Eventos Julho 2024

  • 14º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    14º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    7 de Julho, 2024

    ANO B

    14.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 14.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste décimo quarto domingo comum desvenda-nos a “estratégia” de Deus para se aproximar de nós e para continuar a sua obra criadora na história: Ele chama pessoas – pessoas frágeis, simples, “normais” – e envia-as a dar testemunho da sua proposta de salvação. Na fragilidade dos seus enviados revela-se a irresistível força de Deus.

    A primeira leitura apresenta-nos um extrato do relato da vocação de Ezequiel. A vocação profética é aí apresentada como uma iniciativa de Javé, que chama um “filho de homem” (isto é, um homem “normal”, com os seus limites e fragilidades) e lhe “dá força” para ser, no meio do seu Povo sofredor, arauto da salvação de Deus.

    Na segunda leitura, Paulo assegura aos cristãos de Corinto (recorrendo ao seu exemplo pessoal) que Deus atua e manifesta o seu poder no mundo através de instrumentos débeis, finitos e limitados. Na ação do apóstolo – ser humano, vivendo na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade – manifesta-se ao mundo e aos homens a força e a Vida de Deus.

    O Evangelho mostra-nos, através do exemplo das gentes de Nazaré, o que pode acontecer quando não entendemos a “estratégia” de Deus para intervir no mundo e na história:  arriscamo-nos a passar ao lado de Deus sem o ver, a ignorar os seus desafios, a tratar com indiferença a sua proposta de salvação.

     

    LEITURA I – Ezequiel 2,2-5

    Naqueles dias,
    o Espírito entrou em mim e fez-me levantar.
    Ouvi então Alguém que me dizia:
    «Filho do homem,
    Eu te envio aos filhos de Israel,
    a um povo rebelde que se revoltou contra Mim.
    Eles e seus pais ofenderam-Me até ao dia de hoje.
    É a esses filhos de cabeça dura e coração obstinado
    que te envio, para lhes dizeres:
    ‘Eis o que diz o Senhor’.
    Podem escutar-te ou não
    – porque são uma casa de rebeldes –,
    mas saberão que há um profeta no meio deles».

     

    CONTEXTO

    Ezequiel (o nome significa “Deus que dá força”) exerceu o seu ministério na Babilónia junto dos exilados judeus. O profeta fez parte de um grupo de exilados que, em 597 a. C., chegaram à Babilónia, após a conquista de Jerusalém por Nabucodonosor.

    A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu entre 593 a. C. (data do seu chamamento à vocação profética) e 586 a. C. (data em que Jerusalém foi arrasada pelo exército de Nabucodonosor e uma nova leva de exilados foi encaminhada para a Babilónia). Nesta fase, o profeta preocupou-se em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das infidelidades a Javé por parte desses membros do Povo judeu que escaparam ao primeiro exílio e que tinham ficado em Jerusalém.

    A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrolou-se a partir de 586 a. C. e prolongou-se até cerca de 570 a. C.. Instalados numa terra estrangeira, privados do Templo, do sacerdócio e do culto, sem perspetivas de futuro, os exilados viviam desiludidos e sem esperança. Consideravam que Deus os tinha abandonado e acusavam-no de ter falhado em relação aos compromissos que tinha assumido com o Povo. Nessa fase, Ezequiel procurou alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus da Aliança não os tinha abandonado nem esquecido.

    O texto que nos é proposto como primeira leitura neste décimo quarto domingo comum faz parte do longo relato da vocação de Ezequiel (cf. Ez 1,1-3,27). Num cenário que apresenta todas as características de uma teofania (cf. Ez 1,1-28), o profeta descreve o seu chamamento por Deus para a missão (cf. Ez 2,1-3,15). O episódio é situado “no quinto ano do cativeiro do rei Joaquin”, “na Caldeia, nas margens do rio Cabar” (Ez 1,2). Na realidade o Cabar é um canal de irrigação que parte do rio Eufrates e vai até à cidade de Nippur, onde estavam instalados muitos exilados.

    Seria um erro interpretar este relato como informação biográfica… Trata-se, antes, de mostrar – com a linguagem da época e utilizando os processos típicos da literatura da época – que o profeta recebeu uma missão de Deus e que fala e atua em nome de Deus.

     

    MENSAGEM

    Nesta descrição do chamamento de Ezequiel aparecem alguns dos elementos fundamentais que costumam constar dos relatos de vocação.

    Temos, antes de mais, a indicação de que a vocação do profeta é um desígnio de Deus. Não se nomeia Javé diretamente; mas aquele que chama Ezequiel não pode ser outro senão Deus… O nosso texto é antecedido (cf. Ez 1,1-28) de uma solene manifestação de Deus; e, logo a seguir, o profeta ouve uma “voz” que o chama (vers. 2) e que o convida a pôr-se de pé e a escutar o que lhe vai ser dito. Nesse momento, Ezequiel recebe o Espírito de Deus, que toma conta dele e o capacita para escutar a palavra que lhe vai ser dirigida. De acordo com a catequese judaica, era Deus que comunicava uma força divina – o seu “espírito” – àqueles que escolhia para enviar a salvar o seu Povo, como os juízes (cf. Jz 14,6.19; 15,14), os reis (cf. 1 Sm 10,6.10; 16,13) e os profetas. No caso de Ezequiel, esse “espírito” aparece como uma manifestação especialmente violenta de Deus, que se apossa do profeta e o destina para o seu serviço. A vocação é sempre uma iniciativa de Deus e não uma escolha do homem. Foi Deus que chamou Ezequiel e que o designou para uma determinada missão.

    Depois, sugere-se que o chamamento feito por Deus não é dirigido a alguém dotado de capacidades extraordinárias, mas sim a um homem normal, frágil, como todos os outros seres humanos. Ezequiel é chamado “filho de homem” (“ben-adam” – vers. 3), expressão hebraica que significa simplesmente “homem ligado à terra”, “homem comum”, ser humano de carne osso, igual a todos os outros homens. Deus atua no mundo através das limitações e das fragilidades de pessoas normais. A indignidade e a limitação, típicas de um “filho do homem”, não são impeditivas para a missão: a eleição divina dá ao profeta autoridade, apesar dos seus limites bem humanos.

    Finalmente, temos a definição da missão. Ezequiel, o profeta, é enviado aos seus concidadãos exilados: um Povo rebelde, que repetidamente se afastou dos caminhos de Deus e que, apesar disso, continua a pedir explicações a Deus, como se Deus fosse o culpado de todos os dramas que o Exílio trouxe. A missão que o profeta tem de desempenhar no meio desse Povo tem a ver com a Palavra: ele deve proclamar, em linguagem dos homens, a mensagem que Deus tem para apresentar ao seu Povo. Por isso, o profeta deve escutar Deus, a fim de ser o seu intérprete fiel diante do Povo. De resto, Ezequiel não deve estar preocupado se a mensagem que transmite é escutada ou não; o que interessa é que ele seja, no meio do Povo, a voz que transmite fielmente as propostas e as indicações de Deus (vers. 4-5).

    Ezequiel realizou integralmente a missão para a qual foi chamado. Ele foi, no meio dos exilados, uma voz humana através da qual Deus lhes transmitiu ânimo e lhes apontou um futuro novo. Por isso, Ezequiel foi chamado “o profeta da esperança”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Para muitos homens e mulheres do nosso tempo, falar de “profetas” é falar de uma realidade anacrónica, perfeitamente deslocada no contexto do nosso tempo e do quadro civilizacional em que nos movemos. Talvez isso resulte de uma má compreensão da figura do “profeta” e do seu papel no mundo e na história dos homens. O “profeta” não é um ser estranho e deslocado, que vive à margem do mundo e da vida e que, de vez em quando, vocifera ameaças e faz previsões assustadoras sobre o futuro… O “profeta” é, simplesmente, uma pessoa – homem ou mulher – a quem Deus chama a ser Seu sinal no mundo e na vida dos homens; é alguém através de quem ecoa no mundo a voz e as sugestões de Deus. Sendo assim, quem são, hoje, os “profetas”? Tenho em mente alguma pessoa ou figura que me pareça ser, neste tempo, uma figura “profética”, uma voz de Deus a ecoar no mundo e na vida dos homens?
    • O “profetismo” está profundamente ligado à vocação cristã. No dia do nosso batismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Cada um de nós, de uma maneira própria, é chamado a ser um sinal de Deus no mundo; através do que dizemos, do nosso estilo de vida, das nossas intervenções no mundo, deve ecoar a “voz” de Deus, as indicações de Deus. Temos consciência de que Deus nos chama – às vezes de formas bem banais – à missão profética? Estamos atentos aos sinais que Ele semeia na nossa vida e através dos quais Ele nos diz, dia a dia, o que quer de nós? Temos a noção de que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?
    • O “profeta” não atua por iniciativa própria, não diz o que lhe apetece, não impõe as suas próprias ideias, visões ou teorias; o “profeta” é um mensageiro de Deus, que vive de olhos postos em Deus e de olhos postos no mundo (“numa mão a Bíblia, na outra o jornal diário”). Vivendo em comunhão com Deus, intuindo o projeto que Ele tem para o mundo e confrontando esse projeto com a realidade humana, o profeta percebe a distância que vai do sonho de Deus à realidade dos homens. É aí que ele intervém, em nome de Deus, para denunciar, para avisar, para corrigir. Somos estas pessoas, simultaneamente em comunhão com Deus e atentas às realidades que desfeiam o nosso mundo? Em concreto, em que situações nos sentimos chamados, no dia a dia, a exercer a nossa vocação profética?
    • O “profeta”, no exercício da sua missão, tem muitas vezes de denunciar os males que causam sofrimento e morte no mundo e na história dos homens. Ora isso coloca-o, inevitavelmente, em linha de choque com os poderes interessados em perpetuar o egoísmo, a injustiça, a violência, a maldade nas suas mil e uma formas. Assim, a denúncia profética implica, tantas e tantas vezes, a perseguição, a marginalização e mesmo a própria morte (D. Óscar Romero, Luther King, Gandhi, são casos recentes de pessoas que deram a vida por causa do seu testemunho profético). Como lidamos com a injustiça e com tudo aquilo que rouba a dignidade dos homens? O medo, o comodismo, a preguiça, alguma vez nos impediram de sermos “profetas”?
    • Ezequiel, como qualquer outro “profeta”, é um “filho de homem”, um “homem comum”, igual a todos os outros homens. Tem os limites e dificuldades que qualquer ser humano tem; mas isso não é impeditivo para a missão. Deus, ao eleger o “profeta”, dá-lhe a autoridade e a capacidade para levar a cabo a missão de que o incumbe. Portanto, as fragilidades que fazem parte da nossa dimensão de “humanos” não podem, em nenhuma circunstância, servir de desculpa para não cumprirmos a nossa missão profética no meio dos nossos irmãos. Estamos disponíveis para o “serviço de Deus”, apesar da consciência das nossas limitações e indignidade? Reconhecemos que é Deus que age em nós e através de nós, e que as coisas boas que fazemos vêm de Deus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 122 (123)

    Refrão:   Os nossos olhos estão postos no Senhor,
    até que Se compadeça de nós.

    Levanto os olhos para Vós,
    para Vós que habitais no Céu,
    como os olhos do servo
    se fixam nas mãos do seu senhor.

    Como os olhos da serva
    se fixam nas mãos da sua senhora,
    assim os nossos olhos se voltam para o Senhor nosso Deus,
    até que tenha piedade de nós.

    Piedade, Senhor, tende piedade de nós,
    porque estamos saturados de desprezo.
    A nossa alma está saturada do sarcasmo dos arrogantes
    e do desprezo dos soberbos.

     

    LEITURA II – 2 Coríntios 12,7-10

    Irmãos:
    Para que a grandeza das revelações não me ensoberbeça,
    foi-me deixado um espinho na carne,
    – um anjo de Satanás que me esbofeteia –
    para que não me orgulhe.
    Por três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim.
    Mas Ele disse-me: «Basta-te a minha graça,
    porque é na fraqueza que se manifesta todo o meu poder».
    Por isso, de boa vontade me gloriarei das minhas fraquezas,
    para que habite em mim o poder de Cristo.
    Alegro-me nas minhas fraquezas,
    nas afrontas, nas adversidades,
    nas perseguições e nas angústias sofridas por amor de Cristo,
    porque, quando sou fraco, então é que sou forte.

     

    CONTEXTO

    A Segunda Carta de Paulo aos Coríntios espelha uma época de relações conturbadas entre Paulo e os cristãos de Corinto. As críticas que Paulo dirigiu, na Primeira Carta aos Coríntios, a alguns membros da comunidade que levavam uma vida pouco consentânea com os valores cristãos, provocaram uma reação extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar Paulo. Essa campanha foi instigada por certos missionários itinerantes procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de Paulo. Entre outras coisas, esses missionários afirmavam que Paulo era inferior aos outros apóstolos, por não ter convivido com Jesus e que a catequese apresentada por Paulo não estava em consonância com a doutrina da Igreja. Paulo, informado de tudo, dirigiu-se a Corinto e confrontou os seus detratores; mas isso não só não resolveu o problema, como até o agudizou. Na sequência, Paulo foi gravemente ofendido por alguém da comunidade e retirou-se muito magoado. Algum tempo depois, contudo, Paulo foi informado por Tito de que os coríntios não se sentiam bem com o que se tinha passado e queriam estar outra vez em comunhão com ele. Paulo, como que selando a paz entre ele e os coríntios, escreveu-lhes uma nova carta (a nossa Segunda Carta aos Coríntios), defendendo-se das acusações que lhe tinham sido feitas e apresentando as razões que o moviam no serviço de Cristo e do Evangelho.

    O texto que nos é proposto integra a terceira parte da carta (cf. 2 Cor 10,1-13,10). São capítulos em que Paulo, num estilo apaixonado e por vezes irónico, levado pela exigência da verdade e da fé, defende a autenticidade do seu ministério pastoral, frente a esses “super-apóstolos” que o tinham acusado.

    Como apóstolo, Paulo não se sente inferior a ninguém e muito menos aos seus detratores. Estes orgulhavam-se das suas credenciais e afirmavam por toda a parte os seus dons carismáticos… Paulo, se quisesse entrar no mesmo jogo, podia orgulhar-se de muitas coisas, nomeadamente das revelações que recebeu e das suas experiências místicas (cf. 2 Cor 12,1-4); mas ele está bem consciente daquilo que é: um homem frágil e vulnerável, a quem Deus chamou e a quem enviou para dar testemunho de Jesus Cristo no meio dos homens.

     

    MENSAGEM

    Assumindo essa condição de vulnerabilidade, Paulo fala aos Coríntios de uma limitação que transporta no seu corpo, um “anjo de Satanás” que lhe recorda continuamente a sua fragilidade (vers. 7). De que é que se trata, em concreto? Não o sabemos. Provavelmente, trata-se de uma doença física crónica (em Gl 4,13-14 Paulo fala de uma grave enfermidade física, que fez com que o seu corpo fosse, para os Gálatas, “uma provação”; mas nada garante que essa enfermidade física esteja relacionada com este “anjo de Satanás” de que ele fala aos Coríntios). O facto de Paulo chamar a essa limitação que o apoquenta um “anjo de Satanás” deve ter a ver com o facto de a mentalidade judaica ligar as enfermidades aos “espíritos maus”. De acordo com outra interpretação, esse “espinho na carne” poderia referir-se também aos obstáculos que Satanás põe a Paulo no que diz respeito ao anúncio do Evangelho.

    Em todo o caso, o problema pessoal de Paulo mostra como a finitude e a fragilidade não são determinantes para a missão; o que é determinante é a graça de Deus… Paulo, consciente das limitações que esse “espinho na carne” lhe podia pessoalmente trazer e, por arrastamento, à sua forma de desempenhar a missão que lhe foi confiada, pediu insistentemente a Deus que o livrasse do problema; mas Deus não o fez. Deu-lhe, em contrapartida, força para continuar a missão. Deus não suprime os obstáculos que as circunstâncias colocam no nosso caminho; mas dá-nos a força para os vencer.

    Aquilo que tem acontecido com Paulo prova uma verdade incontornável: Deus atua e manifesta o seu poder no mundo através de instrumentos débeis, finitos e limitados. No apóstolo – ser humano, vivendo na condição de fragilidade – manifesta-se ao mundo e aos homens a força de Deus e de Cristo. Apesar dos seus limites muito humanos, Paulo tudo pode porque tem em si a força de Deus. Por isso, Paulo alegra-se nas suas fraquezas: elas tornam mais evidente o poder de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Nós, humanos deixamo-nos, facilmente, impressionar pelos grandes gestos, pelos cenários magnificentes, pelas roupagens sumptuosas, por tudo o que aparece envolvido num halo cintilante de riqueza, de prestígio social, de poder, de beleza, de força; achamos que essa é a marca das coisas grandes, das coisas realmente importantes… Deus, no entanto, funciona em sentido oposto ao nosso. Para se apresentar aos homens, para vir ao nosso encontro e para intervir no nosso mundo, Ele não recorre, habitualmente, a métodos poderosos, majestosos, espampanantes, que nos deixam impressionados e até mesmo temerosos; mas prefere, em geral, a simplicidade, a pequenez, a pobreza, a humildade. É na fraqueza e na fragilidade – diz-nos Paulo de Tarso – que se revela a força e a salvação de Deus. O apóstolo descobriu isso a partir da sua própria experiência pessoal. Estamos convictos desta realidade? Apercebemo-nos de que é através das coisas simples e das pessoas humildes que, de forma privilegiada, Deus vem ao nosso encontro, nos revela o seu mistério, intervém nas nossas vidas e na vida do mundo?
    • A consciência de que as suas qualidades e defeitos não são determinantes para o sucesso da missão, pois o que é importante é a graça de Deus, deve levar o “profeta” a despir-se de qualquer sentimento de orgulho ou de autossuficiência. O “profeta” deve sentir-se, apenas, um instrumento humano, frágil, débil e limitado, através do qual a força e a graça de Deus agem no mundo. Quando o “profeta” tem consciência desta realidade, percebe como são despropositadas e sem sentido quaisquer atitudes de vedetismo ou de busca de protagonismo, no cumprimento da missão… A missão do “profeta” não é atrair sobre si próprio as luzes da ribalta, as câmaras da televisão ou o olhar das multidões; a missão do “profeta” é servir de veículo humano à proposta libertadora de Deus para os homens. É assim que agimos na concretização da nossa missão profética?
    • Como cenário de fundo da segunda leitura deste décimo quarto domingo comum está a polémica de Paulo com alguns cristãos que não aceitavam as suas ideias e a sua forma de exercer o ministério apostólico. Ao longo de todo o seu percurso missionário, Paulo teve de lidar frequentemente com a incompreensão; e, muitas vezes, essa incompreensão veio até dos próprios irmãos na fé e dos membros dessas comunidades a quem Paulo tinha levado, com muito esforço, o anúncio libertador de Jesus. No entanto, a incompreensão nunca abalou a decisão e o entusiasmo de Paulo no anúncio da Boa Nova de Jesus… Ele sentia que Deus o tinha chamado a uma missão e que era preciso levar essa missão até ao fim, doesse a quem doesse… Frequentemente, temos de lidar com realidades semelhantes. Todos experimentámos já momentos de incompreensão e de oposição que, muitas vezes, vêm do interior da nossa própria comunidade e que, por isso, magoam mais. Nessas alturas, o que é que fala mais alto: o desânimo e a tentação de desistir, ou a consciência de que a missão é mais importante do que as nossas razões de queixa?
    • Neste texto de Paulo (como, aliás, em quase todos os textos do apóstolo), transparece a atitude de vida de um cristão para quem Cristo é, verdadeiramente, o centro da própria existência e que só vive em função de Cristo… Nada mais lhe interessa senão anunciar as propostas de Cristo e dar testemunho da graça salvadora de Cristo. Que lugar ocupa Cristo na minha vida? Que lugar ocupa Cristo nos meus projetos, nas minhas decisões, nas minhas opções, nas minhas atitudes?

