Semana de Mar 7th
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08º Domingo do Tempo Comum – Ano C [atualizado] 08º Domingo do Tempo Comum – Ano C [atualizado]
2 de Março, 2025
ANO C
8.º DOMINGO COMUMTema do 8.º Domingo comum
Nem sempre o caminho é claro ao longo da viagem da vida. Ao longo do percurso, recebemos indicações, sugestões, orientações, propostas. Como discernir as indicações boas das indicações más, as que nos dão pistas certas e as que nos lançam por caminhos sem saída? Todos os que se apresentam como “guias” são dignos da nossa confiança? A Palavra de Deus que a liturgia deste domingo nos propõe convida-nos a refletir sobre isto.
No Evangelho Jesus põe os seus discípulos de sobreaviso contra os “guias cegos”, arrogantes e prepotentes, sedentos de protagonismo, cujo interesse está nos seus projetos pessoais e não no bem dos seus irmãos. Os caminhos que eles apontam não levam à vida. Os discípulos poderão detetar esses “falsos mestres” pelas suas ações e pelas suas palavras, que acabam por revelar os interesses inconfessáveis que escondem no coração. Se as propostas que nos apresentam não estão em linha com as propostas de Jesus, esses “guias” não devem ser escutados.
A primeira leitura, na mesma linha, oferece-nos um conselho muito prático, mas também muito sábio: não julguemos as pessoas pela primeira impressão, pela forma como se apresentam ou pelas atitudes mais ou menos exuberantes que exibem: deixemo-las falar, escutemos o que dizem, pois as palavras revelam, mais tarde ou mais cedo, a verdade ou a mentira que há em cada coração.
A segunda leitura traz-nos a conclusão de uma catequese de Paulo de Tarso sobre a ressurreição dos mortos. É uma temática substancialmente diferente da que aparece nas outras duas leituras deste domingo. Podemos, no entanto, dizer que a ressurreição, a vida plena, é a meta final do caminho para aqueles que se deixam guiar por Jesus e que vivem de acordo com o seu Evangelho.
LEITURA I – Ben Sirá 27,4-7
Quando agitamos o crivo, só ficam impurezas:
assim os defeitos do homem aparecem nas suas palavras.
O forno prova os vasos do oleiro
e o homem é posto à prova pelos seus pensamentos.
O fruto da árvore manifesta a qualidade do campo:
assim as palavras do homem revelam os seus sentimentos.
Não elogies ninguém antes de ele falar,
porque é assim que se experimentam os homens.CONTEXTO
O Livro de Ben Sirá (chamado, na sua versão grega, “Eclesiástico”) é um livro de carácter sapiencial que, como todos os livros sapienciais, tem por objetivo deixar aos aspirantes a “sábios” indicações práticas sobre a arte de bem viver e de ser feliz. O seu autor parece ter sido um tal Jesus Ben Sirá, um “sábio” israelita que viveu na primeira metade do séc. II a.C. (cf. Sir 51,30).
A época de Jesus Ben Sirá é uma época conturbada para o Povo de Deus. Quando Alexandre da Macedónia morreu, em 323 a.C., o seu império foi dividido por duas famílias: os Ptolomeus e os Selêucidas. Inicialmente, a Palestina ficou nas mãos dos Ptolomeus; e, nos anos de domínio Ptolomeu, o Povo de Deus pôde, em geral, viver na fidelidade à sua fé e aos seus valores ancestrais. Em 198 a.C., contudo, depois da batalha de Pânias, a Palestina passou para o domínio dos Selêucidas (uma família descendente de Seleuco Nicanor, general de Alexandre). Os Selêucidas, sobretudo com Antíoco IV Epifanes, procuraram impor, por vezes pela força, a cultura helénica. Nesse contexto muitos judeus, seduzidos pelo brilho da cultura grega, abandonavam os valores tradicionais e a fé dos pais e assumiam comportamentos mais consentâneos com a “modernidade” e com a pressão exercida pelas autoridades selêucidas. A identidade cultural e religiosa do Povo de Deus corria, assim, sérios riscos… Jesus Ben Sirá, um “sábio” judeu apegado às tradições dos seus antepassados, entendeu desenvolver uma reflexão que ajudasse os seus concidadãos a manterem-se fiéis aos valores tradicionais. No seu livro que escreveu para esse efeito, Jesus ben Sira apresenta uma síntese da religião tradicional e da “sabedoria” de Israel e procura demonstrar que é no respeito pela sua fé, pelos seus valores, pela sua identidade que os judeus podem descobrir o caminho seguro para serem um Povo livre e feliz.
O texto que a liturgia de hoje nos propõe faz parte de uma unidade literária (cf. Sir 26,28-27,7) que apresenta algumas “pérolas” da sabedoria do Povo de Deus. A temática desenvolvida parece algo heterogénea, pois junta dois temas aparentemente desligados um do outro: o trabalho dos comerciantes (uma profissão que era considerada “duvidosa”, sobretudo quando comparada com o trabalho dos que viviam do cultivo da terra) e as palavras que revelam a realidade interior do homem; no entanto, os dois temas aparecem perfeitamente enlaçados. O desenvolvimento do tema é tecido, à velha maneira sapiencial, a partir de sentenças deduzidas da experiência prática e da própria reflexão (por exemplo, “não elogies ninguém antes de ele falar”); o fim dessas sentenças é orientar o comportamento do homem, preservando-o do insucesso, do fracasso, dos comportamentos e dos juízos errados.
MENSAGEM
É possível conhecer o coração dos homens? Deverá confiar-se nos comerciantes, que estão expostos a todo o tipo de tentações e que, por amor ao dinheiro, são capazes de recorrer a todo o tipo de falcatruas? O pecado não andará continuamente a rondar o processo de compra e venda (cf. Sir 26,28-27,3)?
Jesus ben Sira recorre a três imagens para prevenir o candidato a “sábio” que tem de lidar com comerciantes pouco escrupulosos. A primeira imagem é a do crivo (vers. 4). As mulheres palestinas utilizavam o crivo para separar os grãos das palhas e das folhas; ora, assim como o crivo expõe os “lixos” que não interessam e que são para deitar fora, assim também o ato de falar expõe os defeitos dos homens. A segunda imagem é a do forno (vers. 5). O forno, com as suas altas temperaturas, põe à prova a qualidade das vasilhas de barro que nele são colocadas; ora, assim como as altas temperaturas do forno mostram a resistência ou a fragilidade dos vasos de barro, assim também as palavras do homem manifestam a qualidade dos seus pensamentos. A terceira imagem é a da árvore (vers. 6). As árvores boas produzem bons frutos e as árvores más produzem frutos que não prestam; ora, assim como o fruto revela o ser da árvore, assim também as coisas que o homem diz revelam claramente o que lhe vai no coração.
É possível ao homem fingir, enganar, disfarçar, encenar determinados tipos de comportamento; mas a palavra revela-o e põe a nu os seus sentimentos mais profundos. A conclusão óbvia da reflexão do sãbio Jesus ben Sira aparece no vers. 7 (“não elogies ninguém antes de ele falar, porque é assim que se experimentam os homens”): não devemos deixar-nos condicionar pela primeira impressão ou por gestos mais ou menos teatrais que nada significam; tiremos as nossas conclusões depois de o homem falar, pois só a palavra expressa a abundância do coração.
INTERPELAÇÕES
- Todos temos uma certa tendência para fazer juízos de valor sobre as pessoas que se cruzam connosco. Somos tocados por uma primeira impressão, por um gesto, pela forma como a pessoa se apresenta ou se veste, pelo seu aspeto físico, pela simpatia imediata que ela nos inspira, talvez até mesmo pela nossa disposição interior nessa hora… Depois, avaliamos tudo, classificamos a pessoa, colocamos-lhe uma etiqueta, decidimos se ela nos interessa ou não, se confiamos nela ou não, se queremos ou não aprofundar laços com ela, se a deixamos ou não entrar no círculo das nossas relações. É possível que, muitas vezes, a nossa “apreciação” seja objetiva e justa; mas é possível também que algumas vezes a nossa “avaliação” seja preconceituosa, injusta e superficial. Isto leva-nos, naturalmente, a pensar nos critérios que usamos para avaliar as pessoas que se cruzam connosco. Que critérios são? O que é que decide a nossa aceitação ou a nossa recusa em acolher as pessoas que a vida traz ao nosso encontro? Procuramos “a verdade” das pessoas para além das aparências, ou decidimos o “valor” das pessoas a partir de aspetos e de impressões superficiais?
- Por outro lado, somos muitas vezes obrigados a discernir se podemos confiar em certas pessoas e entregar-lhes determinadas responsabilidades. Todas as pessoas têm o seu valor e devem ser respeitadas na sua dignidade; mas cada pessoa tem a sua maneira de ser, as suas caraterísticas particulares, a sua forma própria de se situar diante da vida, do mundo e dos outros homens e mulheres. Antes de escolher uma pessoa para lhe entregar determinada tarefa, temos de procurar conhecê-la, saber os valores que ela privilegia, as caraterísticas pessoais que a tornam apta para desempenhar uma determinada função, se ela é digna da nossa confiança… Como podemos fazer esse discernimento? Jesus ben Sira dá-nos uma “dica” que é fruto da sua experiência de homem “sábio”: escutemos com atenção aquilo que a pessoa em causa diz, as opiniões que exprime, os valores que transparecem nas suas palavras. A boca fala da abundância do coração. Mais tarde ou mais cedo as palavras que alguém diz acabam por revelar a verdade da sua vida. Procuramos escutar, com paciência e sem preconceitos, as pessoas que estabelecem diálogo connosco? Procuramos manter um diálogo honesto, verdadeiro, atento, com as pessoas que nos interessa conhecer bem?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 91 (92)
Refrão 1: É bom louvar o Senhor.
Refrão 2: É bom louvar-vos, Senhor,
e cantar salmos ao vosso nome.É bom louvar o Senhor
e cantar salmos ao vosso nome, ó Altíssimo,
proclamar pela manhã a vossa bondade
e durante a noite a vossa fidelidade.O justo florescerá como a palmeira,
crescerá como o cedro do Líbano:
plantado na casa do Senhor,
florescerá nos átrios do nosso Deus.Mesmo na velhice dará o seu fruto,
cheio de seiva e de vigor,
para proclamar que o Senhor é justo;
n’Ele, que é o meu refúgio, não há iniquidade.LEITURA II – 1 Coríntios 15, 54-58
Irmãos:
Quando este nosso corpo corruptível se tornar incorruptível
e este nosso corpo mortal se tornar imortal,
então se realizará a palavra da Escritura:
«A morte foi absorvida na vitória.
Ó morte, onde está a tua vitória?
Ó morte, onde está o teu aguilhão?»
O aguilhão da morte é o pecado
e a força do pecado é a Lei.
Mas dêmos graças a Deus,
que nos dá a vitória por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Assim, caríssimos irmãos,
permanecei firmes e inabaláveis,
cada vez mais diligentes na obra do Senhor,
Sabendo que o vosso esforço não é inútil no Senhor.CONTEXTO
O diálogo do cristianismo com as diversas realidades culturais que marcam a vida e a história dos povos sempre apresentou desafios consideráveis. Encontramos essa questão logo nos primeiros tempos da caminhada cristã, quando Paulo de Tarso trouxe o cristianismo ao encontro do mundo greco-romano. A primeira Carta de Paulo à comunidade cristã de Corinto é, talvez, o escrito do Novo Testamento que melhor espelha essa problemática.
Corinto, cidade nova e próspera situada na região do Peloponeso, servida por dois portos de mar era a cidade do desregramento para todos os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo e chegavam aos seus portos depois de semanas passadas em navegação. Em Corinto estavam representadas todas as raças e todas as realidades sociais. Na época paulina, a população era de cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns, contrastava com a miséria da maioria.
Em termos culturais, Corinto era um centro importante. Sem ter a fama de Atenas, a cidade tinha, contudo, grande número de poetas, filósofos, oradores e médicos. Todas as escolas filosóficas e todas as culturas estavam representadas na cidade. As escavações descobriram várias bibliotecas.
A mistura de raças e de culturas notava-se também em termos religiosos. Corinto era um centro religioso onde todos os cultos e religiões estavam representados. O culto principal girava à volta de Afrodite, deusa do amor, que tinha um grande santuário na Acrópole da cidade. Havia numerosos grupos religiosos, ou “Thiasoi”, com um líder à sua frente. Religiões do Oriente e religiões mistéricas estavam representadas no universo religioso de Corinto. É neste terreno promíscuo que vai nascer e fazer caminho a comunidade cristã de Corinto.
