Semana de Abr 8th

  • 05º Domingo da Quaresma – Ano C [atualizado]

    05º Domingo da Quaresma – Ano C [atualizado]

    6 de Abril, 2025

    ANO C
    5.º DOMINGO DA QUARESMA

    Tema do 5.º Domingo da Quaresma

    Nesta quinta etapa do caminho quaresmal, a liturgia convida-nos a libertarmo-nos de tudo aquilo que nos escraviza e a caminharmos, com coragem e decisão, para a meta que nos espera: a vida renovada, o horizonte de liberdade e de felicidade que Deus quer oferecer a todos os seus queridos filhos.

    Na primeira leitura, o Deus que libertou os hebreus da escravidão do Egito anuncia aos exilados na Babilónia que irá concretizar uma nova intervenção salvadora em favor do seu povo. Os exilados irão ser libertados; e, acompanhados por Deus, percorrerão um caminho que os trará novamente para a terra de onde tinham sido arrancados, a terra onde corre leite e mel. É esse o desafio que Deus deixa também a nós, neste tempo de Quaresma: caminharmos da escravidão para a liberdade, da vida velha para a vida nova.

    No Evangelho Jesus mostra, a partir da história de uma mulher acusada de cometer adultério, como é que Deus lida com as nossas decisões erradas: “Eu não te condeno. Vai e não tornes a pecar”. O perdão de Deus, fruto do seu amor, falará sempre mais alto do que o nosso pecado. A grande preocupação de Deus não é castigar quem falhou; mas é apontar aos seus queridos filhos um caminho novo, de liberdade, de realização e de vida sem fim.

    Na segunda leitura Paulo de Tarso partilha com os cristãos da cidade de Filipos a sua experiência: desde que se encontrou com Cristo, Paulo deixou para trás todo o “lixo” que lhe limitava os movimentos e que o impedia de correr ao encontro de Cristo. A sua grande preocupação é identificar-se cada vez mais com Cristo e correr para a meta final, onde espera encontrar a vida definitiva.

     

    LEITURA I – Isaías 43,16-21

    O Senhor abriu outrora caminhos através do mar,
    veredas por entre as torrentes das águas.
    Pôs em campanha carros e cavalos,
    um exército de valentes guerreiros;
    e todos caíram para não mais se levantarem,
    extinguiram-se como um pavio que se apaga.
    Eis o que diz o Senhor:
    «Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados,
    não presteis atenção às coisas antigas.
    Olhai: vou realizar uma coisa nova,
    que já começa a aparecer; não a vedes?
    Vou abrir um caminho no deserto,
    fazer brotar rios na terra árida.
    Os animais selvagens – chacais e avestruzes –
    proclamarão a minha glória,
    porque farei brotar água no deserto,
    rios na terra árida,
    para matar a sede ao meu povo escolhido,
    o povo que formei para Mim
    e que proclamará os meus louvores».

     

    CONTEXTO

    “Deutero-Isaías” é o nome que se dá a um profeta anónimo, provavelmente da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética entre os exilados judeus na Babilónia e que é o autor dos capítulos 40 a 55 do livro de Isaías. Esses capítulos são conhecidos como o “livro da Consolação”, uma vez que as reflexões desenvolvidas pelo profeta se destinam a “consolar” os judeus exilados.

    Estamos na fase final do Exílio, entre 550 e 539 a.C., numa altura em que os exilados estão especialmente frustrados e desanimados. Tinham passado algumas dezenas de anos desde que Jerusalém fora arrasada por Nabucodonosor e que os sobreviventes da guerra tinham sido levados como prisioneiros para a Babilónia. Os exilados pensavam, inicialmente, que Deus iria atuar rapidamente e libertar o seu Povo do cativeiro; mas os anos passavam e nada disso acontecia. Deus teria virado definitivamente as costas ao seu Povo? Os deuses babilónicos seriam mais poderosos e estariam a impedir Javé de libertar o Seu Povo? Os exilados estariam condenados a morrer numa terra estrangeira sem cumprirem o sonho de rever a sua terra? O Deutero-Isaías dirige-se a este povo que começa a perder a esperança, responde às suas questões e procura dar-lhe ânimo.

    Na primeira parte do “Livro da Consolação” (Is 40-48), o profeta anuncia a iminência da libertação e compara a libertação da Babilónia – que ele perspetiva para breve – com o Êxodo do Egipto. É neste contexto que deve ser enquadrada a primeira leitura deste quinto domingo da Quaresma: é um oráculo de salvação, no qual Javé, pela voz do Deutero-Isaías, anuncia a ruína da Babilónia e a iminência de um “novo Êxodo” para o povo de Deus.

     

    MENSAGEM

    Dirigindo-se aos exilados na Babilónia, Deus apresenta-se: Ele é “o rei”, o “criador de Israel”, aquele que, há alguns séculos, esteve na origem do acontecimento “fundante” que marcou a vida e a história do povo de Deus: a libertação dos hebreus da escravidão do Egito. Nessa altura, foi Deus que “abriu caminhos através do mar”, a fim de que o povo pudesse fugir da terra da escravidão para a terra da liberdade (vers. 16); foi Ele também que combateu e venceu as orgulhosas tropas do faraó, que extinguiu o poderio egípcio do mesmo modo que se apaga uma mecha que fumega (vers. 17). Ao agir assim, Deus provou o seu poder e mostrou o seu compromisso com Israel.

    Agora, muitos séculos depois, o povo de Deus está outra vez exilado numa terra estrangeira. Muitos dos exilados vivem das memórias do passado, estão agarrados a coisas que já lá vão (vers. 18). Que esse olhar para o passado não signifique ficar estagnado, acomodado, incapaz de enxergar o futuro que se prepara. Se alguém olhar para o passado, que seja para descobrir, nas ações de Deus em favor do seu povo, um “padrão”: o Deus que outrora interveio para libertar o seu povo, é o Deus que sempre agirá da mesma forma quando vir que esse povo é maltratado e injustiçado. O Deus libertador e salvador de outrora, será o Deus salvador e libertador de hoje e de sempre.

    Cientes disto, os exilados devem olhar para o futuro. Se o fizerem, vão perceber os sinais de um novo êxodo, de uma nova libertação, de um tempo novo que está para chegar. Deus já está a preparar uma intervenção para salvar o seu povo.

    Quando o Deutero-Isaías proclama aos exilados esta mensagem, o panorama político do antigo Médio Oriente estava efetivamente a mudar. Ciro, o conquistador persa, preparava-se para desmantelar o império babilónio. O Deutero-Isaías, atento aos sinais da história, via em Ciro o instrumento de Deus para libertar o povo de Deus exilado na Babilónia. Ele achava que os exilados deviam apenas ter um pouco mais de paciência antes que Deus, através da ação de Ciro, libertasse o seu povo e o trouxesse de regresso à terra de Judá. Irá acontecer um novo êxodo – garante o profeta.

    O novo êxodo que Deus prepara para o seu povo é descrito pelo Deutero-Isaías em termos grandiosos: Deus vai abrir um caminho largo e direito no deserto, a fim de que os exilados possam fazer tranquilamente a viagem de regresso à sua terra (vers. 19); Deus vai fazer brotar rios na terra árida, para que o seu povo não sofra, ao longo do caminho, os tormentos da sede; e todos – até os animais selvagens – vão ver e reconhecer a ação salvadora de Deus em favor do seu povo. Unir-se-ão todos – os seres humanos e todos os outros seres criados – para cantar a glória e o poder de Deus (vers. 20).

    A atuação de Deus manifestará, de forma clara, o amor e a solicitude de Deus pelo seu povo. Diante da ação de Javé, Israel tomará consciência de que é o povo eleito e dará a resposta adequada: louvará o seu Deus pelos dons recebidos (vers. 21).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Israel colocou na base do edifício da sua fé um encontro decisivo com o Deus que o libertou da escravidão no Egito. Essa experiência primordial ofereceu aos catequistas de Israel um paradigma para ler e entender as futuras ações de Deus em favor do seu povo: o Deus que salvou os escravos hebreus da opressão do faraó, é o Deus que não se conforma com qualquer escravidão que roube a vida e a dignidade dos seus filhos e que agirá sempre para os libertar do sofrimento e da morte. Toda a fé de Israel está firmemente ancorada nesta certeza. Hoje, ao escutar o texto do Deutero-Isaías que a primeira leitura nos apresenta, somos convidados a acolher este “dogma” fundamental na experiência de fé do povo de Deus. Também para nós, no séc. XXI, o mesmo Deus libertador quer salvar-nos de tudo aquilo que nos escraviza e nos impede de viver com dignidade. Nesse processo libertador, há coisas que Deus fará, e há coisas que teremos de ser nós a fazer, com a ajuda de Deus. Quais são, na nossa experiência de todos os dias, as “escravidões” que nos amarram e que nos impedem de construir uma vida com sentido? O que podemos fazer, da nossa parte, para derrotarmos os mecanismos de escravidão e de morte que nos atingem e que atingem tantos dos nossos irmãos?
    • “Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados, não presteis atenção às coisas antigas” – pede Deus ao seu povo através do Deutero-Isaías. Trata-se de uma boa sugestão. Determo-nos nostalgicamente a contemplar o passado, pode contribuir para nos alhearmos da realidade presente e para limitarmos a nossa capacidade de construir um “hoje” com sentido. Ficar a olhar o passado pode significar estagnação, conformismo, acomodação, instalação, fechamento ao mundo; e nada disso é construtivo. Quando ficamos presos ao que já lá vai, num saudosismo que paralisa, acabamos por passar ao lado dos desafios sempre novos de Deus e dos dons que, em cada novo dia, Deus nos destina. Deixamo-nos levar pela tentação do passado, decidindo que “antigamente é que era bom” e que “agora está tudo pior”, ou estamos disponíveis para olhar em frente e para acolher, no nosso tempo, os dons de Deus?
    • “Vou abrir um caminho no deserto, fazer brotar rios na terra árida” – diz Deus ao seu povo. Podemos ver o “caminho quaresmal” como esse caminho novo que Deus se propõe abrir para nós e que nos leva ao encontro de uma existência vivida de forma mais livre, mais feliz, mais realizada. Estamos sinceramente dispostos a enveredar por esse caminho? Haverá alguma coisa – ideias, comportamentos, atitudes, formas de ver o mundo, maneiras de nos relacionarmos com os nossos irmãos – que nos propomos abandonar, a fim de caminharmos mais livres e mais desimpedidos em direção a essa vida nova que Deus se propõe oferecer-nos?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 125 (126)

    Refrão 1: Grandes maravilhas fez por nós o Senhor.

    Refrão 2: O Senhor fez maravilhas em favor do seu povo.

     

    Quando o Senhor fez regressar os cativos de Sião,
    parecia-nos viver um sonho.
    Da nossa boca brotavam expressões de alegria
    e de nossos lábios cânticos de júbilo.

    Diziam então os pagãos:
    «O Senhor fez por eles grandes coisas».
    Sim, grandes coisas fez por nós o Senhor,
    estamos exultantes de alegria.

    Fazei regressar, Senhor, os nossos cativos,
    como as torrentes do deserto.
    Os que semeiam em lágrimas
    recolhem com alegria.

    À ida, vão a chorar,
    levando as sementes;
    à volta, vêm a cantar,
    trazendo os molhos de espigas.

     

    LEITURA II – Filipenses 3,8-14

    Irmãos:
    Considero todas as coisas como prejuízo,
    comparando-as com o bem supremo,
    que é conhecer Jesus Cristo, meu Senhor.
    Por Ele renunciei a todas as coisas
    e considerei tudo como lixo,
    para ganhar a Cristo
    e n’Ele me encontrar,
    não com a minha justiça que vem da Lei,
    mas com a que se recebe pela fé em Cristo,
    a justiça que vem de Deus e se funda na fé.
    Assim poderei conhecer Cristo,
    o poder da sua ressurreição
    e a participação nos seus sofrimentos,
    configurando-me à sua morte,
    para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos.
    Não que eu tenha já chegado à meta,
    ou já tenha atingido a perfeição.
    Mas continuo a correr, para ver se a alcanço,
    uma vez que também fui alcançado por Cristo Jesus.
    Não penso, irmãos, que já o tenha conseguido.
    Só penso numa coisa:
    esquecendo o que fica para trás,
    lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta,
    em vista do prémio a que Deus, lá do alto,
    me chama em Cristo Jesus.