     

    ALELUIA – cf. Lucas 4,18

    Aleluia. Aleluia.

    O Espírito do Senhor está sobre mim:
    Ele me enviou a anunciar o Evangelho aos pobres.

     

    EVANGELHO – Marcos 6,1-6

    Naquele tempo,
    Jesus dirigiu-Se à sua terra
    e os discípulos acompanharam-n’O.
    Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga.
    Os numerosos ouvintes estavam admirados e diziam:
    «De onde Lhe vem tudo isto?
    Que sabedoria é esta que Lhe foi dada
    e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?
    Não é ele o carpinteiro, Filho de Maria,
    e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?
    E não estão as suas irmãs aqui entre nós?»
    E ficavam perplexos a seu respeito.
    Jesus disse-lhes:
    «Um profeta só é desprezado na sua terra,
    entre os seus parentes e em sua casa».
    E não podia ali fazer qualquer milagre;
    apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.
    Estava admirado com a falta de fé daquela gente.
    E percorria as aldeias dos arredores, ensinando.

     

    CONTEXTO

    Depois de ter sido batizado por João Batista no rio Jordão, Jesus veio para a Galileia e passou a viver em Cafarnaum, a cidade piscatória situada nas margens do lago de Tiberíades, um lugar estratégico por excelência, de onde lhe era fácil chegar às vilas e aldeias de toda a região. Transformado em profeta itinerante, Jesus andava por toda a Galileia anunciando a chegada do reino de Deus.

    Ora, numa das suas saídas, Jesus foi até “à sua terra”. O evangelista refere-se, com certeza, a Nazaré, o lugar onde Jesus tinha crescido e onde ainda residia a sua família. Nazaré era uma pequena povoação agrícola situada nas montanhas da Baixa Galileia, na região da tribo de Zabulão, a cerca de 30 km a oeste do lago de Tiberíades. Teria, na época de Jesus, entre duzentos e quatrocentos habitantes, que viviam em casas muito pobres, ou mesmo em grutas escavadas na rocha. Estabelecida longe das grandes rotas comerciais, Nazaré nunca tinha desempenhado qualquer papel de relevo no mapa da história da salvação. O Antigo Testamento ignora-a completamente; Flávio Josefo e os escritores rabínicos também não lhe fazem qualquer referência. Os contemporâneos de Jesus parecem conceder-lhe escassa consideração (cf. Jo 1,46).

    A cena principal que, neste décimo quarto domingo comum, nos é relatada por Marcos passa-se na sinagoga de Nazaré, num sábado, durante o ofício sinagogal. Jesus, como qualquer outro membro da comunidade judaica, foi à sinagoga para participar no ofício sinagogal; e aí, fazendo uso do direito que todo o israelita adulto tinha, leu e comentou as Escrituras. A reação dos conterrâneos de Jesus à sua pregação não foi a esperada.

    No exercício da sua missão como profeta do reino de Deus, Jesus conheceu, no início, um êxito fulgurante. Mas rapidamente teve que lidar com a oposição e as críticas: primeiro dos escribas e fariseus (Mc 2,6-8; 2,16-17; 2,18; 2,24; 3,2.6; 3,22), e depois do próprio povo (cf. Mc 5,17; 5,40; 6,4-6a). Aqui, o “desprezo” e a “falta de fé” dos nazarenos é particularmente inquietante: esperava-se outra reação de gente que conhecia bem Jesus e as suas raízes familiares.

     

    MENSAGEM

    Os ensinamentos de Jesus na sinagoga de Nazaré deixam perplexos todos os que, nesse sábado, participaram no ofício sinagogal. De acordo com Marcos, os conterrâneos de Jesus expressaram essa perplexidade através de perguntas que têm alguma pertinência: “de onde lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que lhe foi dada? Como se operam tão grandes milagres por suas mãos?” (vers. 2).

    A “sabedoria” que Jesus manifestou e que tanto impressionou o auditório, é uma “sabedoria” nova e extraordinária. É diferente da “sabedoria” tradicional, ensinada nas escolas rabínicas, e que é bem conhecida pela pregação dos escribas e doutores da Lei. Além disso, nunca constou que Jesus tivesse frequentado as lições de algum “mestre” conceituado. Portanto, a origem desta “novidade” é suspeita. Onde é que Jesus a foi buscar? Além disso há os gestos prodigiosos (dynameis) que Jesus tem feito por todo o lado e cujos ecos já chegaram a Nazaré… Não é suposto que Jesus tenha realizado esses gestos poderosos com as suas próprias forças. Então, quem poderá tê-lO dotado de um tal poder?

    Os habitantes de Nazaré conhecem bem Jesus: Ele é “o carpinteiro” (a palavra grega – tekton” – designa, propriamente, um artesão que trabalha a madeira ou a pedra), em quem nunca se notaram poderes especiais ou qualidades excecionais. Também sabem que Ele é o “filho de Maria” e os seus irmãos e irmãs são pessoas “normais”, que em nada se distinguem de todos os outros habitantes de Nazaré. Portanto, parece claro que o papel assumido por Jesus e as ações que Ele realizou são humanamente inexplicáveis.

    A questão seguinte (que, no entanto, não aparece explicitamente formulada) é esta: as capacidades extraordinárias que Jesus revela (e que não vêm certamente dos conhecimentos adquiridos no contacto com famosos mestres, nem do ambiente familiar), vêm de Deus ou do diabo? Como cenário de fundo do pensamento dos habitantes de Nazaré está provavelmente a acusação feita a Jesus algum tempo antes pelos “doutores da Lei que haviam descido de Jerusalém e que afirmavam: «Ele tem Belzebu! É pelo chefe dos demónios que ele expulsa os demónios»” (Mc 3,22).

    A verdade é que os nazarenos, desde o primeiro instante, deixam transparecer uma atitude negativa e um tom depreciativo em relação a Jesus: não O tratam pelo próprio nome, mas usam sempre um pronome para falar d’Ele (Jesus é “este” ou “ele” – vers. 2-3); chamam-Lhe depreciativamente “o filho de Maria”, embora fosse costume o filho ser designado pelo nome do pai (há quem veja neste facto a indicação de que os habitantes de Nazaré consideravam Jesus, pela sua conduta ou pelo seu estilo de vida, indigno de usar o nome do pai). Tudo isto aponta para um quadro de incredulidade e de má vontade contra Jesus e a sua proposta.

    Marcos conclui que os habitantes de Nazaré estavam “escandalizados” (vers. 3b) com Jesus (o verbo grego “scandalidzô”, aqui utilizado, significa muito mais do que o “ficar perplexo” das nossas traduções: significa “ofender”, “magoar”, “ferir suscetibilidades”). Há na povoação uma espécie de indignação porque Jesus, apesar de ter sido desautorizado pelos mestres reconhecidos do judaísmo, continua a desenvolver a sua atividade à margem da instituição judaica. Ele põe em causa a religião tradicional, quando ensina coisas diferentes e de forma diferente dos mestres reconhecidos. De facto, Ele está fora da instituição judaica; o seu ensinamento não pode, portanto, vir de Deus, mas do diabo. Os conterrâneos de Jesus não conseguem reconhecer a presença de Deus naquilo que Jesus diz e faz.

    Jesus responde aos seus conterrâneos (vers. 4) citando um conhecido provérbio, mas que Ele modifica, em parte (o original devia soar mais ou menos assim: “nenhum profeta é respeitado no seu lugar de origem, nenhum médico faz curas entre os seus conhecidos”). Nessa resposta, Jesus assume-Se como profeta – isto é, como um enviado de Deus, que atua em nome de Deus e que tem uma mensagem de Deus para oferecer aos homens. Os ensinamentos que Jesus propõe não vêm dos mestres judaicos, mas do próprio Deus; a Vida que Ele oferece é a Vida plena e verdadeira que Deus quer propor aos homens.

    A recusa generalizada da proposta que Jesus traz coloca-o na linha dos grandes profetas de Israel. O Povo teve sempre dificuldade em reconhecer o Deus que vinha ao seu encontro na palavra e nos gestos proféticos. O facto de as propostas apresentadas por Jesus serem rejeitadas pelos líderes, pelo povo da sua terra, pelos seus “irmãos e irmãs” e até pelos da sua casa não invalida, portanto, a sua verdade e a sua procedência divina.

    Porque é que Jesus “não podia ali fazer qualquer milagre” (vers. 5)? Deus oferece aos homens, através de Jesus, perspetivas de Vida nova e eterna… No entanto, os homens são livres; se eles se mantêm fechados nos seus esquemas e preconceitos egoístas e rejeitam a Vida que Deus lhes oferece, Jesus não pode fazer nada. Marcos observa, apesar de tudo, que Jesus “curou alguns doentes impondo-lhes as mãos”. Provavelmente, estes “doentes” são aqueles que manifestam uma certa abertura a Jesus mas que, de qualquer forma, não têm a coragem de cortar radicalmente com os mecanismos religiosos do judaísmo para descobrir a novidade radical do Reino que Jesus anuncia.

    Marcos nota ainda a “surpresa” de Jesus pela falta de fé dos seus concidadãos (vers. 6a). Esperava-se que, confrontados com a proposta nova de liberdade e de vida plena que Jesus apresenta, os seus interlocutores renunciassem à escravidão para abraçar com entusiasmo a nova realidade… No entanto, eles estão de tal forma acomodados e instalados, que preferem a vida velha da escravidão à novidade libertadora de Jesus.

    Este facto dececionante não impede, contudo, que Jesus continue a propor a Boa Nova do Reino a todos os homens (vers. 6b). Deus oferece, sem interrupção, a sua Vida; ao homem resta acolher ou não esse oferecimento.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Os habitantes de Nazaré, a partir das origens humildes de Jesus, concluem que a sua “sabedoria” e as suas ações maravilhosas não podem vir de Deus. Nas suas mentes, as intervenções de Deus no mundo e na história deveriam estar associadas a grandes meios, a pessoas importantes, a gestos majestosos, a manifestações incontestáveis de poder e de força… Entrincheirados atrás dessas certezas, perderam a oportunidade de acolher a salvação que lhes chegava na pessoa daquele “artesão” chamado Jesus, cuja família em nada se distinguia dos outros humildes habitantes de Nazaré. Entretanto, passaram-se cerca de dois mil anos e o mundo deu muitas voltas; mas ainda não nos libertamos completamente da visão errónea dos habitantes de Nazaré sobre Deus e sobre a sua forma de ser e de intervir no mundo. Há quem considere que a Igreja deve colar-se aos poderosos para que, respaldada pela autoridade que daí lhe vem, possa cumprir de forma mais eficiente a sua missão; há quem ache que a comunidade de Jesus deve adquirir na sociedade uma posição dominante para conseguir, a partir daí, impor o Evangelho… Que sentido é que isto faz, à luz do que Jesus nos disse e nos mostrou sobre Deus? Não correremos o risco, com as nossas estratégias calculistas e pretensiosas, decalcadas da lógica dos grandes do mundo, de passar ao lado desse Deus que se revela na pobreza, na humildade, na simplicidade?
    • Os conterrâneos de Jesus eram homens e mulheres de certezas absolutas. Tinham decidido, sem margem para dúvidas, que aquele Jesus não vinha de Deus e não trazia uma proposta capaz de interessá-los. Ora, as certezas absolutas podem ser perigosas. Podem encerrar-nos atrás de muros que nos impedem de descobrir os desafios sempre novos de Deus; podem levar-nos à arrogância, à intransigência, à intolerância que cegam; podem fazer-nos colocar etiquetas injustas nas pessoas, destruindo-lhes a dignidade e a vida; podem impedir-nos de nos enriquecermos com a novidade que os outros trazem à nossa vida… Somos daqueles que nunca se enganam e raramente têm dúvidas, ou somos daqueles que, com humildade e simplicidade, buscam a verdade acima de tudo? Aceitamos acolher a parcela de verdade que os outros possam ter, mesmo quando a perspetiva que eles têm das coisas não coincide com a nossa?
    • Jesus assume-Se como um profeta, isto é, alguém a quem Deus confiou uma missão e que testemunha no meio dos seus irmãos as propostas de Deus. A nossa identificação com Jesus faz de nós continuadores da missão que o Pai Lhe confiou. Sentimo-nos, como Jesus, profetas a quem Deus chamou e a quem enviou ao mundo para testemunharem a proposta libertadora que Deus quer oferecer ao mundo? Nas nossas palavras e gestos ecoa, em cada momento, a proposta de salvação que Deus quer fazer a todos os homens?
    • Apesar da incompreensão dos seus concidadãos, Jesus continuou, em absoluta fidelidade aos planos do Pai, a dar testemunho no meio dos homens do Reino de Deus. Rejeitado em Nazaré, Ele não desistiu, mas foi percorrer as aldeias dos arredores, anunciando o Reino e mostrando, nos seus gestos, a presença salvadora de Deus no meio dos homens. O testemunho que Deus nos chama a dar cumpre-se, muitas vezes, no meio das incompreensões e oposições… Frequentemente, os discípulos de Jesus sentem-se desanimados e frustrados porque o seu testemunho não é entendido nem acolhido. Muitas vezes, depois de um trabalho esgotante e exigente, ficamos com a impressão de que estivemos a perder tempo. Como respondemos às dificuldades, à incompreensão, à rejeição? Desanimamos e desistimos facilmente, ou mantemo-nos firmes no sentido de levar até ao fim a missão que Deus nos confiou? Estamos convencidos de que é Deus que conduz a história e que Ele é perfeitamente capaz de transformar um fracasso num êxito?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 14.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 14.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Os ouvintes estão admirados, chocados… Como poderia Jesus fazer milagres quando se punha em dúvida as suas palavras de profeta e os seus atos de salvador? Com efeito, os seus conterrâneos olham-n’O apenas com os olhos de carne, só veem n’Ele o filho do carpinteiro com quem tinham jogado, trabalhado, escutado a lei na sinagoga… Não reconhecem n’Ele o enviado de Deus. Falta-lhes o olhar da fé para ler no seu ensino a mensagem de Deus e nos seus milagres sinais do Todo-Poderoso. E quanto a nós, como está o nosso olhar de fé, ao vermos Jesus e os seus sinais de salvação?

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Testemunho profético… Afinal, o que é um profeta? A ideia mais espalhada é que é alguém que prevê e anuncia o futuro. Esses profetas não faltam hoje… Ora, como Ezequiel, o verdadeiro profeta está habitado, em primeiro lugar, pelo Espírito Santo, para ser em seguida enviado aos seus irmãos em humanidade e lhes anunciar a Palavra de Deus. Mas não se trata de uma missão de descanso! A Palavra de Deus inquieta sempre, porque convida os homens a descentrarem-se de si mesmos. Ezequiel é enviado a um povo de rebeldes, que têm o rosto duro e o coração obstinado. Nestas circunstâncias, não é fácil fazer-se ouvir. A missão do profeta não é prazer. Jesus fez a experiência… Basta ver a atitude dos seus conterrâneos… A própria família tinha tentado impedi-lo de falar. Ora, pelo nosso batismo e confirmação, todos somos chamados a ser profetas, a deixarmo-nos habitar pelo Espírito, pela Palavra de Deus, para nos tornarmos arautos e testemunhas onde vivemos. O Concílio Vaticano II, recuperando esta missão profética dos batizados, declara que estes últimos recebem todos o sentido da fé e a graça da palavra, a fim de que brilhe na sua vida quotidiana a força do Evangelho. Os cristãos não devem esconder este testemunho e esta palavra no segredo do seu coração, mas devem exprimi-lo também através das estruturas da vida do mundo. Há que tomar a sério esta missão profética!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    A cada um o seu chamamento… Cada um de nós pode refletir qual é o chamamento pessoal do Senhor, à volta de três palavras: vocação – graça – dificuldades. Qual é a minha vocação, a que é que Deus me chama, aonde me envia? Como se manifesta em mim a sua graça? Quais as dificuldades que encontro, como as ultrapassar? Viveremos então, no recomeço do ano, um novo início de caminhada.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 15º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    15º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    14 de Julho, 2024

    ANO B

    15.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 15.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 15.º Domingo do Tempo Comum mostra-nos como é que se concretiza a intervenção de Deus no mundo e na história humana. Ele chama homens e mulheres e, através deles, indica caminhos, corrige os passos mal andados, transforma o mundo, deixa-nos uma oferta de salvação e de Vida. Os seus “enviados” são arautos e sinais da bondade e do amor de Deus no mundo dos homens.

    A primeira leitura mostra-nos um profeta chamado Amós a atuar, em nome de Deus, no santuário real de Betel. Convocado e enviado por Deus, Amós denuncia um culto vazio e estéril, refém de interesses políticos e aliado da injustiça, que não liberta nem salva. Coerente e livre, sem cedências a compromissos rasteiros, Amós é “voz” de Deus que ecoa no mundo e questiona os homens.

    O Evangelho mostra Jesus a enviar doze dos seus discípulos em missão. Essa missão – que está no prolongamento da própria missão de Jesus – consiste em anunciar o Reino de Deus e em lutar contra tudo aquilo que ameaça a Vida e a felicidade dos homens. Os enviados de Jesus como arautos de um mundo novo, devem evitar tudo o que pode atrasar ou condicionar a missão que lhes foi confiada.

    A segunda leitura, a pretexto de nos apresentar “o mistério” da salvação, recorda-nos que pertencemos a Deus e fomos destinados para o seu serviço. Somos, portanto, convidados a acolher os projetos que Deus tem para nós e para o mundo, e a concretizá-los com verdade, fidelidade e radicalidade.

