Eventos Novembro 2024

  • Comemoração de Todos os fiéis Defuntos

    Comemoração de Todos os fiéis Defuntos


    2 de Novembro, 2024

    A Igreja, acolhendo uma tradição monástica que vem do século XI, dedica o dia 2 de Novembro à memória dos fiéis defuntos. Depois de ter celebrado a glória e a felicidade dos Santos, no dia 1 de Novembro, a Igreja dedica o dia 2 à oração de sufrágio pelos "irmãos que adormeceram na esperança da ressurreição". Assim fica perfeita a comunhão de todos os crentes em Cristo.
    Lectio
    Primeira leitura: Job 19, 1.23-27ª

    Job respondeu, dizendo: 2«Até quando afligireis a minha alma e me atormentareis com vãs palavras? 23Quem me dera que as minhas palavras se escrevessem e se consignassem num livro, 24ou gravadas em chumbo com estilete de ferro, ou se esculpissem na pedra para sempre! 25Eu sei que o meu redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra; 26e depois de a minha pele se desprender da carne, na minha própria carne verei a Deus. 27Eu mesmo o verei, os meus olhos e não outros o hão-de contemplar! As minhas entranhas consomem-se dentro de mim.

    Os amigos de Job tentam consolá-lo, recorrendo a uma sabedoria superficial, expressa em frases feitas e lugares comuns. É o que tantas vezes acontece quando pretendemos confortar alguém que sofre. As palavras de Job são muito diferentes. No meio do sofrimento, vendo-se às portas da morte e trespassado pela solidão, compreende que Deus é o seu redentor, aquele parente próximo que, segundo os costumes hebreus, deve comprometer-se a resgatar, à sua própria custa, ou a vingar, o seu familiar em caso de escravidão, de pobreza, de assassínio. Job sente Deus como o seu último e definitivo defensor, como alguém que está vivo e se compromete em favor do homem que morre, porque entre Deus e o homem há uma espécie de parentesco, um vínculo indissolúvel. Job afirma-o com vigor: os seus olhos contemplarão a Deus com a familiaridade de quem não é estranho à sua vida.
    Segunda leitura: Romanos 5, 5-11

    Irmãos: A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. 6De facto, quando ainda éramos fracos é que Cristo morreu pelos ímpios. 7Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa boa talvez alguém se atreva a morrer. 8Mas é assim que Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós. 9E agora que fomos justificados pelo seu sangue, com muito mais razão havemos de ser salvos da ira, por meio dele. 10Se, de facto, quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua vida. 11Mais ainda, também nos gloriamos em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem agora recebemos a reconciliação.

    O homem pode ter esperança diante da morte. Como intuiu Job, Deus é, de verdade, o nosso Redentor, porque nos ama. Empenhou-se em resgatar-nos da escravidão do pecado e da morte com o preço do sangue do seu Filho (vv. 6-9) e de modo absolutamente gratuito. De facto, nós éramos pecadores, ímpios, inimigos; mas o Senhor reconheceu-nos como "seus", e morreu por nós arrancando-nos à morte eterna. Acolhemos esta graça por meio do batismo, participando no mistério pascal de Cristo. A sua morte reconciliou-nos com o Pai, e a sua ressurreição permite-nos viver como salvos. Quebrando os laços do pecado, e deixando-nos guiar pelo Espírito derramado em nossos corações, atualizamos cada dia a graça do nosso novo nascimento.
    Evangelho: João 6, 37-40

    Naquele tempo, Jesus disse à multidão: Todos os que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, 38porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 39E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. 40Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.»

    O centro desta perícopa é a vontade de Deus, para a qual está totalmente voltada a missão de Jesus (v. 38). Essa vontade é um desígnio de vida e de salvação oferecido a todos os homens, pela mediação de Cristo, para que nenhum se perda (v. 39). O desígnio de Deus manifesta, pois, a sua ilimitada gratuidade e, ao mesmo tempo, a sua caridade atenta e cuidadosa por cada um de nós. Para acolhê-la, é preciso o livre consentimento da fé: que acredita no Filho tem, desde já, a vida eterna, porque adere Àquele que é a ressurreição e a vida, o único que pode levar-nos para além do intransponível limite da morte.
    Meditatio

    O silêncio é a melhor atitude perante a morte. Introduzindo-nos no diálogo da eternidade e revelando-nos a linguagem do amor, põe-nos em comunhão profunda com esse mistério imperscrutável. Há um laço muito forte entre os que deixaram de viver no espaço e no tempo e aqueles que ainda vivem neles. É verdade que o desaparecimento físico dos nossos entes queridos nos causa grande sofrimento, devido à intransponível distância que se estabelece entre eles e nós. Mas, pela fé e pela oração, podemos experimentar uma íntima comunhão com eles. Quando parece que nos deixam, é o momento em que se instalam mais solidamente na nossa vida, permanecem presentes, fazem parte da nossa interioridade. Encontramo-los na pátria que já levamos no coração, lá onde habita a Santíssima Trindade. Escreveu o Pe. Dehon: "Vivo muito com os meus mortos: os meus pais, amigos, antigos diretores, antigos alunos. Uma centena dos meus religiosos já partiu para junto do Bom Deus, entre eles, homens que muito trabalharam e rezaram... Saúdo-os todas as manhãs e todas as noites, com os meus padroeiros celestes" (NQT XLIV, 139).
    Paulo encoraja-nos a vivermos positivamente o mistério da morte, confrontando-nos com ela todos os dias, aceitando-a como lei de natureza e de graça, para sermos progressivamente despojados do que deve perecer até nos vermos milagrosamente transformados no que devemos ser. Deste modo, a "morte quotidiana" revela-se um nascimento: o lento declínio e o pôr-do-sol tornam-se aurora luminosa. Todos os sofrimentos, canseiras e tribulações da vida fazem parte desta "morte quotidiana" que nos levará à vida imortal. Havemos de viver fixando os olhos na bem-aventurada esperança, confiando na fidelidade do Senhor, que nos prometeu a eternidade. Vivendo assim, quando chegar ao termo desta vida, não veremos descer as trevas da noite, mas veremos erguer-se a aurora da eternidade, onde teremos a alegria de nos sentir uma só coisa com o Senhor. Depois de muitas tribulações, seremos completamente seus, e essa pertença será plena bem-aventurança na visão do seu rosto.
    Para o cristão, o sofrimento é um tempo de "disponibilidade pura", de "pura oblação" e, ao mesmo tempo, uma forma eminente de apostolado, em união a Cristo vítima, na comunhão dos santos, para salvação do mundo. Vivendo assim, prepara-se, assim, para o supremo ato de oblação, para o último apostolado, o da morte: configurados "a Cristo na morte" (Fil 3, 10) (Cf. Cst n. 69).Se a morte de Cristo na Cruz é o ato de apostolado mais eficaz, que remiu o mundo, o mesmo se pode dizer da morte do cristão em união com a morte de Cristo. Não se quer com isto dizer que, sob o ponto de vista humano, a morte do cristão deva ser uma "morte bonita", tal como não foi bonita, com certeza, a morte de Cristo aos olhos dos homens. Foi, pelo contrário, uma "liturgia esquálida", de abandono e de desolação. O importante é que seja uma morte "para Cristo e em Cristo" (S. Inácio de Antioquia, SC 10, 132). Imolados com Ele, com Ele ressuscitaremos.
    Se, na humildade do dia a dia, vivemos a nossa oblação-imolação com Cristo, oblato e imolado pela salvação do mundo, estamos preparados para o último apostolado da nossa vida: a oblação-imolação da nossa morte, o extremo sacrifício, consumado pelo fogo do Espírito, como aconteceu na morte de Cristo na cruz: "Por um Espírito eterno ofereceu a Si mesmo sem mancha, a Deus" (Heb 9, 14). A morte é, então, a nossa última oferta, o momento da suprema, pura oblação: "Se morrermos com Ele, com Ele viveremos" (2 Tm 2, 11).
    Oratio

    Senhor, quero hoje rezar-te por aqueles que desapareceram no mistério da morte. Dá o descanso àqueles que expiam, luz aos que esperam, paz aos que anseiam pelo teu infinito amor. Descansem em paz: na paz do porto seguro, na paz da meta alcançada, na tua paz, Senhor. Vivam no teu amor aqueles que amaste, aqueles que me amaram. Não esqueças o bem que me fizeram, o bem que fizeram a outros. Esquece tudo o mal que praticaram, risca-o do teu livro. Aos que passaram pela dor, àqueles que parecem ter sido imolados por um iníquo destino, revela, com o teu rosto, os segredos da tua justiça, os mistérios do teu amor. Concede-me aquela vida interior que permite comunicar com o mundo invisível em que se encontram os nossos defuntos: esse mundo fora do tempo e do espaço, esse mundo que não é lugar, mas estado, e mundo que não está longe de mim, mas à minha volta, esse mundo que não é de mortos, mas de vivos. Ámen.
    Contemplatio

    O amor ultrapassa o temor e a esperança. O amor não destrói o temor nem a esperança, mas retira-lhes o que o amor-próprio lhe pode misturar de visões mercenárias. O amor não conhece habitualmente outro temor senão o temor filiar, isto é, o medo de desagradar a um Pai bem-amado. Sendo filho do amor, este temor é de uma atenção e delicadeza totalmente diferentes do medo da justiça divina e dos seus castigos. Leva a evitar as mínimas faltas, as mais pequenas imperfeições voluntárias. Em vez de comprimir e de gelar o coração, alarga-o e aquece-o. Não causa nenhuma perturbação, nenhum alarme; e mesmo quando escapa alguma falta, reconduz docemente a alma ao seu Deus através de um arrependimento tranquilo e sincero. Procura acalmar-se e reparar abundantemente da mágoa que se lhe pôde causar. De resto, não se inquieta nem perde a confiança. O amor tira também à esperança o que ela tem de demasiado pessoal. Aquele que ama não sabe outra coisa senão contar com Deus, nem fazer boas obras principalmente com o objetivo de acumular méritos; e por este nobre desinteresse, merece incomparavelmente mais. Esquecendo tudo o que fez por Deus, não pensa noutra coisa senão em fazer ainda mais. Não se apoia sobre si mesmo; visa a recompensa celeste menos sob o título de recompensa do que como uma garantia de amar o seu Deus com todas as suas forças e de ser por Ele amado durante a eternidade. Sem excluir a esperança, que lhe é natural, considera a felicidade mais do lado do bom agrado do seu Deus e da sua glória que lhe pertence do que do lado do seu próprio interesse. E quando o amor está no seu ponto mais elevado de perfeição, estaria disposto a sacrificar a sua felicidade própria à vontade divina, se exigisse dele este sacrifício. Coloca a sua felicidade no cumprimento desta vontade. O coração dos Santos atingiu mesmo sobre a terra este grau de pureza. É a disposição dos bem-aventurados no céu. É preciso, portanto, que o amor seja purificado a este grau neste mundo, ou no outro pelas penas do purgatório. Há, portanto, que deliberar sobre esta escolha? E quando a via do amor não tivesse outra vantagem senão a de nos isentar do purgatório ou de lhe abreviar consideravelmente a duração, poderíeis hesitar em abraçá-la? (Leão Dehon, OSP 2, p. 16s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive a palavra:
    «Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso,
    entres os esplendores da luz perpétua.
    Fazei que descansem em paz.
    Ámen»

     

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    Comemoração de Todos os fiéis Defuntos (2 de Novembro)

  • XXXI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    4 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXXI Semana - Segunda-feira
    Lectio

    Primeira leitura: Filipenses 2, 1-4

    Irmãos: 1Se tem algum valor uma exortação em nome de Cristo, ou um conforto afectuoso, ou uma solidariedade no Espírito, ou algum afecto e compaixão, 2então fazei com que seja completa a minha alegria: procurai ter os mesmos sentimentos, assumindo o mesmo amor, unidos numa só alma, tendo um só sentimento; 3nada façais por ambição, nem por vaidade; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós próprios, 4não tendo cada um em mira os próprios interesses, mas todos e cada um exactamente os interesses dos outros.

    Depois de exortar os Filipenses a comportar-se de modo digno do Evangelho, e de se oferecer a si mesmo como exemplo de luta contra os adversários da Boa Nova, Paulo continua o discurso de modo mais claro: primeiro aponta o fundamento que é Cristo (v. 1), depois, ao terminar, uma consequência de carácter antropológico (v. 4). Pelo meio (v. 2) o Apóstolo afirma o seu direito a receber uma gratificação pessoal pelo seu ministério: «fazei com que seja completa a minha alegria: procurai ter os mesmos sentimentos, assumindo o mesmo amor, unidos numa só alma, tendo um só sentimento» (v. 2).
    O "se" com que começa o versículo 1 não exprime uma hipótese, mas uma certeza. Este recurso literário é importante para compreendermos o pensamento de Paulo porque, na sua concepção, tudo o que existe de bom, de belo e de santo, deriva de Cristo e do seu mistério pascal, que se dilata na mente, no coração e nas relações entre os crentes. A segunda parte da leitura (v. 3s.) contém uma formulação negativa em vista da positiva. Paulo exorta a extirpar da comunidade todo o espírito de rivalidade, de vaidade ou de vanglória, recomendando a humildade, a estima uns pelos outros, o desinteresse pessoal e a generosidade a toda a prova (cf. v. 3s.).

    Evangelho: Lucas 14, 12-14

    Naquele tempo, 12Disse Jesus a um dos principais fariseus, que O tinha convidado para uma refeição: «Quando deres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem os teus vizinhos ricos; não vão eles também convidar-te, por sua vez, e assim retribuir-te. 13Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. 14E serás feliz por eles não terem com que te retribuir; ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.»

    Mais uma vez, no ambiente de uma refeição, depois de ter curado um hidrópico em dia de sábado, e depois de ter proposto uma parábola, Jesus adverte o chefe dos fariseus que O tinha convidado. As palavras de Jesus brotam da sua experiência, da observação atenta das realidades e comportamentos dos que O rodeiam. O Mestre interpreta tudo de modo simbólico e transfere-o para o domínio religioso. As duas partes deste pequeno texto correspondem-se perfeitamente: o paralelismo antitético facilita a sua compreensão: «Quando deres um almoço ou um jantar... pelo contrário, quando deres um banquete...». O ensinamento claro de Jesus vai direito à sensibilidade dos seus destinatários. Jesus alerta para um comportamento de aparente generosidade, que, na realidade, é egoísta. Este tipo de comportamento, não só é mesquinho, mas também compromete as relações interpessoais. A situação oposta, sugerida por Jesus, traduz, pelo contrário, um convite genuinamente evangélico, que leva ao centro da doutrina de Jesus: privilegiar os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos, que são aqueles que o Senhor ama. É a mensagem das bem-aventuranças (Lc 6, 20-26). A bem-aventurança, e a promessa do v. 14, completam admiravelmente o ensinamento de Jesus.

    Meditatio

    Por vezes, atrás de um gesto aparentemente magnânimo, como convidar alguém para uma refeição, pode esconder-se um sentimento egoísta. É o que sucede quando o convite é feito apenas por obrigação, por conveniência social, por mera simpatia ou porque se espera retribuição. Obviamente, o tema do evangelho, que tem ressonância já no final da primeira leitura, é o da gratuidade, acompanhado e valorizado pela «opção preferencial pelos pobres», que não é uma descoberta dos cristãos de hoje, mas a quinta-essência do Evangelho. Todavia, este termo precisa de ser libertado do significado simplesmente material, que hoje somos tentados a dar-lhe, uma vez que valorizamos excessivamente o aspecto económico das nossas acções e gestos: tudo o que fazemos, tudo o que produzimos, há-de ter um valor económico. Jesus, pelo contrário, quer educar-nos a uma avaliação também espiritual, isto é, integral e mais completa das nossas acções e opções.
    Gratuidade significa e implica, por conseguinte: mais atenção aos outros do que a nós mesmos, reconhecer nos outros um valor objectivo, porque todos levam em si a imagem e a semelhança de Deus, sendo, por isso mesmo, dignos de atenção, de estima e de amor.
    Compreendemos, então, o sentido da bem-aventurança proclamada por Jesus no v. 14 desta página do evangelho e, sobretudo, a promessa de uma recompensa que, segundo a lógica de Deus, temos assegurada quando da «ressurreição dos justos».
    Lemos nas Constituições: a «pobreza segundo o Evangelho convida-nos a libertar-nos da sede de posse e de prazer que sufoca o coração do homem. Estimula-nos a viver na confiança e na gratuidade do amor» (n. 46). Por outras palavras, a pobreza evangélica torna-se exercício de verdadeira caridade, a exemplo dos primeiros cristãos de Jerusalém: «Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um, conforme a necessidade que tivesse» (Act 4, 34-35).
    Quem partilha desinteressadamente os bens, convida as realidades humanas a serem sacramento da presença amorosa de Deus entre os homens e instrumentos de comunhão entre os irmãos. O verdadeiro pobre, segundo o Evangelho é aquele que, trabalhando, multiplica os bens (os talentos) e contribui para melhorar a vida de todos (cf. parábola dos talentos, Mt 25, 14-30).
    Na multiplicação dos bens, e na relação com os outros, há um perigo: é-se tentados a possuir, a assegurar bens e a entrar em concorrência, em luta com os outros e, se formos mais fortes, mais hábeis, podemos chegar a instrumentalizá-los a explorá-los. Desse modo, em vez de sermos bons companheiros de viagem e irmãos que se ajudam mutuamente, podemos tornar-nos senhores dos outros, possui-los como coisas. É assim que o homem, com violência, satisfaz a sua ânsia de domínio, priva os outros da sua liberdade, e os instrumentaliza para se auto-afirmar. Assim, isola-se no seu egoísmo e, não reconhecendo a dignidade humana dos outros, despedaça todo a verdadeira relaç&atilde
    ;o pessoal, e nega a si mesmo realizar-se como pessoa. Torna-se um tirano, um explorador, um bruto, e não uma pessoa. A gratuidade realiza o homem, torna-o feliz.

    Oratio

    Senhor, dá-me uma vontade sincera de partilhar, generosa e gratuitamente, o que sou e o que tenho, com todos os meus irmãos, para que me torne sacramento do teu amor e instrumento de comunhão na Igreja e no mundo. Ajuda-me a ser pobre, segundo o teu Evangelho, não só contentando-me com o que recebi, mas sentindo-me responsável pela multiplicação e distribuição dos bens, contribuindo assim para melhorar a vida de todos. Então, a minha pobreza será caridade.
    Que eu jamais me deixe prender pela ânsia em possuir e pelo desejo do prazer. Animado pelo teu Espírito, ajuda-me a viver na confiança em Ti e na gratuidade do amor pelos meus irmãos. Amen.

    Contemplatio

    S. Paulo prega-nos a caridade, a sua necessidade, os seus deveres, a sua perpetuidade, a sua excelência (1 Cor 13).
    «Ainda que tivesse o dom das línguas, diz S. Paulo, com o dom da ciência e da profecia e uma fé capaz de transportar as montanhas, se não tenho caridade não sou nada. Ainda que desse todos os meus bens aos pobres e passasse no fogo pelo meu próximo, se faço isso por vaidade e não por caridade, não é nada».
    Ó Deus de caridade, dai-me a caridade, a participação na vossa bondade, sem a qual nada vos pode agradar. Que eu me torne vosso filho verdadeiramente bom e amante, amante por vós sobretudo que mereceis tanto amor, amante também para com o meu próximo, para com os vossos filhos que são meus irmãos. A caridade é paciente, é benevolente. Não é invejosa, agitada, orgulhosa. Não é egoísta, mas dedicada. Não é irascível. Não suspeita facilmente o mal. Não se alegra com as fraquezas do próximo.
    Suporta todas as contradições. Sinto que ela me falta muito, humilho-me por isso e Peço-vos perdão, ó meu Deus. Quero caminhar na caridade, crescer na caridade, praticar as suas obras e começar hoje com algum acto prático.
    A caridade é o dom mais precioso. Não acaba com a vida. Ela continua e aperfeiçoa-se no céu. Os outros dons cessarão, os dons das línguas e da profecia, e a ciência incompleta da terra. Mesmo a fé cessará, porque nós veremos a Deus, e a esperança também, porque nos encontraremos no termo. A caridade é eterna. Aqui em baixo, a fé, a esperança e a caridade são necessárias. No céu, só a caridade permanecerá.
    Devo, portanto, amar a caridade acima de tudo. Devo desejá-la, pedi-la a Deus e nela me exercitar sem cessar. (Leão Dehon, OSP 3, p. 183s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Não tenhais em mira os vossos interesses, mas os dos outros» (Fl 2, 4).

    | Fernando Fonseca, scj |

     

  • XXXI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    5 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Filipenses 2, 5-11
    Irmãos: 5Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus: 6Ele, que é de condição divina,não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; 7no entanto, esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo. Tornando-se semelhante aos homens e sendo, ao manifestar-se, identificado como homem, 8rebaixou-se a si mesmo, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. 9Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudo e lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome, 10para que, ao nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão no céu, na terra e debaixo da terra; 11 e toda a língua proclame: "Jesus Cristo é o Senhor!", para glória de Deus Pai.
    Escutamos, hoje, um dos mais belos e intensos textos de Novo Testamento. Trata-se de um hino cristológico de fundamental importância, provavelmente recolhido por Paulo de uma tradição anterior e que ele nos transmite. O Apóstolo introduz o texto com uma exortação: «Tende entre vós estes sentimentos, que estão em Cristo Jesus» (v. 5). Não estamos perante uma vaga recomendação, mas perante uma autorizada indicação a caminhar, vivendo como Jesus viveu. A exemplaridade de Jesus é fundamentada no «seu mistério» que, por sua vez, ilumina a vida dos cristãos.
    O hino subdivide-se em duas partes: Os vv. 6-8 descrevem a katábasis, o esvaziamento de Jesus que, sendo Deus, se fez homem, «tomando a condição de servo» e humilhando-se «até à morte e morte de cruz». Os vv. 9-11 descrevem a anábasis, isto é, a exaltação de Jesus pelo Pai, ao ressuscitá-lo dos mortos e ao conceder-lhe «o nome que está acima de todo o nome», adorável no céu e na terra, e que deve ser proclamado a todo o mundo: «Jesus Cristo é o Senhor!» (v. 11). O mistério de Cristo é sintetizado de modo linear e completo: a fé do cristão encontra aqui o seu centro e a sua síntese, graças a Paulo que, não só se fez evangelizador dele, mas também - em primeiro lugar - foi discípulo e testemunha.

    Evangelho: Lucas 14, 15-24
    Naquele tempo, disse a Jesus um dos que estavam com ele à mesa: 15«Feliz o que comer no banquete do Reino de Deus!» 16Ele respondeu-lhe:«Certo homem ia dar um grande banquete e fez muitos convites. 17À hora do banquete, mandou o seu servo dizer aos convidados: 'Vinde, já está tudo pronto.' 18Mas todos, unanimemente, começaram a esquivar-se. O primeiro disse: 'Comprei um terreno e preciso de ir vê-lo; peço-te que me dispenses.' 19Outro disse: 'Comprei cinco juntas de bois e tenho de ir experimentá-las; peço-te que me dispenses.' 20E outro disse: 'Casei-me e, por isso, não posso ir.' 21O servo regressou e comunicou isto ao seu senhor. Então, o dono da casa, irritado, disse ao servo: 'Sai imediatamente às praças e às ruas da cidade e traz para aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos.' 22O servo voltou e disse-lhe: 'Senhor, está feito o que determinaste, e ainda há lugar.' 23E o senhor disse ao servo: 'Sai pelos caminhos e azinhagas e obriga-os a entrar, para que a minha casa fique cheia.' 24Pois digo-vos que nenhum daqueles que foram convidados provará do meu banquete.»
    Lucas passa espontaneamente de um banquete humano ao banquete escatológico. Por isso, liga a parábola ouvida ontem à de hoje, introduzindo a expressão: «Feliz o que comer no banquete do Reino de Deus!» (v. 15). Trata-se da participação na comunhão com Deus, quando da «ressurreição dos justos»: a dimensão escatológica da nossa fé e da nossa experiência é mais do que evidente.
    A parábola refere vários convites e várias recusas daqueles que não compreenderam a novidade da presença de Jesus, nem sentiram necessidade da salvação. É interessante sublinhar como nesta parábola está delineada a história da salvação: a cada convite e a cada recusa pode-se quase pensar que correspondam outras tantas fases de uma história visitada por Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.
    O momento culminante da parábola parece ser a palavra do dono da casa: «Sai imediatamente às praças e às ruas da cidade e traz para aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos» (v. 21). Equivale a dizer que, no banquete messiânico, irão tomar parte os excluídos e serão excluídos os que a ele teriam direito. Confirma-se mais uma vez a lei da Nova Aliança, a bondade de Deus, o objectivo central da mensagem e da presença de Jesus no meio de nós.

    Meditatio
    O texto evangélico apresenta-nos, hoje, uma das chamadas "parábolas do convite divino". Esta parábola, assim entendida, ajuda-nos a compreender toda a liturgia deste dia. Notamos, por um lado, a figura daquele que convida: o Pai que, em todo o tempo e lugar, por meio do Filho, manifesta a sua vontade de salvação universal. Aparece-nos também a figura daquele que, em nome de Deus-Pai, se fez por nós "evangelho", no sentido em que não se contentou em falar em nome de Deus, mas se fez Palavra incarnada, viva no meio de nós. E, ao lado do Pai e do Filho, aparecem-nos os convidados, que somos nós e todos aqueles que, nos vários tempos e lugares, entram em contacto com a Boa Nova. E é aqui que nos damos conta da dramaticidade da narrativa, que já não é uma simples parábola, mas uma história viva, coerente e sempre actual. Nessa história, cada um de nós é chamado a "jogar" a si mesmo em total liberdade de decisão, mas também na responsabilidade das suas opções. É óptimo que a parábola torne claro para nós aquilo que é do agrado de Deus, aquilo que Jesus veio fazer ao mundo, o objecto da pregação apostólica: Deus ama, tem predilecção e tem como filhos muito amados aqueles que a sociedade marginaliza e considera insignificantes e inúteis. O convite que, portanto, nos é dirigido é que sejamos pobres em sentido evangélico, isto é, tenhamos consciência do nosso pecado, nos enchamos de dor e desejemos encontrar o Médico divino. Esse Médico é Jesus, que se humilhou a si mesmo para assumir a nossa pobreza, o nosso pecado, e morrer para nossa redenção. Nós somos chamados a esvaziar-nos do nosso pecado para nos enchermos da sua riqueza e participarmos da sua glória.
    Na parábola (cf. Lc 14, 17-24), os convidados recusam-se a participar porque estão impedidos pelos bens terrenos: os campos, as cinco juntas de bois, a mulher... A profissão dos Conselhos Evangélicos, liberta-nos dos impedimentos que nos afastam do acolhimento do convite do Senhor para o banquete da salvação. Fazem-nos livres para acolher o dom de Deus. O esforço para alcançar essa liberdade em Jesus Cristo é, para o mundo, um testemunho e, para nós, uma tarefa
    permanente (Cst n. 40) que realizamos pela profissão dos conselhos evangélicos, com os votos de celibato consagrado, de pobreza e de obediência (cf. LG 44; PC 1), que nos libertam para o amor autêntico, segundo o espírito das Bem-aventuranças (cf. LG 31) (Cst. 40).
    Lembra a Lumen Gentium: «os religiosos, pelo seu estado, dão alto e exímio testemunho de que o mundo não pode transfigurar-se e oferecer-se a Deus sem o espírito das bem-aventuranças (LG 31b)». Mas todos os cristãos são chamados a praticar as bem-aventuranças em virtude da sua "profissão" baptismal: «Os cristãos, que tomam parte activa no desenvolvimento... mantenham, no meio das actividades terrestres, a justa hierarquia dos valores, fidelidade a Cristo e ao Seu Evangelho, de tal modo que toda a sua vida, individual e social, fique embebida do espírito das bem-aventuranças, particularmente do espírito de pobreza» (GS n. 72). O espírito de pobreza torna-nos disponíveis para acolher o dom de Deus. Nós, dehonianos, pela profissão religiosa e pela prática dos conselhos evangélicos, devemos ser as testemunhas por excelência, no meio do povo de Deus, desta exigência das bem-aventuranças na prática de uma autêntica vida cristã.

    Oratio
    Senhor, liberta-me dos obstáculos que me impedem de acolher cordialmente os teus dons e, sobretudo, o dom que és Tu mesmo. Liberta-me do meu passado, glorioso ou carregado de injustiças e de ressentimentos; liberta-me do meu presente mesquinho ou cativante. Liberta-me para Te aceitar na minha vida e Te seguir pelos caminhos do Evangelho, anunciando e levando a todos a verdadeira liberdade.
    Que, no meio da multidão super ocupada na busca dos próprios interesses, ou no gozo dos prazeres mais ou menos legítimos, eu esteja atento e corresponda aos teus convites, sem recorrer a desculpas esfarrapadas.
    Ajuda-me a seguir-te com honestidade e constância, realizando fielmente a minha missão, pequena ou grande, muitas vezes exigente e nem sempre popular. Só Tu és o meu caminho, que quero percorrer com alegria todos os dias da minha vida. Amen.

    Contemplatio
    Entre estes ultrajes, alguns devem ser assinalados; e em primeiro lugar a negligência com a qual vários sacerdotes celebram o santo Sacrifício da Missa e várias pessoas dedicadas, na aparência, à piedade recebem a santa Comunhão. Nesta categoria entram todos aqueles que, não honrados com o sacerdócio, mas pertencendo a uma sociedade religiosa, ou chamados à piedade, recebem a santa Comunhão com indiferença ou dela se afastam pela dureza do coração e pelo esquecimento. Nosso Senhor mesmo assinala no Evangelho como esta conduta lhe é sensível. - Um rei, diz, tinha mandado preparar um festim de núpcias, e quando chegou a hora, enviou os seus servos a chamar os convidados, mas todos recusavam sob um pretexto ou outro. Um quer ir ver uma casa que comprou, é a vã curiosidade; o outro comprou cinco juntas de bois que vai experimentar, é o apego aos bens deste mundo; o outro casou-se, é o amor dos prazeres. - Assim acontece com a Eucaristia. Aquele que está dominado pela curiosidade, pela avareza ou pela volúpia, mesmo quando não caísse em pecado mortal, ou se abstém realmente da santa Eucaristia, ou dela se afasta pelo coração; recebe-a por rotina, por hábito, sem preparação, sem desejo, sem esforço por se corrigir, sem acção de graças, sem o seu coração, numa palavra.
    É assim que tratamos o amor no seu sacramento mesmo? E, todavia, se consultássemos o seu interesse espiritual bem entendido, que frutos retiraríamos de uma só Missa bem celebrada, de uma Comunhão bem feita?
    Catarina Emmerich pinta-nos muito vivamente estas distracções perfeitamente voluntárias, e que vêm não da imaginação, mas do coração. - Viu, diz ela, um padre indo ao altar para celebrar; colocou sobre ele o cálice, depois revestido com os seus ornamentos sacerdotais, foi para uma casa do campo que possuía, a fim de vigiar os animais, ou a outros lugares análogos, sem pensar mais no santo Sacrifício.
    É absolutamente a parábola dos convidados aplicada àqueles que assumem a aparência de celebrarem os santos mistérios, mas cujo coração está bem longe de lá, todo ocupado no objecto da sua paixão. Que dor para o Coração sacerdotal de Jesus! Onde está o meu sacerdote, diz? Onde está o meu amigo? Tenho o meu Coração e as minhas mãos cheios de graças para lhos dar. - Não está lá, Senhor, está onde ama, como diz Sto. Agostinho, e não vos ama muito. - O Coração Eucarístico de Jesus já não pode sofrer, mas que sofrimento experimentou desta ingratidão, durante a sua vida mortal, Ele tão terno, tão bom e tão delicado! (Leão Dehon, OSP 2, p. 481s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Jesus Cristo é o Senhor!»
    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Nuno de Santa Maria, Religioso

    S. Nuno de Santa Maria, Religioso


    6 de Novembro, 2024

    Nuno Álvares Pereira nasceu a 24 de Junho de 1360. Aos treze anos tornou-se pajem da rainha D. Leonor, sendo, pouco depois, armado cavaleiro. Por vontade de seu pai, casou-se aos 16 anos. Dos três filhos do seu matrimónio, dois faleceram ainda crianças, ficando apenas uma filha, Beatriz, que veio a casar com o filho do rei D. João I, D. Afonso, primeiro duque de Bragança. Quando, a 22 de Outubro de 1383, faleceu rei D. Fernando I, não deixou filhos varões, mas apenas uma filha casada com o rei de Castela, que pretendeu apoderar-se da coroa de Portugal. Opôs-se-lhe D. João, Mestre de Avis, irmão de D. Fernando, com o apoio de D. Nuno Alvares Pereira. Este, nomeado Condestável, conduziu o exército português a várias vitórias contra os castelhanos, até à vitória final, em Aljubarrota, a 14 de Agosto de 1385. O Condestável, aos dotes militares, aliava uma espiritualidade sincera e profunda, caraterizada pelo amor à Eucaristia e à Virgem Maria. Com a morte da sua esposa, em 1387, D. Nuno recusa contrair segundas núpcias e, quando a paz é definitivamente estabelecida, distribui grande parte dos bens pelos seus companheiros, antigos combatentes, e faz-se carmelita, com o nome de frei Nuno de Santa Maria. Logo após a sua morte, no dia 1 de Abril de 1431, Fre Nuno começou a ser chamado "santo" pelo povo. Beatificado por Bento XV beatificou-o, em 1918 e Bento XVI canonizou-o, em 2009.
    Lectio
    Primeira leitura: Ben Sirá 44, 1-3ab.4.6-7.10.13-14

    Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados,segundo as suas gerações. 2O Senhor deu-lhes grande glória e magnificência, desde o princípio do mundo. 3Eles governaram nos seus reinos, homens famosos pelo seu poder, conselheiros pela sua inteligência. 4Guias do povo, pelos seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade, sábios narradores, pelo seu ensino, 6Homens ricos, dotados de poder, vivendo em paz nas suas casas. 7Todos eles alcançaram glória entre os seus contemporâneos e foram honrados no seu tempo. 10Foram homens de misericórdia, cujas obras de piedade não foram esquecidas. 13A sua posteridade permanecerá para sempre, e a sua glória não terá fim. 14Os seus corpos foram sepultados em paz, e o seu nome vive de geração em geração.

    Ben Sirá evoca as figuras ilustres que marcaram o passado da história de Israel para, com o seu exemplo, infiltrar vida nova no presente e projetar a esperança do povo na direção do futuro. Se estes homens baseavam a sua esperança na perpetuidade da sua memória, nas homenagens que lhes prestariam as gerações futuras, uma vez que ainda não lhes era muita clara a vida para além da morte, a nossa esperança de cristãos baseia-se em motivações bem mais sólidas: Cristo morto e ressuscitado, nossa esperança. S. Nuno de Santa Maria, grande pelo heroísmo e generosidade com que serviu o povo e pelas benemerências que lhe prestou, é ainda maior pela sua fé, pela sua esperança e pela sua caridade. Animado por essas virtudes, serviu a Pátria e, sobretudo, serviu a Deus.
    Evangelho: Lucas 14, 25-33

    Naquele tempo, seguia Jesus uma grande multidão. Jesus voltou-se e disse-lhes: 26«Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. 27Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo. 28Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? 29Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, 30dizendo: 'Este homem começou a construir e não pôde acabar.' 31Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem contra ele com vinte mil? 32Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a pedir a paz. 33Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.

    O seguimento de Jesus é exigente. Não se pode ser cristã a meias. É o que nos ensinam as duas parábolas (vv. 27-30 e 31-32) e as três sentenças (vv. 26.27.32) que escutamos no evangelho da memória de S. Nuno de Santa Maria. Se os projetos deste mundo impõem custos, planos, sacrifícios, o seguimento de Jesus não é menos exigente. Por isso, se alguém quer ser discípulo de Jesus, deve tomar a cruz para segui-lo (cf. v. 26). A nossa lei é Cristo, com a sua entrega aos pequenos, a sua mensagem de esperança, de perdão e o seu caminho de verdade/fidelidade até à morte. S. Nuno foi discípulo verdadeiro e fiel, como cristão leigo, como militar, como religioso.
    Meditatio

    "Sabei que o Senhor me fez maravilhas. Ele me ouve, quando eu o chamo" (Sl 4, 4). Estas palavras do Salmo Responsorial exprimem o segredo da vida do bem-aventurado Nuno de Santa Maria, herói e santo de Portugal. Os setenta anos da sua vida situam-se na segunda metade do século XIV e primeira do século XV, que viram aquela nação consolidar a sua independência de Castela e estender-se depois pelos Oceanos - não sem um desígnio particular de Deus - abrindo novas rotas que haviam de propiciar a chegada do Evangelho de Cristo até aos confins da terra. São Nuno sente-se instrumento deste desígnio superior e alistado na militia Christi, ou seja, no serviço de testemunho que cada cristão é chamado a dar no mundo. Características dele são uma intensa vida de oração e absoluta confiança no auxílio divino. Embora fosse um ótimo militar e um grande chefe, nunca deixou os dotes pessoais sobreporem-se à ação suprema que vem de Deus. São Nuno esforçava-se por não pôr obstáculos à ação de Deus na sua vida, imitando Nossa Senhora, de Quem era devotíssimo e a Quem atribuía publicamente as suas vitórias. No ocaso da sua vida, retirou-se para o Convento do Carmo por ele mandado construir. Sinto-me feliz por apontar à Igreja inteira esta figura exemplar nomeadamente pela presença duma vida de fé e oração em contextos aparentemente pouco favoráveis à mesma, sendo a prova de que em qualquer situação, mesmo de carácter militar e bélico, é possível atuar e realizar os valores e princípios da vida cristã, sobretudo se esta é colocada ao serviço do bem comum e da glória de Deus. (Bento XVI, Homilia da Canonização de S. Nuno de Santa Maria).
    Oratio

    Senhor nosso Deus, que destes a S. Nuno de Santa Maria a graça de combater o bom combate e o tornastes exímio vencedor de si mesmo, concedei aos vossos servos que, dominando como ele as sedições do mundo, com ele vivam para sempre na pátria celeste. Ámen.
    Contemplatio

    "A devoção a Maria, diz Santo Efrém, é "um salvo-conduto para o céu". "Maria é uma advogada que não perde as suas causas", diz S. Bernardo. Temos disso a prova no milagre de Caná. "Ela não se cansa de nos defender", diz S. Germano... Santo Anselmo aplica-lhe o que é dito da Sabedoria nos santos livros: "Ela antecipa-se às nossas orações para nos vir socorrer" (Sab 6, 14). O mesmo Sto. Anselmo vai até ao ponto de dizer que o socorro vem às vezes mais depressa pela invocação de Maria, enquanto Jesus é Mestre e Juiz. "Como Maria é terrível para o demónio", diz S. Boaventura! E o Santo doutor aplica a Maria o que Job diz da Aurora que faz fugir os ladrões: "O diabo tal como os ladrões atravessa as muralhas de noite, mas se a aurora aparece, foge como os ladrões"... Guardemos a castidade segundo a nossa própria condição... Recitemos o pequeno ofício ou a liturgia das horas". (Leão Dehon, OSP 4, p. 64s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "A suas obras de piedade não foram esquecidas" (Ben Sirá, 44, 12).

