminho de resistências e de calculismos, que acabam por sufocar quem os segue, como aconteceu com Judas.

    É importante estar com Jesus, escutar a sua Palavra, partilhar a sua vida. Mas, mais importante ainda, é reconhecer e acolher o amor que Ele tem por nós, o amor que Ele é. Judas não o soube acolher. Por isso, condenou o «desperdício» de Maria, e fez cálculos, a pretexto de ajudar os pobres. Maria, pelo contrário, fez desse amor a sua vida. O Pobre, por excelência, é Jesus, que nos dá tudo quanto possui, tudo quanto é. Por isso, só Ele deve ser o centro da nossa vida, sem qualquer espécie de cálculos. O Mestre dá-nos tudo! Há que dar-lhe tudo, sem cálculos nem reservas. A nossa entrega total a Cristo acaba por beneficiar toda a Igreja: «a casa encheu-se com a fragrância do perfume>>{v. 3) .

    Maria estava longe de se aperceber da profundidade do seu gesto. Mas Jesus encarregou-Se de lha revelar: era já uma homenagem pelo sacrifício que estava para realizar: «Deixa que ela o tenha guardado para o dia da minha sepultura!» (v. 7). Jesus está para dar a sua vida, para derramar o seu sangue: «Isto é o meu corpo entregue ... este é o meu sangue derramado por VÓ9> (cf. Mt 26, 26s.). Era justo que Maria honrasse esse corpo oferecido, derramando sobre ele o perfume precioso. Participemos nessa homenagem de Maria. Vivamos esta semana em grande espírito de gratidão, de recolhimento, na emoção de sermos amados, e amados até à morte. Sejamos generosos com o Senhor que deu tudo e Se deu todo por nós. Correspondamos ao seu amor. Deixemo-nos amar. Tornemo-nos, cada vez mais, profetas desse amor.

    Oratio

    Senhor Jesus, concede-me a graça de viver estes dias da tua Paixão perto de Ti, de ser excessivamente generoso contigo, como foi Maria que «desperdiçou» um perfume tão precioso para Te honrar. Que jamais ceda à tentação de pensar que, aquilo que faço por Ti, podia ser útil para outros fins mais ou menos «piedosos» ... Dá-­me a graça de compreender, quanto é possível neste mundo, o teu amor por mim. Então compreenderei também que, tudo quanto faço por Ti, é pouco, ainda que pareça muito. Como Maria, e como o teu servo, Pe. Dehon, quero procurar-te assídua e fielmente, colocando-me na tua presença no começo de cada acção, vivendo junto de Ti e para Ti. Dá-me, Senhor, esta assiduidade que será alegria para o teu Coração, que será a minha santificação. Amen.

    Contemplatio

    Santa Madalena é o modelo de um amor sincero e verdadeiro, saído do mais perfeito arrependimento. Desde o momento da sua conversão, Madalena é generosa. Ela lança-se aos pés de Nosso Senhor, derrama abundantes lágrimas, afronta o respeito humano, consagra a Nosso Senhor perfumes de um grande preço. É já uma alma amante. Dá-se sem reservas a Nosso Senhor, e doravante o seguirá, fielmente o servirá.

    Nosso Senhor é tudo para ela. Mantém-se aos seus pés e é tudo. Em Betânia, não se agita para servir Nosso Senhor, contempla-o, escuta-o. Quem tem Jesus tem tudo.

    Quando Lázaro morre, que fé e que confiança ela testemunha! Marta agita-se ainda e Maria diz somente: «Mestre, se aqui tivésseis estado, e/e não estaria mortos, Marta e Maria são ambas amantes, mas testemunham o seu amor de um modo diferente: Marta é activa e Maria é contemplativa. Ambas são nossos modelos, devemos todos unir a contemplação à acção (Leão Dehon, OSP 3, p. 81).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «A fé opera por meio da caridade» (cf. Gal 5,6).