     

    CONTEXTO

    A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

    A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

    Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Flp 4,10-20), exorta-os a manterem-se fiéis ao Evangelho de Jesus e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (cf. Flp 2,5). A carta apresenta, também, uma parte “polémica” (cf. Flp 3,1b-4,1.8-9), na qual Paulo avisa os filipenses contra os “cães”, os “maus trabalhadores” (Flp 3,2) que, em Filipos como em todo o lado, semeiam a dúvida e a confusão na comunidade. Quem são estes? São os chamados “judaizantes”, isto é, os pregadores cristãos de origem judaica que proclamavam a obrigatoriedade da circuncisão e da obediência à Lei de Moisés.

    O texto que nos é proposto insere-se nesse discurso de polémica contra os adversários “judaizantes”. Nele, Paulo pede aos Filipenses que não se deixem enganar por esses falsos pregadores, que se apresentam com títulos de glória, mas que parecem esquecer que só Cristo é importante.

     

    MENSAGEM

    Ao exibicionismo e ao discurso pretensioso dos “judaizantes”, que alardeiam por todo o lado os seus títulos de glória e os seus méritos enquanto cumpridores da Lei moisaica, Paulo contrapõe o seu próprio exemplo. Ele teria mais razões do que outros para exibir os seus títulos: é hebreu genuíno, filho de hebreus, da tribo de Benjamim; foi circuncidado com oito dias; foi fariseu convicto, estudou a Lei na melhor escola de Jerusalém e viveu irrepreensivelmente como filho da Lei (cf. Flp 3,5-6). No entanto, considera que tudo isso nada vale diante da única coisa verdadeiramente decisiva: “conhecer” Jesus Cristo. A palavra “conhecer” deve ser aqui entendida no mais genuíno sentido da tradição bíblica, quer dizer, no sentido de “entrar em comunhão de vida e de destino” com uma pessoa. Aquilo que Paulo procura agora, aquilo que ele sente como determinante na sua vida, é identificar-se com Cristo e viver em comunhão com Cristo. Tudo o que não é “conhecimento” de Cristo – a circuncisão, os ritos da Lei de Moisés, as credenciais que os estudos rabínicos lhe outorgaram – são apenas “lixo” (“skýbalon”: “esterco”, “excremento”) que deve ficar para trás (vers. 8). A “justificação” que leva à vida não vem do cumprimento das obras da Lei, mas sim da adesão (“fé”) a Cristo (vers. 9). Aderindo a Cristo, identificando-se com Cristo e vivendo em comunhão com Cristo, Paulo está seguro de que o seu destino final será a vida nova, a ressurreição (vers. 10-11).

    De resto, Paulo está consciente de que ainda tem um longo caminho a percorrer até alcançar esse destino final (vers. 12). A sua identificação com Cristo é um processo em construção. Implica um esforço diário, uma luta nunca terminada. Paulo sente-se como um atleta que corre em direção a uma meta; mas está consciente de que a meta ainda está distante. Resta a Paulo lançar-se para a frente, esquecer tudo aquilo em que durante algum tempo tinha apostado e não tirar os olhos da “meta” que é o encontro com Cristo (vers. 13-14). Esse é o único caminho que faz sentido para quem descobre Cristo e a beleza da sua proposta.

    Os filipenses – e, é claro, os crentes de todos os tempos e lugares – farão bem em imitar o exemplo de Paulo e em correr decididos ao encontro de Cristo, sem deixar que nada os distraia ou afaste desse objetivo.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Neste texto da Carta aos Filipenses – como em tantos outros textos paulinos – está em evidência uma realidade que nos ajuda a entender as apostas de Paulo de Tarso: Cristo ocupa um lugar central na vida do apóstolo. Quando Paulo encontrou Cristo, na estrada de Damasco, tudo o que até então tinha desempenhado um lugar importante na sua vida ficou para trás. Cristo tomou conta da vida de Paulo de forma irreversível. Paulo, a partir desse encontro fundamental, passou a considerar todas as coisas um “prejuízo” quando comparadas com Cristo. Nós que, no dia do nosso batismo, nos encontramos com Cristo e que temos, desde então, feito um longo caminho com Cristo, poderemos dizer o mesmo? Que lugar ocupa Cristo na nossa vida? O “conhecimento” de Cristo, a identificação com Cristo, a comunhão com Cristo, o seguimento de Cristo são a nossa prioridade? Cristo sobrepõe-se a todos os outros valores e propostas que a cada instante entram no caminho da nossa vida e viajam connosco?
    • Paulo refere-se a algumas das coisas a que chegou a dar importância, antes de se encontrar com Cristo, como “lixo”, “esterco”. A palavra usada por Paulo sugere o desprezo que ele sente por valores que, além de fúteis, podem mesmo constituir um obstáculo no caminho que Deus nos chama a fazer. O tempo da Quaresma é um tempo oportuno para identificarmos e para, eventualmente, nos livrarmos do “lixo” que vamos acumulando na nossa vida e que dificulta a nossa identificação com Cristo. Quais são os “lixos” que andamos a acumular e que nos impedem de caminhar livremente ao encontro de Cristo? Estamos dispostos, neste tempo quaresmal, a fazer uma limpeza da nossa vida e a prescindir daquilo que nos aprisiona e nos impede de correr para a meta, ao encontro da vida definitiva?
    • Paulo lembra aos cristãos de Filipos – e a nós também – que a vida cristã é uma corrida que não acaba enquanto não chegarmos à meta. Paulo sabia que, em determinados momentos do caminho, somos tentados pela acomodação, pelo conformismo, pela instalação, pela preguiça, pela convicção de que já fizemos tudo o que era necessário fazer. Por isso, Paulo deixa o aviso: enquanto caminhamos nesta terra nada está concluído, há sempre caminho a percorrer. A nossa identificação com Cristo é um desafio constante, uma aposta que temos de renovar em cada passo do caminho. Como é que encaramos a nossa caminhada ao encontro de Cristo? Como uma meta já alcançada, que nos permite, a carta altura, viver de rendimentos, ou como uma corrida nunca terminada, que exige a cada passo a renovação do nosso empenho e do nosso compromisso?

     

    ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Joel 2,12-13

    Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.

    Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.

    Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.

    Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.

    Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.

    Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.

    Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

     

    Convertei-vos a Mim de todo o coração, diz o Senhor;
    porque sou benigno e misericordioso.

     

    EVANGELHO – João 8,1-11

    Naquele tempo,
    Jesus foi para o Monte das Oliveiras.
    Mas de manhã cedo, apareceu outra vez no templo,
    e todo o povo se aproximou d’Ele.
    Então sentou-Se e começou a ensinar.
    Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus
    uma mulher surpreendida em adultério,
    colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus:
    «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério.
    Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres.
    Tu que dizes?».
    Falavam assim para Lhe armarem uma cilada
    e terem pretexto para O acusar.
    Mas Jesus inclinou-Se
    e começou a escrever com o dedo no chão.
    Como persistiam em interrogá-l’O,
    ergueu-Se e disse-lhes:
    «Quem de entre vós estiver sem pecado
    atire a primeira pedra».
    Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão.
    Eles, porém, quando ouviram tais palavras,
    foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos,
    e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio.
    Jesus ergueu-Se e disse-lhe:
    «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?».
    Ela respondeu:
    «Ninguém, Senhor».
    Disse então Jesus:
    «Nem Eu te condeno.
    Vai e não tornes a pecar».

     

    CONTEXTO

    O relato da mulher apanhada a cometer adultério não pertencia, inicialmente, ao Evangelho de João. Terá sido um relato introduzido tardiamente no Quarto Evangelho, pois não aparece nos manuscritos anteriores ao ano 300. É ignorado pelos Padres da Igreja até ao séc. IV. Depois disso, a sua canonicidade é defendida por Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São Jerónimo que, no entanto, o colocam noutro lugar (depois de Jo 7,36). Aliás, o texto não possui as caraterísticas do estilo joânico (linguagem, género literário) e a sua temática não encaixa nas preocupações teológicas do autor do Quarto Evangelho. Alguns manuscritos antigos colocam-no no Evangelho de Lucas (após Lc 21,38), que seria um lugar mais lógico para enquadrar o relato, dado o interesse de Lucas em sublinhar a misericórdia de Jesus para com os pecadores e proscritos.

    Não se sabe quem recolheu este relato nem por que portas ele veio ter ao Evangelho segundo João. Alguns viram no ostracismo a que ele foi votado durante algum tempo a dificuldade da Igreja primitiva em aceitar uma história escandalosa, numa altura em que o adultério era considerado totalmente incompatível com a condição dos batizados, levando inclusive à exclusão da comunidade cristã. Contudo, o facto de o texto, depois de algum tempo, se ter imposto e aparecer num dos evangelhos é considerado a confirmação da sua autenticidade: não foi possível silenciar um episódio que se baseava numa tradição consistente. Seja como for, a Igreja acabou por aceitar este relato como um texto inspirado e por o incluir no tesouro da Palavra de Deus.

    A cena que vai ser descrita situa-nos no Templo de Jerusalém. Jesus tinha pernoitado no Monte das Oliveiras; mas, pela manhã, dirigira-se de novo para o Templo, onde costumava ensinar todos aqueles que iam ao seu encontro.

     

    MENSAGEM

    Jesus está sentado na esplanada do Templo, na atitude clássica dos “mestres” que ensinam os seus discípulos (vers. 2). “Sentado”, como os rabis, Ele vai oferecer a todos os que ali estão uma lição inesquecível sobre a forma como Deus olha para a fragilidade dos seus filhos.

    Os escribas e os fariseus apresentam-se diante de Jesus com uma mulher (vers. 3). Contam-lhe que ela foi apanhada a cometer adultério. Lembram a Jesus o que a Lei determina em casos semelhantes, mas perguntam a Jesus a sua opinião sobre a matéria (vers. 4-5). O Lei determinava, efetivamente, que “se um homem cometer adultério com a mulher do seu próximo, o homem adúltero e a mulher adúltera serão punidos com a morte” (Lv 20,10; Dt 17,5-7; 22,22). Os acusadores desta mulher, contudo, não fazem qualquer referência ao homem com quem ela estava a cometer adultério. As mulheres, no tempo de Jesus, eram “o elo mais fraco” na cadeia da organização social palestina. Provavelmente, nem sempre se aplicaria esta lei; mas parece que, no exemplo presente, os “juízes” da mulher pareciam dispostos a aplicá-la. O autor do relato revela-nos, no entanto, que aqueles escribas e fariseus estavam sobretudo interessados em “armarem uma cilada a Jesus e terem pretexto para O acusar” (vers. 6a). Efetivamente, se Jesus optasse pela clemência, contra o que a Lei estipulava, seria acusado de fazer da Lei letra morta e perderia o direito de se apresentar com qualquer pretensão messiânica; mas se Ele aprovasse a lapidação da mulher estaria a contradizer tudo o que costumava ensinar sobre perdão, misericórdia e compaixão. A questão era decisiva: não se tratava de uma questão meramente académica, mas de uma decisão que implicava a vida ou a morte de uma pessoa. A mulher acusada está de pé de no meio dos presentes, na posição habitual que o acusado ocupa quando é apresentado ao tribunal. Os acusadores não se dirigem à mulher, uma vez que a sua culpabilidade está definida desde o primeiro momento; eles dirigem-se apenas a Jesus, pois o que lhes interessa é comprometer Jesus. Colocada a questão, todos os que assistem à cena estão pendentes da reação de Jesus.

    Jesus não responde logo. “Inclinou-Se e começou a escrever com o dedo no chão” (vers. 6b). Têm sido dadas as mais diversas explicações para o gesto de Jesus. Há quem ache que Jesus estaria a escrever a sentença que ia proferir antes de a proclamar; há também quem ligue o gesto de Jesus a um texto do profeta Jeremias que fala dos que se afastam de Deus, “que serão escritos no pó” (Jr 17,13), isto é, na terra dos mortos. Mas o mais provável é que se trate de uma pausa destinada a ganhar tempo. Esse “tempo” talvez tenha servido a Jesus para acalmar a sua irritação perante o descaramento daqueles vigilantes da moral e dos bons costumes; mas também serviria para que os escribas e fariseus se confrontassem com a gravidade do que estavam a exigir, em nome de Deus: com o seu silêncio, Jesus estava a convidá-los, sem palavras, a passar do domínio da Lei para o domínio da misericórdia.

    Contudo, os que acusavam a mulher não quiseram ou não souberam aproveitar a oportunidade que lhes foi dada para chegarem, por eles próprios, à compaixão. Continuaram a interrogar Jesus, exigindo uma resposta. Foi nessa altura que Jesus tomou a palavra para dizer: “quem de entre vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra” (vers. 7). O “dito” de Jesus convidava aquela gente a tomar consciência de que o pecado é uma consequência dos nossos limites muito humanos e que ninguém está isento dessa condição. Poderá alguém que tem consciência dos seus limites e falhas ter a ousadia de acusar outros e de exigir que lhes seja dada a morte como castigo? Jesus, depois de atirar aos acusadores da mulher esta “provocação” que lhes desmascarava a hipocrisia, continuou a escrever no chão, dando-lhes tempo para interiorizar o que tinha sido dito e para tirar as conclusões que se impunham (vers. 8). O texto acrescenta que, depois de terem ouvido as palavras de Jesus, os escribas e fariseus “foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos” (vers. 9a). A indicação pode querer dizer que os mais velhos têm uma mais longa experiência da fragilidade humana.

