Liturgia

Week of Fev 8th

  • V Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    5 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 8, 1-7.9-13

    Naqueles dias, 1o rei Salomão reuniu junto de si em Jerusalém os anciãos de Israel. Todos os chefes das tribos, os chefes das famílias dos filhos de Israel, para transladarem da cidade de David, em Sião, a Arca da aliança do Senhor. 2Todos os homens de Israel se reuniram na presença do rei Salomão no mês de Etanim, que é o sétimo mês, durante a festa solene. 3Quando todos os anciãos de Israel acabaram de chegar, os sacerdotes transportaram a Arca. 4Fizeram subir a Arca do Senhor, a tenda da reunião, com todos os utensílios sagrados que estavam na tenda; foram os sacerdotes e os levitas quem a transportou. 5O rei Salomão e toda a assembleia de Israel reunida junto dele caminhavam à frente da Arca e iam sacrificando tão grande quantidade de ovelhas e bois que não se podiam contar nem enumerar. 6Os sacerdotes levaram a Arca da aliança do Senhor para o seu lugar no santuário do templo, o Santo dos Santos, sob as asas dos querubins. 7Com efeito, os querubins estendiam as suas asas sobre o lugar da Arca, cobrindo-a e aos seus varais com suas asas. 9Na Arca não havia senão as duas tábuas de pedra que Moisés lá colocara no monte Horeb, quando o Senhor concluiu a Aliança com os filhos de Israel, ao saírem da terra do Egipto. 10Quando os sacerdotes saíram do santuário, a nuvem encheu o templo do Senhor. 11Deste modo, os sacerdotes não puderam ficar ali para exercerem o seu ministério, por causa da nuvem, já que a glória do Senhor enchia o templo do Senhor. 12Disse então Salomão: «O Senhor escolheu habitar em nuvem escura! 13Por isso é que eu te edifiquei um palácio, um lugar onde habitarás para sempre.»

    A inauguração do Templo de Jerusalém marca uma data importante da história bíblica. Completa-se a história começada com a promessa de Deus no Sinai: «Construir-me-eis um santuário, para que resida no meio deles.» (Ex. 5, 8). O povo de Israel constituiu-se à volta da Aliança, de que a arca é a memória itinerante. A arca peregrinou com o povo no deserto. Ao entrar na Terra Prometida, foi instalada sucessivamente em Guilgal, em Siquém e em Silo. Acompanhou o povo nas batalhas contra os seus inimigos e caiu nas mãos dos filisteus. David recuperou-a e levou-a para Jerusalém, instalando-a em casa de Obedom e, depois, na tenda. Hoje, finalmente, entra no templo. Daí sairá apenas para algumas procissões, até à destruição da cidade e do templo, em 587aC. Nessa altura, Deus seguirá os desterrados para Babilónia (Ez 11, 22-24). Ezequiel irá descrever o regresso da glória ou presença divina à sua morada em Jerusalém, como um novo êxodo (Ez 43, 1-12).
    O êxodo é a história de uma caminhada guiada por Deus-presente, que a nuvem esconde e revela, de uma relação entre Deus e o homem cada vez mais profunda e pessoal, de que a glória do Senhor é um sinal luminoso, resplendor consistente que brilha no rosto de quem Deus encontrou. É esta história que o templo encerra, no sinal da arca. O mistério da presença de Deus no meio dos homens atinge a sua máxima expressão na Encarnação, quando Deus vem viver pessoalmente no meio de nós (cf. Jo 1, 14).

    Evangelho: Marcos 6, 53-56

    Naquele tempo, 53Jesus e os seus discípulos fizeram a travessia do lago e vieram para a terra de Genesaré, onde aportaram. 54Assim que saíram do barco, reconheceram-no. 55Acorreram de toda aquela região e começaram a levar os doentes nos catres para o lugar onde sabiam que Ele se encontrava. 56Nas aldeias, cidades ou campos, onde quer que entrasse, colocavam os doentes nas praças e rogavam-lhe que os deixasse tocar pelo menos as franjas das suas vestes. E quantos o tocavam ficavam curados.

    Jesus acaba de atravessar o lago de Genesaré, unindo a margem leste, onde habitam os pagãos, com a margem oeste, onde habitam os hebreus. A descrição de Marcos lembra-nos as promessas messiânicas: «Acorrerão ao monte do Senhor todas as gentes, virão muitos povos e dirão... Ele nos ensinará os seus caminhos» (cf. Is 2, 2-3); «Virão povos e habitantes de grandes cidades. E os habitantes de uma cidade irão para outra, dizendo: 'Vamos implorar a face do Senhor!» (Zc 8, 21). Todos os que se reconhecem carecidos de salvação dirigem-se a Jesus. Diante dele são expostas todas as misérias humanas. As pessoas não se deixam dominar pela vergonha, mas agem com confiança: basta que os Senhor lhes toque apenas com «as franjas das suas vestes». Assim se cumpre a palavra do profeta: «Assim fala o Senhor do universo: Naqueles dias, dez homens de todas as línguas das nações tomarão um judeu pela dobra do seu manto e dirão: 'Nós queremos ir convosco, porque soubemos que Deus está convosco'» (Zc 8, 23). Não precisamos de nos esforçar para demonstrar que, no Evangelho, se tratava sempre de verdadeiros milagres, e não de casos idênticos àqueles de que fala hoje a parapsicologia. Uma correcta cristologia não exige que Jesus fosse um super-homem. Marcos não usa métodos racionalistas para demonstrar a divindade de Jesus. Aliás, para ele, a fé é um dom gratuito de Deus que geralmente precede os «milagres». O interessante é que as pessoas perceberam que a mensagem do Evangelho não era algo de abstracto de puramente filosófico, mas que implicava a melhoria da sua situação. Se, intuindo que Deus estava com Jesus, acorriam a Ele, depois de estarem com Ele, partiam gritando: Deus está connosco e a nossa favor... em Jesus.

    Meditatio

    A nuvem que enche o templo, onde foi colocada a Arca da Aliança, é sinal da presença de Deus, tal como o fora durante o êxodo. «A glória do Senhor enchia o templo do Senhor» (v. 11), infundindo o sentido da majestade de Deus e da adoração que Lhe é devida. O templo tinha enorme importância na religiosidade do povo hebreu. Mas era apenas símbolo do verdadeiro templo, que é o corpo de Jesus, como Ele mesmo disse certo dia: «Aqui está o verdadeiro templo»; «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei!» (Jo 2, 19); «falava do templo que é o seu corpo», explica João. Jesus é a Presença divina no meio dos homens. O seu corpo é o novo templo repleto da «glória do Senhor». É isso que perceberam os habitantes da margem ocidental do lago de Genesaré. Daí a corrida para se encontrarem com Ele, a ânsia em Lhe tocarem. Os galileus tinham-se apercebido daquilo que, um dia, também Paulo havia de perceber: «nele habita realmente toda a plenitude da divindade» (Col 2, 19). Jesus é o verdadeiro e definitivo templo, onde habita a plenitude de Deus «somatizada». E nós «participamos da sua plenitude». O corpo de Cristo, a sua humanidade, é a realidade que o templo prefigurava: Deus no meio do seu povo. Mas, em Jesus, a arca da Aliança não quer permanecer fechada no Santo dos Santos: anda pelos caminhos dos ho
    mens e vai-lhes ao encontro. Alguns morreram por terem tocado na arca (cf. 2 Sam 6, 7). Mas Jesus deixa-se encontrar e deixa-se tocar. O Santo dos Santos era inacessível ao povo, que devia permanecer fora dele. Em Cristo, nós entramos em Deus, unidos a Ele como varas à cepa, como membros do seu corpo.
    A Igreja é, hoje, para nós o corpo de Cristo. A Igreja prolonga-Lhe a humanidade na história e no espaço, para que toda a família humana se torne santuário do encontro entre Deus e os homens.
    Escutemos as nossas Constituições: «... o Pai enviou-nos o seu Filho... constituiu-O Senhor, Coração da humanidade e do mundo, esperança de salvação para quantos ouvem a sua voz» (n. 19; cf. n. 25). «Na nossa maneira de ser e de agir, pela participação na construção da cidade terrena e na edificação do Corpo de Cristo... empenhando-nos sem reserva, no advento da nova humanidade em Jesus Cristo» (nn. 38.39). É na Eucaristia que, de modo particular, se realiza a nossa união com Cristo, e se anuncia «a esperança para o mundo» (n. 81), e «acolhemos Aquele que nos reúne em comunidade, que nos consagra a Deus e nos lança, incessantemente, pelos caminhos do mundo ao serviço do Evangelho» (n. 82).