     

    LEITURA I – Amós 7,12-15

    Naqueles dias,
    Amasias, sacerdote de Betel, disse a Amós:
    «Vai-te daqui, vidente.
    Foge para a terra de Judá.
    Aí ganharás o pão com as tuas profecias.
    Mas não continues a profetizar aqui em Betel,
    que é o santuário real, o templo do reino».
    Amós respondeu a Amasias:
    «Eu não era profeta, nem filho de profeta.
    Era pastor de gado e cultivava sicómoros.
    Foi o Senhor que me tirou da guarda do rebanho e me disse:
    ‘Vai profetizar ao meu povo de Israel’».

     

    CONTEXTO

    Amós, o “profeta da justiça social”, exerceu o seu ministério profético no reino do Norte (Israel) em meados do séc. VIII a.C. (possivelmente, por volta de 762 a. C.), durante o reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade económica e de estabilidade política: as conquistas de Jeroboão II alargaram consideravelmente os limites do reino e permitiram a entrada de tributos dos povos vencidos; o comércio e a indústria (mineira e têxtil) desenvolveram-se significativamente… As habitações da burguesia urbana atingiram um luxo e magnificência até então desconhecidos.

    A prosperidade e o bem-estar das classes favorecidas contrastavam, porém, com a miséria de uma parte significativa da população do país. O sistema de distribuição estava nas mãos de comerciantes sem escrúpulos que, aproveitando o bem-estar económico, especulavam com os preços. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, as famílias de menores recursos endividavam-se e acabavam por se ver espoliadas das suas terras em favor dos grandes latifundiários. A classe dirigente, rica e poderosa, dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que o tribunal fizesse justiça aos mais pobres e defendesse os direitos dos menos poderosos.

    Entretanto, a religião florescia num esplendor ritual nunca visto. Magníficas festas, abundantes sacrifícios de animais, um culto esplendoroso, marcavam a vida religiosa dos israelitas… O problema é que esse culto não tinha nada a ver com a vida: no dia a dia, os mesmos que participavam nesses ritos cultuais majestosos praticavam injustiças contra o pobre e cometiam toda a espécie de atropelos ao direito. Mais ainda: os ricos ofereciam a Deus abundantes ofertas, a fim de serenar as suas consciências culpadas e assegurar a cumplicidade de Deus para os seus negócios escuros… Além disso, a influência da religião cananeia estava a levar os israelitas para o sincretismo religioso: o culto a Javé misturava-se com rituais pagãos provenientes dos cultos a Baal e Astarte. Essa confusão religiosa punha em sérios riscos a pureza da fé javista.

    É neste contexto que aparece o profeta Amós. Natural de Técua (uma pequena aldeia situada no deserto de Judá), Amós não é profeta de profissão; mas, chamado por Deus, deixa a sua terra, o seu trabalho e a sua família e parte para o reino vizinho (Israel) para gritar à classe dirigente a sua denúncia profética. A rudeza do seu discurso, aliada à integridade e afoiteza da sua fé, traz algo do ambiente duro do deserto e contrasta com a indolência e o luxo da sociedade israelita da época.

    O episódio que a primeira leitura deste décimo quinto domingo comum nos relata leva-nos até ao santuário de Betel, no centro da Palestina. Trata-se de um lugar considerado sagrado, desde tempos imemoriais. De acordo com Gn 35,1-8, Jacob construiu aí um altar e dedicou-o a Javé. Mais tarde, Betel aparece como o local onde se reúne a assembleia de “todo o Israel” para “consultar Deus” (cf. Jz 20,18), para chorar diante de Deus a sua infelicidade (cf. Jz 20,26) e para se encontrar com Deus (cf. Jz 21,2). Tudo isto reflete a importância cultual do lugar.

    Quando o Povo de Deus se dividiu em dois reinos, após a morte de Salomão (932 a.C.), os reis do norte (Israel) potenciaram o culto em Betel, para impedir que os seus súbditos se deslocassem a Jerusalém, situada no reino inimigo do sul (Judá), para se encontrarem com Deus. Então, Betel transformou-se numa espécie de “santuário oficial” do regime, onde o culto era financiado, em grande parte, pelo próprio rei. O sacerdote que presidia ao culto era uma espécie de “funcionário real”, encarregado de zelar para que os interesses do rei fossem defendidos, nesse local por onde passava uma parte significativa dos fiéis de Israel. Na época em que Amós exerce o seu ministério profético em Betel, o sacerdote encarregado do santuário era um tal Amasias.

    Betel foi, portanto, um dos lugares onde se ouviu a denúncia profética de Amós. Aí o profeta criticou as injustiças cometidas pelo rei e pela classe dirigente; aí denunciou um culto que era aliado da injustiça e que procurava comprometer Deus com os esquemas corruptos dos poderosos.

     

    MENSAGEM

    O nosso texto descreve o confronto entre o sacerdote Amasias e o profeta Amós. É um texto fundamental para entendermos a missão do profeta, a sua liberdade face aos interesses do mundo e dos poderes instituídos.

    O sacerdote Amasias é o homem da religião oficial, enfeudada aos interesses do rei e da ordem estabelecida, comprometida com o poder político. Para ele, o que interessa é manter intocável um sistema que assegura benefícios mútuos, quer ao trono, quer ao altar. Nesse sistema, o rei é o guardião supremo da ordem instituída e não há lugar (nem necessidade) de uma intervenção que ponha em causa a ordem social vigente. A tarefa da religião é, na perspetiva de Amasias, proteger e legitimar os interesses do rei; em troca, o rei sustenta o santuário. Trono e religião são, assim, cúmplices ligados por interesses mútuos, que fazem tudo para manter situação o “statu quo” e os privilégios da classe dirigente. O próprio Amasias tem muito a perder, se as coisas não correrem bem, já que é um funcionário real cuja função é defender os interesses do rei. A religião de Amasias é uma religião escrava dos interesses, que se ajoelha diante dos poderosos e que está completamente fechada aos desafios de Deus (que, se fossem escutados e acolhidos, poderiam desarranjar o sistema). Nesta perspetiva, a denúncia de Amós soa a rebelião contra os interesses enlaçados do poder e da religião, a doutrina subversiva que põe em causa as estruturas e que abala os fundamentos da ordem estabelecida. Por isso, há que usar toda a força do sistema para calar a voz incómoda do profeta. Amós é, portanto, denunciado, convidado a deixar o santuário e a voltar à sua terra para “ganhar aí o seu pão”.

    A resposta de Amós deixa claro que o profeta é um homem livre, que não atua por interesses humanos (próprios ou alheios), mas por mandato de Deus. A iniciativa de ser profeta não foi sua… Deus é que veio ao seu encontro, interrompeu a normalidade da sua vida e convocou-o para a missão. De resto, a profecia não é, para ele, uma ocupação profissional, ou uma forma de realizar interesses pessoais. Amós é profeta porque Deus irrompeu na sua vida com uma força irresistível, tomou conta dele e enviou-o a Israel. O profeta não está, portanto, preocupado com os interesses do rei ou com os interesses do sacerdote Amasias, ou com a perpetuação de uma ordem social injusta e opressora… Ele foi convocado para ser a voz de Deus e só lhe interessa cumprir a missão que Deus lhe confiou. Doa a quem doer, é isso que Amós procurará fazer. Ele não pode, nem quer ficar calado… A sua missão (ainda que isso custe a Amasias e ao rei) tem autoridade por si própria, porque vem de Deus e Deus é infinitamente maior do que o rei. Munido dessa autoridade (que não só o legitima na sua ação profética, mas até o obriga a ser fiel à missão que lhe foi confiada), Amós anuncia (num desenvolvimento que o texto que nos é proposto não conservou – cf. Am 7,16-17) o castigo para o rei, para Amasias e para toda a nação infiel.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O nosso caminho de todos os dias está semeado de obstáculos que nos fazem tropeçar, que nos mergulham no medo, que nos roubam a esperança. Sentimo-nos, a cada passo, inseguros e desprotegidos, sem saber por onde vamos e que garantias temos de chegar a porto seguro. Nesses momentos lembramo-nos de Deus e perguntamo-nos por onde andará Ele… Será que Deus desistiu de nós? Será que Ele fica indiferente diante dos nossos pequenos e grandes dramas? Será que Deus se recusa a interferir na história dos homens e assiste às nossas escolhas erradas sem mexer um dedo? O fenómeno profético diz-nos que Deus não se alheou da história e da vida dos seres humanos. Através dos “profetas”, Ele continua a vir ao nosso encontro, a falar-nos, a indicar-nos caminhos, a tentar dissuadir-nos de escolher caminhos de violência e de morte, a apontar-nos o sem sentido dos nossos valores errados, a abrir-nos horizontes de esperança. Os profetas são a voz e o rosto da solicitude de Deus pelos seus queridos filhos e filhas que peregrinam na terra. Estamos dispostos a escutar os profetas que nos trazem as indicações e propostas de Deus, mesmo quando a mensagem que proclamam vai contra a corrente e exige de nós tomadas de posição incómodas?
    • O profeta é um homem de Deus. Escolhido por Deus, chamado por Deus, enviado por Deus, legitimado por Deus, o profeta tem Deus como a sua referência fundamental. Nenhuma pessoa se torna profeta por iniciativa própria ou para veicular propostas próprias. O profeta existe a partir de Deus e em função do serviço de Deus. Por isso, para ser um verdadeiro profeta, Ele deve manter uma ligação fundamental a Deus: deve escutar Deus e manter com Deus um diálogo permanente, a fim de conseguir discernir os projetos de Deus, antes de ir dizê-los aos homens. O profeta é, portanto, o homem da oração e da escuta da Palavra de Deus. Tem de manter uma ligação muito forte a Deus. Ora, nós crentes fomos constituídos profetas pelo Batismo. Foi-nos confiada a missão de dar testemunho de Deus e dos seus planos no mundo. Deus é a nossa referência? Encontramos tempo para falar com Ele, para escutar a sua Palavra, para tentar discernir os seus projetos?
    • Amasias é o homem comodamente instalado nos seus privilégios e benesses, que cala a voz da própria consciência porque tem muito a perder e não quer arriscar; Amós é o profeta livre da preocupação com os bens materiais, que não está preocupado com a defesa dos próprios interesses, mas sim com a defesa intransigente dos interesses dos pobres e marginalizados, que são os interesses de Deus. A diferença entre os dois é a diferença entre aquele para quem os valores materiais são a prioridade fundamental e aquele para quem os valores de Deus são a prioridade fundamental. O verdadeiro profeta não pode colocar os bens materiais como a sua prioridade fundamental; se isso acontecer, perderá a sua liberdade profética e tornar-se-á um escravo de quem lhe paga. Enquanto profetas, quais são as nossas prioridades? Os interesses materiais, a salvaguarda da nossa posição ou da nossa imagem, a vontade de não ferir suscetibilidades, o comodismo e a instalação alguma vez nos impediram de cumprir a nossa missão profética?
    • Este texto fala-nos também da promiscuidade entre a religião e o poder. Trata-se de uma combinação que não produz bons frutos (como, aliás, a história da Igreja tem demonstrado nas mais diversas épocas e lugares). A Igreja, para poder exercer com fidelidade a sua missão profética, tem de evitar colar-se aos poderosos e depender deles, sob pena de ser infiel à missão que Deus lhe confiou. Uma Igreja que está preocupada em não incomodar o poder para manter privilégios fiscais, ou para continuar a receber dinheiro para as instituições que tutela, será uma Igreja escrava, de mãos atadas, dependente, que está longe de Jesus Cristo e da sua proposta libertadora. Como vemos a missão profética que a Igreja é chamada a viver no mundo? Na nossa avaliação, essa missão vai-se cumprindo sem desvios nem transigências, na fidelidade radical ao Evangelho de Jesus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 84 (85)

    Refrão 1: Mostrai-nos, Senhor, o vosso amor
    e dai-nos a vossa salvação.

    Refrão 2: Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia.

    Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis
    e a quantos de coração a Ele se convertem.
    A sua salvação está perto dos que O temem
    e a sua glória habitará na nossa terra.

    Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
    abraçaram-se a paz e a justiça.
    A fidelidade vai germinar da terra
    e a justiça descerá do Céu.

    O Senhor dará ainda o que é bom,
    e a nossa terra produzirá os seus frutos.
    A justiça caminhará à sua frente
    e a paz seguirá os seus passos.

     

    LEITURA II – Efésios 1,3-14

    Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
    que do alto dos Céus nos abençoou
    com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.
    N’Ele nos escolheu, antes da criação do mundo,
    para sermos santos e irrepreensíveis,
    em caridade, na sua presença.
    Ele nos predestinou, de sua livre vontade,
    para sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo,
    para que fosse enaltecida a glória da sua graça,
    com a qual nos favoreceu em seu amado Filho.
    N’Ele, pelo seu sangue,
    temos a redenção, a remissão dos pecados.
    Segundo a riqueza da sua graça,
    que Ele nos concedeu em abundância,
    com plena sabedoria e inteligência,
    deu-nos a conhecer o mistério da sua vontade:
    segundo o beneplácito que n’Ele de antemão estabelecera,
    para se realizar na plenitude dos tempos:
    instaurar todas as coisas em Cristo,
    tudo o que há nos Céus e na terra.
    Em Cristo fomos constituídos herdeiros,
    por termos sido predestinados,
    segundo os desígnios d’Aquele que tudo realiza
    conforme a decisão da sua vontade,
    para servir à celebração da sua glória,
    nós que desde o começo esperámos em Cristo.
    Foi n’Ele que vós também,
    depois de ouvirdes a palavra da verdade,
    o Evangelho da vossa salvação,
    abraçastes a fé e fostes marcados pelo Espírito Santo prometido,
    que é o penhor da nossa herança,
    para a redenção do povo que Deus adquiriu
    para louvor da sua glória.

     

    CONTEXTO

    A cidade de Éfeso, capital da Província romana da Ásia, estava situada na costa ocidental da Ásia Menor, a cerca de três quilómetros a sudoeste da moderna Selçuk, na província de Esmirna (Turquia). Era um dos principais centros comerciais e religiosos do mundo antigo. O seu importante porto e a sua numerosa população faziam de Éfeso uma cidade florescente. Era famosa pelo templo de Artémis, considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo, e pelo imponente teatro, que levava cerca de 25.000 pessoas.

    Paulo passou em Éfeso no final da sua segunda viagem missionária (cf. Act 18,19-21). Mas foi mais tarde, durante a sua terceira viagem missionária, que ele se deteve na cidade (cf. At 19,1). Encontrou lá alguns cristãos escassamente preparados. Paulo procurou instruí-los e dar-lhes uma adequada formação cristã. De acordo com o Livro dos Atos dos Apóstolos, Paulo permaneceu na cidade durante um longo período (mais de dois anos, segundo At 19,10), ensinando na sinagoga e, depois, na “escola de Tirano” (At 19,9). Assim, reuniu à sua volta um número considerável de pessoas convertidas ao “Caminho” (At 19,9.23). Paulo viveu em Éfeso alguns momentos delicados, como o tumulto que se levantou contra ele quando foi acusado pelos comerciantes efésios de estar a destruir a fé em Artémis, pondo em causa o negócio de imagens da deusa (cf. Ef 19,23-40). Ainda de acordo com o autor dos Atos, foi aos anciãos da Igreja de Éfeso que Paulo confiou, em Mileto (cf. At 20,17-38), o seu testamento espiritual, apostólico e pastoral, antes de ir a Jerusalém, onde acabaria por ser preso. Tudo isto faz supor uma relação muito estreita entre Paulo e a comunidade cristã de Éfeso.

    Curiosamente, a carta aos Efésios é bastante impessoal e não reflete essa relação. Alguns dos comentadores dos textos paulinos duvidam, por isso, que esta carta venha de Paulo. Outros, porém, acreditam que o texto que chegou até nós com o nome de “Carta aos Efésios” é um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, inclusive à comunidade cristã de Éfeso.

    Em qualquer caso, a Carta aos Efésios apresenta-se como uma carta escrita por Paulo, numa altura em que o apóstolo está na prisão (em Roma?). O seu portador teria sido um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.

    Alguns veem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que Paulo considerava ter terminado a sua missão no oriente. O tema mais importante da carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.

    O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta. É um hino litúrgico que deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser enxertado aqui por Paulo. Pertence ao género da “bênção”, muito frequente na liturgia judaica. Expressa o louvor e o reconhecimento pelo maravilhoso projeto de salvação que Deus pôs em marcha. O hino tem uma estrutura trinitária: refere o projeto do Pai (cf. Ef 1,3-6), concretizada pelo Filho (cf. Ef 1,7-12), e selado do Espírito (cf. Ef 1,13-14).

     

    MENSAGEM

    A maravilhosa doxologia que a segunda leitura deste décimo quinto domingo comum nos apresenta pode dividir-se em três partes. Dirige-se a Deus, pois Ele é a fonte última de todas as graças concedidas aos homens.

    Na primeira parte (vers. 3-6), refere-se, sempre em contexto de louvor, a ação de Deus. O Pai, no seu amor infinito, cumulou-nos das suas bênçãos. Ele elegeu-nos desde sempre (“antes da criação do mundo”). Elegeu-nos para quê? Para sermos “santos e irrepreensíveis”. A palavra “santo” indica a situação de alguém que foi separado do mundo e consagrado a Deus, para o serviço de Deus; a palavra “irrepreensível” era usada para falar das vítimas oferecidas em sacrifício a Deus, que deviam ser imaculadas e sem defeito… Significa, pois, uma santidade (isto é, uma consagração a Deus) verdadeira e radical, que não é meramente externa, mas toca o mais profundo do nosso ser.

    Mas, além de nos eleger, o Pai predestinou-nos “para sermos seus filhos adotivos”. Através de Cristo, o Pai ofereceu-nos a sua Vida e convidou-nos a integrar a sua família na qualidade de filhos. Essa adoção torna-nos participantes da própria natureza de Deus. Tanto a “eleição” como a “adoção como filhos” resultam do imenso amor de Deus por nós, um amor que é gratuito, incondicional e radical. Respondemos a esta extraordinária iniciativa de Deus, aos seus dons maravilhosos, com o louvor e a ação de graças.

    Na segunda parte (vers. 7-12), o autor do hino reflete sobre a ação de Cristo no projeto salvador de Deus em favor dos homens. Cumprindo o projeto do Pai, Cristo veio ao nosso encontro e apontou-nos caminhos de Vida nova. Ofereceu a sua vida até à morte para nos mostrar a Vida de Deus. Derramou o seu sangue para nos libertar do egoísmo, do pecado e de tudo aquilo que nos leva à morte. Com a sua vida e com a sua morte, ensinou-nos a viver no amor, no amor total e radical.

    Mas Cristo fez mais: com a sua vida e com a sua entrega, mostrou-nos o amor que o Pai nos tem e deu-nos a conhecer o “mistério” da sua vontade. O conceito paulino de “mistério” designa o projeto salvador de Deus, oculto durante muitos séculos, mas revelado aos homens na vida, nas palavras e nos gestos de Jesus Cristo. O objetivo final do projeto de Deus é “instaurar todas as coisas em Cristo, tudo o que há nos Céus e na terra”, de modo que, na plenitude dos tempos, Cristo seja o centro para o qual tudo converge e à volta do qual tudo se articula, em total harmonia.