    Nessa altura Jesus ergueu-se e olhou para a mulher. A controvérsia com os escribas e fariseus tinha terminado; mas a mulher ainda estava ali, à espera de uma palavra de Jesus. E Jesus, depois de ter constatado que não havia ali ninguém para emitir uma decisão de condenação, disse simplesmente à mulher: “nem Eu te condeno. Vai e não tornes a pecar” (vers. 11). Jesus não veio para condenar ninguém. Ele veio mostrar-nos o rosto e o coração de um Deus que ama incondicionalmente os seus filhos e que não os condena pelas suas fragilidades. Mas a intervenção de Jesus não se fica pelo “não condenar”; ao mesmo tempo, Jesus “liberta” a mulher, apontando-lhe um caminho novo. Convida-a a fazer escolhas que a tornem livre e que não a aprisionem numa vida sem saída.

    A dinâmica de Deus é uma dinâmica de misericórdia, pois só o amor transforma e permite a superação dos limites humanos. É essa a realidade do Reino de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O episódio da mulher apanhada em adultério, trazida até Jesus pelos escribas e doutores da Lei, oferece-nos um muito belo retrato de Deus e da forma como Deus encara a fragilidade dos seus filhos e filhas. Garante-nos que o Deus que Jesus nos veio revelar funciona numa lógica de misericórdia e não numa lógica de estrita retribuição; diz-nos que a força de Deus não está na condenação e no castigo, mas sim no amor e no perdão; assegura que o nosso Deus não quer a morte daquele que errou, mas sim a libertação plena de cada um dos seus filhos; confirma que o coração de Deus é um coração de pai ou de mãe, sempre cheio de amor pelos seus queridos filhos. Sempre que lhe apresentamos as nossas misérias e as nossas decisões estúpidas, Ele diz-nos: “Eu não te condeno”; sempre que caímos uma e outra e outra vez nos mesmos erros, Ele diz-nos: “Eu não te condeno”; sempre que nos apresentamos diante d’Ele dececionados com a forma como conduzimos a nossa vida, Ele consola-nos e garante-nos: “Eu não te condeno”; sempre que nos sentimos malvistos, incompreendidos, marginalizados, Ele diz-nos: “Eu não te condeno”. Neste tempo quaresmal, quando somos convidados a olhar para as nossas fragilidades mil vezes repetidas, é consolador ouvirmos de Deus este “Eu não te condeno”; dá-nos vontade de superarmos as nossas limitações e de abraçarmos, com decisão, um caminho novo, uma vida nova. O que achamos de tudo isto? Sentimos que as nossas fragilidades e limitações não são decisivas face ao amor imenso que Deus nos dedica? Isso é para nós fonte de consolação, de alegria e de esperança?
    • Aqueles escribas e fariseus que trazem a Jesus a mulher apanhada em adultério são os polícias da moral e dos bons costumes, sempre dispostos a anotar e a condenar os erros e as falhas dos outros. Os seus corações são comandados pelo legalismo e não pela misericórdia. Habita-os a hipocrisia: conseguem descobrir tudo o que se passa de errado na vida dos outros, mas não se detêm um instante a olhar para os seus próprios telhados de vidro. São “figuras” que encontramos a cada passo no nosso mundo e até mesmo nas nossas comunidades cristãs. Condenam os “diferentes” em julgamentos sumários, carregam os outros com pesos insuportáveis de culpas reais ou imaginárias, tratam com arrogância os mais humildes e frágeis, colocam rótulos desprovidos de caridade nas pessoas que os rodeiam, oferecem ao mundo a imagem de um Deus intransigente e mau, fazem com que muitos homens e mulheres de boa vontade não tenham qualquer vontade de conhecer Deus e as suas propostas. Conhecemos gente assim? Teremos porventura nós também alguns destes “tiques”? Necessitaremos de mudar alguma coisa, na nossa forma de ver os nossos irmãos e as suas fragilidades, para não nos identificarmos com esses “escribas e fariseus”?
    • Jesus não se limitou a dizer à mulher que não a condenava, mas, com respeito e delicadeza, colocou-a na rota de uma vida nova: “vai e não tornes a pecar”. Depois de a libertar do peso da culpa, convidou-a libertar-se das opções que escravizam e conduzem a situações sem saída. A “estratégia” de Jesus corresponde ao projeto de Deus para os seres humanos. Deus não se limita a não condenar ou a perdoar, mas quer que os seus filhos caminhem em direção à vida nova, a uma vida com sentido, livre e plenamente realizada. É precisamente esse o caminho que somos chamados a percorrer durante o tempo quaresmal. De que é que precisamos de nos libertar para chegarmos a uma vida renovada, a um caminho de liberdade e de plena realização?
    • O perdão é um dos sinais do Reino de Deus. Jesus pediu repetidamente aos seus discípulos que vivessem as suas vidas ao ritmo do perdão. O que é perdoar? É esquecer ingenuamente as injustiças passadas? Não. Perdoar é recordar o mal que nos fizeram e, apesar disso, adotar uma atitude não discriminatória nem vingativa contra aquele que fez o mal; é ter presente o que nos feriu e, apesar disso, inverter a lógica de violência e de agressividade para começar uma história nova, criadora de um futuro diferente com a pessoa que nos magoou. Quem perdoa, evidentemente, corre riscos; mas, ao perdoar, estamos a evitar o maior de todos os riscos: o de nos fecharmos a qualquer futuro e de deixarmos que o ódio envenene as nossas vidas. Como lidamos com a exigência do perdão? Estamos de acordo que o perdão nos abre as portas de uma vida mais produtiva, mais humana e mais feliz?
    • A magnanimidade de Deus para com as pessoas que falham não será uma atitude pouco pedagógica? Não favorecerá a banalização do pecado? Para Deus será tudo igual, no que concerne às escolhas dos seus filhos, uma vez que o seu amor é incondicional? É necessário que entendamos isto: as nossas escolhas erradas atingem-nos a nós próprios, limitam os nossos próprios horizontes, fazem-nos falhar o sentido da nossa existência, impedem-nos de ser livres. Deus não fica feliz se nos vir escolher caminhos de egoísmo e de autossuficiência, pois sabe que isso nos levará até à frustração e ao fracasso. Mas o pecado não magoa Deus; magoa-nos a nós próprios. Temos consciência disso?
    • Na história da mulher apanhada em adultério, a acusação dos escribas e fariseus recai apenas na mulher; ninguém pergunta a Jesus se o homem que com ela estava deve ser morto, segundo a Lei de Moisés. O quadro põe a nu a hipocrisia de uma sociedade que castigava a mulher, mas não usava a mesma medida para com as falhas do homem. Trata-se de uma sociedade que discrimina a mulher face ao homem. Jesus, ao defender a mulher acossada por aquele grupo de homens, introduz verdade e justiça naquele quadro desequilibrado e injusto. Embora hoje o ordenamento jurídico e a legislação penal já tenham em conta a igualdade fundamental entre o homem e a mulher, ainda subsistem, na nossa vida de todos os dias, práticas e hábitos discriminatórios que atentam contra a dignidade das mulheres, que humilham as mulheres e as fazem sofrer. Não deveríamos estar mais atentos a isto, inclusive nas comunidades cristãs? Não deveríamos, como Jesus, estar mais perto de todas as mulheres injustiçadas, oprimidas, discriminadas, ofendidas na sua dignidade, tratadas como objetos, para lhes proporcionarmos defesa inteligente e proteção eficaz?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 5.º DOMINGO DA QUARESMA

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 5.º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. O APELO A PORMO-NOS DE PÉ.

    Depois do apelo à paciência (3.º domingo) e o apelo à misericórdia (4.º domingo), eis, neste 5.º domingo da Quaresma, o apelo a pormo-nos de pé e a viver de maneira diferente: “vai e não tornes a pecar”. O momento penitencial pode realçar este dinamismo de conversão.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

     

    No final da primeira leitura:

    Pai do teu Povo, nós Te damos graças pela tua obra criadora, renovada sem cessar, e pelos germes do mundo novo que o mistério da Páscoa nos revela.

    Nós Te pedimos pelos candidatos ao batismo, adultos, jovens e crianças, e pelas comunidades, os padrinhos/madrinhas e os pais que os preparam.

     

    No final da segunda leitura:

    Cristo Jesus, Tu que Te deste a conhecer ao apóstolo Paulo e o agarraste a ponto de ele Te preferir a todas as riquezas da terra e Te reconheceu como a única vantagem válida, nós Te bendizemos.

    Nós Te pedimos pelos doentes e pelas vítimas de todas as espécies de sofrimentos. Que a revelação da tua Paixão os mantenha na esperança da ressurreição e da vida do mundo que há de vir.

     

    No final do Evangelho:

    Pai, bendito sejas pela mensagem de perdão, a palavra de reconciliação e o apelo à esperança que nos fizeste ouvir enviando-nos o teu Filho.

    Nós Te pedimos por todas as nossas comunidades que celebram a reconciliação nestes dias. Que o teu perdão nos renove e nos reconcilie entre nós.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    Jesus é posto face à Lei e, ao mesmo tempo, face a uma mulher. A Lei é clara: esta mulher, apanhada em flagrante delito de adultério, deve ser delapidada. Jesus não rejeita a Lei, pede somente aos escribas e fariseus para a colocar em prática, com a condição de começarem a ter um olhar sobre a própria vida antes de olhar a mulher e de a condenar. Os detratores acabam por se condenar a si mesmos e retiram-se, reconhecendo-se pecadores, a começar pelos mais velhos… Quanto a Jesus, que não tem pecado, podia lançar a pedra. Não o faz. Ele veio para salvar, não para condenar. Pedindo à mulher para não voltar a pecar, dá-lhe nova oportunidade. Para Jesus, ela não é apenas uma mulher adúltera, ela é capaz de outra coisa. Oferecendo-lhe a sua graça, agraciou também os escribas e os fariseus, colocando-os num caminho de conversão, eles que tinham aberto os olhos não somente sobre a mulher, mas sobre si próprios.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Sugere-se a Oração Eucarística I das Missas da Reconciliação.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO…

    A mulher adúltera… “Esta mulher foi apanhada em flagrante delito de adultério…” “Aquela martirizou o seu filho…” “Aquela deixou-o morrer de fome…” “Aquela outra…” …e as nossas mãos já estão cheias de pedras para a lapidar. Esta semana, a convite de Jesus, comecemos por olhar onde se situa o nosso pecado… De seguida, em relação a todas estas mulheres de hoje condenadas sem apelo, abramos o nosso coração à compreensão… à misericórdia… e talvez ao apoio na sua angústia.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Segunda-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Segunda-feira - 5ª Semana da Quaresma

    7 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel 13, 41c-62

    Naqueles dias, a assembleia condenou Susana à morte. Então Susana disse em altos brados: «Deus eterno, que sabeis o que é secreto e conheceis todas as coisas antes que aconteçam, Vós sabeis que eles proferiram contra mim um falso testemunho. E eu vou morrer, sem ter feito nada do que eles maliciosamente disseram contra mim». O Senhor ouviu a oração de Susana. Quando a levavam para ser executada, Deus despertou o espírito santo dum rapazinho chamado Daniel, que gritou com voz forte: «Eu sou inocente da morte desta mulher». Todo o povo se voltou para ele e perguntou: «Que palavras são essas que acabas de dizer?» Daniel, de pé no meio deles, respondeu: «Sois tão insensatos, ó filhos de Israel, que, sem julgamento nem conhecimento claro dos factos, condenais uma filha de Israel? Voltai ao tribunal, porque estes dois homens levantaram contra ela um falso testemunho». O povo regressou a toda a pressa e os anciãos disseram a Daniel: «Vem sentar-te no meio de nós e expõe-nos o teu pensamento, pois Deus concedeu-te a dignidade dos anciãos». Daniel disse-lhes: «Separai-os um do outro e eu os julgarei». Quando os separaram, Daniel chamou o primeiro e disse-lhe: «Envelheceste na prática do mal, mas agora aparecem os pecados que outrora cometeste, quando lavravas sentenças injustas, condenando os inocentes e absolvendo os culpados, apesar de o Senhor dizer: ‘Não dareis a morte ao inocente e ao justo’. Pois bem. Se viste esta mulher, debaixo de que árvore descobriste os dois juntos?». Ele respondeu: «Debaixo de um lentisco». Replicou Daniel: «A tua mentira cairá sobre a tua cabeça, pois o Anjo de Deus já recebeu a sentença, para te rachar ao meio». Depois de o terem afastado, Daniel ordenou que trouxessem o outro e disse-lhe: «Raça de Canaã e não de Judá, a beleza seduziu-te e o desejo perverteu-te o coração. Era assim que procedíeis com as filhas de Israel e elas por medo entregavam-se a vós. Pois bem, diz-me então: Debaixo de que árvore os surpreendeste juntos?» Ele respondeu: «Debaixo de um carvalho». Replicou Daniel: «A tua mentira cairá sobre a tua cabeça, pois o Anjo de Deus está à tua espera com a espada na mão para te cortar ao meio. Assim acabará convosco». Toda a assembleia clamou em alta voz, bendizendo a Deus, que salva aqueles que esperam n’Ele. Levantaram-se então contra os dois velhos, porque Daniel os tinha convencido de falso testemunho, pela sua própria boca. Para cumprirem a Lei de Moisés, aplicaram-lhes a mesma pena que tão impiamente tinham preparado para o seu próximo e executaram-nos; e foi salva naquele dia uma vida inocente.