    Oratio

    Senhor Jesus, o teu corpo é o verdadeiro templo, onde Deus se encontra connosco e nós podemos encontrar-nos com Deus. Tu és a presença divina estabelecida para sempre no meio dos homens, Tu que és o Verbo de Deus, igual ao Pai e, simultaneamente, homem como nós, acessível, cheio de bondade. O novo templo, que és Tu, foi inaugurado, não com festas de triunfo, não com a imolação de inumeráveis ovelhas e bois, mas com o sacrifício que Te levou a morrer na cruz e que nos abriu de par em par a porta de acesso a Deus, e a uma vida de intimidade com Ele. Em Ti, entramos em Deus! Glória a Ti, Senhor Jesus! Glória a Ti para sempre! Amen.

    Contemplatio

    Não é somente pelos doentes que o Coração de Jesus é compassivo, é por todos os que sofrem e que se encontram em dificuldade.
    Como é bom para com as almas provadas pela perda daqueles que lhe são caros, com Jairo, cujo filho bem-amado acaba de morrer; com a pobre viúva de Naím que leva o seu filho único à sepultura, com Marta e Madalena que choram o seu irmão. Está emocionado até ao fundo da sua alma, chora. As suas lágrimas comovem os próprios judeus. Apela ao poder divino para ressuscitar os mortos.
    A sua compaixão sobre Jerusalém é imensa, chora sobre as tribulações futuras desta cidade ingrata e culpável.
    Num movimento de compaixão sem medida, abre os seus braços a todos os infortúnios: «Vinde a mim, diz, vós todos que sofreis e que sois esmagados sob o peso do trabalho e da dor; vinde e vos aliviarei».
    No caminho do calvário, esquece os seus próprios sofrimentos para se compadecer das filhas de Jerusalém e convidá-las a chorar pelos castigos que cairão em breve sobre a sua pátria (Leão Dehon, OSP4, p. 139s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Em Cristo habita toda a plenitude da divindade» (cf. Col 2, 19).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    6 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 8, 22-23.27-30

    Naqueles dias, 22o rei Salomão colocou-se diante do altar do Senhor, perante toda a assembleia de Israel; levantou as mãos para o céu 23e disse:«Senhor, Deus de Israel, não há Deus semelhante a ti, nem no mais alto dos céus nem cá em baixo, na terra, para guardar a misericordiosa Aliança para com os servos, que andam na tua presença, de todo o coração. 27Será que Deus poderia mesmo habitar sobre a terra? Pois se nem os céus em os céus dos céus te conseguem conter! Quanto menos este templo que eu edifiquei?
    28Mesmo assim, atende, Senhor, meu Deus, a oração e as súplicas do teu servo. Escuta o grito e a prece que o teu servo hoje te dirige. 29Estejam os teus olhos abertos dia e noite sobre este templo, sobre este lugar do qual disseste: 'Aqui estará o meu nome.' Ouve a oração que neste lugar te faz o teu servo. 30Escuta a súplica do teu servo e a do teu povo, Israel, quando aqui orarem. Ouve-os do alto da tua mansão, no céu; ouve-os e perdoa!

    Salomão, pelo carácter sagrado que lhe vem da unção, e como rei de um povo teocrático, preside à cerimónia da dedicação do templo. O centro da sua oração, onde brota o louvor e a invocação, é o espanto do homem diante de Deus-presente, diante de um Deus que quer habitar no meio dos homens: «Será que Deus poderia mesmo habitar sobre a terra?» (v. 27). Estas palavras revelam-nos a eterna tensão entre transcendência e imanência. Como é possível habitar num templo Aquele que nem os céus podem conter? Para Salomão, mais importante que o ouro que reveste o altar e as portas do templo, mais importante que as colunas de bronze e as alfaias sagradas, é a presença de Deus, no templo por ele edificado, é a Aliança com que Deus quis ligar-se ao seu povo. O templo é memória estável e silenciosa da Aliança. Não é uma morada para encerrar a Deus. Nenhuma morada construída pelos homens O pode conter. E está presente onde quer que se viva a Aliança.

    Evangelho: Marcos 7, 1-13

    Naquele tempo, 1reuniram-se à volta de Jesus os fariseus e alguns doutores da Lei vindos de Jerusalém, 2e viram que vários dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar. 3É que os fariseus e todos os judeus em geral não comem sem ter lavado e esfregado bem as mãos, conforme a tradição dos antigos; 4ao voltar da praça pública, não comem sem se lavar; e há muitos outros costumes que seguem, por tradição: lavagem das taças, dos jarros e das vasilhas de cobre. 5Perguntaram-lhe, pois, os fariseus e doutores da Lei: «Porque é que os teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as mãos impuras?» 6Respondeu: «Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, quando escreveu:Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 7Vazio é o culto que me prestam e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos. 8Descurais o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens.» 9E acrescentou: «Anulais a vosso bel-prazer o mandamento de Deus, para observardes a vossa tradição. 10Pois Moisés disse: Honra teu pai e tua mãe; e ainda: Quem amaldiçoar o pai ou a mãe seja punido de morte. 11Vós, porém, dizeis: "Se alguém afirmar ao pai ou à mãe: 'Declaro Qorban' - isto é, oferta ao Senhor - aquilo que poderias receber de mim...", 12nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, 13anulando a palavra de Deus com a tradição que tendes transmitido. E fazeis muitas outras coisas do mesmo género.»

    O texto que hoje escutamos parece dar-nos a perceber que Marcos escreve para uma comunidade judeo-cristã que procurava ultrapassar certos dados da sua origem. Provavelmente tratava-se de judeo-cristãos de cultura helenista, isto é, de judeus da dispersão, cujas formas e costumes tinham sido influenciados pela cultura grega. Marcos procura mostrar-lhes que a nova relação entre os discípulos e Jesus de Nazaré também implicava uma nova relação entre os eles e as regras estabelecidas pelos homens para o encontro com Deus, nomeadamente no que se refere à pureza ritual: «Porque é que os teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as mãos impuras?» (v. 5). Mais do que nas suas palavras, é na sua Pessoa que encontramos a resposta à questão que Lhe é posta. Ao revelar-se como o Filho de Deus, o Mediador entre Deus e os homens, Jesus relativiza as regras e preceitos humanos. Não os anula, mas mostra que são válidos se estiverem relacionados com Ele. Ele é a norma, Ele é a incarnação do mandamento de Deus, a Palavra viva.

