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  • 21º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    21º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    25 de Agosto, 2024

    ANO B
    21º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 21º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 21º Domingo do Tempo Comum fala-nos de opções. Recorda-nos que a nossa existência pode ser gasta a perseguir valores efémeros e estéreis, ou a apostar nesses valores eternos que nos conduzem à vida definitiva, à realização plena. Cada homem e cada mulher têm, dia a dia, de fazer a sua escolha.
    Na primeira leitura, Josué convida as tribos de Israel reunidas em Siquém a escolherem entre "servir o Senhor" e servir outros deuses. O Povo escolhe claramente "servir o Senhor", pois viu, na história recente da libertação do Egipto e da caminhada pelo deserto, como só Jahwéh pode proporcionar ao seu Povo a vida, a liberdade, o bem estar e a paz.
    O Evangelho coloca diante dos nossos olhos dois grupos de discípulos, com opções diversas diante da proposta de Jesus. Um dos grupos, prisioneiro da lógica do mundo, tem como prioridade os bens materiais, o poder, a ambição e a glória; por isso, recusa a proposta de Jesus. Outro grupo, aberto à acção de Deus e do Espírito, está disponível para seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida; os membros deste grupo sabem que só Jesus tem palavras de vida eterna. É este último grupo que é proposto como modelo aos crentes de todos os tempos.
    Na segunda leitura, Paulo diz aos cristãos de Éfeso que a opção por Cristo tem consequências também ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja.

    LEITURA I - Jos 24,1-2a.15-17.18b

    Leitura do Livro de Josué

    Naqueles dias,
    Josué reuniu todas as tribos de Israel em Siquém.
    Convocou os anciãos de Israel,
    os chefes, os juízes e os magistrados,
    que se apresentaram diante de Deus.
    Josué disse então a todo o povo:
    «Se não vos agrada servir o Senhor,
    escolhei hoje a quem quereis servir:
    se os deuses que os vossos pais serviram no outro lado do rio,
    se os deuses dos amorreus em cuja terra habitais.
    Eu e a minha família serviremos o Senhor».
    Mas o povo respondeu:
    «Longe de nós abandonar o Senhor para servir outros deuses;
    porque o Senhor é o nosso Deus,
    que nos fez sair, a nós e a nossos pais,
    da terra do Egipto, da casa da escravidão.
    Foi Ele que, diante dos nossos olhos,
    realizou tão grandes prodígios
    e nos protegeu durante o caminho que percorremos
    entre os povos por onde passámos.
    Também nós queremos servir o Senhor,
    porque Ele é o nosso Deus».

    AMBIENTE

    O Livro de Josué (de onde é tirada a nossa primeira leitura) abarca uma parte do séc. XII a.C., desde a época da entrada na Terra Prometida das tribos do Povo de Deus libertadas do Egipto, até à morte de Josué. O livro oferece-nos uma visão muito simplificada da ocupação de Canaan: as doze tribos, unidas sob a liderança de Josué, realizaram várias expedições militares fulgurantes e apoderaram-se, quase sem oposição, de todo o território anteriormente nas mãos dos cananeus... Historicamente, contudo, as coisas não se passaram nem de forma tão fácil, nem de forma tão linear: é mais verosímil a versão apresentada no Livro dos Juízes e que fala de uma conquista lenta e difícil (cf. Jz 1), incompleta (cf. Jz 13,1-6; 17,12-16), que não foi obra de um povo unido à volta de um chefe único, mas de tribos que fizeram a guerra isoladamente.
    O Livro de Josué, antes de ser um livro de história, é um livro de catequese. O objectivo dos autores deuteronomistas que o escreveram era destacar o poder imenso de Jahwéh, posto ao serviço do seu Povo: foi Deus (e não a capacidade militar das tribos) que, com os seus prodígios, ofereceu a Israel a Terra Prometida; ao Povo resta-lhe aceitar os dons de Deus e responder-Lhe com a fidelidade à Aliança e aos mandamentos.
    O texto que nos é hoje proposto situa-nos na fase final da vida de Josué. Sentindo aproximar-se a morte, Josué teria reunido em Siquém (no centro do país) os líderes das diversas tribos do Povo de Deus e ter-lhes-ia proposto uma renovação do seu compromisso com Jahwéh. De acordo com Jos 24,15, Josué teria colocado as coisas da seguinte forma: "escolhei hoje a quem quereis servir... porque eu e a minha casa serviremos o Senhor".
    Na versão do autor deuteronomista a quem devemos esta notícia, Josué parece dirigir-se a um grupo de tribos que partilha uma fé comum em Jahwéh. Estaremos diante de uma assembleia que reúne essas "doze tribos" que, mais tarde (na época de David) vão constituir uma unidade nacional? Alguns biblistas pensam que não. Entre as tribos presentes não estaria certamente a tribo de Judá, já que os contactos entre Judá e a "casa de José" só se estabeleceram na época do rei David. A "casa" de Josué a que o texto se refere é certamente constituída pelas tribos do centro do país - Efraim, Benjamim e Manassés - que há muito tempo tinham aderido a Jahwéh e à Aliança. E as outras tribos, convidadas a comprometer-se com Jahwéh? Provavelmente, o convite a escolher entre "o Senhor" e os outros deuses (cf. Jos 24,14) dirige-se às tribos do norte do país que, sem dúvida, não abandonaram a Palestina desde a época dos patriarcas (e que, portanto, não viveram a experiência do Egipto, nem fizeram a experiência de encontro com Jahwéh, o Deus libertador).
    Talvez a "assembleia de Siquém" referida em Jos 24 seja a primeira tentativa histórica de estabelecer laços entre as tribos do centro da Palestina (Efraim, Benjamim e Manassés - as tribos que viveram a experiência do Egipto, a libertação, a caminhada pelo deserto e a Aliança com Jahwéh) e as tribos do norte (Issacar, Zabulón, Neftali, Asher e Dan - tribos que nem sequer estiveram no Egipto). A ligação far-se-ia à volta de uma fé comum num mesmo Deus. A união das diversas tribos do norte e do centro não se deu, contudo, de uma vez; mas foi uma caminhada lenta e progressiva, que só se completou muito tempo depois de Josué.
    O ponto de partida para o texto que nos é proposto é o facto histórico em si (provavelmente, uma assembleia em Siquém, onde Josué propôs às tribos do norte que aceitassem Jahwéh como seu Deus). No entanto, o autor deuteronomista responsável por este texto pegou na notícia histórica e transformou-a numa catequese sobre o compromisso que Israel assumiu para com Jahwéh. O seu objectivo é convidar os israelitas da sua época (séc. VII a.C.) a não se deixarem seduzir por outros deuses e a manterem-se fiéis à Aliança.