     

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    S. Nuno de Santa Maria, Religioso (6 de Novembro)

    XXXI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    6 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Filipenses 2, 12-18
    12Caríssimos, 12na mesma medida em que sempre fostes obedientes - não só como aconteceu na minha presença, mas agora com muito mais razão na minha ausência - trabalhai com temor e tremor pela vossa salvação. 13Pois é Deus quem, segundo o seu desígnio, opera em vós o querer e o agir. 14Fazei tudo sem murmurações nem discussões, 15para serdes irrepreensíveis e íntegros, filhos de Deus sem mancha, no meio de uma geração perversa e corrompida; nela brilhais como astros no mundo. 16Conservai a palavra da vida. Para mim será um motivo de glória para o dia de Cristo, por não ter corrido em vão nem me ter esforçado em vão. 17Mas alegro-me até mesmo se o meu sangue tiver de ser derramado em sacrifício e oferta pela vossa fé; sim, com todos vós me alegro. 18Do mesmo modo, alegrai-vos também vós; sim, alegrai-vos comigo.
    Paulo dirige algumas recomendações aos cristãos de Filipos. Cada uma tem a sua motivação e explicação.
    Em primeiro lugar, os cristãos devem dedicar-se com temor e tremor à sua salvação (v. 12); ao mesmo tempo, devem lembrar-se de que só Deus pode suscitar neles a capacidade de viver de acordo com a sua vontade (v. 13).
    Em segundo lugar, os cristãos devem resplandecer como astros no mundo (v. 15); não para se exibirem, mas para conservarem «a palavra da vida» (v. 16ª).
    Em terceiro lugar, os cristãos hão-de contribuir para o crescimento da alegria do Apóstolo, na medida em que se dispuserem a oferecer a vida em sacrifício agradável a Deus, em oblação; isto, não por simples satisfação pessoal, mas para se assemelharem a Cristo Jesus e se disporem para a comunhão com o Pai (v. 16b-17).

    Evangelho: Lucas 14, 25-33
    Naquele tempo, 25Seguiam com ele grandes multidões; e Jesus, voltando-se para elas, disse-lhes: 26«Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. 27Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo. 28Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? 29Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, 30dizendo: 'Este homem começou a construir e não pôde acabar.' 31Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem contra ele com vinte mil? 32Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a pedir a paz. 33Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.»
    Depois de deixar a casa do fariseu, Jesus encontra-se com a multidão. E o seu discurso torna-se mais íntimo e radical. No texto de hoje, temos duas parábolas (vv. 28-32), precedidas (vv. 25-27) e seguidas por dois convites à renúncia (v. 33). Ambas as parábolas convidam à reflexão antes de empreender qualquer iniciativa, para nos darmos conta se temos capacidade para as terminar. Há que evitar a ligeireza e a temeridade. Uma vez que se decidiu, também é preciso avançar com fidelidade: um fracasso devido à indecisão ou à saudade seria imperdoável. Também o seguimento de Jesus, no caminho que o leva decididamente para Jerusalém e para o Calvário, é uma empresa muito exigente pela qual é preciso jogar toda a vida. É sobre esta realidade que se fundamenta o convite inicial e final desta página evangélica, onde lemos uma das mais radicais exigências de Jesus.
    "Odiar" o pai e a mãe, carregar a cruz e seguir Jesus, renunciar a todos os bens (vv. 26s., e 33), são algumas das exigências que não deixam margem para dúvidas. Pelo contrário, o seu carácter paradoxal fere a nossa sensibilidade e leva-nos a gritar de escândalo. Mas isso seria um modo, mais ou menos elegante, de nos subtrairmos ao convite de Jesus, para continuarmos a fazer o que nos é mais fácil.

    Meditatio
    A acção e as palavras de Jesus nada a ver com uma campanha eleitoral, como as que nós conhecemos, onde o candidato promete mundos e fundos: tudo será melhor, não haverá problemas, a vida será mais fácil e feliz para todos... Jesus, pelo contrário, sendo seguido por «uma grande multidão» - e, portanto, tendo sucesso - não lhe alimenta ilusões, mas dirige-lhe algumas das palavras mais duras que Lhe saíram da boca. Apresenta claramente a exigência da radicalidade evangélica de que falámos na lectio. Essa radicalidade não é genérica nem irracional. O seu convite implica opções que deixam transparecer as grandes motivações da radicalidade que Jesus exige aos discípulos.
    A primeira das opções recai sobre a própria pessoa de Jesus: «Se alguém vem ter comigo... Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo» (vv. 26-27). A renúncia aos bens e às pessoas não é fim em si mesma, mas tem em Jesus, mestre e salvador, a sua primeira e última motivação. Não se deixa a família e os bens só por deixar. Deixa-se para alcançar Aquele que nos alcançou. Poder tornar-se discípulo de Jesus é um ganho tão grande que vale a pena deixar tudo e todos por causa d´Ele. O amor a Jesus Cristo é a grande motivação de todas as nossas renúncias, incluindo, se tal for preciso, a renúncia à própria vida. A opção por Cristo implica renúncias que não apresentam uma racionalidade simplesmente humana, mas uma razão que acabará por trazer a definitiva satisfação à mente e ao coração do discípulo.
    É especialmente Lucas que recolhe estes ensinamentos de Jesus. Escrevia para uma comunidade que precisava de ser incentivada a crescer na sua adesão ao essencial do Evangelho. Precisa de evitar distracções com coisas secundárias como preocupações terrenas e desculpas fúteis. Algo de muito actual também para nós.
    «Na Igreja, fomos iniciados na Boa Nova de Jesus Cristo: "Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem" (1 Jo 4,16). Recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança... orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo...» (Cst n. 9).
    A nossa experiência de fé pode resumir-se em três pontos: é uma «adesão total e alegre à Pessoa de Jesus» (Cst n. 14); é uma «união com Cristo no seu amor pelo Pai e pelos homens» (Cst n. 17), por meio da oblação de amor, segundo as exigências de
    uma vocação reparadora, que comporta a experiência da cruz (cf. Cst nn. 17-25); é uma participação na «missão da Igreja» no mundo de hoje (Cst nn. 26-39). Note-se o radicalismo desta fé: adesão de toda a nossa vida à vida de Cristo, isto é, uma fé que «orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo» (Cst 9; cf. Cst nn. 13-14). Cristo é a motivação fundamental das nossas opções pessoais e comunitárias. É, de verdade, a mais definitiva razão das nossas renúncias e o baricentro da nossa vida.

    Oratio
    Senhor, Tu és a Verdade. Não Te enganas, nem nos enganas. E indicas-nos claramente as condições da felicidade que nos prometes: queres-nos pobres, pobres nos afectos, pobres nas coisas materiais, pobres naquilo que pensaríamos dar-nos uma vida feliz.
    As tuas palavras chocam-nos. Não nos mandaste amar-nos uns aos outros como Tu mesmo nos amas? Porque nos mandas, agora, odiar pai e mãe e a nossa própria vida? Queres com isso dizer-nos que havemos de renunciar a todo o amor possessivo para avançarmos no caminho do amor oblativo, apoiando-nos em Ti. Envia sobre nós o teu Santo Espírito que nos faça compreender que é bastante rico quem te possui a Ti e que só é pobre de afectos quem Te recusa. Infunde em nós o teu Santo Espírito, que faça crescer em nós a caridade verdadeira, e nos dê a força necessária para que, carregando a nossa cruz, sigamos os teus passos. Amen.

    Contemplatio
    Quem está no sacrário? É a pedra preciosa, junto da qual o ouro não é nada. O reino dos céus, diz Nosso Senhor (Mt 13), é semelhante a uma pedra preciosa que um negociante descobre. Vende tudo o que tem para a conseguir. Nós temos no tabernáculo o Rei dos reis.
    Está à nossa disposição com o seu reino que é a sua graça sobre a terra aguardando a sua glória no céu. Não deveríamos deixar tudo e tudo sacrificar por este reino?
    Infelizmente deixei muitas vezes a Eucaristia e o Coração de Jesus pelas criaturas, como o povo de Israel que sacrificava o serviço de Deus por um bocado de pão (Ez 13, 19).
    Mas a pedra preciosa não está longe. Ainda é tempo. Posso encontrá-la e comprá-la, se faço os sacrifícios necessários. A Eucaristia está lá, o Coração de Jesus está lá no tabernáculo. Mas Nosso Senhor fixa-me um preço de resgate, é o tal sacrifício que é preciso fazer, é o tal apego que é preciso romper. Conheço este preço pelo meu exame particular, conheço-o pelas minhas confissões habituais. Sei o que é preciso sacrificar, mas a coragem falta-me.
    Senhor, ajudai-me, peço-vos pela bondade do vosso coração e pela intercessão de Maria. (Leão Dehon, OSP 3, p. 632).

    Actio
    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Brilhai como astros no mundo» (cfr. Filip 2, 15s.)
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    7 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Filipenses 3, 3-8ª
    3Irmãos: 3Nós é que somos pela circuncisão: nós, os que prestamos culto pelo Espírito de Deus, nos gloriamos em Cristo Jesus e não confiamos na carne - 4ainda que eu tenha razões para, também eu, pôr a confiança precisamente nos méritos humanos. Se qualquer outro julga poder confiar nesses méritos, eu posso muito mais: 5circuncidado ao oitavo dia, sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, um hebreu descendente de hebreus; no que toca à Lei, fui fariseu; 6no que toca ao zelo, perseguidor da Igreja; no que toca à justiça - a que se procura na lei - irrepreensível. 7Mas, tudo quanto para mim era ganho, isso mesmo considerei perda por causa de Cristo. 8Sim, considero que tudo isso foi mesmo uma perda, por causa da maravilha que é o conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor: por causa dele, tudo perdi e considero esterco, a fim de ganhar a Cristo.
    Paulo inicia a parte exortativa da carta aos filipenses com um resumo autobiográfico para tentar mover aqueles que se fecham ao apelo evangélico e procuram denegrir a sua pessoa e a sua missão. Assim se compreende o carácter polémico desta página.
    O Apóstolo aproveita a ocasião para apresentar a todos, e não só aos filipenses, a sua origem hebraica, a sua vocação apostólica e a sua fidelidade à mesma. Paulo faz-nos compreender que, para compreendermos as suas cartas, é preciso ter em conta o evento do caminho de Damasco, que marca a sua conversão e o começo da sua missão. O encontro com Cristo revolucionou completamente o seu modo de ver as coisas e os seus critérios de avaliação dos acontecimentos e das pessoas. Acima de tudo e de todos, para ele, está Cristo Senhor em quem havemos de acreditar, que envia em missão e que, sobretudo, temos de amar. Paulo di-lo com uma frase muito significativa: «considero mesmo que tudo isso foi uma perda, por causa da maravilha que é o conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor» (v. 8).
    Este é o único lugar, nas cartas paulinas, onde aparece o pronome possessivo «meu» junto ao título cristológico «Senhor». O pronome indica, não só que Paulo se encontrou com Cristo ressuscitado, mas também a grande intimidade que alcançou com Ele.

    Evangelho: Lucas 15, 1-10
    Naquele tempo, 1Aproximavam-se dele todos os cobradores de impostos e pecadores para o ouvirem. 2Mas os fariseus e os doutores da Lei murmuravam entre si, dizendo: «Este acolhe os pecadores e come com eles.» 3Jesus propôs-lhes, então, esta parábola:
    4«Qual é o homem dentre vós que, possuindo cem ovelhas e tendo perdido uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai à procura da que se tinha perdido, até a encontrar? 5Ao encontrá-la, põe-na alegremente aos ombros 6e, ao chegar a casa, convoca os amigos e vizinhos e diz-lhes: 'Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida.' 7Digo-vos Eu: Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão.» 8«Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perde uma, não acende a candeia, não varre a casa e não procura cuidadosamente até a encontrar? 9E, ao encontrá-la, convoca as amigas e vizinhas e diz: 'Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida.' 10Digo-vos: Assim há alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.»
    Estamos no coração do evangelho de Lucas. É no capítulo 15 que o segundo evangelista concentra a mensagem principal da sua obra: o evangelho da misericórdia. Ao mesmo tempo, Lucas aproxima-se o mais possível do Jesus histórico, que veio anunciar e incarnar, no meio de nós, o amor misericordioso do Pai.
    Lucas começa por apresentar o contexto histórico (vv. 1-3) em que Jesus contou as três parábolas. Os publicanos e pecadores vinham «para o ouvirem» (v. 1). Os fariseus e os escribas «murmuravam» contra ele. As parábolas da ovelha perdida e da dracma perdida - com a do pai misericordioso, que Jesus apresenta como ícone de Deus-Pai - devem ser interpretadas à luz desse contexto histórico, pois iluminam a situação daquilo ou de quem estava perdido e a alegria de quem pôde encontrar o que estava perdido.
    A alegria do homem serve para falar da alegria de Deus. Lucas sublinha três vezes essa alegria do Pai, que tanto amou o mundo que lhe deu o seu Filho, tirando desse dom a máxima alegria para Si.

    Meditatio
    A primeira leitura dá-nos matéria para uma reflexão sofre a pobreza espiritual como atitude diante das nossas qualidades e dos bens materiais. Esta pobreza aproxima-nos de Deus. Pelo contrário, a riqueza espiritual separa-nos de Deus e dos outros, porque nos faz sentir auto-suficientes. Confiamos nas coisas que temos, confiamos nas nossas qualidades, e pensamos que não precisamos de Deus nem dos outros. Por vezes até somos levados a julgar-nos superiores aos demais. Todos estes bens, espirituais ou materiais, que nos levam à auto-suficiência e ao orgulho, são chamados «carne» por Paulo. O Apóstolo tinha motivos para se julgar auto-suficiente e ser orgulhoso. Mas preferiu tornar-se mendigo da salvação para a receber de Cristo, como quem depende da sua misericórdia e não se julga melhor que os outros.
    Cristo é o dom gratuito de Deus, dom que ninguém merece, dom gratuito, que nos foi dado unicamente pela misericórdia divina.
    Esta pobreza espiritual é fonte de alegria, porque nos permite conhecer a Cristo e fazer dele o valor supremo da nossa vida, tal como Paulo. O conhecimento de Cristo dá-nos alegria, não uma alegria exterior e efémera, mas uma alegria profunda e duradoira, que cresce na medida em que é partilhada com os outros. Paulo partilha a sua alegria com os filipenses. Trata-se de uma alegria semelhante àquela que sente o Pai do céu, quando um pecador se converte; trata-se da alegria do Bom Pastor, pronto a dar a vida pela salvação de um só pecador; mas também se trata da alegria que nos vem de sabermos que temos no céu um Pai misericordioso, de termos em Cristo um mediador compassivo e amoroso, e de sabermos que temos na terra alguém que dele recebeu o ministério de perdoar os nossos pecados, para que aprendamos a ser compreensivos e misericordiosos com os nossos irmãos.
    Cada um de nós, na vida comunitária ou no ministério, há-de ter sempre diante dos olhos Cristo pobre, manso e humilde de coração, para não sucumbir aos desejos de riqueza, de auto-suficiência, de domínio, para estar livre de preconceitos, de simpatias e antipatias e de tantas paixões que tão facilmente se desenvolvem no coração humano, se não estiver cheio do Espírito de Deus.
    São muitos os frutos da «carne» que podem tornar pesada a vida da comunidade religiosa, e pôr entraves na acção pastoral. Quantos obstáculos à liberdade de amar e à alegria vêm na nossa auto-suficiência e do nosso orgulho! Quantos "conflitos" (Cst
    . 65), quantos "limites" (Cst. 66)! Como precisamos dos frutos do Espírito: caridade que é cordialidade, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, mansidão, fidelidade a Cristo, deixar-nos dominar e conduzir, não pelo nosso eu, mas pelo Espírito de Deus!

    Oratio
    Senhor Jesus Cristo, Verbo de Deus feito homem! Ao incarnar, de rico que eras, fizeste-te pobre, para que nos tornássemos ricos com a tua pobreza. Na Eucaristia, de forte que eras fizeste-te fraco, para que nos tornássemos fortes com a tua fraqueza!
    Queremos, hoje, mais uma vez escutar a bem-aventurança que, um dia, proclamaste: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus», o Reino do amor, da paz e da alegria.
    Faz-nos pobres em espírito, humildes e simples, como Maria, a Bem-aventurada por excelência. Faz-nos pobres, pequenos e simples, como aqueles pelos quais exultastes «no Espírito Santo». Que a pobreza em espírito, a humildade sejam o segredo da nossa alegria, a base da nossa fé, da nossa adesão total a Deus e ao Seu amor. E então, cada dia, como teus humildes servos, e servos dos nossos irmãos, diremos com tua Mãe: «Eis a serva... faça-se... A minha alma glorifica o Senhor». E, como a Virgem exultaremos de alegria em Deus-Pai, pelas grandes coisas que, olhando à nossa pobreza, irás fazer em nós e por meio de nós. Amen.

    Contemplatio
    Servir o seu Deus por amor é também a via mais doce. Ela agarra-vos pelo coração e o vosso coração é feito para amar. Conduz docemente, mas muito eficazmente a vossa vontade para o que Deus deseja. O amor coloca o coração perfeitamente á vontade, o que nenhum outro sentimento poderia fazer. O medo constrange; a esperança não está totalmente isenta de um certo regresso à inquietude; o amor não conhece nem os tormentos do medo, nem os alarmes da esperança reduzida a si mesma.
    O amor inspira a alegria, que é o segundo fruto do Espírito Santo, porque a caridade é o primeiro (Gl 5, 22). E que alegria! Uma alegria pura, uma alegria íntima, inalterável, uma alegria que é o antegozo da dos Bem-aventurados. O amor mantém a alma na paz, que é, depois da alegria, um fruto do Espírito Santo. O amor nunca causa perturbação. A perturbação da alma tem três fontes: ou a má consciência, ou o amor-próprio, ou o demónio. O amor mantém a consciência no melhor estado; trabalha sem cessar para destruir o amor-próprio; despreza as negras sugestões do demónio; resiste-lhe, triunfa sobre ele. Deus é a paz e, como não O possuímos aqui em baixo senão pelo amor, o amor é também o único meio de gozar a paz. (Leão Dehon, OSP 2, 18s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem procura o Senhor, encontra a alegria» (da Liturgia)
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    8 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Filipenses 3, 17 - 4,1
    Irmãos: 17Sede todos meus imitadores, irmãos, e olhai atentamente para aqueles que procedem conforme o modelo que tendes em nós. 18É que muitos - de quem várias vezes vos falei e agora até falo a chorar - são, no seu procedimento, inimigos da cruz de Cristo: 19o seu fim é a perdição, o seu Deus é o ventre, e gloriam-se da sua vergonha - esses que estão presos às coisas da terra. 20É que, para nós, a cidade a que pertencemos está nos céus, de onde certamente esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. 21Ele transfigurará o nosso pobre corpo, conformando-o ao seu corpo glorioso, com aquela energia que o torna capaz de a si mesmo sujeitar todas as coisas. 1Portanto, meus caríssimos e saudosos irmãos, minha coroa e alegria, permanecei assim firmes no Senhor, caríssimos.
    Paulo apresenta aos filipenses, que querem tornar-se discípulos do Crucificado, dois caminhos possíveis: a dos «inimigos da cruz de Cristo» (3, 18), isto é, aqueles cujo «Deus é o ventre, e põem a glória na sua vergonha» (v. 19) e estão absorvidos pelos seus interesses terrenos. Para estes «o seu fim é a perdição» (v. 19ª). Entrevemos um grupo de cristãos que, apesar da experiência feita, se esqueceram do baptismo recebido e enveredaram por uma experiência de vida contrária ao Evangelho.
    O outro caminho é o daqueles que se mantiveram fiéis à «regra de vida» que aprenderam de Paulo. O Apóstolo não hesita em apresentar-se como «exemplo» (v. 17), não tanto por causa dos seus dons naturais, mas por causa do dom de graça que recebeu no caminho de Damasco e que revolucionou completamente a sua vida, dando-lhe um novo rumo: novo da novidade de Cristo morto e ressuscitado.
    Os fiéis de Filipos são convidados a fazer uma opção livre e consciente não só em virtude do seu exemplo, mas, sobretudo, em virtude da esperança na cidade que «está nos céus» e da qual «esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo» (v. 20). É tal o bem que espero (a pátria celeste, a alegria indefectível e a comunhão amorosa) que toda a pena me dá gozo (a batalha dura que cada um é chamado a travar nesta terra). Estamos perante a dinâmica do «já» e do «ainda não».

    Evangelho: Lucas 16, 1-8
    Naquele tempo, 1Disse Jesus aos seus discípulos:«Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este foi acusado perante ele de lhe dissipar os bens. 2Mandou-o chamar e disse-lhe: 'Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administrar.' 3O administrador disse, então, para consigo: 'Que farei, pois o meu senhor vai tirar-me a administração? Cavar não posso; de mendigar tenho vergonha. 4Já sei o que hei-de fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido da minha administração.' 5E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, perguntou ao primeiro: 'Quanto deves ao meu senhor?' Ele respondeu: 6'Cem talhas de azeite.' Retorquiu-lhe: 'Toma o teu recibo, senta-te depressa e escreve cinquenta.' 7Perguntou, depois, ao outro: 'E tu quanto deves?' Este respondeu: 'Cem medidas de trigo.' Retorquiu-lhe também: 'Toma o teu recibo e escreve oitenta.' ? senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza. É que os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes.»
    Só tendo presente o contexto de todo o capítulo, que tem o seu centro no v. 14 («Os fariseus, como eram avarentos, ouviam as suas palavras e troçavam dele»), podemos compreender o pensamento de Jesus nesta parábola. A primeira parábola (vv. 1-8) ensina o modo correcto de usar os bens; a segunda parábola (vv. 19-31) ensina como não devem ser usados. Em ambas, a lição recai sobre o amor ao dinheiro.
    Na primeira parábola, o louvor do administrador infiel pode causar espanto ou mesmo escândalo; mais adiante Lucas compara Deus a um juiz injusto (Lc 18, 1-8); em Mt 10, 16, os discípulos são convidados a ser espertos como as serpentes. Mas não havemos de nos escandalizar: Jesus não nos dá por modelo um qualquer vigarista ou fulano astuto. Pelo contrário, lembra-nos que somos responsáveis pelos bens que não são exclusivamente nossos, mas que devemos considerar dons de Deus e, portanto, tratar com prudência e com audácia dignas de filhos de Deus.
    Ao fim e ao cabo, Jesus quer que os filhos da luz, na sua caminhada terrena, sejam mais sagazes do que os filhos deste mundo (v. 8b). A sagacidade de que fala Jesus é directamente funcional ao desejo e à consecução do verdadeiro bem.

    Meditatio
    As parábolas que Jesus nos conta, hoje, pretendem fazer pensar e tomar decisões arrojadas. Se queremos ser discípulos do Senhor, não podemos esquivar-nos a responder, ou tentar fugir ao cumprimento dos nossos deveres. É preciso, em primeiro lugar, aceitar confrontar-se com os filhos deste mundo. Muitas vezes somos convidados a ter coragem, não só diante das propostas divinas, mas também diante daqueles que nada querem com Jesus Cristo e o seu Evangelho. É precisa a audácia de quem sabe ser depositário de uma mensagem superior a qualquer outra e de uma promessa que não será retirada.
    O capítulo 16 de Lucas, na sua globalidade, sugere-nos outro convite, que torna concreta a nossa coragem evangélica: considerar como nossos primeiros e mais caros amigos os pobres. Se chegarmos a isso, seremos realmente «espertos», à maneira de Jesus. Foi por essa esperteza que o administrador desonesto foi louvado por Jesus.
    A decisão por Jesus, e pelo amor para com o próximo, é urgente, porque a hora da morte está perto. É preciso esperá-la com serenidade, tal como Paulo. Aliás, não esperamos a morte, mas o Salvador, o Senhor Jesus. Esperamo-lo como Ressuscitado, como vencedor da morte, como aquele que transfigurará o nosso corpo à imagem do seu corpo glorioso. A nossa espera está cheia de confiança, desde que vivamos como cidadãos do céu: «a cidade a que pertencemos está nos céus» (Fl 3, 20).
    Viver como cidadãos dos céus não quer dizer viver nas nuvens, mas viver na caridade, na esperança, na fé. Viver como cidadãos dos céus significa encontrar o Senhor em cada momento, em cada acto da nossa vida. Então, Ele assume-os e transforma-os. Vivendo assim, aguardamos serenamente a morte, sabendo que Jesus já foi transfigurado pela sua morte de cruz e que esse evento já venceu o último obstáculo, tornando-o ocasião de triunfo para Deus e de salvação para nós.
    Escreve Paulo aos romanos: «Se Deus é por nós, quem será contra nós? Ele, que não poupou o próprio Filho, mas O entregou por todos nós, como não havia de nos dar também, com Ele, todas as coisas?... Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?... Em tudo isto, somos nós mais que vencedores por Aquele que nos amou. Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida..., nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Nosso Senhor» (Rm 8, 31.32.35.37-39).
    «Acreditar neste amor - escrevia o Pe. Dehon - é toda a nossa fé». «Et nos credidimus caritati» («Nós acreditámos no amor»). Fazer as obras do amor é o cumprimento de todos os preceitos: «Qui diligit, legem implevit» («Quem ama cumpre a Lei») (NQ III, 60; 14.10.1886).

    Oratio
    Senhor, faz-me compreender que a minha pátria está no céu e que o dia da minha morte será o dia do encontro definitivo contigo. Dá-me a esperteza de tudo submeter a essa esperança segura, quando tenho que tomar decisões importantes para a minha vida ou para a vida daqueles que me estão ou virão a estar confiados. Que eu não hesite eu optar por Ti e pelos interesses do Reino. Livra-me da tentação de servir a dois senhores, do medo de descobrir a minha pequenez, do pavor de perder as minhas seguranças. Que eu seja honesto comigo e com os outros. Que o seja especialmente contigo. Amen.

    Contemplatio
    Vede Jesus em acção. Ele encontra a viúva de Naim. Ela chora, Ele chora também misericordia motus; restitui o seu filho à vida (Lc 7).
    Um dia, Marta e Maria Madalena anunciam-lhe chorando a morte do seu irmão. Chora ainda, et lacrimatus est Jesus.
    A Cananeia grita a Jesus: «Senhor, filho de David, tende piedade de mim». Ele prova-a primeiro com uma aparência de insensibilidade. Mas logo cede à inclinação do seu coração, e cura a filha da pobre mulher.
    Todo o relato do Evangelho está cheio de curas milagrosas. «Jesus, diz S. Pedro, passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio» (Act 10).
    «Jesus, diz S. Mateus, percorria a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando a boa nova do reino de Deus e curando todas as doenças e todas as enfermidades. O seu nome espalhava-se por toda a Síria. Apresentavam-lhe todos os doentes, os enfermos, os possessos, os paralíticos, e curava-os» (Mt 4).
    «A multidão que se comprimia para ser curada, diz S. Marcos, era tal que por vezes o Salvador era impedido de tomar o seu alimento. Os seus discípulos já não podiam comer o seu pão. Iam ao ponto de se irritarem contra Ele e de querer pôr fim ao seu zelo que eles viam como uma paixão. Quoniam in furorem versus est» (Mc 3, 21). - Oh! A santa loucura de Jesus!
    Padres de Jesus, vamos ter com os doentes, mesmo que devamos às vezes ser incomodados na hora das nossas refeições ou do nosso sono.
    Que bondade! Que condescendência! Que delicada atenção do divino Mestre por todos os que sofrem! Não se vê que alguma vez tivesse recusado o pedido a alguém. Dizia-lhes: «Que quereis que vos faça?». - «Que me cureis!». - E curava-os imediatamente.
    Eram cegos, surdos, coxos, paralíticos, possessos do demónio, leprosos. Começava por excitar a sua confiança, chamando-os com o nome mais terno: «Meu filho, minha filha, tende confiança, vós sereis curados». O seu zelo não se deixava deter pelos escrúpulos dos fariseus a respeito do repouso do sábado. Dizia-lhes: «Deixaríeis o vosso burro num poço ou a vossa ovelha num fosso no dia de sábado? Porque quereis então que Eu deixe os doentes na sua triste situação?». (Leão Dehon, OSP 2, p. 364s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A nossa pátria está nos céus» (Fl 3, 20).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • Dedicação da Basílica de Latrão

    Dedicação da Basílica de Latrão


    9 de Novembro, 2024

    A Basílica do Santíssimo Salvador, ou de S. João de Latrão, foi fundada pelo Papa Melquíades (311-314) sobre a colina de Latrão. Aí se celebraram sessões de cinco Concílios Ecuménicos. Aí o Papa celebra a Missa da Ceia do Senhor, em quinta-feira santa. Aí multidões de presbíteros e bispos foram ordenados ao longo dos séculos. Daí partiram muitos missionários para os cinco continentes. Uma vez que o Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, tem a sua sede na Basílica de Latrão, essa igreja é justamente chamada "mãe e cabeça de todas as igrejas", como se lê no seu frontispício. O aniversário da sua Dedicação é celebrado como festa litúrgica, desde o século XII.

     

    Lectio
    Primeira leitura: Ezequiel 47, 1-2.8-9.12

    Naqueles dias, o Anjo conduziu-me para a entrada do templo, e eis que saía água da sua parte subterrânea, em direcção ao oriente, porque o templo estava voltado para oriente. A água brotava da parte de baixo do lado direito do templo, a sul do altar. 2Fez-me sair pelo pórtico setentrional e contornar o templo por fora, até ao pórtico exterior oriental; vi rebentar a água do lado direito. 8Ele disse-me: «Esta água corre para o território oriental, desce para a Arabá e dirige-se para o mar; quando chegar ao mar, as suas águas tornar-se-ão salubres. 9Por onde quer que a torrente passar, todo o ser vivo que se move viverá. O peixe será muito abundante, porque aonde quer que esta água chegar, tornar-se-á salubre; e a vida desenvolver-se-á por toda a parte aonde ela chegar. 12Ao longo da torrente, nas suas margens, crescerá toda a sorte de árvores frutíferas, cuja folhagem não murchará e cujos frutos nunca cessam: produzirão todos os meses frutos novos, porque esta água vem do santuário. Os frutos servirão de alimento e as folhas, de remédio.

    O tema da manifestação da Glória de Javé na terra de Israel, no meio do seu povo, no templo, como centro vivificante, atinge, a sua máxima expressão no texto de Ezequiel, que hoje escutamos. A presença da Glória de Deus no meio de Israel provocará transformações, que trarão ao povo as mesmas condições de vida do início, da criação. Os quatro rios paradisíacos são agora uma única torrente que irrompe da entrada do templo e desce até Arabá pelo lado direito do mesmo templo. Começando por ser um simples arroio, vai crescendo até se tornar uma torrente intransponível, que fertiliza os campos até ao Mar Morto. O próprio Mar Morto volta a encher-se de vida, porque as suas águas salgadas se tornam salubres. Na nova Jerusalém dos tempos escatológicos, a presença de Javé será uma bênção manifestada em poder vivificante e criador. Este simbolismo da água é retomado pelo Novo Testamento: do Lado aberto de Cristo, templo de Deus no meio dos homens, brotará o Espírito que tudo renova e recria, verdadeira fonte de águas vivas que jorram para a vida eterna.
    Segunda leitura: 1 Coríntios 3, 9c-11.16-17

    Irmãos: Vós sois o edifício de Deus. 10Segundo a graça de Deus que me foi dada, eu, como sábio arquitecto, assentei o alicerce, mas outro edifica sobre ele. Mas veja cada um como edifica, 11pois ninguém pode pôr um alicerce diferente do que já foi posto: Jesus Cristo. 16Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? 17Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós.

    A construção da Igreja é realizada por impulso da misteriosa dinâmica divina, sob o alicerce que é Jesus Cristo. O contributo humano necessário, por vontade de Deus, será avaliado, não segundo a dignidade da tarefa encomendada, mas segundo o esforço voluntário de cada um. Tanto faz ser arquiteto como pedreiro! Mas o templo de Deus é a própria comunidade humana. É aí que Deus quer habitar. Os outros templos, mais ou menos grandiosos, hão-de ajudar a que, todos e cada um, se tornem templo do Deus vivo.
    Evangelho: João 12, 13-22

    Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. 14Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas nos seus postos. 15Então, fazendo um chicote de cordas, expulsou-os a todos do templo com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas pelo chão e derrubou-lhes as mesas; 16e aos que vendiam pombas, disse-lhes: «Tirai isso daqui. Não façais da Casa de meu Pai uma feira.» 17Os seus discípulos lembraram-se do que está escrito: O zelo da tua casa me devora. 18Então os judeus intervieram e perguntaram-lhe: «Que sinal nos dás de poderes fazer isto?» 19Declarou-lhes Jesus, em resposta: «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei!» 20Replicaram então os judeus: «Quarenta e seis anos levou este templo a construir, e Tu vais levantá-lo em três dias?» 21Ele, porém, falava do templo que é o seu corpo. 22Por isso, quando Jesus ressuscitou dos mortos, os seus discípulos recordaram-se de que Ele o tinha dito e creram na Escritura e nas palavras que tinha proferido.

    Jesus entrara em Jerusalém como vencedor da morte e senhor da vida - ressuscitara Lázaro; entrara no ambiente próprio de um rei triunfante, como indicavam os ramos de palmeira associados ao triunfo dos Macabeus (cf. 1 Mac 13, 50-52; 2 Mac 10, 1-9). Mas é ele próprio que encontra um jumento e monta nele. Não é, pois, o Messias no sentido que o povo esperava, mas o Messias anunciado por Zacarias (cf. Zc 9, 9). Só a partir da sua morte e ressurreição, graças à presença do Espírito, é que tudo isto é entendido pelos próprios apóstolos. Ao contrário do que se pensava, não é o povo que dá autoridade a Jesus, mas o Pai. O seu reino também não é deste mundo. Por isso, os judeus nada tinham a temer, quando verificaram: "toda a gente vai atrás d´Ele."
    Meditatio

    Hoje a Igreja-Mãe chama-nos para Roma a fim de, ao menos em espírito, celebrarmos com ela o aniversário da Dedicação da Sé Catedral do Papa, que não é, como muitos julgam, a Basílica de S. Pedro do Vaticano, mas é exatamente a Basílica de S. João de Latrão.
    A liturgia hodierna sublinha claramente o significado da igreja-edifício, como sinal visível do único verdadeiro templo que é o corpo pessoal de Cristo e o seu corpo místico, que é a Igreja, que celebra num determinado lugar o culto em espírito e em verdade (cf. Jo 4, 23; At 2, 46s.). Para além da sacralização do espírito material, somos estimulados a colher em Cristo homem-Deus a verdadeira sacralidade que, a partir dele, se comunica a todo o povo santo e sacerdotal, batizado e crismado no Espírito, unido ao sumo e eterno sacerdote na única oblação (Heb 10, 14).
    A casa do povo de Deus, no que diz respeito à estrutura, ao decoro e à funcionalidade, deve ser tida a peito por todos os crentes, que nela renascem para a vida divina, e que nela serão abençoados para o último êxodo pascal, rumo à pátria. É casa de todos e, como tal, deve ser cuidada e guardada com amor também no seu aspeto exterior, que é sinal da nossa pureza interior" (CEI, Rito da Dedicação de uma igreja, Orientações Pastorais, Roma 1981, 12-14).
    Na festa da Dedicação da Catedral de Roma, sigamos um conselho do P. Dehon: "Renovemos a nossa devoção e a nossa confiança para com a Igreja romana. Sejamos dóceis a todos os seus ensinamentos, a todas as suas orientações. Amemo-la, veneremo-la tanto mais quanto mais ela for atacada e combatida. Rezemos pelo Soberano Pontífice e pela Igreja". (Leão Dehon, OSP 3, p. 70).
    Oratio

    Senhor, Pai santo, nós vos damos graças. Nesta casa visível, que nos destes a graça de construir, incessantemente concedeis os vossos favores à vossa família, que, neste lugar, peregrina para Vós. Aqui nos dais o sinal admirável da vossa comunhão connosco e nos fazeis participar no mistério da vossa aliança: aqui edificais o vosso templo, que somos nós, e fazeis crescer a Igreja, presente em toda a terra, na unidade do Corpo do Senhor, que, um dia, tornareis perfeita na visão da paz da celeste Jerusalém. Com os Anjos e os Santos, nós Vos louvamos, no templo da vossa glória. Ámen. (cf. Prefácio da Missa).
    Contemplatio
    As grandes ordenações em S. João de Latrão são realmente emocionantes. A cerimónia é feita no coro da Basílica, ao pé da mesa da Ceia, testemunha da primeira ordenação no Cenáculo, junto das sagradas cabeças de S. Pedro e de S. Paulo, que depois de Jesus, são a nascente do sacerdócio, e nesta igreja que é a cabeça e a mãe de todas as igrejas. Sobre estas lajes prostraram-se, depois de S. Silvestre e de Constantino, muitos milhares de padres que vinham receber a unção sacerdotal ou a consagração episcopal. Daí partiram os apóstolos de tantas nações. Aí renova-se cada ano a nascente do apostolado pelas ordenações de clérigos de todas as nações. Experimentei aí as mais profundas e as melhores emoções da minha vida. (Leão Dehon, Memórias (NHV), 65-66).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O templo de Deus é santo, e esse templo sois vós" (1 Cor 3, 17).