    Meditatio

    Salomão está consciente da imensa distância que existe entre Deus e o homem. Por isso assume uma atitude de grande humildade e de sentido religioso diante de Deus. Não há proporção entre Deus e o homem. Por isso, havemos de fazer tudo para glorificar a Deus, e não a nós mesmos. Por muito que tenhamos feito por Deus, sempre havemos de recorrer à sua misericórdia, e contar com a sua bondade, e não com os nossos méritos. A nossa oração há-de assumir sempre a atitude do publicano e não a do fariseu convencido dos seus méritos.
    O que mais nos pode espantar na vida é dar-nos conta de que Deus, o totalmente Outro, o inacessível, está connosco, entrou na nossa história, que, por isso, decorre no quadro da Aliança, se desenrola na sua casa. O que dá sentido e dignidade à minha vida, não são as minhas obras, mais ou menos espectaculares, mas a Aliança, isto é, a ligação que Deus quis estabelecer connosco e realizou definitivamente em Jesus Cristo, quando ainda éramos pecadores (cf. Rm 5, 8). A oração nasce do espanto que nos causa saber que Deus nos amou por primeiro e, por isso, gratuitamente. Mas também nasce da experiência de liberdade que a redenção nos alcançou, uma liberdade que nos permite entreter-nos com Deus, num clima de amizade. Como acontece esta ligação? Como se vive a Aliança? Acolhendo a Palavra que desce ao coração e desmascara as poses de fachada, tornando-nos autênticos, verdadeiros. Esta relação nova dá vida à nossa vida. Os esquemas rígidos, não só não atraem a Deus, mas afastam-no. Não vale, pois, a pena agarrar-nos a esquemas, a praxes, a cerimónias, a tradições antigas... O importante é abrir-se a novas relações com Deus e com os homens inspiradas na sua Palavra sempre viva e actual.
    Jesus não quis mudar o homem a partir de fora. Quis mudá-lo a partir de dentro, transformando-lhe o coração, entendido biblicamente, como o eu profundo do homem, onde se dão as s
    uas decisões pelo bem ou pelo mal, por Deus ou contra Deus. Diz Jesus: «Do coração procedem os maus pensamentos, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfémias. Eis o que torna o homem impuro; mas comer com as mãos por lavar não torna o homem impuro» (Mt 15, 19-20). Por essa razão é que Jesus manda aprender d´Ele a mansidão e a humildade do "coração" (Mt 11, 29). «Bem-aventurados os puros de coração...» (Mt 5, 8), isto é, os homens genuínos, sinceros, coerentes com as convicções da sua consciência. Todos os cristãos, e particularmente os religiosos, «pelo seu estado» deveriam testemunhar «de modo esplêndido e singular que não se pode transfigurar o mundo e oferecê-lo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças», isto é, sem a autenticidade, sem a coerência, sem a pureza de coração (LG 31; Cst 29).

    Oratio

    Senhor, liberta-nos do formalismo, do legalismo mesquinho, que dá grande importância ao que a não tem, para que não transformemos a religião em algo de externo, sem valor diante de Ti. Ajuda-nos a pôr cada coisa no seu lugar, a dar-lhe apenas a importância que merece. Tu não queres que, diante de qualquer preceito, nos diminuamos a nós mesmos, mas permaneçamos conscientes, livres e amigos do bem. As tradições humanas podem mudar com os tempos. Mas o amor ao pai, à mãe, ao filho, ao próximo, está acima de todos os preceitos e tradições humanas. O que realmente nos pedes, e queres de nós, é a fidelidade à tua Palavra e à nossa vocação de homens. Que jamais o esqueçamos. Amen.

    Contemplatio

    Há orações de regra ou de costume geral. As orações da manhã e da tarde e alguns exercícios cada dia estavam já nos hábitos do povo de Deus. «Louvo a Deus sete vezes por dia», dizia David. Iam à sinagoga no dia de sábado e a Jerusalém nas grandes festas, pelo menos na Páscoa.
    A Sagrada Família observava todos os bons costumes e todas as regras do culto, não somente por rotina, como tantos outros, mas com um fervor sempre crescente. «Cumprem tudo segundo o costume e a lei», diz o Evangelho. Vão todos os anos a Jerusalém (Lc 2, 27). Nós vemos Nosso Senhor revelar o costume da Sagrada Família rezando antes e depois da refeição, indo à sinagoga, prolongando a sua oração durante a noite.
    No Templo, que recolhimento! Maria e José não olham para a multidão. Prostram-se, adoram, rezam, saem sem notar mesmo que Jesus ficou. Só pensam em Deus, não escutam senão Deus. Oh! Que contraste com o meu naturalismo!...
    Rezar exactamente, fielmente e rezar bem, tal deve ser a minha resolução (Leão Dehon, OSP3, p. 177).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    "Bem-aventurados os puros de coração..." (Mt 5, 8),

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    7 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 10, 1-10

    Naqueles dias, 1a rainha de Sabá, tendo ouvido falar da fama que Salomão alcançara para glória ao Senhor, veio pô-lo à prova por meio de enigmas. 2Chegou a Jerusalém com um séquito muito importante, com camelos carregados de aromas, enorme quantidade de ouro e pedras preciosas. Tendo-se apresentado a Salomão, falou-lhe de tudo quanto trazia na ideia. 3Salomão respondeu-lhe a tudo; nenhuma questão foi tão enredada que o rei lhe não desse solução. 4A rainha de Sabá viu toda a sabedoria de Salomão bem como a casa que ele tinha construído; 5viu as provisões da sua mesa e o alojamento dos seus criados, as habitações e os uniformes dos seus oficiais, os copeiros do rei e os holocaustos que imolava no templo do Senhor, e ficou deslumbrada. 6Disse então ao rei: «É realmente verdade o que tenho ouvido na minha terra acerca das tuas palavras e da tua sabedoria. 7Não quis acreditar nisso antes de vir aqui e ver com meus próprios olhos; ora o que me diziam não era sequer metade; tu ultrapassas em sabedoria e dignidade tudo quanto até mim tinha chegado. 8Felizes os teus homens, felizes os teus servos que estão sempre contigo e ouvem a tua sabedoria! 9Bendito seja o Senhor, teu Deus, a quem aprouve colocar-te sobre o trono de Israel. É porque o Senhor ama Israel com amor eterno que Ele te constituiu rei para exercer o direito e a justiça.» 10Depois ela deu ao rei cento e vinte talentos de ouro e grande quantidade de perfumes e pedras preciosas. Jamais se tinha acumulado tão grande quantidade de perfumes como os que a rainha de Sabá ofereceu ao rei Salomão.

    O texto que escutamos hoje conclui a primeira parte do Primeiro Livro dos Reis, onde se narra a história de Salomão. Na verdade, com a subida de Salomão ao trono, foi consolidada a dinastia de David (cf. 1 Re 2, 12). O Reino de Israel tornou-se esplendoroso, rico e estável. Floresceu o comércio com os povos vizinhos. O relato do encontro com a rainha de Sabá, com muitos pormenores legendários, reflecte a realidade histórica de Salomão, que estabeleceu relações comerciais com todo o Médio Oriente.
    Mais do que referência a um país concreto, Sabá simboliza os confins meridionais, tal como Társis simbolizava os extremos do Ocidente. Por isso, quando o Salmo 72, 10 diz: «Os reis de Társis e das ilhas oferecerão tributos;os reis de Sabá e de Seba trarão suas ofertas», o que se pretende indicar são as amplas fronteiras do reino de Israel e, portanto, do reino messiânico. Salomão é o rei sábio, isto é, justo desse reino. A sua sabedoria veio-lhe de Deus, a Quem a pediu (cf. 3, 5-15; 5, 9-14). Por isso, a rainha de Sabá pode exclamar: «Felizes os teus homens, felizes os teus servos que estão sempre contigo e ouvem a tua sabedoria!» (v. 8).