    MENSAGEM

    Estamos, portanto, em Siquém, com "todas as tribos de Israel" (vers. 1) reunidas à volta de Josué. Na interpelação que dirige às tribos, Josué começa por elencar alguns momentos capitais da história da salvação, mostrando ao Povo como Jahwéh é um Deus em quem se pode confiar; as suas acções salvadoras e libertadoras em favor de Israel são uma prova mais do que suficiente do seu poder e da sua fidelidade (cf. Jos 24,2-13).
    Depois dessa introdução, Josué convida os representantes das tribos presentes a tirarem as devidas consequências e a fazerem a sua opção. É necessário escolher entre servir esse Senhor que libertou Israel da opressão, que o conduziu pelo deserto e que o introduziu na Terra Prometida, ou servir os deuses dos mesopotâmios e os deuses dos amorreus. Josué e a sua família já optaram: eles escolheram servir Jahwéh (vers. 15).
    A resposta do Povo é a esperada. Todos manifestam a sua intenção de servir o Senhor, em resposta à sua acção libertadora e à sua protecção ao longo da caminhada pelo deserto (vers. 16-18). Israel compromete-se a renunciar a outros deuses e a fazer de Jahwéh o seu Deus.
    A aceitação de Jahwéh como Deus de Israel é apresentada, não como uma obrigação imposta a um grupo de escravos, mas como uma opção livre, feita por pessoas que fizeram uma experiência de encontro com Deus e que sabem que é aí que está a sua realização e a sua felicidade. Depois de percorrer com Jahwéh os caminhos da história, Israel constatou, sem margem para dúvidas, que só em Deus pode encontrar a liberdade e a vida em plenitude.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O problema fundamental posto pelo autor do nosso texto é o das opções: "escolhei hoje a quem quereis servir" - diz Josué ao Povo reunido. É uma questão que nunca deixará de nos ser posta... Ao longo da nossa caminhada pela vida, vamos fazendo a experiência do encontro com esse Deus libertador e salvador que Israel descobriu na sua marcha pela história; mas encontramo-nos também, muito frequentemente, com outros deuses e outras propostas que parecem garantir-nos a vida, o êxito, a realização, a felicidade e que, quase sempre, nos conduzem por caminhos de escravidão, de dependência, de desilusão, de infelicidade. A expressão "escolhei hoje a quem quereis servir" interpela-nos acerca da nossa servidão ao dinheiro, ao êxito, à fama, ao poder, à moda, às exigências dos valores que a opinião pública consagrou, ao reconhecimento público... Naturalmente, nem todos os valores do mundo são geradores de escravidão ou incompatíveis com a nossa opção por Deus... Temos, no entanto, que repensar continuamente a nossa vida e as nossas opções, a fim de não corrermos atrás de falsos deuses e de não nos deixarmos seduzir por propostas falsas de realização e de felicidade. O verdadeiro crente sabe que não pode prescindir de Deus e das suas propostas; e sabe que é nesse Deus que nunca desilude aqueles que n'Ele confiam que pode encontrar a sua realização plena.

    ¨ Israel aceitou "servir o Senhor" e comprometer-se com Ele, não por obrigação, mas pela convicção de que era esse o caminho para a sua felicidade. Por vezes, Deus é visto como um concorrente do homem e os seus mandamentos como uma proposta que limita a liberdade e a independência do homem... Na verdade, o compromisso com Deus e a aceitação das suas propostas não é um caminho de servidão, mas um caminho que conduz o homem à verdadeira liberdade e à sua realização plena. O caminho que Deus nos propõe - caminho que somos livres de aceitar ou não - é um caminho que nos liberta do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, da escravidão dos bens materiais e que nos projecta para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida, para a verdadeira felicidade.

    ¨ Josué, o líder da comunidade do Povo de Deus, tem um papel fundamental no sentido de interpelar o Povo e de testemunhar a sua opção por Deus. Não é um líder que diz belas palavras e apresenta belas propostas, mas que desmente com a vida aquilo que diz... É um líder plenamente comprometido com Deus e que testemunha, com a própria vida, essa opção. Josué poderia ser um exemplo para todos aqueles que têm responsabilidades na condução da comunidade do Povo de Deus em marcha pela história. O seu exemplo convida aqueles que presidem à comunidade do Povo de Deus a serem uma voz de Deus que interpela e que questiona aqueles que caminham ao seu lado; e convida também os responsáveis pelas comunidades cristãs a testemunharem com a própria vida aquilo que ensinam ao Povo.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 33 (34)

    Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

    A toda a hora bendirei o Senhor,
    o seu louvor estará sempre na minha boca.
    A minha alma gloria-se no Senhor:
    escutem e alegrem-se os humildes.

    Os olhos do Senhor estão voltados para os justos
    e os ouvidos atentos aos seus rogos.
    A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
    para apagar da terra a sua memória.

    Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
    livrou-os de todas as suas angústias.
    O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
    e salva os de ânimo abatido.

    Muitas são as tribulações do justo,
    mas de todas elas o livra o Senhor.
    Guarda todos os seus ossos,
    nem um só será quebrado.

    A maldade leva o ímpio à morte,
    os inimigos do justo serão castigados.
    O Senhor defende a vida dos seus servos,
    não serão castigados os que n'Ele se refugiam.

    LEITURA II - Ef 5,21-32

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo.
    As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor,
    porque o marido é a cabeça da mulher,
    como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo,
    do qual é o Salvador.
    Ora, como a Igreja se submete a Cristo,
    assim também as mulheres
    se devem submeter em tudo aos maridos.
    Maridos, amai as vossas mulheres,
    como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela.
    Ele quis santificá-la,
    purificando-a no baptismo da água pela palavra da vida,
    para a apresentar a Si mesmo como Igreja cheia de glória,
    sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante,
    mas santa e imaculada.
    Assim devem os maridos amar as suas mulheres,
    como os seus corpos.
    Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo.
    Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo,
    antes o alimenta e lhe presta cuidados,
    como Cristo à Igreja;
    porque nós somos membros do seu Corpo.
    Por isso, o homem deixará pai e mãe,
    para se unir à sua mulher,
    e serão dois numa só carne.
    É grande este mistério,
    digo-o em relação a Cristo e à Igreja.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a parte moral e parenética da Carta aos Efésios (cf. Ef 4,1-6,20). Nessa parte, Paulo lembra aos crentes a opção que fizeram no dia do seu Baptismo e que os obriga a viver como Homens Novos, à imagem de Jesus.
    A vida desse Homem Novo que deixou as trevas e escolheu a luz deve traduzir-se em atitudes concretas. Por isso, Paulo enumera, a dado passo da sua reflexão, um conjunto de normas de conduta, através das quais se deve manifestar a opção que o crente assumiu no dia do seu Baptismo.
    Na secção de Ef 5,21-6,9 (a que o texto que hoje nos é proposto pertence), Paulo apresenta as normas que devem reger as relações familiares. De forma especial, Paulo refere-se aos deveres dos esposos, seguramente porque vê na sua união uma figura da união de Cristo com a sua Igreja. Trata-se de um dos temas mais importantes da teologia desenvolvida na Carta aos Efésios.