     

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    Dedicação Da Basílica De Latrão (9 de Novembro)

    XXXI Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    9 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXI Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Filipenses 4, 10-19
    Irmãos: 10É grande a alegria que sinto no Senhor por, finalmente, terdes feito com que desabrochasse o vosso amor por mim. É que tínheis o interesse, mas faltava a oportunidade. 11Não falo assim por me sentir carecido. Pois, no meu caso, aprendi a ser autónomo nas situações em que me encontre. 12Sei passar por privações, sei viver na abundância. Em toda e qualquer situação, estou preparado para me saciar e passar fome, para viver na abundância e sofrer carências. 13De tudo sou capaz naquele que me dá força. 14Entretanto, fizestes bem em tomar parte na minha tribulação. 15Vós bem o sabeis, filipenses: no início da pregação do Evangelho, quando saí da Macedónia, nenhuma outra igreja esteve em comunhão comigo na permuta de dar e receber, a não ser apenas vós: 16em Tessalónica e por duas vezes me enviastes socorro para as minhas necessidades. 17Não é que eu esteja à procura de donativos; o que procuro, sim, é que aumente o produto, que está registado na vossa conta. 18Sim, tudo recebi em abundância. Estou plenamente fornecido, depois de receber de Epafrodito o que veio da vossa parte: um odor perfumado, um sacrifício que Deus aceita e lhe é agradável. 19E o meu Deushá-de compensar-vos plenamente em todas as necessidades, segundo a sua riqueza, na glória que se tem em Cristo Jesus.
    Paulo teve sempre uma excelente relação com a comunidade de Filipos: até aceitou ser ajudado por ela com bens materiais. Aqui manifesta a sua alegria, não só pelos dons recebidos, mas também pela caridade que eles pressupõem. E Paulo encontra-se num momento particularmente difícil da sua missão.
    Sublinhemos, em primeiro lugar, a liberdade apostólica de que Paulo se honra: poderia dispensar tudo, porque aprende a ser pobre com quem é pobre (vv. 11s.). Trata-se de uma liberdade radical que todavia não se subtrai aos vínculos da comunhão, gerada na caridade.
    Mas é sobretudo a caridade dos filipenses, como sinal da caridade de Cristo, que inspira esta página. Paulo pôs todo o seu empenho apostólico para alcançar este ideal. O que mais buscou foi aquele dom que, por meio da escuta da Palavra e da fé, os liga a Cristo, seu Salvador. A passagem é do dom oferecido ao Apóstolo, para o dom recebido de Deus: resulta uma relação tripla que liga o doado ao doador por meio daquele que se fez servidor de ambos. E é bom notar que a alegria do Apóstolo vem, em primeiro lugar, da verificação de que, agindo assim, os crentes vivem em plenitude aquele humanismo cristão que foi descrito nos vv. 8s. deste mesmo capítulo.

    Evangelho: Lucas 16, 9-15
    Naquele tempo: disse Jesus aos seus discípulos: 9«Arranjai amigos com o dinheiro desonesto, para que, quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas. 10Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é infiel no pouco também é infiel no muito. 11Se, pois, não fostes fiéis no que toca ao dinheiro desonesto, quem vos há-de confiar o verdadeiro bem? 12E, se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? 13Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» 14Os fariseus, como eram avarentos, ouviam as suas palavras e troçavam dele. 15Jesus disse-lhes: «Vós pretendeis passar por justos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os vossos corações. Porque o que os homens têm por muito elevado é abominável aos olhos de Deus.
    Depois de contar a parábola do administrador desonesto, Jesus toma a palavra para explicitar a doutrina. Primeiro, refere-se à morte, momento no qual o dinheiro perderá todo o seu interesse, pois nos será tirada a administração de qualquer bem (v. 9). Depois, vem o convite à fidelidade, frente ao perigo da infidelidade (vv. 10s.). Trata-se de um discurso sapiencial, com que Jesus procura a nossa adesão livre e alegre ao ideal da pobreza evangélica. Se a caridade não se ligar à pobreza, dificilmente terá as características de um ideal evangélico.
    Jesus também enuncia uma verdade apodíctica: «Servo algum pode servir a dois senhores... Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (v. 13). O discípulo de Cristo não tem alternativa. O amor por um implica o ódio pelo outro. O amor por um implica o serviço, porque o amor que não se torna serviço não é verdadeiro. Foi o que Jesus mostrou com a sua vida, antes de o dizer com palavras.
    Por fim, Jesus convida à humildade, diante dos fariseus que se têm por «por justos aos olhos dos homens» (v. 15). Caridade, serviço e humildade não pode separar-se, sob pena de perderem todo o valor diante de Deus.

    Meditatio
    As leituras de hoje apresentam-nos um exemplo de fidelidade e de generosidade que contém um ensinamento importante: para ser fiéis ao chamamento de Deus é preciso ser desapegados e generosos. Só então Deus nos poderá «confiar o ver¬dadeiro bem» (v. 11).
    Os filipenses foram generosos com Paulo que estava na prisão. Poderiam não tê-lo sido. Mas foram e enviaram Epafrodito para lhe levar as ofertas recolhidas. Paulo agradece cordialmente, não tanto por causa dos dons, mas por causa da caridade que eles significam: «É grande a alegria que sinto no Senhor por, finalmente, terdes feito com que desabrochasse o vosso amor por mim» (Fl 4, 10). Delicadamente, o Apóstolo acrescenta que, o que mais o conforta, é que esses dons redundem em vantagem para eles e que o seu amor fraterno seja «um odor perfumado, um sacrifício que Deus aceita e lhe é agradável» (Fl 4, 18).
    Os sentimentos de Paulo são próprios de quem está desapegado dos seus interesses pessoais e preocupado com o bem dos outros.
    É assim o amor cristão: amar e servir. Servir com humildade. Traduzir o amor em gestos concretos de atenção para com os outros. Se amamos o dinheiro, tornamo-nos escravos dele. Se nos servirmos dele para nós e para os outros, pomo-lo ao serviço da caridade. Este serviço há-de ser universal, isto é, prestado a todo aquele que precisar, tendo sempre diante dos olhos Aquele por amor de quem o fazemos.
    Vivendo o amor, e traduzindo-o em obras, preparamo-nos para a morte, para o encontro com o Senhor junto do Qual viveremos para sempre. Quem aprende a servir por amor prepara-se para bem morrer.
    As nossas Constituições lembram frequentemente a dimensão do "serviço" a Deus e aos irmãos. O "serviço", a "vida doada", é verdadeira devoção ao Coração de Jesus, como podemos verificar nos números 16 a 39: «Unidos a Cristo no seu amor e na sua oblação ao Pai» (p. 2, parágrafo 3); «Chamados a servir a Igreja» (Cst 16-25; «Participantes na missão da Igreja» (p. 2, parágrafo 4; Cst. 26-34); «Atentos aos apelos do mundo» (p. 2, pará
    grafo 5; Cst. 35-39). Já o Cst. 6 afirmava claramente que o serviço que o Instituto é chamado a prestar à Igreja é a união da nossa vida religiosa e apostólica à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens, isto é, ao Pai em favor dos homens.

    Oratio
    Senhor, que eu não tema a pobreza, nem anseie pela riqueza; que não tema a morte, nem deseje a vida, a não ser para tua glória. Que eu não caia na ilusão de me apoiar nas minhas forças, mas unicamente me apegue à tua palavra, meu cajado, minha segurança, meu porto seguro. Ainda que o mundo se torne um caos maior do que é, tenho na Escritura a bússola segura. Aí encontro a verdadeira sabedoria que me há-de conduzir ao êxito; aí encontro a verdadeira luz, que me há guiar, com todos os meus irmãos e irmãs para o Dia sem ocaso. Amen.

    Contemplatio
    (Diz o Salvador): Vir a mim com amor, não é omitir a fé, mas torná-la viva, porque a fé não opera senão pela caridade. Também não é vir a mim com os trejeitos de uma pieguice sem consistência; porque vir amorosamente a mim, o grande sacrificado, é ir ao modelo de todos os sacrifícios; é vir colher no meu Coração e nos tesouros do meu amor uma força a toda a prova, um sustento nos sofrimentos e nas cruzes.
    A afeição do coração tal como a peço leva à acção e à generosidade. Os que me amam escutam a minha palavra e a ela conformam as suas acções: Si quis diligit me, sermonem meum servabit. A minha palavra é a regra da sua conduta. Ego Dominus, docens te utilia, gubernans te in via in qua ambulas (Is 48, 17). É preciso, portanto, precaver-se destas aparências de sentimentos pelos quais os homens se enganem às vezes a si mesmos. Não é preciso ligar importância a alguns fervores que duram o que dura um fogo de palha e que não produzem nada de durável. O sinal pelo qual se reconhece um sentimento do coração, são as obras que inspira: Operibus credite (Jo 10, 38). Não basta alguém dizer que me ama, é preciso fazer o que Eu digo e fazê-lo de bom coração. Tal deve ser o carácter dos fiéis e dos religiosos consagrados ao meu coração.
    (Diz o discípulo) Bom Mestre, compreendi os vossos desejos, ajudai-me a realizá-los. Renovo diante de vós a minha resolução de vos oferecer cada uma das minhas acções, ao menos as principais do dia, neste espírito de amor e de generosidade que de mim pedis. (Leão Dehon, OSP 2, p. 146s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «De tudo sou capaz naquele que me dá força» (Fl 4, 13).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Martinho de Tours, Bispo

    S. Martinho de Tours, Bispo


    11 de Novembro, 2024

    S. Martinho nasceu na Panónia, na atual Hungria, no ano 316. O pai orientou-o para a carreira militar. Ainda catecúmeno, deu prova de coerência e de amor cristão para com os pobres. Recebido o batismo, orientado por S. Hilário de Poitiers, deixou as armas e consagrou-se a Deus na vida monástica. Começou por viver como eremita. Depois, sempre aconselhado por S. Hilário, fundou em Ligugè o primeiro mosteiro cristão do Ocidente. Em 373 foi escolhido para bispo de Tours. Até à morte, ocorrida em 397, dedicou-se com incansável solicitude à formação do clero, à pacificação entre os povos e à evangelização. Foi um dos primeiros santos, não mártires, a ser honrado pela liturgia da Igreja.
    Lectio
    Primeira leitura: Da féria ou do Comum
    Evangelho: Mateus 25, 31-40

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 34O Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes".

    O discurso sobre o "juizo final", é o ponto final e culminante do ministério público de Jesus, segundo Mateus. Retomando o capítulo 7 de Daniel, Jesus fala do Filho do homem como juiz glorioso que introduz no reino de Deus. Todos passam por um discernimento inevitável (vv. 32s.), cujo critério surpreende. Nesse momento, de fato, fica-se a compreender que o Filho do homem vindo na glória "com todos os seus anjos" (v. 31), estava desde sempre presente em todos os pobres e fracos. O Filho do homem, agora sentado no trono de glória, identifica-se com todos os "irmãos mais pequeninos" (v. 40). Felizes o que neste mundo tiverem partilhado a sua porção dealegria com os aflitos. Com surpresa, irão herdar o reino para eles preparado pelo Pai "desde a criação do mundo" (v. 34).
    Meditatio

    Deus, misericordioso para com todos, particularmente para com os pobres, os famintos, os aflitos, revela o seu poder e a sua bem-aventurança realizando generosamente as obras de misericórdia. Os que, ensinados por Cristo, e com a graça do Espírito Santo, imitam a Deus Pai na sua misericórdia, são verdadeiramente bem-aventurados. S. Martinho de Tours é um desses bem-aventurados, porque sobre partilhar a sua capa, e tudo quanto era e quanto possuía, com os mais pobres e aflitos. O povo cristão admirou a sua generosidade e reconheceu a sua bem-aventurança, venerando-o, celebrando-o e criando sugestivas tradições ligadas à sua memória. A sua vida, escrita por Sulpício Severo, chegou bem depressa a todo o Império romano. Durante a Idade Média fizeram-se peregrinações ao seu sepulcro, quase tantas como aos sepulcros dos Apóstolos, em Roma. A sua fama de taumaturgo transportava toda a espécie de enfermos e necessitados, com a esperança de alcançarem cura das suas doenças e males.
    Nascido de pais pagãos, Martinho converteu-se ao cristianismo, recebendo o batismo. Cheio de Espírito Santo, amou a todos com o coração de Cristo, dando o que tinha recebido, sem fazer cálculos. A sua caridade era intuitiva e preveniente. Começou por dar a todos o que tinha de mais precioso: a vida da graça. Como monge, deu a sua oração perene de louvor, de ação de graças e de intercessão. Como bispo, prodigalizou-se em favor dos doentes e pobres, que o aguardavam à porta da igreja, esperando a cura, e a generosidade das suas esmolas. Chegou a dar a sua própria roupa, logo depois de endossar os paramentos litúrgicos. Descobriu a Cristo nos pobres quando ainda era militar e catecúmeno e, desde então, a sua vida tornou-se milícia em prol do evangelho.
    "É na disponibilidade e no amor para com todos, especialmente para com os pequenos e os que sofrem, que viveremos a nossa união a Cristo. Como poderíamos, efetivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, senão amando como Ele em obras e em verdade? Neste amor de Cristo encontramos a certeza de alcançar a fraternidade humana e a força de lutar por ela." (Cst 18). S. Martinho, amando como Cristo, compreendeu e experimentou o seu amor.
    Oratio

    S. Martinho, a piedade, o amor por Nosso Senhor, o zelo pela perfeição, a caridade para com o próximo são uma bela regra de vida. Todas estas virtudes estão interligadas. O desapego e a austeridade são a sua condição, mas é o amor que dá asas à alma para avançar rapidamente pela via da santidade. Grande santo, fazei-me participar no vosso grande amor por Nosso Senhor. Amén. (cf. Leão Dehon, OSP 4, p. 448s.).
    Contemplatio

    A caridade é a virtude caraterística de S. Martinho. É apresentado dando metade do seu manto a um pobre. Foi este grande ato de caridade que lhe ganhou o Coração de Nosso Senhor e que lhe preparou todas as suas graças. Foi um apóstolo infatigável. Percorreu a Gália, convertendo os pagãos pelas suas pregações e pelos seus milagres. Destruía os templos e mandava construir igrejas para os substituir. Na sua bondade, solicitava junto dos príncipes, em Tréveris, o perdão dos criminosos, a liberdade dos cativos, o regresso dos exilados ou o alívio dos pobres e dos infelizes. Sabia persuadir o imperador de que todas estas obras serviam para a sua glória. Ao cair doente, está pronto para retardar a alegria da sua recompensa, se Nosso Senhor ainda o quiser utilizar na terra. Quando os seus discípulos em lágrimas lhe suplicam que os não deixe, dirige a Nosso Senhor esta oração tão conhecida: «Senhor, se sou ainda necessário ao vosso povo, não me recuso a trabalhar. Seja feita a vossa vontade!» Este era o segredo dos seus sucessos apostólicos e dos seus progressos incessantes na virtude: a conformidade à vontade divina em todas as coisas. Esta admirável vida convida-nos ao louvor de Deus, ao reconhecimento e à imitação das virtudes deste amável santo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 449).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Senhor, se ainda sou necessário ao vosso povo, não me recuso a trabalhar. Seja feita a vossa vontade!" (S. Martinho de Tours).

     

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    S. Martinho de Tours, bispo (11 de Novembro)

    XXXII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    11 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tito 1, 1-9
    Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, em ordem à fé dos eleitos de Deus e ao conhecimento da verdade, que conduz à piedade, 2na esperança da vida eterna, prometida desde os tempos antigos pelo Deus que não mente 3e que, no devido tempo, manifestou a sua palavra, pela pregação que me foi confiada por mandato de Deus, nosso Salvador: 4a Tito, meu verdadeiro filho, pela fé comum, a graça e a paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Salvador. 5Deixei-te em Creta, para acabares de organizar o que ainda falta e para colocares presbíteros em cada cidade, de acordo com as minhas instruções. 6Cada um deles deve ser irrepreensível, marido de uma só mulher, com filhos crentes, e não acusados de vida leviana ou de insubordinação. 7Porque é preciso que o bispo, como administrador de Deus, seja irrepreensível, não arrogante, nem colérico, nem dado ao vinho, à violência ou ao lucro desonesto; 8mas, antes, hospitaleiro, amigo do bem, prudente, justo, piedoso, continente, 9firmemente enraizado na doutrina da palavra digna de fé, de modo que seja capaz de exortar com sãos ensinamentos e de refutar os contraditores.
    A carta a Tito é uma das chamadas «cartas pastorais». Tito é um dos colaboradores do Apóstolo. Ao confiar-lhe uma comunidade, faz-lhe algumas recomendações baseadas no evento de Jesus Morto e Ressuscitado. Fala-lhe «da verdade, que conduz à piedade» (v. 1) e da «esperança da vida eterna» (v. 2).
    A tarefa de Tito será formar os crentes para que se enamorem da verdade revelada e pregada e, desse modo, fortaleçam o vínculo da fé e do amor que os liga na comunidade e a Cristo. É nisso que consiste a administração que Deus pede aos seus servidores. O serviço da Palavra, a pregação apostólica, é o fundamental serviço à comunidade. Sem esse serviço não nascem novas comunidades cristãs. O responsável pela comunidade deve ter excepcionais qualidades quanto ao estilo de vida e de acção; deve ser fiel à doutrina e generoso no serviço. Pastor e fiéis hão-de estar à escuta, submetidos à doutrina-verdade contida nas Escrituras, tanto no Antigo como no Novo Testamento.

    Evangelho: Lucas 17, 1-6
    Naquele tempo: 1Disse, depois, aos discípulos: «É inevitável que haja escândalos; mas ai daquele que os causa! 2Melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem ao mar, do que escandalizar um só destes pequeninos. 3Tende cuidado convosco!Se o teu irmão te ofender, repreende-o; e, se ele se arrepender, perdoa-lhe. 4Se te ofender sete vezes ao dia e sete vezes te vier dizer: 'Arrependo-me', perdoa-lhe.» 5Os Apóstolos disseram ao Senhor: «Aumenta a nossa fé.» 6O Senhor respondeu: «Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a essa amoreira: 'Arranca-te daí e planta-te no mar', e ela havia de obedecer-vos.»
    Lucas apresenta-nos três temas da pregação de Jesus: o escândalo, o perdão, a fé. É preciso considerá-los de modo unitário.
    O discípulo deve ter a preocupação de não provocar escândalo, que leve alguém a afastar-se do caminho iniciado. Trata-se do caminho evangélico. Por isso, Jesus lança um dos seus «ai». O Mestre não pode aceitar o comportamento de quem põe em risco a sua salvação e compromete a dos outros, sobretudo a dos «pequenos» (v. 2). Se é preciso evitar o escândalo, também é preciso conceder o perdão a todos, a todo o custo (vv. 3-4). O perdão é sinal de verdadeiro amor. É no perdão que se revela o amor de Deus para connosco. Jesus, que é a incarnação histórica do amor de Deus, também oferece o perdão àqueles que dele precisam.
    Ao terminar o ensinamento, Jesus elogia a fé que, ainda que seja pequena, pode mostrar toda a sua força, mesmo com um milagre. Os discípulos pedem um aumento da sua fé. Jesus responde-lhes falando da eficácia de uma fé genuína (v. 6).

    Meditatio
    A palavra de Deus, hoje, leva-nos a centrar a atenção em três tipos de pessoas: os pequenos, o irmão, os apóstolos. Ao mesmo tempo leva-nos a descobrir uma espiritualidade evangélica capaz de iluminar toda a nossa vida.
    Os pequenos mereceram uma especial atenção de Jesus. Foram os destinatários privilegiados dos seus ensinamentos e personificam sacramentalmente a sua presença no meio de nós. Não podemos escandalizá-los! Devem também merecer o nosso especial cuidado e o nosso serviço.
    O irmão, de que nos fala o evangelho, não é uma simples abstracção. É alguém de carne e osso, talvez mesmo um pecador cheio de arrependimento. Como Jesus, também nós devemos oferecer-lhe o perdão e a possibilidade de restabelecer uma relação serena e harmoniosa.
    Os apóstolos, na singularidade da sua missão, estão conscientes de que ainda carecem de aumentar a sua fé para chegarem a uma plena sintonia com o Mestre.
    Vistas assim, todas estas pessoas são modelos para nós, sempre carecidos de purificar a fé que nos foi dada. Por pequena ou grande que seja, a fé liberta sempre uma força superior a qualquer capacidade humana. É verdadeiramente miraculosa, não tanto porque possa realizar coisas extraordinárias, mas porque põe em acto o poder divino.
    A "Palavra", mas sobretudo a "partilha do Pão" (Cst 17) são um convite diário, eucarístico para nós, dehonianos, a sermos pão bom, partido pelos irmãos, de modo especial para os mais fracos e carenciados: «os pequenos e os que sofrem» (Cst 18).
    «Deveis lavar os pés uns aos outros» (Jo 13, 14). É um convite a servirmos os irmãos, tal como Cristo fez, de modo heróico, até ao dom da vida (cf. Jo 15, 13), até Se tornar alimento e bebida para nós (cf. Cst 17). Neste amor de Cristo - por nós, e com que amamos os irmãos -encontramos a certeza de alcançar a fraternidade humana e a força de lutar por ela (cf. Cst 18).
    «Como o Pai Me enviou - diz Jesus - Também Eu vos envio a vós. Depois de ter dito isto, soprou sobre eles e disse: "Recebei o Espírito Santo» (Jo 20, 21-22). O Espírito que Ele deu aos apóstolos levou-os ao mais elevado grau de fé e encheu-os de força para a missão. Esse mesmo Espírito nos foi dado para caminharmos na fé e no amor, para ser em nós força de missão e de serviço (e não de domínio) aos irmãos: «como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir» (Mt 20, 28); «Eu estou no meio de vós como quem serve» (Lc 22, 27) e, depois do lava-pés: «Dei-vos o exemplo, para que façais como Eu fiz... Sabendo estas coisas, sereis felizes se as puserdes em prática» (
    Jo 13, 15.17).

    Oratio
    Senhor, Pai santo, derrama sobre nós o teu Espírito, que ilumine a nossa responsabilidade e a nossa consciência, nos faça crescer na fé e no amor, e progredir espiritualmente. Não deixes que fechemos os olhos, e não nos deixemos iluminar pelo Espírito, permanecendo na ilusão de sermos bons. Faz-nos conhecer a verdade, desapegar-nos do mal e confiar na tua misericórdia. Revela-nos o teu coração de Pai, disposto a perdoar, não sete, mas setenta vezes sete. Ensina-nos a perdoar, não só aos outros, mas também a nós mesmos. Ensina-nos a aceitar-nos, com humildade e confiança, tal como Tu mesmo nos aceitas para atingirmos a plena maturidade humana e espiritual. Que a graça, nem sempre agradável, mas preciosa de nos conhecermos a nós mesmos, nos dispunha a acolher a tua misericórdia e a tornar-nos instrumentos dela para os outros. Amen.

    Contemplatio
    «O meu Pai e eu, diz o Senhor, somos assim glorificados». É, de facto, o amor divino pelos homens que é imitado e continuado. A nossa união fraterna faz a alegria de Deus nosso Pai. Ela faz também a nossa força e a nossa consolação. As obras da caridade fraterna são também um poderoso meio de apostolado e o instrumento da conversão dos povos. O mundo vê que nos amamos e fica emocionado.
    Esta caridade tem tido os seus inumeráveis mártires, que têm fecundado a Igreja e enchido o céu. Todos aqueles que sacrificaram a sua vida nos trabalhos e nos perigos do apostolado sob todas as suas formas são mártires da caridade. Enfrentaram as fadigas, as doenças, as dificuldades do clima, a hostilidade dos infiéis para irem em socorro dos que sofrem ou que estão nas trevas da idolatria. Era o espírito da caridade que os conduzia.
    Dando-nos o seu preceito novo, Nosso Senhor dá-nos, no Espírito Santo, a graça de o cumprirmos.
    Se correspondermos a este espírito de caridade, havemos de praticar entre nós a doçura, a paciência, a benevolência. As obras de misericórdia ser-nos-ão caras e fáceis. Teremos gosto em tomar conta dos pequenos, dos pobres, dos ignorantes, daqueles que sofrem. Havemos de nos recordar da palavra do bom Mestre: «O que fazeis aos pequenos e aos deserdados, tenho como feito por mim».
    Se tivermos uma caridade ardente e abundante, levá-la-emos até ao sacrifício. Despojar-nos-emos, afadigar-nos-emos para socorrer o nosso próximo, e, se for preciso, daremos a nossa vida por ele como Nosso Senhor a deu por nós. (Leão Dehon, OSP 3, p. 419s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, Aumenta a nossa fé» (cf. Lc17, 5).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    12 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tito 2, 1-8. 11-14
    Caríssimo: 1Ensina o que é conforme à sã doutrina. 2Os anciãos sejam sóbrios, dignos, prudentes, firmes na fé, na caridade e na paciência. 3Do mesmo modo, as anciãs tenham um comportamento reverente, não sejam caluniadoras nem escravas do vinho, mas mestras de virtude, 4a fim de ensinarem as jovens a amar os maridos e os filhos, 5a serem prudentes, castas, boas donas de casa e dóceis aos maridos, de modo que a palavra de Deus não seja difamada. 6Exorta igualmente os jovens a serem moderados, 7apresentando-te em tudo a ti próprio como exemplo de boas obras, de integridade na doutrina, de dignidade, 8de palavra sã e irrepreensível, para que os adversários fiquem confundidos, por não terem nada de mal a dizer de nós. 11Com efeito, manifestou-se a graça de Deus, portadora de salvação para todos os homens, 12para nos ensinar a renúncia à impiedade e aos desejos mundanos, a fim de vivermos no século presente com sobriedade, justiça e piedade, 13aguardando a bem-aventurada esperança e a gloriosa manifestação do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo. 14Ele entregou-se por nós, a fim de nos resgatar de toda a iniquidade e de purificar e constituir um povo de sua exclusiva posse e zeloso na prática do bem.
    Paulo dirige esta carta ao responsável pela comunidade de Creta. Mas os seus ensinamentos interessam a todos e a todas as comunidades. Para que a mensagem de Cristo ressuscitado ultrapasse os limites da comunidade, é preciso que todos se empenhem no testemunho. Sem isso, o Evangelho pode tornar-se ineficaz. Na comunidade vivem diversas categorias de pessoas. Paulo dá, a cada uma delas, um conselho oportuno, uma palavra de conforto. Recomenda aos anciãos e anciãs a sobriedade, um estilo de vida digno, perseverança na fé, generosidade no amor fraterno (vv. 2s.). Assim se podem tornar modelo para os jovens e para as famílias. A palavra de Deus pode espalhar-se, graças à sua colaboração. Aos jovens, o Apóstolo dirige palavras muito exigentes, mas cheias de luz e de graça (vv. 6-8): devem dar o bom exemplo aos da sua idade, por meio «do exemplo das boas obras» e pelo respeito recíproco e pela «palavra sã e irrepreensível». O seu principal inimigo, lembra Paulo, é Satanás.
    A motivação teológica para todos estes comportamentos, ou programa de vida, também é explicitada: «manifestou-se a graça de Deus, portadora de salvação para todos os homens, para nos ensinar a renúncia à impiedade e aos desejos mundanos, a fim de vivermos no século presente com sobriedade, justiça e piedade» (vv. 11b-12). Trata-se do evento salvífico de Jesus Cristo, isto é, do seu mistério de vida, morte e ressurreição.

    Evangelho: Lucas 17, 7-10
    Naquele tempo, disse o Senhor: 7«Qual de vós, tendo um servo a lavrar ou a apascentar gado, lhe dirá, quando ele regressar do campo: 'Vem cá depressa e senta-te à mesa'? 8Não lhe dirá antes: 'Prepara-me o jantar e cinge-te para me servires, enquanto eu como e bebo; depois, comerás e beberás tu'? 9Deve estar grato ao servo por ter feito o que lhe mandou? 10Assim, também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: 'Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer.'»
    Jesus, depois de ter falado da fé, dirige-se aos apóstolos e, por meio da parábola do servo (seria mais exacto traduzir «escravo»), recomenda-lhes que se façam servos («escravos») de todos. Mais uma vez, Jesus acentua que, na lógica do Reino, não conta tanto o que se faz quanto a intenção, o estilo, o método com que se faz. Não recomenda uma humildade genérica, ou protocolar: o que Lhe interessa realmente é o que pensam e pretendem fazer os apóstolos, quando se põem ao seu serviço e ao serviço da sua causa. Deus não precisa de nós, nem das nossas ajudas; mas quer colaboradores em total sintonia com o seu projecto de salvação, aqui e agora personificado em Jesus de Nazaré.
    «Escravos inúteis» (v. 10), isto é, comuns, simples... O que Jesus quer que os apóstolos interiorizem é a atitude que, Ele mesmo, demonstrará na véspera da paixão: depor o manto, servir os irmãos e, no fim, julgar-se e declarar-se «escravos inúteis» (cf. Lc 22, 24-27; Jo 13, 1-17).

    Meditatio
    O Senhor Jesus põe-nos decididamente no nosso lugar: «quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: 'Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer». Este ensinamento que, em primeiro lugar se destina aos apóstolos, é para todo o cristão, para todos nós. Somos servos inúteis porque, quando demos tudo o que tínhamos a Deus, não fizemos mais do que restituir-Lhe o que antes nos tinha dado. Somos sempre seus devedores, porque tudo recebemos dele.
    O Vaticano II lembra a todos o dever de viver como servos na Igreja e no mundo, para bem dos irmãos. É uma tarefa que deriva da graça do Baptismo, que faz nascer em nós o direito e o dever de nos interessarmos pelo bem-estar dos irmãos, em força da graça recebida.
    O que Jesus diz aos apóstolos, Lucas também o atribui a Maria. Na Anunciação, Maria responde ao Anjo: «Eis a serva (literalmente «a escrava») do Senhor» (Lc 1, 38). Mais adiante, no Magnificat, oração de louvor e de acção de graças, Maria exclama: «Ele olhou para a sua humilde serva («escrava»)» (Lc 1, 48).
    Também Paulo, na carta aos Filipenses, diz de Cristo: «Assumiu a condição de servo (literalmente, «escravo») e humilhou-Se a Si mesmo» (literalmente: «abaixou-se a si mesmo») (2, 7b.6ª). Estamos sempre perante as mesmas expressões que, não por acaso, ocorrem nos escritos de Paulo e de Lucas, seu discípulo.
    Não certamente é preciso sublinhar a actualidade desta mensagem. Vemos, hoje, muitas pessoas dispostas a ser úteis aos outros, sem se considerarem «inúteis» diante de Deus. Por vezes encontramos pessoas dispostas a servir os outros, mas sem mostrarem vontade de assumir este comportamento evangélico, cheio de caridade, de absoluta gratuidade e de profunda humildade.
    O "Ecce venio" de Cristo, que exprime disponibilidade amorosa e gratuita, foi preanunciado por muitos servos e amigos de Deus do Antigo Testamento. Desde Abraão, disposto a sacrificar o filho Isaac ("Eis-me aqui", Gn 22, 1), desde Moisés que se prepara para libertar os hebreus da escravidão do Egipto ("Eis-me aqui", Ex 3, 4) até Samuel e Isaías, disponíveis para o serviço da profecia, isto é, para falar ao povo de Israel em nome de Deus ("Eis-me aqui", 1 Sm 3, 4; Is 3, 4). A atitude que estes "Eis-me aqui" significam, deve ser a atitude de todo o verdadeiro discípulo. Há-de ser particularmente a nossa atitude de dehonianos. O nosso "Ecce venio", unido ao "Ecce venio" de Cristo, exp
    rime a nossa vocação e missão, o serviço amoroso a gratuito a prestar a Deus, à Igreja e ao mundo: «somos chamados na Igreja a procurar e a realizar, como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (Cst 26).

    Oratio
    Senhor, as tuas palavras são claras, são exigentes. Mas não as pronunciaste para me fazer sofrer, para me humilhar. Pronunciaste-as para me mostrar o caminho da alegria: servir de modo gratuito e humilde. De facto, quem se deixa levar por reivindicações, jamais estará satisfeito, porque pretende sempre mais. Mas, quem se julga indigno dos teus favores, sabe que tudo recebe de Ti e que, servir-Te, em tudo e sempre, é uma graça que nos enche de satisfação e alegria. Que eu jamais me preocupe em contabilizar méritos, mas me julgue servo inútil não tendo feito mais do que o meu dever. E não deixarás de me surpreender com os teus dons, porque és sempre generoso com os teus servos. Aumenta em mim a fé, e isso me basta! Amen.

    Contemplatio
    Por nós mesmos, nós não podemos ir a Deus senão pelo Sagrado Coração; é no Coração de Jesus que nós devemos unir-nos a Deus e comunicar com Deus; lá nós encontraremos o Pai e o Espírito Santo no Coração do Filho.
    Nós devemos unir-nos a Ele pelo amor e pela oblação de nós mesmos continuamente repetida, a fim de que a nossa vida esteja continuamente escondida no Sagrado Coração. Ele quer velar sobretudo pelos desejos e os afectos, de modo que todos os nossos actos tenham como objecto o Sagrado Coração imediata ou mediatamente: imediatamente pela contemplação pura, mediatamente pelo amor das criaturas reportado ao Sagrado Coração; evitar as acções que fazemos unicamente por amor próprio e vaidade. Todas as vezes que fazemos um acto de amor próprio, nós roubamos alguma coisa ao Coração de Jesus. Que diríeis de alguém que de manhã levasse um dom para o altar e que viesse retomá-lo durante o dia? Se uma pessoa depositasse uma peça de ouro na caixa das esmolas do Sagrado Coração para servir para honrar este divino Coração por alguma coisa de grande no seu culto, e viesse depois abrir furtivamente a caixa das esmolas para retomar o seu ouro, o vosso coração não se revoltaria num sentimento de indignação? Eis o que nós fazemos quando o amor-próprio rouba ao Sagrado Coração o mérito das nossas obras. Não é isto uma rapina no holocausto? Não é isto uma espécie de sacrilégio? O que foi deposto sobre o altar do Coração de Jesus é consagrado, santificado; roubá-lo, não é isso apropriar-nos do que pertence a Deus? Haverá sem dúvida ainda entre nós pensamentos de amor-próprio, movimentos primários que escaparão à nossa fraqueza; mas, de facto, actos deliberados, já não deve haver um acto que seja feito por amor-próprio.
    Para que a vida esteja inteiramente escondida em Deus, é preciso que o amor seja desinteressado. O Sagrado Coração não procurava nem a sua própria glória, nem os seus próprios interesses, mas unicamente os de Deus. Este desinteresse entra na nossa vocação, porque nós consagramos os nossos méritos ao Sagrado Coração. Por isso é necessário que nos mantenhamos na humildade, no abandono, e não nos inquietarmos por saber qual é o nosso grau de santidade; não ter perturbações acerca das nossas imperfeições e os nossos defeitos; numa palavra, olhar pouco para nós mesmos, mas olhar primeiro para o Sagrado Coração, para o servir, contentar e amar. (Leão Dehon, OSP 2, p. 228s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Manifestou-se a graça de Deus» (Tt 2, 11).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    13 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tito 3, 1-7
    Caríssimo: 1Recorda-lhes que sejam submissos e obedientes aos governantes e autoridades, que estejam prontos para qualquer boa obra, 2que não digam mal de ninguém, nem sejam conflituosos, mas sejam afáveis, mostrando sempre amabilidade para com todos os homens. 3Pois também nós éramos outrora insensatos, rebeldes, extraviados, escravos de toda a espécie de paixões e prazeres, vivendo na maldade e na inveja, odiados e odiando-nos uns aos outros. 4Mas, quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com os homens, 5Ele salvou-nos, não em virtude de obras de justiça que tivéssemos praticado, mas da sua misericórdia, mediante um novo nascimento e renovação do Espírito Santo, 6que Ele derramou abundantemente sobre nós por Jesus Cristo, nosso Salvador, 7a fim de que, justificados pela sua graça, nos tornemos, segundo a nossa esperança, herdeiros da vida eterna.
    Paulo faz chegar a sua mensagem a toda a comunidade, por meio de Tito. Assim, colabora, com o responsável da comunidade, na construção de uma Igreja que pretende digna de tal nome e capaz de testemunhar o Evangelho.
    Começa por sublinhar a dimensão pública do ser cristão. A fé em Cristo não pode ser reduzida a uma experiência privada; deve manifestar-se publicamente e penetrar na trama das relações sociais. Depois, descreve a passagem decisiva da maldade e do ódio a um presente iluminado pela graça de Deus: «Também nós éramos outrora insensatos, rebeldes, extraviados, escravos de toda a espécie de paixões e prazeres, vivendo na maldade e na inveja, odiados e odiando-nos uns aos outros. Mas, quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador» (vv. 3-4). Esta passagem marca a grande novidade de Jesus, incarnação pessoal do amor misericordioso do Pai.
    Esta «Boa Nova» é destinada a cada um de nós, tal como foi destinada aos crentes confiados aos cuidados pastorais de Tito. Hoje, como ontem, estamos perante um dom gratuito e inesperado de Deus. Sempre que contactamos com a palavra escrita, temos oportunidade de fazer memória do grande evento anunciado por Paulo, evento que nos regenera e renova pelo poder do Espírito Santo.

