Eventos Maio 2025

  • 2ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    1 de Maio, 2025

    2ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 27-33

    Naqueles dias, os guardas trouxeram os apóstolos e levaram-nos à presença do Sinédrio. O Sumo-sacerdote, interrogando-os, 28disse: «Proibimo-vos formalmente de ensinardes nesse nome, mas vós enchestes Jerusalém com a vossa doutrina e quereis fazer recair sobre nós o sangue desse homem.» 29Mas Pedro e os Apóstolos responderam: «Importa mais obedecer a Deus do que aos homens. 30O Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus, a quem matastes, suspendendo-o num madeiro. 31Foi a Ele que Deus elevou, com a sua direita, como Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados. 32E nós somos testemunhas destas coisas, juntamente com o Espírito Santo, que Deus tem concedido àqueles que lhe obedecem.» 33Enraivecidos com tal linguagem, pensaram a sério em matá-los.

    Os apóstolos estavam presos às ordens do Sumo-sacerdote, incitado pela aristocracia sacerdotal, onde se destacavam os saduceus. Competia ao Sinédrio julgá- los. O Sumo-sacerdote acusava os apóstolos de dois crimes: desobediência às ordens que lhes foram dadas, uma vez que continuavam a ensinar «em nome de Jesus», e difamação, uma vez que acusavam os chefes do povo de serem os responsáveis pela morte de Jesus.
    Pedro responde com um breve discurso. Reafirma o dever de obedecer antes a Deus que aos homens, porque só quem se submete a Deus recebe o Espírito Santo. Depois, centra-se no essencial do Kerygma cristão: a morte e a ressurreição de Jesus. E fá-lo contrapondo o que fizeram os chefes dos judeus e o que fez Deus: «vós matastes» Jesus; «Deus ressuscitou» Jesus (cf. vv. 30-31). É um esquema habitual no livro dos Actos. Pela ressurreição, Deus constituiu «esse homem, Príncipe e Salvador» (v. 31). Jesus é «Príncipe» porque é o novo Moisés, que guia o povo para a libertação e salvação; é «Salvador» porque, pela sua morte, nos alcançou o arrependimento e a remissão dos pecados.
    A defesa de Pedro, e dos outros apóstolos, termina apresentando-se, a si e a eles, como testemunhas oculares do Evangelho que pregam. E o seu testemunho é garantido pelo Espírito Santo. Isto deixa enraivecidos os judeus, que pensam matar os apóstolos, tal como tinham feito com Jesus.

    Evangelho: João 3, 31-36

    Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: 31Aquele que vem do Alto está acima de tudo. Quem é da terra à terra pertence e fala da terra. Aquele que vem do Céu está acima de tudo 32e dá testemunho daquilo que viu e ouviu, mas ninguém aceita o seu testemunho. 33Quem aceita o seu testemunho reconhece que Deus é verdadeiro;
    34pois aquele que Deus enviou transmite as palavras de Deus, porque dá o Espírito sem medida. 35O Pai ama o Filho e tudo põe na sua mão. 36Quem crê no Filho tem a vida eterna; quem se nega a crer no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus.

    Na conclusão do capítulo terceiro do seu evangelho, João recolhe sucessivas palavras de Jesus caras à comunidade joânica. O evangelista utiliza categorias espaciais como «do Alto», «da terra», para nos apresentar Jesus como único revelador do Pai e a sua importância para a vida do homem. A insistência em descobrir a origem e a natureza do Revelador tem uma intenção existencial clara. Nenhuma palavra que proceda «da terra», por autorizada que seja, pode comparar- se com as palavras do Revelador, que vem «do Alto», que está acima de todos. Por isso, todo o discípulo é chamado a verificar a sua relação com Jesus e o modo como escuta a sua palavra. Cristo vem «do Alto», pertence ao mundo divino e é superior a qualquer homem. O homem, ainda que seja um grande profeta, como João Baptista, «vem da terra» e permanece um ser terreno e limitado. É verdade que alguns ainda se recusam a crer. Mas há um «resto», que vive de fé, e são os crentes que manifestam «que Deus é verdadeiro». A sua fé confirma que o agir de Cristo está em comunhão com o agir do Pai.
    Finalmente, Cristo não é só o Revelador da Palavra de Deus, mas é a própria Palavra, é «espírito e vida» (Jo 6, 63). É, não só Aquele que tudo recebe do Pai, mas também Aquele que transmite tudo quanto possui, especialmente o seu Espírito Santo.

    Meditatio

    O texto evangélico que hoje escutamos revela-nos a plenitude de graça que recebemos do Ressuscitado. Ele é para nós revelação do imenso amor com que Deus nos ama. Esse imenso amor, com todos os dons que compreende, é derramado em nós no baptismo. A vida cristã consiste em viver, cada vez em maior plenitude, a riqueza que recebemos ao ser baptizados: a graça santificante e justificante, que nos torna capazes de crer em Deus, esperar n´Ele e de O amar, pelas virtudes teologais; o poder de vivermos e agirmos sob a moção do Espírito Santo e os seus dons; a capacidade de crescer no bem, pelas virtudes morais. O nosso primeiro esforço há-de ser tomar consciência de todos esses dons do amor de Deus, e não tentar conquistá- los. São-nos oferecidos gratuitamente no baptismo.
    A nossa vida há-de ser permeada de gratidão para com Deus, tão generoso para connosco. Ter a certeza desse amor é atitude fundamental na vida cristã. Se, na vida natural, quase tudo se alcança à custa de esforço e lentamente, na vida da graça tudo nos é dado. Há apenas que acolher e viver os dons que Deus gratuitamente nos oferece.
    A primeira leitura fala-nos de um dom de que hoje se fala pouco e de que os cristãos nem sempre têm suficiente consciência: a remissão dos pecados. Mas, quem tem o sentido de Deus, quem adverte a importância decisiva de estar em comunhão com Ele, quem sente por experiência própria a tragédia de estar longe d´Ele, quem toma a sério que o definitivamente válido é a comunhão com Deus, sabe que a remissão dos pecados é algo decisivo na nossa vida. Todos somos pecadores. Todos precisamos de perdão. Jesus remiu-nos do pecado, isto é, restabeleceu a comunhão filial, amiga, pacificadora com Deus. É o princípio de todos os bens messiânicos. Sem esse fundamento, nada se pode construir. Longe de Deus, sentimo-nos afastados da nossa origem e do nosso fim. É por isso que S. Pedro anuncia o Senhor ressuscitado como Aquele que restabelece a amizade entre o angustiado coração humano e o ardente coração de Deus Pai.
    O grande obstáculo ao acolhimento do amor gratuito de Deus é o pecado. "O Padre Dehon é muito sensível ao pecado... conhece os males da sociedade..." e "reconhece na recusa do amor de Cristo a causa mais profunda desta miséria humana", afirmam as nossas Constituições (cf. n. 4). Também nós, Oblatos- Sacerdotes do Coração de Jesus, tal como o Pe. Dehon, devemos estar

    "comprometidos... para reparar o pecado e a falta de amor na Igreja e no mundo (Cst 7; Cf. n. 79), isto é, o não acolhimento do amor de Deus e a falta de correspondência a esse amor, oferecendo-nos ao Pai "em solidariedade" com Cristo... como uma oblação viva, santa e agradável (cf. Rom 12, 1)... em sacrifício de suave odor (Ef 5, 2)" (n. 22).

    Oratio

    Obrigado, Senhor, por todos os teus dons. Obrigado pela remissão dos meus pecados. Facilmente esqueço que fui perdoado por ti, não só uma, mas muitas vezes. Facilmente esqueço a alegria que me traz o teu perdão, a alegria que me traz sentir- me reconciliado Contigo.
    Ensina-me a falar da salvação como perdão dos pecados e comunhão Contigo.
    Que jamais esqueça o teu amor benevolente e misericordioso quando, a tremer por causa das minhas culpas, me apresento diante de Ti. Mostra-me, então, o teu rosto benigno de salvador e infunde em mim o teu Espírito para remissão dos pecados. Unido a Ti, meu divino Salvador, quero ser arauto do teu amor diante de todos os meus irmãos e irmãs, para que também eles acolham o dom da remissão dos pecados, que a todos ofereces. Amen.

    Contemplatio

    Comentando a palavra do Salvador, S. Pedro diz-nos: «Sede submissos, por amor de Deus, a toda a instituição humana, seja ao rei como soberano; seja aos governadores, como enviados por ele, para punir os maus e para recompensar os bons... Porque tal é a vontade de Deus, que, fazendo o bem, fechais a boca dos insensatos e dos ignorantes. Sois livres, mas como servos de Deus, e não para vos cobrirdes da liberdade como de um véu que favorece a licenciosidade.
    Honrai a todos: amai os vossos irmãos, temei a Deus, respeitai o rei. Servos, sede submissos aos vossos senhores com todo o temor, não somente àqueles que são bons e doces, mas ainda àqueles que são impertinentes. Porque é uma glória suportar mágoas e sofrer injustamente por motivo de consciência para com Deus. Que glória há, de facto, em suportar os castigos que mereceis pelas vossas faltas?
    Mas se tendes de sofrer quando fizestes o bem, e o suportastes com paciência, eis o que é grande diante de Deus» (1Pd 2, 13).
    S. Paulo também diz a Tito: «Adverti os irmãos para que sejam submissos aos príncipes e aos poderosos, que obedeçam à sua palavra, que estejam prontos para todas as boas obras».
    Mas assim como devemos deferência e submissão à autoridade legítima, quando actua dentro dos limites das suas atribuições, do mesmo modo devemos mostrar-nos firmes na nossa resistência, quando ela se vira contra Deus e pisa aos pés os direitos da consciência.
    Aos seus juízes que lhes proibiam de falarem no futuro no nome de Jesus, Pedro e João responderam: «Pronunciai vós mesmos, e dizei, perante Deus, se é justo obedecer-vos antes que a Deus. Não podemos calar o que vimos e escutámos».
    – E chamados a juízo uma segunda vez, dizem ainda: «É a Deus que é preciso obedecer antes que aos homens» (Act 4-5). S. Paulo adverte-nos também para que conservemos a nossa dignidade de cidadãos e para fazermos respeitar os nossos direitos: «Sou cidadão romano, diz, e apelo a César» (Act 22) (Leão Dehon, OSP 4, p. 78s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Qj.Jem crê no Filho tem a vida eterna>> (Jo 3, 36 ).

  • 2ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    2 de Maio, 2025

    2ª Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 34-42

    Naqueles dias, 34ergueu-se, então, um homem no Sinédrio, um fariseu chamado Gamaliel, doutor da Lei, respeitado por todo o povo. Mandou sair os acusados por alguns momentos 35e, tomando a palavra, disse: «Homens de Israel, tende cuidado com o que ides fazer a esses homens! 36Nos últimos tempos, apareceu Teudas, que se dizia alguém e ao qual seguiram cerca de quatrocentos homens. Ele foi liquidado e todos os seus partidários foram destroçados e reduzidos a nada. 37Depois dele, apareceu também Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e arrastou o povo atrás dele. Morreu, igualmente, e todos os seus adeptos foram dispersos. 38E, agora, digo-vos: não vos metais com esses homens, deixai-os. Se o seu empreendimento é dos homens, esta obra acabará por si própria; 39mas, se vem de Deus, não conseguireis destruí-los, sem correrdes o risco de entrardes em guerra contra Deus.»
    Concordaram, então, com as suas palavras. 40Trouxeram novamente os Apóstolos e, depois de os mandarem açoitar, proibiram-lhes de falar no nome de Jesus e libertaram-nos. 41Quanto a eles, saíram da sala do Sinédrio cheios de alegria, por terem sido considerados dignos de sofrer vexames por causa do Nome de Jesus. 42E todos os dias, no templo e nas casas, não cessavam de ensinar e de anunciar a Boa-Nova de Jesus, o Messias.

    A defesa de Pedro tornou-se uma gravíssima acusação contra os seus acusadores. Por isso, quiseram matar os apóstolos. Mas, graças à intervenção de Gamaliel, impôs-se a moderação. Como fariseu bom e douto, Gamaliel via com simpatia o movimento cristão, que pregava a ressurreição e se apresentava-se como cumprimento das Escrituras. Seria arbitrário excluí-lo sem mais. Por isso, o melhor era esperar.
    Todo o falso movimento messiânico se desfaz por si mesmo: Gamaliel lembra Teudas e Judas. Judas, o galileu, é bem conhecido. Chefiou uma rebelião contra Roma, no ano 6-7 da nossa era. O seu movimento foi continuado pelos zelotas. Teudas era bem conhecido no tempo em que Lucas escreve. Mas a sua rebelião aconteceu trinta anos depois da intervenção de Gamaliel. Lucas prescinde dessa circunstância e usa-o como exemplo de movimentos messiânicos fracassados. Para Gamaliel, sucederá o mesmo ao movimento cristão, se for falso. Por isso, não é preciso opor-se a ele. O raciocínio de Gamaliel foi aceite pelo Sinédrio que, depois de açoitar os apóstolos, os pôs em liberdade, com a proibição de continuarem a falar daquele «nome».
    Os apóstolos interpretaram os seus sofrimentos como honrarias concedidas por Deus. Tinham-se realizado neles as perseguições anunciadas por Jesus (cf. Mt 10, 17; 23, 34); tinham sido objecto de uma das bem-aventuranças de Jesus (cf. Mt 5, 11- 12); tinham sido equiparados a Jesus (cf. Mc 15, 15; Jo 19, 1). Por isso, puseram-se a pregar, com novo ânimo, a Jesus como Messias.

    Evangelho: João 6, 1-15

    Naquele tempo, Jesus partiu para a outra margem do lago da Galileia, ou de Tiberíades. 2Seguia-o uma grande multidão, porque presenciavam os sinais miraculosos que realizava em favor dos doentes. 3Jesus subiu ao monte e sentou-se ali com os seus discípulos. 4Estava a aproximar-se a Páscoa, a festa dos judeus.
    5Erguendo o olhar e reparando que uma grande multidão viera ter com Ele, Jesus disse então a Filipe: «Onde havemos de comprar pão para esta gente comer?» 6Dizia isto para o pôr à prova, pois Ele bem sabia o que ia fazer.
    Filipe respondeu-lhe: 7«Duzentos denários de pão não chegam para cada um comer um bocadinho.» 8Disse-lhe um dos seus discípulos, André, irmão de Simão Pedro: 9«Há aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?» 10Jesus disse: «Fazei sentar as pessoas.»
    Ora, havia muita erva no local. Os homens sentaram-se, pois, em número de uns cinco mil. 11Então, Jesus tomou os pães e, tendo dado graças, distribuiu-os pelos que estavam sentados, tal como os peixes, e eles comeram quanto quiseram.
    12Quando se saciaram, disse aos seus discípulos: «Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca». 13Recolheram-nos, então, e encheram doze cestos de pedaços dos cinco pães de cevada que sobejaram aos que tinham estado a comer.
    14Aquela gente, ao ver o sinal milagroso que Jesus tinha feito, dizia: «Este é realmente o Profeta que devia vir ao mundo!» 15Por isso, Jesus, sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazerem rei, retirou-se de novo, sozinho, para o monte.

    O milagre da multiplicação dos pães introduz simbolicamente o «Discurso sobre o pão da vida». Trata-se de um dos sinais realizados por Jesus para revelar a sua identidade. João apresenta Jesus como o novo Moisés, guia de um novo êxodo. A multiplicação dos pães também é sinal de um novo maná, a Eucaristia.
    Ao narrar este milagre, João tem uma clara intenção cristológica. Mostra que Jesus possui um conhecimento sobre-humano. De facto, quando Jesus pergunta a Filipe, como resolver a situação, João acrescenta que «Ele bem sabia o que ia fazer» (v. 6). Depois Jesus distribui pessoalmente o pão e os peixes, à discrição, pelos que estavam sentados (v. 11), mostrando segurança na sua missão e no modo como realizá-la. Finalmente, recusa ser rei (v. 15).
    Para João, Jesus é Aquele em quem se realiza o passado e se concretiza a esperança de Israel. O pão que está para dar ao povo aperfeiçoa e ultrapassa a páscoa hebraica e coloca o milagre sob o signo do banquete eucarístico cristão. Jesus fala ao povo de nova aliança com Deus e de vida eterna. Depois, alerta Filipe para as dificuldades do momento e, só depois, intervém para multiplicar o pão. Todos são saciados, e ainda sobejam doze cestos de pão.
    Com este sinal, Jesus apresenta-se como o Messias esperado e que é preciso acolher.

    Meditatio

    As palavras de Gamaliel são muitas vezes usadas como exemplo de um conselho sábio. É verdade que podem ter outro tipo de interpretações: atitude de quem deixa correr as coisas, de quem não está para se inquietar desnecessariamente, quiçá de uma mentalidade fatalista... Mas, quando são ditadas pelo espírito de fé em Deus que actua na história, as palavras de Gamaliel são certamente positivas.
    As palavras do doutor da Lei, lidas como um conselho sábio, podem ajudar-nos a recuperar o sentido de Deus, que está presente e actua nos pequenos e grandes acontecimentos da nossa vida e da nossa história comum. É Ele o verdadeiro

    protagonista de tudo. Nós não passamos de pequenos e pobres colaboradores seus. Já é muito quando, com nossas intervenções, não estragamos os projectos de Deus.
    Os Evangelhos devem ser lidos à luz da Páscoa do Senhor. O que hoje escutamos contém uma profecia em acção daquilo que Jesus ressuscitado nos dá, o pão vivo, que é Ele mesmo. Quem acolhe a Cristo, quem acredita n´Ele, é saciado.
    Para João, este milagre está relacionado com a Eucaristia. «Estava a aproximar-se a Páscoa» - escreve o evangelista, que certamente pensava na morte de Jesus. No versículo 15, João é ainda mais claro, quando escreve: «sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazerem rei, retirou-se de novo, sozinho, para o monte». Jesus foi condenado porque recusou satisfazer os sonhos políticos do povo. Não querendo ser rei dos judeus, foi por eles recusado.
    Jesus retirou-se «para o monte». Ao anotar este pormenor, o quarto evangelista pensa em Jesus elevado da terra para atrair a Si todos os homens. Esta elevação começa na cruz, mas continua na ressurreição e na ascensão, quando Jesus volta para o Pai. A multiplicação dos pães é figura realizada em Jesus, na sua paixão e ressurreição gloriosa.
    A própria pergunta feita por Jesus a Filipe tem resposta na paixão e ressurreição, quando Jesus, entregando o seu corpo por nós, e derramando o seu sangue por nós, compra o pão que alimenta as nossas almas.
    Tal como Jesus é o pão bom que Se oferece a nós para ser comido, também nós devemos ser pão bom para Ele e para os irmãos, devemos tornar-nos nós mesmos eucaristia do Senhor, para qualquer pessoa, em qualquer situação, praticando os frutos do Espírito (cf. Gal 5, 22), que são as próprias exigências da Eucaristia: amor, paz, alegria...
    Deste modo, a nossa vida, tal como a do Pe. Dehon, torna-se "uma missa permanente" (Cst. 5).

    Oratio

    Obrigado, Senhor, porque, pelo sacrifício de Ti mesmo, te tornaste nosso alimento. Acolhemos, emocionados e agradecidos, o dom que nos fazes. Cremos em Ti, mas aumenta a nossa fé, para que possamos ser alimentados do pão que és Tu, e entrarmos na comunhão divina que faz de nós uma unidade com todos aqueles que comem do mesmo pão, o pão vivo que dá a vida. Com a fé, dá-me também sabedoria, que me permita discernir o que devo deixar fazer a Ti e o que devo eu próprio procurar fazer. Dá-me humildade para aceitar o que Tu queres e secundar os teus projectos misteriosos, mas infalíveis. Amen.

    Contemplatio

    Podemos aplicar à devoção ao Sagrado Coração (de Jesus), como as aplicamos à Eucaristia, estas palavras do livro da Sabedoria: «Panem de coelo praestitisti eis omne delectamentum in se habentem (Vós lhes destes o pão do céu que tem todos os sabores). É um pão do céu que tem todos os sabores. Como o maná do deserto, como o maná eucarístico, esta devoção é um alimento celeste que tem todos os gostos, todos os sabores espirituais e que se adapta maravilhosamente a todas as almas, quaisquer que sejam as suas necessidades, a sua condição, a sua atracção particular.
    A devoção ao Sagrado Coração reporta-se a todos os mistérios e a todos os estados de Nosso Senhor. Ela dá a explicação de tudo apenas com esta palavra: Amor.

    Como os fiéis encontram nesta devoção todos os motivos de confiança e todos os encorajamentos para a virtude, os sacerdotes hão-de nela encontrar o ideal da vida sacerdotal e o modelo do qual devem aproximar-se (Leão Dehon, OSP 2, p. 521).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Este é realmente o Profeta que devia vir ao mundo!» (Jo 6, 14).

  • 2ª Semana - Sábado - Páscoa

    2ª Semana - Sábado - Páscoa

    3 de Maio, 2025

    2ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 6, 1-7

    Naqueles dias, como o número de discípulos ia aumentando, houve queixas dos helenistas contra os hebreus, porque as suas viúvas eram esquecidas no serviço diário. 2Os Doze convocaram, então, a assembleia dos discípulos e disseram: «Não convém deixarmos a palavra de Deus, para servirmos às mesas. 3Irmãos, é melhor procurardes entre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria; confiar-lhes-emos essa tarefa. 4Quanto a nós, entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da Palavra.» 5A proposta agradou a toda a assembleia e escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócuro, Nicanor, Timão, Parmenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. 6Foram apresentados aos Apóstolos que, depois de orarem, lhes impuseram as mãos. 7A palavra de Deus ia-se espalhando cada vez mais; o número dos discípulos aumentava consideravelmente em Jerusalém, e grande número de sacerdotes obedeciam à Fé.

    A realidade da primitiva Igreja era mais complexa do que, à primeira vista, deixam perceber os resumos idealizados de Lucas. A primeira comunidade integrava grupos de crentes de diferentes culturas, com mentalidades e posições sociais diferentes. As queixas dos helenistas contra os hebreus (v. 1) são um claro exemplo das dificuldades e tensões que havia. Os apóstolos reflectem e tomam decisões. Trata-se, em primeiro lugar, de um problema económico. As viúvas de homens da diáspora, que tinham vindo passar a Jerusalém os seus últimos dias, estavam sem apoio familiar. Para prestar este apoio, surge um novo ministério na Igreja, o dos diáconos. A eleição dos sete «homens de boa reputação» é feita pela comunidade. Os apóstolos confiam-lhes o ministério pela imposição das mãos, gesto que simboliza a comunicação do Espírito, e a associação e participação dos sete eleitos no seu próprio ofício apostólico. De facto, os diáconos não só cuidarão do serviço das mesas, mas também se vão dedicar à pregação. Serão os casos de Estêvão e de Filipe (cf. Act 6, 8dd; 8, 26ss.)

    Evangelho: João 6, 16-21

    Ao cair da tarde, os seus discípulos desceram até ao lago 17e, subindo para um barco, foram atravessando o lago em direcção a Cafarnaúm. 18Já tinha escurecido e Jesus ainda não fora ter com eles. Soprando uma forte ventania, o lago começou a agitar-se. 19Depois de terem remado mais ou menos uma légua, avistaram Jesus que se aproximava do barco, caminhando sobre o lago, e tiveram medo. 20Mas Ele disse-lhes:
    «Sou Eu, não tenhais medo!» 21Quiseram recebê-lo logo no barco, e o barco chegou imediatamente à terra para onde iam.

    A cena evangélica que hoje escutamos é narrada pelos Sinópticos e por João. Mas, enquanto em Mateus, Marcos e Lucas nos aparece estreitamente relacionada com a multiplicação dos pães, no quarto evangelho está apenas justaposta à narrativa desse milagre do Senhor.

    Os discípulos estão na barca, ao cair da noite. Tinham remado com esforço e lutado contra as dificuldades do momento, quando viram Jesus caminhar sobre as águas, e se encheram de medo. O encontro com o Mestre fá-los ultrapassar a angústia. As suas palavras «Sou Eu, não tenhais medo» dão-lhes confiança e serenidade, porque reconhecem em Jesus a presença poderosa e salvífica de Deus. O seu Mestre não é apenas o Messias que lhes mata a fome, mas é uma pessoa divina que vai ao seu encontro com amor. Ao reconhecerem a identidade de Jesus, os discípulos chegam «à terra para onde iam». Jesus é o lugar da presença de Deus no meio dos homens. O seu rosto humano esconde o seu mistério e a sua identidade. Mas quem sabe ler na pessoa de Jesus a manifestação de um Deus que ama, torna-se seu discípulo e permanece unido a Ele, apesar da aura inacessível que envolve a sua pessoa. As cenas da multiplicação dos pães e da caminhada sobre as águas tornam-se epifania de Cristo para os seus discípulos.

    Meditatio

    O texto da primeira leitura parece ofuscar os quadros idílicos da primitiva comunidade, que encontramos em vários resumos dos Actos. Mas, Lucas é realista: mesmo nas comunidades mais perfeitas, não faltam problemas e tensões. O que é preciso é enfrentá-los comunitariamente, para que não bloqueiem a comunidade e não atrapalhem a difusão do Evangelho. É o que fazem os Apóstolos, dando exemplo de flexibilidade e de sábia orientação da comunidade. Oxalá sempre se tivesse actuado assim ao longo da história da Igreja, e se possa actuar do mesmo modo no presente e no futuro!
    O episódio evangélico descrito por João é mais um dos que preparavam os discípulos para o mistério da morte e da ressurreição de Jesus. Ao caminhar sobre o mar, Jesus prefigura a sua travessia vitoriosa através da morte, muitas vezes comparada, na Sagrada Escritura, ao mar: «Cercavam-me as ondas da morte, assustavam-me as torrentes destruidoras, os laços do abismo me comprimiam (2 Sm 22, 5); «Cercaram- me as ondas da morte e as vagas destruidoras encheram-me de terror; envolveram- me os laços do Abismo» (Sl 18, 5). «Soprando uma forte ventania, o lago começou a agitar-se» (v. 18). Estas palavras prefiguram a paixão, a terrível tempestade que dispersará os discípulos. Mas Jesus, caminhando serenamente sobre o mar, dirige-se para a barca. Os discípulos assustam-se, como na paixão e mesmo no momento da ressurreição. Mas Jesus apresenta-se e diz-lhe: «Sou Eu, não tenhais medo!» (v. 20). Depois da paixão, Jesus ressuscitado também se apresenta aos discípulos dizendo:
    «Sou eu!... A paz esteja convosco; não temais».
    João diz-nos que, tendo reconhecido Jesus, «Quiseram recebê-lo logo no barco, e o barco chegou imediatamente à terra para onde iam» (v. 20). Quando se aceita Jesus no seu mistério de morte e de ressurreição, chegamos à outra margem: encontramos a luz e a paz de Deus.
    Como "Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus" (Cst. 6) somos chamados a ser "profetas do amor e... servidores da reconciliação" (Cst. 7); "Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo, e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65). Não devemos, por isso, deixar-nos bloquear pelas dificuldades do diálogo comunitário. É preciso ter coragem para começar, força e humildade para
    perseverar, como pobres, como pequenos segundo o Evangelho: "Sede alegres na esperança, fortes na tribulação, perseverantes na oração" (Rom 12, 12; cf. 1 Jo 4, 16).

    Oratio

    Senhor, quero hoje falar-te da minha comunidade, das tensões que por vezes surgem e da dificuldade em compô-las. Quando me sinto menos bem tratado por quem detém a autoridade, facilmente me impaciento e revolto; mas quando me pertence mandar, também facilmente considero como insatisfeitos e rebeldes aqueles que me criticam.
    Dá-me, Senhor, a sabedoria dos Doze, que escutam e sabem envolver toda a comunidade na solução das dificuldades e tensões. Dá às nossas comunidades capacidade de escuta e de participação. Dá-nos a todos criatividade suficiente para enfrentar e resolver com serenidade as normais dificuldades da vida comum. Que, no meio das tempestades, jamais esqueçamos que Tu estás presente junto daqueles que estão reunidos em teu nome. Amen.

    Contemplatio

    (O Coração de Jesus) é, primeiro, um lugar de refúgio e de segurança contra os inimigos da salvação. «É preciso retirar-nos, diz Margarida Maria, para a chaga do Sagrado Coração, como um pobre viajante que procura um porto seguro onde se colocar ao abrigo dos escolhos e das tempestades do mar agitado do mundo, onde estamos expostos a um contínuo naufrágio. - O Coração adorável é um adorável retiro onde vivemos ao abrigo de todas as tormentas. - É como um forte inexpugnável contra os assaltos do inimigo. - É a fonte das graças divinas. A graça do divino amor, qual é fonte de donde brota? Qual é o canal que a faz chegar até nós? Rezai ao Coração adorável do Salvador, que depois de ter sido um sol divino sempre brilhante e a aquecer, fazendo crescer todas as virtudes, e dissipando as trevas os nevoeiros, seja para vós uma fonte de água viva. - Considerai este Sagrado Coração no meio do vosso coração, como a fonte das águas vivas, para regar o jardim da vossa alma, onde as flores das virtudes estão todas murchas. Restituir-lhes-á a sua beleza natural, a fim de que a vossa alma se torne o jardim das suas delícias. - É uma fonte que tem prazer em derramar-se com abundância em favor dos seus amigos. - É a fonte inesgotável de tudo aquilo de que temos necessidade; fonte donde quanto mais se toma mais há a tomar, mais é abundante. Vamos buscar a esta fonte virtudes para a contemplação do Coração de Jesus em todos os mistérios da sua vida (Leão Dehon, OSP 4, p. 334s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Sou Eu, não tenhais medo!» (Jo 6, 20).

  • 03º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    03º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    4 de Maio, 2025

    ANO C

    3.º DOMINGO DO TEMPO PASCAL

    Tema do 3º. Domingo do Tempo Pascal

    A liturgia do terceiro Domingo Pascal dirige uma vez mais o nosso olhar para o acontecimento capital que celebramos neste “grande domingo” que vai desde o dia de Páscoa até ao dia de Pentecostes: a ressurreição de Jesus. Convida-nos especialmente a descobrir como que é que a comunidade cristã deve agir para concretizar, no mundo e na vida dos homens, a obra salvadora de Jesus.

    A primeira leitura mostra-nos como a comunidade cristã de Jerusalém testemunha a vida nova que brota de Jesus ressuscitado. Embora as autoridades judaicas tentem calá-los, os apóstolos estão decididos a oferecer a todos os habitantes de Jerusalém a “boa notícia” de Jesus. A verdade, a vitória definitiva de Deus sobre a morte e o pecado, têm de ser anunciados de cima dos telhados, a fim de que o mundo encontre nesse “evangelho” uma nova esperança.

    Na segunda leitura Jesus, o “Cordeiro” imolado que venceu a morte e que trouxe aos homens a libertação definitiva, é aclamado pelos anjos, pelo povo de Deus, pela humanidade inteira, por todos os seres criados. Agora poderá concretizar-se o projeto de Deus de oferecer a sua salvação a todas as criaturas “que há no céu, na terra, debaixo da terra, no mar” e no universo inteiro. Somos convidados a associar-nos, também nós, a este cântico jubiloso.

    O Evangelho oferece-nos uma parábola sobre a maneira de os discípulos de Jesus concretizarem a missão que lhes foi confiada. Chamados a libertar os seus irmãos do mar de sofrimento em que vivem mergulhados, os discípulos têm de contar com Jesus e de seguir as orientações de Jesus. Se ignorarem Jesus, cairão num ativismo estéril, sem sentido e sem objetivo; se agirem de acordo com as orientações de Jesus, serão verdadeiramente arautos da salvação de Deus.

     

    LEITURA I – Atos 5,27b-32.40b-41

    Naqueles dias,
    o sumo sacerdote falou aos Apóstolos, dizendo:
    «Já vos proibimos formalmente
    de ensinar em nome de Jesus;
    e vós encheis Jerusalém com a vossa doutrina
    e quereis fazer recair sobre nós o sangue desse homem».
    Pedro e os Apóstolos responderam:
    «Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens.
    O Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus,
    a quem vós destes a morte, suspendendo-O no madeiro.
    Deus exaltou-O pelo seu poder, como Chefe e Salvador,
    a fim de conceder a Israel
    o arrependimento e o perdão dos pecados.
    E nós somos testemunhas destes factos,
    nós e o Espírito Santo
    que Deus tem concedido àqueles que Lhe obedecem».
    Então os judeus mandaram açoitar os Apóstolos,
    intimando-os a não falarem no nome de Jesus,
    e depois soltaram-nos.
    Os Apóstolos saíram da presença do Sinédrio cheios de alegria,
    por terem merecido serem ultrajados
    por causa do nome de Jesus.

     

    CONTEXTO

    O livro dos Atos dos Apóstolos, publicado na década de oitenta do primeiro século, é a segunda parte da obra de Lucas. Nele Lucas reflete sobre a fase final da história da salvação, aquilo que poderíamos chamar o “tempo da Igreja”: é o tempo em que Jesus deixa de estar fisicamente presente no mundo, mas em que a salvação de Deus continua a ser oferecida ao mundo através da comunidade dos discípulos de Jesus. Revestidos de Jesus, animados pelo mesmo Espírito que animava Jesus, os discípulos têm como missão continuar a obra que Jesus tinha começado. Eles são agora – com o seu testemunho, com o seu anúncio, com os seus gestos de cura e de libertação – o rosto visível do Deus salvador e libertador. O seu testemunho deve percorrer um “caminho” que vai de Jerusalém – no Antigo Testamento, o lugar onde devia manifestar-se definitivamente a salvação de Deus – até “aos confins da terra”, quer dizer, até Roma, o coração do mundo gentio. É precisamente esse o plano que Lucas desenvolve neste livro.

    Na primeira parte do livro (cf. At 1,12-8,3), Lucas centra o seu olhar na comunidade cristã de Jerusalém. Depois da vinda do Espírito Santo (cf. At 2,1-13), os discípulos de Jesus decidiram assumir o risco de dar testemunho de Jesus e do seu projeto; deixaram a segurança da casa onde se escondiam, com medo das autoridades judaicas e começaram a dar falar de Jesus por toda a cidade. Esse testemunho era, no entanto, dado em condições de extrema dificuldade, por causa da oposição das autoridades judaicas.

    A certa altura as autoridades religiosas judaicas, inquietas com a popularidade que os apóstolos estavam a alcançar, prenderam-nos (cf. At 5,17-18); contudo, uma intervenção de Deus libertou-os da prisão. Sem se deixarem intimidar, no dia seguinte eles estavam de novo no Templo a dar testemunho de Jesus (At 5,19-21). Os guardas do Templo, enviados pelo sumo sacerdote, trouxeram novamente os apóstolos à presença do Sinédrio (cf. At 5,22-26). Constituído por 71 membros, incluindo o sumo sacerdote, o Sinédrio era o Conselho supremo judaico, que tinha como função administrar a justiça, interpretando e aplicando a Torá, a Lei de Deus. É neste cenário que a primeira leitura neste terceiro domingo do tempo pascal nos situa.

     

    MENSAGEM

    O sumo sacerdote, dirigindo-se aos apóstolos, lembra-lhes a gravidade do seu procedimento. Eles tinham sido formalmente proibidos de dar testemunho de Jesus (cf. At 4,18); mas, além de não respeitarem a proibição, vão mais longe e acusam as autoridades judaicas de serem responsáveis pela morte de Jesus (vers. 28). A atuação dos apóstolos constitui um grave atentado contra a ordem social e contra as instituições respeitáveis que garantem essa ordem.

    O autor dos Atos dos Apóstolos, no entanto, não parece dar importância especial à gravidade da acusação. O que lhe interessa é dar voz a Pedro e, através dele, formular o princípio básico que deve orientar os discípulos de Jesus ao longo do seu caminho histórico: “deve obedecer-se antes a Deus que aos homens” (vers. 29). A voz de Deus deve ser, para os discípulos de Jesus, a referência decisiva, a orientação fundamental, a verdade suprema.

    Depois desta afirmação lapidar, Pedro formula, diante do Sinédrio, o kerigma cristão primitivo acerca de Jesus: “o Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós destes a morte, suspendendo-O no madeiro. Deus exaltou-O pelo seu poder, como Chefe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e o perdão dos pecados. E nós somos testemunhas destes factos, nós e o Espírito Santo que Deus tem concedido àqueles que Lhe obedecem” (vers. 30-32). Esta fórmula não apresenta grandes novidades doutrinais em relação a outras formulações do kerigma cristão primitivo acerca de Jesus (apresentado de forma mais desenvolvida em At 2,17-36, 3,13-26 e 10,36-43): morte na cruz, ressurreição, exaltação à direita de Deus, a sua apresentação como salvador, o testemunho dos apóstolos por ação do Espírito. Neste contexto, apenas se acentua – mais do que noutras formulações – a responsabilidade do Sinédrio no escândalo da cruz e a contraposição entre a ação de Deus e a ação das autoridades judaicas em relação a Jesus.

    Tudo considerado, a oposição das autoridades judaicas apenas serve para pôr em relevo a realidade sobre-humana da mensagem de Jesus, a sua força que não pode ser detida, o dinamismo dessa comunidade que, animada pelo Espírito, continua no mundo a missão de Jesus. Se Jesus foi rejeitado e morreu na cruz, é natural que os apóstolos, fiéis a Jesus e ao seu projeto, se defrontem com uma oposição semelhante. No entanto, os verdadeiros seguidores do projeto de Jesus, animados pelo Espírito, estão mais preocupados com a fidelidade ao caminho de Jesus do que às ordens ou interesses dos homens.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A morte de Jesus não foi um acidente infeliz, o resultado de uma circunstância fortuita; mas foi a conclusão de um longo processo de rejeição de um projeto que punha em causa os interesses egoístas dos senhores do mundo. Jesus sempre soube que o caminho que estava a percorrer conduzia à cruz; mas quis percorrê-lo até ao fim, pois estava consciente de que a proposta de Deus – de um mundo mais justo, mais humano, mais fraterno – tinha de ser apresentada aos homens, custasse o que custasse. Jesus foi condenado à morte porque nos seus olhos, nas suas palavras, nos seus gestos, no seu coração brilhava a verdade, a verdade de Deus, uma verdade que desmascarava a mentira em que os homens queriam viver. Entretanto, passaram-se vinte séculos, mas o cenário é o mesmo: a proposta libertadora de Jesus continua a ser rejeitada e combatida por aqueles que preferem viver na mentira. Os discípulos de Jesus, chamados a dar testemunho do Reino de Deus, não devem ficar surpreendidos nem inquietos com isso. Devem, com a força de Jesus, continuar a questionar e a pôr em causa tudo aquilo que gera opressão, sofrimento, escravidão e morte. Com a mesma frontalidade, com a mesma verdade, com a mesma confiança no Pai que Jesus tinha. Nós, os que optamos por seguir Jesus, estamos dispostos a isso?
    • Na leitura do livro dos Atos dos Apóstolos que a liturgia deste dia nos propõe, Pedro formula uma máxima que os discípulos de Jesus devem ter sempre presente, ao longo do seu caminho pela história: “deve obedecer-se antes a Deus do que aos homens”. Obedecer antes a Deus do que aos homens é a atitude de quem coloca Deus em primeiro lugar e decidiu construir toda a sua vida a partir de Deus. Depois dessa decisão fundamental, o crente está capacitado para enfrentar o medo, a mentira, as pressões, as intimidações, as promessas ilusórias, as tentações de todo o tipo… Sem se impressionar, mantém-se íntegro e fiel, conduzindo a sua vida à luz dos valores de Deus, mesmo que isso implique incompreensões ou perseguições. Sabe o que quer e nada o pode abalar. Já tomamos esta decisão de dar prioridade aos valores de Deus, de deixar-nos conduzir por Deus? Esforçamo-nos por discernir a voz de Deus no meio de tantas vozes que continuamente criam ruído de fundo à nossa volta e procuram seduzir-nos? Como reagimos diante de leis ou de ordens injustas ou moralmente inaceitáveis?
    • Em contexto difícil, os primeiros cristãos ousaram enfrentar todas as proibições e dar testemunho de Jesus. Consideraram que tudo o que Jesus tinha proposto era demasiado belo para cair no esquecimento. A proposta de Jesus tinha de ecoar no mundo e de chegar ao coração de todos os homens e mulheres. Nós, gente do séc. XXI, temos nas nossas mãos o mesmo tesouro que os nossos irmãos da comunidade cristã de Jerusalém entenderam partilhar com os seus concidadãos. Poderemos, por comodismo, por respeito humano, por medo, ou por outra qualquer razão, ocultá-lo dos nossos contemporâneos? Somos testemunhas de Jesus ressuscitado em todos os lugares onde a vida nos leva?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 29 (30)

    Refrão 1: Eu vos louvarei, Senhor, porque me salvastes.

    Refrão 2: Aleluia.

    Eu Vos glorifico, Senhor, porque me salvastes
    e não deixastes que de mim se regozijassem os inimigos.
    Tirastes a minha alma da mansão dos mortos,
    vivificastes-me para não descer à cova.

    Cantai salmos ao Senhor, vós os seus fiéis,
    e dai graças ao seu nome santo.
    A sua ira dura apenas um momento
    e a sua benevolência a vida inteira.
    Ao cair da noite vêm as lágrimas
    e ao amanhecer volta a alegria.

    Ouvi, Senhor, e tende compaixão de mim,
    Senhor, sede Vós o meu auxílio.
    Vós convertestes em júbilo o meu pranto:
    Senhor meu Deus, eu Vos louvarei eternamente.

     

    LEITURA II – Apocalipse 5,11-14

    Eu, João, na visão que tive,
    ouvi a voz de muitos Anjos,
    que estavam em volta do trono, dos Seres Vivos e dos Anciãos.
    Eram miríades de miríades e milhares de milhares,
    que diziam em voz alta:
    «Digno é o Cordeiro que foi imolado
    de receber o poder e a riqueza, a sabedoria e a força,
    a honra, a glória e o louvor».
    E ouvi todas as criaturas
    que há no céu, na terra, debaixo da terra e no mar,
    e o universo inteiro, exclamarem:
    «Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro
    o louvor e a honra, a glória e o poder
    pelos séculos dos séculos».
    Os quatro Seres Vivos diziam: «Ámen!»;
    e os Anciãos prostraram-se em adoração.

     

    CONTEXTO

    O livro do Apocalipse é uma reflexão de um “profeta” chamado João, exilado numa pequena ilha do mar Mediterrâneo chamada Patmos por causa da sua fé. Numa altura em que o imperador Domiciano está a levar a cabo em todo o império romano uma feroz perseguição contra os cristãos, João procura animar os seus irmãos na fé. Usando uma linguagem cifrada, carregada de símbolos (que era percetível para os cristãos, mas não para os seus perseguidores), João garante aos seus irmãos perseguidos que, depois de todos os sofrimentos que a perseguição os obriga a enfrentar, a vitória final será de Deus e de todos aqueles que se mantiverem fiéis ao projeto de Deus.

    O livro do Apocalipse divide-se em duas partes. Na primeira (cf. Ap 2,1-3,22), nas sete cartas às sete igrejas, temos uma mensagem que convida à revisão de vida e à conversão. Na segunda (cf. Ap 4-22), temos uma leitura profética da história: o autor vai apresentar a história humana numa perspetiva de esperança, demonstrando que é Deus quem conduz a história e quem terá a última palavra no destino dos homens. No final, não será Domiciano a triunfar sobre Deus; mas será Deus a triunfar sobre Domiciano e sobre todos aqueles que tentam frustrar os projetos de Deus. Sendo assim, os cristãos perseguidos podem manter a esperança.

    O texto que nos é proposto como segunda leitura neste terceiro domingo do tempo pascal, integra a segunda parte do livro. Essa segunda parte começa como uma visão onde nos são apresentadas as personagens centrais que vão intervir na história humana: Deus e “o cordeiro”. Deus, omnipotente e majestoso, está sentado no seu trono, rodeado pelo Povo de Deus e por toda a criação (cf. Ap 4,1-11). O “cordeiro” está de pé e tem os sinais de ter sido imolado; detém a totalidade do poder (“sete cornos”) e do conhecimento (“sete olhos”). Trata-se, evidentemente, de Cristo crucificado e ressuscitado, o Senhor do universo, aquele que venceu a morte e o pecado. Na mão direita de Deus está um livro, “escrito nas duas faces” (isto é, tudo nele é eloquente) e selado com sete selos” (Ap 5,1): é, simbolicamente, o “livro” onde está descrito o desígnio de Deus acerca da humanidade (cf. Ap 5,1-4). Esse livro vai ser lido e o seu conteúdo vai ser revelado; mas não é qualquer um que o pode fazer. O único que é digno de ler esse livro – ou seja, que pode revelar, proclamar, concretizar o projeto divino de salvação – é “o Leão da tribo de Judá, o rebento da dinastia de David” (Ap 5,5), o Messias de Deus, o Cristo que venceu a morte, o “Cordeiro” de Deus.

     

    MENSAGEM

    No centro da cena está o “Cordeiro”. Ele recebeu o livro da mão daquele que estava sentado no trono (Deus) e vai abri-lo para proclamar o projeto de Deus para o mundo e para os homens (cf. Ap 5,7).

    Detenhamo-nos um pouco neste símbolo, o “Cordeiro”. A figura do “Cordeiro” é, na catequese tradicional de Israel, um símbolo com uma grande densidade teológica. Concentra e evoca três figuras: a do “servo de Javé” que, como manso cordeiro é levado ao matadouro (Is 53,6-7; cf. Jr 11,19; At 8,26-38); a do “cordeiro pascal”, cujo sangue foi, quando Deus decidiu tirar o seu povo do Egito, sinal eficaz de vitória sobre a escravidão (Ex 12,12-13.27;24,8; cf. Jo 1,29; 1 Cor 5,7; 1 Pe 1,18-19); e a do “cordeiro apocalíptico”, vencedor da morte, guia do rebanho, dotado de poder e de autoridade real (cf. 1Henoc, 89,41-46; 90,6-10.37; Testamento de José, 19,8; Testamento de Benjamim, 3,8; Targum de Jerusalém sobre Ex 1,5). O autor do Apocalipse recupera esta figura para, de uma maneira original e sintética, nos descrever o mistério de Cristo morto (imolado em favor de “muitos”, na linha do “servo de Javé”), ressuscitado (que nos libertou da escravidão da morte, na linha do “Cordeiro” pascal do Êxodo) e glorificado (colocado por Deus à sua direita e constituído Rei do mundo e da história, na linha do “Cordeiro” régio da literatura apocalítica).

    Esse “Cordeiro” – imolado, libertador, rei – recebe, portanto, o “livro” das mãos de Deus. Nesse instante, inicia-se uma solene liturgia de entronização do “Cordeiro”. Todos os presentes participam nessa liturgia. Ouvem-se, em primeiro lugar, as vozes dos “quatro viventes” (que representam toda a criação) e dos vinte e quatro anciãos (que representam a totalidade do Povo de Deus): cantam a glória do “Cordeiro” que foi imolado, aquele que resgatou para Deus homens de toda a terra e que fez de toda essa gente resgatada um reino de sacerdotes (cf. Ap 5,8-10); logo se juntam ao coro os anjos que exaltam o “Cordeiro” e proclamam que Ele é “digno de receber o poder e a riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória e o louvor” (Ap 5,11-12); e, ainda, se juntam ao coro “todas as criaturas que há no céu, na terra, debaixo da terra e no mar”, que proclamam que o “Cordeiro” é digno de receber “o louvor e a honra, a glória e o poder pelos séculos dos séculos”. É uma imensa liturgia cósmica, na qual a criação inteira celebra o Cristo imolado, ressuscitado, vencedor, e faz dele o centro do “cosmos”.

    Terminado o cântico, o povo de Deus (“os anciãos”) prostra-se em adoração diante do “Cordeiro”. Ele é, para todos, o Rei do universo. Nós também somos convidados – especialmente neste tempo pascal – a participar nesta liturgia jubilosa e a prostrarmo-nos em adoração diante do “Cordeiro” que nos libertou do pecado e da morte.

     

    INTERPELAÇÕES

    • João, o profeta de Patmos, põe no centro desta “liturgia cósmica” que se celebra junto do trono de Deus, o “Cordeiro”, Cristo ressuscitado. Ele é o único que é capaz de tomar na sua mão o “livro” que contém o plano de Deus para o mundo e para os homens e de o revelar; Ele é o único que é capaz de dar resposta às nossas dúvidas, às nossas incertezas, às nossas inquietações, aos pequenos e grandes dramas que preenchem a nossa existência; Ele é o único que pode apontar-nos o caminho que conduz à vida definitiva; Ele é aquele que ilumina a história dos homens com a luz de Deus. O “Cordeiro” está no centro de tudo e é para Ele que se voltam os olhos e os corações de todos os seres criados. Que lugar é que esse “Cordeiro” tem nas nossas vidas? Vivemos e caminhamos de olhos fixos n’Ele? O “Cordeiro” é, de facto, a referência fundamental à volta da qual toda a nossa vida se constrói? Escutamos e acolhemos no coração as palavras que Ele diz e deixamo-nos conduzir por elas? Os gestos que Ele fazia quando andava connosco pelos caminhos do mundo dizem-nos o que devemos fazer? Amamos Deus e os nossos irmãos como Ele amava? Lutamos, como Ele lutou, para fazer nascer um mundo mais justo, mais humano, mais fraterno?
    • João põe os anjos, o povo de Deus, todos os seres criados, a cantar o seu júbilo pela libertação que o “Cordeiro” – pela sua imolação, pela sua ressurreição, pela sua glorificação – lhes trouxe. O “Cordeiro” derrotou tudo aquilo que escraviza os seres criados, incluindo o pecado, a injustiça, a violência e a morte. No entanto, a natureza e a criação continuam a sofrer a opressão que resulta do egoísmo e da ambição dos homens; os países e os povos continuam a conhecer a escravidão que resulta da violência, da guerra, da fome, da corrupção; os mais pequenos e frágeis continuam a ser magoados pela injustiça, pela violência, pela maldade dos poderosos… O que precisamos de fazer, o que temos de transformar para que a libertação que o “Cordeiro” nos trouxe se torne efetiva, aqui e agora, e nos abra perspetivas de uma vida mais livre e mais feliz? Estamos disponíveis para seguir Jesus, o “Cordeiro”, no caminho que conduz à liberdade e à vida nova?
    • É muito bela a imagem da criação inteira a entoar um cântico de júbilo e de ação de graças pela ação salvadora e libertadora de Deus, concretizada através do “Cordeiro”. Esse cântico é a resposta de quem constata tudo o que Deus faz e se sente profundamente agradecido. Nós que beneficiamos da ação libertadora e salvadora de Deus, lembramo-nos de lhe mostrar o nosso agradecimento? Procuramos, por exemplo, no “Dia do Senhor”, juntarmo-nos com a nossa comunidade cristã para participar na liturgia eucarística, para proclamar o nosso cântico de ação de graças pelas maravilhas de Deus?

     

    ALELUIA

    Aleluia. Aleluia.

    Ressuscitou Jesus Cristo, que criou o universo
    e Se compadeceu do género humano.

     

    EVANGELHO – João 21,1-19

    Naquele tempo,
    Jesus manifestou-Se outra vez aos seus discípulos,
    junto do mar de Tiberíades.
    Manifestou-Se deste modo:
    Estavam juntos Simão Pedro e Tomé, chamado Dídimo,
    Natanael, que era de Caná da Galileia,
    os filhos de Zebedeu e mais dois discípulos de Jesus.
    Disse-lhes Simão Pedro: «Vou pescar».
    Eles responderam-lhe: «Nós vamos contigo».
    Saíram de casa e subiram para o barco,
    mas naquela noite não apanharam nada.
    Ao romper da manhã, Jesus apresentou-Se na margem,
    mas os discípulos não sabiam que era Ele.
    Disse-lhes Jesus:
    «Rapazes, tendes alguma coisa de comer?»
    Eles responderam: «Não».
    Disse-lhes Jesus:
    «Lançai a rede para a direita do barco e encontrareis».
    Eles lançaram a rede
    e já mal a podiam arrastar por causa da abundância de peixes.
    O discípulo predileto de Jesus disse a Pedro:
    «É o Senhor».
    Simão Pedro, quando ouviu dizer que era o Senhor,
    vestiu a túnica que tinha tirado e lançou-se ao mar.
    Os outros discípulos,
    que estavam apenas a uns duzentos côvados da margem,
    vieram no barco, puxando a rede com os peixes.
    Quando saltaram em terra,
    viram brasas acesas com peixe em cima, e pão.
    Disse-lhes Jesus:
    «Trazei alguns dos peixes que apanhastes agora».
    Simão Pedro subiu ao barco
    e puxou a rede para terra,
    cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes;
    e, apesar de serem tantos, não se rompeu a rede.
    Disse-lhes Jesus: «Vinde comer».
    Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-Lhe:
    «Quem és Tu?»,
    porque bem sabiam que era o Senhor.
    Jesus aproximou-Se, tomou o pão e deu-lho,
    fazendo o mesmo com os peixes.
    Esta foi a terceira vez
    que Jesus Se manifestou aos seus discípulos,
    depois de ter ressuscitado dos mortos.
    Depois de comerem,
    Jesus perguntou a Simão Pedro:
    «Simão, filho de João, tu amas-Me mais do que estes?»
    Ele respondeu-Lhe:
    «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo».
    Disse-lhe Jesus: «Apascenta os meus cordeiros».
    Voltou a perguntar-lhe segunda vez:
    «Simão, filho de João, tu amas-Me?»
    Ele respondeu-Lhe:
    «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo».
    Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas».
    Perguntou-lhe pela terceira vez:
    «Simão, filho de João, tu amas-Me?»
    Pedro entristeceu-se
    por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez se O amava
    e respondeu-Lhe:
    «Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo».
    Disse-lhe Jesus:
    «Apascenta as minhas ovelhas.
    Em verdade, em verdade te digo:
    Quando eras mais novo,
    tu mesmo te cingias e andavas por onde querias;
    mas quando fores mais velho,
    estenderás a mão e outro te cingirá
    e te levará para onde não queres».
    Jesus disse isto para indicar o género de morte
    com que Pedro havia de dar glória a Deus.
    Dito isto, acrescentou: «Segue-Me».

