Eventos Agosto 2024

  • XVII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    1 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 18, 1-6

    1Palavra que o Senhor dirigiu a Jeremias, nestes termos: 2«Vai e desce à casa do oleiro, e ali escutarás a minha palavra.» 3Fui, então, à casa do oleiro, e encontrei-o a trabalhar ao torno. 4Quando o vaso que estava a modelar não lhe saía bem, retomava o barro com as mãos e fazia outro, como bem lhe parecia. 5Então, foi-me dirigida a palavra do Senhor, dizendo: 6«Casa de Israel, não poderei fazer de vós o que faz este oleiro? Como o barro nas suas mãos, assim sois vós nas minhas, casa de Israel - oráculo do Senhor.

    Jeremias passa pela casa do oleiro. Observa o trabalho do artesão, o carinho com que modela as peças. Se alguma sai mal, não a deita fora, mas volta a moldá-la até que lhe agrade.
    O profeta compreende o significado do que observa. Aquela visão banal, torna-se para ele uma visão divina. E sente-se chamado a anunciar ao povo quanto observa: como o oleiro desfaz os vasos que não saem bem, e volta a modelá-los, assim Deus, Criador e Senhor dos povos, pode eliminar aqueles que não cumprem a sua vontade. O seu juízo é inquestionável. Não se trata, porém, de um gesto autoritário, mas de um gesto pedagógico: os destinos de Judá e de Israel estão na mão de Deus. Não adianta correr atrás de outros deuses. Há que abandonar-se nas mãos de Javé, como o barro nas do oleiro. As actuais desgraças, incluindo o exílio, são tentativas para refazê-los, para torná-los um Povo Santo. Mais do que o poder de Deus, o nosso texto sugere o terno cuidado com que Ele trata o seu povo, para que corresponda à sua vocação.

    Evangelho: Mateus 13, 47-53

    Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 47«O Reino do Céu é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, apanha toda a espécie de peixes. 48Logo que ela se enche, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e escolhem os bons para as canastras, e os ruins, deitam-nos fora. 49Assim será no fim do mundo: sairão os anjos e separarão os maus do meio dos justos, 50para os lançarem na fornalha ardente: ali haverá choro e ranger de dentes.» 51«Compreendestes tudo isto?» «Sim» - responderam eles. 52Jesus disse-lhes, então: «Por isso, todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro.» 53Depois de terminar estas parábolas, Jesus partiu dali.

    A parábola da rede que, lançada ao mar, «apanha toda a espécie de peixes» (v. 47), aprofunda o significado da parábola do trigo e do joio. É uma parábola eminentemente escatológica, pois se refere a realidades que terão lugar nos últimos dias, no último dia. Como na rede se encontram peixes bons e peixes ruins, assim também na Igreja há quem viva e acolha a palavra de Jesus, e há quem a recuse ou permaneça indiferente. A separação, de uns e de outros, acontecerá no fim dos tempos, e pertence a Deus fazê-la (vv. 47-50). Entretanto, como na parábola do trigo e do joio, bons e maus têm de conviver ou coexistir até ao fim. Só então se manifestará clara e definitivamente quem é bom e quem é mau, quem confessou Cristo com o coração e os lábios e quem o confessou só por palavras, quem pertence à comunidade dos filhos de Deus e quem não pertence. Estes últimos terão a sorte dos peixes ruins e do joio.

    Meditatio

    A parábola é um óptimo instrumento pedagógico: suscita a colaboração dos ouvintes e, exigindo deles algum esforço para adivinhar o significado escondido, também lhes facilita a compreensão do mesmo.
    A primeira leitura apresenta-nos a parábola do oleiro. Com ela, o profeta ensina-nos que Deus, ao contrário do que afirmam os filósofos, pode mudar de ideias, pode rever os seus planos, reage de acordo com as circunstâncias. Nos versículos que vêm logo a seguir à parábola, lemos: «Em dado momento, anuncio a uma nação ou a um reino que o vou arrancar e destruir. Mas, se esta nação... se afastar do mal... também Eu me arrependerei do mal com que resolvi castigá-la. Igualmente decido, ... edificar e plantar um povo ou um reino. Porém, se esse povo proceder mal diante de mim e não escutar a minha palavra, hei-de arrepender-me também do bem que decidira fazer-lhe(vv. 7-10.)A parábola do oleiro é, pois, uma advertência em sentido duplo: quem anda por maus caminhos, não deve desesperar, mas converter-se, porque, se o fizer, pode evitar os castigos divinos; quem se julga justo também deve estar atento, porque a decisão de Deus em seu favor, pode alterar-se, se não permanecer devidamente empenhado nos caminhos do bem.
    A interpretação mais habitual desta parábola é a que recomenda o abandono nas mãos de Deus, como barro nas mãos do oleiro. Esse abandono não é uma fatalidade a que só temos que nos resignar... Estar nas mãos de Deus é uma enorme graça, porque elas aquecem e protegem, guardam e sustentam, encorajam, estão sempre abertas a acolher, dão segurança. As mãos de Deus chamam e oferecem tesouros. Manifestam o Seu amor por aqueles a quem as estende, mas também deixam partir quem não quer nelas permanecer! No fim manifestarão o juízo divino, que sempre respeita as opções de cada um. Como é bom estar nas mãos de Deus! Felizes os que nelas se acolhem nos momentos bons e nos momentos difícieis da vida! É também isso que Jesus nos quer dizer com as parábolas do Reino. Abrigados nele, estamos seguros em qualquer circunstância da vida. Nas mãos de Jesus, em íntima união com Ele, mesmo os maiores sofrimentos se transformam em alegria, em força de bem-aventurança.
    Foi a união íntima ao Coração de Cristo, que deu ao Pe. Dehon coragem, força e alegria em tantas circunstâncias difíceis da sua vida, que ele vivia sempre em total disponibilidade e abandono. Os seus motes preferidos, desde os anos de seminário, eram: «Senhor, que queres que eu faça?», «Eis-me aqui!», «Faça-se!», como verificamos no seu Diário.

    Oratio

    Senhor, meu Deus, hoje quero dirigir-te aquele cântico-oração, que muitos irmãos repetem em encontros de intimidade contigo: «Eu quero ser, Senhor amado, como o barro do oleiro; rompe-me a vida, faz-me de novo; eu quero ser um vaso novo». Tantas vezes, tenho resistido aos teus apelos! Tantas vezes, me queixei das provações que permites, para que me recorde de Ti! Obrigado por não desistires! Obrigado continuares a cuidar de mim, deixando-me livre para orientar a minha vida como quero. No fim, olhando para mim e para o conjunto da minha vida, pronunciarás o teu juízo. Faz-me perceber que é hoje que preparo o meu futuro. Guarda-me nas tuas mãos e ajuda-me a viver na docilidade para Contigo, para com os teus dons, para com a tua palavra. Amen.

