Liturgia

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  • 06º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    06º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    11 de Fevereiro, 2024

    Ano B

    6.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 6.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 6.º Domingo do Tempo Comum fala-nos de um Deus que ama e abraça, com ternura de pai e de mãe, todos os seus filhos e filhas, particularmente aqueles que os acidentes da vida magoaram e desfiguraram. Ele não exclui ninguém nem aceita que, em seu nome, se inventem sistemas de discriminação ou de marginalização dos irmãos.

    A primeira leitura apresenta-nos a legislação veterotestamentária que definia a forma de tratar com os leprosos. Em nome da saúde pública, mas também em nome de Deus e da santidade do Povo de Deus, as leis de Israel determinavam a exclusão do doente de qualquer contacto com a comunidade. O projeto de Deus para o mundo e para os homens passará por uma sociedade que deixa para trás os “diferentes”?

    O Evangelho mostra-nos como, em Jesus, Deus desce ao encontro dos seus filhos vítimas da rejeição e da exclusão, compadece-Se da sua miséria, estende-lhes a mão com amor, liberta-os dos seus sofrimentos, convida-os a integrar a comunidade do “Reino”. Deus não pactua com a discriminação e denuncia como contrários aos seus projetos todos os mecanismos de exclusão dos irmãos.

    A segunda leitura convida os cristãos a terem como prioridade a glória de Deus e o serviço dos irmãos. O exemplo supremo deve ser o de Cristo, que viveu na obediência incondicional aos projetos do Pai e fez da sua vida um dom de amor, ao serviço da libertação dos homens.

     

    LEITURA I – Levítico 13,1-2.44-46

    O Senhor falou a Moisés e a Aarão, dizendo:
    «Quando um homem tiver na sua pele
    algum tumor, impigem ou mancha esbranquiçada,
    que possa transformar-se em chaga de lepra,
    devem levá-lo ao sacerdote Aarão
    ou a algum dos sacerdotes, seus filhos.
    O leproso com a doença declarada
    usará vestuário andrajoso e o cabelo em desalinho,
    cobrirá o rosto até ao bigode e gritará:
    ‘Impuro, impuro!’
    Todo o tempo que lhe durar a lepra,
    deve considerar-se impuro
    e, sendo impuro, deverá morar à parte,
    fora do acampamento».

     

    CONTEXTO

    O Livro do Levítico trata, sobretudo, de questões relacionadas com o culto (que era incumbência dos sacerdotes, considerados membros da tribo de Levi). Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de discursos que Javé teria proferido diante de Moisés no Sinai e nos quais teria explicado ao Povo o que este deveria fazer para viver sempre em comunhão com Deus, no âmbito da Aliança.

    Na realidade, o livro apresenta um conjunto de leis, de preceitos, de ritos de épocas e proveniências diversas, reunidos ao longo de vários séculos e reelaborados pelos teólogos da “escola sacerdotal” (uma “escola” que, sobretudo a partir da época do Exílio na Babilónia, se empenhou em coligir e ordenar diversos materiais da tradição religiosa de Israel, particularmente os que diziam respeito à área de intervenção da classe sacerdotal). A grande maioria dessas leis, ritos e preceitos dizem respeito à vida cultual e pretendem ensinar os israelitas a viver como Povo de Deus e a responder, de forma adequada, ao amor e à solicitude do Deus da Aliança. Fundamentalmente, o Levítico preocupa-se em instilar na consciência dos fiéis que a comunhão com o Deus vivo é a verdadeira vocação do homem.

    O texto que nos é proposto pertence à terceira parte do Livro do Levítico (cf. Lv 11-16), conhecida como “lei da pureza”. Aí, apresentam-se os vários géneros de “impureza” que impedem o homem de se aproximar do santuário, bem como os ritos destinados a “purificar” o homem.

    A noção de “impureza” que aparece no Livro do Levítico está muito próxima da noção de “tabu” que os especialistas da história das religiões conhecem bem. Supõe-se que o homem deseja a sua vida balizada por regras bem definidas, que o protejam da angústia e do risco do desconhecido. Ora, nesta compreensão da existência, tudo o que é excecional, anormal, insólito, misterioso, é considerado como algo suscetível de libertar forças incontroláveis que o homem não domina e que podem destruir a harmonia e o equilíbrio pretendidos. Portanto, o mais seguro é erguer uma barreira que mantenha o homem afastado dessas realidades.

    Desde tempos imemoriais, certos “tabus” interditavam aos israelitas o contacto com determinadas realidades (o sangue, um cadáver, certos tipos de alimentos, etc.). Se o homem entrava em contacto com elas, ficava “impuro”. O contacto com a “impureza” não era pecado; mas o homem devia “limpar” a “impureza” contraída, logo que possível, a fim de reencontrar o equilíbrio e a harmonia. Só depois de purificado (isto é, de eliminado o estado de indignidade em que se encontrava), podia voltar a aproximar-se do Deus santo e a estabelecer comunhão com Ele.

    O caso mais grave de “impureza” era causado por uma doença – a lepra. É a essa realidade que o texto se refere.

    MENSAGEM

    O texto estabelece o procedimento a adotar, no caso de alguém contrair a “lepra”. A palavra “lepra” designa, aqui, um conjunto variado de afeções da pele, e não somente a doença que nós conhecemos, atualmente, com esse nome. No geral, utiliza-se a palavra “lepra” para designar vários tipos de enfermidade da pele, que deformam a aparência da pessoa afetada.

    Seja como for, a verdade é que esse leque de afeções aqui catalogado sob o nome geral de “lepra” é visto como um estado insólito e anormal, uma manifestação de forças misteriosas que ameaçam a harmonia e o equilíbrio da existência do homem. O “leproso” era, em consequência, segregado e afastado da convivência diária com as outras pessoas. Tal medida tinha, antes de mais, uma intenção higiénica e pretendia evitar o contágio. Significava, além disso, a dificuldade da comunidade em lidar com o insólito, o estranho, as forças misteriosas e inquietantes da doença (e, aqui, de uma doença particularmente repulsiva, que não podia ser tratada e que, potencialmente, levava à morte).