    MENSAGEM

    O nosso texto começa com um princípio geral que deve regular as relações entre os diversos membros da família cristã: "sede submissos uns aos outros no temor de Cristo" (Ef 5,21). O "ser submisso" expressa aqui a condição daquele que está permanentemente numa atitude de serviço simples e humilde, sem deixar que a sua relação com o irmão seja dominada pelo orgulho ou marcada por atitudes de prepotência. A expressão "no temor de Cristo" recorda aos crentes que o Cristo do amor, do serviço, da partilha é o exemplo e o modelo que eles devem ter sempre diante dos olhos.
    Depois, Paulo dirige-se aos vários membros da família e propõe-lhes normas concretas de conduta. O texto que nos é proposto, contudo, apenas conservou a parte que se refere à relação dos esposos um com o outro (na continuação, Paulo falará também da conduta dos filhos para com os pais, dos pais para com os filhos, dos senhores para com os escravos e dos escravos para com os senhores - cf. Ef 6,1-9).
    Às mulheres, Paulo pede a submissão aos maridos, porque "o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo" (vers. 23). Esta afirmação - que, à luz da nossa sensibilidade e dos nossos esquemas mentais modernos parece discriminatória - deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, onde o homem aparece como a referência suprema da organização do núcleo familiar. De qualquer forma, a "submissão" de que Paulo fala deve ser sempre entendida no sentido do amor e do serviço e não no sentido da escravidão.
    Aos maridos, Paulo recomenda que amem as suas esposas, "como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela" (vers. 25). Não se trata de um amor qualquer, mas de um amor igual ao de Cristo pela sua comunidade - isto é, de um amor generoso e total, que é capaz de ir até ao dom da própria vida. Para Paulo, portanto, o amor dos maridos pelas esposas deve ser um amor completamente despido de qualquer sinal de egoísmo e de prepotência; e deve ser um amor cheio de solicitude, que se manifesta em atitudes de generosidade, de bondade e de serviço, que se faz dom total à pessoa a quem se ama.
    Neste contexto, Paulo desenvolve a sua teologia da relação entre Cristo e a Igreja, para depois tirar daí as devidas consequências para a união dos esposos cristãos... Cristo santificou a Igreja, purificando-a "no baptismo da água pela palavra da vida" (vers. 26). Há aqui, certamente, uma alusão ao baptismo cristão (inspirada, provavelmente, nas cerimónias preparatórias do matrimónio, que contemplavam o "banho" da noiva antes de se apresentar diante do noivo), pelo qual Cristo edifica a sua comunidade e a purifica do pecado. O Baptismo é o momento em que Cristo oferece a vida plena à sua Igreja e em que a Igreja se compromete com Cristo numa comunidade de amor. A partir desse momento, Cristo e a Igreja formam um só corpo... Como Cristo e a Igreja formam um só corpo, do mesmo modo marido e esposa, comprometidos numa comunidade de amor, formam um só corpo: "por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua mulher e serão dois numa só carne" (vers. 31). A expressão "uma só carne" aqui usada por Paulo não alude só à união carnal dos esposos, mas a toda a sua vida conjugal, feita de um empenho quotidiano na vivência do amor, da fidelidade e da partilha de toda a existência.
    Este paralelismo estabelecido por Paulo entre a união de Cristo e da Igreja e o amor que une os esposos dá um significado especial ao casamento cristão: a vocação dos esposos é anunciar e testemunhar, com o seu amor e a sua união, o amor de Cristo pela sua Igreja. Dito de outra forma: a união dos esposos cristãos deve ser, aos olhos do mundo, um sinal e um reflexo do "mistério" de amor que une Cristo e a Igreja.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O compromisso com Jesus e com a proposta de vida nova que Ele veio apresentar mexe com a totalidade da vida do homem e tem consequências em todos os níveis da existência, nomeadamente ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser também o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja. "Os esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afecto e de pensamento e com mútua santidade de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição" (Gaudium et Spes, 52).

    ¨ Para Paulo, o amor que une o marido e a esposa deve ser um amor como o de Cristo pela sua Igreja. Desse amor devem, portanto, estar ausentes quaisquer sinais de egoísmo, de prepotência, de exploração, de injustiça... Deve ser um amor que se faz doação total ao outro, que é paciente, que não é arrogante nem orgulhoso, que compreende os erros e as falhas dos outro, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13,4-7).

    ¨ Para Paulo, o amor que une a esposa e o marido deve ser um amor que se faz serviço simples e humilde. Não se trata de exigir submissão de um a outro, mas trata-se de pedir que os crentes manifestem total disponibilidade para servir e para dar a vida, sem esperar nada em troca. Trata-se de seguir o exemplo de Cristo que não veio para afirmar a sua superioridade e para ser servido, mas para servir e dar vida. O matrimónio cristão não pode tornar-se uma competição para ver quem tem mais direitos ou mais obrigações, mas uma comunhão de vida de pessoas que, a exemplo de Cristo, fazem da sua existência uma partilha e um serviço a todos os irmãos que caminham ao seu lado.

    ¨ Paulo utiliza, neste texto, a propósito das mulheres, uma palavra que não devemos absolutizar: "submissão". Esta palavra deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, em que o marido era considerado a referência fundamental da ordem familiar. É claro que, nos dias de hoje, Paulo não teria usado este termo para falar da relação da esposa com o marido. A afirmação de Paulo não pode servir para fundamentar qualquer tipo de discriminação contra as mulheres... Aliás, Paulo dirá, noutras circunstâncias, que "não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus" (Gal 3,28).

    ALELUIA - cf. Jo 6,63c.68c

    Aleluia. Aleluia.

    As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida:
    Vós tendes palavras de vida eterna.

    EVANGELHO - Jo 6,60-69

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram:
    «Estas palavras são duras.
    Quem pode escutá-las?»
    Jesus, conhecendo interiormente
    que os discípulos murmuravam por causa disso,
    perguntou-lhes:
    «Isto escandaliza-vos?
    E se virdes o Filho do homem
    subir para onde estava anteriormente?
    O espírito é que dá vida,
    a carne não serve de nada.
    As palavras que Eu vos disse são espírito e vida.
    Mas, entre vós, há alguns que não acreditam».
    Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início,
    quais eram os que não acreditavam
    e quem era aquele que O havia de entregar.
    E acrescentou:
    «Por isso é que vos disse:
    Ninguém pode vir a Mim,
    se não lhe for concedido por meu Pai».
    A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se
    e já não andavam com Ele.
    Jesus disse aos Doze:
    «Também vós quereis ir embora?»
    Respondeu-Lhe Simão Pedro:
    «Para quem iremos, Senhor?
    Tu tens palavras de vida eterna.
    Nós acreditamos
    e sabemos que Tu és o Santo de Deus».

    AMBIENTE

    Estamos no final do episódio que começou com a multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Jo 6,1-15) e que continuou com o "discurso do pão da vida" (cf. Jo 6,22-59). Trata-se de um episódio atravessado por diversos equívocos e onde se manifesta a perplexidade e a confusão daqueles que escutam as palavras de Jesus... A multidão esperava um messias rei que lhe oferecesse uma vida confortável e pão em abundância e Jesus mostrou que não veio "dar coisas", mas oferecer-Se a Ele próprio para que a humanidade tivesse vida; a multidão esperava de Jesus uma proposta humana de triunfo e de glória e Jesus convidou-a a identificar-se com Ele e a segui-l'O no caminho do amor e do dom da vida até à morte... Os interlocutores de Jesus perceberam claramente que Jesus os tinha colocado diante de uma opção fundamental: ou continuar a viver numa lógica humana, virada para os bens materiais e para as satisfações mais imediatas, ou o assumir a lógica de Deus, seguindo o exemplo de Jesus e fazendo da vida um dom de amor para ser partilhado. Instalados nos seus esquemas e preconceitos, presos a aspirações e sonhos demasiado materiais, desiludidos com um programa que lhes parecia condenado ao fracasso, os interlocutores de Jesus recusaram-se a identificar-se com Ele e com o seu programa.
    O nosso texto mostra-nos a reacção negativa de "muitos discípulos" às propostas que Jesus faz. Nem todos os discípulos estão dispostos a identificar-se com Jesus ("comer a sua carne e beber o seu sangue") e a oferecer a sua vida como dom de amor que deve ser partilhado com toda a humanidade. Temos de situar esta "catequese" no contexto em que vivia a comunidade joânica, nos finais do séc. I... A comunidade cristã era discriminada e perseguida; muitos discípulos afastavam-se e trilhavam outros caminhos, recusando-se a seguir Jesus no caminho do dom da vida. Muitos cristãos, confusos e perplexos, perguntavam: para ser cristão é preciso percorrer um caminho tão radical e de tanta exigência? A proposta de Jesus será, efectivamente, um caminho de vida plena, ou um caminho de fracasso e de morte? É a estas questões que o "catequista" João vai tentar responder.