Uma das propostas cristãs que encontrou resistência entre os cristãos de Corinto foi a questão da ressurreição dos mortos. Influenciados por filosofias dualistas – entre as quais avultava a filosofia platónica – muitos coríntios viam no corpo uma realidade negativa e na alma uma realidade ideal e nobre. Admitiam que a alma, liberta do corpo, ascenderia ao mundo luminoso das ideias; mas tinham dificuldade em admitir que o corpo, realidade material, carnal e sensual, pudesse seguir a alma na sua ascensão ao mundo de Deus. Sendo assim, consideravam que não fazia sentido falar da ressurreição integral do homem.
Paulo tratou esta questão em 1 Cor 15. O texto que a liturgia deste domingo nos propõe como primeira leitura é a parte final da reflexão de Paulo sobre este tema.
MENSAGEM
No final da catequese sobre a ressurreição, Paulo reitera aquilo que explicou detalhadamente atrás: a morte perdeu o seu domínio sobre o homem, pois estamos destinados à ressurreição (cf. 1 Cor 15,50-52). Cristo, o novo Adão, vivificou-nos (cf. 1 Cor 15,45-49). Paulo evita falar da forma como acontecerá a ressurreição; mas garante que acontecerá. Evitando as imagens fantasiosas que sobre esta temática circulavam nos ambientes judaicos, Paulo afirma apenas, com sobriedade, que “num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final, seremos transformados” (1 Cor 15,52). O nosso ser corruptível será transformado em ser incorruptível (cf. 1 Cor 15,53-54). Começará a época definitiva do homem, o tempo da vida que não acaba. Isso, para Paulo, está para além de toda a dúvida.
A ressurreição é algo tão decisivo para os seres humanos, que Paulo não pode deixar de a festejar com um grito de júbilo. Fá-lo recorrendo a textos de Isaías (cf. Is 25,8) e Oseias (cf. Os 13,14), a partir dos quais compõe um breve hino que celebra a vitória de Cristo e dos cristãos sobre a morte: “a morte foi absorvida na vitória. Ó morte, onde está a tua vitória? Ó morte, onde está o teu aguilhão?” (1 Cor 15,54-55). O pecado, a escravidão, o egoísmo, a violência, o ódio, aliados da morte foram derrotados e não terão, a partir de agora, qualquer poder sobre o homem: a ressurreição de Cristo libertou todos os crentes do medo da morte, pois demonstrou que não há morte para quem luta por um mundo de justiça, de amor e de paz. Esse cântico de triunfo leva como acompanhamento obrigatório uma ação de graças a Deus pois é Ele, o Senhor da vida, “que nos dá a vitória por Nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Cor 15,57).
A palavra final de Paulo é para convidar os coríntios – e os crentes de todas as épocas – a permanecerem “firmes e inabaláveis, cada vez mais diligentes na obra do Senhor” (1 Cor 15, 58). É um convite a não projetarmos a ressurreição apenas num mundo futuro, mas a trabalharmos cada dia para que a ressurreição (como libertação do pecado, do egoísmo, da exploração e da morte) se vá tornando uma realidade viva na história da nossa existência. Isto exige, evidentemente, que não cruzemos os braços numa passividade que aliena, mas que nos empenhemos verdadeiramente numa efetiva transformação que traga vida nova ao homem e ao mundo.
INTERPELAÇÕES
- Como todos os seres criados, nascemos, vivemos e morremos. O nosso horizonte de vida, aqui na terra, tem prazo. No entanto, no mais fundo de cada ser humano há um enorme desejo de eternidade, de vida que ultrapasse a finitude que experimentamos. Aspiramos a uma vida que não seja, a dada altura, destruída pela morte. A vida eterna é apenas um sonho sem fundamento, uma simples projeção da nossa ânsia de vida, ou é uma realidade que nos espera depois do caminho que percorremos agora? Jesus acreditava na vida eterna. Ele tinha a certeza de que Deus não nos criou para a morte, mas sim para a vida. “O nosso Deus” – dizia Jesus – “não é um Deus de mortos, mas de vivos, pois para Ele todos estão vivos” (Lc 20,38). Deus deu-lhe razão: quando a morte pensou que tinha conseguido prender Jesus num túmulo novo situado fora de portas em Jerusalém, Deus ressuscitou-o. Ao ressuscitar Jesus, Deus mostrou que a morte nunca teria a última palavra sobre a vida do homem. Como Jesus, nós também estamos destinados a ressuscitar; como Jesus, estamos destinados a viver eternamente com Deus. Acreditamos nisto? Que significa, no horizonte da nossa vida, a certeza da ressurreição?
- A teologia clássica assimilou o horizonte de compreensão da filosofia grega, segundo a qual o mundo verdadeiro era o mundo sobrenatural; o mundo terreno era apenas o lugar da matéria, da ambiguidade, do pecado, da imperfeição; a alma ansiava por libertar-se rapidamente desta matéria para ascender à esfera da vida plena, da vida de Deus… No entanto, o regresso à mentalidade bíblica trouxe-nos uma outra consciência, uma outra visão de tudo isto: sabemos que o mundo novo que nos espera começa já a realizar-se nesta terra e que é preciso fazê-lo aparecer todos os dias, em cada um dos nossos gestos. A ressurreição começa a concretizar-se aqui e agora. Acreditar na ressurreição é, assim, empenhar-se na construção de um mundo mais humano e mais fraterno, procurando eliminar as forças do egoísmo, do pecado e da morte que impedem, já nesta terra, a vida em plenitude. Por isso o Concílio Vaticano II diz: “a Igreja ensina que a importância das tarefas terrenas não é diminuída pela esperança escatológica, mas que esta antes reforça com novos motivos a sua execução” (Gaudium et Spes, 21). O nosso desejo de vida plena traduz-se, enquanto caminhamos na terra, pela luta contra o egoísmo, a maldade, a violência, a injustiça, o pecado, tudo aquilo que traz morte à vida dos homens e do mundo?
- Paulo está convicto de que “o segundo Adão” (Cristo) é um “espírito que dá vida” (1 Cor 15,45). Tornarmo-nos discípulos de Cristo, ligarmo-nos a Cristo como os ramos estão ligados à videira, vivermos de Cristo e alimentarmo-nos de Cristo é garantia de vida eterna. Ora, no dia do nosso batismo, ligamo-nos a Cristo e passamos a integrar o Corpo de Cristo, a comunidade cristã. Mas a ligação a Cristo tem de ser renovada, cultivada e fortalecida a cada passo do nosso caminho. Procuramos, a cada momento, manter ligação a Cristo? Escutamos as suas palavras e procuramos deixar-nos guiar por elas? Conhecemos os gestos de Cristo, o seu amor até ao extremo, o seu estilo de vida, e procuramos testemunhar tudo isso com a forma como vivemos? Sentamo-nos com Cristo à volta da mesa eucarística, recebemos o Pão da Vida que Cristo nos oferece e traduzimos tudo isso em gestos concretos de amor, de serviço, de partilha, de perdão, junto dos irmãos que encontramos todos os dias?
ALELUIA – Filipenses 2, 15d.16a
Aleluia. Aleluia.
Vós brilhais como estrelas no mundo,
ostentando a palavra da vida.EVANGELHO – Lucas 6, 39-45
Naquele tempo.
disse Jesus aos discípulos a seguinte parábola:
«Poderá um cego guiar outro cego?
Não cairão os dois nalguma cova?
O discípulo não é superior ao mestre,
mas todo o discípulo perfeito deverá ser como o seu mestre.
Porque vês o argueiro que o teu irmão tem na vista
e não reparas na trave que está na tua?
Como podes dizer a teu irmão:
‘Irmão, deixa-me tirar o argueiro que tens na vista’,
se tu não vês a trave que está na tua?
Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista
e então verás bem para tirar o argueiro da vista do teu irmão.
Não há árvore boa que dê mau fruto,
nem árvore má que dê bom fruto.
Cada árvore conhece-se pelo seu fruto:
não se colhem figos dos espinheiros,
nem se apanham uvas das sarças.
O homem bom,
do bom tesouro do seu coração tira o bem:
e o homem mau,
da sua maldade tira o mal;
pois a boca fala do que transborda do coração».CONTEXTO
O “sermão da planície”, apresentado por Lucas em 6,17-49, é uma longa “instrução” que Jesus destina a todos aqueles que estão interessados em conhecer o seu projeto. É feita diante de uma “grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon” (Lc 6,17), mas dirige-se especialmente aos discípulos de Jesus. Define a conduta do discípulo verdadeiro, daquele que quer fazer parte da comunidade do Reino de Deus. O evangelista Mateus apresenta um material semelhante, mas situa o discurso de Jesus num contexto diferente: numa montanha (cf. Mt 5,1-7,29).
O texto que a liturgia deste domingo nos apresenta como Evangelho pertence à secção final do “sermão da planície” (cf. Lc 6,39-49). Lucas parece ter reunido aqui um conjunto de “sentenças” ou “ditos” de Jesus que, originalmente, tinham um contexto diverso e foram pronunciados em alturas diversas. A unidade temática desta perícope ressente-se um pouco dessa junção de materiais diferentes.
Por detrás do enquadramento em que Lucas dispõe estas “sentenças” e “ditos” de Jesus estará, provavelmente, a situação das comunidades cristãs às quais o terceiro Evangelho se destinava. Em meados dos anos oitenta do primeiro século, essas comunidades estavam a ser inquietadas por falsos mestres cristãos, com sede de protagonismo, que apresentavam uma catequese que não se enquadrava com os ensinamentos recebidos de Jesus. Lucas sente-se no dever de as advertir para o perigo de se deixarem seduzir pelas falsas doutrinas que esses “mestres” propunham. Acolher as propostas que eles traziam não levava a lugar nenhum.
MENSAGEM
O nosso texto tem, claramente, duas partes. Na primeira (vers. 39-42), o “discurso” de Jesus constrói-se sobre uma série de perguntas que “obrigam” os ouvintes a avaliar e a dar uma resposta própria aos “alertas” que Jesus lhes deixa.
As duas primeiras perguntas (“poderá um cego guiar outro cego? Não cairão os dois nalguma cova?” – vers. 39) também aparecem no Evangelho de Mateus. Aí referem-se aos fariseus e doutores da lei, que pretendem ser líderes do Povo de Deus, mas ensinam uma religião legalista, feita de gestos rituais vazios e estéreis, que não aproxima de Deus nem tornam o homem realmente livre (cf. Mt 15,14). Em Lucas, no entanto, estas mesmas perguntas referem-se à ação de mestres cristãos arrogantes e cheios de si que, com as suas doutrinas pessoais, afastam os crentes da verdade do Evangelho. Os discípulos de Jesus que dão ouvidos a esses falsos mestres, arriscam-se a perder Jesus de vista e a desviarem-se do caminho que leva à vida eterna. Quando alguém apresenta as suas teorias ou a sua própria doutrina e não as propostas de Jesus, está, muito provavelmente, a conduzir os seus irmãos por caminhos que não levam a lado nenhum. Em lugar de conduzir os seus irmãos ao encontro da luz, está a condená-los a viver na escuridão. É necessário que os discípulos não esqueçam isto: o único “mestre” que devem seguir de olhos fechados, sem condições, com total disponibilidade, é o próprio Jesus. As propostas, sugestões e indicações de outros “mestres” só devem ser aceites como válidas se estiverem em consonância com o Evangelho de Jesus (vers. 40).