     

    CONTEXTO

    O capítulo 21 do Evangelho segundo João (de onde foi extraído o episódio que a liturgia deste terceiro domingo do tempo pascal nos propõe), apresenta significativas diferenças de linguagem, de estilo e até mesmo de teologia em relação aos vinte capítulos precedentes. Considera-se em geral que se trata de um apêndice acrescentado posteriormente, embora bastante cedo, pois aparece em todos os manuscritos mais antigos. A sua origem não é clara; no entanto, a existência de alguns traços tipicamente joânicos faz-nos pensar num complemento redigido por um membro da chamada “escola joânica”, criada em Éfeso à volta da figura do apóstolo João. O texto primitivo do Quarto Evangelho terminaria, provavelmente, com a conclusão de Jo 20,30-31.

    A cena descrita é situada “junto do lago de Tiberíades”, também conhecido como Mar da Galileia. Não se explica como é que os discípulos de Jesus (que no final do capítulo 20 estavam em Jerusalém – cf. Jo 20,19-29) aparecem repentinamente na Galileia. A esta descontinuidade geográfica corresponde, no entanto, uma continuidade teológica: em Jo 20,19-29 Jesus ressuscitado tinha confiado aos discípulos uma missão (“assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós”); em Jo 21,1-14 os discípulos apresentam-se como comunidade em missão, atuando no cenário da vida quotidiana. Há indícios claros de que o episódio está carregado de simbolismo. Não se trata, com toda a certeza, de uma crónica factual de acontecimentos concretos, mas sim de uma catequese sobre a missão que a Igreja, após a partida de Jesus ao encontro do Pai, é chamada a concretizar no mundo. Reflete-se sobre a relação que essa “comunidade em missão” tem com Jesus, sobre o lugar de Jesus na atividade missionária da sua Igreja e também sobre as condições que é preciso assegurar para que a missão confiada aos discípulos dê frutos.

     

    MENSAGEM

    A primeira parte (vers. 1-14) é uma parábola sobre a missão da comunidade. Utiliza a linguagem simbólica e tem carácter de “sinal”, pois aponta para uma realidade que vai muito além da simples literalidade.

    Começa por apresentar os discípulos: Simão Pedro, Tomé, Natanael, Tiago, João e mais dois não identificados (vers. 2). São sete; e o número sete é, na cultura hebraica, símbolo de totalidade, de plenitude. Eles representam a totalidade (“sete”) da comunidade de Jesus, empenhada na missão e disponível para ir ao encontro de todos os povos e nações.

    Esta comunidade é apresentada a pescar. Ora, sob a imagem da pesca, os evangelhos sinópticos representam a missão que Jesus confia aos discípulos (“vinde comigo e farei de vós pescadores de homens” Mc 1,17). O “mar” era, na cultura judaica, o lugar onde estavam as forças maléficas que escravizam o homem e o impedem de ter vida em abundância. A missão dos discípulos de Jesus é, portanto, libertar os homens que vivem mergulhados no mar do sofrimento, da escravidão e da morte. Pedro toma a iniciativa de ir pescar, pois é ele que preside à missão. Os outros seguem-no incondicionalmente (vers. 3a). Aqui faz-se referência ao lugar proeminente que Pedro ocupava na animação da Igreja primitiva.

    A pesca é feita durante a noite (vers. 3b). A noite é o tempo das trevas, da escuridão: significa a ausência de Jesus (“enquanto é de dia, temos de trabalhar, realizando as obras daquele que Me enviou: aproxima-se a noite, quando ninguém pode trabalhar; enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo” – Jo 9,4-5). Trabalhando “de noite”, com Jesus ausente, o trabalho desenvolvido pelos discípulos salda-se num rotundo fracasso (“sem Mim, nada podeis fazer” – Jo 15,5).

    Umas horas depois chega a manhã e chega Jesus (vers. 4). Agora há luz, porque Jesus é a luz do mundo (“Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” – Jo 8,12). A presença de Jesus abre perspetivas novas ao trabalho que os discípulos levam a cabo. Jesus não está com eles no barco, mas sim em terra: não é Ele que lança as redes para a pesca; no “tempo da Igreja”, a ação de Jesus no mundo exerce-se por meio dos discípulos.

    Concentrados no seu esforço inútil, os discípulos nem reconhecem Jesus quando Ele Se apresenta. O grupo está desorientado e dececionado pelo fracasso, posto em evidência pela pergunta de Jesus (“tendes alguma coisa de comer?” – vers. 5). Mas Jesus dá-lhes indicações e as redes enchem-se de peixes (vers. 6): o fruto deve-se à docilidade com que os discípulos seguem as indicações de Jesus. Sugere-se que o êxito da missão não se deve ao esforço humano, mas sim à presença viva e à Palavra do Senhor ressuscitado.

    O surpreendente resultado da pesca faz com que um discípulo o reconheça (vers. 7a). Este discípulo – o discípulo amado – é aquele que está sempre próximo de Jesus, em sintonia com Jesus e que faz, de forma intensa, a experiência do amor de Jesus: só quem faz essa experiência é capaz de ler os sinais que identificam Jesus e perceber a sua presença por detrás da vida que brota da ação da comunidade em missão.

    A refeição (pão e peixes assados nas brasas) com que Jesus acolhe os discípulos em terra (vers. 9) é um sinal do amor, do serviço, da solicitude de Jesus pela sua comunidade em missão no mundo: deve haver aqui uma alusão à Eucaristia, ao pão que Jesus oferece, à vida com que Ele todos os dias continua a alimentar a comunidade em missão.

    O número dos peixes apanhados na rede (153) é de difícil explicação. É um número triangular, que resulta da soma dos números um a dezassete. O número dezassete não é um número bíblico; mas o dez e o sete são: ambos simbolizam a plenitude e a universalidade. Outra explicação é dada por São Jerónimo… Segundo ele, os naturalistas antigos distinguiam 153 espécies de peixes: assim, o número faria alusão à totalidade da humanidade (“peixes”), reunida na mesma Igreja. Em qualquer caso, significa totalidade e universalidade.

    A história da pesca milagrosa no mar de Tiberíades, após a ressurreição de Jesus, é uma maravilhosa parábola sobre a missão da Igreja nascida de Jesus. Ao longo do caminho que a Igreja percorre pela história, Jesus tem de continuar a ser, a cada passo, o centro, a referência, o princípio e o fim. O projeto é d’Ele, a missão é d’Ele, as orientações veem d’Ele, os resultados dependem d’Ele. A comunidade de Jesus em missão tem de estar constantemente sintonizada com Jesus, tem de estar à escuta da Palavra e das orientações de Jesus; tem de fazer o que Jesus disser, de lançar as redes para onde Jesus mandar, de viver de acordo com o estilo e os valores que Jesus definiu. Uma Igreja que, algures no caminho, perdeu Jesus de vista, é uma Igreja que, independentemente do que fizer, nunca será sinal e testemunha da salvação de Deus juntos dos homens e mulheres que vivem mergulhados no mar do sofrimento e da morte.

    A segunda parte do Evangelho deste domingo (vers. 15-19) traz-nos um diálogo entre Pedro e Jesus. Esse diálogo gira à volta de uma pergunta de Jesus, três vezes repetida: “Simão, filho de João, tu amas-Me?” (vers. 15.16.17). Aparentemente a pergunta de Jesus está relacionada com a missão que pretende atribuir a Pedro.

    Durante a Paixão, em casa do sumo sacerdote, Pedro por três vezes negara conhecer Jesus (cf. Jo 18,15-18.25-27). Nessa altura, Pedro ainda não tinha aceitado ir com Jesus, de forma incondicional, no caminho do amor e da entrega. E agora? Agora, à tríplice pergunta de Jesus, Pedro responde com uma tríplice afirmação do seu amor. Ora, à medida que Pedro vai tomando consciência da importância do amor, Jesus vai-lhe confiando o seu rebanho: “apascenta as minhas ovelhas”. Quem está capacitado para presidir à comunidade cristã não é aquele que tem capacidade de liderança, ou aquele que tem uma boa preparação teológica; mas é aquele que ama muito a Jesus. Amando Jesus, estará pronto para cuidar, servir, alimentar, comunicar vida, talvez até dar a vida pelos seus irmãos. Quem ama Jesus, quem faz de Jesus o centro da sua vida, tratará com amor os seus irmãos. Na última ceia, Pedro tinha recusado que Jesus lhe lavasse os pés, pois não queria aceitar que o mais importante tivesse de servir humildemente (cf. Jo 13,8-9); mas agora Pedro ama verdadeiramente Jesus e não terá problema em servir e amar os seus irmãos, até às últimas consequências.

    Pedro está, agora, preparado para seguir Jesus no caminho da entrega e do dom da vida por amor. Jesus refere-se a isso quando lhe diz: “em verdade, em verdade te digo: quando eras mais novo, tu mesmo te cingias e andavas por onde querias; mas quando fores mais velho, estenderás a mão e outro te cingirá e te levará para onde não queres”. Pedro morrerá na cruz, como Jesus e por amor a Jesus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Esta “parábola” sobre um grupo de discípulos que se fartam de trabalhar sem conseguirem frutos que se vejam, faz-nos pensar naquilo que vemos todos os dias nessa Igreja que viaja pela história na barca de Pedro… Desenhamos organogramas complexos para dar conta da nossa “organização”, trabalhamos na preparação de elaborados planos pastorais, recorremos às tecnologias mais sofisticadas para apresentar a mensagem, lançamos mão de “truques” originais e sofisticados para captar a atenção das gentes, multiplicamos as nossas reuniões de programação, fazemos todo o tipo de cursos para adquirir as “ferramentas” que tornem mais eficaz a nossa intervenção no mundo, desenvolvemos um trabalho extenuante e nunca terminado… E, depois de todo esse esforço, os resultados ficam longe de todo o investimento feito: somos cada vez menos, as forças vão diminuindo, são sempre os mesmos a fazer as mesmíssimas coisas, cada dia há mais lugares vazios nas nossas celebrações, sentimo-nos confinados a um “nicho” que parece suscitar cada vez menos interesse nos nossos contemporâneos. Porquê? O que está a falhar? A mensagem de Jesus deixou de ter capacidade para interpelar os homens do séc. XXI?
    • O autor do Quarto Evangelho diz-nos claramente que o nosso ativismo e todos os nossos esforços serão inúteis se Jesus não estiver presente. Se Jesus não for a luz que nos ilumina e nos conduz, cansar-nos-emos para nada e navegaremos na escuridão, sem conseguir discernir o caminho; se não escutarmos as indicações de Jesus, seguiremos as nossas visões pessoais, tantas vezes limitadas e rasteiras, que não nos levam a lado nenhum; se não dialogamos com Jesus para conhecer o projeto que Ele tem para nós e para o mundo, estaremos apenas a tentar passar a nossa mensagem, a nossa própria visão do mundo, a nossa leitura sempre falível da vida, da história, e até mesmo do próprio Deus; se não tivermos sempre diante dos olhos o Evangelho de Jesus, cairemos facilmente na armadilha das ideologias, dos interesses egoístas, dos preconceitos, dos programas “modernos” mas vazios de sentido… Ao longo da viagem que estamos a fazer na barca de Pedro, onde anda Jesus? Distraímo-nos e esquecemo-lo, ou mantemos constantemente o contacto com Ele? Escutamos as indicações que Ele nos dá, ou fazemos questão de ser nós a determinar a direção em que vamos?
    • A missão é exigente e desgastante, o esforço enfraquece-nos. Os discípulos necessitam de se alimentar, de retemperar as forças. Jesus espera-os sempre na margem, prepara-lhes a mesa, convida-os a sentarem-se com Ele, mostra-lhes a sua solicitude, serve-lhes o pão eucarístico, o pão que alimenta para a vida eterna. O encontro com Jesus e com os irmãos à mesa da eucaristia é um acontecimento fundamental na vida e no caminho dos discípulos. O alimento que Jesus ressuscitado oferece aos seus sempre que eles se reúnem à volta da mesa da eucaristia, renova-lhes as forças. Alimentados pelo pão de Jesus, os discípulos podem voltar à faina e serem testemunhas, no meio dos homens, da salvação de Deus. Que lugar ocupa nas nossas vidas a eucaristia?
    • Entre os discípulos há um – o “discípulo predileto” de Jesus – que é o primeiro a reconhecer a presença do Senhor. Só ele consegue ver, nos sinais de vitalidade que brotam da missão comunitária, a indicação de que Jesus está por ali, a tornar fecundo o trabalho de todos. Este discípulo convida-nos a ver, nos sinais de esperança e de vida nova que acontecem à nossa volta, a presença salvadora e vivificadora do Ressuscitado; ensina-nos a olhar para os gestos de amor, de partilha, de doação, de serviço como manifestações desse dinamismo de amor que derrotou a morte e que é fonte de vida e de esperança para o mundo e para os homens. Somos capazes de reconhecer em todos os gestos de amor e bondade que testemunhamos os sinais de que Jesus ressuscitado continua a renovar o mundo e as nossas vidas? Somos, também nós, testemunhas de Jesus ressuscitado, com os nossos gestos?
    • Naquela maravilhosa conversa final entre Jesus e Pedro, fica bem clara uma ideia essencial: a vitalidade da fé não é um assunto de conhecimento de doutrina, de aceitação de dogmas, de rituais litúrgicos, de cumprimento das leis canónicas, mas sim de amor a Jesus. A pergunta que Jesus faz a Pedro (“tu amas-Me?”) é a questão mais decisiva a que um discípulo tem de responder. A fé cristã é, fundamentalmente, uma experiência de amor. Cremos realmente quando amamos Jesus, isto é, quando Jesus se vai convertendo no centro da nossa vida; e então passamos a escutá-lo, a viver ao seu estilo, a interessar-nos por aquilo que Ele quer, a construir toda a nossa existência à volta d’Ele. É então que a nossa vida se torna radicalmente outra. Confrontemo-nos, agora mesmo, com esta pergunta decisiva que Jesus nos dirige: “Tu amas-me?”

     

    • É porque Pedro ama Jesus que está pronto para animar e presidir à comunidade. Quem ama Jesus, procede como Ele e põe-se ao serviço dos seus irmãos. Na comunidade cristã, o essencial não é a exibição da autoridade, mas o amor que se faz serviço humilde, ao estilo de Jesus. Durante muito tempo, na comunidade de Jesus, interessamo-nos mais por tronos, privilégios, dignidades, vestes sumptuosas, poder hierárquico, do que pelo amor, pelo serviço, pela misericórdia, pelo acolhimento dos mais pobres e dos mais débeis. Isso faz algum sentido? Uma Igreja que copia e reproduz o estilo dos grandes do mundo será uma Igreja que caminha fielmente atrás de Jesus?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3º DOMINGO DO TEMPO PASCAL

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 3.º Domingo do Tempo Pascal, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. O RITO DE ASPERSÃO E A LEITURA DO EVANGELHO.

    - Privilegiar o rito de aspersão… Durante todo o tempo pascal, que é um tempo batismal, procurar privilegiar o rito da aspersão: bênção da água, aspersão para lembrar o nosso Batismo, pedindo a Deus que nos mantenha fiéis ao Espírito que recebemos…

    - O Evangelho dialogado… A cena descrita no Evangelho de hoje presta-se a uma leitura dialogada: narrador, Jesus, Pedro, os discípulos, o discípulo que Jesus amava.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus de nossos Pais, Tu que ressuscitaste o teu Filho Jesus, nós Te damos graças pelo testemunho do teu Espírito Santo e dos Apóstolos, que são os fundamentos da nossa fé em Jesus, nosso Salvador.

    Nós Te pedimos: pelo teu Espírito, fortalece a nossa consciência para que tenhamos sempre a coragem de Te obedecer mais a Ti do que aos homens.

     

    No final da segunda leitura:
    Pai, nós Te damos graças com as multidões que estão junto de Ti: àquele que está sentado no Trono e ao Cordeiro, poder, sabedoria e força, bênção, honra, glória e louvor para sempre.

    Nós Te pedimos pelos nossos irmãos e irmãs que sofrem e perdem a coragem, nas provações e nas perseguições. Que a visão do Cordeiro vencedor lhes permita erguer a cabeça.

     

    No final do Evangelho:
    Jesus ressuscitado, nós Te damos graças pelo perdão concedido a Pedro, pela continuação da pesca que confias à tua Igreja e pela refeição que nos preparas na outra margem, junto de Ti.

    Quando Te declaramos «vamos contigo», mantém-nos firmes na nossa fé e fiéis a seguir-Te, nos caminhos onde Tu nos precedeste.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    A vida retomou o seu ritmo para os apóstolos: reencontram a sua profissão, o seu barco e as redes, mesmo se a vida já não é como antes. Viram o Ressuscitado, Ele apareceu-lhes, reconheceram-n’O, o Espírito foi derramado sobre eles, mas a passagem do ver ao reconhecer não é evidente. João, já diante do túmulo vazio, viu e acreditou. É necessário o seu ato de fé proclamado – “É o Senhor!” – para que Pedro se lance à água para a pesca. Encontramos a espontaneidade tão humana de Pedro e, ao mesmo tempo, a sua espontaneidade de crente. Os discípulos fazem, nesse dia, a experiência da prodigalidade do amor de Deus: não conseguem arrastar as redes, dada a quantidade de peixe. Fazem também a experiência da universalidade da salvação: havia 153 grandes peixes, número que evoca, segundo S. Jerónimo, todas as espécies de peixes enumerados na época. É, então, graças a um sinal de que os discípulos reconhecem o Ressuscitado. Jesus Cristo não tem mais necessidade de dizer quem Ele é… Eles sabem que Ele é o Senhor.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Este relato da última manifestação de Jesus ressuscitado aos seus apóstolos une três elementos: uma pesca milagrosa, uma refeição, a “investidura” de Pedro como pastor das ovelhas de Cristo. Este último capítulo do Evangelho de João é importante, porque nos faz voltar para o tempo da Igreja. Este relato da pesca milagrosa está mesmo no final do Evangelho, como que a dizer que as palavras de Jesus a Pedro, no texto de Lc 5,10, vão realizar-se agora: sem medo, doravante será pescador de homens. E no final do Evangelho de Mateus, Jesus diz para irem a todas as nações e fazer discípulos. No simbolismo dos 153 peixes, João quer dizer que é à totalidade das nações que os apóstolos são enviados. O tempo da missão apostólica começa. A refeição reenvia à refeição eucarística, mesmo se não há vinho. Mas não se faz sempre menção do vinho. Os discípulos de Emaús reconhecem Jesus apenas na fração do pão. Os primeiros cristãos chamavam à Eucaristia a “fração do pão”. Mas Jesus oferece peixe. Sabemos que este se tornou bem cedo o símbolo de Cristo. Em grego, as primeiras letras da expressão “Jesus, Filho de Deus, Salvador” formam a palavra “peixe” (“ichtus”). Desde então, oferecendo-lhes peixe, Jesus ressuscitado diz aos discípulos que é verdadeiramente com Ele, o Filho de Deus, o único Salvador de todos os homens, que estarão doravante em comunhão, cada vez que partirem o pão eucarístico. Enfim, Jesus sabia bem que a comunidade dos discípulos reunidos à sua volta deveria ter, depois da sua partida, um ponto visível de ligação, de autentificação. É a missão que Jesus confia a Pedro de ser o servidor e o garante da unidade da sua Igreja, de ser o pastor das suas ovelhas, a Ele, o Cristo. E este serviço só pode ser vivido no máximo amor. Pedro é escolhido, ele que negou três vezes o seu Mestre, para mostrar que, através de todas as fraquezas humanas dos pastores que se sucederão ao longo da história da Igreja, é Jesus que os guiará, o garante na fidelidade no nome do Pai.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística I, onde se alude à admissão na comunidade dos bem-aventurados Apóstolos e Mártires, de Pedro e de João, de João Baptista…

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    Manifestar a minha fé de batizado… Crer em Jesus ressuscitado implica testemunhá-l’O. Isso era verdade há 2000 anos. Ainda hoje continua a ser verdade… No concreto da minha vida quotidiana: família, trabalho, escola, escritório, fábrica, bairro… o que ouso arriscar em nome da minha fé em Cristo? Esta semana, se a ocasião se apresentar, com que palavra e com que ação vou manifestar o meu compromisso de batizado? «Pedro, tu amas-Me verdadeiramente?» Crer é verdadeiramente uma história de amor no quotidiano!

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 3ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    3ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    5 de Maio, 2025

    3ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 6, 8-15

    Naqueles dias, Estêvão, cheio de graça e força, fazia extraordinários milagres e prodígios entre o povo. 9Ora, alguns membros da sinagoga, chamada dos libertos, dos cireneus, dos alexandrinos e dos da Cilícia e da Ásia, vieram para discutir com Estêvão; 10mas era-lhes impossível resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava. 11Subornaram, então, uns homens para dizerem: «Ouvimo-lo proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus.» 12Provocaram, assim, a ira do povo, dos anciãos e dos escribas; depois, surgindo-lhe na frente, arrebataram-no e levaram-no ao Sinédrio. 13Aí, apresentaram falsas testemunhas que declararam:
    «Este homem não cessa de falar contra este Lugar Santo e contra a Lei, 14pois ouvimo-lo afirmar que Jesus, o Nazareno, destruiria este lugar e mudaria as regras que Moisés nos legou.» 15Todos os membros do Sinédrio tinham os olhos fixos nele e viram que o seu rosto era como o rosto de um Anjo.

    Lucas, até este momento, centrou a sua atenção no grupo dos Apóstolos. Agora centra-a no grupo dos diáconos e particularmente em Estêvão. Este diácono apresenta as mesmas características do Apóstolos: prega, faz milagres, está cheio de graça e de poder, ou seja, é particularmente favorecido pela assistência divina, o que lhe permite pregar o Evangelho e realizar os prodígios que acompanham essa pregação.
    A acção de Estêvão provoca um conflito idêntico ao que tinha provocado a
    acção dos Apóstolos. Mas há uma diferença: o conflito surge entre o diácono e o grupo dos judeus mais abertos, procedentes da Diáspora. Estêvão mostra-se excessivamente aberto e radical, mesmo para os «progressistas». A sinagoga dos libertos era constituída por descendentes dos judeus que foram levados escravos para Roma por Pompeu (63 a.C.) e que, tendo sido libertos, se tinham inserido num bairro da cidade. Também para eles a pregação de Estêvão era radical, porque atacava o Templo e as tradições mosaicas. As acusações contra ele tinham algum fundamento.
    Mas os olhares que se fixam nele acabam por descobrir um particular resplendor, semelhante ao do anjo que indica a presença de Deus, semelhante ao rosto de Moisés, quando desce do Sinai, depois de se encontrar com Deus. Para Lucas, Estêvão é uma testemunha escolhida por Deus para dar a conhecer a sua vontade.

    Evangelho: João 6, 22-29

    Depois de Jesus ter saciado cinco mil homens, os seus discípulos viram-n'O a caminhar sobre as águas. No dia seguinte, a multidão que ficara do outro lado do lago reparou que ali não estivera mais do que um barco, e que Jesus não tinha entrado no barco com os seus discípulos, mas que estes tinham partido sozinhos.
    23Entretanto, chegaram outros barcos de Tiberíades até ao lugar onde tinham comido o pão, depois de o Senhor ter dado graças. 24Quando viu que nem Jesus nem os seus discípulos estavam ali, a multidão subiu para os barcos e foi para Cafarnaúm à procura de Jesus. 25Ao encontrá-lo no outro lado do lago, perguntaram-lhe: «Rabi,

    quando chegaste cá?» 26Jesus respondeu-lhes:«Em verdade, em verdade vos digo: vós procurais-me, não por terdes visto sinais miraculosos, mas porque comestes dos pães e vos saciastes. 27Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará; pois a este é que Deus, o Pai, confirma com o seu selo.» 28Disseram-lhe, então: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» 29Jesus respondeu-lhes: «A obra de Deus é esta: crer naquele que Ele enviou.»

    Temos impressão de que os acontecimentos narrados por João apenas servem para dar realce aos ensinamentos de Jesus. Isso é, em parte, verdade. De facto, João introduz, aqui e ali, notas e glosas cuja única finalidade é levar o leitor a tomar a sério a narrativa, que não é inventada, mas que corresponde à realidade. No nosso texto encontramos uma dessas notas. A multidão está em Cafarnaúm e dirige ao Mestre uma pergunta cujo objectivo é apenas satisfazer a curiosidade: «Rabi, quando chegaste cá?» (v. 25). Jesus não responde, mas revela à multidão as verdadeiras intenções que a levaram a procurá-l´O. Afinal, seguem a Jesus por causa do pão material que lhes deu, sem se preocuparem em compreender o sinal dado pelo Profeta.
    Diante da cegueira espiritual daquela gente, Jesus proclama a diferença entre o pão material e corruptível, e o pão que «perdura e dá a vida eterna» (v. 27). Há que passar das preocupações meramente materiais aos horizontes da fé e do Espírito, a que apenas a sua pessoa dá acesso. Jesus possui o selo do Espírito e o dinamismo divino do amor. Os seus interlocutores perguntam: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» (v. 28). Esta pergunta revela mais um equívoco: não se trata de cumprir novas observâncias ou realizar novas obras. A única coisa necessária é aderir ao plano de Deus, isto é, «crer naquele que Ele enviou» (v. 29).

    Meditatio

    O livro dos Actos diz-nos que Estêvão, «cheio de graça e força, fazia extraordinários milagres e prodígios entre o povo» (Act 6, 8). O seu entusiasmo leva- o a fazer uma primeira tentativa de inculturação do cristianismo entre os judeus provenientes da Diáspora, de língua e cultura grega. Mas também entre eles, em princípio mais abertos, havia conservadores que procuravam defender-se de influências estranhas ao judaísmo. Por isso, Estêvão tem o mesmo destino de Jesus: é recusado. O seu martírio produz importantes frutos, não só entre os judeus de língua grega, mas também entre os próprios gregos.
    Estêvão é um provocador. Mas a sua provocação vem de uma sabedoria superior, é fruto de uma particular compreensão do plano de Deus, que previa o anúncio do Evangelho, não só em Jerusalém, mas «até aos confins da terra». O Espírito serve-se do seu carácter entusiasta e aguerrido. Perde porque actua numa sociedade intolerante. Mas o Evangelho acaba por ganhar e percorrer o mundo.
    João, ao recordar a multiplicação dos pães, refere um pormenor significativo:
    o facto do Senhor ter dado graças (v. 23). O sinal da multiplicação dos pães está ligado à oração de bênção e de acção de graças feita por Jesus. Na última ceia, terá a mesma atitude.
    Havemos de aprender com o Senh
    or a dar graças pelo que já temos, quando nos esforçamos por multiplicar o pão. Um modo muito concreto é partilhar, em nome de Deus, o que temos com os mais carenciados. Quando fazemos isso, é como se multiplicássemos o que damos, porque o nosso não é um dom simplesmente humano, mas um dom da generosidade de Deus.
    Também não podemos deixar de dar atenção ao equívoco dos seus interlocutores, que Jesus acaba por desfazer: «Que havemos nós de fazer para

    realizar as obras de Deus?» (v. 28). Os judeus pensavam que, para alcançarem a salvação, tinham de cumprir novas observâncias ou realizar novas obras. Mas Jesus afirma claramente que a única coisa necessária é aderir ao plano de Deus, isto é,
    «crer naquele que Ele enviou» (v. 29).
    Como nos tempos de Estêvão, também hoje, o nosso esforço evangelizador há- de ter em conta a inculturação, isto é, a compreensão do pensamento, da linguagem, do sentir, das atitudes que assumem, dos juízos de valor que fazem os homens, as mulheres, os jovens de hoje acerca dos grandes problemas da vida e da morte. Isso poderá não ser suficiente para que a Palavra de Deus seja aceite. Mas, sem esse esforço, ela não será acolhida nem cumprida. É por essa razão que as Constituições nos lembram que a nossa vida religiosa é continuamente interpelada pelas provações e procuras da Igreja e do mundo (cf. n. 144).
    Finalmente, o cristão, e com maior razão o Sacerdote do Coração de Jesus, dão glória a Deus por meio da oração de louvor e de acção de graças, muitas vezes esquecida. Mas é, sobretudo, por meio da vida, particularmente pela prática da caridade, que devemos ser uma oração de louvor e de acção de graças para Deus.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pelas testemunhas corajosas e «imprudentes» que continuas a enviar à tua Igreja. Obrigado pelos profetas incómodos. Uns e outros sacodem adversários e amigos, dentro e fora dos nossos ambientes, provocam a difusão do evangelho em meios onde não pareceria possível penetrar.
    Dá-nos coragem para enfrentarmos decididamente incompreensões e mal- entendidos, por causa do teu nome. Dá-nos força para nos lançarmos a caminhos não andados, porque o teu evangelho há-de chegar «aos confins da terra». Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor começa por uma censura paternal; quer elevar a alma dos seus discípulos para horizontes superiores: «Vós procurais-me e seguis-me, diz-lhes, porque comestes dos pães e fostes saciados... Trabalhai, não pelo alimento que perece, mas por aquele que permanece até à vida eterna. Aquele, o Filho do homem vo-lo dará, porque foi ele quem o Pai marcou com o seu selo».
    – «Que trabalho é preciso fazer?», perguntam. - Jesus explica-lhes que deverão fortificar-se na fé na sua missão, para se tornarem aptos a compreenderem o mistério dos seus dons. - «Mas, replicam, que prodígios fazeis para nos determinarmos a acreditar na vossa missão? É verdade que multiplicastes os pães, mas os nossos pais viram coisas bem mais maravilhosas, receberam o maná do céu durante quarenta anos». - «Na verdade, retoma Jesus, Moisés não vos deu o verdadeiro pão do céu. É o meu Pai quem vo-lo apresenta, porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e que dá a vida ao mundo». - Eles não compreenderam nada, no entanto foram tocados pela graça divina e responderam: «Senhor, dai-nos sempre deste pão».
    Senhor, eu também vos digo: Dai-me sempre deste pão, estou ávido dele. Quero dele alimentar-me constantemente (Leão Dehon, OSP OSP 4, p. 229).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A obra de Deus é esta: crer naquele que Ele enviou» (Jo 6, 29).

  • 3ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    3ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    6 de Maio, 2025

    3ª Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 7, 51 - 8, 1a

    Naqueles dias, Estêvão disse ao povo, aos anciãos e aos escribas: «Homens de cerviz dura, incircuncisos de coração e de ouvidos, sempre vos opondes ao Espírito Santo; como foram os vossos pais, assim sois vós também. 52Qual foi o profeta que os vossos pais não tenham perseguido? Mataram os que predisseram a vinda do Justo, a quem traístes e assassinastes, 53vós, que recebestes a Lei pelo ministério dos anjos, mas não a guardastes!»
    54Ao ouvirem tais palavras, encheram-se intimamente de raiva e rangeram os
    dentes contra Estêvão. 55Mas este, cheio do Espírito Santo e de olhos fixos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé, à direita de Deus. 56«Olhai, disse ele, eu vejo o Céu aberto e o Filho do Homem de pé, à direita de Deus.» 57Eles, então, soltaram um grande grito e taparam os ouvidos; depois, à uma, atiraram-se a ele 58e, arrastando-o para fora da cidade, começaram a apedrejá-lo.As testemunhas depuseram as capas aos pés de um jovem chamado Saulo. 59E, enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito.»
    60Depois, posto de joelhos, bradou com voz forte: «Senhor, não lhes atribuas este
    pecado.» Dito isto, adormeceu.1Saulo aprovava também essa morte. No mesmo dia, uma terrível perseguição caiu sobre a igreja de Jerusalém. À excepção dos Apóstolos, todos se dispersaram pelas terras da Judeia e da Samaria.

    O texto que escutamos hoje contém apenas a parte final do discurso de Estêvão. Depois narra o seu martírio. A maior parte do discurso, com excepção de poucos versículos, é uma narração edificante da história da salvação (vv. 2-46). Estêvão conclui com palavras duríssimas dirigidas aos seus ouvintes: «Homens de cerviz dura, incircuncisos de coração e de ouvidos, sempre vos opondes ao Espírito Santo» (v. 51). Enquanto Pedro e os outros Apóstolos tentam, de algum modo, desculpar os judeus pela morte de Jesus, Estêvão insinua que eles não podiam deixar de matar Jesus, uma vez que sempre perseguiram os enviados de Deus. A reacção dos ouvintes é naturalmente violenta.
    Na descrição do martírio, o santo diácono, diante da multidão furiosa, permanece a um nível superior, donde contempla a glória de Deus e Jesus ressuscitado, à direita do Pai. O primeiro mártir da Igreja vai sereno ao encontro da morte, graças à morte de Jesus que, agora ressuscitado e constituído Senhor, anima as suas testemunhas mostrando-lhes o «Céu aberto» como meta gloriosa e já muito próxima. Lucas descreve a morte de Estêvão de modo semelhante à morte de Jesus. Jesus continua a morrer nos seus mártires. Como Jesus confiou ao Pai o seu espírito, Estêvão também confia a Jesus o seu.

    Evangelho: João 6, 30-35

    Naquele tempo, os Judeus replicaram: «Que sinal realizas Tu, então, para nós vermos e crermos em ti? Que obra realizas Tu? 31Os nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está escrito: Ele deu-lhes a comer o pão vindo do Céu.» 32E Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu, mas é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do Céu, 33pois o pão de Deus é

    aquele que desce do Céu e dá a vida ao mundo.» 34Disseram-lhe então: «Senhor, dá- nos sempre desse pão!» 35Respondeu-lhes Jesus:
    «Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede.

    Jesus já realizara vários prodígios. A multiplicação dos pães era apenas o mais recente. Mas a multidão exigia mais sinais para acreditar em Jesus. Se Jesus era o novo Moisés, então devia dar-lhes um novo maná para ser reconhecido como Profeta escatológico dos tempos messiânicos.
    Jesus dá-lhes, na verdade, o novo maná, superior àquele que os pais comeram
    no deserto: dá a todos a vida eterna. Mas só quem tem fé pode receber esse dom. O povo quer novas provas sobre Jesus e a sua missão. Mas Jesus exige uma fé sem condições.
    A certa altura a multidão parece ter compreendido: «Senhor, dá-nos sempre desse pão!» (v. 34). Mas, na verdade, não sabe o que está a pedir. Está longe da verdadeira fé que consiste em aceitar o dom do Filho que o Pai oferece aos homens. É Ele «o pão da vida» (v. 35). Quem O acolher «não mais terá fome» (v. 35) e quem acreditar n´Ele «jamais terá sede» (v. 35).

    Meditatio

    Estêvão é uma pessoa fascinante. Enfrenta os adversários de modo corajoso e intrépido, sem se preocupar consigo mesmo. O seu único desejo é testemunhar a fé em Jesus. Talvez queira sacudir e acordar a própria comunidade cristã que, amedrontada pelas primeiras perseguições, corria o risco de se acomodar, tornando- se uma simples seita judaica, ou permanecendo mais voltada para a tradição do que para a novidade de Cristo.
    O santo diácono compreendeu a novidade cristã e a rotura que ela implicava em relação a uma certa tradição, com a necessidade de não se deixar aprisionar em compromissos de qualquer género. Não é por acaso que Saulo será o seu continuador, afirmando a «diferença» cristã, acentuando a peculiaridade da nova fé, e correndo o risco da rotura com o passado. Estêvão é o protótipo do atrevimento cristão (parresia), sempre necessário para evitar os riscos do concordismo. Em certos momentos, a Igreja precisa que os seus responsáveis assumam posições muito claras, ainda que elas não vão ao encontro das ideias dominantes.
    No evangelho, vemos como os judeus, pedindo sinais, não viam aqueles que Jesus lhes dava, não viam a acção de Deus nas suas acções. No passado houve sinais, mas agora... «Os nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está escrito» (v.
    31). Mas o maná não era o verdadeiro pão do céu. E Jesus fá-lo notar: «Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu» (v. 32). O maná era um alimento material. A Bíblia nem diz que tinha descido do céu. Mas, ainda que tivesse descido do céu, como a chuva ou como a neve, continuava a ser um alimento material. Era um dom da Providência divina e, nesse sentido, poderia chamar-se pão do céu, como poeticamente diz um salmo. Mas era um alimento material, talvez uma secreção de insectos, como o mel, ou uma secreção de plantas, que apareceu no momento certo para matar a fome
    do povo perdido no deserto. Porque era um alimento material, o povo fartou-se dele:
    «Não queremos mais este maná insípido!»
    Jesus é o verdadeiro pão do céu, oferecido pelo Pai: «é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do Céu» (v. 32). Mas os judeus não O reconheciam, porque exigiam sinais a seu gosto, e não aqueles que lhes eram dados. Jesus convidava-os a irem além das aparências para O reconhecerem nas suas palavras, no seu exemplo, no dom que faz de Si mesmo, como o verdadeiro Pão do céu.

    A Eucaristia, que está no centro da comunidade e da sua missão, tem um grande poder transformador social. Recordamos o ensino de João Paulo II na primeira encíclica Redemptor hominis: a civilização do amor tem o seu centro na Eucaristia (cf. n. 20). Bento XVI segue a mesma linha: «A união com Cristo, que se realiza no sacramento, habilita-nos também a uma novidade de relações sociais: «a ''mística" do sacramento tem um carácter social, porque (...) a união com Cristo é, ao mesmo tempo, união com todos os outros aos quais Ele Se entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim; posso pertencer-Lhe somente unido a todos aqueles que se tornaram ou hão-de tornar Seus» (Sacramentum caritatis, 89).
    É necessário renovar em nós a coragem de Cristo, ao propor a Sua carne e o
    Seu sangue "para vida do mundo" (Jo 6, 51), ainda que corramos o risco de muitos se afastarem e rirem de nós. É verdade que o Evangelho diz que não devemos dar "as coisas santas aos cães" (Mt 7, 6). Um mundo materialista e hedonista como o nosso, que pode compreender do sacramento do amor, da Eucaristia? Ao falar d´Ela, parece que estamos a provocar uma reedição renovada e piorada da cena evangélica da sinagoga de Cafarnaúm, quando Jesus falou, pela primeira vez, do dom do Seu corpo e do Seu sangue. Muitos afastaram-se d´Ele e também os Doze vacilaram (Jo 6, 6o-
    69). Hoje, ao afastamento, acrescentar-se-ia o riso e o desprezo. Mas há que anunciar Cristo, pão da vida, com a coragem, com o atrevimento de Estêvão.

    Oratio

    Senhor, como é tímida a minha fé, se a comparo com a de Estêvão! Quantas vezes, sou tentado a transigir com aqueles que me rodeiam, com a mentalidade dominante, com tradições fossilizadas! Ajuda-me a libertar-me da tentação de uma vida pacata e sossegada, que não levante ondas. Dá-me a luz do teu Espírito para discernir a tua vontade e realizá-la sem titubear. Ajuda-me a compreender Estêvão e dá-me coragem semelhante à dele para confessar-Te como meu Senhor. Que, em qualquer circunstância, jamais me demita da minha missão de testemunha. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor insiste e declara que há uma primeira maneira de se unir a ele, pela fé e pela graça. - «Eu sou o pão da vida, diz, quem vem a mim nunca terá fome nem sede. Vistes e não acreditais. Mas os que acreditarem, o Pai mos dá, eu guardá- los-ei, não os perderei e ressuscitá-los-ei no último dia...».
    Esta multidão não acreditava, estava absorvida por preocupações materiais. Jesus exprime a amargura do seu coração: «Vistes e não acreditastes!». Mas tem alguma consolação ao pensar naqueles que acreditarão mais tarde e que o seu Pai lhe dará.
    Para acreditar com uma fé viva e vivificante, é preciso, portanto, duas condições: é preciso aproximar-se de Deus com simplicidade e é preciso que Deus coloque aí a sua bênção.
    Que contraste entre esta multidão totalmente incrédula e material, e o
    Coração sagrado de Jesus! O Salvador está todo absorvido pelo pensamento da Eucaristia, pela perspectiva do seu reino eucarístico, pelo seu desejo de viver connosco, de se dar a nós, de vir aos nossos peitos para formar os nossos corações ao seu amor. Antes de instituir este sacramento, parece que se diverte a elaborar os seus símbolos e figuras. Duas vezes multiplica o pão e fá-lo distribuir pelos apóstolos à multidão. É uma imagem da distribuição do pão eucarístico.

    Como Jesus devia estar emocionado ao ver os seus discípulos a distribuir assim o pão milagroso, como uma figura da comunhão! E dizia para si: «É assim que me tornarei alimento de todas as almas».
    Noutra vez, muda a água em vinho. Prepara-se para o grande milagre da transubstanciação. Deve ter bebido ele mesmo com emoção este vinho que figurava o seu sangue.
    Mas o povo tem a cabeça dura, todos estes milagres não o persuadem de que
    está perante o Messias enviado por Deus. Murmura contra o Salvador porque disse:
    «Eu sou o pão vivo descido do céu». - «Não é ele, dizem, o filho de José, que nós onhecemos?!»
    Jesus repete tristemente: «Eu sou o pão da vida, mas ninguém pode compreender e vir a mim, se não corresponde às atracções da graça que meu Pai lhe dá» (Leão Dehon, OSP 4, 229s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem vem a mim não mais terá fome» (Jo 6, 35)

  • 3ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    3ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    7 de Maio, 2025

    3ª Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 8, 1b-8

    Naquele tempo, Saulo aprovava também a morte de Estêvão. No mesmo dia, uma terrível perseguição caiu sobre a igreja de Jerusalém. À excepção dos Apóstolos, todos se dispersaram pelas terras da Judeia e da Samaria. 2Entretanto, homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram por ele grandes lamentações.
    3Quanto a Saulo, devastava a Igreja: ia de casa em casa, arrastava homens e mulheres e entregava-os à prisão.
    Filipe leva o Evangelho à Samaria - 4Os que tinham sido dispersos foram de
    aldeia em aldeia, anunciando a palavra da Boa-Nova. 5Foi assim que Filipe desceu a uma cidade da Samaria e aí começou a pregar Cristo. 6Ao ouvi-lo falar e ao vê-lo realizar milagres, as multidões aderiam unanimemente à pregação de Filipe. 7De facto, de muitos possessos saíam espíritos malignos, soltando grandes gritos, e numerosos paralíticos e coxos foram curados. 8E houve grande alegria naquela cidade.

    Depois do martírio de Estêvão, veio a perseguição da Igreja. Lucas conta que, à excepção dos Apóstolos, «todos se dispersaram pelas terras da Judeia e da Samaria» (v. 1). Assim começa uma nova fase na vida da frágil comunidade cristã: a sua difusão fora de Jerusalém. São particularmente atingidos os seguidores de Estêvão, os helenistas, que se dispersam pela Judeia e pela Samaria, dando início à corrida da Palavra pelo mundo, «até aos confins da terra». Entretanto, Saulo devasta a Igreja. Mas ela expande-se entre aqueles que estão fora do judaísmo: «Os que tinham sido dispersos foram de aldeia em aldeia, anunciando a Palavra da Boa Nova» (Act 8, 4). Distingue-se outro diácono, Filipe, que, como Estêvão, e como os Apóstolos, prega a Boa Nova e faz milagres. Assim, enquanto a Igreja está de luto pela morte de Estêvão, também se enche de alegria com a acção de Filipe e de outros discípulos anónimos, que pregam o nome de Jesus na Samaria. A fé cristã alarga-se a um novo espaço geográfico e cultural. É o mundo que se renova, graças ao contacto com a Palavra que se difunde.

    Evangelho: João 6, 35-40

    Naquele tempo, Jesus respondeu aos judeus: «Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede. 36Mas já vo-lo disse: vós vistes-me e não credes. 37Todos os que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, 38porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 39E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. 40Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.»

    «Eu sou o pão da vida» (v. 35). À maneira sapiencial, Jesus apresenta-se como o revelador da verdade, o mestre divino que veio para alimentar os homens. Jesus é personificação da revelação, ou revelação personificada. Utiliza o simbolismo do pão e do maná para descrever a sua própria revelação e o significado da sua pessoa. Mas

    a multidão não quer entender, não reconhece Jesus como Filho de Deus. Então Jesus denuncia-lhe a incredulidade.
    A Igreja primitiva, que vivia um conflito com a Sinagoga, manifesta, por meio do evangelista, a sua profunda ligação ao Mestre, e a convicção de que o projecto de Deus se realiza no acolhimento que cada um dos crentes reserva a Jesus. Ele fez-se homem, não para fazer a sua vontade, mas a vontade d´Aquele que O enviou. O projecto de Deus tem em vista a salvação. Ao confiá-lo ao Filho, o Pai proclama que os homens se salvam em Jesus, sem que algum se perca: «a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia» (v. 39). A expressão «último dia», em João, indica o dia em que termina a criação do homem e se realiza a morte de Jesus, o dia do triunfo final do Filho sobre a morte. Nesse dia, todos poderão saborear «a água do Espírito», dada à humanidade.

    Meditatio

    Depois da morte de Estêvão, aqueles que comungavam do seu «extremismo», os que não aceitavam compromissos com o judaísmo, são também perseguidos. Por enquanto, escapam à perseguição os Apóstolos, talvez na esperança de que fosse encontrada uma solução para os problemas com a tradição judaica.
    A perseguição ajudou a Igreja a não adormecer e a reencontrar as suas raízes missionárias, que são o segredo da sua eterna juventude. Quantas vezes, se verificou essa verdade, ao longo da história! Quando os discípulos do Senhor parecem comodamente instalados, quando se consideram integrados num determinado contexto social, é o próprio Espírito a agitar o «lugar» com várias provações, incluindo a perseguição. Se a comunidade estiver viva, como estava em Jerusalém, a perseguição dará os seus frutos.
    Jesus não despreza a vida corporal. Quantas vezes interveio para curar doentes e, até, ressuscitar mortos. Mas não pretende satisfazer apenas as nossas necessidades corporais. Quer dar-nos a vida em plenitude. O pão da terra conserva a vida, mas não nos faz ressuscitar. Jesus quer que participemos da sua ressurreição, porque é essa a vontade do próprio Pai: «Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.» (v. 40). Jesus abre-nos um caminho através da morte até à ressurreição.
    Ao dar-nos o seu Corpo na Eucaristia, Jesus comunica-nos a sua vida de ressuscitado e alimenta-a em nós. A Eucaristia é penhor de ressurreição. Jesus abriu-nos o caminho da vida eterna porque se entregou à morte por nosso amor. Na oferta de Si mesmo, venceu a morte. Na Eucaristia, Jesus renova o dom de Si mesmo: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós... Este cálice é a nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós» (Lc 22, 19-20). Receber a Eucaristia é receber Aquele que se ofereceu por nós até à morte e, portanto, receber a força para percorrer o mesmo caminho.
    A Eucaristia é dom total de Cristo, o centro da nossa vida pessoal e
    comunitária, a nossa opção fundamental de vida, enquanto "nos consagra a Deus", unindo-nos, pelo nosso baptismo e pela nossa profissão religiosa, ao Seu sacerdócio e ao Seu estado de v&iac
    ute;tima (cf. Cst. 80-81): "Consagro-Me por eles, para que também eles sejam consagrados na verdade" (Jo 17, 19); "Consagra-os na Verdade" (Jo 17,
    17). Por isso, a Eucaristia marca toda a nossa vida e toda a nossa acção: "A Eucaristia
    reflecte-se em tudo o que somos e vivemos" (Cst. 81). Marca também a nossa missão ao serviço dos irmãos, especialmente dos mais pobres: "lança-nos, incessantemente, pelos caminhos do mundo ao serviço do Evangelho" (Cst. 82). E, quando surgem as dificuldades, as perseguições, é o Pão que nos dá força. Lembremos os efeitos da Eucaristia nos desanimados discípulos de Emaús.

    Oratio

    Glória a Ti, Senhor Jesus Cristo, que lançaste a cruz como ponte sobre a morte para que através dela passássemos da morte à vida. Glória a Ti, Senhor Jesus Cristo, que assumiste um corpo de homem mortal para o transformares em manancial de vida em favor de todos os mortais. Enche-nos do teu Espírito para que, tornando-nos grão de trigo lançado à terra, participemos na tua ressurreição e colaboremos no ressurgir Contigo da multidão dos homens. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor quis mostrar-nos ele mesmo no maná uma figura da Eucaristia. Fê-lo longa e claramente. É que o maná era bem uma figura providencial do pão eucarístico. Todo o capítulo VI de S. João no-lo explica.
    Foi em Cafarnaúm, no grande dia de Páscoa, no dia seguinte à multiplicação dos pães. «Em verdade, diz Nosso Senhor, vós procurais-me, porque fostes saciados, procurai antes um alimento que vive para sempre. - Os nossos pais comeram o maná caído do céu no deserto, disseram, e no entanto morreram! - Em verdade, diz Nosso Senhor, o maná não era senão uma figura; o verdadeiro pão do céu, o meu Pai vo-lo dá agora.
    Sou eu que sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome nem sede; posso saciar a fome de uma alma ávida de felicidade». - Depois Nosso Senhor explica-lhes que alimenta as nossas almas pela fé e pela graça e que nos alimentará pela Eucaristia.
    «Eu sou o pão da vida, diz-lhes, e este pão é a minha carne que será entregue por vós. Sim, devereis comer a minha carne e beber o meu sangue para terdes a vida eterna. A minha carne será um elemento de ressurreição. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue, permanecerei com ele e ele em mim».
    Eis, portanto, Senhor, porque destes o maná ao vosso povo no deserto. Este pão branco, que tinha todos os mais doces sabores e que alimentava todo o vosso povo, era uma esplêndida figura da Eucaristia.
    A Igreja nos repete todos os dias: «destes-nos um pão do céu, que tem para nós todos os encantos».
    O pão misterioso que fortifica o profeta Elias, era também uma bela figura da
    Eucaristia.
    Elias fugia da cólera de Jezabel. Esgotado de fadiga no deserto, invocava a morte. Adormeceu. Um anjo trouxe-lhe um pão miraculoso e acordou-o. Elias comeu e encontrou-se tão forte para caminhar durante quarenta dias e quarenta noites até ao monte Horeb, onde Deus se manifestou a ele.
    O pão eucarístico será também para nós uma força sem limites (Leão Dehon,
    OSP 4, p. 226s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu sou o pão da vida» (Jo 6, 35).

  • 3ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    3ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    8 de Maio, 2025

    3ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 8, 26-40

    Naqueles dias, 26O Anjo do Senhor falou a Filipe e disse-lhe: «Põe-te a caminho e dirige-te para o Sul, pela estrada que desce de Jerusalém para Gaza, a qual se encontra deserta.» 27Ele pôs-se a caminho e foi para lá. Ora, um etíope, eunuco e alto funcionário da rainha Candace, da Etiópia, e superintendente de todos os seus tesouros, que tinha ido em peregrinação a Jerusalém, 28regressava, na mesma altura, sentado no seu carro, a ler o profeta Isaías. 29O Espírito disse a Filipe: «Vai e acompanha aquele carro.» 30Filipe, acorrendo, ouviu o etíope a ler o profeta Isaías e perguntou-lhe: «Compreendes, verdadeiramente, o que estás a ler?»
    31Respondeu ele: «E como poderei compreender, sem alguém que me oriente?» E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto dele. 32A passagem da Escritura que ele estava a ler era a seguinte: Como ovelha levada ao matadouro, e como cordeiro sem voz diante daquele que o tosquia, assim Ele não abre a sua boca. 33Na humilhação se consumou o seu julgamento, e quem poderá contar a sua geração? Da face da terra foi tirada a sua vida!
    34Dirigindo-se a Filipe, o eunuco disse-lhe: «Peço-te que me digas: De quem fala o profeta? De si mesmo ou de outra pessoa?» 35Então, Filipe tomou a palavra e, partindo desta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Boa-Nova de Jesus. 36Pelo caminho fora, encontraram uma nascente de água, e o eunuco disse: «Está ali água! Que me impede de ser baptizado?» 37Filipe respondeu: «Se acreditas com todo o coração, isso é possível.» O eunuco respondeu: «Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus.» 38E mandou parar o carro. Ambos desceram à água, Filipe e o eunuco, e Filipe baptizou-o. 39Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou Filipe e o eunuco não o viu mais, seguindo o seu caminho cheio de alegria. 40Filipe encontrou-se em Azoto e, partindo dali, foi anunciando a Boa-Nova a todas as cidades, até que chegou a Cesareia.