    MENSAGEM

    A perícopa divide-se em duas partes. A primeira (vers. 60-66) descreve o protesto de um grupo de discípulos face às exigências de Jesus; a segunda (vers. 67-69) apresenta a resposta dos Doze à proposta que Jesus faz. Estes dois grupos (os "muitos discípulos" da primeira parte e os "Doze" da segunda parte) representam duas atitudes distintas face a Jesus e às suas propostas.
    Para os "discípulos" de que se fala na primeira parte do nosso texto, a proposta de Jesus é inadmissível, excessiva para a força humana (vers. 60). Eles não estão dispostos a renunciar aos seus próprios projectos de ambição e de realização humana, a embarcar com Jesus no caminho do amor e da entrega, a fazer da própria vida um serviço e uma partilha com os irmãos. Esse caminho parece-lhes, além de demasiado exigente, um caminho ilógico. Confrontados com a radicalidade do caminho do Reino, eles não estão dispostos a arriscar.
    Na resposta à objecção desses "discípulos", Jesus assegura-lhes que o caminho que propõe não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um caminho destinado à glória e à vida eterna. A "subida" do Filho do Homem, após a morte na cruz, para reentrar no mundo de Deus, será a "prova provada" de que a vida oferecida por amor conduz à vida em plenitude (vers. 61-62). Esses "discípulos" não estão dispostos a acolher a proposta de Jesus porque raciocinam de acordo com uma lógica humana, a lógica da "carne"; só o dom do Espírito possibilitará aos crentes perceber a lógica de Jesus, aderir à sua proposta e seguir Jesus nesse caminho do amor e da doação que conduz à vida (vers. 63).
    Na realidade, esses discípulos que raciocinam segundo a lógica da "carne" seguem Jesus pelas razões erradas (a glória, o poder, a fácil satisfação das necessidades materiais mais básicas). A sua adesão a Jesus é apenas exterior e superficial. Jesus tem consciência clara dessa realidade. Ele sabe até que um dos "discípulos" O vai trair e entregar nas mãos dos líderes judaicos (vers. 64). De qualquer forma, Jesus encara a decisão dos discípulos com tranquilidade e serenidade. Ele não força ninguém; apenas apresenta a sua proposta - proposta radical e exigente - e espera que o "discípulo" faça a sua opção, com toda a liberdade.
    Em última análise, a vida nova que Jesus propõe é um dom de Deus, oferecido a todos os homens (vers. 65). O termo deste movimento que o Pai convida o "discípulo" a fazer é o encontro com Jesus e a adesão ao seu projecto. Se o homem não está aberto à acção do Pai e recusa os dons de Deus, não pode integrar a comunidade dos discípulos e seguir Jesus.
    A primeira parte da cena termina com a retirada de "muitos discípulos" (vers. 66). O programa exposto por Jesus, que exige a renúncia às lógicas humanas de ambição e de realização pessoal, é recusado... Esses "discípulos" mostram-se absolutamente indisponíveis para percorrer o caminho de Jesus.
    Confirmada a deserção desses "discípulos", Jesus pede ao grupo mais restrito dos "Doze" que façam a sua escolha: "também vós quereis ir embora?" (vers. 67). Repare-se que Jesus não suaviza as suas exigências, nem atenua a dureza das suas palavras... Ele está disposto a correr o risco de ficar sem discípulos, mas não está disposto a prescindir da radicalidade do seu projecto. Não é uma questão de teimosia ou de não querer dar o braço a torcer; mas Jesus está seguro que o caminho que Ele propõe - o caminho do amor, do serviço, da partilha, da entrega - é o único caminho por onde é possível chegar à vida plena... Por isso, Ele não pode mudar uma vírgula ao seu discurso e à sua proposta. O caminho para a vida em plenitude já foi claramente exposto por Jesus; resta agora aos "discípulos" aceitá-lo ou rejeitá-lo.
    Confrontados com esta opção fundamental, os "Doze" definem claramente o caminho que querem percorrer: eles aceitam a proposta de Jesus, aceitam segui-l'O no caminho do amor e da entrega. Quem responde em nome do grupo (uso do plural) é Simão Pedro: "Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna" (vers. 68). A comunidade reconhece, pela voz de Pedro, que só no caminho proposto por Jesus encontra vida definitiva. Os outros caminhos só geram vida efémera e parcial e, com frequência, conduzem à escravidão e à morte; só no caminho que Jesus acabou de propor (e que "muitos" recusaram) se encontra a felicidade duradoura e a realização plena do homem (vers. 68).
    É porque reconhece em Jesus o único caminho válido para chegar à vida eterna que a comunidade dos "Doze" adere ao que Ele propõe ("cremos" - vers. 69a). A "fé" (adesão a Jesus) traduz-se no seguimento de Jesus, na identificação com Ele, no compromisso com a proposta que Ele faz ("comer a carne e beber o sangue" que Jesus oferece e que dão a vida eterna).
    A resposta posta na boca de Pedro é precisamente a resposta que a comunidade joânica (a tal comunidade que vive a sua fé e o seu compromisso cristão em condições difíceis e que, por vezes, tem dificuldade em renunciar à lógica do mundo e apostar na radicalidade do Evangelho de Jesus) é convidada a dar: "Senhor, as tuas propostas nem sempre fazem sentido à luz dos valores que governam o nosso mundo; mas nós estamos seguros de que o caminho que Tu nos indicas é um caminho que leva à vida eterna. Queremos escutar as tuas palavras, identificar-nos contigo, viver de acordo com os valores que nos propões, percorrer contigo esse caminho do amor e da doação que conduz à vida eterna.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O Evangelho deste domingo põe claramente a questão das opções que nós, discípulos de Jesus, somos convidados a fazer... Todos os dias somos desafiados pela lógica do mundo, no sentido de alicerçarmos a nossa vida nos valores do poder, do êxito, da ambição, dos bens materiais, da moda, do "politicamente correcto"; e todos os dias somos convidados por Jesus a construir a nossa existência sobre os valores do amor, do serviço simples e humilde, da partilha com os irmãos, da simplicidade, da coerência com os valores do Evangelho... É inútil esconder a cabeça na areia: estes dois modelos de existência nem sempre podem coexistir e, frequentemente, excluem-se um ao outro. Temos de fazer a nossa escolha, sabendo que ela terá consequências no nosso estilo de vida, na forma como nos relacionamos com os irmãos, na forma como o mundo nos vê e, naturalmente, na satisfação da nossa fome de felicidade e de vida plena. Não podemos tentar agradar a Deus e ao diabo e viver uma vida "morna" e sem exigências, procurando conciliar o inconciliável. A questão é esta: estamos ou não dispostos a aderir a Jesus e a segui-l'O no caminho do amor e do dom da vida?

