Eventos Abril 2025

  • Terca-feira - 4ª Semana da Quaresma

    Terca-feira - 4ª Semana da Quaresma

    1 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 47, 1-9.12

    Naqueles dias, o Anjo reconduziu-me à entrada do templo. Debaixo do limiar da porta saía água, em direcção ao Oriente, pois a fachada do templo estava voltada para o Oriente. As águas corriam da parte inferior, do lado direito do templo, ao sul do altar. O Anjo fez-me sair pela porta setentrional e contornar o templo por fora, até à porta exterior, que está voltada para o Oriente. As águas corriam do lado direito. Depois saiu na direcção do Oriente com uma corda na mão; mediu mil côvados e mandou-me atravessar: a água chegava-me aos tornozelos. Mediu outros mil côvados e mandou-me atravessar: a água chegava-me aos joelhos. Mediu ainda mil côvados e mandou-me atravessar: a água chegava-me à cintura. Por fim, mediu mais mil côvados: era uma torrente que eu não podia atravessar. As águas tinham aumentado até se perder o pé, formando um rio impossível de transpor. Disse-me então o Anjo: «Viste, filho do homem?» E fez-me voltar para a margem da torrente. Quando cheguei, vi nas margens da torrente uma grande quantidade de árvores, de um e outro lado. O Anjo disse-me: «Esta água corre para a região oriental, desce até Arabá e entra no mar, para que as suas águas se tornem salubres. Em toda a parte aonde chegar esta torrente, todo o ser vivo que nela se move terá novo alento e o peixe será muito abundante. Porque aonde esta água chegar, tornar-se-ão sãs as outras águas e haverá vida por toda a parte aonde chegar esta torrente. À beira da torrente, nas duas margens, crescerá toda a espécie de árvores de fruto: a sua folhagem não murchará, nem acabarão os seus frutos. Todos os meses darão frutos novos, porque as águas vêm do santuário. Os frutos servirão de alimento e as folhas de remédio».

    Numa terra árida, como a Palestina, uma nascente era vista como verdadeira bênção de Deus e símbolo do seu poder. Por isso, muitas vezes, construía-se junto dela um templo. O profeta Ezequiel contempla uma fonte que brota dos fundamentos do próprio templo e corre para Oriente, por onde entrara a Glória do Senhor para morar no meio do povo regressado do exílio. A nascente deu origem, primeiro a uma pequena corrente de água, nada comparável aos grandes rios da Mesopotâmia, que os exilados tinham contemplado. Mas, pouco a pouco, a corrente engrossa até se tornar um rio navegável. Ezequiel é convidado a experimentar no seu corpo a grandeza e a força da torrente, bem como a sua fecundidade e eficácia: ela torna verdejante o deserto e salubre o Mar Morto que se enchem de vida. E surge uma época de prosperidade.

    Esta visão profética realiza-se em Jesus, verdadeiro templo, de cujo Lado aberto jorra a água viva do Espírito (cf. Jo 7, 38; 19, 34).

    Evangelho: João 5, 1-3a.5-16

    Naquele tempo, por ocasião de uma festa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém. Existe em Jerusalém, junto à porta das ovelhas, uma piscina, chamada, em hebraico, Betsatá, que tem cinco pórticos. Ali jazia um grande número de enfermos, cegos, coxos e paralíticos. Estava ali também um homem, enfermo havia trinta e oito anos. Ao vê-lo deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, Jesus perguntou-lhe: «Queres ser curado?» O enfermo respondeu-Lhe: «Senhor, não tenho ninguém que me introduza na piscina, quando a água é agitada; enquanto eu vou, outro desce antes de mim». Disse-lhe Jesus: «Levanta-te, toma a tua enxerga e anda». No mesmo instante o homem ficou são, tomou a sua enxerga e começou a caminhar. Ora aquele dia era sábado. Diziam os judeus àquele que tinha sido curado: «Hoje é sábado: não podes levar a tua enxerga». Mas ele respondeu-lhes: «Aquele que me curou disse-me: ‘Toma a tua enxerga e anda’». Perguntaram-lhe então: «Quem é que te disse: ‘Toma a tua enxerga e anda’». Mas o homem que tinha sido curado não sabia quem era, porque Jesus tinha-Se afastado da multidão que estava naquele local. Mais tarde, Jesus encontrou-o no templo e disse-lhe: «Agora estás são. Não voltes a pecar, para que não te suceda coisa pior». O homem foi então dizer aos judeus que era Jesus quem o tinha curado. Desde então os judeus começaram a perseguir Jesus, por fazer isto num dia de sábado.

    Jesus, salvação de Deus, passa por entre os doentes e deficientes que se acumulam à volta da piscina, junto à Porta da Ovelhas, em Jerusalém. Dá especial atenção a um homem que ali jaz paralítico há 38 anos e faz-lhe uma pergunta aparentemente óbvia: «Queres ficar são;», Mas a pergunta, e a ordem que se segue, são suficientes para que este homem, que talvez já nada esperava da vida, se reanime, se erga, volte a agarrar na vida com coragem e até dê testemunho de Cristo àqueles que teimavam em permanecer paralisados na interpretação literal da Lei. Enquanto o paralítico quis ser curado, os adversários de Jesus não quiseram deixar-se curar da sua cegueira e rigidez, passando a uma aberta hostilidade.

    Ao encontrar, mais tarde, no templo, o doente curado, Jesus dirige-lhes palavras de grande exigência, dando-lhe a entender que o pecado e as suas consequências são algo de pior que 38 anos de paralisia. Há que deixar-se curar completamente dos males do corpo, mas também do mal da alma. É uma opção a fazer livremente cada dia: deixar-se curar e não pecar.

    Meditatio

    As leituras de hoje falam-nos ambas de água que cura. O Evangelho diz-nos que Jesus é o verdadeiro médico e o verdadeiro remédio para os nossos males. A água é apenas símbolo da sua graça.

    Os Padres da Igreja reconheceram no templo, de que nos fala a visão de Ezequiel, o verdadeiro Templo que é Jesus de Lado aberto e Coração trespassado na cruz, donde jorram sangue e água, símbolos do Espírito que dá a vida. Ezequiel contempla o templo, de cujo lado direito, brota a água prodigiosa que leva a vida e a fecundidade ao deserto e ao próprio Mar Morto. Este mar tem água. Mas é uma água que não permite a vida, porque saturada de sal. Pelo contrário, a água que vem do Templo, é viva e gera vida, porque é pura.

    É a transformação que o Espírito de Deus realiza em nós e nas nossas comunidades, quando O acolhemos e nos abrimos à sua acção. Em cada um de nós, e nas nossas comunidades, há um «Mar Morto», um espaço de amargura, de preconceitos, de egoísmo que tornam difíceis as nossas relações e estéril o nosso apostolado. Só o Espírito Santo nos pode transformar. No baptismo recebemos o Espírito Santo, como uma pequena fonte, que há-de ir crescendo, à medida que nos abrimos a Ele e colaboramos na sua acção, até se tornar em nós uma torrente capaz de transformar a nossa vida e de tornar fecundo o nosso apostolado.

    o Evangelho fala-nos do paralítico que, havia 38 anos, esperava junto à piscina uma oportunidade para entrar nela e ser curado. Como ele, muitos dos nossos irmãos jazem impotentes nas margens da esperança, desiludidos de tudo, talvez até da religião e, por isso, incapazes de mergulharem na vida. São estes homens e mulheres do nosso tempo que Cristo vem procurar, onde quer que estejam, paralisados pelo sofrimento, pelo pecado e pelas circunstâncias da vida. Também a eles, Jesus pergunta: «Queres ficar são;». Parece uma pergunta desnecessária. Mas Jesus sabe que é a resposta pessoal que renova e faz sentir a cada um a sua dignidade humana, a sua liberdade e responsabilidade. Perante a resposta do paralítico, Jesus diz-lhe simplesmente: «Levanta-te, toma a tua enxerga e anda». O poder da Palavra de Deus dispensa os ritualismos ou o uso de águas medicinais. A Palavra de Deus cura, rompe cadeias, liberta. Liberta o corpo e liberta o espírito, porque há paralisias bem piores do que as corporais, que tolhem o coração no pecado. A Igreja, por vontade de Cristo, dispõe da Palavra e da graça que brotaram do seu Lado aberto na cruz, para as distribuir aos homens, sobretudo no Baptismo, na Eucaristia e nos outros sacramentos.

    Abramo-nos ao dom do Espírito Santo, invoquemo-I' O e demos-Lhe lugar nos nossos diálogos comunitários. Experimentemos os seus saborosos frutos: a caridade, a paz, a alegria, a bondade, a benevolência, a mansidão, etc. Não só pessoalmente, mas também comunitariamente.

    Estamos convencidos de que a realidade escatológica dos "novos céus' e da "nova terra", onde "habita a justiça" (2 Pe 3, 13), obra do Espírito que tudo renova, pode ser uma realidade actual, antecipada, a nível pessoal, mas também a nível comunitário.

    Tudo depende se damos ou não a Deus a possibilidade de realizar em nós a profecia de Ezequiel: "Dar-vos-ei um coração novo' (36, 26); Jesus manso e humilde de coração, dá-me o Teu coração (cf. n. 3)! "Infundirei em vós um espírito novo' (36, 26): "Vem, Espírito Santo ... " (cf. nn. 3.11.23.42.57).

    Oratio

    Vem, Senhor Jesus! Vem procurar o homem que jaz deprimido e doente, desesperado pelo pecado, que o domina e que lhe tolhe todo o movimento. Vem também procurar-me a mim. Aproxima-te de todos e de cada um de nós, para que possamos ouvir a tua pergunta: «Queres ficar são;». Vem mergulhar-nos no profundo abismo do teu amor misericordioso, capaz de tudo renovar, recriar e tornar fecundo. Renova em cada um de nós a graça do baptismo, para que a viva fielmente, em conformidade com os dons recebidos. Dá a água das lágrimas da penitência para que seja purificado. Então, liberto do pecado que me paralisa, poderei caminhar na tua presença e correr ao encontro dos meus irmãos para lhes anunciar o teu amor que redime e salva. Amen.

    Contemplatio

    E saiu sangue e água, diz S. João. O ferro ao retirar-se deixou jorrar uma dupla fonte de sangue e de água, na qual os Padres da Igreja viram o símbolo desta outra maravilha de amor, os sacramentos, canais preciosos da graça da salvação. - Rio de água que, no santo baptismo e no banho da penitência, lava a alma da mácula original; rio de sangue que cai todas as manhãs nos cálices dos altares, para se expandir pelo mundo fora, consolar a Igreja sofredora do Purgatório e reanimar a Igreja que combate sobre a terra; rio refrescante, onde o coração, ressequído pelos trabalhos e pelas tentações, vai saciar-se de piedade, de caridade e de santa alegria.

    Senhor, concedei-me beber desta água e deste sangue, para não mais tenha esta sede doentia das coisas do mundo que me tortura, e que eu seja inebriado pelo vosso amor (Leão Dehon, OSP 3, p. 367s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Dá-me, Senhor, a alegria da salvação. (SI 50, 14a):

  • Quarta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    Quarta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    2 de Abril, 2025

    Lectio
    Primeira leitura: Isaías 49, 8-15

    8 Eis o que diz o Senhor: «Eu respondi-te no tempo da graça, e socorri-te no dia da salvação. Defendi-te e designei-te como aliança do povo, para restaurares o país e repartires as heranças devastadas, "per» dizeres aos prisioneiros: 'Saí da prisão!' E aos que estão nas trevas: 'Vinde à luz!' .Ao longo dos caminhos encontrarão que comer, e em todas as dunas arranjarão alimento. 10 Não padecerão fome nem sede, e não os molestará o vento quente nem o sol, porque o que tem compaixão deles os guiará, e os conduzirá em direcção às fontes. 11 Transformarei os meus montes em caminhos planos, e as minhas estradas serão alteadas. 12Vede como eles chegam de longe! Uns vêm do Norte e do Poente, e outros, da terra de Siene.» 13Cantai, Ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Prorrompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo, e se compadece dos desamparados. 14 Sião dizia: «O Senhor abandonou­-me, o meu dono esqueceu-se de mim.» 15Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria.

    Deus dá nova coragem ao seu Servo experimentado pelo sofrimento e dilata os confins da sua missão a toda a terra. A sua primeira acção consistirá na libertação dos Israelitas do Egipto, porque chegou o tempo da misericórdia, o dia da salvação (v. 8). Deus entra no curso da história humana para a transformar. O Servo é como Moisés: mediador da Aliança. Como Josué, restaurará e redistribuirá a terra. Será o arauto de um novo êxodo, que será çulado pelo próprio Senhor. Os exilados enchem-se de esperança.

    A partir do v. 12, o profeta contempla de Jerusalém o povo que regressa à pátria, vindo de Babilónia e de outras paragens onde andava disperso. O próprio universo exulta e entoa hinos ao Senhor que «se compadece dos desamparados». O seu amor é semelhante ao de uma mãe pelos seus filhos: um amor cheio de ternura e profundidade, um amor visceral. O nosso Deus não é um deus longínquo, um juiz implacável. É um Deus próximo e solícito.

    Evangelho: João 5, 17-30

    17 Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: «O meu Pai continua a realizar obras até agora, e Eu também cominuo!» 18 Perante isto, mais vontade tinham os judeus de o matar, pois não só anulava o Sábado, mas até chamava a Deus seu próprio Pai, fazendo-se assim igual a Deus. 19 Jesus tomou, pois, a palavra e começou a dizer-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pai, pois aquilo que este faz também o faz igualmente o Filho. 20 De facto, o Pai ama o Filho e mostra-lhe tudo o que Ele mesmo faz; e há-de mostrar-­lhe obras maiores do que estas, de modo que ficareis assombrados. 21 Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho faz viver aqueles que quer. 220 Pai, aliás, não julga ninguém, mas entregou ao Filho todo o julgamento, 23para que todos honrem - o Filho como honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou. 24 Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não é sujeito a julgamento, mas passou da morte para a vida. 25 Em verdade, em verdade vos digo: chega a hora - e é já - em que os mortos hão-de ouvir a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão, 26 pois, assim como o Pai tem a vida em si mesmo, também deu ao Filho o poder de ter a vida em si mesmo; 27 e deu-lhe o poder de fazer o julgamento, porque Ele é Filho do Homem. 28 Não vos assombreis com isto: é chegada a hora em que todos os que estão nos túmulos hão-de ouvir a sua V04 29 e sairão: os que tiverem praticado o bem, para uma ressurreição de vida; e os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de condenação. 30 Por mim mesmo, Eu não posso fazer nada: conforme ouço, assim é que julgo; e o meu julgamento é justo, porque não busco a minha vontade, mas a daquele que me enviou.»

    Aos judeus, que O perseguem por curar em dia de sábado, Jesus revela a sua identidade de Filho de Deus, e coloca-se acima da Lei. Segundo especulações judaicas, de que encontramos vestígios no v. 17, o repouso sabático dizia respeito à obra criadora de Deus, mas não à permanente actividade pela qual incessantemente dá a vida e julga. Nos vv. 19-30, Jesus mostra que se conforma em tudo ao agir de Deus: «o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pap> (v. 19). Esta afirmação surge novamente no v. 30, revelando o sentido de todo o texto. A total unidade de acção entre o Pai e o Filho resulta da total obediência do Filho, que ama o Pai e partilha do seu amor pelos homens pecadores. O Pai doa ao Filho o que só a Ele pertence, o poder sobre a vida e a autoridade no juízo (vv. 21 s.). Esta íntima relação entre o Pai e o Filho pode alargar-se aos homens pela escuta obediente da palavra de Jesus.

    Meditatio

    Deus fez do seu Servo, que é Jesus Cristo, sinal e instrumento de aliança com o seu povo: «designei-te como aliança do povo». Esta afirmação permite-nos penetrar mais profundamente no mistério de Cristo. Em primeiro lugar, leva-nos a contemplar a sua união com o Pai. Jesus é o Filho muito amado, que contempla tudo quanto o Pai faz, para também Ele o fazer: «o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pai, pois aquilo que este faz também o faz igualmente o Filh(J». O Filho de Deus veio ao mundo, não para fazer a sua vontade, mas a vontade do Pai: «porque não busco a minha vontade, mas a daquele que me enviou». Por isso, Jesus é imagem viva, activa, do Pai: «O meu Pai continua a realizar obras até agora, e Eu também continuo», Porque está perfeitamente unido ao Pai, Jesus Cristo pode ser aliança para o povo. Como Filho muito amado do Pai, vem convidar todos os homens para a festa da vida. A ninguém é negado esse convite. O único abandonado é precisamente o Filho muito amado, que um Amor maior entrega à morte para a todos dar a vida.

    Intimamente unido ao Pai, o Filho fez-Se solidário connosco e veio revelar-nos o amor misericordioso de Deus. Jesus Cristo é aliança de Deus connosco para nos dar a vida. Transmite-nos a palavra de Deus para nos transmitir a vida de Deus: «assim como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho faz viver aqueles que quer», Os mortos são os que vivem em pecado, porque, desligados de Deus, não têm em si a vida divina e não podem amar a Deus nem aos irmãos. Só a Palavra de Deus, que revela o amor o seu amor misericordioso, comunica a vida e dá capacidade para amar.

    O evangelho de hoje revela-nos que, para estarmos unidos a Deus, precisamos de estar unidos a Cristo. É permitindo e realizando essa união com o Pai que Cristo se revel
    a aliança de Deus para nós.

    O Pe. Dehon vivia uma profunda união com Deus, através da união a Cristo, já desde os primeiros anos de seminário, em Roma. "Bem depressa Nosso Senhor tomou conta da minha alma. Colocou as disposições que deviam ser a nota dominante da minha vida, apesar das mil e uma faltas: devoção ao Seu Divino Coração, humildade, conformidade com a sua vontade, união a Ele, vida de amor. Este devia ser o meu ideal e a minha vida para sempre. Nosso Senhor mostrava-mo, reconduzia-me sem descanso e assim me preparava para a missão que me destinava para a obra do seu Coração"( NHV IV, p. 183). Esta profunda união com Deus, por Cristo, levou-o a uma grande solidariedade com os irmãos, especialmente com os que viviam em maiores dificuldades. É o que nos pedem também as nossas Constituições: "A nossa união com Cristo" (Cst. 18), "no seu amor pelo Pai e pelos homens" (Cst. 17) manifesta-se, não só "na escuta da Palavra e na partilha do Pão" (Cst. 17), mas também "na disponibilidade e no amor para com todos" (Cst. 18).

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu és verdadeiramente Aquele em Quem encontramos o Pai. Mas és também Aquele em Quem encontramos os irmãos e as irmãs. Só em Ti os podemos amar de verdade. Por isso, queremos permanecer em Ti, especialmente neste tempo da Quaresma, quando já se aproxima a celebração do teu mistério pascal. Várias vezes, durante o dia, queremos penetrar no teu Coração para nele bebermos o amor ao Pai e o amor aos irmãos. Tu és a nossa aliança, a nova e eterna aliança que o Pai nos oferece. Queremos viver em Ti. Amen.

    Contemplatio

    É nas meditações dos sofrimentos de Nosso Senhor que havemos de retirar as forças necessárias para seguirmos os exemplos de abandono que Ele deu na sua vida de menino. O desejo de nos unirmos aos seus sofrimentos adoça as penas que podemos encontrar na imolação de nós mesmos. Estas penas, unimo-Ias à sua imolação do Calvário e são um meio de nos associarmos à sua dolorosa Paixão. Esta união de intenção é-lhe muito agradável. O amor com o qual a fazemos aumenta o seu valor aos seus olhos.

    O seu amor é assim um meio de suportar todas as provações pelas quais devemos passar, de aligeirar e mesmo de transformar em alegrias tudo o que sem isto seria mágoa ou amargura.

    Somos flagelados com ele, quando lhe oferecemos amorosamente as mortificações da carne e as humilhações do orgulho. Somos coroados de espinhos, quando unimos amorosamente aos seus sofrimentos todas as contrariedades que provamos. Caminhamos com Ele na via dolorosa do Calvário, quando seguimos, unidos a Ele pelo amor, as vias onde lhe apraz fazer-nos passar. Somos pregados à cruz com Ele quando unimos à sua crucifixão as situações penosas ou dolorosas nas quais lhe apraz colocar os seus amigos. Agonizamos com Ele sobre a cruz, quando unimos às suas penas as angústias de uma situação na qual quer que nos encontremos.

    Quem quer que ama passa por provações. É preciso sofrer estas provações com Ele, em união com os sofrimentos da sua Paixão. A união de amor identifica de algum modo os nossos sofrimentos com os de Jesus. Mas não é necessário para isso que experimentemos dores semelhantes às suas. São-lhe sempre semelhantes quando são generosamente aceites e oferecidas em união com as suas.

    Mas esta união pede o recolhimento habitual, a recordação constante das bondades de Nosso Senhor e do seu amor e uma doce intimidade habitual com Ele.

    Nosso Senhor fala desta união que lhe é cara quando diz: Aquele que faz (por amor para com o meu Pai e por mim) a vontade do meu Pai celeste (e a minha) esse é meu irmão, e minha irmã e minha mãe (Leão Dehon, OSP 3, p. 254s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Lembrai-vos, Senhor, do vosso amor» (SI 24, 6a).

  • Quinta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    Quinta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    3 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Êxodo 32,7-14

    7 O Senhor disse a Moisés: «Vai, desce, porque o teu povo, aquele que tiraste do Egipto, está pervertido. 8 Desviaram-se bem depressa do caminho que lhes prescrevi. Fizeram um bezerro de metal fundido, prostraram-se diante dele, ofereceram-lhe sacrifícios e disseram: «Israel, aqui tens o teu deus, aquele que te fez sair do Egipto.» 90 Senhor prosseguiu: «Vejo bem que este povo é um povo de cerviz dura. 10 Agora, deixa-me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruí-Ios-ei. Mas farei de ti uma grande nação.» 11 Moisés implorou ao Senhor, seu Deus, dizendo-­lhe: «Porquê, Senhor, a tua cólera se inflamará contra o teu povo, que fizeste sair do Egipto com tão grande poder e com mão tão poderosa? 12Não é conveniente que se possa dizer no Egipto: 'Foi com má intenção que Ele os fez sair, foi para os matar nas montanhas e suprimi-los da face da Terra!' Não te deixes dominar pela cólera e abandona a decisão de fazer mal a este povo. 13 Recorda-te de Abraão, de Isaac e de Israel, teus servos, aos quais juraste por ti mesmo: tornarei a vossa descendência tão numerosa como as estrelas do céu e concederei à vossa posteridade esta terra de que falei, e eles hão-de recebê-Ia como herança eterna.» 14 E o Senhor arrependeu-se das ameaças que proferira contra o seu povo.

    Havia pouco que Deus estabelecera aliança com Israel, e a confirmara com uma solene promessa (cf. Ex 24, 3). Moisés ainda estava no monte Sinai, onde recebia das mãos de Deus às tábuas da Lei, documento base dessa aliança. Entretanto, o povo caía na idolatria, adorando o bezerro de ouro, obra das suas mãos, como se fosse o Deus que o tirara Egipto (v. 8). Deus, acende-se em ira e informa Moisés do sucedido (v. 7): a aliança fora quebrada. Deus quer repudiar Israel, apanhado em flagrante adultério, e começar uma nova história cheia de esperanças (v. 10) com Moisés, que permanecera fiel. Mas Moisés, que recebera a missão de guiar Israel à terra prometida, não abandona o seu povo, não cede à tentação de pensar apenas em si mesmo. Como Abraão, diante da cidade pecadora (cf. Gn 18), Moisés intercede pelo povo pecador. Procura «acalmar» a justa ira de Deus, fazendo uma certa «chantagem» (cf. v. 12) e recordando-Lhe as promessas feitas aos antigos patriarcas. A sua oração toca o coração de Deus. As características antropomórficas, com que Deus é descrito neste episódio, atestam a antiguidade deste texto.

    Evangelho: João 5, 31-47

    Naquele tempo, disse Jesus aos judeus . .31 «Se Eu testemunhasse a favor de mim próprio, o meu testemunho não teria valor, 2 há outro que testemunha em favor de mim, e Eu sei que o seu testemunho, favorável a mim, é verdadeiro.33Vós enviastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade. 34 Não é porém, de um homem que Eu recebo testemunho, mas digo-vos isto para vos salvardes.35João era uma lâmpada ardente e luminosa, e vós, por um instante, quisestes alegrar-vos com a sua luz. 36 Mas tenho a meu favor um testemunho maior que o de João, pois as obras que o Pai me confiou para levar a cabo, essas mesmas obras que Eu faço, dão testemunho de que o Pai me enviou. 37 E o Pai que me enviou mantém o seu testemunho a meu favor. Nunca ouvistes a sua VO-4 nem vistes o seu rosto, 38 nem a sua palavra permanece em vó~ visto não crerdes neste que Ele enviou. 39 Investigai as Escrituras, dado que julgais ter nelas a vida eterna: são elas que dão testemunho a meu favor. 40 Vós, porém, não quereis vir a mim, para terdes a vtdet" Eu não ando à procura de receber glória dos nomens:". a vós já vos conheço, e sei que não há em vós o amor de Deus. 43 Eu vim em nome de meu Pai, e vós não me recebeis; se outro viesse em seu próprio nome, a esse já o receberíeis. 44Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns dos outros. e não procurais a glória que vem do Deus único?5Não penseis que Eu vos vou acusar diante do Pai; há quem vos acuse: é Moisés, em quem continuais a pôr a vossa esperança. 46 De facto, se acreditásseis em Moisés talvez acreditásseis em mim, porque ele escreveu a meu respeito. 47 Mes, se vós não acreditais nos seus escritos, como haveis de acreditar nas minhas palavras?»

    Jesus continua a responder aos Judeus. O discurso apologético vai endurecendo. Aumenta gradualmente a separação entre o «eu» de Jesus e o «vós» dos adversários. O texto marca o culminar do processo intentado por Deus contra o seu povo predilecto, mas obstinadamente rebelde, cego e surdo.

    Jesus apresenta quatro testemunhos que deveriam levar os seus ouvintes a reconhecê-lo como Messias, enviado pelo Pai, como Filho de Deus: as palavras de João Baptista, homem enviado por Deus; as obras que ele mesmo realizou por mandado de Deus; a voz do Pai; e, finalmente, as Escrituras. Estes testemunhos, na sua diversidade, têm duas características que os unem: por um lado, em resposta à acusação de blasfémia dirigida contra Jesus pelos Judeus, remetem para o agir salvífico de Deus; por outro lado, elas não dizem nada de realmente novo.

    Os Judeus estão sob processo porque não procuram a «a glória que vem do Deus úma» (v. 44), mas tomam a glória uns dos outros. Caíram, assim, numa cegueira radical, interior. Agarrados à Lei, recusam o Espirito. Jesus revela-lhes o risco que correm e avisa-os: pensam alcançar a vida eterna perscrutando os escritos de Moisés, mas são esses mesmos escritos que os acusam. O intercessor deverá tornar-se seu acusador? O texto termina convidando cada um a examinar a autenticidade e a verdade da própria fé.

    Meditatio

    O povo de Israel, revela uma memória curta. Foi libertado por Deus, no meio de prodígios e celebrou livremente a aliança com o Senhor. Mas, logo que sobrevieram novas dificuldades, esqueceu-se de tudo e caiu na idolatria. Assim pode acontecer também connosco. Mas o verdadeiro crente não abandona a Deus, quando surgem dificuldades, como se fosse Ele a causá-Ias. Pelo contrário, continua a sentir-se dependente de Deus, ligado a Ele e, como Moisés, não desiste de orar por si e de interceder pelos irmãos. A oração de intercessão revela maturidade na fé. O crente adulto na fé vê as provações dos irmãos como suas. Por isso reza por eles, faz-se intercessor universal, disposto a carregar sobre si as fraquezas dos outros, e a sofrer para que possam ser aliviados. Foi a atitude de Moisés; será a atitude de Jesus.

    Ao reagir contra o pecado do povo, Deus diz a Moisés: «a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destru-tos-ei Mas farei de ti uma grande nação. (v. 10). O povo pecou e merecia ser destruído. Mas os desígnios de Deus deviam cumprir. Por isso, propõe a Moisés tornar-se pai de um novo povo. Moisés recusa a proposta de Deus e implora:
    «Não te deixes dominar pela cólera e abandona a decisão de fazer mal a este pOV(J» (v. 12). Mais adiante faz ele uma proposta a Deus: «perdoa-lhes este pecado, ou então apaga-me do livro que escreveste (Ex 32, 32), isto é, destrói-me também a mim. Moisés solidarizou-se completamente com o seu povo, para alcançar de Deus a salvação do seu povo.

    Tudo isto se realiza de modo completamente inesperado no mistério de Cristo.

    Na morte de Cristo, Deus destrói o povo. A morte de Cristo é destruição do mundo antigo, do homem velho, como escreve S. Paulo. Mas não é apenas destruição, porque a morte do Senhor leva à ressurreição. Jesus é, pois, o novo Moisés que aceita morrer com o povo e pelo povo, mas é também o novo Moisés, pai de uma nova grande nação. A palavra de Deus, «farei de ti uma grande nsçãt», realiza-se na ressurreição de Cristo. De modo imprevisível, as Escrituras dão testemunho da ressurreição de Cristo.

    Lemos nas Constituições: «Unidos à acção de graças e à intercessão de Cristo, somos chamados a colocar toda a nossa vida ao serviço da Aliança de Deus com o seu Povo» (n. 84). A nossa vida oferecida a Deus, para sua glória, e para o serviço dos irmãos, e uma atitude de perdão e de súplica pelos pecadores, são um óptimo testemunho de Deus-Amor, que não se demonstra com teorias, mas que transparece na vida daqueles em cujos corações habita.

    Oratio

    Senhor Jesus, que Te manifestas como Filho de Deus, realizando as suas obras, tem piedade de nós. Acolhe-nos no teu Coração misericordioso e dá-nos a vida. Tu, que és a testemunha fiel e verdadeira do Pai, faz-nos ouvir a sua voz. Filho obediente do Pai, faz-nos recordar a paixão eu sofreste por nós, e a descobri-Ia naqueles que continuam a vivê-Ia no corpo e na alma. Filho inocente do Pai, intercede por nós pecadores e permite-nos solidarizar-nos Contigo nessa intercessão. Queremos ir a Ti para termos a vida, a Ti que és a presença incarnada de Deus-misericórdia. Amen.

    Contemplatio

    «Nada resistirá às vossas orações, diz-nos Nosso Senhor, porque vou para o meu Pai, para ser vosso protector, vosso intercessor e vosso advogado, e tudo o que pedirdes ao meu Pai em meu nome, fá-lo-eí, ve-lo hei-de conceder, para que o meu Pai seja glorificado no seu Filho; e o que lhe pedirdes em meu nome, fá-lo-eí».

    As minhas orações serão, portanto, atendidas, se forem feitas no nome de Jesus, com uma intenção pura e uma vontade conforme aos seus desígnios.

    Tenho muito que rezar, pelo Igreja, pela minha pátria, pela minha família, pelas alas, por todos os interesses da glória de Deus, e rezo, mas quão fracamente! Não sei fazer valer os méritos de Nosso Senhor. A minha fé é demasiado superficial, não sei mergulhar nos tesouros do Coração de Jesus, para comprar as graças de que tenho necessidade.

    Tenho feito valer bem nas minhas orações, o sangue de Jesus, as suas lágrimas, as suas chagas, as orações das suas vigílias e da sua agonia?

    Não estou suficientemente penetrado do valor destes tesouros, porque as minhas orações e meditações são frias e distraídas.

    «O que pedirdes na oração, com fé, diz Nosso Senhor, haveis de obter». É a vida de oração, é a união ao Coração de Jesus, é o amor ardente por Nosso Senhor e a justa apreciação dos seus méritos, que hão fecundar as minhas orações (Leão Dehon, OSP 3, p. 450s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Eu vim em nome de meu Pai» (Jo 5, 43a).