    Depois da Samaria, cujos habitantes eram meio judeus e meio pagãos, o Evangelho penetra em terreno vedado. O etíope personifica esta dupla conquista da Igreja nascente. Dupla porque se trata de um eunuco que, como tal, estava excluído da assembleia de Israel (Dt 23,1); além disso, era provavelmente pagão, um dos tantos que, simpatizando com o judaísmo, aceitavam a maior parte dos seus princípios religiosos, sem todavia ser admitidos na comunidade judaica. Se era realmente pagão, então terá sido o primeiro a converter-se ao cristianismo, embora Lucas não o afirme. Trata-se, sem dúvida, de uma pessoa rica e influente, alguém que pode fazer uma longa viagem, devidamente equipado, e possuir um rolo manuscrito da Bíblia. Deus envia-lhe Filipe, guiado pelo Espírito. O diácono aproveita o facto do etíope estar a ler Isaías para meter conversa com ele. E surge a grande pergunta: «De quem fala o profeta? De si mesmo ou de outra pessoa?». Filipe fala- lhe, então, de Jesus. O eunuco acredita e recebe o baptismo. A mediação eclesial e a graça de Deus dissiparam-lhe as dúvidas.

    Evangelho: João 6, 44-51

    Naquele tempo, disse Jesus às multidões: 44Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair; e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia. 45Está escrito nos profetas: E todos serão ensinados por Deus. Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim. 46Não é que alguém tenha visto o Pai, a não ser aquele que tem a sua origem em Deus: esse é que viu o Pai. 47Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê tem a vida eterna. 48Eu sou o pão da vida. 49Os vossos pais comeram o maná no deserto, mas morreram. 50Este é o pão que desce do Céu; se alguém comer dele, não morrerá. 51Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo.»

    «Eu sou o pão da vida que desceu do céu». Estas palavras soam como absurdas. A multidão protesta e torna-se hostil. É difícil ultrapassar o obstáculo da origem humana de Jesus e reconhecê-l´O como Deus. Então Jesus, evitando a discussão com os judeus, procura ajudá-los a reflectir sobre a dureza do seu coração, enunciando as condições necessárias para acreditar n´Ele: ser atraído pelo Pai (v. 44), docilidade a Deus (v. 45ª.), escutar o Pai (v. 45b.). Estamos diante do ensinamento interior do Pai e do ensinamento da vida de Jesus, que desemboca na fé obediente do crente à palavra do Pai e do Filho. Escutar Jesus é ser ensinado pelo próprio Pai. Com a vinda de Jesus, a salvação está aberta a todos, desde que se deixem docilmente atrair pelo Pai. Há uma ligação entre a fé em Jesus e a vida eterna: só quem vive em comunhão com Jesus alcança a vida eterna; só quem «come» Jesus-pão não morrerá. Jesus, pão de vida, dá a imortalidade a quem se alimenta d´Ele, a quem, na fé, interioriza a sua palavra e assimila a vida. Esta secção já inclui o tema da eucaristia que será tratado na secção seguinte.

    Meditatio

    A evangelização é, antes de mais, plano e acção de Deus. É o que nos mostra o texto da primeira leitura. Filipe recebe ordem para se pôr a caminho, em direcção ao Sul. Não parece ser uma boa decisão em ordem à evangelização. Mas é no caminho para o Sul que irá encontrar um etíope predisposto a acolher a Boa Nova. Segundo a tradição, é nesse encontro que começa a evangelização da África.
    Impressiona-nos a disponibilidade, o entusiasmo missionário, a capacidade de interpretar a Sagrada Escritura de Filipe. É, na verdade, um evangelizador convicto e preparado. O Espírito faz o «resto» ...
    O texto evangélico é denso de ensinamentos profundos. Jesus começa por afirmar: «Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair» (v. 44). O Pai actua num duplo movimento, envia Jesus e atrai os homens para Jesus. Jesus mostra que o mais importante é a nossa relação com o Pai. Sem ela, até a nossa relação com Jesus seria superficial. Por isso, o próprio Senhor acende em nós o desejo de sermos dóceis para com Deus, de nos deixarmos instruir por Ele: «Está escrito nos profetas: E todos serão ensinados por Deus» (v. 45). Não é fácil entendermos estas palavras de Jesus. Por vezes, somos tentados a pensar que, ser dóceis a Deus, nos retira a liberdade, nos faz menos felizes. Mas a docilidade a Deus é condição para irmos a Jesus, nossa aleg
    ria, nossa felicidade: «Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim» (v. 45).
    O Pai, actuando, forma em nós sentimentos, que são os de Cristo. Por isso é
    que o encontro com Cristo se torna possível. O Pai ensina-nos a viver no abandono, na abnegação por amor e, assim, podemos compreender a paixão e a ressurreição de Jesus. Vemos na morte de Jesus uma grande obra de amor, cujo resultado, a

    ressurreição, é obra divina. Pela nossa docilidade à acção do Pai em nós, somos atraídos para Jesus e tornamo-nos semelhantes a Ele.
    Deus, ao atrair-nos para Jesus, quer tornar-nos participantes de todos os tesouros do seu Coração: da sua bondade, da sua misericórdia, da sua alegria, do seu amor. Sejamos dóceis a Deus Pai, e ajudemo-nos uns aos outros nessa docilidade.

    Oratio

    Senhor, infunde em mim o dom da docilidade, o anelo de viver em união Contigo, sem procurar satisfações superficiais fora de Ti. Acende em mim um grande desejo de Cristo, para que o meu conhecimento de Ti, isto é, a minha relação de amor Contigo, encha a minha alma como as águas enchem o mar.
    Que todos os meus irmãos, homens e mulheres, particularmente os jovens, se
    possam abrir a essa mesma relação Contigo, a esse conhecimento de Ti, preparando uma nova messe para o teu Reino. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor volta com insistência à sua origem divina e à sua qualidade de pão vivo e que vivifica almas: «Os vossos pais, diz, comeram o maná no deserto, e morreram, mas eis o pão que desce do céu e se alguém dele comer, viverá eternamente».
    O maná era um elemento efémero que não dava a vida espiritual nem preparava para a vida eterna.
    Jesus vai agora falar claramente: «O pão que eu vou dar, diz, é a minha carne que entregarei pela vida do mundo». Trata-se de um pão que Jesus dará mais tarde. A união com ele pela fé não é senão a preparação para a manducação deste pão vivificante.
    Os judeus estão escandalizados, mas é preciso que Jesus diga tudo e que prepare os seus discípulos para a instituição da santa Eucaristia: «Em verdade, acrescenta, eu vos declaro: Se não comerdes a carne do Filho do homem e se não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e quem bebe o meu sangue, terá a vida eterna e eu ressuscitá-lo-ei no último dia. A minha carne é verdadeiramente um alimento e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida. - Quem come a minha carne e quem bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. E como eu vivo da vida de meu Pai que me enviou, do mesmo modo quem me come viverá de mim» (Leão Dehon, OSP 4, p. 230s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se alguém comer deste pão, viverá eternamente» (Jo 6, 51).

  • 3ª Semana –Sexta-feira - Páscoa

    3ª Semana –Sexta-feira - Páscoa

    9 de Maio, 2025

    3ª Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 9, 1-20

    Naqueles dias, 1Saulo, respirando sempre ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, foi ter com o Sumo Sacerdote 2e pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de que, se encontrasse homens e mulheres que fossem desta Via, os trouxesse algemados para Jerusalém. 3Estava a caminho e já próximo de Damasco, quando se viu subitamente envolvido por uma intensa luz vinda do Céu.
    4Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: «Saulo, Saulo, porque me
    persegues?» 5Ele perguntou: «Quem és Tu, Senhor?» Respondeu: «Eu sou Jesus, a quem tu persegues. 6Ergue-te, entra na cidade e dir-te-ão o que tens a fazer.» 7Os seus companheiros de viagem tinham-se detido, emudecidos, ouvindo a voz, mas sem verem ninguém. 8Saulo ergueu-se do chão, mas, embora tivesse os olhos abertos, não via nada. Foi necessário levá-lo pela mão e, assim, entrou em Damasco, 9onde passou três dias sem ver, sem comer nem beber. 10Havia em Damasco um discípulo chamado Ananias. O Senhor disse-lhe numa visão: «Ananias!» Respondeu: «Aqui estou, Senhor.» 11O Senhor prosseguiu: «Levanta-te, vai à casa de Judas, na rua Direita, e pergunta por um homem chamado Saulo de Tarso, que está a orar neste momento.» 12Saulo, entretanto, viu numa visão um homem, de nome Ananias, entrar e impor-lhe as mãos para recobrar a vista. 13Ananias respondeu: «Senhor, tenho ouvido muita gente falar desse homem e a contar todo o mal que ele tem feito aos teus santos, em Jerusalém. 14E agora está aqui com plenos poderes dos sumos sacerdotes, para prender todos quantos invocam o teu nome.» 15Mas o Senhor disse-lhe: «Vai, pois esse homem é instrumento da minha escolha, para levar o meu nome perante os pagãos, os reis e os filhos de Israel. 16Eu mesmo lhe hei-de mostrar quanto ele tem de sofrer pelo meu nome.» 17Então, Ananias partiu, entrou na dita casa, impôs as mãos sobre ele e disse: «Saulo, meu irmão, foi o Senhor que me enviou, esse Jesus que te apareceu no caminho em que vinhas, para recobrares a vista e ficares cheio do Espírito Santo.» 18Nesse instante, caíram-lhe dos olhos uma espécie de escamas e recuperou a vista. Depois, levantou-se e recebeu o baptismo.
    19Depois de se ter alimentado, voltaram-lhe as forças e passou alguns dias com os discípulos, em Damasco. 20Começou, então, imediatamente, a proclamar nas sinagogas que Jesus era o Filho de Deus.

    Lucas narra três vezes a conversão de Paulo (9, 1-22; 22, 3-16; 26, 9-18). Esta tripla narrativa significa a importância extraordinária do acontecimento. A missão de Paulo entre os gentios era um problema. Porque é que os missionários cristãos não continuaram a evangelizar os judeus? Lucas sabe que essa mudança radical correspondia à vontade de Cristo. Paulo não queria ser cristão e, muito menos, queria ser missionário. Mas teve que sê-lo!
    O nosso texto apresenta-nos Saulo a caminho de Damasco, decidido a
    exterminar aquilo que julgava ser uma seita. Mas é envolto em luz e ouve uma voz que o interroga... Trata-se de uma típica narrativa de vocação. Saulo ouve a voz d´Aquele que persegue. Cai do cavalo, fica cego e jejua três dias. Assim morre para a sua cegueira interior e ressuscita para uma nova compreensão da realidade.
    O «mistério» de Saulo, e o alcance da sua missão, são entretanto revelados a
    um tímido discípulo, chamado Ananias. Saulo é chamado a levar o nome de Jesus aos

    pagãos e ao seu rei, tal como aos filhos de Israel. Não se podia dizer melhor o conteúdo da missão e da «paixão» de Saulo. De facto, poucos dias depois, Saulo começa a sua surpreendente missão, proclamando «Filho de Deus» aquele Jesus cujo nome pouco antes escarnecia, perseguindo os seus discípulos.

    Evangelho: João 6, 52-59

    Naquele tempo, 52os judeus, exaltados, puseram-se a discutir entre si, dizendo: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» 53Disse-lhes Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. 54Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia, 55porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. 56Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. 57Assim como o Pai que me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim. 58Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os antepassados comeram, pois eles morreram; quem come mesmo deste pão viverá eternamente.» 59Isto foi o que Ele disse em Cafarnaúm, ao ensinar na sinagoga.

    Nesta secção, a mensagem é aprofundada e torna-se mais sacrificial e eucarística. Jesus é o pão da vida, não só pelo que faz, mas especialmente por causa da eucaristia. Jesus-pão é identificado com a sua humanidade, aquela humanidade que será sacrificada na cruz para salvação dos homens. Jesus é pão, seja como palavra de Deus, seja como vítima sacrificial, que se faz dom por amor ao homem. A murmuração dos judeus denuncia a mentalidade incrédula de quem não se deixa regenerar pelo Espírito e não tenciona aderir a Cristo. Mas Jesus insiste: «se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (v. 53). Mais ainda: anuncia frutos extraordinários para aqueles que participam no banquete eucarístico: não se perderá (v. 39), será ressuscitado no último dia (v. 54) e viverá eternamente (v. 58).
    Todos estes ensinamentos de Jesus, em Cafarnaúm, mais do que tratar do
    sacramento, referem-se à revelação gradual do mistério da pessoa e da vida de
    Jesus.

    Meditatio

    A missão é de Deus e está nas suas mãos. Por isso, sabe procurar colaboradores onde bem entende. Por vezes, escolhe pessoas que já gastaram muitas energias em actividades que nada tinham a ver com o Evangelho, ou até eram contra ele. A primeira leitura apresenta-nos o caso de Saulo. Mas a história da Igreja apresenta-nos tantos outros, como Agostinho, Francisco de Assis, Inácio de Loiola... Há que não se deixar perturbar pela «falta» de vocações, ou pela qualidade
    «aparente» daquelas que nos chegam. Façamos o que está ao nosso alcance e confiemos em Deus, que pode, e certamente quer, continuar a surpreender-nos. Rezemos ao Senhor da messe, para que mande trabalhadores para a sua messe, e demos testemunho, quais modestos Ananias, para ajudarmos os novos apóstolos que o poder de Deus quiser suscitar.
    As palavras de Jesus são duras:
    «se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (v. 53). «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» - perguntam os seus ouvintes. Mas Jesus não atenua as suas afirmações. Poderia dizer que não se trata exactamente de comer a

    sua carne, mas de aderir, na fé, à sua pessoa. Mas o Senhor insistiu no realismo: «se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue...». Jesus não nos liga a Ele apenas pela fé. Liga-nos pelo seu corpo e pelo seu sangue, com toda a estrutura que forma o seu corpo, que é a Igreja. Ele não está simplesmente presente em nós, no nosso íntimo. Também está fora, nos outros, na Igreja. A comunhão com os irmãos é um modo de nos unirmos também a Ele. A fé tem uma expressão externa.
    A Eucaristia é presença, no meio de nós, do corpo e do sangue de Jesus, que deve encher toda a nossa vida, dando-nos uma nova forma de existência: «Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele» (v. 56).
    A Eucaristia é o máximo sacramento da união com Cristo e entre nós, edifica-
    nos na caridade como indivíduos e como comunidade: "Testamento do amor de Cristo que se entrega para que a Igreja se realize na unidade e assim anuncie a esperança ao mundo, a Eucaristia reflecte-se em tudo o que somos e vivemos" (Cst. 81). Cada celebração eucarística deve levar a um aumento de caridade fraterna no único amor do Coração de Jesus: "O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão" ( 1 Cor 10, 16-17). Se a Igreja faz a Eucaristia, é também verdade que a Eucaristia faz a Igreja.

    Oratio

    Senhor, quando rezo pelas vocações, nem sempre estou certo de que me escutas, porque tenho rezado tanto e vejo tão poucos frutos. Rezo porque mandaste que eu rezasse. Hoje, porém, sinto-me animado pela tua acção em Saulo e, pensando nas dificuldades actuais, atrevo-me a dizer-te confiadamente: renova no meio de nós os teus prodígios. Mostra, mais uma vez o teu poder, suscitando evangelizadores ardorosos com a qualidade de Saulo, de Agostinho, de Xavier e de tantos outros que bem conheces e me enchem de espanto. Não me deixes desiludido. Mostra o teu poder, para bem do teu povo. Dá à tua Igreja os sacerdotes, os religiosos, os missionários que precisa, para que o teu nome chegue aos confins da terra. Amen.

    Contemplatio

    A sagrada comunhão é necessária para alimentar em nós a vida espiritual. Deus quis pôr alguma proporção entre a vida natural e a vida sobrenatural. Esta tem, como a primeira, o seu nascimento, os seus alimentos e o seu crescimento. Se não comêssemos, não poderíamos conservar a vida em nós. Não a perderíamos imediatamente, mas não iríamos muito longe. É o alimento que sustenta a nossa vida; é o alimento que nos faz crescer até à virilidade perfeita. É ela que é o antídoto quotidiano da morte reparando o desperdício constante das forças vitais, que depende da acção deprimente do trabalho, da fadiga, do sofrimento.
    Acontece o mesmo com a vida espiritual: Nosso Senhor mesmo no-lo disse: «Se
    não comerdes a carne do filho do homem e se não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (Jo 6). Recebemos a vida pelo baptismo e pela graça, mas não podemos conservá-la muito tempo nem fazê-la crescer senão pelo pão da vida, a santíssima eucaristia. Este pão celeste alimenta a vida da nossa alma, repara-lhe as perdas quotidianas, fá-la crescer em Cristo até à plenitude da idade perfeita, isto é, até ao dia da bem-aventurada eternidade» (Ef 4) (Leão Dehon, OSP 4, p. 243s.)

    Actio

    54).

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Qj.Jem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna» (Jo 6,

  • 3ª Semana - Sábado - Páscoa

    3ª Semana - Sábado - Páscoa

    10 de Maio, 2025

    3ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 9, 31-42

    Naqueles dias, 31a Igreja gozava de paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, crescia como um edifício e caminhava no temor do Senhor e, com a assistência do Espírito Santo, ia aumentando. 32Pedro, que andava por toda a parte, desceu também até junto dos santos que habitavam em Lida. 33Encontrou lá, estendido num catre, havia oito anos, um homem chamado Eneias, que era paralítico. 34Pedro disse-lhe: «Eneias, Jesus Cristo vai curar-te! Levanta-te e arranja a enxerga.» E ele ergueu-se imediatamente. 35Todos os habitantes de Lida e da planície de Saron viram isso e converteram-se ao Senhor.
    36Havia em Jope, entre os discípulos, uma mulher chamada Tabitá, que significa «Gazela.» Era rica em boas obras e nas esmolas que distribuía. 37Ora, nesses dias, caiu doente e morreu. Depois de a terem lavado, depositaram-na na sala de cima. 38Como Lida era perto de Jope e ouvindo os discípulos dizer que Pedro estava lá, mandaram-lhe dois homens com o seguinte pedido: «Vem depressa ter connosco!» 39Pedro partiu imediatamente com eles. Logo que chegou, levaram-no à sala de cima e encontrou lá todas as viúvas, que choravam e lhe mostravam as túnicas e mantos feitos por Dórcada, enquanto ela estava na sua companhia.
    40Pedro mandou sair toda a gente, pôs-se de joelhos e orou. Voltando-se depois para o corpo, disse: «Tabitá, levanta-te!» Ela abriu os olhos e, ao ver Pedro, sentou-se.
    41Tomando-a pela mão, Pedro ajudou-a a erguer-se. Chamando então os santos e as viúvas, apresentou-lha viva. 42Toda a cidade de Jope soube deste acontecimento e muitos acreditaram no Senhor.

    Lucas abre esta secção dos Actos com um sumário sobre a situação interna da Igreja e sobre o seu crescimento. A comunidade está em paz, caminha no temor do Senhor, e cresce com a assistência do Espírito Santo. Pedro anda em viagens apostólicas, pregando a Palavra, curando enfermos e exercendo a sua missão de pastor. Paulo foi acompanhado a Tarso porque provavelmente a sua presença - discutida - causava problemas devido ao seu temperamento combativo, semelhante ao de Estêvão.
    Pedro, por sua vez, exerce a sua missão pastoral apoiando, ajudando, encorajando os discípulos, nas várias comunidades já evangelizadas. A sua passagem tem efeitos semelhantes aos da passagem de Jesus: sucedem os milagres.
    De vários modos, Lucas mostra, como Jesus está vivo e actua na Igreja apostólica.

    Evangelho: João 6, 60-69

    Naquele tempo, 60muitos discípulos, depois de ouvirem Jesus, disseram: «Que palavras insuportáveis! Quem pode entender isto?» 61Mas Jesus, sabendo no seu íntimo que os seus discípulos murmuravam a respeito disto, disse-lhes: «Isto escandaliza-vos?
    62E se virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes? 63É o Espírito quem dá a
    vida; a carne não serve de nada: as palavras que vos disse são espírito e são vida.

    64Mas há alguns de vós que não crêem.» De facto, Jesus sabia, desde o princípio, quem eram os que não criam e também quem era aquele que o havia de entregar. 65E dizia:
    «Por isso é que Eu vos declarei que ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for concedido pelo Pai.» 66A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram para trás e já não andavam com Ele. 67Então, Jesus disse aos Doze: «Também vós quereis ir embora?» 68Respondeu-lhe Simão Pedro: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! 69Por isso nós cremos e sabemos que Tu é que és o Santo de Deus.»

    Os discípulos mostram-se incomodados com as afirmações do seu Mestre, humanamente difíceis de aceitar. Mas Jesus esclarece que não se deve acreditar n´Ele só depois da visão de uma subida sua ao céu, à maneira de Elias e de Enoch. Isso significaria não aceitar a sua origem divina, o que não tem sentido porque Ele vem mesmo do Céu (cf. Jo 3, 13-15).
    Mas a incredulidade dos discípulos em relação a Jesus é evidenciada pelo facto de que «é o Espírito quem dá a vida; a carne não serve de nada: as palavras que vos disse são espírito e são vida» (v. 63). Como é real a carne de Jesus, também é real a verdade eucarística. São dois dons, para darem a vida ao homem. Mas muitos discípulos não quiseram confiar-se ao Espírito e dar mais um passo em frente. Jesus não fica surpreendido, pois conhece o homem e as suas decisões mais íntimas. Acreditar n´Ele e na sua Palavra é um dom que ninguém pode oferecer a si mesmo. Só o Pai o pode dar. Só quem nasceu e foi vivificado pelo Espírito, e não actua segundo a carne, compreende a revelação de Jesus e é introduzido na vida de Deus.

    Meditatio

    A perícopa dos Actos que hoje escutamos oferece-nos mais um belo quadro da Igreja primitiva. Ela enfrenta dificuldades e problemas como a doença prolongada ou a morte de alguns dos seus membros. Mas vive no santo temor de Deus, confortada pela assistência do Espírito Santo. Os discípulos vivem sob o olhar de Deus, cumprindo a sua vontade. Interessam-se pelos pobres e cuidam dos enfermos. Na docilidade ao Espírito, a Igreja expande-se e cresce interiormente. A vida dos crentes, alegres no sofrimento, serviçais uns para com os outros, é um excelente testemunho missionário. Por isso, a Palavra e os milagres encontram terreno preparado e produzem frutos abundantes. A presença dos Apóstolos, e particularmente a de Pedro, ajudam à fidelidade e ao dinamismo missionário.
    Pedro lembra certamente as palavras que um dia pronunciou em nome da comunidade: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! Por isso nós cremos e sabemos que Tu é que és o Santo de Deus» (Jo 6, 68-69). Para nós é reconfortante escutá-las. Esta fé é o fundamento da vida cristã, da vida religiosa, do apostolado. Pela fé, Pedro continua a vida de Jesus e o seu ministério, os seus gestos e até os seus milagres. Mas a paixão de Jesus também continua em Pedro, que é preso e atormentado, acabando por morrer mártir.
    A fé realiza uma união profunda com o Senhor, que continua em nós a sua
    vida e a sua acção, como verificamos em Pedro. O Apóstolo está consciente disso. Sente-se simples instrumento de Jesus. Por isso, diz a Eneias: «Eneias, Jesus Cristo vai curar-te!» (Act 9, 34).
    A nossa reparação há-de também dirigir-se a Cristo-Eucaristia. A incompreensão, a murmuração, a incredulidade, o escândalo, o abandono de Cristo, depois do discurso de Cafarnaúm (cf. Jo 6, 52-56) continuam a ecoar hoje. Quantas bla
    sfémias, profanações, sacrilégios! A amargura de Jesus é aliviada pela fé de Pedro: "Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavras de vida eterna...!" (Jo 6, 68). Se, com uma fé semelhante à de Pedro, formos pessoas dóceis e simples em acolher

    com gratidão o dom de Cristo, as nossas adorações eucarísticas tornar-se-ão testemunho, oração, reparação por tantos nossos irmãos esquecidos ou incrédulos.

    Oratio

    Senhor, devo confessar-te que, às vezes também eu gostava de ver milagres e
    – perdoa-me! - até fazer algum, para que não julguem que ando a pregar fantasias. Mas Tu, mesmo enviando-me alguns sinais do céu, preferes o milagre de uma vida serena, empenhada, de uma vida que confia em Ti, que deixa nas tuas mãos as grandes opções, que se preocupa mais em agradar a Ti que aos homens e às mulheres, que testemunha a alegria de os poder servir, e de se sentir amado por Ti.
    Perdoa a minha fraqueza e reforça em mim a convicção de que o que
    realmente queres é a transformação da minha vida, a passagem do temor ao amor, do apego ao desapego, da angústia à confiança.
    Dá-me o teu Espírito Santo, para que este programa tão exigente se torne realizável e me encha de paz. Amen.

    Contemplatio

    O milagre de Caná, e sobretudo a multiplicação dos pães, eram prelúdios e símbolos da Eucaristia. Os judeus só tinham visto benefícios temporais do Salvador. Na ocasião da multiplicação dos pães, Nosso Senhor deu aos apóstolos uma longa instrução sobre a Eucaristia.
    O povo regressava ao lugar onde Nosso Senhor tinha multiplicado o pão, e não o encontrando, foram para Cafarnaúm onde ele estava. Nosso Senhor quer educar os seus espíritos, e fala da Eucaristia: «Procurais-me, diz, porque fostes saciados; desejai antes o alimento da vida eterna, que o Filho do homem vos dará... os vossos pais comeram o maná, que chamavam o pão do céu. Mas o verdadeiro pão do céu não era esse, é aquele que o meu Pai vos dá. Sou eu, que sou o pão da vida... O pão que
    eu vos hei-de dar, é a minha carne imolada pela vida do mundo. Quem comer deste
    pão, viverá eternamente».
    Muitos discípulos encontraram esta linguagem estranha e foram-se embora. Mesmo os apóstolos não compreenderam e não retiveram este discurso. Mas S. João teve uma graça especial para o reter e reporta-o com uma veracidade tocante e uma grande unção no sexto capítulo do seu Evangelho. Nosso Senhor tinha querido
    prepará-lo muito particularmente para o dom da Eucaristia (Leão Dehon, OSP 3, p.
    409).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68).

  • 04º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    04º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    11 de Maio, 2025

    ANO C

    4.º DOMINGO DA PÁSCOA

    Tema do 4.º Domingo do Tempo Pascal

    O quarto Domingo da Páscoa é considerado o “Domingo do Bom Pastor”, pois todos os anos, neste domingo, somos convidados a escutar um trecho do capítulo 10 do Evangelho segundo João, no qual Jesus é apresentado como “Bom Pastor”. É, portanto, este o tema central que a Palavra de Deus põe, hoje, à nossa reflexão.

    O Evangelho apresenta Cristo como o Pastor bom e verdadeiro, que ama as suas ovelhas e que conhece cada uma delas. Aqueles e aquelas que querem fazer parte do rebanho de Jesus, devem escutar as suas indicações, acolher as suas propostas, dispor-se a segui-l’O. Jesus conduzi-las-á onde há vida verdadeira e nunca permitirá que as suas ovelhas – essas ovelhas a quem Ele tanto quer – lhe sejam roubadas.

    A primeira leitura fala-nos de pessoas que assumem atitudes diferentes diante da proposta que o Pastor (Cristo) apresenta. De um lado estão “ovelhas” comodamente instaladas nas suas certezas, no seu orgulho, nas suas velhas seguranças, na sua autossuficiência, que recusam pertencer ao rebanho de Jesus; de outro, estão ovelhas interessadas em escutar a voz de Jesus e dispostas a segui-l’O até às pastagens da vida abundante. É esta última atitude que nos é proposta.

    A segunda leitura mostra-nos o reencontro final de Jesus com as suas ovelhas. Aquelas ovelhas que escutaram a voz de Jesus e O seguiram, venceram a injustiça, a violência e a morte. No final do seu caminho na terra, reencontraram Jesus, o Bom Pastor; com Ele acederão eternamente às fontes da água viva.

     

    LEITURA I – Atos dos Apóstolos 13,14.43-52

    Naqueles dias,
    Paulo e Barnabé seguiram de Perga até Antioquia da Pisídia.
    A um sábado, entraram na sinagoga e sentaram-se.
    Terminada a reunião da sinagoga,
    muitos judeus e prosélitos piedosos
    seguiram Paulo e Barnabé,
    que nas suas conversas com eles
    os exortavam a perseverar na graça de Deus.
    No sábado seguinte,
    reuniu-se quase toda a cidade para ouvir a palavra do Senhor.
    Ao verem a multidão, os judeus encheram-se de inveja
    e responderam com blasfémias.
    Corajosamente, Paulo e Barnabé declararam:
    «Era a vós
    que devia ser anunciada primeiro a palavra de Deus.
    Uma vez, porém, que a rejeitais
    e não vos julgais dignos da vida eterna,
    voltamo-nos para os gentios,
    pois assim nos mandou o Senhor:
    ‘Fiz de ti a luz das nações,
    para levares a salvação até aos confins da terra’».
    Ao ouvirem estas palavras,
    os gentios encheram-se de alegria
    e glorificavam a palavra do Senhor.
    Todos os que estavam destinados à vida eterna
    abraçaram a fé
    e a palavra do Senhor divulgava-se por toda a região.
    Mas os judeus,
    instigando algumas senhoras piedosas mais distintas
    e os homens principais da cidade,
    desencadearam uma perseguição contra Paulo e Barnabé
    e expulsaram-nos do seu território.
    Estes, sacudindo contra eles o pó dos seus pés,
    seguiram para Icónio.
    Entretanto, os discípulos
    estavam cheios de alegria e do Espírito Santo.

     

    CONTEXTO

    No livro dos Atos dos Apóstolos, Lucas centra a sua reflexão no “tempo da Igreja”: o “tempo” em que a proposta da salvação de Deus era apresentada ao mundo pelos discípulos de Jesus, animados e orientados pelo Espírito.

    Nas primeiras páginas do livro dos Atos (cf. At 1,12-6,7), o olhar de Lucas detém-se sobre a comunidade cristã de Jerusalém e sobre o testemunho que os cristãos dessa cidade dão diante dos seus concidadãos. Depois, com a morte de Estevão e as dificuldades cada vez maiores que os cristãos de Jerusalém encontravam para testemunhar a sua fé, a comunidade dispersou-se pela Samaria e pelas regiões vizinhas, fazendo com que o Evangelho chegasse a outras paragens (cf. At 6,8-12,25).

    A partir daqui, rapidamente o anúncio cristão ultrapassou as fronteiras palestinas e começou a chegar ao mundo greco-romano. O grande “responsável” por essa maravilhosa gesta foi um cristão de origem judaica, chamado Paulo. Nascido em Tarso (cf. At 21,39), na região da Cilícia (atual Turquia), Paulo era filho de judeus, da tribo de Benjamim (cf. Rm 11,1; Flp 3,5). Foi educado em Jerusalém e teve como mestre Gamaliel (cf. At 22,3), um famoso mestre judeu que ensinou em Jerusalém entre os anos 20 e 50. Paulo, judeu convicto, depois de perseguir os cristãos de Jerusalém, encontrou-se com Jesus, quando ia para Damasco para prender os cristãos dessa cidade. A sua vida mudou totalmente, depois desse encontro. Convertido a Jesus, Paulo foi para Jerusalém e daí, a convite de Barnabé, foi para Antioquia da Síria, onde existia uma numerosa comunidade cristã.

    A grande aventura missionária de Paulo começa por volta do ano 46, quando a comunidade cristã de Antioquia da Síria, ansiosa por fazer chegar mais longe a Boa Nova de Jesus, decidiu enviar dois missionários (Barnabé e Paulo) a evangelizar. Entre 13,1 e 15,35, o autor dos “Atos” descreve o “envio” dos missionários, a viagem, a evangelização de Chipre e da Ásia Menor (Perga, Antioquia da Pisídia, Icónio, Listra, Derbe) e os problemas colocados à jovem Igreja pela entrada maciça de gentios.

    O texto que a liturgia deste quarto domingo pascal nos propõe como primeira leitura refere-se a um episódio da primeira viagem missionária de Paulo e Barnabé. Chegados a Antioquia da Pisídia, uma cidade situada no interior da Ásia Menor, os dois apóstolos dirigem-se à comunidade judaica reunida na sinagoga. Convidado a falar, Paulo pronunciou um longo discurso no qual apresentou aos judeus ali reunidos a proposta de Jesus (cf. At 13,16-41). As suas palavra surpreenderam toda a gente; e os presentes pediram-lhe que, no sábado seguinte, voltasse à sinagoga para continuar a explicar o anúncio que trazia. O nosso texto refere a chegada de Paulo e Barnabé à cidade (vers. 14) e a reação ao discurso de Paulo naquele primeiro sábado (vers. 43). Descreve depois a reação dos judeus quando Paulo e Barnabé se apresentaram novamente na sinagoga no sábado seguinte (vers. 44-52).

     

    MENSAGEM

    O facto de um grande número de pessoas se ter deslocado à sinagoga de Antioquia da Pisídia para escutar a pregação de Paulo, provocou o ciúme dos líderes judaicos (vers. 44). Mas a reação negativa desses líderes ao testemunho de Paulo resultou sobretudo da autossuficiência que os caraterizava: convencidos das suas verdades, considerando-se os únicos intérpretes autorizados de Deus, não estavam disponíveis para acolher a novidade que lhes era anunciada (vers. 45). Que fazer, então, da proposta de salvação que Deus estava a oferecer através do labor missionário de Paulo e Barnabé? Ficaria desperdiçada? Paulo tinha uma resposta clara: já que os judeus recusavam a salvação que lhes era oferecida, chegara a altura de apresentar essa mesma proposta aos pagãos. Aliás, Paulo conhecia aquilo que, alguns séculos antes, Deus tinha dito através do Deutero-Isaías: “fiz de ti a luz das nações, para levares a salvação até aos confins da terra” (vers. 47; cf. Is 49,6); e sentia que a sua missão seria concretizar esse projeto. O Evangelho de Jesus estava agora em condições de saltar as fronteiras estreitas do mundo judaico para se tornar uma proposta de salvação destinada às gentes de todas as raças, de todas as culturas e de todos os lugares. Os pagãos, por sua vez, acolheram com grande alegria esta decisão: Deus convidava-os a integrar a sua família; e o acolhimento desse convite abria-lhes perspetivas completamente novas de vida e de realização (vers. 48-49).

    Lucas acrescenta, para finalizar este episódio, que os líderes judaicos procuraram criar um movimento de opinião pública contra Paulo e Barnabé. “Instigando algumas senhoras piedosas mais distintas e os homens principais da cidade”, conseguiram mesmo que os dois apóstolos fossem expulsos (vers. 50-51). Paulo e Barnabé foram forçados a deixar Antioquia da Pisídia; contudo, a semente estava lançada. Na cidade ficaram pessoas, cheias “de alegria e do Espírito Santo”, que tinham abraçado a fé e se dispunham a caminhar com Jesus (vers. 52). Quanto a Paulo e Barnabé, sem se deixarem desanimar, prosseguiram a missão que lhes tinha sido confiada por Deus. Dirigiram-se a outras cidades da Ásia Menor (Icónio, Listra e Derbe), para aí continuarem a dar testemunho de Jesus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Os líderes da comunidade judaica de Antioquia da Pisídia, apesar da sua história e da sua tradição religiosa, manifestaram total indisponibilidade para se deixar interpelar por Deus. Comodamente instalados atrás das suas verdades imutáveis, presos às suas leis e tradições, agarrados ao seu orgulho e autossuficiência, convencidos das suas prerrogativas como “povo eleito”, acharam que já tinham a salvação assegurada. Quando Deus lhes apareceu no caminho para lhes apresentar novos desafios e para lhes propor mudanças, não reconheceram a sua voz. Tornaram-se surdos às indicações de Deus. Nós, crentes do séc. XXI, não estamos livres de cair em algo semelhante: instalados uma fé “morna” e pouco exigente, embalados por uma religião feita de ritos externos e de fórmulas que não mudam nada na nossa vida de todos os dias, paralisados pelo receio de pormos em causa o nosso conforto e a nossa segurança, vamos perdendo a capacidade de ouvir Deus. E quando Deus nos “visita”, ignoramos os seus apelos e indicações, pois não queremos mudar, converter o nosso coração, arriscar caminhos novos. Isto nunca se passou connosco? Como reagimos aos apelos que Deus faz à conversão, a um compromisso mais sério, a uma vida mais coerente com o Evangelho?
    • Os “pagãos” de que se fala nesta leitura estão totalmente disponíveis para acolher a salvação. São pessoas sedentas de Deus, que buscam uma vida mais autêntica e que aceitam o desafio de caminhar atrás de Jesus. De alguma forma representam todos aqueles que se sentem profundamente gratos pelo amor e pela misericórdia de Deus, os que estão dispostos a abraçar com todas as suas forças os desafios que Deus lhes apresenta. Também representam aqueles que, mesmo tendo uma história pessoal complicada e uma caminhada de fé nem sempre exemplar, estão abertos à novidade de Deus e se deixam questionar por Ele. Representam ainda os que não têm medo de se desinstalar, de arriscar partir para uma vida nova, de percorrer caminhos exigentes, de seguir Jesus no seu percurso de amor e de entrega, mesmo que isso implique a cruz e o dom da vida. Sentimo-nos disponíveis para abraçar a eterna novidade de Deus que nos espreita em cada curva da estrada da vida? Aceitamos viver numa dinâmica de conversão nunca terminada? Estamos dispostos a deixar que em cada “hoje” Deus reprograme a nossa vida conforme o seu projeto?
    • Paulo e Barnabé, expulsos da cidade por causa do seu testemunho sobre Jesus, não amuaram nem se deixaram abater pelo desânimo. Estavam convencidos que que traziam em mãos um tesouro do qual não podiam desistir. “Sacudindo o pó dos seus pés” contra aqueles que os rejeitavam, foram imediatamente levar o Evangelho a outras gentes, a pessoas disponíveis para acolher o projeto de Jesus. Como lidamos com as dificuldades, as incompreensões, as rejeições que encontramos quando damos testemunho de Jesus? Desistimos, ou renovamos a nossa decisão de sermos arautos de Jesus e da proposta de salvação que Ele veio trazer a todos os homens e mulheres?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 99 (100)

    Refrão 1:

    Nós somos o povo de Deus,
    somos as ovelhas do seu rebanho.

    Refrão 2:

    Nós somos o povo do Senhor;
    Ele é o nosso alimento.

    Refrão 3: Aleluia.

    Aclamai o Senhor, terra inteira,
    servi o Senhor com alegria,
    vinde a Ele com cânticos de júbilo.

    Sabei que o Senhor é Deus,
    Ele nos fez, a Ele pertencemos,
    somos o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

    O Senhor é bom,
    eterna é a sua misericórdia,
    a sua fidelidade estende-se de geração em geração.

     

    LEITURA II – Apocalipse 7,9.14b-17

    Eu, João, vi uma multidão imensa,
    que ninguém podia contar,
    de todas as nações, tribos, povos e línguas.
    Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
    vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.
    Um dos Anciãos tomou a palavra para me dizer:
    «Estes são os que vieram da grande tribulação,
    os que lavaram as túnicas
    e as branquearam no sangue do Cordeiro.
    Por isso estão diante do trono de Deus,
    servindo-O dia e noite no seu templo.
    Aquele que está sentado no trono
    abrigá-los-á na sua tenda.
    Nunca mais terão fome nem sede,
    nem o sol ou o vento ardente cairão sobre eles.
    O Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor
    e os conduzirá às fontes da água viva.
    E Deus enxugará todas as lágrimas dos seus olhos».

     

    CONTEXTO

    Nos últimos anos do séc. I, as comunidades cristãs da Ásia menor viviam numa situação bastante precária. As heresias – como a dos nicolaítas (cf. Ap 2,6.15) – traziam essas comunidades em sobressalto e criavam um clima de confusão generalizada; por outro lado, a perseguição ordenada pelo imperador Domiciano traduzia-se diariamente num grande sofrimento para as comunidades cristãs espelhadas pelos territórios do império romano. na prisão e na morte de um grande número de cristãos.

    Neste contexto, um tal João, exilado na ilha de Patmos por causa da sua fé (cf. Ap 1,9), entendeu escrever um livro que ajudasse os seus irmãos a enfrentar as dificuldades internas e externas que os faziam sofrer tão duramente. Esse livro apresentava, antes de mais, um convite à conversão e a um empenho renovado na vivência fiel do Evangelho (cf. Ap 2,1-3,22); propunha, também, uma leitura profética da história, garantindo aos cristãos perseguidos a vitória final de Deus e dos “santos” sobre as forças do mal (cf. Ap 4,1-22,5). Os crentes que todos os dias enfrentavam as dificuldades do caminho cristão recebiam, deste modo, uma mensagem de alento e de esperança. O autor do livro escolheu um género literário especial, que privilegia a utilização de símbolos e imagens para expor a mensagem. Essa mensagem, percetível para os crentes, tornava-se praticamente incompreensível para os perseguidores.

    O texto que a liturgia deste quarto domingo pascal nos propõe como segunda leitura, pertence à segunda parte do livro. Integra uma visão em que “o Cordeiro” (Jesus) revela a todos os seres criados, reunidos à volta de Deus, o conteúdo de um livro onde estão os segredos da história humana. Esse livro está fechado com sete selos. À medida que os selos vão sendo abertos, vai ficando patente a todos os presentes a realidade do mundo. A abertura do primeiro selo mostra um cavaleiro branco, que é Cristo vitorioso, continuamente em combate contra tudo aquilo que escraviza e destrói o mundo e os filhos de Deus; a abertura do segundo selo mostra a presença de um cavaleiro vermelho, símbolo da guerra e da violência que atordoam o mundo; a abertura do terceiro selo traz um cavaleiro negro, símbolo da fome e da miséria; a abertura do quarto selo revela um cavaleiro esverdeada, símbolo da morte, da doença e da decomposição; a abertura do quinto selo mostra os mártires que sofrem perseguição por causa da sua fé e que imploram a Deus por justiça; a abertura do sexto selo anuncia o “grande dia da ira” de Deus e a intervenção final de Deus na história para destruir o mal que oprime os seus filhos; a abertura do sétimo selo mostra o combate em que as forças de Deus derrotarão definitivamente as forças do mal.

    Em concreto, a nossa leitura situa-nos no contexto do sexto selo, aquele que anuncia o “dia do Senhor” (cf. Ap 6,12-7,17). Aos mártires que clamam por justiça, o autor do “Apocalipse” descreve o que vai resultar da intervenção de Deus: a libertação definitiva, a vida em plenitude.

     

    MENSAGEM

    João, o profeta de Patmos, convida-nos a olhar para “uma multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas”. Essa multidão está de pé, em sinal de vitória, pois participa da vitória de Cristo sobre a morte. Todos os que integram essa multidão estão vestidos “com túnicas brancas” e “levam palmas nas mãos” (vers. 9). O branco é a cor de Deus: são, portanto, pessoas que pertencem a Deus. As “palmas” que levam na mão poderão apontar para os “ramos de verdura” com que Jesus foi acolhido quando entrou na sua cidade santa de Jerusalém (cf. Mc 11,8-10); mas o mais provável é que aludam à “festa das tendas” (a festa que evocava a passagem dos hebreus da terra da escravidão para a terra da liberdade) durante a qual os israelitas entravam no recinto do Templo cantando e agitando ramos de palmeira (cf. Lv 23,40). Os ramos de palmeira são símbolo de vitória, de festa, de uma vida nova e eterna.

    Depois, o nosso texto passa diretamente para o vers. 14b (omitindo os vers. 10-14a), onde um dos seres vivos que está diante do trono de Deus explica que aquelas pessoas “vieram da grande tribulação”, “lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro” (vers. 14b). São os mártires, aqueles que suportaram a perseguição, mas que se mantiveram fiéis a Jesus. Redimidos pelo sacrifício de Cristo, não foram derrotados pela morte (vers. 14).

    Que fazem agora estes mártires cristãos redimidos pelo sangue de Cristo? Estão diante de Deus tributando-Lhe culto, dia e noite (vers. 15). Livres de todo o sofrimento e de toda a precariedade (“nunca mais terão fome nem sede, nem o sol ou o vento ardente cairão sobre eles” – vers. 16), gozam de uma felicidade eterna, junto de Deus. O Cordeiro levá-los-á “às fontes da água viva”; e o próprio “Deus enxugará todas as lágrimas dos seus olhos” (vers. 17).

    Trata-se de uma mensagem magnífica, destinada a alimentar a esperança dos cristãos perseguidos.

    A todos esses homens e mulheres injustiçados e magoados pela maldade e pela violência do império, João garante que se vai cumprir o novo e definitivo êxodo e que, depois da intervenção final de Deus na história, os “santos” vão passar da escravidão para a liberdade plena. Serão acolhidos na tenda de Deus, ficarão definitivamente livres da morte, do sofrimento, das lágrimas. Cristo ressuscitado é o pastor deste novo povo: garantir-lhe-á os bens definitivos e conduzi-lo-á à fonte de onde brota a vida plena e eterna.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Muitos homens e mulheres passam pela vida perante a indiferença de toda a gente. Ignorados e desprezados, vivem humildemente e os seus nomes não ficam registados nos livros que contam a história dos povos. As suas vidas terão feito sentido, ou terão fracassado? Deus conhece os seus nomes, os seus padecimentos, os seus sonhos, as suas obras, os seus corações? João, o profeta de Patmos, fala-nos de um “livro” onde Deus tem registada a história do mundo. Nesse livro estão os nomes, os rostos de todos os homens e mulheres, mesmo aqueles que, aparentemente, passaram ao lado da vida. As suas vidas não foram perdidas, pois Deus conhece-os e tomou nota de tudo aquilo que passaram. Quando, depois das suas vidas sofridas, se apresentarem diante de Deus, Deus “enxugar-lhes-á todas as lágrimas” e oferecer-lhes-á vida em abundância. Todos os filhos e filhas de Deus estão registados no livro da vida, mesmo os mais humildes, os mais pobres, os que nunca têm voz, aqueles que não entram na contabilidade da história que os homens escrevem, aqueles que o mundo despreza e deixa abandonados na berma da estrada da vida. Sabemos que constamos do livro de Deus, mesmo que os homens com quem nos cruzamos não nos conheçam, não reparem em nós, nos tratem com desprezo, apaguem qualquer sinal da nossa passagem pelo mundo?
    • No final do séc. I os cristãos sofriam duramente pela sua fidelidade a Jesus e ao Evangelho. O mundo não os compreendia e o imperador Domiciano queria eliminá-los da face da terra. Hoje, vinte séculos depois, no tempo da liberdade e dos direitos humanos, muitos cristãos continuam a sofrer todos os dias por causa da sua fé e do testemunho que insistem em dar. Algumas vezes a incompreensão que o mundo lhes dedica traduz-se em derramamento de sangue; outras vezes em escárnio, troça, ridicularização, discriminação, indiferença. O quadro de uma imensa multidão de mártires “vestidos com túnicas brancas e de palmas nas mãos”, que “lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro”, que se apresentam vitoriosos diante de Deus e que serão conduzidos pelo Cordeiro “às fontes de água viva”, constitui, para todos os discípulos de Jesus, uma fonte de consolação e de esperança. Nenhum poder do mundo afastará da vida eterna aqueles que vivem na fidelidade a Jesus e ao seu Evangelho. No final, quando se fizerem as contas da história, eles estarão ao lado de Deus e participarão da vitória de Deus. Esta certeza que a Palavra de Deus deste domingo nos deixa é para nós fonte de alento e de encorajamento no difícil caminho que percorremos todos os dias?

     

    ALELUIA – Jo 10,14

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o bom pastor, diz o Senhor:
    conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-Me.

     

    EVANGELHO – João 10,27-30

    Naquele tempo, disse Jesus:
    «As minhas ovelhas escutam a minha voz.
    Eu conheço
    as minhas ovelhas e elas seguem-Me.
    Eu dou-lhes a vida eterna e nunca hão de perecer
    e ninguém as arrebatará da minha mão.
    Meu Pai, que Mas deu, é maior do que todos
    e ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai.
    Eu e o Pai somos um só».

     

    CONTEXTO

    O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a Vida em plenitude.

    A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do Quarto Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente o texto de Ez 34, onde se encontra a chave para compreender a metáfora do “pastor” e do “rebanho”. Falando aos exilados da Babilónia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de sofrimento, de injustiça e de morte; mas – diz também Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele irá colocar à frente do seu “rebanho” um “Bom Pastor” (o “Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à Vida. A catequese que o 4º Evangelho nos oferece sobre o “Bom Pastor” sugere que a promessa de Deus – veiculada por Ezequiel – se cumpre em Jesus.

    De acordo com o Evangelho de João, Jesus teria pronunciado o “discurso do Bom Pastor” (cf. Jo 10) em Jerusalém, em contexto da “festa da Dedicação do Templo” (cf. Jo 10,22). Esta festa (chamada, em hebraico, “Hanûkkah”) celebra a purificação do Templo de Jerusalém (164 a.C.), por Judas Macabeu, depois de o rei selêucida Antíoco IV Epifânio o ter profanado (167 a.C.), construindo um altar em honra de Zeus dentro do espaço sagrado. É a festa da Luz. O símbolo por excelência dessa festa é um candelabro de oito braços (“hanûkkiyyah”). Os braços desse candelabro vão sendo progressivamente acesos, um a um, durante os oito dias que a festa dura. Jesus tinha, pouco antes, curado um cego de nascença, assumindo-se como “a Luz” que veio para iluminar as trevas do mundo (cf. Jo 8,12; 9,1-41).

    Apesar do ambiente festivo, a relação entre Jesus e os líderes judaicos é de grande tensão (cf. Jo 9,40; 10,19-21.24.31-39). Depois de ver a pressão que esses líderes colocaram sobre um cego de nascença para que ele não abraçasse a luz (cf. Jo 9,1-41), Jesus denuncia a forma como eles tratam a comunidade: estão apenas interessados em proteger os seus interesses pessoais e usam o Povo em benefício próprio; são, pois, “ladrões e salteadores” (Jo 10,1.8.10), que tomaram de assalto o rebanho que lhes foi confiado e roubam ao Povo a oportunidade de encontrar Vida.

     

    MENSAGEM

    Jesus está no templo de Jerusalém, no pórtico Salomão, uma grande passagem coberta que ficava do lado oriental do pátio externo do templo. Os dirigentes judaicos vão ter com Ele e, para clarificar definitivamente as coisas, perguntam-lhe diretamente se Ele é “o Messias” (Jo 10,23-24). Jesus confirma implicitamente a sua missão messiânica; mas observa que qualquer declaração que faça não vai mudar substancialmente as coisas: apesar de tudo o que tem dito, das suas obras em favor do homem, esses líderes que estão a confrontá-lo nunca o reconheceram como enviado de Deus para libertar Israel (Jo 10,25). Deus enviou-o como Pastor para dar vida ao seu povo; mas aqueles que presidem aos destinos da comunidade judaica nunca lhe deram crédito, nunca quiseram segui-l’O, nunca quiseram fazer parte das suas ovelhas (vers. 26).

    Os dirigentes judaicos ficam calados. É verdade que eles nunca se mostraram disponíveis para acolher Jesus e para fazer parte do seu rebanho. Jesus, continuando a conversa, explica-lhes o que significa fazer parte do rebanho do qual Ele é o Pastor.

    Fazem parte do rebanho de Jesus aqueles que escutam a sua voz e o seguem. O verbo “escutar” não implica apenas o “ouvir com os ouvidos” as palavras que foram ditas; mas indica o acolher e guardar no coração as propostas que Jesus faz. O verbo “seguir” implica o assumir o estilo de vida de Jesus, o tornar-se discípulo, o deixar-se guiar por Jesus, o ir atrás d’Ele no caminho do amor e do dom da vida.