  • Quarta-feira - Semana Santa

    Quarta-feira - Semana Santa


    13 de Abril, 2022

    Quarta-feira - Semana Santa

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 50, 4-9a

    4 «O Senhor Deus ensinou-me o que devo dizer, para saber dar palavras de alento aos desanimados. Cada manhã desperta os meus ouvidos, para que eu aprenda como os discípulos. 50 Senhor Deus abriu-me os ouvidos, e eu não resisti, nem recusei. 6 Aos que me batiam apresentei as espáduas, e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me ultrajavam e cuspiam. 7 Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio; por isso não sentia os ultrajes. Endureci o meu rosto como uma pedra, pois sabia que não ficaria envergonhado. 80 meu defensor está junto de mim. Quem ousará levantar-me um processo? Compareçamos juntos diante do juiz! Apresente-se quem tiver qualquer coisa contra mim. 9 O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem poderá condenar-me?

    No terceiro cântico são acentuados os sofrimentos do Servo de Javé: hostilidade, perseguição, violência, fracasso. Como discípulo, o Servo não diz o que lhe agrada, mas tem por missão transmitir as palavras, que atentamente escuta do Senhor, aos desanimados e hesitantes. Por isso, não opõe resistência a Deus. Sabe que Deus está com ele e, por isso, mantém-se forte e manso diante dos perseguidores. Acolheu fielmente a Palavra e não recua diante da violência com que tentam afastá-lo ou reduzi-lo ao silêncio. Não se verga ao sofrimento, nem se deixa desnortear. Deus há intervir para o justificar diante dos opositores. Por isso, proclama com determinação e fidelidade a Palavra escutada da boca de Deus: «O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem o sará condener-me?» (v. 9).

    Evangelho: Mateus, 26, 14-25

    14 Então um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os sumos secerootes'íe disse-lhes: «Quanto me dareis, se eu vo-to entregar?» Eles garantiram­lhe trinta moedas de prata. 16 E, a partir de então, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus.

    17 No primeiro dia da festa dos Ázimos. os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-lhe: «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?» 18 Ele respondeu: «Ide à cidade, a casa de um certo homem e dizei-lhe: 'O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo; é em tua casa que quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos. ~> 1905 discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara e prepararam a Páscoa. 20 Ao cair da tarde, sentou-se à mesa com os Doze. 21 Enquanto comiam, disse: «Em verdade vos digo: Um de vós me há-de entregar.» 22 Profundamente entristecidos, começaram a perguntar-lhe, cada um por sua vez: «Porventura serei eu, Senhor?» 23 Ele respondeu: «O que mete comigo a mão no prato, esse me entregará. 240 Filho do Homem segue o seu caminho, como está escrito acerca dele; mas ai daquele por quem o Filho do Homem vai ser entregue. Seria melhor para esse homem não ter nascido!» 25 Judas, o traidor, tomou a palavra e perguntou: «Porventura serei eu, Mestre?» «Tu o disseste» - respondeu Jesus.

    «Um dos Doze», um dos amigos íntimos de Jesus foi entreqá-lO aos que O pretendiam matar. Foi por sua iniciativa, livremente. A partir desse momento, continuando no grupo dos discípulos, que partilhavam a vida e a missão do Mestre, ficou à espera de «uma oportunidsde: (v. 16) para O entregar. É arrepiante!

    A liberdade humana é capaz de tudo, até de se transcender na iniquidade, obra de Satanás (cf. Lc 22, 3 e Jo 13, 2). Mateus dá-o a entender, quando cita Zacarias: «Quanto me dareis, se eu vo-to entregar?» Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata» (v. 15; cf. Zc 11, 12). Mais significativo é o uso teológico do verbo «entregar» (paradídoml). Trata-se de uma «entrega-traição», da parte dos homens, e uma «entrega­dom», da parte do Pai, que entrega o Filho, e da parte do Filho que se entrega a Si mesmo até à morte na cruz (Jo 19, 30).