     

  • Sexta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    Sexta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    4 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Sabedoria 2, la.12-22

    1 Dizem os ímpios, nos seus falsos raciocínios:«Breve e triste é a nossa vida, não há remédio algum quando chega a morte. E também não se conhece ninguém que tenha regressado do mundo dos mortos. 12 Armemos laços ao justo porque nos incomoda, e se opõe à nossa forma de actuar. Censura-nos as transgressões da Lei, acusa-nos de sermos infiéis à nossa educeçõo," Ele afirma ter o conhecimento de Deus e chama-se a si mesmo filho do Senhori'" Ele tornou-se uma viva censura para os nossos pensamentos; só o acto de o vermos nos incomoda, 15 pois a sua vida não é semelhante à dos outros e os seus caminhos são muito diferentes.16 Ele considera-nos como escória e afasta-se dos nossos caminhos como de imundícies. Declara feliz a sorte final do justo e gloria-se de ter a Deus por pai. 17 Vejamos, pois, se as suas palavras são verdadeiras, e que lhe acontecerá no fim da vida. 18 Porque, se o justo é filho de Deus, Deus há-de ampará-lo e tirá-lo das mãos dos seus adversários. 19 Provemo-lo com ultrajes e torturas para avaliar da sua paciência e comprovar a sua resistência. 20 Condenemo-lo a uma morte infame, pois, segundo ele diz, Deus o protegerá.» 21Estes são os seus pensamentos, mas enganam-se porque os cega a sua malícia. 22 Ignoram os desígnios secretos de Deus, não esperam a recompensa da piedade e não acreditam no prémio reservado às almas simples.

    o autor sagrado, depois de ter convidado a uma vida segundo a justiça (cf. Sab 1, 1-15), dá a palavra aos ímpios que expõem a sua «filosofia»: a vida deve ser vivida na busca frenética do prazer, eliminando - não importa com que violência - tudo o que for obstáculo a esse prazer. Trata-se de uma filosofia errada, de «falsos reaoamos» (v. 1), fruto da ignorância, pois «ignoram os desígnios secretos de DeU9> (v. 22).

    Os ímpios de que fala o texto são presumivelmente os hebreus apóstatas da comunidade de Jerusalém que, aliados aos pagãos, perseguem os irmãos que permaneceram fiéis a Deus e à aliança. A sua forma de vida é insuportável: armam ciladas, insultam e condenam à morte, desafiando o próprio Deus (cf. v. 18; v. 20).

    O «resto» de Israel vive a sua paixão e profetiza a do Messias. É Jesus o verdadeiro justo, o Filho predilecto, o manso posto à prova, escarnecido (v. 19) e condenado a uma morte infame (v. 20). É Ele, sobretudo que, tendo posto toda a confiança no Pai, ressurge do abismo da morte. A esperança do Antigo Testamento adquire uma dimensão inesperada, e ultrapassa toda a «profecia»: pelo mérito de um só, todos são tornados «justos», desde que estejam abertos à graça.

    Evangelho: João 7, 1-2.25-30

    Naquele tempo, Jesus continuava pela Galileia, pois não queria andar pela Judeia, visto que os judeus procuravam metá-ta/Estev» próxima a festa judaica das Tendas. 10Contudo, depois de os seus irmãos partirem para a festa, Ele partiu também, não publicamente, mas quase em segredo. 25 Então, alguns de Jerusalém comentavam: «Não é este a quem procuravam, para o matar?6Vede como Ele fala livremente e ninguém lhe diz nada! Será que realmente as autoridades se convenceram de que Ele é o Messias?7Mas nós sabemos donde Ele ~ ao passo que, quando chegar o Messias, ninguém saberá donde vem.»28Entretanto, Jesus, ensinando no templo, bradava: «Então sabeis quem Eu sou e sabeis donde venho?! Pois Eu não venho de mim mesmo; há um outro, verdadeiro, que me enviou, e que vós não conheceis. 29 Eu é que o conheço, porque procedo dele e foi Ele que me enviou.»30Procuravam, então, prendê-lo, mas ninguém lhe deitou a mão, pois a sua hora ainda não tinha chegado.

    Jesus não é um provocador. Mas a sua pessoa suscita interrogações e inquietações crescentes nos seus contemporâneos, enquanto os chefes Judeus, movidos pela sua aversão, decidem rnatá-lO (v. 1b). Jesus aguarda serenamente a hora do Pai. Não foge, mas também não apressa os tempos. Evita a Judeia e, quando decide subir a Jerusalém, fá-lo «quase em searedo. (v. 24). Mas é rapidamente reconhecido e logo as opiniões se dividem, agora sobre a sua messianidade. Para alguns, membros de círculos apocalípticos, se Jesus vem de Nazaré, não é mais do que um impostor (vv. 26s.) pois, para eles, «quando chegar o Messias, ninguém saberá donde vem» (v. 27). Entretanto, Jesus sabia bem donde vinha. Por isso, «bradava», proclamando de modo solene e autorizado: «Eu não venho de mim mesmo; há um outro, verdadeiro, que me enviou, e que vós não conheceis. Eu é que o conheço, porque procedo dele e foi Ele que me enviou» (vv. 28-29). Com subtil ironia, afirma que a sua origem é efectivamente desconhecida dos que julgam saber muito e, por isso, não o reconhecem como enviado de Deus. Estas palavras ecoam nos ouvidos dos adversários como ironia, insulto e blasfémia. Tentam apoderar-se d ' Ele, mas não conseguem, pois é Ele o Senhor do tempo e das circunstâncias. Submeteu-se totalmente aos desígnios do Pai, e a sua hora ainda não tinha chegado.

    Meditatio

    João gosta de jogar com os símbolos. No seu evangelho, os pormenores têm sempre um valor simbólico. É o caso da conjura contra Jesus colocada poucos dias antes da festa dos Tendas. Nesta festa, agradecia-se a Deus pelas colheitas, mas também se recordavam os 40 anos de caminhada no deserto. Construíam-se tendas mesmo em Jerusalém. Muitos retiravam-se nelas para meditarem. Era um regresso simbólico ao deserto.

    A controvérsia referida por João situa-se na vigília deste tempo propício à meditação. É como que um último esforço, feito por Jesus, para levar os seus adversários a meditarem sobre a sua pessoa e sobre as «obras» por Ele realizadas. Não resultou em relação aos judeus. Julgam conhecer a Jesus e saber tudo sobre Ele. Na verdade, não sabem. Jesus aproveita a ocasião para Se manifestar mais claramente: «Eu não venho de mim mesmo; há um outro, verdadeiro, que me enviou, e que vós não conheceis. Eu é que o conheço, porque procedo dele e foi Ele que me enviou» (vv. 28b-29). Mas o resultado foi o aumento da hostilidade dos judeus. Decidem prender Jesus e acabarão por fazê-lo.

    Mas a tentativa de Jesus pode resultar em relação a nós, se acolhermos a sugestão da liturgia de hoje e aproveitarmos a caminhada, que estamos a fazer rumo à Páscoa, para relermos e meditarmos este texto tão denso e inesgotável, e nos interrogarmos mais a fundo sobre o mistério da pessoa de Jesus e aderirmos a Ele com um amor maior.

    O livro da Sabedoria mostra-nos que, mesmo as coisas mais positivas, podem ser aproveitadas para fazer o mal ou para fazer pior. Se o justo é manso, os maus dizem: «Provemo-lo com ultrajes e torturas para a
    valiar da sua paciência» (v. 19). Se se diz Filho de Deus e se ufana de ter a Deus por Pai, decidem experimentá-lo e condená-lo a uma morte infamante, para ver se Deus o protege! (cf. Sab 2, 18-20).

    Peçamos ao Senhor que nos dê um coração simples e aberto às suas iniciativas surpreendentes para tomarmos a atitude dos justos e rejeitarmos a dos pecadores.

    A adesão à Pessoa de Cristo é essencial para uma autêntica vida cristã e dehoniana. O nosso zelo apostólico brota dessa adesão. Foi o que sucedeu com o Pe. Dehon: a sua "adesão a Cristo, nascida do íntimo do coração" realizava-se "em toda a sua vida ". A "mística" da sua vida íntima, da sua vida espiritual era a mesma "mística" que sustentava o seu apostolado social.

    Esta "adesão" deve ser entendida, não o sentido fraco de um simples "acordo", mas no sentido forte de "aderir", até se identificar com Cristo e viver a sua vida, os seus "mistérios", os seus "sentimentos: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mini' (Gal 2, 20).

    Oratio

    Senhor Jesus, manso e humilde de coração, dá-nos a graça de revivermos em nós atua mansidão e a tua humildade. Como Tu, queremos, em toda e qualquer situação, mesmo diante do mal, da oposição e da hostilidade, manifestar a luz e a bondade. Queremos também aceitar que, em algumas ocasiões, a atitude dos outros seja de crítica e de condenação contra nós. Ajuda-nos a manter a paciência e a calma nessas ocasiões, como Tu as soubeste manter. Que jamais nos deixemos tomar pela ira e pela raiva, mas saibamos corrigir-nos do que julgarmos necessário. Então, estaremos no bom caminho, Contigo, homem das dores e da esperança. Amen.

    Contemplatio

    Tal homem, tal coração. Ecce homo! Eis o homem das dores! - Eis o coração todo ferido pela ingratidão daqueles que ama.

    Na sua primeira revelação Nosso Senhor recebe Margarida Maria sobre o seu Coração, e só lhe fala de amor.

    «O meu Coração, diz, está tão apaixonado de amor pelos homens, e por ti em particular, que não pode mais conter em si as chamas da sua ardente caridade e como quer expandi-Ias por meio de ti».

    Mas pouco depois, manifesta-lhe os seus sofrimentos e pede-lhe o amor de compaixão.

    Já durante a sua adolescência, tinha-lhe aparecido várias vezes sob a figura de um Ecce homo.

    Faz o mesmo durante o seu noviciado, mostra-se a ela coberto de chagas para a encorajar a vencer-se.

    É também a sua atitude nas suas grandes revelações, todas as vezes que lhe pede a reparação, e em particular quando se lamenta da ingratidão, da infidelidade, da tibieza de algumas almas do povo escolhido.

    «Um dia, diz ela, Nosso Senhor apresentou-se a mim coberto de chagas, tendo o seu corpo todo sangrento e o seu Coração todo dilacerado de dor, e disse-me: Eis no que me reduziu o meu povo eleito, que tinha destinado para aplacar a minha justiça, e me persegue secretamente ... » (Leão Dehon, OSP 2, p. 327s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Eis o Coração que tanto amou os homens» (Jesus a Santa Margarida Maria).

  • Sábado - 4ª Semana da Quaresma

    Sábado - 4ª Semana da Quaresma

    5 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 11, 18-20

    o Senhor instruiu-me e eu entendi. E então vi com clareza o seu proceder para comigo. 19 E eu, como manso cordeiro conduzido ao matadouro, ignorava as maquinações tramadas contra mim, dizendo: «Destruamos a árvore no seu vigor; arranquemo-Ia da terra dos vivos, que o seu nome caia no esquecimento.»2oMas o Senhor do universo, justo juiz, sonda os rins e o coração. Que eu seja testemunha da tua vingança sobre eles, pois a ti confio a minha causa. 21 Por isso, assim fala o Senhor contra os homens de Anetot, que conspiram contra a minha vida, dizendo: «Cessa de proclamar oráculos em nome do Senhor, se não queres morrer às nossas mãos»

    Escutamos, hoje, a primeira das chamadas «confissões de Jeremias», que são como pedaços de luz que nos permitem entrever a caminhada interior do profeta pelas repercussões pessoais da sua missão. Trata-se de um testemunho precioso, único na Bíblia. Por vontade de Deus, Jeremias descobre que os seus conterrâneos tinham armado uma cilada para o arrancarem do meio deles (v. 19). Não sabemos quais as causas históricas da conjura. Mas o modo como o profeta viveu essa situação tornou-­se paradigmático. Jeremias, vítima inocente, compara-se a um cordeiro levado ao matadouro, imagem já presente no quarto cântico do Servo sofredor de Javé (cf. Is 53, 7) e amplamente usada no Novo Testamento para descrever o Messias sofredor que, em silêncio, expia o pecado do mundo (cf. Jo 1, 29; 1 Pe 1, 19; Ap 5, 6ss.).

    Martirizado no corpo e no espírito, o profeta, manso, atreve-se a pedir a Deus a vingança dos seus inimigos. Jeremias é um homem do Antigo Testamento, que segue a lei de Talião. Jesus será o verdadeiro inocente que morre, abandonando nas mãos do Pai, não só a ele mesmo, mas também os seus adversários e algozes, para que sejam perdoados. Jeremias é figura. Jesus é a realidade. É Ele o verdadeiro cordeiro conduzido ao matadouro sem lançar um balido.

    Evangelho: João 7, 40-53

    Naquele tempo, 40 entre a multidão de pessoas que escutaram estas palavras, dizia-se: «Ele é realmente o Profeta.»41Diziam outros: «É o Messias.» Outros, porém, replicavam: «Mas pode lá ser que o Messias venha da Galileia? 2Não diz a Escritura que o Messias vem da descendência de David e da cidade de Belém, donde era David?»43 Deste modo, estabeleceu-se um desacordo entre a multidão, por sua causa. 44 Alguns deles queriam prendê-lo, mas ninguém lhe deitou a mão. 45 Depois os guardas voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus, que lhes perguntaram: «Porque é que não o trouxestes?»460s guardas responderam: «Nunca nenhum homem falou assim!» 47 Replicaram-lhes os fariseus: «Será que também vós ficastes seauzdos?" Porventura acreditou nele algum dos chefes, ou dos fariseus~9Mas essa multidão, que não conhece a Lei, é gente maldita!»50Nicodemos, aquele que antes fora ter com Jesus e que era um deles, asse-mes:" «Porventura permite a nossa Lei julgar um homem, sem antes o ouvir e sem averiguar o que ele anda a fazer?»52 Responderam-lhe eles: «Também tu és galileu? Investiga e verás que da Galileia não sairá nenhum profeta.»53E cada um foi para sua casa.

    João mostra-nos a multidão que rodeia Jesus e se interroga sobre a sua identidade e faz palpites. A palavra autorizada do Senhor fascina os próprios guardas enviados para O prenderem (v. 46). Mas há dois argumentos de peso, com sentido contrário: Jesus vem da Galileia, e as Escrituras dizem que o Messias havia de nascer em Belém. Mais ainda: os chefes do povo e os fariseus não acreditam n 'Ele; como pode o povo comum ter uma opinião diferente? Os detentores do poder e da sabedoria olham a situação com sarcasmo e desprezo, porque temem perder o seu prestígio. Apenas Nicodemos ousa invocar a Lei que não condena ninguém sem antes ser ouvido. O resultado é ser, também ele, tachado de ignorante.

    João termina abruptamente a narrativa (cf. v. 53), deixando uns com maior desejo de conhecer Jesus e outros mais decididos na recusa d ' Ele. Mas a Palavra não emudece: ainda não tinha chegado a sua hora.

    Meditatio

    Aproxima-se a Paixão. As leituras fazem-nos escutar o grito sofrido de Jeremias e as interrogações sobre a identidade de Jesus. O profeta faz-nos ver até que ponto havemos de estar dispostos a sofrer para sermos fiéis a Deus, e servi-I' O de coração puro. O evangelho dá-nos conta do avolumar das controvérsias e das hostilidades contra Jesus, verdadeiro cordeiro que serenamente se encaminha para o matadouro.

    Os guardas, enviados a prender Jesus, voltam sem cumprir a ordem, porque «Nunca nenhum homem falou essin» (v. 46). Mas os fariseus, de coração cada vez mais endurecido, ripostam: «Será que também vós ficastes sedundos?» (v. 47b). Barricados nos seus preconceitos, não querem ouvir nada sobre Jesus. Apenas O querem prender.

    Também hoje as opiniões se dividem acerca de Jesus. Muitos fecham-se nas suas dúvidas e na sua indiferença, porque recusam Aquele que pode trazer a paz aos corações e a união entre os homens. Muitos não buscam realmente a verdade, mas apenas confirmar os seus preconceitos. Também não faltam ameaças, perseguições, condenações de inocentes. Felizmente também não faltam pessoas corajosas, como Nicodemos, capazes de desafiar a opinião dos «poderosos», porque estão decididamente apaixonados pela verdade. Para estar com Cristo, é preciso estar cordialmente abertos aos desejos de Deus, à verdade de Deus, à luz de Deus. Então seremos capazes de acolher a Cristo em todos os momentos e situações da vida.

    Não foi fácil, para os contemporâneos de Jesus, acreditar n ' Ele. Devemos estar gratos àqueles que acreditaram e nos transmitiram a fé. Com esta gratidão, havemos também de nos sentir estimulados a procurar Cristo onde Ele se nos revela, hoje. É a única coisa importante, na nossa vida: reconhecer a Cristo, encontrar-nos verdadeiramente com Ele, aderir a Ele de todo o coração.

    A leitura e a meditação destes textos, confrontando-os com a nossa história, são uma preciosa ajuda para conhecer Cristo, para viver Cristo e para colaborarmos na construção do Reino de Deus.

    Nesta colaboração, deve animar-nos a "mística" do "nosso carisma profético" (Cst. 27), isto é, a oblação reparadora, unida na "oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst. 6) e em sintonia com as "orientações apostólicas que caracterizam a (nossa) missão na Igreja" (Cst. 31). Actuar de modo diferente é empobrecer a nós mesmos e ao nosso apostolado; mas é empobrecer as Igrejas locais que servimos, não as tornando participantes das riquezas do nosso carisma. Pode acontecer que nos aconteça algo de semelhante ao que aconteceu a Jeremias e, sobretudo, a Cristo. Mas é então que a nossa «mística» h&aac
    ute;-de estar mais viva para animar a nossa oblação, que pode incluir a imolação.

    Oratio

    Senhor Jesus, quero rezar-te, hoje, com Leão Dehon: «Creio e confesso, Senhor, que Tu és o Cristo, o Filho de Deus; esta fé exige que Te sirva, que Te ame, que seja dócil aos teus conselhos, fiel a todas as exigências da minha vocação e da minha missão, e consagrado ao reino do teu Sagrado Coração, para o qual devo contribuir. Creio, Senhor, mas aumentai a minha fé, que é sempre fraca e vacilante». Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor explica-nos. «Não me acreditareis, diz aos seus inimigos, não me respondereis, não me deixareis». Isto é, ireis até ao fim da vossa ira e da vossa injustiça. Ides condenar-me à morte e executar a sentença. Ora bem, é precisamente por isso que o Pai me vai glorificar e fazer-me sentar à sua direita, em todo o esplendor da sua glória e do seu poder: Ex hoc autem erit Filius hominis sedens a dextris virtutis Dei.

    Foi porque Jesus quis sofrer e morrer pela glória do seu Pai e pela nossa salvação, que o seu Pai o coroa e que nós o aclamamos como nosso redentor.

    Oh! Como tudo isto é contrário às nossas vistas naturais e terrestres!

    Jesus diz a Judas: «Faz depressa». Diz aos apóstolos: «Desejei comer a última páscoa, na qual começa a minha Paixão. - Tenho pressa em ser baptizado no meu sangue ... ».

    Se amássemos pelo menos os nossos pequenos sacrifícios quotidianos: a regra, a obediência, a modéstia. Isso levar-nos-ia a amar a penitência e a mortificação.

    Por Nosso Senhor alguma coisa pode-nos custar? (Leão Dehon, OSP 3, p. 311s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho unigenito: (Jo 3, 16).

     

  • Segunda-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Segunda-feira - 5ª Semana da Quaresma

    7 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel 13, 41c-62

    Naqueles dias, a assembleia condenou Susana à morte. Então Susana disse em altos brados: «Deus eterno, que sabeis o que é secreto e conheceis todas as coisas antes que aconteçam, Vós sabeis que eles proferiram contra mim um falso testemunho. E eu vou morrer, sem ter feito nada do que eles maliciosamente disseram contra mim». O Senhor ouviu a oração de Susana. Quando a levavam para ser executada, Deus despertou o espírito santo dum rapazinho chamado Daniel, que gritou com voz forte: «Eu sou inocente da morte desta mulher». Todo o povo se voltou para ele e perguntou: «Que palavras são essas que acabas de dizer?» Daniel, de pé no meio deles, respondeu: «Sois tão insensatos, ó filhos de Israel, que, sem julgamento nem conhecimento claro dos factos, condenais uma filha de Israel? Voltai ao tribunal, porque estes dois homens levantaram contra ela um falso testemunho». O povo regressou a toda a pressa e os anciãos disseram a Daniel: «Vem sentar-te no meio de nós e expõe-nos o teu pensamento, pois Deus concedeu-te a dignidade dos anciãos». Daniel disse-lhes: «Separai-os um do outro e eu os julgarei». Quando os separaram, Daniel chamou o primeiro e disse-lhe: «Envelheceste na prática do mal, mas agora aparecem os pecados que outrora cometeste, quando lavravas sentenças injustas, condenando os inocentes e absolvendo os culpados, apesar de o Senhor dizer: ‘Não dareis a morte ao inocente e ao justo’. Pois bem. Se viste esta mulher, debaixo de que árvore descobriste os dois juntos?». Ele respondeu: «Debaixo de um lentisco». Replicou Daniel: «A tua mentira cairá sobre a tua cabeça, pois o Anjo de Deus já recebeu a sentença, para te rachar ao meio». Depois de o terem afastado, Daniel ordenou que trouxessem o outro e disse-lhe: «Raça de Canaã e não de Judá, a beleza seduziu-te e o desejo perverteu-te o coração. Era assim que procedíeis com as filhas de Israel e elas por medo entregavam-se a vós. Pois bem, diz-me então: Debaixo de que árvore os surpreendeste juntos?» Ele respondeu: «Debaixo de um carvalho». Replicou Daniel: «A tua mentira cairá sobre a tua cabeça, pois o Anjo de Deus está à tua espera com a espada na mão para te cortar ao meio. Assim acabará convosco». Toda a assembleia clamou em alta voz, bendizendo a Deus, que salva aqueles que esperam n’Ele. Levantaram-se então contra os dois velhos, porque Daniel os tinha convencido de falso testemunho, pela sua própria boca. Para cumprirem a Lei de Moisés, aplicaram-lhes a mesma pena que tão impiamente tinham preparado para o seu próximo e executaram-nos; e foi salva naquele dia uma vida inocente.

     

    O episódio da jovem e bela Susana, assediada por dois anciãos de Israel, no tempo do exílio em Babilónia, é uma história edificante colocada em apêndice ao livro de Daniel. Encontramos aí o próprio profeta, como vidente muito jovem, que faz ver a todos a inocência de Susana - cujo nome em hebraico significa "lírio" - desmascarando a corrupção dos dois anciãos (vv. 42-59). Neles são também acusados os chefes saduceus do século I a. c., aparentemente irrepreensíveis, mas, na realidade, guias cegos que desviam o povo do bom caminho.

    Para se manter fiel a Deus e ao marido, Susana enfrenta o perigo da lapidação, quer ceda ao adultério, quer resista às torpes propostas dos anciãos e seja caluniada (v. 22). Susana prefere morrer inocente a consentir no mal (v. 23). Tendo posta a sua confiança nas mãos de Deus (v. 43), pôde verificar que Ele escuta a voz dos seus fiéis (v. 44) e vem em seu auxílio com prontidão e força (vv. 45-62).

    Evangelho: João 8, 1-11

    Naquele tempo, Jesus foi para o Monte das Oliveiras. Mas de manhã cedo, apareceu outra vez no templo e todo o povo se aproximou d’Ele. Então sentou-Se e começou a ensinar. Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus uma mulher surpreendida em adultério, colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus: «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres. Tu que dizes?». Falavam assim para Lhe armarem uma cilada e terem pretexto para O acusar. Mas Jesus inclinou-Se e começou a escrever com o dedo no chão. Como persistiam em interrogá-l’O, Ele ergueu-Se e disse-lhes: «Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra». Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão. Eles, porém, quando ouviram tais palavras, foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio. Jesus ergueu-Se e disse-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?». Ela respondeu: «Ninguém, Senhor». Jesus acrescentou: «Também Eu não te condeno. Vai e não tornes a pecar».

     

    Os exegetas pensam que este texto é de origem sinóptica, provavelmente lucana, tendo aparecido no capítulo 8 de João como um meteorito errático onde, todavia, não destoa, tornando-se um exemplo concreto do tema de todo o capítulo:

    Cristo-Luz (cf. v. 12) que inevitavelmente faz um juízo (v. 15), não segundo as aparências, mas segundo a verdade mais profunda do coração de cada um.

    O enredo é muito simples: de madrugada (v. 2), depois de ter passado toda a noite em oração no Monte das Oliveiras, Jesus é abordado pelos escribas e fariseus que lhe apresentam uma mulher apanhada em adultério para que a julgue. Faziam isto para armar uma cilada a Jesus (v. 6), obrigando-o dissimuladamente a pronunciar-se contra a lei de Moisés, que em tal caso prevê a lapidação, ou contra o direito romano, que desde 30 d. c., retirou ao sinédrio o jus gladii, reservando para si o poder de pronunciar condenações à morte.

    Todo o texto converge para a pergunta: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» ... «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar». No deserto criado pelo pecado, irrompe a novidade: um rio de misericórdia, que purifica e cura tudo à sua volta (Ap 21, 5), tornando nova toda a criatura.

    Meditatio

    O episódio edificante de Susana revela-nos que o recto juízo de Deus descobre e condena, mais tarde ou mais cedo, a injustiça humana. A Palavra de Deus é como uma lâmpada que se acende numa sala escura: os seus raios alargam-se instantaneamente até aos cantos mais afastados e esquecidos. Assim sucedeu quando Jesus, Luz do mundo, se tornou presente no meio de nós. Não se pode resistir-lhe: quem não acolhe a Palavra de Deus, a Luz de Cristo, é por elas julgado. Elas revelam o que estava oculto e fazem brilhar a justiça. A Palavra de Deus perscruta o mais íntimo dos corações, revela as intenções mais secretas, desmarcara as tramas da mentira. Então, revela-se claramente quem confia unicamente em Deus, e apenas teme não corresponder à grandeza do seu amor misericordioso. E também se revela quem, tendo a mente e o coração mesquinhos, vai procurar furtivas satisfações, como se a felicidade fosse incompatível com a fidelidade à verdade e ao Evangelho.

    É a própria vida que, momento a momento, realiza este discernimento. Feliz quem se deixa penetrar pela Palavra de Deus como por um raio de luz, que separa no seu coração o ouro das escórias. À luz da verdade poderá saborear a liberdade do abandono filial nas mãos paternas de Deus, e nada nem ninguém poderá meter-lhe medo ou induzi-lo em engano.

    O evangelho apresenta-nos um caso em que a lei pode escravizar. Os fariseus, mais do que cumprir a lei, queriam ficar bem com a sociedade e, por isso, iam sacrificar o futuro de uma pessoa humana. Jesus tem uma atitude totalmente diferente. Coloca-se do lado da pecadora, carrega sobre Si o castigo, a pena e o sofrimento pelo pecado. Por isso pode ser indulgente e oferecer o perdão de Deus. Não se trata, pois, de uma indulgência fácil. Perdoa à adúltera e recomenda-lhe que não volte a pecar, porque, na sua paixão, expia o pecado e dá força aos pecadores arrependidos para caminharem no amor do Pai.

    O texto que escutamos, mostra-nos também a mansidão com que Jesus se aproxima da sua paixão. Ela é um acto de misericórdia que agrada mais a Deus do que todos os sacrifícios rituais oferecidos no templo de Jerusalém. A narrativa da adúltera (Jo 8) dá-nos a medida da profundidade da misericórdia divina, se tal se pode dizer de uma misericórdia infinita. Deus amou-nos até ao fim, enviando o seu Filho para tomar sobre Si os nossos pecados, nos perdoar e nos dar uma vida nova cheia de caridade, de alegria e de paz.

    Oratio

    Senhor Jesus, enche-nos do teu Espírito Santo, para que não condenemos com dureza quem pratica o mal, nem sejamos facilmente indulgentes com eles. Sabemos que, também nós, somos pecadores. Por isso, não queremos distinguir-nos deles, mas solidarizar-nos com eles, para carregarmos o pecado do mundo, como Tu fizeste. Ajuda-nos também a não sermos facilmente indulgentes connosco ou com os outros pecadores, desculpando-nos e desculpando os outros com as circunstâncias do mundo actual, para não corrermos o risco de baixar os braços na luta contra o mal. Não foi essa a tua atitude perante a mulher adúltera. Não diminuíste a gravidade do seu pecado, mas assumiste-o e reparaste-o com a tua gloriosa morte e ressurreição. Que todos, e cada um de nós, saibamos assumir o próprio pecado e o pecado do mundo, oferecendo-nos, e oferecendo a nossa vida, como oblação reparadora ao Pai pelos homens. Amen.

    Contemplatio

    Diz ainda aos Fariseus: «Euntes autem discite quid est: misericordiam volo et non sacrificium». Ide, consultai os profetas, homens de coração duro, e sabei o que Oseias disse em meu nome: prefiro a misericórdia ao sacrifício, isto é, a oferta de um coração misericordioso é mais agradável a meu Pai e a mim do que todos os sacrifícios da antiga lei: «Non enim veni vocare justos sed peccetores». Vim principalmente para salvar os pecadores, e em segundo lugar, para chamar os justos, mas não vim para os falsos justos que desprezam e repelam os pecadores.

    Que censuras faz à samaritana? Ela era bem culpável, tinha tido vários maridos, e aquele que ela tinha então não era o seu. No entanto, não tem por ela senão palavras de doçura: «Si scires donum Dei. Se tu conhecesses o dom de Deus!» E que dom é este, senão a água da graça e da misericórdia que jorrava para a vida eterna?

    Os judeus levam-lhe a mulher adúltera; aqui, está envolvido por homens que têm um coração de juiz, e que querem mesmo obter d'Ele uma sentença de juiz contra esta pecadora. Que faz o Coração de Jesus? Não somente não a acolhe como juiz; mas volta-se de tal modo a favor dela que já ninguém ousa julgá-Ia. E então que é que Ele diz?: «Nemo te condemnavit? - Nemo, Domine. - Nec ego condemnabo: Ninguém te condenou, eu também não te condenarei». E hoje ainda, há um tribunal na terra? Sim, mas este é um tribunal onde só se pronunciam sentenças de absolvição, o tribunal do sacramento da penitência.

    Ele cumula com os seus favores Madalena gemendo aos seus pés, e assegura por um só acto de contrição o paraíso ao bom ladrão. (Leão Dehon, OSP 2, p. 273).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Vai,' não tornes a pecar» (cf. Jo 8, 11).

  • Terça-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Terça-feira - 5ª Semana da Quaresma

    8 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Números 21, 4-9

    Naqueles dias, os filhos de Israel partiram do monte Hor; pelo caminho do Mar dos Juncos para contornar a terra de Edom, mas cansaram-se na caminhada. 50 povo falou contra Deus e contra Moisés: «Porque nos fizestes sair do Egipto? Foi para morrer no deserto, onde não há pão nem água, estando enjoados com este pão levíssimo?» 6Mas o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que mordiam o povo, e por isso morreu muita gente de Israel. 70 povo foi ter com Moisés e disse-lhe: «Pecámos ao protestarmos contra o Senhor e contra ti. Intercede junto do Senhor para que afaste de nós as serpentes.» E Moisés intercedeu pelo povo. 80 Senhor disse a Moisés: «Faz para ti uma serpente abrasadora e coloca-a num poste. Sucederá que todo aquele que tiver sido mordido, se olhar para ela, ficará vivo.» 9Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e fixou-a sobre um poste. Quando alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, vivia.

    o povo de Israel continuou a contestar Moisés e a murmurar contra a providência de Deus. O castigo não se fez esperar, porque apareceram as serpentes ardentes, que mordiam as pessoas e as faziam morrer. Mas o castigo em breve se transforma em misericórdia. A serpente de bronze erguida sobre um poste, torna-se um sinal de salvação para quem a olha com fé. As serpentes eram veneradas pelos povos pagãos vizinhos. Este episódio, fora do seu contexto, poderia ser visto como idolatria. Mas a tradição javista liga o culto das serpentes, depois destruído por Ezequias (cf. 2 Re 18, 4) à sábia pedagogia de Deus. Com a mediação de Moisés, ofereceu ao seu povo a possibilidade de evitar ceder aos cultos das nações pagãs por onde passava.