    Os que escutam a voz de Jesus, acolhem as suas propostas e vão atrás d’Ele, estão unidos a Jesus de uma forma especial. Recorrendo a uma linguagem muito típica, João diz que Jesus “conhece-os”. O verbo “conhecer” indica proximidade, intimidade, familiaridade, comunhão de vida e de destino. Aqueles que Jesus “conhece” são aqueles que estão intimamente unidos a Jesus por laços muito fortes, por laços de amor e de afeto. Os discípulos – aqueles que Jesus “conhece” – têm uma relação muito próxima com Jesus, veem Jesus como a sua referência e seguem-no sem hesitações (vers. 27).

    A esses que escutam Jesus, que aderem às suas propostas, que vão atrás d’Ele, que aceitam fazer d’Ele a sua grande referência, Jesus dá-lhes vida verdadeira e definitiva (“Eu dou-lhes a vida eterna e nunca hão de perecer”). Como Bom Pastor, Jesus recria-os, vivifica-os, cuida deles, protege-os, defende-os condu-los às pastagens verdejantes e às fontes de onde brota a água que sacia a sede de vida. Esses nunca se perderão, pois a vida que Jesus lhes dá supera o próprio poder da morte. Nada os afastará do amor de Jesus (vers. 28).

    Mesmo que os líderes judaicos não reconheçam Jesus como o seu Pastor, Jesus vai continuar a cuidar das suas ovelhas, de todos aqueles que O escutam, O seguem e O amam. Foi essa a missão que Ele recebeu do Pai: fazer nascer o Homem Novo, uma humanidade recriada, que vive animada pelo Espírito de Deus. Nenhum poder do mundo poderá impedir Jesus de concretizar o projeto do Pai para aquelas “ovelhas” (“Meu Pai, que Mas deu, é maior do que todos e ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai” – vers. 29).

    Jesus termina a conversa com os dirigentes judaicos que o acossam no pórtico de Salomão garantindo-lhes que Deus está presente n’Ele e que se manifesta em tudo o que Ele faz (“Eu e o Pai somos um” – vers. 30). Jesus e o Pai identificam-se totalmente. Jesus atua em nome de Deus para recriar e vivificar o Homem. Quem recusar Jesus está a recusar o próprio Deus; quem se opõe a Jesus está a opor-se a Deus. Os dirigentes judaicos têm de decidir se querem continuar a recusar o próprio Deus.

    Os líderes de Israel compreendem perfeitamente a importância do que Jesus está a dizer e a seriedade da acusação que Jesus está a fazer-lhes. A sua reação é apanhar pedras para liquidar Jesus (vers. 31). Continuam sem reconhecer em Jesus o Pastor que o próprio Deus enviou para pastorear o seu rebanho.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Todos nós temos os nossos heróis, os nossos mestres, os nossos modelos. São figuras que consideramos como referências, figuras que respeitamos e de quem esperamos orientações, figuras cujas opiniões acolhemos e seguimos. Os povos antigos, ainda muito ligados a contextos agrários e pastoris, facilmente designavam uma figura dessas como “o Pastor” (nós hoje utilizamos outras palavras: “presidente”, “rei”, “diretor”, “superior”, “chefe”, “professor”, “guru”). Será que todas essas figuras que admiramos e cujas opiniões seguimos merecem a nossa confiança? Todas elas estarão interessadas no nosso bem?
    • O Evangelho deste domingo diz-nos que, para o cristão, o “Pastor” por excelência é Jesus. Ele é a nossa referência; é n’Ele que encontramos vida (“Eu dou-lhes a vida eterna e nunca hão de perecer e ninguém as arrebatará da minha mão”). É em Jesus que devemos confiar, é à volta d’Ele que nos devemos juntar, são as suas indicações e propostas que devemos seguir. O nosso “Pastor” é, de facto, Cristo, ou temos outros “pastores” que nos arrastam e que são as referências fundamentais à volta das quais construímos a nossa existência? Quem é que nos dita os caminhos em que andamos e os valores em que apostamos: Jesus Cristo? O patrão que nos paga o salário? O presidente do nosso partido político? Um qualquer líder da moda ou um qualquer “influencer”? A conta bancária? O comodismo, a instalação, a ambição, o orgulho, a vaidade? Os aplausos dos que nos rodeiam? O triunfo profissional a qualquer custo?
    • No cumprimento da sua missão de “Pastor”, Jesus não atua por interesse, mas por amor. Ele não foge quando as ovelhas estão em perigo, mas defende-as e até é capaz de dar a vida por elas; Ele preocupa-se com as suas ovelhas e mantém com cada uma delas uma relação única, especial, pessoal (“Eu conheço as minhas ovelhas”); Ele não se serve das suas ovelhas, mas serve-as e condu-las onde há alimento em abundância; Ele cuida de cada uma delas, particularmente das mais frágeis e necessitadas. Ora, esta forma de atuar de Jesus deve ser uma referência para aqueles que têm responsabilidades na condução e animação da comunidade, quer em âmbito civil, quer em âmbito religioso. Quando somos chamados à missão de presidir a um grupo, de animar uma comunidade, de exercer o serviço da autoridade, cumprimos a nossa missão no dom total, no amor incondicional, no serviço desinteressado, a exemplo de Jesus?
    • No “rebanho” de Jesus, não se entra por convite especial, nem há um número restrito de vagas a partir do qual mais ninguém pode entrar. A proposta de salvação que Jesus faz destina-se a todos os homens e mulheres, sem exceção. O que é decisivo para entrar a fazer parte do rebanho de Deus é “escutar a voz” de Jesus, aceitar as suas indicações, tornar-se seu discípulo… Isso significa, concretamente, ir atrás de Jesus, aderir ao projeto de salvação que Ele veio apresentar, percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu, na entrega total aos projetos de Deus e na doação total aos irmãos. Atrevemo-nos a seguir o nosso “Pastor” (Jesus) no caminho exigente do dom da vida, ou estamos convencidos que esse caminho é apenas um caminho de derrota e de fracasso, que não leva aonde nós pretendemos ir?
    • O nosso texto acentua a identificação total de Jesus com o Pai (“Eu e o Pai somos um”). Os interesses do Pai são os interesses de Jesus; o projeto do Pai é o projeto de Jesus. A preocupação fundamental de Jesus, desde o primeiro instante do seu caminho entre nós, foi obedecer ao Pai e cumprir o projeto do Pai (“ao entrar no mundo Cristo disse: ‘Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade’” – Heb 10,7). Em todos os momentos, em todos os passos, Jesus procurou obedecer ao Pai e cumprir a vontade do Pai. O projeto do Pai passou a ser o projeto de Jesus. Dessa entrega livre, consciente, assumida, resulta vida verdadeira e definitiva para as “ovelhas” que o Pai entregou aos cuidados de Jesus. O exemplo de Jesus convida-nos a aderir, com a mesma liberdade, mas também com a mesma disponibilidade, às propostas de Deus e ao cumprimento do projeto de Deus para nós e para o mundo. Procuramos, como Jesus, discernir a vontade do Pai e obedecer ao projeto que Ele tem para nós, mesmo que isso signifique abandonar os nossos esquemas pessoais, as nossas conveniências, os nossos caminhos particulares? Acreditamos que da nossa obediência ao Pai resultará algo de bom para nós e para os irmãos que caminham ao nosso lado?
    • Nas nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam, pessoas a quem foi confiado o serviço da autoridade. Podemos aceitar, sem problemas, que elas receberam essa missão de Jesus e da Igreja, apesar dos seus limites e imperfeições. Mas convém igualmente ter presente que o único “Pastor verdadeiro”, aquele que nunca falha, aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem condições, é Jesus. Procuremos escutar e acolher, com humildade, mas também com consciência crítica, as indicações que nos são dadas pelos líderes das nossas comunidades; mas não nos esqueçamos de as confrontar, para aquilatar da sua validade, com as indicações que nos foram deixadas por Jesus, o Bom Pastor, o nosso único Pastor. Como nos posicionamos diante daqueles a quem foi confiado, na comunidade cristã, o serviço da autoridade?
    • Para que distingamos a “voz” de Jesus de outros apelos, de propostas enganadoras, de “cantos de sereia” que não conduzem à vida plena, é preciso um permanente diálogo íntimo com “o Pastor” (Jesus), um confronto permanente com a sua Palavra e a participação ativa nos sacramentos onde se nos comunica essa vida que “o Pastor” nos oferece. Procuramos manter um diálogo frequente com Jesus, a fim de termos sempre vivas as suas indicações?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4.º DOMINGO DO TEMPO PASCAL

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 4.º Domingo do Tempo Pascal, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE ABERTURA.

    Nas palavras de boas vindas, o presidente da assembleia procure não fazer deste domingo unicamente um “domingo das vocações”; é Cristo morto e ressuscitado que é festejado e cantado ao longo de todos os domingos da Páscoa. Hoje, é-nos apresentado com traços de Pastor, que nos precede e nos guia para as fontes de vida. O Ressuscitado é o Caminho, a Verdade e a Vida.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Pai, nós Te damos graças pelo teu Filho Jesus, que se revelou como Luz das nações, e pelos teus Apóstolos, que comunicaram esta Luz, para que a tua salvação chegue até aos confins da terra.

    Nós Te pedimos por todos os novos batizados e pelos jovens que redizem pessoalmente a fé do seu Batismo.

    No final da segunda leitura:
    Nosso Pai dos céus, nós Te bendizemos pela multidão imensa de todas as nações, raças, povos e línguas, que está diante do teu trono e diante do Cordeiro: juntamo-nos ao grande louvor que eles Te dirigem.

    Jesus, que és o Cordeiro e o Pastor, nós Te pedimos pelas Igrejas, ainda em peregrinação: conduz-nos a todos, juntos para a fonte da vida.

    No final do Evangelho:
    Jesus nosso Bom Pastor, nós Te damos graças pela tua voz que nos chama, porque Tu conheces-nos e dás-nos a vida eterna.

    Nós Te pedimos: que o teu Espírito nos torne atentos à tua voz, para que a possamos conhecer e possamos seguir-Te. Que nada nos afaste da tua mão, que é a do Pai, porque vós sois um.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    Como está feliz, a criança a quem damos a mão! Sente-se em segurança, já não tem medo, é considerada como uma pessoa. Jesus, na parábola do Bom Pastor, evoca a ligação que existe entre o verdadeiro pastor e as suas ovelhas. Elas parecem estar na sua mão porque, diz Ele, “ninguém as arrancará da minha mão”. Jesus veio tomar a humanidade pela mão para dela cuidar, curar, conduzir, erguer, numa palavra, “salvar”. Ora, se Ele veio tomar a humanidade pela mão, é porque o Pai O enviou, como os dois fazem UM, é na mão do Pai que se encontra a humanidade, e, afirma Jesus, ninguém pode arrancar nada da mão do Pai. Que segurança para nós! Saber que estamos em segurança na mão de Deus: criando-nos e recriando-nos, tal como o oleiro, modela-nos e renova-nos. Perdoando-nos, tal como o pai do filho pródigo, reconcilia-nos com Ele, connosco mesmos e com os outros. Guiando-nos, tal como o Bom Pastor, faz-nos caminhar no caminho da felicidade. Oferecendo-nos a sua vida, tal como o Filho na cruz, faz de nós vivos.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.

    “Sou Eu!” Quem de nós não exclamou tantas vezes esta expressão? Nem é necessário dizer o nome… Hoje, diz Jesus: “Eu sou o Bom Pastor..:” Coloca-Se num registo de uma relação de intimidade para falar da sua ligação com os discípulos. Foi isso que Ele viveu com eles durante três anos. Tornaram-se seus amigos. Várias vezes, Jesus só precisou deste grito para Se fazer reconhecer: “Sou Eu!” Os discípulos não podiam enganar-se: esta voz era a sua, única no mundo. Não serve de nada dizer a um desconhecido: “Sou Eu!” Para entrar na intimidade de alguém, é preciso uma relação longa, um “viver-com”, uma familiaridade, no sentido pleno da palavra. Isso só se pode viver na duração, na fidelidade, na paciência. Com Jesus, é exatamente a mesma coisa. Não é o meu nervo auditivo que vibra à sua voz, mas a “audição do coração” que me torna atento quando a sua Palavra é proclamada em Igreja, quando leio e medito esta Palavra. É ela que vem fazer vibrar o meu ser profundo, que me toca o coração. Torno-me então, pouco a pouco, capaz de integrar na minha vida, na minha maneira de pensar e de agir, a sua maneira própria de falar e de agir. Pouco a pouco, a minha vida toma uma cor evangélica, a minha consciência afina-se, torno-me discípulo de Jesus, reconheço a sua presença na minha vida. Aí está um trabalho de longo alcance, de toda a vida. Então, pouco a pouco também, é um pouco d’Ele que trespassará através da minha vida para tocar os outros. Não está aí a vocação própria de todo o batizado: fazer-se eco da sua voz no coração do mundo?

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística III para as circunstâncias especiais, com a intercessão n.º 1.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    A minha participação no serviço das vocações… Neste Dia Mundial de Oração pelas Vocações, cada um de nós é chamado a fazer o ponto da situação:

    – Qual é a minha parte ao serviço das vocações e da missão?
    – Alguns euros na altura do peditório?
    – Uma oração uma vez por ano? Ou com mais frequência?
    – Um compromisso bem concreto – mesmo pequeno – num serviço da Igreja?
    – E, se sou pai ou mãe, que forma de despertar uma vocação possível nos próprios filhos?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 4ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    4ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    12 de Maio, 2025

    4ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 11, 1-18

    Naqueles dias, 1os Apóstolos e os irmãos da Judeia ouviram, entretanto, dizer que também os pagãos tinham recebido a palavra de Deus. 2E, quando Pedro subiu a Jerusalém, os circuncisos começaram a censurá-lo, 3dizendo-lhe: «Tu entraste em casa de incircuncisos e comeste com eles.» 4Pedro expôs-lhes, então, o caso, do princípio ao fim, dizendo: 5«Estava eu em oração na cidade de Jope quando, em êxtase, tive uma visão: um objecto semelhante a uma grande toalha, descia do céu, preso pelas quatro pontas, e chegou até junto de mim. 6Fitando os olhos nele, pus-me a observar e vi os quadrúpedes da terra, os animais ferozes, os répteis e as aves do céu. 7Ouvi também uma voz que me dizia: 'Vamos, Pedro, mata e come.' 8Mas eu respondi: 'De modo algum, Senhor! Nunca entrou na minha boca nada de profano ou impuro!' 9A voz fez-se ouvir do Céu, pela segunda vez: 'O que Deus purificou não o consideres tu impuro.' 10Isto repetiu-se três vezes; depois, tudo foi novamente elevado ao Céu. 11Nesse instante, apresentaram-se três homens na casa em que estávamos, enviados de Cesareia à minha presença. 12O Espírito disse-me que os acompanhasse, sem hesitar. Vieram também comigo os seis irmãos, aqui presentes, e entrámos em casa do homem. 13Ele contou-nos que tinha visto um anjo apresentar-se em sua casa, dizendo-lhe: 'Envia alguém a Jope e manda chamar Simão, cujo sobrenome é Pedro; 14ele dir-te-á palavras que te hão-de trazer a salvação, a ti e a toda a tua casa.' 15Ora, quando principiei a falar, o Espírito Santo desceu sobre eles, como sobre nós, ao princípio. 16Recordei-me, então, da palavra do Senhor, quando Ele dizia: 'João baptizou em água; vós, porém, sereis baptizados no Espírito Santo.' 17Se Deus, portanto, lhes concedeu o mesmo dom que a nós, por terem acreditado no Senhor Jesus Cristo, quem era eu para me opor a Deus?»
    18Estas palavras apaziguaram-nos, e eles deram glória a Deus, dizendo: «Deus também concedeu aos pagãos o arrependimento que conduz à Vida!»

    O baptismo de Cornélio e da sua família, passo decisivo na abertura do evangelho aos pagãos, foi oficialmente comunicado às autoridades da Igreja de Jerusalém. Mas os ambientes judeo-cristãos levantaram problemas e, quando Pedro chegou a Jerusalém, pediram-lhe explicações. Embora sendo a máxima autoridade na Igreja, o Apóstolo não queria agir de modo independente e caprichoso. Por isso, explica o passo dado e as motivações do mesmo. Não conta todo o episódio, mas apenas os pormenores que julga necessários para a sua compreensão. Além do seu próprio testemunho, acrescenta o dos seis irmãos que o acompanham, e lembra as palavras de Jesus, antes da ascensão: «vós, porém, sereis baptizados no Espírito Santo». A efusão do Espírito incluía os pagãos.
    Os argumentos de Pedro acalmam os seus opositores. Estes reconhecem a acção de Deus e verificam que a penitência em ordem à vida também é concedida aos gentios, que não precisam de se tornar previamente judeus, nem de ser circuncidados e observar a Lei. A missão entre os pagãos ficava oficialmente autorizada. A acção de Pedro, que inicia a missão entre os gentios, uma vez aprovada pela Igreja, torna-se acção da própria Igreja. Mais ainda: sendo Cornélio romano, Lucas também insinua a boa relação entre os primeiros cristãos e as autoridades romanas, a tolerância do Estado frente à Igreja, decisiva na história do cristianismo.

    Evangelho: João 10, 1-10

    Naquele tempo, disse Jesus: 1«Em verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no redil das ovelhas, mas sobe por outro lado, é um ladrão e salteador. 2Aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. 3A esse o porteiro abre-a e as ovelhas escutam a sua voz. E ele chama as suas ovelhas uma a uma pelos seus nomes e fá-las sair. 4Depois de tirar todas as que são suas, vai à frente delas, e as ovelhas seguem-no, porque reconhecem a sua voz. 5Mas, a um estranho, jamais o seguiriam; pelo contrário, fugiriam dele, porque não reconhecem a voz dos estranhos.» 6Jesus propôs-lhes esta comparação, mas eles não compreenderam o que lhes dizia.
    7Então, Jesus retomou a palavra: «Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas. 8Todos os que vieram antes de mim eram ladrões e salteadores, mas as ovelhas não lhes prestaram atenção. 9Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim estará salvo; há-de entrar e sair e achará pastagem. 10O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.

    Esta parábola é dirigida por Jesus, não aos judeus, mas aos fariseus com quem mantinha controvérsias por causa da sua dignidade divina, da fé exigida aos homens e da atitude de recusa que, em relação a Ele, mantinham os dirigentes de Israel. Os fariseus são os pastores que não entraram pela porta. São, pois, ladrões e salteadores. Jesus é o único pastor, que entra pela porta, que é a própria porta do redil.
    As diversas analogias, que aparecem na alegoria, têm por fim realçar a autoridade de Jesus, cuja finalidade é apenas o bem-estar das suas ovelhas, a quem se entrega sem reserva. Dá a vida por elas. A autoridade dos fariseus não é legítima, porque se baseava numa interpretação da Lei que esmagava o povo em vez de o libertar. Os fariseus buscavam o seu próprio interesse e não o do povo (cf. Mt 23; Mc 12, 38ss.). Jesus é pastor legítimo, porque está preocupado com as ovelhas. Veio
    para servi-las, e não para ser servido por elas. Conhece-as e elas conhecem-no; conhecem a sua voz. Têm dele um conhecimento amoroso. Jesus, o Bom Pastor, não procura dominar, não exige renúncia a nossa dignidade. Apenas pede que tenhamos confiança n´Ele para chegarmos à meta, às pastagens eternas.

    Meditatio

    O Evangelho, de vez em quando, fala de mortificação. Podemos até cair na tentação de pensar que o Senhor veio para nos complicar a vida, para nos fazer sofrer e morrer, e que a vida cristã é mutilação. Hoje, o Senhor, tira-nos todas as dúvidas: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10, 10). Se nos pede algum sacrifício, se nos convida a carregar a cruz, é por razões positivas, é para termos uma vida de maior plenitude. É o que nos diz na alegoria da videira: «Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. Ele... poda o ramo que dá fruto, para que dê mais fruto ainda» (Jo 15, 1-2).
    «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10, 10). No evangelho de hoje, Jesus apresenta-se como Bom Pastor. Não é um pastor à maneira dos dirigentes de Israel que «dispersam e extraviam o rebanho» (Jr 23, 1) e «que se apascentam a si mesmos» (Ez 34, 2). É um pastor plenamente solidário com as suas ovelhas, a ponto de dar a vida por elas. É um pastor que conhece as pastagens eternas e o caminho para lá chegar. É um pastor diferente! Podemos deixar-nos guiar por Ele, porque não pretende dominar, não quer fazer-nos seus súbditos, não pede renúncia à nossa própria dignidade. Apenas pede que nos fiemos dele, que confiemos nele, para chegarmos à meta. É um pastor desapegado do poder e completamente entregue à orientação mansa e segura das ovelhas, pelas quais dá a sua vida.
    Para o rebanho de Jesus são convidados todos os povos da terra. É o que nos mostra a conversão de Cornélio, um pagão romano. Como afirma Pedro, «Deus não faz acepção de pessoas» (Act 10, 34). Para Ele não há discriminação por razões sociais, raciais ou de qualquer outro tipo. Pedro, como judeu, sabia que era ilegal entrar na casa de um pagão, do modo como o fez. Mas a visão que teve em Jope fez- lhe dar-se conta de que essa ilegalidade tinha desaparecido com a morte e a ressurreição do Senhor. A salvação realizada por Jesus é para todos. Ninguém é excluído. Jesus ressuscitado é o Senhor de todos e, a todo o que n´Ele crê, são perdoados os pecados (cf. Act 10, 34-36). Pedro tem uma prova clara de tudo isso quando, ao discursar em casa de Cornélio, vê realizar-se um novo Pentecostes:
    «quando principiei a falar, o Espírito Santo desceu sobre eles, como sobre nós, ao princípio» (11, 15). É o Pentecostes «pagão» (em comparação com Pentecostes judeu). Trata-se de um acontecimento decisivo para a missão entre os pagãos. Como poderiam negar-se as águas do baptismo àqueles a quem Deus concedera o Espírito? Será o argumento de Pedro diante da igreja de Jerusalém.
    Se a vocação à fé e ao baptismo é para todos, então também todos os que já têm fé e são baptizados têm o dever da missão, particularmente os consagrados. Como lembrava o nosso Superior Geral, no encerramento da VII Conferência Geral, compreendemos que a abertura universal do coração à missão não pode ser apenas de alguns, mas deve ser vocação de todo o dehoniano. Ainda que nem todos sejam chamados a trabalhar concretamente fora do seu país, a todos se pede que não reduzam a missão à realização de "serviços religiosos" para aqueles que já frequentam as nossas igrejas, mas façam da sua consagração um testemunho e um anúncio de Cristo à nossa sociedade.

    Oratio

    Ó Jesus, Bom pastor, quando vezes, também eu, tenho medo de me deixar guiar por Ti, preferindo outros pastores. Querendo fugir ao teu rebanho, deixo-me envolver pelo rebanho dos que caminham sem rumo e sem esperança. Quanto sou condicionado pelo pensamento do ambiente que me rodeia! Como é difícil escapar da manada dos que vivem tranquilamente o dia a dia, sem se preocuparem com o que virá depois!
    Dá-me a tua luz, para que compreenda que Tu és a luz, o guia, o caminho. Ilumina-me também para compreenda que fazer parte do teu rebanho não significa renunciar à minha inteligência, mas fazê-la penetrar pelos caminhos da vida, que só Tu conheces, porque só Tu desceste do Céu. Amen.

    Contemplatio

    O verdadeiro pastor não tem senão uma preocupação, sustentar e desenvolver a vida do seu rebanho. O seu coração é absorvido por esta preocupação. A sua vida desenvolve-se na oração, no zelo, nas obras de pregação e de caridade. É um exemplo vivo das virtudes que ensina. É assim que dá a sua vida pelas suas ovelhas. Não se preocupa com os lucros em dinheiro, com as comodidades que o seu lugar pode proporcionar. Basta-lhe viver dia a dia, de receber o pão que sustenta as forças do corpo. Não conhece os cuidados da avareza, do luxo ou da ambição. Os que vivem assim amam verdadeiramente a Nosso Senhor; e o amor que lhe dedicaram é o segredo do seu zelo e do seu desinteresse.

    O zelo pelas almas é inseparável do amor de Nosso Senhor, Jesus é devorado pelo zelo pela glória de seu Pai e pela salvação dos homens seus irmãos. Estes dois zelos não fazem senão um só. O bom padre deve como ele estar animado desde duplo zelo, e por isso basta-lhe amar Nosso Senhor e tudo reportar ao seu amor. O amor que testemunhamos a Nosso Senhor toca-o no coração e inclina-se a comunicar-se àquele que o ama. É assim que os padres que dão como móbil de todas as suas acções o amor do Sagrado Coração produzem os maiores frutos. Obrigam-no por uma doce coacção a substituir-se a eles, a viver neles e tornar-se pastor por seu intermédio.
    Mas, para que penetre assim numa alma sacerdotal, é preciso que não encontre nela nenhuma resistência. É preciso que se agrade nela e que nela se encontre em casa: Já não sou eu que vive; é Cristo que vive em mim. Que os seus padres o amem portanto! Pede-lhes o seu coração em troca do dele. Quando eles estiverem bem na frente do seu coração, fará brilhar à sua volta a sua divina influência; espalhará por eles ondas de graças. O seu ministério será abençoado (Leão Dehon, OSP 3, p. 469s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu vim para que tenham vida... em abundância» (Jo 10, 10).

  • 4ª Semana –Terça-feira - Páscoa

    4ª Semana –Terça-feira - Páscoa

    13 de Maio, 2025

    4ª Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 11, 19-26

    19Naqueles dias, os irmãos que se tinham dispersado, devido à perseguição desencadeada por causa de Estêvão, adiantaram-se até à Fenícia, Chipre e Antioquia, mas não anunciavam a palavra senão aos judeus. 20Houve, porém, alguns deles, homens de Chipre e Cirene que, chegando a Antioquia, falaram também aos gregos, anunciando-lhes a Boa-Nova do Senhor Jesus. 21A mão do Senhor estava com eles e grande foi o número dos que abraçaram a fé e se converteram ao Senhor. 22A notícia chegou aos ouvidos da igreja de Jerusalém, e mandaram Barnabé a Antioquia. 23Assim que ele chegou e viu a graça concedida por Deus, regozijou-se com isso e exortou-os a todos a que se conservassem unidos ao Senhor, de coração firme; 24ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé. Assim, uma grande multidão aderiu ao Senhor. 25Então, Barnabé foi a Tarso procurar Saulo.
    26Encontrou-o e levou-o para Antioquia. Durante um ano inteiro, mantiveram-se
    juntos nesta igreja e ensinaram muita gente. Foi em Antioquia que, pela primeira vez, os discípulos começaram a ser tratados pelo nome de «cristãos.»

    A perseguição que levou à morte de Estêvão, e provocou a dispersão dos
    «helenistas», foi providencial para a vida da Igreja. Os discípulos dispersos tornaram-se missionários entre os pagãos. Pregaram na Samaria, na Fenícia, em Chipre e Antioquia, dirigindo-se, não só às comunidades judaicas, mas também aos gregos, que eram pagãos. Antioquia, na Síria, torna-se uma comunidade cristã importante, pólo de difusão da fé entre os gregos. Os habitantes de Antioquia dão-se conta da diferença entre a comunidade dos discípulos de Jesus e a comunidade dos judeus. Por isso, começam a chamar cristãos aos discípulos de Cristo. O nome novo afirma eloquentemente que se trata de uma realidade nova.
    A comunidade de Jerusalém está atenta ao que se passa em Antioquia e manda dois emissários para que verificassem o que estava a acontecer. Felizmente envia Barnabé «homem bom, cheio do Espírito Santo», que é capaz de fazer um bom discernimento e acaba por compreender e estimular a acção da comunidade. Para ajudar, vai chamar Paulo a Tarso e introdu-lo na comunidade de Antioquia.

    Evangelho: João 10, 22-30

    Naquele Tempo, 22celebrava-se em Jerusalém a festa da Dedicação do templo. Era Inverno. 23Jesus passeava pelo templo, debaixo do pórtico de Salomão.
    24Rodearam-no, então, os judeus e começaram a perguntar-lhe: «Até quando nos deixarás na incerteza? Se és o Messias, di-lo claramente.» 25Jesus respondeu-lhes: «Já vo-lo disse, mas não credes. As obras que Eu faço em nome de meu Pai, essas dão testemunho a meu favor; 26mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas.
    27As minhas ovelhas escutam a minha voz: Eu conheço-as e elas seguem-me. 28Dou-
    lhes a vida eterna, e nem elas hão-de perecer jamais, nem ninguém as arrancará da minha mão. 29O que o meu Pai me deu vale mais que tudo e ninguém o pode arrancar da mão do Pai. 30Eu e o Pai somos Um.»

    Jesus vai ao Templo, na festa da Dedicação, e passeia debaixo do pórtico de
    Salomão. Os judeus ansiosos rodeiam-no e disparam a pergunta que os atormentava:
    «Até quando nos deixarás na incerteza? Se és o Messias, di-lo claramente» (v. 24). As palavras de Jesus deixavam entender que ele é o Messias. Mas podiam ser mal entendidas. Daí o chamado «segredo messiânico» no evangelho de Marcos. Jesus impõe silêncio a todos aqueles que, a ver as obras de Jesus, podiam directa ou indirectamente afirmar que Ele era o Messias. Desta vez, Jesus responde que a pergunta já está suficientemente respondida. Basta ouvir as suas palavras e, mais ainda, observar as suas obras. O problema é que eles não estão dispostos a acreditar. E não querem acreditar, isto é, aderir a Jesus, porque não lhe pertencem, não são seus, não são suas ovelhas. Não são atraídos pelo Pai (cf. Jo 6, 4). Pelo contrário, quem O escuta, dá prova de que pertence ao novo povo de Deus, é ovelha Jesus, escuta a sua voz, segue-O, não perecerá jamais (cf. vv. 27-28).
    Os discípulos de Jesus terão de sofrer como Ele sofreu. Mas, tal como Ele venceu a morte, também os seus discípulos, que vivem unidos a Ele, a hão-de vencer. Estão protegidos pelo Pai (cf. vv. 28-30).

    Meditatio

    Os pioneiros da igreja de Antioquia foram missionários anónimos, tal como aconteceu em Éfeso (18, 1), em Alexandria (18, 24) e em Roma (28, 14) e em tantas outras comunidades cristãs ao longo dos séculos. Essas igrejas são monumentos a tantos missionários desconhecidos que, mesmo sem missão oficial, sem organização e sem propaganda, assumiram a sua condição de baptizados e, animados pelo Espírito Santo, levaram por diante o trabalho da evangelização. Um exemplo e um estímulo para todos nós, hoje.
    No evangelho reencontramos a relação com Deus como condição de adesão a
    Cristo. Para acreditarmos, é preciso que o Pai nos atraia para Jesus. Por outras palavras, para que alguém se torne ovelha do rebanho de Jesus, e O escute, é preciso que o Pai lho dê. «Vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas» (v.
    26), isto é: não credes porque o Pai ainda não vos deu a mim. Por isso, não sois minhas ovelhas, não acreditais e não me reconheceis. Quando Jesus se apresenta a uma alma que lhe foi dada pelo Pai, acontece algo de semelhante ao que se passa quando duas pessoas se encontram pela primeira vez e se descobrem apaixonadas. Há um reconhecimento mútuo, há a descoberta de que se pertencem um ao outro. E a vida torna-se mais bela. Quando o Pai apresenta uma alma a Jesus, ela reconhece o seu Mestre e o Mestre reconhece a ovelha que o Pai lhe dá.
    «As minhas ovelhas escutam a minha voz» (v. 27). Há ainda muitas ovelhas que não estão no rebanho, na Igreja, porque ainda não ouviram a voz do Pastor. Quando a ouvirem, vão reconhecê-la, porque o Pai lhas deu, e vão aderir a Jesus em amor recíproco.
    Nós, que pertencemos ao rebanho, temos a responsabilidade de fazer ouvir a voz do Senhor, de modo perceptível, àqueles que ainda não a ouviram. Para isso, havemos de dar um testemunho coerente e puro.
    O Pe. Dehon sentiu pessoalmente a vocação missionária desde a primeira
    infância. Escreve no último caderno do seu Diário: " O ideal da minha vida, o voto que formulava entre lágrimas
    na minha adolescência era o de ser missionário e mártir. Parece-me que este voto se realizou por meio dos mais de cem missionários que tenho em todas as partes do mundo".
    Numa carta escrita aos seus missionários, o Pe. Dehon mostra-se orgulhoso por
    esses seus filhos, porque vão para terras longínquas alargar o Reino do Coração de Jesus, para viver a vida de reparação e de imolação, que a sua vocação exige. Devem desejar morrer na missão, para que o sacrifício seja mais completo e sem reservas,

    para fazer conhecer e amar a Deus, e para fazer conhecer o amor do Coração de
    Jesus.

    Oratio

    Ó Jesus, Bom Pastor, ilumina o meu coração e abre a minha inteligência para compreender a tua palavra. Na complexidade do mundo em que vivo, batido por tantas propostas religiosas, diante do pulular de tantas divindades, velhas e novas, sinto-me, às vezes, abalado, e compreendo a incerteza, o desencanto e o cepticismo de tantos irmãos. São muitas as vozes que lhes dificultam ouvir e discernir a tua voz.
    Tem compaixão de mim. Confirma no mais íntimo do meu coração a tua
    palavra, com aquela certeza que só o Espírito Santo pode dar. Tem compaixão dos meus irmãos, perdidos e confusos, como ovelhas sem pastor. Fala-lhes ao coração. Faz que Te escutem, não como um dos tantos mestres que por aí andam, mas como o Mestre, porque Tu e o Pai são Um. Amen.

    Contemplatio

    Como Nosso Senhor é amável sob o título de Bom Pastor, um título que resume tão bem todas as bondades do seu Coração para connosco! Foi ele que deu a si mesmo este título e que nos recordou todas as solicitudes, todas as ternuras, todas as dedicações de um bom pastor. O bom pastor conhece todas as suas ovelhas. Chama-as uma a uma. Caminha diante delas. Condu-las às melhores pastagens.
    Espiritualmente, temos por alimento da nossa alma a palavra viva de Nosso Senhor, e para o nosso coração o alimento celeste da Eucaristia. O bom Pastor dá os seus cuidados mais diligentes a todas as suas ovelhas. Se vê algumas que sofrem, feridas, cansadas, toma-as sobre os seus ombros, leva-as para o redil e cuida delas amorosamente. Nosso Senhor faz isto por nós pela confissão, pela direcção (espiritual) e pela sua Providência, tão assídua e tão delicada.
    O bom Pastor não perde de vista as suas ovelhas, a sua solicitude é extrema.
    Vela pela sua segurança, preserva-as da malícia dos maus e defende-os contra os embustes do demónio. Para as salvar, dá até à última gota do seu sangue. Não é verdadeiramente o Salvador com o seu Coração cheio de uma bondade inesgotável? (Leão Dehon, OSP 3, p. 472)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «As minhas ovelhas escutam a minha voz» (Jo 10, 27).

  • 4ª Semana –Quarta-feira - Páscoa

    4ª Semana –Quarta-feira - Páscoa

    14 de Maio, 2025

    4ª Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 12, 24 - 13, 5a

    Naqueles dias, 24a palavra de Deus crescia e multiplicava-se. 25Barnabé e Saulo, depois de terem cumprido a sua missão, regressaram de Jerusalém, levando consigo João, de sobrenome Marcos.
    1Havia na igreja, estabelecida em Antioquia, profetas e doutores: Barnabé, Simeão, chamado 'Níger', Lúcio de Cirene, Manaen, companheiro de infância do tetrarca Herodes, e Saulo. 2Estando eles a celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo: «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei.» 3Então, depois de terem jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir. 4Enviados, pois, pelo Espírito Santo, Barnabé e Saulo desceram a Selêucia e ali meteram-se num barco, rumo à ilha de Chipre. 5Chegados que foram a Salamina, começaram a anunciar a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus. Tinham também João como auxiliar.

    Com esta pequena secção, começa mais um dos resumos característicos de Lucas. Este trata do avanço do Evangelho. E vem uma notícia surpreendente: Barnabé e Saulo foram a Jerusalém, onde a comunidade dos discípulos passava por grave crise económica, para levarem ajuda da igreja de Antioquia. É o começo da partilha de bens entre as igrejas. Nessa mesma altura, Herodes desencadeou a perseguição que levou Tiago à morte. Pedro também foi preso, mas acabou por ser libertado. Segundo Lucas, Barnabé e Saulo, parecem ter escapado ilesos, o que não parece verosímil, pelo menos no caso de Saulo, cordialmente odiado pelos judeus. Mas o autor do Actos não está interessado em contar a sucessão exacta e cronológica dos acontecimentos. Interessa- lhe particularmente referir Antioquia como a igreja da qual vai partir a grande missão cujos protagonistas serão precisamente Barnabé e Saulo, acompanhados por João Marcos, uma excelente conquista feita em Jerusalém.
    A comunidade de Antioquia, viva e cheia de dinamismo, estava empenhada na evangelização da enorme cidade. Distinguiam-se, nessa tarefa, Saulo, Barnabé e João Marcos. Mas o Espírito tinha outros projectos. Um dia, enquanto jejuavam e rezavam manifestou a sua vontade por meio de um profeta: «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei» (v. 2). Esse trabalho era a evangelização do mundo mediterrânico, particularmente da Grécia e de Roma.

    Evangelho: João 12, 44-50

    Naquele tempo, 44Jesus levantou a voz e disse: «Quem crê em mim não é em mim que crê, mas sim naquele que me enviou; 45e quem me vê a mim vê aquele que me enviou. 46Eu vim ao mundo como luz, para que todo o que crê em mim não fique nas trevas. 47Se alguém ouve as minhas palavras e não as cumpre, não sou Eu que o julgo, pois não vim para condenar o mundo, mas sim para o salvar. 48Quem me rejeita e não aceita as minhas palavras tem quem o julgue: a palavra que Eu anunciei, essa é que o há-de julgar no último dia; 49porque Eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, é que me encarregou do que devo dizer e anunciar. 50E Eu bem sei que este seu mandato traz consigo a vida eterna; por isso, as coisas que Eu anuncio, anuncio-as tal como o Pai as disse a mim.»

    Esta perícopa encerra o «livro dos sinais», no evangelho de João. Jesus lança um clamor, um grito, que introduz uma declaração sobre a sua identidade. Já o fizera na festa dos Tabernáculos (Jo 7, 28) e no dia mais solene da mesma (Jo 7, 37). Aqui fá-lo, pela última vez, numa espécie de resumo dos temas tratados na primeira parte do evangelho de João: 1º - acreditar em Jesus, vê-lo, significa acreditar e ver Aquele que O enviou; é o tema da unidade: o Pai e Jesus são uma só coisa; Jesus é o resplendor do Pai, aproxima-O do homem, dá-lho a conhecer, comunica-O; 2º - Jesus é a luz; a missão de Jesus é portadora de salvação; 3º - o destino do homem joga-se no dilema fé-incredulidade, o acolhimento ou recusa de Jesus, na escuta ou não escuta da sua palavra. A fé, o acolhimento, a escuta de Jesus salvam o homem; a incredulidade, a recusa, a não escuta de Jesus, condenam o homem. Jesus não veio para julgar, mas para salvar. Será a Lei, em que os judeus põem toda a confiança, que os há-de julgar no último dia (cf. v. 48). 4º - a vinda de Jesus, a sua acção e a sua palavra, tinham um único objectivo: comunicar a vida. Foi esse o mandamento recebido do Pai (v. 50).

    Meditatio

    A igreja da Antioquia era viva e dinâmica. Tinha profetas e doutores, entre os quais se distinguiam Barnabé e Saulo, e estava empenhada na evangelização da grande cidade. Era uma igreja fervorosa e atenta à voz do Espírito. Assim: «estando eles a celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo:
    «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei.» Então, depois de terem jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir». Assim começou a grande missão: «Enviados, pois, pelo Espírito Santo, Barnabé e Saulo desceram a Selêucia e ali meteram-se num barco, rumo à ilha de Chipre. Chegados que foram a Salamina, começaram a anunciar a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus. Tinham também João como auxiliar». A igreja de Antioquia, que tinha ainda tanto para fazer na sua cidade, organiza uma missão pelas regiões vizinhas, confiando-a a dos seus mais destacados membros. Um exemplo que continua actual para todas as igrejas, mas também para as ordens e congregações, que fazem parte da vida e santidade da Igreja!
    Jesus não veio «para condenar o mundo» (v. 47). Mas a sua palavra e a sua missão realizam automaticamente um juízo e tornam-se critério último de verdade e de acção. A minha atitude diante de Jesus, e da sua palavra, realiza o juízo em relação a mim mesmo, agora e no futuro. Na pessoa de Jesus está presente a realidade definitiva. E eu devo confrontar-me, aqui e agora, com essa realidade, porque é o definitivo que avalia o transitório. É hoje que eu decido o meu destino eterno. É hoje que a minha vida está suspensa entre a vida e a morte, entre a luz e as trevas, entre o tudo e nada, porque é hoje que me confronto com Jesus e com a sua palavra, e é hoje que tenho de optar.
    O momento presente é sumamente importante, porque é o hoje de Deus, que podemos acolher ou rejeitar. Desse acolhimento ou rejeição derivam consequências eternas. O Hoje de Deus salvador está personificado em Jesus: "Hoje nasceu para vós na cidade de David um Salvador" (Lc 2, 11); "Hoje - diz Jesus na sinagoga de Nazaré - cumpriu-se esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir" (Lc 4, 21); "Hoje tenho de ficar em tua casa" - diz Jesus a Zaqueu (Lc 19, 5); e ainda "Hoje a salvação entrou nesta casa" (Lc 19, 9); "Hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23, 43), promete Jesus ao bom ladrão. Hoje é Jesus, é a salvação: "Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre" (Heb 13, 8).
    A este Hoje de Deus, que é Jesus, deve responder cada homem com um "sim" de amor, que é «sim» à salvação, à verdade, à vida, ao bem, à santidade.

    Oratio

    Pai santo, que enviaste o teu Filho ao mundo, não para o condenar, mas para o salvar, faz com que eu, carregado de misérias, jamais perca a confiança, e me afaste de Ti, triste e desanimado. Infunde o teu Espírito no mais íntimo de mim mesmo para que, iluminado pela tua luz, ganhe força e coragem para retomar o caminho. As tuas palavras, por vezes, são duras. Mas sei que, com elas, apenas queres recuperar-me e salvar-me, dar-me ajuda para que não perca a vida eterna que me preparaste. Sei que és benevolente, mesmo quando te mostras severo. Por isso, imprime no meu coração as palavras do teu Filho para que possa saborear hoje, amanhã e sempre, a tua salvação. Amen.

    Contemplatio

    Santa Gertrudes faz comparecer a alma com o amor seu poderoso advogado diante da verdade e da justiça divina.
    – Ó verdade! Ó justiça divina! Como comparecer na vossa presença, eu que estou esmagado sob o peso da minha iniquidade, sob o fardo da minha vida que perdi, sob a carga de todas as minhas negligências? Não soube fazer valer, infelizmente, o tesouro da fé cristã e da vida espiritual.
    Sei o que vou fazer: tomarei o cálice da salvação, o cálice de Jesus. Colocá-lo- ei sobre o prato vazio da verdade e da justiça. Por este meio, acorrerei a tudo o que me falta, cobrirei todos os meus pecados. Este cálice levantará as minhas ruínas, por ele suprirei e muito além à minha indignidade.
    – Ó amor divino, emprestai-me o meu Jesus, vosso real cativo, Ele que foi levado por mim de tribunal em tribunal, Ele que foi condenado por me ter amado, e entregado à morte por minha causa.
    Ó Jesus, amável penhor da minha redenção, vinde portanto comigo ao juízo. Julgai-me, tendes esse direito, mas vós sois também o meu advogado. Para que eu seja justificado, não tereis senão que relatar o que fizestes por mim e o preço pelo qual me adquiristes. Tomastes a minha natureza a fim de que eu não pereça; levastes o fardo dos meus pecados, morrestes por mim para que eu não morra da morte eterna; querendo enriquecer-me de méritos, destes-me tudo. Julgai-me, portanto, na hora da minha morte de acordo com esta inocência e esta pureza que me conferistes pagando toda a minha dívida e deixando-vos condenar em meu lugar (Leão Dehon, OSP 4, p. 486s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu não vim condenar o mundo, mas salvá-lo» (Jo 12, 47).

  • 4ª Semana –Quinta-feira - Páscoa

    4ª Semana –Quinta-feira - Páscoa

    15 de Maio, 2025

    4ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 13, 13-25

    Naqueles dias, Paulo e os seus companheiros, largaram de Pafos, e dirigiram- se a Perga da Panfília. João, porém, separando-se deles, voltou para Jerusalém.
    14Quanto àqueles, deixaram Perga e, caminhando sempre, chegaram a Antioquia da Pisídia.
    A um sábado, entraram na sinagoga e sentaram-se. 15Depois da leitura da Lei e dos Profetas, os chefes da sinagoga mandaram-lhes dizer: «Irmãos, se tiverdes alguma exortação a dirigir ao povo, falai.»16Então, Paulo, levantando-se, fez sinal com a mão e disse:«Homens de Israel e vós os tementes a Deus, escutai: 17O Deus deste povo, o Deus de Israel, escolheu os nossos pais e engrandeceu este povo durante a sua permanência no Egipto. Depois, com a força do seu braço, retirou-o de lá 18e, durante uns quarenta anos, sustentou-o no deserto. 19A seguir, exterminando sete nações na terra de Canaã, conferiu-lhes a posse do seu território, 20por cerca de quatrocentos e cinquenta anos. Depois disso, deu-lhes juízes até ao profeta Samuel. 21Em seguida, pediram um rei, e Deus concedeu-lhes, durante quarenta anos, Saul, filho de Quis, da tribo de Benjamim. 22Pondo este de parte, Deus elevou David como rei, e a seu respeito deu este testemunho: 'Encontrei David, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará todas as minhas vontades.'
    23Da sua descendência, segundo a sua promessa, Deus proporcionou a Israel um Salvador, que é Jesus. 24João preparou a sua vinda, anunciando um baptismo de penitência a todo o povo de Israel. 25Quase a terminar a sua carreira, João dizia:
    'Eu não sou quem julgais; mas vem, depois de mim, alguém cujas sandálias não sou digno de desatar.'

    Lucas empenhou-se em realçar a importância e a transcendência decisiva do momento em que a igreja de Antioquia organizava oficialmente a grande missão. Barnabé, Saulo e João Marcos partem. Em Chipre alcançam a conversão do procurador romano, Sérgio Paulo. Saulo passa a ser chamado com o nome romano de Paulo e, torna-se o chefe da expedição, até aí dirigida por Barnabé. E começam os chamados «Actos de Paulo». De facto, o centro da narrativa recai sobre o discurso de Paulo em Antioquia da Pisídia, perto da Galácia. Este discurso, que tem um tom programático, faz lembrar o discurso de Jesus na sinagoga de Nazaré. A história de Israel é apresentada nas suas linhas gerais, centrando-se em David, a quem ficou ligada a promessa do Salvador. A alusão a João Baptista tem dois objectivos: situar no tempo a actividade de Jesus e apresentar João como precursor e testemunha. Paulo quer chegar rapidamente a Jesus, Aquele em quem se realizam as promessas. As comunidades da Diáspora estavam mais preparadas para acolherem a mensagem dos primeiros missionários cristãos. É, pois, a elas que Paulo se dirige, em primeiro lugar. Só depois, quando se sente recusado, se dirige aos pagãos.

    Evangelho: João 13, 16-20

    Naquele tempo, depois de ter lavado os pés aos discípulos, Jesus disse-lhes:
    16Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia. 17Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em prática. 18Não me refiro a todos vós. Eu bem sei quem escolhi, e há-de cumprir-se a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra mim o calcanhar.
    19Desde já vo-lo digo, antes que isso aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis que Eu sou. 20Em verdade, em verdade vos digo: quem receber aquele que Eu enviar é a mim que recebe, e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou.»

    Este texto conclui a secção do lava-pés. Esse gesto de Jesus, para além de muitas outras lições, quer ser uma explicação do provérbio que diz: «o servo não é maior do que o seu Senhor» (cf. Jo 15, 20; Mt 10, 24). O discípulo não experimentará menos perseguições do que o seu mestre. Provavelmente este provérbio surgiu do silêncio ou dos protestos diante das palavras de Jesus: «dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também», tomadas muito à letra (Jo 13, 15). O provérbio que vem a seguir: «não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia» (v. 16) acrescenta um outro aspecto que ilustra a relação entre Jesus e os discípulos. Maltratar um embaixador, constitui uma gravíssima injúria àquele que representa, àquele que o envia. Esta analogia é aplicada por Jesus aos seus discípulos, que são enviados por Ele, tal como Ele foi enviado pelo Pai. Quem receber um enviado de Jesus, não só recebe o próprio Jesus que envia, mas também o Pai que enviou Jesus. Assim se chega à raiz última da missão. Um dos melhores modos de lavar os pés aos outros, talvez o mais importante, é anunciar-lhes Cristo, tornando-O presente no meio deles.

    Meditatio

    Deus prepara-nos para os acontecimentos da vida, por meio das Escrituras, por meio da história do povo eleito, por meio da história de Jesus. Sem essa preparação, correríamos o risco de ficarmos desconcertados, escandalizados, de não os compreendermos de modo justo. Mas se os enfrentarmos e vivermos à luz de Deus, podemos dar-nos conta da graça que o Senhor nos oferece em cada um deles. Esta afirmação não é uma teoria mais ou menos rebuscada. É o próprio Jesus que o diz:
    «Desde já vo-lo digo, antes que isso aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis que Eu sou» (v. 19).
    Jesus disse estas palavras referindo-se à traição de Judas evocada nas palavras: «Não me refiro a todos vós. Eu bem sei quem escolhi» (v. 18). Entre os discípulos há alguém que não será fiel, que trama traição. A fé dos restantes receberá um rude golpe. Parece que Jesus se enganou ao escolher um deles. Na verdade, apenas obedeceu ao Pai, para que se cumprissem as Escrituras. Era preciso que Cristo enfrentasse o mal e o vencesse. Era preciso que o mal chegasse muito perto de Jesus, e que a acção do maligno se verificasse também no grupo dos mais íntimos do Senhor. Deviam cumprir-se as Escrituras: «Aquele que come do meu pão levantou contra mim o calcanhar» (v. 18). Quando os discípulos verificaram que tudo se tinha realizado, puderam compreender o desígnio de Deus e verificar como, por meio da traição, esse projecto se realizou. Puderam dar-se conta de como o amor vence o ódio.
    Paulo, ao pregar em Antioquia da Pisída, revela a mesma mentalidade. Para falar de Jesus, da sua morte e da sua ressurreição, ao seu povo, começa muito longe; começa pela eleição do mesmo povo, percorrendo a sua história, até chegar a David. Aí repete a promessa de Deus: «Encontrei David, filho de Jessé, homem segundo o meu coração... Da sua descendência, segundo a sua promessa, Deus proporcionou a Israel um Salvador, que é Jesus» (vv. 22-23).
    Esta longa história é o fundamento da nossa fé. A morte e a ressurreição de Jesus não foram obra do acaso. Foram longamente preparadas por Deus na história. Por isso, iluminam toda a história futura. Mergulhados como estamos nos acontecimentos, nem sempre nos damos conta do seu sentido, correndo o risco de ficarmos desorientados. Por isso, devemos meditar demoradamente no Antigo Testamento e no mistério de Cristo, sempre disponíveis a fazer o que Ele quer, aqui e agora, ainda que seja algo de imprevisto. A fé robusta e consistente não vem de fórmulas mais ou menos perfeitas, que lemos ou ouvimos. Vem da experiência da vida, iluminada pela palavra de Deus. Algo de parecido ao que aconteceu aos discípulos de Emaús, na tarde da Páscoa. Estavam desiludidos e desorientados pelos acontecimentos. Mas, uma vez iluminados esses acontecimentos pela Palavra, logo adquiriram sentido, se lhes aqueceu o coração e se lhes abriram os olhos.

    Oratio

    Pai santo, infunde em mim uma fé robusta, uma confiança inabalável. Sei que jamais faltas às tuas promessas, porque és um Deus fiel. Dá-me olhos para ver, na vida e nos acontecimentos que me envolvem, a realização do teu projecto de salvação, apesar de tantos sinais contrários. Faz-me compreender que continuas a salvar o mundo e cada um dos homens, também na conturbada situação histórica em que nos encontramos, e que o mistério de Cristo, teu Filho, continua a realizar-se. Amen.