    No entanto, a segregação estabelecida pela legislação israelita para os “leprosos” tinha também um motivo religioso. Para a mentalidade tradicional do povo bíblico, Deus distribuía as suas recompensas e os seus castigos de acordo com o comportamento do ser humano. A doença era sempre um castigo de Deus para os pecados e infidelidades da pessoa. Ora, uma doença tão assustadora e repugnante como a “lepra” era tida como um castigo terrível para um pecado muito grave. O “leproso” era considerado, portanto, um pecador, especialmente amaldiçoado por Deus, indigno de pertencer à comunidade do Povo de Deus e que em nenhum caso podia ser admitido às assembleias onde Israel celebrava o culto na presença do Deus santo.

    Porque é que o “leproso” devia apresentar-se ao sacerdote? Quando alguém exteriorizava sinais de pecado e de indignidade, devia ser banido pelas autoridades competentes (os sacerdotes) da comunidade santa. O sacerdote não aplicava remédios nem tinha funções terapêuticas (embora a sua intervenção devesse ajudar a controlar o mal e a impedir o contágio). A sua ação destinava-se, sobretudo, a decidir da capacidade ou da incapacidade de alguém para integrar a comunidade do Povo de Deus e para ser admitido à presença do Deus santo.

    Não será difícil percebermos, do ponto de vista humano, a dificuldade da comunidade israelita em lidar com uma doença contagiosa especialmente grave e repugnante. Talvez nos seja mais difícil aceitar que, em nome de Deus e da santidade do Povo de Deus, se criem mecanismos de rejeição, de exclusão, de marginalização. Mas tudo isto irá ajudar-nos a entender melhor a revolução proposta por Jesus.

    INTERPELAÇÕES

    • A legislação levítica sobre os leprosos e a forma de lidar com eles mostra como o medo ou a repulsa podem gerar mecanismos de indiferença e de afastamento face a irmãos que, em contexto de doença e fragilidade, necessitam de amor e cuidado. Como lido com as pessoas doentes, idosas ou de qualquer outro modo feridas de fragilidade, que Deus colocou no meu caminho? Procuro que o amor que lhes devo fale mais alto do que o meu medo, a minha repugnância, o meu comodismo, o meu egoísmo, na hora de lhes prestar os cuidados de que necessitam?
    • A legislação religiosa de Israel determinou, em nome de Deus e da santidade de Deus, a exclusão e a marginalização de pessoas sem culpa especial. Marcou-as, cortou-lhes o acesso à comunidade, determinou que elas eram malditas à face de Deus, condenou-as à morte em vida. A nós, homens e mulheres do séc. XXI, formados na escola de Jesus, esse quadro deixa-nos inquietos. Mas talvez essa inquietação seja um bom ponto de partida para repensarmos algumas das nossas atitudes e comportamentos face aos nossos irmãos. Não será possível que os nossos preconceitos, a nossa preocupação com o legalismo, a nossa obsessão pelo politicamente correto estejam a criar marginalização e exclusão para alguns “diferentes” que se cruzam connosco? Não pode acontecer que, em nome de Deus, dos “sãos princípios”, da “verdadeira doutrina”, das exigências de radicalidade, estejamos a afastar as pessoas, a condená-las, a catalogá-las, a impedi-las de fazer uma verdadeira experiência de Deus e de comunidade?
    • Embora de forma indireta, o texto denuncia a atitude daqueles que, instalados nas suas certezas e seguranças, constroem um Deus à medida da pessoa e que atua segundo uma lógica humana, injusta, prepotente, criadora de exclusão e de marginalização. Não faz qualquer sentido criarmos um Deus que atue de acordo com os nossos esquemas mentais, com as nossas lógicas e preconceitos. Percebemos e acolhemos verdadeiramente a lógica de Deus na nossa vida?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 31 (32)

    Refrão:  Sois o meu refúgio, Senhor;
                  dai-me a alegria da vossa salvação.

    Feliz daquele a quem foi perdoada a culpa
    e absolvido o pecado.
    Feliz o homem a quem o Senhor não acusa de iniquidade
    e em cujo espírito não há engano.

    Confessei-vos o meu pecado
    e não escondi a minha culpa.
    Disse: Vou confessar ao Senhor a minha falta
    e logo me perdoastes a culpa do pecado.

    Vós sois o meu refúgio, defendei-me dos perigos,
    fazei que à minha volta só haja hinos de vitória.
    Alegrai-vos, justos, e regozijai-vos no Senhor,
    exultai, vós todos os que sois retos de coração.

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 10,31-11,1

    Irmãos:
    Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer coisa,
    fazei tudo para glória de Deus.
    Portai-vos de modo que não deis escândalo
    nem aos judeus, nem aos gregos, nem à Igreja de Deus.
    Fazei como eu, que em tudo procuro agradar a toda a gente,
    não buscando o próprio interesse, mas o de todos,
    para que possam salvar-se.
    Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo.

     

    CONTEXTO

    A segunda leitura que a liturgia deste 6.º domingo comum nos propõe é a conclusão do ensinamento de Paulo sobre o consumo da carne dos animais sacrificados nos santuários religiosos de Corinto (cf. 1 Cor 8-10).

    A propósito da segunda leitura do passado domingo, já vimos a definição da questão: uma parte da carne dos animais imolados em honra dos deuses, nos templos pagãos da cidade, era comercializada. Os cristãos, bem como os outros cidadãos de Corinto, compravam essa carne e usavam-na na alimentação do dia a dia. No entanto, alguns dos membros da comunidade cristã sentiam escrúpulos quanto a isto: comprar essas carnes e comê-las – como toda a gente fazia – não seria, de alguma forma, comprometer-se com os cultos idolátricos?

    Vimos também a resposta de Paulo: dado que os ídolos não são nada, comer dessa carne é indiferente; contudo, deve-se evitar escandalizar os mais débeis na fé. Se houver o perigo de ofender os sentimentos de algum irmão, evite-se comer da carne sacrificada nos santuários pagãos, a fim de não faltar à caridade.