    A serpente de bronze torna-se um sinal que encontra continuidade e realização no Evangelho (cf. Jo 3, 14). A serpente, no deserto, foi sinal da misericórdia de Deus que dá remédio ao castigo. No Evangelho, Cristo elevado na cruz, mostra o castigo e a misericórdia juntos: é o castigo de Deus pelo nosso pecado e, ao mesmo tempo, a maior manifestação do poder divino que cura do pecado.

    Evangelho: João 8, 21-30

    Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: 21 «Eu vou-me embora: vós haveis de procurar-me, mas morrereis no vosso pecado. Vós não podereis ir para onde Eu vou» 22 Então, os judeus comentavam: «Será que Ele se vai suicidar, dado que está a dizer: 'Vós não podeis ir para onde Eu vou'?» 23 Mas Ele acrescentou: «Vós sois cá de baixo; Eu sou lá de cima! Vós sois deste mundo; Eu não sou deste mundo.24Já vos disse que morrereis nos vossos pecados. De facto, se não crerdes que Eu sou o que sou, morrereis nos vossos pecados.»25perguntaram-Ihe, então: «Quem és Tu, afinal?» Disse-lhes Jesus: «Absolutamente aquilo que já vos estou a dizer! 26Tenho muitas coisas que dizer e que julgar a vosso respeito; mas do que falo ao mundo é do que ouvi àquele que me enviou, e que é verdadeiro.» 27E1es não perceberam que lhes falava do Pai. 28 Disse-lhes, pois, Jesus: «Quando tiverdes erguido ao alto o Filho do Homem, então ficareis a saber que Eu sou o que sou e que nada faço por mim mesmo, mas falo destas coisas tal como o Pai me ensinou. 29E aquele que me enviou está comigo. Ele não me deixou só, porque faço sempre aquilo que lhe agrada.» 30Quando expunha estas coisas, muitos creram nele.

    Em mais uma discussão, junto ao templo, Jesus oferece aos os chefes dos Judeus nova oportunidade para serem iluminados sobre o mistério do Filho do homem (cf. Dn 7, 13) e para acolherem a revelação da sua divindade. Duas vezes repete o «Eu SOLP>, nos vv. 24.28. Mas, mais uma vez recusam a oportunidade, compreendendo mal as afirmações sobre a sua iminente partida (vv. 21-24), sobre a sua identidade (vv. 25- 29) de enviado de Deus e de definitivo revelador (cf. Jo 5, 30; 6, 38). Entendem mal Jesus e as suas palavras, porque eles são eles são «cá de beba», enquanto Jesus é « lá de amei», Separa-os um abismo, que só a fé pode preencher. Jesus convida à fé, que eleva o olhar do homem para o alto. Mas os chefes do Judeus, mais uma vez, «não perceberem». Jesus é sinal de contradição. Sê-lo-á maximamente quando for erguido na cruz. Aí, ao realizar o projecto de salvação, revelará os pensamentos secretos dos corações e manifestará definitivamente a sua identidade de Filho, que diz e cumpre a vontade do Pai. Enquanto se aprofunda o abismo entre Jesus e os seus adversários, o evangelista termina com uma nota de esperança (cf. v. 30).

    Meditatio

    No evangelho, Jesus alude à salvação por meio da cruz, de que o episódio da serpente de bronze colocada sobre um poste (Nm 21, 4-9), é um símbolo. A serpente de bronze foi erguida sobre um poste; Jesus deve ser erguido na cruz. A expressão que vem no evangelho de S. João, referente ao erguer de Cristo na cruz, significa algo como a sua exaltação, a sua glorificação. Deus, querendo glorificar o seu Filho, deixou que fosse «erguido» na cruz. Uma tal glória pode parecer estranha a um olhar simplesmente humano. Mas o olhar da fé permite-nos entrever a enorme honra que foi, para Jesus, aceitar o sacrifício por amor ao Pai, tal como foi para o Pai um enorme gesto de amor pedir a Jesus o sacrifício total de Si mesmo. Com esse sacrifício, Jesus fez novas todas as coisas, mudou o coração do homem.

    A graça que brota da cruz de Cristo, torna-nos capazes de percorrer o caminho da justiça. E verdade que, por nós mesmos, não podemos ir para onde Ele está, porque não somos autores da nossa salvação. Mas, se erguermos os nossos olhos, obscurecidos pelo pecado, para Aquele que, como diz S. Paulo, foi tornado pecado por nós, nesse cruzar de olhares - porque também Ele nos olha do alto da cruz - havemos de descobrir, não só que estamos no caminho certo, mas que a nossa felicidade eterna já começou.

    Ao adorarmos a cruz, na Sexta-feira Santa, poderemos recordar algumas expressões das leituras de hoje: «Quando alguém olhava para a serpente de bronze, vivis» (Nm 21, 9); «Então ficareis a saber que Eu SOU» (Jo 8, 28). Contemplada demorada mente, a cruz revela-nos quem é Jesus: é o caminho, a verdade, a vida.

    Cristo é a vida. É "Aquele que vive' (Apoc 1, 18; n. 11). A vida é a primeira realidade que S. João realça no Verbo eterno de Deus: "N 'Ele estava a vida ... " (Jo 1, 4) e só porque é" vida", o Verbo é "luz dos homens' (Jo 1, 5), que nos permite ver a verdade. A verdade sobre Deus, mas também a verdade sobre Cristo, a verdade sobre nós mesmos e sobre o projecto de Deus acerca de nós. Em Cristo, "primogénito' (Col 1, 15), isto é, primeiro projectado, "primícias' dos "santos' e dos "ressuscitados' (Cf. Jo 1, 17; 1 Cor 15, 20; Col 1, 18) nós todos fomos, por Deus, "projectados, pensados, queridos, escolhidos e repletos de todas as bênçãos, já antes da fundação do mundo (Ef 1, 3-6)".

    A descoberta da verdade de Cristo, e do projecto de Deus, em Cristo, leva-nos ao discipulado: "O seu Caminho é o nosso caminho", afirma o n. 12 das Constituições. E nós percorremos Cristo-Caminho, com a nossa vida religiosa dehoniana, tendo fixo o olhar no "Lado aberto do Crucificado" e no "Coração de Cristo" (Cst. 20).

    Oratio

    Senhor Jesus, ensina-me e ajuda-me a contemplar o teu grande amor pelo Pai, e o grande amor do Pai por Ti, para que o meu coração se dilate de alegria e de generosidade. O amor do Pai por Ti manifestou-se na plena confiança com que Te entregou ao sacrifício que havia de salvar o mundo, fazendo novas todas as coisas, e mudando o nosso coração. O teu amor pelo Pai manifestou-se na obediência pronta e generosa com que Te dispuseste a realizar o seu projecto salvador. Nessa troca de amor, descubro também o imenso amor do Pai, e o teu, por mim e por cada um dos homens. Esse amor não permitiu que fôssemos abandonados ao horror do pecado. Contemplando-Te na cruz, descubro o mistério de amor incomensurável com que fui salvo, com que todos fomos salvos. Eu Te dou graças, de todo o coração, pedindo que me ajudes a corresponder a esse amor. Amen.

    Contemplatio

    «Quando tiver sido elevado da terra atrairei tudo a mm», dizia Nosso Senhor falando da sua cruz redentora (Jo 12).

    Sim, Senhor, a vossa cruz atraiu, durante séculos, tudo a vós. Mas hoje é o vosso lado aberto que nos fascina. A revelação do vosso Coração vem remover o nosso e arrebatá-lo num insaciável amor por vós.

    Coração por coração: nós queremos dar-nos a vós sem reservas, como vós vos destes a nós. Alguns santos, para melhor marcar a vossa tomada de posse dos seus corações gravaram sobre os seus peitos o vosso nome sagrado.

    Um dia em que o bem aventurado Henrique Suso tinha feito isto, dissestes-lhe estas palavras benevolentes: «Acima de tudo, aprende a esconder-te no meu lado aberto e na ferida que o amor fez ao meu Coração! Hei-de colorir-te com a púrpura do meu sangue; ligar-me-ei a ti por laços indissolúveis e o meu espírito unír-se-á ao teu com uma união eternal» (Livro da sabedoria eterna, c. 22).

    Ó bom Mestre, não terei repouso enquanto não me admitirdes também no vosso Coração (leão Dehon, OSP 2, p. 384).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Os nosso olhos estão voltados para o senhor- (SI 122, 2).

  • Quarta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Quarta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    9 de Abril, 2025

    Lectio
    Primeira leitura: Daniel 3, 14-20.91-92.95

    14 Disse-lhes Nabucodonosor: «Chadrac, Mechac e Abed-Nego, é verdade que rejeitais o culto aos meus deuses e a adoração à estátua de ouro erigida por mim? 15 Pois bem! Estais dispostos, no momento em que ouvirdes o som da trombeta, da flauta, da cítara, da lira, da harpa, do saltério e de qualquer outro instrumento musical, a prostrar-vos em adoração diante da estátua que eu fiz? Se não o fizerdes, sereis logo lançados dentro da fornalha ardente. E qual o deus que poderá libertar-vos da minha mão?»16Chadrac, Mechac e Abed-Nego responderam ao rei Nabucodonosor: «Não vale a pena responder-te a propósito disto. 17 Se isso assim ~ o Deus que nós servimos pode livrar-nos da fornalha incandescente, e até mesmo, ó rei, da tua mão. 18 E ainda que o não faça, fica sabendo, ó rei, que não prestamos culto aos teus deuses e que não adoramos a estátua de ouro que tu levantaste.» 19Então explodiu a fúria de Nabucodonosor contra Chadrac, Mechac e Abed-Nego; a expressão do seu rosto mudou e levantou a voz para mandar que se aquecesse a fornalha sete vezes mais que de costume. 20 Em seguida, ordenou aos soldados mais vigorosos do seu exército que amarrassem Chadrac, Mechac e Abed-Nego, a fim de os lançar na fornalha incandescente. 91 (24)Então o rei Nabucodonosor, estupefacto, levantou-se repentinamente, dizendo para os seus conselheiros: «Não foram três homens, atados de pés e mãos, que lançámos ao fogo?»Responderam eles ao rei: «Com certeza». Nabucodonosor, tomando a palavra, disse:«Bendito seja o Deus de Chadrac, de Mechac e de Abed-Nego! Ele enviou o seu anjo para libertar os seus servos que, confiando nele, expuseram a vida, transgredindo as ordens do rei, antes que prostrarem-se em adoração diante de um outro deus que não fosse o Deus deles. 92 (25)«Pois bem - replicou o rei - vejo quatro homens soltos, que passeiam no meio do fogo, sem este lhes causar mal; o quarto tem o aspecto de um filho de Deus.» 95 (28)Nabucodonosor, tomando a palavra, disse:«Bendito seja o Deus de Chadrac, de Mechac e de Abed-Nego! Ele enviou o seu anjo para libertar os seus servos que, confiando nele, expuseram a vida, transgredindo as ordens do rei, antes que prostrarem-se em adoração diante de um outro deus que não fosse o Deus deles.

    o episódio dos três jovens, que escaparam ilesos à fornalha ardente, mostra que o Deus dos hebreus é o único Deus verdadeiro, e que os ídolos dos babilónios, tal como os deuses impostos por Antíoco IV Epifânio, não o são. Só Javé é Deus da vida. Servi-I' O é optar pela vida, mesmo que seja preciso sofrer e morrer. O martírio torna perfeita a fé daqueles que puseram a sua confiança em Deus e é o melhor testemunho para os próprios perseguidores, como se verifica pela confissão de fé de Nabucodonosor (cf. v. 95).

    A narrativa é rica de pormenores pitorescos, ainda que trágicos, o que lhe confere solenidade. Javé é, de verdade grande. Mesmo que não seja possível prestar-lhe o culto devido, é o único Deus (v. 96). Diante d 'Ele, os cultos idolátricos são pura vaidade.

    Evangelho: João 8, 31-42

    31 Naquele tempo dizia Jesus aos judeus que nele tinham acreditado: «Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, 32conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres.» 33Replicaram-Ihe: «Nós somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém! Como é que Tu dizes: 'Sereis Iivres?» 34Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: todo aquele que comete o pecado é servo do pecado, 35 e o servo não fica na família para sempre; o filho é que fica para sempre. 36 Pois bem, se o Filho vos libertar, sereis realmente livres. 37 Eu sei que sois descendentes de Abraão; no entanto, procurais matar-me, porque não aderis à minha palavra. 38 Eu comunico o que vi junto do Pai, e vós fazeis o que ouvistes ao vosso psi» 39E1es replicaram-lhe: «O nosso pai é Abraão!» Jesus disse-lhes: «Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão! 40 Agora, porém, vós pretendeis matar-me, a mim, um homem que vos comunicou a verdade que recebi de Deus. Isso não o fez Abraão! 41 Vós fazeis as obras do vosso psi» Eles disseram-lhe, então: «Nós não nascemos da prostituição. Temos um só Pai, que é Deus.»42Disse-Ihes Jesus: «Se Deus fosse vosso Pai, ter-me-íeis amor, pois é de Deus que Eu saí e vim. Não vim de mim próprio, mas foi Ele que me enviou.

    Diante daqueles que se vangloriam de ser filhos de Abraão (v. 33), Jesus clarifica alguns importantes temas como o discipulado (v. 31), a liberdade e o gozo da intimidade familiar (vv. 32-36), da filiação e da paternidade (vv. 37-42). Prosseguindo o seu discurso, num crescendo dramático, Jesus termina revelando a sua divindade: «Eu SOLP> (v. 58). Os seus adversários, porém, endurecem posições e tentam lapidá­I' O (v. 59). Assim revelam ser escravos do pecado. Só a fé, que leva a confiar na Palavra, liberta do pecado, como aconteceu com Abraão. A fé no Filho leva os discípulos a permanecerem n ' Ele (v. 31), Palavra do Pai, como filhos livres que permanecem na casa paterna (v. 35). Quem procede de outro modo, revela ter outra origem (v. 41), intenções perversas (v. 37) e escravidão (v. 34), ainda que não se dê conta disso ou não o queira admitir.

    Meditatio

    A liberdade é um valor de que todos desejamos usufruir. Mas nem sempre a procuramos onde a podemos encontrar. Os três jovens, de que nos fala a primeira leitura, são um maravilhoso exemplo de liberdade. Recusam corajosamente adorar o poder real, mesmo sendo condenados à fornalha ardente. Nabucodonosor pergunta: «Qual o deus que poderá libertar-vos da minha mão?». Os jovens respondem: «Não vale a pena responder-te a propósito disto. Se isso assim ~ o Deus que nós servimos pode livrar-nos da fornalha incandescente, e até mesmo, ó rei, da tua mãe». Este gesto de liberdade condenou-os ao suplício. Aparentemente perderam a liberdade: foram amarrados e lançados ao fogo. Mas o Deus, em Quem confiam, intervém para os libertar. O rei verifica o facto. E converte-se à fé.

    Quando Deus deixa de ser apenas uma ideia mais ou menos abstracta, quando a fé em Jesus Cristo se torna vida, podemos experimentar a liberdade cristã. Não é que a vida se torne mais fácil. A verdadeira fé em Deus, e uma relação pessoal com Jesus, seu Filho, na fé e no amor, revelam exigências até aí desconhecidas. Estas exigências estabelecem novos laços, que não escravizam, mas dilatam os corações e fazem avançar os crentes pela via dos mandamentos divinos.

    Como os Judeus, que se diziam filhos de Abraão, talvez também nós nos digamos cristãos apenas porque somos fiéis a umas tantas observâncias. Mas isso não é suficiente para fazer de nós filhos de Deus, nem filhos da Igreja. Ser filhos é, em primeiro lugar, ser livres. Jesus, o Filho, revela-nos a verdadeira liberdade. Contemplando-O, verificamos que essa liberdade consiste na renúncia a nós mesmos para afirmarmos o Outro, os outros. O pecado é exactamente o contrário: faz-nos ver tudo a partir de nós mesmos e dos nossos interesses, coloca-nos no centro do universo. É a escravidão de que fala Jesus.

    Podemos permanecer na escravidão, mesmo falando muito de liberdade e de libertação. Não podemos libertar-nos por nós mesmos. Seremos livres na medida em que abrirmos o coração à Palavra, que é presença de Cristo no meio de nós, e à sua poderosa salvação. Só ela nos arrancará da idolatria e, sobretudo, da egolatria, para nos guiar até à liberdade do amor.

    A liberdade é um dom do Espírito Santo: «O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio; contra estas coisas não há lei» (Gal 5, 22). Há, portanto, perfeita liberdade. As nossas Constituições lembram-nos que a liberdade é um fruto do mistério pascal de Cristo:

    "Pela Sua morte e ressurreição (Cristo) abriu-nos ao dom do Espírito e à liberdade dos filhos de Deus (Rom 8, 21" (Cst. 11). É que, "onde está o Espírito há liberdade' (2 Cor 3, 17). Basta que pensemos nos preciosos frutos do Espírito (cf. Gal 5, 22) e, em particular, no "autodomínio", quando, nos nossos pensamentos, desejos, afectos, palavras, acções não nos deixamos guiar pelo nosso eu (egoísmo), mas pelo Espírito de Deus.

    Oratio

    Senhor Jesus, faz-me compreender que, para viver como filho do Pai, não me basta ser baptizado, mas também preciso de fazer as suas obras, e de crescer na escuta da sua voz, deixando que a tua palavra lance raízes em mim, e tome gradualmente posse de todo o meu ser. Faz-me também compreender que me tornas livre apenas na medida em que abro à tua palavra, não só a minha inteligência, mas também a minha vida. Só quando ela for totalmente qulada por Ti, serei realmente livre: livre do pecado que me escraviza, livre da inveja que me separa dos outros, livre da preguiça e do orgulho que me paralisam. Então, mesmo no meio dos sofrimentos da vida, também quando tiver de sofrer para ser fiel ao teu amor, serei livre e, como os jovens da fornalha ardente, cantarei os teus louvores, celebrarei a tua vitória. A tua gloriosa Paixão faz-nos vitoriosos contra o pecado, contra todas as dificuldades, contra o sofrimento. Faz-nos livres! Obrigado, Senhor! Amen.

    Contemplatio

    O divino Mestre na Eucaristia está inteiramente desprendido da vida exterior. «Contempla, ama, adora as perfeições de Deus; imola-se à glória de seu Pai, fora de todo o criado, como numa vasta solidão onde os objectos da terra não o podem atingir.

    «É preciso tudo perder de vista, tudo esquecer e esquecer-se de si mesmo para imitar esta vida divina.

    Peçamos ao Sagrado Coração como um favor sermos por vezes retirados nesta solidão perfeita, somente sob o olhar de Deus, na companhia do nosso bem-amado Jesus, não tendo liberdade nem acção senão para amar e adorar o nosso Deus, para nos sacrificarmos e perdermos nele.

    Do seu tabernáculo, Jesus não fala a nenhuma criatura. Nenhum barulho, nenhum movimento não se faz aí ouvir, mas, diante do seu Pai, o seu silêncio é bem mais profundo e mais sublime. Dir-se-ia que toda a sua ocupação seja calar-se. É todo amor, aniquilamento, imolação, prece; mas tudo se passa no silêncio, nas profundidades de si mesmo e da sua divindade. Como este silêncio é uma linguagem poderosa e forte! Presta homenagem à grandeza de Deus, às suas perfeições infinitas, ao seu domínio soberano, a todos os seus atributos que Jesus louva com um hino eterno e sem fim e num misterioso silêncio».

    Quereria nas minhas adorações fazer calar em mim as criaturas para me unir à adoração de Jesus para com o seu Pai (Leão Dehon, OSP 3, p. 691s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «A verdade vos tornará Iivres» (Jo 8, 31).

  • Quinta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Quinta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    10 de Abril, 2025

    Lectio
    Primeira leitura: Génesis 17, 3-9

    3 Abrão prostrou-se com o rosto por terra e Deus disse-lhe: 4 «A aliança que faço contigo é esta: serás pai de inúmeros povos. 5 Já não te chamarás Abrão, mas sim Abraão, porque Eu farei de ti o pai de inúmeros povos. 6 Tomsr-te-ei extremamente fecundo, farei que de ti nasçam povos e terás reis por descendentes. 7 Estabeleço a minha aliança contigo e com a tua posteridade, de geração em geração; será uma aliança perpétua, em virtude da qual Eu serei o teu Deus e da tua descendência. 8 Dar­te-ei, a ti e à tua descendência depois de ti, o país em que resides como estrangeiro, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei Deus para eles.» 9 Deus disse a Abraão: «Da tua parte, cumprirás a minha aliança, tu e a tua descendência, nas futuras gerações.

    Regressado do exílio, o povo de Israel está reduzido a um pequeno «resto», privado dos dons prometidos a Abraão (v. 8), o mesmo Abraão que Deus tinha chamado «pai de inúmeros pOV09> (v. 5; cf. Gn 12, 2). A tradição sacerdotal lembra, nestes poucos versículos, a vocação de Abraão, para que o povo reencontre a esperança na certeza da aliança com Deus (w. 2.7; Dt 5, 4-7). Deus, com efeito, não pode renegar a aliança, porque não pode renegar a Si mesmo. Esta certeza é fundamento seguro para a esperança do povo, tal como já o fora Abraão que, por isso, esperou contra toda a esperança. Foi Deus quem Se revelou a Si mesmo (v. 1) e revelou a Abraão o nome novo: «pai de inúmeros pOV09> (v. 5), de acordo com um projecto divino de salvação (v. 6) no qual era chamado a ser protagonista. Esta vocação e missão implicavam caminhar diante do Senhor em integridade de vida (cf. v. 1). Abraão e da sua posteridade seriam de Deus, e Deus seria O Deus de Abraão e da sua posteridade. Abraão responde à proposta divina com um gesto de adoração e de acção de graças que se torna escuta. E Deus pode falar-lhe: «Abrão prostrou-se com o rosto por terra e Deus disse-lhe ... » (v. 3).

    Evangelho: João 8, 51-59

    Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: 51 Em verdade, em verdade vos digo: se alguém observar a minha palavra, nunca morrerá.»52Disseram-lhe, então, os judeus: «Agora é que estamos certos de que tens demónio! Abraão morreu, os profetas também, e Tu dizes: 'Se alguém observar a minha palavra, nunca experimentará a morte?53Porventura és Tu maior que o nosso pai Abraão, que morreu? E os profetas morreram também! Afinal, quem é que Tu pretendes ser?»54Jesus respondeu: «Se Eu me glorificar a mim mesmo, a minha glória nada valerá. Quem me glorifica é o meu Pai, de quem dizeis: 'É o nosso oeusi". e, no entanto, não o conheceis. Eu é que o conheço; se dissesse que não o conhecia, seria como vós: um mentiroso. Mas Eu conheço-o e observo a sua palavra. 56 Abraão, vosso pai, exultou pensando em ver o meu dia; viu-o e ficou feliz.» 57Disseram-Ihe, então, os judeus: «Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?» 58 Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: antes de Abraão existir, Eu SOU!»59 Então, agarraram em pedras para lhe atirarem. Mas Jesus escondeu-se e saiu do templo.

    Jesus afirma, com solenidade, - «Em verdade, em verdade vos dig(J» -, que a sua Palavra é vida e dá a vida a quem a acolhe. Os seus ouvintes, naquela ocasião não a acolheram, como se vê no versículo final: «Então, agarraram em pedras para lhe atirarem». Entre os dois versículos encontramos o diálogo-confronto que tem por horizonte a antítese vida-morte, e como ponto de referência Abraão, de quem os judeus se dizem descendentes. Jesus vai respondendo indirectamente às perguntas provocatórias que lhe são feitas. Mas, das suas respostas, emerge a clara afirmação de que é o Filho de Deus, cuja glória procura. É Deus que o leva a falar. Por isso, com verdade, pode dizer: «antes de Abraão existir, Eu sou». Só reconhecendo a Deus, que se manifesta no seu Filho feito homem, se pode ter a vida.

    Há uma perfeita comunhão entre o Pai e o Filho. É para ela que se encaminha a história da salvação, prometida a Abraão que, na fé, entreviu a sua realização. Esta afirmação é um escândalo para os Judeus que, apenas segundo a carne, são filhos de Abraão.

    Meditatio

    A adesão à verdade leva à liberdade: «a verdade vos tornará Iivres» (Jo 8, 32).

    Trata-se da liberdade do pecado, mas também da liberdade diante da morte: «se alguém observar a minha palavra, nunca morrere». Jesus promete tudo isto, comprometendo a sua palavra: «Em verdade, em verdade vos dig(J». Trata-se de uma fórmula solene, que garante a palavra dada com a própria personalidade de quem a pronuncia. No essencial, Jesus diz-nos que o segredo da liberdade é a obediência à sua palavra, uma obediência nascida do mais fundo do coração de quem a soube acolher.

    Abraão soube acolher a palavra de Deus e obedecer-lhe. Tornou-se o modelo dos crentes, e exultou de alegria, na esperança de ver o dia de Jesus: «exultou pensando em ver o meu dia; viu-o e ficou teu», diz o Senhor.

    Também nós somos chamados, neste tempo da Paixão e da Páscoa, a ver o dia de Jesus e a permanecer na alegria. Abraão viu o dia de Cristo, o dia da Ressurreição, em prefiguração, isto é, participando em acontecimentos que deixavam entrever o desígnio divino de ressuscitar o seu Cristo, principalmente no nascimento de Isaac e no seu sacrifício no Moriá. Sendo velho muito avançado em idade, e sendo a sua mulher estéril, acreditou que Deus é capaz de ressuscitar os mortos. E aconteceu o nascimento de Isaac, que o encheu de alegria. Quando Deus lhe pediu o sacrifício do filho, Abraão dispos-se a sacrificá-lo. Parecia que a promessa de Deus ia ficar por cumprir. Mas Abraão na hesita na sua fé: «Deus providenaerá», diz ele ao filho que lhe pergunta pelo cordeiro a sacrificar. E Deus providenciou. Isaac desceu vivo do Moriá. De certo modo, foi sacrificado e permaneceu vivo, tornando-se figura de Cristo morto e ressuscitado. São figuras imperfeitas, mas Abraão pôde já ver nelas o dia do sacrifício real de Cristo, premissa da Ressurreição para uma vida plena e gloriosa. Viu e alegrou-se!

    A fé é um combate pela vida. A fé enfrenta a morte na sua forma mais insidiosa e quotidiana, aquela que se apresenta como a «inutilidade da existência». Jesus, o verdadeiro descendente de Abraão, no combate que opõe a morte à vida, revela uma fé que abre para uma inesperada esperança. No muro de angústia que nos aprisiona, abre uma brecha por onde pode irromper a vida, porque Ele é a vida: «antes de Abra&ati
    lde;o existir, Eu sou».

    Abraão, como tantos outros servos e amigos de Deus do Antigo Testamento, preanuncia o "Ecce venid' de Cristo: "Eis-me aquI', diz o pai dos crentes, quando Deus o chama para o sacrifício de Isaac (Gen 22, 1). "Eis-me aqui" deve continuar no nosso "Ecce venio", unido ao "Ecce venio" de Cristo, porque "somos chamados na Igreja a procurar e a realizar, como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo" (Cst. 26).

    Como a nossa "vida religiosa e apostólica" está unida "de forma explícita ... à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst. 6), assim também o nosso Ecce venio ... "configura a nossa existência com a de Cristo, pela redenção do mundo e para Glória do Pai" (Cst. 58).

    A obediência religiosa radicada na Encarnação e na Páscoa de Cristo, participa da sua missão salvífica. É necessariamente apostólica. Como a obediência religiosa é comunhão de amor com o Pai, em Cristo (cf. Cst. nn. 53.56.58), assim também é comunhão de amor, de serviço em favor dos homens, sempre em Cristo, sob a influência do Espírito (cf. Cst. nn. 53.56.58).

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, cordeiro imolado e ressuscitado, para glória e alegria do Pai e para nossa salvação, nós Te louvamos e bendizemos, nós Te damos graças. Eis­nos aqui, dispostos a escutar a voz do Pai e a obedecer-Lhe, dispostos a unir o nosso «Ecce venio» ao de Abraão, e ao de todos os amigos de Deus, tanto do Antigo como do Novo Testamento, mas sobretudo ao teu. Ajuda-nos a viver na fé e na disponibilidade confiante no Pai e no seu projecto de amor e salvação. Ajuda-nos a viver na fé na tua ressurreição, a vencer permanentemente as forças da morte e a alegrar-nos, porque a tua vitória será também a nossa vitória. Ajuda-nos a vencer a morte, encarando-a e oferecendo-a como participação na tua morte. Ajuda-nos a vencer tudo quanto nos pode causar tristeza, pessimismo, desânimo, tudo quanto nos possa fazer capitular diante das dificuldades da vida. Que, em todas as situações, ressoe aos nossos ouvidos a tua palavra: «Coragem: Eu venci o mundo: (Jo 15, 33). Amen.

    Contemplatio

    Todos estes domingos nos colocam diante dos olhos o Antigo Testamento nos grandes acontecimentos que prepararam a redenção. Meditámos no pecado de Adão, depois no castigo do dilúvio. Eis o sacrifício de Abraão, uma das mais belas figuras do sacrifício redentor.

    Deus quer mostrar-nos o preço daquilo que fez por nós e a grandeza do seu amor. Escolheu Abraão. Dá-lhe tardiamente um filho, Isaac, o filho da promessa, do qual nascerá todo um povo. Deste povo abençoado sairá o Messias. - E quando Isaac se tornou um adolescente, Deus pede a Abraão o seu sacrifício. Que provação! Não é apenas um filho, é o filho do milagre e da promessa, o filho pelo qual deve vir a Abraão toda a sua glória.

    Abraão consente em sacrificá-lo, depois a intervenção divina impede a imolação.

    Deus quis assim mostrar-nos que ao dar-nos o seu Filho e ao sacrificá-lo, nos testemunha um imenso amor. Como tão pouco o compreendi até a este momento! Como sou frio, ingrato, insensível!

    Os grandes dias de páscoa aproximam-se, não vou sacudir a minha indolência? (Leão Dehon, OSP 3, p. 183)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Se alguém observar a minha palavra, nunca morrerá» (Jo 8, 51).

  • Sexta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Sexta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    11 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 20, 10-13

    Disse Jeremias: «Eu ouvia as invectivas da multidão: ‘Terror por toda a parte! Denunciai-o, vamos denunciá-lo!’ Todos os meus amigos esperavam que eu desse um passo em falso: ‘Talvez ele se deixe enganar e assim o poderemos dominar e nos vingaremos dele’. Mas o Senhor está comigo como herói poderoso e os meus perseguidores cairão vencidos. Ficarão cheios de vergonha pelo seu fracasso, ignomínia eterna que não será esquecida. Senhor do Universo, que sondais o justo e perscrutais os rins e o coração, possa eu ver o castigo que dareis a essa gente, pois a Vós confiei a minha causa. Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos».

    Jeremias chamou o povo à conversão durante anos: Mas o povo não o quis escutar. Agora, deve anunciar que o juízo de Deus é irrevogável, e que o castigo vai abater-se sobre Israel: Jerusalém irá cair às mãos do rei de Babilónia. É nesta situação, extremamente difícil e dolorosa, que o profeta pronuncia a sua última «confissão» (vv. 7-18). O texto é simultaneamente autobiográfico e paradigmático do destino do verdadeiro crente. Jeremias evoca a sua vocação (vv. 7-9), recorda os momentos de mal-estar e de rebeldia, provocados pelas perseguições, pelas calúnias e pelas traições de que foi vítima (v. 10). Mas Jeremias, tal como Job, depois destes momentos de desabafo, renova o seu acto de fé em Deus (vv. 11-13) que sempre esteve com ele e que jamais o abandonará: «O Senhor, porém, está comigo, como poderoso çuerrem» (v. 11). Foi o que Deus lhe tinha garantido no momento em que o chamou: «Eu estou contigo para te salvam (Jer 1, 19). Estas palavras ecoaram em cada um dos momentos da vida do profeta, particularmente nos mais difíceis. E continuam a ecoar. Por isso, Jeremias rende-se completamente a Deus, deixando para trás as resistências e as rebeldias.