    Evangelho: Marcos 7, 14-23

    Naquele tempo, 14Jesus chamou de novo a multidão e disse-lhes: «Ouvi-me todos e procurai entender. 15Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. 16Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 17Quando, ao deixar a multidão, regressou a casa, os discípulos interrogaram-no acerca da parábola. 18Ele respondeu: «Também vós não compreendeis? Não percebeis que nada do que, de fora, entra no homem o pode tornar impuro, 19porque não penetra no coração mas sim no ventre, e depois é expelido em lugar próprio?» Assim, declarava puros todos os alimentos. 20E disse: «O que sai do homem, isso é que torna o homem impuro. 21Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, 22adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios. 23Todas estas maldades saem de dentro e tornam o homem impuro.»

    Jesus dirige-se agora ao povo simples e, num segundo momento, apenas aos discípulos. Enfrenta questões legais delicadas para a mentalidade dos judeus piedosos e observantes. Jesus difere dos profetas e dos judeus de cultura helenista. Não se pode distinguir a esfera religiosa, divina, e a vida, como esfera quotidiana, que não pertence a Deus. As coisas do mundo não são «impuras» em si mesmas. São os homens que as podem tornar impuras. A comunidade de Jesus acredita na bondade da criação.
    Podemos distinguir no texto três momentos: o ensinamento de Jesus à multidão (vv. 14-16); a sentença de Jesus (v. 15); o ensinamento aos discípulos (vv. 17-23); a verdadeira impureza, o coração, o catálogo dos vícios. Mas o mais importante é o comportamento dos homens diante das exigências do reino de Deus. A pureza ou a impureza das coisas depende do coração do homem. É a atitude do homem perante elas, é o uso que faz delas que as pode tornar impuras. Não há nada sagrado ou profano, puro ou impuro em si. A criação é «secular»: pode ser profana e pode ser sagrada. A sacralidade e a pureza vêm ao homem e ao mundo, não de modo automático pelo contacto com determinadas coisas, lugares ou pessoas, mas unicamente através do canal do diálogo entre Deus e o homem.

    Meditatio

    Como noutros textos do Evangelho, também hoje encontramos um enigma que não é fácil de interpretar: «Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro» (v. 15). Talvez por isso mesmo é que Jesus começou por dizer: «Ouvi-me todos e procurai entender» (v. 14).
    Na lei moisaica havia muitas impurezas rituais concernentes aos alimentos. Mas também aqueles que comiam sem lavar as mãos cometiam uma impureza ritual. Daí as observações dos fariseus e doutores da lei a Jesus por causa dos discípulos, que não lavavam as mãos antes de comer. Mas também havia impurezas legais motivadas pelo que saía do homem, por exemplo, perdas de sangue. Segundo a Lei de Moisés, tudo isso contaminava o homem.
    Mas a distinção de Jesus não se refere ao que o homem come ou bebe, nem àquilo que lhe sai do corpo. O que Jesus distinguia como externo ou interno tinha a ver com o físico e com o moral e espiritual no homem. No fundo, o que afirmava era que as coisas materiais são menos importantes para a pureza religiosa. Jesus dessacraliza coisas até aí consideradas sagradas. Para Jesus, tudo está relacionado com Deus, mas não deve ser sacralizado, nem ser tido em maior consideração do que a conveniente, seja um alimento, seja o gesto de lavar ou não lavar as mãos. Se quisermos, até podemos admitir que estamos perante um novo princípio da moral cristã: tudo o que faço é puro na medida em que está em relação com a pessoa do Senhor Jesus. S. Paulo dirá: «No que fizerdes, trabalhai de todo o coração, como quem o faz para o Senhor» (Cl 3, 23s.)
    O homem é posto diante de si mesmo e das inten&c
    cedil;ões profundas que motivam as suas opções e decisões. É colocado diante de Deus e sob o seu olhar. Por isso, não pode esconder-se. Só lhe resta deixar-se penetrar e transformar pela surpreendente novidade de Deus, quando entra na nossa vida e nos fala. Escutá-lo torna-se um critério de juízo e de discernimento.
    A voz de Deus chega-nos por mediações a que devemos estar atentos. Precisamos de ouvir o que nos diz a história contemporânea, a história da Igreja. Precisamos de escutar o grito dos pequenos e dos pobres, dos indefesos da sociedade e da comunidade, o clamor dos que sofrem, dos oprimidos. Não dar atenção a esses clamores, em nome de duns tantos ritos ou normas, podemos ser um modo de fechar os ouvidos à Palavra de Deus, a Cristo, presente e vivo no meio de nós. Escutá-lo nos explorados, nos pobres, nos indefesos, pode ser ocasião para ultrapassar esquemas, que habilmente construímos para justificar o nosso desinteresse e o nosso comodismo...
    «A Igreja dos pobres!», «opção fundamental pelos pobres!», são expressões que, desde o Concílio até aos nossos dias, aparecem em muitos documentos da Igreja, nos discursos dos papas, dos bispos, na boca dos sacerdotes, dos religiosos e dos cristãos comprometidos. As nossas Constituições dizem que somos «participantes da missão da Igreja» (p. II, A § 4); «Como todo o carisma na Igreja, o nosso carisma profético coloca-nos ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje (cf. LG 12).» (Cst 27); «tomamos consciência da miséria que aflige muitos homens de hoje: ouvimos o clamor dos pobres» (ET 17) Cst 50); «estaremos dispostos a pôr tudo em comum entre nós e a ir ao encontro dos pobres e necessitados» (Cst 51); tal como a Igreja, cada vez mais, se deu conta de que deve ser ela a ir ao mundo, também nós, «Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus» (Cst 6), devemos estar «atentos aos apelos do mundo» (p. II, A. § 5), devemos partilhar as «aspirações dos nossos contemporâneos» (Cst 37), ser «solidários com a sua vida» (Cst 38), participar «na construção da cidade terrestre e na edificação do corpo de Cristo» (Cst 38), «empenhando-nos sem reserva, no advento da nova humanidade em Jesus Cristo» (Cst 39).

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu propões um enigma e dás a sua explicação: «Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro» (v. 15). Assim redimensionas as prescrições da Lei, fazendo convergir a nossa atenção para o interior, para o coração. É o nosso coração que deve ser purificado, porque «o que sai do homem, é que o torna impuro» (v. 15). E Tu, que vês o nosso coração, sabes que ele é mau. Por isso nos queres dar um coração novo. Com esse objectivo, vieste ao mundo, nos deste a tua Palavra, morreste e ressuscitaste por nós. Glória a Ti para sempre. Ao renovares a tua oblação, na celebração eucarística, une os nossos corações à tua oferta, a fim de que sejam purificados e reconduzidos à sua correcta orientação. Na comunhão, quando vieres até nós, renova o nosso coração. Torna-o digno do Pai. Torna-o sensível às necessidades dos nossos irmãos. Amen.