    Na conclusão da sua reflexão sobre o tema, Paulo retoma e enuncia os elementos que apresentou anteriormente.

    MENSAGEM

    Paulo começa a sua exortação conclusiva com um primeiro imperativo: “fazei tudo para a glória de Deus” (10,31). Esse “tudo” é bem expressivo: já não se trata apenas do que se come, nem do que se bebe; mas trata-se da totalidade da vida: toda a ação do crente deve ter como finalidade a glorificação de Deus.

    Vem depois um segundo imperativo, desta vez em forma negativa: “não deis escândalo” (10,32). Antes, Paulo tinha-se referido a não causar escândalo junto dos mais débeis, como no caso do consumo das carnes imoladas aos ídolos; mas agora o olhar do apóstolo amplia-se às dimensões da cidade e do mundo. Abraça todos os homens e mulheres, de todas as raças e culturas e inclui naturalmente os irmãos na fé (da comunidade cristã de Corinto ou de qualquer outra Igreja). Não é lícito, ao crente, fazer mal seja a quem for. Os estudiosos de Paulo consideram que este segundo imperativo não é mais do que uma explicitação do primeiro: a glorificação de Deus passa pelo respeito absoluto por cada homem ou mulher com quem o crente se cruza no caminho. A este propósito Paulo refere – para ilustração dos coríntios – o seu próprio exemplo (10,33): ele, como os coríntios bem sabem, nunca procurou o seu próprio interesse, mas sim o bem de todos. O que sempre o moveu, na sua ação e missão, foi exclusivamente o amor aos irmãos a quem Deus o enviou a anunciar a Boa Notícia.

    O terceiro imperativo aparece logo a seguir (11,1): “sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo”. Explica porque é que, atrás, se tinha apresentado como exemplo: não é porque se ache melhor do que os outros, mas porque tem procurado, com toda a honestidade e coerência, imitar Cristo. Ora, Cristo não viveu ao sabor dos seus interesses próprios e dos seus projetos pessoais, mas deu a vida para que se concretizasse o projeto salvador do Pai em favor dos homens. Cristo tem sido, para Paulo, a fonte inspiradora. Com Cristo, Paulo aprendeu a viver para a glória de Deus, servindo os irmãos. É esse o caminho que Paulo aponta aos seus irmãos de Corinto.

     

    INTERPELAÇÕES

    • “Fazei tudo para a glória de Deus” – pede Paulo aos cristãos de Corinto; mas logo acrescenta que a “glória de Deus” exige que façamos tudo para o bem dos filhos e filhas de Deus que caminham ao nosso lado. Santo Ireneu de Lião resumia admiravelmente tudo isto quando dizia: “a glória de Deus é o homem vivo”. Estou consciente de que a minha resposta de amor ao Deus que me ama passa pelo respeito, pelo cuidado, pelo amor aos meus irmãos, particularmente aos mais desgraçados? Estou convicto de que o meu melhor ato de culto é “pôr em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, vestir os nus e não desprezar nenhum irmão” (Is 58,6-7)?
    • Paulo revela aos coríntios que aquele Jesus que lhe apareceu no caminho de Damasco é a sua referência suprema. A grande preocupação do apóstolo, na hora de decidir as suas prioridades, é imitar aquele que não viveu para si, mas fez da sua vida um dom de amor ao Pai e aos homens, até ao dom total da vida. Cristo é a minha referência? Na hora crítica das escolhas, para onde me inclino: para o exemplo de Cristo, ou para os meus interesses e projetos pessoais? Procuro ter sempre diante dos meus olhos aquilo que Jesus disse e fez, mesmo quando as suas propostas vão contra a corrente e são ridicularizadas pelos modernos “influencers”?

    ALELUIA – Lucas 7,16

    Aleluia. Aleluia.

    Apareceu entre nós um grande profeta:
    Deus visitou o seu povo.

     

    EVANGELHO – Marcos 1,40-45

    Naquele tempo,
    veio ter com Jesus um leproso.
    Prostrou-se de joelhos e suplicou-Lhe:
    «Se quiseres, podes curar-me».
    Jesus, compadecido, estendeu a mão, tocou-lhe e disse:
    «Quero: fica limpo».
    No mesmo instante o deixou a lepra
    e ele ficou limpo.
    Advertindo-o severamente, despediu-o com esta ordem:
    «Não digas nada a ninguém,
    mas vai mostrar-te ao sacerdote
    e oferece pela tua cura o que Moisés ordenou,
    para lhes servir de testemunho».
    Ele, porém, logo que partiu,
    começou a apregoar e a divulgar o que acontecera,
    e assim, Jesus já não podia entrar abertamente
    em nenhuma cidade.
    Ficava fora, em lugares desertos,
    e vinham ter com Ele de toda a parte.

     

    CONTEXTO

    Jesus anda a percorrer as vilas e aldeias da Galileia, a propor o Reino de Deus (cf. Mc 1,39). No seu vaivém cruza-se com todo o tipo de pessoas e conhece todo o tipo de homens e mulheres com vidas fragilizadas. Muitos vivem marginalizados e esquecidos, pelas razões mais diversas. Para esses, o anúncio da proximidade do Reino de Deus é uma “Boa Notícia” que acende a esperança numa vida mais humana e mais feliz.

    No episódio que o Evangelho deste domingo nos propõe, Jesus cruza-se com um leproso. Não se identifica o homem pelo nome, nem se diz o lugar onde se desenrola a cena. É como se aquele leproso sem nome e sem ligação geográfica fosse o protótipo de todos os marginalizados que Jesus encontrou ao percorrer os caminhos da Galileia.