    Evangelho: João 10, 31-42

    Naquele tempo, os judeus agarraram em pedras para apedrejarem Jesus, Então Jesus disre-lhes: «Apresentei-vos muitas boas obras, da parte de meu Pai. Por qual dessas obras Me quereis apedrejar?» Responderam os judeus: «Não é por qualquer boa obra que Te queremos apedrejar: é por blasfémia, porque Tu, sendo homem, Te fazes Deus». Disse-lhes Jesus: «Não está escrito na vossa Lei: ‘Eu disse: vós sois deuses’? Se a Lei chama ‘deuses’ a quem a palavra de Deus se dirigia – e a Escritura não pode abolir-se –, de Mim, que o Pai consagrou e enviou ao mundo, vós dizeis: ‘Estás a blasfemar’, por Eu ter dito: ‘Sou Filho de Deus’!» Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis. Mas se as faço, embora não acrediteis em Mim, acreditai nas minhas obras, para reconhecerdes e saberdes que o Pai está em Mim e Eu estou no Pai». De novo procuraram prendê-l’O, mas Ele escapou-Se das suas mãos. Jesus retirou-Se novamente para além do Jordão, para o local onde anteriormente João tinha estado a baptizar e lá permaneceu. Muitos foram ter com Ele e diziam: «É certo que João não fez nenhum milagre, mas tudo o que disse deste homem era verdade». E muitos ali acreditaram em Jesus.

    Durante os dias da festa da Dedicação do Templo, Jesus anda livremente no pórtico de Salomão, quando é rodeado pelos judeus que, mais uma vez, o interrogam. O Senhor responde-lhes com frontalidade. Gera-se, então, mais um vivo debate, que aumenta de intensidade, a ponto de os adversários de Jesus agarrarem em pedras para O lapidarem. Várias vezes tinham tentado prendê-I'O por causa das suas «obras», nomeadamente as curas em dia de sábado. Agora acusarn-nO de blasfemo, por se fazer igual a Deus, sendo um homem (v. 33).

    Jesus responde, primeiro referindo a Palavra de Deus, que todos aceitam, e, depois, apelando para a obras realizadas, que os seus adversários puderam testemunhar. Trata-se da última tentativa para lhes abrir o coração à fé. Jesus apela para as suas obras que são «palavra». Se Jesus não é condenável por causa de nenhuma delas, porque não acreditar na verdade do que diz? Mas a comunicação manifesta-se impossível. Por isso, Jesus volta para além do Jordão, onde João dera testemunho da verdade, onde apareceram os primeiros discípulos, e onde muitos começam a acreditar. Na experiência da recusa, brota um germe de fé nova, que antecipa o evento pascal.

    Meditatio

    «A paixão é a obra-prima do amor do Coração de Jesus», escreveu leão Dehon (OSP 3, p. 305). De facto, o Coração de Jesus alcançou a vitória sobre o mal servindo­-se de todos os sofrimentos para manifestar um amor maior: «Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nÓ9> (Rm 5,8).

    A primeira leitura de hoje faz-nos entrar nos sentimentos de Jesus, e ajuda-nos a compreender, por quanto é possível, a vitória que alcançou na sua paixão. Jeremias, tendo anunciado o castigo de Deus, sente-se abandonado por todos, e enfrenta a hostilidade da multidão. Sabe que não se pode salvar pelos seus próprios meios, e abandona-se a Deus: «Senhor do universo, examinas o justo, sondas os rins e os corações. Que eu possa contemplar a tua vingança contra eles, pois a ti confiei a minha causal» O abandono nas mãos de Deus é já uma vitória. Mas o profeta não renuncia à víngança, entregando-a, todavia, nas mãos de Deus, que é justo e saberá fazer justiça. E um primeiro passo. Mas Jesus irá mais longe. Não lhe escutamos palavras semelhantes durante toda a Paixão. Ele sabe que o Pai lhe há-de fazer justiça, punindo o pecado, porque o mal não pode triunfar. Mas afirma-o com sentimentos de profunda dor, e até chorando, como faz quando fala da destruição da Jerusalém, que resiste à conversão (cf. lc 13, 34). No alto da cruz, não pede a Deus a vingança dos seus inimigos, mas que lhes perdoe: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!» (Lc 23, 34).

    No evangelho, Jesus revela a sua identidade, não só por meio de palavras, mas também por meio de obras: «Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim; mas se as faço, embora não queirais acreditar em mim, acreditai nas obras, e assim vireis a saber e ficareis a compreender que o Pai está em mim e Eu no Pai». Diante desta afirmação, mais uma vez os ânimos se dividem. Enquanto «muitos ali creram nel(!», outros não acreditaram e até se acirraram mais contra Ele.

    Provavelmente estas tendências contraditórias, no que se refere à fé, talvez também se encontrem nos nossos corações. A nossa caminhada de fé tem momentos altos e momentos baixos. Por vezes, temos a sensação de que a multidão, de que nos fala o evangelho de hoje, est&
    aacute; dentro de nós. Jesus ensina-nos a resistir a estas oscilações perigosas. Para isso, é preciso fundamentar-nos solidamente na Sagrada Escritura. Aí encontramos as palavras que dão fundamento e solidez à nossa fé porque, nelas, descobrimos a Palavra que é Jesus Cristo.

    Dando solidez à nossa fé, a Palavra de Deus, sobretudo os evangelhos, permitem sintonizar os nossos sentimentos com os de Jesus Cristo. Assim, depois de um esforço semelhante ao que fez Jeremias, será mais fácil para nós reagirmos à maneira do Coração de Jesus, durante toda a sua vida, e particularmente na sua Paixão.

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu afirmaste solenemente à multidão que invectivava contra Ti: «Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim; mas se as faço, embora não queirais acreditar em mim, acreditai nas obras, e assim vireis a saber e ficareis a compreender que o Pai está em mim e Eu no Pap>. Assim mostraste que Te revelas, não só por palavras, mas também por obras. Ajuda-me a viver em união contigo, e a escutar atentamente as tuas palavras, para ter em mim os sentimentos que estavam no teu Coração. Que nas minhas actividades, que em todas as circunstâncias, mesmo nas mais difíceis, com as minhas palavras e com as minhas obras, eu posso ser sinal do teu amor sem limites. Que saiba perdoar aos meus irmãos todas as suas faltas para comigo, imaginárias ou reais. Que eu saiba rezar por eles, e oferecer-me generosamente, em espírito de amor e de reparação. Amen.

    Contemplatio

    A paixão é a obra-prima do amor do Sagrado Coração. Era dela que o profeta Habacuc dizia: «Domine, audivi auditionem tuam et timui (Hab 3): Senhor, ouvi falar da vossa obra, da vossa obra por excelência e fiquei tomado de espanto». Santo Agostinho dá este sentido moral ao texto do profeta. S. Paulo não cessa de estar num êxtase de amor ao contemplar este admirável mistério: «Jesus Cristo mostrou-nos tanto mais amor, diz, quanto deu a sua vida por nós pecadores e Impios» (Rom 5). E S. João, o apóstolo bem-amado, exclama: «Jesus Cristo amou-me e lavou-me com o seu sangue. (Ap 1, 5).

    Devemos, portanto, tentar, nós também, penetrar nas profundezas deste abismo de caridade e excitar-nos ao amor do Sagrado Coração, vendo quanto Ele nos amou.

    Jesus Cristo é realmente, nos mistérios da Paixão, o livro escrito por fora e por dentro, e quais são as letras que vemos traçadas neste livro? Apenas estas: Amor. Os chicotes, os espinhos, os cravos escreveram-nas em caracteres de sangue sobre a sua carne divina; mas não nos contentemos em ler e em admirar exteriormente esta escritura divina no; penetremos até ao Coração, e veremos uma maravilha bem maior: é o amor inesgotável e inesgotado, que não tem em conta o que sofre, e que se dá sem se cansar.

    É a graça dos amigos do Sagrado Coração saber sempre descobrir o amor de Nosso Senhor sob a exterioridade dos seus mistérios. Mas onde podemos nós ver mais do que na Paixão? Se não o vemos aí, ou se não o vemos senão superficialmente, convençamo-nos de que havemos de retirar pouco proveito destes grandes mistérios dos sofrimentos de Jesus Cristo e que prestaremos pouca glória a Deus. Para retirar todo o fruto possível desta divina contemplação, estabeleçamos primeiro alguns princípios, depois falaremos dos sentimentos especiais que ela deve excitar em nós.

    O primeiro princípio é este: a paixão do Salvador tira todo o seu mérito e todo o seu preço diante do seu Pai não tanto dos seus sofrimentos exteriores nem mesmo da sua morte, mas do seu Coração, do seu amor que o fez dar-se assim todo a nós.

    O segundo princípio, é que Nosso Senhor quis suportar estes sofrimentos extraordinários a fim de melhor nos mostrar o seu amor e de nada poupar para ganhar o nosso. Este amor teria podido ser igualmente grande, se Ele nos tivesse resgatado por um mínimo sofrimento, mas que acção teria exercido sobre nós? Ter-nos-ia deixado insensíveis, e o Sagrado Coração queria a toda a força ganhar os nossos corações.

    O terceiro princípio é que o Sagrado Coração tendo-se empenhado por amor, pelo seu Ecce venio, a tudo sofrer por nós, os seus sofrimentos e a sua morte foram outros tantos actos de amor que operavam a nossa Redenção; e o Coração de Jesus era a fonte donde brotavam todos os seus méritos com os seus sofrimentos. Tal era a vontade divina à qual o Sagrado Coração livremente se submeteu (Leão Dehon, OSP 2, p.305s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Eu Te amo, Senhor, minha força (SI 17, 2b).

  • Sábado - 5ª Semana da Quaresma

    Sábado - 5ª Semana da Quaresma

    12 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 37, 21-28

    21 E então lhes dirás: Assim fala o Senhor Deus: Eis que Eu tomarei os filhos de Israel de entre as nações, por onde se dispersaram; vou reuni-los de toda a parte e reconduzi-los ao seu país. 22 Farei deles uma só nação na minha terra, nas montanhas de Israel, e apenas um rei reinará sobre todos eles; nunca mais serão duas nações, nem serão divididos em dois reinos. 23 Não se mancharão mais com os seus ídolos e nunca mais cometerão infames abominações. Eu os salvarei das suas rebeldias, pelas quais pecaram, e os purificarei; eles serão o meu povo e Eu serei o seu Deus.240 meu servo David será o seu rei e eles terão um só pastor; caminharão segundo os meus preceitos, observarão os meus mandamentos e os porão em prática. 25 Habitarão o país que Eu dei ao meu servo Jacob e no qual habitaram seus pais; aí ficarão eles, os seus filhos e os filhos de seus filhos para sempre. David, meu servo, será para sempre o seu chefe. 26 Farei com eles uma aliança de paz; será uma aliança eterna; Eu os estabelecerei e os multiplicarei; e colocarei o meu santuário no meio deles para sempre. 27 A minha morada será no meio deles. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo. 28 Então, reconhecerão as nações que Eu sou o Senhor que santifica Israel, quando tiver colocado o meu santuário no meio deles para sempre.»

    Ezequiel anuncia simbolicamente o regresso de Israel do exílio e a reunificação do povo sob a orientação de um só rei-pastor. Já aconteceu o castigo anunciado, a deportação para Babilónia, em 586 a. C. Mas trata-se de um castigo terapêutico e temporal, em vista da purificação da idolatria e da cura da desobediência. A promessa de Deus é uma aliança eterna. O Espírito do Senhor repousa sobre o povo, e o povo é chamado a repousar na terra do seu Deus, em paz e em prosperidade. Deus está para sempre no meio do seu povo. Assim todos ficarão a saber que é Javé, «o Senhor que santifica Israel» (v. 28), e quem é Israel, o povo santificado pela presença de Deus. Como diz o próprio Deus: «Serei o seu Deus e eles serão o meu povo» (v. 27), com a carga afectiva que manifestam os dois pronomes possessivos.

    Evangelho: João 11, 45-56

    Naquele tempo, 45 muitos dos judeus que tinham vindo a casa de Maria, ao verem o que Jesus fez, creram nele. 46 Alguns deles, porém, foram ter com os fariseus e contaram-lhes o que Jesus tinha feito. 47 Os sumos sacerdotes e os fariseus convocaram então o Conselho e diziam: «Que havemos nós de fazer, dado que este homem realiza muitos sinais miraculosos?48Se o deixarmos assim, todos irão crer nele e virão os romanos e destruirão o nosso Lugar santo e a nossa nação.» 49Mas um deles, Caifás, que era Sumo Sacerdote naquele ano, disse-lhes: «Vós não entendeis nada,50nem vos dais conta de que vos convém que morra um só homem pelo povo, e não pereça a nação inteira.» 510ra ele não disse isto por si mesmo; mas, como era Sumo Sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação. 52 E não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos. 53 Assim, a partir desse dia, resolveram dar-lhe a morte. 54 Por isso, Jesus já não andava em público, mas retirou-se dali para uma região vizinha do deserto, para uma cidade chamada Efraim e lá ficou com os discípulos. 55 Estava próxima a Páscoa dos judeus e muita gente do país subiu a Jerusalém antes da Páscoa para se purificar. 56Procuravam então Jesus e perguntavam uns aos outros no templo: «Que vos parece? Ele virá à Festa?»

    Os chefes dos judeus estão de cabeça perdida. O «sinal» da ressurreição de Lázaro fez precipitar os acontecimentos, e decidiram matar Jesus, que se tornara demasiadamente incómodo e perigoso. As multidões já O tinham querido proclamar rei, declarando-o libertador da nação. Se continuar assim, os Romanos irão intervir e destruir o templo, coisa que, de modo nenhum, pode acontecer.

    Jesus afirmara ser o novo templo, o ponto de convergência de todo o Israel e da humanidade inteira. Mas a sua palavra não foi compreendida. E aparece Caifás que intervém com toda a sua autoridade: a eliminação de Jesus é uma exigência de estado. O bem comum exige que seja eliminado. E tudo isto se torna profecia. A missão de Jesus consiste, de facto, em reunir os filhos de Deus dispersos e em fazer de todos os povos um povo novo, na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. É o que acontece, porque Ele dá a vida «pelos» homens. Enquanto os judeus levam por diante o processo histórico, o Pai vai realizando o seu desígnio de salvação, graças à adesão filial de Cristo à sua obra. O evangelista João passa habilmente da história à teologia.

    Meditatio

    Caifás afirma que Jesus deve morrer em nome dos superiores interesses da nação. O evangelista João acrescenta que deve morrer, não só pela razão invocada, mas também para reunir os filhos de Deus dispersos: «Não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos». A morte de Jesus realiza, de modo inimaginável, aquilo que já fora anunciado por Ezequiel, quando da dispersão e do cativeiro em Babilónia: «Eu tomarei os filhos de Israel de entre as nações, por onde se dispersaram; vou reuni-los de toda a parte e reconduzi-los ao seu pais».

    Para realizar a unidade do povo de Deus, perspectivam-se dois caminhos: o dos Judeus, que passa pela morte de Jesus, para evitar a reacção violenta dos romanos contra o templo e contra a nação; o caminho de Deus, inconsciente expresso por Caifás: «convém que morra um só homem pelo POV(]». A morte de Jesus realiza a unidade e garante-a com a sua presença no meio de nós como verdadeiro Templo de Deus.

    Estamos, de facto, dispersos entre as nações, mas também desunidos entre nós.

    Mas Cristo está connosco para nos reunir e reconciliar, de acordo com o projecto do Pai. Para isso, morreu e ressuscitou. A obra da redenção, que realiza no coração do mundo, passa pela reconciliação e pela unidade do seu povo.

    A reparação, que queremos viver, pessoal e comunitariamente, é também "cooperação na obra da redenção" de Cristo "no coração do mundo" (Cst. 23). Queremos ser, com Ele, "servidores da reconciliação" (Cst. 7), em união "com a oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst. 6). Na nossa solidariedade com Cristo, nada de essencial temos para Lhe dar; é apenas solidariedade de comunhão com Ele (cf. Gal 2, 20), completando na nossa "carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo Seu Corpo que é a Igreja" (Coi 1, 24).

    Não se trata dos sofrimentos de expiação como os de Cristo, já completos e perfeitos em si mesmos, mas das tribulações apostólicas que Cristo sofreu por primeiro por causa do anúncio do Reino. O Apóstolo revive esses sofrimentos ao anunciar a Boa Nova aos pagãos. De acordo com a interpretação de Santo Agostinho estas tribulações são de todos os cristãos, e, com maior razão, de todo aquele que por vocação e por um carisma de oblação reparadora, é chamado a sofrer pela propagação do Evangelho em união com Cristo (cf. TOB, nota a).

    Todavia esta solidariedade é expressa por Jesus, com insuperável eficácia, na alegoria da videira (cf. Jo 15, 1-11) e por Paulo com a imagem do corpo e dos membros (cf. 1 Cor 12, 12-27).

    Oratio

    Senhor Jesus, durante este tempo da Paixão, quero recolher-me diante do realismo da tua cruz. Vieste ao mundo para nos tornar participantes da maravilhosa promessa de que Deus é tudo em todos. Essa promessa, todavia, não suprime os conflitos, nem nos dá a paz de um modo qualquer. De facto, Tu mesmo entraste no centro do conflito que dilacera o coração humano, levando até ele a vitória do amor, uma vitória alcançada mediante a loucura da cruz e pelo sacrifício da obediência que coincide com a glória eterna.

    Ajuda-me a percorrer também esse caminho, para entrar na glória, que começa desde já. Que jamais eu ceda à tentação de fugir do combate, permitindo que a divisão se radique no mundo, e fazendo coro com os teus inimigos. Ajuda-me a aceitar generosamente a luta, confiando na tua graça, invocada na oração. Assim participarei, desde já, na vitória definitiva do amor e na alegria do Pai. Amen.

    Contemplatio

    o Espírito Santo é o laço pelo qual Nosso Senhor nos une ao seu Pai e a si mesmo. Foi a graça que Nosso Senhor pediu para nós na sua oração depois da ceia. «Pedi por vós, diz aos seus apóstolos, e por todos aqueles que, esclarecidos e convertidos pela pregação evangélica, hão-de acreditar em mim, a fim de que todos formem um mesmo corpo, do qual eu sou o chefe, que eles sejam um, na unidade de uma mesma fé, de uma mesma esperança, de um mesmo amor, como o meu Pai está em mim e eu nele, para que vós também sejais um em nós e assim o mundo, tocado pelo divino espectáculo da vossa caridade fraterna e da vossa vida celeste, seja forçado a reconhecer no estabelecimento da Igreja uma obra divina e sobre-humana e acredite que meu Pai me enviou para salvar o mundo».

    E a glória que o seu Pai lhe deu de ser, em virtude da união hipostática, o seu Filho único e consubstancial, Nosso Senhor de algum modo no-Ia comunicou, dela nos tornou participantes, elevando-nos à sublime dignidade de filhos e de herdeiros de Deus, divinae consortes naturae, confirmando assim a nossa união com ele (Leão Dehon, OSP 3, p. 464).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Dos dois povos, fez um só» (Ef 2, 14).

  • Segunda - Semana Santa

    Segunda - Semana Santa

    14 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 42, 1-7

    1 «Eis o meu servo, que Eu amparo, o meu eleito, que Eu preferi. Fiz repousar sobre ele o meu espírito, para que leve às nações a verdadeira justiça. 2 Ele não gritará, não levantará a V04 não clamará nas ruas. 3 Não quebrará a cana rachada, não apagará a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a fidelidade a verdadeira justiça. 4 Não desanimará, nem desfalecerá, até estabelecer na terra o direito, as leis que os povos das ilhas esperam dele. 5 Eis o que diz o Senhor Deus, que criou os céus e os estendeu, que consolidou a terra com a sua vegetação, que deu vida aos seus habitantes, e o alento aos que andam por ela. 6 Eu, o Senhor, chamei-te por causa da justiça, segurei-te pela mão; formei-te e designei-te como aliança de um povo e luz das nações; 7 para abrires os olhos aos cegos, para tirares do cárcere os prisioneiros, e da prisão, os que vivem nas trevas.

    A liturgia apresenta-nos, hoje, a figura do Servo de Javé, que nos ajuda a entrar no mistério pascal, que celebramos com particular intensidade. A eleição, a missão e o sofrimento desta misteriosa figura, são profecia do destino de Cristo. De facto, a sua missão é de capital importância, mas extremamente difícil. Por isso, o próprio Deus o apoia. Este Servo é consagrado com o espírito profético, para levar a todas as nações «a verdadeira justiç», isto é, o conhecimento dos juízos de Deus. A missão do Servo é descrita tendo como pano de fundo os costumes de Babilónia, onde o «arauto do grande rei» era encarregado de proclamar pelas ruas da cidade os decretos de condenação à morte. Se, ao terminar a volta, ninguém se erguesse para defender o condenado, o arauto quebrava a cana e apagava a lâmpada que levava, para indicar que a condenação se tornara irrevogável.

    Mas o Servo do único verdadeiro rei, que é Deus, não quebra a cana, nem apaga a lâmpada. Sendo portador do juízo de Deus, não vai para condenar, mas para salvar. Com a força da mansidão e com a firmeza da verdade, cumpre a sua missão, levando às mais remotas paragens a Lei que todos esperam (cf. v. 4).

    A figura do Servo realiza-se em Cristo, simultaneamente servo sofredor e libertador da humanidade, escolhido para realizar a salvação, iluminar os povos, e estabelecer a nova e eterna aliança (cf. v. 6), selada com o seu sangue.

    Evangelho: João 12, 1-11

    1 Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde vivia Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. 20fereceram-Ihe lá um jantar. Marta servia e Lázaro era um dos que estavam com Ele à mesa. 3 Então, Maria ungiu os pés de Jesus com uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, e enxugou-lhos com os seus cabelos. A casa encheu-se com a fragrância do perfume. 4 Nessa altura disse um dos discípulos, Judas Isceriotes. aquele que havia de o entregar: 5 «Porque é que não se vendeu este perfume por trezentos denários, para os dar aos pobres?» 6 Ele, porém, disse isto, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa do dinheiro, tirava o que nela se deitava. 7 Então, Jesus disse: «Deixa que ela o tenha guardado para o dia da minha sepultura! 8 De facto, os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim não me tendes sempre.» 9Um grande número de judeus, ao saber que Ele estava ali, vieram, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. 10 Os sumos sacerdotes decidiram dar a morte também a Lázaro, 11 porque muitos judeus, por causa dele, os abandonavam e passavam a crer em Jesus.

    o cuidado de João em referir a cronologia dos acontecimentos com preosao permite-nos reviver pontualmente a graça dos últimos eventos que prepararam a páscoa de Jesus. O jantar de Jesus, em Betânia, é prelúdio da Última Ceia. A refeição, tomada em grupo, era um gesto sagrado porque indicava comunhão de sentimentos e de vida, e era ensejo para dar graças a Deus por todos os seus dons, a começar pela vida. No episódio que o evangelho de hoje refere, esse aspecto era realçado pela presença de Lázaro, «ressuscitado dos mortos- (v. 9). Mas, na cena descrita por João, tem particular realce Maria, com o seu gesto de amor adorante, sem cálculos nem medida. Essa mulher derrama sobre os pés de Jesus um perfume que podia custar o salário recebido por um trabalhador manual durante dez meses. E, anota João, «a casa encheu-se com a fragrância do pertume. (v. 3). Maria é imagem da Igreja-Esposa, unida ao sacrifício de Cristo-Esposo, que contrasta com a esquálida figura de Judas. O amor dilatou o coração de Maria, irmã de Lázaro, enquanto a mesquinhez fechou irremediavelmente o de Judas Iscariotes.

    Meditatio

    Ao meditar sobre o texto evangélico que a liturgia hoje nos oferece, o Pe. Dehon começa por nos convidar a contemplar Maria Madalena que «traz aos pés de Jesus o perfume simbólico do seu amor e da sua reparação». É belo deter-nos nesta cena, tão cheia de afecto e de amizade, numa página carregada de presságios e interrogações. O nosso seguimento de Jesus pode desenrolar-se como caminho da morte à vida, como aconteceu a Lázaro, ou como solicitude atenta e cuidadosa no serviço ao Mestre e aos seus, como aconteceu com Marta; mas pode também assemelhar-se a um caminho de amor adorante, como aconteceu com Maria, ou a um caminho de resistências e de calculismos, que acabam por sufocar quem os segue, como aconteceu com Judas.

    É importante estar com Jesus, escutar a sua Palavra, partilhar a sua vida. Mas, mais importante ainda, é reconhecer e acolher o amor que Ele tem por nós, o amor que Ele é. Judas não o soube acolher. Por isso, condenou o «desperdício» de Maria, e fez cálculos, a pretexto de ajudar os pobres. Maria, pelo contrário, fez desse amor a sua vida. O Pobre, por excelência, é Jesus, que nos dá tudo quanto possui, tudo quanto é. Por isso, só Ele deve ser o centro da nossa vida, sem qualquer espécie de cálculos. O Mestre dá-nos tudo! Há que dar-lhe tudo, sem cálculos nem reservas. A nossa entrega total a Cristo acaba por beneficiar toda a Igreja: «a casa encheu-se com a fragrância do perfume>>{v. 3) .

    Maria estava longe de se aperceber da profundidade do seu gesto. Mas Jesus encarregou-Se de lha revelar: era já uma homenagem pelo sacrifício que estava para realizar: «Deixa que ela o tenha guardado para o dia da minha sepultura!» (v. 7). Jesus está para dar a sua vida, para derramar o seu sangue: «Isto é o meu corpo entregue ... este é o meu sangue derramado por VÓ9> (cf. Mt 26, 26s.). Era justo que Maria honrasse esse corpo oferecido, derramando sobre ele o perfume precioso. Participemos nessa homenagem de Maria. Vivamos esta semana em grande espírito de gratidão, de recolhimento, na emoção de sermos amados, e amados até à mo
    rte. Sejamos generosos com o Senhor que deu tudo e Se deu todo por nós. Correspondamos ao seu amor. Deixemo-nos amar. Tornemo-nos, cada vez mais, profetas desse amor.

    Oratio

    Senhor Jesus, concede-me a graça de viver estes dias da tua Paixão perto de Ti, de ser excessivamente generoso contigo, como foi Maria que «desperdiçou» um perfume tão precioso para Te honrar. Que jamais ceda à tentação de pensar que, aquilo que faço por Ti, podia ser útil para outros fins mais ou menos «piedosos» ... Dá­me a graça de compreender, quanto é possível neste mundo, o teu amor por mim. Então compreenderei também que, tudo quanto faço por Ti, é pouco, ainda que pareça muito. Como Maria, e como o teu servo, Pe. Dehon, quero procurar-te assídua e fielmente, colocando-me na tua presença no começo de cada acção, vivendo junto de Ti e para Ti. Dá-me, Senhor, esta assiduidade que será alegria para o teu Coração, que será a minha santificação. Amen.

    Contemplatio

    Santa Madalena é o modelo de um amor sincero e verdadeiro, saído do mais perfeito arrependimento. Desde o momento da sua conversão, Madalena é generosa. Ela lança-se aos pés de Nosso Senhor, derrama abundantes lágrimas, afronta o respeito humano, consagra a Nosso Senhor perfumes de um grande preço. É já uma alma amante. Dá-se sem reservas a Nosso Senhor, e doravante o seguirá, fielmente o servirá.

    Nosso Senhor é tudo para ela. Mantém-se aos seus pés e é tudo. Em Betânia, não se agita para servir Nosso Senhor, contempla-o, escuta-o. Quem tem Jesus tem tudo.

    Quando Lázaro morre, que fé e que confiança ela testemunha! Marta agita-se ainda e Maria diz somente: «Mestre, se aqui tivésseis estado, e/e não estaria mortos, Marta e Maria são ambas amantes, mas testemunham o seu amor de um modo diferente: Marta é activa e Maria é contemplativa. Ambas são nossos modelos, devemos todos unir a contemplação à acção (Leão Dehon, OSP 3, p. 81).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «A fé opera por meio da caridade» (cf. Gal 5,6).

  • Terça-feira - Semana Santa

    Terça-feira - Semana Santa

    15 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 49, 1-6

    l«Ouvi-me, habitantes das ilhas, prestai atenção, povos de longe. Quando ainda estava no ventre materno, o Senhor chamou-me, quando ainda estava no seio da minha mãe, pronunciou o meu nome. 2 Fez da minha palavra uma espada afiada, escondeu-me na concha da sua mão. Fez da minha mensagem uma seta penetrante, guardou-me na sua a/java. 3Disse-me: «Israel, tu és o meu servo, em ti serei glorificado.» 4Eu dizia a mim mesmo: «Em vão me cansei, em vento e em nada gastei as minhas forças.» Porém, o meu direito está nas mãos do Senhor, e no meu Deus a minha recompensa. 5 E agora o Senhor declara-me que me formou desde o ventre materno, para ser o seu servo, para lhe reconduzir Jacob, e para lhe congregar Israel. Assim me honrou o Senhor. O meu Deus tornou-se a minha força. 6 Disse-me: «Não basta que sejas meu servo, só para restaurares as tribos de Jacob, e reunires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terre.»

    o Servo de Javé pede a todos atenção porque tem uma declaração a fazer: a sua missão deverá alargar-se até aos confins do mundo (v. 6b). E narra a sua história, resumindo-a em alguns momentos particularmente significativos: a sua vocação, momento em que também recebeu os dons para realizar com eficácia a missão de proclamar a palavra de modo eficaz (v. Is.): o oráculo com que Deus o confirma na sua identidade e na missão (v. 3).

    A missão começa por ser um fracasso, o que leva o Servo a exclamar: «Em vão me cansei, em vento e em nada gastei as minhas forças». Mas reconhece que a sua causa não está perdida: «o meu direito está nas mãos do Senhor, e no meu Deus a minha recompense». Animado pela confiança no Senhor, o Servo, acolhe e transmite um novo oráculo de Deus: «Não basta que sejas meu servo, só para restaurares as tribos de Jacob, e reunires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terre».

    A missão do Servo é universal. Por meio dele, Deus quer fazer chegar o dom da salvação aos mais remotos confins da terra. A missão do Servo entre os seus compatriotas é insignificante, se comparada com a sua vocação missionária.

    Evangelho: João 13, 21-33

    21 Tendo dito isto, Jesus perturbou-se interiormente e declarou: «Em verdade, em verdade vos digo que um de vós me há-de entregar/» 220S discípulos olhavam uns para os outros, sem saberem a quem se referia. 23 Um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa reclinado no seu peito. 24 Simão Pedro fez-lhe sinal para que lhe perguntasse a quem se referia. 25 Então ele, apoiando-se naturalmente sobre o peito de Jesus, perguntou: «Senhor, quem é?» 26 Jesus respondeu: «É aquele a quem Eu der o bocado de pão ensopado.» E molhando o bocado de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. 27 E, logo após o bocado, entrou nele Satanás. Jesus disse-lhe, então: «O que tens a fazer fá-lo depressa.» 28Nenhum dos que estavam com Ele à mesa entendeu, porém, com que fim lho dissera. 29 Alguns pensavam que, como Judas tinha a bolsa, Jesus lhe tinha dito: 'Compra o que precisamos para a Festa; ou que desse alguma coisa aos pobres. 30Tendo tomado o bocado de pão, saiu logo. Fazia-se noite. 31 Depois de Judas ter saído, Jesus disse: «Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e assim se revela nele a glória de Deus. 32 E, se Deus revela nele a sua glória, também o próprio Deus revelará a glória do Filho do Homem, e há-de revelá-Ia muito em breve.»