    Contemplatio

    O anjo disse a José em sonho: «Toma o menino e foge para o Egipto, porque Herodes procura matar o menino, e fica lá até que eu te diga». Que fé, que confiança, que obediência, que abandono manifestam Maria e José que se colocam nas mãos da Providência, como os instrumentos dóceis da vontade divina! Tanto a sua presença, as suas virtudes e os seus méritos, como também os méritos do divino menino assim desconhecido e desprezado, lançaram os fundamentos do cristianismo sobre esta terra infiel do Egipto.
    Jesus tinha dito: «Eis que venho, ó meu Deus, para fazer a vossa vontade». É para cumprir esta vontade que, apesar do seu zelo apaixonado e do seu amor ardente pelas almas, aguarda a hora marcada para todas as coisas pelo seu Pai.
    Em Nazaré, era uma vida bem pouco gloriosa aos olhos do mundo este trabalho quotidiano pelo qual Jesus ganhava o seu pão com o suor do seu rosto. Mas esta humilhação era precisamente a salvação do mundo. Assim Jesus pagava a dívida do mundo e curava as chagas mortais do seu orgulho e da sua moleza. Era vítima voluntária. O seu coração sagrado imolava-se no silêncio. Cumpria a vontade do seu Pai que o tinha enviado, e todo o acto cumprido por ele na obscuridade, neste abaixamento, era de um valor infinito e podia resgatar mil mundos.
    É assim que os que se oferecem como vítimas ao Sagrado Coração, a seu exemplo e com a sua graça devem abandonar-se à vontade divina na vida escondida.
    Uma vez Jesus manifestou a sua missão divina, era no Templo de Jerusalém. Depois regressou depressa à obscuridade de Nazaré. Notemos de passagem que é no Templo que o encontram e não nas ruas populosas, nem entre os parentes e os amigos. Depois disto, o Evangelho diz acerca dele: «Desceu com eles a Nazaré e era-lhes submisso e crescia em sabedoria, em graça e em amabilidade diante de Deus e dos homens». Estas palavras resumem toda a sua vida escondida. (Leão Dehon, OSP 3, p. 41s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, faz-nos compreender a tua palavra» (cf. Mt 13, 51).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XVII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    2 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 26, 1-9

    1No começo do reinado de Joaquim, filho de Josias, rei de Judá, a palavra do Senhor foi dirigida a Jeremias, nestes termos: 2«Isto diz o Senhor:'Põe-te no átrio do templo e fala ali a todos os habitantes de Judá que vêm prostrar-se no templo do Senhor, e anuncia-lhes todas as palavras que te mandei anunciar, sem omitir nenhuma.
    3Talvez te ouçam e se convertam cada um do seu mau caminho. Arrepender-me-ei então do castigo que, por causa das suas más obras, tinha determinado dar-lhes.'
    4Dir-lhes-ás: 'Isto diz o Senhor: Se não me ouvirdes, se não obedecerdes à lei que vos impus, 5ouvindo as palavras dos profetas, meus servos, que continuamente vos enviei, e a quem não tendes ouvido, 6farei a esta casa o que fiz a Silo e farei desta cidade um objecto de maldição para todos os povos da terra.'» 7Os sacerdotes, os profetas e todo o povo ouviram Jeremias pronunciar estas palavras no templo. 8Porém, mal Jeremias acabara de repetir o que o Senhor lhe ordenara dizer ao povo, os sacerdotes, os profetas e a multidão lançaram-se sobre ele, exclamando: «À morte! 9Porque profetizas, em nome do Senhor, este oráculo: 'Acontecerá a este templo o mesmo que sucedeu a Silo e esta cidade será transformada em deserto, sem habitantes?'» Juntou-se toda a multidão contra Jeremias no templo do Senhor.

    O capítulo 26 de Jeremias, dá-nos o contexto do discurso que vem no capítulo 7. O narrador dos acontecimentos, Baruc, destaca especialmente as consequências desse discurso pronunciado por Jeremias à entrada do Templo: «À morte!», gritaram os sacerdotes e os profetas que viviam à custa do Templo (v. 8), ao qual se juntou a multidão (v. 9). Joaquim tinha lançado por terra as esperanças da reforma religiosa iniciada pelo seu pai, Josias. Jeremias apela para as responsabilidades de todos no que se refere à escuta da Palavra do Senhor. Está em jogo a conversão do povo ou a sua punição (v. 3). Não basta frequentar o Templo e participar nos seus ritos: é preciso escutar e viver a palavra. Não escutar nem obedecer à palavra é morrer
    O discurso de Jeremias desagrada vivamente a todos, que o condenam à morte. Mas o profeta não se retracta. Mais ainda: reconfirma as palavras, que não são dele, mas de Quem o enviou contra a sua própria vontade. A sua disponibilidade para enfrentar o martírio, confirma o carácter divino da sua missão profética.

    Evangelho: Mateus 13, 54-58

    Naquele tempo, 54tendo Jesus chegado à sua terra, ensinava os habitantes na sinagoga deles, de modo que todos se enchiam de assombro e diziam: «De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres? 55Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? 56Suas irmãs não estão todas entre nós? De onde lhe vem, pois, tudo isto?» 57E estavam escandalizados por causa dele. Mas Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa.» 58E não fez ali muitos milagres, por causa da falta de fé daquela gente.

    Acabado o discurso das parábolas, Mateus introduz, no seu evangelho, outro material narrativo que marca a progressiva separação entre Jesus e Israel, e evidencia a formação específica dada ao grupo dos discípulos (cf. Mt 13, 54-17,27). O episódio de hoje tem um paralelo em Mc 6, 1-6, do qual depende, e refere-se à rejeição de Jesus pelos seus conterrâneos. A apresentação "oficial" de Jesus na sinagoga da sua terra redunda em completo fracasso. Após o assombro inicial, os seus conterrâneos interrogam-se sobre a identidade de Jesus. A frase mais significativa de toda a perícopa é: «estavam escandalizados por causa dele» (v. 57). O evangelho introduz-nos, deste modo, no mistério de Jesus. A atitude dos nazarenos é significativa de todos aqueles que procuram compreender Jesus, partindo unicamente do que pode saber-se sobre Ele: é da nossa terra, filho do carpinteiro, conhecemos a sua família, estudou na nossa sinagoga... Jesus foi incompreendido e desprezado, tal como o foram os profetas... O mesmo sucederá com os seus discípulos. Paulo falará do escândalo da cruz (Mc 14, 27.29; 1 Cor 1, 23). A sorte dos profetas, de Jesus, dos discípulos é sempre a mesma: ser recusados, ser objecto de troça, de desprezo, de perseguição e, muitas vezes, de morte violenta.