    ¨ Os "muitos discípulos" de que fala o texto que nos é proposto não tiveram a coragem para aceitar a proposta de Jesus. Amarrados aos seus sonhos de riqueza fácil, de ambição, de poder e de glória, não estavam dispostos a trilhar um caminho de doação total de si mesmos em benefício dos irmãos. Este grupo representa esses "discípulos" de Jesus demasiado comprometidos com os valores do mundo, que até podem frequentar a comunidade cristã, mas que no dia a dia vivem obcecados com a ampliação da sua conta bancária, com o êxito profissional a todo o custo, com a pertença à elite que frequenta as festas sociais, com o aplauso da opinião pública... Para estes, as palavras de Jesus "são palavras duras" e a sua proposta de radicalidade é uma proposta inadmissível. Esta categoria de "discípulos" não é tão rara como parece... Em diversos graus, todos nós sentimos, por vezes, a tentação de atenuar a radicalidade da proposta de Jesus e de construir a nossa vida com valores mais condizentes com uma visão "light" da existência. É preciso estarmos continuamente numa atitude de vigilância sobre os valores que nos norteiam, para não corrermos o risco de "virar as costas" à proposta de Jesus.

    ¨ Os "Doze" ficaram com Jesus, pois estavam convictos de que só Ele tem "palavras que comunicam a vida definitiva". Eles representam aqueles que não se conformam com a banalidade de uma vida construída sobre valores efémeros e que querem ir mais além; representam aqueles que não estão dispostos a gastar a sua vida em caminhos que só conduzem à insatisfação e à frustração; representam aqueles que não estão dispostos a conduzir a sua vida ao sabor da preguiça, do comodismo, da instalação; representam aqueles que aderem sinceramente a Jesus, se comprometem com o seu projecto, acolhem no coração a vida que Jesus lhes oferece e se esforçam por viver em coerência com a opção por Jesus que fizeram no dia do seu Baptismo. Atenção: esta opção pelo seguimento de Jesus precisa de ser constantemente renovada e constantemente vigiada, a fim de que o nível da coerência e da exigência se mantenha.

    ¨ Na cena que o Evangelho de hoje nos traz, Jesus não parece estar tão preocupado com o número de discípulos que continuarão a segui-l'O, quanto com o manter a verdade e a coerência do seu projecto. Ele não faz cedências fáceis para ter êxito e para captar a benevolência e os aplausos das multidões, pois o Reino de Deus não é um concurso de popularidade... Não adianta escamotear a verdade: o Evangelho que Jesus veio propor conduz à vida plena, mas por um caminho que é de radicalidade e de exigência. Muitas vezes tentamos "suavizar" as exigências do Evangelho, a fim de que ele seja mais facilmente aceite pelos homens do nosso tempo... Temos de ter cuidado para não desvirtuarmos a proposta de Jesus e para não despojarmos o Evangelho daquilo que ele tem de verdadeiramente transformador. O que deve preocupar-nos não é tanto o número de pessoas que vão à Igreja; mas é, sobretudo, o grau de radicalidade com que vivemos e testemunhamos no mundo a proposta de Jesus.

    ¨ Um dos elementos que aparece nitidamente no nosso texto é a serenidade com que Jesus encara o "não" de alguns discípulos ao projecto que Ele veio propor. Diante desse "não", Jesus não força as coisas, não protesta, não ameaça, mas respeita absolutamente a liberdade de escolha dos seus discípulos. Jesus mostra, neste episódio, o respeito de Deus pelas decisões (mesmo erradas) do homem, pelas dificuldades que o homem sente em comprometer-se, pelos caminhos diferentes que o homem escolhe seguir. O nosso Deus é um Deus que respeita o homem, que o trata como adulto, que aceita que ele exerça o seu direito à liberdade. Por outro lado, um Deus tão compreensivo e tolerante convida-nos a dar mostras de misericórdia, de respeito e de compreensão para com os irmãos que seguem caminhos diferentes, que fazem opções diferentes, que conduzem a sua vida de acordo com valores e critérios diferentes dos nossos. Essa "divergência" de perspectivas e de caminhos não pode, em nenhuma circunstância, afastar-nos do irmão ou servir de pretexto para o marginalizarmos e para o excluirmos do nosso convívio.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Não há dúvida que Pedro não tinha compreendido todas as palavras de Jesus sobre o Pão da Vida, mas, um dia, ele tinha deixado tudo para seguir este Mestre que falava e agia com autoridade. Ele tinha-Lhe dado toda a sua confiança sem reservas: as suas palavras eram palavras de vida, os seus gestos eram gestos de vida. Então porque não aceitar que toda a sua pessoa fosse doadora de vida eterna? Pedro não se vê, pois, a deixar Aquele que promete a vida em nome de Deus. Imagina-se o sofrimento de Jesus ao ver alguns dos seus discípulos deixarem de O seguir. Mas imagina-se também a sua alegria diante da confiança daqueles que não O deixarão, mesmo se vierem a conhecer abandono momentâneo, negação, dúvida... Estamos prontos a fazer o acto de fé de Pedro: "Senhor, para quem iremos nós?" Em Cristo, e somente n'Ele, nunca ficaremos decepcionados!

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    O escândalo não tardou em rebentar! "Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?" Desta vez, não são os escribas e os fariseus que se opõem violentamente a Jesus, mas a maior parte dos seus discípulos. No lugar de Jesus, teríamos, sem dúvida, tentado acalmar os espíritos dizendo, por exemplo, que comer o seu corpo, beber o seu sangue para ter a vida eterna, era uma imagem, certamente chocante, mas apenas uma imagem! Nada disso com Jesus! Ele não apenas não retira nenhuma das suas palavras, mas provoca os Doze: "Também vós quereis ir embora?" Ele aceitaria antes ver partir os seus discípulos mais próximos do que negar uma só das suas palavras! O desafio era capital, incontornável. Não podemos apagar estas palavras se queremos ser seus discípulos. Tudo à luz do acontecimento central da Morte e Ressurreição, celebrado na Eucaristia! Isso exige uma dupla atitude para entrarmos no mistério da Eucaristia: Reconhecemos verdadeiramente neste homem, Jesus de Nazaré, o Filho de Maria, o verdadeiro Filho único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, como dizemos no Credo? Cremos verdadeiramente que Jesus ressuscitou e é verdadeiramente vencedor da morte? Aí está o centro da nossa fé, onde tudo se decide! Quando comungamos o corpo e o sangue de Cristo, dizemos: "Ámen! Adiro a esta presença de Jesus ressuscitado com todas as fibras do meu ser!" Uma fé celebrada na Eucaristia a marcar toda a nossa existência... Não há meios-termos!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Qual é a minha fé? Cada um de nós pode interrogar-se: posso sinceramente dizer a minha fé com as palavras de Pedro? Se sim, terei, nos próximos dias, a força de a testemunhar junto de uma pessoa que duvida, que procura, ou que contesta a fé cristã? Quais são os meios que tenho para alimentar a minha fé?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • S. Mónica

    S. Mónica


    27 de Agosto, 2024

    Santa Mónica nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 331 ou 332, no seio de uma família cristã e com boas condições sociais. Ainda adolescente, foi dada em casamento a Patrício, que possuía um modesto património e era membro do conselho municipal de Tagaste. Mónica é uma mulher africana, mãe de um dos maiores Padres da Igreja, S. Agostinho. «Era mulher no aspecto, mas viril na fé, anciã na pacatez, materna no amor, verdadeira cristã» - escreve Agostinho (Conf. IX, 4,8). Ganhou para Cristo o marido e o filho. Esteve presente no batismo de Agostinho, em Milão, e acompanhou de perto a sua primeira experiência monástica em Casissíaco. Quando voltava para África, com o filho e os amigos, morreu em Óstia Tiberina, perto de Roma, antes de 13 de Novembro de 387.