As duas perguntas seguintes (“porque vês o argueiro que o teu irmão tem na vista e não reparas na trave que está na tua? Como podes dizer a teu irmão: ‘Irmão, deixa-me tirar o argueiro que tens na vista’, se tu não vês a trave que está na tua?” – vers. 41-42), embora abordem um tema um pouco diferente, devem referir-se igualmente à ação desses “falsos mestres”, orgulhosos e autossuficientes, que se apresentam como donos da comunidade e referência para os seus irmãos. São gente cheia de certezas e de seguranças, que “nunca se engana e raramente tem dúvidas”, que impõe aos outros as suas convicções, que passa a vida a avaliar o comportamento dos outros, a julgá-los e a condená-los. Consideram-se “iluminados” e atuam com “tiques” de autoritarismo, de intransigência, de intolerância; não conhecem o amor, a bondade, a misericórdia, a compreensão. Mais: são incapazes de aplicar a si próprios os mesmos critérios de exigência que aplicam aos outros. Têm “telhados de vidro”, mas não veem os seus erros, por muito graves que eles sejam; só veem as falhas dos outros. No entendimento de Jesus, os que assim atuam são (a palavra é dura, mas não a podemos “branquear”) “hipócritas”: o termo não designa só o homem dissimulado, falso, cujos atos não correspondem ao seu pensamento e às suas palavras, mas equivale ao termo aramaico “hanefa” que, no Antigo Testamento, significa, ordinariamente, “perverso”, “ímpio”. Pode o verdadeiro discípulo de Jesus ser “perverso” e “ímpio”? Na comunidade de Jesus não há lugar para esses “juízes”, intolerantes e intransigentes, que estão sempre à procura da mais pequena falha dos outros para condenar, mas que não estão preocupados com os erros e as falhas – às vezes bem mais graves – que eles próprios cometem. Na perspetiva de Jesus, quem não está numa permanente atitude de conversão e de transformação de si próprio não tem qualquer autoridade para criticar os irmãos.
Na segunda parte do Evangelho deste domingo, Jesus apresenta os critérios para discernir aqueles que, dentro e fora da comunidade cristã, são “bons mestres” ou “falsos mestres” (vers. 43-45). Jesus utiliza duas pequenas parábolas para exemplificar o seu pensamento: na primeira, fala de árvores boas que dão bons frutos e de árvores más que dão maus frutos (vers. 44-44); na segunda, fala do coração do homem, de onde saem bons ou maus sentimentos, bons ou maus pensamentos, bons ou maus gestos, boas ou más palavras. Neste contexto, parece dever ligar-se os “bons frutos” com a verdadeira proposta de Jesus: dá bons frutos quem tem o coração cheio da mensagem de Jesus e a testemunha fielmente com palavras e com gestos; e essa mensagem não pode gerar senão união, fraternidade, partilha, amor, reconciliação, vida nova. Mas quando as palavras ou os gestos de um “mestre” geram divisão, tensão, desorientação, confrontação na comunidade, feridas que causam sofrimento, elas revelam um coração cheio de egoísmo, de orgulho, de amor próprio, de arrogância, de autossuficiência: cuidado com esses “mestres”, pois eles não são verdadeiros.
INTERPELAÇÕES
- De entre os diversos temas que Jesus tratou naquela “formação” aos discípulos que é o “sermão da planície”, está o da confiança que podemos ou não ter quando se trata de apostar em líderes humanos. Trata-se de vivermos permanentemente desconfiados, farejando “teorias da conspiração” por todo o lado? Trata-se de vivermos a cada passo prisioneiros do medo de sermos enganados, como se a mentira e o dolo estivessem à espreita ao dobrar de cada esquina, prontos a aproveitar-se de nós? Trata-se de olharmos para o mundo como um espaço hostil, cheio de gente que só quer o nosso mal e que está sempre disposta a atacar a nossa fé, as nossas convicções, os nossos valores? Não, não se trata de nada disso. Trata-se de vivermos com critérios, de termos ideias claras do que queremos e de caminharmos, serena mas decididamente, em direção à verdade, à luz, à vida com sentido. Somos gente atenta, com sentido crítico, que sabe para onde vai, que não se deixa manipular, que confia nos outros, mas que também procura avaliar criteriosamente aquilo que ouve e que vê enquanto caminha?
- “Poderá um cego guiar outro cego? Não cairão os dois nalguma cova?” – pergunta-nos Jesus. Nem todos aqueles que se propõem ajudar-nos a discernir o caminho que conduz à vida são “cegos”; mas há sempre pessoas que se arvoram em “guias”, em líderes, em “mestres”, que nos apontam caminhos sem saída. Às vezes é por ignorância e impreparação; outras vezes é para concretizar os seus projetos e os seus calendários pessoais; e algumas vezes é para se aproveitarem de nós. Quando nos deixamos conduzir por “guias” desses – sejam “guias” políticos, sejam “guias” religiosos, sejam aqueles “guias” de opinião que se propõem dizer-nos o que fazer para acertar os nossos comportamentos com a moda e os costumes vigentes –, o mais provável, segundo Jesus, é tropeçarmos, magoarmo-nos seriamente e não chegarmos a lado nenhum. Eles podem, com as suas indicações inadequadas, levar-nos a falhar redondamente o nosso caminho. Conhecemos “guias” desses? Estamos dispostos a colocar a nossa vida, de forma ligeira e irresponsável, nas mãos de alguém que nos aponta caminhos errados?
- “Porque vês o argueiro que o teu irmão tem na vista e não reparas na trave que está na tua? Como podes dizer a teu irmão: ‘Irmão, deixa-me tirar o argueiro que tens na vista’, se tu não vês a trave que está na tua?” – pergunta-nos Jesus. É verdade: há pessoas que passam a vida a avaliar, a apontar os males, a colocar rótulos, a criticar os outros. Julgam e condenam sem misericórdia e sem compaixão. São ríspidas e amargas; não conhecem ou não percebem a bondade e a ternura de Deus por todos os seus filhos. Em contrapartida, não se detêm um minuto a olhar para as suas próprias falhas, muitas vezes mais graves do que aquelas que apontam aos outros. Exigem dos outros uma mudança que eles não estão disponíveis para fazer, no que diz respeito à sua própria vida. Jesus chama-lhes “hipócritas”: são, na avaliação de Jesus, gente falsa, maldosa, perversa. Isto aplica-se, de alguma forma, a nós? Como encaramos as falhas, os erros, as pequenas e grandes imperfeições dos irmãos que caminham ao nosso lado? Somos tão exigentes connosco como somos com os outros?
- Outro traço daqueles que só veem o “argueiro” que o irmão tem na vista, mas não veem a “trave” que perturba a visão que eles próprios têm do mundo e dos outros, é a arrogância. Tratam os outros com sobranceria e consideram que só eles conhecem o bem e o mal, o que está errado e o que está certo, o que deve ser permitido e o que deve ser proibido. São as pessoas das certezas absolutas, cheias de presunção, com “tiques” autoritários. Impõem aos outros as suas opiniões, os seus valores, as suas convicções, a sua própria forma de ver o mundo e a vida. Na comunidade cristã, estabelecem preceitos, exigências, práticas com as quais Jesus nunca sonhou e que, em muitos casos, contradizem o Evangelho e o estilo de Jesus. Consideram-se as únicas vozes autorizadas de Deus e procuram “vender” aos outros a sua própria imagem de Deus. Isto aplica-se, de alguma forma, a nós? Procuramos impor aos outros as nossas certezas, sem nos deixarmos nós próprios questionar pelas visões diferentes que os outros possam ter sobre a fé ou sobre a vida?
- Jesus fala-nos, ainda, de “frutos bons” e de “frutos maus” que brotam das palavras e dos gestos das pessoas. Remete-nos para o interior do ser humano, para o “coração”, na antropologia semita o o centro onde nascem os pensamentos, os projetos, as decisões, as vontades, as ações do homem. O egoísmo, a intolerância, o orgulho, a indiferença, brotam de um coração mau, fechado a Deus e às suas indicações; a bondade, o amor, a misericórdia, a partilha, o perdão, brotam de um coração bom, que funciona ao ritmo de Deus. Nas palavras de Jesus há um apelo implícito a purificarmos e a renovarmos o coração, a convertermo-nos ao Evangelho e ao dinamismo do Reino de Deus. Vivemos em atitude permanente de conversão, dispostos a questionar a cada instante as nossas motivações, os nossos desejos, os nossos pensamentos, as nossas certezas, as nossas práticas?
- Há um critério simples para definirmos se as indicações que recebemos dos “guias” ou dos “mestres” com os quais nos cruzamos está certa ou está errada, é aproveitável ou é perniciosa: a consonância com o Evangelho, com a proposta de Jesus. Jesus é o nosso verdadeiro “mestre”, o nosso verdadeiro “guia”. Uma indicação que tenha a marca de Jesus e que esteja em consonância com os valores que Jesus propunha, com as suas palavras e com os seus gestos, é uma indicação que nos faz bem, que nos abre as portas para uma vida plenamente realizada; uma indicação que vai contra o Evangelho e que vai contra o “estilo” de Jesus, é algo que não nos fará bem e que poderá atirar-nos para caminhos sem saída. O Evangelho de Jesus é, para nós, critério para definirmos os valores que abraçamos ou que abandonamos?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 8.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 8.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRAGrupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org -
Tempo Comum - Anos Ímpares - VIII Semana - Segunda-feira Tempo Comum - Anos Ímpares - VIII Semana - Segunda-feira
3 de Março, 2025
Lectio
Primeira leitura: Ben Sirá 17, 20-28 (gr. 24-29)
Meu filho: O Senhor permite que se arrependam, deixa recomeçar, e conforta os que perderam a perseverança. 25Converte-te ao Senhor, deixa os teus pecados, suplica diante dele e evita as ocasiões de pecado. 26Volta-te para o Altíssimo, afasta-te da injustiça, - pois Ele próprio te conduzirá, das trevas à claridade da salvação - e detesta profundamente o que é abominável. 27Quem louvará o Altíssimo no Hades, em lugar dos vivos, quem o poderá louvar? 28O morto, como quem não existe, já não pode louvar; o homem vivo e com saúde é que louvará o Senhor. 29Como é grande a misericórdia do Senhor, e o seu perdão para com todos os que a Ele se convertem!
Ben Sirá, hoje, trata um tema de importância vital: o arrependimento e o perdão. Não é fácil arrepender-se nem é facil perdoar. Mas são atitudes indispensáveis na nossa relação com Deus e com os outros.
O arrependimento nasce da consciência de que, no nosso modo de pensar e de agir, há sempre algo de incorrecto. Todos nos sentimentos sujeitos a pecar e mesmo pecadores. Que fazer? A palavra de Deus é clara: «Converte-te ao Senhor, deixa os teus pecados» (v. 25). A conversão consiste em deixar de pecar e em voltar-nos para Ele, em regressar ao seu amor. O pecador é incapaz de louvar o Senhor, porque a sua vida é semelhante à dos que «jazem nas trevas e sombras da morte». Um salmista pede a Deus que o livre da morte para que, continuando a viver, tenha oportunidade de O louvar (Sl 88, 11-13).
Deus oferece o seu perdão ao pecador que se arrepende. Trata-se de um dom da misericórdia divina, pois o homem pecador a nada tem direito.Evangelho: Marcos 10, 17-27
Naquele tempo, Jesus ia Jesus pôr-se a caminho, quando um homem correu para Ele e se ajoelhou, perguntando: «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» 18Jesus disse: «Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão um só: Deus. 19Sabes os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes, honra teu pai e tua mãe.» 20Ele respondeu: «Mestre, tenho cumprido tudo isso desde a minha juventude.» 21Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele e disse: «Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.» 22Mas, ao ouvir tais palavras, ficou de semblante anuviado e retirou-se pesaroso, pois tinha muitos bens. 23Olhando em volta, Jesus disse aos discípulos: «Quão difícil é entrarem no Reino de Deus os que têm riquezas!» 24Os discípulos ficaram espantados com as suas palavras. Mas Jesus prosseguiu: «Filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! 25É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus.» 26Eles admiraram-se ainda mais e diziam uns aos outros: «Quem pode, então, salvar-se?» 27Fitando neles o olhar, Jesus disse-lhes: «Aos homens é impossível, mas a Deus não; pois a Deus tudo é possível.»
O diálogo entre Jesus e o homem rico é referido pelos três sinópticos. Mas a versão de Marcos apresenta alguns pormenores interessantes: o homem ajoelha-se diante de Jesus (v. 17); Jesus verifica que se trata de um homem religiosamente sincero e, por isso, sente afeição por ele e fala-lhe (v. 21); tendo ouvido as palavras de Jesus, o homem ficou de semblante anuviado e retirou-se pesaroso (v. 22).