    Contemplatio

    Havia em Antioquia um grupo de padres, de profetas e de doutores. O Espírito Santo revelou-lhes positivamente a missão de Paulo e de Barnabé para a conversão dos gentios. Enviaram, portanto, estes dois apóstolos para os países do ocidente. Barnabé e Paulo passaram na ilha de Chipre onde fizeram maravilhas e ganharam para a fé o próprio procônsul, Sérgio Paulo. De lá foram para a Ásia Menor e pregaram em Pisídia, em Perga, em Antioquia, em Icónio, em Listra. Foi uma alternativa de sucessos e de perseguições.
    Em Listra um curioso incidente mostra bem como os dois apóstolos eram admiráveis no seu zelo, no poder da sua palavra e na sua dignidade de vida. O povo, testemunha dos seus milagres, tomou-os por deuses. Paulo, o brilhante orador devia ser Mercúrio, Barnabé, o santo levita com porte majestoso parecia ser Júpiter. Já lhes queriam oferecer sacrifícios. Tiveram de se desembaraçar para impedirem este sacrilégio. Mas no dia seguinte Judeus de Antioquia e de Icónio vêm persegui-los com as suas calúnias, e o povo tão móvel nos seus sentimentos expulsa-os à pedrada. Regressaram a Antioquia e separaram-se em seguida. Barnabé voltou a passar por Chipre e aí consolidou as cristandades que tinha fundado precedentemente. Foi em seguida pregar na Itália, e depois regressou a Chipre onde morreu (Leão Dehon, OSP 3, p. 644s.).

    Actio

    19).

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Já vo-lo digo, para que, quando acontecer, acrediteis que Eu sou» (Jo 13,

  • 4ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    4ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    16 de Maio, 2025

    4ª Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 13, 26-33

    Naqueles dias, disse Paulo na sinagoga de Antioquia da Pisídia: 26Irmãos, filhos da estirpe de Abraão, e os que de entre vós são tementes a Deus, a nós é que foi dirigida a palavra de salvação. 27Sem dúvida, os habitantes de Jerusalém e os seus chefes não quiseram reconhecer Jesus, mas, condenando-o, cumpriram, sem disso se aperceberem, as profecias que são lidas todos os sábados. 28Embora não tivessem encontrado nele motivo algum de morte, exigiram a Pilatos que o mandasse matar. 29Quando cumpriram tudo o que acerca dele estava escrito, desceram-no do madeiro e sepultaram-no. 30Mas Deus ressuscitou-o dos mortos 31e, durante muitos dias, apareceu aos que tinham subido com Ele da Galileia a Jerusalém, os quais são agora suas testemunhas diante do povo. 32E nós estamos aqui para vos anunciar a Boa-Nova de que a promessa feita a nossos pais, 33Deus a cumpriu em nosso benefício, para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus, como está escrito no Salmo segundo: Tu és meu filho, Eu hoje te gerei!

    O discurso de Paulo, em Antioquia da Pisída, pode resumir-se assim: o evangelho é a consumação de tudo quanto Deus fez, anunciou e prometeu ao seu povo. No fundo, Paulo usa os mesmos argumentos de Pedro no seu primeiro discurso, no dia de Pentecostes. Provavelmente era um esquema habitual para quem anunciava o Evangelho em ambientes judaicos. Jesus, injustamente condenado, foi reconhecido justo por Deus na ressurreição. É esta a palavra de salvação, a boa nova, a realização da promessa feita aos pais (cf. v. 32). Deus é suficientemente forte para vencer o mal, ainda o mais horrível. Deus salva aqueles que acreditam no seu poder, esse poder com que ressuscitou Jesus.
    Ao anunciar a ressurreição, Paulo fundamenta-se em «testemunhas» (v. 30), transmitindo aquilo que recebeu. Sabe que não é testemunha, como Pedro e os outros Apóstolos, mas tem consciência de pertencer ao grupo dos missionários. Por isso, acrescenta: «nós estamos aqui para vos anunciar a Boa-Nova de que a promessa feita a nossos pais».

    Evangelho: João 14, 1-6

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: «Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim. 2Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, como teria dito Eu que vos vou preparar um lugar? 3E quando Eu tiver ido e vos tiver preparado lugar, virei novamente e hei-de levar-vos para junto de mim, a fim de que, onde Eu estou, vós estejais também. 4E, para onde Eu vou, vós sabeis o caminho.» 5Disse-lhe Tomé: «Senhor, não sabemos para onde vais, como podemos nós saber o caminho?» 6Jesus respondeu-lhe: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim».

    As primeiras palavras de Jesus, no quarto evangelho, «Que procurais?»(1, 38), têm resposta neste capítulo 14: «Na casa de meu Pai há muitas moradas» (v. 2). Jesus anunciara a sua partida no capítulo 13. A afirmação de fidelidade, por parte de Pedro, é contrabalançada pelo anúncio da sua negação. Os discípulos estavam decepcionados. No capítulo 14, João apresenta-nos Jesus a inculcar-lhes segurança e confiança. Eles devem acreditar em Jesus como acreditam em Deus. E devem confiar que a sua partida os favorece. Mais ainda: conhecendo a Jesus, conhecem o caminho para o Pai, porque é Ele o caminho. É tudo o que o homem precisa para se salvar, porque o Pai está em Jesus para salvação do homem.
    A partida de Jesus implica o seu regresso, para completar a missão que o Pai lhe confiou. Jesus voltará aos seus amigos depois da crucifixão; Ele e o Pai viverão naqueles ques os amam e guardam as suas palavras; não se trata de uma manifestação expectacular, mas de uma manifestação captada pela fé, através do Espírito; ainda que Jesus volte, depois da sua morte, permanece em pé a sua vinda no fim dos tempos.
    «Na casa de meu Pai há muitas moradas» (v. 2), dizia Jesus. Na mentalidade da época, o mais além tinha uma capacidade limitada. Por isso, havia que pesar os vícios e as virtudes dos candidatos à entrada. Só entraria quem tivesse um peso de virtudes superior ao dos vícios. Jesus afirma que, na vida do além, há lugar para todos os seus discípulos. Estarão com Ele. E Ele é o caminho que leva à vida eterna:
    «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim».

    Meditatio

    «Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim» (v. 1). A crucificação de Jesus causará grande perturbação aos discípulos. Por isso, Jesus prepara-os dizendo-lhes palavras de consolação e de esperança. Irá repeti-las depois da ressurreição. Essas palavras mostram aos apóstolos que a paixão era o meio querido por Deus para renovar e salvar o homem. Também para nós chegará, mais cedo ou mais tarde, o momento da perturbação, motivado pelos ódios, pelas vinganças, pelas violências, pela corrupção, pela indiferença, pela fome de dinheiro e de poder que campeiam pelo mundo. As nossas cidades tornaram-se semelhantes a Sodoma e a Gomorra. Como é possível não ficar perturbados? A perturbação do coração acrescenta dificuldades às dificuldades. É uma reacção natural. Mas o Senhor diz-nos que podemos ultrapassar tudo com uma atitude de fé, apoiando-nos no seu poder, na sua riqueza. Somos fracos e pobres. Mas as riquezas do Senhor são também nossas, e Ele está connosco sempre. Quando diz que nos vai preparar um lugar, não quer dizer que nos abandona, mas que sofrerá para transformar o homem, para o tornar capaz de se aproximar de Deus. «Em Cristo, mediante a fé nele, temos a liberdade e coragem de nos aproximarmos de Deus com confiança», escreve Paulo aos Efésios (3, 12). E acrescenta «por isso, peço-vos que não desanimeis com as tribulações que sofro por vós; elas são a vossa glória» (3, 13). Graças à morte e à ressurreição do Filho, o homem pode aproximar-se de Deus sem tremer, e cheio de um amor confiante e agradecido. Foi desse modo que Jesus nos preparou um lugar na casa do Pai. Ele continua a ser para nós, hoje, o caminho a verdade e a vida. Só com Ele podemos ultrapassar os ciclones da ganância e da sensualidade sem limites, e os ventos gélidos da injustiça e do cinismo. Se alguém nos quiser levar por outros caminhos, não esqueçamos que só Ele é o caminho. Se nos propuserem soluções mais avançadas, lembremo-nos que só Ele é a verdade.
    Se nos quiserem ensinar a viver mais intensamente e com mais liberdades, recordemo-nos de que só Ele é a vida.

    Oratio

    Senhor, ampara o meu coração vacilante. Como é difícil resistir a tantos vendavais que parecem varrer da face da terra o património espiritual acumulado durante séculos pelo trabalho generoso dos teus missionários e pastores. As nossas comunidades envelhecem, declina a prática religiosa, são cada vez menos as vocações. Vem, Senhor, em auxílio da minha fé vacilante. Não quero abandonar-te, porque és tudo para mim. Apoia a minha esperança fraca, que gostava de ver os novos tempos iluminados pela tua verdade. Atiça a frágil chama do meu amor pelos irmãos, que gostaria de ajudar a pôr em contacto Contigo. Sê para mim o caminho, a verdade e a vida. Amen.

    Contemplatio

    Jesus é o caminho. «Para onde vou, vós sabeis e sabeis o caminho». A questão de Tomé é surpreendente, Jesus falou sempre tão claramente!
    Para onde vai? Vai para o seu Pai, disse-o muitas vezes e acaba de o repetir:
    «Vou preparar-vos um lugar na casa de meu Pai».
    Jesus é o caminho. Não disse ele a todos os que chamava: «Sequere me, segui-me? Mostrou-nos o caminho que conduz ao céu, é aquele que ele mesmo percorreu primeiro. É o caminho da humildade e da doçura, é o caminho do desapego e da renúncia, a via da penitência e da reparação, é a via da dedicação e do sacrifício.
    É também a via de união e de amor. Quantas vezes, Nosso Senhor nos disse:
    «Vivo no meu Pai, e o meu Pai em mim; faço sempre a vontade de meu Pai; amo o meu Pai, observo os seus preceitos e permaneço no seu amor». Eis o caminho: manter-nos unidos a Jesus, ao seu divino Coração: fazer em tudo a sua vontade, permanecer no seu amor; aprender dele que é doce e humilde, que foi sacrificado e imolado, que se abandonou nas mãos do Pai (Leão Dehon, OSP 3, p. 441s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu sou o Caminho» (Jo 14, 6).

  • 4ª Semana - Sábado - Páscoa

    4ª Semana - Sábado - Páscoa

    17 de Maio, 2025

    4ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 13, 44-52

    44No segundo sábado em que Paulo e Barnabé estiveram em Antioquia da Pisídia, quase toda a cidade se reuniu para ouvir a palavra do Senhor. 45A presença da multidão encheu os judeus de inveja, e responderam com blasfémias ao que Paulo dizia. 46Então, desassombradamente, Paulo e Barnabé afirmaram: «Era primeiramente a vós que a palavra de Deus devia ser anunciada. Visto que a repelis e vós próprios vos julgais indignos da vida eterna, voltamo-nos para os pagãos, 47pois assim nos ordenou o Senhor: Estabeleci-te como luz dos povos, para levares a salvação até aos confins da Terra.» 48Ao ouvirem isto, os pagãos encheram-se de alegria e glorificavam a palavra do Senhor; e todos os que estavam destinados à vida eterna abraçaram a fé. 49Assim, a palavra do Senhor divulgava-se por toda aquela região. 50Mas os judeus incitaram as senhoras devotas mais distintas e os de maior categoria da cidade, desencadeando uma perseguição contra Paulo e Barnabé, e expulsaram-nos do seu território. 51Estes, sacudindo contra eles o pó dos pés, foram para Icónio. 52Quanto aos discípulos, estavam cheios de alegria e do Espírito Santo.

    É breve o intervalo que separa o discurso de Paulo em Antioquia e a continuação do seu ensino, no sábado seguinte, na sinagoga. Mas este intervalo tem por fim mostrar o interesse que a pregação do Apóstolo desperta entre judeus e pagãos. Querem ouvir mais, e Paulo exorta-os a permanecerem na graça de Deus, isto é, na escuta do Evangelho. De facto, no sábado seguinte «quase toda a cidade» (v. 44) acorre a escutar a Palavra de Deus. Mas os judeus encheram-se de inveja e «judeus incitaram as senhoras devotas mais distintas e os de maior categoria da cidade» contra Paulo e Barnabé, que são expulsos do território. É nesse momento que se dá a separação definitiva entre o Evangelho e o Judaísmo.
    Paulo reafirma o direito dos judeus a serem evangelizados antes de mais ninguém... Mas, uma vez que recusavam o evangelho, era a vez de o anunciarem aos pagãos. Em Antioquia, os missionários declaram que se voltam para os pagãos, não só por causa da recusa dos judeus, mas também por causa das palavras de Isaías que fala da luz para todos os povos (49, 6). Os cristãos são herdeiros do destino glorioso que estava reservado a Israel, que se tornou incapaz de o realizar, uma vez que recusou Jesus Cristo. Lucas termina a narrativa de um modo positivo: «Quanto aos discípulos, estavam cheios de alegria e do Espírito Santo» (v. 52).

    Evangelho: João 14, 7-14

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «7Se ficastes a conhecer-me, conhecereis também o meu Pai. E já o conheceis, pois estais a vê-lo.» 8Disse-lhe Filipe:
    «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!» 9Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? 10Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em mim?As coisas que Eu vos digo não as manifesto por mim mesmo: é o Pai, que, estando em mim, realiza as suas obras. 11Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim; crede, ao menos, por causa dessas mesmas obras. 12Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai, 13e o que pedirdes em meu nome Eu o farei, de modo que, no Filho, se manifeste a glória do Pai. 14Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, Eu o farei.»

    «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!». Jesus, no quarto evangelho, fala frequentemente da sua relação com o Pai, da sua união com Ele, do facto de ter sido enviado por Ele. Os discípulos, agora representados por Filipe, queriam algo mais: uma visão directa do Pai. Mas esse desejo estava em contradição com aquilo que já nos aparece no prólogo de João: «A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer» (Jo 1, 18). Mas os discípulos não souberam reconhecer na presença visível do seu Mestre as palavras e as obras do Pai (cf. v. 9) porque, para ver o Pai no Filho, é preciso acreditar na união recíproca que existe entre ambos. Só pela fé se reconhece a mútua imanência entre o Jesus e o Pai. Por isso, a única coisa que havemos de pedir é a fé, esperando confiadamente esse dom. Jesus ao apelar para a fé, apoia os seus ensinamentos em duas razões: a sua autoridade pessoal, tantas vezes experimentada pelos discípulos, e o testemunho das suas obras (cf. v. 11).
    A obra de Jesus, inaugurada pela sua missão de revelador, é apenas um começo. Os discípulos hão-de continuar a sua missão de salvação, farão obras iguais e mesmo superiores às suas. Jesus quer mesmo dar coragem, aos seus e a todos os que hão-de acreditar n´Ele, para que se tornem participantes convictos e decididos na sua própria missão.

    Meditatio

    Jesus falou muito do Pai. Filipe entusiasmou-se e pediu a Jesus que lhe mostrasse o Pai. Mas o Senhor respondeu-lhe: «Quem me vê, vê o Pai». Filipe queria ver o Pai, mas não conseguiu vê-lo em Jesus. Ao contemplar o Mestre ficou pela realidade externa, não conseguindo atingir o interior, a sua realidade íntima, com o olhar penetrante da fé. O verbo «ver», para João, indica duas ordens de realidades: a do sinal visível (a realidade natural) e o da glória do Verbo (realidade sobrenatural).
    «Quem me vê, vê o Pai... Eu estou no Pai e o Pai está em mim». Jesus é a revelação de amor, de um amor generoso que quer espalhar-se sem limites, que não tem ciúmes: «quem crê em mim também fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas» (v. 12). Nós pensaríamos que, sendo Jesus o Filho de Deus vindo ao mundo, é a Ele que pertence fazer as obras maiores. Mas não é essa a lógica do amor de Deus, que é generoso e enriquece de modo ilimitado aqueles nos quais se derrama.
    Deus não tem ciúmes. Mas os judeus têm-nos. É o que nos mostra a página dos Actos que hoje escutamos. Quando vêem a multidão, que o discurso de Paulo atraiu, enchem-se de inveja. A mensagem deve ser reservada para eles, é seu privilégio. Ao verem que era oferecida a «quase toda a cidade» organizaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé. Os judeus não toleravam que a fé fosse oferecida também aos pagãos. Mas Deus não cede e, Paulo, atento à vontade de Deus (cf. v. 47), declara: «Visto que a repelis e vós próprios vos julgais indignos da vida eterna, voltamo-nos para os pagãos».
    Há que alegrar-nos com o bem dos outros, para estarmos com o Senhor.
    Quando vemos o bem que Deus faz a outros, não há que ficar invejosos, mas que dar graças.

    Infelizmente nas comunidades cristãs, e até mesmo nas comunidades religiosas, também nascem inimizades geralmente causadas pela mesquinhez, pela tacanhez de espírito, pelo ciúme e pela inveja. São inimizades que provocam muito sofrimento em quem delas é objecto, sem culpa. Valem, então, as palavras de Jesus: "Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam (ou que, sem um verdadeiro ódio, são invejosos, ciumentos), bendizei aqueles que vos amaldiçoam (no sentido de que falam mal de vós), rezai por aqueles que vos maltratam (não fisicamente, mas moralmente) (Lc 6, 27-28). "Para que sejais filhos do vosso Pai celeste, que faz nascer o sol para os bons e para os maus, e manda a chuva para os justos e os injustos... Sede, portanto, perfeitos como é perfeito o Pai celeste" (Mt 5, 45-46).

    Oratio

    Senhor, dá-me aquela abertura de coração que é fonte de alegria perene, que é dom de amor generoso, que se alegra com o bem e com a felicidade dos outros, com todo o bem que há no mundo. Dá-me também aquele olhar penetrante da fé que me permite observar a tua presença e acção no mundo. Ensina-me a ler os sinais dos tempos para que não oscile entre o pessimismo e o optimismo. Ensina-me a arte do discernimento, para que Te veja onde actuas e como actuas. Purifica o meu coração, para que me deixe guiar, não pelos meus estados de espírito, mas pela tua luz, que me mostra onde estás. Então poderei tornar-me teu colaborador na obra da redenção que realizas no coração do mundo, e amar-Te como queres e tens direito a ser amado. Amen.

    Contemplatio

    «Se me tivésseis conhecido como devíeis, diz Jesus, teríeis também conhecido o meu Pai, porque o meu Pai e eu somos um; mas em breve o conhecereis, ao receberdes o Espírito Santo, e já, ao me verdes, o vistes.
    – Senhor, disse-lhe Filipe, mostrai-nos o Pai celeste, por alguma visão miraculosa, e isso nos basta. –
    O quê? diz-lhe Jesus, com uma doce censura, há tanto tempo que estou convosco, e ainda não me conheceis? Não sabeis ainda que eu sou o Filho único e consubstancial do Pai? Filipe, quem me vê, vê também o Pai, e não tem necessidade de outra revelação, porque o Pai e eu somos um só na unidade da essência divina. Como dizeis então: Mostrai-nos o Pai? Não credes que eu estou no Pai e que o meu Pai está em mim? As palavras, que vos digo, não as digo de mim mesmo; elas não são o fruto de uma inteligência humana; e os milagres que eu faço são a obra de meu Pai que permanece em mim. São a prova da minha missão e da minha natureza divina. Não credes que eu estou no meu Pai e que o meu Pai está em mim? Ainda uma vez, se não crerdes nas minhas palavras, crede ao menos por causa das obras que faço».
    – Somos cegos como os apóstolos. Vendo as obras de Nosso Senhor, deveríamos ver claramente que é o nosso Deus (Leão Dehon, OSP 3, 448).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem crê em mim fará obras maiores do que estas» (Jo 14, 12)».

  • 05º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    05º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    18 de Maio, 2025

    ANO C

    5.º DOMINGO DA PÁSCOA

    Tema do 5.º Domingo do Tempo Pascal

    No 5º domingo da Páscoa, a liturgia recorda-nos que a comunidade nascida de Jesus tem como tarefa fundamental, no mundo e na história, ser sinal vivo do amor de Deus por todos os seus filhos. Foi essa a tarefa que Jesus, ao despedir-se, deixou aos seus discípulos.

    O Evangelho, leva-nos à sala onde Jesus, pouco antes de ser preso e condenado à morte, celebrou uma ceia de despedida com os discípulos. Convida-nos a escutar e a tomar nota do “testamento” de Jesus: “dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”. Este “mandamento” resume toda a vida, todos os ensinamentos, todas as palavras e gestos, todas as propostas de Jesus.

    A primeira leitura fala-nos de algumas das comunidades cristãs da Ásia Menor nascidas do labor missionário de Paulo e Barnabé. São comunidades que acolheram a Boa nova de Jesus e que aceitaram o desafio de viverem e de testemunharem o “mandamento novo”. Enquanto comunidades fraternas, animadas pelo dinamismo do Reino, elas são sal que dá sabor e luz que ilumina o mundo.

    A segunda leitura apresenta-nos a meta final para onde caminhamos: o novo céu e a nova terra, “a morada de Deus com os homens”, a casa definitiva dos que foram chamados a viver no amor, a cidade nova onde os filhos amados de Deus encontrarão vida em abundância.

     

    LEITURA I – Atos 14,21b-27

    Naqueles dias,
    Paulo e Barnabé voltaram a Listra, a Icónio e a Antioquia.
    Iam fortalecendo as almas dos discípulos
    e exortavam-nos a permanecerem firmes na fé,
    «porque – diziam eles – temos de sofrer muitas tribulações
    para entrarmos no reino de Deus».
    Estabeleceram anciãos em cada Igreja,
    depois de terem feito orações acompanhadas de jejum,
    e encomendaram-nos ao Senhor, em quem tinham acreditado.
    Atravessaram então a Pisídia e chegaram à Panfília;
    depois, anunciaram a palavra em Perga e desceram até Atalia.
    De lá embarcaram para Antioquia,
    de onde tinham partido, confiados na graça de Deus,
    para a obra que acabavam de realizar.
    À chegada, convocaram a Igreja,
    contaram tudo o que Deus fizera com eles
    e como abrira aos gentios a porta da fé.

     

    CONTEXTO

    A partir de 13,1 o livro dos Atos dos Apóstolos descreve a grande aventura missionária que levou o Evangelho a ser anunciado no mundo greco-romano, até atingir Roma, o coração do império romano. Os primeiros grandes agentes da missão foram Paulo e Barnabé. Lucas acredita que, quando a comunidade cristã de Antioquia da Síria decidiu enviar Paulo e Barnabé em missão, o fez para corresponder a uma indicação do Espírito Santo (cf. At 13,2). A Igreja, guiada pelo Espírito, é chamada a dar testemunho no mundo de Jesus e do Evangelho.

    Paulo e Barnabé partiram para a sua primeira grande viagem missionária por volta do ano 46. Depois de deixarem Antioquia da Síria dirigiram-se, por barco, para a ilha de Chipre, até à cidade de Pafos. Acompanhava-os João Marcos. De Pafos, os missionários continuaram, também por barco, para a costa da Ásia (atual Turquia), onde João Marcos os abandonou. Daí seguiram para Antioquia da Pisídia, e depois para Icónio, Listra e Derbe. O esquema era sempre o mesmo: chegados a determinada cidade, Paulo e Barnabé dirigiam-se à sinagoga e falavam de Jesus à comunidade judaica. Frequentemente eram mal recebidos e tinham de deixar a cidade apressadamente. Em Antioquia da Pisídia aconteceu um facto relevante: face à contestação dos judeus, Paulo e Barnabé resolveram apresentar a proposta de Jesus aos pagãos: estes pareciam mais disponíveis para acolher o Evangelho (cf. At 13,4452).

    O texto que a liturgia deste domingo nos propõe como primeira leitura conta-nos os últimos passos de Paulo e Barnabé antes de regressarem a Antioquia da Síria, de onde tinham partido. Esta primeira viagem missionária de Paulo durou cerca de três anos.

     

    MENSAGEM

    Paulo e Barnabé, enviados pela comunidade de Antioquia, anunciaram o Evangelho em diversas cidades da Ásia Menor: Listra, Icónio e Antioquia da Pisídia. A proposta que eles, em nome de Jesus, apresentaram foi acolhida e, na sequência, nasceram diversas comunidades cristãs. Eram comunidades jovens, insuficientemente preparadas e dispersas no meio de um mundo que vivia de acordo com padrões e referências bem diferentes da proposta cristã. Seriam capazes de perseverar na fé, em circunstância pouco favoráveis?

    Antes de regressarem a Antioquia da Síria, Paulo e Barnabé, cheios de solicitude pastoral, quiseram visitar outra vez as jovens Igrejas recém-formadas, a fim de as consolidar na sua adesão a Jesus. Lucas diz que os dois missionários “iam fortalecendo as almas dos discípulos e exortavam-nos a permanecerem firmes na fé” (vers. 22a). Não basta tomar, a determinado momento, a decisão de aderir a Jesus; essa decisão tem de ser renovada a cada passo e mantida apesar das deceções e vicissitudes que abalam o mundo e a vida dos discípulos. Por isso, Paulo e Barnabé insistiam que era preciso manter o entusiasmo e a decisão inicial, apesar das “muitas tribulações” (vers. 22b) que aparecem ao longo do caminho.

    Paulo e Barnabé quiseram também cuidar da estruturação das comunidades. Nesse sentido, “estabeleceram anciãos em cada Igreja” (vers. 23). É a primeira vez que, nas comunidades cristãs fora de Jerusalém, se fala nestes “anciãos”. Correspondem, provavelmente, aos “conselhos de anciãos” que estavam à frente das comunidades judaicas tradicionais. Os “Atos” não explicitam as funções exatas destes dirigentes das Igrejas; mas o discurso de despedida que Paulo faz aos anciãos de Éfeso parece sugerir que eles tinham como tarefa administrar, vigiar e defender a comunidade face aos perigos internos e externos (cf. At 20,28-31). Convém notar que este ministério não era um valor absoluto, mas era algo que só se entendia e só fazia sentido em função de uma determinada comunidade: eles não eram escolhidos de forma abstrata para um serviço geral, mas para o serviço daquela comunidade, em concreto.

    No final deste texto, Lucas conta como Paulo e Barnabé, chegados a Antioquia da Síria, apresentaram à comunidade que os tinha enviado um “relatório” da missão. Está bem presente, nas entrelinhas, a ideia de que a missão não foi uma obra puramente humana, mas foi obra de Deus. No início da aventura missionária já se havia sugerido que o envio de Paulo e Barnabé não era apenas iniciativa da Igreja de Antioquia, mas uma ação do Espírito (cf. At 13,2-3); foi esse mesmo Espírito que acompanhou e guiou os missionários a cada passo da sua viagem. E aqui repete-se que o autêntico ator da conversão dos pagãos ao Evangelho é Deus e não os homens (cf. vers. 27).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Notemos, antes de mais, a forma como a comunidade cristã de Antioquia da Síria primeiro, e Paulo e Barnabé depois sentem e abraçam o desafio missionário. Tinham encontrado Jesus e tinham experimentado como Jesus lhes abrira horizontes novos. Apaixonados por Jesus e pelo seu projeto, sentiam necessidade de o levar a todos os homens e mulheres, para que todos pudessem fazer uma experiência libertadora semelhante à que eles tinham feito. “Ai de mim se eu não evangelizar!” (1Cor 9,16) – dizia Paulo. Se não nos apetece falar daquilo que nos apaixona, é porque não estamos apaixonados; se não sentimos necessidade de falar aos nossos irmãos do projeto de Jesus, é porque não estamos agarrados por ele; se não anunciamos Jesus ressuscitado, com as nossas palavras e com a nossa vida, é porque Jesus não tem um lugar determinante no caminho que percorremos. O nosso mundo precisa de escutar a Boa nova de Jesus. Não apenas nos países onde o Evangelho ainda não chegou, mas também nos países onde o Evangelho está esquecido. Há, nas nossas comunidades cristãs, este ardor missionário? Sentimo-nos enviados de Jesus a qualquer lado onde a vida nos leva? Somos testemunhas entusiastas de Jesus, que espalham por toda a parte o contágio do Evangelho?
    • Paulo e Barnabé tinham consciência de que a decisão por Jesus tem de ser renovada e alimentada a cada passo. Por isso, decidiram, no final da sua primeira viagem missionária, rever as jovens comunidades cristãs nascidas nos lugares onde tinham pregado e animá-las na sua adesão a Jesus. Isto recorda-nos a necessidade de, a cada passo, renovarmos a nossa adesão a Jesus. Não basta termos, um dia, sido batizados; nem basta termos feito a primeira comunhão ou o crisma; nem basta termos celebrado na igreja o nosso matrimónio; nem sequer basta “de vez em quando”, de forma relutante, reunirmo-nos com a nossa comunidade cristã para celebrar a eucaristia. A fé renova-se e alimenta-se caminhando todos os dias atrás de Jesus, escutando continuamente as suas palavras, aprendendo a cada momento com os seus gestos, abraçando a cada instante o seu estilo de vida, os seus valores, as suas propostas. Como é que vivemos o nosso compromisso cristão? É um compromisso que renovamos todos os dias? Alimentamo-lo a cada passo com a escuta de Jesus e a partir de um diálogo constante com Jesus?
    • Lucas sugere, neste texto, que o anúncio do Evangelho não é uma obra da comunidade de Antioquia da Síria, de Paulo ou de Barnabé, mas é obra de Deus. É Deus que age por intermédio de uma comunidade ou de determinadas pessoas para oferecer ao mundo e aos homens o seu projeto de salvação. Paulo e Barnabé são pessoas que receberam de Deus uma missão; mas a missão não é deles. Aqueles que Deus envia a anunciar a Boa nova não têm “carta branca” para propor ao mundo as suas próprias ideias, uma determinada ideologia, uma visão pessoal do mundo e da vida; eles são simplesmente testemunhas de Jesus e do projeto de Jesus. Estamos convencidos de que a missão é obra de Deus e que por detrás do nosso trabalho e do nosso testemunho está Deus? Anunciamos a Cristo libertador, ou anunciamo-nos a nós?
    • No seu labor missionário, Paulo e Barnabé nunca se subtraíram a esforços. Deram tudo, trabalharam dia e noite, afrontaram todos os perigos e canseiras, a fim de que Jesus pudesse chegar ao coração das gentes. Movia-os a paixão pelo Evangelho, mas também a solicitude pelos homens e mulheres que aguardavam a salvação de Deus. É dessa forma que procedem hoje aqueles a quem Deus confiou o cuidado pastoral das nossas comunidades cristãs? Aqueles que procuram Jesus encontram, nos animadores das nossas comunidades cristãs, um acolhimento solícito e fraterno?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144

    Refrão 1: Louvarei para sempre o vosso nome, Senhor, meu Deus e meu Rei.

    Refrão 2: Aleluia.

    O Senhor é clemente e compassivo,
    paciente e cheio de bondade.
    O Senhor é bom para com todos
    e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas.

    Graças Vos deem, senhor, todas as criaturas
    e bendigam-Vos os vossos fiéis.
    Proclamem a glória do vosso reino
    e anunciem os vossos feitos gloriosos.

    Para darem a conhecer aos homens o vosso poder,
    a glória e o esplendor do vosso reino.
    O vosso reino é um reino eterno,
    o vosso domínio estende-se por todas as gerações.

     

    LEITURA II – Apocalipse 21,1-5a

    Eu, João, vi um novo céu e uma nova terra,
    porque o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido
    e o mar já não existia.
    Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém,
    que descia do Céu, da presença de Deus,
    bela como noiva adornada para o seu esposo.
    Do trono ouvi uma voz forte que dizia:
    «Eis a morada de Deus com os homens.
    Deus habitará com os homens:
    eles serão o seu povo
    e o próprio Deus, no meio deles, será o seu Deus.
    Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos;
    nunca mais haverá morte nem luto, nem gemidos nem dor,
    porque o mundo antigo desapareceu».
    Disse então Aquele que estava sentado no trono:
    «Vou renovar todas as coisas».

     

    CONTEXTO

    O “corpo” central do livro do Apocalipse (cf. Ap 4,1-22,5) apresenta uma reflexão sobre o sentido da história humana. Nela, um “profeta” cristão chamado João, exilado na ilha de Patmos durante a perseguição movida pelo imperador Domiciano, interpreta a história dos homens à luz do projeto de Deus. Recorrendo à linguagem sempre expressiva dos símbolos, João descreve a luta entre o Bem e o Mal, as forças de Deus e as forças que se opõem ao projeto de Deus. Trata-se, afinal, das vicissitudes e dificuldades que nós conhecemos bem, os problemas e contrariedades que o Povo de Deus enfrenta todos os dias ao longo do seu caminho histórico. João tem a certeza absoluta que o Mal não prevalecerá; a vitória final será de Deus e dos seus “santos”. Os impérios humanos desaparecerão, os ditadores arrogantes ficarão pelo caminho, os grandes do mundo não determinarão o sentido da história dos homens.

    No final do longo caminho histórico dos homens, está Deus e o seu projeto de salvação plenamente realizado. A humanidade não caminha para um beco sem saída e sem esperança; caminha ao encontro de uma nova terra e de um novo céu, onde habitam a justiça e a paz. É essa a realidade que espera todos os filhos de Deus que, apesar da perseguição e dos obstáculos, se mantiveram fiéis ao Cordeiro (a Jesus).

    Esse mundo novo que é a meta última da história dos homens, é simbolicamente apresentado em dois quadros (cf. Ap 21,1-8 e 21,9-22,5). O texto que a liturgia deste quinto domingo pascal nos apresenta como segunda leitura traz-nos o primeiro desses quadros. A imagem de um novo céu e de uma nova terra, aqui utilizada por João, não é totalmente original: aparece já em Is 65,17 e em 66,22. A mesma ideia aparece também na literatura apocalíptica (cf. Henoch, 45,4-5; 91,16; 4 Esd 7,75) e em certos textos do Novo Testamento (cf. Mt 19,28; 2 Pe 3,13). Contudo João apresenta-a, neste quadro, de uma forma absolutamente genial.

     

    MENSAGEM

    O profeta-poeta contempla o novo céu e a nova terra que Deus preparou para acolher os seus filhos e descreve-os para nós. Trata-se de uma realidade fundamentalmente nova, um mundo totalmente outro, onde já não há traços desse mundo velho de violência, de sofrimento, de caos e de morte que os homens conheceram durante o seu caminho histórico. O mar, símbolo e resíduo do caos primitivo e das potências hostis a Deus, desaparecerá; a velha terra, cenário da conduta pecadora do homem, vai ser transformada e recriada (vers. 1). A partir desse momento, tudo será novo, definitivo, acabado, perfeito.

    A essa nova realidade, a esse mundo novo nascido da vitória de Deus sobre o mal, João chama a “Jerusalém que desce do céu”. Jerusalém é, no universo religioso e cultural do povo bíblico, a cidade santa por excelência, o lugar onde Deus reside no meio do seu Povo, o espaço onde vai irromper e onde se manifestará em definitivo a salvação de Deus. Esta “nova Jerusalém” que João nos descreve é, portanto, o lugar da salvação prometida desde sempre por Deus aos seus filhos, o lugar do encontro definitivo entre Deus e o seu Povo, o lugar da morada de Deus com os homens.

    A “nova Jerusalém” apresenta-se, aos olhos de João e aos nossos olhos, “bela como uma noiva adornada para o seu esposo” (vers. 2). Na linguagem profética, o casamento é um símbolo privilegiado da Aliança. Realiza-se, assim, o ideal da Aliança (cf. Jr 31,33-38; Ez 37,27): Deus e o seu Povo consumam a sua história de intimidade, de amor e de comunhão. Deus passará a residir de forma permanente e estável no meio do seu Povo, como o noivo que se junta à sua amada e com ela partilha a vida e o amor (vers. 3). A longa história de relação entre Deus e o seu Povo será uma história de amor com um final feliz.

    Essa “nova Jerusalém” será o lugar da felicidade ilimitada e definitiva. A dor, as lágrimas, o sofrimento e a morte que acompanharam o homem durante o seu caminho histórico, não terão aí lugar. Aí só haverá espaço para a alegria, a harmonia e a felicidade sem fim (vers. 4).

    Deus, aquele que é o princípio e o fim de tudo, preside a este mundo totalmente renovado (vers. 5). Do seu poder criador nasceu uma nova criação: um mundo novo e uma humanidade nova. Ele lá estará para sempre, sentado no seu trono de glória, a dar a beber da água da vida a todos os seus queridos filhos e filhas.

    No contexto da teologia do Livro do Apocalipse, esta cidade nova, onde encontra guarida o Povo vitorioso dos “santos”, designa a Igreja, vista como comunidade escatológica, transformada e renovada pela ação salvadora e libertadora de Deus na história.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Para onde caminha a comunidade nascida de Jesus e que, por Jesus, enfrenta a incompreensão e a perseguição do mundo? Onde está o seu horizonte último, a sua meta final? João, o autor do livro do Apocalipse, deixa-nos uma bela perspetiva do futuro que nos espera: depois de concluído o nosso caminho nesta terra, estamos destinados a encontrar-nos com Deus numa “cidade” renovada, de onde a sofrimento, a debilidade, o luto, a lamentação e a morte estarão definitivamente banidos. Deus residirá connosco. Seremos uma humanidade recriada, conheceremos a vida em plenitude. Os maus, os violentos, os injustos, os opressores, os que todos os dias derramam o sangue de tantas vítimas inocentes, não terão a última palavra sobre o nosso destino; a nossa peregrinação pela terra não terminará no fracasso e no sem sentido; aqueles que desfeiam o mundo com o seu egoísmo não sairão vencedores. Sabemos para onde caminhamos e estamos convictos de que, no final do caminho, nos espera a vida verdadeira? Essa “revelação” fortalece a nossa esperança e dá-nos a força para vencer os obstáculos que encontramos todos os dias?
    • Houve quem acusasse os discípulos de Jesus de viverem de olhos postos no céu, alheados das realidades do dia a dia, descomprometidos com a construção de um mundo mais justo. É possível que, num ou noutro caso, esta acusação tenha razão de ser; mas, na verdade, não é esse o sentido da proposta cristã. Jesus combateu todas as estruturas do mundo velho que geravam pecado e morte; e quis que os seus discípulos, pelo tempo fora, vivessem comprometidos com a construção do reino de Deus. “Seguir Jesus” é lutar objetivamente contra tudo aquilo que gera injustiça, violência, mentira e sofrimento; “seguir Jesus” é combater as estruturas de pecado que roubam a dignidade e a vida a tantos e tantos dos nossos irmãos. Embora acreditando no “novo céu” e na nova terra” que nos esperam no final do nosso caminho, estamos comprometidos com a construção, aqui e agora, desse mundo mais justo, mais pacífico e mais humano que Jesus nos pediu?
    • A Igreja, comunidade nascida de Jesus, é chamada a ser, no meio do mundo, um anúncio dessa comunidade escatológica, bela e sem mancha, de que fala o autor do livro do Apocalipse. É-o de facto? Sabemos que a Igreja que peregrina na terra é, ao mesmo tempo, santa e pecadora; mas todos compreendemos, por outro lado, que as divisões, os conflitos, as discussões estéreis, as vaidades, as ambições, as faltas de misericórdia, a indiferença face aos mais frágeis, são chagas que desfeiam o rosto da Igreja e a impedem de dar testemunho do mundo novo que nos espera. O que é preciso fazer para que a nossa comunidade cristã possa ser testemunha credível da comunidade de “santos” que se reunirá à volta de Deus no mundo que há de vir?

     

    ALELUIA– João 13,34

    Aleluia. Aleluia.

    Dou-vos um mandamento novo, diz o Senhor:
    amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei.

     

    EVANGELHO – João 13,31-33a.34-35

    Quando Judas saiu do cenáculo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Agora foi glorificado o Filho do homem
    e Deus glorificado n’Ele.
    Se Deus foi glorificado n’Ele,
    Deus também O glorificará em Si mesmo
    e glorificá-l’O-á sem demora.
    Meus filhos,
    é por pouco tempo que ainda estou convosco.
    Dou-vos um mandamento novo:
    que vos ameis uns aos outros.
    Como Eu vos amei,
    amai-vos também uns aos outros.
    Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos:
    se vos amardes uns aos outros».

     

    CONTEXTO

    O Evangelho do quinto domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, numa noite de quinta-feira do mês de Nisan do ano trinta, um dia antes da celebração da Páscoa judaica. Jesus está à mesa com os seus discípulos, numa inolvidável ceia de despedida.

    Sobre Jesus e o seu grupo de discípulos paira a sombra da cruz. Nessa noite, após a ceia, Jesus atravessará o Vale do Cedron, a oriente da cidade, e dirigir-se-á ao Getsemani (“lagar de azeite”), um jardim situado no sopé do Monte das Oliveiras, onde estará alguns momentos em oração. Aí será preso pelos soldados do Templo. Durante essa noite comparecerá diante do Sinédrio, será julgado e condenado à morte. Na manhã do dia seguinte, depois de a sentença ser confirmada pelo governador romano, será crucificado.

    Enquanto convive, à mesa, com os discípulos, Jesus está perfeitamente consciente do que o espera nas próximas horas. Não está preocupado com o que lhe vai acontecer: quando aceitou o projeto do Pai e começou a anunciar o Reino, Ele sabia os riscos que iria correr; mas preocupa-se com aqueles discípulos que estão com Ele à mesa nessa noite de quinta-feira… Que será deles quando o seu Mestre lhes for tirado? Poderão, sem Jesus a mostrar-lhes o caminho a cada passo, levar para a frente o projeto do Reino? Saberão discernir, no meio das crises e tempestades que terão de enfrentar, o que é importante e o que é secundário?

    O ambiente dramático dessa ceia é acentuado pela presença de um discípulo traidor, que combinou entregar o seu Mestre às autoridades judaicas. Jesus sabe-o e, durante a ceia, alude a isso. A dada altura Judas, o discípulo traidor, abandona a sala. É de noite, hora de trevas e de temores. Jesus permanece ainda mais algum tempo à mesa a conversar com os outros discípulos. O tempo começa a esgotar-se. Jesus aproveita o pouco tempo que lhe resta para relembrar aos discípulos o essencial da mensagem que procurou transmitir-lhes enquanto percorria com eles os caminhos da Galileia e da Judeia. Tudo o que foi dito nessa noite, à volta da mesa, soa a “testamento final”. Os discípulos nunca mais o esquecerão.

     

    MENSAGEM

    Depois de Judas ter feito a sua opção e de ter saído para ir ao encontro dos dirigentes judaicos que tramam a morte de Jesus, tudo está decidido. Chegou a “Hora” de Jesus, o momento da sua paixão, morte e glorificação. Consciente disso, Jesus inicia uma longa conversa com os outros discípulos, os que permaneceram com Ele à mesa. É um “testamento”, uma “instrução”, uma “despedida” na qual se cruzam as lembranças, os conselhos, as indicações práticas, as explicações, as confidências. O discurso de Jesus será interrompido por perguntas ou ocasionais pedidos de esclarecimento.

    Num primeiro momento, Jesus fala da sua morte próxima. Paradoxalmente, não a considera um fracasso ou uma derrota, mas sim o momento da manifestação da sua glória e da glória do Pai (“agora foi glorificado o Filho do homem e Deus glorificado n’Ele. Se Deus foi glorificado n’Ele, Deus também O glorificará em Si mesmo e glorificá-l’O-á sem demora” – vers. 31-32). Ao longo de toda a sua vida entre os homens, Jesus trabalhou para manifestar a “glória” do Pai (o termo “doxa” aqui utilizado traduz o hebraico “kabod” que pode entender-se como “riqueza”, “esplendor”). Nas suas palavras, nos seus gestos, no seu amor, Jesus deu a conhecer aos homens, de forma muito sensível, o rosto, o coração, o amor, toda a “riqueza” do Pai. A sua morte iminente será, no entanto, o momento em que a “glória” do Pai se manifestará em toda a sua plenitude, pois todos os que contemplarem a cruz poderão ver e compreender, naquele “Filho do homem” que oferece a sua vida até à última gota de sangue, a grandeza incomensurável do amor de Deus. Além disso, naquela cruz também se manifestará a “glória” de Jesus: pela sua obediência até ao dom total de si mesmo, Jesus mostrará inequivocamente o seu amor ao Pai e aos homens. O Pai, por sua vez, glorificará Jesus ressuscitando-O da morte e fazendo d’Ele fonte de vida para o mundo e para a Igreja. É estranha a lógica deste Deus cuja “glória” não se manifesta no triunfo espetacular sobre as forças da natureza ou sobre os homens que o contestam, mas sim no amor e na doação da vida até ao extremo, até à última gota de sangue. A “glória” de Deus é o seu amor, um amor que ultrapassa toda a nossa compreensão e todas as nossas lógicas.

    A contemplação do amor de Deus e do amor do próprio Jesus, deve ter consequências na vida dos discípulos. Dirigindo-se-lhes com todo o afeto (“meus filhos” – vers. 33a), como um pai solícito que, antes de partir deste mundo transmite aos filhos a sua sabedoria, aquilo que é verdadeiramente fundamental para que eles vivam vidas com sentido, Jesus pede-lhes que aprendam a lição do amor e que vivam no amor: “dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” (vers. 34). O verbo “agapaô” (“amar”) aqui utilizado define, em João, o amor que faz dom de si, o amor até ao extremo, o amor que não guarda nada para si, mas que se faz entrega total e absoluta. É nesse amor e desse amor que os discípulos devem viver. O ponto de referência no amor é o próprio Jesus (“como Eu vos amei”). Os discípulos tinham visto como Jesus, enquanto percorria os caminhos da Galileia e da Judeia, se comovia com a sorte dos infelizes, curava os doentes, se sentava à mesa com os pecadores, abraçava aqueles homens e mulheres que a vida maltratava e que a sociedade marginalizava. Os discípulos tinham experimentado, eles próprios, como Jesus se interessava por cada um deles, os tratava como amigos muito queridos, compreendia as suas falhas e limitações, não desistia deles mesmo que eles demorassem a assimilar a lógica do Reino de Deus. Tinham até visto, nessa noite de despedida, enquanto estavam sentados à volta daquela mesa, como Jesus lhes lavava os pés, num gesto inaudito de amor e serviço… Era fácil, a partir de tudo isso, perceberem o que Jesus queria dizer-lhes com as palavras “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. “Amar como Jesus” é dar tudo, pôr-se incondicionalmente ao serviço dos outros, sem reivindicar estatuto de gente importante, fazendo-se servo de todos; “amar como Jesus” é respeitar absolutamente a liberdade do outro (Jesus acabou de fazer isso com Judas, o amigo que saiu da sala para o trair), sem limites ou discriminações de qualquer espécie. Os discípulos ainda não o sabem; mas, daí a algumas horas Jesus vai mostrar-lhes, na cruz, o que é amar até ao extremo, até dar a última gota de sangue pelos seus amigos. É desse jeito que os discípulos devem viver e amar. É esse o “mandamento” que Jesus, naquela hora decisiva, lhes deixa.

    O amor (igual ao de Jesus) que os discípulos manifestam entre si brilhará no mundo e será visível para todos os homens (vers. 35). Esse será o distintivo da comunidade do Reino de Deus. Os discípulos de Jesus não são os depositários de uma doutrina ou de uma ideologia, ou os observantes de determinadas leis canónicas, ou os fiéis cumpridores de certos ritos; mas são apenas aqueles que “amam como Jesus”; são aqueles que, pelo amor que partilham, vão ser um sinal vivo do Deus que ama todos os seus filhos.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Naquela hora decisiva em que se despediu dos discípulos, a hora da verdade absoluta, a hora de pôr todas as cartas na mesa, Jesus disse-lhes: “dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos”. Este é o coração do testamento de Jesus, o seu “mandamento” único, a sua proposta mais decisiva. Desde aquela ceia de despedida, passaram-se mais de dois mil anos. Ao longo desse tempo, a comunidade de Jesus que caminha na história foi acumulando um enorme tesouro de experiências e vivências, de teorias e doutrinas, de leis e preceitos, de palavras decisivas e de palavras dispensáveis, de valores eternos e de valores datados, de coisas belas com a marca da eternidade e de coisas feias que têm e ferrugem do tempo. A tudo isso juntou-se o pó acumulado pelos séculos que, por vezes, cobre tudo e não deixa ver o essencial. O Evangelho deste domingo convida-nos a redescobrir o essencial da proposta de Jesus. O que é que está no centro da nossa experiência cristã? Que valor tem, na nossa maneira de viver a fé, o mandamento de Jesus sobre o amor? A nossa religião é a religião do amor, ou é a religião das leis, das exigências, dos ritos externos, do cumprimento de preceitos? Com que força nos impomos no mundo: com a força do amor e do serviço simples e humilde, ou com a força da autoridade prepotente e dos privilégios?
    • A palavra “amor” tem, hoje, muitos significados e pode ser equívoca. Tanto é usada para falar de algo muito belo, como para definir comportamentos egoístas, interesseiros e sórdidos, que usam o outro, que fazem mal, que limitam horizontes, que roubam a liberdade, que destroem a vida do outro… O amor de que Jesus fala quando se dirige aos discípulos naquela ceia de despedida, é o amor que acolhe, que cuida, que se faz serviço simples e humilde, que respeita absolutamente a dignidade e a liberdade do outro, que não discrimina nem marginaliza seja quem for, que não fica indiferente ao sofrimento do outro, que se faz dom total para que o outro tenha mais vida, que gera comunhão e fraternidade. O episódio do lava-pés, na última ceia de Jesus com os discípulos, poderia perfeitamente ser o ícone do amor, tal como Jesus o entendeu e o viveu. É este o amor que vivemos e que testemunhamos?
    • Para Jesus, é o amor que identifica os seus discípulos: “nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. As nossas comunidades cristãs têm de ser oásis de amor, de comunhão, de fraternidade, no meio de um mundo onde a violência, a agressividade, a indiferença e a prepotência procuram impor-se. O amor, o serviço, o acolhimento e a misericórdia têm de ser a marca que nos identifica. Na realidade, é isso que acontece? Nos nossos comportamentos e atitudes uns para com os outros, os homens descobrem a presença do amor de Deus no mundo? Amamos mais do que os outros e interessamo-nos mais do que eles pelos pobres e pelos que sofrem? Aqueles que a sociedade discrimina e deixa abandonados nas margens dos caminhos do mundo são acolhidos, integrados, defendidos, nas nossas comunidades cristãs? Os “diferentes” são tratados por nós como irmãos quando se aproximam da comunidade cristã? Os espaços onde nos reunimos para rezar e para programar a vida das nossas comunidades são casas de comunhão, ou lugares de intriga e de conflito?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 5.º DOMINGO DO TEMPO PASCAL

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 5.º Domingo do Tempo Pascal, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. O ACOLHIMENTO FRATERNO.

    Neste domingo, em que o Ressuscitado nos dá o mandamento novo, não seria uma boa ocasião, para aqueles que preparam a liturgia, de verem se a comunidade está suficientemente atenta ao acolhimento fraterno de todos e de cada um no seio da celebração? As maneiras de fazer podem ser diversas, mas a exigência é a mesma: «Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus, Pai do teu novo Povo, nós Te bendizemos por toda a obra que cumpriste com Paulo e Barnabé. Através deles, abriste às nações pagãs, de quem descendemos, a porta da fé.

    Nós Te pedimos pelos pastores das Igrejas, a fim de que cheguem a designar “anciãos” como guias em todas as tuas comunidades.

    No final da segunda leitura:
    Deus que estás sentado no trono e que fazes novas todas as coisas, Pai do teu Povo, nós Te louvamos pela nova Jerusalém, a tua morada no meio dos homens, que se realiza cada vez que Te rezamos.

    Nós Te confiamos os nossos irmãos e irmãs que estão em provação: que chegue o dia em que Tu lhes enxugarás as lágrimas dos seus olhos dissipando toda a tristeza.

    No final do Evangelho:
    Guiados pelo teu Espírito, nós Te glorificamos, Pai, com o teu Filho Jesus. Nós Te bendizemos pela teu glória, que é a tua presença vivificante, e na qual Tu comunicas connosco pela Palavra e pelo Pão.

    Nós Te pedimos: que o teu Espírito nos fortaleça, para que possamos viver segundo o mandamento novo que nos deste pela palavra e pela vida do teu Filho Jesus.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    Antes de conhecer o abaixamento da sua Paixão e da sua morte, Jesus faz perceber aos seus discípulos o peso, a glória da sua vida. Ele passou fazendo o bem, só pregou o Amor, fez milagres por amor, deu o exemplo do amor dando-nos a maior prova. É tudo isso que tem peso aos olhos de Deus, tal é a sua glória. E já durante a última ceia, Ele anuncia a sua ressurreição predizendo que proximamente Ele não estará mais entre eles, do mesmo modo como está no momento em que lhes fala, mas tornar-Se-á presente através do amor que os seus discípulos terão uns para com os outros: que eles se amem como Ele os amou! Este amor será o sinal pelo qual serão reconhecidos como seus discípulos. Jesus não quer que tudo pare com a sua partida, serão os seus discípulos que O tornarão presente se se amarem como Ele os amou… se forem servos como Ele foi servo para lhes dar o exemplo… se refizerem os gestos e disserem as palavras da última ceia… Isto para fazer memória d’Ele, isto é, recordar- se, tornar presente, esperar o seu regresso… se eles O reconhecem, a Ele o Senhor, sob os traços do mais pequeno entre os irmãos. Jesus de Nazaré já não está entre nós, mas Cristo ressuscitado está bem no meio de nós, hoje. Há que reconhecê-l’O para O testemunhar pelo amor!