    Pela primeira leitura deste domingo, já conhecemos a situação social e religiosa dos leprosos. Para a ideologia oficial, o leproso era um pecador e um maldito, vítima de um particularmente doloroso castigo de Deus. A sua condição excluía-o da comunidade e impedia-o de frequentar a assembleia do Povo de Deus. Tinha que viver isolado, apresentar-se andrajoso e avisar, aos gritos, o seu estado de impureza, a fim de que ninguém se aproximasse dele. Não tinha acesso ao Templo, nem sequer à cidade santa de Jerusalém, a fim de não conspurcar, com a sua impureza, o lugar sagrado. O leproso era o protótipo do marginalizado, do excluído, do segregado. A sua condição afastava-o, não só da comunidade dos homens, mas também do próprio Deus.

    MENSAGEM

    Um leproso – um homem doente, marginalizado da comunidade do Povo santo de Deus, considerado pecador e maldito – toma a iniciativa de vir ter com Jesus. Tinham-lhe chegado aos ouvidos os ecos do anúncio do “Reino” e ele sentira abrir-se uma janela de esperança. Resolve arriscar: o desejo de sair da situação de miséria e de marginalidade em que estava mergulhado obriga-o a vencer o medo de infringir a Lei; e ele aproxima-se de Jesus sem respeitar as distâncias que um leproso devia manter das pessoas sãs. É um ato desesperado de um homem que não se conforma em viver à margem de Deus e da comunidade.

    Uma vez diante de Jesus, o leproso é humilde, mas também insistente (“prostrou-se de joelhos e suplicou-lhe” – vers. 40), pois o encontro com Jesus é uma oportunidade de libertação que ele não pode desperdiçar. Não exige nada, mas coloca tudo nas mãos de Jesus: “se quiseres…”. A expressão parece revelar a sua absoluta confiança no poder de Jesus. Ele está convicto de que Jesus pode ajudá-lo a sair da sua triste situação.

    Curiosamente, aquele homem não pede para ser curado, mas sim para ser “purificado” (“podes purificar-me”: o verbo grego “katharizô”, aqui utilizado, significa “purificar” ou “limpar”). Não é tanto a doença que lhe pesa; o que ele não suporta mais é sentir-se sujo, pecador, em rutura com Deus. Deseja que o obstáculo que o priva da comunhão com Deus seja removido por Jesus.

    A reação de Jesus é absolutamente inacreditável, pelo menos de acordo com os padrões judaicos… Jesus não se indignou, não se afastou com repulsa, não acusou aquele homem de infringir a Lei e de pôr em causa a saúde pública; mas “compadeceu-se até às entranhas” (vers. 41). O verbo “splankhnízomai”, aqui utilizado, é aplicado, na literatura neotestamentária, só a Deus e a Jesus. Habitualmente, é usado em contextos onde se refere a ternura de Deus pelos homens, comparável à ternura que a mãe sente pelo seu filho querido. Jesus “comovido até às entranhas” diante do sofrimento intolerável daquele homem, revela que Deus tem coração de mãe, um coração que transborda de ternura face à miséria e sofrimento dos homens. Depois, o amor de Deus tornado presente em Jesus vai manifestar-se num gesto concreto para com o leproso: Jesus estende a mão e toca-o. É, evidentemente, um gesto “humano”, um gesto de afeto que manifesta a bondade e a solidariedade de Jesus para com aquele homem desfigurado pela doença e abandonado por todos; mas o gesto de estender a mão tem um profundo significado teológico, pois é o gesto que acompanha, na história do Êxodo, as ações libertadoras de Deus em favor do seu Povo (cf. Ex 3,20; 6,8; 8,1; 9,22; 10,12; 14,16.21.26-27; etc.). O amor de Deus manifesta-se como gesto libertador, que salva o homem leproso da escravidão em que a doença o havia lançado.

    Por outro lado, ao tocar o leproso, Jesus está, consciente e deliberadamente, a infringir a Lei. Dessa forma, Ele denuncia uma Lei que criava marginalização e exclusão. Jesus, com a autoridade que Lhe vem de Deus, mostra que a marginalização imposta pela Lei não expressa a vontade de Deus. O gesto de tocar o leproso diz, com toda a frontalidade, que a distinção entre puro e impuro consagrada pela Lei não vem de Deus e não transmite a lógica de Deus. Na verdade, Deus não discrimina ninguém; o que Ele quer é reunir todos os seus filhos e filhas numa grande família, a comunidade do Reino.

    A resposta verbal de Jesus (“quero: fica limpo” – vers. 41) não acrescenta mais nada. Apenas confirma, por palavras, que, do ponto de vista de Deus, o leproso não é um marginal, um pecador condenado, um homem indigno, mas um filho amado a quem Deus quer oferecer a salvação e a Vida em plenitude.

    Consumada a purificação do leproso, Jesus recomenda-lhe veementemente que não diga nada a ninguém (vers. 44). Esta recomendação de Jesus aparece várias vezes no Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,34;5,43;7,36;7,36; etc.). Provavelmente, é um dado histórico, que resulta do facto de Jesus não querer alimentar equívocos ou ser aceite pelas razões erradas. De acordo com Mt 11,5, a cura dos leprosos era uma obra do Messias; assim, o gesto de Jesus define-O como o Messias que Israel esperava. No entanto, numa Palestina em plena febre messiânica, Jesus pretende evitar um título que tem algo de ambíguo, por estar ligado a perspetivas nacionalistas e a sonhos de luta política contra o ocupante romano. Jesus não quer deitar mais lenha para a fogueira da esperança messiânica, pois tem consciência de que o seu messianismo não passa por um trono político (como sonhavam as multidões), mas pela cruz.

    Ao leproso purificado, Jesus diz ainda para ir mostrar-se aos sacerdotes (vers. 44). Segundo a Lei, o leproso só podia ser reintegrado na comunidade religiosa depois de a sua cura ter sido homologada pelo sacerdote em funções no Templo. No entanto, Jesus acrescenta: “para lhes servir de testemunho”. Dado que a cura de um leproso só podia ser operada por Deus e era, por isso, um sinal messiânico, o facto devia servir aos líderes do Povo para concluírem que o Messias tinha chegado e que o “Reino de Deus” estava já presente no mundo. O leproso purificado devia, portanto, ser um “testemunho” da presença de Deus no meio do seu Povo e um sinal de que os novos tempos tinham chegado. Mas, apesar das evidências, os líderes judaicos estavam demasiado entrincheirados nas suas certezas, preconceitos e privilégios e recusaram-se sempre a acolher a novidade de Deus, a novidade do Reino.