    Aqueles que aderem a Cristo e aceitam viver de acordo com as suas propostas (os que ouviram “a palavra da verdade, o Evangelho da salvação” e abraçaram a fé) entram na família de Deus e tornam-se filhos adotivos de Deus, herdeiros dos bens eternos. Para isso fomos eleitos e predestinados desde toda a eternidade.

    Na terceira parte (vers. 13-14) fala-se da ação do Espírito Santo em nós. Quem adere a Jesus e vai atrás d’Ele, recebe o Espírito Santo. O Espírito reside em nós, sela a nossa adesão a Cristo e à Vida que Ele nos veio oferecer, anima-nos no caminho do seguimento de Cristo e garante-nos que um dia participaremos da Vida definitiva, da Vida de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Em pleno séc. XXI temos consciência, mais do que em qualquer outra época da história, das dimensões inabarcáveis deste universo, sempre em contínua expansão, onde Deus nos colocou. E nós, ao olhar para a imensidão do cosmos, sentimos especialmente a nossa pequenez de criaturas, finitas e limitadas; sentimo-nos pequenos grãos de pó perdidos num espaço cujos contornos nunca conseguiremos totalmente abarcar. Qual o nosso lugar e o nosso papel nesta fantástica arquitetura de Deus? Qual o nosso lugar no projeto de Deus para o universo? A propósito de tudo isto, o autor da Carta aos Efésios diz-nos algo muito belo e motivador: não somos um acidente de percurso na evolução inexorável do cosmos, nem somos imprestáveis grãos de pó perdidos na imensidão do universo; mas somos atores principais de uma história de amor que o nosso Deus sonhou e quis viver connosco… Deus “elegeu-nos” desde sempre, deu-nos um papel e um lugar centrais no seu projeto; e, ao longo da história, nunca se cansou de vir ao nosso encontro e de procurar relacionar-se connosco. No meio das nossas desilusões e dos nossos sofrimentos, da nossa finitude e do nosso pecado, dos nossos medos e dos nossos dramas, não esqueçamos que somos filhos amados de Deus, a quem Ele oferece continuamente a Vida definitiva, a verdadeira felicidade. Esta certeza alimenta a nossa peregrinação pela terra? Somos gratos a Deus por nos ter escolhido e amado, louvamo-l’O pela sua bondade e pelo seu amor?
    • De acordo com o autor da Carta aos Efésios, Deus “elegeu-nos… para sermos santos e irrepreensíveis”. Os “santos” são aqueles que pertencem ao Deus santo, são aqueles que Deus chamou e consagrou para o seu serviço. Ora, essa consagração a Deus tem sempre implicações práticas. Requer que vivamos atentos a Deus, procurando descobrir e acolher os projetos que Ele tem para nós e para o mundo; implica procurarmos concretizar esses projetos, com verdade, fidelidade e radicalidade… Caminhamos pela vida conscientes desse chamamento que nos é feito à santidade? No meio das solicitações do mundo e das exigências da nossa vida profissional, social e familiar, conseguimos encontrar tempo para Deus, para dialogar com Ele e para tentar perceber os seus projetos e propostas? Temos disponibilidade e vontade de concretizar a “obra de Deus”, mesmo quando ela não parece conciliável com os nossos interesses pessoais?
    • O hino da Carta aos Efésios que a liturgia deste domingo nos trouxe afirma a centralidade de Cristo nesta história de amor que Deus quis viver connosco… Jesus veio ao nosso encontro, mostrou-nos o amor que o Pai nos tem e deu-nos a conhecer o “mistério” da sua vontade. Ele apontou-nos o caminho que devemos percorrer para nos tornarmos “filhos de Deus”, herdeiros da Vida eterna. Cristo, o nosso irmão, o Deus que se fez um de nós e caminhou no meio de nós, é a nossa grande referência. Estamos conscientes disso e caminhamos atrás de Jesus, sem o perder de vista? As suas palavras e os seus gestos são para nós a suprema indicação do caminho que devemos percorrer? Aqueles que caminham pelo mundo ao nosso lado encontram nos nossos gestos e atitudes sinais vivos do amor de Deus revelado em Jesus?

     

    ALELUIA – cf. Efésios 1,17-18

    Aleluia. Aleluia.

    Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
    ilumine os olhos do nosso coração,
    para sabermos a que esperança fomos chamados.

     

    EVANGELHO – Marcos 6,7-13

    Naquele tempo,
    Jesus chamou os doze Apóstolos
    e começou a enviá-los dois a dois.
    Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros
    e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho,
    a não ser o bastão:
    nem pão, nem alforge, nem dinheiro;
    que fossem calçados com sandálias,
    e não levassem duas túnicas.
    Disse-lhes também:
    «Quando entrardes em alguma casa,
    ficai nela até partirdes dali.
    E se não fordes recebidos em alguma localidade,
    se os habitantes não vos ouvirem,
    ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés
    como testemunho contra eles».
    Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento,
    expulsaram muitos demónios,
    ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.

     

    CONTEXTO

    Desde os primeiros instantes do seu ministério apostólico, Jesus aparece rodeado de discípulos. Esses discípulos – alguns pescadores do lago de Tiberíades, um cobrador de impostos chamado Mateus, um zelota chamado Simão, entre outros – formavam um grupo bastante heterogéneo. Eram homens e mulheres de origens diversas que tinham abandonado, pelo menos durante algum tempo, as suas casas, as suas famílias, as suas profissões, para acompanhar Jesus na sua atividade de profeta itinerante, pelas aldeias e vilas da Galileia. Eles seguiam Jesus, partilhavam a Sua vida, escutavam a mensagem que Ele ia repetindo de terra em terra, admiravam-se com os gestos curadores que Ele fazia, surpreendiam-se com a forma como Ele acolhia os pecadores e aqueles que a sociedade condenava, ajudavam-no a acolher as multidões… No final de cada dia, depois de a multidão ter ido embora, eles sentavam-se com Jesus e conversavam longamente… Era com eles que Jesus partilhava, de forma mais próxima, o seu sonho do Reino de Deus.

    No entanto, estes discípulos não eram apenas os companheiros de jornada de Jesus na etapa da Galileia. Aos poucos, Jesus ia-os preparando para serem seus colaboradores na construção do Reino de Deus. Aliás, Ele tinha dito aos primeiros que O seguiram que contava com eles para serem “pescadores de homens” (Mc 1,17). A tarefa que lhes ia ser confiada consistia em libertar do mar do sofrimento, da opressão e da morte todos os homens e mulheres que aí estivessem mergulhados. Na verdade, tratava-se da mesma missão que o Pai do céu confiara a Jesus: proclamar a salvação de Deus a todos aqueles que necessitam de ser salvos.

    A dada altura, de entre todos os discípulos que O seguiam, Jesus escolheu um grupo especial de doze. Eram, de entre os discípulos, o núcleo mais importante, os mais chegados a Jesus. Jesus chamou-os “para estarem com Ele e para os enviar a proclamar, com autoridade para expulsar os demónios” (Mc 3,14-15). A esses doze Marcos chama “apóstolos” (“enviados”). O número doze é simbólico. Era o número das doze tribos de Israel. Ao constituir este grupo de doze apóstolos, Jesus estaria a sinalizar o nascimento de um novo Povo de Deus.

     

    MENSAGEM

    Depois de alguns meses a conviver com Jesus e a frequentar a “escola de Jesus”, chegou a altura de os Doze colaborarem na missão. A iniciativa é de Jesus: Ele é o líder, que chama e envia os seus colaboradores para o trabalho.

    Portanto, Jesus chamou-os “e começou a enviá-los” (vers. 7). Se os doze simbolizam o novo Povo de Deus, é a totalidade do Povo de Deus que é enviada em missão. A comunidade de Jesus é uma comunidade missionária, onde todos são enviados a proclamar a Boa notícia da salvação.

    Os “doze” são enviados “dois a dois”. É possível que o envio “dois a dois” tenha a ver com o costume judaico de viajar acompanhado, para ter ajuda e apoio em caso de necessidade; pode também pensar-se que o envio “dois a dois” tenha a ver com as exigências da lei judaica, de acordo com a qual eram necessárias duas testemunhas para dar credibilidade a qualquer anúncio (cf. Dt 19,15; Mt 18,16). No entanto, também podemos ver neste envio “dois a dois” a indicação de que a evangelização tem sempre uma dimensão comunitária. Os discípulos nunca devem trabalhar sós, à margem do resto da comunidade; não devem anunciar as suas ideias ou propor a sua visão pessoal das coisas; mas devem proclamar a fé da Igreja. Quem anuncia o Evangelho, anuncia-o em nome da comunidade; e o seu anúncio deve estar em plena sintonia com a fé reconhecida, vivida e proclamada pela comunidade.

    Em seguida, Marcos define a missão que Jesus confiou aos doze: “deu-lhes poder sobre os espíritos impuros”. Os espíritos impuros de que Marcos fala representam aqui tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de chegar à Vida em plenitude. É tarefa dos enviados de Jesus lutarem contra tudo aquilo – seja de carácter físico, seja de carácter espiritual – que destrói a vida e a felicidade do homem. Para tal, eles recebem a “autoridade” de Jesus (“deu-lhes poder”). Eles não agem por iniciativa própria e com poder próprio; mas agem por mandato de Jesus e com a força irresistível que lhes vem de Jesus. Da ação libertadora dos discípulos nasce um mundo novo, de homens livres – o mundo do “Reino”.

    Jesus deixa também aos seus apóstolos instruções claras sobre os apetrechos de que se devem munir para a concretização da missão (vers. 8-9). De acordo com Jesus, eles devem partir para a missão o mais possível despojados de bens e seguranças humanas… Podem levar um cajado, que além de ajudar o caminhante a apoiar-se, pode servir de arma de defesa contra os animais selvagens; mas não devem levar nem pão, nem alforge, nem moedas (essas pequenas moedas de cobre que o viajante levava sempre consigo para as suas pequenas necessidades), nem duas túnicas. Os discípulos devem ser totalmente livres e não estar amarrados a bens materiais; caso contrário, a preocupação com os bens materiais pode roubar-lhes a liberdade e a disponibilidade para a missão. Por outro lado, essa atitude de pobreza e de despojamento ajudará também os discípulos a perceber que a eficácia da missão não depende da abundância dos bens materiais, mas sim da ação de Deus. Finalmente, a sobriedade e o desapego são sinais de que o discípulo confia em Deus e contribuem para dar credibilidade ao seu testemunho.

    Um outro género de instruções refere-se ao comportamento dos enviados de Jesus diante da hospitalidade que lhes for oferecida (vers. 10-11). Quando forem acolhidos numa casa, devem aí permanecer algum tempo (seguramente para formar uma comunidade) e não devem saltar de um lugar para o outro, ao sabor das amizades, dos interesses próprios ou alheios ou das suas próprias conveniências pessoais. Quando não forem recebidos num lugar, devem “sacudir o pó dos pés” ao abandonar esse lugar: trata-se de um gesto que os judeus praticavam quando regressavam do território pagão e que simboliza a renúncia à impureza. Aqui, deve significar o repúdio pelo fechamento às propostas libertadoras de Deus. A Boa notícia da salvação só pode ser proposta, nunca imposta; mas os discípulos que Jesus envia devem deixar isto muito claro: quem recusa as propostas de Deus está a perder oportunidades únicas e a afastar-se da sua realização plena, da Vida verdadeira.

    Finalmente, Marcos apresenta um breve resumo da ação desenvolvida pelos enviados de Jesus (vers. 12-13). Eles “pregaram a conversão”, como Jesus fazia quando começou a anunciar a chegada do Reino de Deus (cf. Mc 1,15); “expulsaram demónios”, libertando todos aqueles que estavam submetidos ao poder do mal; “ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos”, levando a salvação de Deus aos que estavam privados de Vida. Era isso que Jesus fazia também.

    A missão dos discípulos aparece em paralelo e em absoluta continuidade com a missão de Jesus. Marcos sugere, dessa forma, que compete aos apóstolos de todas as épocas continuar na história a obra libertadora que Jesus começou.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A questão central, incontornável, no evangelho deste décimo quinto domingo comum é que Jesus associa os seus discípulos à missão que o Pai lhe confiou: anunciar, testemunhar, construir o Reino de Deus. Os discípulos que seguem Jesus e que o acompanham desde a Galileia a Jerusalém não são uma associação pia que se reúne de quando em quando para um momento de oração, mas são homens e mulheres com que Jesus conta e que Jesus envia para serem arautos de um mundo novo, de um mundo transformado. Trata-se de uma realidade que nós, discípulos de Jesus, não deveríamos esquecer. O nosso seguimento de Jesus concretiza-se na missão, uma missão que implica testemunho e intervenção no mundo. Como é que encaramos o nosso compromisso com Jesus e com o seu projeto? Somos cristãos de rituais, que se limitam a “espreitar” Jesus em certos momentos de oração e de celebração comunitária dentro dos espaços protegidos dos nossos templos, ou somos discípulos comprometidos, que aceitam ser enviados às periferias da vida para testemunhar e construir, com gestos concretos, o Reino de Deus?
    • Qual é a missão dos discípulos de Jesus? É libertar e curar; é lutar objetivamente contra tudo aquilo que escraviza o homem, que o impede de ser feliz, que lhe rouba a Vida. É uma missão sempre atual, sempre necessária. O nosso mundo mantém estruturas que geram guerra, violência, terror, morte: a missão dos discípulos de Jesus é desmontá-las; o nosso mundo aposta em “valores” – frequentemente apresentados como o “último grito” da moda, do avanço cultural ou científico, das conquistas civilizacionais – que produzem escravidão, alienação, sofrimento: a missão dos discípulos de Jesus é recusá-los e denunciá-los; o nosso mundo aceita esquemas de exploração – disfarçados de sistemas económicos geradores de bem estar – que criam miséria, marginalização, debilidade: a missão dos discípulos de Jesus é combatê-los; o nosso mundo pactua com ideologias desumanas, que potenciam o racismo, a exclusão, a indiferença: a missão dos discípulos de Jesus é contestá-las. Aceitamos estes desafios?
    • Jesus é a fonte, o inspirador e o modelo de ação dos seus enviados. É de Jesus que eles recebem autoridade para se apresentarem ao mundo como arautos do Reino. Eles devem atuar ao estilo de Jesus, com o amor e a solicitude de Jesus, dando testemunho, com gestos concretos, da ternura e da bondade de Deus para com todos os seus filhos. Eles não atuam em nome próprio nem proclamam as suas teorias pessoais, mas propõem o Evangelho de Jesus, o Evangelho do Reino. Ora, para que isso seja possível, esses enviados têm de manter-se vinculados a Jesus. Têm de manter com Ele uma relação viva, próxima, apaixonada, alimentada pelo encontro pessoal com Jesus. Se isso não acontecer, esses enviados facilmente se tornam gestores egoístas de projetos pessoais ou funcionários descomprometidos que executam um trabalho mecânico e sem alma. Nós, discípulos e enviados de Jesus, mantemo-nos ligados a Ele? Renovamos cada dia a nossa adesão a Ele e ao seu projeto? Confrontamo-nos com a sua Palavra e deixamo-nos questionar por ela? Encontramo-nos com Jesus e os outros irmãos da comunidade à mesa da Palavra e do Pão e acolhemos a Vida que Ele nos oferece e que somos convidados a levar ao mundo?
    • Jesus apenas autoriza os seus enviados a levarem para o caminho um cajado, sandálias e uma túnica. Ele considera que quanto mais livres e despojados os discípulos se apresentarem, mais convincentes serão como testemunhas do Reino de Deus. No entanto, esta lógica parece ainda não nos ter convencido… Vinte e um séculos depois de Jesus, continuamos a interessar-nos por postos e lugares que nos assegurem autoridade e poder; continuamos a agarrar títulos que possam dar-nos prestígio social; continuamos a montar estruturas e estratégias que nos proporcionem visibilidade e capacidade de intervenção; continuamos a procurar recursos económicos que financiem os nossos projetos e nos permitam combater os “filhos das trevas”. É evidente que vivemos neste mundo e temos de ser realistas… Mas, em última análise, a abundância de meios será útil ou será prejudicial para a causa do Reino de Deus? A preocupação com o “ter” não roubará aos discípulos espaço, disponibilidade e liberdade para se lançarem na aventura do anúncio do Reino? A preocupação com os bens materiais, com as honras e privilégios, não poderá levar os discípulos a calarem-se perante a maldade e a injustiça, a fim de preservarem os seus interesses económicos e os seus benefícios particulares?
    • O testemunho e a construção do Reino de Deus são o grande desafio que Jesus deixou aos seus seguidores. No entanto, todos nós, discípulos de Jesus, sabemos como é difícil que o nosso testemunho seja escutado e acolhido. Sentimos que temos uma ótima proposta para apresentar, mas que essa proposta nem sempre encontra o acolhimento que merece; parece que, por muito que nos esforcemos, o “mundo” não está interessado no testemunho que damos de Jesus. Porquê? A culpa é da sociedade e dos valores vigentes, ou é da forma como damos testemunho? O que é que torna pouco convincente e pouco credível aquilo que anunciamos?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 15.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 15.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Testemunho do “nós”… Jesus envia os discípulos dois a dois. Ele sabe que a sua missão será difícil de cumprir. Mesmo Ele, Jesus, fez-Se acompanhar de uma equipa. O testemunho é sempre um “nós” para nunca se falar em nome próprio mas, com outros, em nome daquele que envia. Algumas recomendações a estes peregrinos da Boa Nova: contar apenas com Deus; pôr-se a caminho para se fazer peregrino; aceitar a hospitalidade para se apresentar como um pobre; não forçar as portas para respeitar a liberdade. Quanto à mensagem a proclamar, é a mensagem do Mestre: “convertei-vos!” E quanto aos atos, são os mesmos de Jesus: expulsar os demónios e curar os doentes. Decididamente, o servo não é maior do que o seu mestre, e o enviado faz sempre referência àquele que o envia. Hoje, o “nós” é o da Igreja. Oxalá ela possa contar apenas com Deus, fazer-se peregrina, apresentar-se pobre, respeitar a liberdade dos homens…

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Testemunhas do amor de Deus… “Jesus chamou os doze Apóstolos e começou a enviá-los dois a dois. Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros”. O apelo dos Apóstolos está ligado ao seu envio, à sua missão. Serem os companheiros de Jesus, não para ficarem abrigados perto d’Ele, mas para serem enviados comos suas testemunhas até aos confins da terra. Ele envia-os dois a dois. Sem dúvida, porque na altura um testemunho só era reconhecido como autêntico se levado por duas testemunhas. Mas, mais profundamente, Jesus veio para colocar os homens na “circulação do amor”. Deus criou os homens para serem à sua imagem. Como “Deus é Amor”, os homens serão imagens de Deus na medida em que construírem juntos relações de amor fraterno. Ora, eles recusaram isso. O espírito do mal é chamado de diabo, aquele que divide em vez de unir. Jesus veio para acabar com a divisão. Ele é aquele que reconcilia os homens com Deus e entre si. Eis porque Jesus envia os Apóstolos dois a dois: para que sejam primeiramente, pelo seu comportamento e pela sua vida, testemunhas desta obra de reconciliação. A salvação nunca é individual, é colocada na relação dos homens entre si, no movimento de amor de Deus. A missão dos Apóstolos é, pois, de lutar contra o mal que divide e corrompe. Então, compreendemos melhor porque Jesus dá conselhos de pobreza. Encher-se de riquezas materiais é arriscar cair na armadilha da possessão egoísta, é entrar no círculo infernal da vontade de poder, da inveja. É centrar-se sobre si mesmo em lugar de dar lugar aos outros. É obscurecer o seu olhar interior e não ser mais suficientemente disponível para acolher o outro. É sempre válido para todos os batizados cuja missão é serem testemunhas da Boa Nova no coração do mundo!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Bendizer no quotidiano… Em cada dia desta semana, dirigir ao Senhor uma curta oração de bênção: para a felicidade partilhada nesse dia, para um encontro enriquecedor, para uma refeição partilhada e cheia de amizade, para a beleza da Criação, para um nascimento ou a alegria das crianças, etc.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 16º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    16º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    21 de Julho, 2024

    ANO B

    16.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 16.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 16.º domingo comum fala-nos do carinho de Deus pelas “ovelhas sem pastor”. Diz-nos que Deus olha com amor de pai e de mãe para aqueles homens e mulheres que vivem desorientados e à deriva, os que não têm quem os guie, defenda e alimente. No coração e na preocupação de Deus esses ocupam um lugar bem especial.