    Contemplatio

    Muitas homenagens são prestadas hoje a Nosso Senhor, mas pode aplicar-se a um grande número a censura do profeta: O meu povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim...
    ... Segundo as aparências exteriores, faz-se muito, dispensa-se mesmo muito, mas muitas vezes, é pelo ídolo da vaidade e do amor-próprio. Antes de tudo, é o coração, a boa e pura intenção que tem um valor aos olhos de Nosso Senhor, mas não é raro que o coração não esteja lá, e, sem ele, todos os outros dons não têm valor. Quantos interesses mesquinhos ou satisfações pueris muitas vezes se tem em vista, mesmo nas coisas santas!... No entanto, há por aqui e por ali na multidão almas verdadeiramente amantes; são estas almas ignoradas e esquecidas que consolam o Sagrado Coração (Leão Dehon, OSP3, p. 637).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Fazei tudo pelo Senhor» (cf. Cl 3, 23s.)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    8 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 11, 4-13

    4Na idade senil de Salomão, as suas mulheres desviaram-lhe o coração para outros deuses; e assim o seu coração já não era inteiramente do Senhor, seu Deus, contrariamente ao que sucedeu com David, seu pai. 5Foi atrás de Astarté, deusa dos sidónios, e de Milcom, abominação dos amonitas. 6Salomão fez o mal aos olhos do Senhor e não seguiu inteiramente o Senhor, como David, seu pai. 7Por essa altura, ergueu Salomão um lugar alto a Camós, deus de Moab e a Moloc, ídolo dos amonitas, sobre o monte que fica mesmo em frente de Jerusalém. 8E fez o mesmo por todas as suas mulheres estrangeiras, que queimavam incenso e sacrificavam aos seus deuses. 9O Senhor irritou-se contra Salomão, pois o seu coração se afastara do Senhor, Deus de Israel, que se lhe tinha revelado por duas vezes, 10e lhe ordenou sobre estas coisas para não seguir os deuses estrangeiros. Ele, porém, não cumpriu o que o Senhor lhe prescrevera. 11Então o Senhor disse-lhe: «Já que procedeste assim e não guardaste a minha aliança nem as leis que te prescrevi, vou tirar-te o reino e vou dá-lo a um dos teus servos. 12Entretanto, não o farei durante a tua vida, por causa de David teu pai; é das mãos de teu filho que Eu o arrancarei.

    O reinado de Salomão, glorioso sob tantos aspectos, teve as suas sombras que se podem resumir numa só palavra: idolatria. Havia uma lei que proibia o casamento com mulheres estrangeiras, exactamente para evitar o pecado de idolatria. Salomão seguiu uma política de alianças em boa parte baseada em combinações matrimoniais. As suas mulheres pagãs exigiam templos onde prestar culto aos seus deuses. Salomão cedeu a esses pedidos e ele mesmo e alguns dignitários da corte, bem como populares, caíram na idolatria. Salomão afastou-se do Senhor, Deus de Israel. E o Senhor rejeitou-o. Em consequência dessa rejeição acontecerá o cisma do reino.
    Estes textos, escritos na época do exílio e do pós-exílio, tempos de grande sofrimento, fizeram Israel repensar a sua história em perspectiva teológica. Porquê o exílio, a dispersão, e tanto sofrimento e humilhação? Que fundamento tinha o anseio da restauração da unidade e da paz do reino de David, tão sentido por todos? Os autores sagrados tinham uma resposta: apesar da infidelidade do homem, Deus permanece fiel à sua aliança e à sua promessa de paz.

    Evangelho: Marcos 7, 24-30

    Naquele tempo, 24Jesus partindo dali, foi para a região de Tiro e de Sídon. Entrou numa casa e não queria que ninguém o soubesse, mas não pôde passar despercebido, 25porque logo uma mulher que tinha uma filha possessa de um espírito maligno, ouvindo falar dele, veio lançar-se a seus pés. 26Era gentia, siro-fenícia de origem, e pedia-lhe que expulsasse da filha o demónio. 27Ele respondeu: «Deixa que os filhos comam primeiro, pois não está bem tomar o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos.» 28Mas ela replicou: «Dizes bem, Senhor; mas até os cachorrinhos comem debaixo da mesa as migalhas dos filhos.» 29Jesus disse: «Em atenção a essa palavra, vai; o demónio saiu de tua filha.» 30Ela voltou para casa e encontrou a menina recostada na cama. O demónio tinha-a deixado.

    Depois de ter curado muitos doentes e discutido com os fariseus em Genesaré, Jesus prossegue a sua viagens por Tiro, Sídon e Decápole, terras pagãs. E também aí realiza milagres: a cura da filha da mulher cananeia, que escutamos hoje, e a do surdo-mudo, que escutaremos amanhã.
    No diálogo com a mulher cananeia emerge a tensão entre o papel proeminente de Israel na história da salvação e o universalismo da mesma salvação. Não só os «filhos», os judeus, mas também os «cães», os pagãos, segundo a metáfora, são chamados à salvação. A única condição é escutar a Boa Nova e acolher Jesus como Senhor: «Dizes bem, Senhor...», exclama a mulher. «Em atenção a essa palavra, - diz-lhe Jesus - vai; o demónio saiu de tua filha». A fé da cananeia dissolveu a tensão e alcançou-lhe o milagre. A filha foi libertada do demónio.
    No diálogo entre Jesus e a mulher aparecem as expressões «pão dos filhos» e «migalhas dos cachorrinhos». É já um anúncio do milagre da multiplicação dos pães, que Marcos narrará pouco depois (cf. Mc 8, 1-10).
    Jesus também continua a rebater, com palavras e acções, o legalismo dos judeus, dando atenção ao mundo e à cultura grega. Não esqueçamos que Marcos escreve para uma comunidade cristã grega.

    Meditatio

    A promessa de Deus a David foi cumprida: «Não serás tu que vais construir uma casa para eu habitar mas serei eu a construir uma casa para ti» «Um teu filho vai suceder-te e será ele a construir uma casa para o meu nome», (cf. 2 Sm 7, 5ss.). Salomão construiu efectivamente um templo para o Senhor. Mas, por influência das suas mulheres, acabou por cair na idolatria e também construiu templos para os deuses pagãos. O seu coração dividiu-se entre Deus e os seus interesses políticos: «o seu coração já não era inteiramente do Senhor, seu Deus» (v. 4).
    As tentações de Salomão continuam actuais, também para nós. É preciso grande fortaleza de alma para resistir e permanecer fiéis a Deus. Os deuses que, hoje, nos podem seduzir, talvez se chamem sucesso, ambição, dinheiro, sensualidade, paixões amorosas... Mas Deus não admite divisões e quer ser amado com todo o nosso coração: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (Dt 6, 5).
    O verdadeiro filho de David, que resistiu a todas as tentações, foi Jesus. Para permanecer dócil ao Pai, aceitou a humilhação e a morte. Foi ele quem construiu o verdadeiro Templo de Deus, ao morrer e ressuscitar. Como ensina S. Pedro, trata-se um templo feito de pedras vivas. E nós fazemos e faremos parte dele, se permacemos fiéis ao Senhor.
    Na mulher estrangeira, em terra estrangeira, de que nos fala o evangelho, identifica-se a igreja, missionária e católica, isto é, universal. A igreja, estrangeira no meio dos entrangeiros, pobre entre os pobres, continua a obra da Encarnação. Como Cristo assumiu toda a humanidade, também o cristão se insere e compromete no esforço da humanidade que tende para a sua plenitude, no movimento do espírito humano que tende para Cristo. Trata-se de um movimento de inclusão, de integração, de assimilação da humanidade na humanidade de Cristo. A «católica» é esta mulher estrangeira que, em terra estrangeira, procura Cristo, humilde entre os humildes, e que descobre ao mundo a verdade que Cristo lhe revela sobre si mesma
    : «Sim, Senhor» (v. 28). E suplica para todos que as migalhas, os elementos da humanidade, sua filha - ferida, doente, desorientada, confusa - sejam reorientados, recompostos, assumidos, integrados, curados, reentregues à plenitude de Cristo.
    Como dehonianos, queremos uma fraternidade cada vez mais universal que aproxime os povos de toda a terra. É uma utopia; mas agora, como dizia Paulo VI, a utopia é o nome da realidade. A fraternidade entre todos os povos é uma utopia pela qual trabalhamos, para que se torne realidade na civilização do amor, com a promoção humana integral (cf. Os Religiosos e a Promoção humana, SCRIS, 25 de Abril de 1978).