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.

    “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros”. Que bela novidade! Como se fosse Jesus a inventar o amor! Os homens e as mulheres não esperaram que Jesus viesse para saber um pouco o sentido da palavra “amor” e do verbo “amar”! Aliás, o mandamento de “amar o seu próximo como a si mesmo” encontra-se já no Livro do Levítico. Então, como compreender esta “novidade”? O próprio Jesus dá-nos a chave: “Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”. Só olhando Jesus saberemos como Ele nos amou. A sua própria vida é uma prática desta palavra. E isto vai para além daquilo que, humanamente, podemos fazer. Ele diz-nos para perdoar setenta vezes sete, isto é, sem colocar qualquer limite ao perdão. “Amai os vossos inimigos e rezai pelos vossos perseguidores”. “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”. São João escreve que “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”, isto é, até à plenitude do amor cuja Fonte é o seu Pai. Sim, a maneira de Jesus nos amar ultrapassa a nossa maneira de amar. Neste sentido, o amor que Ele nos convida a viver entre nós é mesmo novo! Mas há mais! Porque as exigências de um tal amor podem parecer desmedidas, fora do nosso alcance, e deixar-nos no desespero: nunca chegaremos aí! Ora, é preciso compreender bem o “como Eu vos amei”. Jesus não nos diz: “Eu amei-vos. Agora, desenrascai-vos, fazei esforço para Me imitar!” Ele diz-nos: “Como Eu, que vos amo e vos dou o amor infinito do Pai, deixai-vos amar, como uma criança que se deixa tomar nos braços da sua mãe e do seu pai. Vinde até Mim. Àquele que vem até Mim, não o abandonarei. Então, poderei derramar sobre vós a força do próprio Amor que é Deus. Assim, encontrareis a força para ir para além das capacidades humanas, podereis, dia após dia, aprender a amar-vos como Eu vos amo”. Sim, Senhor, quero ir para junto de Ti, porque tens as palavras da vida eterna!

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística III para a Assembleia com Crianças.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    «Como Eu vos amei”. Exigência deste “como”… porque Jesus não fingiu amar-nos! No caminho desta semana, vou encontrar homens, mulheres, jovens, crianças… Como vou amá-los “como Jesus”? Isto é, sem fingimentos, gratuitamente, sinceramente, dando-me a eles com o melhor de mim mesmo… A nossa vida de batizados deve ser sinal no meio da descrença e da indiferença do mundo. Segundo o amor que teremos uns para com os outros… todos verão que somos discípulos de Cristo!

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

  • 5ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    5ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    19 de Maio, 2025

    5ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 14, 5-18

    Naqueles dias, surgiu em Icónio um movimento da parte dos pagãos e dos judeus, conduzidos pelos respectivos chefes, levantou-se um movimento para os maltratar e apedrejar. 6Logo que tiveram conhecimento disso, refugiaram-se nas cidades da Licaónia, Listra e Derbe, e arredores, 7onde começaram a anunciar a Boa- Nova
    8Havia em Listra um homem aleijado dos pés, coxo de nascença e que nunca tinha andado. 9Um dia, ouviu Paulo falar. Este, fitando nele os olhos e vendo que
    tinha fé para ser curado, 10disse-lhe em voz alta: «Ergue-te, direito sobre os teus pés!» Ele deu um salto e começou a andar. 11Ao ver o que Paulo acabava de fazer, a multidão gritou em licaónio: «Os deuses tomaram forma humana e desceram até
    nós!» 12E chamavam Zeus a Barnabé, e Hermes a Paulo, pois este é que lhes dirigia a palavra. 13Então, o sacerdote do templo de Zeus, venerado junto da cidade, trazendo
    touros e grinaldas para as portas da cidade, pretendia, juntamente com a multidão, oferecer-lhes um sacrifício. 14Ao terem conhecimento disso, os Apóstolos Barnabé e Paulo rasgaram as vestes e precipitaram-se para a multidão, gritando: 15«Amigos, que fazeis? Também nós somos homens da mesma condição que vós, homens que vos anunciam a Boa-Nova de que deveis abandonar os ídolos vãos e voltar-vos para o Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo quanto neles se encontra. 16Nas gerações passadas, permitiu que todos os povos seguissem os seus próprios caminhos,
    17mas nem por isso deixou de dar testemunho da sua generosidade, dispensando-vos do céu chuvas e estações de fertilidade, enchendo os vossos corações de alimento e de felicidade.» 18Mesmo depois de terem assim falado, foi a custo que impediram a multidão de lhes oferecer um sacrifício.

    Lucas, no livro dos Actos, narra algumas curas de paralíticos: duas realizadas por Pedro (Act 3, 1ss; Act 9, 32ss.) e uma realizada por Paulo (Act 14, 8ss.). Já no evangelho narrara uma outra realizada por Jesus (Lc 5, 18ss.). Quer assim mostrar que os Apóstolos continuam as obras de Jesus, ao proclamarem o Evangelho aos judeus em Jerusalém (milagres de Pedro) e aos pagãos no seu próprio mundo (milagre de Paulo). Lucas realça também um certo paralelismo entre os «actos de Pedro» e os «actos de Paulo», como são conhecidos alguns capítulos dos Actos dos Apóstolos, devido ao protagonismo que neles tem um ou outro.
    A reacção do público é que é diferente: enquanto em ambiente judaico o
    milagre leva a glorificar a Deus (cf. 4, 21), em ambiente pagão leva a glorificar os homens. Uma antiga lenda, conhecida na região de Listra, falava de dois camponeses que, sem saberem, tinha dado hospitalidade a Zeus e a Hermes. Hermes era o deus da saúde, e Paulo, acompanhado por Barnabé, tinha curado o paralítico. Não andariam por aí novamente os deuses? De qualquer modo, não convinha punir impensadamente aqueles que os não aceitavam. Daí a atitude em relação aos apóstolos.
    O discurso que vem a seguir é importante, porque é o primeiro directamente dirigido aos pagãos. Não são citadas as Escrituras, mas convidam-se os pagãos a converterem-se dos ídolos ao Deus vivo e verdadeiro, criador de todas as coisas. É um exemplo de inculturação e de adaptação à situação concreta dos ouvintes.

    Evangelho: João 14, 21-26

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Quem recebe os meus mandamentos e os observa esse é que me tem amor; e quem me tiver amor será amado por meu Pai, e Eu o amarei e hei-de manifestar-me a ele.» 22Perguntou-lhe Judas, não o Iscariotes: «Porque te hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?» 23Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada. 24Quem não me tem amor não guarda as minhas palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas é do Pai, que me enviou.» 25«Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; 26mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.»

    Os discípulos de Jesus são amados pelo Pai. Porquê? Porque o amor do Pai por Jesus também atinge os seus discípulos. Por Jesus, os crentes participam no amor do Pai pelo Filho.
    Jesus tinha prometido manifestar-se aos seus discípulos. Judas, irmão de Tiago, não entendia o modo como Jesus se manifestava. Pensava certamente numa manifestação gloriosa e messiânica diante de todos. Mas, durante o seu ministério terreno, o Mestre tinha tomado uma aparência humilde. Por isso, tinha provocado uma certa indiferença em relação à sua pessoa, e mesmo atitudes de recusa. Mas, agora, como dizia o próprio Jesus, esse período tinha terminado. Tinha começado a sua «glorificação». Por que é que não se manifestava de modo sensacional ao mundo? Jesus aproveita a ocasião para voltar a falar da presença de Deus na vida do crente. Só quem ama é capaz de observar a palavra de Jesus e de acolher a sua manifestação espiritual e interior. E quem observa a palavra é amado pelo Pai. Mais ainda: quem ama a Jesus, recebe a sua presença no seu íntimo, juntamente com a do Pai e a do Espírito Santo.
    A manifestação de Jesus será espiritual, sem milagres e sem sensacionalismos exteriores. É que a manifestação de Jesus só é possível na obediência e no amor. Por isso é que se manifesta aos crentes, e não ao mundo.
    A perícopa termina com a promessa do Espírito que tudo recordará e fará
    entender. Graças a Ele, os crentes poderão aprofundar e interpretar as palavras, a vida e a pessoa de Jesus em todas as dimensões e com todo o alcance para a vida da Igreja.

    Meditatio

    Barnabé e Paulo continuam a obra de Jesus: anunciam a Boa Nova e realizam curas prodigiosas. A sua pregação é inculturada. A reacção dos ouvintes é diferente. Os judeus glorificam a Deus. Os pagãos tentam glorificar os apóstolos. Estes resistem. Sabem que as maravilhas que realizam apenas acontecem pelo poder de Jesus que está com eles. Como seria bom que todos os agentes pastorais tivessem a mesma consciência e reagissem como Barnabé e Paulo...
    O evangelho leva-nos a meditar no mistério da inabitação da Trindade com um grande sentido de intimidade e de realismo. «Nós viremos a ele e nele faremos morada», diz o Senhor. Estas palavras revelam-nos a impensável intimidade que Deus quer ter com os homens. É nessa intimidade que Jesus se revela a nós, e n
    os revela os seus segredos por meio do Espírito Santo, o Mestre da vida espiritual. Noutros tempos este tema da inabitação era muito caro aos cristãos. Uma vida «habitada» por Deus é bem diferente de uma vida deserta, sem Deus, encerrada nos estreitos limites humanos.

    A vida do crente é visitada por Deus. Ele habita no mais íntimo do coração de cada um. É, na verdade, o doce hóspede da alma. Como é possível viver distraídos, fora de si, com um tão grande hóspede na alma?
    Mas o evangelho também nos leva ao realismo. O amor do cristão não paira nas nuvens. É um amor muito concreto: «Quem recebe os meus mandamentos e os observa esse é que me tem amor» (v. 21). O amor que Jesus espera de nós não se manifesta em palavras ou sentimentos vagos mas na vontade de amarmos a sua vontade. Assim foi o seu amor pelo Pai. Sem união de vontades não há verdadeiro amor. Quem ama a Jesus, ama cumprir a sua vontade. E quem ama a Jesus, cumprindo a sua vontade, é amado pelo Pai, que quer a glorificação do Filho.
    «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada». (Jo 14, 23). Quantas vezes, procuramos a Deus fora de nós ou acima de nós. Mas Deus está dentro de nós: «mais íntimo do que o meu íntimo...», como afirma Santo Agostinho (Confissões 3.6.11). Realiza-se deste modo a palavra de S. Paulo: «Cristo habite pela fé, nos vossos corações de sorte que, enraizados e fundados no amor, possais compreender... qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer (fazer a experiência), enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para serdes repletos da plenitude de Deus» (Ef 3,17-19).
    Experimentar o mistério de Cristo no mais íntimo de nós mesmos, no eu profundo, no "coração" entendido biblicamente". O "coração" é o lugar teológico da verdadeira oração, do encontro de amor com Cristo.

    Oratio

    Senhor Jesus, eu te bendigo e Te dou graças porque, hoje, me fazes compreender a maravilha da inabitação da Trindade em mim. Dá-me a graça de apreciar esse magnífico dom e de desejar, com todo o meu coração, viver Contigo numa intimidade cada vez mais profunda. Faz-me amar o que me ordenas, de modo que possa viver e experimentar o teu amor sem medida.
    Perdoa-me por ter superlotado o meu coração de pessoas e de coisas, que não deixam lugar para Ti, que monopolizam a minha atenção, fazendo-me esquecer de Ti. Quantas vezes, sofro de solidão, porque não me lembro da tua presença.
    Que, em todos os momentos da minha vida, possa ver-te e sentir-te como o meu Tu, e estabelecer Contigo um perene diálogo de amor. Amen.

    Contemplatio

    Jesus quer ser amado pelos homens e sobretudo por aqueles que estão consagrados ao seu Coração. Mas é preciso não esquecer que é por Jesus que vamos ao Pai. «Se alguém me ama, disse, observará a minha palavra, meu Pai o amará, viremos a ele e faremos nele a nossa morada» (Jo 14,23). Jesus e o seu Pai comprazem-se em habitar nos corações que os amam e a enchê-los com graças do Espírito Santo. Deus Pai quer esta união de amor com o seu Filho. É por esta união que há-de estender-se o reino do Sagrado Coração.
    Basta ao amor de Nosso Senhor que a massa dos fiéis lhe dedique o afecto que
    uma criança amorosa dá ao seu pai. Mas pede mais, ou antes, oferece mais às almas privilegiadas, aos padres, às almas consagradas. Quer que estas almas o amem com uma grande ternura, que vão ter com Ele com o abandono de um amigo que vai ter com o seu amigo, de um irmão que ama o seu irmão.

    Pensar n' Ele uma vez por dia, no momento em que a regra prescreve uma meditação, isso pode bastar à salvação e à santificação, mas não basta para o seu amor. A meditação de uma alma unida ao Coração de Jesus é incessante; ela prolonga-se mesmo nas ocupações mais variadas. Jesus é de tal modo o objecto dos afectos desta alma, que ela se compraz em procurá-lo por toda a parte. Encontra-O sempre.
    Este género de meditação não exige uma tensão fatigante do espírito. Aliás
    quem ama verdadeiramente não se cansa a pensar no objecto do seu amor. - Um sábio persegue a ideia que o preocupa, mesmo no meio do barulho; um poeta contempla o seu sonho favorito, mesmo no meio das circunstâncias mais absorventes; um amigo pensa no seu amigo ausente, um filho no seu pai, uma esposa no seu esposo.
    Para os amigos do seu Coração, Nosso Senhor é o pai, o amigo, o esposo. Devem
    pensar com o seu coração nas circunstâncias da sua vida. As promessas que Nosso Senhor fez à devoção ao seu Coração sagrado devem entender-se neste sentido. É preciso amar no seu coração o coração de um pai, de um amigo, de um irmão, o coração de um Deus que se fez homem para permitir aos homens abordá-lo com os sentimentos humanos e por aquilo que há de melhor nestes sentimentos: os afectos do coração. - As almas consagradas ao Coração de Jesus devem contrair sem embaraço e sem constrangimento, esta união habitual, sempre respeitosa, mas constante e afectuosa com o Coração de Jesus (Leão Dehon, OSP 4, p.574s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Viremos a ele e nele faremos morada» (Jo 14, 23).

  • 5ª Semana –Terça-feira - Páscoa

    5ª Semana –Terça-feira - Páscoa

    20 de Maio, 2025

    5ª Semana –Terça-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 14, 19-28

    Naqueles dias, 19apareceram, então, vindos de Antioquia e de Icónio, alguns judeus que aliciaram o povo, apedrejaram Paulo e, julgando-o morto, arrastaram-no para fora da cidade. 20Mas, como os discípulos o tivessem rodeado, ele ergueu-se e voltou para a cidade. No dia seguinte, partiu para Derbe com Barnabé.
    21Depois de terem anunciado a Boa-Nova àquela cidade e de terem feito numerosos discípulos, Paulo e Barnabé voltaram a Listra, Icónio e Antioquia.
    22Fortaleciam a alma dos discípulos, encorajavam-nos a manterem-se firmes na fé,
    porque, diziam eles: «Temos de sofrer muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus.» 23Depois de lhes terem constituído anciãos em cada igreja, pela imposição das mãos, e de terem feito orações acompanhadas de jejum, recomendaram-nos ao Senhor, em quem tinham acreditado. 24A seguir, atravessaram a Pisídia, chegaram à Panfília e, 25depois de anunciarem a palavra em Perga, desceram a Atália. 26De lá, foram de barco para Antioquia, de onde tinham partido, confiados na graça de Deus, para o trabalho que agora acabavam de realizar. 27Assim que chegaram, reuniram a igreja e contaram tudo o que Deus fizera com eles, e como abrira aos pagãos a porta da fé. 28E demoraram-se bastante tempo com os discípulos.

    O mundo pagão aceitou com facilidade e entusiasmo o Evangelho. Mas os judeus continuam a reagir com hostilidade aos evangelizadores. É o que revela o episódio narrado no início da perícopa que escutamos hoje. Paulo salvou-se porque os discípulos o rodearam (v. 20), isto é, o defenderam.
    Antes de fazer regressar os missionários à igreja mãe de Antioquia, Lucas oferece-nos alguns dados da máxima importância. Paulo e Barnabé repetem a visita às comunidades já evangelizadas para as ajudar na consolidação da fé. Trata-se de uma verdadeira «visita pastoral», em que os apóstolos encorajam os fiéis e lançam as bases de uma organização eclesiástica (v. 23), que permite a continuidade das igrejas, que lhes custaram «muitas tribulações» (v. 22). A viagem de regresso é descrita de modo sucinto. Ao chegarem a Antioquia prestaram contas do seu trabalho aos irmãos:
    «contaram tudo o que Deus fizera com eles, e como abrira aos pagãos a porta da fé» (v. 27). Para a comunidade de Antioquia, a abertura do Evangelho aos pagãos, era dado adquirido. Mas, na igreja mãe, de Jerusalém nem todos partilhavam dessa opinião. Vão surgir novas tensões, mas também esclarecimentos decisivos.

    Evangelho: João 14, 27-31a

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 27«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde. 28Ouvistes o que Eu vos disse: 'Eu vou, mas voltarei a vós.' Se me tivésseis amor, havíeis de alegrar-vos por Eu ir para o Pai, pois o Pai é mais do que Eu. 29Digo-vo-lo agora, antes que aconteça, para crerdes quando isso acontecer.
    30Já não falarei muito convosco, pois está a chegar o dominador deste mundo; ele nada pode contra mim, 31mas o mundo tem de saber que Eu amo o Pai e actuo como o Pai me mandou. Levantai-vos, vamo-nos daqui!»

    Jesus, ao despedir-se dos seus discípulos, dirige-lhes palavras de adeus e de conforto. O nosso texto começa com o dom da paz (shalom), que inclui todos os bens messiânicos: «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz» (v. 27). A partida de Jesus não deve causar perturbação ou medo nos seus: «Não se perturbe o vosso coração» (v. 27). Jesus liberta-se da humilhação do seu ministério terreno e caminha para a glória
    do Pai. Ao anunciar a sua morte, Jesus quer apoiar a fé dos discípulos e fazer-lhes ver que o que vai acontecer entra nos planos de Deus.
    O tempo do ministério terreno de Jesus está a terminar, porque «está a chegar o dominador deste mundo» (v. 30). Mas, ainda que ele venha precipitar o fim de Jesus, por meio de Judas Iscariotes, Satanás não tem poder sobre Ele. O poder do Demónio sobre o homem depende dos seus pecados, e Jesus não tem pecado. Por outro lado, o mundo deve saber que Jesus ama o Pai. Ama e obedece. Cumpre o mandamento que recebeu dele e, por isso, entrega a vida. Este é um argumento para que o mundo saiba que Jesus ama o Pai.

    Meditatio

    «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz» (v. 27). A paz é um dom que Jesus derrama nos nossos corações. Jesus vive em nós e, com Ele, está o Pai e está o Espírito Santo. Quem nos pode perturbar? Paulo, apedrejado, e julgado morto, ergue-se, volta à cidade, anuncia a Boa Nova, faz numerosas conversões e parte para animar na fé e encorajar as comunidades de Listra, Icónio e Antioquia, que também passavam por dificuldades: «Temos de sofrer muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus»,
    – dizia-lhes. O Apóstolo resiste e está tranquilo porque tem em si a paz do Senhor, uma paz que o mundo não pode compreender. Essa paz leva-o a afirmar: «Comprazo-me nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 10). Pedro também dirá: «Alegrai-vos, pois assim como participais dos padecimentos de Cristo, assim também rejubilareis de alegria na altura da revelação da sua glória» (1 Pe 4, 13).
    Vivemos num mundo cheio de ameaças, as nossas paixões não dão tréguas, tudo
    parece avançar como se Deus não existisse. E, como os discípulos que, na escuridão da noite, se debatiam contra os ventos e contra as ondas do mar, também nós nos enchemos de pavor. Assaltam-nos as dúvidas e a nossa fé entra em crise. Deus cala-se dentro de nós. Parece jogar às escondidas. Não responde aos nossos gritos. É a noite escura da fé. É o momento de a exercitarmos para sentirmos o que não sentimos e vermos o que não vemos. É essa a fé que está na base da paz, que vem da comunhão com Deus. Fé em Deus presente, mas ainda não completamente possuído, fé que amadurece na ausência do Esposo, que se aperfeiçoa na busca do Esposo, fé que se purifica nos momentos mais duros e atrozes. As vidas dos Santos mostram-nos tantos exemplos do que estamos a dizer!
    A paz vem-nos de um olhar de fé sobre a realidade de um Deus presente, mas procurado com o ardor de um coração ferido pela sua ausência. A paz vem quando se aceita o mistério da ausência de Deus, o seu silêncio, o sofrimento e o mistério da cruz como o momento mais alto do amor de Deus e do testemunho do nosso amor por Ele.
    As nossas Constituições lembram-nos: «A vida reparadora será, por vezes,
    vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo» (n. 24); «Para Glória e Alegria de Deus» (n. 25). Há que não esquecê-lo, quando a tribulação nos bate à porta. Só assim manteremos a paz.

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, dá-me a paz, dá-me a tua paz. Quantas vezes, procuro paz onde ela não se pode encontrar: longe da cruz, fugindo de tudo o que me incomoda, evitando quem me faz perder a paciência, esquivando-me do que me pode causar aborrecimento e fechando os olhos ao sofrimento dos outros! São tentações que me assaltam frequentemente, como sabes, Senhor! São tentações que me fazem afastar o olhar de Ti, fonte da paz, que me fazem esquecer as tuas palavras construtoras da paz sólida e perene.
    Vence, Senhor, as minhas tentações. Que a tua voz ecoe no meu coração perturbado e me ensine os teus caminhos, aqueles que levam à tua paz. Amen.

    Contemplatio

    O Espírito Santo é o espírito de paz. É como tal que Nosso Senhor no-lo deixa. Dar-nos-á a paz, não aquela do mundo que é falsa, baseada na ilusão e na cegueira, mas uma paz verdadeira, a dos filhos de Deus; uma paz que acalma todas as inquietações da consciência, que consola de todas as mágoas da vida; uma paz que o mundo não conhece, que nada pode perturbar e que é um antegozo das doçuras celestes.
    Esta paz é o fruto do Espírito Santo; repousa sobre a contrição, a humildade,
    o amor do Sagrado Coração e sobre o abandono. «Ne turbetur cor vestrum. Não vos entristeçais, não vos perturbeis por causa da minha ausência. Estou ainda convosco», diz-nos Nosso Senhor. «O meu Espírito vos consolará. Ele alimentará e fortificará a vossa fé. Dir-vos-á que se fui para o Céu, foi para vo-lo abrir e para lá vos preparar uma morada eterna, junto de mim e de meu Pai, vado parare vobis locum... accipiam vos ad meipsum. Ele vos há-de ensinar o caminho que conduz ao céu, é aquele que eu segui. Sou eu mesmo que sou o vosso caminho. Se me amais, seguir-me-eis na paz, na consolação e na alegria» (Leão Dehon, OSP 3, p. 436).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz» (Jo 14, 27).

  • 5ª Semana –Quarta-feira - Páscoa

    5ª Semana –Quarta-feira - Páscoa

    21 de Maio, 2025

    5ª Semana –Quarta-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 15, 1-6

    Naqueles dias, 1alguns homens que tinham descido da Judeia ensinavam aos irmãos: «Se não vos circuncidardes, de harmonia com o uso herdado de Moisés, não podereis ser salvos.» 2Depois de muita confusão e de uma controvérsia bastante viva de Paulo e Barnabé contra eles, foi resolvido que Paulo, Barnabé e mais alguns outros subissem a Jerusalém para consultarem, sobre esta questão, os Apóstolos e os Anciãos. 3Então, depois de despedidos pela igreja, atravessaram a Fenícia e a Samaria, relatando a conversão dos pagãos, o que causava imensa alegria a todos os irmãos. 4Chegados a Jerusalém, foram recebidos pela igreja, pelos Apóstolos e Anciãos e contaram tudo o que Deus fizera com eles. 5Levantaram-se alguns do partido dos fariseus, que tinham abraçado a fé, dizendo que era preciso circuncidar os pagãos e impor-lhes a observância da Lei de Moisés. 6Os Apóstolos e os Anciãos reuniram-se para examinarem a questão.

    O conflito que levou ao Concílio de Jerusalém, julgado do nosso ponto de vista, pode parecer-nos infantil. Mas, observado a partir do contexto que o provocou, revela- se mais sério, e podemos compreender melhor a angústia dos irmãos de Jerusalém. Esta narração do livro dos Actos (capítulo 15) é o eixo à volta do qual gira toda a obra de Lucas. O Concílio de Jerusalém resolveu, ou lançou as bases para a resolução, do maior problema e da crise que afectava a Igreja, pois afirmou a liberdade do Evangelho, salvando, ao mesmo tempo, a unidade da mesma Igreja. As questões eram várias entre os judeo-cristãos: que valor tinha o Antigo Testamento, particularmente a Lei, em relação ao novo povo de Deus? Há continuidade no plano de Deus, supondo a novidade radical do cristianismo? Mas, do ponto de vista dos étnico-cristãos, também havia questões: para ser cristão, havia que aceitar a Lei judaica? O caminho que leva ao cristianismo terá necessariamente de passar pelo judaísmo? Quem quer tornar-se cristão terá de tornar-se antes judeu? É preciso aceitar o rito da circuncisão e outros pormenores legais? Se o cristianismo queria ser universal, não podia impor práticas específicas de um determinado povo. Estas e outras questões exigiam a reflexão aprofundada da Igreja. Por isso, «os Apóstolos e os Anciãos reuniram-se para examinarem a questão» (v. 6).

    Evangelho: João 15, 1-8

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1«Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. 2Ele corta todo o ramo que não dá fruto em mim e poda o que dá fruto, para que dê mais fruto ainda. 3Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado. 4Permanecei em mim, que Eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. 5Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer. 6Se alguém não permanece em mim, é lançado fora, como um ramo, e seca. Esses são apanhados e lançados ao fogo, e ardem. 7Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e assim vos

    acontecerá. 8Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus discípulos.»

    A palavra-chave deste texto é claramente «permanecer», até pelas vezes que é repetida. O «discurso de adeus» de Jesus centra-se, agora, na sua relação com os Apóstolos e sobre a comunhão real e profunda que há entre Ele e os que acreditam nele.
    Enquanto o capítulo 14 de João se caracterizava pelo imperativo de
    «acreditar» em Jesus, agora caracteriza-se pela exigência de permanecer n' Ele. Encontramos esta mesma imagem de «permanecer» a propósito da Eucaristia (6, 56). Este «permanecer» deve portanto entender-se em conexão com a Eucaristia.
    Jesus está para enfrentar a morte. Mas continua a ser, para os seus, fonte de vida e de santidade. Unidos a Ele podem muito fruto (15, 6).
    Ao contrário de Israel, videira infecunda e resistente aos cuidados de Deus (cf. Is 5), Jesus é a videira verdadeira, que produz frutos e corresponde aos cuidados do Pai. Com esta imagem, Jesus quer explicar a surpreendente união vital que oferece aos que nele acreditam, os compromissos que essa união implica e as expectativas de Deus sobre ela. Jesus é o primogénito da nova humanidade em virtude do sacrifício redentor oferecido na cruz. Ele é a cepa santa donde brota a seiva que dá vida às varas e que nelas produz frutos. Quem permanece unido a Ele, vive e pode dar frutos. Quem produzir frutos será purificado para produzir ainda mais. Esta purificação é realizada pela palavra acolhida no coração.

    Meditatio

    As duas leituras, que hoje escutamos, têm uma ligação entre elas que, à primeira vista parece não existir. O evangelho apresenta-nos a alegoria da videira, que nos introduz num clima de profunda intimidade: «Permanecei em mim, que Eu permaneço em vós» (v. 4). A primeira leitura fala de exigências legais. Paulo e Barnabé chegam a Jerusalém contam as maravilhas operadas por Deus entre os pagãos e, alguns do partido dos fariseus insistem que é preciso «circuncidar os pagãos e impor-lhes a observância da Lei de Moisés». Qual é, então, a ligação entre as duas leituras? O evangelho leva-nos a compreendê-la quando recorda as palavras de Jesus: «Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim» (v. 4). Sem Jesus nada se pode fazer. Só Ele é o fundamento da nossa vida. E não temos o direito de procurar outro fundamento para ela, ou de acrescentar a Cristo outra realidade que não seja Ele. Era o que pretendiam fazer os cristãos vindos do judaísmo. Não percebiam que, tendo aderido a Cristo, deviam abandonar as antigas perspectivas, porque não há dois fundamentos, nem duas fontes de vida, mas uma só: Cristo. É nele que havemos de pôr toda a nossa fé e toda a nossa confiança. O baptismo, que nos une a Cristo, como varas à cepa, é quanto basta. De Cristo recebemos a seiva divina, que é o Espírito Santo, que nos dá a vida, e produz em nós os seus frutos, a começar pela da caridade.
    As nossas Constituições citam a alegoria da videira para falar da união a
    Cristo, que é o princípio e o centro da nossa vida, o nosso caminho de santidade, tal como foi para o Pe. Dehon (cf. Cst 17): «A vara não pode
    dar fruto por si mesma, se não permanece na cepa... permanecei em Mim» (Jo 15, 4). O mesmo n.
    17 indica os meios para tornar frutuosa a nossa vida de varas: permanecer na
    «escuta da Palavra» e «na partilha do Pão». O n. 18 acrescenta o amor e o serviço aos irmãos, especialmente aos mais fracos. O n. 20 fala da contemplação do Lado aberto e do Coração trespassado. São os «lugares» para vivermos e crescermos na união a Cristo, para que Ele «habite» cada vez mais intimamente "pela fé" nos

    nossos "corações, de sorte que, enraizados e fundados no amor" possamos "compreender... a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer, enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para sermos repletos da plenitude de Deus" (cf. Ef 3, 17-19).

    Oratio

    Senhor Jesus, a união Contigo é, de facto, o princípio e o centro da minha vida. Contigo estou vivo; sem Ti estou morto. Contigo, envolve-me o rio imortal da vida divina, que me leva ao oceano divino e sem limites, onde jamais se põe o sol. Contigo sou tudo; sem Ti sou nada!
    Dou-Te graças, Senhor, porque vieste ligar-me ao Pai, fonte de vida perene. Liga-me fortemente a Ti, para que não me torne uma vara separada, uma vara sem fruto. Faz-me compreender que a união Contigo é o caminho para a santidade e ajuda-me a vivê-la e a aprofundá-la na escuta da palavra, na celebração da Eucaristia, no amor aos irmãos e na contemplação do teu Lado aberto e do teu coração trespassado. E que a união Contigo permita ao teu Espírito produzir em mim todos os seus frutos, particularmente um ardente amor ao Pai e um generoso amor aos irmãos. Amen.

    Contemplatio

    «Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor». Jesus passa junto das vinhas que eram podadas naquela estação. Vê os ramos vivos carregados de botões e os ramos cortados caídos por terra, é um belo tema para uma parábola. «Eu sou a videira verdadeira, diz, a videira cheia de seiva e de vida». Pensava no seu sangue, semelhante ao vinho da vinha, que ia muito em breve correr sob a prensa da agonia.
    «O meu Pai, diz, é o agricultor, que cultiva com amor a videira e os ramos». - Os
    frutos que o agricultor celeste espera da sua vinha são aqueles que a alma leva unida a Jesus Cristo, como os ramos estão unidos à cepa. A alma cristã está enxertada em Jesus Cristo, regenerada por ele, e elevada até a esta perfeição que faz dos seus actos outros tantos frutos divinos: frutos de humildade, de paz, de modéstia, de piedade, de pureza, de zelo, de silêncio, de recolhimento, de sacrifício, de morte para si mesmo; frutos de vida interior e de união constante.
    A vinha vulgar da nossa natureza humana não produz nada de tudo isto. São necessários o enxerto e a seiva divina.
    «Permanecei em mim». Permaneçamos agarrados à videira. O agricultor corta da videira os ramos mortos e aqueles que não dão frutos. Limpa as varas que dão frutos, para que produzam ainda mais.
    «É assim que fará o Pai celeste, diz-nos Nosso Senhor: todo o ramo que não der fruto em mim, cortá-lo-á; atirá-lo-á para longe de mim, será privado da seiva que é a graça e cairá na morte espiritual. Mas os que prometem fruto, podá-los-á, purificá-los-á através de alguma prova e curá-los-á das suas inclinações depravadas, para que dêem ainda mais frutos».
    «Quanto a vós, dizia ainda Nosso Senhor, estais todos podados e purificados pelas instruções que vos dei; mas para que esta purificação se conserve e complete, para que a vossa fecundidade em obras de salvação se desenvolva, uni-vos sempre mais intimamente a mim, permanecei em mim e eu, por minha parte, permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na vinha, se não está aderente à cepa donde tira a seiva vivificante, assim não podeis produzir nada, se não permanecerdes em mim» (Leão Dehon, OSP 3, p. 457s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    ,,Permanecei em mim,, (Jo 15, 4).

  • 5ª Semana –Quinta-feira - Páscoa

    5ª Semana –Quinta-feira - Páscoa

    22 de Maio, 2025

    5ª Semana –Quinta-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 15, 7-21

    Naqueles dias, 7depois de longa discussão, Pedro ergueu-se e disse-lhes:
    «Irmãos, sabeis que Deus me escolheu, desde os primeiros dias, para que os pagãos ouvissem da minha boca a palavra do Evangelho e abraçassem a fé. 8E Deus, que conhece os corações, testemunhou a favor deles, concedendo-lhes o Espírito Santo como a nós. 9Não fez qualquer distinção entre eles e nós, visto ter purificado os seus corações pela fé. 10Porque tentais agora a Deus, querendo impor aos discípulos um jugo que nem os nossos pais nem nós tivemos força para levar? 11Além disso, é pela graça do Senhor Jesus que acreditamos que seremos salvos, exactamente como eles.» 12Toda a assembleia ficou em silêncio e se pôs a ouvir Barnabé e Paulo a descrever os milagres e prodígios que Deus realizara entre os pagãos, por intermédio deles.
    13Quando acabaram de falar, Tiago tomou a palavra e disse: «Irmãos,
    escutai-me. 14Simão contou como Deus, desde o princípio, se dignou intervir para tirar de entre os pagãos um povo que fosse consagrado ao seu nome. 15E com isto concordaram as palavras dos profetas, conforme está escrito: 16Depois disto, hei-de voltara reconstruir a tenda de David, que estava caída; reconstruirei as suas ruínas e erguê-la-ei de novo, 17a fim de que o resto dos homens procure o Senhor, bem como todos os povos que foram consagrados ao meu nome - diz o Senhor, que dá a conhecer 18 estas coisas desde a eternidade. 19Por isso, sou de opinião que não se devem importunar os pagãos convertidos a Deus. 20Que se lhes diga apenas para se absterem de tudo quanto foi conspurcado pelos ídolos, da imoralidade, das carnes sufocadas e do sangue. 21Desde os tempos antigos, Moisés tem em cada cidade os seus pregadores e é lido todos os sábados nas sinagogas.»

    Ao contrário do que seria de esperar, quem toma a palavra para defender o ponto de vista mais liberal não é Paulo, mas Pedro. O apóstolo defende-o usando os seguintes argumentos: foi ele mesmo quem inaugurou a missão entre os pagãos, ao baptizar Cornélio e a sua família, tendo a igreja de Jerusalém aprovado a sua actuação (Act 10-11); o próprio Deus aprovou e confirmou essa actuação, ao enviar o Espírito Santo sobre os pagãos; o próprio Deus, mediante a fé, purificou os corações dos gentios, que os judeus julgavam impuros; se a fé toma o lugar da Lei, como meio de purificação, não é preciso suportar o seu jugo, tão pesado para os próprios judeus; finalmente, o homem salva-se, não pela Lei, mas pela graça de Jesus Cristo.
    Os discursos de Pedro e de Tiago têm, como intermezzo, o testemunho de Barnabé e de Paulo, e vêm depois de uma longa discussão. Podem considerar-se os discursos conclusivos de um longo processo de discernimento comunitário. E assim se salvaguarda a liberdade do Evangelho, mas também a unidade da Igreja.

    Evangelho: João 15, 9-11

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 9«Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor. 10Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu, que tenho guardado os mandamentos do meu Pai, também permaneço no seu amor. 11Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa.

    O amor de Jesus pelos seus discípulos tem origem no amor que circula entre o Pai e o Filho. É essa comunhão de amor que está na origem de todas as intervenções maravilhosas de Deus para salvar o homem: «Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor» (v. 9). Os discípulos devem corresponder a este amor, observando os mandamentos de Jesus, permanecendo no seu amor, obedecendo ao Pai como Jesus obedeceu: até à morte e morte de cruz (Fil 2, 8). A lógica é simples: o Pai amou o Filho, e este, vindo ao mundo, permaneceu unido no amor ao Pai por uma atitude constante de obediência à sua vontade. O mesmo deve acontecer entre Jesus e os discípulos. Estes devem realizar fielmente o que Jesus realizou durante a sua vida, e testemunhar o amor de Jesus permanecendo unidos no seu amor. Mais importante do que amar a Jesus é deixar-se amar por Ele, acolher o amor que o Pai, por Jesus, oferece a cada um de nós. Para isso, há que observar docilmente os mandamentos, a exemplo de Jesus.

    Meditatio

    O evangelho de hoje começa com uma afirmação que é, por assim dizer, uma definição do Coração de Jesus: «Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós» (v. 9). Jesus sabe que a fonte do amor não é Ele, mas o Pai. Mas também sabe que Ele é a perfeita expressão humana desse amor: é o rosto do amor do Pai por nós. Jesus recebeu no seu coração humano o amor que tem origem no Pai, e viveu-o de modo único, perfeitíssimo. Por isso, se quisermos conhecer o amor do Pai, devemos contemplar o Coração de Jesus, que se entregou por nós, e «permanecer no seu amor».
    Para permanecermos no amor de Jesus, há que observar os seus mandamentos
    (cf. v. 10). Se quisermos saciar a infinita sede de amor que há em nós, havemos de procurar continuamente a vontade do Senhor e realizá-la. «Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito» (Mt 11, 29), diz o Senhor. O jugo do Senhor não deixa de ser jugo. Mas é um jugo suave e leve, porque é o jugo dos «seus» mandamentos, e não o jugo dos mandamentos e prescrições da antiga Lei.
    A primeira leitura mostra-nos como os primeiros cristãos perceberam que estavam livres de uma série infinita de leis e preceitos, e que o mais importante era permanecer unidos a Cristo pela fé e pelo cumprimento da sua vontade.
    «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa» (v. 11). Todo o discípulo é chamado a deixar-se possuir pela alegria de Jesus, depois de se ter deixado possuir pelo amor de Deus. A minha existência de discípulo consiste em dar espaço a este amor divino, que é amor
    «descendente», amor que leva o Pai a «dar o Filho» (Jo 3, 15), amor que leva o Filho a dar-se a si mesmo, e que leva os discípulos a fazer o mesmo entre eles. É este o amor que garante a «felicidade».
    Esta nova maneira de amar vem de Deus. É o próprio amor de Deus que actua em mim e em cada um dos discípulos do Senhor. Mais ainda: cada um dos discípulos recebe de Jesus a «sua» felicidade, a alegria que vem de amar como Deus ama, no impulso e na imitação de Jesus. Não estamos pois ao nível do moralismo, mas nos cumes da mística, da m&
    iacute;stica da acção, que implica o dom de si mesmo, que comporta estar completamente possuídos pelo amor de Deus.
    Acolhamos o ardente convite de Jesus: "Permanecei no Meu amor" (Jo 15, 19).
    "Permanecer" é deixar-se penetrar pelo amor de Jesus, deixar-se envolver, levar, permear; repousar no amor de Jesus. É ser fiéis ao amor de Jesus, perseverar no Seu amor, ser testemunhas dele na vida, irradiá-lo.

    As nossas Constituições entendem tudo isto, quando falam da "presença activa" do amor de Jesus (n. 2), da correspondência activa ao amor (cf. n. 7), do conhecimento progressivo do amor (cf. nn. 16-18.23).
    A interioridade recíproca (cf. Jo 15, 4) ou união íntima com Cristo, é condição essencial para a vida de oblação. Permanecer em Jesus é permanecer no Pai (cf. Jo
    14, 10; 1 Jo 4, 16): "Deus é amor; quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele" (1 Jo 4, 16). "Permanecer no amor" é fazer e aceitar tudo por amor, especialmente as cruzes de cada dia (cf. Lc 9, 23), é amar-nos uns aos outros como Cristo nos amou (cf. Jo 15, 12).

    Oratio

    Ó Jesus, hoje, quero rezar-te usando as palavras do teu servo Leão Dehon: «Senhor, permanece em mim e eu permanecerei em Ti. Sim, Tu és a videira, e quando me separo de Ti, sinto-me morrer. Mantém-me unido a Ti na graça santificante, na recordação assídua da tua presença, na meditação dos teus mistérios. Quero permanecer no teu coração. Lá está toda a minha vida e a minha felicidade». Amen.

    Contemplatio

    «É assim que fará o Pai celeste, diz-nos Nosso Senhor: todo o ramo que não der fruto em mim, cortá-lo-á; atirá-lo-á para longe de mim, será privado da seiva que é a graça e cairá na morte espiritual. Mas os que prometem fruto, podá-los-á, purificá-los-á através de alguma prova e curá-los-á das suas inclinações depravadas, para que dêem ainda mais frutos».
    «Quanto a vós, dizia ainda Nosso Senhor, estais todos podados e purificados
    pelas instruções que vos dei; mas para que esta purificação se conserve e complete, para que a vossa fecundidade em obras de salvação se desenvolva, uni-vos sempre mais intimamente a mim, permanecei em mim e eu, por minha parte, permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na vinha, se não está aderente à cepa donde tira a seiva vivificante, assim não podeis produzir nada, se não permanecerdes em mim» (Leão Dehon, OSP 3, p. 457s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Permanecei no meu amor» (Jo 15, 9).

  • 5ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    5ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    23 de Maio, 2025

    5ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 15, 22-31

    Naqueles dias, os Apóstolos e os Anciãos, de acordo com toda a Igreja, resolveram escolher alguns de entre eles e enviá-los a Antioquia com Paulo e Barnabé. Foram Judas, chamado Barsabas, e Silas, homens respeitados entre os irmãos. 23E mandaram a seguinte carta por intermédio deles:«Os Apóstolos e os
    Anciãos, vossos irmãos, aos irmãos de origem pagã residentes em Antioquia, na Síria e na Cilícia, saudações!
    24Tendo conhecimento de que, sem autorização da nossa parte, alguns dos
    nossos vos foram inquietar, perturbando as vossas almas com as suas palavras,
    25resolvemos, de comum acordo, escolher delegados e enviar-vo-los com os nossos queridos Barnabé e Paulo, 26homens estes que expuseram as suas vidas pelo nome de
    Nosso Senhor Jesus Cristo. 27Enviamos, pois, Judas e Silas, que vos transmitirão verbalmente as mesmas coisas. 28O Espírito Santo e nós próprios resolvemos não vos impor outras obrigações além destas, que são indispensáveis: 29abster-vos de carnes imoladas a ídolos, do sangue, de carnes sufocadas e da imoralidade. Procedereis bem, abstendo-vos destas coisas. Adeus.» 30Eles, então, depois de se despedirem, desceram a Antioquia e, reunindo a assembleia, entregaram a carta. 31Depois de a lerem, todos ficaram satisfeitos com o encorajamento que lhes trazia

    Do Concílio de Jerusalém saiu uma resolução oficial sobre a questão da obrigatoriedade da Lei para os pagãos que se convertiam à fé, e foi escolhida uma delegação que, com Paulo e Barnabé, fosse comunicá-la, pessoalmente e por escrito, à igreja de Antioquia. O documento escrito repete os pontos essenciais do acordo obtido. Além de ser enviado a Antioquia, é também remetido às igrejas vizinhas que, de algum modo, tinham sido envolvidas na polémica dos judaizantes.
    A decisão de aceitar o princípio da liberdade do Evangelho diante da Lei foi
    tomada pelo Espírito Santo e pela comunidade cristã através dos seus representantes. A Igreja, desde o princípio, experimentou a presença do Espírito e transmitiu-a ao longo dos séculos. O Espírito falou de modo particular por meio de Tiago, que centrou a sua intervenção na Sagrada Escritura. Mas também falou pelas moções que suscitou na comunidade. O Espírito actua na Igreja, particularmente nos momentos difíceis, quando se devem tomar decisões graves.
    O comunicado oficial causou grande alegria, pois se ficou a saber claramente
    que as profecias do Antigo Testamento se tinham cumprido nos acontecimentos que os afectavam directamente. Notem-se também as palavras de apreço por Paulo e Barnabé, «homens que expuseram as suas vidas pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 26).

    Evangelho: João 15, 12-17

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 12É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. 13Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos. 14Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos

    mando. 15Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. 16Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. 17É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros.»

    «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (v. 12). Nesta perícopa, a relação entre Jesus e os discípulos assume particular intensidade, quando o Senhor fala do mandamento do amor fraterno. Os mandamentos da comunidade messiânica resumem-se ao amor fraterno. A vivência do amor fraterno glorifica o Pai, revela os verdadeiros discípulos e produz muitos frutos. O amor fraterno tem o seu modelo no amor oblativo de Jesus por nós, que O leva a dar a vida pelos seus amigos (v. 13). A resposta que Jesus pede aos seus é um amor oblativo e sem reservas, para com Ele e para com os irmãos, um amor total, de grande qualidade.
    Este amor, que pode levar ao dom da própria vida, tem outras características: é um amor de intimidade e gratuito. A revelação dos segredos mais íntimos é sinal de verdadeira e profunda amizade. Jesus partilha connosco os segredos do seu coração, ajudando-nos a crescer no amor e na intimidade com Ele. Esse amor e essa intimidade, que são dom, têm por objectivo a nossa salvação, e permitem-nos alcançar do Pai tudo quanto Lhe pedirmos, em nome de Jesus.

    Meditatio

    O mandamento do amor fraterno enche o texto evangélico que hoje escutamos: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (v. 12). Jesus já tinha afirmado que há dois mandamentos: o mandamento de amar a Deus com todo o coração e o mandamento de amar o próximo como a nós mesmos. Repetia o Antigo Testamento (cf. Dt 6, 5; Lv 19, 18). Aqui, Jesus vai mais longe: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (v. 12). «Como eu vos amei». Amar o próximo como a nós mesmos é já muito. Mas, amar o próximo como Jesus nos ama, é muito mais. É o amor cristão. Como é que Jesus nos ama? Ama-nos com delicadeza e com força. Chama-nos amigos, porque nos faz entrar na sua intimidade. Não nos trata como servos, mas como amigos. Conta-nos segredos da sua família: «Dei-vos a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (v. 15).
    Este amor delicado é também muito forte: «Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13). O modelo do amor cristão é um homem-Deus crucificado e ressuscitado, que nos amou até ao sacrifício de Si mesmo. É também assim que havemos de amar os nossos irmãos. Ser discípulo de Cristo consiste em amar o irmão até dar a vida por ele, tal como fez Jesus, o Filho que desceu do Céu para dar a vida por nós. Dar a vida não significa necessariamente sofrer o martírio. Essa pode ser uma graça especial, concedida a alguns. Dar a vida é gastar-se na atenção e no serviço àqueles que estão ao nosso lado, que precisam de nós. Significa também interrogar-se, cada manhã, sobre o modo como não se tornar um peso para os outros. Significa ainda suportar os silêncios, os amuos e os limites de carácter de quem vive ao nosso lado. Significa não escandalizar-nos com as suas contradições e pecados. Significa aceitar cada um como é e não como gostaríamos que fosse.
    Uma das finalidades da vida religiosa é unir as pessoas. As nossas Constituições dizem: «Deixamo-nos penetrar pelo amor de Cristo e escutamos a sua prece do &quot
    ;Sint unum...»(cf. n. 63). Mas - perguntam - «como consegui-lo, a não ser aprofundando no Senhor as nossas relações, mesmo as mais normais, com cada um dos nossos irmãos?» (n. 64). Por vezes, corre-se o risco de viver separados, isolados... Devemos então

    recordar o mandamento do Senhor: «Quem ama a Deus, ame também o seu irmão» (1
    Jo 4, 21); quem procura a intimidade com Deus, também procura a intimidade com o irmão, cultiva a amizade com um ou outro, multiplica as ocasiões de encontros familiares: como pode alguém dizer que ama a Deus que não vê, se não ama o irmão que vê? (cf. 1 Jo 4, 20).
    Temos que examinar a nossa consciência, para ver se alimentamos o fogo ou se o deixamos apagar, isto é, se alimentamos o amor real, o calor humano, necessários para o verdadeiro espírito de família e para fazer germinar a verdadeira amizade. Os irmãos e, mais ainda, os amigos são dons do Pai celeste; por meio dos irmãos e, sobretudo, por meio dos amigos, Ele fala-nos e enriquece-nos: «Toda a boa dádiva e todo o bem perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes» (Tgo 1, 17); «Um amigo fiel é uma poderosa protecção; quem o encontra, encontra um tesouro» (Sir 6, 14; cf. Sir 6, 5-17).
    Se queremos ser amados, amemos e, como Deus, tomemos a iniciativa de amar (cf. 1 Jo 4, 19). Como o amor é dom e fruto do Espírito (cf. Rom 5, 5), assim também a verdadeira amizade provém certamente do Espírito e é sustentada por Ele.

    Oratio

    Senhor, mais uma vez, quero rezar-te com as palavras do teu servo Leão Dehon: «Senhor, tu queres ser meu amigo; mas a amizade é uma troca de ternura e de benevolência. Gostaria de competir Contigo nesta amizade, embora seja incapaz de fazer por Ti o que fazes por mim. Serei assíduo junto de Ti. Manter-me-ei unido a Ti pelas minhas obras de cada dia. Consumir-me-ei por Ti no trabalho e no zelo». Amen.

    Contemplatio

    «Amai-vos uns aos outros». Jesus recomenda-nos de novo o seu mandamento preferido. Quer que a caridade mútua caracterize os seus discípulos. «O meu mandamento, diz, é que vos ameis uns aos outros como eu vos amei». Estas palavras dizem muito, e Nosso Senhor explica-as acrescentando: «Ninguém pode ter maior amor do que dar a vida pelos seus amigos». É o que ia fazer dentro de algumas horas. Mas já desde a sua incarnação, não tinha feito outra coisa do que consumir-se por nós. S. Paulo resumiu bem a sua vida: «Amou-me e entregou-se por mim». Amou-me até assumir a natureza humana para se fazer meu irmão, minha caução, meu Redentor. Amou-me até se fazer meu preceptor pelos seus exemplos, pelos seus discursos, pelas suas parábolas. Amou-me até se fazer minha caução e a vitima da minha salvação na sua paixão e na sua morte.
    E eu, devo por minha vez amar o meu próximo e dedicar-me aos seus interesses espirituais e temporais. Devo manifestar esta caridade pelas suas virtudes de doçura e de paciência e pela prática de todas as obras de misericórdia. Que hei- de fazer hoje para isso?
    «Vós sois meus amigos, se fizerdes o que vos mando». - «Vós me chamais vosso Mestre, não quero mais este título; o amor eleva-vos de algum modo até mim: Já não vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor, não é chamado aos conselhos do seu senhor, obedece sem ter nenhuma intimidade com o seu mestre. Não deve ser assim entre vós, acrescenta Nosso Senhor: chamo-vos meus amigos e trato-vos como tais. Tudo o que ouvi de meu Pai, vo-lo dei a conhecer; revelei-vos os mistérios do reino de Deus, dei-vos a conhecer os desígnios de meu Pai para a redenção do mundo, na qual deveis cooperar».

    Entre nós e Nosso Senhor, há, portanto, um regime de amizade, de cooperação e de comunhão de bens, análoga à união de Nosso Senhor com o seu Pai. Tudo é comum entre nós e ele: «Mea omnia tua sunt, et tua mea sunt»: «Tudo o que é meu é teu e o que é teu é meu» (Jo 17,10). - Regime de amor, de santa liberdade e de familiaridade: «Pedireis tudo o que quiserdes, e ser-vos-á concedido» (Jo 15, 16).
    Amou-me até se dar, se entregar, se trair. É tudo por mim nas suas condutas providenciais: «É tudo para os eleitos, tudo concorre para o bem daqueles que amam Deus». É bom mesmo quando me pune, é para o meu bem. Jesus revela-me esta amizade para me cumular de alegria: «Disse-vos estas coisas para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa».
    Que é que fiz até agora para responder a uma tão admirável amizade? Tive para com o Salvador a confiança e a dedicação de um amigo? Que hei-de fazer para responder à sua amizade? (Leão Dehon, OSP 3, p. 460s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12).