    Evangelho: Lucas 17, 11-19
    Naquele tempo, 11Quando caminhava para Jerusalém, Jesus passou através da Samaria e da Galileia. 12Ao entrar numa aldeia, dez homens leprosos vieram ao seu encontro; mantendo-se à distância, 13gritaram, dizendo: «Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós!» 14Ao vê-los, disse-lhes: «Ide e mostrai-vos aos sacerdotes.» Ora, enquanto iam a caminho, ficaram purificados. 15Um deles, vendo-se curado, voltou, glorificando a Deus em voz alta; 16caiu aos pés de Jesus com a face em terra e agradeceu-lhe. Era um samaritano. 17Tomando a palavra, Jesus disse: «Não foram dez os que ficaram purificados? Onde estão os outros nove? 18Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?» 19E disse-lhe: «Levanta-te e vai. A tua fé te salvou.»
    Jesus retoma a viagem para Jerusalém, onde como os profetas, será chamado a dar a vida. Entra numa aldeia de samaritanos e deixa-se interpelar por um grupo de leprosos. Eram samaritanos, estrangeiros para os judeus; eram leprosos e tornavam impuro quem se aproximasse deles (vv. 12s.). Mas Jesus é o salvador de todos, o irmão universal. Veio para todos: não faz acepção de pessoas, não despreza ninguém por pertencer a um determinado povo ou a uma certa raça; muito menos despreza alguém por estar doente. Jesus realiza este milagre com a sua habitual discrição e abertura aos mais pobres entre os pobres, àqueles que mais precisam da sua intervenção salvadora.
    São curados os 10 leprosos; mas só um deles sente a obrigação de agradecer (v. 15). O gesto de se lançar aos pés de Jesus significa, não só a sua gratidão pelo milagre, mas também a decisão de se tornar discípulo (v. 16). E só ele é plenamente curado, no corpo e na alma. Não basta encontrar Jesus. É preciso escutar a sua palavra, deixar-se atrair pela graça e segui-lo para onde quer que vá. O caminho da salvação vai da graça recebida, à gratidão, ao louvor.

    Meditatio
    O evangelho de hoje permite-nos compreender melhor aquilo que dizemos no prefácio da celebração eucarística: «é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação, dar-vos graças». Os leprosos curados foram dez. Mas apenas um sentiu o dever de agradecer. Estamos tão habituados às graças de Deus que já não nos admiramos com elas. Damo-las por pressupostas e, muitas vezes, não as agradecemos. E, todavia, é nosso dever reconhecer os dons de Deus e dar-Lhe graças por eles. Essa gratidão é fonte de salvação para nós. Foi o que aconteceu com o leproso curado, que foi agradecer a Jesus. Impressionam-nos as perguntas que Jesus lhe faz. Impressiona-nos especialmente a exclamação final: «Levanta-te e vai. A tua fé te salvou» (v. 19). Jesus mostra-se admirado por um só dos leprosos curados ter voltado para agradecer. E declara que foi a fé que o curou plenamente.
    Vejamos o itinerário que este homem percorreu: era um leproso como os outros; como os outros invocou a compaixão de Jesus; como os outros foi mostrar-se aos sacerdotes. Mas só ele voltou atrás para agradecer a Jesus. Jesus reconheceu nesse agradecimento uma manifestação de fé pura. Assim, verificamos que o encontro pessoal com Jesus não só lhe renovou o corpo, mas também lhe transformou profundamente a alma. O leproso curado não ficou satisfeito unicamente por ter resolvido um problema pessoal. Parecia-lhe pouco e, sobretudo, pouco digno de um homem que tinha intuído ter encontrado uma pessoa extraordinária. O seu verdadeiro desejo foi voltar atrás para conhecer... conhecer para reconhecer aquele que o curou... reconhecê-lo para lhe agradecer e segui-lo... Estamos perante um caminho de iniciação cristã, que todo o fiel deveria percorrer e reviver nos momentos decisivos da sua existência. Uma graça material é pouca coisa em comparação com aquilo que Deus tem para nos dar quando reconhecemos o seu amor e damos graças.
    Na Eucaristia, «unidos à acção de graças... de Cristo, somos chamados a colocar toda a nossa vida ao serviço da Aliança de Deus com o seu Povo» (cf. Cst 84). Vivendo esta disposição, de modo habitual, não só damos graças na celebração eucarística, na adoração e noutros momentos de oração, mas a nossa vida se torna acção de graças, comunhão de amor e de fé com Jesus Cristo.

    Oratio
    Senhor, a tua palavra alerta-me hoje para o dever e para a necessidade de Te dar graças por todos os teus dons. Agradecer-Te é, de verdade, nosso dever e nossa salvação. De quantas doenças me tens curado, desde a grande cura que foi o meu baptismo. Obrigado, S
    enhor. Quantas vezes me envolveste na tua misericórdia, e renovaste em mim a beleza da criação. Obrigado, Senhor! Que a Eucaristia diária seja de verdade «acção de graças» e que o encontro contigo, que me dás tanto amor, seja um encontro pessoal de amor e de fé, que faça da minha vida uma eucaristia permanente. Amen.

    Contemplatio
    A vossa mais doce ocupação deveria ser evocar sem cessar a recordação dos benefícios do vosso Pai celeste, meditá-los, aprofundá-los.
    É uma matéria inesgotável, nela não há nada que não seja cheio de consolação e de enternecedor para o coração, está ao vosso alcance e não exige uma grande contenção do espírito. A intenção do vosso Pai celeste é que penseis nisso mais frequentemente do que em nenhuma outra coisa e que os não percais jamais de vista. Assinalou-a em centenas de lugares da Sagrada Escritura. Muitas vezes censurou Israel de esquecer o seu Criador e o seu Deus (Dt 32; Is 51, etc.). Convida-vos a guardar esta recordação; ordena-vos que o recordeis para a sua glória e para o vosso benefício; ligou-lhe graças infinitas.
    E vós, ingratos e insensatos, gozais dos benefícios de um Deus criador, de um Deus salvador, e com dificuldade vos acontece reflectir nisso e assinalar o vosso reconhecimento. Rezais bastante para lhe pedir, não rezais quase nunca para lhe agradecer e o glorificar.
    Seria demasiado dar cada dia uma meia hora, um quarto de hora pelo menos para meditar nos inefáveis benefícios do vosso Deus, prestar-lhe acções de graças, excitar em vós os sentimentos que a sua bondade merece? Não seria este o melhor emprego do tempo do que dais cada dia a exercícios de piedade muitas vezes bem vazios? Ó como vos encontraríeis bem com esta prática e como o amor de Deus tomaria o melhor crescimento na vossa alma!
    Deus pedir-vos-á contas do emprego do vosso tempo e das vossas faculdades. Porque é que, dir-vos-á, quase nada tendes pensado nos meus benefícios? Porque é que os mistérios da religião não estiveram sempre presentes no vosso espírito? Porque é que não tendes reflectido em tantas graças pessoais de que a vossa vida não era mais do que um tecido?
    Mesmo as pessoas do mundo têm este dever. As riquezas têm os seus inconvenientes e os seus perigos, mas têm também as suas vantagens em relação à salvação e à santidade, na medida em que proporcionam mais liberdade para se ocuparem das coisas da religião e, ordinariamente, uma educação que dispõe a melhor as conceber e a delas tirar mais fruto. Permitem que se procurem bons livros de piedade. Os que têm estas vantagens serão porventura desculpados, se negligenciam alimentar em si a recordação dos benefícios de Deus através das leituras e meditações diárias; se despendem todos os seus tempos livres em visitas, no jogo, nos espectáculos, nos divertimentos frívolos; se as suas leituras se limitam aos livros de ciência profana ou mesmo a matérias pueris e perigosas? (Leão Dehon, OSP 2, p. 31s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Ele salvou-nos pela sua misericórdia» (Tt 3, 5).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXII Semana - Quinta-feira- Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Quinta-feira- Tempo Comum - Anos Pares

    14 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Filémon 7-20
    Caríssimo: 7Foi grande a alegria e a consolação que tive com o teu amor, porque os corações dos santos foram reconfortados por meio de ti, irmão. 8Por isso, embora tenha toda a autoridade em Cristo para te impor o que mais convém, 9levado pelo amor, prefiro pedir como aquele que sou: Paulo, um ancião e, agora, até prisioneiro por causa de Cristo Jesus. 10Peço-te pelo meu filho, que gerei na prisão: Onésimo, 11que outrora te era inútil, mas agora é, para ti e para mim, bem útil. 12É ele que eu te envio: ele, isto é, o meu próprio coração. 13Eu bem desejava mantê-lo junto de mim, para, em vez de ti, se colocar ao meu serviço nas prisões que sofro por causa do evangelho. 14Porém, nada quero fazer sem o teu consentimento, para que o bem que fazes não seja por obrigação, mas de livre vontade. 15É que, afinal, talvez tenha sido por isto que ele foi afastado por breve tempo: para que o recebas para sempre, 16não já como escravo, mas muito mais do que um escravo: como irmão querido; isto especialmente para mim, quanto mais para ti, que com ele estás relacionado tanto humanamente como no Senhor. 17Se, pois, me consideras em comunhão contigo, recebe-o como a mim próprio. 18E se ele te causou algum prejuízo ou alguma coisa te deve, põe isso na minha conta. 19Sou eu, Paulo, que o escrevo pela minha própria mão: serei eu a pagar. Isto, para não te dizer que me deves a tua própria pessoa. 20Sim, irmão, possa eu sentir-me satisfeito contigo no Senhor: reconforta o meu coração em Cristo.
    Esta carta não é mais do que um pequeno bilhete de recomendação em favor de Onésimo, um escravo, que Paulo defende diante de Filémon, seu senhor. Onésimo tinha fugido ao dono, e estava numa situação delicada. Paulo tenta que Filémon não aplique a justiça, mas actue de acordo com a sua fé cristã, usando a caridade evangélica.
    O apóstolo realça, neste breve escrito, dois valores: a caridade, que é a fonte do agir moral e a base das suas relações sociais, além de ser a meta suprema a atingir. A isso obriga a caridade de Deus revelada em Jesus Cristo. O outro valor em que o Apóstolo fundamenta a sua argumentação é a liberdade oferecida por Cristo, que ninguém deve negar ou limitar aos outros. Essa liberdade dá a Paulo audácia para fazer o seu pedido, e deve inspirar a Filémon um comportamento consequente em relação a Onésimo. Quem é livre diante de Deus e de si mesmo não pode negar essa mesma liberdade a quem lhe pede.
    Caridade e liberdade, juntas em vista da verdade, podem transformar as relações sociais, para além de qualquer conveniência pessoal ou interesse colectivo.

    Evangelho: Lucas 17, 20-25
    Naquele tempo: 20Interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o Reino de Deus, Jesus respondeu-lhes:«O Reino de Deus não vem de maneira ostensiva. 21Ninguém poderá afirmar: 'Ei-lo aqui' ou 'Ei-lo ali', pois o Reino de Deus está entre vós.» 22Depois, disse aos discípulos: «Tempo virá em que desejareis ver um dos dias do Filho do Homem e não o vereis. 23Vão dizer-vos: 'Ei-lo ali', ou então: 'Ei-lo aqui.' Não queirais ir lá nem os sigais. 24Porque, como o relâmpago, ao faiscar, brilha de um extremo ao outro do céu, assim será o Filho do Homem no seu dia. 25Mas, primeiramente, Ele tem de sofrer muito e ser rejeitado por esta geração.
    Escutamos hoje o chamado "Pequeno discurso escatológico" do evangelho de Lucas (cf. Lc 21, onde encontramos o "Grande discurso escatológico"). Trata-se de um breve mas intenso ensinamento de Jesus, provocado por uma pergunta dos fariseus acerca do tempo em que há-de vir o Reino de Deus. Jesus não condescende com a miopia espiritual nem com interesses egoístas. Por isso, não dá uma resposta exacta. Não veio para satisfazer curiosidades. Começa por se exprimir de modo negativo, para que não caiamos em ilusões, mas aprendamos a discernir situações e pessoas que possam hipnotizar a nossa atenção ou desviar a nossa fé. Como verdadeiro mestre, alerta-nos para possíveis desvios, e indica o caminho que devemos seguir.
    Mas há duas afirmações positivas neste discurso de Jesus, que devemos notar. Primeiro, fala do desejo do crente em «ver um dos dias do Filho do Homem» (v. 22), que todos havemos de sentir e que Ele quer satisfazer; depois, afirma a necessidade de «primeiramente, ter de sofrer muito e ser rejeitado» (v. 25). Antes da escatologia, tem se realizar-se a Páscoa de Jesus. Quem aceitar ir com Ele até Jerusalém e partilhar a sua Páscoa, prepara-se para ir ao encontro final com o Salvador.

    Meditatio
    Os fariseus procuravam manifestações espectaculares do Reino de Deus. Jesus responde-lhes: «o Reino de Deus está entre vós» (v. 21). Podia traduzir-se: «está em vós». Temos aqui elementos preciosos para o discernimento dos espíritos: o Reino de Deus não deve ser procurado em manifestações extraordinárias, mas na correspondência habitual, no dia a dia, à voz do Espírito Santo.
    Temos em nós vários níveis de vida: os instintos naturais, a razão que ordena e domina os instintos, mas também o Espírito de Jesus que nos permite viver em novidade de vida e ver coisas que a simples razão não consegue enxergar. Deixar-se guiar pela razão, dominando os instintos, e vivendo de modo naturalmente virtuoso, já é coisa boa. Mas ainda não é vida cristã, porque o cristão, em todas as circunstâncias da vida, deixa-se conduzir pelas moções e pelas inspirações do Espírito. Não é fácil fazer um bom discernimento, porque há em nós princípios recebidos do mundo, outros recebidos da razão e outros recebidos do Espírito, que se misturam dentro de nós. É pois necessário, em cada circunstância, perguntar a nós mesmos: que é que me leva a fazer isto ou, a fazer aquilo. Por vezes, um pensamento que à primeira vista parece bom, tem uma raiz má: a busca do interesse pessoal, o instinto da vaidade, a ambição, o desejo de uma vida cómoda. Só escutando o Espírito Santo, na oração, na reflexão, com grande disponibilidade pessoal, podemos conhecer a verdade, a vontade de Deus.
    Paulo convida muitas vezes os cristãos a deixar-se renovar no Espírito para compreenderem a vontade de Deus. De facto, é muito fácil deixar-nos levar pelas tendências instintivas ou simplesmente racionais. Precisamos do Espírito criador, que nos faz descobrir coisas novas, de que não suspeitávamos, mas nos enchem de alegria.
    A carta a Filémon dá-nos um exemplo concreto do que acabamos de dizer. Paulo tinha para resolver um caso de consciência bastante complicado. Onésimo tinha fugido de casa do seu dono, Filémon, cri
    stão da igreja de Colossos. Segundo a lei, Onésimo era um delinquente. Paulo acolheu o escravo em fuga. Acolheu-o com tanta bondade que o fugitivo acabou por se converter. Sendo assim, Paulo podia actuar perante Filémon. Podia remeter o escravo ao seu dono, que tinha direito a puni-lo com rigor. Mas Paulo também dispunha de uma solução nova, progressista: pensar que a escravidão não tinha qualquer valor para um cristão, que era contra o Evangelho porque em Cristo somos todos iguais. Portanto, Onésimo podia considerar-se livre e Filémon nada podia dizer. O Apóstolo encontrou uma solução completamente nova: mandou o escravo ao seu dono, com uma carta a pedir que Filémon recebesse Onésimo como um irmão em Cristo. Não lhe faz imposições. Apela para a sua caridade, para a sua fé, para a gratidão que lhe deve a ele, Paulo, que o gerou para a fé. Faz, pois, um apelo, guiado pelo Espírito, ao mesmo Espírito que habita em Filémon, e propõe-lhe uma solução revolucionária para aquele tempo: Filémon, o dono ofendido, receba com honra o escravo fugitivo! O Espírito inspirou a Paulo uma solução equilibrada; Paulo está certo de que também a inspirará a Filémon: «embora tenha toda a autoridade em Cristo para te impor o que mais convém, levado pelo amor, prefiro pedir como aquele que sou: Paulo, um ancião e, agora, até prisioneiro por causa de Cristo Jesus».
    Se a coisa mais importante da nossa vida religiosa pessoal e comunitária é fazer, como Cristo, a vontade do Pai, compreendemos a importância fundamental do discernimento da vontade de Deus, para a realizarmos na nossa vida. Fazer discernimento é, antes de mais, pôr em prática o preceito de Jesus: «É preciso rezar sempre, sem desfalecer» (Lc 18, 1), isto é, «É preciso amar sempre e jamais se cansar de amar».
    A oração faz-nos dóceis às inspirações e às moções ou graças actuais do Espírito, naquela pobreza e liberdade interior que nos tornam capazes de captar as mensagens que o Espírito nos faz chegar por meio das mais diferentes mediações: «a Palavra de Deus acolhida na Igreja» (Cst 57), a Regra de vida, particularmente as Constituições, o superior, a comunidade, a caridade, os sinais dos tempos, «os acontecimentos da vida» (Cst 57), as necessidades do Povo de Deus (cf. Cst 27).
    Para isto, havemos de ter uma sólida devoção ao Espírito Santo e implorar-Lhe permanentemente: «Vem, Espírito Santo...; Vem, pai dos pobres..., ver, dador dos dons...; vem, luz dos corações».

    Oratio
    Vem, Espírito Santo! Ilumina os meus olhos para que me dê conta da presença do Reino no meio de nós, em mim próprio. Vem, Espírito Santo! Abre o meu coração à Palavra que é esperança, criatividade, imaginação, horizonte novo. Vem, Espírito Santo! Faz-me saborear os dons do Pai, no presente; faz-me esperar o futuro como lugar de uma nova e definitiva manifestação do seu poder salvador. Vem, Espírito Santo! Que no meu dia a dia tenha os ouvidos aplicados para Te escutar, os olhos abertos para Te ver, a mente atenta às tuas alternativas, o coração palpitante para me deixar conduzir por Ti. Amen.

    Contemplatio
    Como é que se possui Deus e a paz que resulta da sua amizade? Pela conformidade a sua santa vontade. Jesus di-lo no Evangelho: «não são aqueles que dizem: 'Senhor, Senhor', que entrarão no céu, mas aqueles que fazem a vontade de meu Pai».
    A graça ajuda as almas a fazer esta vontade santa. Corresponder à graça que leva as almas a fazerem a vontade de Deus é, portanto, o grande meio de chegar á paz da alma.
    Esta vontade divina é fácil de conhecer. O fiel conhece os mandamentos. Aquele que tem a consciência de os observar bem goza de uma grande paz mesmo no meio das provações e das agitações da vida. /154 Espera com confiança a sua última hora. Os privilegiados de Nosso Senhor, os que ele chama a uma vida mais perfeita conhecem também os seus deveres e encontram a paz no cumprimento destes deveres.
    Mas tanto para uns como para os outros, as intenções directrizes, as considerações que sustêm a alma, os meios práticos enfim podem ser vistos sob três aspectos diferentes e apoiar-se sobre três bases sólidas: a fé, a esperança e a caridade. A fé torna meritórias as acções que inspira, a esperança das recompensas prometidas sustém nos desfalecimentos da vida. Estas duas bases escolhidas como ponto de apoio principal, sem excluir um certo grau de caridade, são suficientes para nos ajudar poderosamente na conformidade à vontade divina. Socorrer-se destes meios, é agradar a Deus, mas há um outro meio bem mais poderoso, bem mais agradável a Deus. Este meio é a caridade, é o amor de Deus. A fé e a esperança supõem sempre um certo grau de caridade, mas pode ser fraco. A caridade encerra em si as duas outras virtudes, porque não podemos amar a Deus sem acreditar e sem esperar n' Ele. (Leão Dehon, OSP 2, p.153s.)

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A tua caridade causa-me alegria e consolação» (cf. Flm 7).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    15 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Segunda Carta de João 4-9
    Senhora eleita de Deus: 4Muito me alegrei por ter encontrado entre os teus filhos quem caminha na verdade, conforme o mandamento que recebemos do Pai. 5E agora rogo-te, Senhora - e não como quem te escreve um mandamento novo, mas sim aquele mandamento que temos desde o princípio - que nos amemos uns aos outros. 6Nisto consiste o amor: em caminharmos segundo os seus man-damentos. E este é o mandamento, segundo ouvistes dizer desde o princípio: que caminheis no amor. 7É que apareceram no mundo muitos sedutores que afirmam que Jesus Cristo não veio em carne mortal. Esse é o sedutor e o anticristo! 8Acautelai-vos, para não perderdes o fruto do vosso trabalho, mas receberdes a plena recompensa. 9Todo aquele que passa adiante e não permanece na doutrina de Cristo não tem Deus consigo; mas aquele que permanece na doutrina, esse tem em si o Pai e o Filho.
    Nesta breve carta, S. João oferece-nos como que uma síntese do seu evangelho, uma vez que recorda à sua comunidade o essencial para a salvação: "caminhar na verdade" e "acreditar que Jesus é o Filho de Deus". O apóstolo interpreta o mandamento novo que ele mesmo recebeu do Senhor.
    As duas condições para a salvação podem, por sua vez, resumir-se a uma: acreditar em Jesus Cristo e, assim entrar na verdade de Deus. Mas João também se preocupa com a fidelidade dos seus destinatários, porque há muitos «sedutores» (v. 7), que não reconhecem Jesus e pretendem levar os outros a não o reconhecerem também. É sempre possível perder o fruto do nosso trabalho, isto é, a fé que pode transformar a nossa vida (cf. v. 8).
    Aquele que crê tem a sorte, não só de conhecer a verdade, mas também ter connosco Deus (cf. V. 9), não só de tender para um futuro incerto, mas de caminhar com Cristo para Deus, não só de praticar uma qualquer filantropia, mas de amar a Deus no próximo, em nome de Cristo.

    Evangelho: Lucas 17, 26-37
    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 26Como sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também nos dias do Filho do Homem: 27comiam, bebiam, os homens casavam-se e as mulheres eram dadas em casamento, até ao dia em que Noé entrou na Arca e veio o dilúvio, que os fez perecer a todos. 28O mesmo sucedeu nos dias de Lot: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam, construíam; 29mas, no dia em que Lot saiu de Sodoma, Deus fez cair do céu uma chuva de fogo e enxofre, que os matou a todos. 30Assim será no dia em que o Filho do Homem se revelar. 31Nesse dia, quem estiver no terraço e tiver as suas coisas em casa não desça para as tirar; e, do mesmo modo, quem estiver no campo não volte atrás. 32Lembrai-vos da mulher de Lot. 33Quem procurar salvar a vida, há-de perdê-la; e quem a perder, há-de conservá-la. 34Digo-vos que, nessa noite, estarão dois numa cama: um será tomado e o outro será deixado. 35Duas mulheres estarão juntas a moer: uma será tomada e a outra será deixada. 36Dois homens estarão no campo: um será tomado e o outro será deixado.» 37Tomando a palavra, os discípulos disseram-lhe: «Senhor, onde sucederá isso?» Respondeu-lhes: «Onde estiver o corpo, lá se juntarão também os abutres.»
    Jesus quer ensinar aos discípulos a verdadeira esperança. Por isso, completa o discurso sobre a sua última vinda. Para que a esperança não se torne utópica e não crie ilusões fáceis, Jesus une-a à fé. A fé, por sua vez, une-nos, desde já, ao Senhor e à sua morte e ressurreição. Unindo a esperança à fé, ficamos a saber quem esperamos, e não nos interessa quando ou como isso acontecerá.
    Jesus ilustra o ensinamento com dois exemplos: o de Noé (vv. 26s.) e o de Lot (vv. 28s.). Só aparentemente estes dois factos históricos evidenciam o carácter improviso e repentino do dilúvio, no caso de Noé, e da chuva de fogo, no caso de Lot. O que Jesus quer acentuar é a necessidade de estar prontos quando Deus se manifestar no seu poder: prontos a reconhecê-lo, prontos para ser introduzidos na alegria eterna e na comunhão com Ele. O verdadeiro ensinamento de Jesus é, pois, este: não devemos considerar apenas Noé e Lot como figuras de crentes, mas também os seus contemporâneos, representados pela mulher de Lot (v. 32). Viviam esquecidos de Deus e preocupados com os bens terrenos: foi nessa situação que foram surpreendidos pelo castigo de Deus. É a sua indiferença perante a imprevisível intervenção de Deus, e a sua cegueira espiritual, é a sua incapacidade para se darem conta da dramaticidade dos tempos que atrai a atenção de Jesus, do evangelista e a nossa.

    Meditatio
    Jesus convida os seus discípulos a fazer bom uso da memória. É bom revisitarmos a história, para nos darmos conta das visitas de Deus, e adquirirmos sabedoria que nos permita viver adequadamente o presente e preparar o futuro. A história é mestra de vida, diziam os antigos. No caso de hoje, somos convidados a revisitar o Antigo Testamento que, para nós cristãos, é uma fonte de ensinamentos sempre válidos e actuais.
    A memória do crente leva-o a captar nos eventos históricos as mensagens que Deus nunca deixa faltar àqueles que O reconhecem. Quem recorda os factos históricos do Antigo Testamento, disposto a compreender as motivações e os modos como Deus intervém, aprende a viver no tempo presente e a orientar-se no futuro, rumo à meta final.
    A memória do passado, e a contemplação das intervenções de Deus, tornam-se, pois, critério de diagnóstico de quanto acontece aqui e agora, e permite-nos prosseguir a nossa caminhada, rumo ao futuro. Ao mesmo tempo, a memória do passado, convida-nos e habilita-nos a ultrapassar perigosas distracções, provocadas pelas coisas e pessoas que nos rodeiam, e a realizar aquele desapego e distanciação que tornam possível uma avaliação serena e correcta de tudo e de todos. A memória ensina-nos a perder o que deve ser perdido e a conservar o que deve ser conservado. É claro o contraste entre uma vida apenas aparente e uma vida nova adquirida por quem está disposto a sacrificar a sua vida terrena. A orientação para o futuro de Deus é clara.
    A nossa vida pessoal, com todos os seus capítulos mais felizes ou menos felizes, com todo o bem que recebemos e fizemos, com todo o mal de que fomos vítimas ou cometemos, é uma pequena história de salvação, porque nela fomos, muitas vezes, visitados por Deus. Há que dar-nos conta dessas visitas e das mensagens semeadas no nosso coração. Quanta sabedoria podemos adquirir ao revisitar a nossa história pessoal! Quanta oração nos pode inspirar! Quanta serenidade para o presente e para o futuro!
    A vida da congregação também é história da salvação. O Deus de Abraão, Isaac e Jacob, o Pai de Jesus, não são abstracções filosóficas, mas revelam-se concretamente actuando na história e na vida, em particular na Igreja, por meio do Espírito, fonte de todo o carisma e, portanto, do carisma de fundador do P. Dehon. A história da congregação desenvolve-se a partir da graça das origens, nutrindo-se daquilo que a Igreja, iluminada pelo Espírito, retira constantemente do tesouro da sua fé (cf. Cst 15). Esta história é visitada por Deus que nela deixa as suas mensagens. Em todos os acontecimentos há que perguntar: que nos diz o Senhor nesta situação?
    De facto, Jesus convida-nos a entrever a vontade de Deus nos eventos da história, da vida, nos sinais dos tempos: «Quando vedes uma nuvem levantar-se do poente, dizeis logo: Vem lá chuva, e assim sucede. E quando sopra o vento sul dizeis: "Vai haver calor", e assim acontece. Hipócritas, sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu; como é que não sabeis interpretar o tempo presente?» (Lc 12, 54-56).

    Oratio
    Apóstolo S. João, que nos apresentas uma síntese tão bela do Evangelho de Jesus Cristo, intercede por nós, para que cultivemos a vida interior, procurando juntos a verdade e vivendo o amor. A verdade, para ti, é Jesus, o Verbo Incarnado por nosso amor. Ensina-nos a crescer na união e no amor a Jesus Cristo, observando os seus mandamentos. Ensina-nos a permanecer no Filho para possuirmos o Pai; ensina-nos a permanecer na verdade para viver o amor; ensina-nos a ser dóceis aos mandamentos para vivermos na verdade e no amor. Ensina-nos a fazer uma síntese vital entre verdade e amor, entre obediência aos mandamentos e espontaneidade de espírito, uma síntese fundada na união com Jesus e, nele, com o Pai e o Espírito Santo. Amen.

    Contemplatio
    Jesus possuía toda a sabedoria como Deus, e mesmo como homem por uma graça infusa, mas quer também possuir a ciência adquirida, para nos dar o exemplo e para nos merecer a graça do amor do trabalho e do gosto pela sabedoria.
    Segue as lições da Sinagoga, estuda a lei, os profetas, a história e os livros ascéticos. Lê os livros sagrados, medita-os. Não tem necessidade deles para si, mas tem necessidade por nós. Assumiu a humanidade tal como ela é, com os seus deveres de estudo e de trabalho.
    A sua ciência adquirida torna-se maravilhosa. Já aos doze anos espanta os doutores da lei no Templo. Explica a Escritura, ficam surpreendidos com a sua prudência e com as suas respostas.
    Durante a sua vida pública, citará constante e abundantemente a Escritura. Na sinagoga de Nazaré, passam-lhe o livro de Isaías, lê, comenta, mostra-lhes como as suas obras tinham sido anunciadas, cita os livros dos reis. As pessoas exclamam: «Donde lhe vem esta ciência, não é ele o filho do carpinteiro que nós conhecemos?» (Lc 2; Mc 6).
    Quando prega na região de Tiberíades, antes e depois do sermão da montanha, cita o Levítico e o Deuteronómio, os Reis, Amós, Isaías, Tobias. Muitas vezes faz alusão aos Salmos (Lc 6).
    Aos enviados de S. João Baptista, comenta e explica as profecias de Isaías (Lc 7,22).
    Os salmos são o alimento da sua vida interior e das suas orações, mesmo sobre a cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?» (Sl 21). «Meu Pai, entrego a minha alma nas vossas mãos» (Sl 30). Repassa no seu espírito toda a Escritura para se assegurar de que tudo cumpriu. Faltava ainda na sua Paixão a amargura do fel e do (Sl 68). Para a provocar, diz: «Tenho sede».
    Enfim, vendo que tudo está cumprido, verifica-o antes de morrer: Consumatum est. (Leão Dehon, OSP 3, p. 144s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive a palavra:
    «Caminhai no amor» (cf. 2 Jo 6).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Gertrudes, Virgem

    S. Gertrudes, Virgem


    16 de Novembro, 2024

    Santa Gertrudes nasceu no dia 6 de Janeiro de 1256, festa da Epifania, mas nada se sabe dos seus pais, nem do lugar do seu nascimento. Entrou no mosteiro com cinco anos, em 1261, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Ali transcorreu toda a sua existência. Adquiriu vasta cultura e entregou-se à vida contemplativa. Foi uma das maiores místicas da Idade Média. As suas obras estão na base da difusão do culto do Sagrado Coração de Jesus. É uma das padroeiras da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.
    Lectio
    Primeira leitura: Efésios 3, 14-19

    Irmãos: Eu dobro os joelhos diante do Pai, 15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.

    Depois de ter anunciado as maravilhas de Deus, Paulo irrompe numa oração vibrante de amor. Ajoelha diante do Pai, origem de toda a paternidade no céu e na terra (v. 15), e pede-lhe que os Efésios sejam fortificados interiormente pelo Espírito Santo (v. 16). No fundo, pede para eles uma fé robusta, para que Cristo habite nos seus corações e, desse modo, cresça neles o sinal típico de pertença a Cristo: a caridade. O Apóstolo sabe que, só quando estiverem «enraizados e alicerçados no amor» (v. 17), em comunhão com os outros crentes, serão capazes de compreender «a largura, o comprimento, a altura e a profundidade» daquele amor que ultrapassa todas as categorias humanas (v. 18). Assim é porque é de Deus e só com a força de Deus podemos realizar a nossa vocação: receber «a plenitude de Deus» (v. 19). Com entusiasmo, Paulo louva a Deus porque é capaz de realizar maravilhas muito maiores do que possamos pensar e desejar. Sentimos em todo o texto que o conhecimento do mistério de Deus não é fruto do nosso esforço intelectual, mas de amor admirado, que brota de uma atitude profundamente interior e contemplativa.
    Evangelho: da féria ou do Comum
    Meditatio

    Santa Gertrudes, a Grande, é uma das místicas mais famosas... Com a sua vida e pensamento, ela incidiu de modo singular sobre a espiritualidade cristã. É uma mulher extraordinária, dotada de particulares talentos naturais e de excecionais dons de graça, de humildade profundíssima e de zelo ardente pela salvação do próximo, de íntima comunhão com Deus na contemplação e de prontidão no socorro aos necessitados...
    Entra no mosteiro com cinco anos, em 1261, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Ali transcorre toda a sua existência... Gertrudes é uma estudante extraordinária... Fascinada pelo saber, dedica-se ao estudo profano com fervor e tenacidade, alcançando êxitos escolares para além de qualquer expectativa... A literatura, a música, o canto e a arte da miniatura conquistam-na; tem uma índole forte, decidida, imediata e impulsiva; diz com frequência que é negligente; reconhece os seus defeitos e pede humildemente perdão pelos mesmos. Com humildade, pede conselhos e orações pela sua conversão. Há características do seu temperamento e defeitos que a acompanham até ao fim, a ponto de causar admiração a certas pessoas que se interrogam como o Senhor a prefere tanto. Como estudante, passa a consagrar-se totalmente a Deus na vida monástica e, durante vinte anos, não acontece nada de extraordinário: o estudo e a oração são a sua atividade principal... A 27 de Janeiro de 1281, poucos dias antes da festa da Purificação da Virgem, por volta da hora das Completas, à noite, o Senhor ilumina as suas densas trevas. Com suavidade e docilidade, acalma a inquietação que a angustia. Gertrudes vê nessa inquietação como que um dom do próprio Deus, «para abater aquela torre de vaidade e de curiosidade que, apesar do nome e do hábito de religiosa, eu ia erguendo com a minha soberba, para assim encontrares o modo para me mostrar a tua salvação» (Ibid., II, 1, p. 87). Gertrudes tem a visão de um jovem que a leva a superar o enredo de espinhos que oprime a sua alma, guiando-a pela mão. Naquela mão, «o traço precioso daquelas chagas que ab-rogaram todos os atos de acusação dos nossos inimigos» (Ibid., II, 1, p. 89), reconhece Aquele que, na Cruz, nos salvou com o seu sangue, Jesus.
    A partir daquele momento, a sua vida de íntima comunhão com o Senhor intensifica-se... mesmo quando, doente, não podia ir ao coro...A sua biógrafa indica dois rumos daquela que poderíamos definir uma sua particular «conversão»: nos estudos, com a passagem radical dos estudos humanísticos profanos para os teológicos e, na observância monástica, com a passagem da vida que ela define negligente para a vida de oração intensa e mística, com um ardor missionário extraordinário. O Senhor, que a tinha escolhido desde o seio materno e desde criança a tinha levado a participar no banquete da vida monástica, chama-a com a sua graça «das coisas externas para a vida interior e das ocupações terrenas para o amor das realidades espirituais». Gertrudes compreende que está distante dele, na região da dissemelhança, como ela diz com Santo Agostinho; que se tinha dedicado com demasiada avidez aos estudos liberais, à sabedoria humana, descuidando a ciência espiritual, privando-se do gosto da verdadeira sabedoria; agora é conduzida para o monte da contemplação, onde deixa o homem velho para se revestir do novo. Gertrudes transforma tudo isto em apostolado: dedica-se a escrever e divulgar a verdade de fé com clareza e simplicidade, graça e persuasão, servindo a Igreja com amor e fidelidade, a ponto de ser útil e agradável aos teólogos e às pessoas piedosas. Resta-nos pouco desta sua intensa atividade, também por causa das vicissitudes que levaram à destruição do mosteiro de Helfta. Além do Arauto do amor divino ou das Revelações, dispomos ainda dos Exercícios espirituais, uma joia rara da literatura mística espiritual... Orientada para a comunhão sem fim, conclui a sua vicissitude terrena no dia 17 de Novembro de 1301, ou 1302, com cerca de 46 anos. (Extratos da catequese do Santo Padre Bento XVI, na Praça de S. Pedro, a 6 de Outubro de 2010).