    Lectio

    Primeira leitura: Ben-Sirá: 26, 1-4.13-16

    Feliz o homem que tem uma virtuosa mulher, porque será dobrado o número dos seus anos. 2A mulher forte é a alegria do marido; derramará paz nos anos da sua vida. Uma mulher virtuosa é uma sorte excelente, é o prémio dos que temem o Senhor.4Rico ou pobre, o seu coração será feliz, e o seu rosto ver-se-á sempre alegre. 13A graça de uma mulher deleita o marido, e seu bom proceder revigora-lhe os ossos. 14É dom do Senhor uma mulher silenciosa; nada é comparável a uma mulher bem educada. 15A mulher honesta é uma graça inestimável; não há preço comparável a uma alma casta. 16Como o sol se eleva nas alturas do Senhor, assim a beleza de uma mulher virtuosa é ornamento da sua casa.

    Esta leitura realça a especificidade da mulher de cuja bondade e virtude depende a felicidade do homem. Na casa, a mulher é mediadora e incarnação da beleza de Deus. O homem pode, não só contemplar essa beleza, mas também desposá-la. A felicidade, a alegria, a serenidade, a boa sorte, a paz, a vida longa, o vigor e, enfim, a graça, são como que veiculados por esse tipo de mulher que incarna em si os atributos da virtude. A mulher virtuosa do Ben-Sirá, ou a mulher perfeita dos Provérbios, é a própria Sabedoria

    Evangelho: Lucas 7, 11-17

    Naquele tempo, dirigia-se Jesus para uma cidade chamada Naim, indo com Ele os seus discípulos e uma grande multidão. 12Quando estavam perto da porta da cidade, viram que levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que era viúva; e, a acompanhá‑la, vinha muita gente da cidade. 13Vendo‑a, o Senhor compadeceu­-se dela e disse‑lhe: «Não chores.» 14Aproximan­do-se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam. Disse então: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta‑te!» 15O morto sentou‑se e começou a falar. E Jesus entregou‑o à sua mãe. 16O temor apoderou‑se de todos, e davam glória a Deus, dizendo: «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» 17E a fama deste milagre espalhou‑se pela Judeia e por toda a região.

    O centro desta narrativa de Lucas é o encontro de Jesus com aquela mulher, uma viúva, só, sem amor, mãe de um filho, a que deu a vida, mas que agora não pode arrancar da morte. Temos aqui alguns paralelismos com a paixão e ressurreição de Jesus: o encontro, que acontece «perto da porta da cidade» de Naim, portanto, fora dela, e a sua crucifixão fora das portas de Jerusalém; o «caixão» e o seu «sepulcro»; o «levantar-se, ressuscitar» do jovem e a Sua ressurreição (de Jesus). Lucas revela aqui a identidade de Jesus: o Ressuscitado, o Vencedor da morte é também o Senhor de misericórdia. Ele assume em si os sentimentos maternos daquela mulher: todo o seu espírito se envolve numa co-moção profunda, visceral, como acontece com as «vísceras maternas», que se abrem para acolher uma nova criatura no acto de dar lugar, de con-sentir (alegria e dor), com alguém que está nelas (cfr. Lc 15, 20). Jesus dá à mulher uma ordem paradoxal: «não chores!» É uma palavra que leva em si a força e a ternura de uma promessa - «Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Porque as primeiras coisas passaram.» (Ap 21, 4) - uma promessa de felicidade, que vai para além da morte. Aqui encontramos todo o sentido da incarnação, sinteticamente expresso no gesto de Jesus que «toca» o caixão e pronuncia, ali onde o homem se encontra no fim, a Palavra que o faz recomeçar: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta‑te!»
    No contacto com Jesus e com a sua palavra, o filho morto é novamente dado à vida. Da escuridão do sem sentido e do isolamento, é restituído à relação vital com os outros e com o mundo. Adquire novamente a capacidade de falar e de comunicar. E Jesus, com um gesto de grande delicadeza, «entregou‑o à sua mãe».

    Meditatio

    Mónica é uma «santa» e, portanto, uma «mulher» verdadeira. Nela convergem e incarnam a beleza da «mulher virtuosa» do Ben-Sirá e a materna com-paixão da «viúva» do Novo Testamento, que faz da sua vida uma intercessão pelo filho. A santidade de Mónica leva-nos ao coração da vocação e da missão da mulher. Mónica realizou até ao fim a missão de «guarda do homem». Enfrentou com grande dignidade e inteligência, com a genialidade própria da mulher, as dificuldades da vida matrimonial com um homem «pagão» de carácter muito difícil, «a quem - diz cruamente Agostinho - foi entregue». Sem jamais perder o gosto pelo bem, mesmo nas adversidades, «esforçou-se por ganhá-lo para Ti, falando-lhe de Ti com as suas virtudes com que a embelezaste e por meio das quais lhe merecias o seu afecto respeitoso e admirado» (S. Agostinho, Confissões IX, 9, 19).
    Servindo-se das grandes forças do espírito feminino apoiou, com as lágrimas e a oração de uma vida toda consagrada a Deus, a verdadeira luta pela fé do seu filho Agostinho. Esta luta é «a luta pelo homem, pelo seu verdadeiro bem, pela sua salvação».
    De Mónica, Agostinho escreverá mais tarde: «Creio, sem qualquer dúvida que, pelas tuas lágrimas, mãe, Deus concedeu-me não querer, não pensar, não amar outra coisa senão alcançar a verdade». Mónica é, pois, mãe numa dupla maternidade: «Deu-me à luz na carne, para que eu nascesse para a luz temporal, e deu-me à luz no espírito para que eu nascesse para a luz eterna»» (Conf IX, 8s.). Se a mulher na relação homem-Deus representa o ponto de encontro da humanidade com Deus, mesmo pela maternidade de que é portadora, em Mónica, no seu ser mãe em plenitude, a paternidade de Deus pôde agir numa admirável aliança.

    Oratio

    Pai santo, na sua vida mortal, o vosso Filho Jesus passou fazendo o bem e socorrendo todos os que eram prisioneiros do mal. Ainda hoje, como bom samaritano, vem ao encontro de todos os homens atribulados no corpo ou no espírito e derrama sobre as suas feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança. Nós vos louvamos e bendizemos pelo que, por meio de Cristo, fizestes em Santa Mónica e no seu filho Agostinho. Por intercessão da mãe e do filho, dai-nos a graça de chorarmos os nossos pecados para alcançarmos o vosso perdão. Ámen.

    Contemplatio

    O Coração de Jesus é compassivo, não só com os doentes, mas também com todos os que sofrem e se encontram em dificuldade. Como é bom para com as almas provadas pela perda daqueles que lhe são caros, como Jairo, cujo filho bem-amado acabava de morrer. Como é bom para com a pobre viúva de Naim que leva o seu filho único à sepultura, para com Marta e Madalena que choram o seu irmão. Está emocionado até ao fundo da alma, chora. As suas lágrimas comovem os próprios judeus. Apela ao poder divino para ressuscitar os mortos. A sua compaixão para com Jerusalém é imensa: chora por causa das tribulações futuras desta cidade ingrata e culpada. Num movimento de compaixão sem medida, abre os seus braços a todos os infortunados: «Vinde a mim, diz, vós todos que sofreis e que sois esmagados sob o peso do trabalho e da dor; vinde e vos aliviarei». No caminho do calvário, esquece os seus próprios sofrimentos para se compadecer das filhas de Jerusalém e convidá-las a chorar pelos castigos que cairão em breve sobre a sua pátria. (L. Dehon, OSP 4, p. 139s.).