    O texto termina com a indicação de que o leproso purificado “começou a apregoar e a divulgar o que acontecera”, apesar do silêncio que Jesus lhe impusera. Marcos quer, provavelmente, sugerir que quem experimenta o poder integrador e salvador de Jesus converte-se necessariamente em profeta e em testemunha entusiasta do amor e da bondade de Deus.

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, profundamente comovido diante daquele leproso abandonado pela sociedade e pela religião, revela-nos que Deus tem um coração de mãe, um coração que transborda de amor pelos seus filhos magoados e esmagados pelos acidentes da vida. O amor maternal de Deus não exclui, não condena, não sente repulsa; o amor de Deus purifica, cura as feridas, humaniza, salva. O Deus que Jesus revela nas suas palavras e nos seus gestos, não é o Deus intolerante, severo, distante, incapaz de compreender os limites e as fragilidades dos seres humanos; é o Deus do amor nunca desmentido, do amor que ultrapassa todos os limites, do amor excessivo que tudo cura e tudo purifica. Qual é o Deus em que acreditamos: o Deus de Jesus que é amor e misericórdia, ou o Deus intransigente e severo que alguns teimam em propor?
    • A atitude de Jesus em relação ao leproso (bem como a outros excluídos da sociedade do seu tempo) é uma atitude de proximidade, de solidariedade, de aceitação, de acolhimento. Jesus não está preocupado com o que é política ou religiosamente correto, ou com a indignidade da pessoa, ou com o perigo que ela representa para uma certa ordem social… Ele apenas vê em cada pessoa um irmão que Deus ama e a quem é preciso estender a mão e amar, também. Como é que lidamos com os excluídos da sociedade ou da Igreja? Procuramos integrar e acolher os estrangeiros, os marginais, os pecadores, os “diferentes” ou, com a nossa intransigência, ajudamos a perpetuar os mecanismos de exclusão e de discriminação?
    • O gesto de Jesus de estender a mão e tocar o leproso é um gesto provocador, verdadeiramente profético, que denuncia uma Lei iníqua, geradora de discriminação, de exclusão e de sofrimento. Com a autoridade de Deus, Ele retira qualquer valor a essa Lei e garante que Deus não discrimina ninguém. Apesar de todos os nossos progressos civilizacionais, continuamos a ter leis (umas escritas nos nossos códigos legais civis ou religiosos, outras que não estão escritas mas que são consagradas pela moda, pelo politicamente correto ou até por uma ideia deturpada da santidade de Deus) que são geradoras de marginalização, de exclusão e de sofrimento. Como discípulos de Jesus, temos feito tudo o que está ao nosso alcance para construir, a nível da legislação e dos comportamentos, a civilização do amor e não a civilização do egoísmo, da exclusão, da condenação dos “diferentes”?
    • Mais uma vez, o Evangelho deste domingo propõe à nossa consideração a atitude dos líderes judaicos. Comodamente instalados no alto das suas certezas e preconceitos, eles perpetuam, em nome de Deus, um sistema religioso que gera sofrimento e miséria e não se deixam questionar nem desafiar pela novidade de Deus. Estão tão seguros e convictos das suas verdades particulares que fecham totalmente o coração a Jesus e não se reveem nas suas propostas. Estamos sempre em alerta para a necessidade de nos desinstalarmos e de abrirmos o coração aos desafios de Deus?
    • O leproso, apesar da proibição de Jesus, “começou a apregoar e a divulgar o que acontecera”. Marcos sugere, desta forma, que o encontro com Jesus transforma de tal forma a vida da pessoa que ela não pode calar a alegria pela novidade que Cristo introduziu na sua vida e tem de dar testemunho. Somos capazes de testemunhar, no meio dos nossos irmãos, a libertação que Cristo nos trouxe?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 6.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 6.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    “A Deus nada é impossível”, diz o anjo a Maria. É verdade, Deus pode criar, pode salvar, pode santificar… Jesus pode curar os doentes que encontra, mas espera uma palavra de confiança: “Se queres!” O homem submete-se, então, à sua vontade. Diante desta confiança do doente, Jesus tem piedade, porque vê que ele se abandona nas suas mãos para ser recriado, levantado, salvo, purificado. Deus deixa-Se tocar pelo ser humano, sua criatura, quando esta se deixa remodelar por Ele, do mesmo modo que se deixa modelar na manhã da criação. Jesus recomenda para não dizer nada a ninguém, porque não quer aparecer como um taumaturgo que manifesta o sensacional, mas como Aquele que é sinal da parte de Deus. Um único grito toca-O: “Se Tu queres, podes!” Oxalá que as nossas orações de pedido começassem todas com a expressão da nossa submissão à vontade de Deus!…