    Meditatio

    Como somos hábeis e apressados em iludir a palavra de Deus! Todas as razões nos parecem boas para alcançar esse fim. Jeremias convidava o povo à conversão e anunciava que a obstinação no mal traria graves catástrofes a Jerusalém e ao país. Os chefes do povo, em vez de escutarem o apelo e de agirem em consonância, criticam o profeta, acusam-no, prendem-no. Jesus anuncia o Reino de Deus, fala como nunca ninguém tinha falado, realizava milagres. Mas os seus conterrâneos não suportaram que, alguém, que eles bem conheciam, manifestasse tal «sabedoria e o poder de fazer milagres» (v. 55).
    Não acontece algo de parecido connosco? Quando um discurso ou um modo de agir nos incomodam, não procuramos defender-nos das exigências de mudança, das correcções na nossa vida, pondo em questão as pessoas ou o profeta que nos interpelam? É fácil criticar um discurso, uma homilia e, sobretudo, quem os profere! Os hebreus criticaram Jeremias, que falava em nome de Deus. Acusaram-no de atribuir a Deus projectos escandalosos como a destruição do tempo, casa de Deus, ou da cidade santa. É sempre possível criticar uma pessoa, porque ninguém agrada a todos. Até Jesus foi criticado pelos seus conterrâneos, porque revelava demasiada sabedoria, excessivo poder! E assim se dispensavam de seguir os seus ensinamentos, continuando a viver de acordo com os hábitos de sempre, ainda que não correspondessem às exigências da Lei de Deus! Mas, também nós, podemos cair no mesmo erro, quando ouvimos chamadas de atenção, observações e talvez mesmo repreensões de quem tem o direito de no-las fazer!
    O convite à escuta da Palavra, feito pelos profetas repercute-se ao longo dos séculos, e chega até nós. Em Jesus, a Palavra de Deus ficou definitivamente pronunciada. Mas jamais faltaram profetas, homens e mulheres, que, pela sua vida, pelos seus discursos, pelos seus escritos, reavivassem, na memória dos seus contemporâneos, o conhecimento da beleza e das exigências do Evangelho. Também hoje estão entre nós! Escutamo-los?
    Como dehonianos, havemos de estar disponíveis para acolher a Palavra onde, quando e como quiser revelar-se. Mas também somos chamados a ser «profetas do amor e... servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo» (Cst 7), com todas as consequências inerentes a uma tal missão.

    Oratio

    Senhor, faz-me disponível à tua Palavra, ainda que, à primeira vista, pareça desagradável para mim. É o que acontece com muitos medicame
    ntos: ao serem tomados, sabem mal. Mas curam!
    Fala-me, Senhor! Envia os teus profetas que denunciem o meu egoísmo, a minha instalação, as minhas falsas seguranças, também religiosas. Dá-Te a conhecer ao teu servo, manifesta-me a tua santa vontade, porque não quero permanecer fechado no meu egoísmo, nas minhas ideias sobre Ti, tantas vezes mesquinhas, limitadas. Deus da minha mediocridade, da minha saudade de Absoluto, Deus de Jesus Cristo, mostra-me o teu rosto, dá-Te a conhecer, porque és o Senhor da minha vida, e eu creio em Ti. Amen.

    Contemplatio

    Jesus possuía toda a sabedoria como Deus, e mesmo como homem por uma graça infusa, mas quer também possuir a ciência adquirida, para nos dar o exemplo e para nos merecer a graça do amor do trabalho e do gosto pela sabedoria.
    Segue as lições da Sinagoga, estuda a lei, os profetas, a história e os livros ascéticos. Lê os livros sagrados, medita-os. Não tem necessidade deles para si, mas tem necessidade por nós. Assumiu a humanidade tal como ela é, com os seus deveres de estudo e de trabalho.
    A sua ciência adquirida torna-se maravilhosa. Já aos doze anos espanta os doutores da lei no Templo. Explica a Escritura, ficam surpreendidos com a sua prudência e com as suas respostas.
    Durante a sua vida pública, citará constante e abundantemente a Escritura. Na sinagoga de Nazaré, passam-lhe o livro de Isaías, lê, comenta, mostra-lhes como as suas obras tinham sido anunciadas, cita os livros dos reis. As pessoas exclamam: «Donde lhe vem esta ciência, não é ele o filho do carpinteiro que nós conhecemos?» (Lc 2; Mc 6).
    Quando prega na região de Tiberíades, antes e depois do sermão da montanha, cita o Levítico e o Deuteronómio, os Reis, Amós, Isaías, Tobias. Muitas vezes faz alusão aos Salmos (Lc 6). Aos enviados de S. João Baptista, comenta e explica as profecias de Isaías (Lc 7,22).
    Os salmos são o alimento da sua vida interior e das suas orações, mesmo sobre a cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?» (Sl 21). «Meu Pai, entrego a minha alma nas vossas mãos» (Sl 30). Repassa no seu espírito toda a Escritura para se assegurar de que tudo cumpriu. Faltava ainda na sua Paixão a amargura do fel e do /145 (Sl 68). Para a provocar, diz: «Tenho sede».
    Enfim, vendo que tudo está cumprido, verifica-o antes de morrer: Consumatum est.
    Depois da sua ressurreição, vive ainda da Escritura. Explica Moisés e os profetas aos discípulos de Emaús (Lc 24).
    Que resolução vou tomar hoje para crescer em sabedoria e em ciência? (Leão Dehon, OSP 4, p. 121).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Que eu Te escute, Senhor, e me converta a Ti» (cf. Jr 26, 3).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XVII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XVII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    3 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 26, 11-16.24

    Naqueles dias, 11os sacerdotes e os profetas falaram aos príncipes e à multidão: «Este homem merece a morte porque profetizou contra esta cidade, como todos vós ouvistes.» 12Jeremias, porém, respondeu aos príncipes e ao povo: «Foi o Senhor que me enviou a profetizar contra este templo e contra esta cidade os oráculos que ouvistes. 13Reformai, portanto, a vossa vida e as vossas obras, ouvi a palavra do Senhor, vosso Deus, e o Senhor afastará de vós o mal com que vos ameaça. 14Quanto a mim, entrego-me nas vossas mãos. Fazei de mim o que quiserdes e o que melhor vos parecer. 15Sabei, porém, que, se me condenardes à morte, sereis responsáveis pelo sangue inocente, assim como esta cidade e os seus habitantes porque, na verdade, foi o Senhor que me enviou para vos transmitir estes oráculos.» 24Quanto a Jeremias, ele gozava da protecção de Aicam, filho de Chafan, para que não fosse entregue nas mãos do povo a fim de ser condenado à morte.