    Na primeira leitura, pela voz do profeta Jeremias, Deus condena os “pastores” indignos, aqueles que usam o “rebanho” que lhes foi confiado para concretizar os seus próprios projetos pessoais; e, paralelamente, anuncia que vai, Ele próprio, tomar conta do seu “rebanho”, assegurando-lhe a Vida em abundância.

    O Evangelho conta-nos como é que Jesus responde à fome de Vida e de esperança daqueles que o procuram. “Profundamente comovido” com o desnorte das “ovelhas perdidas” que correm atrás d’Ele pelas vilas e aldeias da Galileia, Jesus oferece-lhes a Boa notícia do Reino e do projeto humanizador que Deus tem para o mundo e para os homens. A missão de Jesus também é a missão dos discípulos. Para a concretizar, estes devem manter uma estreita comunhão com Jesus.

    Na segunda leitura Paulo, dirigindo-se aos cristãos de Éfeso, fala-lhes do desígnio salvador de Deus. Esse desígnio abrange todos os filhos e filhas de Deus, sem distinção de raças, de etnias, de diferenças sociais ou culturais, de experiências religiosas. Deus a todos quer salvar, a todos quer reunir à sua volta. Reunidos na família de Deus, todos os que acolhem o convite à salvação são agora irmãos, unidos pelo amor.

     

    LEITURA I – Jeremias 23,1-6

    Diz o Senhor:
    «Ai dos pastores que perdem e dispersam
    as ovelhas do meu rebanho!»
    Por isso, assim fala o Senhor, Deus de Israel,
    aos pastores que apascentam o meu povo:
    «Dispersastes as minhas ovelhas
    e as escorraçastes, sem terdes cuidado delas.
    Vou ocupar-Me de vós e castigar-vos,
    pedir-vos contas das vossas más ações
    – oráculo do Senhor.
    Eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas
    de todas as terras onde se dispersaram
    e as farei voltar às suas pastagens,
    para que cresçam e se multipliquem.
    Dar-lhes-ei pastores que as apascentem
    e não mais terão medo nem sobressalto;
    nem se perderá nenhuma delas – oráculo do Senhor.
    Dias virão, diz o Senhor,
    em que farei surgir para David um rebento justo.
    Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria;
    Há de exercer no país o direito e a justiça.
    Nos seus dias, Judá será salvo e Israel viverá em segurança.
    Este será o seu nome: ‘O Senhor é a nossa justiça’».

     

    CONTEXTO

    Jeremias, o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a.C.). O cenário da atividade do profeta é o reino do sul (Judá), e sobretudo a cidade de Jerusalém.

    A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei – preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus – leva a cabo uma grande reforma religiosa destinada a banir do país os cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período, traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Javé e à Aliança. No entanto, em 609 a.C., Josias é morto em Megido, em combate contra os egípcios. Depois de uns meses de instabilidade, o trono de Judá foi ocupado por Joaquim (609-597 a.C.).

    Começa, por essa altura, a segunda fase da atividade profética de Jeremias. Com Joaquim no trono, a infidelidade de Judá à Aliança com Javé volta a estar na ordem do dia. Nesta fase, a voz profética de Jeremias denuncia as graves injustiças sociais, às vezes fomentadas pelo próprio rei, e o abandono de Javé. A infidelidade religiosa de Judá manifesta-se de forma particular nas alianças políticas que Joaquim procura fazer com outras nações: em lugar de confiar em Deus, Judá coloca a sua segurança em exércitos estrangeiros. Jeremias, convencido de que Judá já ultrapassou todas as medidas, anuncia a iminência de uma invasão babilónica, que irá castigar os pecados do Povo de Deus. De facto, as previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a Babilónia uma parte da população de Jerusalém. No trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.).

    A terceira fase da missão profética de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante o reinado de Sedecias. Após alguns anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias volta a experimentar a velha política das alianças com o Egipto. Jeremias, uma vez mais, mostra o seu desacordo: a esperança de Judá deve estar em Javé e não em exércitos estrangeiros… Mas, nem o rei, nem os notáveis do país lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado um amargo “profeta da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.

    Em 587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os babilónios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias anuncia o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jr 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jr 37,11-16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jr 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de facto, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população para a Babilónia (586 a.C.).

    Provavelmente, o texto que a liturgia deste décimo sexto domingo comum nos propõe como primeira leitura deve enquadrar-se no tempo que vai desde o primeiro exílio (após a primeira queda de Jerusalém, em 597 a.C.) ao segundo exílio (após a segunda tomada de Jerusalém pelos Babilónios, em 586 a. C.). É um tempo de desnorte nacional, em que Judá, sem líderes capazes, já perdeu as referências e a esperança no futuro. Pela voz de Jeremias, Deus denuncia a incompetência e a incúria dos “pastores” de Judá: com as suas políticas erráticas, eles dispersaram as ovelhas do rebanho. É, certamente, uma alusão ao exílio do Povo na Babilónia.

    A utilização da imagem do “pastor” para falar dos líderes da nação é bastante frequente no Antigo Testamento. Aliás, a imagem adquiriu uma força especial na sequência de David, o pastor de Belém que Javé tirou da guarda do rebanho, ungiu e transformou em rei, encarregando-o de cuidar do rebanho do Povo de Deus. Aliás, na memória coletiva de Israel, David será sempre o pastor por excelência, que cuidou do seu Povo de acordo com as indicações recebidas de Deus.

     

    MENSAGEM

    Deus, por intermédio de Jeremias, pronuncia-se sobre os “pastores”, isto é, sobre os líderes que têm estado à frente dos destinos de Judá. O “ai” com que se inicia o oráculo dá imediatamente às palavras de Javé um cunho ameaçador: Deus desaprova a forma negligente como os líderes têm conduzido o seu Povo.

    Os verbos usados definem claramente a culpa dos responsáveis da nação: eles “perdem”, “dispersam” e “escorraçam” as ovelhas que lhes foram confiadas (vers. 1-2a). Esses verbos referem-se a factos históricos concretos, aliás bem recentes, que conduziram ao Exílio do Povo numa terra estrangeira. As políticas aventureiras, os interesses pessoais, as jogadas políticas, a inconsciência erigida em forma de conduzir a comunidade, trouxeram consequências funestas ao Povo, ao “rebanho” de Deus e abriram-lhe as portas da desgraça. Os líderes de Judá não procuraram servir o Povo, mas serviram-se do Povo para concretizar os seus objetivos pessoais. Privilegiaram interesses próprios à custa do bem comum. Ora, o “rebanho” não é propriedade dos “pastores”, mas do Senhor. Deus chamou os reis de Judá para uma missão concreta, encarregou-os de cuidar do seu “rebanho” e eles, depois de terem aceite o compromisso, falharam totalmente.

    Depois da formulação da culpa, vem a sentença. Deus vai “ocupar-se” desses maus pastores: vai castigá-los e pedir-lhes contas das suas más ações (vers. 2b). Javé não está disposto a tolerar abusos de confiança, nem pode pactuar com líderes que exploram o “rebanho” em seu benefício próprio. A forma como os responsáveis de Judá levaram ao descalabro nacional é intolerável e não pode passar em claro.

    Mas a intervenção de Deus não se fica pelo pedir contas aos maus líderes; Ele vai, além disso, tomar medidas para remediar a situação e para salvar esse Povo abandonado e disperso. A intervenção de Deus vai desenvolver-se em três tempos, ou momentos.

    Num primeiro momento, Deus vai tratar da repatriação dos exilados: as ovelhas serão devolvidas “às suas pastagens para que cresçam e se multipliquem” (vers. 3). Para esta tarefa, Deus não conta com intermediários: Ele mesmo vai liderar o processo de libertação e de regresso dos exilados à terra de onde foram afastados.

    Num segundo momento, Deus vai escolher novos “pastores, pastores exemplares, para cuidar do seu Povo (vers. 4). A missão desses “pastores” será, simplesmente, “apascentar”. Isso implica, naturalmente, o cuidado, a solicitude, o amor, a ternura pelo “rebanho”. Esses “pastores” serão dedicados e cuidadosos; estarão verdadeiramente ao serviço do “rebanho” e não usarão as “ovelhas” para concretizar os seus interesses pessoais. As “ovelhas” aprenderão a confiar nesses “pastores” que as amam e não terão mais “medo nem sobressalto”.

    O terceiro momento da intervenção de Deus é projetado para o futuro, para um tempo sem data marcada. Promete a chegada de um “rebento justo” da dinastia de David (vers. 5). A imagem tirada do reino vegetal (“rebento”) sugere fecundidade e vida em abundância, porque ele dará Vida abundante ao “rebanho” de Javé. Esse “pastor” assegurará “o direito e a justiça” e trará salvação e segurança ao Povo de Deus. O nome desse rei será “o Senhor é a nossa justiça” (vers. 6), pois é Deus que o legitima e a sua missão será administrar a justiça que Deus quer. Garantindo a justiça, esse “pastor” irá trazer a harmonia, a paz, a tranquilidade, a salvação, a Vida verdadeira ao Povo de Deus. Esta promessa, com contornos messiânicos, pretende anular a frustração e o desespero e inaugurar um tempo de esperança para o Povo de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O quadro de desorientação, de confusão e de abandono que os habitantes de Judá experimentaram no início do séc. VI a.C., é um quadro que não nos é completamente estranho. Também nós conhecemos momentos conturbados da nossa história (coletiva ou pessoal), em que nos sentimos órfãos, perdidos, traídos e abandonados ao sabor dos ventos e das marés… As catástrofes que afetam o mundo, os conflitos que dividem os povos, a miséria que toca a vida de tantos dos nossos irmãos, os perigos dos fundamentalismos, as mudanças vertiginosas que o mundo todos os dias sofre, a perda dos valores em que apostávamos, as novas e velhas doenças, as crises pessoais, os problemas laborais, as dificuldades familiares trazem-nos a consciência da nossa pequenez e impotência frente aos grandes desafios que a vida nos apresenta. Sentimo-nos, então, “ovelhas” sem rumo e sem destino, abandonadas à nossa sorte. A Palavra de Deus que nos chega neste domingo pela voz de Jeremias garante-nos que Deus é o “Pastor” que se preocupa connosco, que está atento a cada uma das suas “ovelhas”; Ele cuida das nossas necessidades e está permanentemente disposto a intervir na nossa história para nos conduzir por caminhos seguros e para nos oferecer a Vida e a paz. É n’Ele que temos de apostar, é n’Ele que temos de confiar. Esta constatação é, para nós que acreditamos na bondade, no amor e na solicitude de Deus, fonte de alegria, de esperança, de serenidade e de paz?
    • A cada passo Por vezes, no nosso desespero, apostamos em “pastores” humanos que, em lugar de nos conduzirem para a vida e para a felicidade, nos usam para satisfazer a sua ânsia de protagonismo e para realizar os seus projetos egoístas…
    • As palavras de Jeremias contra os “pastores” que se aproveitam do rebanho em benefício próprio talvez nos tenham levado a apontar imediatamente para alguns líderes humanos que conhecemos e que consideramos responsáveis por boa parte do sofrimento que desfeia o nosso mundo… Na verdade, a história humana – mesma a mais recente – está cheia de situações em que as pessoas encarregadas de cuidar da comunidade humana usam o “rebanho” em benefício próprio e magoam, torturam, roubam, assassinam, privam de vida e de felicidade as pessoas que Deus lhes confiam… Teremos alguma responsabilidade – pela nossa indiferença, pelo nosso comodismo, pela nossa instalação, pelo nosso receio de denunciar – em tudo isso? E nós próprios, como é que lidamos com aqueles cuja responsabilidade Deus nos confiou: na família, no emprego, na Igreja? Procuramos colocar o bem de cada pessoa que caminha ao nosso lado acima dos nossos interesses e projetos pessoais?
    • O nosso texto faz referência a “um rei” que Deus vai enviar ao encontro do seu Povo e que governará com sabedoria e justiça. Jesus é a concretização desta promessa. Ele veio propor ao “rebanho” de Deus a Vida plena e verdadeira… As propostas de Jesus encontram eco na nossa vida? Estamos sempre dispostos a acolher as indicações e os valores que Ele continuamente nos apresenta com as suas palavras, com os seus gestos, com a sua vida?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)

    Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.

    O Senhor é meu pastor: nada me falta.
    Leva-me a descansar em verdes prados,
    conduz-me às águas refrescantes
    e reconforta a minha alma.

    Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
    Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
    não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
    o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.

    Para mim preparais a mesa
    à vista dos meus adversários;
    com óleo me perfumais a cabeça,
    e o meu cálice transborda.

    A bondade e a graça hão de acompanhar-me
    todos os dias da minha vida,
    e habitarei na casa do Senhor
    para todo o sempre.

     

    LEITURA II – Efésios 2,13-18

    Irmãos:
    Foi em Cristo Jesus que vós, outrora longe de Deus,
    vos aproximastes d’Ele, graças ao sangue de Cristo.
    Cristo é, de facto, a nossa paz.
    Foi Ele que fez de judeus e gregos um só povo
    e derrubou o muro da inimizade que os separava,
    anulando, pela imolação do seu corpo,
    a Lei de Moisés com as suas prescrições e decretos.
    E assim, de uns e outros,
    Ele fez em Si próprio um só homem novo,
    estabelecendo a paz.
    Pela cruz reconciliou com Deus
    uns e outros, reunidos num só Corpo,
    levando em Si próprio a morte á inimizade.
    Cristo veio anunciar a boa nova da paz,
    paz para vós, que estáveis longe,
    e paz para aqueles que estavam perto.
    Por Ele, uns e outros podemos aproximar-nos do Pai,
    num só Espírito.

     

    CONTEXTO

    Éfeso, cidade cosmopolita situada na costa da Jónia, na Ásia Menor (junto da atual Selçuk – Turquia), famosa pelo seu templo de Ártemis e pelo seu enorme teatro ao ar livre, era um dos principais centros comerciais e religiosos do mundo greco-romano. Durante o séc. I a.C. albergava uma população de cerca de 250.000 pessoas. No decurso da sua terceira viagem missionária, Paulo foi até Éfeso e permaneceu lá por cerca de dois anos (cf. At 19,10). Da pregação e da catequese de Paulo resultou uma comunidade viva, fervorosa, empenhada em dar testemunho de Jesus. No final dessa viagem missionária, antes de embarcar para Tiro, Paulo fez questão de chamar a Mileto os anciãos da Igreja de Éfeso, a fim de se despedir da comunidade (cf. At 20,17-38). Isso atesta a relação especial que havia entre Paulo e os cristãos de Éfeso.

    Não conhecemos as circunstâncias que levaram Paulo a escrever a Carta aos Efésios. Mas, quando a escreveu, Paulo estava na prisão (em Roma? Em Cesareia Marítima?). O seu portador foi um tal Tíquico. Estamos, muito provavelmente, por volta dos anos 58/60.

    No entanto, a carta não reflete a proximidade que Paulo tinha com os cristãos de Éfeso. Apresenta-se num tom impessoal, solene, desligado, que parece distante da forma como Paulo se costumava dirigir às comunidades a que se sentia especialmente ligado. Isso leva alguns a negar e sua autoria paulina, e outros a considerar que o texto que nos chegou com o título “carta aos efésios” poderá ser um dos exemplares de uma “carta circular” enviada por Paulo a várias Igrejas da Ásia Menor, incluindo a comunidade cristã de Éfeso. A questão permanece em aberto.

    Considera-se, em geral, que a Carta aos Efésios apresenta uma espécie de síntese da teologia paulina, redigida numa altura em que Paulo sentia ter terminado a sua missão apostólica na Ásia. Prisioneiro por causa do Evangelho (cf. Ef 4,1), Paulo não sabe o que o futuro lhe reserva e entende deixar o seu testemunho às comunidades da Ásia Menor que tinha especialmente acompanhado.

    O tema central da Carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama “o mistério”: o desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a eternidade, oculto durante séculos aos homens, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na Igreja.

    O texto que nos é proposto como segunda leitura neste décimo sexto domingo comum integra a parte dogmática da carta. Depois de refletir sobre o papel de Cristo no projeto de salvação que Deus tem para os homens (cf. Ef 2,1-10), Paulo refere-se à reconciliação operada por Cristo, que com a sua doação uniu judeus e pagãos num mesmo Povo (cf. Ef 2,11-22).

     

    MENSAGEM

    Paulo dirige-se aos cristãos vindos do paganismo (“vós outrora longe de Deus” – vers. 13) e explica-lhes qual a situação em que se encontram agora, depois de terem aderido a Jesus… Foi pela entrega de Cristo que eles se aproximaram de Deus. Antes eles adoravam os ídolos e, embora tivessem convicções religiosas, desconheciam o verdadeiro Deus e a sua proposta de salvação. Mas agora, pelo sangue derramado de Cristo, foram admitidos a fazer parte da família de Deus. Passaram a integrar uma comunidade fraterna onde cabem todos aqueles que foram salvos por Cristo, independentemente das suas origens e das suas diferenças étnicas ou culturais. A entrega de Cristo derrubou a tradicional barreira de inimizade que separava judeus e pagãos e fez de todos um único Povo.