    Actio

    Repete com frequência e vive a expressão de Santo Agostinho:
    «Quem é feliz tem Deus» (De vita beata, II, 11).
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    S. Mónica (27 Agosto)

  • S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja

    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja


    28 de Agosto, 2024

    Santo Agostinho nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 354. A sua mãe, Santa Mónica, educou-o cristãmente. As suas qualidades intelectuais depressa se revelaram, apontando para um futuro brilhante como mestre de retórica. Apesar de tudo, enveredou por uma vida dissoluta. Mas não se apagou nele a sede nem a ânsia da verdade. Leu o Hortêncio, de Cícero, e a Sagrada Escritura. Não se entusiasmou e acabou por aderir ao racionalismo e ao materialismo dos Maniqueus. Rumando à Itália, conheceu o bispo Santo Ambrósio de Milão. Reviu as suas posições acerca da Igreja Católica, voltou a ler a Bíblia e abriu-se definitivamente à luz e à riqueza de Cristo. Batizado em 387, regressou a África e fundou a sua primeira comunidade monástica em Tagaste, organizando-a segundo o modelo das comunidades de que nos falam os Atos dos Apóstolos. Em 391 foi ordenado sacerdote pelo bispo Valério, a quem sucedeu no governo da diocese de Hipona, no ano 395. Transferiu a sua comunidade para a casa episcopal, e dedicou-se ao ministério da Palavra e à defesa da fé. Escreveu mais de duzentos livros, e quase um milhar de sermões e cartas. Morreu a 28 de Agosto de 430. S. Agostinho é um dos padroeiros da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 4, 7-16

    Caríssimos: Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. 8Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor. 9E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. 10É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. 11Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros. 12A Deus nunca ninguém o viu; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição em nós. 13Damos conta de que permanecemos nele, e Ele em nós, por nos ter feito participar do seu Espírito. 14Nós o contemplámos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. 15Quem confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus.

    "Deus é amor". Por isso, mais do que procurá-lo com os olhos ou a mente, há que procurá-lo com o coração. Além disso, só os puros de coração verão a Deus (cf. Mt 5, 8). Se queremos ver a Deus, também com os nossos olhos, há que purificá-los, afastando as imperfeições que nos impedem ver a Deus. "Deus é amor". Que rosto, forma, estatura, pés, mãos, tem o amor? Não sabemos dizê-lo. Mas dispomos de pés para ir à Igreja, de mãos para fazer o bem, os olhos para ver os necessitados. O campo para exercer o amor é a caridade fraterna. Podemos dizer que não vemos a Deus; mas não podemos dizer que não vemos os homens. Se amamos os irmãos, veremos a Deus, porque veremos a própria caridade, e Deus habita na caridade.(Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário a 1 Jo 9, 1; VII, 10; v. 7).

    Evangelho: Mateus 13, 8-12

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Não vos deixeis tratar por 'mestres', pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai', porque um só é o vosso 'Pai': aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores', porque um só é o vosso 'Doutor': Cristo. 11O maior de entre vós será o vosso servo.12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

    O amor precede a observância dos mandamentos. A amor é a causa geradora da observância dos mandamentos. Não se trata só de nos amarmos uns aos outros, mas também de amar a Deus. Se o amor é a plenitude da lei (cf. Rm 13, 10), onde há caridade nada mais pode haver. Pelo contrário, onde não há caridade, nada nos pode valer. O diabo acredita mas não ama; mas quem ama não pode deixar de acreditar. Só amando a Deus podemos amar a nós mesmos e aos outros como a nós mesmos. Havemos de amar a todos para que Deus seja tudo em todos. (Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário ao Ev. de João LXXX, 2,3; LXXXII, 2).

    Meditatio

    Santo Agostinho é uma verdadeira parábola de amor apaixonado. A inquietação do coração, a saudade, o desejo, que o enchem interiormente, manifestam-se na procura incansável da verdade e do amor, num clima de oração permanente. Agostinho procura a sua própria identidade, a semelhança divina. Abre completamente a Deus o seu passado, o seu presente e o seu futuro, na certeza de que só Deus é capaz de vencer as suas resistências, medos, fraquezas humanas e saciar a sua sede.
    "Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti" (Confissões 1, 1). À luz da verdade reencontrada, Agostinho vê claramente o seu pecado e a necessidade da graça, da intervenção divina, e dá-se conta da orgulhosa pretensão do seu eu. Mas tudo acontece, agora, no centro do seu perene diálogo com Deus. Foi Deus quem o despertou, porque o ama. Esta certeza é para Agostinho garantia de que a graça de Cristo vencerá o seu pecado. Será restaurado nele "a ordem do amor" e, com essa restauração, poderá experimentar a bem-aventurança da paz e da liberdade sem fim. "Chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez... Tocaste-me e agora desejo ardentemente a paz" (Confissões, 10, 27).

    Oratio

    Senhor, eu amo-te. Trespassaste o meu coração com a tua palavra e desde então amei-te. O céu e a terra dizem-me que devo amar-te e não cessam de o dizer a todos. Quando te amo, não amo uma beleza corporal, uma graça passageira, a claridade de uma luz amável, os sons de uma qualquer melodia, o perfume de flores, de unguentos ou aromas, do maná ou do mel, ou membros que se entregam ao abraço: nada disso amo quando amo o meu Deus. E todavia amo uma certa luz, uma certa voz, um certo perfume e alimento e amplexo quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, amplexo do meu homem interior, onde brilha na minha alma aquilo que nada contém... É isso que amo, quando amo o meu Deus" (inspirado em Santo Agostinho, Confissões X, 6.8).

    Contemplatio

    Santo Agostinho não conheceu o símbolo do Coração de Jesus saído do seu lado para significar o seu amor, mas em todo o resto pode chamar-se um santo do Sagrado Coração. Ninguém falou melhor do lado de Jesus aberto pela lança para daí deixar escapar o sangue e a água, símbolo dos sacramentos e da Igreja. Viu nas chagas de Jesus um refúgio para a nossa alma. As belas invocações da oração Anima Christi são tiradas das suas efusões de amor para com o Salvador: «Água do lado de Jesus, dizia, purificai-me. - Jesus, escondei-me nas vossas chagas». Quem melhor do que ele cantou o amor de Deus? - «Ó Deus, dizia, é possível a alguém saber que sois Deus e que vos não ame? - Ó beleza sempre antiga e sempre nova, tarde vos conheci, tarde vos amei! - Fizestes-nos para vós, Senhor, e o nosso coração está sempre agitado, enquanto não repousa em vós». A regra composta por ele para a sua ordem religiosa foi justamente chamada a regra de amor. Ela respeita o mais puro amor de Deus e do próximo. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Ama e faz o que queres" (S. Agostinho, Comentário a 1 Jo VII, 8).

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    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja (28 Agosto)

  • Martírio de S. João Baptista

    Martírio de S. João Baptista


    29 de Agosto, 2024

    O «maior nascido de mulher» morreu mártir por ter censurado a Herodes Agripa pela sua conduta desonesta e imoral. Foi vítima da fé e da missão que exerceu. A sua degolação aconteceu na fortaleza de Maqueronte, junto ao Mar Morto, lugar de férias de Herodes. O sangue de João Baptista sela o seu testemunho em favor de Jesus: com a sua morte, completou a missão de precursor. A Igreja celebra hoje o seu nascimento para o céu, talvez por, nesta data, foi dedicada em sua honra uma antiga basílica, erguida em Sebaste, na Samaria.