    Na continuação do texto que escutamos ontem, o de hoje apresenta-nos a reacção ao discurso de Jeremias. Os sacerdotes e os profetas denunciam-no aos chefes do povo, acusando-o de profetizar a destruição do Templo e de Jerusalém, ambos "santos", porque morada de Deus. Essa profecia constituía, pois, uma blasfémia merecedora de sentença de morte. Por sorte, os encarregados da justiça não eram nem os sacerdotes nem os profetas, mas os juízes e os anciãos. Estes, perante a acusação falsa e incompleta dos interessados no culto, que citaram as palavras de Jeremias contra a cidade, mas não contra o Templo, reagiram recordando o que acontecera um século antes com o profeta Miqueias. Este tinha pronunciado idêntica ameaça, o povo tinha-se convertido e Jerusalém fora libertada de Senaqueribe. Era o que também agora pretendia Jeremias.
    A coragem do profeta, manifestada na disposição de enfrentar a morte antes do que trair a Palavra de Deus, também deve ter comovido os juízes que unanimemente reconheceram que não era réu de morte, porque tinha falado em nome de Deus.
    O v. 24, com que termina o texto litúrgico, anota como Jeremias foi salvo pela protecção de Aicam, irmão de Godolias futuro governante de Jerusalém, imposto por Nabucodonosor. Não se trata de coincidências, de resultados de jogos políticos, ou de "milagres" de circo. São acontecimentos e circunstâncias através dos quais se manifesta a acção salvífica de Deus que garantira ao profeta: «Eu estarei a teu lado!». (Jer 15, 20).

    Evangelho: Mateus 14, 1-12

    1Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos de Herodes, o tetrarca, 2e ele disse aos seus cortesãos: «Esse homem é João Baptista! Ressuscitou dos mortos e, por isso, se manifestam nele tais poderes miraculosos.» 3De facto, Herodes tinha prendido João, algemara-o e metera-o na prisão, por causa de Herodíade, mulher de seu irmão Filipe. 4Porque João dizia-lhe: «Não te é lícito possuí-la.» 5Quisera mesmo dar-lhe a morte, mas teve medo do povo, que o considerava um profeta. 6Ora, quando Herodes festejou o seu aniversário, a filha de Herodíade dançou perante os convidados e agradou a Herodes, 7pelo que ele se comprometeu, sob juramento, a dar-lhe o que ela lhe pedisse. 8Induzida pela mãe, respondeu: «Dá-me, aqui num prato, a cabeça de João Baptista.» 9O rei ficou triste, mas, devido ao juramento e aos convidados, ordenou que lha trouxessem 10e mandou decapitar João Baptista na prisão. 11Trouxeram, num prato, a cabeça de João e deram-na à jovem, que a levou à sua mãe. 12Os discípulos de João vieram buscar o corpo e sepultaram-no; depois, foram dar a notícia a Jesus.

    O relato de Mateus sobre o martírio de João Baptista, mais sóbrio que o de Marcos (6, 14), baseia-se na história, pois se trata de um acontecimento datado no tempo de Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, a quem os romanos reconheceram jurisdição sobre a Galileia e a Pereia, no norte da Palestina.
    A decapitação do Baptista é motivada pela sua intransigência moral e pela sua forte personalidade. O profeta não se amedrontava diante de nada nem de ninguém, quando se tratava de denunciar a imoralidade. Não se amedrontou sequer diante de Herodes, que tendo repudiado a consorte, tomou por esposa a mulher de seu irmão. Herodes continha a sua vontade de vingança, porque temia uma rebelião popular. Mas Herodíades não se preocupava com isso. Assim, quando Herodes jurou dar à filha de Herodíades o que quer que lhe pedisse, a adúltera não hesitou em sugerir a cabeça de João (vv. 6-11). E obteve-a! Com o seu martírio, João Baptista terminou a missão de precursor. E Jesus compreendeu que era chamado a percorrer o mesmo caminho.

    Meditatio

    Tanto João Baptista, como Jeremias, eram profetas corajosos e fiéis à sua missão. Ambos conheciam o risco que era denunciar, em nome de Deus, os abusos dos seus contemporâneos, particularmente das autoridades. Ambos foram presos, porque falavam demasiadamente claro e forte contra esses abusos. João foi preso por um monarca absoluto, e a sua sorte dependeu unicamente do arbítrio de Herodes. A situação de Jeremias foi diferente. Os seus acusadores eram os sacerdotes e os profetas. Podia defender-se deles. E começou por afirmar que a sua profecia não era fruto da sua mente, não era uma mensagem inventada, mas palavra de Deus ao povo. Depois, acrescentou que essa palavra não era uma afirmação absoluta, mas uma ameaça condicionada: se o povo arrepiasse caminho, seria salvo: «Reformai a vossa vida e as vossas obras, ouvi a palavra do Senhor, vosso Deus, e o Senhor afastará de vós o mal com que vos ameaça» (v. 13). Estas palavras do profeta redimensionavam a situação e constituíam um insistente convite à conversão. Jeremias concluiu afirmando que, condená-lo, só piorava a situação, porque matar um enviado de Deus aumenta a culpa: «se me condenardes à morte, sereis responsáveis pelo sangue inocente» (v. 15). Perante estas palavras, os chefes e o povo rejeitaram a acusação dos sacerdotes e profetas. Jeremias não foi condenado à morte, e pôde continuar o seu ministério.
    No caso do João Baptista, o capricho de Herodes, ou, mais exactamente, a sua fraqueza, com a perfídia de Herodíades, levaram a melhor. João Baptista, testemunha da verdade, foi calado, foi morto, sem se poder explicar, sem ter quem o defendesse. Julgamentos semelhantes ao de João Baptista, repetiram-se muitas vezes ao longo da história, e continuam a repetir-se ainda hoje. As perseguições são inevitáveis para quem anuncia a verdade de Deus. A verdade incomoda, tal como o amor, porque implica renúncia aos próprios interesses egoístas, e exige abertura aos outros. Jesus disse aos seus discípulos: «Felizes os que sofrem perseguição por causa da justi&c
    cedil;a,porque deles é o Reino do Céu.
    Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam» (Mt 5, 10-12). À partida, pode parecer mais fácil ficar por uma atitude complacente, por um silêncio diplomático, renunciando à missão profética, a falar em nome de Deus, como é próprio de baptizados, de religiosos. Mas a felicidade só se alcança na partilha da sorte dos profetas e, sobretudo, da sorte do grande profeta, Jesus.