     

    O episódio da jovem e bela Susana, assediada por dois anciãos de Israel, no tempo do exílio em Babilónia, é uma história edificante colocada em apêndice ao livro de Daniel. Encontramos aí o próprio profeta, como vidente muito jovem, que faz ver a todos a inocência de Susana - cujo nome em hebraico significa "lírio" - desmascarando a corrupção dos dois anciãos (vv. 42-59). Neles são também acusados os chefes saduceus do século I a. c., aparentemente irrepreensíveis, mas, na realidade, guias cegos que desviam o povo do bom caminho.

    Para se manter fiel a Deus e ao marido, Susana enfrenta o perigo da lapidação, quer ceda ao adultério, quer resista às torpes propostas dos anciãos e seja caluniada (v. 22). Susana prefere morrer inocente a consentir no mal (v. 23). Tendo posta a sua confiança nas mãos de Deus (v. 43), pôde verificar que Ele escuta a voz dos seus fiéis (v. 44) e vem em seu auxílio com prontidão e força (vv. 45-62).

    Evangelho: João 8, 1-11

    Naquele tempo, Jesus foi para o Monte das Oliveiras. Mas de manhã cedo, apareceu outra vez no templo e todo o povo se aproximou d’Ele. Então sentou-Se e começou a ensinar. Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus uma mulher surpreendida em adultério, colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus: «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres. Tu que dizes?». Falavam assim para Lhe armarem uma cilada e terem pretexto para O acusar. Mas Jesus inclinou-Se e começou a escrever com o dedo no chão. Como persistiam em interrogá-l’O, Ele ergueu-Se e disse-lhes: «Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra». Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão. Eles, porém, quando ouviram tais palavras, foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio. Jesus ergueu-Se e disse-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?». Ela respondeu: «Ninguém, Senhor». Jesus acrescentou: «Também Eu não te condeno. Vai e não tornes a pecar».

     

    Os exegetas pensam que este texto é de origem sinóptica, provavelmente lucana, tendo aparecido no capítulo 8 de João como um meteorito errático onde, todavia, não destoa, tornando-se um exemplo concreto do tema de todo o capítulo:

    Cristo-Luz (cf. v. 12) que inevitavelmente faz um juízo (v. 15), não segundo as aparências, mas segundo a verdade mais profunda do coração de cada um.

    O enredo é muito simples: de madrugada (v. 2), depois de ter passado toda a noite em oração no Monte das Oliveiras, Jesus é abordado pelos escribas e fariseus que lhe apresentam uma mulher apanhada em adultério para que a julgue. Faziam isto para armar uma cilada a Jesus (v. 6), obrigando-o dissimuladamente a pronunciar-se contra a lei de Moisés, que em tal caso prevê a lapidação, ou contra o direito romano, que desde 30 d. c., retirou ao sinédrio o jus gladii, reservando para si o poder de pronunciar condenações à morte.

    Todo o texto converge para a pergunta: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» ... «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar». No deserto criado pelo pecado, irrompe a novidade: um rio de misericórdia, que purifica e cura tudo à sua volta (Ap 21, 5), tornando nova toda a criatura.

    Meditatio

    O episódio edificante de Susana revela-nos que o recto juízo de Deus descobre e condena, mais tarde ou mais cedo, a injustiça humana. A Palavra de Deus é como uma lâmpada que se acende numa sala escura: os seus raios alargam-se instantaneamente até aos cantos mais afastados e esquecidos. Assim sucedeu quando Jesus, Luz do mundo, se tornou presente no meio de nós. Não se pode resistir-lhe: quem não acolhe a Palavra de Deus, a Luz de Cristo, é por elas julgado. Elas revelam o que estava oculto e fazem brilhar a justiça. A Palavra de Deus perscruta o mais íntimo dos corações, revela as intenções mais secretas, desmarcara as tramas da mentira. Então, revela-se claramente quem confia unicamente em Deus, e apenas teme não corresponder à grandeza do seu amor misericordioso. E também se revela quem, tendo a mente e o coração mesquinhos, vai procurar furtivas satisfações, como se a felicidade fosse incompatível com a fidelidade à verdade e ao Evangelho.

    É a própria vida que, momento a momento, realiza este discernimento. Feliz quem se deixa penetrar pela Palavra de Deus como por um raio de luz, que separa no seu coração o ouro das escórias. À luz da verdade poderá saborear a liberdade do abandono filial nas mãos paternas de Deus, e nada nem ninguém poderá meter-lhe medo ou induzi-lo em engano.

    O evangelho apresenta-nos um caso em que a lei pode escravizar. Os fariseus, mais do que cumprir a lei, queriam ficar bem com a sociedade e, por isso, iam sacrificar o futuro de uma pessoa humana. Jesus tem uma atitude totalmente diferente. Coloca-se do lado da pecadora, carrega sobre Si o castigo, a pena e o sofrimento pelo pecado. Por isso pode ser indulgente e oferecer o perdão de Deus. Não se trata, pois, de uma indulgência fácil. Perdoa à adúltera e recomenda-lhe que não volte a pecar, porque, na sua paixão, expia o pecado e dá força aos pecadores arrependidos para caminharem no amor do Pai.

    O texto que escutamos, mostra-nos também a mansidão com que Jesus se aproxima da sua paixão. Ela é um acto de misericórdia que agrada mais a Deus do que todos os sacrifícios rituais oferecidos no templo de Jerusalém. A narrativa da adúltera (Jo 8) dá-nos a medida da profundidade da misericórdia divina, se tal se pode dizer de uma misericórdia infinita. Deus amou-nos até ao fim, enviando o seu Filho para tomar sobre Si os nossos pecados, nos perdoar e nos dar uma vida nova cheia de caridade, de alegria e de paz.

    Oratio

    Senhor Jesus, enche-nos do teu Espírito Santo, para que não condenemos com dureza quem pratica o mal, nem sejamos facilmente indulgentes com eles. Sabemos que, também nós, somos pecadores. Por isso, não queremos distinguir-nos deles, mas solidarizar-nos com eles, para carregarmos o pecado do mundo, como Tu fizeste. Ajuda-nos também a não sermos facilmente indulgentes connosco ou com os outros pecadores, desculpando-nos e desculpando os outros com as circunstâncias do mundo actual, para não corrermos o risco de baixar os braços na luta contra o mal. Não foi essa a tua atitude perante a mulher adúltera. Não diminuíste a gravidade do seu pecado, mas assumiste-o e reparaste-o com a tua gloriosa morte e ressurreição. Que todos, e cada um de nós, saibamos assumir o próprio pecado e o pecado do mundo, oferecendo-nos, e oferecendo a nossa vida, como oblação reparadora ao Pai pelos homens. Amen.

    Contemplatio

    Diz ainda aos Fariseus: «Euntes autem discite quid est: misericordiam volo et non sacrificium». Ide, consultai os profetas, homens de coração duro, e sabei o que Oseias disse em meu nome: prefiro a misericórdia ao sacrifício, isto é, a oferta de um coração misericordioso é mais agradável a meu Pai e a mim do que todos os sacrifícios da antiga lei: «Non enim veni vocare justos sed peccetores». Vim principalmente para salvar os pecadores, e em segundo lugar, para chamar os justos, mas não vim para os falsos justos que desprezam e repelam os pecadores.

    Que censuras faz à samaritana? Ela era bem culpável, tinha tido vários maridos, e aquele que ela tinha então não era o seu. No entanto, não tem por ela senão palavras de doçura: «Si scires donum Dei. Se tu conhecesses o dom de Deus!» E que dom é este, senão a água da graça e da misericórdia que jorrava para a vida eterna?

    Os judeus levam-lhe a mulher adúltera; aqui, está envolvido por homens que têm um coração de juiz, e que querem mesmo obter d'Ele uma sentença de juiz contra esta pecadora. Que faz o Coração de Jesus? Não somente não a acolhe como juiz; mas volta-se de tal modo a favor dela que já ninguém ousa julgá-Ia. E então que é que Ele diz?: «Nemo te condemnavit? - Nemo, Domine. - Nec ego condemnabo: Ninguém te condenou, eu também não te condenarei». E hoje ainda, há um tribunal na terra? Sim, mas este é um tribunal onde só se pronunciam sentenças de absolvição, o tribunal do sacramento da penitência.

    Ele cumula com os seus favores Madalena gemendo aos seus pés, e assegura por um só acto de contrição o paraíso ao bom ladrão. (Leão Dehon, OSP 2, p. 273).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Vai,' não tornes a pecar» (cf. Jo 8, 11).

  • Terça-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Terça-feira - 5ª Semana da Quaresma

    8 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Números 21, 4-9

    Naqueles dias, os filhos de Israel partiram do monte Hor; pelo caminho do Mar dos Juncos para contornar a terra de Edom, mas cansaram-se na caminhada. 50 povo falou contra Deus e contra Moisés: «Porque nos fizestes sair do Egipto? Foi para morrer no deserto, onde não há pão nem água, estando enjoados com este pão levíssimo?» 6Mas o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que mordiam o povo, e por isso morreu muita gente de Israel. 70 povo foi ter com Moisés e disse-lhe: «Pecámos ao protestarmos contra o Senhor e contra ti. Intercede junto do Senhor para que afaste de nós as serpentes.» E Moisés intercedeu pelo povo. 80 Senhor disse a Moisés: «Faz para ti uma serpente abrasadora e coloca-a num poste. Sucederá que todo aquele que tiver sido mordido, se olhar para ela, ficará vivo.» 9Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e fixou-a sobre um poste. Quando alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, vivia.

    o povo de Israel continuou a contestar Moisés e a murmurar contra a providência de Deus. O castigo não se fez esperar, porque apareceram as serpentes ardentes, que mordiam as pessoas e as faziam morrer. Mas o castigo em breve se transforma em misericórdia. A serpente de bronze erguida sobre um poste, torna-se um sinal de salvação para quem a olha com fé. As serpentes eram veneradas pelos povos pagãos vizinhos. Este episódio, fora do seu contexto, poderia ser visto como idolatria. Mas a tradição javista liga o culto das serpentes, depois destruído por Ezequias (cf. 2 Re 18, 4) à sábia pedagogia de Deus. Com a mediação de Moisés, ofereceu ao seu povo a possibilidade de evitar ceder aos cultos das nações pagãs por onde passava.

    A serpente de bronze torna-se um sinal que encontra continuidade e realização no Evangelho (cf. Jo 3, 14). A serpente, no deserto, foi sinal da misericórdia de Deus que dá remédio ao castigo. No Evangelho, Cristo elevado na cruz, mostra o castigo e a misericórdia juntos: é o castigo de Deus pelo nosso pecado e, ao mesmo tempo, a maior manifestação do poder divino que cura do pecado.