    Antes, os judeus, convencidos de que eram um Povo à parte, desprezavam os pagãos e não queriam qualquer contacto com eles; as suas leis religiosas pugnavam por uma rígida separação e interditavam o contacto com os outros povos. Os pagãos, por sua vez, nutriam um profundo desprezo pelos judeus, devido à sua diferença, à sua arrogância, à sua convicção de que eram um povo especial, acima de todos os outros povos. Uma profunda barreira de inimizade dividia uns e outros. Essa barreira estava bem representada no Templo de Jerusalém, onde um muro de pedra dividia o átrio dos judeus e o átrio dos gentios.

    Ora, Cristo veio apresentar uma proposta de vida que é para todos, sem exceção. O que é decisivo, agora, não é a pertença a um determinado Povo, mas a forma como se responde à proposta de Vida que Jesus faz. Quem responde positivamente à proposta de Cristo, passa a integrar a comunidade dos santos. A Lei de Moisés, com as suas prescrições e exigências (que, na prática, vedavam aos pagãos a possibilidade de integrar o Povo de Deus), fica anulada… Na nova economia da salvação, o que conta é a disponibilidade para acolher a Vida que Deus oferece e aceitar viver como Homem Novo.

    Nasce, assim, um “corpo” que integra os mais diversos membros, pertencentes a todos os quadrantes da família humana. Todos aqueles que aceitaram integrar a comunidade de Jesus, sem diferenças de etnias, de raças, de cor da pele, de classes sociais ou culturais, pertencem à mesma família, a família de Deus. Todos – judeus e pagãos – são, agora, membros da comunidade trinitária do Pai (que oferece a Vida), do Filho (que vem ao encontro dos homens para lhes comunicar a Vida do Pai) e do Espírito (que mantém unidos os membros deste “corpo” entre si e com Deus).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Domingo após domingo a palavra de Deus recorda-nos o projeto de salvação que Deus preparou em nosso favor. A repetição não incomoda: trata-se da questão mais decisiva quanto ao sentido da nossa vida, uma questão que deve estar sempre diante dos nossos olhos para dar sentido ao caminho que vamos percorrendo na história. No entanto, a segunda leitura deste décimo sexto domingo comum põe em relevo um aspeto essencial desse projeto: ele abrange todos os filhos e filhas de Deus, sem distinção de raças, de etnias, de diferenças sociais ou culturais, de experiências religiosas. Deus não faz aceção de pessoas, Deus não discrimina os seus filhos; a todos Ele quer salvar, a todos Ele quer reunir à sua volta. Nós, seres humanos, inventamos fronteiras para proteger as nossas possessões, criamos espaços onde só alguns privilegiados podem aceder, decidimos quem merece e não merece a nossa atenção e o nosso acolhimento; mas Deus enviou-nos o seu Filho Jesus para abolir as barreiras que nos separam, para destruir as velhas inimizades e para nos inserir numa única família, a família de Deus. Que implicações tem isto na nossa forma de ver Deus, de ver a vida e de ver os irmãos que caminham ao nosso lado?
    • A Igreja é a comunidade daqueles que aceitam a oferta de salvação que Deus faz; é uma comunidade de irmãos e de irmãs que Cristo, com a sua entrega, reconciliou e ensinou a viver no amor; é um “corpo”, formado por uma grande diversidade de membros, unidos em Cristo e entre si numa efetiva fraternidade; é a família de Deus, chamada a dar testemunho no mundo da bondade, do amor e da Vida de Deus. É essa, de facto, a experiência que temos do viver em Igreja? As nossas comunidades cristãs são espaços de fraternidade, de acolhimento, de partilha, de amor anunciado e vivido? Nas nossas comunidades cristãs todos os irmãos são acolhidos e amados, ou há pessoas que são marginalizadas, condenadas, tratadas com menos consideração e estima?
    • O fenómeno da globalização contribuiu para que nos aproximássemos dos outros homens e mulheres que partilham connosco esta casa comum que é o mundo. Ajudou-nos a conhecer o outro, a acolher a riqueza do outro, a aceitar com tolerância as diferenças. Contudo, subsistem muros – alicerçados nas diferenças rácicas, políticas, religiosas, sociais, afetivas – que impedem uma total experiência de fraternidade universal. Nós, os discípulos desse Cristo que veio reconciliar “judeus e gentios” e fazer de todos “um só povo”, temos o dever de dar testemunho de unidade e de lutar objetivamente contra tudo aquilo que impede os homens de caminharem de mãos dadas. Quais são, no séc. XXI, as principais barreiras que nos impedem de comunicar, de partilhar, de viver em fraternidade? Na nossa vida pessoal e na nossa experiência de caminhada comunitária, quais são os muros que nos dividem, que impedem o encontro e a comunhão?

     

    ALELUIA – João 10,27

    Aleluia. Aleluia.

    As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor;
    Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.

     

    EVANGELHO – Marcos 6,30-34

    Naquele tempo,
    os Apóstolos voltaram para junto de Jesus
    e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
    Então Jesus disse-lhes:
    «Vinde comigo para um lugar isolado
    e descansai um pouco».
    De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir
    que eles nem tinham tempo de comer.
    Partiram, então, de barco
    para um lugar isolado, sem mais ninguém.
    Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam;
    e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar
    e chegaram lá primeiro que eles.
    Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão
    e compadeceu-Se de toda aquela gente,
    que eram como ovelhas sem pastor.
    E começou a ensinar-lhes muitas coisas.

     

    CONTEXTO

    Depois de narrar o envio dos Doze em missão (cf. Mc 6,6b-13), Marcos faz um compasso de espera, como se tivéssemos de dar tempo aos enviados de Jesus para cumprir a missão que lhes foi entregue. Marcos aproveita, enquanto esperamos o regresso dos Doze, para retomar a questão da identidade de Jesus; e conta-nos que Herodes se interroga sobre Jesus, vendo n’Ele um João Batista redivivo (cf. Mc 6,14-16). A propósito, Marcos julga necessário narrar-nos o martírio do Batista, mandado decapitar por Herodes (cf. Mc 6,17-29) enquanto estava prisioneiro em Maqueronte, a fortaleza herodiana situada a leste do Mar Morto. A sequência parece não ser por acaso: ao entrelaçar o ministério de João Batista, de Jesus e dos discípulos, Marcos está a sugerir que se trata de uma única e mesma missão. A morte violenta de João converte-se em sinal premonitório do que mais tarde acontecerá com Jesus e com os Doze.

    Depois deste parêntesis, Marcos retoma o fio condutor do seu Evangelho, apresentando o regresso dos Doze da missão. Marcos chama-lhes, agora, “apóstolos” (“enviados”): é a única vez que a palavra aparece no Evangelho segundo Marcos. Não há, no texto, qualquer indicação do lugar onde a cena se teria desenrolado.

     

    MENSAGEM

    Os “apóstolos”, depois de algum tempo a “pregar a conversão”, a “expulsar demónios”, a “curar doentes” (cf. Mc 6,12-13), regressam ao encontro de Jesus e contam-lhe “o que tinham feito e ensinado” (vers. 30). Jesus é o ponto de partida e o ponto de chegada da missão. Os “apóstolos” partem porque Jesus os envia; anunciam por toda a parte, não uma mensagem própria, mas a Boa notícia que lhes foi confiada por Jesus; regressam para Jesus quando concluem o seu trabalho missionário; apresentam a Jesus o “relatório” detalhado (“tudo”) do que fizeram, porque todos os passos da missão devem ser verificados por Jesus. A missão é de Jesus. Os “apóstolos” são apenas as testemunhas de Jesus. Convém que os “enviados” de Jesus de todas as épocas estejam bem cientes desta realidade.

    Em seguida, Jesus convida os seus “apóstolos” a irem com Ele para um lugar isolado e a descansarem um pouco (vers. 31). Este “retiro” serve, antes de mais, para aprofundar e fortalecer a comunhão entre os discípulos e Jesus. Os “apóstolos”, depois de experiências intensas de trabalho missionário, necessitam de reencontrar Jesus, de estar a sós com Ele, de revitalizar a comunhão com Ele. Precisam de contar a Jesus o que fizeram, de expor-lhe as suas dúvidas e angústias, de escutar os conselhos e indicações que Ele tem para dar, de fazer projetos com Ele, de redescobrir o princípio e o fundamento da missão. Se os “apóstolos” não aprofundarem continuamente a sua ligação a Jesus, mais tarde ou mais cedo a missão deixa de fazer sentido; se os discípulos não confrontarem, frequentemente, os seus esquemas, as suas ideias, os seus projetos pastorais com Jesus e a sua Palavra, a missão estará condenada ao fracasso.

    Mas a “paragem” proposta por Jesus tem também como objetivo proporcionar aos “apóstolos” um merecido tempo de descanso. Marcos diz que “havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo de comer” (vers. 31). Há certamente aqui um aviso contra o ativismo exagerado, que destrói as forças do corpo e seca o espírito. O excesso de trabalho pode levar os “enviados” a uma saturação que lhes esgota o entusiasmo e lhes faz perder o sentido da missão.

    O “retiro” dos discípulos com Jesus dura apenas pelo breve espaço da viagem de barco (vers. 32). Porque as multidões, ao verem para onde o barco se dirigia, contornaram o lago da Galileia, a pé, e correram para o lugar onde o barco ia aportar (vers. 33). Ao chegarem, Jesus e os discípulos deparam-se com a multidão que os espera de novo. Jesus recordou-se, então, de uma velha metáfora que a catequese de Israel usava recorrentemente (cf. Nm 27,17): eram “como ovelhas sem pastor” (vers. 34). Aquela busca incansável e determinada espelhava, até com algum dramatismo, a fome de Vida, de perspetivas, de esperança que aquelas pessoas sentiam. Elas corriam atrás de Jesus porque acreditavam que Ele podia saciar-lhes essa fome.

    Marcos diz-nos que, diante daquele quadro, Jesus “comoveu-se profundamente”. A palavra grega que descreve a reação de Jesus – o verbo grego “splagknídzomai” – indica a comoção profunda que a mãe sente no seu íntimo diante do filho que ama ternamente. Aliás, o substantivo que resulta desta palavra – splágknon – significa “seio materno”, a barriga da mãe. A “comoção profunda” de Jesus diante daquela multidão é um estremecimento interior que resulta do amor, de um imenso amor, de um amor de mãe. É assim que Deus reage aos seus filhos e filhas que caminham pela vida, frágeis e titubeantes, à procura de Vida, da Vida verdadeira.

    Jesus responde a esta multidão necessitada ensinando-lhes “muitas coisas”. Pouco depois irá alimentá-los com o pão multiplicado e partilhado (cf. Mc 6,35-44). Os discípulos estão ali, ao lado de Jesus, vendo como Ele dá testemunha do amor, da ternura, da bondade de Deus àqueles homens e mulheres que procuram a salvação.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Em pleno séc. XXI, são muitos os homens e as mulheres que caminham pelo mundo perdidos e sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. As “ovelhas” perdidas e sem rumo são, nos nossos dias, as vítimas sem rosto e sem voz da economia global, os que são colocados à margem da sociedade e da vida, os estrangeiros que buscam noutro país condições dignas de vida mas não encontram lugar, os doentes que não têm acesso a um sistema de saúde eficiente, os idosos abandonados pela família e que sofrem em silêncio, as crianças que crescem nas ruas e que são maltratadas e violentadas, os “diferentes” que são marginalizados pela sociedade e pelas igrejas, os que carregam culpas que não conseguem esquecer, os que a vida magoou e que ainda não conseguiram sarar as suas feridas, as vítimas de todas as guerras e de todas as violências… Como os vemos, como nos abeiramos deles? Olhamo-los com o mesmo olhar de Jesus e sentimos compaixão? Sentimo-nos responsáveis por eles? A nossa consciência sente-se tranquila e em paz quando não respondemos às necessidades dos nossos irmãos sofredores?
    • A Igreja será sempre a “casa de Jesus”, a casa onde Jesus a todos acolhe com amor. Muitos dos homens e mulheres que partilham connosco o caminho e que se sentem perdidos e desorientados “como ovelhas sem pastor” voltam-se para a comunidade cristã à procura de ajuda, de orientação, de compreensão, de acolhimento… Como é que a nossa comunidade cristã responde a essa procura? Com um elenco de normas, de obrigações, de mandamentos, de regras rígidas, de proibições, de discursos cheios de dogmas e de chavões teológicos, ou com o olhar compadecido e compreensivo de Jesus? As nossas comunidades cristãs são o “hospital de campanha” onde aqueles que a vida magoou podem curar as suas feridas e experimentar a compreensão, o amor, a ternura, a misericórdia de um Deus bom, que é pai e mãe para todos os seus filhos e filhas? A nossa Igreja é rosto de Jesus para os homens e mulheres do nosso tempo?
    • Hoje como ontem, a missão dos “enviados” não pode desenrolar-se à margem de Jesus. É de Jesus que eles partem e é a Jesus que eles voltam. É imprescindível que os discípulos, apesar de todas as solicitações que lhes são feitas, arranjem tempo para estar com Jesus, para escutar as suas indicações, para lhe contar as coisas bonitas que viram acontecer ou os obstáculos que encontraram no caminho. Por vezes, os discípulos, genuinamente comovidos com a situação das “ovelhas sem pastor”, mergulham num ativismo descontrolado e acabam por perder as referências; deixam de ter tempo e disponibilidade para se encontrar com Jesus, para confrontar as suas opções e motivações com o projeto de Jesus… E passam a “vender”, como verdade libertadora, soluções que são parciais e que geram dependência e escravidão (e que não vêm de Jesus); ou tornam-se funcionários mais ou menos eficientes, que resolvem problemas sociais pontuais, mas sem oferecerem às “ovelhas sem pastor” uma libertação verdadeira e global; ou, então, cansam-se e abandonam a atividade e o testemunho… Vemos Jesus como o princípio e o fundamento do nosso apostolado? Estamos conscientes de que é a comunhão sempre renovada com Ele que nos permite redescobrir o sentido das coisas e renovar o nosso empenho? Procuramos encontrar tempo para rezar, para escutar a Palavra, para aprofundar a nossa comunhão com Jesus?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 16.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 16.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Deus tem piedade… Uma grande multidão pode abafar física e moralmente. Compreende-se que Jesus queira preservar os seus apóstolos: eles foram ao encontro das multidões para as ensinar e fazer milagres, então Ele propõe-lhes para se afastarem para um lugar deserto a fim de retomar o fôlego e não perderem o sentido daquilo que é essencial. Mas a multidão tem fome de palavras e de sinais, é ela que dirige o curso dos acontecimentos, parece querer recordar a Jesus e aos seus discípulos que eles não têm o direito de fugir. Como reagem os apóstolos? Não sabemos. O que sabemos é que Jesus se enche de piedade; este sentimento que O anima revela-nos algo do rosto do Pai. É o coração de Deus que bate no coração de Jesus cheio de piedade. Sim, Deus tem piedade da multidão na margem do lado Tiberíades, como outrora teve piedade do seu povo escravo no Egipto. E quando Deus tem piedade, Ele age.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Instituição evangélica das férias! “Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco”. É a instituição evangélica das férias! De facto, a multidão era tão numerosa que os Apóstolos nem tinham tempo para comer. Deviam estar esgotados, tanto mais que regressavam do primeiro envio em missão, que não terá sido propriamente um tempo de repouso. Conhecemos a vida de Jesus, a sua missão, as grandes fadigas, as noites em oração, sem dormir, após um dia extenuante… Numa das travessias de barco, aproveita mesmo para repousar um pouco e dormir… Assim, Ele sabe estar atento à fadiga dos seus companheiros. Convida-os a respeitar também as exigências da natureza corporal, a ter um pouco de repouso. E nós, hoje? Sabemos bem que as férias não são um luxo, se corresponderem àquilo para que existem: precisamente para respeitar a nossa natureza humana, que exige tempos de relaxe, de recuperação, não apenas física mas também intelectual e espiritual. As férias não são um tempo de ócio, mas de “re-criação”, para retomar energias. Sabemos que há ainda muitos homens, mulheres e crianças que são explorados como vulgares máquinas para produzir. Isso não é respeitar a vontade criadora de Deus. O Evangelho de hoje, que cai bem em período de férias, recorda-nos isso de modo muito oportuno. Isso é também válido para os servidores do Evangelho! Os Apóstolos diminuem, as funções pastorais aumentam… a fadiga também. Cabe a cada um tirar as devidas consequências evangélicas!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Com o Salmo 22… Como no Evangelho, temos de necessidade de nos afastar, de tomar alguma distância em relação à nossa vida trepidante, para repousarmos… Mas, de facto, sabemos repousar? Sem televisão, sem leitor de CD e DVD, sem Internet, sem vídeo, sem barulhos de todas as espécies, sem telemóvel? Ousamos encontrar-nos no silêncio, face a nós mesmos, face a Deus? Este momento que passarmos, só com Deus, pode ser, antes de mais, um tempo de silêncio para nos colocarmos na sua presença, seguindo-se um tempo de oração lenta e intensa do Salmo 22…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 17º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    17º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    28 de Julho, 2024

    ANO B

    17.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 17.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 17.º domingo Comum dá-nos conta da preocupação de Deus em saciar a “fome” de todos os seus filhos e filhas. Convida-nos a ver os bens que Deus põe à nossa disposição como dons para todos; propõe que abramos os nossos corações à partilha, à fraternidade, à responsabilidade pela “fome” dos nossos irmãos.

    Na primeira leitura, o profeta Eliseu manda distribuir pelas pessoas que o rodeiam os pães que lhe foram oferecidos. O “profeta” é um sinal vivo de Deus no mundo dos homens. O seu gesto é uma lição de Deus: ensina a partilha, a generosidade, a solidariedade.

    No Evangelho, Jesus oferece aos discípulos e à multidão o “sinal” da multiplicação dos pães e dos peixes. O seu gesto “abre os olhos” dos discípulos e fá-los perceber que só a lógica da partilha, da gratuidade, do dom generoso, do serviço humilde podem multiplicar o “pão” que sacia a “fome” do mundo. É esta lógica que permite passar da escravidão dos bens à liberdade do amor; é esta lógica que fará nascer um mundo mais humano, mais solidário, mais fraterno.

    Na segunda leitura, Paulo lembra aos crentes algumas exigências da vida cristã. Recomenda-lhes, especialmente, a humildade, a mansidão e a paciência: são atitudes que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência, de preconceito em relação aos irmãos.

     

    LEITURA I – 2 Reis 4,42-44

    Naqueles dias,
    veio um homem da povoação de Baal-Salisa
    e trouxe a Eliseu, o homem de Deus,
    pão feito com os primeiros frutos da colheita.
    Eram vinte pães de cevada e trigo novo no seu alforge.
    Eliseu disse: «Dá-os a comer a essa gente».
    O servo respondeu:
    «Como posso com isto dar de comer a cem pessoas?»
    Eliseu insistiu:
    «Dá-os a comer a essa gente,
    porque assim fala o Senhor:
    ‘Comerão e ainda há de sobrar’».
    Deu-lhos e eles comeram,
    e ainda sobrou, segundo a palavra do Senhor.