    Jesus sente que a sua «hora» se aproxima. Por isso, ordena que a celebração da Páscoa seja devidamente preparada. Deseja ardentemente comê-Ia com os discípulos pois, nela, o antigo memorial dará lugar ao novo, deixando-nos o seu Corpo e o seu Sangue como alimento e bebida. A entrega de Si mesmo acontece num ambiente toldado pelo anúncio da entrega-traição. Os discípulos mergulham num clima de insegurança e de desconfiança. Fazem perguntas a Jesus, chamando «Senhor» (Kyrios), enquanto Judas o chama simplesmente «Mestre. (Rabi). Mas Jesus é, de facto, Senhor. Por isso, conhece o traidor e reconhece que nele se cumprem as Escrituras. A insegurança dos discípulos representa a nossa própria insegurança perante a possibilidade de também nós virmos a atraiçoar e a negar Jesus.

    Meditatio

    A Paixão de Jesus não foi um acontecimento imprevisto. Tudo fora profeticamente anunciado, até o preço da traição (cf. Zac 11, 12-13). A referência à profecia de Zacarias leva-nos a ver Jesus como o rei manso e humilde de que fala o mesmo profeta (Zac 9, 9). Mas é sobretudo Isaías que profeticamente anuncia, com pormenores impressionantes, todo o drama de Jesus. A primeira leitura apresenta-nos, mais uma vez, o misterioso Servo de Javé, atormentado e humilhado, mas cheio de paciência, e de obediente e confiante abandono em Deus. É uma clara figura de Jesus na sua Paixão (vv. 5-6), onde se revelará a majestade de Deus-Pai.

    No evangelho encontramos, de um lado, Judas que atraiçoa o Mestre e, do outro lado, Jesus que dá orientações para a ceia pascal. Como mandavam os ritos, Jesus devia explicar o significado dessa refeição singular e solene. Fê-lo dando-lhe um sentido novo, em que se destacam dois elementos importantes: Jesus torna os seus discípulos participantes da sua dignidade e do seu destino; o seu sangue será derramado para remissão dos pecados.

    Entre a preparação e a celebração da ceia, é descoberto o traidor. Judas entrega Jesus, e Jesus entrega-Se a Si mesmo. A traição torna-se ocasião para o dom voluntário e total de Jesus. A sua morte torna-se fonte de vida. O seu Coração vence a morte e transforma-a em vida para o mundo.

    A Páscoa estava desde sempre preparada em Deus. Mas, quando o Filho do homem veio realizá-Ia no meio de nós, abriu-se para todo o homem um horizonte novo de ilimitada liberdade, a liberdade de amar dando a própria vida, para se reencontrar em plenitude no seio amante da Trindade.

    O Pe. Dehon, ao contemplar o "Coração trespassado do Salvador", contempla a glória de Cristo, isto é, a expressão suprema do Seu amor ao Pai e por nós, amor que O leva, em máxima liberdade, a morrer na Cruz (cf. Jo 17, 1; 13, 1). O Coração humano-divino de Cristo, o Coração trespassado, é a "expressão mais evocadora" desse amor, o símbolo que nos remete para ele; é também sinal de que esse amor se realiza "até ao fim' (Jo 13, 1); é testemunho, isto é, um amor feito vida, que aceita a morte para dar a vida.

    Segundo as convicções do Pe. Dehon derivadas do seu e "nosso carisma profético" (Cst. 27), cada um de nós, e particularmente os missionários, deve "dar a vida pelos seus amigos' (Jo 15, 13). É a suprema "prova de amizade" (Cst. 33) para com aqueles que servimos pastoralmente e para com os povos que os nossos missionários evangelizam: "Ninguém tem maior amor do que este' (Jo 15, 13). o amor leva a dar a vida, e a dá-Ia livremente.

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, queremos, hoje, confessar-nos diante de Ti. Para isso, pedimos-Te um coração arrependido, e palavras humildes e sinceras. Também nós Te vendemos, mais do que uma vez. Todos os dias especulamos sobre a tua pessoa, e vivemos desse miserável lucro. Nós, que tu amas! Como podes suportar-nos ainda na tua casa, a comer o pão das tuas lágrimas e a beber o sangue do teu sofrimento? Vendido por nós, por quase nada, compraste-nos com o preço infinito do teu sangue. Que, através da ferida do teu Coração, possamos ser introduzidos e estabelecidos para sempre na comunhão do teu amor. Amen.