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 1, 17-19

    A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 17Tu, porém, cinge os teus rins, levanta-te e diz-lhes tudo o que Eu te ordenar. Não temas diante deles; se não, serei Eu a fazer-te temer na sua presença. 18E eis que hoje te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos sacerdotes e do povo da terra. 19Far-te-ão guerra, mas não hão-de vencer, porque Eu estou contigo para te salvar» -oráculo do Senhor.

    João Baptista ajuda-nos a compreender a missão de Jesus, e a vida de Jeremias ajuda-nos a compreender a missão de João Baptista. Seria interessante lembrar a vida de Jeremias para compreender o valor destas duas vidas paralelas. Mas esta leitura da missa evidencia particularmente a «coragem» do profeta em dizer «tudo», a sua fortaleza para resistir à prepotência dos poderosos e a sua fé, isto é, a certeza de vencer em nome do Senhor. São qualidades típicas dos verdadeiros profetas...

    Evangelho: Marcos 6, 17-29

    Naquele tempo, Herodes tinha mando prender João e pô-lo a ferros na prisão, por causa de Herodíade, mulher de Filipe, seu irmão, que ele desposara. 18Porque João dizia a Herodes: «Não te é lícito ter contigo a mulher do teu irmão.» 19Herodíade tinha-lhe rancor e queria dar-lhe a morte, mas não podia, 20porque Herodes temia João e, sabendo que era homem justo e santo, protegia-o; quando o ouvia, ficava muito perplexo, mas escutava-o com agrado. 21Mas chegou o dia oportuno, quando Herodes, pelo seu aniversário, ofereceu um banquete aos grandes da corte, aos oficiais e aos principais da Galileia. 22Tendo entrado e dançado, a filha de Herodíade agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: «Pede-me o que quiseres e eu to darei.» 23E acrescentou, jurando: «Dar-te-ei tudo o que me pedires, nem que seja metade do meu reino.» 24Ela saiu e perguntou à mãe: «Que hei-de pedir?» A mãe respondeu: «A cabeça de João Baptista.» 25Voltando a entrar apressadamente, fez o seu pedido ao rei, dizendo: «Quero que me dês imediatamente, num prato, a cabeça de João Baptista.» 26O rei ficou desolado; mas, por causa do juramento e dos convidados, não quis recusar. 27Sem demora, mandou um guarda com a ordem de trazer a cabeça de João. O guarda foi e decapitou-o na prisão; 28depois, trouxe a cabeça num prato e entregou-a à jovem, que a deu à mãe. 29Tendo conhecimento disto, os discípulos de João foram buscar o seu corpo e depositaram-no num sepulcro.

    Marcos coloca a narrativa do martírio de João Baptista no caminho de Jesus para Jerusalém, como uma etapa fundamental. Com ela, concluiu-se o ciclo da vida do profeta e preludia-se o martírio de Jesus.
    Não devemos deixar-nos impressionar apenas pelos pormenores narrativos, aliás muito sugestivos, desta página de Marcos. O evangelista não pretende evidenciar nem os vícios de Herodes nem a malícia de Herodíade e nem sequer a leviandade da filha. A sua intenção é dar o devido realce à figura de João Baptista, que é como que o «mentor» do Nazareno, e mostrar como este grande profeta leva a termo a sua vida do mesmo modo e pelos mesmos motivos que Jesus.
    Este é o «pequeno mistério pascal» de João Baptista que, depois de experimentar a adversidade dos inimigos do evangelho, conhece agora o silêncio do sepulcro, onde espera a ressurreição.

    Meditatio

    As memórias litúrgicas de João Baptista levam-nos a meditar sobre o dom da profecia e sobre a figura do profeta. Qual é a sua função no meio do povo de Deus? Quais são as características que o qualificam como profeta? De que modo se coloca perante os seus contemporâneos como sinal de uma presença superior, como porta-voz da Palavra divina?
    O profeta revela-se como tal pelo seu modo de falar, pelo estilo da sua pregação. A palavra não é tudo, mas é capaz de manifestar o sentido de uma presença, incómoda mas incontornável, com a qual todos se devem confrontar. O profeta manifesta-se também, e sobretudo, pelas suas opções de vida. Assim mostra ter percebido que o tempo em que se vive aquele em que Deus nos chama a ser-para-os-outros. O profeta não pode escapar a esse chamamento, sob pena de ser infiel à missão. Finalmente o profeta manifesta autenticidade da sua missão pela coragem em dar a vida por aquele que o chamou e por aqueles a quem é enviado. Ou se é profeta com a vida, a vida gasta por amor, ou não é profeta a sério.
    O Pe. Dehon quer que nós sejamos os "profetas" e os "servidores... em Cristo" do amor redentor de Deus. Só dando Cristo ao mundo, somos "profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens... em Cristo" (Cst. 7). Há que sê-lo pela nossa vida e pelas nossas opções de vida: "Uma vida serena, porque oferecida em sacrifício a Deus; uma vida alegre, porque somos testemunhas do amor de Cristo; uma vida empenhada, porque colaboramos no advento do Reino de Deus; uma vida disponível, porque dada ao próximo, a exemplo de Cristo; uma vida partilhada, porque queremos ser testemunhas de que a "a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65). Escreve o Fundador: «Não devem os homens apostólicos assemelhar-se muito particularmente ao Precursor? Como ele, devem preparar os caminhos de Nosso Senhor. Como ele, devem contribuir para a salvação dos pecadores pelas suas expiações e sacrifícios» (OSP 4, p. 562)

    Oratio

    Ó glorioso S. João Baptista, pregador corajoso e coerente da verdade, intercede por nós e por todos quantos, na Igreja, são chamados a exercer a missão profética. Que a exerçam com clareza, com coerência de vida, com coragem, dispostos a selar com o próprio sangue o seu testemunho. Que todos os homens apostólicos se assemelhem a ti, a fim de prepararem os caminhos do Senhor, entre os caminhos dos homens de hoje. Que o fogo da caridade divina arda em nossos corações, para sermos zelosos e perseverantes no testemunho do seu amor e no serviço da reconciliação. Ámen.

    Contemplatio

    Não devia o Precursor assemelhar-se a Nosso Senhor e preparar-lhe os caminhos? Nosso Senhor devia salvar-nos pela cruz, devia cumprir a sua missão pelo sofrimento: "Não devia Cristo padecer?" (Lc 24). Devia estabelecer a religião pela cruz e pelo sofrimento, e convinha que o seu Precursor passa-se pelo mesmo caminho e que se mostrasse heroico nas aflições e sofrimentos. Convinha que o mártir da sinagoga, que chegava ao fim, preparasse os caminhos ao Salvador, que devia abrir o céu pelos seus sofrimentos e pelo seu sangue. Nosso Senhor queria fazer partilhar a graça dos seus sofrimentos ao seu Precursor. Queria também preparar os espíritos para o Evangelho mostrando-lhe o que os justos têm a esperar dos homens. Queria também dar-nos um modelo para nos ensinar a bem sofrer... A coragem deste justo condena o nosso desleixo e incita-nos, a nós pecadores, a sofrer pacientemente pelos nossos pecados e por seu amor (Leão Dehon, OSP 4, p. 561.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Eu estou contigo para te salvar» (Jer 1, 19).

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    Martírio de S. João Baptista (29 Agosto)

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