  • 5ª Semana - Sábado - Páscoa

    5ª Semana - Sábado - Páscoa

    24 de Maio, 2025

    5ª Semana - Sábado - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 16, 1-10

    Naqueles dias, 1Paulo chegou em seguida a Derbe e, depois, a Listra.Havia ali um discípulo chamado Timóteo, filho de uma judia crente e de pai grego, 2que era muito estimado pelos irmãos de Listra e de Icónio. 3Paulo resolveu levá-lo consigo e, tomando-o, circuncidou-o, por causa dos judeus existentes naquelas regiões, pois todos sabiam que o pai dele era grego. 4Nas cidades por onde passavam, transmitiam e recomendavam aos irmãos que cumprissem as decisões tomadas pelos Apóstolos e pelos Anciãos de Jerusalém. 5Dessa forma, as igrejas eram confirmadas na fé e cresciam em número, de dia para dia. 6Paulo e Silas atravessaram a Frígia e o território da Galácia, pois o Espírito Santo impediu-os de anunciar a Palavra na Ásia. 7Chegando à fronteira da Mísia, tentaram dirigir-se à Bitínia, mas o Espírito de Jesus não lho permitiu. 8Atravessaram, então, a Mísia e desceram para Tróade. 9Ora, durante a noite, Paulo teve uma visão: um macedónio estava de pé diante
    dele e fazia-lhe este pedido: «Passa à Macedónia e vem ajudar-nos!» 10Logo que Paulo teve esta visão, procurámos partir para a Macedónia, persuadidos de que Deus nos chamava, para aí anunciar a Boa-Nova.

    A partir do capítulo 16 do livro dos Actos, Lucas centra a sua atenção na actividade missionária de Paulo. O texto que escutamos hoje apresenta-nos a segunda viagem missionária do Apóstolo, já sem a companhia de Barnabé, com quem se desentendera devido a uma diferente avaliação da pessoa de João Marcos. Mas Paulo não parte sozinho para a nova viagem, mais alargada que a primeira. Vai com Timóteo, seu discípulo, que lhe permanecerá sempre fiel. Para evitar conflitos com os judeus, fá- lo circuncidar, embora reconhecesse que isso não era necessário.
    O Espírito Santo é o guia dos missionários, corrigindo-lhes mesmo a rota. Para Lucas, o Espírito Santo é o grande protagonista e estratega da evangelização. Os seus planos nem sempre coincidem com os dos homens. É o caso em que impele Paulo a passar à Europa, em vez de penetrar nas regiões da Ásia menor. Na acção missionária de Paulo não havia muita organização, mas havia muita disponibilidade à acção do Espírito. Um exemplo sempre actual!

    Evangelho: João 15, 18-21

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 18«Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me odiou a mim. 19Se viésseis do mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, como não vindes do mundo, pois fui Eu que vos escolhi do meio do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. 20Lembrai-vos da palavra que vos disse: o servo não é mais que o seu senhor. Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós. Se cumpriram a minha palavra, também hão-de cumprir a vossa. 21Mas tudo isto vos farão por causa de mim, porque não reconhecem aquele que me enviou.

    Os discípulos de Jesus terão de enfrentar o ódio do mundo, tal como Ele o enfrentou. Esse ódio caracteriza o mundo (v. 18), tal como o amor caracteriza a comunidade cristã. Os discípulos serão perseguidos pelo mundo, porque ele não suporta aqueles que se opõem aos seus princípios. Os que optaram por Cristo são considerados estranhos e inimigos pelo mundo. A sua vida é uma acusação permanente às obras perversas do mundo. É por isso que o homem de fé é odiado. O ódio do mundo manifesta-se na perseguição contra a comunidade dos discípulos de Cristo. Mas estes não devem desanimar na sua vida de fé e no cumprimento da missão de evangelizar. A perseguição e o sofrimento hão-de ser vividos em união com o Senhor. A sorte dos discípulos é idêntica à de Cristo: «Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós» (v. 20).

    Meditatio

    É o Espírito Santo que conduz a Igreja e a sua acção missionária. Paulo e Timóteo atravessavam a Frigia e a Galácia, mas o Espírito Santo proibiu-lhes pregar a palavra na Ásia (cf. v. 6). Depois tentaram dirigir-se à Bitínia, «mas o Espírito de Jesus não lho permitiu» (v. 7). O Espírito Santo parece criar obstáculos à acção dos apóstolos. Mas, em Tróade, irão compreender que o Espírito tinha um plano muito mais ambicioso e vasto: «Passa à Macedónia e vem ajudar-nos!», diz-lhe um macedónio. E, assim, Paulo entra na Europa.
    A docilidade de Paulo ao Espírito Santo é uma lição para nós, que nem sempre
    nos damos conta que as dificuldades ao nosso apostolado e a nossa acção pastoral podem vir de Deus. É que os nossos projectos podem não coincidir com os projectos de Deus, porque não fizemos um bom discernimento, ou por causa de outros nossos limites. Também é possível que os nossos bons projectos estejam inquinados de ambição, de egoísmo, de vaidade. As dificuldades, postas por Deus às nossas obras, são boa ocasião para trabalharmos com generosidade, mas também com desinteresse, deixando-nos a alegria de servir a Deus com docilidade e rectidão.
    O evangelho lembra-nos que «o servo não é mais que o seu senhor» (v. 20). Não devemos espantar-nos se, ao nosso lado, verificarmos indiferença e hostilidade. É sinal de que somos fiéis a Cristo perseguido e à sua palavra de cruz. Não devemos entrar em crise se muitos não pensam como nós, se nos atacam por todos os meios antigos e modernos. A fé é sempre algo fora de moda. Por isso, há-de ser procurada e vivida na oblatividade, que consiste no apelo à cruz, ao sacrifício, a saber amar, à justiça paga com a própria pele. A hostilidade, mais ou menos aberta, do mundo que nos rodeia, não há-de levar-nos a um testemunho soft, a abaixar o nível das exigências da fé, ou a silenciar o que mais compromete ou é impopular.
    Fortalecidos pela presença de Cristo, e dóceis ao seu Espírito, devemos empenhar-nos, como dehonianos, em denunciar o pecado, em trabalhar para que o mundo dos homens, o nosso mundo actual, com as suas forças, os seus dramas, se abra ao Reino de Deus.
    A Eucaristia que celebramos, comungamos e adoramos, sugere-nos
    espontaneamente a ideia e a realidade da imolação da vítima, e é um tácito e insistente convite a vivermos a nossa vocação baptismal (cf. Cst 13) e a nossa profissão religiosa de oblação, reparação, imolação em união com a Vítima divina e com o Sacerdote eterno, para fazermos da nossa vida &ldq
    uo;uma missa permanente" (Cst.
    5; cf. nn. 6.22.24). Porque é tempo que o nosso pão se torne Corpo de Cristo e o
    nosso vinho Seu Sangue e nós, que dele comemos e bebemos, nos tornemos Corpo de
    Cristo.

    Oratio

    «Ó Jesus, Sacerdote soberano, multiplica os sacerdotes santos, os sacerdotes segundo o teu Coração. Quero rezar por essa intenção, como Tu mesmo pediste. Contigo tenho piedade dos rebanhos sem pastores. Envia-lhes pastores que juntem a fecundidade das obras à santidade da vida». Assim rezava o teu servo, Leão Dehon. Que acrescentarei às suas palavras? Peço-te que me ajudes a viver como Tu queres, no meio das dificuldades produzidas pela hostilidade do mundo. Que jamais me acobarde quando for preciso dar testemunho de Ti. Que jamais me falte a coragem perante as reacções que vêm do facto de eu dizer o que Tu mesmo dirias, e de fazer as coisas que Tu mesmo farias. Que a hostilidade do mundo jamais me leve a diluir a tua mensagem e o testemunho que devo ao teu santo nome. Amen.

    Contemplatio

    Durante três anos, o Salvador envolve os seus apóstolos com os mais assíduos cuidados. Está totalmente dedicado à sua formação, à sua preparação. No fim, pode dizer-lhes: «Não vos chamo meus servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Vós sois meus amigos: transmiti-vos tudo o que meu Pai me disse. Não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi, e que vos estabeleci para que deis fruto e que este fruto permaneça». O bom Mestre acrescenta: «Tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome, Ele vo-lo dará. Se o mundo vos odeia, não vos admireis, odiou-me primeiro. Ele odiar-vos-á, porque não sois do mundo, porque vos constituí acima do mundo. - Enviar-vos-ei o meu espírito, o espírito de verdade que será o vosso guia. - Sofrereis perseguições. Expulsar-vos-ão das vossas casas e dos vossos santuários, porque os perseguidores não conhecem o meu Pai e não me conhecem. Mas antes de vos deixar, previno-vos, a fim de que nada vos surpreenda» (Jo 15).
    O bom Mestre instruiu os seus discípulos até ao fim, com uma caridade inefável.
    Que sorte invejável esta de serem os amigos de Jesus, os seus íntimos, os
    ministros das suas obras e mesmo os seus companheiros de labor e de expiação sob a cruz! (Leão Dehon, OSP 4, p. 256).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O servo não é mais que o seu senhor» (Jo 15, 20).

  • 06º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    06º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    25 de Maio, 2025

    ANO C

    6.º DOMINGO DA PÁSCOA

    Tema do 6.º Domingo do Tempo Pascal

    Na liturgia do sexto domingo do tempo pascal sobressai a promessa de Jesus de acompanhar e de orientar os seus discípulos ao longo de todo o caminho histórico que eles vão percorrer. Alimentados pela Palavra de Jesus, conduzidos pelo Espírito, os discípulos caminham ao encontro da cidade perfeita, onde os espera o abraço eterno de Deus.

    No Evangelho Jesus, na véspera da sua morte, despede-se dos discípulos. Diz-lhes que vai para o Pai, mas que estará sempre em comunhão com eles. O Espírito Santo que vão receber ensinará aos discípulos “todas as coisas”, recordar-lhes-á tudo o que Jesus lhes disse enquanto andou com eles, fará com que eles se mantenham em comunhão com Jesus. Dessa forma os discípulos poderão continuar no mundo o projeto de Jesus, até ao reencontro final com Ele.

    A primeira leitura mostra-nos a comunidade dos discípulos de Jesus a caminhar pela história e a ser confrontada com novos desafios e com novas realidades. Cumpre-se o que Jesus tinha dito: o Espírito Santo, dom de Deus, ajuda os discípulos a discernir o caminho certo, a separar o essencial do acessório, a desenhar caminhos por onde o Evangelho chegue a todos os povos da terra.

    Na segunda leitura, apresenta-se mais uma vez a meta final da caminhada da Igreja: a “Jerusalém messiânica”, a cidade da luz e da paz, o Templo perfeito onde os discípulos do “Cordeiro” (Jesus) viverão em comunhão plena com Deus.

     

    LEITURA I – Atos dos Apóstolos 15,1-2.22-29

    Naqueles dias,
    alguns homens que desceram da Judeia
    ensinavam aos irmãos de Antioquia:
    «Se não receberdes a circuncisão,
    segundo a Lei de Moisés,
    não podereis salvar-vos».
    Isto provocou muita agitação e uma discussão intensa
    que Paulo e Barnabé tiveram com eles.
    Então decidiram que Paulo e Barnabé e mais alguns discípulos
    subissem a Jerusalém
    para tratarem dessa questão com os Apóstolos e os anciãos.
    Os Apóstolos e os anciãos, de acordo com toda a Igreja,
    decidiram escolher alguns irmãos
    e mandá-los a Antioquia com Barnabé e Paulo.
    Eram Judas, a quem chamavam Barsabás,
    e Silas, homens de autoridade entre os irmãos.
    Mandaram por eles esta carta:
    «Os Apóstolos e os anciãos, irmãos vossos,
    saúdam os irmãos de origem pagã
    residentes em Antioquia, na Síria e na Cilícia.
    Tendo sabido que, sem nossa autorização,
    alguns dos nossos vos foram inquietar,
    perturbando as vossas almas com as suas palavras,
    resolvemos, de comum acordo,
    escolher delegados para vo-los enviarmos
    juntamente com os nossos queridos Barnabé e Paulo,
    homens que expuseram a sua vida
    pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    Por isso vos mandamos Judas e Silas,
    que vos transmitirão de viva voz as nossas decisões.
    O Espírito Santo e nós
    decidimos não vos impor mais nenhuma obrigação,
    além destas que são indispensáveis:
    abster-se da carne imolada aos ídolos,
    do sangue, das carnes sufocadas e das relações imorais.
    Procedereis bem, evitando tudo isso. Adeus».

     

    CONTEXTO

    Em Antioquia da Pisídia, durante a sua primeira viagem missionária, Paulo pregou primeiro aos judeus na sinagoga da cidade; mas, diante da resistência e do desinteresse dos judeus, Paulo manifestou abertamente a sua intenção de dirigir-se, daí em diante, preferencialmente aos gentios cf. At 13,44-48). Os pagãos, ao saberem dessa decisão, “encheram-se de alegria e glorificavam a palavra do Senhor”. Esta notícia espelha uma realidade: muitos pagãos, tendo conhecimento da proposta cristã, manifestaram-se disponíveis para abraçá-la. Quando chegou a Antioquia da Síria (a Igreja que o tinha enviado em missão), Paulo apresentou aos responsáveis dessa comunidade o relatório da missão e contou como Deus “abrira aos pagãos a porta da fé” (At 14,27).

    Esse facto, contudo, colocava a Igreja de Jesus diante de novos desafios e levantava algumas questões até agora não equacionadas. A circuncisão -prática habitual dos judeus – era obrigatória, como defendiam os cristãos que provinham do judaísmo? A observância da Lei de Moisés era obrigatória? As prescrições farisaicas relativas aos alimentos eram obrigatórias? Não se trata, aqui, de algo acidental ou secundário, de simples medidas disciplinares ou de puros costumes, mas de algo tão fundamental como saber se a salvação vem através da circuncisão e da observância da Lei judaica, ou única e exclusivamente por Cristo. Dito de outra forma: Jesus Cristo é o único Senhor e salvador, ou são precisas outras coisas além d’Ele para chegar a Deus e para receber d’Ele a graça da salvação?

    Paulo e Barnabé tinham ideias definidas quanto a isto. Achavam que Cristo e o seu Evangelho eram suficientes e que não deviam ser impostos aos cristãos de origem greco-romana obrigações que não eram essenciais; mas outros cristãos pensavam de maneira diferente. Como proceder?

     

    MENSAGEM

    A chegada a Antioquia da Síria de cristãos palestinos que consideravam fundamental, para os membros das comunidades cristãs, o respeito pela Lei e pelas tradições judaicas, vai exigir uma definição daquilo que o anúncio cristão devia propor a quem queria entrar na comunidade nascida de Jesus (vers. 1). A comunidade cristã de Antioquia, incapaz de dirimir as divergências entre Paulo e Barnabé, por um lado, e esses cristãos “judaizantes”, por outro, decidiu enviar a Jerusalém uma delegação para tratar do assunto com os “apóstolos e os anciãos” da Igreja. Paulo, Barnabé e alguns outros (também Tito, de acordo com Gal 2,1) faziam parte dessa delegação (vers. 2).

    A questão é de tal importância que se organiza uma magna assembleia, conhecida como “concílio apostólico” ou “concílio de Jerusalém”, para debater a questão. Essa assembleia vai discutir o que é essencial na proposta cristã (e que devia ser incluído no núcleo fundamental da pregação) e o que é acessório (e que podia ser dispensado, não constituindo uma verdade fundamental da fé cristã).

    O texto que nos é proposto como primeira leitura neste sexto domingo da Páscoa interrompe aqui a descrição dos acontecimentos. Sabemos, contudo, pela descrição dos “Atos”, que nessa “assembleia eclesial” se enfrentaram perspetivas diversas. Pedro reconhecia a igualdade fundamental de todos – judeus e pagãos – diante da proposta de salvação; reconhecia, também, que a Lei é um jugo que não deve ser imposto aos pagãos; reconhecia, finalmente, que é “pela graça do Senhor Jesus” que se chega à salvação (cf. At 15,7-12). Tiago, representante da ala “judaizante, sem se opor à perspetiva de Pedro, procurava salvar o possível das tradições judaicas e propunha que fossem mantidas algumas tradições particularmente caras aos judeus (cf. At 15,13-21). Na realidade, havia acordo quanto ao essencial. Embora o texto de Lucas não seja totalmente explícito, percebe-se a decisão final: não se pode impor aos gentios a Lei judaica; Cristo e o Evangelho bastam. Isto correspondia, de facto, a dar luz verde à missão entre os pagãos. É a decisão mais importante da Igreja nascente: o cristianismo cortou, neste momento, o cordão umbilical com o judaísmo. Podia, agora, ser uma proposta universal de salvação, aberta a todos os homens, de todas as raças e culturas.

    O nosso texto retoma a questão neste ponto. Nos vers. 22-29 da leitura de hoje apresenta-se o “comunicado final” da “assembleia de Jerusalém”: a práxis judaica não pode ser imposta, pois não é essencial para a salvação… No entanto, pede-se a abstenção de alguns costumes particularmente repugnantes para os judeus: o consumo da carne de animais imolados aos ídolos, o consumo de sangue, o consumo de carnes de animais sufocados e as relações imorais (vers. 29).

    É de destacar, ainda, a referência ao Espírito Santo do vers. 28: a decisão é tomada por homens, mas assistidos pelo Espírito. Manifesta-se, assim, a consciência da presença do Espírito, que conduz e que assiste a Igreja na sua caminhada pela história.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A questão do cumprimento ou do não cumprimento dos rituais previstos pela Lei de Moisés é uma questão que hoje não preocupa nenhum cristão. Contudo, evoca questões que afetam a nossa forma de viver a fé e, sobretudo, de traduzir a fé de uma forma que os homens e as mulheres do séc. XXI a possam entender e acolher. Que valor e que importância devemos dar a certos rituais litúrgicos, a determinadas práticas de piedade, a algumas fórmulas teológicas que são decididamente datadas e que se tornam difíceis de entender no mundo da pós-modernidade? Será legítimo impormos – como os “judaizantes” do tempo de Paulo queriam impor a circuncisão – os nossos esquemas culturais ou a nossa maneira de exprimirmos a fé a gentes de culturas e de vivências tão diferentes das nossas? Não há dúvida que temos de formular o discurso da fé numa linguagem “humana”; mas todas as linguagens “humanas” têm os seus limites e estão marcadas pela finitude. A linguagem é o acessório, o conteúdo da mensagem é o essencial; o essencial deve ser preservado, o acessório deve ser constantemente atualizado. Quais são os ritos e as práticas decididamente obsoletos, que impedem o homem de hoje de redescobrir o núcleo central da mensagem cristã? Será que hoje não estamos a impedir, como outrora, o nascimento de Cristo para o mundo, mantendo-nos presos a esquemas, a modos de pensar e de viver que têm pouco a ver com a realidade do mundo que nos rodeia?
    • Os “judaizantes” consideravam que a salvação dependia, não apenas da adesão a Cristo, mas também do cumprimento da Lei de Moisés; Paulo, por seu lado, afirmava a absoluta suficiência de Cristo, “caminho, verdade e vida” para todos os interessados em acolher a salvação de Deus. Cristo é o essencial na nossa experiência de fé. Tudo o resto só tem importância na medida em que nos conduz a Cristo e ao seu Evangelho. Estamos conscientes disto? Em que é que assenta o edifício da nossa fé? Qual o lugar de Cristo na nossa vida? A sua Palavra é decisiva na definição do nosso estilo de vida e na definição dos nossos valores? Cristo está no centro da vida das nossas comunidades cristãs?
    • Os cristãos dos primeiros tempos estavam conscientes de que era o Espírito quem conduzia a Igreja de Jesus no seu caminho pela história. Sentiram isso, de uma forma especial, no momento em que tiveram de decidir sobre o núcleo fundamental da proposta cristã. Ao comunicar ao mundo, após o “concílio de Jerusalém”, o resultado do discernimento aí feito sobre o essencial da fé, disseram: “o Espírito Santo e nós decidimos…”. É bela esta imagem de uma comunidade que marcha pela história conduzida e animada pelo Espírito de Deus, que procura escutar a voz do Espírito e discernir, com a ajuda do Espírito, os caminhos a percorrer. Sentimos que a Igreja é, também nos nossos dias, conduzida e animada pelo Espírito? Procuramos estar atentos aos apelos e indicações que o Espírito nos deixa? Temos consciência que, muitas vezes, o Espírito nos interpela através dos “sinais dos tempos” e dos desafios que estão constantemente a surgir?
    • Paulo, Barnabé e os líderes das primeiras comunidades cristãs, confrontados com desafios dos novos tempos, não responderam com posturas defensivas, conservadoras, intransigentes, paralisantes, temerosas. Encararam a realidade com audácia, com imaginação, com liberdade, com desprendimento e, acima de tudo, com a escuta do Espírito. Dessa forma, a Igreja de Jesus superou a mentalidade de “ghetto” e tornou-se uma proposta de salvação ao alcance de todos os homens e mulheres. É assim que a Igreja de Jesus hoje enfrenta os apelos e os desafios que o mundo lhe coloca? Somos uma Igreja escondida atrás de barreiras protetoras, apenas preocupada em não se sujar, ou somos uma Igreja audaz, sem medo, que vai ao encontro do mundo e que testemunha a todos a misericórdia de Deus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 66 (67)

    Refrão 1: Louvado sejais, Senhor, pelos povos de toda a terra.

     

    Refrão 2: Aleluia.

    Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção,
    resplandeça sobre nós a luz do seu rosto.
    Na terra se conhecerão os vossos caminhos
    e entre os povos a vossa salvação.

    Alegrem-se e exultem as nações,
    porque julgais os povos com justiça e
    governais as nações sobre a terra.

    Os povos Vos louvem, ó Deus,
    todos os povos Vos louvem.
    Deus nos dê a sua bênção
    e chegue o seu louvor aos confins da terra.

     

    LEITURA II – Apocalipse 21,10-14.22-23

    Um Anjo transportou-me em espírito
    ao cimo de uma alta montanha
    e mostrou-me a cidade santa de Jerusalém,
    que descia do Céu, da presença de Deus,
    resplandecente da glória de Deus.
    O seu esplendor era como o de uma pedra preciosíssima,
    como uma pedra de jaspe cristalino.
    Tinha uma grande e alta muralha,
    com doze portas e, junto delas, doze Anjos;
    tinha também nomes gravados,
    os nomes das doze tribos dos filhos de Israel:
    três portas a nascente, três portas ao norte,
    três portas ao sul e três portas a poente.
    A muralha da cidade tinha na base doze reforços salientes
    e neles doze nomes: os doze Apóstolos do Cordeiro.
    Na cidade não vi nenhum templo,
    porque o seu templo é o Senhor Deus omnipotente e o Cordeiro.
    A cidade não precisa da luz do sol nem da lua,
    porque a glória de Deus a ilumina
    e a sua lâmpada é o Cordeiro.

     

    CONTEXTO

    O livro do Apocalipse foi escrito por volta do ano 95, numa altura em que o imperador romano Domiciano ordenara uma violenta perseguição contra os cristãos. Nas comunidades cristãs da Ásia Menor, o desânimo era generalizado. Haveria futuro para a fé cristã, ou estaria destinada a desaparecer, afogada no sangue dos mártires? Quem manda no mundo e tem a última palavra na história dos homens: Deus ou as forças que combatem contra Deus e que Domiciano de alguma forma corporiza?

    Neste contexto João, um cristão exilado na ilha de Patmos, no mar Egeu, por causa da sua fé, entendeu oferecer aos cristãos perseguidos uma mensagem de esperança. No livro que compôs, reflete longamente sobre o que está a acontecer no mundo e alarga depois a sua reflexão a toda a história dos homens. Garante aos crentes perseguidos que o Mal que eles conhecem não terá a última palavra e que a vitória final será de Deus e dos seus “santos”. Jesus, o “Cordeiro” que os homens imolaram na cruz, mas que derrotou a morte, vencerá a batalha contra as forças que se opõem à vida e à felicidade dos filhos de Deus. A história humana não caminha para um beco sem saída, mas para o “novo céu” e a “nova terra” preparados por Deus para aqueles que aceitarem o Seu convite à salvação e se mantiverem fiéis ao “Cordeiro”. Tudo isto é expresso através de uma simbologia muito rica e muito expressiva, que os cristãos entendiam, mas que os perseguidores não conheciam.

    No final do livro, o “profeta” João apresenta, sempre em imagens, a conclusão da história: o mundo novo que Deus vai oferecer ao seu Povo (cf. Ap 21). Chama-lhe “a nova Jerusalém”. Será lá que os “santos”, libertos da morte, do luto, do pranto, da dor, viverão para sempre com Deus. João descreve essa “cidade nova” em dois quadros (cf. At 21,2-8; 21,9-22,5). A segunda leitura deste sexto domingo pascal apresenta-nos precisamente o segundo desses quadros.

     

    MENSAGEM

    A “nova Jerusalém”, é apresentada a João, o “profeta”, como “a noiva, a esposa do Cordeiro” (Ap 21,9). Trata-se da Igreja, a comunidade escatológica, transformada e renovada pela ação salvadora e libertadora de Deus na história. Essa comunidade é “esposa” porque está consagrada a Deus, pertence a Deus, vive com Deus uma história de amor sem fim. A glória de Deus habita nela e ilumina-a; e essa “cidade-esposa”, iluminada pela glória de Deus, é como “uma pedra preciosíssima, como uma pedra de jaspe cristalino” (vers. 11).

    Na descrição da “cidade”, domina o número “doze”: na base da muralha há doze reforços salientes e neles os doze nomes dos Apóstolos do “cordeiro”; a cidade tem doze portas (três a nascente, três ao norte, três ao sul e três a poente), nas quais estão gravados os nomes das doze tribos de Israel; há, ainda, doze anjos junto das portas (vers. 12-14). O número “doze”, aqui omnipresente, indica a totalidade do Povo de Deus (as doze tribos de Israel e os doze Apóstolos): ela está fundada sobre os doze Apóstolos – testemunhas do “cordeiro” – mas integra a totalidade do Povo de Deus do Antigo e do Novo Testamento, conduzido à vida plena pela ação salvadora e libertadora de Cristo. As portas, viradas para os quatro pontos cardeais, indicam que todos os povos (vindos do norte, do sul, de este e do oeste) podem entrar e encontrar lugar nesse lugar de felicidade plena.

    Num desenvolvimento que a leitura desse domingo não conservou (vers. 15-17), enunciam-se as dimensões dessa “cidade”: cento e quarenta e quatro côvados (doze vezes doze), formando um perfeito cubo geométrico. Sugere-se, assim, que a cidade (perfeita, harmoniosa) está desenhada segundo o modelo bíblico do “santo dos santos” (cf. 1 Re 6,19-20), o “lugar” mais sagrado do antigo Templo de Jerusalém, o lugar onde Deus residia no meio do seu Povo. Aqui, no entanto, é a cidade inteira que é o “santo dos santos”, o lugar onde Deus está.

    É por isso que, na última parte deste texto (vers. 22-23), se diz que a cidade não tem Templo: nesse lugar de vida plena, o homem não terá necessidade de mediações (ritos, cerimónias religiosas) para se aproximar de Deus, pois viverá sempre na presença de Deus e encontrará Deus face a face. Diz-se ainda que toda a cidade estará banhada de luz: a luz indica a presença divina (cf. Is 2,5; 24,23; 60,19): Deus e o “cordeiro” estarão sempre presentes, fundamentando a convivência e a harmonia de todos os “santos” e serão a luz que ilumina eternamente esta comunidade de vida plena.

    A nova Jerusalém, “noiva” do Cordeiro, cidade de portas abertas para que todos nela possam entrar, cidade para onde convergem todos os povos que buscam a salvação de Deus, é a Igreja na sua plenitude. Nela cumprem-se plenamente as promessas feitas por Deus através dos profetas (cf. Is 60,11). Nessa “cidade” morada dos “santos”, todos poderão encontrar Deus, viver na sua presença e receber de Deus vida em plenitude.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Este “grande domingo da ressurreição” que é o tempo de Páscoa convida-nos a levantar os olhos do chão e a olhar para além do horizonte limitado e finito em que decorre a nossa vida de todos os dias. Tropeçamos continuamente na maldade, sentimo-nos impotentes diante da violência, vivemos asfixiados pelo medo, ficamos sem forças ao enfrentar as crises que nos esperam a cada esquina; mas a vitória de Jesus que temos andado a celebrar neste tempo diz-nos que a injustiça não derrotará a equidade, que a mentira não se sobreporá à verdade, que o egoísmo não vencerá o amor, que a morte não será mais forte do que a vida. Neste domingo, o quadro da “nova Jerusalém”, a “cidade” perfeita e harmoniosa para onde caminhamos e onde os “santos” de Deus viverão para sempre numa felicidade sem fim, lado a lado com Deus, ajuda a renovar as nossas forças, a nossa alegria, a nossa convicção, a nossa esperança, o nosso compromisso. É neste quadro que vivemos, que caminhamos e que enfrentamos as vicissitudes, as contingências e os reveses que a vida nos traz?
    • A Igreja que peregrina na história não é, ainda, essa comunidade messiânica da vida plena, bela como uma “noiva adornada para o seu esposo”, de que fala a visão do “profeta” de Patmos. O caminho que ela vai fazendo todos os dias está marcado pela debilidade, pela fragilidade e pelo pecado dos seus membros. Mesmo assim, ela tem de ser já, aqui e agora, um anúncio e uma prefiguração da comunidade escatológica da salvação, uma comunidade viva que dá testemunho da utopia e que acende no mundo a luz de Deus. A humanidade necessita desse testemunho. A Igreja de Jesus que caminha na história, entre cansaços e esperanças, fracassos e vitórias, sombras e luzes, constitui, para os homens e mulheres do séc. XXI, um anúncio do mundo que há de vir? O que podemos fazer, nós que somos membros desta Igreja, para tornar mais vivo, mais atraente, mais efetivo, esse anúncio e esse testemunho?
    • É algo de que todos temos consciência, mas que nunca é demais lembrar: ainda que a vida verdadeira e definitiva só se concretize plenamente na “nova Jerusalém”, ela pode e deve começar a ser construída desde já nesta terra. Nós não vivemos apenas de olhos postos nesse mundo que há de vir, alheados das realidades do mundo transitório onde caminhamos todos os dias; mas, enquanto andamos aqui, temos a responsabilidade de construir um mundo de justiça, de amor e de paz, que seja, o mais possível, um reflexo do mundo futuro que nos espera. Jesus, o Filho de Deus que veio ao nosso encontro e que “vestiu” a nossa humanidade, não nos falou apenas do mundo de Deus e do encontro com Deus; mas lutou até à morte para construir, já aqui na terra, um mundo mais justo e mais humano. Estamos empenhados na construção de um mundo “segundo Deus”, onde todos os homens e mulheres possam viver com dignidade e em paz?

     

    ALELUIA– João 14,23

    Aleluia. Aleluia.
    Se alguém Me ama, guardará a minha palavra.
    Meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.

     

    EVANGELHO – João 14,23-29

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Quem Me ama guardará a minha palavra
    e meu Pai o amará;
    Nós viremos a ele
    e faremos nele a nossa morada.
    Quem Me não ama não guarda a minha palavra.
    Ora a palavra que ouvis não é minha,
    mas do Pai que Me enviou.
    Disse-vos estas coisas, estando ainda convosco.
    Mas o Paráclito, o Espírito Santo,
    que o Pai enviará em meu nome,
    vos ensinará todas as coisas
    e vos recordará tudo o que Eu vos disse.
    Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz.
    Não vo-la dou como a dá o mundo.
    Não se perturbe nem se intimide o vosso coração.
    Ouvistes o que Eu vos disse:
    Vou partir, mas voltarei para junto de vós.
    Se Me amásseis,
    ficaríeis contentes por Eu ir para o Pai,
    porque o Pai é maior do que Eu.
    Disse-vo-lo agora, antes de acontecer,
    para que, quando acontecer, acrediteis».

     

    CONTEXTO

    Era uma noite de quinta-feira do mês de Nisan do ano trinta. De acordo com o calendário do autor do Quarto Evangelho, faltava um dia para a celebração da Páscoa judaica. Jesus estava à mesa com os discípulos, na sala de uma casa de Jerusalém. Daí a poucas horas seria preso pelos soldados do Templo, levado diante do Sinédrio e condenado à morte. Na manhã do dia seguinte, depois de o governador romano Pôncio Pilatos ter confirmado a sentença, Jesus seria conduzido pelas ruas da cidade até uma pequena colina fora das muralhas, no chamado “Lugar da Caveira, que em hebraico se diz Gólgota” (Jo 19,17), para aí ser crucificado. Para Jesus, aquela refeição com os discípulos comida depois do pôr-do-sol é uma ceia de despedida. A sombra da cruz paira sobre tudo o que vai ser dito à volta daquela mesa.

    Mais do que com o seu destino imediato, nessa noite Jesus está preocupado com os seus discípulos, aqueles que estão com Ele à volta da mesa: são pessoas frágeis, com ideias pouco claras, que ainda não interiorizaram suficientemente os valores do Reino. Como reagirão à morte de Jesus? Ao verem o seu Mestre ser-lhes tirado, fraquejarão e abandonarão o projeto do Reino de Deus? Ou acolherão o Espírito Santo e assumirão a missão de dar testemunho de Jesus e do seu projeto em todos os lugares por onde andarem? Jesus, consciente de que lhe resta pouco tempo, procura lembrar aos discípulos o essencial da proposta que lhes transmitiu enquanto andava com eles pelos caminhos da Galileia e da Judeia; e procura também fazê-los entender a importância de se manterem em comunhão com Ele.

    Poucos antes de lhes dizer as palavras que o Evangelho deste sexto domingo da Páscoa nos apresenta, Jesus tinha afirmado que era “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6); e tinha convidado os discípulos a percorrerem, sem hesitações, esse “caminho”. Tinha-lhes mesmo garantido que quem percorre esse “caminho” – o “caminho” do amor e do dom da vida – vai ao encontro do Pai. Contudo, os discípulos ouviram Jesus com algum ceticismo: será possível percorrer esse “caminho” se Jesus não caminhar ao lado deles? Como poderão, pelo tempo fora, manter a comunhão com Jesus e receber dele a força para doar, dia a dia, a própria vida? Como é que eles, sem Jesus a guiá-los, encontrarão o “caminho” para o Pai?  As palavras que o Evangelho deste dia nos convida a escutar contêm a resposta de Jesus a estas questões.

     

    MENSAGEM

    Jesus vai partir ao encontro do Pai e os discípulos deixarão de o ver a caminhar à frente deles, como tinha acontecido até agora. Mas isso não significa que a ligação que têm com Jesus seja rompida e que eles fiquem sozinhos no mundo, abandonados à sua sorte (“não vos deixarei órfãos; Eu voltarei a vós!” – Jo 14,18). A comunhão de amor que existe entre os discípulos e Jesus manter-se-á; e os discípulos, através de Jesus, também estarão em ligação com o Pai (“quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada” – Jo 14,23). Os discípulos mostrarão o seu amor a Jesus acolhendo e cumprindo a sua palavra, vivendo ao seu estilo, seguindo os seus passos. Viver nesta dinâmica é estar continuamente em comunhão com Jesus e com o Pai. O Pai e Jesus, que são um, estabelecerão a sua morada no discípulo; viverão juntos, na intimidade de uma nova família (vers. 23-24).

    A fim de que possam manter-se fiéis a Jesus e, através de Jesus, ao projeto do Pai, os discípulos irão receber a força de Deus, o Espírito Santo, o “Paráclito” (vers. 25-26). A palavra grega “paráklêtos”, aqui utilizada, pode traduzir-se como “advogado”, “auxiliador”, “consolador”, “intercessor”. Traduz uma presença solícita e cuidadora na vida desses discípulos que caminham na história entre sombras e luzes, entre dificuldades e conquistas. A função desse “paráclito” junto dos discípulos será a de “ensinar” e de “recordar” tudo aquilo que Jesus lhes disse. O Espírito Santo será, portanto, uma presença dinâmica, que auxiliará os discípulos, trazendo-lhes continuamente à memória os ensinamentos de Jesus e ajudando-os a ler as propostas de Jesus à luz dos novos desafios que o mundo lhes colocar. Assim, os discípulos poderão continuar a percorrer, na história, o “caminho” cristão, numa fidelidade dinâmica às propostas de Jesus, atualizando-as em cada momento e dando-lhes a cada passo um sentido mais completo. O Espírito garante que os discípulos possam continuar a percorrer, na história, o “caminho” que lhes foi apontado, unidos a Jesus e ao Pai. A comunidade cristã e cada homem tornam-se a morada de Deus: na ação dos crentes revela-se o Deus libertador, que reside na comunidade e no coração de cada crente e que tem um projeto de salvação para o homem e para o mundo.

    Finalmente, Jesus oferece aos discípulos a “paz” (“deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz” – vers. 27). Desejar a “paz” (“shalom”) era, entre os judeus, a saudação habitual à chegada e à partida. No entanto, neste contexto, a saudação não é uma despedida trivial, uma fórmula corriqueira usada nas despedidas sociais (“não vo-la dou como a dá o mundo”). Ao deixar aos discípulos “a paz”, Jesus está, antes de mais, a tranquilizar os discípulos e a assegurar-lhes que os acontecimentos que se aproximam não porão fim à relação entre Ele e a sua comunidade; mas está também a oferecer-lhes essa “paz bíblica” que é a síntese dos bens messiânicos e a concretização plena das promessas de Deus. A “paz” oferecida por Jesus é a “vida” nova que Ele veio trazer aos homens, o amor misericordioso de Deus que cura e que salva, tudo aquilo de que o homem necessita para se sentir em harmonia com Deus, com os outros homens e consigo próprio.

    As últimas palavras referidas neste texto (vers. 28-29) sublinham que a ausência de Jesus não é definitiva, nem sequer prolongada. De resto, os discípulos devem alegrar-se, pois a morte não é uma tragédia sem sentido, mas a manifestação suprema do amor de Jesus pelo Pai e pelos homens; e, como tal, é fonte de vida verdadeira e eterna.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, naquela inolvidável ceia de despedida comida na véspera da sua morte, prometeu aos discípulos que não os deixaria sozinhos a percorrer os caminhos do mundo e da história. São palavras que podem mudar completamente a nossa perspetiva das coisas. É verdade que não é fácil, nos nossos dias, seguir os passos de Jesus. Para a maior parte dos nossos contemporâneos, os valores de Jesus não despertam um interesse significativo; soam até a algo ilógico, obsoleto, desfasado da realidade do nosso tempo. Nesse cenário, muitos discípulos de Jesus sentem-se perdidos, desanimados, com vontade de baixar os braços e de se deixar levar pela onda do facilitismo, do relativismo, da indiferença, da pressão social, do “deixar correr”. No entanto Jesus – esse mesmo Jesus que todos os dias se senta connosco à mesa para nos alimentar com a sua Palavra e o seu Pão – diz-nos: “quem me ama guardará a minha palavra e o meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada”. Afinal, os discípulos de Jesus não estão por sua conta, abandonados à sua sorte num cenário desencorajador. Caminhamos com Jesus, abraçados pelo Pai; e Jesus continua a apontar-nos, a par e passo, o caminho que leva à vida. Temos tudo isto presente, sempre que sentimos dificuldade em entrever o sentido dos nossos passos?
    • A comunhão do crente com o Pai e com Jesus – fonte de vida e de esperança – não resulta de empatias rebuscadas, de construções intelectuais, de especiais práticas de piedade, da execução de determinados ritos no decorrer dos quais a vida de Deus inunda inesperadamente o coração do crente; mas resulta do “guardar a Palavra” de Jesus e do percorrer com Jesus o caminho do amor e da entrega, numa doação total a Deus e aos irmãos. Como é que cultivamos a nossa comunhão com Jesus e com o Pai? Procuramos todos os dias, neste tempo que nos tocou viver e com as condições que marcam o nosso caminho diário, escutar Jesus, entender e acolher as suas propostas, ir atrás d’Ele, viver ao seu estilo?
    • Jesus garante aos discípulos que o Pai lhes enviará “o paráclito” e que este os defenderá do risco de desviar-se do caminho que conduz à vida. O Espírito será, para os discípulos, a memória viva de Jesus. Uma das funções do “paráclito” será, segundo Jesus, “ensinar” aos discípulos “todas as coisas”. Jesus esqueceu-se de nos dizer alguma coisa fundamental? Não. Jesus disse-nos tudo o que precisávamos escutar. Mas o Espírito ensinar-nos-á a compreender plenamente o Evangelho, a aplicar corretamente as palavras e os ensinamentos de Jesus aos desafios novos que a vida nos traz a todos os instantes. O Espírito também nos recordará tudo o que Jesus disse. Às vezes não recordamos tudo porque a nossa memória é fraca e não retém tudo o que ouvimos; mas, mais vezes ainda, “não recordamos” porque não nos interessa, porque o que Jesus diz são coisas que nos incomodam, que nos desinstalam e que abalam as nossas certezas e as nossas seguranças. Procuramos escutar o Espírito para encontrar o caminho que somos chamados a percorrer na história? Temos a coragem de seguir as indicações do Espírito, mesmo quando Ele nos convida a mudanças radicais, a ruturas dolorosas, a compromissos exigentes, a opções radicais?
    • Jesus deixa aos discípulos “a paz”. A “paz” é um grande dom, um dom que só Jesus pode dar. É essa “paz” que nos permite encarar com serenidade as vicissitudes e as tempestades que surgem ao longo do caminho; é essa “paz” que nos ajuda a vencer o medo, esse medo que paralisa e que nos impede de lutar por um mundo mais justo e mais humano; é essa “paz” que nos faz vencer o egoísmo, o fechamento em nós próprios, a cegueira que não nos deixa ver as necessidades dos nossos irmãos; é essa “paz” que nos leva a construir pontes de diálogo e de entendimento com os irmãos e irmãs que caminham ao nosso lado; é essa “paz” que nos dá a força para enfrentar o ódio, a violência, a agressão, a mentira que desfeiam o mundo; é essa “paz” que nos liberta do ressentimento, da intolerância, da prepotência, do dogmatismo; é essa “paz” que nos capacita para sermos no mundo sinal da bondade, da misericórdia, da ternura, do amor de Deus… A “paz” de Jesus reside em nós? Testemunhamos essa “paz” na maneira como vivemos e como nos relacionamos com os homens e mulheres que caminham connosco?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 6.º DOMINGO DO TEMPO PASCAL

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 6.º Domingo do Tempo Pascal, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. FAVORECER O ACOLHIMENTO DA BOA NOVA.

    Como no domingo passado, a riqueza do Evangelho é grande: será suficiente uma única audição? Pode-se valorizar e fazer eco da Boa Nova durante toda a celebração: na palavra de acolhimento à celebração, podem-se inserir já algumas frases da Boa Nova; no momento da proclamação do Evangelho, o presidente procurará ler o texto sem se apressar, com um tom meditativo, fazendo breves pausas; no momento do gesto de paz, o padre (ou o diácono) pode recordar que é a paz do Senhor que é oferecida – “deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”; depois da comunhão, algumas frases do Evangelho poderão ainda ajudar à meditação…

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:

    Nosso Pai, nós Te damos graças pelo teu Espírito Santo, que Tu comunicaste generosamente aos Apóstolos e, por eles, às tuas Igrejas, para orientar, guiar, sustentar e encorajar o teu povo na fidelidade à tua vontade.

    Nós Te pedimos pela Igrejas que estão em sínodo e por todas as equipas pastorais: pelo teu Espírito, ilumina-as na tomada de decisões!

    No final da segunda leitura:
    Deus Pai, estás presente em todas as assembleias de oração, por mais modestas que sejam, até nas nossas famílias, para aí revelar a Jerusalém celeste e a nova terra que desejas criar connosco. Bendito sejas!

    Nós Te pedimos pelas paróquias e pelas comunidades que constroem, decoram ou reparam as suas igrejas. Que o teu Espírito as oriente nas suas escolhas.

    No final do Evangelho:
    Pai de Jesus Cristo e nosso Pai, nós Te damos graças pela tua presença fiel no teu Povo, primeiro pelo teu Filho, que habitou no meio dos discípulos, em seguida pelo teu Espírito, o Defensor, que habita connosco.

    Nós Te pedimos: mantém-nos fiéis à tua Palavra, dá-nos a paz, a tua paz, aquela de que o mundo tem necessidade. O teu Espírito de Paz.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    Jesus gostava de dizer que nunca estava só. Vemo-l’O retirar-Se para a montanha, sozinho, mas para se juntar a seu Pai. E promete aos discípulos não os deixar órfãos porque lhes enviará o seu Espírito, o Espírito Santo, o Defensor. Na hora das grandes confidências, pouco tempo antes da sua paixão, Jesus anuncia aos seus discípulos que virá habitar neles com o seu Pai, na condição de permanecerem fiéis à sua palavra. Parece dizer: “se quereis que venhamos habitar em vós, aceitai permanecer fiéis a toda a mensagem que vos transmiti”. Não somente o Pai e o Filho querem habitar nos discípulos, mas o Espírito Santo também habitará neles para os ensinar e fazê-los recordar-se de tudo o que Jesus lhes disse. Sabemos que há duas formas de morte: a morte física e o esquecimento. Jesus veio anunciar aos seus discípulos que, após a sua morte, Ele ressuscitará, e o Espírito Santo ajudará os discípulos a não esquecer o que fez e disse: eles farão memória, recordando-se d’Ele, mas, sobretudo, proclamando-O vivo hoje até à sua vinda na glória.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.

    “Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada”. Uma vez mais, Jesus parece pôr uma condição para que o Pai possa amar-nos. Quem pode pretender amar o Senhor, guardar a sua Palavra? Parece mesmo que, quanto mais os anos passam, mais se instala em nós uma certa lassidão e esmorece o ardor em amar o Senhor. Apesar de todos os esforços, parece que estamos longe da intimidade com Jesus. Mesmo sendo fiéis à oração, frequentando os sacramentos, em particular a Eucaristia, sentimos um vazio… Parece que não amamos bastante o Senhor! Mas recordemo-nos do essencial: a absoluta anterioridade do amor de Deus por nós, foi Ele que nos amou primeiro… O que Jesus nos pede é que reconheçamos primeiro o amor do Pai por nós, que nos precede sempre. Na medida em que guardamos este amor de Jesus com seu Pai, este amor primeiro, podemos guardar a sua Palavra e aprender a amar.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística III para Assembleia com Crianças. Os textos próprios do tempo pascal são particularmente significativos.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    Que fazemos da Palavra? Em cada domingo a Palavra é-nos oferecida. Que fazemos dela? Ela é o “fio condutor” da nossa semana? Ou esquecemo-la mal a escutamos? Nesta semana, procuremos recordar a Palavra evangélica e deixemo-nos transformar por ela. O Espírito Santo ensinar-nos-á, far-nos-á compreender, diz-nos Jesus. Basta estarmos abertos à sua ação!

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 6ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    6ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    26 de Maio, 2025

    6ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 16, 11-15

    Naqueles dias, embarcámos em Tróade e fomos directamente a Samotrácia; no dia seguinte, fomos a Neápoles 12e de lá, a Filipos, cidade de primeira categoria deste distrito da Macedónia, e colónia. Estivemos aí durante alguns dias. 13No dia de sábado, saímos fora de portas, em direcção à margem do rio, onde era costume haver oração. Depois de nos sentarmos, começámos a falar às mulheres que lá se encontravam reunidas. 14Uma das mulheres chamada Lídia, negociante de púrpura, da cidade de Tiatira e temente a Deus, pôs-se a escutar. O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia. 15Depois de ter sido baptizada, bem como os de sua casa, fez este pedido: «Se me considerais fiel ao Senhor, vinde ficar a minha casa.» E obrigou-nos a isso.

    Deus conduziu Paulo e seus companheiros para um novo campo de acção, a Macedónia, já na Europa. Em Filipos, os missionários sentem-se como estranhos. A cidade tinha um acentuado carácter romano, pois se tornara colónia do Império desde o ano 42 aC. Com o grego, também se falava o latim. A administração civil ajustava-se ao padrão romano, e não ao grego. Os judeus eram muito poucos, como denota o facto de não haver sinagoga e o costume de se reunirem, no dia de sábado, junto ao rio. Paulo parece encontrar lá apenas mulheres. Entre elas, destaca-se Lídia, uma rica comerciante de púrpura, que parece ter aderido ao judaísmo, pelo menos como ouvinte. Para Lucas, ela é o paralelo feminino de Cornélio, é «uma crente em Deus».
    Ao contrário do que acontecera em Antioquia da Pisídia, onde algumas mulheres tinham tomado parte na revolta contras os missionários, Lídia acolhe-os na sua casa, provavelmente espaçosa, pois «o Senhor lhe abriu o coração para aderir ao que Paulo dizia» (v. 14). É sempre o Senhor que acompanha os seus missionários e torna eficaz a sua palavra.

    Evangelho: João 15, 26 - 16, 4a

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 26Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, e que Eu vos hei-de enviar da parte do Pai, Ele dará testemunho a meu favor. 27E vós também haveis de dar testemunho, porque estais comigo desde o princípio.» 1«Dei-vos a conhecer estas coisas para não vos perturbardes. 2Sereis expulsos das sinagogas; há-de chegar mesmo a hora em que quem vos matar julgará que presta um serviço a Deus! 3E farão isto por não terem conhecido o Pai nem a mim. 4Deixo-vos ditas estas coisas, para que, quando chegar a hora, vos lembreis de que Eu vo-las tinha dito.

    A perseguição é praticamente a primeira experiência da Igreja. Os discípulos de Jesus foram perseguidos, primeiro pelos judeus e, depois, também pelos pagãos. Jesus tinha-os advertido para essas situações. O mundo opôs-se a Cristo, e irá opor-se também aos cristãos, porque não são do mundo, porque são de Cristo. Além disso, o servo não é mais do que o seu senhor. O ódio do mundo e a perseguição dos

    discípulos são considerados inevitáveis. Até se julgam fazerem parte daquela intensificação do mal, que preludia o juízo.
    Jesus viveu entre a animosidade e a perseguição. Que podem esperar os seus discípulos, chamados a anunciar a mensagem que O levou à morte? É verdade que nem todos recusaram Jesus e a sua palavra. Alguns amaram-no por causa do testemunho de João Batista, e por causa do testemunho que o próprio Jesus deu de Si mesmo. Por isso, é preciso continuar a testemunhar o Senhor, para que aumente o número dos que O amam. Nessa tarefa, os discípulos são ajudados pelo testemunho do Espírito de verdade que Jesus enviará do Pai. E a poderosa acção do Espírito irá manifestar-se exactamente nas perseguições. Há que não esquecê-lo, quando chegar a hora.

    Meditatio

    Paulo, depois da visão do macedónio que lhe suplicava: «Vem ajudar-nos!» (Act 16, 9), embarca em Tróade e vai para Neápoles, cidade próxima de Filipos, na Macedónia. As primeiras pessoas que escutam a palavra de Deus são mulheres. Entre elas destaca-se «Lídia, negociante de púrpura, e temente a Deus» (v. 14). Esta mulher, não só aderiu às palavras de Paulo e dos seus companheiros, mas, uma vez baptizada, recebeu-os em sua casa.
    A primeira criatura humana a acolher a Palavra foi Maria. Quando a Palavra chegou à Europa, foi também uma mulher, Lídia, que, por primeira, a acolheu, com outras mulheres. Isto é bonito e dá alegria, principalmente às próprias mulheres.
    A vida cristã é tempo de tentação e tempo de testemunho, tempo de luta e tempo de colaboração com o Espírito no testemunho de Cristo Ressuscitado. Como Cristo foi incompreendido, também os seus discípulos o são. Como Cristo foi perseguido e morto, também os cristãos estão sujeitos a sê-lo. O texto evangélico que escutamos hoje dá-nos uma perspectiva «heróica» da vida cristã. O cristão é chamado a dar testemunho em sentido pleno. É chamado a ser «mártir». A realidade de Cristo é tão decisiva para a humanidade e, ao mesmo tempo, tão estranha ao modo comum de pensar, que todo aquele que alinha por Cristo é quase inevitavelmente marginalizado e, por vezes, chega a ser eliminado. A história dos mártires mostra claramente essa realidade.
    Também hoje, os discípulos de Cristo, particularmente os missionários, sofrem, não só pelas dificuldades normais da vida e do apostolado, mas também pela incompreensão e pela hostilidade do mundo, em nome do progresso, da emancipação e da modernização, da libertação de tabus, dos direitos humanos, etc., etc.
    Já o Pe. Dehon recordava, no seu Diário, os seus muitos missionários que sacrificaram a vida: «Alguns morreram generosamente na missão, no Congo, no Brasil» (Diário XLV, 41: Fevereiro de 1925.). E, em Março de 1912, escreve nas Memórias: «Os nossos mortos do Congo, do Brasil, do Equador! No Congo 17 deram a vida pela conversão dos negros. Um santo cardeal dizia-me que só pelo simples facto de irem lá para baixo, expondo-se ao perigo de uma morte iminente, merecer-lhe-ia a palma do martírio» (LC n. 381).
    Se todo o nosso apostolado deve ser «uma oblação agradável a Deus» (Cst.
    31), deve sê-lo, de modo muito particular, o apostolado missionário. Se o convite do n. 22 das Constituições: «oferecer-nos ao Pai como oblação viva, santa e agradável», vale para todos os religiosos
    do Pe. Dehon, deve realizar-se, de modo particular, naqueles que se consagram ao apostolado missionário.