Jesus está a caminho de Jerusalém. A pergunta deste israelita praticante é séria. Mas Jesus apresenta-lhe uma proposta mais vasta: despojar-se dos seus bens e aderir à comunidade dos discípulos. Assim daria prova da sinceridade com que buscava a vida eterna. Mas o homem, que «tinha muitos bens» (v. 22), não é capaz de dar essa prova. Jesus aproveita a ocasião para sublinhar que as riquezas são um grave obstáculo para entrar no reino de Deus, porque impedem de centrar o coração e os afectos em Deus, de tender para Ele, que é o fim de todos e cada um dos mandamentos e prescrições. Os discípulos ficam espantados, pois sabem que Jesus não quer uma comunidade de esfarrapados Mas o Senhor repete a afirmação servindo-se da riqueza metafórica oriental: «É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus» (v. 25). «Quem pode, então, salvar-se?» (v. 26), perguntam os discípulos. Então, Jesus acrescenta: «Aos homens é impossível, mas a Deus não; pois a Deus tudo é possível» (v. 27). É a «teologia da gratuidade», característica do segundo e evangelho, e em consonância com o pensamento paulino (cf. Rm 11, 6; Ef 2, 5; 1 Cor 15, 10; etc.). Jesus coloca-se numa posição oposta ao «automatismo farisaico», que supunha que o cumprimento de certas regras de pobreza assegurava a vida eterna. Mas nada deve ser absolutizado. Só Deus é absoluto.Meditatio
A libertação do pecado e das riquezas é fundamental para acedermos a valores superiores. Sem essa libertação não alcançamos à «vida eterna».
Mas não é fácil libertar-nos do pecado, dada a nossa grande fragilidade. Há que estar conscientes dela, para, cada dia, pedir perdão ao Senhor, implorar a sua misericórdia, e estar sempre dispostos a recomeçar. "Hoje começo!", dizia um santo, cada manhã.
O homem moderno tem dificuldade em pedir perdão, porque, devido aos seus grandes progressos científicos e tecnológicos, se julga auto-suficiente. Fecha-se em si, faz-se medida de si mesmo, tem por bem o que lhe parece bem, se procurar qualquer referência fora de si mesmo. Desse modo, bloqueia o caminho espiritual, ficando impedido de regressar ao Pai.
O evangelho propõe a libertação das riquezas. O homem de que nos fala Marcos quer encontrar o caminho para a «vida eterna». Mas está enredado nas suas riquezas. Jesus convida-o a desfazer-se delas, não destruindo-as, mas dando-as aos pobres, prometendo-lhe «um tesouro no céu». Mas o homem não consegue dar esse passo. Pensa no que deixa e não na riqueza que é seguir Jesus: deixa tudo o que tens; «depois, vem e segue-me» (v. 21). Mais importante do que o que deixamos, é Aquele que seguimos, com quem partilhamos a vida e a missão. A proposta de Jesus consiste em entrar, desde já, no Reino e de ter, desde já, um tesouro nos céus. Mais que tudo, é a proposta de uma vida de intimidade com o Senhor: «vem e segue-me».
As riquezas deste mundo podem tornar-se um obstáculo para escutar Jesus e segui-lo. O Senhor reconhece que, deixar essas riquezas, não é fácil: «Quão difícil é entrarem no Reino de Deus os que têm riquezas!» (v. 23). Mas, Ele mesmo, nos aponta o remédio para as nossas dificuldades em desapegar-nos dos bens: «Aos homens é impossível, m
as a Deus não; pois a Deus tudo é possível» (v. 27). Com a graça do Senhor, tantos cristãos sacrificaram tudo, incluindo a própria vida, para seguir Jesus e Lhe ser fiel nas perseguições. Tantos outros deixaram tudo para se consagrarem na vida religiosa e sacerdotal: «a Deus tudo é possível!».
Com a graça de Deus, podemos libertar-nos do pecado e das riquezas, e seguir Jesus pelo caminho por onde nos quiser chamar.
Cristo, lembram-nos as Constituições (n. 44), «convida-nos à bem-aventurança dos pobres no abandono filial ao Pai» (cf. Mt 5, 3). Viver esta bem-aventurança é permitir a Cristo viver a Sua pobreza em nós, com a sua mansidão, aflição, paz, misericórdia. É deixar «viver... Cristo» em nós (cf. Fl 1, 21), é garantir a posse do «tesouro escondido», e da «pérola de grande valor», que é o próprio Cristo das bem-aventuranças, vividas na nossa vida. Por isso, de acordo com as Constituições (n. 44), «recordaremos o seu insistente convite: "Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres; depois vem e segue-Me» (Mt 19,21)" (n. 44).Oratio
Senhor, faz-me sentir que, com a tua graça, não há dificuldades nem obstáculos que não possa ultrapassar, que não há pesos que não possa suportar, nem pecado de que não possa libertar-me. Contigo, tudo é possível! A palavra que, pelo teu Anjo, dirigiste a Maria, confirma aquela que, hoje, me diriges a mim: «A Deus nada é impossível!». Maria, apesar da sua pobreza e da sua humildade, seria mesmo a Mãe do teu Filho. Abre, Senhor, a minha mente e o meu coração, para que compreenda que o essencial consiste em escutar a tua palavra e ser dócil na fé, seguindo confiadamente o caminho que nos propões. Amen.
Contemplatio
Satanás, vencido pela segunda vez, volta com uma outra das suas armas mais poderosas, a terceira grande concupiscência, a cupidez. Transporta Jesus sobre uma montanha, mostra-lhe todos os reinos deste mundo e a sua glória, e diz-lhe: Se me adorardes, dar-vos-ei tudo isto. - É como se dissesse: sou o príncipe deste mundo, quereis ser o meu glorioso vassalo? Vede estas vastas regiões, estas terras opulentas, estas cidades prósperas, e todo o resto do mundo, da sua glória e das suas riquezas, posso dar-vos tudo isto. Todas estas coisas me foram entregues, e dou-as a quem quiser... Jesus contenta-se a responder: «Retira-te, está escrito: Adorarás o Senhor Deus e só a ele servirás». Como é que esta tentação podia mesmo de leve tocar o Coração de Jesus, ele que escolheu por preferência os abaixamentos da incarnação, as humilhações de Belém, as privações do exílio, o trabalho mercenário de Nazaré? Mas para nós, todas estas tentações são sedutoras, o dinheiro, o bem-estar, as comodidades da vida, mesmo que devesse sofrer a justiça e a pureza da alma. Onde está o remédio? Está ainda na meditação da vida de Jesus, no amor daquele que quis ser pobre para nos resgatar, para expiar as nossas cobiças: Belém, Nazaré e o Calvário, leiamos, meditemos, rezemos. Amaremos o desapego, o sacrifício, cada um segundo a nossa vocação e a nossa graça. As pessoas do mundo podem tentar adquirir uma fortuna moderada respeitando as leis de Deus. As almas mais generosas irão até à pobreza voluntária. (Leão Dehon, OSP3, p. 226s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Como é grande a misericórdia do Senhor, e o seu perdão
para com todos os que a Ele se convertem!» (Sir 17, 29).__________________
Subsídio litúrgico a cargo de Fernando Fonseca, scj
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Tempo Comum - Anos Ímpares - VIII Semana - Terça-feira Tempo Comum - Anos Ímpares - VIII Semana - Terça-feira
4 de Março, 2025
Lectio
Primeira leitura: Ben Sirá 35, 1-12
Aquele que observa a Lei faz numerosas oferendas; oferece sacrifício salutar o que guarda os preceitos. 2Aquele que se mostra generoso oferece flor de farinha, e o que usa de misericórdia oferece um sacrifício de louvor. 3Fugir do mal é o que agrada ao Senhor, e quem fugir da injustiça obtém o perdão dos pecados. 4Não te apresentes diante do Senhor com as mãos vazias, porque todos estes ritos obedecem a um preceito. 5A oblação do justo enriquece o altar, e o seu perfume sobe ao Altíssimo. 6O sacrifício do justo é aceitável, a sua memória não será esquecida. 7Dá glória a Deus com generosidade e não regateies as primícias das tuas mãos. 8Faz todas as tuas oferendas com semblante alegre, consagra os dízimos com alegria. 9Dá ao Altíssimo, segundo o que Ele te tem dado; dá com ânimo generoso, segundo as tuas posses, 10porque o Senhor retribuirá a dádiva, recompensar-te-á de tudo, sete vezes mais. 11Não procures corrompê-lo com presentes, porque não os aceitará; não te apoies num sacrifício injusto. 12Pois o Senhor é um juiz, e não faz distinção de pessoas.
Ben Sirá é simultaneamente um ritualista e um moralista, isto é, um homem apegado ao culto e apegado à Lei. Uma vez que vê o cumprimento da Lei como culto a Deus, podemos dizer que predomina nele o espírito do culto: «Aquele que observa a Lei faz numerosas oferendas;oferece sacrifício salutar o que guarda os preceitos» (v. 1). Nos versículos seguintes, o autor sagrado documenta um profundo conhecimento dos diferentes actos de culto com que se honrava a Deus.
Com a afirmação «a oblação do justo enriquece o altar, e o seu perfume sobe ao Altíssimo. O sacrifício do justo é aceitável» (vv. 5-6ª), Ben Sirá relaciona o compromisso ou santidade de vida com o rito de oferta no templo, antecipando e satisfazendo aquela exigência de unidade/comunhão da pessoa que Mateus afirmará de maneira categórica: «Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta» (Mt 5, 23s.). Ao mesmo tempo, o autor sagrado, apela para a generosidade nas ofertas ao Senhor, lembrando Ex. 23, 15: «ninguém se apresente diante de mim de mãos vazias», porque «o Senhor retribuirá a dádiva, recompensar-te-á de tudo, sete vezes mais» (v. 7). O homem sábio experimentou repetidamente que, com Deus, nunca ficamos a perder.Evangelho: Marcos 10, 28-31
Naquele tempo, Pedro começou a dizer-lhe: «Aqui estamos nós que deixámos tudo e te seguimos.» 29Jesus respondeu: «Em verdade vos digo: quem deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por minha causa e por causa do Evangelho, 30receberá cem vezes mais agora, no tempo presente, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, juntamente com perseguições, e, no tempo futuro, a vida eterna. 31Muitos dos que são primeiros serão últimos, e muitos dos que são últimos serão primeiros.»
O discurso de Jesus, depois do colóquio com o homem rico, deixou os discípulos apavorados. Pedro toma a palavra para tentar clarificar a confusão que se abatera sobre todos: que será de nós que «deixámos tudo e te seguimos»? (v. 28). Jesus garante-lhes que Deus não se deixa vencer em generosidade. Acolherá na vida eterna aqueles que, deixando tudo, O seguem; mas também lhes permite usufruir, desde já, da riqueza dos seus dons, e está com eles para os apoiar nas perseguições. Marcos faz uma lista detalhada dos bens de que os discípulos podem, desde já, usufruir, e conclui com a máxima sobre os primeiros e os últimos no Reino (cf. Mt 19, 30; 20, 26; Lc 13, 30). Há que estar atento contra as falsas seguranças, e empenhar-se num permanente esforço de conversão.
Meditatio
Uma leitura superficial dos textos bíblicos, que a liturgia de hoje nos oferece, pode induzir-nos em erro e levar-nos a concluir que a nossa relação com Deus é semelhante à que podemos ter com um banco: depositamos determinada soma e, no devido tempo, vamos levantar os juros. Na primeira leitura o rendimento seria sete vezes maior do que o depósito. No evangelho, os ganhos seriam a cem por cento. Mas, obviamente, não estamos a fazer uma boa leitura dos textos.
O Sábio oferece-nos uma catequese completa sobre os sacrifícios. O piedoso israelita não deve descuidar as oblações prescritas na Lei. Os sacrifícios de animais, no Templo, devem ser feitos com generosidade e alegria: «não regateies as primícias das tuas mãos. Faz todas as tuas oferendas com semblante alegre, consagra os dízimos com alegria» (vv. 7b-8). Mas demora-se a explicar que a vida é mais importante do que as vítimas. O mais importante é construir uma relação interior com o Senhor. É esse o objectivo principal da Lei. Mas há que estar atentos ao próximo, porque o bem que se faz aos outros também é sacrifício agradável a Deus. Dar esmolas equivale a um sacrifício de louvor a Deus.
O evangelho mostra-nos os Apóstolos que aderiam a Jesus e O seguem. Também aqui, como no texto de Ben Sirá, se trata de entrar em comunhão com Alguém. O que mais vale é a oferta da nossa vida, na fidelidade à vontade de Deus, na generosidade em seguir os seus ensinamentos. A oferta de um qualquer dom é apenas epifania da oferta de nós mesmos. É o que se passa, por exemplo, na profissão religiosa: não damos a Deus a nossa castidade, a nossa pobreza, a nossa obediência. Damo-nos a nós mesmos, em castidade, em pobreza, em obediência. Também a recompensa do dom, por parte de Deus, que Lhe fazemos, acontece a nível pessoal: é-nos dada «a vida eterna», isto é, a visão de Deus, a comunhão plena e definitiva com a Trindade. Seguir a Cristo, significa entrar com Ele, por Ele e n´Ele, no mistério da Trindade. É este o verdadeiro «cem vezes mais».