     

    CONTEXTO

    As tradições proféticas sobre Elias e Eliseu (os “ciclos” de Elias e Eliseu) ocupam um espaço significativo no Livro dos Reis (cf. 1 Re 17,1-21,29; 2 Re 1,1-13,21). Referem-se a um período bastante conturbado – quer em termos políticos, quer em termos religiosos – da vida do Reino do Norte (Israel). Elias exerce a sua missão profética durante os reinados de Acab (874-853 a.C.) e de Acazias (853-852 a.C.); Eliseu dá o seu testemunho profético durante os reinados de Jorão (853-842 a.C.), de Jeú (842-813 a.C.) e de Joacaz (813-797 a.C.).

    Os reis de Israel, com a mira no desenvolvimento e na viabilidade do reino, procuraram estabelecer relações comerciais, económicas, políticas e militares com os povos circunvizinhos. Essa abertura de fronteiras teve, no entanto, os seus custos no que diz respeito à vivência religiosa, uma vez que os cultos aos deuses estrangeiros, com entrada livre no país, começaram a ocupar um lugar significativo na vida e no coração dos israelitas. É uma época de sincretismo religioso, em que a religião javista é, com a complacência e até com o apoio declarado dos reis de Israel, preterida em favor dos cultos de Baal e de Astarte. Em termos sociais, é uma época de instabilidade social e política, em que se multiplicam as injustiças contra os pobres e as arbitrariedades contra os fracos. Os israelitas fiéis viam em tudo isto um quadro de graves infidelidades contra Deus e contra a Aliança.

    É contra este “mundo” que se levantam as vozes proféticas de Elias e de Eliseu. Elias aparece como o representante desses israelitas fiéis aos valores religiosos tradicionais, que recusavam a coexistência de Javé e de Baal no horizonte da fé de Israel; e a luta de Elias será continuada por um dos seus discípulos – Eliseu.

    Parece que Eliseu – o ator principal da primeira leitura deste décimo sétimo domingo comum – fazia parte de uma comunidade de “filhos de profetas” (os “benê nebi’im” – 2 Re 2,3; 4,1). Trata-se de uma comunidade de homens que viviam pobremente (2 Re 4,1-7) e que eram os seguidores incondicionais de Javé. Encontramo-los em algumas localidades do reino de Israel, talvez em ligação com alguns santuários locais, como Betel, Jericó ou Guilgal. O Povo consultava-os regularmente e buscava neles apoio face aos abusos dos poderosos. Eliseu é apresentado muitas vezes, nas histórias narradas no “ciclo de Eliseu” (cf. 2 Re 2; 3,4-27; 4,1-8,15; 9,1-10; 13,14-21), como um profeta “dos milagres”, cujas ações poderosas mostram a presença da força e da vida de Deus no meio do seu Povo. Outras vezes, Eliseu é o profeta da intervenção política; a sua ação neste campo ultrapassa mesmo as fronteiras físicas de Israel e chega a Damasco (cf. 2 Re 8,7-15).

    O cenário do episódio da primeira leitura deste décimo sétimo domingo comum é, provavelmente, Guilgal, o santuário situado a leste de Jericó onde tinha sido erguido um monumento de pedra para comemorar a passagem do rio Jordão pelos israelitas quando entraram na Terra Prometida (Jos 4,20). Havia em Guilgal uma comunidade de “filhos de profetas” que Eliseu costumava visitar (cf. 2 Re 4,38).

     

    MENSAGEM

    O texto narra como um homem de Baal-Shalisha (localidade situada perto do santuário de Guilgal) trouxe a Eliseu o “pão das primícias”: vinte pães de cevada e trigo novo. Os pães das primícias eram pães feitos com a farinha dos primeiros frutos da colheita, que deviam ser apresentados e consagrados a Deus. Depois, revertiam em benefício dos sacerdotes. Deve ser este costume que está subjacente ao episódio da entrega dos pães de cevada e trigo novo a Eliseu.

    Eliseu, no entanto, não conservou estes dons para si, mas mandou reparti-los pelas pessoas que o rodeavam, provavelmente os “filhos dos profetas” que estavam em Guilgal. O “servo” do profeta não acreditava que os vinte pães oferecidos chegassem para saciar cem pessoas; no entanto, chegaram e ainda sobraram.

    O mais significativo, neste episódio, é a sucessão de gestos que revelam generosidade e vontade de partilhar: do homem que leva os dons ao profeta e do profeta que não os guarda para si, mas os manda partilhar com as pessoas que o rodeiam. A descrição de uma milagrosa multiplicação de pães de cevada e de trigo novo sugere que, quando o homem é capaz de sair do seu egoísmo e tem disponibilidade para partilhar os dons recebidos de Deus, esses dons chegam para todos e ainda sobram. A generosidade, a partilha, a solidariedade, não empobrecem, mas são geradoras de Vida e de Vida em abundância.

    Este relato fornecerá aos autores neotestamentários o modelo literário em que se inspirarão para apresentar os relatos evangélicos das multiplicações dos pães (cf. Mc 6,34-44; 8,1-10; Mt 14,13-21; 15,32-38; Lc 9,10-17).

     

    INTERPELAÇÕES

    • O “profeta” é o rosto de Deus no mundo. Ele fala e age em nome de Deus; ele “diz”, com as suas palavras e com os seus gestos, como é que Deus encara as dificuldades e as vicissitudes dos seus filhos que caminham pela terra. Assim, ao repartir com os seus irmãos famintos o pão que lhe tinha sido dado, Eliseu não está simplesmente, por sua iniciativa, a fazer um gesto gratuito de bondade; mas está a dizer solenemente – com a linguagem dos gestos, que é ainda mais expressiva do que a linguagem das palavras – que Deus não fica indiferente quando os seus filhos e filhas estão com “fome”: fome de pão, fome de amor, fome de liberdade, fome de justiça, fome de dignidade, fome de paz, fome de realização plena, fome de esperança. Que sentimos quando ouvimos alguém dizer que Deus abandonou os homens à sua sorte e não quer saber da “fome” dos seus filhos? Como é que nós próprios entendemos e avaliamos a preocupação de Deus com os seus filhos que caminham pela história?
    • Como é que Deus atua para saciar a fome de vida dos homens? É fazendo chover do céu, milagrosamente, o “pão” de que o homem necessita? A primeira leitura deste domingo sugere que Deus atua de forma mais simples e mais normal… É através da generosidade e da partilha dos homens (primeiro do homem que decide oferecer o fruto do seu trabalho; depois, do profeta que manda distribuir o alimento) que o “pão” chega aos necessitados. Normalmente, Deus serve-Se dos homens para intervir no mundo e para fazer chegar ao mundo os seus dons. Muitas vezes sonhamos com gestos espetaculares de Deus e vivemos de olhos fixos no céu à espera que Deus Se digne intervir no mundo; e acabamos por não perceber que Deus já veio ao nosso encontro e que Ele Se manifesta na ação generosa de tantos homens e mulheres que praticam, sem publicidade, gestos de partilha, de solidariedade, de generosidade, de doação, de entrega. É preciso que aprendamos a detetar a presença e o amor de Deus nesses gestos simples que todos os dias testemunhamos e que ajudam a construir um mundo mais justo, mais fraterno e mais solidário. Temos consciência de que é através de nós, seus profetas, que Deus sacia a “fome” do mundo?
    • O gesto de partilha de Eliseu é um manifesto contra o egoísmo, contra o açambarcamento, contra a ganância, contra o fechamento em si próprio. Diz-nos que a partilha nunca empobrece, mas multiplica infinitamente os dons que Deus põe à nossa disposição. É um gesto que anuncia um mundo novo, um mundo transformado, um mundo solidário, um mundo construído ao estilo de Deus, um mundo onde todos os filhos e filhas de Deus têm lugar à mesa da Vida e da esperança. Acreditamos nesse mundo e estamos genuinamente apostados em construí-lo? Quando somos chamados a fazer opções – inclusive políticas e ideológicas – temos em conta o projeto de Deus para o mundo?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144 (145)

    Refrão: Abris, Senhor, as vossas mãos e saciais a nossa fome.

    Graças Vos deem, Senhor, todas as criaturas
    e bendigam-Vos os vossos fiéis.
    Proclamem a glória do vosso reino
    e anunciem os vossos feitos gloriosos.

    Todos têm os olhos postos em Vós,
    e a seu tempo lhes dais o alimento.
    Abris as vossas mãos
    e todos saciais generosamente.

    O Senhor é justo em todos os seus caminhos
    e perfeito em todas as suas obras.
    O Senhor está perto de quantos O invocam,
    de quantos O invocam em verdade.

     

    LEITURA II – Efésios 4,1-6

    Irmãos:
    Eu, prisioneiro pela causa do Senhor,
    recomendo-vos que vos comporteis
    segundo a maneira de viver a que fostes chamados:
    procedei com toda a humildade, mansidão e paciência;
    suportai-vos uns aos outros com caridade;
    empenhai-vos em manter a unidade de espírito
    pelo vínculo da paz.
    Há um só Corpo e um só Espírito,
    como existe uma só esperança na vida a que fostes chamados.
    Há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo.
    Há um só Deus e Pai de todos,
    que está acima de todos, atua em todos
    e em todos Se encontra.

     

    CONTEXTO

    Éfeso, antiga capital da província romana da Ásia, era, nos tempos apostólicos, um dos principais centros comerciais e culturais do Mediterrâneo. Estava situada na costa oeste da Ásia Menor, junto da foz do rio Cayster, ao lado da moderna Selçuk (Turquia). A sua população rondava os 250.000 habitantes. Chegou a ser a segunda maior cidade do Império Romano, logo a seguir a Roma. As suas escolas filosóficas eram famosas em todo o Império. A vida religiosa da cidade girava muito à volta do culto a Ártemis, cujo templo era considerado umas das sete maravilhas do mundo antigo.

    Paulo contactou a comunidade cristã de Éfeso durante a sua terceira viagem missionária e acabou por permanecer na cidade durante cerca de dois anos (cf. At 19,1-40). Aí desenvolveu um meritório trabalho apostólico, do qual resultou uma Igreja viva, fervorosa e comprometida.

    A Carta aos Efésios é considerada uma “carta de cativeiro”, escrita por Paulo na altura em que estava na prisão (discute-se se em Cesareia Marítima, se em Roma, ou em qualquer outro lugar). No entanto, alguns biblistas consideram que a carta não foi escrita por Paulo. Há uma forte hipótese de ser uma “carta circular”, não dirigida especificamente à comunidade cristã de Éfeso, mas antes a um conjunto de comunidades da zona ocidental da Ásia Menor.

    Seja como for, a Carta aos Efésios é um texto bem trabalhado, que apresenta uma catequese sólida e bem elaborada. Poderia ser um texto da fase “madura” de Paulo. Muitos consideram que a Carta aos Efésios é uma espécie de síntese do pensamento paulino.

    O texto que nos é proposto como segunda leitura neste décimo sétimo domingo comum é o início da parte moral e parenética da carta (cf. Ef 4,1-6,20). Temos, nesses três capítulos, uma espécie de “exortação aos batizados”, na qual Paulo reflete longamente sobre a edificação e o crescimento do “Corpo de Cristo” (a Igreja). Em termos sempre bastante concretos, Paulo dá pistas aos cristãos acerca da forma como eles devem viver os seus compromissos com Cristo, de maneira a serem “Homens Novos”, homens que vivem a partir do dinamismo do Espírito.

     

    MENSAGEM

    O autor da carta começa por fazer uma referência ao facto de estar preso “pela causa do Senhor” (vers. 1). Essa condição dá uma autoridade especial às suas recomendações: o que ele vai dizer são palavras de alguém que leva tão a sério a proposta de Jesus, que é capaz de sofrer e de arriscar a vida por ela.

    Os cristãos de Éfeso – como os cristãos de todos os tempos e lugares – receberam um “chamamento” (“klesis”) de Deus. Ao responder positivamente a esse chamamento, eles passaram a integrar a Igreja (“ek-klesia”) de Jesus, a comunidade dos chamados. Essa condição exige, desde logo, que eles vivam unidos em Cristo.

    De uma forma muito prática, o autor da carta refere uma série de comportamentos e de atitudes que são condição necessária para que essa unidade em Cristo se torne efetiva (vers. 2-3). Refere em primeiro lugar a humildade, pois só ela permite superar o egoísmo, o orgulho, a arrogância, a autossuficiência, que afastam os irmãos e que erguem entre eles barreiras de separação; refere depois a mansidão, irmã da humildade, a qualidade que facilita a convivência e abre as portas à comunhão; refere também a paciência, que permite ser tolerante e compreensivo para com as falhas dos irmãos e que ajuda a entender e aceitar as diferentes maneiras de ser e de agir. Pede, ainda, que os irmãos se preocupem uns com os outros, apoiando-se, ajudando-se e cuidando-se mutuamente. Trata-se, em resumo, de viver o mandamento do amor, como Cristo recomendou aos seus discípulos. Aqueles que são “chamados” a integrar a comunidade de Jesus devem dar testemunho de unidade e de comunhão.

    Para reforçar ainda mais a obrigatoriedade da unidade dos crentes, o autor da carta menciona os fundamentos dessa unidade: “há um só Corpo e um só Espírito, como existe uma só esperança” na vida a que todos os crentes foram chamados; “há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo; há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, atua em todos e em todos se encontra” (vers. 4-6). A menção do Pai, do Filho e do Espírito, neste contexto, sugere que a Trindade é a fonte última e o modelo da unidade que os cristãos devem viver, na sua experiência de caminhada comunitária.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A lógica do autor da Carta aos Efésios é irrebatível: a comunidade nascida de Jesus não pode viver de outra forma senão na unidade e na comunhão. Os membros da comunidade cristã têm o mesmo Pai (Deus), têm um projeto comum (o projeto de Jesus), têm o mesmo objetivo (fazer parte da família de Deus e encontrar a Vida em plenitude), caminham na mesma direção animados pelo mesmo Espírito, têm a mesma missão (dar testemunho no mundo do projeto de amor que Deus tem para os homens). Só vivendo unidos eles podem dar um testemunho coerente de Cristo e do mandamento do amor. No entanto, não é raro encontrarmos comunidades cristãs feridas por divisões, rivalidades, invejas, ciúmes, divergências inconciliáveis, jogos de influência… Quando isso acontece é porque os membros da comunidade ainda não descobriram os fundamentos da sua fé. Como é que as comunidades cristãs de que fazemos parte vivem o sagrado “sacramento” da unidade e da comunhão? O nosso envolvimento comunitário ajuda a consolidar a unidade e a comunhão, ou é fator de divisão e de conflito?
    • Para que a unidade seja possível, Paulo recomenda aos destinatários da Carta aos Efésios a humildade, a mansidão e a paciência. São atitudes que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência, de preconceito em relação aos irmãos. Como é que eu me situo face aos outros? A minha relação com os irmãos é marcada pelo egoísmo ou pela disponibilidade para acolher, servir e partilhar? Procuro estar atento às necessidades dos outros e ir ao encontro de cada irmão ou irmã que necessita de mim, ou levanto muros de orgulho e de autossuficiência que impedem a comunicação, a relação, a comunhão? Estou aberto às diferenças e disposto a dialogar, ou vivo entrincheirado nos meus preconceitos, catalogando e marginalizando aqueles que não concordam comigo?
    • A Igreja é uma unidade; mas é também uma comunidade de pessoas muito diferentes, em termos de raça, de cultura, de língua, de condição social ou económica, de maneiras de ser e de ver a vida… As diferenças legítimas nunca devem ser vistas como algo negativo, mas como uma riqueza para a vida da comunidade; não devem levar ao conflito e à divisão, mas a uma unidade cada vez mais estreita, construída no respeito e na tolerância. A diversidade é um valor, que não pode nem deve anular a unidade e o amor dos irmãos. Como é que lidamos com as diferenças e as “originalidades” dos irmãos que caminham connosco? Vemo-las como algo que nos enriquece a todos, ou como ameaças à nossa “ordem” e aos nossos esquemas pessoais?

     

    ALELUIA – Lucas 7,17

    Aleluia. Aleluia.

    Apareceu entre nós um grande profeta:
    Deus visitou o seu povo.

     

    EVANGELHO – João 6,1-5

    Naquele tempo,
    Jesus partiu para o outro lado do mar da Galileia,
    ou de Tiberíades.
    Seguia-O numerosa multidão,
    por ver os milagres que Ele realizava nos doentes.
    Jesus subiu a um monte
    e sentou-Se aí com os seus discípulos.
    Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus.
    Erguendo os olhos
    e vendo que uma grande multidão vinha ao seu encontro,
    Jesus disse a Filipe:
    «Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?»
    Dizia isto para o experimentar,
    pois Ele bem sabia o que ia fazer.
    Respondeu-Lhe Filipe:
    «Duzentos denários de pão não chegam
    para dar um bocadinho a cada um».
    Disse-Lhe um dos discípulos, André, irmão de Simão Pedro:
    «Está aqui um rapazito
    que tem cinco pães de cevada e dois peixes.
    Mas que é isso para tanta gente?»
    Jesus respondeu: «Mandai sentar essa gente».
    Havia muita erva naquele lugar
    e os homens sentaram-se em número de uns cinco mil.
    Então, Jesus tomou os pães, deu graças
    e distribuiu-os aos que estavam sentados,
    fazendo o mesmo com os peixes;
    E comeram quanto quiseram.
    Quando ficaram saciados,
    Jesus disse aos discípulos:
    «Recolhei os bocados que sobraram,
    para que nada se perca».
    Recolheram-nos e encheram doze cestos
    com os bocados dos cinco pães de cevada
    que sobraram aos que tinham comido.
    Quando viram o milagre que Jesus fizera,
    aqueles homens começaram a dizer:
    «Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao mundo».
    Mas Jesus, sabendo que viriam buscá-l’O para O fazerem rei,
    retirou-Se novamente, sozinho, para o monte.

     

    CONTEXTO

    A liturgia propõe-nos hoje – e durante os próximos domingos – a leitura do capítulo 6 do Evangelho segundo João. O texto integra uma parte do Quarto Evangelho que alguns biblistas designam como o “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56). Nesse “livro”, a partir de alguns símbolos com um especial poder evocador (a “água” – cf. Jo 4,1-5,47; o “pão” – cf. Jo 6,1-71; a “luz” – cf. Jo 8,12-9,41; o “pastor” – cf. Jo 10,1-42; a “ressurreição” – cf. Jo 11,1-56), são-nos propostas diversas catequeses que definem Jesus como aquele que veio de Deus para recriar, dar Vida, fazer nascer uma humanidade nova.