    Oratio

    Senhor, no corpo do consagrado renova-se, de algum modo, o mistério da tua Encarnação. O teu corpo era o verdadeiro templo, o lugar de manifestação e do encontro com a tua divindade. Além disso, ofereceste-o como oblação santa ao Pai. Ao entrar no mundo rezaste: Pai, «não quiseste sacrifícios nem holocaustos, mas deste-Me um corpo... Então Eu disse: Eis-Me aqui para fazer a Tua vontade» (Hbr 10, 5.7). Em ti, o cristão é também templo de Deus e sacerdote chamado a oferecer sacrifícios, a começar pelo de si mesmo. O consagrado, de modo particular, faz do seu corpo uma oblação santa, realizando de modo permanente a exortação de Paulo «oferecei os vossos corpos, como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o vosso culto espiritual» (Rom 12, 1). Por isso, queremos, hoje, unir-nos a ti presente na vida do mundo e, em solidariedade contigo... oferecer-nos ao Pai como oblação viva, santa e agradável «como oferenda e sacrifício de agradável odor» (Ef 5,2). Amen.

    Contemplatio

    O patriarca Jacob promete à tribo de Aser um pão suculento e digno dos reis (Gen 49). O pão verdadeiramente real é o que nós possuímos. É o pão divino, é o pão do céu. É a Eucaristia. O povo de Israel teve o maná, mas não sustentava senão a vida terrestre. O nosso maná entretém a vida espiritual. «Eu sou o pão da vida, diz-nos o bom Mestre. Os vossos pais tiveram o maná, um pão terrestre, eu sou o pão da vida, descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente; o pão que eu hei-de dar é a minha carne para a vida do mundo» (Jo 6).
    Vós ofereceis este pão, Senhor, à minha pobre alma. Podíeis dizer-me como à Cananeia: não é bom tomar o pão dos filhos para o atirar aos cães. Mas o vosso coração é infinitamente compassivo e misericordioso.
    Dais-me este pão para me alimentar e para me fortificar contra todo o desfalecimento: o pão que fortalece o coração do homem (Sl 103). A minha acção de graças dirige-se ao vosso coração (Leão Dehon, OSP3, p. 634).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Sim, Senhor» (Mc 7, 28)».

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    9 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 11, 29-32; 12, 19

    Naqueles dias, 29quando Jeroboão saía de Jerusalém, o profeta Aías de Silo encontrou-o no caminho. Aías estava coberto com um manto novo, e estavam só os dois no campo. 30Então, Aías tomou o manto novo com que se cobria e rasgou-o em doze pedaços. 31E disse a Jeroboão: «Toma dez pedaços para ti, pois assim diz o Senhor, Deus de Israel: 'Eis que Eu vou tirar o reino das mãos de Salomão e dar-te-ei as dez tribos. 32Ficar-lhe-á, porém, uma tribo por causa do meu servo David e da cidade de Jerusalém, que Eu escolhi de entre todas as tribos de Israel. 19Israel esteve em revolta contra a casa de David até ao dia de hoje.

    O autor sagrado apresenta a divisão do reino como um castigo pela apostasia idolátrica de Salomão. No capítulo seguinte, Jeroboão, um dos funcionários de Salomão, pede a Reboão que reduza os impostos. Reboão recusa o pedido de um modo surpreendente: «já que meu pai vos carregou com um jugo pesado, eu vou torná-lo ainda mais pesado; meu pai castigou-vos com açoites; pois eu vos castigarei com azorragues!» (1 Rs 12, 11). E assim ficou aberta a porta ao cisma político. O profeta Aías anuncia simbolicamente esse facto ao rasgar o manto em doze pedaços. O seu gesto profético é uma advertência e uma denúncia motivada pelas injustiças sociais que Jeroboão herdou de seu pai. O profeta, e a sua acção, são sinal da presença de Deus e anúncio da sua intervenção na história do povo. Trata-se de uma intervenção salvífica, porque Deus não se diverte a rasgar «mantos novos», mas é Aquele que faz novas todas as coisas. Este texto mantém ainda hoje a sua actualidade por causa da nostalgia ecuménica que nele percebemos. A divisão do reino davídico tem paralelismo na divisão da Igreja cristã.

    Evangelho: Marcos 7, 31-37

    Naquele tempo, 31Jesus deixou de novo a região de Tiro, veio por Sídon para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. 32Trouxeram-lhe um surdo tartamudo e rogaram-lhe que impusesse as mãos sobre ele. 33Afastando-se com ele da multidão, Jesus meteu-lhe os dedos nos ouvidos e fez saliva com que lhe tocou a língua. 34Erguendo depois os olhos ao céu, suspirou dizendo: «Effathá», que quer dizer «abre-te.» 35Logo os ouvidos se lhe abriram, soltou-se a prisão da língua e falava correctamente. 36Jesus mandou-lhes que a ninguém revelassem o sucedido; mas quanto mais lho recomendava, mais eles o apregoavam. 37No auge do assombro, diziam: «Faz tudo bem feito: faz ouvir os surdos e falar os mudos.»

    Desta vez, Jesus cura um surdo tartamudo, cuja capacidade intelectual estava condicionada pela sua deficiência. Por isso, ao tocar-lhe os órgãos doentes com saliva, Jesus não quer fazer magia à maneira dos taumaturgos da época, mas apenas dirigir-se à consciência daquele que ia ser objecto do prodígio. Noutros casos bastavam as palavras. Aqui, tratando-se de um surdo tartamudo, são precisos gestos. E Jesus fá-los.
    É o segundo milagre que Jesus faz em território pagão e este texto, exclusivo de Marcos, pretende continuar a descrição da actividade missionária da primeira comunidade cristã e assinalar a abertura dos pagãos à fé em Jesus Cristo.
    O assombro dos que presenciam os milagres de Jesus lembra-nos Gn 1: «E Deus viu que tudo era bom», mas também Isaías: «O mudo gritará de alegria» (Is 35, 6). Em Jesus realizam-se as promessas de salvação. Não se trata, pois, de triunfalismo político-messiânico, mas de um reconhecimento gozoso da eficácia desalienante da presença do reino de Deus.