    Contemplatio

    Esta preparação, ordenada pelo Salvador, mostra qual cuidado devemos dar aos nossos santuários, mas ensina também indirectamente como as nossas almas devem estar preparadas.

    Nosso Senhor pede um cenáculo de nobres proporções, com uma bela preparação e tapeçarias. É uma lição de liturgia. As nossas igrejas deverão ser dignas de Deus. Estarão adornadas com obras de arte. Os nossos altares e os nossos vasos sagrados nunca serão demasiado ricos.

    Mas se a Eucaristia pede santuários adornados, não pede também almas preparadas?

    Este cenáculo sumptuoso, todo ornamentado e preparado, é a figura da alma que deve receber a Eucaristia. Deve ser grande e vasta pelos seus desejos, pelos seus votos, pelas suas aspirações. Deve estar ornamentada com as virtudes que são como o vestido da alma. Para nela se comprazer, Nosso Senhor quer ver lá a cópia das suas próprias virtudes, das suas disposições, dos seus sentimentos. Um Mestre não tem maior alegria do que ver os seus discípulos assemelharem-se a ele (Leão Dehon, OSP 3, p. 235).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem poderá condenar-me?» (Is 50, 9).

     

  • Quinta-feira - Semana Santa

    Quinta-feira - Semana Santa


    14 de Abril, 2022

    Quinta-feira - Semana Santa

    A SANTA CEIA

    Coenantibus autem eis, accepit Jesus panem, et benedixit ac fregit, deditque discipulis suis, et ait: Accipite et comedite; hoc est corpus meum. Et accipiens cal icem, gratias egit, et dedit illis dicens: Bibite ex hoc omnes. Hic est enim sanguis meus novi Testamenti, qui pro multis effundetur in remissionem peccatorum... Erat autem recumbens unus ex discipulis ejus in sinu Jesu, quem diligebat Jesus (Mt 26, ; Jo 13).

    Enquanto comiam, tomou Jesus o pão e, depois de pronunciar a bênção, partiu-o e deu-o aos seus discípulos, dizendo: Tomai, comei. Isto é o meu corpo. Tomou, em seguida, um cálice, deu graças e entregou-lhes dizendo:

    Este é o meu sangue, sangue da aliança, que vai ser derramado por muitos para a remissão dos pecados ... Ora um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa junto do peito de Jesus (Mt 26, 26-28; Jo 13, 12).

    Primeiro Prelúdio. O Cenáculo. Jesus está como transfigurado no meio dos seus apóstolos. As fontes do amor vão abrir-se para darem ao mundo a Eucaristia.

    Segundo Prelúdio. Obrigado, Senhor. Com S. João, agradeço-vos, amo-vos, dou-me todo a vós.

    PRIMEIRO PONTO: A Eucaristia. - Ó prodígio inaudito! O Senhor supremo faz-se alimento da sua pobre e miserável criatura!

    Enquanto comiam, nesta noite da última Ceia, Jesus estava sentado com os seus discípulos. - Ergue os olhos para o seu Pai e recolhe-se numa ardente oração. Está como transfigurado. - Consideremos o céu aberto acima da sua cabeça: os Anjos admirados tremem de alegria e de temor ... de alegria: a Eucaristia inflamará e santificará tantos corações! Acenderá no seio da Igreja uma tal fogueira de dedicação e de amor!... de temor também: a Eucaristia encontrará tantos ingratos! Será profanada pelos Judas de todos os séculos!

    Escutemos as palavras de Jesus: «Tomai e comei, isto é o meu corpo; bebei, isto é o meu sangue ... ». - Eu vos saúdo, ó verdadeiro corpo, nascido da Virgem Maria!