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Ele toma o nosso lugar… A maldição que atingia os leprosos era total: mortos vivos, excluídos dos lugares habitados, proibidos do Templo e da sinagoga, impuros aos olhos dos homens mas, sobretudo, de Deus. Um deles quebra os interditos e aproxima-se de Jesus que, perturbado até às entranhas, ousa um gesto impensável: estende a mão e toca o infeliz, tornando-se Ele mesmo, imediatamente, impuro. Passa-se, então, algo de extraordinário. Realiza-se a palavra do salmista: “Senhor, viste o mal e o sofrimento, toma-os na tua mão”. Jesus toma nas suas mãos o mal e o sofrimento deste homem. Tira-o da sua lepra, liberta-o da sua exclusão, de toda a impureza. O leproso pode reencontrar a companhia dos outros e de Deus. Mas então, é Jesus que “não podia entrar abertamente numa cidade. Era obrigado a evitar os lugares habitados”. Certamente que era para se proteger da multidão… Mas, de facto, é como se Jesus tivesse tomado o lugar do leproso. Jesus, o bem amado do Pai, toma sobre Ele as nossas faltas e os nossos sofrimentos, Ele toma o nosso lugar para absorver na sua pessoa e no amor do Pai todas as nossas misérias. E, ao mesmo tempo, encontramos toda a nossa dignidade de homens e de mulheres livres, de pé, capazes de entrar de novo em relação uns com os outros e, sobretudo, de nos aproximarmos de novo de Deus, sem qualquer medo.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Para a glória de Deus… em família. Que tudo sirva para a glória de Deus! E se, em família, tirássemos tempo para dar glória a Deus? Por exemplo, sobretudo se há filhos jovens, pode-se fazer um “poster para a glória de Deus”: um poster bonito (desenhos, fotos…) que mostre tudo o que, juntos em família, vemos de belo e que é motivo para dar glória a Deus.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • S. Cirilo, Monge e S. Metódio, Bispo, Padroeiros da Europa

    S. Cirilo, Monge e S. Metódio, Bispo, Padroeiros da Europa


    14 de Fevereiro, 2024

    Os Santos Cirilo e Metódio nasceram em Salónica, na primeira metade do século IX. Bizantinos de formação, tornaram-se apóstolos dos povos eslavos, na Morávia, atuais repúblicas Checa e Eslovaca, e na Panónia, atual Croácia. Para eles, traduziram A Bíblia e os livros litúrgicos para a língua paleoeslava, e reuniram discípulos. As suas iniciativas missionárias foram aprovadas pelo Papa Adriano II. Entretanto, Cirilo adoeceu, acabando por morrer na cidade, e sendo sepultado na igreja de S. Clemente. Metódio, ordenado bispo, regressou à Morávia, falecendo aí no ano de 885. Os seus discípulos, expulsos do país, refugiaram-se na Bulgária. Daí a liturgia e a literatura eslava passaram para o reino de Kiev, na Rússia e para todos os países eslavos de rito bizantino.

    Lectio

    Primeira leitura: Atos 13, 46-49

    Naqueles dias, Paulo e Barnabé disseram aos judeus: «Era primeiramente a vós que a palavra de Deus devia ser anunciada. Visto que a repelis e vós próprios vos julgais indignos da vida eterna, voltamo-nos para os pagãos,47pois assim nos ordenou o Senhor: Estabeleci-te como luz dos povos, para levares a salvação até aos confins da Terra.»48Ao ouvirem isto, os pagãos encheram-se de alegria e glorificavam a palavra do Senhor; e todos os que estavam destinados à vida eterna abraçaram a fé.49Assim, a palavra do Senhor divulgava-se por toda aquela região.

    Os pagãos escutaram com interesse e entusiasmo Paulo e Barnabé, o que suscitou a inveja e os ciúmes dos Judeus contra os missionários, que são insultados e rejeitados. E dá-se a separação entre o Evangelho e o Judaismo. Os Judeus eram os primeiros destinatários da Boa Nova. Uma vez que a rejeitaram, ela é oferecida aos pagãos, que a aceitam. Nesse contexto, Barnabé e Paulo declaram que vão passar a dirigir-se aos pagãos, baseando a sua dercisão, não só na rejeição dos Judeus, mas também nas palavras da Escritura que falam da luz das nações (Is 49, 6). Quem acolher o Evangelho e abraçar a fé torna-se herdeiro das promessas, seja judeu ou pagão. Fica destinado à "vida eterna" (v. 48).

    Evangelho: Lucas 10, 1-9

    Naquele tempo, o Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. 2Disse-lhes:«A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe.3Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. 4Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho.5Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: 'A paz esteja nesta casa!' 6E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. 7Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa.8Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei do que vos for servido, 9curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: 'O Reino de Deus já está próximo de vós.'

    Além dos Apóstolos, fundamento da missão da Igreja, Jesus escolheu outros setenta e dois discípulos e enviou-os a pregar a Boa Nova. Ao longo dos séculos escolheu muitos outros. Foi o caso de Cirilo e Metódio, enviados a missionar os povos eslavos. Quem acolhe o Reino, sente a necessidade de o anunciar. Por isso, a missão é tarefa de todos os batizados. Isso, todavia, não impede que alguns sejam particularmente destinados a pregar que Deus salva, isto é, que o seu "Reino está no meio de nós". O reino vem como "paz". Por isso, é dever dos missionários invocar a paz de Deus sobre as casas e cidades onde vão. A palavra de Jesus assegura ao missionário a possibilidade da sua mensagem ser ouvida. Mas, quando surgem perseguições, os missionários não têm outro caminho senão o de Jesus, isto é, o que leva à morte, como supremo testemunho do Evangelho.