    Meditatio

    Onde chega Jesus, chega a salvação, que cria novas relações, finalmente libertadas, entre os homens e Deus, e entre os próprios homens. Jesus, em terra de pagãos, faz ouvir os surdos e falar os mudos. São milagres físicos que simbolizam milagres espirituais iniciados no baptismo, e que podem ser motivo de reflexão e de oração para nós. Sendo participantes da humanidade sofredora, não é difícil dar-nos conta de que as feridas mais graves das pessoas, hoje, dizem respeito sobretudo às relações. Daí o isolamento, o clima de suspeição e de medo em que tantas vivem.
    Jesus toca nos sentidos do surdo-mudo para lhe tocar no coração. Abrir o coração - effathá! - é a condição para re-ligar os pontos com a Vida. O homem precisa de se abrir a Deus, à sua Palavra, ao encontro com Ele, para se poder abrir ao encontro com os outros, ao diálogo, às relações com todos.
    A Igreja tem a missão de continuar, em certo sentido, este milagre de Jesus, fazendo ouvir a todos os povos que são amados por Deus e que, por isso, podem falar. Fazer «ouvir» e fazer «falar» é a missão da Igreja, para que todos os povos possam louvar a Deus. Mas também cada um de nós precisa de ouvidos abertos e língua solta para escutar o Senhor, que nos fala, e proclamar os seus louvores. Ouvir e falar são meios para viver a aliança: escutar a Deus para saber escutar os irmãos, e falar como Deus quer.
    Como dehonianos, queremos estar ao serviço das novas relações que Deus quer estabelecer com os homens e entre os homens: «Sensíveis a tudo aquilo que, no mundo de hoje, constitui obstáculo ao amor do Senhor, queremos testemunhar que o esforço humano, para chegar à plenitude do Reino, tem de se purificar e transfigurar constantemente pela Cruz e Ressurreição de Cristo» (Cst 29). «Verificamos que o mundo de hoje se agita num imenso esforço de libertação: libertação de tudo quanto lesa a dignidade do homem e ameaça a realização das suas mais profundas aspirações: a verdade, a justiça, o amor, a liberdade» (Cst 36). Estas novas relações passam pela escuta da Palavra e pela visão das maravilhas realizadas por Deus em Jesus Cristo. É nossa missão proclamar a Palavra e ajudar a todos a se tornarem sensíveis à contemplação do que Deus fez e continuar a fazer nós. No sinal da comunidade religiosa, manifesta-se eficazmente a Igreja-comunidade-comunhão, como realidade social, mas também como mistério divino, como sacramento de novas relações com Deus e com os irmãos. A comunidade religiosa, na Igreja, torna-se sinal de «que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo» (Cst 65), Aquele que faz ouvir os surdos e falar os mudos.

    Oratio

    Senhor Jesus, que fizeste ouvir os surdos e falar os mudos, dá-nos a graça de escutar o Pai e de saber falar com os irmãos e irmãs, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. Quantas vezes nos vemos dominados por reacções espontâneas, que dificultam falar como cristãos, e nos levam a falar como pagãos. Nã
    o é suficiente ter língua e ouvidos para comunicar como Tu queres que comuniquemos, para entrar em comunhão com os outros. Repete sobre nós a tua palavra: «Effathá!», para que o nosso coração se abra à generosidade para contigo e para com os irmãos e irmãs. Ajuda-nos a permanecer abertos à tua voz e a responder-te generosamente. Amen.

    Contemplatio

    «Vistes os meus milagres, diz Nosso Senhor, fareis os mesmos, se crerdes em mim. Em verdade vos digo, as obras que faço, aquele que acredita em mim as fará também e até ainda maiores. Curareis doentes, ressuscitareis os mortos, falareis as línguas e convertereis ao Evangelho o universo inteiro. A vossa fé será todo-poderosa».
    Tais são as promessas de Nosso Senhor. E eu, creio ter a fé, creio conhecer Nosso Senhor, trabalho pela sua glória, porque é que então as minhas obras são estéreis? É que a minha fé não é bastante viva.
    Nosso Senhor pode dizer-me: «Não acreditais em mim com a fé ardente dos santos. Não acreditais na santidade da minha vida, na perfeição dos meus sentimentos e dos meus actos, porque vos aplicais tão pouco a imitar-me; não acreditais com uma fé viva na Eucaristia, porque sois tão frios na minha presença; não acreditais no meu Coração, na sua bondade, na sua generosidade, na sua misericórdia, porque o invocais tão friamente. Daí vem a esterilidade da vossa vida e a inutilidade das vossas obras».
    Isto é verdade, Senhor, bem pouco vos conheço até ao presente. A minha fé em vós é quase irrisória. Falo-vos com distracção e negligência. E, por conseguinte, a minha confiança é hesitante e o meu amor tíbio. Mudai o meu coração, dai-me uma fé viva e ardente. (Leão Dehon, OSP3, p. 448s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Faz ouvir os surdos e falar os mudos» (Mc 7, 37).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    10 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 12, 26-32; 13, 33-34

    26Quando Jeroboão se tornou rei das dez tribos de Israel, pensou para consigo: «Como as coisas estão, pode muito bem o reino voltar para a casa David. 27Se este povo continua a subir à casa do Senhor que está em Jerusalém para aí oferecer sacrifícios, o coração deste povo é capaz de regressar a Roboão, seu senhor, rei de Judá! Hão-de trucidar-me e regressarão a Roboão, rei de Judá.» 28Então, o rei deliberou para consigo e mandou fazer dois bezerros de ouro e disse-lhes: «Vós tendes subido a Jerusalém com demasiada frequência. Aqui estão os vossos deuses, ó Israel, aqueles que vos fizeram sair da terra do Egipto.» 29E colocou um em Betel e o outro em Dan. 30Nisto consistiu o pecado: o povo pôs-se em marcha à frente de um dos bezerros até Dan. 31Jeroboão construiu templos nos lugares altos, nomeou sacerdotes de entre a massa do povo, que não eram filhos de Levi. 32Jeroboão instituiu ainda uma festa no oitavo mês, no décimo quinto dia do mês, como a festa que se celebrava em Judá; ele mesmo subiu ao altar. Assim fez também em Betel, para sacrificar aos bezerros que tinha mandado fazer. Estabeleceu em Betel sacerdotes dos lugares altos que tinha instituído. 33Não obstante estas palavras, Jeroboão não se converteu da sua conduta perversa. Mas continuou a fazer sacerdotes dos lugares altos a homens oriundos da massa do povo; a quem ele queria, consagrava-os e ficavam sacerdotes dos lugares altos. 34Nisto é que consistiu o pecado da casa de Jeroboão; por isso é que ela foi destruída e desapareceu da face da terra.

    Consumado o cisma político, Jeroboão reina sobre as 10 tribos do norte, enquanto Roboão reina sobre as tribos de Judá e de Benjamim. Mas o fosso entre o Reino do Norte e o Reino do Sul agrava-se com o cisma religioso, idealizado por Jeroboão para evitar as peregrinações a Jerusalém. Essas peregrinaçõs podiam levar o povo a voltar-se novamente para a casa de David e a dar maior poder económico ao Reino do Sul. Assim Jeroboão revitaliza o templo de Betel, onde Abraão construíra um altar ao Senhor, e onde Jacob tivera o sonho da escada que subia da terra ao céu, e o templo de Dan, cidade santuário desde o tempo dos Juízes. Em cada um dos santuários, coloca um vitelo de ouro, inspirando-se numa antiga tradição segundo a qual essa imagem era pedestal da divindade invisível, do mesmo modo que a arca era o trono de Javé no templo de Jerusalém. Jeroboão coloca nesses santuários sacerdotes que não eram oriundos da tribo de Levi. Assim procura, não só congregar as tribos isoladas do Norte, mas também desviar os peregrinos de Jerusalém. Para completar a sua obra, Jeroboão institui uma «festa dos Tabernáculos» para satisfazer a possível saudade do povo, que costumava peregrinar ao templo de Salomão, em Jerusalém, para a celebrar. Revela uma grande habilidade política para contrariar a forte atracção que exercia sobre o povo a cidade de David e o seu sumptuoso santuário. Mas também revela aquele egoísmo cego, que vicia desde o princípio o seu reino, conduzindo-o à destruição.