    Oratio

    Rezemos com Santa Gertrudes: "Ó Jesus, Tu que me és imensamente querido, está sempre comigo, para que o meu coração permaneça contigo e o teu amor persevere comigo, sem possibilidade de separação, e o meu trânsito seja abençoado por ti, de tal modo que o meu espírito, livre dos vínculos da carne, possa encontrar repouso imediatamente em ti. Amém! (Exercícios Espirituais).
    Contemplatio

    «Eu vos adoro, vos saúdo e vos bendigo, ó doce Senhor Jesus Cristo, agradecendo-vos pelo amor com o qual vós quisestes, para nos resgatar, vós o Criador de todas as coisas, ser agarrado pelos homens, ligado, arrastado, pisado aos pés, batido, coberto de escarros, flagelado, coroado de espinhos, condenado, carregado com a cruz, despojado, crucificado, para morrer da mais amarga das mortes e ser traspassado com a lança. E em união com este mesmo amor, ofereço-vos as minhas indignas orações, suplicando-vos pelos méritos da vossa santíssima paixão e da vossa morte, que vos digneis lavar inteiramente e apagar todos os meus pecados com os quais as almas pelas quais eu rezo se macularam, por pensamentos, por palavras ou por ações. Conjuro-vos a oferecer a Deus Pai, por todas as penas nas quais estas almas incorreram perante a vossa justiça, todas as penas e as dores, os méritos e as ações do vosso corpo coberto de feridas e da vossa alma abismada de dores. Assim seja». (Oração de Santa Gertrudes citada pelo Leão Dehon, in OSP 4, p. 425s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Cristo, pela fé, habite nos vossos corações" (Ef 3, 17).

     

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    S. Gertrudes, Virgem (16 de Novembro)

    XXXII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    16 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 3 Jo 5-8
    Caríssimo Gaio: 5em tudo o que fazes aos irmãos, mesmo sendo estrangeiros, tu procedes como é próprio de um fiel. 6Eles deram testemunho da tua caridade, diante da igreja. Farás bem em os prover do necessário para a sua viagem, de um modo digno de Deus, 7pois foi pelo seu nome que eles se puseram a caminho, sem nada receberem dos gentios. 8Por isso, nós devemos acolhê-los, a fim de sermos cooperadores da causa da verdade.
    Esta carta de João deixa-nos entrever uma comunidade cristã que vive o drama da divisão interna, que ameaça paralisar a sua actividade missionária. Dirigindo-se a um dos seus membros, o apóstolo quer encorajar toda essa comunidade à fidelidade, à comunhão eclesial e ao testemunho corajoso.
    João aponta a caridade que desperta a atenção de todos. Essa caridade torna-se tanto mais credível quanto não se limita a favorecer os que partilham a mesma fé, mas também quando tem em atenção os «estrangeiros» (v. 5). A caridade cristã não tem limites, porque Jesus também veio para todos e não fez acepção de pessoas. A caridade manifesta-se no acolhimento, que também vemos em Jesus, em relação aos pobres, doentes e pecadores. Acolher em seu nome os que estão em necessidades, significa acolhê-lo a Ele e ser «cooperadores da causa da verdade» (v. 8). A verdade de Deus, particularmente a revelada em Jesus Cristo, quer ser difundida não só por palavras, mas, sobretudo, pela caridade.
    Ao mesmo tempo, a actividade missionária é tarefa de toda a Igreja. Quando um dos seus membros se dedica à missão é toda a comunidade que se dedica com ele. O missionário representa a igreja e a Igreja toma a seu cuidado o missionário.

    Evangelho: Lucas 18, 1-8
    Naquele tempo: 1Depois, disse-lhes uma parábola sobre a obrigação de orar sempre, sem desfalecer: 2«Em certa cidade, havia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. 3Naquela cidade vivia também uma viúva que ia ter com ele e lhe dizia: 'Faz-me justiça contra o meu adversário.' 4Durante muito tempo, o juiz recusou-se a atendê-la; mas, um dia, disse consigo: 'Embora eu não tema a Deus nem respeite os homens, 5contudo, já que esta viúva me incomoda, vou fazer-lhe justiça, para que me deixe de vez e não volte a importunar-me.'» 6E o Senhor continuou: «Reparai no que diz este juiz iníquo. 7E Deus não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite, e há-de fazê-los esperar? 8Eu vos digo que lhes vai fazer justiça prontamente. Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?»
    Esta parábola, por um lado, alerta para a necessidade de perseverar na oração; por outro, lembra o ensinamento de Jesus sobre a certeza do seu regresso e sobre a gravidade do juízo que há pronunciar sobre aqueles que não seguem a justiça.
    Devemos notar a interrogação de Jesus no v. 7: «E Deus não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite, e há-de fazê-los esperar?» Pensando em Deus, este «fazer justiça» tem a ver com a sua fidelidade às promessas e, portanto, com a sua vontade de perdão e de salvação. Deus é justo enquanto justiça: é essa a concepção bíblica de justiça.
    «Há-de fazê-los esperar?» (cf. v. 7b). Esta pergunta também ilumina a nossa busca. Deus, de facto, de acordo com o ensinamento bíblico, não é apenas justo, mas também paciente e bom. Manifesta a sua arte pedagógica não só ao ouvir as nossas orações, mas também ao estabelecer os tempos e os modos em que irá intervir. Este comportamento de Deus causa um certo escândalo, porque Ele espera, talvez demasiado tempo, antes de fazer justiça. Esta paciência de Deus, por vezes, torna impacientes os crentes.
    «Eu vos digo que lhes vai fazer justiça prontamente» (v. 8ª). Está aqui o fim da parábola; o que segue pode considerar-se um acrescento posterior. É deste modo que Jesus pretende confirmar a nossa fé em Deus-Pai, que contrariamente às nossas incertezas e crises, toma conta de todos aqueles que, na pobreza, O escolhem como único Senhor.

    Meditatio
    O texto evangélico de hoje termina com uma forte provocação de Jesus: «Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?». O tema da fé está no centro do discurso de Jesus. Trata-se de um dom precioso de Deus, que havemos de conservar, custe o que custar. Isso não parece nada fácil. Se olharmos à nossa volta, ficamos com a impressão de que a humanidade está a caminho de um futuro menos rico de fé, e cada vez mais ligado aos bens terrenos e aos próprios interesses. O que vemos à nossa volta leva-nos facilmente a responder de forma negativa à pergunta de Jesus. Mas não basta usar a lupa para ver engrandecido o que acontece à nossa volta. É bom usar também os binóculos para fazermos uma observação panorâmica da realidade. Então veremos que a semente da fé está presente e escondida no coração de não poucas pessoas, e é isso o que mais conta. O que faz a diferença não é tanto a visibilidade externa ou a eficiência das estruturas criadas pelos crentes, mas o dom de Deus que, por sua natureza, tende a criar relações profundas e gosta de se esconder nelas.
    A pergunta/provocação de Jesus pode ser vista como uma missão para nós, os crentes: pertence ao «resto de Israel» fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que, quando vier o Filho do homem, possa encontrar a fé sobre a terra. Sendo a fé, em primeiro lugar, dom de Deus, há que pedi-lo com perseverança, para nós e para os outros. E há que pedir também a graça da perseverança e do crescimento na fé, com a certeza de que Deus é um juiz piedoso, cheio de graça e de fidelidade e que, junto dele, temos a Virgem Maria, sempre disposta a defender a nossa causa.
    Lemos nas Constituições: «sem oração comunitária definha a comunidade de fé». Cada comunidade deve interrogar-se acerca do ritmo da sua oração comunitária, de acordo com a sua missão e o seu estilo de vida, para ser uma comunidade de fé, uma comunidade dehoniana que dá um testemunho profético de amor e de oblação, que faz a reparação, não só de cada uma das pessoas, mas também de toda a comunidade, porque aberta ao acolhimento do Espírito (cf. Cst 23.78), porque responde ao amor de Cristo, em comunhão com o Seu amor pelo Pai, cooperando na Sua obra de redenção e de reconciliação no mundo de hoje (cf. Cst 23).

    Oratio
    Senhor, acende em mim o fogo da oração, do diálogo permanente e amoroso contigo, pois sei me amas. Com esse fogo, serei renovado na intimidade contigo e, por Ti e em Ti, com o Pai, no Espírito Santo; com esse fogo, crescerei na união contigo, com teu amor e no serviço generoso aos homens, meus irmãos. Acende em mim o fogo da oração, para que não esmoreça no diálogo contigo; acende na minha comunidade o fogo da oração, para que a sua fé não definhe. Acende em todos nós o fogo da oração, para progredirmos no conhecimento de Ti, estreitarmos os laços da nossa vida comum e nos abrirmos constantemente à missão. Amen.

    Contemplatio
    Beati qui crediderunt et non viderunt.- Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditam (Jo 20, 29). São as palavras de Nosso Senhor ao Apóstolo S. Tomé. Nosso Senhor gosta da fé viva, da fé pura e sem ambiguidades, que não procura consolações e que sabe agir tanto na aridez como na alegria espiritual. A fé pura é urna verdadeira imolação do coração.
    Exemplo de fé viva e autêntica é Abraão, disposto a o imolar o filho da promessa. Fé viva, foi a dos Magos que acreditaram no presságio da estreia e persistiram no seu objectivo, mesmo depois do desaparecimento da estrela. Exemplo de fé viva e verdadeiramente admirável, a S.José, que acreditou nos mistérios da redenção, apesar de todas as contradições e dificuldades. Aceitou todas a mensagens angélicas. Foi testemunha de todas as humilhações de Nosso Senhor em Belém, no Egipto, e Nazaré.
    José permanece sempre fiei à sua fé. Morre ante dos grandes milagres de Jesus, antes da sua ressurreição; contudo morre na fé mais viva e meritória.
    E sobretudo no momento das provações que a fé deve ser firme e perseverante. É nestas crises que alcança a fé as suas mais belas vitórias e prepara o sucesso das obras. Deus castiga as dúvidas contra a fé. Temo disso numerosos exemplos na Sagrada Escritura.
    Nada devemos temer, mesmo quando não compreendemos os desígnios de Deus.
    Ele pedir-nos-á o sacrifício de Moriah, um sacrifício que parecerá destruir as suas promessas. A nossa humilde submissão será recompensada por uma superabundância de favores divinos. (Leão Dehon, DSP n. 156).

    Actio
    Repete frequentemente e vive a palavra:
    «Resplandece nos justos a bondade do Senhor» (da Liturgia).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    18 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 1,1-4; 2, 1-5ª
    1Revelação de Jesus Cristo. Deus encarregou-o de manifestar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer e que Ele comunicou pelo anjo que enviou ao seu servo João, 2o qual atesta que tudo o que viu é Palavra de Deus e testemunho de Jesus Cristo. 3Feliz o que lê e os que escutam a mensagem desta profecia e põem em prática o que nela está escrito, porque o tempo está próximo. 4João saúda as sete igrejas da província da Ásia: graça e paz da parte daquele que é, que era e que há-de vir, da parte dos sete espíritos que estão diante do seu trono. 1Ao anjo da igreja de Éfeso, escreve: «Isto diz o que tem na mão direita as sete estrelas, o que caminha no meio dos sete candelabros de ouro: 2'Conheço as tuas obras, as tuas fadigas e a tua constância. Sei também que não podes tolerar os malvados e que puseste à prova os que se dizem apóstolos - mas não o são - e os achaste mentirosos; 3tens constância, sofreste por causa de mim e não perdeste a coragem. 4No entanto, tenho uma coisa contra ti: abandonaste o teu primitivo amor. 5Lembra-te, pois, donde caíste, arrepende-te e torna a proceder como ao princípio.
    O livro do Apocalipse apresenta, logo no seu começo, algumas chaves para a sua leitura. Usando-as, podemos perceber a sua mensagem de esperança e entrar na bem-aventurança que promete (v. 3). «Apocalipse» quer dizer «revelação». Essa revelação abre-nos o horizonte da salvação em Cristo. João encerra, com este livro, o seu ministério de evangelista, conduzindo-nos a um melhor conhecimento de Jesus, do seu mistério de morte e ressurreição, da sua vitória sobre o Maligno, e sobre o grande evento que será a sua última vinda. Por isso: «Feliz o que lê e os que escutam a mensagem desta profecia e põem em prática o que nela está escrito» (v. 3). A revelação gera bem-aventurança, de que podemos usufruir desde já. Mas é preciso escutar e pôr em prática o que nela está escrito (v. 3). Trata-se de uma bem-aventurança que é simultaneamente dom de Deus e resultado de empenhamento pessoal.
    «Graça e paz» (v. 4): o Apocalipse foi escrito para que possamos acolher a graça que vem do alto e a paz que Jesus nos oferece. A graça e a paz são dons para cada um dos crentes, mas também para as comunidades cristãs, as igrejas a quem João escreve. A salvação é diálogo e encontro pessoal com o Senhor, mas também vínculo de comunhão entre as comunidades dos crentes.

    Evangelho: Lucas 18, 35-43
    Naquele tempo: 35Quando se aproximavam de Jericó, estava um cego sentado a pedir esmola à beira do caminho. 36Ouvindo a multidão que passava, perguntou o que era aquilo. 37Disseram-lhe que era Jesus de Nazaré que ia a passar. 38Então, bradou: «Jesus, Filho de David, tem misericórdia de mim!» 39Os que iam à frente repreendiam-no, para que se calasse. Mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem misericórdia de mim!» 40Jesus parou e mandou que lho trouxessem. Quando o cego se aproximou, perguntou-lhe: 41«Que queres que te faça?» Respondeu: «Senhor, que eu veja!» 42Jesus disse-lhe: «Vê. A tua fé te salvou.» 43Naquele mesmo instante, recobrou a vista e seguia-o, glorificando a Deus. E todo o povo, ao ver isto, deu louvores a Deus.
    Lucas situa o episódio da cura do cego nos arrabaldes de Jericó. Lá irá situar também o episódio de Zaqueu. Jericó, tal como Jerusalém, era uma cidade importante para o evangelista, porque evocava acontecimentos notáveis da história de Israel.
    Há semelhanças entre os episódios da cura do cego e do encontro com Zaqueu: Jesus dá atenção ao cego, que jaz à beira da estrada (v. 40), mas a multidão tenta fazê-lo calar (v. 39ª); Jesus chama Zaqueu, que estava empoleirado no sicómoro (19, 5); a multidão murmura quando Ele se deixa acolher na casa de Zaqueu (19, 7).
    O cego começa por chamar a Jesus «Filho de David» (v. 38) e pede-lhe «misericórdia»; depois, chama-o «Senhor» (v. 41) e pede-lhe um milagre. Há um amadurecimento da sua fé. Jesus fora-lhe apresentado apenas como «Jesus de Nazaré» (v. 37); mas ele acaba por reconhecê-lo como Messias e Senhor.
    No final, depois de ter recebido o dom da vista, ouvirá Jesus dizer-lhe: «A tua fé te salvou» (v. 42). Só a fé nos permite reconhecer o mistério.

    Meditatio
    O livro do Apocalipse foi escrito para ensinar os cristãos a ver as coisas como Deus as vê. A Igreja passava por grandes tribulações. Os cristãos eram perseguidos e mortos. A prometida vitória de Cristo parecia estar a ser negada pelos factos. O apóstolo João tenta reanimar a fé das comunidades, e dar-lhes confiança. Para isso, escreve a Revelação.
    O evangelho mostra-nos o itinerário de fé do cego de Jericó, um itinerário que somos chamados a percorrer na actual situação da Igreja e do mundo em que vivemos, onde também não faltam tribulações. O cego, sentado à beira do caminho, apercebe-se da presença de Jesus e grita duas vezes: «Jesus, Filho de David, tem misericórdia de mim!» (vv. 38 e 39). Queria uma cura completa: da cegueira física e da cegueira espiritual, porque tinha intuído a verdadeira identidade de Jesus. E Jesus, como verdadeiro mestre, começa um diálogo, que parte da sua necessidade física, para chegar ao dom da fé: «Que queres que te faça?» (v. 41).
    Jesus de Nazaré, efectivamente, veio para salvar o homem todo, o homem considerado na inseparável unidade da sua pessoa. É importante restituir-lhe a vista dos olhos, mas é igualmente importante habilitá-lo a reconhecer o mistério d´Aquele que está diante dele.
    A fé do cego de Jericó manifesta-se imediatamente em duas opções de vida: começa a seguir Jesus e a louvar a Deus. A oração de louvor manifesta os sentimentos que lhe vão na alma, ao sentir-se curado. E quer que todos participem desses sentimentos. E quer seguir Jesus, Aquele que o libertou da cegueira espiritual, Aquele que se revelou a ele como Messias e Senhor.
    E temos um itinerário de fé completo: do dom recebido ao dom comunicado. Foi o itinerário do cego de Jericó, e deve ser o nosso. Um itinerário que havemos de percorrer seguindo Jesus.
    Do "dom da fé" ao testemunho da fé. As nossas Constituições apontam para este itinerário: Do "dom da fé": Na Igreja, «recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança; uma fé que orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo» (Cst 9), ao dom de nós mesmos: «Animando, assim, tudo o que somos, fazemos e sofremos pelo serviço do Evangelho, o nosso amor, pela participação na obra de reconciliação, cura a humanidade, reúne-a no Corpo de Cristo e consagra-a para Glória e Alegria de Deus» (Cst 25; cf. Cst 21). Da fé, ao seguimento e ao apostolado, como resposta ao amor de Deus manifestado em Cristo, salvador da humanidade. Foi esta "a experiência de fé do P. Dehon"; e deve ser essa "a nossa experiência de fé" dehoniana: «Contemplando o Coração de Cristo, símbolo privilegiado desse amor, somos fortalecidos na nossa vocação. Com efeito, somos chamados a inserir-nos nesse movimento de amor redentor, doando-nos aos irmãos, com e como Cristo. «Nisto conhecemos o amor: Ele deu a vida por nós. Também nós devemos dar a vida pelos irmãos» (1 Jo 3,16)» (Cst 21).

    Oratio
    Senhor, quero pedir-te, hoje, a graça que Te pedia o cego de Jericó. Tem compaixão de mim. Ilumina-me para que Te veja a Ti, meu Salvador, veja a vontade do Pai, veja o seu amor e me deixe conduzir pelo Espírito Santo. Que jamais as tribulações da vida e do mundo me façam desanimar e perder a esperança. Que, em todos os momentos e situações, me dê conta da tua presença ao longo do caminho, para que me reanime no amor, na fé e no fervor inicial. «Jesus, Filho de David, tem misericórdia de mim!». Faz que eu veja para Te seguir, para Te servir, para cantar o teu amor e servir os meus irmãos. Amen.

    Contemplatio
    Jesus ia da Galileia para Jerusalém pelas margens do Jordão. Prediz aos apóstolos a sua paixão, citando-lhes Isaías e os salmos. Não compreendem. Eram ainda muito terrestres! Acreditavam num reino temporal do Messias.
    Jesus pensava consigo mesmo: «São uns cegos, hei-de curá-los um dia». Quer fazer-lhes compreender que são cegos, porque não compreendem as suas palavras e não acreditam n' Ele. E para os ajudar a entrar nestes pensamentos, pára junto de um cego, à porta de Jericó. Fá-lo falar, excita a sua fé, depois cura-o. /185
    Alguns, sem dúvida, os mais esclarecidos, compreenderam ou suspeitaram o seu pensamento.
    Eu sou, infelizmente, como os apóstolos e como o cego de Jericó. Jesus diz-me a sua bondade, a sua paixão, e todo o amor do seu divino coração por mim. Não compreendo ou quase nada. Não o amo ou quase nada. Senhor, curai a minha cegueira. Recordai-me ainda os vossos sofrimentos. Fostes entregue aos gentios, escarnecido, flagelado, desprezado. Condenaram-vos à morte. E os grandes aniversários destes acontecimentos vão voltar. Sacudi a minha inércia, ó Jesus, acendei no meu coração o fogo do vosso amor. Suplico-vos humildemente, instantemente, filialmente (Leão Dehon, OSP 3, p. 184s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Feliz o que lê e os que escutam» (Ap 1, 3)
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    19 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 3, 1-6. 14-22
    1Ao anjo da igreja de Sardes, escreve: «Isto diz o que tem os sete espíritos de Deus e as sete estrelas: 'Conheço as tuas obras; tens fama de estar vivo, mas estás morto. 2Sê vigilante e fortifica aquilo que está a morrer, pois não encontrei perfeitas as tuas obras, diante do meu Deus. 3Recorda, portanto, o que recebeste e ouviste. Guarda-o e arrepende-te. Pois se não estiveres vigilante, virei como um ladrão, sem que saibas a que hora virei ter contigo. 4No entanto, tens em Sardes algumas pessoas que não mancharam as suas vestes; esses caminharão comigo, vestidos de branco, pois são dignos disso. 5Assim, o que vencer andará vestido com vestes brancas e não apagarei o seu nome do livro da Vida, mas o darei a conhecer diante de meu Pai e dos seus anjos.' 6Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.» 14Ao anjo da igreja de Laodiceia, escreve: «Isto diz o Ámen, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da Criação de Deus: 15Conheço as tuas obras: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente. 16Assim, porque és morno - e não és frio nem quente - vou vomitar-te da minha boca. 17Porque dizes: 'Sou rico, enriqueci e nada me falta' - e não te dás conta de que és um infeliz, um miserável, um pobre, um cego, um nu - 18aconselho-te a que me compres ouro purificado no fogo, para enriqueceres, vestes brancas para te vestires, a fim de não aparecer a vergonha da tua nudez e, finalmente, o colírio para ungir os teus olhos e recobrares a vista. 19Aos que amo, eu os repreendo e castigo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te. 20Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo.' 21Ao que vencer, farei que se sente comigo no meu trono, assim como Eu venci e estou sentado com meu Pai, no seu trono. 22Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.»
    Escutamos hoje duas das sete cartas enviadas por João às sete igrejas. Podemos escutá-las como dirigidas a nós, uma vez que, como as igrejas a que foram destinadas, também estamos empenhados em viver o Evangelho que acolhemos.
    As cartas deixam-nos entrever vários tipos de comunidades cristãs: umas espiritualmente mortas, outras apenas tépidas, outras que correm o risco de perder o sentido de novidade trazido pela fé em Cristo e, finalmente, outras fechadas em falsas seguranças. Estas situações prolongaram-se ao longo dos séculos, e todos temos de admitir que pertencemos a alguma.
    A leitura das sete cartas dá-nos a estrutura de fundo que a todas caracteriza: todas são convidadas a escutar Aquele que é a palavra, Aquele cuja mensagem é a salvação. A todas é dito: «Conheço as tuas obras», para indicar que, não só cada um dos crentes, mas também as comunidades são um livro aberto para o Senhor. Segue-se a exortação à vigilância e à coragem, para afastar as ameaças que pendem sobre a vida espiritual da comunidade, seja para as renovar no seu empenhamento cristão.

    Evangelho: Lucas 19, 1-10
    Naquele tempo: 1Tendo entrado em Jericó, Jesus atravessava a cidade. 2Vivia ali um homem rico, chamado Zaqueu, que era chefe de cobradores de impostos. 3Procurava ver Jesus e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura. 4Correndo à frente, subiu a um sicómoro para o ver, porque Ele devia passar por ali. 5Quando chegou àquele local, Jesus levantou os olhos e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa.» 6Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus, cheio de alegria. 7Ao verem aquilo, murmuravam todos entre si, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um pecador. 8Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: «Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.» 9Jesus disse-lhe: «Hoje veio a salvação a esta casa, por este ser também filho de Abraão; 10pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.»
    Ao entrar em Jericó, Jesus encontra-se com Zaqueu, homem rico e chefe de publicanos (vv. 1s.). É útil darmos atenção ao itinerário de fé deste homem. «Procurava ver Jesus» (v. 3), mas não conseguia, seja devido à sua pequena estatura, seja à distância psicológica e espiritual que o afastava do Senhor. Mas era um homem à procura... Pelo que lemos no evangelho, procurava Jesus. Mas Jesus também procurava Zaqueu para lhe satisfazer o desejo. O encontro de ambos torna-se um momento de graça: «Hoje tenho de ficar em tua casa...Hoje veio a salvação a esta casa» (vv. 5.9). O termo "hoje" mostra-nos a realização da missão de Jesus, mas também a abertura de Zaqueu à salvação. A abertura ao hoje de Deus, a capacidade de se dar conta da sua presença no "hoje" da humanidade, é o segredo de quem está realmente disposto a seguir Jesus, que «veio pro¬curar e salvar o que estava perdido» (v. 10). Por isso, é oferecida a todos a oportunidade de O ver, de se encontrar com Ele, de O reconhecer como verdadeiramente é.

    Meditatio
    «O Filho do Homem veio pro¬curar e salvar o que estava perdido» A Palavra de hoje mostra-O em acção para salvar o homem e a comunidade.
    Jesus detém-se em casa do pecador Zaqueu que, depois de O ter reconhecido, O recebeu, cheio de alegria, sem dar ouvidos às murmurações daqueles que o apontavam como «um pecador». A sua alegria vinha do dom gratuito e inesperado que o Senhor lhe fazia. E Zaqueu acabou por mostrar-se um "bom pecador", isto é, um pecador que reconhece a sua condição e se abre ao dom da salvação. Decidiu dar metade dos seus bens aos pobres e, àqueles a quem defraudou, restituiu quatro vezes mais. A sua fé mostrou-se eficaz: não demorou a traduzir-se em decisões concretas e em gestos de benevolência para com o próximo, especialmente para com os pobres. Como sabemos, a fé que não se concretiza em obras, não é autêntica, não é credível, não é caminho de salvação.
    As comunidades cristãs, a que se dirige João, deixam muito a desejar por causa do seu comportamento. O Apóstolo não pode calar-se e alerta-as para a necessidade de traduzir em gestos concretos e credíveis a fé que professam publicamente. O primeiro gesto a praticar é eliminar da vida comunitária tudo o que possa comprometer a sanidade espiritual; o segundo é cultivar com alegria e sentido de responsabilidade o dom da fé. E João não deixa de apontar o prémio reservado a todos aqueles que, com Jesus e como Jesus, poderão vir a ser reconhecidos "vencedores".
    As nossas Constituições recomendam «o encontro frequente com o Senhor na oração, a conversão permanente ao Evangelho e a disponibilidade de coração e de atitudes», «para acolher o Hoje d
    e Deus" (Cst 144). Este Hoje de Deus salvador está personificado em Jesus: «Hoje nasceu para vós na cidade de David um Salvador» (Lc 2, 11); «Hoje - diz Jesus na sinagoga de Nazaré - cumpriu-se esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir» (Lc 4, 21); «Hoje tenho de ficar em tua casa» - diz Jesus a Zaqueu (Lc 19, 5); e ainda «Hoje a salvação entrou nesta casa» (Lc 19, 9); «Hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc 23, 43), promete Jesus ao bom ladrão. Hoje é Jesus, é a salvação: «Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre» (Heb 13, 8).
    A este Hoje de Deus, a Jesus, devemos responder com o nosso "sim" de amor; é o nosso "fiat" à salvação, à verdade, à vida, ao bem, à santidade. «Nestas palavras: Ecce venio... Ecce ancilla... encerram-se toda a nossa vocação, a nossa finalidade, o nosso dever, as nossas promessas» (DE I. 3) (Cst 6).
    «Acolher o hoje de Deus" é reconhecer e acreditar «no amor que Deus nos tem» (1 Jo 4,16), especialmente em «Cristo (que) é o Senhor, no qual o Pai nos manifestou o seu amor... presente no mundo para o salvar» (Cst 9).

    Oratio
    Senhor Jesus, que vieste salvar o que estava perdido, desce a nossa casa. Enche-nos de alegria e faz-nos tomar consciência do dom gratuito que é a salvação. Então, de coração dilatado, gritaremos a todos que a alegria é possível, que Tu no-la deste e que todos são chamados a recebê-la. Narraremos aos nossos irmãos as tuas maravilhas e testemunhá-las-emos sendo generosos com todos: com os que o merecem e com os que o não merecem. Faz-nos compreender que continua a ser assim que, hoje, nos procuras e salvas e que é também assim que, hoje, nos chamas a procurar e a salvar quantos andam perdidos e, consciente ou inconscientemente, Te procuram. Dá-nos a graça de estarmos atentos aos dons que, hoje, generosamente repartes connosco e faz-nos generosos portadores de salvação para quantos, hoje, viermos a encontrar. Amen.

    Contemplatio
    Zaqueu desejava ver Jesus, mas o desejo de Jesus em ver Zaqueu e ganhá-lo para a fé não era menos vivo. Ele mesmo nos diz: «o Filho do Homem veio pro-curar e salvar o que estava perdido». Jesus deteve-se e ergueu os olhos para o sicómoro: «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa». O olhar de Jesus é suave e penetrante. Zaqueu fica profundamente impressionado. «Desce depressa», diz-lhe Jesus. O Salvador tem pressa de se encontrar com esta alma e de ganhá-la. «Hoje tenho de ficar em tua casa», diz Jesus. É preciso, é uma ordem, Jesus quere-o, é uma graça eficaz que oferece ao pobre publicano. É preciso, hoje mesmo, sem demora e o mais rapidamente possível. Jesus não quer fazer-lhe uma visita superficial. «tenho de ficar em tua casa», diz-lhe; Jesus ficará lá, comerá e dormirá. Poderão conversar longamente. Zaqueu está arrebatado, e desce cheio de alegria, apressa-se, aproxima-se de Jesus, condu-l´O a sua casa.
    É assim que Jesus vem às nossas almas. Leva-lhe a alegria e a paz. Escuta o que a nossa alma quer dizer-Lhe, inflama-a, encoraja-a, comunica-lhe os mais generosos desígnios.
    A nossa alma deve escutar, corresponder. Deve, por isso, estar recolhida e atenta às luzes e às inspirações da graça. Deixar-se-á tocar, sem demora, hoje mesmo. Dar-se-á generosamente e alegremente. Estará disposta às mais generosas resoluções, aos mais corajosos sacrifícios.
    Para nós, as visitas de Jesus são frequentes: vem na súplica, na oração, e, sobretudo, na sagrada comunhão, na leitura espiritual. Estejamos sempre atentos aos apelos de Jesus, às suas iniciativas e solicitações» (Leão Dehon, OSP 4, p. 198s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eis que estou à porta e bato» (Ap 3, 20).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    20 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 4, 1-11
    1Depois disto, tive outra visão: havia uma porta aberta no céu e a voz que eu ouvira ao princípio, como se fosse de trombeta, falava comigo, dizendo: «Sobe aqui e vou mostrar-te o que deve acontecer depois disto.» 2Imediatamente, fui arrebatado em espírito: vi um trono no céu e sobre o trono havia alguém sentado. 3O que estava sentado era, no aspecto, semelhante à pedra de jaspe e de sardónica e uma auréola, de aspecto semelhante à esmeralda, rodeava o trono. 4Formando um círculo à volta do trono, vi que havia vinte e quatro tronos e sobre eles estavam sentados vinte e quatro anciãos vestidos de branco e com coroas de ouro na cabeça. 5Do trono saíam relâmpagos, vozes e trovões; sete lâmpadas de fogo ardiam diante do trono de Deus, as quais são os sete espíritos de Deus. 6Diante do trono havia também uma espécie de mar de vidro, transparente como cristal. No meio do trono e à volta do trono havia ainda quatro seres viventes cobertos de olhos por diante e por detrás: 7o primeiro vivente era semelhante a um leão; o segundo era semelhante a um touro; o terceiro tinha uma face semelhante à de um homem e o quarto era semelhante a uma águia em voo. 8Os quatro seres viventes tinham cada um seis asas cobertas de olhos por fora e por dentro. E não cessavam de cantar, de dia e de noite:«Santo, santo, santo é o Senhor Todo-Poderoso, o que era, o que é e que há-de vir.» 9E, sempre que os seres viventes dão glória, honra e acção de graças ao que está sentado no trono e que vive pelos séculos dos séculos, 10os vinte e quatro anciãos prostram-se diante do que está sentado no trono e adoram ao que vive para sempre; e, lançando as suas coroas diante do trono, aclamam: 11«Digno és, Senhor e nosso Deus, de receber a glória, a honra e a força; porque criaste todas as coisas, por tua vontade foram criadas e existem.»
    Por meio de alguns símbolos, familiares a quem conhece o Antigo Testamento, João constrói um cenário que tem no centro um trono de glória. Nesse trono, senta-se o Eterno, o Criador de todas as coisas (v. 2). Diante d´Ele desenrola-se uma espécie de procissão e eleva-se um hino de louvor e de acção de graças. Todos os elementos descritivos servem para centrar a atenção de todos, também a nossa, n´Aquele que se senta no trono, porque Ele é Deus que devemos adorar. Com esta visão, o apóstolo João quer introduzir-nos, quer introduzir a assembleia que celebra os santos mistérios, na liturgia celeste, modelo de toda a liturgia terrestre.
    As várias aclamações que sobem para o Eterno, «o Senhor Todo-Poderoso» (v. 8), conservam todo o seu valor, hoje como ontem. Em primeiro lugar o «Santo, santo, santo» dirigido Àquele «que era, que é e que há-de vir». Esta expressão cronológica sintetiza toda a história da humanidade que, visitada por Deus, se torna história da salvação. O outro hino de louvor, com que termina a leitura, reconhece n´Aquele que se senta no trono o Criador de todas as coisas.

    Evangelho: Lucas 19, 11-28
    Naquele tempo, 11disse Jesus uma parábola, por estar perto de Jerusalém e por eles pensarem que o Reino de Deus ia manifestar se imediatamente. 12Disse, pois:«Um homem nobre partiu para uma região longínqua, a fim de tomar posse de um reino e em seguida voltar. 13Chamando dez dos seus servos, entregou-lhes dez minas e disse-lhes: 'Fazei render a mina até que eu volte.' 14Mas os seus concidadãos odiavam-no e enviaram uma embaixada atrás dele, para dizer: 'Não queremos que ele seja nosso rei.' 15Quando voltou, depois de tomar posse do reino, mandou chamar os servos a quem entregara o dinheiro, para saber o que tinha ganho cada um deles. 16O primeiro apresentou-se e disse: 'Senhor, a tua mina rendeu dez minas.' 17Respondeu-lhe: 'Muito bem, bom servo; já que foste fiel no pouco, receberás o governo de dez cidades.' 18O segundo veio e disse: 'Senhor, a tua mina rendeu cinco minas.' 19Respondeu igualmente a este: 'Recebe, também tu, o governo de cinco cidades.' 20Veio outro e disse: 'Senhor, aqui tens a tua mina que eu tinha guardado num lenço, 21pois tinha medo de ti, que és homem severo, levantas o que não depositaste e colhes o que não semeaste.' 22Disse-lhe ele: 'Pela tua própria boca te condeno, mau servo! Sabias que sou um homem severo, que levanto o que não depositei e colho o que não semeei; 23então, porque não entregaste o meu dinheiro ao banco? Ao regressar, tê-lo-ia recuperado com juros.' 24E disse aos presentes: 'Tirai-lhe a mina e dai-a ao que tem dez minas.' 25Responderam-lhe: 'Senhor, ele já tem dez minas!' 26Digo-vos Eu: A todo aquele que tem, há-de ser dado, mas àquele que não tem, mesmo aquilo que tem lhe será tirado. 27Quanto a esses meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os cá e degolai-os na minha presença.» 28Dito isto, Jesus seguiu para diante, em direcção a Jerusalém.
    Nesta página do seu evangelho, Lucas quer ensinar-nos o que significa ser discípulos, e introduz o episódio do rei recusado. O primeiro ensinamento desenvolve o que já vem das páginas anteriores: o que é ser discípulo. O episódio do rei recusado introduz o tema das páginas seguintes. Mas importa dar atenção ao início desta parábola (v. 11), em que Lucas quer ilustrar o tema da iminência escatológica, ligando-se assim não só ao evento histórico da entrada de Jesus em Jerusalém, mas também com a questão «quando virá o reino de Deus» (cf. Lc 17, 20).
    Do cruzamento de todos estes motivos, resulta uma interpretação múltipla e diferenciada da própria palavra, onde também se notam alguns retoques pessoais do evangelista. Por exemplo, a menção a «uma região longínqua» (v. 12), para onde foi o rei, é uma alusão ao longo espaço de tempo que ainda nos separa da segunda vinda de Jesus. Mais adiante, Lucas voltará a alertar-nos para possíveis erros de avaliação do tempo desse regresso (21, 8). Outro pormenor lucano tem a ver com a necessidade de fazer render as minas. Se o Senhor tarda em vir, também é certo que virá como juiz: importa ter frutos para Lhe apresentar, quando vier. Isto vale também para nós, hoje.