    Meditatio

    S. Cirilo e S. Metódio sentiram a urgência de levar a salvação para fora das fronteiras do mundo helénico, tal como Paulo e Barnabé tinham sentido a necessidade de levar a Boa Nova para fora das fronteiras do mundo judaico. Isaías falava de Boa Nova e de um movimento centrípto de todos os povos em direção a Jerusalém. No evangelho o movimento é inverso. Jesus envia os discípulos para todo o mundo: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura... Eles, partindo, foram pregar por toda a parte." (Mc 16, 15.20). São duas dinâmicas diferentes: Isaías pensa em Jerusalém como centro do mundo, para onde devem acorrer todos os povos, e subir ao monte do Senhor, que a todos atrai. No Novo Testamento, o centro do mundo já não é Jerusalém, mas o corpo de Cristo ressuscitado, misteriosamente presente onde estão os seus discípulos. É aí que encontram a unidade todos os que acreditam em Jesus.
    S. Cirilo e S. Metódio partiram para meio dos eslavos, apesar das dificuldades das viagens e, sobretudo, do problema que era evangelizar povos que não pertenciam à cultura grega e latina. Estes santos foram verdadeiramente pioneiros naquilo que hoje se chama a "inculturação", isto é, em traduzir a fé para a cultura dos povos a evangelizar, sem querer impôr a própria cultura. Traduziram a Bíblia e os textos litúrgicos para eslavo. Esse atrevimento valeu-lhes ser denunciados em Roma pelos missionários latinos. Tiveram que rumar à cidade eterna, e explicar-se às autoridades. Felizmente foram compreendidos pelo Papa Adriano II, que aprovou o seu método missionário.
    Hoje, é questão pacífica que, uma coisa é a fé e outra a cultura, que são realidades separáveis, que a fé deve radicar nas diversas culturas como fermento que as impregna de Evangelho. Mas o mesmo se deve pensar em relação à diferentes gerações: em cada geração a fé deve ser expressa de modo novo. A fé, com efeito, é um fermento de vida que tem de crescer e encontrar novas formas de progresso. Temos de aprender a ir ao encontro dos outros, e não obrigá-los a uniformizar-se com os nosso costumes, ou àquilo que pensamos ser melhor. Há que ir aos outros como Jesus veio até nós, isto é, fazendo-se homem e aceitando tudo o que é humano para se fazer entender por nós, e poder introduzir-nos na sua intimidade.
    O P. Dehon recebeu "a graça e a missão de enriquecer a Igreja com um Instituto religioso apostólico que vivesse da sua inspiração evangélica" (Cst 1). A mística oblativa-reparadora, inspirada pela contemplação do Coração trespassado de Cristo, levou-o a viver uma espiritualidade profundamente sacerdotal e eucarística, e a empenhar-se num apostolado característico onde a atividade missionária tem um lugar importante. Essa atividade tem de ser devidamente insculturada entre os povos, "para que a comunidade humana, santificada pelo Espírito, se torne uma oblação agradável a Deus" (Cst 30. 31).

    Oratio

    Resplandeça sobre nós, Senhor, a luz incorrutível da tua sabedoria. Abre-nos os olhos da mente, para podermos entender os teus preceitos evangélicos. Que, desprezados os desejos carnais, possamos levar uma vida verdadeiramente espiritual, pensando e fazendo o que é do teu agrado. Nós to pedimos por intercessão dos Santos Cirilo e Metódio. Ámen.

    Contemplatio

    Jesus percorria as cidades e as vilas da Galileia, anunciando a boa nova e curando os doentes; mas não podia acorrer tudo sozinho e ao ver todo este povo sofrendo e abatido, foi tomado de compaixão, e disse aos discípulos: «A messe é grande, peçamos ao divino Mestre para lhe enviar operários», depois chamou os seus doze apóstolos e enviou-os dois a dois para pregarem com o poder de expulsarem os demónios e de curarem os doentes... Nosso Senhor indica aos apóstolos três condições requeridas para o sucesso da sua missão. A primeira é o espírito de desinteresse. «Recebestes gratuitamente, dai gratuitamente». Que os vossos ouvintes vejam que não é por ganho, mas pela salvação das almas e pela felicidade dos homens que trabalhais. A segunda é o desapego das coisas da terra e o amor da santa pobreza: «Não leveis convosco nem ouro nem provisões». A terceira é a mais inteira confiança nos cuidados e na proteção da divina Providência: «O trabalhador tem direito ao seu alimento». Estas condições são ainda hoje as do sucesso. (L. Dehon, OSP 4, p. 267s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Rogai ao dono da messe
    que mande trabalhadores para a sua messe" (Lc 10, 2).

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    S. Cirilo, Monge e S. Metódio, Bispo, Padroeiros da Europa (14 Fevereiro)

  • S. Cláudio de La Colombière

    S. Cláudio de La Colombière


    15 de Fevereiro, 2024

    S. Cláudio de La Colombière nasceu em Saint-Symphorien d´Ozon, França, no ano de 1641. Em 1659 ingressou na Companhia de Jesus. Ordenado sacerdote em 1669, ensinou retórica e dedicou-se ao ministério da pregação. Prestou auxílio eficaz a S. Margarida Maria Alacoque na difusão do culto ao Sagrado Coração de Jesus. Enviado para Londres, como pregador da Condessa de York, sofreu calúnias, o cárcere e o exílio. Morreu em 1682, na cidade de Paray, em França, onde se pode venerar o seu túmulo. Foi canonizado por João Paulo II, em 1992.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 3, 8-9.14-19.

    A mim, o menor de todos os santos, foi dada a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo 9e a todos iluminar sobre a realização do mistério escondido desde séculos em Deus, o criador de todas as coisas. 14É por isso que eu dobro os joelhos diante do Pai,15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.

    Paulo, o antigo fariseu, "hebreu descendente de hebreus, circuncidado ao oitavo dia, da raça de Israel" (Fl 3, 5) reconhece que a graça que lhe foi concedida foi precisamente a de fazer tábua rasa do nacionalismo judaico e dirigir-se abertamente aos gentios. Este anúncio, segundo o próprio Paulo, é um mistério, algo que estava escondido nos recônditos da transcendência e que unicamente se descobre por meio de uma gratuita revelação de Deus. Nas gerações passadas não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, como agora foi revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas. Paulo considera-se o último desses santos, porque a sua integração no grupo dos responsáveis foi tardia. Mas foi-lhe "concedida a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo".
    A Igreja utiliza este testo na memória de S. Cláudio de La Colombière, que recebeu a graça de conhecer e divulgar as revelações do Coração de Jesus feitas a S. Margarida Maria.

    Evangelho: Mateus, 11, 25-30

    Naquele tempo, Jesus tomou a palavra e disse: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos.26Sim, ó Pai, porque isso foi do teu agrado. 27Tudo me foi entregue por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.» 28«Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. 29Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. 30Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.»