Na celebração eucarística, vivemos este mistério. Oferecemos o pão e o vinho, que recebemos da bondade e da generosidade do Criador, para que se tornem, para nós, «Pão da vida» e «Vinho da salvação». Esta é a dinâmica da nossa vida cristã, que nos deve encher de alegria, porque somos, na verdade, envolvidos pela generosidade divina que tudo nos dá, para que o possamos oferecer e receber ainda mais. Trata-se de uma verdadeira exigência do amor, da caridade que anima a Igreja: quanto recebemos do amor de Deus, deve ser partilhado largamente com os outros... Jesus ordena-o aos discípulos, quando os envia em missão: «Recebestes gratuitamente, dai gratuitamente» (Mt 10, 8). Para nós, mais especificamente, é o desejo de fazer nosso o zelo apaixonado de Jesus pelo Reino, pela prega&ccedi
l;ão da Boa Nova. Para compreender o amor de Cristo, para lhe corresponder, é preciso partilhar as suas opções, as Suas preocupações... «Como poderíamos, efectivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, senão amando como Ele em obras e em verdade?» Este texto das nossas Constituições (n. 18) sublinha a nossa disponibilidade para a missão, para a sua urgência, compreendida como dom, como sacrifício, como Cristo a viveu.Oratio
Nós Te bendizemos, Deus Pai, que nos preparaste o mundo e chamaste à vida para revelar o teu amor paterno e materno por todos nós. Nós Te bendizemos, Deus Filho, que entraste na nossa história e nos salvaste, participando no desígnio de amor do Pai para toda a humanidade. Nós Te bendizemos, Deus Espírito Santo, porque és a força que nos abre os olhos para vermos a verdadeira história escondida sob as aparências do dia a dia, e os milagres que acontecem em nós e no nosso mundo. Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, aceita o dom que, com particular fervor, Te fazemos, hoje, de nós mesmos e de tudo o que temos e fazemos, como oblação à tua glória. Glória a Ti para sempre! Amen.
Contemplatio
Jesus oferece-se a si mesmo pelas mãos de Maria. Na aparência, está inconsciente, mas no seu Coração não o está. Oferece a sua vida, a sua paixão, a sua morte, para expiar a ingratidão dos homens e a minha. Perdão, ó meu Jesus! Maria oferece o seu filho. Aguardando que este grande holocausto se consuma sobre o calvário, ela sacrifica, sob o golpe das tristes profecias de Simeão, o repouso e as seguranças do seu coração maternal, ao mesmo tempo que a sua honra virginal, comprometida por este facto que ela consente, ela, a Mãe puríssima e castíssima, a passar por impura, como o são perante a lei de Moisés as outras mães. José, intimamente unido a Jesus e a Maria, oferece-se para levar as mágoas e as dores inseparáveis da alta missão de que é honrado. Simeão, quando viu Jesus, renuncia a tudo, mesmo à vida. Ana levou uma longa vida de jejuns e de orações na espera e na esperança do Messias. Está pronta, como Simeão, a morrer depois de o ter visto. Todos permaneceram fiéis. E eu, eu fiz muitas vezes oferendas, tomei resoluções, formulei votos. Em que situação me encontro? Tenho sido fiel? Não me retomei muitas vezes? Posso esperar a coroa prometida à fidelidade, se continuo assim? Que fazer? Oferecer-me ainda, mas desta vez com firmeza, não me apoiando sobre a minha vontade vacilante, mas mantendo-me unido aos sagrados Corações de Jesus e de Maria, que me sustentarão se eu me aplico firmemente a compreender e a imitar as suas disposições. (Leão Dehon, OSP3, p. 117s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Faz todas as tuas oferendas com semblante alegre,
consagra os dízimos com alegria» (Sir 35, 8).__________________
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Quarta-feira de Cinzas Quarta-feira de Cinzas
5 de Março, 2025
Lectio
Primeira leitura: Joel 2, 12-1812*Diz agora o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração com jejuns, com lágrimas, com gemidos. 13*Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes, convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia. 14*Quem sabe? Talvez Ele mude de ideia e volte atrás, deixando, ao passar, alguma bênção, para oferenda e libação ao SENHOR vosso Deus! 15Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada.16Reuni o povo, purificai a assembleia, juntai os anciãos, congregai os pequeninos e os meninos de peito. Saia o esposo dos seus aposentos e a esposa do seu tálamo nupcial.17*Entre o pórtico e o altar chorem os sacerdotes, e digam os ministros do SENHOR: «Tem piedade do teu povo, SENHOR, não transformes em ignomínia a tua herança, para que ela não se torne o escárnio dos povos! Por que diriam: 'Onde está o seu Deus? '» 18*0 SENHOR encheu-se de zelo pelo seu país e teve compaixão do seu povo.
Joel é provavelmente um sacerdote-profeta, que vive no Templo, depois do exílio. Fiel ao serviço da Casa de Deus, exorta o povo, que passa por uma grave carestia provocada por uma invasão de gafanhotos (1, 2-2, 10), à oração e à conversão .. O próprio culto, no templo, tinha cessado (1, 13.16). O profeta, que sabe ler os sinais dos tempos, anuncia a proximidade do «dia do sennot», e convida o povo ao jejum, à súplica e à penitência (2, 12.15-17). «Convertei-vos», grita o profeta. O termo hebraico subjacente é schOb que significa arrepiar caminho, regressar ... O povo que virara costas a Deus, devia voltar novamente o coração para Ele, e retomar o culto no templo, um culto autêntico, que manifestasse a conversão interior. O povo pode voltar novamente para Deus, porque Ele é misericordioso (v. 13), e também pode mudar de ideia e voltar atrás (v. 14).
Um amor sincero a Deus, uma fé consistente, e uma esperança que se torna oração coral e penitente, darão ao profeta e aos sacerdotes as devidas condições para implorarem a compaixão de Deus para com o seu povo.
Segunda leitura: 2 Coríntios 5, 20 - 6,2
Irmãos: 20é em nome de Cristo, portanto, que exercemos as funções de embaixadores e é Deus quem, por nosso intermédio, vos exorta. Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus. 21Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos, nele, justiça de Deus.
1 *E como seus colaboradores, exortamo-vos a não receber em vão a graça de Deus. 2Pois Ele diz: No tempo favorável ouvi-te e, no dia da salvação, vim em teu auxílio. É este o tempo favorável, é este o dia da salvação.
«Reconciliai-vos com Deus», é o apelo de Paulo. A reconciliação é possível, porque essa é a vontade do Pai, manifestada na obra redentora do Filho e no poder do Espírito que apoia o serviço dos apóstolos. O v. 21 é o ponto alto do texto, pois proclama o juízo de Deus sobre o pecado e o seu incomensurável amor pelos pecadores, pelos quais não poupou o seu próprio Filho (cf. Rm 5, 8; 8, 32). Cristo carregou sobre si o pecado do mundo e expiou-o na sua própria carne. Assim, podemos apropriar-nos da sua justiça-santidade. O Inocente tornou-se pecado para nos pudéssemos tornar justiça de Deus. E, agora, o tempo favorável para aproveitar essa graça: deixemo-nos reconciliar (katallássein) com Deus. O termo grego indica a transformação da nossa relação com Deus e, por consequência, da nossa relação com os outros homens. Acolhendo o amor de Deus, que nos leva a vivermos, não já para nós mesmos, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por nós (w. 14s.), podemos tornar-nos nova criação em Cristo (5, 18).
Evangelho: Mateus 6, 1-6.16-18
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos. 1 *«Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. 2*Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 3Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, 4a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» 5«Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 6Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te.
16*«E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te.»
Jesus pede aos seus discípulos uma justiça superior à dos escribas e fariseus, mesmo quando praticam as mesmas obras que eles.: «Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles». Agora aplica esse princípio a algumas práticas religiosas do seu tempo: a esmola, o jejum e a oração. Há que estar atentos às motivações que nos levam a dar esmola, a orar, a jejuar, porque o Pai vê o que está oculto, os sentimentos profundos do coração. Se buscamos o aplauso dos homens, a vanglória, Deus nada tem para nos dar. Mas se buscamos a relação íntima e pessoal com Ele, a comunhão com Ele, seremos recompensados. Se não fizermos as boas obras com recta intenção somos hypokritoi, isto é, comediantes, e mesmo ímpios, de acordo com o uso hebraico do termo.
Meditatio
A Liturgia da Palavra dá-nos, hoje, a orientação correcta para vivermos frutuosa mente a Quaresma, tempo favorável de graça, dia de salvação. Penitência e arrependimento não são caminho de tristeza, de depressão, mas caminho de luz e de alegria, porque, se nos levam a reconhecer a nossa verdade de pecadores, também nos abrem ao amor e à misericórdia de Deus.
a profeta, em nome de Deus, convida o povo a percorrer o caminho da esperança, fazendo penitência; os apóstolos recebem de Deus o ministério da reconciliação; a Igreja repete a boa nova: «É este o tempo favorável~ é este o dia da salvação» (2 Cor 6, 2). Com todo o povo de Deus, somos convidados a arrepiar caminho, a voltar-nos para o Senhor, a deixar-nos reconciliar, a d
ar a Cristo ocasião de tomar sobre Si o nosso pecado, porque só Ele o conhece e pode expiar.Renovados pelo amor, podemos viver alegre e confiadamente na presença de Deus, nosso Pai, cumprindo humildemente tudo quanto Lhe agrada e é útil para os irmãos. E a presença do Pai, no mais íntimo de nós mesmos, garante-nos a verdadeira alegria.
Jesus, no evangelho, mostra-nos qual deve ser a nossa atitude quando praticamos obras de penitência (tais como a esmola, a oração, o jejum), e insiste na rectidão interior, garantida pela intimidade com o Pai. Era essa a atitude e a orientação do próprio Jesus em todas as suas palavras e obras. Nada fazia para ser admirado pelos homens. Nós podemos ser tentados a fazer o bem para obtermos a admiração dos outros. Mas essa atitude, por um lado, fecha-nos em nós mesmos, por outro lado projecta-nos para fora de nós, tornando-nos dependentes da opinião dos outros.
Há, pois, que fazer o bem porque é bem, e porque Deus é Deus, e nos dá oportunidade de vivermos em intimidade e solidariedade com Ele, para bem dos nossos irmãos. Estar cheios de Deus, viver na sua presença, é a máxima alegria neste mundo, e garante-nos essa mesma situação, levada à perfeição, no outro.
Nós, dehonianos, fizemos "a nossa opção pela vida religiosa" (Cst 144) uma vez para sempre, não de modo estático, mas dinâmico. Por isso, "para que se mantenha viva" (Cst 144), deve ser permanentemente renovada no "encontro frequente com o Senhor na oração" (Cst 144), especialmente no encontro eucarístico pessoal da oração de intimidade e comunitário da celebração e da adoração eucarística, na "conversão permanente ao Evangelho", para que tenhamos "a disponibilidade de coração e de atitude para acolher o hoje de Deus' (Cst 144).
Converter-se "ao Evangelho"! O Evangelho para nós, mais do que um livro, é uma pessoa, Jesus Cristo. É necessária a "conversão" ao verdadeiro conhecimento de Cristo. Não um conhecimento intelectual, como aquele que se obtém nas aulas de teologia. É preciso um conhecimento de fé, uma experiência viva, como aquela de fala S. Paulo: "Na verdade, em tudo isso só vejo dano, comparado com o supremo conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Põe Ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo ... Assim poderei conhecê-I' o, a Ele, à força da Sua Ressurreição e à comunhão nos seus sofrimentos, configurando-me à Sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição. Não que eu já tenha alcançado a meta, ou que já seja perfeito, mas prossigo a minha carreira para ver se de algum modo a poderei alcançar, visto quejá fui alcançado por Jesus Cristd' (Fil 3, 8.10-13).
Façamos nesta Quaresma as obras de penitência que pudermos. Mas façamo-Ias na intimidade e na presença do Senhor, que havemos de procurar na oração, na Eucaristia, na comunidade... Não esqueçamos a ascese, especialmente a que nos é exigida pelo fiel cumprimento dos nossos compromissos com Deus e com os irmãos.