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me a coragem do teu Precursor. Muitas vezes me acanho, quando sou chamado a dar testemunho da fé, a denunciar os abusos da sociedade de que faço parte. O medo de ser incompreendido, o medo de perder alguns amigos, travam-me a língua para falar, e paralisam-me as mãos para agir de modo coerente com o Evangelho que, apesar de tudo, quero viver.
    Infunde em mim, Senhor, o teu Espírito de fortaleza, que me aqueça o coração, me encha de uma alegria mais forte do que o medo, me faça testemunha corajosa da verdade que és Tu. Amen.

    Contemplatio

    S. João Baptista entrega-se à penitência e à reparação pelo seu povo, como os profetas. Como Jeremias, é santificado no seio de sua mãe. É o novo Elias, predito por Malaquias. Desde a sua infância entrega-se à penitência. «Não beberá nem vinho nem cidra», diz o anjo a Zacarias. Passa a sua adolescência no deserto, está vestido com uma túnica de peles de camelo apertada por um cinto de couro; come mel silvestre e gafanhotos. «Que fostes ver ao deserto? diz Jesus aos seus discípulos. Não é um homem molemente vestido. É um anjo, que não come nem bebe» (Mt 11, 18). Nosso Senhor exprime assim a extrema mortificação do Precursor. É um profeta, um asceta. S. Bernardo chama-o patriarca, o mestre e o guia dos religiosos. Como os religiosos contemplativos, amou a solidão, a oração, a penitência; como os religiosos apostólicos, pregou a todas as classes da sociedade, reconduziu um grande número de pecadores, conduziu as almas a Jesus Cristo. Imitemos a sua penitência e o seu zelo.
    S. João Baptista foi mártir da pureza. Amava ardentemente a virgindade. Viveu virgem. Não podia sofrer a visão da impureza. Atacava nos seus discursos todas as desordens de costumes, sem medo de ofender os grandes. Censurou mesmo a Herodes ter tomado por esposa a mulher do seu irmão ainda vivo. É esta firmeza apostólica e este amor da pureza que lhe atraíram a perseguição e lhe valeram o martírio. Herodes e esta mulher que ele tinha desposado contrariamente às leis e à decência não lhe perdoavam as suas censuras. Foi nos excessos mesmos da sua vida sensual e desordenada que conjuraram contra a sua vida. Foi no meio das danças e dos festins que o mandaram matar. Era ao mesmo tempo mártir ou testemunha da santa virtude de pureza, e reparador pelas orgias nas quais pronunciavam a sua condenação. Era um anjo pela sua pureza. O evangelho e os profetas dão-lhe este belo título: «Enviarei o meu anjo diante do Messias», tinha dito o Senhor na profecia de Malaquias (3, 1).
    Nosso Senhor mesmo faz a aplicação desta profecia: «Foi dele, diz, que o profeta disse: Enviarei um anjo diante de vós para vos preparar os caminhos» (Mt 11, 10). (Leão Dehon, OSP 3, p. 688s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Dai Senhor à vossa Igreja, profetas e santos».

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 18º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    18º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    4 de Agosto, 2024

    ANO B

    18.º Domingo do Tempo Comum

    Tema do 18.º Domingo do Tempo Comum

    O nosso caminho de todos os dias é feito, tantas vezes, entre privações e carências que nos deixam um travo de insatisfação e de desencanto. Tudo parece tão precário e insatisfatório… Quem saciará a nossa fome de Vida verdadeira e eterna? As leituras deste domingo dizem-nos: Deus sempre fará tudo para saciar a nossa fome de Vida; Ele prepara e distribui por nós o “pão” que nos alimenta no caminho e que “dura até à Vida eterna”.

    Na primeira leitura conta-se como Deus distribuiu ao seu Povo o maná, o alimento diário de que o Povo necessitava para enfrentar as dificuldades da caminhada entre a terra da opressão e a terra da liberdade. Esse “pão”, além de satisfazer a fome física do Povo e de lhe permitir sobreviver no deserto, também o ajudou a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a encarar a vida com fé e confiança em Deus.

    O Evangelho garante-nos que Jesus é o “pão de Deus que desce do céu para dar a Vida ao mundo”. É em Jesus e através de Jesus que Deus responde à fome dos homens e lhes oferece a Vida em plenitude. Para que esse “pão” nos alcance, nos alimente e nos transforme, temos de “acreditar” em Jesus.

    A segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o “pão” que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.

     

    LEITURA I – Êxodo 16,2-4.12-15

    Naqueles dias,
    toda a comunidade dos filhos de Israel
    começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
    Disseram-lhes os filhos de Israel:
    «Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egipto,
    quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
    e comíamos pão até nos saciarmos.
    Trouxestes-nos a este deserto,
    para deixar morrer à fome toda esta multidão».
    Então o Senhor disse a Moisés:
    «Vou fazer que chova para vós pão do céu.
    O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
    Vou assim pô-lo à prova,
    para ver se segue ou não a minha lei.
    Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
    Vai dizer-lhes:
    ‘Ao cair da noite comereis carne
    e de manhã saciar-vos-eis de pão.
    Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus’».
    Nessa tarde apareceram codornizes,
    que cobriram o acampamento,
    e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
    em volta do acampamento.
    Quando essa camada de orvalho se evaporou,
    apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
    fina como a geada sobre a terra.
    Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
    «Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
    pois não sabiam o que era.
    Disse-lhes então Moisés:
    «É o pão que o Senhor vos dá em alimento».

     

    CONTEXTO

    A secção de Ex 15,22-18,27 desenvolve um dos grandes temas do Pentateuco: a marcha pelo deserto dos hebreus libertados da escravidão no Egito. Aqui estamos, ainda, na primeira etapa dessa marcha, a que vai desde a passagem do mar (cf. Ex 14,15-31), até ao Sinai.

    Ao longo desta etapa, o tema da murmuração do Povo contra Moisés e contra Deus aparece em três episódios (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). Em geral, esta temática desenvolve-se à volta de um esquema semelhante: diante das dificuldades que encontra no caminho, o Povo murmura, revolta-se contra Moisés e acusa Deus pelos desconfortos da caminhada; Moisés intervém e intercede junto de Deus; finalmente, Deus acaba por conceder ao Povo os bens de que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, num crescendo de intensidade até ao desfecho final. Invariavelmente, a “crise” resolve-se com uma intervenção prodigiosa de Deus em benefício do seu Povo.