    Evangelho: João 8, 21-30

    Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: 21 «Eu vou-me embora: vós haveis de procurar-me, mas morrereis no vosso pecado. Vós não podereis ir para onde Eu vou» 22 Então, os judeus comentavam: «Será que Ele se vai suicidar, dado que está a dizer: 'Vós não podeis ir para onde Eu vou'?» 23 Mas Ele acrescentou: «Vós sois cá de baixo; Eu sou lá de cima! Vós sois deste mundo; Eu não sou deste mundo.24Já vos disse que morrereis nos vossos pecados. De facto, se não crerdes que Eu sou o que sou, morrereis nos vossos pecados.»25perguntaram-Ihe, então: «Quem és Tu, afinal?» Disse-lhes Jesus: «Absolutamente aquilo que já vos estou a dizer! 26Tenho muitas coisas que dizer e que julgar a vosso respeito; mas do que falo ao mundo é do que ouvi àquele que me enviou, e que é verdadeiro.» 27E1es não perceberam que lhes falava do Pai. 28 Disse-lhes, pois, Jesus: «Quando tiverdes erguido ao alto o Filho do Homem, então ficareis a saber que Eu sou o que sou e que nada faço por mim mesmo, mas falo destas coisas tal como o Pai me ensinou. 29E aquele que me enviou está comigo. Ele não me deixou só, porque faço sempre aquilo que lhe agrada.» 30Quando expunha estas coisas, muitos creram nele.

    Em mais uma discussão, junto ao templo, Jesus oferece aos os chefes dos Judeus nova oportunidade para serem iluminados sobre o mistério do Filho do homem (cf. Dn 7, 13) e para acolherem a revelação da sua divindade. Duas vezes repete o «Eu SOLP>, nos vv. 24.28. Mas, mais uma vez recusam a oportunidade, compreendendo mal as afirmações sobre a sua iminente partida (vv. 21-24), sobre a sua identidade (vv. 25- 29) de enviado de Deus e de definitivo revelador (cf. Jo 5, 30; 6, 38). Entendem mal Jesus e as suas palavras, porque eles são eles são «cá de beba», enquanto Jesus é « lá de amei», Separa-os um abismo, que só a fé pode preencher. Jesus convida à fé, que eleva o olhar do homem para o alto. Mas os chefes do Judeus, mais uma vez, «não perceberem». Jesus é sinal de contradição. Sê-lo-á maximamente quando for erguido na cruz. Aí, ao realizar o projecto de salvação, revelará os pensamentos secretos dos corações e manifestará definitivamente a sua identidade de Filho, que diz e cumpre a vontade do Pai. Enquanto se aprofunda o abismo entre Jesus e os seus adversários, o evangelista termina com uma nota de esperança (cf. v. 30).

    Meditatio

    No evangelho, Jesus alude à salvação por meio da cruz, de que o episódio da serpente de bronze colocada sobre um poste (Nm 21, 4-9), é um símbolo. A serpente de bronze foi erguida sobre um poste; Jesus deve ser erguido na cruz. A expressão que vem no evangelho de S. João, referente ao erguer de Cristo na cruz, significa algo como a sua exaltação, a sua glorificação. Deus, querendo glorificar o seu Filho, deixou que fosse «erguido» na cruz. Uma tal glória pode parecer estranha a um olhar simplesmente humano. Mas o olhar da fé permite-nos entrever a enorme honra que foi, para Jesus, aceitar o sacrifício por amor ao Pai, tal como foi para o Pai um enorme gesto de amor pedir a Jesus o sacrifício total de Si mesmo. Com esse sacrifício, Jesus fez novas todas as coisas, mudou o coração do homem.

    A graça que brota da cruz de Cristo, torna-nos capazes de percorrer o caminho da justiça. E verdade que, por nós mesmos, não podemos ir para onde Ele está, porque não somos autores da nossa salvação. Mas, se erguermos os nossos olhos, obscurecidos pelo pecado, para Aquele que, como diz S. Paulo, foi tornado pecado por nós, nesse cruzar de olhares - porque também Ele nos olha do alto da cruz - havemos de descobrir, não só que estamos no caminho certo, mas que a nossa felicidade eterna já começou.

    Ao adorarmos a cruz, na Sexta-feira Santa, poderemos recordar algumas expressões das leituras de hoje: «Quando alguém olhava para a serpente de bronze, vivis» (Nm 21, 9); «Então ficareis a saber que Eu SOU» (Jo 8, 28). Contemplada demorada mente, a cruz revela-nos quem é Jesus: é o caminho, a verdade, a vida.

    Cristo é a vida. É "Aquele que vive' (Apoc 1, 18; n. 11). A vida é a primeira realidade que S. João realça no Verbo eterno de Deus: "N 'Ele estava a vida ... " (Jo 1, 4) e só porque é" vida", o Verbo é "luz dos homens' (Jo 1, 5), que nos permite ver a verdade. A verdade sobre Deus, mas também a verdade sobre Cristo, a verdade sobre nós mesmos e sobre o projecto de Deus acerca de nós. Em Cristo, "primogénito' (Col 1, 15), isto é, primeiro projectado, "primícias' dos "santos' e dos "ressuscitados' (Cf. Jo 1, 17; 1 Cor 15, 20; Col 1, 18) nós todos fomos, por Deus, "projectados, pensados, queridos, escolhidos e repletos de todas as bênçãos, já antes da fundação do mundo (Ef 1, 3-6)".

    A descoberta da verdade de Cristo, e do projecto de Deus, em Cristo, leva-nos ao discipulado: "O seu Caminho é o nosso caminho", afirma o n. 12 das Constituições. E nós percorremos Cristo-Caminho, com a nossa vida religiosa dehoniana, tendo fixo o olhar no "Lado aberto do Crucificado" e no "Coração de Cristo" (Cst. 20).

    Oratio

    Senhor Jesus, ensina-me e ajuda-me a contemplar o teu grande amor pelo Pai, e o grande amor do Pai por Ti, para que o meu coração se dilate de alegria e de generosidade. O amor do Pai por Ti manifestou-se na plena confiança com que Te entregou ao sacrifício que havia de salvar o mundo, fazendo novas todas as coisas, e mudando o nosso coração. O teu amor pelo Pai manifestou-se na obediência pronta e generosa com que Te dispuseste a realizar o seu projecto salvador. Nessa troca de amor, descubro também o imenso amor do Pai, e o teu, por mim e por cada um dos homens. Esse amor não permitiu que fôssemos abandonados ao horror do pecado. Contemplando-Te na cruz, descubro o mistério de amor incomensurável com que fui salvo, com que todos fomos salvos. Eu Te dou graças, de todo o coração, pedindo que me ajudes a corresponder a esse amor. Amen.

    Contemplatio

    «Quando tiver sido elevado da terra atrairei tudo a mm», dizia Nosso Senhor falando da sua cruz redentora (Jo 12).

    Sim, Senhor, a vossa cruz atraiu, durante séculos, tudo a vós. Mas hoje é o vosso lado aberto que nos fascina. A revelação do vosso Coração vem remover o nosso e arrebatá-lo num insaciável amor por vós.

    Coração por coração: nós queremos dar-nos a vós sem reservas, como vós vos destes a nós. Alguns santos, para melhor marcar a vossa tomada de posse dos seus corações gravaram sobre os seus peitos o vosso nome sagrado.

    Um dia em que o bem aventurado Henrique Suso tinha feito isto, dissestes-lhe estas palavras benevolentes: «Acima de tudo, aprende a esconder-te no meu lado aberto e na ferida que o amor fez ao meu Coração! Hei-de colorir-te com a púrpura do meu sangue; ligar-me-ei a ti por laços indissolúveis e o meu espírito unír-se-á ao teu com uma união eternal» (Livro da sabedoria eterna, c. 22).

    Ó bom Mestre, não terei repouso enquanto não me admitirdes também no vosso Coração (leão Dehon, OSP 2, p. 384).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Os nosso olhos estão voltados para o senhor- (SI 122, 2).

  • Quarta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Quarta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    9 de Abril, 2025

    Lectio
    Primeira leitura: Daniel 3, 14-20.91-92.95

    14 Disse-lhes Nabucodonosor: «Chadrac, Mechac e Abed-Nego, é verdade que rejeitais o culto aos meus deuses e a adoração à estátua de ouro erigida por mim? 15 Pois bem! Estais dispostos, no momento em que ouvirdes o som da trombeta, da flauta, da cítara, da lira, da harpa, do saltério e de qualquer outro instrumento musical, a prostrar-vos em adoração diante da estátua que eu fiz? Se não o fizerdes, sereis logo lançados dentro da fornalha ardente. E qual o deus que poderá libertar-vos da minha mão?»16Chadrac, Mechac e Abed-Nego responderam ao rei Nabucodonosor: «Não vale a pena responder-te a propósito disto. 17 Se isso assim ~ o Deus que nós servimos pode livrar-nos da fornalha incandescente, e até mesmo, ó rei, da tua mão. 18 E ainda que o não faça, fica sabendo, ó rei, que não prestamos culto aos teus deuses e que não adoramos a estátua de ouro que tu levantaste.» 19Então explodiu a fúria de Nabucodonosor contra Chadrac, Mechac e Abed-Nego; a expressão do seu rosto mudou e levantou a voz para mandar que se aquecesse a fornalha sete vezes mais que de costume. 20 Em seguida, ordenou aos soldados mais vigorosos do seu exército que amarrassem Chadrac, Mechac e Abed-Nego, a fim de os lançar na fornalha incandescente. 91 (24)Então o rei Nabucodonosor, estupefacto, levantou-se repentinamente, dizendo para os seus conselheiros: «Não foram três homens, atados de pés e mãos, que lançámos ao fogo?»Responderam eles ao rei: «Com certeza». Nabucodonosor, tomando a palavra, disse:«Bendito seja o Deus de Chadrac, de Mechac e de Abed-Nego! Ele enviou o seu anjo para libertar os seus servos que, confiando nele, expuseram a vida, transgredindo as ordens do rei, antes que prostrarem-se em adoração diante de um outro deus que não fosse o Deus deles. 92 (25)«Pois bem - replicou o rei - vejo quatro homens soltos, que passeiam no meio do fogo, sem este lhes causar mal; o quarto tem o aspecto de um filho de Deus.» 95 (28)Nabucodonosor, tomando a palavra, disse:«Bendito seja o Deus de Chadrac, de Mechac e de Abed-Nego! Ele enviou o seu anjo para libertar os seus servos que, confiando nele, expuseram a vida, transgredindo as ordens do rei, antes que prostrarem-se em adoração diante de um outro deus que não fosse o Deus deles.

    o episódio dos três jovens, que escaparam ilesos à fornalha ardente, mostra que o Deus dos hebreus é o único Deus verdadeiro, e que os ídolos dos babilónios, tal como os deuses impostos por Antíoco IV Epifânio, não o são. Só Javé é Deus da vida. Servi-I' O é optar pela vida, mesmo que seja preciso sofrer e morrer. O martírio torna perfeita a fé daqueles que puseram a sua confiança em Deus e é o melhor testemunho para os próprios perseguidores, como se verifica pela confissão de fé de Nabucodonosor (cf. v. 95).

    A narrativa é rica de pormenores pitorescos, ainda que trágicos, o que lhe confere solenidade. Javé é, de verdade grande. Mesmo que não seja possível prestar-lhe o culto devido, é o único Deus (v. 96). Diante d 'Ele, os cultos idolátricos são pura vaidade.

    Evangelho: João 8, 31-42

    31 Naquele tempo dizia Jesus aos judeus que nele tinham acreditado: «Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, 32conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres.» 33Replicaram-Ihe: «Nós somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém! Como é que Tu dizes: 'Sereis Iivres?» 34Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: todo aquele que comete o pecado é servo do pecado, 35 e o servo não fica na família para sempre; o filho é que fica para sempre. 36 Pois bem, se o Filho vos libertar, sereis realmente livres. 37 Eu sei que sois descendentes de Abraão; no entanto, procurais matar-me, porque não aderis à minha palavra. 38 Eu comunico o que vi junto do Pai, e vós fazeis o que ouvistes ao vosso psi» 39E1es replicaram-lhe: «O nosso pai é Abraão!» Jesus disse-lhes: «Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão! 40 Agora, porém, vós pretendeis matar-me, a mim, um homem que vos comunicou a verdade que recebi de Deus. Isso não o fez Abraão! 41 Vós fazeis as obras do vosso psi» Eles disseram-lhe, então: «Nós não nascemos da prostituição. Temos um só Pai, que é Deus.»42Disse-Ihes Jesus: «Se Deus fosse vosso Pai, ter-me-íeis amor, pois é de Deus que Eu saí e vim. Não vim de mim próprio, mas foi Ele que me enviou.

    Diante daqueles que se vangloriam de ser filhos de Abraão (v. 33), Jesus clarifica alguns importantes temas como o discipulado (v. 31), a liberdade e o gozo da intimidade familiar (vv. 32-36), da filiação e da paternidade (vv. 37-42). Prosseguindo o seu discurso, num crescendo dramático, Jesus termina revelando a sua divindade: «Eu SOLP> (v. 58). Os seus adversários, porém, endurecem posições e tentam lapidá­I' O (v. 59). Assim revelam ser escravos do pecado. Só a fé, que leva a confiar na Palavra, liberta do pecado, como aconteceu com Abraão. A fé no Filho leva os discípulos a permanecerem n ' Ele (v. 31), Palavra do Pai, como filhos livres que permanecem na casa paterna (v. 35). Quem procede de outro modo, revela ter outra origem (v. 41), intenções perversas (v. 37) e escravidão (v. 34), ainda que não se dê conta disso ou não o queira admitir.