    Nesta perícopa encontramos descrito o mistério da filiação de Jesus, Filho de Deus, da sua relação com o Pai, com a terminologia e profundidade peculiares do Quarto Evangelho. Até se diz que esta perícopa teria pertencido inicialmente ao evangelho segundo S. João. Ela consta de três pares: a) a ação de graças ao Pai pela revelação recebida; b) o conteúdo dessa revelação; o convite e chamamento. Os escribas e fariseus recusaram a revelação. O mistério do Reino não é acessível a toda a espécie de sabedoria humana. Só aqueles que se apresentam diante de Deus conscientes da sua pequenez, a podem receber. Jesus é o único revelador do Pai, a plenitude da revelação. Os que acolhem a revelação são chamados a tornar-se discípulos submissos e obedientes, tomando sobre si o "jugo" do Senhor, um jugo suave porque motivado e carregado por amor.

    Meditatio

    Cláudio de la Colombière, nascido em 1641 em S. Sinfrónio, perto de Lião, foi enviado pelo seu provincial a Paray em 1675 para ser superior da casa que os Jesuítas tinham nessa cidade. Aí conheceu a S. Margarida Maria, tornando-se seu confessor. Era precisamente o momento da grande revelação do Sagrado Coração, que data de 16 de Junho de 1675. Depois de um exame atento e prudente, o P. Cláudio de la Colombière julgou esta revelação autêntica. Adotou a devoção ao Sagrado Coração e tornou-se o seu propagador mais zeloso, depois de ter confirmado Margarida Maria e a sua superiora a Madre de Saumaise. No ano seguinte, teve de partir para Inglaterra, onde inspirou esta bela devoção em muitas almas. Banido da Inglaterra e já doente, passou por Paray, indo para Lião; aí reviu Margarida Maria, confirmou-a, fortaleceu-a; confirmou igualmente a Madre Greyfié, que tinha sucedido a Madre de Saumaise. Deus quis que viesse morrer a Paray, e que pudesse ver ainda e encorajar Margarida Maria. A sua morte aconteceu no dia 15 de Fevereiro de 1682. O próprio Nosso Senhor fez saber a Margarida Maria que tinha escolhido o P. de la Colombière para a secundar na sua missão.
    Oh! Como importa ter um bom diretor! E preciso pedi-lo a Deus e escolhê-lo com cuidado. A nossa santificação e a nossa salvação estão fortemente interessadas nisso.
    O Padre de la Colombière consagrou-se, ele mesmo, ao Sagrado Coração na sexta-feira 21 de Junho de 1675; era o dia seguinte à oitava do Corpo de Deus, o dia designado por Nosso Senhor para a futura festa. Começou desde então a inspirar esta devoção em todas as suas filhas espirituais em Paray. Chamado a Londres no ano seguinte, como pregador da duquesa de York, deu a conhecer e a amar o Sagrado Coração, a começar pela própria duquesa, que interveio mais tarde com outros príncipes e princesas junto do Papa Inocêncio XII, para o estabelecimento da nova devoção. Ele mesmo fala disso em alguns dos seus sermões da Quaresma. Regressado a França, continuou o seu apostolado, de uma maneira muito persuasiva, nas suas cartas de direção. Pedia aos superiores para a estabelecerem nas suas comunidades. Exercia o mesmo apostolado junto dos jovens religiosos de quem tinha, em Lião, a direção espiritual. É a ele que o Padre de Gallifet faz remontar a sua própria devoção ao Sagrado Coração. Mas seria sobretudo depois da sua morte que o Padre iria cumprir a sua missão. Partiu para o céu no dia 15 de Fevereiro de 1682. Dois anos depois, eram publicados os seus sermões em quatro volumes, e, num volume à parte, o diário dos seus retiros espirituais. Aí lia-se isto: "Reconheci que Deus queria que eu o servisse procurando o cumprimento dos seus desígnios no tocante à devoção que sugeriu a uma pessoa à qual se comunica de modo muito confidencial, e para a qual quis servir-se da minha fraqueza. Depois fazia o relato da grande aparição de 16 de Junho de 1675. Este escrito foi muito lido, porque o seu autor gozava de grande fama de santidade. Anexado ao diário dos retiros estava um belo ato de oferenda ou de oblação ao Sagrado Coração que também teve a sua parte no desenvolvimento da devoção. E eu, o que é que fiz até ao presente para propagar esta bela devoção segundo o desejo de Nosso Senhor? ". (Leão Dehon, OSP 3, p. 171s.).

    Oratio

    Senhor, que farei, senão unir-me à oblação do Padre de la Colombière e fazê-la também? Sim, Senhor, dou-me e consagro-me ao vosso divino Coração. Ofereço-vos tudo aquilo de que posso dispor, e proponho unir-me a vós frequentemente durante o dia (Leão Dehon, OSP 3, p. 173).

    Contemplatio

    O belo ato do Padre de la Colombière caracteriza admiravelmente a devoção ao Coração de Jesus. Começa por dizer qual o seu fim: «Esta oferenda, diz, faz-se para honrar este divino Coração, a sede de todas as virtudes, a fonte de todas as bênçãos e o retiro de todas as almas santas». «Por todas as suas bondades, diz, este divino Coração não encontra no coração dos homens senão dúvida, esquecimento, desprezo, ingratidão». O santo religioso formula então a sua oferenda: «Para reparação de tantos ultrajes e de tão cruéis ingratidões, ó muito adorável Coração do meu amável Jesus, e para evitar cair numa semelhante infelicidade, ofereço-vos o meu coração com todos os movimentos de que é capaz, e dou-me inteiramente a vós... Ofereço ao vosso divino Coração todo o mérito, toda a satisfação de todas as minhas missas, de todas as orações, de todos os atos de mortificação, de todas as práticas religiosas, de todos os atos de zelo, de humildade, de obediência e de todas as outras virtudes que praticar até ao último momento da minha vida. Não só tudo isto será para honrar o Coração de Jesus, mas ainda lhe peço que aceite a doação inteira que lhe faço, de dela dispor do modo que lhe agradar e em favor de quem lhe agradar». Este belo ato contribuiu muito para determinar e para propagar a verdadeira devoção ao Sagrado Coração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 142s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a Palavra do Senhor:
    «Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração» (Mt 25, 30).

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    S. Cláudio de La Colombière (15 Fevereiro)

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