    Verei os apóstolos aproximarem-se, tomarem o seu lugar nesta primeira comunhão ... Maria, a Mãe bem-amada de Jesus! Quem poderia dizer o ardor da sua caridade! É o seu Filho que ela recebe! É a carne, é o sangue que ela lhe deu! Correntes de amor sobem para o céu nos transportes desta casta união, destes santos arrebatamentos.

    «Fazei isto em minha memória -, acrescenta Jesus, e os seus apóstolos são feitos sacerdotes para a eternidade. Unamo-nos ao seu acto de fé e de amor.

    SEGUNDO PONTO: Judas! - A Paixão começa no Cenáculo, com a atitude de Judas tão cruelmente ofensiva para o Coração de Jesus. O traidor já vendeu o seu divino Mestre. Entretanto assiste hipocritamente à Ceia e à instituição da Eucaristia. Comunga sem dúvida sacrilegamente.

    Nosso Senhor experimenta abatimento e piedade. Tenta ainda salvá-lo. Adverte­o: «Um de vós, diz, que estais comigo a esta mesa, trair-me-e-, Isto devia recordar ao traidor a lamentação de David: «Se um inimigo me tivesse ofendido, tê-lo-ia suportado, mas vó~ um amigo que vivia à minha mesa ... »

    Nosso Senhor deixa manifestar a sua tristeza, não por causa de si mesmo, Ele sabe que deve morrer: «No que diz respeito ao Filho do homem, diz, vai acontecer segundo o que foi determineao». Mas entristece-se por causa do crime do seu discípulo: «Ai daquele, diz, pelo qual o Filho do homem é traido»: (Lc 22,22). Mas nada toca o pecador endurecido.

    Ó Coração sagrado, vítima dos homens, peço-vos perdão pela traição de Judas e pelos crimes que vos hão-de afligir, humilhar, e ferir até ao fim dos tempos sobre todos os altares da terra; perdão pelos cristãos indignos, perdão pelos sacerdotes apóstatas!

    TERCEIRO PONTO: S. João sobre o Coração de Jesus. - Entremos no Cenáculo no momento da acção de graças desta primeira comunhão da terra. S. João repousa com abandono e ternura sobre o Coração de Jesus. É a realização de um quadro do Cântico dos Cânticos: «O meu Bem-Amado é para mim e eu sou para ele ... Eu sou para o meu Bem-Amado e o seu Coração volta-se para min» (Cant. 2).

    Jesus compraze-se na sua imolação eucarística. Esta Páscoa fecunda, que Ele acaba de celebrar com os seus discípulos, renovar-se-à sobre o altar até ao fim dos tempos. É o maná do Novo Testamento, o pão da vida, o pão dos fortes, as delícias dos santos, o penhor da salvação e da ressurreição.

    S. João, o apóstolo virgem, o amigo do Esposo, o familiar de Cristo, extasia-se com a comunhão que acaba de fazer, deixa cair ternamente a sua cabeça sobre o peito do seu Mestre querido. Ele é puro, e a castidade dos sentidos e do coração permite ao homem a intimidade com Deus. Atracção inefável que desprende o discípulo da terra e o eleva à região superior da beatitude e do amor.

    O discípulo bem-amado apoia sobre o coração sagrado de Jesus os seus lábios donde brotarão os rios da teologia sagrada, a sua fronte que tantos raios maravilhosos de ciência e de sabedoria devem ornamentar, e cingir a auréola dos apóstolos, dos profetas, das virgens, dos mártires.

    Cristo reservou a ele somente, porque é puro, escrever com a sua mão os mistérios da pureza incriada, do Verbo de Deus feito carne pela salvação do mundo.

    S. João, discípulo bem-amado, atraí-nos convosco para o peito de Jesus quando estamos unidos a Ele na comunhão.

    Resoluções. - Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou por eles para lhes assinalar o seu amor! E eu que farei para lhe dar amor por amor? Irei à Eucaristia com uma pureza e um fervor que me aproximam das disposições de S. João.

    Colóquio com S. João.

    (Leão Dehon, OSP 3, p. 364ss. Tradução do Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ)

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