    Meditatio

    A liberdade é um valor de que todos desejamos usufruir. Mas nem sempre a procuramos onde a podemos encontrar. Os três jovens, de que nos fala a primeira leitura, são um maravilhoso exemplo de liberdade. Recusam corajosamente adorar o poder real, mesmo sendo condenados à fornalha ardente. Nabucodonosor pergunta: «Qual o deus que poderá libertar-vos da minha mão?». Os jovens respondem: «Não vale a pena responder-te a propósito disto. Se isso assim ~ o Deus que nós servimos pode livrar-nos da fornalha incandescente, e até mesmo, ó rei, da tua mãe». Este gesto de liberdade condenou-os ao suplício. Aparentemente perderam a liberdade: foram amarrados e lançados ao fogo. Mas o Deus, em Quem confiam, intervém para os libertar. O rei verifica o facto. E converte-se à fé.

    Quando Deus deixa de ser apenas uma ideia mais ou menos abstracta, quando a fé em Jesus Cristo se torna vida, podemos experimentar a liberdade cristã. Não é que a vida se torne mais fácil. A verdadeira fé em Deus, e uma relação pessoal com Jesus, seu Filho, na fé e no amor, revelam exigências até aí desconhecidas. Estas exigências estabelecem novos laços, que não escravizam, mas dilatam os corações e fazem avançar os crentes pela via dos mandamentos divinos.

    Como os Judeus, que se diziam filhos de Abraão, talvez também nós nos digamos cristãos apenas porque somos fiéis a umas tantas observâncias. Mas isso não é suficiente para fazer de nós filhos de Deus, nem filhos da Igreja. Ser filhos é, em primeiro lugar, ser livres. Jesus, o Filho, revela-nos a verdadeira liberdade. Contemplando-O, verificamos que essa liberdade consiste na renúncia a nós mesmos para afirmarmos o Outro, os outros. O pecado é exactamente o contrário: faz-nos ver tudo a partir de nós mesmos e dos nossos interesses, coloca-nos no centro do universo. É a escravidão de que fala Jesus.

    Podemos permanecer na escravidão, mesmo falando muito de liberdade e de libertação. Não podemos libertar-nos por nós mesmos. Seremos livres na medida em que abrirmos o coração à Palavra, que é presença de Cristo no meio de nós, e à sua poderosa salvação. Só ela nos arrancará da idolatria e, sobretudo, da egolatria, para nos guiar até à liberdade do amor.

    A liberdade é um dom do Espírito Santo: «O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio; contra estas coisas não há lei» (Gal 5, 22). Há, portanto, perfeita liberdade. As nossas Constituições lembram-nos que a liberdade é um fruto do mistério pascal de Cristo:

    "Pela Sua morte e ressurreição (Cristo) abriu-nos ao dom do Espírito e à liberdade dos filhos de Deus (Rom 8, 21" (Cst. 11). É que, "onde está o Espírito há liberdade' (2 Cor 3, 17). Basta que pensemos nos preciosos frutos do Espírito (cf. Gal 5, 22) e, em particular, no "autodomínio", quando, nos nossos pensamentos, desejos, afectos, palavras, acções não nos deixamos guiar pelo nosso eu (egoísmo), mas pelo Espírito de Deus.

    Oratio

    Senhor Jesus, faz-me compreender que, para viver como filho do Pai, não me basta ser baptizado, mas também preciso de fazer as suas obras, e de crescer na escuta da sua voz, deixando que a tua palavra lance raízes em mim, e tome gradualmente posse de todo o meu ser. Faz-me também compreender que me tornas livre apenas na medida em que abro à tua palavra, não só a minha inteligência, mas também a minha vida. Só quando ela for totalmente qulada por Ti, serei realmente livre: livre do pecado que me escraviza, livre da inveja que me separa dos outros, livre da preguiça e do orgulho que me paralisam. Então, mesmo no meio dos sofrimentos da vida, também quando tiver de sofrer para ser fiel ao teu amor, serei livre e, como os jovens da fornalha ardente, cantarei os teus louvores, celebrarei a tua vitória. A tua gloriosa Paixão faz-nos vitoriosos contra o pecado, contra todas as dificuldades, contra o sofrimento. Faz-nos livres! Obrigado, Senhor! Amen.

    Contemplatio

    O divino Mestre na Eucaristia está inteiramente desprendido da vida exterior. «Contempla, ama, adora as perfeições de Deus; imola-se à glória de seu Pai, fora de todo o criado, como numa vasta solidão onde os objectos da terra não o podem atingir.

    «É preciso tudo perder de vista, tudo esquecer e esquecer-se de si mesmo para imitar esta vida divina.

    Peçamos ao Sagrado Coração como um favor sermos por vezes retirados nesta solidão perfeita, somente sob o olhar de Deus, na companhia do nosso bem-amado Jesus, não tendo liberdade nem acção senão para amar e adorar o nosso Deus, para nos sacrificarmos e perdermos nele.

    Do seu tabernáculo, Jesus não fala a nenhuma criatura. Nenhum barulho, nenhum movimento não se faz aí ouvir, mas, diante do seu Pai, o seu silêncio é bem mais profundo e mais sublime. Dir-se-ia que toda a sua ocupação seja calar-se. É todo amor, aniquilamento, imolação, prece; mas tudo se passa no silêncio, nas profundidades de si mesmo e da sua divindade. Como este silêncio é uma linguagem poderosa e forte! Presta homenagem à grandeza de Deus, às suas perfeições infinitas, ao seu domínio soberano, a todos os seus atributos que Jesus louva com um hino eterno e sem fim e num misterioso silêncio».

    Quereria nas minhas adorações fazer calar em mim as criaturas para me unir à adoração de Jesus para com o seu Pai (Leão Dehon, OSP 3, p. 691s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «A verdade vos tornará Iivres» (Jo 8, 31).

  • Quinta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Quinta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    10 de Abril, 2025

    Lectio
    Primeira leitura: Génesis 17, 3-9

    3 Abrão prostrou-se com o rosto por terra e Deus disse-lhe: 4 «A aliança que faço contigo é esta: serás pai de inúmeros povos. 5 Já não te chamarás Abrão, mas sim Abraão, porque Eu farei de ti o pai de inúmeros povos. 6 Tomsr-te-ei extremamente fecundo, farei que de ti nasçam povos e terás reis por descendentes. 7 Estabeleço a minha aliança contigo e com a tua posteridade, de geração em geração; será uma aliança perpétua, em virtude da qual Eu serei o teu Deus e da tua descendência. 8 Dar­te-ei, a ti e à tua descendência depois de ti, o país em que resides como estrangeiro, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei Deus para eles.» 9 Deus disse a Abraão: «Da tua parte, cumprirás a minha aliança, tu e a tua descendência, nas futuras gerações.

    Regressado do exílio, o povo de Israel está reduzido a um pequeno «resto», privado dos dons prometidos a Abraão (v. 8), o mesmo Abraão que Deus tinha chamado «pai de inúmeros pOV09> (v. 5; cf. Gn 12, 2). A tradição sacerdotal lembra, nestes poucos versículos, a vocação de Abraão, para que o povo reencontre a esperança na certeza da aliança com Deus (w. 2.7; Dt 5, 4-7). Deus, com efeito, não pode renegar a aliança, porque não pode renegar a Si mesmo. Esta certeza é fundamento seguro para a esperança do povo, tal como já o fora Abraão que, por isso, esperou contra toda a esperança. Foi Deus quem Se revelou a Si mesmo (v. 1) e revelou a Abraão o nome novo: «pai de inúmeros pOV09> (v. 5), de acordo com um projecto divino de salvação (v. 6) no qual era chamado a ser protagonista. Esta vocação e missão implicavam caminhar diante do Senhor em integridade de vida (cf. v. 1). Abraão e da sua posteridade seriam de Deus, e Deus seria O Deus de Abraão e da sua posteridade. Abraão responde à proposta divina com um gesto de adoração e de acção de graças que se torna escuta. E Deus pode falar-lhe: «Abrão prostrou-se com o rosto por terra e Deus disse-lhe ... » (v. 3).

    Evangelho: João 8, 51-59

    Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: 51 Em verdade, em verdade vos digo: se alguém observar a minha palavra, nunca morrerá.»52Disseram-lhe, então, os judeus: «Agora é que estamos certos de que tens demónio! Abraão morreu, os profetas também, e Tu dizes: 'Se alguém observar a minha palavra, nunca experimentará a morte?53Porventura és Tu maior que o nosso pai Abraão, que morreu? E os profetas morreram também! Afinal, quem é que Tu pretendes ser?»54Jesus respondeu: «Se Eu me glorificar a mim mesmo, a minha glória nada valerá. Quem me glorifica é o meu Pai, de quem dizeis: 'É o nosso oeusi". e, no entanto, não o conheceis. Eu é que o conheço; se dissesse que não o conhecia, seria como vós: um mentiroso. Mas Eu conheço-o e observo a sua palavra. 56 Abraão, vosso pai, exultou pensando em ver o meu dia; viu-o e ficou feliz.» 57Disseram-Ihe, então, os judeus: «Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?» 58 Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: antes de Abraão existir, Eu SOU!»59 Então, agarraram em pedras para lhe atirarem. Mas Jesus escondeu-se e saiu do templo.

    Jesus afirma, com solenidade, - «Em verdade, em verdade vos dig(J» -, que a sua Palavra é vida e dá a vida a quem a acolhe. Os seus ouvintes, naquela ocasião não a acolheram, como se vê no versículo final: «Então, agarraram em pedras para lhe atirarem». Entre os dois versículos encontramos o diálogo-confronto que tem por horizonte a antítese vida-morte, e como ponto de referência Abraão, de quem os judeus se dizem descendentes. Jesus vai respondendo indirectamente às perguntas provocatórias que lhe são feitas. Mas, das suas respostas, emerge a clara afirmação de que é o Filho de Deus, cuja glória procura. É Deus que o leva a falar. Por isso, com verdade, pode dizer: «antes de Abraão existir, Eu sou». Só reconhecendo a Deus, que se manifesta no seu Filho feito homem, se pode ter a vida.

    Há uma perfeita comunhão entre o Pai e o Filho. É para ela que se encaminha a história da salvação, prometida a Abraão que, na fé, entreviu a sua realização. Esta afirmação é um escândalo para os Judeus que, apenas segundo a carne, são filhos de Abraão.

    Meditatio

    A adesão à verdade leva à liberdade: «a verdade vos tornará Iivres» (Jo 8, 32).

    Trata-se da liberdade do pecado, mas também da liberdade diante da morte: «se alguém observar a minha palavra, nunca morrere». Jesus promete tudo isto, comprometendo a sua palavra: «Em verdade, em verdade vos dig(J». Trata-se de uma fórmula solene, que garante a palavra dada com a própria personalidade de quem a pronuncia. No essencial, Jesus diz-nos que o segredo da liberdade é a obediência à sua palavra, uma obediência nascida do mais fundo do coração de quem a soube acolher.

    Abraão soube acolher a palavra de Deus e obedecer-lhe. Tornou-se o modelo dos crentes, e exultou de alegria, na esperança de ver o dia de Jesus: «exultou pensando em ver o meu dia; viu-o e ficou teu», diz o Senhor.

    Também nós somos chamados, neste tempo da Paixão e da Páscoa, a ver o dia de Jesus e a permanecer na alegria. Abraão viu o dia de Cristo, o dia da Ressurreição, em prefiguração, isto é, participando em acontecimentos que deixavam entrever o desígnio divino de ressuscitar o seu Cristo, principalmente no nascimento de Isaac e no seu sacrifício no Moriá. Sendo velho muito avançado em idade, e sendo a sua mulher estéril, acreditou que Deus é capaz de ressuscitar os mortos. E aconteceu o nascimento de Isaac, que o encheu de alegria. Quando Deus lhe pediu o sacrifício do filho, Abraão dispos-se a sacrificá-lo. Parecia que a promessa de Deus ia ficar por cumprir. Mas Abraão na hesita na sua fé: «Deus providenaerá», diz ele ao filho que lhe pergunta pelo cordeiro a sacrificar. E Deus providenciou. Isaac desceu vivo do Moriá. De certo modo, foi sacrificado e permaneceu vivo, tornando-se figura de Cristo morto e ressuscitado. São figuras imperfeitas, mas Abraão pôde já ver nelas o dia do sacrifício real de Cristo, premissa da Ressurreição para uma vida plena e gloriosa. Viu e alegrou-se!