Oratio
Senhor, que, mais uma vez, me ofereces a graça da Quaresma, tempo favorável, dia de salvação, ajuda-me a vivê-lo no segredo onde me vês, me amas e me esperas. Sei que as coisas exteriores têm a sua importância. Mas quero vivê-Ias na tua presença. Gostaria de fazer muitas obras de penitência durante este tempo. Mas, se fizer poucas, que sejam no teu amor, o que é mais importante do que fazer muitas para atrair a admiração e a estima dos outros. Quero fazer o que puder na oração, na mortificação, na caridade fraterna; mas quero fazê-lo na humildade e na sinceridade diante de Ti. Infunde em mim o teu Espírito Santo que me conduza e guie pelo deserto da penitência, durante esta Quaresma. Amen.
Contemplatio
Que sou eu? Cinza e pó. O pó é levado pelo vento. Assim acontece com a minha pobre natureza. Sou acessível a todo o vento da tentação. A minha vontade é tão móvel como o pó. Em que é então que me posso orgulhar? Que lição de humildade!
Porque é que o barro e a cinza se orgulham, pergunta o Sábio (Eccli 10, 8). Todos os homens, diz ainda, são apenas terra e cinza (17, 31). Os povos, depois de um rápido brilho, são como um amontoado de cinza depois do incêndio, diz Isaías (33, 12).
A nossa vida desaparecerá como se extingue uma faúlha, diz o Sábio, e o nosso corpo cairá feito em cinzas (Sab 2, 3).
Abraão dizia: «Ousarei falar a Deus, eu que não sou senão cinza e pó?» (Gen 18, 27).
No entanto, falou a Deus com humildade e confiança.
Tal deve ser o fruto desta cerimónia. Devo recordar-me, todos os dias, do meu nada e da minha fragilidade. O sinal material apagar-se-á da minha fronte, mas o pensamento que exprime deve permanecer gravado na minha memória.
Sou apenas nada, no entanto irei ter com Deus, mas irei com humildade. Irei lamentando as minhas faltas, irei fazendo reparação e confissão pública pelos meus pecados e pelos dos meus irmãos.
Irei com a consciência da minha fraqueza, mas mesmo assim confiante, porque Deus é bom, porque o Filho de Deus tomou um coração para me amar e partir este coração para deixar escorrer sobre a minha alma o perfume da sua misericórdia (Leão Dehon, OSP 3, p. 196).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«E este o tempo favorável é este o dia da salvação» (2 Cor 6,2)
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Quinta-feira depois das Cinzas Quinta-feira depois das Cinzas
6 de Março, 2025
Lectio
Primeira leitura: Deuteronómio 30,15-20
Moisés falou ao povo, dizendo: 15«Repara que coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal. 16Assim, ordeno-te hoje que ames o SENHOR, teu Deus, que andes nos seus caminhos, que guardes os seus mandamentos, preceitos e sentenças. Assim viverás, multiplicar-te-ás e o SENHOR, teu Deus, te abençoará na terra em que vais entrar para dela tomar posse. 17Mas se o teu coração se desviar e não escutares, se te deixares arrastar e adorares deuses estranhos e os servires, 18declaro-vos hoje que, sem dúvida, morrereis; os vossos dias não se prolongarão na terra na qual ides entrar, passando o Jordão, para dela tomar posse» 19«Tomo hoje por testemunhas contra vós o céu e a terra; ponho diante de vós a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, 20amando o SENHOR, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele, porque Ele é a tua vida e prolongará os teus dias para habitares na terra, que o SENHOR jurou que havia de dar a teus pais, Abraão, Isaac e Jacob.»
Os desterrados de Israel são convidados a reflectir sobre as causas da sua sorte, a acolher novamente a aliança do Senhor com todas as suas exigências e a abrir-se à esperança. Para ser mais incisivo, o autor sagrado recorre à contraposição dizendo que se trata de uma escolha entre a vida e a morte, entre o bem e o mal, entre a bênção e a maldição. Há que fazer uma opção responsável, com todas as suas consequências. O céu e a terra são testemunhas dessa opção (v. 19).
A vida é um dom de Deus, mas também é participação no seu ser (c. 20). Deus é Aquele que vive e faz viver. Há que estar unidos a Ele no amor e na obediência aos seus preceitos. Esses preceitos não têm outra finalidade que não seja a de nos ajudar a percorrer os seus caminhos (v. 16) e a alcançar a sua promessa (v. 20) de vida e de bênção.
Evangelho: Lucas 9, 22-25
22Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «O Filho do Homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos-sacerdotes e pelos doutores da Lei, tem de ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar.» 23*Depois, dirigindo-se a todos, disse: «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me. 24Pois, quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-Ia; mas, quem perder a sua vida por minha causa há-de salvá-Ia. 25Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, perdendo-se ou condenando-se a si mesmo?
Jesus anuncia, pela primeira vez, a necessidade da sua paixão aos discípulos, que acabavam de Lhe referir a opinião do povo sobre Ele e de proclamar a sua fé. Jesus reserva este ensinamento a um pequeno grupo de discípulos, os mais íntimos. Mas a todos ensina o caminho a seguir por quem pretende tornar-se seu discípulo. De acordo com os costumes de então, quem decidia tornar-se discípulo de um rabi, caminhava seguindo os seus passos.
Àqueles que o querem seguir, Jesus apresenta o caminho da abnegação, do sofrimento e da morte, o caminho da cruz. Era frequente, sob a dominação romana, que um condenado carregasse o braço transversal da cruz desde o lugar da condenação ao lugar da execução. Tratava-se, pois, de uma imagem tremendamente realista: seguir a Cristo era viver como condenados à morte pelo mundo, prontos a enfrentar o desprezo de todos. Mas é a morte de Jesus, a sua cruz, que nos dá a vida verdadeira. Por isso, há que estar prontos a perder tudo, que de nada serve, se não alcançarmos a vida.
Meditatio
A primeira leitura apresenta-nos Deus que, com afecto paterno, respeitando-nos e querendo o nosso bem, nos apresenta dois caminhos, aconselhando-nos a escolher o bom: «Coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal... Ordeno-te hoje que ames o SENHOR... que andes nos seus caminhos, que guardes os seus mandamentos, preceitos e sentenças. Assim viverás, multiplicar-te-ás e o SENHOR, teu Deus, te abençoará na terra em que vais entrar para dela tomar posse» (w. 15-16). A vida consiste em amar o Senhor, em observar os seus preceitos, em ser dócil à sua palavra. O mal consiste em seguir os caprichos do coração ... E leva à morte: «Se o teu coração se desviar e não escutares, se te deixares arrastar e adorares deuses estranhos e os servires, declaro-vos hoje que morrereis ... » (VII. 16- 17). Deus avisa-nos, mas não nos obriga a obedecer-lhe. Ninguém, como Ele, respeita a liberdade que nos deu. Quero que O sirvamos, mas por amor e, por isso, livremente: «Escolhe» (v. 19). Mas, como deseja o nosso bem, quase nos suplica: «Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, 20amando o SENHOR, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele» (v. 19).
A escolha da vida não é óbvia, porque encerra um paradoxo: Jesus diz que se alcança a vida segundo Deus, que é Deus, renunciando a nós mesmos, carregando a cruz de cada dia, aceitando perder a vida presente por causa d ' Ele. É seguindo Cristo, de modo radical, até ao fim, que se chega à vida. O seguimento de Cristo implica passar pelo Calvário, pela cruz. Mas é por aí que se chega à ressurreição, que se salva a vida.
O ensinamento de Jesus deita por terra os modelos das velhas religiões. A grandeza do homem não consiste em transcender a finitude da matéria, subindo à altura do ser do divino (mística oriental), nem consiste em identificar-nos sacramentalmente com as forças da vida latentes na profundidade radical do cosmos (religião dos mistérios), nem é perfeito quem cumpre a lei até ao fim (farisaísmo), nem o que pretende escapar da miséria do mundo, na esperança da meta que se aproxima (apocalíptica) ... Diante de todos os possíveis caminhos da história do homens, Jesus apresenta-nos o seu caminho: «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me».
A vida de oblação, no concreto, no humilde dia a dia, consiste em aceitar com serenidade, dando graças, as cruzes e canseiras; consiste em irradiar com espontaneidade simples os frutos do Espírito. Assim realizamos o convite de Jesus: Quem quiser ser Meu discípulo "tome a sua cruz, dia a dia, e siga-Mé' (Lc 9, 23). Sequi-lO na mansidão e na humildade do coração: "Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29). Irradiar alegria, paz, bondade, para alívio, não só nosso, mas também dos nossos irmãos. Assim, como "Sacerdotes do Coração de Jesus, vivemos hoje no nosso Instituto a herança do Padre Dehon" (Cst. 26).
Oratio
Senhor Jesus, o teu desafio é tremendamente claro, deixando-me sem escapatória possível: ou a salvação imediata, que me levará a perder a vida; ou renúncia a mim mesmo, que me conduzirá à vida. E desafias-me, não só com palavras, mas também com o te
u exemplo, pois quiseste percorrer, antes de mim, o caminho que leva à salvação. Como Tu mesmo declaraste, trata-se de um caminho muito difícil: «O Filho do homem tem de sofrer muito, tem de ser condenado à morte», mas «ao terceiro dia, ressuscitar», Seguindo as tuas pegadas sangrentas, não errarei o caminho, e estarei seguro da tua graça, que me conduzirá até ao fim. Infunde em mim o teu Espírito Santo para que, unido a Ti durante a caminhada, e até ao sacrifício, Contigo continue unido na glória da Ressurreição. Amen.Contemplatio
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque o reino dos céus lhes pertence.
Nosso Senhor no-lo dirá muitas vezes: no seu seguimento, na sua companhia, a gente leva a cruz. Ele dá a sua força, mesmo o gosto dela. Esta paciência é o sinal da união com Nosso Senhor.
a esposo divino quer que a sua esposa lhe seja semelhante. «Se alguém quiser vir atrás de mim, que tome a sua cruz e siga-me».
a maior sinal do amor é sofrer pelo objecto amado.
Como são admiráveis os vossos ensinamentos, ó meu Salvador! E como sabeis em poucas palavras traçar-nos todo o caminho que conduz a vós! (Leão Dehon, asp 3, p. 31s).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Se alguém quer seguir-me, tome a sua cruz e siga-me» (cf. Lc 9,23).
https://www.youtube.com/watch?v=wkx1MTEBYZo&feature=emb_logo
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Sexta-feira depois das Cinzas Sexta-feira depois das Cinzas
7 de Março, 2025
Lectio
Primeira leitura: Isaías 58, 1-9a
Eis o que diz o Senhor Deus: 1 Grita em voz alta, sem te cansares. Levanta a tua voz como uma trombeta. Denuncia ao meu povo as suas faltas, aos descendentes de Jacob, os seus pecados.2*Consultam-me dia após dia, mostram desejos em conhecer o meu caminho, como se fosse um povo que praticasse a justiça, e não abandonasse a lei de Deus. Pedem-me sentenças justas, querem aproximar-se de Deus.3Dizemme: «Para quê jejuar, se vós não fazeis caso? Para quê humilhar-nos, se não prestais atenção?» É porque no dia do vosso jejum só cuidais dos vossos negócios, e oprimis todos os vossos empregados.4Jejuais entre rixas e disputas, dando bofetadas sem dó nem piedade. Não jejueis como tendes feito até hoje, se quereis que a vossa voz seja ouvida no alto.5Acaso é esse o jejum que me agrada, no dia em que o homem se mortifica? Curvar a cabeça como um junco, deitar-se sobre saco e cinza? Podeis chamar a isto jejum e dia agradável ao Senhor? 60 jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, 7*repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão.8*Então, a tua luz surgirá como a aurora, e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá à tua frente, e a glória do Senhor atrás de ti.9Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá, pedirás auxílio e te dirá: «Aqui estou!»
Neste discurso, o profeta pretende alertar o povo para a falta de autenticidade com que vive (vv. 1-3a), proclamar o verdadeiro jejum (vv. 3b-7) e indicar as consequências positivas da ligação do jejum à prática da justiça (vv. 8-12).
O povo tinha regressado do exílio cheio de entusiasmo e de esperança. Mas as dificuldades eram grandes. Deus parecia surdo e indiferente às súplicas e ao culto do seu povo. Mas o profeta alerta para a prática de um jejum misturado com injustiças sociais, e condena-o. O culto deve estar unido à solidariedade com os pobres. Caso contrário, não agrada a Deus e é estéril. As manifestações exteriores de conversão têm a sua prova real na caridade e na misericórdia para com os pobres e oprimidos. Isaías parece já ter ouvido as palavras de Jesus: «Tinha fome e destes-me de comer ... (cf. Mt 25, 31-46). Mas afirmar que o verdadeiro jejum e o verdadeiro culto consistem na caridade, não significa negar o valor dessas práticas, mas afirmar que elas têm sentido e valor em vista da mesma caridade. O jejum tem sentido e valor quando se torna expressão de amor a Deus e ao próximo. Por sua vez, o verdadeiro culto é relação com Deus, sem individualismo e falsidade.