    33 «Filhinhos, já pouco tempo vou estar convosco. Haveis de me procurar, e, assim como Eu disse aos judeus: 'Para onde Eu for vós não podereis ir; também agora o digo a vós. 36 Disse-lhe Simão Pedro: «Senhor, para onde vais?» Jesus respondeu­lhe: «Para onde Eu vou, tu não me podes seguir por agora; hás-de seguir-me mais tarde.» 37Disse-Ihe Pedro: «Senhor, porque não posso seguir-te agora? Eu daria a vida por til» 38Replicou Jesus: «Darias a vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: não cantará o galo, antes de me teres negado três vezes!»

    Terminado o lava-pés, Jesus alude à traição de que está para ser vítima: «um de vós me há-de entregar!» (v. 21). Estas palavras de Jesus, com a perturbação que Lhe vêem estampada no rosto, deixam os apóstolos espantados. Tentam identificar o traidor. Pedro reage por primeiro, manifestando a autoridade que lhe era reconhecida e o bom entendimento que havia entre ele e João. Jesus revela a infinita delicadeza que O distingue: enquanto indica o traidor, oferece-lhe um bocado de pão envolvido em molho, sinal de honra e distinção entre comensais. Uma última e amorosa provocação! Judas nega-se a corresponder a esse gesto, mostrando que a sorte de Jesus estava traçada. Recebendo o bocado, mas recusando o Amigo que lho oferecia, Judas saiu. «Fazia-se noite. (v. 30b), anota o evangelista. Judas já não podia ficar no grupo dos amigos de Jesus. Deixara-se envolver pela noite da mentira, do ódio, pelo reino de Satanás.

    «Nenhum dos que estavam com Ele à mesa entendeu» (v. 28). Mas, no exacto momento em que Judas saía para atraiçoar o Mestre, era glorificado o Filho do homem. Com Ele, era glorificado o Pai que, ao entregar o Filho, revela o seu imenso amor. A hora da morte e a hora da ressurreição são, juntas, a hora da glorificação, da manifestação de Deus-Amor.

    Depois, Jesus inicia o discurso de adeus (v. 33). O vazio que deixa, e que nada nem ninguém pode preencher, não é definitivo. Pedro, sempre impetuoso, não quer nem tem paciência para esperar e quer partir imediatamente com o Mestre: «Senhor, porque não posso seguir-te agora? Eu daria a vida por ti! (v. 36)>>. Mas, nem Pedro nem mais ninguém pode seguir Jesus só com a sua boa vontade, ou com as suas forças. É preciso Espírito Santo, o grande dom pascal, que é preciso aguardar.

    Meditatio

    Num mundo que nos enche de angústias e nos pode tornar pessimistas, porque nos parece que "tudo ... jaz sob o poder do malignd' (1 Jo 5, 19), Cristo, "Homem novd' (Ef 4, 24) dá-nos coragem, ilumina-nos, pacifica-nos e dá-nos alegria (Cf. Jo 20, 20-21), porque nos mostra o poder do Pai em transformar, para sua glória e nosso bem, todas as situações, mesmo as mais difíceis. Contemplando a Cristo, e unidos a Ele, verificamos que "apesar do pecado, dos fracassos e da injustiça, a redenção é possível, oferecida e já está presente (Cst. 12). As leituras de hoje mostram-nos esta verdade.

    O Servo de Javé, de que nos fala Isaías, vive um momento dramático. Está profundamente desanimado. A sua missão tornara-se um retundo fracasso. Por isso, exclama: «Em vão me
    cansei, em vento e em nada gastei as minhas forças». Mas não se deixa cair no desespero. Continua a confiar no Senhor, que o escolheu desde o ventre materno e o chamou: «Porém, o meu direito está nas mãos do Senhor, e no meu Deus a minha recompensa». Mantendo-se fielmente atento à Palavra do Senhor, acaba por verificar que as presentes dificuldades, no meio do seu povo, são caminho para um horizonte de missão muito mais alargado e radioso: «Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terrz» (v. 6).

    Esta profecia realiza-se plenamente em Jesus. Também Ele passa por um momento dramático e é atraiçoado por um dos seus. Está profundamente perturbado e declara: «um de vós me há-de entregar.!» (v. 21). A sua missão parece redundar num completo fracasso, numa tremenda derrota. Mas Jesus também se deixa iluminar pela Palavra do Pai e exclama: «Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e assim se revela nele a glória de DeU9> (v. 31).

    Tanto o Servo de que fala Isaías, como Jesus, o verdadeiro Servo, conseguem ver para além das aparências. Mesmo nas situações mais dramáticas, descobrem a poderosa acção de Deus que tudo transforma. Os maiores sofrimentos, aceites na fidelidade a Deus, para realizar os seus projectos, transformam-se em glória. Ao aceitar a Paixão, para redenção do mundo, Jesus realiza a profecia de Isaías, para glória do Pai.

    Situações semelhantes podem surgir na nossa vida de cristãos, de consagrados, de sacerdotes. A Paixão de Jesus irradia uma luz poderosa para lermos essas situações e reagirmos à maneira do Senhor, acolhendo-as como ocasiões para glorificar a Deus. Este acolhimento confiante não depende unicamente da nossa boa vontade, da nossa generosidade. É o que Jesus declara a Pedro: «tu não me podes seguir por eçore» (v. 36). É preciso ser chamado por Ele, e receber a força do seu Espírito. Pela vocação e pelo carisma, somos unidos a Cristo e tornados capazes de participar na sua missão, mesmo no meio das maiores hostilidades e sofrimentos. Unidos a Cristo, podemos participar no seu mistério pascal, para nos transformarmos a nós mesmos e transformarmos o mundo.

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu conheces todas as possibilidades das nossas traições, das nossas repentinas reviravoltas, das dissimuladas e insinuantes afirmações, que ferem o coração da comunidade e ferem o teu coração, sempre em agonia, até ao fim do mundo. Judas, traidor, continuou a ser, para Ti, um amigo, a quem ofereceste um último gesto de delicada predilecção. O Amor, que és Tu, não retira o que ofereceu, não renega o que é. Prefere consumir-se no sofrimento e na morte! Todos levamos em nós as trevas de Judas, a impulsividade de Pedro, o amor de João. E por todos Te ofereces, porque nos amaste até à morte. É a tua glória. É a glória do Pai! O seu amor eternamente fiel, revela-se no teu rosto desfigurado pelo sofrimento. A Ele a vitória! A Ele a glória para sempre! Amen.

    Contemplatio

    Satanás tinha tomado posse de Judas, um apóstolo! E foi-se encontrar com os príncipes dos sacerdotes para conspirar a sua traição com eles. Disse-lhes: «Que quereis dar-me, se vo-to entreçer?».

    É introduzido no Sinédrio, escutam-no com alegria, uma alegria digna do inferno. Discutem o preço. Oferecem-lhe trinta moedas de prata. Aceita, o pacto é concluído. A moeda de prata valia quatro dracmas antigas, cerca de cinco francos. Trinta moedas, era o preço habitual de um escravo.

    Eis até onde Jesus quis descer para nos resgatar.

    Judas empenhou a sua palavra, e desde aquele momento procurava a ocasião para lhes entregar Jesus fazendo com que Ele ficasse fora dos encontros populares: spopondit et quaerebat opportunitatem ut traderet eum sine turbis (Lc 22,6).

    Como é que Judas chegou àquele ponto? Tinha sido pouco a pouco e cedendo, primeiro, a alguns movimentos de avareza.

    Oh! Como a inclinação para o pecado é escorregadia! Não estou eu em perigo, pela minha tibieza actual, de cair bem baixo?

    Depois do seu pacto criminoso, Judas e os Fariseus tiveram ainda vários dias para se arrependerem, mas em vão. O endurecimento é o castigo do sacrilégio. Como devo temer chegar até lá! Trato muitas vezes Nosso Senhor com tão pouco respeito nas minhas comunhões impregnadas de tibieza e de rotina! - Nosso Senhor dizia ao bispo de Éfeso: «Decaíste do teu fervor, toma cuidado! Se não fizeres penitência, voltarei, derrubarei o teu candelabro e darei a outro o teu lugar» (Ap 2,5) (leão DEhon, OSP 3, p. 257s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «E agora que se revela a glória do Filho do Homem; e assim se revela nele a glória de Deus» (Jo 13, 31).

  • Quarta-feira - Semana Santa

    Quarta-feira - Semana Santa

    16 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 50, 4-9a

    4 «O Senhor Deus ensinou-me o que devo dizer, para saber dar palavras de alento aos desanimados. Cada manhã desperta os meus ouvidos, para que eu aprenda como os discípulos. 50 Senhor Deus abriu-me os ouvidos, e eu não resisti, nem recusei. 6 Aos que me batiam apresentei as espáduas, e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me ultrajavam e cuspiam. 7 Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio; por isso não sentia os ultrajes. Endureci o meu rosto como uma pedra, pois sabia que não ficaria envergonhado. 80 meu defensor está junto de mim. Quem ousará levantar-me um processo? Compareçamos juntos diante do juiz! Apresente-se quem tiver qualquer coisa contra mim. 9 O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem poderá condenar-me?

    No terceiro cântico são acentuados os sofrimentos do Servo de Javé: hostilidade, perseguição, violência, fracasso. Como discípulo, o Servo não diz o que lhe agrada, mas tem por missão transmitir as palavras, que atentamente escuta do Senhor, aos desanimados e hesitantes. Por isso, não opõe resistência a Deus. Sabe que Deus está com ele e, por isso, mantém-se forte e manso diante dos perseguidores. Acolheu fielmente a Palavra e não recua diante da violência com que tentam afastá-lo ou reduzi-lo ao silêncio. Não se verga ao sofrimento, nem se deixa desnortear. Deus há intervir para o justificar diante dos opositores. Por isso, proclama com determinação e fidelidade a Palavra escutada da boca de Deus: «O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem o sará condener-me?» (v. 9).

    Evangelho: Mateus, 26, 14-25

    14 Então um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os sumos secerootes'íe disse-lhes: «Quanto me dareis, se eu vo-to entregar?» Eles garantiram­lhe trinta moedas de prata. 16 E, a partir de então, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus.

    17 No primeiro dia da festa dos Ázimos. os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-lhe: «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?» 18 Ele respondeu: «Ide à cidade, a casa de um certo homem e dizei-lhe: 'O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo; é em tua casa que quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos. ~> 1905 discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara e prepararam a Páscoa. 20 Ao cair da tarde, sentou-se à mesa com os Doze. 21 Enquanto comiam, disse: «Em verdade vos digo: Um de vós me há-de entregar.» 22 Profundamente entristecidos, começaram a perguntar-lhe, cada um por sua vez: «Porventura serei eu, Senhor?» 23 Ele respondeu: «O que mete comigo a mão no prato, esse me entregará. 240 Filho do Homem segue o seu caminho, como está escrito acerca dele; mas ai daquele por quem o Filho do Homem vai ser entregue. Seria melhor para esse homem não ter nascido!» 25 Judas, o traidor, tomou a palavra e perguntou: «Porventura serei eu, Mestre?» «Tu o disseste» - respondeu Jesus.

    «Um dos Doze», um dos amigos íntimos de Jesus foi entreqá-lO aos que O pretendiam matar. Foi por sua iniciativa, livremente. A partir desse momento, continuando no grupo dos discípulos, que partilhavam a vida e a missão do Mestre, ficou à espera de «uma oportunidsde: (v. 16) para O entregar. É arrepiante!

    A liberdade humana é capaz de tudo, até de se transcender na iniquidade, obra de Satanás (cf. Lc 22, 3 e Jo 13, 2). Mateus dá-o a entender, quando cita Zacarias: «Quanto me dareis, se eu vo-to entregar?» Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata» (v. 15; cf. Zc 11, 12). Mais significativo é o uso teológico do verbo «entregar» (paradídoml). Trata-se de uma «entrega-traição», da parte dos homens, e uma «entrega­dom», da parte do Pai, que entrega o Filho, e da parte do Filho que se entrega a Si mesmo até à morte na cruz (Jo 19, 30).

    Jesus sente que a sua «hora» se aproxima. Por isso, ordena que a celebração da Páscoa seja devidamente preparada. Deseja ardentemente comê-Ia com os discípulos pois, nela, o antigo memorial dará lugar ao novo, deixando-nos o seu Corpo e o seu Sangue como alimento e bebida. A entrega de Si mesmo acontece num ambiente toldado pelo anúncio da entrega-traição. Os discípulos mergulham num clima de insegurança e de desconfiança. Fazem perguntas a Jesus, chamando «Senhor» (Kyrios), enquanto Judas o chama simplesmente «Mestre. (Rabi). Mas Jesus é, de facto, Senhor. Por isso, conhece o traidor e reconhece que nele se cumprem as Escrituras. A insegurança dos discípulos representa a nossa própria insegurança perante a possibilidade de também nós virmos a atraiçoar e a negar Jesus.

    Meditatio

    A Paixão de Jesus não foi um acontecimento imprevisto. Tudo fora profeticamente anunciado, até o preço da traição (cf. Zac 11, 12-13). A referência à profecia de Zacarias leva-nos a ver Jesus como o rei manso e humilde de que fala o mesmo profeta (Zac 9, 9). Mas é sobretudo Isaías que profeticamente anuncia, com pormenores impressionantes, todo o drama de Jesus. A primeira leitura apresenta-nos, mais uma vez, o misterioso Servo de Javé, atormentado e humilhado, mas cheio de paciência, e de obediente e confiante abandono em Deus. É uma clara figura de Jesus na sua Paixão (vv. 5-6), onde se revelará a majestade de Deus-Pai.

    No evangelho encontramos, de um lado, Judas que atraiçoa o Mestre e, do outro lado, Jesus que dá orientações para a ceia pascal. Como mandavam os ritos, Jesus devia explicar o significado dessa refeição singular e solene. Fê-lo dando-lhe um sentido novo, em que se destacam dois elementos importantes: Jesus torna os seus discípulos participantes da sua dignidade e do seu destino; o seu sangue será derramado para remissão dos pecados.

    Entre a preparação e a celebração da ceia, é descoberto o traidor. Judas entrega Jesus, e Jesus entrega-Se a Si mesmo. A traição torna-se ocasião para o dom voluntário e total de Jesus. A sua morte torna-se fonte de vida. O seu Coração vence a morte e transforma-a em vida para o mundo.

    A Páscoa estava desde sempre preparada em Deus. Mas, quando o Filho do homem veio realizá-Ia no meio de nós, abriu-se para todo o homem um horizonte novo de ilimitada liberdade, a liberdade de amar dando a própria vida, para se reencontrar em plenitude no seio amante da Trindade.

    O Pe. Dehon, ao contemplar o "Coração trespassado do Salvador", contempla a glória de Cristo, isto é, a expressão suprema do Seu amor ao Pai e por nós, amor que O leva, em máxima liberdade, a morrer na Cruz (cf. Jo 17, 1; 13, 1). O Coração humano-divino de Cristo, o Coração trespassado, é a "expressão mais evocadora" desse amor, o símbolo que nos remete para ele; é também sinal de que esse amor se realiza "até ao fini' (Jo 13, 1); é testemunho, isto é, um amor feito vida, que aceita a morte para dar a vida.

    Segundo as convicç&otilde
    ;es do Pe. Dehon derivadas do seu e "nosso carisma profético" (Cst. 27), cada um de nós, e particularmente os missionários, deve "dar a vida pelos seus amigos' (Jo 15, 13). É a suprema "prova de amizade" (Cst. 33) para com aqueles que servimos pastoralmente e para com os povos que os nossos missionários evangelizam: "Ninguém tem maior amor do que este' (Jo 15, 13). o amor leva a dar a vida, e a dá-Ia livremente.

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, queremos, hoje, confessar-nos diante de Ti. Para isso, pedimos-Te um coração arrependido, e palavras humildes e sinceras. Também nós Te vendemos, mais do que uma vez. Todos os dias especulamos sobre a tua pessoa, e vivemos desse miserável lucro. Nós, que tu amas! Como podes suportar-nos ainda na tua casa, a comer o pão das tuas lágrimas e a beber o sangue do teu sofrimento? Vendido por nós, por quase nada, compraste-nos com o preço infinito do teu sangue. Que, através da ferida do teu Coração, possamos ser introduzidos e estabelecidos para sempre na comunhão do teu amor. Amen.

    Contemplatio

    Esta preparação, ordenada pelo Salvador, mostra qual cuidado devemos dar aos nossos santuários, mas ensina também indirectamente como as nossas almas devem estar preparadas.

    Nosso Senhor pede um cenáculo de nobres proporções, com uma bela preparação e tapeçarias. É uma lição de liturgia. As nossas igrejas deverão ser dignas de Deus. Estarão adornadas com obras de arte. Os nossos altares e os nossos vasos sagrados nunca serão demasiado ricos.

    Mas se a Eucaristia pede santuários adornados, não pede também almas preparadas?

    Este cenáculo sumptuoso, todo ornamentado e preparado, é a figura da alma que deve receber a Eucaristia. Deve ser grande e vasta pelos seus desejos, pelos seus votos, pelas suas aspirações. Deve estar ornamentada com as virtudes que são como o vestido da alma. Para nela se comprazer, Nosso Senhor quer ver lá a cópia das suas próprias virtudes, das suas disposições, dos seus sentimentos. Um Mestre não tem maior alegria do que ver os seus discípulos assemelharem-se a ele (Leão Dehon, OSP 3, p. 235).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem poderá condensr-rne?» (Is 50, 9).

  • Quinta-feira - Semana Santa

    Quinta-feira - Semana Santa

    17 de Abril, 2025

    A SANTA CEIA

    Coenantibus autem eis, accepit Jesus panem, et benedixit ac fregit, deditque discipulis suis, et ait: Accipite et comedite; hoc est corpus meum. Et accipiens cal icem, gratias egit, et dedit illis dicens: Bibite ex hoc omnes. Hic est enim sanguis meus novi Testamenti, qui pro multis effundetur in remissionem peccatorum... Erat autem recumbens unus ex discipulis ejus in sinu Jesu, quem diligebat Jesus (Mt 26, ; Jo 13).

    Enquanto comiam, tomou Jesus o pão e, depois de pronunciar a bênção, partiu-o e deu-o aos seus discípulos, dizendo: Tomai, comei. Isto é o meu corpo. Tomou, em seguida, um cálice, deu graças e entregou-lhes dizendo:

    Este é o meu sangue, sangue da aliança, que vai ser derramado por muitos para a remissão dos pecados ... Ora um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa junto do peito de Jesus (Mt 26, 26-28; Jo 13, 12).

    Primeiro Prelúdio. O Cenáculo. Jesus está como transfigurado no meio dos seus apóstolos. As fontes do amor vão abrir-se para darem ao mundo a Eucaristia.

    Segundo Prelúdio. Obrigado, Senhor. Com S. João, agradeço-vos, amo-vos, dou-me todo a vós.

    PRIMEIRO PONTO: A Eucaristia. - Ó prodígio inaudito! O Senhor supremo faz-se alimento da sua pobre e miserável criatura!

    Enquanto comiam, nesta noite da última Ceia, Jesus estava sentado com os seus discípulos. - Ergue os olhos para o seu Pai e recolhe-se numa ardente oração. Está como transfigurado. - Consideremos o céu aberto acima da sua cabeça: os Anjos admirados tremem de alegria e de temor ... de alegria: a Eucaristia inflamará e santificará tantos corações! Acenderá no seio da Igreja uma tal fogueira de dedicação e de amor!... de temor também: a Eucaristia encontrará tantos ingratos! Será profanada pelos Judas de todos os séculos!

    Escutemos as palavras de Jesus: «Tomai e comei, isto é o meu corpo; bebei, isto é o meu sangue ... ». - Eu vos saúdo, ó verdadeiro corpo, nascido da Virgem Maria!

    Verei os apóstolos aproximarem-se, tomarem o seu lugar nesta primeira comunhão ... Maria, a Mãe bem-amada de Jesus! Quem poderia dizer o ardor da sua caridade! É o seu Filho que ela recebe! É a carne, é o sangue que ela lhe deu! Correntes de amor sobem para o céu nos transportes desta casta união, destes santos arrebatamentos.

    «Fazei isto em minha memáris-, acrescenta Jesus, e os seus apóstolos são feitos sacerdotes para a eternidade. Unamo-nos ao seu acto de fé e de amor.

    SEGUNDO PONTO: Judas! - A Paixão começa no Cenáculo, com a atitude de Judas tão cruelmente ofensiva para o Coração de Jesus. O traidor já vendeu o seu divino Mestre. Entretanto assiste hipocritamente à Ceia e à instituição da Eucaristia. Comunga sem dúvida sacrilegamente.

    Nosso Senhor experimenta abatimento e piedade. Tenta ainda salvá-lo. Adverte­o: «Um de vós, diz, que estais comigo a esta mesa, trelr-me-e-, Isto devia recordar ao traidor a lamentação de David: «Se um inimigo me tivesse ofendido, tê-lo-ia suportado, mas vó~ um amigo que vivia à minha mesa ... »

    Nosso Senhor deixa manifestar a sua tristeza, não por causa de si mesmo, Ele sabe que deve morrer: «No que diz respeito ao Filho do homem, diz, vai acontecer segundo o que foi determineao». Mas entristece-se por causa do crime do seu discípulo: «Ai daquele, diz, pelo qual o Filho do homem é treidot: (Lc 22,22). Mas nada toca o pecador endurecido.

    Ó Coração sagrado, vítima dos homens, peço-vos perdão pela traição de Judas e pelos crimes que vos hão-de afligir, humilhar, e ferir até ao fim dos tempos sobre todos os altares da terra; perdão pelos cristãos indignos, perdão pelos sacerdotes apóstatas!

    TERCEIRO PONTO: S. João sobre o Coração de Jesus. - Entremos no Cenáculo no momento da acção de graças desta primeira comunhão da terra. S. João repousa com abandono e ternura sobre o Coração de Jesus. É a realização de um quadro do Cântico dos Cânticos: «O meu Bem-Amado é para mim e eu sou para ele ... Eu sou para o meu Bem-Amado e o seu Coração volta-se para min» (Cant. 2).

    Jesus compraze-se na sua imolação eucarística. Esta Páscoa fecunda, que Ele acaba de celebrar com os seus discípulos, renovar-se-à sobre o altar até ao fim dos tempos. É o maná do Novo Testamento, o pão da vida, o pão dos fortes, as delícias dos santos, o penhor da salvação e da ressurreição.

    S. João, o apóstolo virgem, o amigo do Esposo, o familiar de Cristo, extasia-se com a comunhão que acaba de fazer, deixa cair ternamente a sua cabeça sobre o peito do seu Mestre querido. Ele é puro, e a castidade dos sentidos e do coração permite ao homem a intimidade com Deus. Atracção inefável que desprende o discípulo da terra e o eleva à região superior da beatitude e do amor.

    O discípulo bem-amado apoia sobre o coração sagrado de Jesus os seus lábios donde brotarão os rios da teologia sagrada, a sua fronte que tantos raios maravilhosos de ciência e de sabedoria devem ornamentar, e cingir a auréola dos apóstolos, dos profetas, das virgens, dos mártires.

    Cristo reservou a ele somente, porque é puro, escrever com a sua mão os mistérios da pureza incriada, do Verbo de Deus feito carne pela salvação do mundo.

    S. João, discípulo bem-amado, atraí-nos convosco para o peito de Jesus quando estamos unidos a Ele na comunhão.

    Resoluções. - Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou por eles para lhes assinalar o seu amor! E eu que farei para lhe dar amor por amor? Irei à Eucaristia com uma pureza e um fervor que me aproximam das disposições de S. João.

    Colóquio com S. João.

    (Leão Dehon, OSP 3, p. 364ss. Tradução do Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ)

  • Sexta-feira - Semana Santa

    Sexta-feira - Semana Santa

    18 de Abril, 2025

    O CORAÇÃO DE JESUS ABERTO PELA LANÇA

    Sed unus militum lancea latus ejus aperuit; et continuo exivit sanguis et aqua. Et qui vidit testimonium perhibuit... Facta sunt enim haec ut Scriptura impleretur: Os non comminuetis ex eo. Et iterum: Videbunt in quem transfixerunt (Jo 19, 34- 36).

    Mas um dos soldados perfurou-lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e água. Aquele que o viu é que o atesta... E isto aconteceu para que se cumprisse a Escritura: nem um só dos meus ossos se há-de quebrar. E ainda: Hão-de olhar para aquele que trespassaram (Jo 19, 34-36).

    Primeiro Prelúdio. O último acto da Paixão de Cristo, a abertura do seu lado, explica e resume toda a vida do Salvador. Tomou um Coração para o abrir como a fonte de todas as graças.

    Segundo Prelúdio. Dai-me, Senhor, a graça de beber nas fontes da santidade e do amor.

    PRIMEIRO PONTO: A ferida. - Vamos ao Calvário, depois da morte de Jesus. A multidão afastou-se, os amigos ficam. Alguns soldados vêm verificar ou, se é o caso, apressar a morte dos pacientes, para que o espectáculo do seu suplício prolongado não entristeça o dia do sabbat.

    Um dos soldados adiantou-se, portanto, e abriu o lado de Jesus com uma lança. É um grande mistério da história sagrada, onde tudo é mistério e acção divina. A ferida exterior é aqui a revelação simbólica da ferida interior, a do amor. O amor, eis o algoz de Jesus! Cristo morreu porque quis, foi o amor quem o matou ... É assim que a Igreja canta, para saudar o Coração trespassado do seu esposo: «ó Coração vítima de amor, Coração ferido por amor. Coração morrendo de amor por nós! O Cor amoris vidime, amore nostro ssuaum, amore nostri languidum! (Hino do Sagrado Coração).

    Nosso Senhor permitiu este golpe de lança para chamar a nossa atenção para o seu coração, para nos fazer pensar no seu amor que é a fonte de todos os mistérios da salvação: as promessas do Éden, as profecias e as figuras da antiga lei, a acção providencial sobre o povo de Deus, a incarnação, a vida, os ensinamentos e a morte do Salvador. A abertura do lado de Jesus, é como a fonte que regava o paraíso terrestre, é como a fenda do rochedo que deu a água para saciar o povo de Israel.

    SEGUNDO PONTO: O sangue e a água. - E saiu sangue e água, diz S. João. O ferro ao retirar-se deixou jorrar uma dupla fonte de sangue e de água, na qual os Padres da Igreja viram o símbolo desta outra maravilha de amor, os sacramentos, canais preciosos da graça da salvação. - Rio de água que, no santo baptismo e no banho da penitência, lava a alma da mácula original; rio de sangue que cai todas as manhãs nos cálices dos altares, para se expandir pelo mundo fora, consolar a Igreja sofredora do Purgatório e reanimar a Igreja que combate sobre a terra; rio refrescante, onde o coração, ressequido pelos trabalhos e pelas tentações, vai saciar-se de piedade, de caridade e de santa alegria.

    Senhor, concedei-me beber desta água e deste sangue, para não mais tenha esta sede doentia das coisas do mundo que me tortura, e que eu seja inebriado pelo vosso amor.

    TERCEIRO PONTO: «Olharão para dentro daquele que trespassaram». - É a palavra do profeta Zacarias, recordada por S. João. O profeta não disse: «Olharão para aquele que trespassaram», mas «olharão para dentro daquele que trespassaram: Videbunt in quem transfixerunt» (Jo 19, 38). S. João aplica estas palavras à abertura do lado de Jesus; devia pensar no interior de Jesus, no Coração mesmo de Jesus que ele pôde entrever pela chaga aberta do lado, no momento do embalsamamento.

    Esta ferida entrega-nos e abre-nos o Coração de Jesus. Espiritualmente, nós aí lemos o amor que tudo deu, mesmo a vida. Neste amor mesmo, nós reconhecemos o motivo e o fim de todas as obras divinas: Deus criou-nos, resgatou-nos, santificou-nos por amor. No Coração de Jesus, é o fundo mesmo da natureza divina que nós penetramos na sua mais maravilhosa manifestação. «Deus é emot». S. João leu isto no Coração de Jesus.

    Tenho necessidade de contemplar esta ferida para ver como eu sou amado e como por minha vez devo amar. Lá hei-de aprender como um coração amante deve agir, sofrer, tudo dar, até à morte, por Deus e pelas almas.

    Vamos mais profundamente ainda, e vejamos tudo o que sofreu o mais delicado dos corações: os desprezos, as calúnias, as traições, os abandonos, as desistências. Todas as dores estão reunidas neste Coração e transbordam. Sentiu-as todas, a todas santificou. Nas nossas dores, por mais extremas que sejam, tenhamos confiança na simpatia e na compaixão deste Coração, que quis assemelhar-se a nós no sofrimento, para ser mais compassivo e mais misericordioso (Heb 2, 17).

    Comecemos nós mesmos lamentar este amor que não é amado e por compadecer com as suas dores.

    Resoluções. - A abertura do Coração de Jesus recorda-nos o seu amor, a sua bondade, o seu sofrimento. Ele espera de mim o amor em troca, a gratidão, a compaixão. Eis­me aqui, Senhor, para viver convosco e em Vós. Não permitais que eu jamais me separa de vós e que vos esqueça.

    Colóquio com Jesus na cruz.

    (Leão Dehon, OSP 3, p. 367ss. Tradução do Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ)

  • Sábado - Semana Santa

    Sábado - Semana Santa

    19 de Abril, 2025

    O LUTO DE MARIA E DOS APÓSTOLOS E A PROVAÇÃO DE MADALENA

    Et vidit duos angelos in albis, sedentes, unum ad caput et unum ad pedes, ubi positum fuerat corpus Jesu. Dicunt ei illi: Mulier, quid pioras? Dicit eis:

    Quia tulerunt Dominum meum et nescio ubi posuerunt eum (Jo 20,12-13).

    E viu dois anjos vestidos de branco, sentados, um à cabeceira e outro aos pés, onde jazera o corpo de Jesus. Disseram-lhe eles: Mulher, porque choras? Porque levaram o meu Senhor, respondeu, e não sei onde O puseram (Jo 20, 12-13).

    Primeiro Prelúdio. A Santíssima Virgem exprime a sua dor com calma em casa de S. João. Madalena, mais agitada, corre a comprar perfumes e vai ao sepulcro.

    Segundo Prelúdio. luto, compaixão e amor, tais são as disposições de que devo penetrar-me hoje para cumprir a minha missão de discípulo do Sagrado Coração.

    PRIMEIRO PONTO: Luto de Maria, de S. João e de Madalena. - Durante o grande luto do sábado, Maria, os discípulos e as santas mulheres permaneceram em casa, por causa do Sabbat. «Sabbato autem siluerunt secundum msndetun» (Lc 23, 56).

    Para Maria, havia um outro motivo: Era costume entre os Judeus que a pessoa mais estreitamente unida ao defunto, a sua mãe, a sua esposa, a irmã permanecesse em casa durante o grande luto, enquanto que os outros membros da família iam visitar o sepulcro. Na morte de Lázaro, era Madalena que permanecia em casa: Maria autem domi sedebat(Jo 11, 20).

    A casa para Maria, era em casa de João. Tinha-a tomado consigo por ordem de Nosso Senhor. Ex illa hora accepit eam discipulus in sua (Jo 19, 27). Pedro também estava lá, não deixava João naqueles dias.

    Nós podemos facilmente pensar que Madalena permaneceu também junto de Maria. Unidas ao pé da cruz, estavam unidas no luto. A presença de Maria adoçava o luto de Madalena. A presença de Madalena, que tinha sido toda regada pelo sangue de Jesus, era para Maria como um resto de Jesus mesmo.

    Maria abandona-se menos à dor do que Madalena. A sua fé não lhe deixa perder de vista os ensinamentos da Escritura.

    Ela sabe que a alma santa de Jesus não será abandonada nos infernos e que Deus não permitirá que o corpo do Santo conheça a corrupção: Quoniam non derelinques animam meam in inferno, nec dabis Sanctum tuum videre corruptionem (SI 15, 9). /371

    Ela espera a sua próxima visita. Medita sobre a grandeza do sacrifício e do amor de Jesus e sobre os felizes frutos que a sua Paixão há-de produzir: Conservabat omnia verba hoc in corde suo (Lc 2, 19).