    A fé é um combate pela vida. A fé enfrenta a morte na sua forma mais insidiosa e quotidiana, aquela que se apresenta como a «inutilidade da existência». Jesus, o verdadeiro descendente de Abraão, no combate que opõe a morte à vida, revela uma fé que abre para uma inesperada esperança. No muro de angústia que nos aprisiona, abre uma brecha por onde pode irromper a vida, porque Ele é a vida: «antes de Abra&ati
    lde;o existir, Eu sou».

    Abraão, como tantos outros servos e amigos de Deus do Antigo Testamento, preanuncia o "Ecce venid' de Cristo: "Eis-me aquI', diz o pai dos crentes, quando Deus o chama para o sacrifício de Isaac (Gen 22, 1). "Eis-me aqui" deve continuar no nosso "Ecce venio", unido ao "Ecce venio" de Cristo, porque "somos chamados na Igreja a procurar e a realizar, como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo" (Cst. 26).

    Como a nossa "vida religiosa e apostólica" está unida "de forma explícita ... à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst. 6), assim também o nosso Ecce venio ... "configura a nossa existência com a de Cristo, pela redenção do mundo e para Glória do Pai" (Cst. 58).

    A obediência religiosa radicada na Encarnação e na Páscoa de Cristo, participa da sua missão salvífica. É necessariamente apostólica. Como a obediência religiosa é comunhão de amor com o Pai, em Cristo (cf. Cst. nn. 53.56.58), assim também é comunhão de amor, de serviço em favor dos homens, sempre em Cristo, sob a influência do Espírito (cf. Cst. nn. 53.56.58).

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, cordeiro imolado e ressuscitado, para glória e alegria do Pai e para nossa salvação, nós Te louvamos e bendizemos, nós Te damos graças. Eis­nos aqui, dispostos a escutar a voz do Pai e a obedecer-Lhe, dispostos a unir o nosso «Ecce venio» ao de Abraão, e ao de todos os amigos de Deus, tanto do Antigo como do Novo Testamento, mas sobretudo ao teu. Ajuda-nos a viver na fé e na disponibilidade confiante no Pai e no seu projecto de amor e salvação. Ajuda-nos a viver na fé na tua ressurreição, a vencer permanentemente as forças da morte e a alegrar-nos, porque a tua vitória será também a nossa vitória. Ajuda-nos a vencer a morte, encarando-a e oferecendo-a como participação na tua morte. Ajuda-nos a vencer tudo quanto nos pode causar tristeza, pessimismo, desânimo, tudo quanto nos possa fazer capitular diante das dificuldades da vida. Que, em todas as situações, ressoe aos nossos ouvidos a tua palavra: «Coragem: Eu venci o mundo: (Jo 15, 33). Amen.

    Contemplatio

    Todos estes domingos nos colocam diante dos olhos o Antigo Testamento nos grandes acontecimentos que prepararam a redenção. Meditámos no pecado de Adão, depois no castigo do dilúvio. Eis o sacrifício de Abraão, uma das mais belas figuras do sacrifício redentor.

    Deus quer mostrar-nos o preço daquilo que fez por nós e a grandeza do seu amor. Escolheu Abraão. Dá-lhe tardiamente um filho, Isaac, o filho da promessa, do qual nascerá todo um povo. Deste povo abençoado sairá o Messias. - E quando Isaac se tornou um adolescente, Deus pede a Abraão o seu sacrifício. Que provação! Não é apenas um filho, é o filho do milagre e da promessa, o filho pelo qual deve vir a Abraão toda a sua glória.

    Abraão consente em sacrificá-lo, depois a intervenção divina impede a imolação.

    Deus quis assim mostrar-nos que ao dar-nos o seu Filho e ao sacrificá-lo, nos testemunha um imenso amor. Como tão pouco o compreendi até a este momento! Como sou frio, ingrato, insensível!

    Os grandes dias de páscoa aproximam-se, não vou sacudir a minha indolência? (Leão Dehon, OSP 3, p. 183)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Se alguém observar a minha palavra, nunca morrerá» (Jo 8, 51).

  • Sexta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Sexta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    11 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 20, 10-13

    Disse Jeremias: «Eu ouvia as invectivas da multidão: ‘Terror por toda a parte! Denunciai-o, vamos denunciá-lo!’ Todos os meus amigos esperavam que eu desse um passo em falso: ‘Talvez ele se deixe enganar e assim o poderemos dominar e nos vingaremos dele’. Mas o Senhor está comigo como herói poderoso e os meus perseguidores cairão vencidos. Ficarão cheios de vergonha pelo seu fracasso, ignomínia eterna que não será esquecida. Senhor do Universo, que sondais o justo e perscrutais os rins e o coração, possa eu ver o castigo que dareis a essa gente, pois a Vós confiei a minha causa. Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos».

    Jeremias chamou o povo à conversão durante anos: Mas o povo não o quis escutar. Agora, deve anunciar que o juízo de Deus é irrevogável, e que o castigo vai abater-se sobre Israel: Jerusalém irá cair às mãos do rei de Babilónia. É nesta situação, extremamente difícil e dolorosa, que o profeta pronuncia a sua última «confissão» (vv. 7-18). O texto é simultaneamente autobiográfico e paradigmático do destino do verdadeiro crente. Jeremias evoca a sua vocação (vv. 7-9), recorda os momentos de mal-estar e de rebeldia, provocados pelas perseguições, pelas calúnias e pelas traições de que foi vítima (v. 10). Mas Jeremias, tal como Job, depois destes momentos de desabafo, renova o seu acto de fé em Deus (vv. 11-13) que sempre esteve com ele e que jamais o abandonará: «O Senhor, porém, está comigo, como poderoso çuerrem» (v. 11). Foi o que Deus lhe tinha garantido no momento em que o chamou: «Eu estou contigo para te salvam (Jer 1, 19). Estas palavras ecoaram em cada um dos momentos da vida do profeta, particularmente nos mais difíceis. E continuam a ecoar. Por isso, Jeremias rende-se completamente a Deus, deixando para trás as resistências e as rebeldias.

    Evangelho: João 10, 31-42

    Naquele tempo, os judeus agarraram em pedras para apedrejarem Jesus, Então Jesus disre-lhes: «Apresentei-vos muitas boas obras, da parte de meu Pai. Por qual dessas obras Me quereis apedrejar?» Responderam os judeus: «Não é por qualquer boa obra que Te queremos apedrejar: é por blasfémia, porque Tu, sendo homem, Te fazes Deus». Disse-lhes Jesus: «Não está escrito na vossa Lei: ‘Eu disse: vós sois deuses’? Se a Lei chama ‘deuses’ a quem a palavra de Deus se dirigia – e a Escritura não pode abolir-se –, de Mim, que o Pai consagrou e enviou ao mundo, vós dizeis: ‘Estás a blasfemar’, por Eu ter dito: ‘Sou Filho de Deus’!» Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis. Mas se as faço, embora não acrediteis em Mim, acreditai nas minhas obras, para reconhecerdes e saberdes que o Pai está em Mim e Eu estou no Pai». De novo procuraram prendê-l’O, mas Ele escapou-Se das suas mãos. Jesus retirou-Se novamente para além do Jordão, para o local onde anteriormente João tinha estado a baptizar e lá permaneceu. Muitos foram ter com Ele e diziam: «É certo que João não fez nenhum milagre, mas tudo o que disse deste homem era verdade». E muitos ali acreditaram em Jesus.

    Durante os dias da festa da Dedicação do Templo, Jesus anda livremente no pórtico de Salomão, quando é rodeado pelos judeus que, mais uma vez, o interrogam. O Senhor responde-lhes com frontalidade. Gera-se, então, mais um vivo debate, que aumenta de intensidade, a ponto de os adversários de Jesus agarrarem em pedras para O lapidarem. Várias vezes tinham tentado prendê-I'O por causa das suas «obras», nomeadamente as curas em dia de sábado. Agora acusarn-nO de blasfemo, por se fazer igual a Deus, sendo um homem (v. 33).

    Jesus responde, primeiro referindo a Palavra de Deus, que todos aceitam, e, depois, apelando para a obras realizadas, que os seus adversários puderam testemunhar. Trata-se da última tentativa para lhes abrir o coração à fé. Jesus apela para as suas obras que são «palavra». Se Jesus não é condenável por causa de nenhuma delas, porque não acreditar na verdade do que diz? Mas a comunicação manifesta-se impossível. Por isso, Jesus volta para além do Jordão, onde João dera testemunho da verdade, onde apareceram os primeiros discípulos, e onde muitos começam a acreditar. Na experiência da recusa, brota um germe de fé nova, que antecipa o evento pascal.

    Meditatio

    «A paixão é a obra-prima do amor do Coração de Jesus», escreveu leão Dehon (OSP 3, p. 305). De facto, o Coração de Jesus alcançou a vitória sobre o mal servindo­-se de todos os sofrimentos para manifestar um amor maior: «Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nÓ9> (Rm 5,8).

    A primeira leitura de hoje faz-nos entrar nos sentimentos de Jesus, e ajuda-nos a compreender, por quanto é possível, a vitória que alcançou na sua paixão. Jeremias, tendo anunciado o castigo de Deus, sente-se abandonado por todos, e enfrenta a hostilidade da multidão. Sabe que não se pode salvar pelos seus próprios meios, e abandona-se a Deus: «Senhor do universo, examinas o justo, sondas os rins e os corações. Que eu possa contemplar a tua vingança contra eles, pois a ti confiei a minha causal» O abandono nas mãos de Deus é já uma vitória. Mas o profeta não renuncia à víngança, entregando-a, todavia, nas mãos de Deus, que é justo e saberá fazer justiça. E um primeiro passo. Mas Jesus irá mais longe. Não lhe escutamos palavras semelhantes durante toda a Paixão. Ele sabe que o Pai lhe há-de fazer justiça, punindo o pecado, porque o mal não pode triunfar. Mas afirma-o com sentimentos de profunda dor, e até chorando, como faz quando fala da destruição da Jerusalém, que resiste à conversão (cf. lc 13, 34). No alto da cruz, não pede a Deus a vingança dos seus inimigos, mas que lhes perdoe: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!» (Lc 23, 34).

    No evangelho, Jesus revela a sua identidade, não só por meio de palavras, mas também por meio de obras: «Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim; mas se as faço, embora não queirais acreditar em mim, acreditai nas obras, e assim vireis a saber e ficareis a compreender que o Pai está em mim e Eu no Pai». Diante desta afirmação, mais uma vez os ânimos se dividem. Enquanto «muitos ali creram nel(!», outros não acreditaram e até se acirraram mais contra Ele.

    Provavelmente estas tendências contraditórias, no que se refere à fé, talvez também se encontrem nos nossos corações. A nossa caminhada de fé tem momentos altos e momentos baixos. Por vezes, temos a sensação de que a multidão, de que nos fala o evangelho de hoje, est&
    aacute; dentro de nós. Jesus ensina-nos a resistir a estas oscilações perigosas. Para isso, é preciso fundamentar-nos solidamente na Sagrada Escritura. Aí encontramos as palavras que dão fundamento e solidez à nossa fé porque, nelas, descobrimos a Palavra que é Jesus Cristo.

    Dando solidez à nossa fé, a Palavra de Deus, sobretudo os evangelhos, permitem sintonizar os nossos sentimentos com os de Jesus Cristo. Assim, depois de um esforço semelhante ao que fez Jeremias, será mais fácil para nós reagirmos à maneira do Coração de Jesus, durante toda a sua vida, e particularmente na sua Paixão.

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu afirmaste solenemente à multidão que invectivava contra Ti: «Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim; mas se as faço, embora não queirais acreditar em mim, acreditai nas obras, e assim vireis a saber e ficareis a compreender que o Pai está em mim e Eu no Pap>. Assim mostraste que Te revelas, não só por palavras, mas também por obras. Ajuda-me a viver em união contigo, e a escutar atentamente as tuas palavras, para ter em mim os sentimentos que estavam no teu Coração. Que nas minhas actividades, que em todas as circunstâncias, mesmo nas mais difíceis, com as minhas palavras e com as minhas obras, eu posso ser sinal do teu amor sem limites. Que saiba perdoar aos meus irmãos todas as suas faltas para comigo, imaginárias ou reais. Que eu saiba rezar por eles, e oferecer-me generosamente, em espírito de amor e de reparação. Amen.