    Meditatio
    João usa diversos símbolos do Antigo Testamento, sobretudo de Ezequiel e de Isaías, mas também do livro do Êxodo, para falar de realidades espirituais difíceis de exprimir. Os quatro seres viventes são um símbolo tomado de Ezequiel que, quando descreve a glória de Deus, fala dos querubins, seres complexos que, com os seus quatro rostos (um de homem, outro de leão, outro de touro e outro de águia) representam todas as forças vivas da criação. Deus dispõe de todas essas forças e de todos os séculos da história humana. O
    s vinte e quatro anciãos representam o Antigo e Novo Testamento. O cântico de louvor «Santo, santo, santo é o Senhor» é o cântico dos serafins escutado por Isaías (cf. Is 6, 3).
    João descreve, pois, uma liturgia poderosa e evocadora da grandeza e da glória de Deus, para nos dar a alegria de participar nessa liturgia celeste. Somos chamados a receber a revelação do reino de Deus, a exultar com o pensamento de que Deus é omnipotente, dominador do céu e da terra, e a render-lhes as nossas homenagens, com todas as nossas forças, sabendo que jamais O louvaremos de modo adequado. Em Cristo, o nosso louvor será perfeito, como nos dirá João na página seguinte do Apocalipse.
    O evangelho diz-nos que o discípulo é chamado a ser «servo bom e fiel». Não se trata de uma bondade comum ou de uma fidelidade genérica. A bondade manifesta-se na disponibilidade. A fidelidade, na obediência. São duas atitudes fundamentais do ideal evangélico que Jesus nos apresenta. São a espiritualidade própria do discípulo. Fidelidade e bondade são as duas faces da mesma medalha, são dois aspectos da mesma personalidade, qualificada não pelas suas qualidades morais, mas pelo dom de graça recebido e pelo desejo constante de viver segundo a vontade do Mestre.
    Ao contrário de Mateus, que qualifica o servo como "preguiçoso", Lucas qualifica-o como "desobediente". É um pormenor que só se descobre na comparação dos sinópticos. Fazendo essa comparação, cada discípulo poderá treinar-se a seguir os evangelistas pelas pistas que lhe são próprias e organizar as diversas peças do único retrato de Jesus. Nesta parábola, Jesus convida os discípulos a vencer toda a forma de medo e a alimentar total confiança em Deus.
    Cada um de nós recebeu as suas minas ou os seus talentos que há-de fazer render e de que há dar contas. Deus ama-nos, tem confiança em nós, estima-nos, deu-nos uma missão a realizar na vida. Também eu hei-de uma justa confiança em mim mesmo, porque, se assim não for, não posso revelar os meus dotes, não posso pôr a render os talentos que Deus me deu, não posso agir e produzir e fecho-me em si mesmo, triste, na minha árida esterilidade. Espero que também os irmãos me ajudem com a sua confiança e estima a revelar-me e a valorizar os meus talentos, tal como eu fraternalmente os ajudarei a revelar-se, a terem confiança em si mesmos, a valorizar os seus talentos. Daqui a importância da comunidade religiosa onde se cultiva a "caridade" como «esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno» (Cst 64).

    Oratio
    Senhor Jesus, usaste uma parábola, certamente inspirada num acontecimento do tempo em que viveste, para nos dizer: «Pensai bem: os homens actuam assim; mas, quando vos opuserdes a Deus, correreis riscos ainda maiores».
    Faz-nos compreender que esses riscos não existem porque Deus seja cruel, mas porque, sendo Deus, o homem acaba por destruir-se a si mesmo quando se Lhe opõe.
    Faz-nos também compreender que, antes da vinda do reino de Deus, há um longo caminho a percorrer e que não podemos esperá-lo ociosos, se quisermos a recompensa. Dá-nos imaginação, disponibilidade e força para fazer render os dons que nos deste, e ajudarmos os outros a fazer o mesmo. Os dons recebidos podem não ser muitos; mas a recompensa será enorme, porque os nossos pequenos esforços atrairão a tua generosidade divina. Amen.

    Contemplatio
    Nosso Senhor fez muitas vezes afirmar a sua fidelidade por meio dos profetas: «Deus é fiel nos seus caminhos» (Sl 144). Quis repetir essa afirmação no começo da sua vida pública, no sermão da montanha: «O céu e a terra passarão, mas nem um só jota das profecias e figuras ficará por cumprir» (Mt 5, 18). No momento da Paixão, não está preocupado em tudo cumprir até ao fim? Depois da Ceia, disse ao seu Pai: «Foi fiel a toda a minha missão» (Jo 17) ... Sejamos fiéis, se quisermos ouvir um dia a sentença: «Vem, servo bom e fiel, a uma fidelidade será recompensada, entra na alegria do Senhor» (Mt 25).
    Nosso Senhor fará por nós o que Deus pedia na Antiga Lei: «Se tiveres um servo fiel, que seja tratado como teu sangue (sicut anima tua); trata-o como irmão» (Sir 34). Mas nós já não somos servos mas amigos: Jam non dixi servos, sed amicos... (Jo 15). Isto aplica-se particularmente aos sacerdotes. É sobretudo deles que Jesus espera a fidelidade que convém aos amigos. Se formos fiéis, o olhar amante de Jesus não nos abandonará: Oculi meia d fideles terrae ut sedeant mecum (Sl 100). Seremos a sua consolação e a sua alegria: «Nada se pode comparar a um amigo fiel, um amigo fiel é o remédio para as penas da vida» (Sir 6, 15).
    Depois de tudo o que Jesus fez por nós, depois das provas de amizade que o seu divino Coração nos deu, especialmente na Paixão, ma sagrada Eucaristia, na nossa vocação privilegiada, não tem ele direito a contar que sejamos para Ele amigos fiéis?» (Pe. Dehon, OSP 4, p. 498s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Santo, santo, santo, Senhor Deus omnipotente» (Ap 4, 8).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • Apresentação da Virgem Santa Maria

    Apresentação da Virgem Santa Maria


    21 de Novembro, 2024

    A Apresentação de Maria ao templo de Jerusalém é descrita apenas nos evangelhos apócrifos. O imperador Justiniano mandou construir junto desse templo uma basílica, Santa Maria a Nova, que foi dedicada no dia 21 de Novembro de 543. A memória litúrgica da Apresentação de Maria começou a ser celebrada em Constantinopla, no século VIII, espalhando-se pouco a pouco no Oriente. No Ocidente, esta festa também se desenvolveu lentamente. Em 1472 foi alargada a algumas igrejas latinas, parecendo no Missal Romano apenas em 1505. É uma daquelas festas que, no dizer de Paulo VI, «para além do dado apócrifo, propõem conteúdos de alto valor exemplar e dão continuidade a veneráveis tradições» (Marialis cultus 8).
    Lectio
    Primeira leitura: Zacarias 2, 14-17

    Rejubila e alegra-te, filha de Sião, porque eis que Eu venho para morar no meio de ti - oráculo do Senhor. 15Naqueles dias, muitas nações se unirão ao Senhor e serão meu povo; habitarei no meio de ti, e saberás que o Senhor do universo me enviou a ti. 16O Senhor possuirá Judá como sua porção na Terra Santa e escolherá ainda Jerusalém. 17Cale-se toda a criatura diante do Senhor, porque Ele se eleva da sua morada santa.

    Este oráculo é provavelmente data da época da reconstrução do Templo de Jerusalém, quando alguns israelitas ainda estão longe da pátria e surgem fortes esperanças de renascimento.
    Os três versículos que escutamos são tirados da terceira das oito visões em que Zacarias escuta os oráculos do Senhor. Neles ecoa a convicção forte dos israelitas: Deus vive no meio do seu povo, a sua casa é o Templo de Jerusalém.
    O texto de Zacarias confirma a fé, dá esperança robustece a atitude, porque o Senhor está no Templo, garante nele a sua morada, e anuncia a sua disponibilidade para acolher todos, israelitas e gentios. Esta presença, que provoca júbilo, há-de levar também à contemplação silenciosa do mistério.

    Evangelho: Marcos 3, 31-35

    Naquele tempo, chegam sua mãe e seus irmãos que, ficando do lado de fora, o mandam chamar. 32A multidão estava sentada em volta dele, quando lhe disseram: «Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram.» 33Ele respondeu: «Quem são minha mãe e meus irmãos?» 34E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. 35Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.»

    Jesus ultrapassa a crise aberta com os seus familiares, particularmente com a Mãe e os irmãos, alargando os limites da familiaridade com Ele a quem quer que que cumpra a vontade de Deus. Os verdadeiros familiares do Senhor são aqueles que «fazem» a vontade de Deus: «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (v. 35). Na perspetiva de Jesus, a vontade de Deus não há-de feita com a atitude de um escravo que executa ordens do dono, mas com o dinamismo e a criatividade de alguém que sabe escutar e ser coerente com a Palavra escutada.
    Jesus é um verdadeiro mestre na arte de «fazer» a vontade do Pai. Maria é sua discípula fiel. Escuta, acredita e cumpre o que escuta e acredita «Feliz Aquela que acreditou».
    Meditatio

    A Apresentação de Maria ao Templo não tem qualquer fundamento bíblico. São os evangelhos apócrifos que falam desse presumível acontecimento. Mas é claramente improvável que uma rapariga tenha sido confiada ao clero de Jerusalém, num Templo inacessível a mulheres. Lemos no protoevangelho de Tiago: «Quando a menina completou três anos, Joaquim disse: «Chamai as meninas dos hebreus que não tenham qualquer mancha e tome cada uma delas uma lâmpada, uma lâmpada que não se apague. A menina não deverá voltar atrás e o seu coração não permanecerá fora do Templo do Senhor». Elas obedeceram àquela ordem e foram juntas ao Templo do Senhor. E o sacerdote acolheu a menina, tomou-a nos braços e abençoou-a dizendo: «O Senhor glorificou o teu nome em todas as gerações. Em ti, nos últimos dias, revelará a redenção que concede aos filhos de Israel». E mandou sentar a menina no terceiro degrau do altar. E o Senhor encheu-a de graça e ela dançou e tornou-se querida por toda a casa de Israel. Os seus pais deixaram o Templo cheios de admiração, louvando a Deus: a menina não procurou voltar atrás. E permaneceu no Templo do Senhor, semelhante a uma pomba, e a mão de um anjo oferecia-lhe o alimento» (Protoevangelho de Tiago 7, 2-8,1). É tudo muito bonito, mas é tudo muito «sobrenatural», bem pouco em sintonia com o realismo do mistério da Encarnação.
    A Santa Sé admitiu a festa somente em 1372, a pedido do embaixador do rei de Chipre "e de Jerusalém". Mas ela só aparece no Missal Romano a partir de 1505.
    O Lecionário litúrgico oferece-nos uma proposta unitária para tornar verosímil a interpretação do acontecimento: a tipologia da presença. As duas leituras detêm-se nessa modalidade relacional. O oráculo de Zacarias proclama a presença de Deus no Templo e transmite a palavra do próprio Deus que se apresenta, como que a explicar o sentido e o significado dessa decisão divina, que enche de alegria o povo e há-de levá-lo à contemplação. Se o mistério da presença de Deus no meio do seu povo era uma realidade no Antigo Testamento, mais o é no Novo Testamento. A Santíssima Humanidade de Cristo é o novo Templo, o novo ´lugar´ da Presença de Deus no meio de nós. Em Jesus, Deus torna-se presente ao homem, e o homem tem o caminho para se tornar presente a Deus. A primeira criatura que beneficiou dessa presença, e se apresentou a Deus, foi a Virgem Maria. Nela se realizou, como em ninguém jamais, a mútua presença e imanência: Deus apresentou-Se a Ela e Ela apresentou-se a Deus; Deus permaneceu nela, e Ela permaneceu em Deus. O evangelho refere a presença de Maria junto do seu Filho. Esta presença como que torna visível o mistério profundo que meditamos. As palavras de Jesus, sobre a identidade daqueles que Ele julga seus parentes, deixam clara a mensagem: o Senhor está presente junto da pessoa humana; sendo assim, a pessoa humana tem a porta aberta para se apresentar diante do Senhor. Se o Templo torna visível o encontro entre Deus e o homem, a Santíssima Humanidade de Cristo torna-o ainda mais visível.
    Tendo como pano de fundo o delicado símbolo da presença de uma menina na solenidade do Templo, isto é, a chamada «apresentação de Maria ao Templo», a liturgia hodierna leva-nos a meditar no sentido de uma apresentação de nós mesmos diante do Senhor. A própria presença diante do Senhor torna-se apresentação todas as vezes que é iluminada, explicada, motivada, cultivada pela consciência. O símbolo da apresentação de Maria ao Templo equivale, portanto, à consciência da identidade de Maria e da sua função junto do Messias, cada vez mais importante, primeiro por parte dos seus familiares e, depois, por parte da própria Virgem Maria e, finalmente, por parte dos outros crentes. O sentido fundamental é este: Maria está sempre na presença do Senhor, integralmente dedicada ao seu serviço, crescendo na consciência de si e da sua missão.
    Quando Deus se torna presente a nós em Jesus e na sua palavra, e nós nos tornamos presentes a Deus, em Jesus, e guardamos a sua palavra, também nos tornamos felizes, bem-aventurados, como Aquela que recebeu no seu ventre, transportou e deu à luz Jesus Cristo, nossa Bem-aventurança.
    Oratio

    Salve santa Maria, filha de Israel e guarda do Evangelho. Tu deste-te inteiramente ao Senhor. Para viveres na sua presença, escolheste uma vida de oração, de trabalho e de silêncio. A tua vida tornou-se um templo em que Deus veio habitar. A tua alegria e a tua felicidade eram servi-l´O dia e noite, vivendo na sua presença. «Bem-aventurados os que habitam na vossa casa, Senhor! Bem-aventurados os que só do Senhor esperam o seu apoio e o seu socorro. Os seus corações elevar-se-ão de grau em grau e avançarão sem cessar na virtude», diz o Salmo. Santa Maria, apresentada ao Templo, tu és para nós modelo da vida no Espírito, modelo do dom de nós mesmos a Deus. Faz-me compreender bem a vida de abandono e entrega ao Senhor. Por isso, me consagro a vós e ao Coração Jesus. Ámen.
    Contemplatio

    Maria não tinha senão três anos, mas já tinha a razão desenvolvida e estava avançada em graça. Unia-se à recitação e ao canto dos belos salmos que os seus pais Ana e Joaquim diziam com tanto fervor. E a graça divina falava ao mesmo tempo ao seu coração. Podemos pensar que impressão fazia sobre esta alma cândida o salmo 83: «Como são amáveis os vossos tabernáculos. Deus das virtudes! A minha alma suspira e desfalece para ir até aos átrios do Senhor... Bem-aventurados os que habitam na vossa casa, ó meu Deus...». - E enquanto ela recitava e saboreava estas aspirações, a graça solicitava a sua alma. O Verbo divino dizia-lhe como no salmo 44: «Escuta, minha filha, vê, presta atenção ao meu apelo: esquece o teu povo e a casa de teu pai...». E acrescentava baixinho: «O rei está encantado com a tua beleza e quer ter-te na sua casa e na sua intimidade». A santa criança escutava e compreendia o apelo divino. Nada a pode reter. Diz aos seus pais bem amados: «Tenho sede de habitar no templo para me consagrar inteiramente à oração e ao serviço de Deus». Ana e Joaquim acederam ao seu desejo, como outrora a mãe de Samuel. Foi uma explosão de alegria no coração da santa criança: «Alegrei-me quando me disseram que irei para a casa do Senhor». (Sl 121) (Leão Dehon, OSP 4, p. 477).
    Actio

    Repete hoje estas palavras:
    «Feliz aquele que faz a vontade do Senhor» (cf. Mc 3, 25).

     

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    Apresentação da Virgem Santa Maria (21 de Novembro)

    XXXIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    Todo o dia
    21 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXXIII Semana - Quinta-feira
    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 5, 1-10

    1Depois, vi na mão direita do que estava sentado no trono um livro escrito nas duas faces e selado com sete selos. 2Vi também um anjo forte que clamava com voz potente: «Quem é digno de abrir o livro e de quebrar os selos?» 3Mas ninguém, nem no céu nem na terra, nem debaixo da terra era capaz de abrir o livro nem de olhar para ele. 4E eu chorava copiosamente porque não fora encontrado ninguém digno de abrir o livro nem de olhar para ele. 5Então, um dos anciãos disse-me: «Não chores. Porque venceu o Leão da tribo de Judá, o rebento da dinastia de David; Ele abrirá o livro e os seus sete selos.» 6Depois olhei e vi no meio do trono e dos quatro seres viventes e no meio dos anciãos, um Cordeiro. Estava de pé, mas parecia ter sido imolado. Tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados a toda a terra. 7Depois, o Cordeiro aproximou-se e recebeu o livro da mão direita do que estava sentado no trono. 8E, quando Ele recebeu o livro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro. Cada um deles tinha uma cítara e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos. 9E cantavam um cântico novo, dizendo:«Tu és digno de receber o livro e de abrir os selos; porque foste morto e, com teu sangue, resgataste para Deus, homens de todas as tribos, línguas, povos e nações; 10e fizeste deles um reino e sacerdotes para o nosso Deus; e reinarão sobre a terra.»

    O capítulo V do Apocalipse apresenta-nos, numa visão grandiosa, uma mensagem clara: a história humana é um mistério, porque Deus está presente nela; mas podemos ter alguma compreensão desse mistério, porque o próprio Deus nos oferece uma chave de leitura dessa história.
    O símbolo do livro «selado com sete selos» (v. 1) significa que tudo permanecerá envolto no mistério, se não houver alguém capaz de «quebrar os selos» (v. 2). Felizmente temos Jesus, o Cordeiro imolado «digno de receber o livro e de abrir os selos; porque foste morto e, com teu sangue, resgataste para Deus, homens de todas as tribos, línguas, povos e nações» (v. 9). O choro copioso do vidente também é símbolo da tristeza em estamos condenados a viver até que venha Jesus quebrar os selos do livro. Assim se alude ao drama daqueles que mantêm os olhos fechados ao grande evento de salvação colocado no centro da história humana para a iluminar.
    Em contraste com o choro daqueles que não conseguem ler por dentro o livro, eleva-se o «cântico novo» (v. 9) dos que seguem o Cordeiro e por ele são introduzidos na compreensão do mistério. Esses são o «reino de sacerdotes» (v. 10) que Jesus constituiu para Deus, salvando-os do pecado. Trata-se do sacerdócio universal de que participam todos os baptizados, aqueles que foram lavados no sangue do Cordeiro e revestidos de vestes brancas.

    Evangelho: Lucas 19, 41-44

    Naquele tempo, 41quando Jesus se aproximou de Jerusalém, ao ver a cidade chorou sobre ela e disse: 42«Se neste dia também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está oculto aos teus olhos. 43Virão dias para ti, em que os teus inimigos te hão-de cercar de trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados; 44hão-de esmagar-te contra o solo, assim como aos teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, por não teres reconhecido o tempo em que foste visitada.»

    Ao contrário de Marcos, que insiste na incredulidade do povo diante da pessoa e da mensagem de Jesus, Lucas, nesta página, acentua a sua lamentação e o seu choro sobre Jerusalém, estabelecendo um claro contraste com as aclamações e louvores que, pouco antes, lhe tinham sido dirigidos (cf. Lc 19, 38). O choro de Jesus revela-nos a sua humanidade autêntica e, ao mesmo tempo, a sua total participação no drama de uma humanidade que resiste a entrar no projecto salvífico de Deus. Jesus salva-nos com o seu poder divino; mas também com a sua fragilidade humana.
    A lamentação de Jesus encerra um juízo e oferece uma motivação. O juízo está nas palavras: «Mas agora isto está oculto (por Deus) aos teus olhos» (v. 42). Estas palavras atribuem a Deus o que na realidade depende da livre opção humana. A motivação encontra-se nas palavras: «Se neste dia também tu tivesses conhe¬cido» (v. 42). Estas palavras correspondem a uma afirmação: Tu não conheceste nem queres conhecer. Mas o mais urgente é revelar dois elementos positivos que caracterizam a lamentação de Jesus: a paz e o tempo da visita.
    A paz é o dom messiânico por excelência. Jesus veio proclamá-la e oferecê-la a todos. Mas é preciso acolhê-la para caminhar com Jesus até ao termo do seu itinerário. O tempo de que fala Jesus é o “tempo providencial” (kairós) em que Deus visita o seu o povo para o libertar e introduzir no Reino. São dois acenos que iluminam o seu martírio que está próximo.

    Meditatio

    Ambas as leituras de hoje nos falam de choro: do choro de quem teme não poder ler a mensagem do livro, do choro de Jesus sobre Jerusalém. Espontaneamente nos lembramos das lamentações que, já no Antigo Testamento, manifestam o sofrimento de Deus pela infidelidade do seu povo. Que significa um tal pranto e uma tal lamentação?
    Atentemos, em primeiro lugar, na comparação entre «este dia», caracterizado pela falta de correspondência dos contemporâneos de Jesus à sua mensagem de paz, e «daqueles dias», que verão o castigo de Deus para todos aqueles que deliberadamente tiverem ignorado o seu convite à salvação. É no coração da história que Deus, por meio de Jesus, quer entrar e ser acolhido. É esse o significado da “visita” que quer fazer hoje a cada criatura. O tempo é sagrado para Deus e para nós. É um dom que jamais apreciaremos convenientemente. Demos atenção aos verbos no futuro que caracterizam a lamentação de Jesus. Não se trata só de uma ameaça e, menos ainda, de um castigo que atinja o homem a partir de fora. Trata-se, sobretudo, de um sofrimento profundo para Deus e para nós, um sofrimento que não tem significado apenas negativo, mas algum significado positivo. É o sofrimento que, ao longo da história, se transforma em graça, logo que nos convertamos ao Senhor.
    A página do Apocalipse mostra-nos hoje Cristo rei de todo o mundo, depois de ontem nos ter mostrado Deus na glória celeste. O que estava sentado no trono, Cristo ressuscitado e glorioso, «tinha na mão direita… um livro escrito nas duas faces e selado com sete selos» É o livro que contém a história do mundo, como Deus a quer. Ninguém é digno de abrir o livro e de lê-lo, quer dizer, ninguém é digno de actuar o plano de Deus sobre a história humana, porque tudo é obs
    curo, selado. Mas há uma revelação: existe um vencedor capaz de guiar a história humana de acordo com o desígnio de Deus, o «leão da tribo de Judá», Jesus Cristo. A vitória será alcançada pela sua imolação. E o seu reino, onde somos chamados a entrar, não terá fim. A expansão deste reino depende dos “santos”, isto é, dos cristãos. Depende de nós. Vivamos no desejo de que o reino venha, sejamos dóceis ao Espírito de Cristo, para que o reino se concretize cada vez mais.
    A grandiosa liturgia do capítulo quinto do Apocalipse celebra o triunfo do Cordeiro vencedor “de pé” (v. 6) e imolado “degolado” (v. 6), que resgatou... «com o Seu sangue homens de todas as tribos, línguas, povos e nações» (v. 9). Na adoração eucarística juntamo-nos à igreja celeste para adorar, louvar e agradecer ao Cordeiro imolado que nos salvou, comprometendo-nos a trabalhar para que o seu reino se estenda a toda a terra e dê glória e alegria ao nosso Deus (cf. Cst 25).

    Oratio

    Senhor, Tu és Aquele que pode trazer a paz. Cada dia nos visitas para no-la oferecer. A tua cidade recusou-Te e recusou a paz. Que eu saiba acolher-Te e acolher o teu dom e que, dia a dia, caiam por terra os muros da violência e, por acções concretas, se modifiquem os meus pensamentos e me torne construtor da paz.
    A paz não é um paraíso destinado a poucos, mas um bem para todos. Que eu tenham força para desafiar a desaprovação dos poderosos e as críticas dos pusilânimes, lutando eficazmente contra a injustiça, a miséria, a ignorância, a prepotência e a discriminação. Que os meus gestos de paz possam contribuir para um futuro melhor de todos e de cada um dos homens. Amen.

    Contemplatio

    Jesus estava na vigília da sua paixão, e as demonstrações dos judeus não O enganavam. O seu Coração estava ferido. Ao aproximar-se da cidade, parou um instante e pôs-se a chorar: «Jerusalém, disse, se compreendesses todo o bem que te quero! Se consentisses na paz que te trago! Mas não, vás obrigar-me a dentro em breve te atingir e punir a tua ingratidão!»
    Estas palavras emocionam-me profundamente. Nosso Senhor não pensava apenas em Jerusalém, mas em todas as almas ingratas, também na minha. «Se tu compreendesses todo o bem que te quero! - dizia-me; se tu consentisses na paz que te trago!»
    Mas, infelizmente, não compreendo sempre, não compreendo muitas vezes. Nosso Senhor traz-me a paz, mas eu permaneço perturbado, porque não tenho a coragem de me vencer nem de romper inteiramente com as minhas más inclinações.
    Nosso Senhor repete-me as suas advertências de muitas maneiras, pelas impressões da sua graça, pelas minhas orações, os meus retiros, por muitas leituras e reflexões, por provações também e por castigos. Vou finalmente compreender o seu amor?
    As suas lágrimas vão-me tocar? Se tivesse a fé de Margarida Maria, veria as lágrimas do Bom Mestre! Posso imaginá-las. Sei que Ele é impassível no céu, mas choraria ainda por minha causa, se pudesse chorar! (Leão Dehon, OSP 3, p. 353).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Tu, Senhor, és digno de receber o livro e de abrir os selos» (Ap 5, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

     

  • XXXIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    22 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 10, 8-11
    8Depois, a voz do céu, que eu tinha ouvido antes, falou-me de novo: «Vai, toma o livro aberto da mão do anjo que está de pé sobre o mar e sobre a terra.» 9Aproximei-me do anjo e pedi-lhe para me entregar o livrinho. Ele disse-me: «Toma e come-o. Ele vai amargar-te nas entranhas, mas, na tua boca, será doce como mel.» 10Tomei o livrinho das mãos do anjo e comi-o: na minha boca era doce como mel; mas, depois de o comer, as minhas entranhas encheram-se de amargura. 11Depois, disseram-me: «É necessário que continues a profetizar contra muitos povos, nações, línguas e reinos.»
    João escuta uma voz que o convida a tomar o livro e a devorá-lo (vv. 8s.). Ao executar a ordem, experimenta simultaneamente doçura e amargura (v. 10). Estamos perante um símbolo muito claro da missão profética de João, e de cada um de nós. A Palavra, que também está sigilada no grande livro, quer tornar-se voz que chega a cada um de nós, nos interpela e responsabiliza como ouvintes e testemunhas. Ninguém pode desprezá-la ou desconhecê-la: o baptismo fundamenta em nós o direito e o dever do apostolado entendido como "serviço" à Palavra.
    Doçura na boca e amargura nas vísceras: esta imagem faz-nos compreender o drama de quem, não só está consciente do direito de escutar a Palavra, mas também do dever de a testemunhar. O verdadeiro profeta partilha o destino da Palavra, d´Aquele que é a Palavra, um destino pascal de sofrimento e de alegria, de trevas e de luz, de morte e de vida. A ordem final: «É necessário que continues a profetizar» (v. 11) diz-nos que a missão profética não é opcional, mas um dever daquele que acolheu a Palavra.

    Evangelho: Lucas 19, 45-48
    Naquele tempo, 45Jesus, entrando no templo, começou a expulsar os vendedores. 46E dizia-lhes: «Está escrito: A minha casa será casa de oração; mas vós fizestes dela um covil de ladrões.» 47Ensinava todos os dias no templo, e os sumos sacerdotes e os doutores da Lei, assim como os chefes do povo, procuravam matá-lo. 48Não sabiam, porém, como proceder, pois todo o povo, ao ouvi-lo, ficava suspenso dos seus lábios.
    Lucas começa por referir a palavra de Jesus contra os vendedores. Depois apresenta um resumo dos episódios que marcaram os últimos dias de Jesus na terra.
    «Está escrito: A minha casa será casa de oração», diz Jesus (v. 45). Jesus não reza só no templo, e chega a criticar o apego às instituições religiosas vistas apenas em perspectiva materialista. Mas o templo, enquanto casa de Deus, tem de ser respeitado, e não pode ser usado para outros fins que não sejam o culto de Deus. O templo não pode tornar-se «um covil de ladrões» (v. 46). «Está escrito»: não são apenas as profecias que determinam o comportamento de Jesus, mas é também o comportamento de Jesus que realiza em plenitude as profecias. A luz que ilumina os gestos de Jesus vem da sua mensagem profética, mas sobretudo da sua consciência messiânica.
    «Os sumos sacerdotes e os doutores da Lei, assim como os chefes do povo, procuravam matá-lo» (v. 47): os poderosos permanecem na sua cegueira diante de Jesus e das suas palavras. Mas o povo simples, que reconhece a necessidade de um Salvador e de um Mestre, está suspenso dos seus lábios (v. 48).

    Meditatio
    O evangelho de hoje apresenta-nos Jesus que, sendo manso e humilde coração (cf. Mt 11, 29), usa de violência para que se possa servir a Deus em santidade e justiça, e fazer da Sua casa uma casa de oração. Temos de aceitar esta imagem de Jesus e, por conseguinte, aceitar que o Evangelho seja anunciado e seja vivido de modos diferentes sem pretender que todos tenham as mesmas atitudes e orientações espirituais. O Espírito pode sugerir que a apresentação e o anúncio do Evangelho varie conforme as circunstâncias. No texto que escutamos hoje, Jesus é tomado pelo zelo da casa de Deus: «Está escrito: A minha casa será casa de oração; mas vós fizestes dela um covil de ladrões!».
    Neste episódio, Jesus liberta o templo de Deus para que se possa servir a Deus em santidade e justiça, fazer da casa de Deus uma casa de oração. Mas, templo de Deus não é só o de Jerusalém: é a sociedade, é toda a pessoa, que deve ser libertada do inimigo para poder servir a Deus em santidade e justiça. Os cristãos em geral, e os evangelizadores em particular, podem sentir-se impelidos a intervenções fortes em vista do respeito pelas pessoas e pelas sociedades. Não é fácil julgar essas intervenções, estando fora das situações em que acontecem. Se há o perigo de ser imprudentes, também há o perigo de ficar calados, quando é necessário intervir contra a injustiça e a opressão.
    Há ligação entre a missão profética de que fala a primeira leitura e a casa de oração de que fala o evangelho. A Palavra de Deus é dom a comunicar aos outros por meio da profecia, e dom a assimilar pessoalmente no colóquio íntimo e amoroso com Deus, que é a oração. São dois aspectos de uma única experiência espiritual, e dois momentos de um único ministério. A missão profética amadurece na oração; a oração leva a sentir a necessidade de evangelizar. A liturgia da Palavra é um convite diário a não separarmos o que, no projecto de Deus, deve permanecer unido. Jesus manifesta claramente a união entre a oração e a missão. A oração precede, acompanha e prolonga-se em relação às suas actividades missionárias e de bem-fazer. Por isso, tem força e coragem para denunciar situações de injustiça, acatando as consequências. A sua morte não é fruto do acaso. Sabe o que O espera. Por isso, a sua oração perene se intensifica, à medida que se aproxima a sua hora.
    É um direito e dever da Igreja proclamar a justiça e denunciar a injustiça. Este é um direito e um dever também nosso, religiosos dehonianos, porque «participantes na missão da Igreja» (Cst P II, A., § 4). Todavia a Igreja, além de mistério, é instituição humana (como o é, de resto, também a nossa Congregação) feita de homens muito imperfeitos e pecadores. É precisa uma «contínua reforma» (UR 6), purificação, conversão. Precisamos de uma "«conversão permanente ao Evangelho» (Cst 144) para o podermos anunciar com a força do Espírito. Precisamos do diálogo permanente com o Senhor.

    Oratio
    Senhor Jesus, o Evangelho revela-nos que a tua personalidade é mais rica e complexa do que às vezes imaginamos. És manso e humilde; mas sabes expulsar os vendilhões do templo. Ajuda-me a aceitar essa tua imagem e, com ela, o
    facto do Evangelho ser vivido e anunciado de modos diferentes, sem ter a pretensão que todos tenham os mesmos sentimentos, as mesmas orientações espirituais. Ajuda-nos a ser dóceis à voz do Espírito para realizarmos sempre, com força e suavidade, a tua obra, e todos possam servir a Deus em santidade e justiça. Amen.

    Contemplatio
    O nosso divino Sacerdote veio a este mundo para a glória do seu Pai, pelo seu reino, pelo estabelecimento e dilatação do seu império; mas porque tudo isto não pode realizar-se senão conquistando-lhe almas, não há no seu Coração de sacerdote senão um mesmo amor: o amor do triunfo do seu Pai e o amor da salvação das almas. Toda a sua vida tende para este fim. Reza, sofre, trabalha, oferece-se como vítima pela glória de seu Pai e pela salvação das almas. Exclama: «Vim lançar fogo à terra e que desejo eu, senão que a terra se abrase?» É o fogo do amor de benevolência, são os ardores do seu zelo pela honra do seu Pai, é a ardente caridade que o consome pelas almas. É preciso absolutamente que o seu Pai triunfe e que as almas sejam resgatadas e salvas: está tudo aí. Os trinta e três anos da sua vida foram todos preenchidos desta paixão interior, que se manifesta particularmente nos dias da sua vida pública.
    Com que terna afeição fala de seu Pai e dos direitos que tem à nossa fidelidade! Como quer ganhar almas para o seu serviço! Como se apaga a si mesmo, para que todos se voltem para este Pai bem amado! «Não faleis da minha bondade, diz, só Deus é bom» (Lc 18).
    Morre para satisfazer ao seu Pai reparando a sua glória, e para salvar as nossas almas arrancando-as ao seu inimigo.
    Enfim, virá o dia em que este doce triunfador, que será vencedor, porque é vítima como nos ensinou Santo Agostinho, Victor quia victima, se submeter todas as almas que devem compor o seu corpo místico. «Então virá o fim, diz S. Paulo; o Filho entregará a sua conquista a Deus e ao Pai, e o Filho se submeterá Ele mesmo (na sua Humanidade e na qualidade de sacerdote e de Hóstia eterna) Àquele que lhe terá tudo submetido, de modo que Deus seja tudo em todos» (1Cor 15).
    É o temo da missão do Filho. Como se vê, este Filho incarnado, este Sacerdote consagrado ao Altíssimo, não separa nunca no seu Coração, nas suas obras, na sua imolação, no seu triunfo, o seu Pai, cuja glória é o fim de tudo, e as almas, cuja salvação é a matéria desta glória. (Leão Dehon, OSP 2, p. 593s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Toma o livro e come-o; deves ainda profetizar» (Ap 10, 9-11).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    23 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 11, 4-12
    4Estas duas testemunhas são as duas oliveiras e os dois candelabros que estão diante do Senhor da terra. 5Se alguém quiser fazer-lhes mal, sairá fogo da sua boca para devorar os seus inimigos; deste modo, se alguém tentar fazer-lhes mal, morrerá certamente. 6Eles têm o poder de fechar o céu para que a chuva não caia no tempo da sua profecia. E têm, igualmente, o poder de mudar as águas em sangue, de modo a provocar na terra toda a espécie de flagelos, sempre que o desejem fazer. 7E, quando terminarem de dar testemunho, a Besta que sobe do Abismo lutará contra eles, vencê-los-á e dar-lhes-á a morte. 8Os seus cadáveres ficarão na praça da grande cidade, que se chama, simbolicamente, Sodoma e Egipto, precisamente onde o seu Senhor foi crucificado. 9E, durante três dias e meio, homens de vários povos, tribos, línguas e nações contemplarão os seus cadáveres e não permitirão que sejam sepultados. 10Os habitantes da terra se felicitarão pela sua morte, farão festa e se presentearão mutuamente; porque eles, os dois profetas, tinham sido um tormento para a humanidade. 11Mas, depois desses três dias e meio, um sopro de vida, enviado por Deus entrou neles: puseram-se de pé e um grande terror caiu sobre os que os viram. 12Então, as duas testemunhas ouviram uma voz forte que vinha do céu e lhes dizia: 'Subi para aqui'. E eles subiram ao céu numa nuvem, à vista dos seus inimigos.
    As duas testemunhas (v. 4) simbolizam todos os que receberam a missão profética e, por isso, estão disponíveis para anunciar a Boa Nova. Essas testemunhas têm a protecção de Deus e d´Ele recebem poderes extraordinários em ordem à evangelização que o Espírito Santo torna fecunda. São instrumentos nas mãos de Deus, ao serviço da humanidade. Por isso são dignos de veneração e hão-de participar na glória de Deus. A única condição para isso é que sigam o mesmo caminho que o mestre, Jesus, percorreu. Passarão pela experiência dolorosa da perseguição e da morte: «a Besta que sobe do Abismo» (v. 7) poderá cantar vitória, ainda que provisoriamente. «Sodoma e o Egipto» (v. 7) exultarão pela morte destas duas testemunhas e pelo triunfo provisório das forças do mal contra o Cordeiro. Mas «depois de três dias e meio» a situação inverter-se-á: as testemunhas hão-de ressuscitar por causa do sopro de vida que Deus fará entrar neles (cf. v. 11) e todos sentirão grande terror. O mistério pascal realiza-se também na sua vida: a vida do Mestre é a sua vida; a sua vitória e participação na vitória de Jesus. Ressuscitarão e «subiram ao céu» (v. 12), onde está Jesus. O triunfo das testemunhas atinge a meta que é a comunhão eterna com o Pai, depois da comunhão terrena com Jesus.

    Evangelho: Lucas 20, 27-40
    Naquele tempo, 27Aproximaram-se alguns saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: 28«Mestre, Moisés prescreveu-nos que, se morrer um homem deixando a mulher, mas não tendo filhos, seu irmão casará com a viúva, para dar descendência ao irmão. 29Ora, havia sete irmãos: o primeiro casou-se e morreu sem filhos; 30o segundo, 31depois o terceiro, casaram com a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram sem deixar filhos. 32Finalmente, morreu também a mulher. 33Ora bem, na ressurreição, a qual deles pertencerá a mulher, uma vez que os sete a tiveram por esposa?» 34Jesus respondeu-lhes: «Nesta vida, os homens e as mulheres casam-se; 35mas aqueles que forem julgados dignos da vida futura e da ressurreição dos mortos não se casam, sejam homens ou mulheres, 36porque já não podem morrer: são semelhantes aos anjos e, sendo filhos da ressurreição, são filhos de Deus. 37E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob. 38Ora, Deus não é Deus de mortos, mas de vivos; pois, para Ele, todos estão vivos.» 39Tomando, então, a palavra, alguns doutores da Lei disseram: «Mestre, falaste bem.» 40E já não se atreviam a interrogá-lo sobre mais nada.
    A pergunta dos saduceus manifesta uma mentalidade materialista e fechada à lógica do céu. Não se trata de levar ou não a mulher para a outra vida. A vida depois da morte será algo de completamente novo e inesperado. Jesus fala de imortalidade, coisa que não podemos experimentar desde já e que deve ser considerada um dom preciosos da vontade divina. As relações interpessoais na vida eterna serão de outra ordem: não nos fecharemos na relação com uma pessoa, mas estaremos abertos a todos e a Deus. Finalmente Jesus afirma que os ressuscitados serão «semelhantes aos anjos». Não se trata de uma expressão de desprezo pelo matrimónio, mas da afirmação de que a vida eterna será diferente da vida deste mundo: mais próxima de Deus a quem louvaremos e serviremos, como fazem os anjos.
    Os vv. 39 e 40 mostram-nos que entre os escribas também havia pessoas que apreciavam a doutrina de Jesus, mas não tinham coragem para ser coerentes até às últimas consequências, isto é, até comprometer-se com Ele.