    Provavelmente, estes relatos têm por base dificuldades concretas sentidas pelos hebreus no seu caminho pelo deserto em direção à Terra Prometida. Essas dificuldades ficaram na memória coletiva; e, mais tarde, foram utilizadas pelos teólogos de Israel com um objetivo catequético. O objetivo dos catequistas que nos legaram estes relatos nunca foi apresentar uma reportagem factual dos acontecimentos do caminho, mas sim fazer catequese. Percebe-se nas entrelinhas que a grande preocupação de quem compôs estes relatos é pôr o Povo de sobreaviso contra a tentação de procurar refúgio e segurança longe de Javé.

    O episódio que hoje nos é proposto – o episódio em que Deus oferece ao seu Povo codornizes e maná como alimento – é situado no deserto de Sin, “que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a saída da terra do Egipto” (Ex 16,1). Os estudiosos identificam o referido espaço geográfico com o território que vai de Kadesh Barnea para ocidente, nomeadamente para noroeste, onde está o Wadi El Arish.

    A história das codornizes tem por base um fenómeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve ter por base a secreção de uma pequena árvore (“tamarix mannifera”) existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada por um inseto, segrega uma substância granulosa e aguada, de cor branca e com sabor a mel, que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (a que chamam “man”), derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o pão.

    Vai ser com estes elementos – elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto – que os catequistas bíblicos vão “amassar” a catequese que nos transmitem no texto da primeira leitura deste décimo oitavo domingo comum.

     

    MENSAGEM

    Depois de algumas semanas de caminhada pelo deserto, os hebreus estão cansados das privações e das carências que a cada passo enfrentam. A reação a esse cansaço vem na forma de murmuração “contra Moisés e contra Aarão” (vers. 2). Veladamente, a crítica também atinge Deus, o responsável último pela saída do Egito desse grupo de escravos.

    O narrador explica que eles sentiam saudades do Egito onde, apesar da escravidão, estavam sentados “ao pé de panelas de carne” e comiam “pão com fartura” (vers. 3). Podemos ver, neste “materialismo”, as limitações e as deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de escravo, demasiado “verde” e sem maturidade, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo, ao comodismo, que prefere a escravidão à liberdade. Por outro lado, é um Povo que, apesar de tudo o que Javé já fez em seu benefício, ainda não aprendeu a confiar no seu Deus, a responder sem hesitações às suas propostas, a segui-l’O incondicionalmente no caminho da fé. Este quadro repetir-se-á indefinidamente, ao longo da história, na vida do Povo de Deus.

    A resposta de Deus à murmuração é “fazer chover pão do céu” (vers. 4) e dar ao Povo carne em abundância (vers. 12). O aparecimento do “maná” (do hebraico “man-hú”, que significa “o que é isto?”) e das codornizes no caminho feito pelos hebreus, pode explicar-se por fatores naturais. Mas não é a explicação natural que o narrador pretende fornecer-nos. O objetivo do “catequista” é oferecer-nos uma catequese sobre a solicitude de Deus, que está presente em todos os momentos do caminho que o Povo percorre.

    A verdade é que aqueles escravos libertados do Egito foram fazendo, enquanto caminhavam da terra da escravidão para a terra da liberdade, uma intensa experiência de Deus. No deserto, espaço de carência e de privação, cada grama de comida e cada gota de água são um “milagre” de Deus. Aquelas pessoas que atravessaram o deserto viram no maná, nas codornizes e noutros dons que cobriram as suas necessidades básicas, sinais do amor previdente de Deus, do seu cuidado, da sua solicitude. Nessa experiência de Deus, Israel descobriu o Deus do encontro e da comunhão, e aprendeu a confiar incondicionalmente n’Ele.

    A experiência vivida irá ajudar o Povo superar uma mentalidade estreita, egoísta, materialista, a mentalidade do “escravo” que caminha de olhos postos no chão; irá abrir-lhe horizontes mais vastos e torná-lo, mais adulto, mais consciente, mais responsável e mais santo. Israel aprende, enquanto caminhava pelo deserto, a confiar em Deus, a entregar-se nas suas mãos, a não duvidar do seu amor e fidelidade.

    O facto de se dizer que Deus apenas dava ao Povo a quantidade de maná necessária “para cada dia” (vers. 4) é uma bonita lição sobre desprendimento e confiança em Deus. Ensina o Povo a não acumular bens, a não viver para o “ter”, a libertar o coração da ganância e do desejo de possuir sempre mais, a não viver angustiado com o futuro e com o dia de amanhã; ensina, também, a confiar em Deus, a entregar-se serenamente nas suas mãos, a vê-l’O como verdadeira fonte de vida.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Peregrinar pelos caminhos desolados do deserto e experimentar privações e carências de todo o tipo não é uma realidade improvável para nós, gente sedentária e acomodada que vive no séc. XXI e que tem mais ou menos garantidas as respostas às necessidades mais prementes. Também nós, à medida que caminhamos, experimentamos a precariedade da existência, o cansaço da caminhada, a expetativa do que nos espera lá para a frente, a instabilidade que os problemas de todos os dias trazem, a tentação de nos acomodarmos e de ficarmos para trás, o medo de deixarmos a nossa tranquila zona de conforto… E também nós, como os escravos hebreus que Javé salvou do Egito e acompanhou no caminho para a liberdade, experimentamos a presença de Deus, desse Deus libertador e salvador que nos acompanha com solicitude e amor, dando-nos a mão, pegando-nos ao colo e oferecendo-nos, com ternura, o “alimento” que nos fortalece e que nos permite continuar a caminhar. Temos consciência da presença de Deus ao nosso lado no caminho que fazemos todos os dias? Vamos reparando no seu amor previdente que nos cerca, que nos protege e que nos salva? A presença salvadora e amorosa de Deus ao nosso lado é incentivo e alimenta a nossa esperança?
    • As “saudades” que os israelitas sentem do Egipto, onde estavam “sentados junto de panelas de carne” e tinham “pão com fartura”, revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado tranquilamente numa vida sem perspetivas e sem saída, incapaz de enfrentar a novidade, de querer mais, de arriscar a liberdade que se constrói na luta e no compromisso. Esta mentalidade de escravidão continua, nos nossos dias, a marcar a vida e as opções de muita gente… É a mentalidade dos que vivem obcecados pelo “ter” e que são capazes de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a mentalidade dos que trocam valores importantes pelos “cinco minutos de fama” e de exposição mediática; é a mentalidade dos que têm como único objetivo na vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade dos que se instalam comodamente nos seus esquemas cómodos, nos seus preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade dos que vivem voltados para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos tempos; é a mentalidade dos que se resignam à mediocridade e que não fazem nenhum esforço para que a sua vida faça sentido… A Palavra de Deus que nos é proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos; Ele vem ao nosso encontro, desafia-nos a ir mais além, convida-nos a crescer e a dar passos firmes em direção à liberdade e à Vida nova… Como nos enquadramos em tudo isto? Vivemos agarrados às velhas certezas e seguranças, de olhos postos no chão, ou vivemos de cabeça levantada, sempre à procura da novidade de Deus e dispostos a confrontar-nos com os desafios sempre novos que a vida traz?
    • A ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a subsistência (proibindo “juntar” mais do que o necessário para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do “ter”, da ambição desmedida. É um convite a não nos deixarmos dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n’Ele devemos confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva ao encontro da Vida definitiva. Onde está a nossa esperança? Como é que está organizada a nossa escala de prioridades e qual o lugar que Deus ocupa nela?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 77 (78)