    Contemplatio

    A paixão é a obra-prima do amor do Sagrado Coração. Era dela que o profeta Habacuc dizia: «Domine, audivi auditionem tuam et timui (Hab 3): Senhor, ouvi falar da vossa obra, da vossa obra por excelência e fiquei tomado de espanto». Santo Agostinho dá este sentido moral ao texto do profeta. S. Paulo não cessa de estar num êxtase de amor ao contemplar este admirável mistério: «Jesus Cristo mostrou-nos tanto mais amor, diz, quanto deu a sua vida por nós pecadores e Impios» (Rom 5). E S. João, o apóstolo bem-amado, exclama: «Jesus Cristo amou-me e lavou-me com o seu sangue. (Ap 1, 5).

    Devemos, portanto, tentar, nós também, penetrar nas profundezas deste abismo de caridade e excitar-nos ao amor do Sagrado Coração, vendo quanto Ele nos amou.

    Jesus Cristo é realmente, nos mistérios da Paixão, o livro escrito por fora e por dentro, e quais são as letras que vemos traçadas neste livro? Apenas estas: Amor. Os chicotes, os espinhos, os cravos escreveram-nas em caracteres de sangue sobre a sua carne divina; mas não nos contentemos em ler e em admirar exteriormente esta escritura divina no; penetremos até ao Coração, e veremos uma maravilha bem maior: é o amor inesgotável e inesgotado, que não tem em conta o que sofre, e que se dá sem se cansar.

    É a graça dos amigos do Sagrado Coração saber sempre descobrir o amor de Nosso Senhor sob a exterioridade dos seus mistérios. Mas onde podemos nós ver mais do que na Paixão? Se não o vemos aí, ou se não o vemos senão superficialmente, convençamo-nos de que havemos de retirar pouco proveito destes grandes mistérios dos sofrimentos de Jesus Cristo e que prestaremos pouca glória a Deus. Para retirar todo o fruto possível desta divina contemplação, estabeleçamos primeiro alguns princípios, depois falaremos dos sentimentos especiais que ela deve excitar em nós.

    O primeiro princípio é este: a paixão do Salvador tira todo o seu mérito e todo o seu preço diante do seu Pai não tanto dos seus sofrimentos exteriores nem mesmo da sua morte, mas do seu Coração, do seu amor que o fez dar-se assim todo a nós.

    O segundo princípio, é que Nosso Senhor quis suportar estes sofrimentos extraordinários a fim de melhor nos mostrar o seu amor e de nada poupar para ganhar o nosso. Este amor teria podido ser igualmente grande, se Ele nos tivesse resgatado por um mínimo sofrimento, mas que acção teria exercido sobre nós? Ter-nos-ia deixado insensíveis, e o Sagrado Coração queria a toda a força ganhar os nossos corações.

    O terceiro princípio é que o Sagrado Coração tendo-se empenhado por amor, pelo seu Ecce venio, a tudo sofrer por nós, os seus sofrimentos e a sua morte foram outros tantos actos de amor que operavam a nossa Redenção; e o Coração de Jesus era a fonte donde brotavam todos os seus méritos com os seus sofrimentos. Tal era a vontade divina à qual o Sagrado Coração livremente se submeteu (Leão Dehon, OSP 2, p.305s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Eu Te amo, Senhor, minha força (SI 17, 2b).

  • Sábado - 5ª Semana da Quaresma

    Sábado - 5ª Semana da Quaresma

    12 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 37, 21-28

    21 E então lhes dirás: Assim fala o Senhor Deus: Eis que Eu tomarei os filhos de Israel de entre as nações, por onde se dispersaram; vou reuni-los de toda a parte e reconduzi-los ao seu país. 22 Farei deles uma só nação na minha terra, nas montanhas de Israel, e apenas um rei reinará sobre todos eles; nunca mais serão duas nações, nem serão divididos em dois reinos. 23 Não se mancharão mais com os seus ídolos e nunca mais cometerão infames abominações. Eu os salvarei das suas rebeldias, pelas quais pecaram, e os purificarei; eles serão o meu povo e Eu serei o seu Deus.240 meu servo David será o seu rei e eles terão um só pastor; caminharão segundo os meus preceitos, observarão os meus mandamentos e os porão em prática. 25 Habitarão o país que Eu dei ao meu servo Jacob e no qual habitaram seus pais; aí ficarão eles, os seus filhos e os filhos de seus filhos para sempre. David, meu servo, será para sempre o seu chefe. 26 Farei com eles uma aliança de paz; será uma aliança eterna; Eu os estabelecerei e os multiplicarei; e colocarei o meu santuário no meio deles para sempre. 27 A minha morada será no meio deles. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo. 28 Então, reconhecerão as nações que Eu sou o Senhor que santifica Israel, quando tiver colocado o meu santuário no meio deles para sempre.»

    Ezequiel anuncia simbolicamente o regresso de Israel do exílio e a reunificação do povo sob a orientação de um só rei-pastor. Já aconteceu o castigo anunciado, a deportação para Babilónia, em 586 a. C. Mas trata-se de um castigo terapêutico e temporal, em vista da purificação da idolatria e da cura da desobediência. A promessa de Deus é uma aliança eterna. O Espírito do Senhor repousa sobre o povo, e o povo é chamado a repousar na terra do seu Deus, em paz e em prosperidade. Deus está para sempre no meio do seu povo. Assim todos ficarão a saber que é Javé, «o Senhor que santifica Israel» (v. 28), e quem é Israel, o povo santificado pela presença de Deus. Como diz o próprio Deus: «Serei o seu Deus e eles serão o meu povo» (v. 27), com a carga afectiva que manifestam os dois pronomes possessivos.

    Evangelho: João 11, 45-56

    Naquele tempo, 45 muitos dos judeus que tinham vindo a casa de Maria, ao verem o que Jesus fez, creram nele. 46 Alguns deles, porém, foram ter com os fariseus e contaram-lhes o que Jesus tinha feito. 47 Os sumos sacerdotes e os fariseus convocaram então o Conselho e diziam: «Que havemos nós de fazer, dado que este homem realiza muitos sinais miraculosos?48Se o deixarmos assim, todos irão crer nele e virão os romanos e destruirão o nosso Lugar santo e a nossa nação.» 49Mas um deles, Caifás, que era Sumo Sacerdote naquele ano, disse-lhes: «Vós não entendeis nada,50nem vos dais conta de que vos convém que morra um só homem pelo povo, e não pereça a nação inteira.» 510ra ele não disse isto por si mesmo; mas, como era Sumo Sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação. 52 E não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos. 53 Assim, a partir desse dia, resolveram dar-lhe a morte. 54 Por isso, Jesus já não andava em público, mas retirou-se dali para uma região vizinha do deserto, para uma cidade chamada Efraim e lá ficou com os discípulos. 55 Estava próxima a Páscoa dos judeus e muita gente do país subiu a Jerusalém antes da Páscoa para se purificar. 56Procuravam então Jesus e perguntavam uns aos outros no templo: «Que vos parece? Ele virá à Festa?»

    Os chefes dos judeus estão de cabeça perdida. O «sinal» da ressurreição de Lázaro fez precipitar os acontecimentos, e decidiram matar Jesus, que se tornara demasiadamente incómodo e perigoso. As multidões já O tinham querido proclamar rei, declarando-o libertador da nação. Se continuar assim, os Romanos irão intervir e destruir o templo, coisa que, de modo nenhum, pode acontecer.

    Jesus afirmara ser o novo templo, o ponto de convergência de todo o Israel e da humanidade inteira. Mas a sua palavra não foi compreendida. E aparece Caifás que intervém com toda a sua autoridade: a eliminação de Jesus é uma exigência de estado. O bem comum exige que seja eliminado. E tudo isto se torna profecia. A missão de Jesus consiste, de facto, em reunir os filhos de Deus dispersos e em fazer de todos os povos um povo novo, na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. É o que acontece, porque Ele dá a vida «pelos» homens. Enquanto os judeus levam por diante o processo histórico, o Pai vai realizando o seu desígnio de salvação, graças à adesão filial de Cristo à sua obra. O evangelista João passa habilmente da história à teologia.

    Meditatio

    Caifás afirma que Jesus deve morrer em nome dos superiores interesses da nação. O evangelista João acrescenta que deve morrer, não só pela razão invocada, mas também para reunir os filhos de Deus dispersos: «Não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos». A morte de Jesus realiza, de modo inimaginável, aquilo que já fora anunciado por Ezequiel, quando da dispersão e do cativeiro em Babilónia: «Eu tomarei os filhos de Israel de entre as nações, por onde se dispersaram; vou reuni-los de toda a parte e reconduzi-los ao seu pais».

    Para realizar a unidade do povo de Deus, perspectivam-se dois caminhos: o dos Judeus, que passa pela morte de Jesus, para evitar a reacção violenta dos romanos contra o templo e contra a nação; o caminho de Deus, inconsciente expresso por Caifás: «convém que morra um só homem pelo POV(]». A morte de Jesus realiza a unidade e garante-a com a sua presença no meio de nós como verdadeiro Templo de Deus.

    Estamos, de facto, dispersos entre as nações, mas também desunidos entre nós.

    Mas Cristo está connosco para nos reunir e reconciliar, de acordo com o projecto do Pai. Para isso, morreu e ressuscitou. A obra da redenção, que realiza no coração do mundo, passa pela reconciliação e pela unidade do seu povo.

    A reparação, que queremos viver, pessoal e comunitariamente, é também "cooperação na obra da redenção" de Cristo "no coração do mundo" (Cst. 23). Queremos ser, com Ele, "servidores da reconciliação" (Cst. 7), em união "com a oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst. 6). Na nossa solidariedade com Cristo, nada de essencial temos para Lhe dar; é apenas solidariedade de comunhão com Ele (cf. Gal 2, 20), completando na nossa "carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo Seu Corpo que é a Igreja" (Coi 1, 24).

    Não se trata dos sofrimentos de expiação como os de Cristo, já completos e perfeitos em si mesmos, mas das tribulações apostólicas que Cristo sofreu por primeiro por causa do anúncio do Reino. O Apóstolo revive esses sofrimentos ao anunciar a Boa Nova aos pagãos. De acordo com a interpretação de Santo Agostinho estas tribulações são de todos os cristãos, e, com maior razão, de todo aquele que por vocação e por um carisma de oblação reparadora, é chamado a sofrer pela propagação do Evangelho em união com Cristo (cf. TOB, nota a).

    Todavia esta solidariedade é expressa por Jesus, com insuperável eficácia, na alegoria da videira (cf. Jo 15, 1-11) e por Paulo com a imagem do corpo e dos membros (cf. 1 Cor 12, 12-27).

    Oratio

    Senhor Jesus, durante este tempo da Paixão, quero recolher-me diante do realismo da tua cruz. Vieste ao mundo para nos tornar participantes da maravilhosa promessa de que Deus é tudo em todos. Essa promessa, todavia, não suprime os conflitos, nem nos dá a paz de um modo qualquer. De facto, Tu mesmo entraste no centro do conflito que dilacera o coração humano, levando até ele a vitória do amor, uma vitória alcançada mediante a loucura da cruz e pelo sacrifício da obediência que coincide com a glória eterna.

    Ajuda-me a percorrer também esse caminho, para entrar na glória, que começa desde já. Que jamais eu ceda à tentação de fugir do combate, permitindo que a divisão se radique no mundo, e fazendo coro com os teus inimigos. Ajuda-me a aceitar generosamente a luta, confiando na tua graça, invocada na oração. Assim participarei, desde já, na vitória definitiva do amor e na alegria do Pai. Amen.

    Contemplatio

    o Espírito Santo é o laço pelo qual Nosso Senhor nos une ao seu Pai e a si mesmo. Foi a graça que Nosso Senhor pediu para nós na sua oração depois da ceia. «Pedi por vós, diz aos seus apóstolos, e por todos aqueles que, esclarecidos e convertidos pela pregação evangélica, hão-de acreditar em mim, a fim de que todos formem um mesmo corpo, do qual eu sou o chefe, que eles sejam um, na unidade de uma mesma fé, de uma mesma esperança, de um mesmo amor, como o meu Pai está em mim e eu nele, para que vós também sejais um em nós e assim o mundo, tocado pelo divino espectáculo da vossa caridade fraterna e da vossa vida celeste, seja forçado a reconhecer no estabelecimento da Igreja uma obra divina e sobre-humana e acredite que meu Pai me enviou para salvar o mundo».

    E a glória que o seu Pai lhe deu de ser, em virtude da união hipostática, o seu Filho único e consubstancial, Nosso Senhor de algum modo no-Ia comunicou, dela nos tornou participantes, elevando-nos à sublime dignidade de filhos e de herdeiros de Deus, divinae consortes naturae, confirmando assim a nossa união com ele (Leão Dehon, OSP 3, p. 464).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Dos dois povos, fez um só» (Ef 2, 14).