    Oratio

    Senhor, quero hoje, mais uma vez rezar-te com o teu servo Leão Dehon: Dá- me, a força de que preciso. Toca o meu coração pelo teu amor, a fim de que esteja preparado para ultrapassar todas as dificuldades e todas as provações. Sei que nada custa àquele que ama. Para me fortalecer, procurarei o teu amor e recordar-me-ei constantemente das bondades do teu divino Coração. Amen. (OSP 3, p. 447).

    Contemplatio

    O Espírito Santo recordar-nos-á o exemplo de Nosso Senhor o qual nos sustentará.
    Nosso Senhor escolheu-nos como seus apóstolos, para espalharmos o seu amor, para trabalharmos no reino do seu Coração. Atacaremos a corrupção do mundo, o mundo corrompido levantar-se-á contra nós. Mas, se o mundo nos odeia, sabemos que primeiro odiou Nosso Senhor. O servo não é maior que o seu senhor.
    Se perseguiram Nosso Senhor, também nos hão-de perseguir. Como ele, havemos de suportar com paciência as perseguições. As provações hão-de servir para o nosso avanço na virtude, para a nossa santificação.
    As promessas de Nosso Senhor suster-nos-ão também. Sabemos que o socorro nos virá em tempo conveniente e que seremos recompensados por tudo o que tivermos sofrido.
    Nosso Senhor preveniu-nos para que não nos escandalizemos, e para que as provas não nos desencorajem nem nos abatam. O Espírito Santo fortificar-nos-á, iluminar-nos-á. Convencerá o mundo do pecado. Propagando a verdade e a virtude pelos ministros do Evangelho, manifestará a iniquidade do mundo e a justiça cristã.
    Confessaremos a sua doutrina, seguiremos os seus ensinamentos, imitaremos os seus exemplos. Confessá-lo-emos com o coração, com a boca e com a acção. Dirigiremos os nossos pensamentos, os nossos desejos, os nossos projectos para tudo o que possa contribuir para a glória de Deus e para a salvação das almas. Regularemos as nossas palavras segundo a sua lei, evitando tudo o que fira a caridade, a verdade, a humildade. Agiremos como ele fazendo unicamente a vontade do Pai.
    Tenhamos coragem na acção e no sofrimento. As tentações virão e as quedas também. O demónio e o mundo não repousam. A vida tem as suas provas inevitáveis. O Espírito Santo fortificar-nos-á para a luta e para a paciência. Dar-nos-á a força da lei, a da esperança e sobretudo a do amor. Recordar-nos-á a necessidade da expiação, a brevidade da vida, a recompensa do céu; mas acima de tudo unir-nos-á a Nosso Senhor pela caridade. Amando-o, conformar-nos-emos aos seus sentimentos. Sofreremos de boamente com ele e por ele. Nada custa àquele que ama.
    Tenhamos coragem. A vida de amor exclui a tristeza. Vivamos no fervor e no puro amor. O Espírito de amor nos sustentará, se soubermos ir buscá-lo ao Coração de Jesus (Leão Dehon, OSP 3, p. 446s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Dei-vos a conhecer estas coisas para não vos perturbardes» (Jo 16, 1).

  • 6ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    6ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    27 de Maio, 2025

    6ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 16, 22-34

    Naqueles dias, 22a multidão amotinou-se contra eles; e os estrategos, arrancando-lhes as vestes, mandaram-nos açoitar. 23Depois de lhes terem dado muitas vergastadas, lançaram-nos na prisão, recomendando ao carcereiro que os tivesse sob atenta vigilância. 24Ao receber tal ordem, este meteu-os no calabouço interior e prendeu-lhes os pés no cepo.
    25Cerca da meia-noite, Paulo e Silas, em oração, entoavam louvores a Deus, e os presos escutavam-nos. 26De repente, sentiu-se um violento tremor de terra que abalou os alicerces da prisão. Todas as portas se abriram e as cadeias de todos se desprenderam. 27Acordando em sobressalto, o carcereiro viu as portas da prisão
    abertas e puxou da espada para se matar, pensando que os presos se tinham evadido. 28Paulo, então, bradou com voz forte: «Não faças nenhum mal a ti mesmo, porque nós estamos todos aqui.» 29O carcereiro pediu luz, correu para dentro da masmorra e lançou-se a tremer, aos pés de Paulo e de Silas. 30Depois, trouxe-os para fora e perguntou: «Senhores, que devo fazer para ser salvo?» 31Eles responderam:
    «Acredita no Senhor Jesus e serás salvo tu e os teus.» 32E anunciaram-lhe a palavra do Senhor, assim como aos que estavam na sua casa. 33O carcereiro, tomando-os consigo, àquela hora da noite, lavou-lhes as feridas e imediatamente se baptizou, ele e todos os seus. 34Depois, levando-os para cima, para a sua casa, pôs-lhes a mesa e entregou-se, com a família, à alegria de ter acreditado em Deus.

    Lucas quer suscitar nos seus leitores a confiança em Deus, que tem mais poder que os homens, e pode transformar as dificuldades em graça. Por isso, «romanceia» muito o seu relato. Paulo e Silas tinham expulsado o espírito pitónico de uma escrava bruxa. Os seus senhores, que assim viram desaparecer uma fonte de rendimento, arrastaram os missionários à presença dos magistrados, e acusaram-nos de criar desordem na cidade, apregoando usos contrários aos dos romanos. Os magistrados, sem grandes investigações, mandaram açoitar os acusados e puseram-nos na prisão, bem vigiados. Mais tarde, invocando a sua cidadania romana, Paulo irá protestar contra os abusos cometidos contra ele. Entretanto, dá-se a clamorosa conversão narrada no texto que hoje escutamos. O testemunho sereno dos prisioneiros, a sua lealdade, a série de eventos extraordinários, impressionam o carcereiro, que pergunta aos apóstolos:
    «Senhores, que devo fazer para ser salvo?» (v. 30). A resposta é simples e directa:
    «Acredita no Senhor Jesus» (v. 31). Assim, depois de Lídia, prosélita judaica, um funcionário romano, entra a fazer parte da comunidade de Filipos, tão cara a Paulo.

    Evangelho: João 16, 5-11

    «Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 5«Agora vou para aquele que me enviou, e ninguém de vós me pergunta: 'Para onde vais?' 6Mas, por vos ter anunciado estas coisas, o vosso coração ficou cheio de tristeza. 7Contudo, digo-vos a verdade: é melhor para vós que Eu vá, pois, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas, se Eu for, Eu vo-lo enviarei. 8E, quando Ele vier, dará ao mundo provas irrefutáveis de uma culpa, de uma inocência e de um julgamento: 9de uma culpa,

    pois não creram em mim; 10de uma inocência, pois Eu vou para o Pai, e já não me vereis; 11de um julgamento, pois o dominador deste mundo ficou condenado.»

    Jesus anuncia a sua partida deste mundo, e afirma que ela é conveniente para os discípulos. Jesus fala da sua morte, que só poderá ser entendida à luz do Espírito Santo. O testemunho de Jesus, que os discípulos hão-de dar, só será possível depois de entenderem quem é Jesus, o que significou a sua presença no meio de nós, e qual foi o sentido da sua morte e da sua ressurreição. E só o Espírito lhes pode dar esse entendimento. Os discípulos hão-de sofrer perseguições. Mas elas serão intoleráveis se não estiverem convencidos e seguros daquilo pelo qual serão perseguidos.
    Além de dar testemunho de Jesus, o Espírito também acusará o mundo de pecado por O ter rejeitado. Os crentes ficarão esclarecidos sobre o erro do mundo, sobre o seu pecado de incredulidade. A condenação de Cristo foi inconsistente. A sua ressurreição condenou o príncipe deste mundo para sempre. Jesus, morto e ressuscitado, é o verdadeiro vencedor.

    Meditatio

    A pregação, em Filipos, teve um começo prometedor. Mas acabou de modo desastroso, quando se levantou um motim contra os missionários, que foram acusados perante as autoridades e lançados na prisão. Paulo, como cidadão romano, estava isento destes processos sumários feitos pelas autoridades locais. Mas, dessa vez, não invocou tal direito. E seguiu-se todo o episódio descrito por Lucas. Enquanto Paulo e Silas cantam os louvores de Deus na prisão, dá-se um terramoto que escancara as portas da mesma. Os apóstolos podiam ter fugido, como pensou o carcereiro. Mas permaneceram na prisão, confiando em Deus e no seu poder para transformar as dificuldades e problemas dos seus missionários em ocasiões de graça. E foi o que aconteceu. O carcereiro converteu-se. E a Igreja teve o primeiro encontro com Roma, representada pelas autoridades da colónia romana de Filipos. Lucas quer mostrar que o cristianismo nunca foi um perigo para a lei e para a ordem no Império. Por isso, Roma deve reconhecer-lhe liberdade para pregar o Evangelho.
    A acção missionária da Igreja está sempre sujeita a vicissitudes idênticas às
    que Paulo e Silas tiveram de enfrentar. Mas há que prosseguir a missão, confiando em Deus e no seu poder. A história da Igreja mostra-nos como Deus, pela persistência e pela fé dos missionários, faz maravilhas. Lembro-me concretamente da Igreja que está em Moçambique e do que teve de enfrentar, seja durante a guerra colonial, seja durante os primeiros anos da independência do país. Não faltaram dificuldades de toda a ordem, incluindo acusações de colaborar com uma ou outra força durante a guerra colonial, ou de ser um instrumento do imperialismo, depois da independência. Mas a Igreja não se deixou impressionar e permaneceu em nome da fidelidade a Deus, e em nome da fidelidade ao povo. O seu notável papel acabou por ser reconhecido.
    O evangelho faz-nos ver como, enquanto o mundo condena os discípulos de
    Jesus, o Espírito inverte a situação, revelando o verdadeiro ser do mundo, o seu erro, a sua nulidade. É uma luz que emerge no critério do juízo divino, diferente e até oposto ao do mundo. Perseguidos e condenados pelos tribunais do mundo, os discípulos podem julgar e condenar o mundo, enquanto esperam o juízo final que revelará os termos exactos do entend
    imento divino.
    Precisamos muito, hoje, deste Espírito que reforça os corações, que torna evidentes as razões para crer, e que dá coragem para nos opormos à mentalidade deste mundo cada vez mais seguro de si, e mais sedutor. Precisamos, sobretudo, que o Espírito nos mostre que muitos sectores do mundo «mundano» têm em si componentes diabólicas, que a batalha entre Cristo e o príncipe deste mundo

    continua, e que somos chamados a participar nessa luta decisiva dentro de nós, entre nós e à nossa volta.
    É verdade que todos somos criaturas frágeis, cansadas e fatigadas: "cansadas" pela luta contra o mal; "fatigadas" pelo peso da nossa carne fraca, e pelo peso das nossas culpas. Mas Cristo, com misericordiosa bondade, convida-nos a ir a Ele para termos força na luta: «Vinde a Mim, todos vós, que vos estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei... Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração e achareis alívio para as vossas almas, pois o Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve» (Mt 11,
    28-30).
    A nossa luta contra o mal passa pelo anúncio do Evangelho, mas também pelo empenhamento em favor da justiça e da paz entre os homens. Foi que fez o Pe. Dehon, com o seu intenso apostolado social, em S. Quintino. Isto é importante para as pessoas pobres e desprotegidas, mas também é importante para a Igreja, frequentemente sentida como "um corpo estranho", mas que se torna credível quando se compromete seriamente em favor do homem, e na luta pela sua libertação de todas as formas de opressão.

    Oratio

    Veni Sancte Spiritus! Vem Espírito Santo, para que resistamos ao poder do mundo. Vê como somos fracos, como somos tímidos, e como as razões do mundo avançam na conquista dos corações dos jovens e dos menos jovens. Que poderemos fazer, se não vieres em nosso auxílio? Os nossos argumentos passam ao lado de muitos dos nossos contemporâneos, sem lhes beliscar a couraça das seguranças em que põem a sua confiança. Sem o teu Espírito, tornamo-nos como o sal que não salga, ou como a luz que não alumia. Sem o teu Espírito, corremos o risco de nos sentir defensores de uma causa perdida. Enche-nos do teu Paráclito, do teu Advogado, do teu Arguente, do teu Defensor, do teu Consolador, para que não fujamos à luta, não fiquemos desarmados, não nos afoguemos no difuso paganismo que nos envolve. Faz- nos profetas críticos deste mundo, profetas entusiastas do teu mundo, da tua verdade. Amen.

    Contemplatio

    Também neste ponto Nosso Senhor não nos deixará órfãos. Suster-nos-á pelo seu Espírito. As provas virão e muito grandes. Estaremos à mercê do ódio do mundo e das perseguições, mas não tenhamos medo, as perseguições não impedirão nem o cumprimento dos desígnios de Deus nem o estabelecimento do seu reino. O Espírito Santo dará testemunho a Nosso Senhor pela verdade que há-de propagar e pelas obras que há-de inspirar; e nós, fortificados pelo Espírito Santo, daremos também testemunho a Nosso Senhor pregando a verdade e suportando por ela todas as provas e contradições.
    Devemos ser os instrumentos do Espírito Santo para a renovação do mundo. Encontraremos nele todos os socorros necessários para cumprirmos dignamente a nossa missão apostólica. Fortificar-nos-á na verdade, no zelo e na paciência.
    A oração será o canal da nossa força. Rezaremos a Deus com uma fé íntegra e uma viva confiança pelo sucesso das nossas obras, pela salvação das almas e pelo reino do Sagrado Coração. «Pedi e recebereis, diz-nos Nosso Senhor, e a vossa alegria será completa. Pedi em meu nome, com a ajuda do Espírito Santo, meu Pai vos ama, porque vós me amais e vos atenderá» (Leão Dehon, OSP 3, p. 445).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    ,,Se Eu for, Eu enviar-vos-ei O Consolador,,: (Jo 16, 7).

  • 6ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    6ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    28 de Maio, 2025

    6ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Act 17, 15. 22-18,1

    Naqueles dias, 15os que acompanhavam Paulo levaram-no a Atenas e regressaram, incumbidos de transmitir a Silas e a Timóteo a ordem de irem reunir-se a Paulo o mais rapidamente possível.
    22De pé, no meio do Areópago, Paulo disse, então: «Atenienses, vejo que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens. 23Percorrendo a vossa cidade e examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: 'Ao Deus desconhecido.' Pois bem! Aquele que venerais sem o conhecer é esse que eu vos anuncio. 24O Deus que criou o mundo e tudo quanto nele se encontra, Ele, que é o Senhor do Céu e da Terra, não habita em santuários construídos pela mão do homem, 25nem é servido por mãos humanas, como se precisasse de alguma coisa, Ele, que a todos dá a vida, a respiração e tudo mais. 26Fez, a partir de um só homem, todo o género humano, para habitar em toda a face da Terra; e fixou a sequência dos tempos e os limites para a sua habitação, 27a fim de que os homens procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo, mesmo tacteando, embora não se encontre longe de cada um de nós. 28É nele, realmente, que vivemos, nos movemos e existimos, como também o disseram alguns dos vossos poetas: 'Pois nós somos também da sua estirpe.'
    29Se nós somos da raça de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e engenho do homem. 30Sem ter em conta estes tempos de ignorância, Deus faz saber, agora, a todos os homens e em toda a parte, que todos têm de se arrepender, 31pois fixou um dia em que julgará o universo com justiça, por intermédio de um Homem, que designou, oferecendo a todos um motivo de crédito, com o facto de o ter ressuscitado de entre os mortos.» 32Ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos, uns começaram a troçar, enquanto outros disseram: «Ouvir-te-emos falar sobre isso ainda outra vez.» 33Foi assim que Paulo saiu do meio deles. 34Alguns dos homens, no entanto, concordaram com ele e abraçaram a fé, entre os quais Dionísio, o areopagita, e também uma mulher de nome Dâmaris e outros com eles. 1Depois disso, Paulo afastou-se de Atenas e foi para Corinto.

    Em Atenas, Paulo utiliza uma nova técnica para anunciar o Evangelho. Não começa por citar as Escrituras, como entre os judeus, mas começa por referir a religiosidade dos gregos. O discurso no Areópago de Atenas é um exemplo de inculturação, que não atraiçoa a originalidade da mensagem cristã. Mesmo dirigindo-se a estóicos e epicuristas, mesmo citando poetas gregos, Paulo faz um discurso de profeta, anunciando um homem «ressuscitado de entre os mortos» (v. 31). Ainda que se insira na linha dos filósofos e dos poetas, que tinham criticado a idolatria, diz o que eles nem sequer podiam imaginar: a verdade alcança-se por meio de um homem ressuscitado de entre os mortos, que também será o juiz final, isto é, o critério definitivo do bem e do mal.
    Um discurso, tão pouco racional, divide, mais uma vez, o auditório. Muitos afastam-se de riso nos lábios. Mas alguns aderem à mensagem.
    Ao citar este discurso de Paulo, Lucas quer dar um exemplo de como se pode apresentar o Kerygma aos pagãos cultos. Os resultados são sempre idênticos: há quem acolha a Palavra e quem a rejeite. Apesar de tudo, nasce uma comunidade cristã na capital da cultura daquele tempo.

    Evangelho: Jo 16, 12-15

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 12«Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender por agora. 13Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa. Ele não falará por si próprio, mas há-de dar-vos a conhecer quanto ouvir e anunciar-vos o que há-de vir.
    14Ele há-de manifestar a minha glória, porque receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer. 15Tudo o que o Pai tem é meu; por isso é que Eu disse: 'Receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer'.»

    Jesus, durante a sua vida terrena, não pôde ensinar muitas coisas aos discípulos, porque não eram capazes de as entender, pelo menos em profundidade. Só o Espírito Santo é o mestre interior e o guia para a verdade completa. A vinda do Espírito Santo inaugurará uma nova fase do conhecimento da palavra de Jesus. O seu ensinamento será dado no íntimo do coração de cada discípulo. Por ele, hão-de conhecer os segredos da verdade de Cristo e interiorizá-los.
    A missão do Espírito será semelhante à de Jesus, mas dirigida para o passado e para o futuro. Como durante a sua vida terrena o Filho nada fez sem o consenso e a unidade do Pai, assim também o Espírito há-de agir em perfeita dependência de Jesus, na Igreja pós-pascal. O Espírito será guia na compreensão da palavra de Jesus e do próprio Jesus; fará ver a realidade de Deus e dos homens como o Pai e o Filho a vêem; fará conhecer a mundo e a história na perspectiva da novidade iniciada com a morte e a ressurreição de Cristo.

    Meditatio

    Paulo verifica que os atenienses são muito religiosos, que sabem muito de religião, que se tinham preocupado em honrar todos os deuses e que, entre muitos erros, tinham tido uma boa inspiração, ao de dedicar um altar «ao Deus desconhecido» (v. 23). A consciência da sua ignorância podia ser uma preparação para acolher a revelação do verdadeiro Deus. Mas, para isso, ainda precisavam do Espírito de verdade, que só é dado por meio do Ressuscitado. Muitos, todavia, não estavam preparados para isso. De facto, «ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos, uns começaram a troçar, enquanto outros disseram: «Ouvir-te-emos falar sobre isso ainda outra vez» (v. 32). Mas houve quem estivesse preparado para acolher o Espírito de verdade, concordando com Paulo: «Alguns dos homens, no entanto, concordaram com ele e abraçaram a fé» (v. 34).
    Uma coisa é saber muito sobre religião e repeti-lo como uma teoria qualquer, e outra é fazer experiência de fé, tomando consciência profunda do que é ser salvo por Jesus. Essa experiência e essa consciência são uma graça do Espírito Santo, o Espírito de verdade, segundo as palavras de Jesus. É o Espírito que nos permite fazer a exegese das palavras do Senhor, para caminharmos pela história com a «mente de Deus», isto é, com o seu modo de ver e de julgar, de sentir e de actuar. Essa «mente de Deus» coloca, muitas vezes, os discípulos em confronto com a mentalidade do mundo. O verdadeiro sentido das coi
    sas, da história, dos acontecimentos está reservado àqueles que têm o Espírito, o deixam falar e escutam a sua voz num coração purificado: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt. 5, 8). As épocas mais criativas da história, para a fé, foram aquelas em que os cristãos se empenharam seriamente na libertação interior, na oração, na santidade.

    As palavras do Senhor realizam-se maximamente nos santos, e são eles que melhorem compreendem as coisas de Deus e o momento histórico em que vivem. Conhecer a realidade segundo Deus é algo de diferente do conhecimento simplesmente racional: é deixar que o Espírito fale num coração vazio de coisas demasiadamente terrenas.
    O Pe. Dehon foi um desses homens que soube ler a realidade à luz de Deus.
    Estudou atentamente as causas dos males da Igreja e da sociedade do seu tempo. Mas não o fez como simples sociólogo ou pastoralista. Fê-lo como verdadeiro místico. Daí que tenha visto no pecado, entendido como recusa do amor, que Deus a todos oferece, e com que pretende ser amado, e quer que nos amemos uns aos outros, a causa mais profunda das deficiências da Igreja e das injustiças sociais. Por essa razão é que, ao falar aos noviços, chegou a afirmar que «a reparação por meio do amor puro é a salvação da Igreja e dos povos, é a solução da actual questão social» (CF III,
    46: 25.7.1880). Esta afirmação, desligada da experiência de vida e especialmente do intenso apostolado social do Pe. Dehon, pode-nos parecer, hoje, espiritualismo abstracto. Mas não se trata disso: o Pe. Dehon tinha um sentido muito concreto das realidades que o rodeavam. O seu olhar místico permitia-lhe ver a realidade, mas também os meios concretos, as iniciativas mais adequadas para a transformar segundo Deus.

    Oratio

    Senhor, purifica o meu coração, pela infusão do teu Espírito. Assim poderei compreender «Verdade completa», não só sobre Ti e sobre os teus projectos, mas também sobre o mundo e sobre a história. Purifica o meu olhar interior para que possa ver os teus caminhos, e o meu ouvido interior para que possa escutar a tua vontade. Purifica o meu instinto, para que se oriente para Ti.
    Dá-me um coração desapegado e vazio para Te deixar falar. Dá-me um
    coração humilde para escutar a voz da tua Igreja. Dá-me a tua luz divina para que saiba julgar o mundo, a sua mentalidade e as suas obras. Purifica-me e ilumina-me, Senhor. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor prodigalizou-nos os dons do Espírito como os dons do coração. Enquanto vivia com os seus discípulos, iniciava-os ele mesmo na verdade: Eu sou a verdade. Deixando-os, prometeu-lhes o Espírito da verdade, que os consolaria da sua ausência. É para nós um dom totalmente celeste. Não é somente o dom da fé, é a inteligência e o gosto das verdades reveladas, cuja contemplação luminosa e completa fará a nossa felicidade no céu. É uma luz acrescentada à nossa razão, um horizonte novo e infinito, aberto diante dela, para que ela aí encontre não apenas a resposta às questões do nosso futuro eterno, mas mesmo a solução de uma multidão de problemas naturais. Este dom é múltiplo, compreende a inteligência, a sabedoria e a ciência. É uma participação na vida dos espíritos celestes.
    «Se me amais, guardai os meus mandamentos, disse Nosso Senhor, e enviar-
    vos-ei o Espírito de verdade, o Espírito santificador, cheio de todas as luzes, de todas as graças e de toda a vida espiritual, o Espírito de verdade, que une os homens a Deus pelo conhecimento e pelo amor. O mundo culpado e corrompido não o pode receber. Sendo dominado pelos sentidos, não o vê nem o conhece; mas vós, vós o conhecereis, ele permanecerá convosco e estará em vós para vos iluminar, vos dirigir, vos fortificar» (Leão Dehon, OSP 3, p. 430).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    ,,Q Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa .. (Jo 16, 13).

  • 6ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    6ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    29 de Maio, 2025

    6ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 18, 1-8

    Naqueles dias, 1Paulo afastou-se de Atenas e foi para Corinto. 2Encontrou ali um judeu chamado Áquila, natural do Ponto, recentemente chegado da Itália com Priscila, sua mulher, porque um édito de Cláudio ordenara que todos os judeus se afastassem de Roma. Paulo foi procurá-los 3e, como eram da mesma profissão - isto é, fabricantes de tendas - ficou em casa deles e começou a trabalhar. 4Todos os sábados dissertava na sinagoga e esforçava-se por convencer, tanto a judeus como a gregos. 5Quando Silas e Timóteo chegaram da Macedónia, Paulo entregou-se à pregação, afirmando e provando aos judeus que Jesus era o Messias. 6Mas, perante a oposição e as blasfémias deles, sacudiu as suas vestes e disse-lhes: «Que o vosso sangue recaia sobre as vossas cabeças. Eu não sou responsável por isso. De futuro, dirigir-me-ei aos pagãos.» 7Retirou-se dali e foi para casa de um certo Tício Justo, homem temente a Deus, cuja casa era contígua à sinagoga. 8No entanto, Crispo, o chefe da sinagoga, acreditou no Senhor, ele e todos os da sua casa; e muitos dos coríntios que ouviam Paulo pregar abraçavam também a fé e recebiam o Baptismo.

    Corinto era uma cidade cosmopolita, mais romana do que grega. Com uma boa situação geográfica, era notável pelo seu comércio, mas também pela sua corrupção. Pela Palavra que lá foi anunciada, surgiu uma das comunidades cristãs mais florescentes. Todavia, essa mesma comunidade, também veio a dar grandes desgostos a Paulo.
    A actividade de Paulo em Corinto foi mais complicada do que Lucas deixa supor. Neste texto, o autor do Actos revela-nos alguns pormenores da vida quotidiana de Paulo e dos primeiros evangelizadores. O Apóstolo sabe um ofício e exerce-o, coisa considerada indigna de um homem culto entre os gregos, mas habitual entre os rabis de Israel, para quem o trabalho era uma boa ocasião para estar com as pessoas e ensinar. Paulo habita com um casal de judeus expulsos de Roma por Cláudio, pelos anos 49-50 da nossa era. Com a chegada de Silas e de Timóteo, Paulo dedica-se exclusivamente à pregação. Começa sempre pelos judeus e, só depois de ser recusado, mais uma vez, é que se volta para os pagãos. Lucas parece continuar preocupado em justificar a passagem aos pagãos. Mas, como sempre acontece, há alguém, mesmo entre os judeus, que acolhe a Palavra. Desta vez é o próprio chefe da sinagoga, com a sua família. E começa a colheita abundante entre os pagãos.

    Evangelho: João 16, 16-20

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 16«Ainda um pouco, e deixareis de me ver; e um pouco mais, e por fim me vereis.» 17Disseram entre si alguns dos discípulos: «Que é isso que Ele nos diz: 'Ainda um pouco, e deixareis de me ver, e um pouco mais, e por fim me vereis'? E também: 'Eu vou para o Pai'?» 18Diziam, pois:
    «Que quer Ele dizer com isto: 'Ainda um pouco'? Não sabemos o que Ele está a anunciar!» 19Jesus, percebendo que o queriam interrogar, disse-lhes: «Estais entre vós a inquirir acerca disto que Eu disse: 'Ainda um pouco, e deixareis de me ver, e um pouco mais, e por fim me vereis'? 20Em verdade, em verdade vos digo: haveis de chorar e lamentar-vos, ao passo que o mundo há-de gozar. Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria!

    «Ainda um pouco, e deixareis de me ver; e um pouco mais, e por fim me vereis» (v. 16). Estas frases são, no mínimo, ambíguas. Como entendê-las correctamente? Elas referem-se à morte-ressurreição de Jesus, à sua glorificação pelo Pai, à vinda do Espírito e à nova ordem de coisas criada pelo acontecimento de Jesus. João recorre à incompreensão dos discípulos para provocar um esclarecimento posterior das palavras de Jesus. A vida terrena do Mestre está a terminar. A sua vida gloriosa vai começar na ressurreição. O regresso de Jesus não acontecerá só com as aparições depois da ressurreição, mas vai prolongar-se pela sua presença no coração dos crentes. Os discípulos não entendem as palavras de Jesus. Fazem perguntas (cf. v. 17). Jesus responde tentando remover-lhes da alma a tristeza que os assalta e procurando infundir-lhes confiança com uma nova revelação: «a vossa tristeza há-de converter-se em alegria» (v. 20). Depois da tormenta virá a acalmia. A alegria surgirá da mesma causa que provocou a tristeza.

    Meditatio

    As palavras de Jesus, como noutras ocasiões são susceptíveis de várias aplicações. Com uma frase enigmática, Jesus falou de um tempo em que os discípulos não O hão-de ver e de outro tempo em que O hão-de ver, porque Ele vai para o Pai.
    Estas palavras são pronunciadas durante o «discurso de adeus» e aplicam-se, em primeiro lugar, à paixão e à morte de Jesus. Os discípulos vão deixar de vê-lo brevemente porque estará no sepulcro. Será um tempo de tristeza para os amigos de Jesus, e um tempo de triunfo para os seus inimigos: «haveis de chorar e lamentar-vos, ao passo que o mundo há-de gozar» (v. 20). Todavia a ausência de Jesus durará pouco: ao terceiro dia ressuscitará. «Os discípulos encheram-se de alegria por verem o Senhor», anota João ao descrever a aparição de Jesus na tarde do primeiro dia da semana (Jo 20, 20).
    Estas palavras também se aplicam ao mistério da Ascensão e do Pentecostes.
    Ao subir ao Céu, Jesus deixa de estar visivelmente entre os seus, mas, no Pentecostes, inaugura uma nova forma de presença no meio deles, na Igreja. O Espírito santo torna Jesus presente no coração dos fiéis e na comunidade dos mesmos. Já não O vêem como durante a vida terrena, nem sequer como nas aparições depois da Ressurreição, mas vêem-no com o olhar do coração, onde o Espírito O torna presente. E, mais uma vez, a tristeza se transforma em alegria.
    As formas de presença de Jesus entre os seus discípulos vão-se transformando, tornando-se cada vez menos gratificantes sob o ponto de vista humano, mas bem mais profundas, produzindo alegria e paz cada vez maiores. A presença do Espírito estabelece os discípulos na alegria, na paz e no amor.
    Mas as palavras do Senhor podem aplicar-se também à nossa vida: a ausência-
    presença de Cristo marca o ritmo da nossa vida espiritual. Se é verdade que temos fases em que sentimos a sua ausência, também é verdade que, depois de cada uma delas, voltamos a sentir a sua presença de um modo novo. Essas fases de ausência- presença fazem crescer a nossa relação com Ele. Quando experimentamos a tristeza
    da sua ausência, interrogamo-nos sobre as razões da mesma e lançamos mão dos meios para O reencontrar. Por outro lado, Jesus quer dar-nos a alegria de reencontrarmos a sua presença. A tristeza da ausência produz a alegria do reencontro: «a vossa tristeza há-de converter-se em alegria!» (v. 20). Há que lembrar- nos deste ritmo quando estamos alegres e quando estamos tristes. Nem a alegria nem a tristeza duram sempre. Sucedem-se para nos fazer caminhar na união a Cristo e,

    por Ele, na união com o Pai. A meta é o Pai: quando a atingirmos, então sim, a nossa alegria será total e eternamente duradoira.
    O dehoniano, como todo o cristão vive alegre, manifestando a alegria e a bondade de Deus para com todos os homens, porque o Senhor está perto (cf. Fil 4, 4-
    5), o esposo, logo que chegue, o há-de introduzir na alegre festa das núpcias (cf. Mt
    25, 10).
    A nossa alegria, e a alegria de Deus, é certamente consequência de uma vida boa, vivida para glória de Deus, nos bons e nos maus momentos, quando sentimos a presença do Senhor e quando sofremos com a sua ausência.
    Paulo lembra-nos a predilecção de Deus por aqueles que, em todas as
    circunstâncias, são generosos e viver o amor oblativo na relação com Ele e com os irmãos: «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7). Viver e irradiar a alegria é a nossa missão de filhos «do Deus da esperança que nos enche de toda a alegria no Espírito Santo» (Rom 15, 13); que quer ser servido «na alegria» (Sl 100(99), 2) e espera ser agradecido «com alegria» (Col 1, 12), porque «o Reino de Deus... não é questão de comida ou de bebida, mas é justiça, paz e alegria no Espírito Santo» (Rom 14, 17).
    É esta, de modo especial, a nossa missão, o nosso estilo de vida de dehonianos, tendo presente o exemplo do Pe. Dehon.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pela alegria das tuas visitas. Obrigado pela tristeza das tuas ausências. Sê bendito para sempre, porque me conheces e sabes orientar a minha vida e atrair-me para Ti. Mas tem compaixão de mim: não me abandones demoradamente à provação para que não desespere da tua consolação. Vem em meu auxílio também quando este mundo me causa excessiva satisfação, para que não me deixe inebriar por ele. Ajuda-me a buscar em Ti a minha consolação e a minha alegria, em todo o tempo e lugar. Amen.

    Contemplatio

    Não vos deixarei sem apoio, sem conselho, sem guia, sem afecto. Prometo-vos o Espírito Santo para me substituir, e, além disso, eu próprio virei de diversos modos. Virei visitar-vos depois da minha ressurreição. O mundo não me verá mais, a minha missão terrestre está terminada; mas vós, vós me vereis ainda vivente.
    Hei-de visitar-vos também pela graça. Iluminados pelo Espírito Santo, acreditareis na minha divindade, reconhecereis que eu estou no meu Pai, que sou um só com Ele na unidade da essência divina; e vós estareis em mim, estareis unidos a mim pela vida da graça, como os membros estão unidos ao seu chefe, como os ramos da vinha estão unidos à cepa, cuja seiva os alimenta; e eu estarei em vós, iluminando-vos, dirigindo-vos, santificando-vos pelo Espírito Santo que vos hei-de enviar.
    Ao deixar-vos corporalmente e segundo as aparências, não vos abandono por
    isso, fico ainda convosco de diversas maneiras, pela fé, pelo amor, pela graça santificante e pela Eucaristia. Não vos deixo órfãos (Leão Dehon, OSP 3, p. 451).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A vossa tristeza há-de converter-se em alegria» (Jo 16, 20).

  • 6ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    6ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    30 de Maio, 2025

    6ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Act 18, 9-18

    Quando Paulo estava em Corinto, 9certa noite, o Senhor disse a Paulo, numa visão: «Nada temas, continua a falar e não te cales, 10porque Eu estou contigo e ninguém porá as mãos em ti para te fazer mal, pois tenho um povo numeroso nesta cidade.» 11Então, ele ficou lá durante um ano e seis meses, a ensinar-lhes a palavra de Deus.
    12Sendo Galião procônsul da Acaia, levantaram-se os judeus, de comum acordo, contra Paulo e levaram-no ao tribunal. 13«Este homem - disseram eles - induz as pessoas a prestar culto a Deus de uma forma contrária à Lei.» 14Paulo ia abrir a boca, quando Galião disse aos judeus: «Se se tratasse de uma injustiça ou grave delito, escutaria as vossas queixas, ó judeus, como é meu dever. 15Mas como se
    trata de um conflito doutrinal sobre palavras e nomes e acerca de vossa própria Lei, o assunto é convosco. Recuso-me a ser juiz em semelhante questão.» 16E mandou-os sair do tribunal. 17Então todos se apoderaram de Sóstenes, o chefe da sinagoga, e puseram-se a bater-lhe diante do tribunal. E Galião não se importou nada com isso.
    18Depois de se ter demorado ainda algum tempo em Corinto, Paulo despediu- se dos irmãos e embarcou para a Síria, com Priscila e Áquila, rapando a cabeça em Cêncreas, por causa de um voto que tinha feito.

    Galião foi procônsul, isto é, governador da província da Acaia, a partir de Maio do ano 51. Paulo esteve em Corinto até ao Verão de 51. O episódio narrado por Lucas situa-se nesse breve espaço de tempo. Os judeus querem captar a benevolência do governador, acusando Paulo. Mas Galião actua de modo inteligente e diplomático, recusando intrometer-se em questões internas ao judaísmo. Lucas quer, mais uma vez, mostrar a neutralidade do Império em relação aos cristãos. Inicialmente não há hostilidade das autoridades romanas, e Paulo é mesmo salvo por elas, algumas vezes. Estava ainda longe o tempo das perseguições.
    Paulo continua a ter uma vida difícil, mas o Senhor confirma-o na missão que lhe confiou entre os pagãos. Discretamente, o Apóstolo, acompanhado pelo casal de Priscila e Áquila, que lhe dera trabalho, embarca para a Síria, rumo a Jerusalém e a Antioquia. Permanecera 18 meses em Corinto, onde teve algum sucesso, entre os judeus e entre os pagãos. O Senhor afirmou ter lá «um povo numeroso» (v. 9). Mas Paulo não tinha feitio para se demorar muito tempo no mesmo lugar.

    Evangelho: Jo 16, 20-23a

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 20Em verdade, em verdade vos digo: haveis de chorar e lamentar-vos, ao passo que o mundo há-de gozar. Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria! 21A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque chegou a sua hora; mas, quando deu à luz o menino, já não se lembra da sua aflição, com a alegria de ter vindo um homem ao mundo. 22Também vós vos sentis agora tristes, mas Eu hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria. 23Nesse dia, já não me perguntareis nada. Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará.

    A alegria dos discípulos vem da liberdade que o afastamento do mundo lhes dá (cf. Jo 8, 32). O encontro «espiritual» com Cristo ressuscitado produz a liberdade e a alegria nos crentes. E nada nem ninguém lhas podem tirar. Essa liberdade e essa alegria, que vem da reconciliação do homem com Deus, realizada por Cristo, e expressa sobretudo na oração comunitária, vêem-se ilustradas nos capítulos 20-21 de João. Tal como acontece à mulher, que deu à luz, está feliz porque terminaram os seus sofrimentos, e deu ao mundo uma nova criatura, também o cristão está contente porque a sua alegria, fundada na dor, desabrochou na nova vida que é a páscoa do Senhor. A morte infame de Jesus transformou-se em alegria retumbante, alegria que ninguém pode tirar aos discípulos, porque se fundamenta na fé n´Aquele que vive glorioso à direita de Deus. A partir da ressurreição, a comunidade cristã, iluminada pelo Espírito, terá uma visão nova da vida e das coisas, e o mesmo Espírito lhe fará compreender tudo quanto precisar.

    Meditatio

    Paulo experimenta a presença de Jesus. Experimenta-a na forma inaugurada com o Pentecostes. Experimenta-a em si mesmo, pela força que sente no anúncio do Evangelho, mesmo quando as circunstâncias são difícieis. Sente-a nas comunidades que estão vivas e crescem: «Nada temas, continua a falar e não te cales, porque Eu estou contigo e ninguém porá as mãos em ti para te fazer mal, pois tenho um povo numeroso nesta cidade» (v. 10). O sofrimento do missionário é condição necessária e lugar privilegiado da alegria eclesial. Paulo será mestre e protagonista dessa alegria:
    «Estou cheio de consolação e transbordo de alegria no meio de todas as nossas
    tribulações» (2 Cor 7, 4). A seu exemplo, os convertidos acolhem «a Palavra em plena tribulação, com a alegria do Espírito Santo» (1 Ts 1, 6). Os ministros da Palavra são tidos «por tristes, nós que estamos sempre alegres;por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto, tudo possuindo» (2 Cor 6, 10).
    Jesus, ao subir ao Céu, não se afastou dos discípulos, mas inaugurou uma
    forma de presença mais profunda no meio deles. A Ascensão libertou-O dos limites da condição terrena e possibilitou-Lhe um contacto pessoal e íntimo com cada um de nós, possibilitou-Lhe estar connosco, com todos, todos os dias: «Eu estou contigo».
    «Hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (v. 22). É a alegria da intimidade com o Senhor, da vida com o Senhor: amar com Ele, actuar com Ele, estar sempre com Ele. «Com Jesus e como Ele», sintetizam as nossas Constituições (n. 21).
    Sabemos da importância que o Pe. Dehon dava à vida de união com Cristo, presente em nós. A «união permanente com Jesus» (Diário, 2 Janeiro de 1867) foi o seu caminho de santidade. «Deixemos viver em nós Nosso Senhor. Ele continua a viver na terra em cada um dos seus membros» (Diário, 25 de Abril de 1867). Esta união íntima com Cristo, como vara unida à cepa, era a sua vida e a força do seu apostolado.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pela tua presença, de tantos modos, no meio de nós. Posso encontrar-te na Palavra, na Eucaristia, na comunidade fraterna, na hierarquia da Igreja, no
    necessitado, e também na tua presença cósmica, que agora enche o

    universo. Posso viver na alegria da liberdade porque estou repleto da tua presença. Posso dar testemunho corajoso de Ti, porque o teu Espírito é a minha força.
    Perdoa-me, porque nem sempre vivo e actuo consciente desta realidade. Perdoa-me porque não Te dou suficientes graças por ela. Perdoa-me porque não me empenho suficientemente na missão, temendo o fracasso.
    Dá-me um coração atento às necessidades dos meus irmãos, especialmente à necessidade de Ti. Ajuda-me a levar a todos a tua alegria e a tua paz, para que esses dons da tua Ressurreição também possam crescer em mim. Amen.

    Contemplatio

    «Chorareis e gemereis». - «O vosso coração encheu-se de tristeza», diz Nosso Senhor aos seus apóstolos. Anunciou-lhes, de facto, acontecimentos bem tristes: a sua partida para o céu, a sua morte próxima, a traição de Judas, a negação de Pedro. Estão tristes e acabrunhados. Consola-os e anuncia-lhes que voltará.
    Temos também as nossas tristezas: A ausência de Nosso Senhor que por vezes deixa a nossa alma na obscuridade e na aridez, - os nossos pecados passados, que se representam à nossa memória. - O perigo contínuo de pecar e a nossa fraqueza, que nos é conhecida, - os escândalos que reinam no mundo, - as mágoas e provações desta vida.
    Suportemos estas provas com coragem. Os filhos de Deus guardam a serenidade nas suas mágoas. Oferecem-nas a Deus, unem-nas aos sofrimentos do Coração de Jesus, e tornam-se-lhes leves. Oferecem-nas para a reparação, pela expiação dos seus pecados e dos do mundo. Se são fervorosos, vão até ao ponto de se alegrarem levando a cruz com Jesus.
    «A vossa tristeza mudar-se-á em alegria». - Esta promessa devia ter cumprimento próximo para os apóstolos. Três dias, e eles veriam Jesus ressuscitado. Poderiam apalpar as feridas das suas mãos e do seu coração. Vê-lo-iam muitas vezes durante quarenta dias. Depois um outro consolador viria enchê-los de uma alegria sobrenatural, de uma alegria que ultrapassa todas as deste mundo, é o Espírito Santo, o grande dom do Coração de Jesus. E alguns anos mais tarde seria o triunfo do martírio e a entrada triunfal no céu.
    Para nós também, a alegria sucederá à tristeza. A tristeza das nossas almas culpadas apaga-se, quando nós quisermos, pelo arrependimento e pela penitência. A tristeza da aridez e da provação passa bastante rapidamente; Jesus não estava longe e volta.
    Há uma santa tristeza, a que vem de um coração penitente; esta é acompanhada por uma real doçura que nos faz conhecer que Deus é o seu autor.
    O mesmo se passa com aquela que tem por causa os pecados do mundo. Esta tristeza é agradável a Deus o qual no-la inspira.
    A tristeza que vem do sofrimento, da doença ou dos acidentes da vida é de ordem natural, mas pode ser santificada pela virtude da paciência e do sacrifício.
    A tristeza do mundo, pelo contrário, não tem remédio, e a sua alegria não é
    sã. O mundo alegra-se com os prazeres maus e a sua alegria termina na amargura.
    Senhor, mudai a minha tristeza em alegria pelo dom do arrependimento, do sacrifício, do espírito de imolação e de reparação. (Leão Dehon, OSP 4, p. 466s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A vossa tristeza há-de converter-se em alegria!» (Jo 16, 20).

  • 6ª Semana - Sábado - Páscoa

    6ª Semana - Sábado - Páscoa

    31 de Maio, 2025

    6ª Semana - Sábado - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 18, 23-28

    23Depois de ter passado algum tempo em Antioquia, Paulo voltou a partir e percorreu sucessivamente a Galácia e a Frígia, fortalecendo todos os discípulos. 24Entretanto, chegara a Éfeso um judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, homem eloquente e muito versado nas Escrituras. 25Fora instruído na «Via» do Senhor e, com o espírito cheio de fervor, pregava e ensinava com precisão o que dizia respeito a Jesus, embora só conhecesse o baptismo de João. 26Começou a falar desassombradamente na sinagoga. Priscila e Áquila, que o tinham ouvido, tomaram- no consigo e expuseram-lhe, com mais precisão, a «Via» do Senhor. 27Como ele queria partir para a Acaia, os irmãos encorajaram-no e escreveram aos discípulos, para que o recebessem amigavelmente. Quando lá chegou, pela graça de Deus, prestou grande auxílio aos fiéis; 28pois refutava energicamente os judeus, em público, demonstrando pelas Escrituras que Jesus era o Messias.

    Paulo prossegue a sua viagem missionária pela Galácia e pela Frigia. Os seus companheiros, Priscila e Áquila, ficam em Éfeso, onde conhecem Apolo, notável pregador, teólogo e missionário que, todavia, não tinha uma boa formação cristã. A sua pregação sobre Jesus era incompleta. E é o casal amigo de Paulo que lhe expõe «com mais precisão, a «Via» do Senhor» (v. 26). É interessante esta intervenção de dois leigos, em relação a um teólogo missionário com a envergadura de Apolo. Toda a Igreja participa na obra da evangelização, cada um com os seus limites, mas sempre com o apoio e as achegas dos irmãos. Apolo, uma vez «actualizado» vai dar um contributo notável para o enraizamento da fé na Grécia.

    Evangelho: Jo 16, 23b-28

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 23Nesse dia, já não me perguntareis nada. Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará. 24Até agora não pedistes nada em meu nome; pedi e recebereis. Assim, a vossa alegria será completa.» 25«Até aqui falei-vos por meio de comparações. Está a chegar a hora em que já não vos falarei por comparações, mas claramente vos darei a conhecer o que se refere ao Pai. 26Nesse dia, apresentareis em meu nome os vossos pedidos ao Pai, e não vos digo que rogarei por vós ao Pai, 27pois é o próprio Pai que vos ama, porque vós já me tendes amor e já credes que Eu saí de Deus. 28Saí do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai.»

    Os discípulos não estavam acostumados a rezar em nome de Jesus (v. 24). A vinda do Espírito Santo inaugura um tempo novo no qual poderão dirigir-se ao Pai em nome de Jesus, porque o seu Senhor, em força da sua passagem para o Pai, se tornou verdadeiro mediador entre Deus e os homens.
    Depois, Jesus lança um olhar ao passado, para dizer que se serviu de palavras e imagens, que encerravam um significado profundo, que nem sempre os discípulos

    podiam compreender. Mas, de futuro, depois da páscoa, as suas palavras serão compreendidas e atingirão o íntimo dos corações, graças à intervenção do Espírito Santo.
    A oração será o «lugar» onde os discípulos conhecerão a relação profunda que existe entre Jesus e o Pai, e de Jesus e do Pai com eles. O perfeito entendimento no amor e na fé com Jesus, fará com que a oração dos discípulos seja feita de modo conveniente e, por isso, aceite pelo Pai.

    Meditatio

    «Pedi e recebereis... a vossa alegria será completa». Estas palavras de Jesus mostram-nos o seu amor por nós. Ele está disposto a dar-nos tudo o que desejamos. Só temos que apresentar os nossos pedidos ao Pai, em seu nome. E garante-nos que Pai nos ama, porque nós amamos a Ele, Jesus, e acreditamos que Ele saiu de Deus (cf. v. 27).
    «Saí do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai», afirma Jesus (v.
    28).
    Jesus volta para o Pai, levando-nos com Ele. Assim, a nossa oração de súplica é uma entrada no amor recíproco do Pai e do Filho. O que pedimos ao Pai é-nos concedido em nome do Filho. E nós devemos pedir em nome do Filho, porque Ele está junto do Pai, vivo a interceder por nós. O Pai escuta-nos, mas também o Filho nos escuta: «O que me pedirdes, Eu o farei». Estamos envolvidos no amor do Pai e do Filho. É essa a nossa alegria.
    Esta página de João provoca-me: porque alcanço tão pouco? Porque sou tão pouco eficaz? Porque é que a minha alegria é tão raramente plena? Mais: como é que o mistério da união do Filho com o Pai me atrai tão pouco? Como é que sinto tão pouco o poder de Deus na minha acção? Não estarão os meus olhos demasiadamente voltados para a realidade deste mundo e pouco voltados para o mistério de Deus, para o amor do Pai para com o Filho e do Filho para com os discípulos? O olhar para o mundo é certamente necessário; mas não me ajudará a salvá-lo, se não o olhar com os olhos e com o coração do Pai que deu o Filho para salvar o mundo e quer envolver-nos nessa aventura decisiva. O olhar de Deus levar-me-á a ver as necessidades muitas vezes escondidas das pessoas e a encontrar, para elas, não só remédio humano, mas também remédio divino, a alegria completa de lhes apresentar o amor que tudo redime.
    A oração perene tem a sua fonte na oração de intimidade, que é a experiência pessoal do amor de Deus: sentir-se amados e possuídos por Ele. É a oração contemplativa. E se o meu problema central fosse um défice de contemplação? A amorosa contemplação das relações intra-trinitárias, e a contemplação do mistério de Cristo, particularmente do seu Lado aberto e do seu Coração trespassado, é para nós um chamamento à confiança, ao abandono, à oblação. Ao mesmo tempo, é uma poderosa fonte de força para o nosso apostolado. Contemplando o amor oblativo de Deus, sentimo-nos estimulados a vivê-lo, não só na relação com Deus, mas também na relação com os nossos irmãos.

    Oratio

    Ó Jesus: Tu ensinas-me a pedir em teu nome, a fazer minha a tua causa, a ver o mundo com os teus olhos, e dar-me como Tu te deste ao Pai pelos homens. Como estou longe de tudo isso! É por essa razão que tantas vezes me sinto desiludido na minha oração, e desanimo no meu apostolado e no serviço aos meus irmãos.
    Olha, Jesus, com piedade, as minhas veleidades em Te servir. Vem ao encontro das minhas
    ilusórias esperanças de gratificação. Ampara-me, purifica-me.

    Dá-me um coração semelhante ao teu. Dá-me o impulso desinteressado do teu amor. Ajuda-me a amar Contigo e como Tu. Amen.

    Contemplatio

    O encorajamento à oração é um dos primeiros ensinamentos do Sermão da montanha.
    Nosso Senhor rezava muito. Juntava o exemplo às suas exortações. Retirava-se para a solidão para rezar. Passava lá muitas vezes a noite. Passou quarenta dias no deserto a rezar.
    Rezava por nós; rezava também para nos dar o exemplo da oração. Muitas vezes recomendava-a aos seus discípulos. Dizia-lhes como é preciso rezar sempre e sem cessar.
    A fim de lhes mostrar como a perseverança na oração é eficaz para obter o que se pede, propunha-lhes a parábola do juiz e da viúva.
    A pobre viúva viera várias vezes pedir justiça, mas em vão. No fim, o juiz diz para consigo mesmo: «Se bem que eu não queira saber nem de Deus nem dos homens, porque esta viúva me importuna, vou fazer-lhe justiça, com receio que no fim ela não venha fazer-me alguma afronta».
    Pensais, acrescentava o Salvador, que Deus não fará justiça aos seus eleitos que clamam para Ele de dia e de noite?
    Propunha-lhes também este outro exemplo do amigo o qual pela sua
    importunidade pede ao seu amigo que lhe empreste os pães de que tem necessidade
    (Lc 11).
    Encorajava a sua confiança dizendo-lhe: «Pedi e recebereis» (Leão Dehon, OSP
    3, p. 69).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Pedi e recebereis... a vossa alegria será completa». (Jo 16, 24).