    SEGUNDO PONTO: Amor e fidelidade de Maria. - Madalena ela também nos dá um grande exemplo de fidelidade e de perseverança no amor de Nosso Senhor. Ela não tem repouso, não pode viver longe do seu Bem-Amado. Faz-lhe falta o seu Deus, procurá-lo-á. O seu tesouro está no sepulcro, lá também está o seu coração. As provações não extinguiram as chamas do seu amor: Aquae multae non potuerunt extinguere caritatem (Cant. 8).

    o seu amor foi purificado no cadinho dos sofrimentos. É preciso que a sua fidelidade reduplique: o seu Bem-Amado foi tão cruelmente traído, abandonado! É preciso que a sua dedicação seja verdadeiramente reparadora.

    Logo que a lei de Deus o permite, sai com as outras duas Maria para comprar perfumes (Mc 16, 1). Por modéstia, não sai sozinha, consulta Pedro, João e Maria, como lhes irá prestar contas quando tiver encontrado o túmulo vazio. A obediência à Igreja e a união a Maria são as marcas do verdadeiro espírito de Deus. Depois da compra dos perfumes, Madalena faz uma visita ao sepulcro com uma só companhia:

    Vespere autem sabbati, venit cum altera Maria videre sepulcrum (Mt 28, 1). Toma o caminho do Calvário, ainda é escuro, revê em espírito todas as cenas da sexta-feira. Tem medo de pisar aos pés o precioso sangue. A cruz está ainda lá, é terrível no meio das sombras da noite. O sepulcro está solitário, os guardas dormitam. Madalena senta­se e chora. A hora da consolação não chegou. Nosso Senhor deixa-a nas suas angústias e, todavia, fortifica a sua coragem. Volta para a casa de dor, não encontrou o seu Bem-Amado: Per noctem quaesivi quem diligit anima mea. Quaesivi et non inveni (Cant 3, 2). - Quando tivermos perdido a presença de Nosso Senhor, procuremo-lo assiduamente como Madalena.

    TERCEIRO PONTO: Ardor de Madalena e as suas provações. - O coração amante de Madalena não conhece nem atraso nem desânimo. Logo que isto é possível: Valde mane, valde diluculo, cum adhuc tenebrae essent (Mc, Lc, Jo), Madalena sai com as outras duas Marias para voltar ao Calvário. Ela adianta-se, corre. Como o esposo dos Cânticos, ela disse: «Leventer-me-ei de noite e percorrerei a cidade; nas ruas, nas praças públicas procurarei aquele que o meu coração ama. Perguntarei aos guardas das portas da cidade: Não o vistes por acaso»? (Cant 3, 1).

    Durante esta noite, ela dizia com o Salmista: «A minha alma suspira por vós, ó meu Deus, como o veado sedento pela água das fontes. Quando vos tornarei a ver, Ó meu Deus? Quando hei-de comparecer diante da vossa face? Enquanto derramo lágrimas inextinguíveis, os meus inimigos riem-se e dizem-me: Onde está o teu Deus? ... Ó minha alma, espera mesmo assim, porque ainda o hás-de louvar, o teu Senhor e o teu Deus» (SI 41).

    Mas Nosso Senhor quer provar ainda mais a sua fidelidade e a sua constância.

    Chegando ao Calvário, Madalena vê que a pedra foi retirada e que o sepulcro está vazio. Não pensava na ressurreição, procurava o corpo magoado e dilacerado do seu Salvador para lhe prestar o piedoso dever de uma sepultura digna dele. Mesmo esta esperança é desenganada. Não lhe resta mais nada senão chorar pelo seu Jesus! É como se fosse fulminada. Todavia, ela não sucumbe à sua dor, adora, humilha-se, recorda-se dos seus pecados que justificam esta privação do seu Jesus, do seu Salvador bem-amado.

    Resoluções. - Maria, João, Madalena e as santas mulheres são os nossos modelos nesta jornada de compaixão e de reparação. São os únicos amigos fiéis do Coração de Jesus. Unir-me-ei a eles hoje e todos os dias. Procurarei o meu Jesus como Madalena, todas as vezes que tiver perdido a sua presença sensível. Não desanimarei nunca na minha fé, na minha confiança e no meu amor.

    Colóquio com Maria.

    (Leão Dehon, OSP 3, p. 370ss. Tradução do Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ)

  • 1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    21 de Abril, 2025

    1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 2, 14. 22-33

    No dia do Pentecostes, Pedro de pé, com os Onze, ergueu a voz e dirigiu-lhes então estas palavras:«Homens da Judeia e todos vós que residis em Jerusalém, ficai sabendo isto e prestai atenção às minhas palavras.Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré, Homem acreditado por Deus junto de vós, com milagres, prodígios e sinais que Deus realizou no meio de vós por seu intermédio, como vós próprios sabeis, 23este, depois de entregue, conforme o desígnio imutável e a previsão de Deus, vós o matastes, cravando-o na cruz pela mão de gente perversa.
    4Mas Deus ressuscitou-o, libertando-o dos grilhões da morte, pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte. 25David diz a seu respeito: 'Eu via constantemente o Senhor diante de mim, porque Ele está à minha direita, a fim de eu não vacilar. 26Por isso o meu coração se alegrou e a minha língua exultou; e até a minha carne repousará na esperança, 27porque Tu não abandonarás a minha vida na habitação dos mortos, nem permitirás que o teu Santo conheça a decomposição.
    28Deste-me a conhecer os caminhos da Vida, hás-de encher-me de alegria com a tua
    presença. ' 29Irmãos, seja-me permitido falar-vos sem rodeios: o patriarca David morreu e foi sepultado, e o seu túmulo encontra-se, ainda hoje, entre nós. 30Mas, como era profeta e sabia que Deus lhe prometera, sob juramento, que um dos descendentes do seu sangue havia de sentar-se no seu trono, 31viu e proclamou antecipadamente a ressurreição de Cristo por estas palavras: 'Não foi abandonado na habitação dos mortos e a sua carne não conheceu a decomposição. ' 32Foi este Jesus que Deus ressuscitou, e disto nós somos testemunhas. 33Tendo sido elevado pelo poder de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou-o como vedes e ouvis.

    «Jesus de Nazaré, Homem acreditado por Deus junto de vós, com milagres, prodígios e sinais... depois de entregue... vós o matastes, cravando-o na cruz... Mas Deus ressuscitou-o». Estas palavras de Pedro, na manhã do Pentecostes, constituem o anúncio fundamental, o Kerigma, que a Igreja é chamada a fazer a todos os povos, a começar por Jerusalém. Jesus foi condenado e executado. Mas Deus confirmou a justeza da sua causa, ressuscitando-O dos mortos. Aliás, tudo estava previsto, conforme verificamos no salmo 15. O que não se realizou em David, realizou-se em Jesus de Nazaré, que Deus ressuscitou dos mortos. Os apóstolos são testemunhas desse facto. Pedro evoca a vida exemplar de Jesus, evoca a sua morte levada a cabo pelos judeus e pelos pagãos, e evoca a sua ressurreição. Tudo aconteceu conforme o plano de Deus delineado nas Escrituras.
    Temos aqui um exemplo da primeira pregação apostólica, centrada em Jesus de Nazaré, na sua acção, na responsabilidade de quem O recusou, e na total presença de Deus em todos os momentos da sua maravilhosa vida.

    Evangelho: Mateus 28, 8-15

    Naquele tempo, Maria Madalena e a outra Maria, 8afastando-se rapidamente do sepulcro, cheias de temor e de grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos. 9Jesus saiu ao seu encontro e disse-lhes: «Salve!» Elas aproximaram-se, estreitaram-lhe os pés e prostraram-se diante dele. 10Jesus disse- lhes: «Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.» 11Enquanto elas iam a caminho, alguns dos guardas foram à cidade participar aos sumos-sacerdotes tudo o que tinha acontecido! 12Eles reuniram-se com os anciãos; e, depois de terem deliberado, deram muito dinheiro aos soldados, 13recomendando-lhes: «Dizei isto: 'De noite, enquanto dormíamos, os seus discípulos vieram e roubaram-no.' 14E, se o caso chegar aos ouvidos do governador, nós o convenceremos e faremos com que vos deixe tranquilos.» 15Recebendo o dinheiro, eles fizeram como lhes tinham ensinado. E esta mentira divulgou-se entre os judeus até ao dia de hoje.

    Enquanto as mulheres, tendo-se encontrado com Jesus, correm a levar a notícia aos apóstolos (vv. 8-10), os guardas também correm a informar os sumos- sacerdotes sobre o curso dos acontecimentos (vv. 11-15). Entretanto Mateus centra a sua e a nossa atenção no túmulo vazio. Perante essa realidade, podemos tirar duas conclusões: ou Jesus ressuscitou, de verdade, ou os discípulos roubaram o seu corpo. Mas o episódio está organizado de tal modo que não deixa muito espaço a dúvidas. O testemunho das mulheres não dá hipóteses à mentira dos sumos-sacerdotes: «Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão» (v. 10). Só uma fé semelhante à das mulheres torna possível acolher o anúncio da ressurreição.
    Mateus escreve no século I, quando ainda estava bem acesa a polémica sobre a ressurreição de Cristo entre os chefes do povo e a comunidade dos discípulos. Para o evangelista, a ressurreição de Jesus era um facto indubitável, que tinha inaugurado os novos tempos e o Reino de Deus fundado no amor. Mas os chefes do povo judeu continuavam a rejeitar Jesus, e à espera de outro salvador.
    A ressurreição continua a ser sinal de contradição: é fonte de vida e de salvação para quem está aberto à fé e ao amor; é motivo de juízo e de condenação para quem a recusa.

    Meditatio

    A visão dos Anjos, que anunciavam a ressurreição, trouxe às mulheres temor, mas também grande alegria. Mas essa alegria só será plena quando Jesus se manifestar pessoalmente a elas. É o que acontece logo de seguida: «Salve!», diz-lhes o Senhor ao encontrá-las. Então, puderam abraçar-Lhe os pés, adorá-l´O.
    O encontro com Jesus ressuscitado enche as mulheres de contentamento porque a Sua presença é presença de Deus. Jesus aponta-lhes o caminho da vida e da missão. Aquela experiência não era para ficarem quietas e caladas. Por isso, partem em missão: «Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão» (v. 10). Também para nós, a alegria da Ressurreição, há-de tornar-se compromisso de anúncio, de missão.
    A segunda parte do texto mostra-nos outro efeito da luz da Ressurreição, um
    efeito negativo naqueles que não estão dispostos a acolhê-la. Os guardas do sepulcro e os anciãos conspiram, recusando ver a luz: «Dizei isto: 'De noite, enquanto dormíamos, os seus discípulos vieram e roubaram-no.' » (v. 13). Santo Agostinho observa com ironia: «Se dormiam, como é que viram os discípulos roubar o corpo?&raquo
    ;
    É bem diferente o testemunho de Pedro sobre Jesus: «Vós o matastes,
    cravando-o na cruz... Mas Deus ressuscitou-o» (cf. vv. 3-4). Esta primeira pregação do Apóstolo ecoará ininterruptamente na pregação da Igreja ao longo dos séculos. Pedro e a Igreja existem para anunciar a Morte e a Ressurreição de Jesus. Estes factos encerram toda a negatividade da história e toda a positividade da vontade de Deus. Cada um de nós é apóstolo na medida em que anuncia esta verdade, e se sente

    identificado com ela. O ódio, as trevas, a morte foram vencidos pelo poder de Deus, porque Cristo ressuscitou, porque «pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte» (v. 4). Pedro e os outros Apóstolos anunciavam corajosamente a Ressurreição do Senhor. Anunciavam com poder, porque fizeram a experiência do Ressuscitado. Uma coisa é anunciar ao mundo Cristo, conhecido pelo estudo e, portanto, de modo muito abstracto; outra coisa é anunciar Cristo experimentado, vivido. Da experiência do Ressuscitado brota o testemunho eficaz e a acção em favor dos irmãos, o apostolado. Do apostolado, volta-se à experiência do Senhor. Quando temos uma experiência profunda e pessoal de Cristo, não há diferença essencial entre contemplação e apostolado. São dois modos diferentes de o amor oblativo se exprimir. Lembremos a legenda de Cassiano que fala do cão que corre porque viu a lebre e dos cães que correm porque viram o outro correr, mas não a lebre. Há uma boa diferença no modo de correr!
    Paulo VI, ao dirigir-se a religiosos de vida apostólica, afirma que "o anúncio da palavra de Deus", donde brota a fé, é uma "graça", "exige uma profunda união com o Senhor" (ET 9). "Múltiplos são os dons do Espírito, mas são tais que nos permitem sempre saborear o conhecimento íntimo e verdadeiro do Senhor" (ET 43): "O Espírito Santo dar-vos-á também a graça de descobrir o rosto do Senhor no coração dos homens, que Ele mesmo vos ensina a amar como irmãos. Ajuda-vos a recolher as manifestações do Seu amor na trama dos acontecimentos" (ET 44). São as experiências de Cristo Ressuscitado que tornam fecundo o nosso apostolado.

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me um coração aberto à tua luz e disponível para a missão. Não falta neste mundo quem procure esconder a verdade, fechar-se à tua luz, refugiar-se em conspirações para defender os seus interesses, afastando-se cada vez mais da simplicidade da verdade e juntando confusão à confusão. Mas só quem se abre à verdade está em paz e pode avançar com simplicidade.
    Senhor Jesus, creio na tua ressurreição gloriosa. Faz crescer em mim um
    coração de apóstolo. Dá-me uma alma vibrante e generosa, combativa e acolhedora, uma alma que me leve a dar testemunho de Ti em todas as ocasiões, porque só Tu tens Palavras de vida e porque, só na realização do teu Reino, encontrarei a paz.
    Interceda por mim a tua Mãe, a Virgem Maria, Rainha dos Apóstolos. Amen.

    Contemplatio

    Mal se puseram a caminho, encontram Jesus diante delas. Salvete, eu vos saúdo, diz-lhes. Cheias de fé, prostram-se, adoram o seu Deus, beijam as cicatrizes gloriosas dos seus pés. Agarram-se a estes pés benditos: tenuerunt pedes ejus. Jesus deixa-as fazer. Poucos instantes antes, não tinha permitido que Madalena lhe tocasse. As almas têm caminhos diferentes. Madalena é uma alma contemplativa, Jesus exige dela uma fé mais pura e um perfeito desapego. Tem também de reparar sensualidades passadas. As duas Marias são parentes de Jesus, são almas mais simples. São trémulas e fracas, têm necessidade de acreditar e de sentir para crerem e amarem. Como a bondade do Coração de Jesus sabe acomodar-se às necessidades de cada alma! Se soubéssemos também discernir as vistas de Deus e nos deixássemos conduzir por um sábio director!
    Nosso Senhor interrompe a alegria das piedosas mulheres e transmite-lhes a mensagem que deu a Madalena: «Ide dizer aos meus irmãos que me precedam na Galileia, é lá que me hão-de ver».
    Partem, mas estão de tal modo perturbadas que já não pensam
    na mensagem, diz-nos S. Marcos. Correm sem dúvida para casa da santíssima Virgem. Nosso Senhor desculpa-as, mandará prevenir S. Pedro e os outros apóstolos reunidos no Cenáculo por Madalena e à noite ainda pelos discípulos de Emaús. Está, de facto, nos desígnios de Deus que os fiéis dêem a sua colaboração aos apóstolos.
    Em tudo isto, o Coração de Jesus mostra uma admirável ternura pelas almas que lhe estão ligadas e que lhe estão consagradas. Vencer-nos-á sempre em afeição. (Leão Dehon, OSP 3, p. 379).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Não era possível que Jesus ficasse sob o domínio da morte» (cf. Act 2, 4)

  • 1ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    1ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    22 de Abril, 2025

    1ª Semana - Terça-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 2, 36-41

    No dia do Pentecostes, disse Pedro aos judeus: «Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza, que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado.»
    37Ouvindo estas palavras, ficaram emocionados até ao fundo do coração e perguntaram a Pedro e aos outros Apóstolos: «Que havemos de fazer, irmãos?» 38Pedro respondeu-lhes: «Convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo. 39Na verdade, a promessa de Deus é para vós, para os vossos filhos, assim como para todos os que estão longe: para todos os que o Senhor nosso Deus quiser chamar.» 40Com estas e muitas outras palavras, Pedro exortava-os e dizia-lhes: «Afastai-vos desta geração perversa.» 41Os que aceitaram a sua palavra receberam o baptismo e, naquele dia, juntaram-se a eles cerca de três mil pessoas.

    O discurso de Pedro culmina com a confissão essencial da fé cristã: «Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza, que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado» (v. 36). Estas palavras provocam grande comoção nos ouvintes, que se dão conta da sua culpa na morte de Jesus. Mas, aos sentimentos de arrependimento, junta-se a percepção de que chegaram os últimos tempos. Embora não se fale explicitamente da segunda vinda de Cristo para realizar o juízo, ela está implícita na citação de Joel. Isto explica a reacção dos ouvintes: «Que havemos de fazer, irmãos?» (v. 37). É a pergunta que hão-de fazer todos aqueles que escutam o Evangelho. Pedro responde a todos: «convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo... recebereis, então, o dom do Espírito Santo» (v. 38). É preciso, pois, mudar de mentalidade e de comportamento (metánoia), receber o baptismo «em nome de Jesus Cristo», o Enviado, o Messias, o Salvador. Receber o baptismo é sinal de abertura à vida nova, obra do Espírito que liberta da morte e oferece plenitude de vida. O perdão dos pecados, a libertação da morte e a vida nova no Espírito são oferecidos a todos os que, chamados por Deus, respondem confessando a fé: Jesus é o Senhor! Essa confissão liberta, os que a fazem, da «geração perversa» (v. 13), isto é, daqueles que, apegados a uma religiosidade legalista, querem impedir os outros de confessarem a fé em Jesus Cristo.
    As três mil conversões manifestam a força irresistível do Evangelho, e mostram-
    nos Pedro no seu novo trabalho de «pescador de homens» (Lc 5, 10).

    Evangelho: João 20, 11-18

    Naquele tempo, 11Maria Madalena estava junto ao túmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para dentro do túmulo, 12e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. 13Perguntaram-lhe: «Mulher, porque choras?» E ela respondeu: «Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.» 14Dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus, de pé, mas não se dava conta que era Ele. 15E Jesus disse-lhe: «Mulher, porque choras? Quem procuras?» Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: «Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o

    puseste, que eu vou buscá-lo.» 16Disse-lhe Jesus: «Maria!» Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: «Rabbuni!» - que quer dizer: «Mestre!» 17Jesus disse-lhe:
    «Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus.'» 18Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito.

    A ressurreição é um facto sobrenatural, testemunhado pelo mundo sobrenatural: jovem vestido de branco (Mc 16, 5), um anjo (Mt 28, 5), homens vestidos de branco (Lc 24, 4), dois anjos (Jo 20, 12). Ao longo de Jo 20, vemos o crescimento e a afirmação da fé dos primeiros discípulos em Jesus ressuscitado.
    O nosso texto compõe-se de duas partes: a aparição dos anjos a Maria (vv. 11-
    13) e a aparição de Jesus à mulher (vv. 14-18). Maria deve ser libertada de um apego ainda muito sensível ao Jesus terreno. A ultrapassagem desta visão terrena permite ao discípulo encontrar o Senhor. Maria não chega à fé em Cristo ressuscitado por meio dos anjos, que são simples interlocutores. De facto, só reconheceu o Senhor quando Ele pronunciou o seu nome: «Maria!» (v. 16), inaugurando nela uma nova vida. Ao reconhecer o Mestre (Rabbuni!), é convidada por Jesus a anunciar aos discípulos a Ressurreição. Torna-se então símbolo da fé plena, que se torna missionária e evangelizadora da Palavra de Jesus: «Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito» (v. 18).
    O encontro de Jesus com Maria Madalena, e o anúncio feito pela mulher aos irmãos, encerra uma importante mensagem para o discípulo de todos os tempos: o Senhor está vivo e cada um O deve procurar por meio de uma caminhada de fé, na certeza de que, se fizer a sua parte, o Senhor não tardará, por Sua vez, a vir-lhe ao encontro e a fazer-Se reconhecer.

    Meditatio

    Animados pelo Espírito Santo, os Apóstolos pregaram Jesus Cristo Morto e Ressuscitado. A Boa Notícia foi acolhida com entusiasmo e «juntaram-se a eles cerca de três mil pessoas» (41). Como explicar tantas conversões? Estava-se no Pentecostes e o Espírito não actuava só nos Apóstolos, mas também nos seus ouvintes. O discurso de Pedro não era extraordinário nem irresistível. Mas os seus ouvintes ficaram fortemente emocionados com ele. E impõe-se uma conclusão: é o Espírito que torna fecunda a Palavra e converte os corações. O livro dos Actos ilustra esta verdade elementar: o protagonista da evangelização é o Espírito Santo.
    Parece que estamos a redescobrir na Igreja esse caminho, que exige mais paz e oração, e menos agitação e correrias. A pregação só toca os corações quando vai incendiada pelo fogo do Espírito.
    O evangelho comove e espanta pela sua simplicidade. Maria chora por aquilo que a devia encher de alegria. Mas ela ainda não sabe tudo, nem podia sabê-lo. Só um coração cavado pela dor pode ser repleto de alegria sobrenatural. Quantas vezes nos deixamos afundar na tristeza, em vez de exultarmos pela alegria que os sofrimentos nos preparam!
    Maria não reconhece Jesus porque se deixou envolver na sua ilusão humana:
    «Levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram» (v. 13). As suas palavras
    não estão totalmente erradas, porque expressam um profundo afecto pelo Senhor. Mas deve converter-se: procura um morto, e deve procurar um vivo. Uma tal conversão só irá acontecer quando Jesus a chamar pelo nome: «Maria!» (v. 16).
    Nós também só podemos chorar e procurar o Senhor na noite. Mas, quando Ele quiser, pode tocar-nos o coração, chamar-nos pelo nome. E tudo mudará: «Rabbuni!»,

    «Mestre!» (v. 16). Vamos reconhecê-Lo e ouvir da sua boca: «vai ter com os meus irmãos» (v. 17).
    Antes da Paixão, Jesus nunca tinha chamado irmãos aos seus discípulos. Chamo- os, agora. A cruz aproximou-O de nós de um modo absolutamente único. Tendo entrado na glória, parece mais longe de nós. Mas está mais próximo: é um irmão que nos leva ao seu e nosso Pai.
    A Igreja constituiu-se à volta do Ressuscitado, cuja presença ela
    experimentava fortemente. É também à volta d´Ele que se constituem as comunidades religiosas, no respeito pela dignidade e pela liberdade das pessoas. Cristo é o centro de toda a comunidade religiosa. Por isso, mais do que fruto da habilidade dos homens, a comunidade é fruto da Graça. Mais do que por meio de recursos humanos, a comunidade há-de ser construída à volta do altar, na celebração e na adoração eucarísticas. As nossas Constituições afirmam: "A comunidade esforça- se por dar testemunho de Cristo, no nome do qual está reunida" (Cst 67); "Procuramos a inspiração e o modelo desta vida comunitária na comunidade dos discípulos reunidos em redor do Senhor e nas primitivas comunidades cristãs" (Cst
    59).

    Oratio

    Ó Senhor Jesus Ressuscitado, quantas vezes, também eu, me deixo envolver por ilusões, por desejos excessivamente humanos. Dá-me a graça de Te reconhecer, de poder exclamar como Maria Madalena: «Vi o Senhor!». Então a minha alegria será plena, e ninguém ma poderá tirar. Então saberei construir igreja, construir comunidade! Então serei missionário da Boa Nova, porque, sem Ti, sem o teu Espírito, as minhas palavras são vazias, o meu trabalho estéril, os meus esforços vãos. Só Contigo, animado pelo teu Espírito, poderei levar a salvação aos meus irmãos. Faz-me compreender, cada vez mais, a absoluta necessidade de Ti, para ser testemunha, para evangelizar. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor quis passar por um momento pelos temores e pelas perturbações da agonia, para sofrer tudo o que sofremos e para nos ensinar a resignação e o abandono de que a vida está toda semeada. Queria também sofrer em todas as suas faculdades, a fim de expiar as faltas cometidas por todas as potências da nossa alma e do nosso corpo.
    Nestas penas extremas, exprime a sua resignação à vontade do seu Pai,
    mas regressa imediatamente à sua disposição habitual de alegria no sacrifício: Levantai-vos e vamos. Levantai-vos e caminhemos, dizia aos seus apóstolos e ia para a frente do traidor. Ia para a frente do cálice de amargura que tinha desejado beber e para o baptismo de sangue com que tinha pressa de ser baptizado por amor pelo seu Pai e por nós.
    O conjunto dos mistérios da sua Paixão, era a nossa salvação, a nossa redenção. Era o prelúdio necessário da Ressurreição, da abertura do seu Coração, do nascimento da Igreja, da descida do Espírito Santo e de todas as graças esperadas e preparadas desde a origem do mundo. Era a vitória sobre o demónio e sobre o pecado.
    Tinha muitas vezes exprimido o seu desejo da cruz; era para Ele uma
    angústia esperar: Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize! (Lc 12, 50).

    Os profetas tinham anunciado esta espontaneidade do seu sacrifício: ofereceu-se porque quis (Is 53). Assim, quando Pedro e os outros quiserem prender o traidor e os seus cúmplices, Nosso Senhor reprimirá o seu ardor demasiado natural: Não hei-de beber o cálice que meu Pai me deu? (Jo 18,11) (Leão Dehon, OSP 3, p. 247s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vi o Senhor!» (Jo 20, 18).

  • 1ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    23 de Abril, 2025

    1ª Semana - Quarta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 3, 1-10

    Naqueles dias, 1Pedro e João subiam ao templo, para a oração das três horas da tarde. 2Era para ali levado um homem, coxo desde o ventre materno, que todos os dias colocavam à porta do templo, chamada Formosa, para pedir esmola àqueles que entravam. 3Ao ver Pedro e João entrarem no templo, pediu-lhes esmola. 4Pedro, juntamente com João, olhando-o fixamente, disse-lhe: «Olha para nós.» 5O coxo tinha os olhos nos dois, esperando receber alguma coisa deles. 6Mas Pedro disse-lhe: «Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te dou: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!» 7E, segurando-o pela mão direita, ergueu-o. No mesmo instante, os pés e os artelhos se lhe tornaram firmes.8De um salto, pôs-se de pé, começou a andar e entrou com eles no templo, caminhando, saltando e louvando a Deus. 9Todo o povo o viu caminhar e louvar a Deus. 10Bem o conheciam, como sendo aquele que costumava sentar-se à Porta Formosa do templo a mendigar; ficaram cheios de assombro e estupefactos com o que lhe acabava de suceder.

    Os primeiros cristãos viviam dentro do judaísmo. Ainda não se dera a ruptura provocada pela novidade cristã. Pedro e João sobem ao templo para participarem no sacrifício das três horas da tarde. Assim faziam muitos judeus. À volta do templo, havia doentes e mendigos, que pediam esmola. Para os judeus, dar esmola era obra comparável à oração. É nesse contexto que Pedro realiza o milagre, «em nome de Jesus Cristo Nazareno» (v. 5). Esse milagre era um claro sinal de que os tempos novos esperados pelos judeus tinham chegado e estavam presentes. Ao mesmo tempo, cumpria-se a palavra de Jesus que tinha enviado os seus discípulos a curarem os enfermos e a anunciarem o evangelho (Lc 9, 2). Os próprios milagres são anúncio do evangelho (cf. Act 8, 6). Foi o que acontecera na vida de Jesus. E Pedro continua a obra libertadora de Jesus com a pregação e os milagres. Os milagres levam a explicação de como, porquê e por quem são realizados. Os milagres também servem para confirmar a autoridade daquele que anuncia a Boa Nova.
    A narrativa está cheia de vida e movimento. A cura do paralítico simboliza o poder vivificador de Jesus, a passagem do desespero à vida plena. Pedro ergue o coxo «em nome de Jesus Cristo Nazareno» (v. 6). O «nome» é sinónimo da pessoa e da sua autoridade. Os apóstolos falam e actuam com o poder de Jesus. É também em Jesus que o doente deve confiar. Pedro realçará a importância do «nome» de Jesus no discurso que vem a seguir.

    Evangelho: Lucas 24, 13-35

    13Dois dos discípulos de Jesus iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, que ficava a cerca de duas léguas de Jerusalém; 14e conversavam entre si sobre tudo o que acontecera. 15Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho; 16os seus olhos, porém, estavam impedidos de o reconhecer. 17Disse-lhes Ele: «Que palavras são essas que trocais entre vós, enquanto caminhais?» Pararam entristecidos. 18E um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Tu és o único forasteiro em Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» 19Perguntou-lhes Ele: «Que foi?» Responderam-lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; 20como os sumos-sacerdotes e os nossos chefes o entregaram, para ser condenado à morte e crucificado. 21Nós esperávamos que fosse Ele o que viria redimir Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que se deram estas coisas. 22É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deixaram perturbados, porque foram ao sepulcro de madrugada 23e, não achando o seu corpo, vieram dizer que lhes apareceram uns anjos, que afirmavam que Ele vivia. 24Então, alguns dos nossos foram ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas, a Ele, não o viram.» 25Jesus disse-lhes, então: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! 26Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» 27E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito. 28Ao chegarem perto da aldeia para onde iam, fez menção de seguir para diante. 29Os outros, porém, insistiam com Ele, dizendo: «Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso.» Entrou para ficar com eles. 30E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho.
    31Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença. 32Disseram, então, um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» 33Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, 34que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» 35E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.

    O relato de Lucas, que hoje escutamos, é um dos mais profundos testemunhos da Páscoa de Jesus, que encontramos no Novo Testamento. Ao mesmo tempo, apresenta-nos a escuta da Palavra e a Eucaristia como fundamentos do caminho da fé cristã.
    Esta experiência dos discípulos é descrita em dois momentos. No primeiro, vemo-los afastarem-se da comunidade de fé de Jerusalém, para voltarem ao seu velho mundo (vv. 13-29). Vão profundamente desiludidos. Tinham confiado em Jesus como profeta e esperavam nele como líder vitorioso, como libertador de Israel (v. 21). A Ressurreição significava para eles o triunfo militar do povo e uma nova ordem de justiça e liberdade sobre a terra. Mas nada disso aconteceu. É certo que Jesus não estava no sepulcro. Algumas mulheres tinham verificado esse facto... Alguns homens também viram o túmulo vazio. Mas não O viram a Ele (vv. 23-24). No segundo momento, vemo-los voltar a Jerusalém, à comunidade dos discípulos, alegres e com a fé renovada (vv. 30-35). No primeiro momento, Jesus, na figura de um viandante, aproxima-se dos discípulos e, conversando com eles, ajuda-os a ler o plano de Deus e a recuperar a esperança. Lembra-lhes as Escrituras (v. 25). Quando já se reacende a esperança, e o querem reter à sua mesa, enquanto Ele lhes reparte o pão, reconhecem o Senhor: «os seus olhos abriram-se e reconheceram-no» (v. 31).
    O ensinamento de Lucas é claro. Há que ultrapassar preconceitos sobre Jesus e sobre o seu destino. Ele não é reconhecido através de uma guerra santa e vitoriosa. O sepulcro não é o seu lugar definitivo, nem a sua ressurreição é um regresso ao pas
    sado. O caminho para O encontrar é a escuta da Palavra de Deus, presente nas Escrituras e a Eucaristia colocada no centro da vida. Quem assim fizer, chegará gradualmente è fé e fará experiência do Ressuscitado. A Igreja alimenta-se da grande mesa da Palavra e da Eucaristia. O Senhor está onde se encontram os irmãos reunidos à volta de Simão, que viu o Senhor e fortalece a fé dos seus irmãos, lançando os fundamentos da Igreja.