    Meditatio
    O mundo quer-nos fechados, prisioneiros e escravos da sua finitude. Mas leituras de hoje abrem-nos os horizontes de outro mundo e de outra forma de vida. Levam-nos a meditar na vida eterna. A resposta de Jesus à objecção dos saduceus é um golpe de asa que nos ergue para o alto: «Nesta vida, os homens e as mulheres casam-se; 35mas, aqueles que forem julgados dignos da vida futura e da ressurreição dos mortos não se casam, sejam homens ou mulheres, 36*porque já não podem mor¬rer: são semelhantes aos anjos e, sendo filhos da ressurreição, são filhos de Deus» (vv. 34-36). Somos chamados a outra forma de existência que começa desde já, na união com Deus, para continuar na eternidade.
    Há, pois, que purificar as nossas ideias sobre o modo de vida que nos espera em Deus. Sobre isso, o evangelho sugere-nos mais o silêncio do que o palavreado superficial. É fácil cair em discursos banais sobre o paraíso, tanto em sentido negativo como em sentido positivo. Como os saduceus, corremos o risco de reduzir a vida eterna às proporções da vida terrena, ainda que aumentadas. Deus quer surpreender-nos com «coisas novas», ou melhor, com «novos céus e nova terra». O que sabemos ao certo é que a vida eterna será uma páscoa plena e definitiva, participação na Páscoa de Jesus. Como as «duas testemunhas» do Apocalipse, sabemos que a Páscoa é um acontecimento extraordinário que abre o céu e a terra e marca definitivamente a nossa vida. Chegaremos à vida eterna pela ressurreição, que &ea
    cute; participação na ressurreição de Cristo, participação na sua vitória sobre a morte.
    São estes os pensamentos que hão guiar a nossa vida, e não os do mundo. A ressurreição é o nosso horizonte definitivo, uma vez que somos «filhos da ressurreição e filhos de Deus» (v. 36).
    Como religiosos, damos um testemunho público e profético da transcendência do Reino de Deus e, ao mesmo tempo, da incarnação deste Reino na história concreta do mundo: «A nossa profissão dos conselhos evangélicos, vivida em comunidade, é a primeira expressão da nossa vida apostólica: testemunha a presença de Cristo e anuncia o advento do Reino de Deus» (Cst 60) e ainda : «Na nossa maneira de ser e de agir, pela participação na construção da cidade terrena e na edificação do Corpo de Cristo, devemos testemunhar eficazmente que é o Reino de Deus e a sua justiça que se devem procurar antes de tudo e acima de tudo» (Cst 38).
    Para que o nosso carisma religioso seja um "carisma profético" (Cst 27), isto é, um sinal profético, não é suficiente professar os conselhos evangélicos; é preciso vivê-los na vida fraterna de uma comunidade, onde os religiosos se ajudem uns aos outros a reviver Cristo casto, pobre e obediente. Uma tal comunidade é sinal e testemunho do transcendente e escondido Reino de Deus: «testemunha a presença de Cristo e anuncia o advento do Reino de Deus» (Cst 60)

    Oratio
    Obrigado, Senhor, pela palavra de consolação e esperança que, hoje, me diriges. Obrigado pelos mensageiros do teu Evangelho que levam aos cinco continentes a mesma consolação e esperança. Obrigado porque, em cada momento histórico, alertam a tua Igreja para a missão de evangelizar que lhe confiaste. Obrigado por todos aqueles que, para serem fiéis no testemunho, engrossaram as fileiras dos teus mártires. Obrigado por todos aqueles que, em todos os países, línguas, povos e culturas, louvam o teu nome. Obrigado por aqueles que, escutando o teu chamamento e respondendo com generosidade e alegria, hão-de continuar a servir a Igreja e o mundo, evangelizando e promovendo todos os povos da terra. Assiste-os com a tua presença, guia-os com o teu conselho e fortalece-os com o teu Espírito. Amen.

    Contemplatio
    O que vale mais do que o cêntuplo dos bens terrestres, é o céu, é a vida eterna.
    É a vida com Deus, a posse de Deus. Isso vale mais do que todas as honras, do que todas as riquezas, do que todas as alegrias.
    Os padres e os religiosos possuirão Deus e possui-lo-ão mais intimamente que os simples fiéis. Foi a eles como aos apóstolos que Nosso Senhor disse: «Vós que deixastes tudo por minha causa, sentar-vos-eis sobre tronos para julgar os outros homens».
    A vossa glória, ó padres, será em proporção às vossas renúncias. Haverá para vós como que um paraíso especial, uma união maior com o Salvador, um cêntuplo no céu, como tivestes um cêntuplo sobre a terra.
    Os Padres da Igreja e os doutores não hesitam em aplicar esta promessa de Nosso Senhor aos padres e aos religiosos.
    Julgarão o mundo, diz S. Gregório, porque lhe serão superiores pelo seu desapego; porque planam como águias na contemplação do céu e no desprezo da terra; porque são os mestres e os doutores da verdade e terão de julgar se o mundo viveu segundo a sua doutrina; porque tendo sido julgados pelo mundo e desprezados pelos insensatos, julgarão por sua vez a loucura do mundo (Mor., 26).
    Ó padres, como esta promessa é estimulante! Vós sereis no céu amigos especiais do Salvador, amigos íntimos. Vivereis mais próximos d' Ele que o comum dos eleitos, se verdadeiramente tiverdes vivido como padres sobre a terra.
    Que mais poderoso estímulo Jesus vos poderia dar? (Leão Dehon, OSP, p. 625).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Semeia-se num corpo corruptível e ressuscita-se incorruptível» (cf. 1 Cor 15, 42).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXIV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    25 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 14, 1-3. 4b-5
    1Eu, João, vi o Cordeiro de pé no Monte Sião e, com Ele, estavam cento e quarenta e quatro mil pessoas que tinham o seu nome e o nome de seu Pai escrito nas frontes. 2Ouvi também uma voz que vinha do céu que era como o fragor do mar ou como estrondo de forte trovão. A voz que eu ouvira era ainda semelhante à música de harpas tocadas por harpistas. 3E cantavam um cântico novo diante do trono, diante dos quatro seres viventes e diante dos anciãos.Ninguém podia aprender aquele cântico a não ser os cento e quarenta e quatro mil que tinham sido resgatados da terra. Foram resgatados, como primícias da humanidade, para Deus e para o Cordeiro. 5Na sua boca não se achou mentira: são irrepreensíveis.
    João apresenta-nos os redimidos, o povo eleito que, reunido em assembleia, aclama a Deus e ao Cordeiro imolado. A mensagem joânica é eclesial, e mesmo universal, como se vê pelo número simbólico dos eleitos: 144 mil assinalados. Este número resulta da multiplicação de 12 por 12 por 1.000. Cento e quarenta e quatro mil é o produto de três números, cada um dos quais significa perfeição. Trata-se, pois, de um número aberto que será perfeito quando todos os chamados também forem eleitos.
    «O monte Sião» (v. 1) também é um símbolo. Sobre ele se hão-de encontrar todos os que tiverem na fronte o nome do Cordeiro e do seu Pai (v. 1). Ter o nome indica uma relação especial com a pessoa: neste caso, indica que o povo dos eleitos tem uma relação especial com Deus e com Jesus. É pela fé que se entra a fazer parte desse povo, que é a comunidade daqueles que invocam o Nome e reconhecem nele a fonte da salvação. É um povo que acredita e por isso canta: «um cântico novo diante do trono... Ninguém podia aprender aquele cântico a não ser os cento e quarenta e quatro mil que tinham sido resgatados da terra» (vv. 3-4). É o cântico do Aleluia pascal que se transforma em Aleluia eterno.

    Evangelho: Lucas 21, 1-4
    Naquele tempo, 1Levantando os olhos, Jesus viu os ricos deitarem no cofre do tesouro as suas ofertas. 2Viu também uma viúva pobre deitar lá duas moedinhas 3e disse:«Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou mais do que todos os outros; 4pois eles deitaram no tesouro do que lhes sobejava, enquanto ela, da sua indigência, deitou tudo o que tinha para viver.»
    Lucas, para nos inserir numa situação de vida que, hoje como ontem, nos interpela pela sua dramaticidade, serve-se de elementos contrastantes: os «ricos» e a «viúva», a «miséria» e o «supérfluo». O Evangelho não é um livro de piedosas exortações. Ilumina a realidade em que vivemos para que a possamos ler em profundidade. Jesus vê e elogia a pobre viúva; vê e não pode deixar de estigmatizar o gesto daqueles ricos. O olhar de Jesus é como que um juízo sobre a atitude daqueles que têm uma relação diferente com os bens, com o dinheiro. Um juízo que é sempre difícil de aceitar, mas que ilumina o gesto e o coração das pessoas.
    Jesus elogia a viúva pobre por causa das «duas moedas» que ofereceu ao templo. Também aqui há um forte contraste nas palavras de Jesus: duas moedas são duas moedas; mas Jesus considera-as mais preciosas do que as ofertas dos ricos. O gesto desta mulher lembra o da mulher anónima que, na véspera da paixão de Jesus, perfumou os seus pés e a sua cabeça com perfume precioso. É um gesto belo que agrada a Jesus mais do que qualquer outro. O pouco da pobre viúva é tudo aos olhos de Deus, enquanto o muito dos ricos é simplesmente supérfluo. Também aqui encontramos um juízo bastante claro: Deus aprecia mais o valor qualitativo do que o valor quantitativo dos nossos gestos. Só Ele vê o nosso coração e nos conhece profundamente.

    Meditatio
    Quem são os "virgens" de que fala o Apocalipse (14,1-5). Para alguns autores estes virgens seriam os que vivem no estado da virgindade integral e que seriam os perfeitos representantes do Povo de Deus peregrino, os cristãos modelo. Mas outros autores julgam que se trata apenas de virgindade alegórica, que denota fidelidade e adesão total a Deus, própria de qualquer cristão que tenha vivido plenamente a sua vocação. De facto, na linguagem profética, a infidelidade do povo a Deus é chamada prostituição. Não há pois convergência na interpretação do texto. Mas parece que podemos aceitar a opinião de um autor moderno: "o texto é um testemunho evidente da estima que a Igreja primitiva tinha pela virgindade", uma vez que, para designar os cristãos perfeitos não encontrou melhor termo que o de "virgens".
    Ao comentar este texto, São Bernardo diz que o Cordeiro sobe muito alto e desce muito baixo. Desce muito baixo porque se humilhou a si mesmo fazendo-se obediente até à morte; sobe muito alto porque é o Cordeiro sem mancha. Os 144 mil que seguem o Cordeiro também não têm mancha, são "virgens". E S. Bernardo continua a dizer: um pecador arrependido segue o Cordeiro; um que é virgem, segue o Cordeiro; mas pode acontecer que, nem um nem outro, o sigam para onde quer que vá: um porque não está sem mancha e outro porque se ensoberbeceu por causa da sua virgindade. O melhor, conclui o Santo, é segui-lo como pecador arrependido, porque o arrependimento purifica das culpas e torna possível seguir o Cordeiro, enquanto a soberba mancha a virgindade e impede segui-l´O. Por vezes, pode ser um bem tocar com a mão a própria miséria, porque nos pode impedir de cairmos na soberba.
    O texto evangélico leva-nos a reflectir sobre o valor do dom, do dom de si mesmo. A viúva fez um gesto eloquente: deu com generosidade e confiança, revelando o seu bom coração e o valor d´Aquele a Quem doava. Manifesta-se aberta a Deus, cheia de confiança n´Ele e, ao mesmo tempo, mostra que, para ela, Deus é o supremo bem. O seu gesto é um acto de fé, de abandono à Divina Providência, um acto de adoração.
    Os dons ligam as pessoas umas às outras, não tanto pelo valor que têm em si mesmos, mas por causa dos sentimentos que revelam no coração de quem dá, e pelo valor atribuído a quem se dá. É o coração que torna precioso o dom. Sob o ponto de vista religioso, a fé altera radicalmente o valor do que se dá. O pouco da viúva, dado com fé, é tudo; o muitos dos ricos, dado sem fé, é nada. O que torna precioso um dom é a intenção que o acompanha. Se o termo do gesto oblativo é Deus, o dom assume um valor extremamente grande. É Deus Quem o acolhe, o aprecia e o agradece.
    A vocação ao celibato consagrado por causa do Reino, sendo um dom de Deus, não deixa de exigir muita generosidade. Mas a vocação cristã em geral, e particularmente a nossa vocação oblativa reparadora, também exigem grande generosidade. A participação no sacerdócio e no estado de vítima de Cristo, todavia, não é para seres excepcionais e extraordinários, mas para todos os que querem viver Cristo em profundidade, de maneira simples e humilde, mas com total confiança e abandono. Para nós, Oblatos-SCJ é "um dom particular" (Cst 13), "uma graça especial" (Cst 26) de testemunho, para recordar a todos os nossos irmãos cristãos (leigos, sacerdotes, religiosos) a sua vocação baptismal, participação no sacerdócio de Cristo. A «vida de união à oblação de Cristo como o único necessário» (Cst 26) ou, como se dizia no tempo do Pe. Dehon, a vida de vítima, pede generosidade e abandono a todos os baptizados.

    Oratio
    Senhor, dá-me a graça de Te seguir, para onde quer que vás. Que eu Te siga, ao menos, como pecador arrependido, recebendo da tua generosidade sem limites as graças de que preciso, especialmente a da humildade e a da fidelidade.
    Faz-me também generoso e confiante como a viúva pobre que observaste no templo, para que me entregue sem reservas em completa oblação à tua glória e em total disponibilidade para os irmãos. Que a minha natureza ferida e corrupta, a pretexto de nobres ideais, jamais me leve a dons mascarados pelo egoísmo e pela vaidade. Que os meus dons sejam sempre motivados, única e exclusivamente, pelo amor puro. Amen.

    Contemplatio
    S. João aprende com os exemplos e as palavras de Jesus as virtudes que fazem as vítimas do Sagrado Coração: Obediência, paciência, caridade, abandono, reparação - S. João era o primogénito e o modelo das vítimas do Sagrado Coração. O tempo entre a tomada do hábito e a sua profissão não foi longo. No entanto, passou por um noviciado, por um tempo de prova, durante o qual aprendeu mais, avançou mais em virtude e em perfeição, sofreu mais no seu coração e no seu espírito do que a razão humana pode conceber. Lá aprendeu até onde vai o verdadeiro, santo e puro amor de Deus e que a medida deste amor é amar sem medida.
    Na noite da Ceia viu como Nosso Senhor se deu inteiramente no mistério da Eucaristia. No dia seguinte, foi testemunha da oferta dolorosa da vítima sangrenta sobre a cruz. Pela sua presença, pela sua fidelidade e constância, testemunhou abertamente que conhecia Nosso Senhor, que era e queria permanecer seu discípulo. Nesta hora solene, fez no seu coração cheio de amor, de reconhecimento, de compaixão e de zelo, as promessas mais santas para o futuro. Tomou a resolução de nunca abandonar Jesus nem a sua doutrina. Depois recebeu em partilha o Coração ferido de Jesus, o Coração sobre a cruz, envolvido com os espinhos da humilhação, do ultraje, da dor, da ingratidão, da infidelidade e da cobardia dos seus discípulos, daqueles de então e dos do futuro. Viu como Nosso Senhor era ao mesmo tempo sacrificador e vítima, como deve ser todo o verdadeiro sacerdote da nova lei (Leão Dehon, OSP 3, p. 520s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Estes seguem o Cordeiro para onde quer que vá» (Ap 14, 4).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXIV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    26 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 14, 14-19
    14Eu, João, vi uma nuvem branca. Sobre a nuvem estava sentado alguém que se parecia com um homem. Tinha na cabeça uma coroa de ouro e na mão uma foice afiada. 15Depois saiu do santuário um outro anjo que gritava ao que estava sentado na nuvem: «Lança a tua foice e ceifa, porque chegou o tempo de ceifar. Está madura a seara da terra.» 16Então, o que estava sentado na nuvem lançou a foice à terra e a terra foi ceifada. 17Depois saiu outro anjo do santuário celeste que também trazia uma foice afiada. 18E, do altar, saiu ainda outro anjo, o que tem poder sobre o fogo. E gritou ao anjo que tinha a foice afiada: «Manda a tua foice afiada e vindima os cachos da vinha da terra; porque as uvas já estão maduras.» 19O anjo lançou a foice à terra, vindimou a vinha da terra e lançou as uvas no grande lagar da ira de Deus.
    Mais uma vez, João utiliza símbolos cuja interpretação nos introduz na compreensão da mensagem. O primeiro símbolo é a nuvem (v.14): na tradição bíblica indica uma teofania, uma manifestação de Deus. Neste caso é o Filho do homem que aparece para julgar e oferecer a salvação. Este Filho do homem é Cristo. João conclui a sua mensagem sobre a pessoa e a missão de Cristo.
    O símbolo da ceifa (v. 15s.) e o da vindima (v. 18-19) ilustram o juízo que Jesus veio e virá pronunciar sobre a humanidade. Trata-se de um juízo aberto à salvação, que é exactamente dom d´Aquele cujo nome é Salvador. Considerar esse juízo apenas pelo lado negativo, seria desconhecer o dom de Deus e subtrair-se à vontade salvífica universal do Senhor. É verdade que, os que tiveram recusado a salvação, serão afastados de Deus, e objecto da sua cólera (v. 19). Mas isso acontece porque livremente se subtraíram à divina misericórdia.
    A página joânica oferece-nos outra mensagem: há uma íntima relação entre a vida presente e a vida futura. Tudo depende de Deus e da sua divina bondade, mas tudo depende também das nossas opções pessoais e das obras que fazemos.

    Evangelho: Lucas 21, 5-11
    5Naquele tempo, comentavam alguns que o templo estava adornado de belas pedras e de ofertas votivas. Jesus respondeu-lhes: 6«Virá o dia em que, de tudo isto que estais a contemplar, não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído.» 7Perguntaram-lhe, então: «Mestre, quando sucederá isso? E qual será o sinal de que estas coisas estão para acontecer?» 8Ele respondeu: «Tende cuidado em não vos deixardes enganar, pois muitos virão em meu nome, dizendo: 'Sou eu'; e ainda: 'O tempo está próximo.' Não os sigais. 9Quando ouvirdes falar de guerras e revoltas, não vos alarmeis; é necessário que estas coisas sucedam primeiro, mas não será logo o fim.» 10Disse-lhes depois: «Há-de erguer-se povo contra povo e reino contra reino. 11Haverá grandes terramotos e, em vários lugares, fomes e epidemias; haverá fenómenos apavorantes e grandes sinais no céu.»
    O fim do mundo e a vida futura marcam a espiritualidade cristã. É o que Lucas nos indica ao referir mais um "Discurso escatológico" de Jesus (cf. Lc 17, 20-37). As perguntas que os ouvintes fazem a Jesus - «Mestre, quando sucederá isso? E qual será o sinal de que estas coisas estão para acontecer?» - são duas pistas para investigarmos a mensagem. O discurso de Jesus é pronunciado diante do templo, com as suas «belas pedras» e «ofertas votivas», o que cria contraste entre o presente, que ameaça fechar a religiosidade dos contemporâneos de Jesus, e o futuro para onde Jesus deseja orientar a fé dos seus ouvintes. Ao responder, Jesus anuncia o fim do templo e, de certo modo, de tudo aquilo que ele simboliza. Anuncia o fim do mundo que se concretizará nessa catástrofe e em tantas outras. Tudo o que é deste mundo terá certamente fim, mais tarde ou mais cedo. Por isso, o mais importante é acolhermos o ensinamento de Jesus e deixar-nos guiar por ele, enquanto aguardamos a sua vinda. A sua palavra ajudar-nos-á a discernir pessoas e acontecimentos, e a optar pelos valores que nos propõe. Há muita gente que anuncia a proximidade do fim do mundo, para nos aterrorizar, e nos oferece caminhos de salvação. Jesus não faz isso. Mesmo quando fala do fim do mundo, preocupa-se em iluminar-nos e em confortar-nos.

    Meditatio
    As leituras de hoje colocam-nos perante a realidade do fim do mundo e do juízo de Deus que não pode suportar o pecado e intervém com força terrível: «o Anjo vindimou os cachos da vinha da terra... e lançou as uvas no grande lagar da ira de Deus», diz-nos o Apocalipse (14, 18-19); «Não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído», diz-nos Jesus, ao falar do templo de Jerusalém. Mas entre as duas leituras há um salmo de exultação, porque Deus vem julgar a terra: «Alegrem-se os céus, exulte a terra, ressoe o mar e tudo o que ele contém, exultem os campos e quanto neles existe, alegrem-se as árvores das florestas diante do Senhor que vem julgar a terra; julgará o mundo com justiça e os povos com fidelidade» (cf. Sl 95). Tudo neste mundo é efémero, menos o Reino de Deus que já está presente e actuante, e que Cristo, um dia, virá completar e conduzir ao Pai.
    No "Discurso escatológico" de Jesus temos que distinguir três níveis: a destruição de Jerusalém o fim da vida terrena de cada um de nós, os acontecimentos finais da história de toda a humanidade. Tudo passa. Só Cristo e o seu reino de amor, de justiça e de paz, hão-de permanecer. E cada cristão, como templo de Deus, adornado com as belas pedras das virtudes cristãs, pode e deve perseverar no bem, resistindo às diversas provações.
    Entretanto, individualmente e, sobretudo, em comunidade de fé, iluminados pela Palavra e fortalecidos pelo Espírito, os crentes devem ler os sinais dos tempos e fazer um verdadeiro discernimento do bem e do mal, do verdadeiro e do falso, para não se não se deixar enganar pelos falsos profetas e afastar do seguimento de Jesus Cristo, o único Salvador.
    O Espírito impele-nos a ser entre os homens e no mundo testemunhas deste amor de Deus, derramado em nós no baptismo, um amor que regenera e salva. Impele-nos a apressar a recapitulação de todos os homens e de todo o universo em Cristo. Nós suspiramos pela "plenitude dos tempos", quando se há-de realizar o "desígnio" do Pai «de recapitular em Cristo todas as coisas, as do céu e as da terra» (Ef 1, 10; cf. Rm 8, 19-25).
    Para apressar esta recapitulação, devemos, antes de mais nada, ser, nós mesmos, recapitulados em Cristo: "Tudo é vosso..., vós sois de Cristo e Cristo é de Deus" (1 Cor 3, 22-23).
    Concretamente, devemos viver cada dia sob o influxo do Espírito, deixando-nos guiar pelos Seus dons, irradiando os Seus frutos, exercendo os Seus carismas, vivendo as bem-aventuranças. É preciso que sejamos eucaristia do Senhor, que vivamos os nossos dias como "uma missa permanente" (Cst. 5).
    Deste modo, a realidade escatológica dos "novos céus" e da "nova terra, onde habitarão a justiça (amor oblativo)" (2 Pe 3, 13), torna-se, em nós e, possivelmente, nas nossas comunidades, uma realidade diária.

    Oratio
    Senhor Jesus, quando voltares, será perfeita a nossa alegria; quando voltares, já não será a esperança que nos há-de sustentar, mas a realidade que nos há-de saciar. Mas, desde já, queremos alegrar-nos em Ti, porque nos enche de júbilo a esperança que precede a realidade. Agora, amamos na esperança, porque já temos as primícias do Espírito e mesmo algo mais. De facto, desde já, estamos perto daquele que amamos. Desde já experimentamos e saboreamos algo daquela comida e daquela bebida de que, um dia, seremos saciados.
    Efectivamente, o Senhor não está longe, a não ser que O obriguemos a afastar-se de nós. Se amarmos, senti-l´O-emos próximo. Se amarmos, fará em nós sua morada, porque «Deus é amor» (1 Jo 4, 8). O amor é a virtude pela qual amamos. Amamos um bem inefável, um bem benéfico, o bem que cria todos os bens. Ele mesmo é a nossa delícia, porque dele recebemos tudo quanto nos deleita. Dele recebemos tudo quanto possuímos, excepto o pecado.
    Senhor, era com palavras semelhantes a estas que Te rezava o teu servo Agostinho de Hipona. E é assim que, hoje, Te quero rezar. Que a expectativa da tua vinda gloriosa me encha de alegria. Amen.

    Contemplatio
    Antes de entrar na posse da bem-aventurança eterna, haverá um juízo que devemos temer. Nosso Senhor estava com os discípulos no Monte das Oliveiras, em frente de Jerusalém. Os apóstolos reflectiam sobre a beleza do Templo: «Que pedras magníficas! Que riqueza!» Sim, diz-lhes Nosso Senhor, é muito belo, mas dentro de poucos anos tudo será destruído. E mais tarde, toda a terra será arrasada. Tudo isto é passageiro. O repouso não está nisso, mas no vosso Jesus na eternidade. Mas será preciso passar primeiro pelo juízo, e esse juízo, é preciso prevê-lo, meditá-lo, prepará-lo... Esse juízo será terrível, assustador. Será precedido por uma confusão universal. Os vivos ficarão transidos de medo, os mortos sairão das sepulturas. Nosso Senhor virá no esplendor do poder e da majestade e pronunciará contra os pecadores a terrível sentença. Este juízo é temido mesmo por aqueles que receberam grandes graças e uma vocação de eleição. Os santos sempre temeram o juízo: «Castigo o meu corpo pela penitência - dizia S. Paulo - para me precaver da condenação» (1 Cor 9). Santo Agostinho: Temo o fogo eterno. S. Bernardo: Tremo ao pensar no inferno...
    O temor não deve ser servil, mas filial e misturador com amor. Somos filhos do Sagrado Coração, e nunca devemos esquecer a parte do amor nas nossas disposições. O temor é um dom do Espírito Santo, do Espírito de amor. O amor deve ser sobrenatural e filial. Devemos temer perder Jesus, ser afastados dele eternamente, ser privados do seu amor e do seu coração (Leão Dehon, OSP 4, p. 489s. passim).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Lança a tua foice; chegou o tempo de ceifar» (Ap 14, 15).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXIV Semana – Quarta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    XXXIV Semana – Quarta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    27 de Novembro, 2024

    Tempo Comum – Anos Pares

    XXXIV Semana – Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 15, 1-4
    1Eu, João, vi no céu um sinal maravilhoso e surpreendente: sete anjos eram portadores dos sete últimos flagelos porque neles se cumpria a ira de Deus. 2Vi ainda uma espécie de mar de vidro misturado com fogo. Os que tinham vencido a Besta, a estátua da Besta e o número correspondente ao nome da Besta estavam junto do mar de vidro com as harpas que Deus lhes tinha dado. 3E cantavam o Cântico de Moisés, servo do Senhor, e o cântico do Cordeiro, aclamando:«Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei das nações! 4Senhor, quem não reverenciará o teu nome? Quem não lhe dará glória? Porque só Tu és santo! Todas as nações virão prostrar-se diante de Ti, pois as tuas justas sentenças foram promulgadas!»

    João, ao escrever esta página, tem claramente em fundo o quadro do Êxodo. Há uma ligação entre o fim que o Apóstolo profetiza e o início da história da salvação, quando Deus fez maravilhas em favor do seu povo. Jesus, o Cordeiro imolado, é o novo Moisés que introduz o novo povo de Deus no reino do Pai, fazendo-o passar através do mar, símbolo do mundo mergulhado no pecado. A segunda vinda de Cristo realizará a páscoa definitiva, libertando o homem de tudo quanto se opõe à sua salvação. Fá-lo sair do Egipto, terra de escravidão, e fá-lo entrar na Terra prometida, «onde corre leite e mel» (Ex 3, 8). Liberta-o do pecado e introdu-lo na comunhão de vida com Ele.
    O povo de Deus, definitivamente libertado, entoa «o Cântico de Moisés, servo do Senhor, e o cântico do Cordeiro» (v. 3). Há uma clara referência a Ex 15, 1ss.
    O dom da salvação tem dimensão universal, testemunhada pela passagem do Antigo ao Novo Testamento: «Todas as nações virão prostrar-se diante de Ti» (v. 4b). O dom de Deus passa por Israel, mas é para toda a humanidade. Assim, a mensagem do Apocalipse atinge a sua meta.

    Evangelho: Lucas 21, 12-19

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 12«Vão deitar-vos as mãos e perseguir-vos, entregando-vos às sinagogas e metendo-vos nas prisões; hão-de conduzir-vos perante reis e governadores, por causa do meu nome. 13Assim, tereis ocasião de dar testemunho. 14Gravai, pois, no vosso coração, que não vos deveis preocupar com a vossa defesa, 15porque Eu próprio vos darei palavras de sabedoria, a que não poderão resistir ou contradizer os vossos adversários. 16Sereis entregues até pelos pais, irmãos, parentes e amigos. Hão-de causar a morte a alguns de vós 17e sereis odiados por todos, por causa do meu nome. 18Mas não se perderá um só cabelo da vossa cabeça. 19Pela vossa constância é que sereis salvos.»

    Continuamos a escutar o segundo “Discurso escatológico” em que é delineado o futuro dos crentes e das comunidades cristãs de todos os tempos. Entrevemos já os acontecimentos narrados pelo mesmo Lucas nos primeiros capítulos dos Actos dos Apóstolos. A perseguição é sinal da autenticidade da fé em Jesus, porque os crentes participam do seu destino pascal. É também um sinal de que está perto o reino de Deus e de que é preciso estar atento e preparado para o acolher. Sabemos como a espiritualidade martirial marcou a vida das primeiras comunidades, até ao édito de Milão, em 313. E sabemos como tantos crentes ainda hoje vêem o martírio como uma forte possibilidade. Por isso, derramar o sangue por Cristo foi e continua a ser para muitos cristãos uma oportunidade para «dar testemunho» (v. 13) do Senhor e do seu Evangelho. O dom da fé implica a missão. Jesus indica o método e o estilo dessa missão. O testemunho dos discípulos, para ser eficaz, deve ser ao estilo pascal do testemunho de Jesus. Não é preciso preparar a própria defesa (v. 14), nem imaginar métodos de defesa meramente humanos, ou fazer apelo a estratégias terrenas. O que é preciso é viver de pura fé, abandonar-se ao poder de Deus, confiar na sua Providência. Cristo não deixará faltar a eloquência e a coragem aos seus fiéis (v. 15). A perseverança é o distintivo dos mártires.

    Meditatio

    As leituras das últimas semanas do ano litúrgico, aparentemente deprimentes porque falam das perseguições e das tribulações dos cristãos na luta contra a Besta, são, na realidade, uma mensagem de esperança, e querem criar em nós uma mentalidade de vencedores. Isso nota-se, sobretudo, no Apocalipse. S. João apresenta os cristãos como «os que tinham vencido a Besta» (v. 2), enquanto os redimidos atribuem a vitória a Deus e ao Cordeiro. De facto, nas suas tribulações, experimentaram vivamente o apoio de Deus. No evangelho, Jesus, depois de anunciar aos discípulos perseguições e sofrimentos, diz-lhes que a sua única preocupação há-de ser permanecer fiéis, porque Deus lhes dará a vitória. De facto, não lutam em nome de si mesmos, mas de Jesus: «por causa do meu nome» (vv. 12 e 17). Os cristãos perseguidos lutam em nome de Jesus. Por isso, não devem preocupar-se com a sua defesa: «Eu próprio vos darei palavras de sabedoria», diz o Senhor. A única preocupação do cristão há-de ser centrar-se no nome de Jesus, isto é, na sua pessoa.
    Assim entrevemos o valor específico do testemunho cristão: não vale tanto pelo que as pessoas saibam ou possam dizer, quanto pelo dom divino que, pela sua palavra, se manifesta. A testemunha torna-se, então, sinal de uma presença superior. As suas palavras veiculam uma mensagem divina. O seu martírio é prolongamento do martírio de Jesus. Jesus está presente nos seus mártires para ser a sua força no combate e no testemunho. A presença de Jesus torna-nos invulneráveis, apesar das aparências: «não se perderá um só cabelo da vossa cabeça» (v. 18).
    O livro dos Actos dos Apóstolos e as páginas do martirológio cristão mostram a verdade das palavras de Jesus.
    O sacrifício de Cristo é um apelo ao nosso martírio. S. Paulo intuiu essa verdade quando escreveu aos Romanos: "Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos (isto é, vós mesmos) como sacrifício, vivo, santo e agradável a Deus; é este o vosso culto espiritual" (Rm 12, 1). Cristo, consagrado e imolado, para ser fiel e obediente ao Pai, é um apelo a todos os cristãos, particularmente aos consagrados para que sejam fiéis e obedientes, até à imolação. Pela obediência, comenta Orígenes, ofereço «um holocausto no altar de Deus. Assim, sou sacerdote do meu sacrifício». Assim, também nós, nos tornamos, com Cristo, construtores do Reino de
    Deus entre os homens, reparadores com Cristo reparador. Estamos assim abertos para o «acolhimento do Espírito», damos «uma resposta ao amor de Cristo por nós», estamos em «comunhão no Seu amor pelo Pai» e cooperamos "na sua obra redentora no coração do mundo" (Cst 23).

    Oratio

    Senhor, faz-nos compreender que, da fidelidade à nossa vocação e à nossa missão, brota a disponibilidade para o sofrimento, para o martírio. Dá-nos a graça de sofrermos para sermos fiéis à nossa vocação ou, melhor, para sermos fiéis a Ti, que nos chamaste pelo nome; de sofrermos para actualizar o teu desígnio de salvação em favor dos irmãos e para tua glória; de sofrermos para ser fiéis aos valores que nos propões, enfrentado a revolta das nossas paixões e a incompreensão de quem não pensa como nós; de sofrermos convencidos de que se deve substituir o sofrimento inútil por um sofrimento consciente e paciente.
    Assim poderemos gozar daquela paz que o mar de cristal simboliza e oferece a quem, depois de ter passado pelo fogo da provação, sai dele purificado e renovado. Torna-nos perseverantes no teu amor e no teu santo serviço, mesmo que venha a ser preciso sofrer e morrer. Tu és um Deus fiel. Dá-nos a graça da fidelidade. Amen.

    Contemplatio

    «O meu Pai e eu, diz o Senhor, somos assim glorificados». É, de facto, o amor divino pelos homens que é imitado e continuado. A nossa união fraterna faz a alegria de Deus nosso Pai. Ela faz também a nossa força e a nossa consolação. As obras da caridade fraterna são também um poderoso meio de apostolado e o instrumento da conversão dos povos. O mundo vê que nos amamos e fica emocionado.
    Esta caridade tem tido os seus inumeráveis mártires, que têm fecundado a Igreja e enchido o céu. Todos aqueles que sacrificaram a sua vida nos trabalhos e nos perigos do apostolado sob todas as suas formas são mártires da caridade. Enfrentaram as fadigas, as doenças, as dificuldades do clima, a hostilidade dos infiéis para irem em socorro dos que sofrem ou que estão nas trevas da idolatria. Era o espírito da caridade que os conduzia.
    Dando-nos o seu preceito novo, Nosso Senhor dá-nos, no Espírito Santo, a graça de o cumprirmos.
    Se correspondermos a este espírito de caridade, havemos de praticar entre nós a doçura, a paciência, a benevolência. As obras de misericórdia ser-nos-ão caras e fáceis. Teremos gosto em tomar conta dos pequenos, dos pobres, dos ignorantes, daqueles que sofrem. Havemos de nos recordar da palavra do bom Mestre: «O que fazeis aos pequenos e aos deserdados, tenho como feito por mim». Se tivermos uma caridade ardente e abundante, levá-la-emos até ao sacrifício. Despojar-nos-emos, afadigar-nos-emos para socorrer o nosso próximo, e, se for preciso, daremos a nossa vida por ele como Nosso Senhor a deu por nós. (Leão Dehon, OSP 3, p. 419s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Pela vossa constância é que sereis salvos» (Lc 21, 19).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXIV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    28 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 18, 1-2. 21-23; 19, 1-3.9a
    1Eu, João, vi outro anjo que descia do céu com grande autoridade. A terra foi iluminada pelo seu esplendor; 2e gritou com voz forte:«Caiu, caiu Babilónia, a grande. Tornou-se antro de demónios, guarida de todos os espíritos imundos, guarida de todas as aves imundas guarida de todos os animais imundos e repelentes; 20Ó céus, rejubilai pela sua ruína! E vós também, os santos, os apóstolos e os profetas! Porque, condenando-a, Deus fez-vos justiça.» 21Depois, um anjo poderoso levantou uma pedra do tamanho de uma mó de moinho e lançou-a ao mar, dizendo: «Assim, com o mesmo ímpeto, será lançada Babilónia, a grande cidade! E nunca mais será encontrada. 22A melodia das cítaras e dos músicos, das flautas e das trombetas nunca mais se ouvirá dentro de ti. Não mais se encontrará em ti nenhum artista de qualquer arte que seja; não mais se ouvirá em ti o ruído da mó. 23A luz da lâmpada nunca mais brilhará dentro de ti. E as vozes do noivo e da noiva nunca mais se ouvirão dentro de ti. Porque os teus comerciantes eram os magnates da terra e com os teus feitiços ludibriaste todas as nações.» 1Depois disto, ouvi no céu algo que parecia o alarido de uma multidão imensa que dizia: «Aleluia! A vitória, a glória e o poder pertencem ao nosso Deus; 2porque Ele julga com verdade e com justiça, porque Ele condenou a grande prostituta - a que corrompia a terra com a sua devassidão e lhe pediu contas do sangue dos seus servos.» 3E diziam ainda: «Aleluia! O fumo do incêndio da cidade subirá pelos séculos dos séculos!» 9Depois disse-me: «Escreve: Felizes os convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro!»
    João fala-nos de outra visão que tem por objectivo iluminar a história do povo de Deus peregrino. A alusão ao céu e ao esplendor que dele vem indicam a origem divina da palavra que vai ser proclamada. Quem a ouvir, e acolher a mensagem, pode caminhar seguro rumo à meta.
    É proclamado o fim de Babilónia, símbolo das forças que se opõem a Deus. A derrota dessas forças, que tentam levar os crentes à idolatria, é inevitável e certa, ainda que, de momento parecem estar a vencer. A derrota de Babilónia provará que nada nem ninguém é capaz de se opor ao desígnio de Deus. A ausência de alegria nessa cidade, «a melodia das cítaras e dos músicos, das flautas e das trombetas nunca mais se ouvirá dentro de ti» (v. 22), indica a falta de Deus e a surdez dos seus habitantes ao apelo do Senhor à conversão.
    Pelo contrário, o Aleluia proclamado logo a seguir (19, 1.3) manifesta a vitória de Deus sobre os seus adversários, a vitória do Cordeiro sobre os seus inimigos e a alegria dos redimidos. O «banquete das núpcias» (v. 19, 9), que o Cordeiro oferece a todos os convidados, é o símbolo final da sua retumbante vitória.