    Evangelho: Marcos 8, 1-10

    Naqueles dias, 1havia outra vez uma grande multidão e não tinham que comer. Jesus chamou os discípulos e disse: 2«Tenho compaixão desta multidão. Há já três dias que permanecem junto de mim e não têm que comer. 3Se os mandar embora em jejum para suas casas, desfalecerão no caminho, e alguns vieram de longe.» 4Os discípulos responderam-lhe: «Como poderá alguém saciá-los de pão, aqui no deserto?» 5Mas Ele perguntou: «Quantos pães tendes?» Disseram: «Sete.» 6Ordenou que a multidão se sentasse no chão e, tomando os sete pães, deu graças, partiu-os e dava-os aos seus discípulos para eles os distribuírem à multidão. 7Havia também alguns peixinhos. Jesus abençoou-os e mandou que os distribuíssem igualmente. 8Comeram até ficarem satisfeitos, e houve sete cestos de sobras. 9Ora, eram cerca de quatro mil. Despediu-os 10e, subindo logo para o barco com os discípulos, foi para os lados de Dalmanuta.

    A crítica interroga-se se esta multiplicação dos pães é, de facto, um novo milagre ou se é uma segunda versão do que foi narrado em Mc 6, 34-44. Mas, mais importante que saber se se trata de um ou de dois prodígios diferentes, é conhecer as intenções querigmáticas do evangelista.
    Toda esta secção parece orientada para realçar a finalidade da evangelização, incluindo o seu aspecto taumatúrgico, a saber: libertar o homem da alienação e de tudo o que ameaça a sua existência, não só no limite extremo entre a vida e a morte, mas também na sua acção de cada dia. Nos dois relatos facilmente se pode ver uma alusão à refeição eucarística, tal como era celebrada pela comunidade judeo-helenista de Cesareia, em cujo seio nasceu o evangelho de Marcos. O evangelista parece querer realçar a multiplicação dos pães como prefiguração da eucaristia cristã e das suas implicações a favor dos pagãos. De facto, anota: «alguns vieram de longe» (v. 3b). Além disso, a compaixão de Jesus é suscitada pela miséria física daquela gente que andava com Ele havia três dias. É este sentimento de compaixão que provoca o milagre. É esse mesmo sentimento que há-de levar à partilha na comunidade, em favor dos carenciados.

    Meditatio

    Jeroboão, preocupado consigo mesmo, e temendo a precariedade da sua posição, imagina uma série de intervenções que visam pôr o povo a seu favor, sem se importar que caia num pecado que lhe trará a destruição. Jeroboão vê o povo como um meio para fortalecer o seu poder real, sem se importar com a sorte do mesmo povo, porque o seu coração é perverso. Dos corações perversos nascem as «estruturas de pecado».
    Jesus, pelo contrário está preocupado com o homem e com o seu verdadeiro bem. O seu olhar de compaixão torna-se gesto em favor da multidão e da sua verdadeira vida. É este olhar de Jesus que inaugura «a civilização do amor», «a cidade de Deus». O milagre que Jesus faz não é apenas sinal da presença do Reino, mas é também um sinal do seu olhar e da sua atitude fundamental em relação à humanidade, a misericórdia. Jesus tem compaixão e alimenta abundantemente o povo: «Comeram até ficarem satisfeitos, e houve sete cestos de sobras. Ora, eram cerca de quatro mil» (vv. 8-9). Para além da fome física daquela gente, Jesus vê a fome da sua Palavra, a fome da verdadeira vida. E sacia duplamente a multidão: «Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome
    e quem crê em mim jamais terá sede» (Jo 6, 35).
    Cristo dá-Se a comer na Eucaristia, mas também se dá por meio do nosso amor, por meio do nosso serviço aos pequenos, àqueles que têm fome e sede, que estão doentes ou na prisão... É o mesmo Cristo que Se dá nestes dois "sacramentos" que reciprocamente se apelam (cf. Mt 25, 40).
    Por isso, S. João Crisóstomo recordava aos cristãos do seu tempo a necessidade de prolongar a celebração eucarística na assistência aos pobres: «Queres honrar o Corpo de Cristo? Não permitas que seja objecto de desprezo nos Seus membros, isto é, nos pobres, privados de roupa para se vestirem... Aquele que disse "isto é o Meu Corpo" também disse "vistes-Me com fome e não Me destes de comer" e "todas as vezes que fizestes isto a um dos mais pequenos dos Meus irmãos, foi a Mim que o fizestes...» (S. João Crisóstomo, Homilias sobre S. Mateus 50, 2-4).
    A nossa celebração eucarística abre-se às necessidades dos irmãos, abre-nos ao mundo que nos rodeia, leva-nos a olhar os outros com sentimentos semelhantes aos do Senhor e a agir como Ele agiu. O «Ide em paz» que o sacerdote nos dirige no fim da celebração eucarística equivale ao «Vai e faz tu também o mesmo», que o Senhor diz ao doutor da lei, depois de lhe contar parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 37). É assim que se colabora na construção da «civilização do amor».

    Oratio

    Senhora, Mãe de Jesus e minha Mãe, quero saudar-te especialmente neste dia de sábado. Tu és modelo de confiança e de abandono. Tu acolheste a palavra de Deus sem Te preocupar contigo mesma nem com os teus projectos. Aceitaste pacificamente que a tua vida fosse perturbada pela «invasão» de Deus... até ao Calvário. Por isso é que Deus Te encheu de alegria e todas as gerações Te proclamam bem-aventurada. Alcança-me de Jesus uma confiança e um abandono semelhantes aos teus em todas as situações. Que, mais do que olhar para mim mesmo, eu saiba olhar para Jesus, teu filho, e para o projecto em que Ele me quer como colaborador. Que eu saiba fazer da minha vida uma eucaristia para louvor do Pai e serviço dos irmãos, particularmente dos mais necessitados. Amen.

    Contemplatio

    A multiplicação dos pães é um acto de Providência, que tinha por finalidade encorajar-nos à confiança. Algum tempo depois deste milagre, Nosso Senhor retirava as suas consequências: Não vos deixeis cair na perturbação nem na inquietação, dizia; o vosso Pai celeste conhece as vossas necessidades. A sua providência estende-se a toda a natureza. Ele tem cuidado de quem seja muito mais pequeno do que vós. Vede as aves do céu, não semeiam nem colhem e, no entanto, nunca lhes falta alimento; e as flores dos campos? Não fiam nem tecem e, no entanto, estão mais brilhantemente vestidas do que Salomão no seu esplendor.
    Bossuet desenvolve eloquentemente este pensamento. «Abri os olhos, ó mortais! Contemplai o céu e a terra e a sábia economia deste universo: não há nada de mais bem concebido do que este edifício, nada mais bem governado do que este império...
    «Da maior das criaturas às mais pequenas, a Providência de Deus expande-se por toda a parte. Alimenta as avezinhas que a invocam desde a manhã com a melodia dos seus cânticos; e estas flores, cuja beleza tão depressa murcha, adorna-as tão soberbamente, durante este pequeno momento das suas vidas, que Salomão em toda a sua glória nada tem de comparável a este ornamento.
    Se os seus cuidados tão longe se estendem, vós homens que Ele fez à sua imagem, que iluminou com o seu conhecimento, que chamou ao seu reino, podeis acreditar que Ele vos esquece? Será que o seu poder não é suficiente? Mas o seu fundo é infinito e inesgotável: com cinco pães e dois peixes, alimentou cinco mil almas. Será que a sua bondade não pensa nelas? Mas as criaturas mais pequenas sentem os seus efeitos...
    Não vedes manifestamente que, não lhe faltando nem bondade nem poder, se Ele vos deixa algumas vezes sofrer, é por alguma razão mais elevada. É um pai que castiga os seus filhos, um capitão que exercita os seus soldados.
    Procurai, portanto, a sua verdade e a sua justiça, procurai o reino que Ele vos prepara, e estai seguros sobre a sua palavra que todo os resto vos será dado, se for necessário; e se não vos for dado, então é porque não era necessário (Leão Dehon, OSP3, p. 304s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Tenho compaixão desta multidão» (Mc 8, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

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