Evangelho: Mateus 9, 14-15
14*Naquele tempo, os discípulos de João Baptista foram ter com Jesus e perguntaram-lhe: «Por que é que nós e os fariseus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» 15*Jesus respondeu-lhes: «Porventura podem os convidados para as núpcias estar tristes, enquanto o esposo está com eles? Porém, hão-de vir dias em que lhes será tirado o esposo e, então, vão jejuar.»
Os discípulos de Jesus são acusados de não Jejuarem. Jesus responde dando a entender que, com Ele, começaram os tempos messiânicos, o tempo das núpcias, o tempo escatológico anunciado pelos profetas, tempo de alegria durante o qual não se jejua, pois o Esposo está presente. Mas muitos não conseguem ver em Jesus o Messias esperado, e não reconhecem que o Reino de Deus é festa, é pérola pela qual se está disposto a deixar tudo com alegria. A renúncia, por Deus, não é um peso. Não há que ter medo do rosto alegre do Senhor. O jejum cristão não consiste apenas em abster-se de alimentos. Consiste, sobretudo, em desejar o encontro com Jesus salvador.
O contexto deste evangelho ajuda-nos a compreendê-lo. Nos versículos seguintes Jesus recorre a duas comparações: «Ninguém põe um remendo de pano novo em roupa velha.. 17Nem se deita vinho novo em odres velhos. »(vv. 16.17), que oferecem outra motivação em favor do comportamento dos discípulos de Jesus. Com a vinda de Jesus, começou o tempo novo do Reino em que já não se sentem prisioneiros do jejum ou de outras práticas da Antiga Aliança. A novidade de Cristo não se limita a adaptar as velhas formas: arranca o pano velho, rebenta os velhos odres. Há um novo começo.
Meditatio
O jejum começa a reentrar na nossa cultura actual por razões de dieta e de estética, ou aconselhado por certas formas de religiosidade, com origem no Oriente. A Igreja, como sempre, também recomenda o jejum, particularmente na Quaresma. Mas podemos entender mal as suas motivações ou até cair no egoísmo e do orgulho. Por isso, a mesma Igreja, nos alerta para duas dimensões essenciais do jejum: a sua referência a Cristo e a sua dimensão de solidariedade.
Expliquemos: jejua-se porque Cristo, o Esposo, ainda não está totalmente presente em cada um de nós nem na sociedade em que vivemos. O Esposo está pronto. Mas nós não estamos prontos. Ainda não nos deixamos invadir completamente pelo seu amor. Jejuamos para Lhe dar lugar em nós, para que possa ocupar toda a nossa existência. Jejuamos para nos unirmos à sua Paixão. Já no século II era recomendado aos fiéis que não jejuassem nos mesmos dias em que jejuavam os judeus, mas sim na sexta-feira, em memória da paixão de Jesus.
Mas também jejuamos para nos tornarmos sensíveis à fome e à sede de tantos irmãos e para assumirmos a nossa responsabilidade na resolução dos problemas dos pobres e carenciados. A memória da paixão de Jesus não é um simples ritual, mas um acto de misericórdia, no sentido da palavra do Senhor: «Prefiro a misericórdia ao sacrifício» (cf. Mt 9, 13). A sua paixão é obediência ao Pai, mas também um gesto de extrema caridade, de
solidariedade com todos nós.Tendo bem presentes estas dimensões, entendemos melhor o sentido do jejum que nos é recomendado e pedido pela Igreja, e mais facilmente evitamos cair na busca de uma perfeição individualista e fechada, sem nos preocuparmos com os outros.
Deixemo-nos conduzir pelo Espírito nas formas de ascese a escolher para vivermos proveitosamente a nossa Quaresma. E sucederá connosco o que sucedeu com Jesus: "O Espírito do Senhor está sobre Mim - diz Jesus na sinagoga de Nazaré - ... enviou-Me a anunciar a boa nova aos pobres ... e a pregar um ano de graça do Senhor' (Lc 4,18-19; Cf. Cst 28). Amar um pequeno, um pobre, é amar Jesus: "Todas as vezes que fizeste isto (as obras de misericórdia) a um só destes meus irmãos mais pequenos, foi a Mim que o fizestes" (Mt 25, 40; cf. Cst 28).
o tempo da Quaresma é propício a percorrermos os diversos graus da caridade evangélica: "Ama o próximo como a ti mesmo" (Mt 19, 19). É a regra de ouro que já foi proclamada no Antigo Testamento e que Jesus faz Sua: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti (Cf. Mt 7,12); Lc 6,11; Lv 19,18; Tob 4,15). Este é o primeiro grau da caridade. O segundo grau é: ama o próximo como amas a Jesus (Cf. Mt 25, 40; cf. n. 28). O terceiro grau é amar o próximo como Jesus nos ama: "Este é o Meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amel' (Jo 15,12). O quarto grau, o mais perfeito, é revelado por Jesus em forma de oração: pede que os seus discípulos se amem uns aos outros como as Três Pessoas da SS. Trindade se amam: "Não rogo só por estes, mas também por aqueles que, graças à sua palavra, hão-de acreditar em Mim, para que todos sejam um. Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, sejam também eles uma só coisa, para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (Jo 17,20-21).
O fruto da caridade é Jesus presente no meio de nós: "Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, Eu estarei no meio deles" (Mt 18, 20). Mas o preço da caridade é sempre a cruz, a negação de nós mesmos, a superação do nosso egoísmo: "Se alguém quiser vir após Mim, renegue a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-Me" (Lc 9, 23).
Oratio
Senhor Jesus, infunde em mim o teu Espírito, que seja o meu guia neste tempo da Quaresma. Quero comungar no teu jejum para estar unido a Ti, para Te experimentar como o Esposo desejado. Aumenta em mim o sentido esponsal da vida cristã. Ensiname a jejuar de quanto me faz esquecer de Ti, de quanto me afasta da meditação da tua Palavra, de quanto me leva a procurar outros «amantes» e a correr o perigo de Te ser infiel.
Que o meu jejum me abra também ao amor dos irmãos e me faça percorrer o caminho da caridade até amar como Tu amas, até que o meu amor pelos irmãos seja reflexo daquele amor que reina entre Ti, o Pai e o Espírito. Amen.
Contemplatio
Jesus quis jejuar quarenta dias e quarenta noites. Moisés e Elias tinham feito o mesmo antes de empreenderem a sua grande missão perante o povo de Deus.
Nosso Senhor quis que este jejum absoluto e miraculoso fosse algumas vezes reproduzido na Igreja. É atribuído a S. Simão, o estilita, a Santa Catarina de Sena, etc.
O primeiro Adão tinha pecado por gula, o novo Adão quis reparar pelo jejum.
Havia também a expiar toda a nossa sensualidade, que é infinita.
Nosso Senhor quis também mostrar-nos como é preciso combater as nossas más paixões. O nosso corpo é um inimigo que é preciso enfraquecer e dominar, se não queremos que nos domine e que sujeite a nossa alma.
«O jejum, diz S. Basílio, serve de asas à oração para se elevar em altura e penetrar até aos céust.é também o guardião da castidade».
O período de quarenta dias tem as suas oportunidades misteriosas. É preciso sem dúvida este lapso de tempo para que a penitência actue fortemente sobre a natureza. A Igreja pede-nos também quarenta dias de um jejum relativo, para imitarmos o jejum absoluto de Nosso Senhor.
O jejum é o guardião da castidade para nós, sobretudo neste período da primavera em que os sentidos estão mais excitados.
Dá asas à oração que a abundância de alimentos torna pesada e sonolenta. Tenho aproveitado do exemplo de Nosso Senhor? Tenho obedecido ao preceito da Igreja, na medida das minhas forças e da minha saúde? Tenho feito durante quarenta dias uma penitência suficiente e verdadeiramente eficaz? Tenho substituído por alguma outra mortificação o que não podia fazer?
Não desperdicei tantas graças que se me ofereciam? (Leão Dehon, OSP 3, p. 223).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Prefiro a misericórdia ao sacrifício» (cf. Mt 9, 13)
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S. João de Deus, Religioso S. João de Deus, Religioso
8 de Março, 2025S. João de Deus nasceu a 8 de Março de 1495, em Montemor-o-Novo. Aos 8 anos saiu de casa, dirigindo-se para Oropesa, Espanha, onde foi pastor e, mais tarde, soldado de Carlos V. Exerceu outras atividades até descobrir a vocação a que Deus o chamava. Em 1539, assistiu às exéquias da Imperatriz Isabel, mulher de Carlos V, e, à semelhança do Duque de Gandia, futuro S. Francisco de Borja, ficou profundamente impressionado. A pregação e a orientação de S. João de Ávila ajudaram João de Deus a encontrar o caminho a que Deus o chamava. Instalou, em Granada, um hospital para os pobres, aos quais se entregou generosamente, tornando-se para eles, e para todos, um sinal vivo da misericórdia de Deus. Começaram a juntar-lhe colaboradores que, mais tarde, se constituíram em instituto religioso, a "Ordem Hospitaleira dos Irmãos de S. João de Deus", aprovada por Sixto V, em 1583. S. João de Deus faleceu em Granada, a 8 de Março de 1550. É padroeiro dos hospitais católicos, bem como dos enfermeiros católicos e suas associações.
Lectio
Primeira leitura: Da féria (ou do Comum)
Segunda leitura: Mateus 25, 31-40Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 34O Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.'
Jesus, como filho do seu tempo e participante da mentalidade da sua época, tem presente as ideias comuns sobre os acontecimentos extraordinários do fim dos tempos e parte delas para inculcar nos homens a necessária preparação para superarem, com êxito, a provação final. Além disso, pretende afirmar que os homens serão julgados pela atitude que tiverem em relação a Ele.
A reunião universal dos povos pressupõe a ressurreição dos mortos. Os bons serão colocados à direita, lugar de sorte, e os maus à esquerda, lugar de desgraça. Esta colocação pressupõe que o juízo já foi efetuado. Daí que, logo de seguida, seja proferida a sentença. O Filho do homem revela-se como rei, e convida os da sua direita a receberem o prémio, justificando essa decisão com as obras de caridade feitas por eles aos "irmãos pequeninos" de Jesus (v. 40). O serviço caritativo prestado ao próximo necessitado justifica o prémio, tal como a ausência desse serviço justifica o castigo. Além do mais, o que se faz de bem ao próximo, é a Jesus que se faz, tal como o que não se faz de bem ao próximo é a Jesus que não se faz. Não se fazem distinções sobre a identidade ou a condição de quem faz o bem ou dos necessitados a quem é feito. As obras feitas por amor, praticadas por quem quer que seja, ao próximo necessitado, seja ele quem for, honram a Jesus e são premiadas.
Meditatio"O que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes" (v. 40). Jesus dirige-se a todos, sem qualquer distinção. Isto significa que, também fora do âmbito visível dos seus discípulos, da sua Igreja, pode haver autêntico reino e verdadeiro "cristianismo". Esta universalidade estende-se também àqueles a quem fazemos os bem: a única condição é que sejam necessitados. Quando fazemos o bem a um necessitado, é a Cristo que o fazemos. Quem faz o bem, por amor, é sempre um sinal, consciente ou inconsciente, e mais ou menos claro, da misericórdia de Deus.