    Evangelho: Lucas 21, 20-28
    Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: 20«Quando virdes Jerusalém sitiada por exércitos, ficai sabendo que a sua ruína está próxima. 21Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes; os que estiverem dentro da cidade retirem-se; e os que estiverem no campo não voltem para a cidade, 22pois esses dias serão de punição, a fim de se cumprir tudo quanto está escrito. 23Ai das que estiverem grávidas e das que estiverem a amamentar naqueles dias, porque haverá uma terrível angústia no país e um castigo contra este povo. 24Serão passados a fio de espada, serão levados cativos para todas as nações; e Jerusalém será calcada pelos gentios, até se completar o tempo dos pagãos.» 25«Haverá sinais no Sol, na Lua e nas estrelas; e, na Terra, angústia entre os povos, aterrados com o bramido e a agitação do mar; 26os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai acontecer ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. 27Então, hão-de ver o Filho do Homem vir numa nuvem com grande poder e glória. 28Quando estas coisas começarem a acontecer, cobrai ânimo e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima.»
    Esta secção do "Discurso escatológico" apresenta duas partes. Na primeira, é descrita a ruína de Jerusalém (vv. 20-24); na segunda é descrito o fim do mundo (vv. 25-28). Na primeira parte verificamos, mais uma vez, como Lucas gosta de passar da apocalíptica à história: «quando virdes Jerusalém sitiada por exérci¬tos... esses dias serão de punição» (cf. vv. 20-22). A destruição de Jerusalém é um juízo de Deus sobre o comportamento passado dos seus habitantes. Mas é também um aviso em relação ao futuro, e de alcance universal: «até se completar o tempo dos pagãos» (v. 24), isto é, o tempo do testemunho, o tempo dos mártires (cf. Actos dos Apóstolos).
    S. Lucas gosta de distinguir os tempos: o Antigo Testamento, a plenitude dos tempos caracterizada pela presença de Jesus, e o tempo da Igreja. O «tempo dos pagãos» insere-se nesta última fase da história. Entre a primeira e segunda parte desta página, o evangelista deixa entender que, depois do tempo dos pagãos, será o juízo universal. Os vv. 25-28 caracterizam-se pela vinda do Filho do homem para o juízo universal. O crente nada tem a temer, ainda que a descrição desse momento o induza ao temor de Deus. De facto, o regresso do Senhor caracteriza-se por «grande poder e glória» (v. 27). Mas será nesse regresso que irá trazer aos fiéis o dom da libertação definitiva, o dom da redenção.

    Meditatio
    S. Lucas é o teólogo da história da salvação, em que distingue três grandes etapas: a Antiga Aliança, a Nova Aliança e a Parusia. A Antiga Aliança foi profecia e figura da Nova Aliança, realizada em Jesus Cristo morto e ressuscitado, que a Igreja continua a pregar e a tornar presente, até à sua última vinda. Para S. Lucas faz sentido empenhar-se na obra da evangelização, que parte da história de Jesus, mas que engloba a história das suas testemunhas da primeira comunidade cristã e das comunidades cristãs de todos os tempos.
    Quando Jerusalém for destruída, Jesus diz-nos: «cobrai ânimo e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima» (v. 28). Babilónia e Jerusalém simbolizam o pecado, as forças que se opõem a Deus. É o mundo que deve ser destruído. Por outro lado, a Sagrada Escritura também fala do mundo como objecto do amor de Deus, que manda o Filho para o salvar. Temos, então, que esclarecer o significado do termo mundo: «mundo» são a violência, a desonestidade, o abuso do sexo, as estruturas de pecado. É contra esse mundo que havemos de lutar. É esse mundo que tem de ser destruído. Mas, «mundo» é também o universo e a humanidade que Deus ama e que o cristão também deve amar, na solidariedade com que luta contra o pecado, para que seja salvo. A relação Igreja-mundo é, pois, muito complexa: é uma relação semelhante à de Jesus, cheio de amor e solidariedade para com todos, mas inflexível contra o pecado.
    É ao mundo dos homens que a Igreja deve anunciar Jesus Cristo, para que nele encontrem a libertação e a redenção por que anseiam, e que é uma nova criação. Jesus veio, efectivamente, libertar o homem do pecado e dar-lhe a possibilidade de recuperar a primitiva imagem de Deus que lhe foi imprimida ao ser criado. No fim dos tempos, Cristo há-de voltar para criar os «novos céus e a nova terra» mas, sobretudo, para aperfeiçoar no homem a original imagem de Deus.
    O P. Bourgeois no seu primeiro comentário ao texto ou hino cristológico que encontramos nas Constituições (nn. 10-12), faz notar uma dialéctica, que se revela no texto, entre o passado, o presente e o futuro. Passado: «Cristo... prestou o seu serviço em prol das multidões» (Cst 10); «revelou o amor de Deus e anunciou o Reino» (Cst 10); «rezou pelo advento do Reino» (Cst 11); «abriu-nos ao dom do Espírito» (Cst 11); «N'Ele foi criado o homem novo, à imagem de Deus» (Cst 12)... Presente: O «mundo novo já presente em germe nos esforços hesitantes dos homens» (Cst 10); «o Reino, que já está em acção com a sua presença (de Cristo) no meio de nós» (Cst 11); Cristo «é para nós o Primeiro e o Último, Aquele que vive (Cst 11); Ele dá-nos a graça de acreditar, apesar do pecado, fracassos e injustiças, a redenção é possível, oferecida e já está presente» (Cst 12). Futuro: «este mundo novo... encontrará a sua realização... quando, por Jesus, Deus for tudo em todos» (Cst 10); Um mundo novo aberto «ao dom do Espírito e à liberdade dos Filhos de Deus» (Cst 11); habitado pelo «homem novo... criado... à imagem de Deus, na justiça e na santidade verdadeiras (Cst. 12); um mundo libertado pela "redenção de Cristo» (Cst 12); realizando «o Reino» em que, «por Jesus, Deus for tudo em todos» (Cst 10). Uma bela perspectiva para lermos a história da salvação, mas também a nossa história pessoal, e para nos motivar na caminhada da fé e do testemunho, no serviço do Evangelho. Até que o Senhor volte!

    Oratio
    Senhor, aumenta a minha esperança para que tenha coragem de procurar mundos novos, e remover os detritos e hábitos que me enterram em seguranças precárias, para que a certeza de Te encontrar jamais me permita desistir de Te procurar, para que nunca deixe de caminhar, apesar da minha fraqueza. É a esperança que mobiliza os meus biblioteca para chegar à meta que me reservas. É esperança que me dá força para lutar contra uma existência incolor que pouco a pouco esmaga e paralisa. É a esperança que me leva a abrir-me a Ti e a inspirar-me no Evangelho para renovar a minha vida. É a esperança que me leva a manter viva a chama. É a esperança que me leva a resistir a ser como os outros me querem, e a não perder a minha identidade, fechando-me à graça. Senhor, aumenta a minha esperança: a esperança de Te ver e de ser surpreendido por Ti. Amen.

    Contemplatio
    Algumas vezes Jesus encoraja-nos com o incentivo das recompensas: «O reino dos céus é um tesouro que é preciso conquistar, uma pérola que é preciso comprar a todo o preço».
    Outras vezes sustém-nos com o medo dos castigos: «O mau grão será queimado no momento da colheita; - os peixes maus captados pela rede serão lançados ao mar; - o convidado para as núpcias que não tiver o traje nupcial não será admitido; - as virgens loucas encontrarão as portas fechadas; - o servo que não tiver feito frutificar o seu talento será atirado às trevas exteriores».
    Ou então Nosso Senhor descreve minuciosamente o último juízo, do qual a destruição de Jerusalém será apenas o prelúdio.
    Aqui está um fundo sólido de pregação: a santidade da moral a praticar, o céu para aqueles que são fiéis, o inferno para os maus servidores.
    E Nosso Senhor dava uma invencível autoridade aos seus ensinamentos pela santidade da sua vida, pelo encanto da sua palavra, pela unção da graça de que estava penetrado.
    Onde está a nossa pregação? Tem porventura um fundo sério? Faz valer suficientemente os grandes motivos da esperança e do temor? Está apoiada pela santidade da nossa vida? Estamos bastante unidos a Deus pela vida interior para que isto se manifeste em todo o nosso ser e em todas as nossas palavras? (Leão Dehon, OSP 2, p. 553).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Felizes os convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro!» (Ap 19, 9).)
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXXIV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    29 de Novembro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 20, 1-4. 11 - 21, 2
    1Eu, João, vi um anjo que descia do céu. Trazia na mão a chave do Abismo e uma grande corrente. 2Agarrou o Dragão, a Serpente antiga, que também se chama Diabo ou Satanás: prendeu-o por mil anos 3e lançou-o no Abismo que depois fechou e selou, para que ele não mais enganasse as nações, até que se completassem mil anos. Depois deste período, o Diabo deve ser solto por algum tempo. 4Vi também alguns tronos; e aos que neles estavam sentados foi dado o poder de julgar. Vi ainda as almas dos que foram decapitados pelo testemunho de Jesus e pela Palavra de Deus, os quais não adoraram a Besta, nem a sua estátua, nem trouxeram na fronte ou na mão o sinal da Besta. Eles reviveram e reinaram com Cristo durante mil anos. 11Depois, vi um trono magnífico e branco e alguém sentado nele. Os céus e a terra fugiram da sua presença e desapareceram definitivamente. 2E vi descer do céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém, já preparada, qual noiva adornada para o seu esposo.
    João contempla a luta definitiva entre a serpente antiga e o Cordeiro imolado. Deus vencerá sobre Satanás e trará novidade de vida e grande alegria a todos os crentes. O combate e a vitória final acontecerá na cidade de Deus, pátria de todos aqueles que «foram decapitados pelo testemunho de Jesus e pela Palavra de Deus» (20, 4) e lugar onde todos os que não adoraram a Besta e a sua estátua recuperam a vida e reinam com Cristo. É, portanto, a cidade da alegria, a cidade da vida que triunfa sobre a morte, a cidade de Deus que elimina toda e qualquer outra alternativa. No centro dessa cidade, está um trono branco sobre o qual se senta Aquele que tem nas mãos o «livro dos vivos» (v. 12). Esta imagem diz-nos que Deus conhece e avalia, com sabedoria e bondade, todas as nossas obras. Junto ao livro da vida, está o «lago de fogo» (v. 14), também chamado «segunda morte», destino tremendo para todos aqueles que não tiverem o nome no livro da vida.
    Mas o final será feliz: no fim da história, a morte já não terá qualquer poder sobre os que seguiram o Cordeiro no seu caminho pascal. Estes serão admitidos à total e eterna comunhão com Deus, aqui simbolizada pela Jerusalém celeste, «noiva adornada para o seu esposo» (21, 2), que será a cidade santa.

    Evangelho: Lucas 21, 29-33
    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 29«Reparai na figueira e nas restantes árvores. 30Quando começam a deitar rebentos, ao vê-los, ficais a saber que o Verão está próximo. 31Assim também, quando virdes essas coisas, conhecereis que o Reino de Deus está próximo. 32Em verdade vos digo: Não passará esta geração sem que tudo se cumpra. 33O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão-de passar.»
    Jesus, ao terminar o "Discurso escatológico", responde à pergunta inicial: «Mestre, quando sucederá isso? E qual será o sinal de que estas coisas estão para acontecer?» (21, 7). A parábola da figueira é a resposta. Já no versículo 28 fora introduzido o tema da vigilância: «cobrai ânimo e levantai a cabeça!» que agora é retomado e desenvolvido. Lucas aproveita todas as ocasiões para exortar os destinatários do seu evangelho a tirar as devidas consequências da mensagem que lhes entrega.
    O pormenor das «restantes árvores» (v. 29) visa tornar inteligível a parábola fora da Palestina. Mas não é preciso aplicar a realidade do Reino de Deus ao ritmo das estações. Portanto o regresso do Senhor não deve ser entendido como é o Verão, tempo das colheitas. Apenas se quer afirmar que, quando se verificarem os sinais premonitórios (cf. vv 20-28), então se manifestará definitivamente o poder de Deus que salva. Para Lucas, como sabemos, o reino de Deus já está no meio de nós (cf. 12, 20; 17, 21). O regresso do Senhor não será o início do Reino, mas a realização da sua última fase. «A vossa redenção está próxima» (v. 28): Cristo, o libertador, que já deu início ao reino do Pai no meio de nós, há-de vir aperfeiçoar a sua missão.

    Meditatio
    A maravilhosa visão, que o Apocalipse hoje nos apresenta, enche-nos de esperança e dá-nos coragem para vivermos o presente, sobretudo se pensarmos que a grande transformação já começou. Depois da dissolução do mundo actual, Deus fará surgir outro, simbolizado pela nova Jerusalém. Mas tanto o juízo final como a nova Jerusalém já são realidades presentes e actuantes no mundo. João mostra-nos que as realidades definitivas se actuam desde já. E Jesus diz-nos que «Agora é o julgamento deste mundo» (Jo 12, 31).
    O texto de Lucas é um exemplo do estilo parenético-exortativo que o caracteriza e certamente reflecte a intenção de Jesus: «Reparai» ... «quan¬do virdes» ... «conhecereis». Como crentes, temos o dever de olhar e ver, de nos darmos conta e de compreender, não para sondar o mistério, mas acolhermos a mensagem de consolação e de libertação que Jesus nos veio trazer.
    Como verdadeiro mestre, Jesus pede a atenção e a reflexão dos discípulos, sem lhes dar a solução pronta e clara. Prefere envolvê-los na contemplação e na compreensão do mistério que, Ele mesmo, recebeu do Pai. É um caminho talvez cansativo, mas desafiador e belo, aquele que o pedagogo Jesus propôs aos seus contemporâneos e continua a propor-nos. Para ler em profundidade os acontecimentos históricos actuais, e aqueles que nos esperam, Jesus oferece-nos a sua Palavra e o seu exemplo. Todos os acontecimentos, da nossa história pessoal, ou da nossa história comunitária, podem ser interpretados como sinais da presença divina, como dons do Senhor, como estímulo para retomarmos o caminho do Evangelho, na fidelidade aos mandamentos de Deus e a exemplo de Jesus. É nisso que consiste a graça: o dom de Deus que «desce do céu» pode transformar a pessoa humana, apesar da sua fragilidade, em nova criatura, bela, adornada para o esposo. Vivemos numa alegria e numa esperança mais actual, mais bela, mais forte, porque, aquilo que esperamos, é uma realidade já começada. De facto, é para nós consolador verificar que Cristo é nosso companheiro e amigo neste nosso mundo que «sofre... dores de parto» (Rm 8, 22), que luta e se esforça por se abrir ao dom do Espírito, neste mundo onde, apesar de tudo, surgem germes de bem, florescem obras de amor, está presente a santidade «apesar do pecado, dos fracassos e da injustiça... » (Cst 12).
    Como dehonianos, somos chamados a colaborar no advento do «mundo novo». Em primeiro lugar, em nós mesmos, porque não se pode evangelizar sem antes sermos evangelizados. Depois, como partic
    ipantes no carisma do P. Dehon e, em harmonia com a sua experiência de fé, seguimos a Cristo e abrimo-nos ao Espírito, aos Seus dons, para irradiarmos os seus frutos, praticar as bem-aventuranças, convencidos de que, colaborando com o Espírito, «os novos céus» e a «nova terra», em que «habita a justiça» (2 Pe 3, 13; cf. Is. 65, 17; 66, 22; Ap 21, 1.27), não são apenas uma expectativa futura, escatológica, mas podem tornar-se uma realidade actual.

    Oratio
    Senhor, ao menos uma vez por ano, a natureza, que nos rodeia, manifesta as suas capacidades escondidas quando, na Primavera, desabrocham folhas e flores, ervas e searas nos nossos campos. É o irromper improviso e violento da vida que escondeste no mundo material, e que nos revela as maravilhas que ele pode produzir, quando responde à tua palavra. Tal como a terra explode na Primavera em folhas, rebentos e flores, assim um dia explodirá, transformando-se num mundo de luz e de glória, onde será possível vermos os Santos e os Anjos que o habitam. Será a Primavera Eterna que aguardamos na fé. Sabemos que há-de vir e não tardará (cf. Heb 10, 37). Por isso Te suplicamos: Venha o teu Reino! Mostra-Te, Senhor, manifesta-Te; Tu que te sentas sobre os Querubins, mostra-te; ergue o teu poder e vem ajudar-nos. Amen! Maranatha!

    Contemplatio
    Jesus quer inspirar-nos confiança, tal como Ele a praticou durante a sua vida mortal. Do mesmo modo que a sabedoria infinita de Nosso Senhor Lhe aconselhara a intimidar-nos com o medo do julgamento, assim também o seu Coração Lhe inspira que nos anime pela confiança na sua misericórdia.
    Quis chorar ao descrever aos apóstolos a destruição de Jerusalém, figura do juízo final, para mais os impressionar e imprimir neles mais profundamente um temor salutar (Lc 19). Mas também quis devolver a paz e a confiança aos seus corações mostrando-lhes que a meditação impressionante do juízo final não era para eles mais do que uma precaução salutar. «Quando estas coi¬sas começarem a acontecer, cobrai ânimo e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima» E acrescentava, para os firmar na confiança, uma comparação tirada do gracioso espectáculo que tinham a seus olhos: «Reparai na figueira e nas restan¬tes árvores. Quando começam a deitar rebentos, ao vê-los, ficais a saber que o Verão está próximo. Assim também, quan¬do virdes essas coisas, conhecereis que o Reino de Deus está próximo», ... quer dizer: pensai que a ceifa está próxima para vós.
    Esta confiança que Nosso Senhor queria deixar aos apóstolos, também a quer inspirar a nós.
    Não nos deu Ele o exemplo pela confiança no seu Pai, manifestada nas circunstâncias mais difíceis, no Getsémani e o Calvário? Mesmo então, quando a sua alma tinha mergulhado no medo, na tristeza e no tédio, reerguia-se com confiança: Surgite eamus («Levantai-vos e vamos»).
    Abandonado sensivelmente pelo seu Pai, devolvia-lhe nada menos que a sua alma, com confiança: In manus tuas commendo spiritum meum («Nas tuas mãos entrego o meu espírito»).
    Era esta confiança que impressionava S. Paulo, quando escrevia: «Tomou a cruz com alegria» (Heb 12).
    Inspirava esta confiança aos seus santos, e S. Paulo, depois de ter dito: «temo a reprovação», acrescentava: «todavia tenho confiança de alcançar a coroa depois de ter combatido o bom combate» (Leão Dehon, OSP 4, p. 492s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão-de passar» (Lc 21, 33).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. André, Apóstolo

    S. André, Apóstolo


    30 de Novembro, 2024

    André era discípulo de João Batista, e companheiro de João Evangelista. Quando o Precursor apontou Jesus que passava, dizendo: "Eis o cordeiro de Deus" (cf. Jo 1, 35-40) tornou-se imediatamente discípulo do Senhor. Logo a seguir, comunicou a Pedro, seu irmão a descoberta do Messias (cf. Jo 1, 41s.). Jesus chamou a ambos para se tornarem "pescadores de homens" (Mt 4, 18s.). É André que, na multiplicação dos pães indica a Jesus o rapaz que tem cinco pães e dois peixes (Jo 6, 8s.). Com Filipe, André refere a Jesus que alguns gregos O querem ver (Jo 12, 20s.). A tradição reconhece em Santo André o evangelizador da Acaia (Grécia) e em Patras o lugar onde morreu após dois dias de suplício na Cruz, donde anunciou Cristo até ao último momento.
    Lectio
    Primeira leitura: Romanos 10,9-18

    Irmãos: Se confessares com a tua boca: «Jesus é o Senhor», e acreditares no teu coração que Deus o ressuscitou de entre os mortos, serás salvo. 10É que acreditar de coração leva a obter a justiça, e confessar com a boca leva a obter a salvação. 11É a Escritura que o diz: Todo o que nele acreditar não ficará frustrado. 12Assim, não há diferença entre judeu e grego, pois todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam. 13De facto, todo o que invocar o nome do Senhor será salvo. 14Ora, como hão-de invocar aquele em quem não acreditaram? E como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão-de ouvir falar, sem alguém que o anuncie? 15E como hão-de anunciar, se não forem enviados? Por isso está escrito: Que bem-vindos são os pés dos que anunciam as boas-novas! 16Porém, nem todos obedeceram à Boa-Nova. É Isaías quem o diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? 17Portanto, a fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo. 18Mas, pergunto eu, será que não a ouviram? Pelo contrário: A voz deles ressoou por toda a terra e até aos confins do mundo as suas palavras.

    A fé leva à salvação quando nos abandonamos a Deus, reconhecendo-O como único Salvador. Mas a fé pressupõe a escuta da Palavra, pela pregação dos missionários. A pregação e a fé têm o mesmo objeto: o mistério de Jesus-Senhor, morto e ressuscitado pelo poder de Deus Pai. Por isso, quando alguém acredita, expropria-se de si mesmo e torna-se propriedade de Deus, garante e fundamento de toda a confiança dos homens n´Ele. Mas também a pregação pressupõe um evento histórico absolutamente necessário: ter sido enviado. Por outras palavras, a pregação pressupõe a missão. A mensagem evangélica, destinada a todos os povos, passa pela escolha que Jesus faz das suas testemunha e pelo seu envio em missão: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura." (Mc 16, 15).
    Evangelho: Mateus 4, 18-22

    Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. 19Disse-lhes: «Vinde comigo e Eu farei de vós pescadores de homens.» 20E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no. 21Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com seu pai, Zebedeu, consertavam as redes, dentro do barco. Chamou-os, e 22eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-no.

    Jesus reúne à sua volta alguns discípulos aos quais dirige um especial ensinamento, porque os quer como discípulos e como testemunhas. Depois da Ressurreição, enviá-los-á ao mundo inteiro. Os Doze, de pescadores de peixes, tornam-se pescadores de homens. É o que Jesus lhes garante: "farei de vós pescadores de homens" (v. 19). André, com o seu irmão Simão, é um dos primeiros a ouvir o chamamento de Jesus e a segui-l´O. Mateus realça a prontidão com que o fizeram: "E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (v. 20). O seguimento de Jesus não admite hesitações ou demoras. Exige radicalidade!
    Meditatio

    A adesão pronta de André, e dos outros apóstolos, ao seguimento de Jesus e à missão que lhes confiava, permitiram-lhes levar a "Boa Notícia" da salvação aos confins da terra. A fé, adesão a Cristo e ao projeto de salvação que nos propõe, vem da escuta da Palavra, isto é, de Cristo, Palavra definitiva de Deus aos homens. Pregar essa Palavra, para que todos possam conhecê-la e aderir-lhe é, ainda hoje, a missão da Igreja.
    Somos, pois, convidados a escutar a Palavra, a acolhê-la no coração. É, sem dúvida, uma palavra exigente. Mas é Palavra salutar. Por isso, não podemos cair na tentação de lhe fechar os nossos ouvidos. Tal como certos remédios, a Palavra pode fazer-nos momentaneamente sofrer. Mas é a nossa salvação.
    A palavra é também alimento. Os profetas dizem que Deus promoverá no mundo uma fome, não de pão, mas da sua Palavra. Precisamos de experimentar essa fome, sabendo que a Palavra de Deus nos pode saciar para além de todas as realidades terrestres, e muito mais do que podemos imaginar.
    A palavra de Deus é exigência. Jesus fala de uma semente que deve crescer e espalhar-se por todo o lado. É a Palavra que torna fecundo o apostolado. Não pregamos palavras nossas, mas a Palavra que escutamos e acolhemos, e nos impele a proclamá-la, para pôr os homens em comunhão com Deus.
    S. João ensina-nos que não é fácil escutar a palavra, porque não é fácil ser dóceis a Deus. Mas só quem dócil ao Pai, escuta a sua Palavra: "Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim" (Jo 6, 45).
    A Palavra é a nossa felicidade. A palavra, meio de comunicação humana por excelência, permite-nos comunicar com Deus. Para entrar em comunicação e em comunhão com Deus, havemos de acolher a sua Palavra em nós.
    Que Santo André nos ensine a escutar e a acolher a Palavra de Deus, para estarmos em comunhão com Ele e uns com os outros.
    Oratio

    Senhor, abre-nos os ouvidos e o coração à tua Palavra para que estejamos dispostos a seguir-te em radicalidade evangélica e a ser tuas testemunhas onde e como dispuseres. Que a tua Palavra ecoe, hoje, mais eficazmente do que nunca. Que nos demos conta da tua presença e a reconheçamos, hoje, mais do que nunca, sobretudo os que somos jovens. Abandonados à tua solicitude de pastor, não faltarão vocações à tua Igreja. Ámen.
    Contemplatio

    Santo André foi um dos apóstolos que melhor compreendeu e saboreou o mistério da cruz. O seu bom coração foi penetrado pela graça do Calvário. Pregou a cruz na Cítia, no Ponto e noutras regiões. Desejava morrer sobre a cruz, para dar a Nosso Senhor amor por amor. Teve esta graça em Patras. Censurava ao juiz as suas perseguições contra a verdade. O juiz irritado ordenou-lhe que sacrificasse aos deuses. - «É ao Deus todo-poderoso, o único e verdadeiro, respondeu André, que imolo todos os dias, não a carne dos animais, mas o Cordeiro sem mancha, inteiro e cheio de vida sobre o altar, depois de ter sido imolado e dado em alimento aos cristãos». Mostrava assim sobretudo o seu amor pela Eucaristia. Contam que, vendo de longe a cruz sobre a qual devia ser ligado, exclamou: «Eu vos amo, cruz preciosa, que fostes consagrada pelo corpo do meu Deus, e ornada com os seus membros como com ricas pedrarias... Aproximo-me de vós com alegria, recebei-me nos vossos braços... Há muito tempo que vos desejo e que vos procuro. Os meus votos cumpriram-se. Que aquele, que de vós se serviu para me resgatar, se digne receber-me apresentado por vós». Na prática, unamos todas as nossas cruzes quotidianas à cruz de Jesus Cristo. Elas unir-nos-ão aos seus méritos. (Leão Dehon, OSP 4, p.505s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (Jo 3, 20)."

     

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    S. André, Apóstolo (30 de Novembro)

    XXXIV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    30 de Novembro, 2024

    XXXIV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXXIV Semana - Sábado

    Lectio
    Primeira leitura: Apocalipse 22, 1-7
    1O Anjo do Senhor Mostrou-me a mim, João, um rio de água viva, resplendente como cristal, que saía do trono de Deus e do Cordeiro. 2No meio da praça da cidade e nas margens do rio está a árvore da Vida que produz doze colheitas de frutos; em cada mês o seu fruto, e as folhas da árvore servem de medicamento para as nações. 3E ali nunca mais haverá nada maldito. O trono de Deus e do Cordeiro estará na cidade e os seus servos hão-de adorá-lo 4e vê-lo face a face, e hão-de trazer gravado nas suas frontes o nome do Cordeiro. 5Não mais haverá noite, nem terão necessidade da luz da lâmpada, nem da luz do Sol, porque o Senhor Deus irradiará sobre eles a sua luz e serão reis pelos séculos dos séculos. 6E disse-me: «Estas palavras são dignas de fé e verdadeiras: o Senhor Deus, que inspira os profetas, enviou o seu anjo para mostrar aos seus servos o que brevemente vai acontecer. 7Eis que Eu venho em breve. Feliz o que puser em prática as palavras da profecia deste livro.»
    Chegámos à última visão do Apocalipse que nos apresenta «um rio de água viva» (v. 1) e a «Árvore da Vida» (v. 2), que produz frutos abundantes e cujas folhas medicinais. A bem-aventurança prometida está diante de nós, à nossa disposição: «Nunca mais haverá nada maldito... porque o Senhor Deus irradiará sobre eles» (vv. 3-5). As imagens deram lugar à realidade. A luz de que precisa o crente é Deus; o remédio de que necessita é o Redentor; a vida por que anseia é dom de Deus.
    O livro do Apocalipse termina com uma perspectiva profética: «Eis que Eu venho em breve» (v. 7ª), e com uma bem-aventurança: «Feliz o que puser em prática as palavras da profecia deste livro» (v. 7b). A bem-aventurança do crente está ligada às palavras entregues no Evangelho, mas também a esta promessa. Somos peregrinos, entre o já e o ainda não, apoiados na fé e animados pela esperança. Por isso, a nossa bem-aventurança é incompleta enquanto não voltar o Senhor para um encontro de comunhão e de paz perene.

    Evangelho: Lucas 21, 34-36
    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos 34«Tende cuidado convosco: que os vossos corações não se tornem pesados com a devassidão, a embriaguez e as preocupações da vida, e que esse dia não caia sobre vós subitamente, 35como um laço; pois atingirá todos os que habitam a terra inteira. 36Velai, pois, orando continuamente, a fim de terdes força para escapar a tudo o que vai acontecer e aparecerdes firmes diante do Filho do Homem.»
    Ao terminar o "Discurso escatológico", Jesus alerta-nos para o perigo do relaxamento espiritual. Mas também nos convida à coragem e à força do testemunho. Mas o que mais interessa ao Senhor é preparar os discípulos para a luta espiritual que há caracterizar a sua experiência histórica. Se são perigosos os ataques exteriores, não o são menos as fraquezas interiores. Para ser fiel ao Evangelho, é preciso estar atento a si mesmo e resistir aos outros. Por isso, o convite: «Velai, orando continuamente» (v. 36). Estas palavras apontam as atitudes de quem quer ser discípulo de Jesus. São atitudes indispensáveis a cada um dos crentes, mas também às comunidades. Na certeza de que todos havemos de comparecer diante do Filho do homem (cf. v. 36), Jesus indica-nos a necessidade de fazer algumas opções. Em primeiro, a da vigilância, isto é, a do exame crítico do tempo em que vivemos, a presença crítica na sociedade em que vivemos e actuamos, mas também o discernimento crítico das propostas de salvação que vamos recebendo de um lado e de outro. Em segundo lugar, a renúncia: para nos prepararmos para o encontro com o Senhor, para estar interiormente e exteriormente puros, para não nos deixarmos seduzir pelo mundo nem pelo Maligno.

    Meditatio
    O tema da perseverança caracteriza todo o "Discurso escatológico" de Jesus e deve caracterizar a nossa vida de crentes. Não basta acreditar em Jesus e viver os seus ensinamentos durante algum tempo. É preciso perseverar até ao fim, para estarmos preparados no momento em que o Senhor vier. «Estai preparados, vós também, porque o Filho do Homem chegará na hora em que menos pensais.» (Lc 12, 40).
    Perseverar no bom caminho, nos bons propósitos, na fé, na esperança e na caridade, nunca foi fácil. Hoje parece particularmente difícil, num mundo em mudança permanente e acelerada. A eventualidade de não estarmos preparados para a vinda do Senhor é uma possibilidade que nos pode causar angústia e mesmo desespero. Mas a reacção que mais nos convém, e que Jesus recomenda, é a vigilância. Com a vigilância, podemos indicar o discernimento permanente, a humildade e a oração. É precisamente a oração que nos mantém vigilantes, à escuta dos passos e da voz e do Senhor que pode chegar e falar-nos a qualquer hora do dia ou da noite. Mas a atitude de vigilância também nos mantém em oração. Por outro lado, a oração ajuda-nos a estar vigilantes e a perseverar no caminho da salvação. Assim damos unidade à nossa vida: vigiando, rezamos e, rezando, vigiamos.
    Vivemos um tempo difícil. É precisa força para escaparmos a tudo quanto está para acontecer. Só Deus no-la pode dar. E dá-a, se lha pedirmos na oração assídua e perseverante. E a perseverança, por sua vez, cresce no exercício da fidelidade evangélica a todo o custo.
    De modo particular, confiemo-nos a Maria para que nos acompanhe e ajude a ser constantes. A obra, que deve realizar-se em nós, é obra divina, é nova criação, e só Deus a pode levar a termo. Mas a Virgem Maria pode ajudar-nos e assistir-nos com o seu amor materno. Como os servos em Caná, trazemos a nossa água e, orientados por Maria, apresentamo-la a Jesus, que a transforma em vinho.
    Depois das tribulações deste mundo, pela perseverança, atingiremos, em plenitude a realidade do «o homem novo, (criado) à imagem de Deus, na justiça e na santidade verdadeiras (cf. Ef 4,24, como nos lembram as Constituições (n. 12). As mesmas Constituições continuam: «Cristo faz-nos acreditar que, apesar do pecado, dos fracassos e da injustiça, a redenção é possível, oferecida e já está presente. O seu Caminho é o nosso caminho» (n. 12)
    Num mundo que nos enche de angústias e nos torna muitas vezes pessimistas, porque nos parece que «tudo... jaz sob o poder do maligno» (1 Jo 5, 19), Cristo, «Homem novo» (Ef 4, 24) dá-nos coragem, ilumina-nos, pacifica-nos e dá-nos alegria (cf. Jo 20, 20-21), porque n´Ele, "apesar do pecado, dos fracassos e da injustiça, a redenção é possível, oferecida e já está presente (Cst 12)
    . Insistimos na convicção de que «... está presente», de que caminha à nossa frente. Por isso, »corremos com perseverança a carreira que nos é proposta, com os olhos fixos em Jesus, autor e consumador da fé» (Heb 12, 1-2), que deu a Sua vida por nós e, agora, glorioso, intercede por nós junto do Pai (cf. Heb 7, 25).

    Oratio
    Senhor, Tu convidas-nos a «vigiar e a orar» para sermos teus discípulos e perseverarmos até ao fim, até comparecermos diante de Ti, Filho do homem. Ensina-nos a fazer as opções necessárias para caminharmos seguros e perseverantes: Ensina-nos a vigilância: a examinar criticamente o tempo em vivemos, a sermos presença crítica na sociedade, a fazermos um verdadeiro discernimento pessoal e comunitário dos acontecimentos e das propostas que de todos os lados nos chegam com promessas de salvação. Ensina-nos a renúncia: para nos prepararmos para o encontro contigo, para nos mantermos interiormente e exteriormente puros, para não cedermos às seduções do mundo e do Maligno.
    Tu és o Homem Novo, que nos precedeste no caminho. De olhos fixos em Ti, autor e consumador da nossa fé, queremos caminhar com perseverança até ao dia em que nos disseres: «Vem, servo bom e fiel: entra no gozo do teu Senhor!».

    Contemplatio
    «Vou-me embora, diz o Salvador, mas é para vos preparar um lugar». Tal deve ser o pensamento director de toda a nossa vida.
    Um lugar nos espera no Céu, preparado por Jesus. Aqui em baixo estamos só de passagem, porquê então apegar-nos a coisas que passam e que vão desaparecer?
    Mesmo que perdêssemos na terra os nossos pais, os nossos amigos, os nossos bens, porquê desencorajar-nos? Não havemos de encontrar tudo isto melhor, aperfeiçoado, na morada estável, eterna e real onde o nosso nome está inscrito no Coração de Jesus.
    Como esta promessa de Jesus eleva os nossos pensamentos! Prepara-nos um lugar; está lá antes de nós como nosso advogado, nosso mediador. Tenhamos confiança. Tomemos o caminho que nos mostrou e sigamo-lo com perseverança.
    Caminhemos com o olhar fixo no termo para onde vamos. Não trabalhemos senão para o céu; vivamos como convém a futuros habitantes do Céu. Gozemos, na esperança, a alegria e o antegosto do Céu. (Leão Dehon, OSP 3, p. 438)

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eis que Eu venho em breve» (Ap 22, 7).
    | Fernando Fonseca, scj |