    Meditatio

    Ontem, como hoje, há fome e sede de milagres, e os seus «fazedores» correm o risco de ser idolatrados. Mas Pedro e João, como, mais tarde, Paulo e Barnabé (Act14, 14ss.), corrigem o povo e proclamam que é em nome de Jesus Nazareno que operam prodígios. Só quem acredita e invoca esse nome alcança milagres.
    Também hoje há milagres. Mas é Deus que os realiza pela oração e pela fé. Por vezes, os que se encontram em situações de grande sofrimento, pedem a ajuda de pessoas que julgam mais próximas de Deus. Mas também hoje, essas pessoas, muitas vezes, não têm «ouro nem prata». Vivem na humildade e na oração.
    Longe do cepticismo de quem exclui a possibilidade e a oportunidade de milagres, mas também longe do fanatismo pelos curandeiros e pela crendice mais ou menos supersticiosa, confiamo-nos à oração e à fé para alcançar a intervenção extraordinária de Deus em casos extremos, deixando para Ele, que tudo conhece, a última decisão. E Deus não abandona o seu povo. Socorre-o com intervenções, por vezes, extraordinárias, obtidas pela oração dos seus servos que, confiando apenas n' Ele, não precisam de ouro nem de prata.
    A narrativa dos dois discípulos de Emaús está construída como uma Missa. Quantas vezes, diante do mistério de Cristo, ficamos desorientados, tristes, e nos deixamos levar pelo «bom senso», afastando-nos de Jerusalém. Mas a presença de Jesus ilumina-nos, aquece-nos o coração, e faz-nos voltar a Jerusalém, isto é, à vida quotidiana do testemunho, profundamente mudados.
    Acontece-nos ir para a celebração eucarística cheios de preocupações, carregados de dificuldades, com a alma pesada e fechada em si mesma. Mas, como aos discípulos de Emaús, o Senhor acolhe-nos e explica-nos as Escrituras. E, então, os nossos corações começam a arder dentro de nós, abrem-se às surpresas de Deus, e os nossos olhos são iluminados. Passamos a ver a vida e os acontecimentos que a preenchem a outra luz. À mesa da palavra, segue a mesa do pão. Jesus toma o pão, abençoa-o, parte-o e distribui-o: «Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram- no» (Lc 24, 31). E também os nossos se abrem permitindo-nos reconhecer o Senhor onde Ele está: no caminho da nossa vida, na comunidade reunida em seu nome, na Palavra e no Pão: «Eu estarei sempre convosco» (Mt 28, 20). A narrativa de Lucas refere-se a um facto que aconteceu mas, também, a um facto que acontece na vida dos cristãos. A escuta da Palavra e a partilha do Pão, isto é, da Eucaristia, levam-nos a reconhecer a Cristo Ressuscitado, presente no meio de nós.
    Memorial do sacrifício de Cristo, a Eucaristia é também sua presença viva, que nos dá a vida nova. «Toda a nossa vida cristã e religiosa - lembram as Constituições - encontra a sua fonte e o seu ponto culminante na Eucaristia (cf. LG 11). A celebração do Memorial da morte e ressurreição do Senhor constitui para nós o momento privilegiado da nossa fé e da nossa vocação de Sacerdotes do Coração de Jesus» (Cst 80).

    Oratio

    Senhor Jesus Ressuscitado, quero pedir-te, hoje, uma fé viva na tua presença na celebração eucarística. Tu estás na tua Palavra, Tu estás na Eucaristia, com o teu corpo ressuscitado, que conserva os gloriosos sinais da tua Paixão. Tu dás-Te a mim e a cada um dos meus irmãos com a mesma generosidade e com o mesmo amor com que avançaste sereno e decidido para o Calvário. Tu ressuscitaste porque sofreste. Com o teu sacrifício renovaste o homem e deste-lhe a possibilidade de viver uma vida nova. Glória a Ti para sempre! Amen! Amen! Aleluia!

    Contemplatio

    Os dois discípulos iam-se embora, tristes, abatidos, silenciosos. Pouco a pouco rompem o silêncio. Comunicam entre si as suas impressões desencorajantes: Sperabamus! Nós esperávamos! Agora tudo acabou. Fogem para o campo. Deviam ter sabido entretanto que Jesus tinha predito a sua ressurreição. Não compreenderam. Não têm uma fé viva. Regressam às suas ocupações materiais. Julgam Jesus morto para sempre, e ele está a alguns passos atrás deles.
    Jesus está connosco também nas nossas provações e nas nossas desolações. O seu Coração poderia ficar frio e indiferente às nossas aflições?
    Sob a forma de um viajante, Jesus alcança-os. Desconfiados, calam-se. Já não ousam sequer manifestar a sua adesão à causa do Cristo. Mas o Salvador insiste e encoraja-os a falar. Sabe que eles lhe estavam ligados e que guardam afecto pela sua pessoa, apesar da sua decepção. Vai suavemente conduzi-los a reconhecerem nele os caracteres do Messias redentor. O seu coração terno e bom sugere-lhe as indústrias mais apropriadas para ganhar estes pobres corações desencorajados (Leão Dehon, OSP3, p. 383).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Jesus deu-se-lhes a conhecer, ao partir o pão» (Lc 24, 35).

  • 1ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    24 de Abril, 2025

    1ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 3, 11-26

    Naqueles dias, o coxo de nascença que tinha sido curado 11não largava Pedro e João, e todo o povo, cheio de assombro, se juntou a eles sob o chamado pórtico de Salomão.12Ao ver isto, Pedro dirigiu a palavra ao povo:
    «Homens de Israel, porque vos admirais com isto? Porque nos olhais, como se tivéssemos feito andar este homem por nosso próprio poder ou piedade? 13O Deus de Abraão, de Isaac e Jacob, o Deus dos nossos pais, glorificou o seu servo Jesus, que vós entregastes e negastes na presença de Pilatos, estando ele resolvido a libertá-lo.
    14Negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação de um assassino. 15Destes a
    morte ao Príncipe da Vida, mas Deus ressuscitou-o dos mortos, e disso nós somos testemunhas. 16Pela fé no seu nome, este homem, que vedes e conheceis, recobrou as forças. Foi a fé que dele nos vem que curou completamente este homem na vossa presença. 17Agora, irmãos, sei que agistes por ignorância, como também os vossos chefes. 18Dessa forma, Deus cumpriu o que antecipadamente anunciara pela boca de todos os profetas: que o seu Messias havia de padecer. 19Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos, para que os vossos pecados sejam apagados; 20e, assim, o Senhor vos conceda os tempos de conforto, quando Ele enviar aquele que vos foi destinado, o Messias Jesus, 21que deve permanecer no Céu até ao momento da restauração de todas as coisas, de que Deus falou outrora pela boca dos seus santos profetas.
    22Moisés disse: 'O Senhor Deus suscitar-vos-á um Profeta como eu, de entre os vossos irmãos. Escutá-lo-eis em tudo quanto vos disser. 23Quem não escutar esse Profeta, será exterminado do meio do povo.' 24E, por outro lado, todos os profetas que falaram desde Samuel anunciaram igualmente estes dias. 25Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus concluiu com os vossos pais, quando disse a Abraão:
    'Na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da Terra.' 26Foi primeiramente para vós que Deus suscitou o seu Servo e o enviou para vos abençoar e para se afastar cada um de vós das suas más acções.»

    O discurso de Pedro revela o sentido e a justificação da cura do coxo, junto à Porta Formosa e, ao mesmo tempo, serve de apoio para a exposição do Kerygma cristão. Os ouvintes reagem com admiração, vendo a cura como uma acção de Deus realizada graças à bondade e à santidade dos apóstolos. Pedro reage negando tal interpretação: o que aconteceu deve-se unicamente a um poder novo, agora presente no mundo, porque se cumpriram as profecias do Antigo Testamento. Acabou o tempo da ignorância. A Ressurreição de Jesus não deixa margem a dúvidas ou erros. Quem não O aceitar merece ser excluído do Povo de Deus. Por outro lado, o arrependimento e a aceitação de Jesus podem apressar o tempo das bênçãos messiânicas quando, no fim dos tempos, Deus enviar Jesus pela segunda vez. Então, também os seus inimigos e os incrédulos O hão-de reconhecer como Messias.
    Pedro cita Moisés, que disse: «O Senhor Deus suscitar-vos-á um Profeta como eu» (v. 22). Lucas lê: «O Senhor fará ressuscitar» o profeta como Moisés, isto é, Jesus. É, pois, preciso escutá-l´O. Quem não O escutar será excluído do monte santo. Lucas sublinha a continuidade do Povo de Deus, por meio dos Judeus que acreditam em Jesus. Por meio deles, todas as nações serão abençoadas na descendência de Abraão.

    Evangelho: Lucas 24, 35-48

    Naquele tempo, os discípulos de Emaús contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.
    36Enquanto isto diziam, Jesus apresentou-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco!» 37Dominados pelo espanto e cheios de temor, julgavam ver um espírito. 38Disse-lhes, então: «Porque estais perturbados e porque surgem tais dúvidas nos vossos corações? 39Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho.» 40Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. 41E como, na sua alegria, não queriam acreditar de assombrados que estavam, Ele perguntou-lhes: «Tendes aí alguma coisa que se coma?» 42Deram-lhe um bocado de peixe assado; 43e, tomando- o, comeu diante deles.
    44Depois, disse-lhes: «Estas foram as palavras que vos disse, quando ainda estava convosco: que era necessário que se cumprisse tudo quanto a meu respeito está escrito em Moisés, nos Profetas e nos Salmos.» 45Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras 46e disse-lhes: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia; 47que havia de ser anunciada, em seu nome, a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos, começando por Jerusalém. 48Vós sois as testemunhas destas coisas.

    O texto, que hoje escutamos, completa a narrativa da aparição aos discípulos de Emaús, sublinhando as provas sobre a Ressurreição de Jesus. Terá sido a Ressurreição de Jesus uma fantasia (cf. v. 39), em contradição com todo o caminho religioso de Israel no Antigo Testamento?
    Para responder à segunda interrogação, Lucas afirma: «Assim está escrito que
    o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia». Para responder à primeira questão Lucas aponta o contacto físico dos discípulos com Jesus: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho» (v. 39), bem como o pedido: «Tendes aí alguma coisa que se coma?» (v. 41). Outra prova é espiritual, fundada na inteligência da Palavra nas Escrituras: «Assim está escrito...» (v. 46ss.)
    A Páscoa de Jesus é o sentido da história de Israel, é o fundamento da fé da Igreja e da sua obra missionária: «em seu nome, havia de ser anunciada a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos» (v. 47).

    Meditatio

    Pedro fala da segunda vinda de Jesus como Messias. Serão tempos de conforto (v. 20), tempos da restauração de todas as coisas (v. 21). A história de Israel é um caminho para Jesus, o verdadeiro consolador de Israel, o restaurador de todas as coisas. A sua segunda vinda será o dia da bênção messiânica sobre todas as coisas, a partir de Israel até a «todas as famílias da Terra» (v. 25), a toda a criação. A Igreja, desde o seu começo, tem um horizonte universal, que abrange toda a realidade redimida pela cruz de Cristo.
    Pedro olha com optimismo o futuro de Deus, porque sabe que a ressurreição
    de Cristo é um acontecimento decisivo. Mas também sabe que haverá um acto final em que todo o mistério salvífico da ressurreição de Cristo será plenamente revelado e alargado a todos os povos e à própria criação. As suas palavras anunciam o já e o ainda não da história cristã. Entre o já da Páscoa e o ainda não da ressurreição

    definitiva de todas as coisas, está o tempo oportuno para a conversão, para nos tornarmos dignos das bênçãos messiânicas.
    Os Apóstolos não esperavam a aparição de Jesus «em pessoa». Por isso, pensaram tratar-se de um fantasma. Mas Jesus dá-se-lhes a conhecer com sinais bem claros: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo» (v. 39). Deus, em Cristo, começou uma nova criação: tomou um corpo humano e fez dele um corpo espiritual, em continuidade com o primeiro. A ressurreição de Jesus dá um sentido novo e definitivo às Escrituras: «Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras» (v. 45). Muitas coisas, que pareciam enigmáticas e obscuras, tornaram-se luminosas, ao serem lidas como profecia da paixão e da ressurreição de Cristo. Em certos casos, a paixão é representada de modo real, enquanto a ressurreição não o pode ser, porque teríamos todo o mistério. Noutros casos, é prefigurada a ressurreição, mas não a morte. Vejamos alguns exemplos.
    Abel, morto pelo seu irmão, é figura de Cristo na sua paixão e morte. Consumado o crime, Deus diz a Caim: «A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim» Gn 4, 10). Abel, morto, continua a falar. O NT viu nestas palavras uma pálida figura da ressurreição.
    Na sacrifício de Isaac, a ressurreição é prefigurada de modo mais real. Depois do sacrifício, Isaac continua vivo, Abraão tem o seu filho vivo. Não houve verdadeira morte. Abraão levantou o braço para o matar, mas não o matou. Foi um sacrifício simbólico.
    José é também figura da morte e da ressurreição de Cristo. No Egipto, acolhe vivo os irmãos que o quiserem matar, tal como Cristo acolhe os irmãos depois da Paixão que sofreu pelos pecados deles. José abriu aos irmãos as riquezas de um mundo novo, tal como Cristo Ressuscitado abre aos homens as riquezas do Reino de Deus. Também no caso de José a morte não aconteceu realmente. Mas foi simbolicamente morto, ao ser lançado ao poço.
    Muitos outros símbolos representam o mistério da Páscoa, tal como o templo
    destruído e reconstruído depois do exílio. A Páscoa de Cristo realiza e ilumina todas as profecias e prefigurações.
    «Enviado na plenitude dos tempos, - lembram as nossas Constituições - Cristo, em obediência ao Pai, prestou o seu serviço em prol das multidões. "O Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos" (Mc 10,45). Com a sua solidariedade para com os homens, qual novo Adão, Ele revelou o amor de Deus e anunciou o Reino: este mundo novo já presente em germe nos esforços hesitantes dos homens, encontrará a sua realização, para além de todas as expectativas, quando, por Jesus, Deus for tudo em todos. "Sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até ao presente. Não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adopção, a redenção do nosso corpo" (Rom 8,22-23). "E quando tudo lhe estiver sujeito, então também o próprio Filho Se submeterá Àquele que Lhe sujeitou todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15,28) (Cst 10).

    Oratio

    Senhor Jesus, Morto e Ressuscitado, abre a minha mente e o meu coração para que compreenda as Escrituras e admire com reconhecimento e amor o grande mistério que em Ti se realizou para a minha salvação e para a salvação de todos os povos.
    Ajuda-me também a ver os meus pequenos problemas de cada dia à luz do
    vasto horizonte da história da salvação, do já da tua Ressurreição e do ainda não da reconstrução final. Terão, assim, outro respiro as minhas pequenas acções e as minhas pequenas ou grandes preocupações.

    Projecta sobre mim a luz da tua Ressurreição, para que não viva como nos tempos da ignorância, mas, deixando-me converter, espere activa e confiadamente a consolação de Deus. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor tem pressa em manifestar a chaga do seu lado, é um presságio da devoção ao Sagrado Coração, que se expandirá mais tarde.
    Os Apóstolos estão fechados no Cenáculo, talvez barricados, têm medo dos
    Judeus. Perguntam-se, se, depois da Páscoa, não será a sua vez de serem crucificados.
    Madalena tinha vindo de manhã dizer-lhes que tinha visto o Cristo ressuscitado, mas não ousam acreditar nela.
    De repente, Jesus mesmo mostra-se no meio deles: Stetit in medio. É para eles como um raio. Mas vão certificar-se. Jesus tem a dignidade de um rei e de um mestre, mas tem também o sorriso e a bondade de um pai, de um irmão e de um amigo.
    «Não temais, diz-lhes docemente, sou eu. Porquê este medo nos vossos corações? Vede as minhas mãos e o meu lado (ostendit eius manus et latus); vede e tocai, um espírito não tem nem carne nem ossos como vedes que eu tenho» (Lc
    24,38).
    O bom Mestre tem pressa em manifestar a chaga do seu Coração desde a sua primeira aparição. De lá partem as suas primeiras graças. (Leão Dehon, OSP 3, p.
    385).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O Messias havia de sofrer e ressuscitar» (Lc 24, 36).

  • 1ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    25 de Abril, 2025

    1ª Semana - Sexta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 4, 1-12

    Naqueles dias, estavam Pedro e João a 1falar ao povo, depois da cura do cego de nascença, quando surgiram os sacerdotes, o comandante do templo e os saduceus,
    2irritados por vê-los a ensinar o povo e a anunciar, na pessoa de Jesus, a ressurreição dos mortos. 3Deitaram-lhes as mãos e prenderam-nos até ao dia seguinte, pois já era tarde. 4No entanto, muitos dos que tinham ouvido a Palavra abraçaram a fé, e o número dos crentes elevou-se a cerca de cinco mil. 5No dia seguinte, os chefes dos judeus, os anciãos e os escribas reuniram-se em Jerusalém
    6com o Sumo-sacerdote Anás, e ainda Caifás, João, Alexandre e todos os membros das famílias dos sumos-sacerdotes. 7Mandaram comparecer os Apóstolos diante deles e perguntaram-lhes: «Com que poder ou em nome de quem fizestes isso?» 8Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: «Chefes do povo e anciãos, 9já que hoje somos interrogados sobre um benefício feito a um enfermo e sobre o modo como ele foi curado, 10ficai sabendo todos vós e todo o povo de Israel: É em nome de Jesus Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se apresenta curado diante de vós. 11Ele é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra angular. 12E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, que nos possa salvar.»

    A cura do coxo e, sobretudo, o discurso interpretativo de Pedro, provocam a reacção hostil das autoridades judaicas: os sacerdotes e saduceus, os escribas e fariseus. É o grupo dos sacerdotes e saduceus que promove a prisão dos apóstolos. Aparentemente estão preocupados com os distúrbios que a acção dos apóstolos podia provocar na área do templo. Na verdade, o que eles querem combater é a fé cristã na Ressurreição de Jesus. Não podiam dizê-lo claramente, para não provocar a reacção do grupo dos escribas e fariseus, que admitia a ressurreição. A prisão de Pedro e de João marca o início da primeira perseguição contra a Igreja. Mas resultado desta perseguição é o aumento dos discípulos, o que preocupa o Sinédrio. Reunira semanas antes para julgar Jesus, cuja mensagem lhes parecia uma ameaça ao seu poder. Mas a morte de Jesus não encerrou o seu «caso». Os seus discípulos, assumindo a função de mestres, que lhes estava reservada, continuam a fazer prosélitos e a anunciar a ressurreição dos mortos. A influência e o poder dos sacerdotes e saduceus continuavam sob ameaça. Por isso, voltam a reunir o Sinédrio. É notável a audácia (parrêsia) com que Pedro, «cheio de Espírito Santo», denuncia, no meio do Sinédrio, o crime perpetrado pelos chefes do povo e anuncia a Ressurreição de Jesus. E foi em «nome de Jesus» que o coxo foi curado, porque, só nele, há salvação.

    Evangelho: João 21, 1-14

    Naquele tempo, 1Jesus apareceu outra vez aos discípulos, junto ao lago de Tiberíades, e manifestou-se deste modo: 2estavam juntos Simão Pedro, Tomé, a quem chamavam o Gémeo, Natanael, de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e

    outros dois discípulos. 3Disse-lhes Simão Pedro: «Vou pescar.» Eles responderam-lhe:
    «Nós também vamos contigo.» Saíram e subiram para o barco, mas naquela noite não apanharam nada. 4Ao romper do dia, Jesus apresentou-se na margem, mas os discípulos não sabiam que era Ele. 5Jesus disse-lhes, então: «Rapazes, tendes alguma coisa para comer?» Eles responderam-lhe: «Não.» 6Disse-lhes Ele: «Lançai a rede para o lado direito do barco e haveis de encontrar.» Lançaram-na e, devido à grande quantidade de peixes, já não tinham forças para a arrastar. 7Então, o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: «É o Senhor!» Simão Pedro, ao ouvir que era o Senhor, apertou a capa, porque estava sem mais roupa, e lançou-se à água.
    8Os outros discípulos vieram no barco, puxando a rede com os peixes; com efeito,
    não estavam longe da terra, mas apenas a uns noventa metros. 9Ao saltarem para terra, viram umas brasas preparadas com peixe em cima e pão. 10Jesus disse-lhes:
    «Trazei dos peixes que apanhastes agora.» 11Simão Pedro subiu à barca e puxou a rede para terra, cheia de peixes grandes: cento e cinquenta e três. E, apesar de serem tantos, a rede não se rompeu. 12Disse-lhes Jesus: «Vinde almoçar.» E nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-lhe: «Quem és Tu?», porque bem sabiam que era o Senhor. 13Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com o peixe. 14Esta já foi a terceira vez que Jesus apareceu aos seus discípulos, depois de ter ressuscitado dos mortos.

    A cena descrita por João acontece nas margens do lago de Tiberíades. Um grupo de pescadores galileus, discípulos de Jesus, depois do fracasso na faina nocturna, consegue uma pesca abundante, quando lançam as redes para o lado indicado pelo desconhecido que lhes fala da praia. Depois de Jesus, Pedro e o discípulo que Jesus amava são os protagonistas da cena. Pedro é o mais esforçado na pesca; o outro discípulo é o primeiro a reconhecer Jesus.
    João narra depois a refeição dos discípulos com o Senhor ressuscitado. Espontaneamente somos levados a pensar na Eucaristia, que as comunidades cristãs celebravam e celebram com a absoluta convicção da presença do Senhor.
    O texto descreve, de forma simbólica, a missão da Igreja primitiva e o retrato das comunidades que permanecem estéreis quando estão privadas de Cristo, mas que se tornam fecundas quando obedecem à sua palavra e vivem da sua presença.
    Depois da pesca, Jesus convida os discípulos para uma refeição por Ele mesmo
    preparada: «Vinde almoçar» (v. 12). Nesta refeição, figura da eucaristia, Jesus ressuscitado oferece, Ele mesmo, de comer. A sua misteriosa presença provoca nos discípulos aquela espécie de calafrio típico das teofanias. A conclusão do evangelista é um convite à comunidade eclesial de todos os tempos a que encontre o sentido da sua vocação centrando-se em Jesus como Senhor da vida, porque é na dupla mesa da Palavra e da Eucaristia que a Igreja torna frutuosa a sua acção no meio dos homens.

    Meditatio

    A liturgia faz-nos escutar hoje um sugestivo texto de S. João, bem enquadrado no tempo pascal e na Primavera que estamos a viver. Os Apóstolos voltaram ao lago, nas margens do qual viveram belos momentos
    com Jesus. A presença visível do Mestre já não é contínua. O trabalho daquela noite não tivera sucesso. Mas o brilhante romper da aurora traz-lhe a sensação de que na praia está alguém, que ainda não reconhecem. A pesca milagrosa abre-lhes os olhos do coração e da fé. A refeição preparada por Cristo, e tomada com Ele, na praia dispõe-nos a acolher a nova forma de presença do Senhor, uma presença agora misteriosa e universal. Onde se juntam os irmãos, e celebram a Eucaristia, aí está o Senhor. Depois da Ressurreição, Ele já não se apresenta apenas na glória visível e externa. Por isso, há que procurá-l´O na sua glória divina que não é externa. Há que procurá-l´O nos

    irmãos reunidos em Seu nome, mas também nos pobres, nos humildes, nos carenciados. É neles que havemos de reconhecer a Sua glória misteriosa e o Seu poder que faz maravilhas precisamente com os humildes e simples.
    Pedro está agora certo de que Jesus é o único Salvador. E toda a Igreja vive dessa certeza, que a torna forte, corajosa, alegre, missionária e irresistível, como se verifica logo nos seus primeiros tempos descritos nos Actos dos Apóstolos (cf. Act 4,
    1-12ss).
    Os tempos em que vivemos vêem com desconfiança toda e qualquer forma de integralismo. Acha-se importante respeitar as consciências, promover o diálogo inter- religioso e a paz. Por isso, alastra um certo relativismo. Mas Cristo, ontem como hoje, continua a ser o único Salvador. Esta certeza não pode todavia tornar-se uma arma contra quem quer que seja; mas tem de ser uma proposta paciente, firme, serena e motivada, a fazer a todos, de modo alegre e corajoso, dialogante e testemunhante.
    Segundo as convicções do Pe. Dehon derivadas do seu e "nosso carisma profético" (Cst. 27), como ele o entendia, e como nós devemos entendê-lo, os missionários não só devem dar testemunho d´Ele, mas também «dar a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13), isto é, por aqueles a quem são enviados e querem servir. Dar a vida por aqueles que evangelizamos é a suprema "prova de amizade" (Cst. 33), dada por tantos missionários mártires: "Ninguém há maior prova de amor que dar a vida pelos amigos" (cf. Jo 15, 13).
    Escreve o Pe. Dehon: "Quis fazer uma obra de reparação e de vítimas. Nunca adoptei o nome de vítimas; tomei o de oblatos, que dizia a mesma coisa... Nós somos sacerdotes vítimas. O nosso espírito próprio é "spiritus amoris et immolationis" (espírito de amor e de imolação)... Vivei bem o vosso acto de oblação e sereis uma boa pequena vítima do Sagrado Coração", escrevia o Fundador ao Pe. Guillaume. De modo particular, o missionário, que se entrega totalmente ao serviço de Deus e daqueles que ama, faz de si e da sua vida uma oblação, que pode tornar-se imolação pela aceitação amorosa dos sofrimentos, sobretudo quando incluem o martírio.
    O Pe. Dehon chegou a dizer que queria missões difíceis, onde se corre o risco de morrer jovens, porque mais adequadas para religiosos oblatos. Tal era, em 1897, a grande missão do Alto Congo belga onde muitíssimos missionários morreram ainda jovens. Por isso, o Pe. Dehon, na sua carta aos missionários dizia que deviam desejar morrer na missão, para que o sacrifício fosse completo e sem reservas, verdadeira imolação.

    Oratio

    Senhor, hoje quero rezar-te inspirando-me nas palavras do teu servo Paulo VI: livra-me de cair numa espécie de nominalismo cristão, quando me perguntam quem és Tu e quem és para mim. Que jamais tente iludir a lógica dramática do realismo cristão. Se acredito que fora de Ti não há solução para as questões essenciais da existência, se são verdadeiras e actuais as palavras de Pedro, «cheio de Espírito Santo» (Act 4, 11s.), então sinto-me abalado e mesmo perturbado. O teu nome já não é um simples apelativo insinuado na linguagem convencional da nossa vida, mas tua presença, a tua estatura de majestade infinita, que ergue diante de mim. Tu és o alfa e o ómega, o princípio e o fim de todas as coisas, o centro cósmico que obriga a reconsiderar a dimensão da nossa filosofia, da nossa concepção do mundo, da nossa história pessoal. Diante de Ti, sentimo-nos esmagados, como os apóstolos no Monte da Transfiguração. A tua humildade de Deus feito homem confunde-me tanto quanto a tua grandeza que, todavia, não só torna possível o diálogo Contigo, mas o oferece e impõe. Amen.

    Contemplatio

    Os apóstolos tinham regressado à Galileia, como os outros peregrinos depois da Páscoa, e como Jesus lhes tinha aconselhado. Os que eram pescadores tinham ido à pesca no lago de Tiberíades. Pedro tinha dito: vou à pesca; os outros tinham respondido: vamos contigo. E durante toda a noite não apanharam nada.
    De manhã, Jesus apareceu na margem sem que o reconhecessem: «Rapazes, gritou-lhes, tendes alguma coisa para comer? - Não, disseram. - Jesus retomou: Lançai a rede à direita e conseguireis. - Lançaram-na e ela encheu-se de peixes. - João gritou: É o Senhor. Pedro lançou-se ao mar para alcançar Jesus. Os outros conduziram o barco. Jesus tinha-lhes preparado peixe grelhado e pão. Convidou-os a juntarem do seu peixe, e serviu-lhes o peixe e o pão».
    Que mistérios! A barca de Pedro é a Igreja nascente, mas não será fecunda
    senão trabalhando sob a direcção de Cristo. Jesus vai dar a Pedro a sua missão, a pesca milagrosa simboliza a propagação rápida da Igreja; e Jesus festeja a entronização de Pedro preparando um modesto festim aos apóstolos (Leão Dehon, OSP 4, p. 288).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavra de vida eterna» (Jo 6, 68).

  • 1ª Semana - Sábado - Páscoa

    1ª Semana - Sábado - Páscoa

    26 de Abril, 2025

    1ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 13-21

    Naqueles dias, os chefes do povo, os anciãos e os escribas, 13vendo o desassombro de Pedro e de João e percebendo que eram homens iletrados e plebeus, ficaram espantados. Reconheciam-nos por terem andado com Jesus, 14mas, ao mesmo tempo, vendo de pé, junto deles, o homem que fora curado, nada encontraram para replicar. 15Mandaram-nos, então, sair do Sinédrio e começaram sozinhos a deliberar:
    16«Que havemos de fazer a estes homens? Que um milagre notável foi realizado por
    eles é demasiado claro para todos os habitantes de Jerusalém e não podemos negá-lo.
    17No entanto, para evitar que a notícia deste caso se espalhe ainda mais por entre o povo, proibamo-los, com ameaças, de falar, doravante, a quem quer que seja, nesse nome.» 18Chamaram-nos, então, e impuseram-lhes a proibição formal de falar ou ensinar em nome de Jesus. 19Mas Pedro e João retorquiram: «Julgai vós mesmos se é justo, diante de Deus, obedecer a vós primeiro do que a Deus. 20Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos.» 21Eles, então, com novas ameaças, mandaram-nos em liberdade, não encontrando maneira de os castigar, por causa do povo; pois todos glorificavam a Deus pelo que tinha acontecido.

    Os apóstolos defenderam-se com valentia diante do tribunal. Essa valentia nasce da liberdade da fé. Os seus adversários encontraram-se em nítida dificuldade. Pretendiam ocultar factos cuja força se impunha: a cura do coxo, o que Pedro e João viram e ouviram. Estavam num beco sem saída. Os acusados eram discípulos de
    Jesus, gente simples e sem cultura, mas homens seguros e valentes que, acusados, se tornam acusadores, intérpretes da Escritura e pregadores. Para maior complicação, tinham a seu lado aquele que fora curado pela invocação do nome de Jesus. Era preciso reflectir seriamente. Reflectiram e resolveram impor silêncio a Pedro e a João: «proibamo-los, com ameaças, de falar, doravante, a quem quer que seja,
    nesse nome» (v. 17). Mas, como obedecer a uma ordem tão absurda? Por isso, Pedro responde: «Julgai vós mesmos se é justo, diante de Deus, obedecer a vós primeiro do que a Deus. Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos» (vv. 19.20). Os apóstolos estavam conscientes de que falar da morte e da
    ressurreição de Jesus era vontade de Deus, era um mandato divino. Por isso, não era possível obedecer às autoridades judaicas. Não havia ordens nem ameaças capazes de os fazerem calar, porque a força irresistível de Deus estava com eles.

    Evangelho: Marcos 16, 9-15

    Tendo ressuscitado de manhã, no primeiro dia da semana, Jesus apareceu primeiramente a Maria de Magdala, da qual expulsara sete demónios. 10Ela foi anunciá-lo aos que tinham sido seus companheiros, que viviam em luto e em pranto.
    11Mas eles, ouvindo dizer que Jesus estava vivo e fora visto por ela, não acreditaram.
    12Depois disto, Jesus apareceu com um aspecto diferente a dois deles que iam a

    caminho do campo. 13Eles voltaram para trás a fim de o anunciar aos restantes. E também não acreditaram neles. 14Apareceu, finalmente, aos próprios Onze quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e a dureza de coração em não acreditarem naqueles que o tinham visto ressuscitado. 15E disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura.