S. João de Deus foi para os seus contemporâneos, especialmente para os doentes, um rosto da misericórdia de Deus. Ardendo na caridade divina, só podia manifestá-la aos outros. Para salvar os doentes do seu hospital em chamas, não exitou em correr para o meio do fogo: "Ensinando a caridade, demonstrou que o fogo exterior tinha menor força do fogo que o queimava interiormente", - comentava outrora a liturgia da sua festa. Numa das suas cartas, o santo escreve: "Vêm aqui tantos pobres, que até eu me espanto como é possível sustentar a todos; mas Jesus Cristo a tudo provê e a todos alimenta. Vêm muitos pobres à casa de Deus, porque a cidade de Granada é muito fria, e mais agora que estamos no Inverno. Entre todos - doentes e sãos, gente de serviço e peregrinos - há aqui mais de cento e dez pessoas. Como esta casa é geral, recebe gente de todos os géneros e condições: tolhidos, mancos, leprosos, mudos, dementes, paralíticos, tinhosos, alguns já muito velhos e outros muito crianças ainda, e por cima disto muitos peregrinos e viajantes, que cá chegam e aqui encontram lume, água, sal e vasilhas para cozinhar os alimentos. E para tudo isto não se recebe renda especial, mas Cristo a tudo provê". Noutra carta dizia: "Não tenho sequer o espaço de um "creio em Deus Pai" para poder respirar." O seu amor, a sua dedicação e generosidade para com os pobres granjearam-lhe a admiração de Granada inteira. Quando faleceu, a cidade desfilou diante daquele homem-prodígio de humildade e de caridade. Como dizia João Paulo II de S. Camilo de Lellis, também o testemunho de S. João de Deus "constitui, ainda hoje, um forte apelo a amar a Cristo, presente nos irmãos que carregam sobre si mesmos o fardo da doença".
A nossa união com Cristo, no seu amor pelo Pai e pelos homens manifesta-se também na disponibilidade e no amor para com todos. A escuta da Palavra, e sobretudo a eucaristia que celebramos são um convite diário para nós, dehonianos, a que sejamos pão bom, partido pelos irmãos, de modo especial para os mais fracos e carenciados: "os pequenos e os que sofrem" (cf. Cst 18). As palavras de Cristo, na instituição da eucaristia, "Fazei isto em memória de Mim" (Lc 22, 19; 1 Cor 11, 24-25), não se referem apenas à Eucaristia como memorial, mas são um convite a todo o discípulo de Jesus para que seja "pão partido" e "sangue derramado" por todos. Tal como Cristo, também nós...
OratioSenhor, entre os caminhos que me apontas para me encontrar contigo e unir-me a ti, há o do amor aos irmãos que passam pela difícil fase do sofrimento. Foi esse o caminho percorrido por Jesus, teu Filho divino, o verdadeiro bom samaritano da humanidade. Torna-me cada vez mais consciente de que o serviço aos pequenos e aos que sofrem podem conduzir-me à contemplação do teu rosto, e libertar o amor que derramaste no meu coração para me tornar sinal da tua misericórdia para com todos os homens, particularmente os mais necessitados. Ámen.
Contemplatio(A caridade para com o próximo) é o segundo mandamento e é semelhante ao primeiro. Mas Nosso Senhor fez dele o seu mandamento preferido, porque o outro era evidente. «Este é o meu mandamento, diz, que vos ameis como eu vos amei» (Jo 15, 12). Fez deste mandamento a característica da lei nova e o traço principal dos seus verdadeiros discípulos. «É assim, diz, que reconhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35)... Que Deus vos faça a graça, dizia S. Paulo, de estardes sempre unidos pelos sentimentos e pelo afeto uns para com os outros, segundo o espírito de Jesus Cristo, e conforme ao seu exemplo. Estai unidos no culto e no amor de Deus, e para permanecerdes unidos suportai-vos uns aos outros: o forte ajudará o fraco, o sábio ajudará o ignorante, o judeu e o gentio serão caridosos entre si. Nosso Senhor não nos suportou? Não nos tomou ele consigo e não nos uniu ao seu corpo místico para nos apresentar ao seu Pai? A caridade para com o próximo é necessária a quem quer amar a Deus. - O amor de Deus e o amor do próximo fazem um só. Pode amar-se a Deus e não amar os homens seus filhos? Estes dois amores não faziam senão um só no coração de Nosso Senhor. Quando pronuncia o Ecce venio ao entrar na sua vida mortal, vinha ao mesmo tempo por amor de seu Pai e por amor dos seus irmãos... O amor do próximo está inscrito em cada página do Evangelho. Nosso Senhor podia fazer mais para o recomendar do que nos dizer que teria como feito a si mesmo o que fizéssemos pelo mais pequeno de entre os seus? Não é sobre esta caridade que consistirá sobretudo o juízo? «Tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber...». (Pe. Dehon, OSP 3, p. 201s.).
ActioRepete muitas vezes e vive hoje a palavra:
"O que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos,
a mim mesmo o fizestes" (Mt 25, 40).----
S. João de Deus, Religioso (08 Março)
Sábado depois das Cinzas Sábado depois das Cinzas
8 de Março, 2025
Lectio
Primeira leitura: Isaías 58, 9b-14
Eis o que diz o Senhor: 9Se retirares da tua vida toda a opressão, o gesto ameaçador e o falar ofensivo, 10se repartires o teu pão com o faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na tua escuridão, e as tuas trevas tomar-se-ão como o meio dia.110 Senhor te guiará constantemente, saciará a tua alma no árido deserto, dará vigor aos teus ossos. Serás como um jardim bem regado, como uma fonte de águas inesgotáveis 12Reconstruirás ruínas antigas, levantarás sobre antigas fundações. Serás chamado: «Reparador de brechas, restaurador de casas em ruínas.»13Se te abstiveres de trabalhar ao sábado, de te ocupares dos teus negócios no meu dia santo, se chamares ao sábado a tua delícia, consagrando-o à glória do Senhor; se o solenizares, abstendo-te de viagens, de procurares os teus interesses, e de tratares os teus negócios 14então, encontrarás a tua felicidade no Senhor. Far-teei desfilar sobre as alturas da terra, alimentar-te-ei com a herança do teu pai Jacob. É o próprio Senhor quem o diz!
Depois da forte denúncia dos pecados do povo (Is 58, 1), a pedido de Deus, o profeta passa à exortação. Exorta àquilo que hoje se poderia chamar a caridade fraterna (vv. 9- 10a), motivada pela promessa da comunhão com Deus e da restauração do país (vv. 10b-12). Vem, depois, a exortação ao respeito pelo sábado, agora visto a partir dos direitos de Deus (v. 13) e a consequente promessa de felicidade no Senhor (v. 14). Por outras palavras: primeiro Deus pede que seja afastado tudo o que divide o povo em si mesmo (opressão, falsas acusações em tribunal, difamação). Em consequência, Deus promete a comunhão Consigo e a prosperidade. A reconstrução da justiça social é condição para que também sejam restauradas as antigas ruínas. Depois, vem a exigência de abandonar o eficientismo e retomar o sentido do repouso sabático, com a consequente promessa de saborear a alegria do Senhor e dos seus bens.
Evangelho: Lucas 5, 27-32
27*Naquele tempo, Jesus viu um cobrador de impostos, chamado Levi, sentado no posto de cobrança. Disse-lhe: «Segue-me.» 28*E ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-o. 29Levi ofereceu-lhe, em sua casa, um grande banquete; e encontravam-se com eles, à mesa, grande número de cobradores de impostos e de outras pessoas. 30*Os fariseus e os doutores da Lei murmuravam, dizendo aos discípulos: «Por que comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores?» 31*Jesus tomou a palavra e disse-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. 32Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores.»
A conversão de Levi concretiza a afirmação de Jesus: «Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecedores.» (v. 32) e sintetiza toda a anterior acção de Jesus: a chamada dos primeiros discípulos, homens simples e rudes; a cura do leproso, sem medo da impureza legal. O perdão dos pecados e a cura do paralítico. Agora, Jesus convida ao seguimento um homem duplamente desprezível porque é um explorador profissional e um colaboracionista do ocupante romano.
Jesus revela a liberdade total das suas escolhas. Trata-se de uma liberdade que liberta, porque nasce do amor. Levi, «deixando tudo», pesos, amarras, «levantou-se» (anastás = o mesmo verbo que é usado para indicar a ressurreição de Jesus) e seguiu-o». A libertação e a vida nova estão orientadas para o seguimento de Jesus, para o discipulado.
Levi, libertado e tornado discípulo, quer fazer da sua experiência um acontecimento de graça para outros. Por isso, organiza um banquete em sua casa (v. 29).
Meditatio
«Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores» (vv. 32-33).
Jesus veio ao mundo para chamar o homem pecador à conversão e à comunhão com Deus. Mas, para experimentarmos a Misericórdia, devemos reconhecer-nos doentes e pecadores. Mas, por vezes, não é fácil colocar-nos entre os pecadores, porque, temos consciência de, por graça de Deus, não ter cometido faltas graves. Mas esta resistência em nos considerarmos pecadores, já é sinal de orgulho e de egoísmo.
Cada um de nós há-de reconhecer-se nos doentes a quem Jesus cura e em Levi a quem Jesus perdoa. Só então poderemos experimentar a felicidade da Misericórdia que cura e perdoa.
Há que sentir-nos pecadores, solidários com os outros pecadores e dispostos a carregar os seus pesos, tal como Jesus se fez solidário connosco e se dispôs a carregar sobre Si o nosso pecado.
Pela boca de Isaías, Deus exorta-nos à solidariedade e à partilha com os irmãos. Jesus é, para nós, o exemplo perfeito dessa solidariedade e dessa partilha. Ele partilhou a nossa vida e a nossa condição. Assumiu as nossas limitações e o nosso pecado. Passou fazendo o bem a todos e acolhendo a todos. Reconhecendo a misericórdia que usou para connosco, só a Ele havemos de procurar, solidarizandonos com Ele na obra da redenção do mundo.
O Evangelho é realmente Boa Nova para todos quantos nos sentimos carecidos da misericórdia de Deus que nos cura e nos perdoa. É também Boa Nova para toda e qualquer pessoa humana, cuja dignidade defende de modo intransigente, especialmente quando se trata de gente espezinhada pelos outros, os pobres, os marginalizados (os leprosos), as pessoas desprezadas (os pecadores, publicanos, prostitutas). "O sábado foi feito para o homem - diz Jesus - e não o homem para o sábado" (Mc 2, 27). Para realçar a dignidade da pessoa humana, Jesus realiza muitos milagres ao sábado (cf. Mc 3, 1-6; Lc 14, 1-6; Jo 5, 1-14). Para Jesus, fazer bem ao homem é o melhor modo de santificar o sábado. "
;Não são os que têm saúde que precisam do médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mc 2, 17). "Em verdade vos digo: os publicanos e as meretrizes precedervos-ão no reino de Deus" (Mt 21,31).Oratio
Senhor, Tu podias separar-Te dos pecadores, porque não precisavas de penitência, nem de experimentar o sofrimento. Mas quiseste misturar-te com os pecadores e com os doentes para sobre todos derramares a tua misericórdia que salva e cura. Como Tu, quero colocar-me entre os pecadores, para sofrer e reparar pelos meus pecados, para sofrer e reparar pelos deles. Quero sentar-me à mesa dos pecadores para os ajudar a converter-se. Quero sentar-me à cabeceira dos doentes para os confortar. Quero estar junto de uns e de outros para ser sinal do teu amor e da tua misericórdia.
Perdoa-me se, tantas vezes, fechei as mãos e o coração à indigência material e espiritual de quem me rodeia, por me julgar melhor que os outros. Quero abandonar as minhas falsas seguranças, e seguir-Te no caminho novo que abriste aos indigentes e pecadores, para, com eles, participar na festa da tua Misericórdia. Amen.
Contemplatio
Mateus/Levi era publicano ou colector de impostos. Os homens desta profissão eram muito desprezados entre os Judeus, abusavam muito das suas funções para oprimirem as populações! Nosso Senhor quis, no entanto, escolher um dos seus apóstolos de entre eles.
Levi estava no seu escritório, junto do lago de Genesaré, quando Jesus dele se apercebeu e lhe disse para o seguir. O publicano abandonou imediatamente o posto lucrativo que ocupava, para se ligar a Nosso Senhor. Todo feliz e reconhecido pela sua vocação, convidou o divino Salvador e os seus discípulos para virem tomar uma refeição em sua casa. Convidou ao mesmo tempo vários publicanos seus amigos para os atrair a Jesus. Os fariseus ficaram escandalizados e disseram aos discípulos do Salvador: «Porque é que o vosso mestre come com os publicanos e os pecadores?». Jesus, ouvindo as suas murmurações, deu esta bela resposta: «Os médicos são para os doentes, e não para aqueles que estão de boa saúde. Eu vim chamar, não os justos, mas os pecadores». Palavra encorajadora caída do Coração de Jesus! Não percamos confiança, embora sejamos pecadores (Leão Dehon, OSP 4, p. 275).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Eu não vim chamar os justos ao arrependimento, mas os pecadores» (Mt 5, 32).
https://youtu.be/6qxZ1snEUv0