    No centro da catequese que o capítulo 6 nos apresenta, está um desses símbolos: o pão. O pão era, no mundo bíblico, o elemento básico na alimentação de todos os dias. O homem bíblico não podia viver sem pão. Muitas vezes era mesmo o único alimento disponível, especialmente para os pobres. Pão era vida. Ora, esse alimento fundamental para viver era considerado um dom de Deus. Por isso, pedia-se continuamente a Deus que desse ao seu Povo o pão necessário para a subsistência de cada dia (cf. Mt 6,11). “Ter pão” era gozar do favor de Deus; “ter pão” era receber Vida de Deus. O pão acabou mesmo por ser considerado o símbolo por excelência de todos os dons de Deus. Via-se a época escatológica que havia de chegar como o tempo em que Deus ofereceria ao seu Povo um pão abundante, nutritivo e saboroso (cf. Is 30,23), o “pão da Vida” definitiva. Por outro lado, o pão era para ser partilhado. “Partilhar o pão” era reunir outras pessoas à mesa familiar; “partilhar o pão” com alguém era estabelecer laços íntimos, laços familiares com essa pessoa; partilhar o pão era criar comunidade, uma comunidade unida por laços fraternos. Tudo isto está subjacente à catequese sobre Jesus como “Pão da Vida” que este capítulo nos apresenta.

    O cenário do episódio que o Evangelho deste décimo sétimo domingo comum nos apresenta situa-nos “na outra margem” do Lago de Tiberíades, no cimo de um monte não identificado (no capítulo anterior, Jesus estava em Jerusalém, no centro da instituição judaica; agora, sem transição, aparece na Galileia). A tradição cristã considera que essa “outra margem” não seria o lado oriental do lago, mas sim a zona de Tabga, não longe de Cafarnaum. Em termos cronológicos, João nota que estava perto a Páscoa, a festa mais importante do calendário religioso judaico, que celebrava a libertação do Povo de Deus da opressão do Egipto. É possível que a referência à Páscoa funcione, nesta catequese joânica, como um convite a que o leitor entenda a narração como figura da Páscoa e da instituição da eucaristia.

     

    MENSAGEM

    Uma leitura do texto que nos é proposto mostra alguns interessantes paralelos entre a cena da multiplicação dos pães e a libertação do Povo de Deus da escravidão do Egipto, com Jesus no papel de Moisés, o libertador. O facto dá-nos, logo à partida, uma possível chave de leitura para entender esta catequese: o evangelista João quer apresentar a ação de Jesus como uma ação que visa libertar da escravidão o novo Povo de Deus e conduzi-lo à Vida nova.

    Começa-se com uma referência à “passagem do mar” (que, na realidade, é um lago), até à “outra margem” (vers. 1); essa referência pode aludir à passagem do Mar Vermelho por Moisés com o Povo libertado do Egipto (cf. Ex 14,15-31). O objetivo final de Jesus é, portanto, fazer o Povo que o acompanha passar da terra da escravidão para a terra da liberdade (a “outra margem”).

    Como aconteceu com Moisés, com Jesus vai uma grande multidão. A multidão que acompanha Jesus pretende “ver os milagres que Ele realizava nos doentes” (vers. 2). O termo grego aqui utilizado (“asthenês” – “enfermos”) designa, em geral, alguém que está numa situação de grande debilidade. A multidão segue Jesus, pois quer ver os sinais que Ele faz e que representam a libertação do homem da sua debilidade e fragilidade. Aquele povo que vai atrás de Jesus “para a outra margem” é um Povo marcado pela opressão, que quer experimentar a libertação. Aquelas pessoas já perceberam que só Jesus conseguirá ajudá-los a superar a sua condição de miséria e de escravidão.

    Chegados à outra margem, Jesus subiu a “um monte e sentou-se lá com os discípulos” (vers. 3). A referência ao “monte” evoca a Aliança do Sinai e o monte onde Deus ofereceu ao Povo, através de Moisés, os mandamentos. Dizer que Jesus subiu ao “monte” significa dizer que é através de Jesus que se vai realizar a nova Aliança entre Deus e esse Povo de gente livre que, com Jesus, “atravessou o mar” em direção à terra da liberdade.

    A referência à Páscoa que estava próxima (vers. 4) seria uma referência inútil, se não estivéssemos no contexto da libertação do Povo da escravidão. Para os contemporâneos de Jesus, a Páscoa era a festa da libertação e da constituição do Povo de Deus; mas era também a festa que anunciava o tempo futuro em que o Messias ia libertar definitivamente o Povo de Deus. Pela Páscoa o Povo devia subir a Jerusalém para, no “monte” do Templo, celebrar a libertação; mas João põe a multidão a ir atrás de Jesus para um outro “monte”, do outro lado do mar… Esse Povo começa, pela palavra e pela ação de Jesus, a libertar-se do jugo das instituições judaicas e a perceber que é em Jesus que se vão inaugurar os tempos novos da liberdade e da paz.

    A multidão que segue Jesus tem fome e não tem que comer (vers. 5-6). A referência leva-nos, outra vez, ao Êxodo, ao deserto, quando o Povo que caminhava para a terra da liberdade sentiu fome. Então, foi Deus que respondeu à necessidade do Povo e lhe deu comida em abundância; aqui, é Jesus que Se apercebe da fome da multidão e procura dar-lhe resposta. Ele mostra, assim, o rosto do Deus do amor e da bondade, sempre atento às necessidades dos seus filhos.

    Na procura de respostas para a fome daquela gente, Jesus envolve o grupo dos seus discípulos (“onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?” – vers. 5): os membros da comunidade de Jesus não podem passar ao lado das multidões esfomeadas como se isso não lhes dissesse respeito; mas devem sentir-se responsáveis pela “fome” dos homens e assumirem a missão de saciar essa “fome”.

    Ao envolver os discípulos nesta questão, Jesus convida-os a sugerirem possíveis soluções. O evangelista João esclarece que Jesus queria “experimentá-los” (vers. 6), talvez para descobrir se eles já tinham interiorizado os valores do Reino de Deus. O problema pode ser posto da seguinte forma: como é que a comunidade dos discípulos – formados na escola e nos valores de Jesus – pretende responder à fome do mundo? É recorrendo ao sistema económico vigente, que se baseia no egoísmo e no poder do dinheiro e coloca os bens nas mãos de poucos, gerando uma lógica de opressão, de dependência e de necessidade? Será este o sistema desse mundo novo e livre que Jesus deseja instituir? Os discípulos de Jesus alinham com esse sistema opressor, baseado na compra, na venda e no lucro, ou já perceberam que Jesus tem uma proposta nova a fazer, geradora de libertação e de Vida em abundância para todos?

    Filipe, em nome de todos os discípulos, constata a impossibilidade de resolver o problema, dentro do quadro económico vigente: “duzentos denários não bastariam para dar um pedaço a cada um” (vers. 7). Um denário equivalia ao salário base de um dia de trabalho; assim, nem o dinheiro de mais de meio ano de trabalho daria para resolver o problema. Por outras palavras: confiando no sistema instituído (o da compra e venda, que supõe o sistema económico regido pelo lucro egoísta), é impossível resolver o problema da necessidade dos esfomeados.

    André, porém, vislumbra uma solução diferente (vers. 8-9). Este apóstolo representa, entre os discípulos, aqueles que aderiram a Jesus de forma convicta, que têm uma grande intimidade com Jesus e que, portanto, estão mais conscientes das propostas de Jesus. Ele refere alguém – “um menino” – que pode fornecer uma solução diferente. No entanto, André não está muito convicto dos resultados (“o que é isso para tanta gente?”). Seria bom – considera André – encontrar outro sistema diferente do sistema explorador; mas isso resolverá a questão da “fome” que faz sofrer tantos necessitados? Jesus vai, precisamente, provar que é possível encontrar outro sistema que reparta vida e que elimine a lógica egoísta da exploração.

    A figura do “menino” – que apenas aparece na cena da multiplicação dos pães na versão de João – é uma figura desnecessária do ponto de vista da narração: para o resultado final, tanto dava que o possuidor dos pães e dos peixes fosse uma criança ou um adulto. Sendo assim, porque é que João insiste em falar de uma criança? Quer pela idade, quer pela condição, aquele “menino” é um “débil”, física e socialmente. Representa a debilidade da comunidade de Jesus face às enormes carências do mundo. A palavra grega utilizada por João para falar da criança (“paidárion”) indica simultaneamente um “menino” e um “servo”: a comunidade, representada nesse “menino”, apresenta-se diante do mundo como um grupo socialmente humilde, sem pretensão alguma de poder e de domínio, dedicada ao serviço dos homens. É essa comunidade simples e humilde, vocacionada para o serviço, que é chamada a resolver a questão da necessidade dos pobres e a instaurar um novo sistema libertador. Qual é esse sistema?

    Os números “cinco” (“pães”) e “dois” (“peixes”), também não aparecem por acaso: a sua soma dá “sete” – o número que significa totalidade. Ou seja: é na partilha da totalidade do que a comunidade possui que se responde à carência dos homens. É uma totalidade fracionada e diversificada; mas que, posta ao serviço dos irmãos, sacia a fome do mundo.

    Sobre os alimentos disponibilizados pela comunidade, Jesus pronuncia uma “ação de graças” (vers. 11). O “dar graças” significa reconhecer que os bens são dons que vêm de Deus. Ora, reconhecer que os bens vêm de Deus significa desvinculá-los do seu possessor humano, para reconhecer que eles são um dom gratuito que Deus oferece aos homens; e Deus não oferece a uns e não a outros. “Dar graças” é, portanto, reconhecer que os bens recebidos pertencem a todos e que quem os possui é apenas um administrador encarregado de os pôr à disposição de todos, com a mesma gratuidade com que os recebeu. Os bens são, assim, libertos da posse exclusiva de alguns, para serem dom de Deus para todos os homens. É este o sistema que Deus quer instaurar no mundo; e a comunidade cristã é chamada a testemunhar esta lógica.

    Uma vez saciada a fome do mundo, através desses bens que a comunidade recebeu de Deus e que pôs ao serviço de todos os homens, os discípulos são chamados a outras tarefas. Há sobras que não se podem perder, mas que devem ser o princípio de outras abundâncias. É preciso multiplicar incessantemente o amor e o pão… E a comunidade, uma vez percebido o projeto de Jesus, deve usar o que tem para continuar a oferecer a Vida aos homens. A referência aos doze cestos recolhidos pelos discípulos pode ser uma alusão a Israel (as doze tribos): se a comunidade dos discípulos souber partilhar aquilo que recebeu de Deus, pode satisfazer a fome de toda a gente (vers. 12-13).

    Alguns dos que testemunharam a multiplicação dos pães e dos peixes têm consciência de que Jesus é o Messias que devia vir para dar ao seu Povo vida em abundância e querem fazê-lo rei (vers. 14-15). Jesus não aceita… Ele não veio resolver os problemas do mundo instaurando um sistema de autoridade e de poder; mas veio convidar os homens a viverem numa lógica de partilha e de solidariedade, que se faz dom e serviço humilde aos irmãos. É dessa forma que Ele se propõe – com a colaboração dos discípulos – eliminar o sistema opressor, responsável pela fome e pela miséria. O mundo novo que Jesus veio propor não assenta numa lógica de poder e autoridade, mas no serviço simples e humilde que leva a partilhar a vida com os irmãos.

    Frente ao sistema que se baseia no lucro e na exploração, Jesus propõe uma nova atitude: é necessário – diz Ele – substituir o egoísmo pelo amor e pela partilha fraterna. Quem quiser acompanhar Jesus neste caminho, passará seguramente da escravidão do lucro para a liberdade da partilha, do serviço, da solidariedade, do amor aos irmãos. O que resulta da proposta de Jesus é uma humanidade totalmente livre da escravidão dos bens: os necessitados tornam-se livres porque têm o necessário para viverem uma vida digna e humana; os que repartem libertam-se da lógica egoísta dos bens e da escravidão do dinheiro e descobrem a liberdade do amor e do serviço.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A preocupação de Jesus com a “fome” daquela multidão que O segue, sinaliza a preocupação de Deus em dar a todos os seus filhos e filhas Vida em abundância. É uma boa e bela notícia: Deus preocupa-se connosco, com a nossa carências e dificuldades, e está verdadeiramente empenhado em proporcionar-nos o “alimento” de que necessitamos para construirmos vidas com sentido. Estamos e estaremos sempre no coração de Deus; Ele encontrará sempre forma de vir ao nosso encontro para nos oferecer a sua Vida. Sabemos isto? Sentimo-nos acompanhados por Deus, mesmo quando nos parece que caminhamos de mãos e de coração vazio? Confiamos na bondade, no cuidado e no amor de Deus?
    • Apesar da generosidade de Deus, os dons que Ele coloca à nossa disposição nem sempre chegam à mesa de todos. Sabemos porquê: alguns homens e mulheres, por egoísmo e ganância, açambarcam os dons que pertencem a todos os filhos e filhas de Deus. Isso é subverter o projeto de Deus e condenar os irmãos a passar necessidades. Que sentimos em relação a isso? Temos consciência de que os nossos hábitos consumistas e esbanjadores podem estar a causar sofrimento e dificuldade aos irmãos que caminham ao nosso lado? A nossa preocupação excessiva com o nosso bem-estar não será uma injustiça que priva muitos dos nossos irmãos de dons de Deus que também lhes pertencem por direito?
    • O “pão” que Jesus faz distribuir à multidão faminta refere-se a algo mais do que o pão material que mata a nossa fome física. Aquelas pessoas que correm atrás de Jesus para saciar a sua “fome” são aqueles homens e mulheres que, todos os dias encontramos nos caminhos que percorremos e que, de alguma forma, estão privados daquilo que é necessário para viver uma vida digna… Os “que têm fome” são os que são explorados e injustiçados e que não conseguem libertar-se; são os que vivem na solidão, sem família, sem amigos e sem amor; são os que têm que deixar a sua terra e enfrentar uma cultura, uma língua, um ambiente estranho para poderem oferecer condições de subsistência à sua família; são os marginalizados, abandonados, segregados por causa da cor da sua pele, por causa do seu estatuto social ou económico, ou por não terem acesso à educação e aos bens culturais de que a maioria desfruta; são as crianças que sofrem violência; são as vítimas da economia global, cuja vida dança ao sabor dos interesses das multinacionais; são os que são espezinhados pelos interesses dos grandes do mundo… Que outras “fomes” conhecemos e que poderíamos acrescentar a esta lista?
    • Jesus dirige-Se aos seus discípulos e diz-lhes, referindo-se à multidão faminta: “dai-lhes vós mesmos de comer”. Fica assim clara a responsabilidade dos discípulos de Jesus em saciar a “fome” do mundo e em repartir o “pão” que mata a fome de vida, de justiça, de liberdade, de esperança, de felicidade de que os homens sofrem. Depois disto, nenhum discípulo de Jesus pode olhar tranquilamente os seus irmãos com “fome” e dizer que isso não lhe diz respeito; depois dasquelas palavras de Jesus, o egocentrismo e a autossuficiência deixaram de ser opção para todos aqueles que se comprometeram a construir o Reino de Deus… Como é que nos situamos em relação aos nossos irmãos vítimas do sofrimento, da maldade, da injustiça, da indiferença? Estamos conscientes de que a “fome” que faz sofrer os nossos irmãos também é um problema que nos diz respeito?
    • Os discípulos, questionados por Jesus, constatam que, recorrendo ao sistema económico vigente, é impossível responder à “fome” dos necessitados. O sistema capitalista vigente – que, quando muito, distribui a conta gotas migalhas da riqueza para adormecer a revolta dos explorados – será sempre um sistema que se apoia na lógica egoísta do lucro e que só cria mais opressão, mais dependência, mais necessidade. Não chega criar melhores programas de assistência social ou programas de rendimento mínimo garantido, ou outros sistemas que apenas perpetuam a injustiça e a dependência… Jesus propõe algo de realmente diferente: propõe uma lógica de partilha solidária. Os discípulos de Jesus são convidados a reconhecer que os bens são um dom de Deus para todos os homens e que pertencem a todos; são convidados a quebrar a lógica do açambarcamento egoísta dos bens e a pôr os dons de Deus ao serviço de todos. Como resultado, não se obtém apenas a saciedade dos que têm fome, mas um novo relacionamento fraterno entre quem dá e quem recebe, feito de reconhecimento e harmonia, que enriquece ambos e é o pressuposto de uma nova ordem, de um novo relacionamento entre os homens. Para nós, esta proposta faz sentido? Estamos disponíveis para a acolher e implementar na nossa vida e no nosso mundo?
    • No seu serviço aos “famintos”, os discípulos de Jesus nunca deverão apresentar-se com arrogância ou com tiques de superioridade; e nunca deverão usar a “caridade” para servir os seus interesses ou os seus projetos pessoais. Deverão agir com humildade e simplicidade (a “criança” do Evangelho), apenas preocupados em servir os irmãos com “fome”. Como é que nos apresentamos diante dos irmãos que necessitam da nossa ajuda para saciar a sua “fome” de Vida? Com arrogância e superioridade, ou com humildade e amor?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 17.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 17.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Jesus não fecha os olhos diante dos homens: não somente vê a multidão, como se apercebe da sua fome. Antes de fazer o milagre, solicita a confiança dos seus apóstolos, esta confiança que Ele põe à prova. Então faz dois gestos: vira-se para Deus seu Pai, dando graças, e distribui o alimento. Que contraste gritante entre esta multidão que tem fome e o alimento que lhe vai ser oferecido, cinco pães e dois peixes. E ao mesmo tempo quanta abundância! Não somente a multidão está saciada, mas sobram doze cestos. É a prodigalidade do Amor: Deus ama infinitamente, e este sinal operado por Jesus anuncia não o poder de um rei, mas o dom de Deus a todos os homens. Não somente Jesus veio para o maior número, mas veio dar a vida em abundância. Este sinal anuncia um outro sinal. Depois de ter comido, a multidão, no dia seguinte, terá ainda fome. Mas o alimento que Cristo ressuscitado oferecerá aos homens será a sua vida, e aqueles que comerem este Pão de Vida jamais terão fome.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Jesus não cria pães e peixes a partir de nada. Cria a partir dos cinco pães e dois peixes do rapazito. A partir do pão dos pobres! Ao multiplicar os pães e os peixes, Jesus multiplica o dom do rapazito. Mas é ridículo alimentar uma multidão de cinco mil homens com tão pequena quantidade. Mas uma pequena quantidade pode ter um valor infinito. Jesus não olha como nós. O nosso olhar deve ser como o de Jesus. Quando damos amor, amizade, um pouco do nosso tempo ou simplesmente um sorriso, quando procuramos respeitar o outro, sem o julgar, quando fazemos um caminho de perdão… Jesus serve-Se desse pequeno pouco para construir connosco, pacientemente, dia após dia, o seu Reino.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Procuremos afastar-nos um pouco da vida frenética e stressante, procuremos ser menos inquietos e mais confiantes… Fiar-se mais no Senhor, dispor-se para responder às diversas missões e confiar tudo isso ao Senhor, para que Ele multiplique…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

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