    Este texto é um acrescento destinado a concluir o evangelho de Marcos, escrito ainda na época apostólica, e aceite pela Igreja. Mc 16, 7 aludia a um encontro na Galileia que não é descrito. Por isso, é aceite a hipótese de que o primitivo epílogo se tenha perdido, sendo substituído pelo que agora temos. De Mt 28, 16-20 e de Jo 21, 1-4, sabemos que Jesus apareceu aos discípulos na Galileia, onde confirmou o grupo dos discípulos, conferindo-lhes a missão universal. Poderia ser este também o conteúdo da folha que se perdeu.
    Como em Lucas (24, 36-43) e nos Actos (10, 41), a aparição aos Onze acontece durante uma refeição comunitária. Uma vez mais, como é típico em Marcos, é sublinhada a incredulidade e a atitude refractária dos discípulos em se darem conta do que aconteceu. Só a presença directa de Jesus libertará os apóstolos da dureza de coração e os transformará em verdadeiros crentes. A Ressurreição não é fruto de imaginação ingénua ou da sugestão colectiva dos discípulos. É um dom do Pai Àquele que se fez obediente até à morte para salvar a Humanidade. A fé na Ressurreição é também um dom do Senhor aos discípulos. Ao conceder-lho também lhes dá o encargo de continuarem a Sua missão, para que a Boa Nova chegue a toda a terra (v. 15).

    Meditatio

    A Ressurreição é um mistério de fé que encontrou resistência nos Apóstolos.
    «Não acreditaram» é o refrão que se repete no epílogo do evangelho de Marcos. Por isso, Jesus tem de lhes censurar a dureza de coração em não acreditarem naqueles que O tinham visto ressuscitado (Mc 16, 14). Também em nós podem surgir resistências à fé na Ressurreição: preferimos as nossas tristezas à alegria da Ressurreição. Isto pode parecer estranho, mas é assim porque a alegria divina nos eleva, enquanto nós preferimos permanecer nas nossas preocupações, nas nossas tristezas, nos nossos interesses humanos. A tristeza leva-nos a ver as coisas na obscuridade do nosso amor-próprio, das nossas ilusões, e não à luz divina da Ressurreição. Por isso é que um autor cristão do século II escrevia: «Desapega-te de ti mesmo, renuncia à tristeza, porque a tristeza é a mãe da dúvida e do erro».
    Na primeira leitura, Pedro e João utilizam um argumento que precisamos de redescobrir hoje, diante das prepotências do mundo em que vivemos. Quantas vezes os meios de comunicação social, e outros meios omnipotentes, tentam nivelar o modo de pensar e de avaliar típico dos cristãos pelo baixo nível do consumismo e dos horizontes exclusivamente intramundanos. A identidade cristã sofre agressões cada vez mais claras, ainda que, muitas vezes, soft e dissimuladas, que querem fazer passar por normal e óbvio o que não passa de comportamentos detestáveis. Por isso, é em nome da superior vontade de Deus que havemos de travar um verdadeiro
    «combate cultural» para desmascarar o perigo da homologação pagã. Mas o
    «combate cultural» pressupõe o «combate espiritual», em nome de uma forte experiência de Cristo. Não se pode calar a experiência da salvação, a experiência de ser a
    mados por Deus, a experiência de ser acompanhados na vida pelo amor de Deus. Trata-se de um testemunho aberto e corajoso, que nada quer impor, mas que também não aceita imposições para esconder o que tem de mais precioso: a experiência do Ressuscitado.
    De acordo com os ensinamentos e o exemplo do Pe. Dehon, a fonte do nosso
    "testemunho profético..." para o "advento da nova humanidade em Jesus Cristo"

    (Cst. 39), iniciada com a Sua Ressurreição é o Coração de Cristo e a Eucaristia. O evangelho diz-nos que foi no encontro com o Senhor ressuscitado, e na celebração da Eucaristia, que eles, em primeiro lugar, encontraram a força para o testemunho, mesmo nas mais duras circunstâncias.

    Oratio

    Senhor, faz resplandecer sobre a minha mente e sobre o meu coração, a luz esplendorosa da tua santa Ressurreição, para que me dê conta de quanto obedeço mais aos homens do que a Deus, de quanto estou inquinado pela mentalidade dos homens, de quanto me deixo levar pelas seduções deste mundo, de quanto me deixo fascinar pelo canto das sereias. Ilumina as profundezas do meu ser, os recantos obscuros da minha personalidade, os pontos menos conscientes do meu sentir, para que possa revê-los e rever o modo como me coloco diante da mentalidade dominante.
    Dá-me a coragem dos Apóstolos para que, vencendo todos os obstáculos, testemunhe o teu nome diante todos e em todas as circunstâncias. Amen.

    Contemplatio

    S. Marcos era hebreu de origem e da raça sacerdotal de Aarão. Era da
    Galileia, pátria de S. Pedro, do qual foi o intérprete e o companheiro.
    Fazia parte dos setenta e dois discípulos; mas, no dizer de Santo Epifânio, retirou-se com muitos outros, quando Nosso Senhor disse: «Se não comerdes a minha carne, não tereis a vida em vós». Mas S. Pedro converteu-o e reconduziu-o a Jesus depois da ressurreição. Ligou-se a S. Pedro e permaneceu sempre penitente como ele. S. Pedro chama-o seu filho na sua primeira epístola (5, 13).
    Seguindo o chefe dos apóstolos nas suas viagens apostólicas, serviu-lhe de
    intérprete, de secretário e de catequista. Acompanhou-o a Roma, e, depois das pregações do Apóstolo, a multidão perguntava a S. Marcos explicações e notas. Esta foi a origem do seu Evangelho. Serviu-se aliás do de S. Mateus ou de uma recolha primitiva de discursos do Salvador, na qual S. Mateus se teria também inspirado.
    Escrevendo S. Marcos sob a direcção de S. Pedro, tem conta da humildade do seu mestre, relata longamente a tríplice negação do apóstolo e não cita o que Nosso Senhor diz em louvor do Príncipe dos apóstolos, quando este o reconheceu como Filho de Deus (Leão Dehon, OSP 3, p. 478).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15).

  • 2ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    2ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    28 de Abril, 2025

    2ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 23-31

    Naqueles dias, logo que Pedro e João foram postos em liberdade, foram ter com os seus e contaram-lhes tudo quanto os sumos sacerdotes e os anciãos lhes tinham dito. 24Depois de tudo terem ouvido, ergueram a voz a Deus, numa só alma, e disseram:«Senhor, Tu é que fizeste o Céu, a Terra, o mar e tudo o que neles se encontra. 25Tu disseste pelo Espírito Santo e pela boca do nosso pai David, teu servo: 'Porque bramiram as nações e os povos formaram vãos projectos?
    26Levantaram-se os reis da Terra e os chefes coligaram-se contra o Senhor e contra o seu Ungido.' 27Sim, realmente, Herodes e Pôncio Pilatos coligaram-se nesta cidade
    com as nações e os povos de Israel, contra o teu Santo Servo Jesus, a quem ungiste, 28para levarem a cabo tudo quanto determinaste antecipadamente, pelo teu poder e sabedoria. 29Agora, Senhor, tem em conta as suas ameaças e concede aos teus servos poderem anunciar a tua palavra com todo o desassombro, 30estendendo a tua mão
    para se operarem curas, milagres e prodígios, em nome do teu Santo Servo Jesus.»
    31Tinham acabado de orar, quando o lugar em que se encontravam reunidos estremeceu, e todos ficaram cheios do Espírito Santo, começando a anunciar a palavra de Deus com desassombro.

    Pedro e João, postos em liberdade, vão ter com os seus. Estes seus não eram certamente os 8.000 convertidos já referidos por Lucas, mas um pequeno grupo capaz de se reunir numa casa particular, talvez o núcleo original da Igreja (cf. Act 1,
    12-14), reunido em casa de Maria (Act 12, 12).
    A comunidade cristã reage à perseguição, não concertando estratégias humanas, mas com a oração. Esta oração, a mais pormenorizada que encontramos no Novo Testamento, está construída sobre um esquema tripartido, comum na época. Começa por invocar a Deus criador, menciona alguns dos seus atributos e, finalmente, apresenta o pedido. O ponto central da oração é constituído pela citação do Sl 2, 1-2. O que aí se anuncia foi integralmente realizado na paixão, morte e ressurreição de Jesus. Não importa, pois, que os reis da terra, representados em Herodes, conspirem contra Jesus, o Messias, e que os príncipes, representados por Pôncio Pilatos, se aliem contra o Senhor. A ressurreição de Jesus torna inútil toda essa oposição. A comunidade sabe que tem de passar pela mesma sorte de Jesus. Por isso, pede a Deus, não o fim da perseguição, mas a liberdade e o poder anunciar com palavras e obras a Boa Nova de Cristo morto e ressuscitado.
    A narrativa de Lucas termina referindo um estremecer do lugar onde estavam reunidos a rezar. Era, segundo a mentalidade comum, um sinal de que a oração fora benignamente escutada por Deus. De facto, todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a anunciar com audácia a Palavra de Deus.

    Evangelho: João 3, 1-8

    Entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos, um chefe dos judeus. 2Veio ter com Jesus de noite e disse-lhe: «Rabi, nós sabemos que Tu vieste da parte de Deus, como Mestre, porque ninguém pode realizar os sinais portentosos que Tu fazes, se Deus não estiver com ele.» 3Em resposta, Jesus declarou-lhe: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer do Alto não pode ver o Reino de Deus.» 4Perguntou-lhe Nicodemos: «Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura poderá entrar no ventre de sua mãe outra vez, e nascer?» 5Jesus respondeu-lhe: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. 6Aquilo que nasce da carne é carne, e aquilo que nasce do Espírito é espírito. 7Não te admires por Eu te ter dito: 'Vós tendes de nascer do Alto.' O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.»

    Nicodemos era um dirigente judeu muito representativo. Tinha ficado impressionado com as palavras e as acções de Jesus, na sua primeira intervenção, em Jerusalém. Por isso, decidiu entrevistar-se com ele. E mostra-se disposto a aceitar o ponto de vista de Jesus. Trata-se, pois, de um homem de boa vontade, com inquietações e sem preconceitos. As suas perguntas andaram à volta do tema do Reino de Deus, como nos dá a entender o evangelista. Como noutras ocasiões, João faz entrar Nicodemos em cena para provocar o ponto de apoio a partir do qual Jesus inculca os seus ensinamentos. As especulações dos judeus sobre o Reino de Deus não levam a bom porto. Para entrar nele é preciso nascer de novo. Esta é a expressão central da narrativa. A interpretação literal que Nicodemos faz dela dá a Jesus ocasião para ulteriores explicações.
    Na Antiguidade, havia a ideia de que, para entrar numa nova religião ou num sistema filosófico, era preciso «renascer». Hoje diríamos que é preciso mudar de mentalidade. Mas não é esse o sentido que Jesus dá à expressão. De facto, trata-se de um nascimento «do Alto» (v. 7) ou de Deus. Este nascimento tornou-se possível porque O do alto veio à terra (cf. Jo 1, 12-13). O nascimento «da carne e do sangue» é inadequado em ordem à pertença ao Reino. É precisa a acção do Espírito que é oferecido gratuitamente ao homem por Deus. O Espírito torna o homem capaz de responder a Deus. Água e Espírito: Jesus alude a dois elementos essenciais do baptismo, onde se realiza o novo nascimento.

    Meditatio

    Os primeiros cristãos reagem às perseguições com a oração. Não rezam para serem livres dos incómodos da perseguição. Rezam para não se deixarem bloquear pelas dificuldades e para não perderem a coragem de anunciar a Palavra. A sua oração é escutada, porque o Espírito vem dar-lhes força e coragem.
    Não se pode evangelizar sem fazer oração, muita oração. A evangelização, com efeito, é obra do Espírito Santo, que toca, não só o coração dos ouvintes, mas também o do evangelizador, tantas vezes tíbio e vacilante.
    O evangelho de hoje parece ter pouco a ver com o mistério pascal que estamos a celebrar: não fala de morte nem de ressurreição. Mas há uma relação profunda com a Páscoa e, na verdade, fala-se da ressurreição de Cristo e da nossa ressurreição. De facto, a Sagrada Escritura fala da ressurreição de Cristo como de um novo nascimento. Paulo, num seu discurso, aplica à ressurreição de Jesus o Salmo 2, onde Deus diz ao Filho: «Hoje Te gerei» (cf. Act 13, 16ss.). Na ressurreição, Cristo foi gerado para uma vida nova: era home
    m de carne e tornou-se homem «espiritual», de Espírito Santo. O mesmo Paulo, noutra passagem das suas cartas explica que, primeiro há o homem feito de terra e, depois, o homem celeste, que é Cristo ressuscitado (cf. 1 Cor 15, 44ss.). E tudo aconteceu por nós. O Filho assumiu corpo humano, de que não precisava, para tornar possível um novo nascimento para todos nós: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus» (Jo 3, 5). Renascer da água e do Espírito Santo é dom de Cristo ressuscitado. Esse dom vem pelo sacramento do Baptismo que nos faz
    «renascer do alto» (v. 7) e introduz em nós um dinamismo que nos permite crescer e desenvolver-nos até à estatura de Cristo.
    Este nascimento, preanunciado a Nicodemos (cf. Jo 3, 3.5), realizou-se na transfixão do Lado, onde a água que brota de Cristo é sinal do dom do Espírito, do Baptismo, do nascimento da Igreja e, na Igreja, de cada um de nós. «Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja» (Cst 3).

    Oratio

    Senhor Jesus, faz-me compreender que «renascer do Alto» não é só ser baptizado mas também acolher cada dia o ser espiritual que o Pai nos dá pela tua Ressurreição. Preciso de renascer em cada etapa da minha vida. Por isso, não me hei-de espantar quando, por assim dizer, sentir as dores do parto. De facto, nascer do Espírito não acontece de uma vez para sempre, e as dificuldades da nossa vida são um chamamento a renascer mais uma vez.
    Que eu me abra de par em par ao teu Espírito para ser capaz de sempre renascer, sem desanimar com as dores que antecedem cada renascimento. Amen.

    Contemplatio

    É depois da sua ressurreição que Nosso Senhor dá aos seus apóstolos a missão definitiva de fundar a igreja e de nela fazer entrar todos os homens pelo sacramento do baptismo: «Ide, - diz-lhes -, pregai, ensinai todas as nações e baptizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19).
    Mas já tinha descrito os efeitos do baptismo em várias ocasiões e particularmente na conversa com Nicodemos. - «Em verdade, te digo, - tinha-lhe dito Jesus -, a não ser que renasça da água e do Espírito Santo, ninguém pode entrar no reino de Deus. O que nasceu da carne é carne e o que nasceu do Espírito é espírito. Não te surpreendas, portanto, por te ter dito: é preciso que nasçais de novo. O vento sopra onde quer. Tu escutas a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem onde vai. Assim é com todo o homem que nasceu do Espírito» (Jo 3, 1).
    Nosso Senhor estabelece bem a distinção entre a vida natural e a vida sobrenatural. Descreve-nos o reino de Deus na nossa alma: uma vida nova e a acção misteriosa do Espírito Santo. O Espírito de Deus sopra onde quer; inspira a alma, eleva-a acima de si mesma no momento que escolheu. A sua acção só depende d' Ele. Se estivar lá, sente-se, escuta-se a sua voz e há a vida; se se afasta, é o definhamento e silêncio (Leão Dehon, OSP 4, p. 214).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Venha a nós o vosso reino» (Mt 6, 10).

  • 2ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    2ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    29 de Abril, 2025

    2ª Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 32-37

    32A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum.
    33Com grande poder, os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e uma grande graça operava em todos eles. 34Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda 35e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um conforme a necessidade que tivesse. 36Assim, um levita cipriota, de nome José, a quem os Apóstolos chamaram Barnabé, isto é, «filho da consolação», 37possuía uma terra; vendeu-a e trouxe a importância, que depositou aos pés dos Apóstolos.

    Lucas apresenta-nos mais um breve resumo sobre o teor de vida da Igreja nascida do Pentecostes, acentuando a eficácia do testemunho apostólico sobre a Ressurreição, que dá origem a uma nova criação, que justifica o estilo de vida da comunidade e, concretamente, a partilha de bens. Nesta partilha, notamos dois aspectos: o primeiro consiste em pôr em comum os próprios bens, partilhando o seu uso; mantendo cada um a propriedade dos seus bens, considera-se apenas administrador dos mesmos, pondo-os à disposição dos outros; o segundo aspecto consiste em vender os próprios bens, distribuindo o lucro pelos pobres; neste caso, vendidos os bens, apresentavam o lucro aos apóstolos que o distribuíam. Mas os Actos apresentam outras formas de partilha dos bens: Paulo falará do trabalho com as próprias mãos, para prover às necessidades dos seus e dos que são frágeis (cf. 20, 34s.).
    O que Lucas pretende sublinhar é que a partilha, nas suas diferentes formas, tem a sua raiz na comunhão de espírito e de corações dos fiéis. Do conjunto, podemos concluir que estamos perante a comunidade messiânica, herdeira das promessas feitas aos pais: «Em verdade, não deve haver pobres entre vós, porque o Senhor te abençoará na terra que Ele próprio te há-de dar em herança para a possuíres; mas só se ouvires a voz do Senhor, teu Deus, para guardares e cumprires todos estes preceitos.» (Dt 14, 4s.).

    Evangelho: Jo 3, 7b-15

    Naquele tempo, Jesus disse a Nicodemos: 7Não te admires por Eu te ter dito: 'Vós tendes de nascer do Alto.' O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.» 9Nicodemos interveio e disse-lhe: «Como pode ser isso?» 10Jesus respondeu- lhe: «Tu és mestre em Israel e não sabes estas coisas? 11Em verdade, em verdade te digo: nós falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, mas vós não aceitais o nosso testemunho. 12Se vos falei das coisas da terra e não credes, como é que haveis de crer quando vos falar das coisas do Céu? 13Pois ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem. 14Assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, 15a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna.

    O diálogo com Nicodemos transforma-se num monólogo com grande amplidão de horizontes. Lucas refere-nos palavras autênticas de Jesus e testemunhos pós- pascais, fundidos num único discurso. Estamos perante uma profissão de fé usada na liturgia da igreja joânica e que contém uma síntese da história da salvação.
    O evangelista desenvolve o tema do texto que ontem escutámos, centrado no testemunho de Cristo, Filho do homem descido do céu, o único capaz de revelar o amor de Deus pelos homens, como de facto fez, na sua morte e ressurreição (vv. 11-15). João insiste agora na importância da fé: para compreendermos a grande revelação do êxodo pascal, há que crescer na fé sobre o nosso destino espiritual. Há que acreditar em Cristo, ainda que não tenhamos subido ao céu para compreendermos os seus mistérios. Ele, que desceu do céu (v. 13), é capaz de anunciar a realidade do Espírito, e é capaz de estabelecer a verdadeira relação do homem com Deus. Só Jesus é o lugar ideal da presença de Deus. Esta revelação realizar-se-á na cruz, quando Jesus for entronizado, porque «todo o que nele crê tenha a vida eterna» (v. 15).
    A humanidade poderá compreender o evento escandaloso e desconcertante da salvação pela cruz e ser curada do seu mal, tal como os Hebreus, mordidos pelas serpentes no deserto, foram curados ao olharem a serpente de bronze elevada num poste (cf. Nm 21, 4-9). A salvação passa pela submissão a Deus e pela contemplação do Crucificado.

    Meditatio

    Os resumos de Lucas sobre a vida da primeira comunidade cristã permanecem como referência para as comunidades de todos os tempos. Os monges do século IV, perante o abrandamento de fervor espiritual ocorrido na Igreja, depois do édito de Milão, foram para o deserto e organizaram-se em comunidades que pretendiam reeditar a comunidade de Jerusalém. Nos momentos de dificuldades na vida cristã, e particularmente na vida religiosa, apela-se para o modelo fundante e insuperável da Igreja primitiva.
    A primeira leitura deixa-nos entrever o fascínio e a nostalgia da fraternidade, de uma Igreja fraterna. A comunhão é um dos pilares sobre o qual se pode reconstruir a Igreja e as próprias comunidades religiosas. A comunhão manifesta a novidade cristã. Comunidades fraternas, Igreja fraterna, mentalidade fraterna, que procuram acima de tudo relações fraternas, tornam-se sinal da presença de Deus e do seu Reino.
    O evangelho fala-nos da morte e da glorificação de Jesus, que ele mesmo anuncia a Nicodemos: «É necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna» (v. 14). Jesus, elevado na cruz, alcançou a ressurreição que O elevou ao Céu: «Ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem» (v. 13). Elevado na cruz e na ressurreição, Jesus revela-se como Aquele em Quem havemos de acreditar. Há pois que acolher as suas palavras sobre o Pai e sobre a vida eterna, a verdadeira vida. E, tendo acreditado, havemos de dar testemunho.
    Os cristãos, particularmente os religiosos, certamente imperfeitos, hão-de procurar criar um ambiente que promova o progresso espiritual de cada um. Para isso, hão-de esforçar-se por aprofundar as relações no Senhor, mesmo as mais normais, com cada um dos irmãos. A caridade, entre muitas outras coisas, incluindo a partilha de bens, há-de ser também uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno (cf. Cst 64). Assim todos testemunhamos que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus Cristo (cf. Cst. 65). Assim também confessamos a Cristo, em nome do Qual estamos reunidos (cf. Cst. 67).

    Oratio

    Senhor, Pai misericordioso, dá-nos a graça de proclamar o poder do Senhor ressuscitado. O livro dos Actos diz-nos que os Apóstolos davam testemunho da Ressurreição de Jesus com grande força. Essa é também a nossa missão de cristãos e religiosos, hoje. Infunde em nós o Espírito Santo para que, pela nossa palavra ardorosa, e pela nossa vida de fé, de esperança e de caridade, demos um testemunho vigoroso do teu Filho Jesus, e da sua santa Ressurreição. Amen.

    Contemplatio

    S. Barnabé não era do número dos doze apóstolos, mas foi-lhe acrescentado e trabalhou muito com S. Paulo. Levita e cipriota, estudava as santas Letras em Jerusalém sob a direcção do Rabino Gamaliel, quando foi testemunha da cura do paralítico na piscina. Uniu-se então imediatamente aos discípulos de Nosso Senhor. Era um homem jovem, amável e bom. Era bom, dizem os Actos, e cheio de fé e ricamente dotado com os dons do Espírito Santo. Os apóstolos chamaram-no Barnabé, o que quer dizer «o Filho da consolação». Depois do Pentecostes, estava em Damasco quando aconteceu o milagre da conversão de S. Paulo. Fez-se o anjo da guarda de S. Paulo, conduziu-o a Jerusalém e apresentou-o aos apóstolos. Trabalharam juntos vários anos, e receberam a missão de pregarem a fé aos gentios. Ganharam quase toda a cidade de Antioquia.
    Barnabé era de uma família abastada. Tinha uma bela propriedade na ilha de Chipre. Vendeu-a e apresentou o valor aos apóstolos. Dava assim o grande exemplo do desapego e da vida religiosa (Leão Dehon, OSP 3, p. 644).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Todo o que crê em Mim tem a vida eterna» (Cf. Jo 3, 15).

  • 2ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    30 de Abril, 2025

    2ª Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 17-26

    Naqueles dias, 17Surgiu o Sumo-sacerdote com todos os seus sequazes, isto é, o partido dos saduceus; encheram-se de inveja 18e deitaram as mãos aos Apóstolos, metendo-os na prisão pública. 19Mas, durante a noite, o Anjo do Senhor abriu as portas da prisão e, depois de os ter conduzido para fora, disse-lhes: 20«Ide para o templo e anunciai ao povo a Palavra da Vida.» 21Obedientes a essas ordens, entraram no templo de manhã cedo e começaram a ensinar. Entretanto, chegou o Sumo-sacerdote com os seus sequazes; convocaram o Sinédrio e todo o Senado dos filhos de Israel e mandaram buscar os Apóstolos à cadeia. 22Os guardas foram lá, mas não os encontraram na prisão e voltaram, declarando: 23«Encontrámos a cadeia fechada com toda a segurança e os guardas de sentinela à porta, mas, depois de a abrirmos, não encontrámos ninguém no interior.» 24Esta notícia pôs os sumos- sacerdotes e o comandante do templo numa grande perplexidade acerca dos Apóstolos, e perguntavam a si próprios o que poderia significar tudo aquilo. 25Veio, então, alguém comunicar-lhes: «Os homens que metestes na prisão estão agora no templo a ensinar o povo.» 26O comandante do templo dirigiu-se imediatamente para lá com os guardas e trouxe os Apóstolos, mas não à força, pois receavam ser apedrejados pelo povo.

    O episódio narrado no texto de hoje mostra que a palavra de Deus não pode ser aprisionada (cf. 2 Tm 2, 9). Os sacerdotes do templo estão preocupados, particularmente os saduceus que estão furiosos com a pregação da ressurreição. Temem perder influência junto do povo. Prendem os apóstolos. Mas o anjo do Senhor liberta-os (cf. Sl 34, 8) para que possam voltar ao templo e pregar a «Palavra da Vida» (v. 20).
    Deus protege os anunciadores do Evangelho. Nada nem ninguém se pode opor ao projecto de Deus. A narrativa está cheia de ironia: Deus ri-se dos seus adversários, de acordo com o Salmo 2, citado na oração comunitária dos crentes.
    Deus prega uma partida aos sacerdotes e seus sequazes, reunidos com toda a sua força, para se oporem ao projecto divino. Tudo está sob controlo deles, mas os apóstolos escapam da prisão e continuam a pregar a Ressurreição de Jesus. Deus parece divertir-se, fintando os seus adversários. Quem pode resistir-lhe?

    Evangelho: João 3, 16-21

    16Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. 17De facto, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no Filho Unigénito de Deus. 19E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más. 20De facto, quem pratica o mal odeia a Luz e não se aproxima da Luz para que as suas acções não sejam desmascaradas. 21Mas quem pratica a verdade aproxima-se da Luz, de modo a tornar-se claro que os seus actos são feitos segundo Deus.»

    A revelação, iniciada no encontro com Nicodemos, continua a desenvolver-se e chega à fonte da vida, o amor do Pai que dá o seu Filho para destruir o pecado e a morte. Entrevemos neste texto duas categorias joânicas clássicas: o amor e o juízo. Nos vv. 16s encontramos uma ideia cara a João: o carácter universal da obra salvadora de Cristo, que tem a sua origem na iniciativa misteriosa do amor de Deus pelos homens. O envio e a missão do Filho são a maior manifestação de um Deus que
    «é amor» (cf. 1 Jo 4, 8-10). A opção fundamental do homem consiste em aceitar ou
    rejeitar o amor de um Pai que se revelou em Cristo. Mas este amor não julga o mundo: ilumina-o (v. 17).
    Colocados perante a revelação do amor de Deus, há que tomar posição:
    acreditar em Jesus ou recusá-l´O. Quem acreditar em Jesus não será condenado; mas quem O rejeitar, e não acreditar no seu nome, já está condenado (v. 18). A causa da condenação é uma só: a incredulidade, a recusa da palavra de Jesus. No fim deste colóquio de Jesus com Nicodemos, e com cada um de nós, nada mais resta do que acolher o convite à conversão e a uma mudança radical de vida. Quem aceita Jesus, e dá espaço a um amor que nos transcende, encontra o que ninguém pode alcançar por si mesmo: a verdadeira vida.

    Meditatio

    Deus faz maravilhas pelos arautos da Boa Nova porque difundem a palavra de vida. Não os preserva da prisão, mas liberta-os, mais ou menos rapidamente. As vezes, a fraqueza da Palavra dura uma noite, outras vezes dura anos. Mas a Palavra acaba por vencer e por avançar irresistível até aos confins do mundo. Basta pensar no que se passou nos primeiros três séculos da vida da Igreja, até ao édito de Milão. Basta pensar no que se passou nos países da ex-União Soviética. Há tantas formas de prisão e de libertação! Mas Jesus acompanha o caminho da sua Palavra e, de vários modos, está presente aos seus mensageiros, acampando junto deles para os libertar das coacções externas e internas. A figura deste mundo passa. Mas a Palavra de Deus permanece.
    «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16).
    A ressurreição de Jesus ajuda-nos a verificar esta intenção de Deus. Se Jesus
    não tivesse ressuscitado, tudo permaneceria obscuro, porque o pecado dos homens levaria aparentemente a melhor, e o juízo de Deus cairia inexorável sobre esse pecado, que afastaria definitivamente o Filho do mundo. Jesus teria feito o possível para nos salvar, mas a malícia humana teria levado a melhor. A terra permaneceria nas sombras da morte.
    Mas Deus revela a sua intenção de amor ressuscitando o seu Filho, revelando assim que não quer o juízo, mas a salvação, a vida. A ressurreição manifesta a misericórdia de Deus para connosco e dá-nos uma esperança nova, que jamais há-de perecer, tal como Cristo ressuscitado e glorioso. O pecado está vencido, ultrapassado. Para além do pecado do homem, há uma vida nova que Deus nos oferece.
    «Cristo amou-nos e entregou-se a Deus por nós como oferta e sacrifício de agradável odor» (Ef 5, 2). Para nos remir do pecado, Cristo fez a oblação de si mesmo, que culminou na Cruz. O Pai aceitou a oblação do Filho e ressuscitou-O. Mas, na origem da oblação de Cristo está o próprio Pai que: «amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho unigénito... não... para julgar o mundo, ma
    s para que o mundo seja salvo por meio d´Ele. Quem acredita n´Ele não é condenado..." (Jo 3, 16-18). S. João repete a mesma ideia na sua Primeira Carta: o Pai enviou o Seu Filho, Cristo Jesus, como "vítima de expiação pelos nossos pecados; não só pelos nossos pecados, mas também pelos de todo o mundo" (cf. 1 Jo 2, 2). S. Paulo acrescenta: "Foi

    Deus... que reconciliou o mundo Consigo em Cristo, não imputando aos homens o seus pecados..." (2 Cor 5, 19).

    Oratio

    Senhor, vejo que, quando queres alguma coisa, nada Te detém. Por isso, quando a tua palavra parece encarcerada, quando os teus apóstolos parecem prisioneiros, não devo perder a confiança no teu poder. Essa é, hoje, uma tentação grande e perigosa para todos nós, os teus discípulos. Diante das forças dos que se opõem à tua palavra, facilmente nos inquietamos, nos assustamos, nos deprimimos, nos arrependemos. Dá-nos a certeza de que, também hoje, estás com os teus mensageiros e os assistes, que o nosso dever é anunciar, e não ver o sucesso do anúncio. Esse sucesso é apenas para Ti, quando quiseres abrir a porta dos corações, quando quiseres preparar um novo povo, quando decidires que a tua Palavra deve retomar a corrida pelo mundo, o mundo geográfico e o mundo dos corações. Creio em Ti, Senhor, e na força do teu Espírito. Amen.

    Contemplatio

    Como Deus nos ama! Os pagãos tinham feito, do amor profano, um deus, que lançava as suas flechas sobre os corações dos homens. Era uma profanação. O nosso Deus é que é amor: Deus charitas est. É Deus e o seu Filho Jesus que lançam setas nos nossos corações para os ferirem de amor. - O Salvador não diz de si mesmo:
    «Deus colocou-me como sua seta eleita, posuit me sicut sagittam electam (Is 49, 2). E que seta, senão uma seta de amor?
    Jesus é a seta de amor saída da aljava de seu Pai. «Deus amou de tal modo o
    mundo, diz S. João, que lhe deu o seu Filho único» (Jo 3).
    A misericórdia de Deus pressionava-o para encontrar o meio de nos salvar, parecia ter saudades da nossa amizade. Não disse Ele: «Tenho as minhas delícias na amizade dos filhos dos homens» (Prov. 9).
    Era como o pai do filho pródigo, que vai ao encontro do culpado; ou como são
    um pai e uma mãe que perderam o seu filho bem-amado.
    A Santíssima Trindade escolheu a incarnação como o meio de recuperar o nosso coração. Ela lançou uma seta de amor, o menino de Belém» (Leão Dehon, OSP
    3, p. 26).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Cristo amou-nos e entregou-se por nós» (Ef 5, 2).