    Refrão: O Senhor deu-lhes o pão do céu.

    Nós ouvimos e aprendemos,
    os nossos pais nos contaram
    os louvores do Senhor e o seu poder
    e as maravilhas que Ele realizou.

    Deus ordens às nuvens do alto
    e abriu as portas do céu;
    para alimento fez chover o maná,
    deu-lhes o pão do céu.

    O homem comeu o pão dos fortes!
    Mandou-lhes comida com abundância
    e introduziu-os na sua terra santa,
    na montanha que a sua direita conquistou.

     

    LEITURA II – Efésios 4,17.20-24

    Irmãos:
    Eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor:
    Não torneis a proceder como os pagãos,
    que vivem na futilidade dos seus pensamentos.
    Não foi assim que aprendestes a conhecer a Cristo,
    se é que d’Ele ouvistes pregar e sobre Ele fostes instruídos,
    conforme a verdade que está em Jesus.
    É necessário abandonar a vida de outrora
    e pôr de parte o homem velho,
    corrompido por desejos enganadores.
    Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência
    e revesti-vos do homem novo, criado á imagem de Deus
    na justiça e santidade verdadeiras.

     

    CONTEXTO

    A controversa carta de Paulo aos Efésios é tradicionalmente incluída nas “cartas do cativeiro”. Teria sido escrita por Paulo quando estava na prisão (em Cesareia Marítima? Em Roma?). No entanto, há quem a considere obra de um discípulo do apóstolo, que a escreveu no último terço do séc. I (depois da morte de Paulo) para combater doutrinas judaico-gnósticas que ameaçavam algumas comunidades cristãs da Ásia Menor. Embora reconhecendo que a Carta apresenta uma linguagem, um estilo e até alguns desenvolvimentos teológicos diferentes dos que encontramos nas cartas genuinamente paulinas, muitos consideram, contudo, que a Carta aos Efésios poderá ser uma “carta circular” escrita por Paulo e endereçada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor, incluindo a de Éfeso. Convencido de que tinha concluído o seu trabalho missionário no oriente, Paulo apresenta, de forma serena e refletida, uma amadurecida síntese do seu pensamento e da sua teologia. O autor da Carta expõe “o Mistério”, isto é, o projeto salvador de Deus, oculto durante séculos até ser finalmente revelado em Cristo e concretizado no testemunho e na vida da Igreja, Corpo de Cristo. Da execução desse projeto nasce um novo Povo de Deus, um Povo de Homens novos que vivem do Espírito.

    A secção da Carta aos Efésios que vai de 4,1 a 6,20 é um texto parenético, que tem por objetivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo. Depois de convidar os crentes a viverem na unidade do amor (cf. Ef 4,1-6) e de lhes apresentar uma reflexão sobre a comunidade, Corpo de Cristo formado por muitos membros (cf. Ef 4,7-13), o autor da Carta exorta os cristãos a viverem de acordo com a sua condição de Homens Novos em Cristo (cf. 4,14-5,14). O texto que nos é proposto como segunda leitura neste décimo oitavo domingo comum é parte dessa exortação.

     

    MENSAGEM

    Os que optaram por acolher a proposta de Jesus passaram a integrar o “Corpo de Cristo”. Ora, isso implica viver de uma forma diferente. Os cristãos não podem “proceder como os pagãos, que vivem na futilidade dos seus pensamentos” (vers. 17).

    Paulo usa duas expressões opostas para definir a realidade do homem antes do encontro com Cristo e depois do encontro com Cristo. O homem que ainda não aderiu a Cristo é, para Paulo, o “homem velho”, cuja vida é marcada pela mediocridade, pela futilidade (vers. 17), pela corrupção, pela escravidão aos “desejos enganadores” (vers. 22). A vida do “homem velho” é uma vida marcada pelo pecado; e o pecado embota a sensibilidade e o entendimento e não deixa o homem ser tocado pelo que é belo, justo e verdadeiro. Em contrapartida, o homem que já encontrou Cristo e que acolheu o seu Evangelho recebe uma luz nova, que lhe permite ver e abraçar os valores verdadeiros. É o “Homem novo”, regenerado por Cristo, que vive animado pelo Espírito e adota uma nova forma de pensar e de atuar; o “homem novo” faz obras de verdade (vers. 21), de justiça e de santidade (vers. 24).

    O Batismo – o momento da adesão a Cristo – é o momento decisivo da transformação do “homem velho” em “homem novo”. O próprio rito do Batismo sugere a transformação e a ressurreição do homem para uma vida nova, a vida em Cristo: quando imerge na água, o homem morre para a vida antiga de pecado; mas quando emerge da água, renasce como “homem novo”, purificado do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência. A partir desse momento, o homem vive para Cristo e por Cristo. A sua vida deve ser coerente com a sua nova situação.

    Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de fragilidade… Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de regressar ao “homem velho” do egoísmo, do orgulho, do pecado… O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no dia do seu Batismo. O “homem novo” não é uma realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige uma contínua conversão e uma constante renovação.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A interpelação de Paulo atinge-nos especialmente a nós que fomos batizados em Cristo. É possível que não guardemos memória do dia do nosso batismo, desse momento decisivo em que o “homem velho” que existia em nós ficou sepultado na água e nasceu o “homem novo”, animado e conduzido pelo Espírito. No entanto, a opção que nesse dia fomos convidados a fazer tornou-se explícita mais tarde e, possivelmente, foi renovada em diversos momentos do nosso caminho. Talvez hoje seja um dia propício para revisitarmos o nosso batismo e para nos apercebermos das suas implicações… A celebração do nosso batismo não foi um momento de folclore religioso ou uma ocasião de cumprimento de um ritual cultural qualquer; foi o momento do nosso encontro com Cristo e da nossa adesão ao seu Evangelho; foi o momento em que aderimos à família de Deus e passamos a integrá-la; foi o momento em que recebemos o Espírito e aceitamos que a nossa vida fosse animada pelo Seu dinamismo. Temos vivido de forma coerente com essa opção?
    • Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a vida do “homem velho”. O “homem velho” é o homem dominado pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos, que vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o êxito, o bem-estar…), que se deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos a nossa vida à margem das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores de Deus para abraçar valores que nos escravizam?
    • Paulo apela a que os crentes vivam a vida do “homem novo”. O “homem novo” é o homem continuamente atento às propostas de Deus, que aceita integrar a família de Deus, que não se conforma com a maldade, a injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na verdade, no amor, na justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o nosso “projeto” de vida? Os nossos gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um “homem novo”, que vive em comunhão com Deus, que é “sal da terra e luz do mundo, que testemunha o amor e a bondade de Deus na vida dos seus irmãos?
    • Mesmo que a nossa opção fundamental por Deus e pelos seus valores tenha sido há muito plenamente assumida, não podemos esquecer que a construção do “homem novo” nunca é um processo terminado… A monotonia, o cansaço, os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas “meias tintas”, na não exigência, na acomodação. O “homem velho” espreita-nos a cada esquina e, na primeira oportunidade, volta a assumir o controle das nossas vidas. Precisamos de ter consciência de que em cada minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de Deus. Vivemos de braços cruzados, considerando que já atingimos um nível satisfatório de perfeição, ou vivemos numa atitude de vigilância e de conversão, questionando a cada passo a direção que a nossa vida vai tomando?

     

    ALELUIA – Mateus 4,4b

    Aleluia. Aleluia.

    Nem só de pão vive o homem,
    mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.

     

    EVANGELHO – João 6,24-35

    Naquele tempo,
    quando a multidão viu
    que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
    subiram todos para as barcas
    e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
    Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe:
    «Mestre, quando chegaste aqui?»
    Jesus respondeu-lhes:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    vós procurais-Me, não porque vistes milagres,
    mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
    Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
    mas pelo alimento que dura até à vida eterna
    e que o Filho do homem vos dará.
    A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
    marcou com o seu selo».
    Disseram-Lhe então:
    «Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?»
    Respondeu-lhes Jesus:
    «A obra de Deus
    consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou».
    Disseram-Lhe eles:
    «Que milagres fazes Tu,
    para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
    Que obra realizas?
    No deserto os nossos pais comeram o maná,
    conforme está escrito:
    ‘Deu-lhes a comer um pão que veio do céu’».
    Jesus respondeu-lhes:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
    meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
    O pão de Deus é o que desce do Céu
    para dar a vida ao mundo».
    Disseram-Lhe eles:
    «Senhor, dá-nos sempre desse pão».
    Jesus respondeu-lhes:
    «Eu sou o pão da vida:
    quem vem a Mim nunca mais terá fome,
    quem acredita em Mim nunca mais terá sede».

     

    CONTEXTO

    Depois da partilha dos pães e dos peixes Jesus, “sabendo que estavam prestes a vir apoderar-se dele para o fazer rei, retirou-se sozinho para o monte” (Jo 6,15). Provavelmente demorou-se por lá em oração, pois no final de cada dia Ele sentia necessidade de conversar longamente com o Pai. Os discípulos, por sua vez, meteram-se no barco dispostos a voltar a Cafarnaum. Navegaram sozinhos durante algum tempo, até que Jesus veio ter com eles, caminhando sobre o mar. Depois de Jesus ter entrado no barco, logo chegaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).

    O episódio que o Evangelho deste décimo oitavo domingo comum nos apresenta situa-nos em Cafarnaum (cf. Jo 6,59), no dia imediatamente a seguir aos factos anteriormente narrados. Passada a noite, a multidão que tinha sido agraciada com os pães e os peixes, não encontrando Jesus e os discípulos, conjeturou que eles tinham voltado a Cafarnaum e dirigiu-se para lá. Cafarnaum, a cidade de pescadores situada na margem ocidental do Mar da Galileia, era a cidade onde Jesus se tinha instalado depois de deixar Nazaré. A sua importância advinha de estar ao lado da estrada onde passavam as caravanas provenientes da Síria. De Cafarnaum Jesus podia facilmente dirigir-se a qualquer aldeia ou cidade da Galileia para proclamar a chegada do Reino de Deus. Alguns dos discípulos de Jesus – Simão e seu irmão André, Tiago e seu irmão João – viviam em Cafarnaum.

    Jesus estava na sinagoga quando a multidão veio ao seu encontro. Naturalmente, os acontecimentos do dia anterior foram tema de conversa; e Jesus, sentindo que era necessário deixar as coisas bem claras, teve com aquela gente uma longa conversa. O que Ele disse nesse dia à multidão, na sinagoga de Cafarnaum, ficou conhecido como o “discurso do pão da vida” (cf. Jo 6,22-59).

     

    MENSAGEM

    A multidão que, nessa manhã, chega a Cafarnaum está entusiasmada. Quer, a todo o custo, reencontrar Jesus e ficar com Ele (vers. 24). À primeira vista parece que a atividade de Jesus está a dar frutos e que tudo corre às mil maravilhas. Contudo, Jesus percebe facilmente que muitas daquelas pessoas estão ali pelas razões erradas. Na verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes lançou aquela gente num perigoso equívoco; e Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal-entendido.

    Sem responder à pergunta inicial que Lhe colocam (“Mestre, quando chegaste aqui?” – vers. 25), Jesus aborda logo a questão que o inquieta: “em verdade, em verdade vos digo: vós procurais-Me, não porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados” (vers. 26). A procura daquela gente é uma procura interesseira e egoísta, que vai em sentido contrário à mensagem que Jesus procurou passar-lhes quando lhes ofereceu comida em abundância. A divisão dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha, generosidade e serviço; mas aquela gente não foi sensível ao significado profundo do gesto, não entendeu o “sinal” de Jesus. Ficou-se pelas aparências e só registou que Jesus podia fornecer-lhe, de forma gratuita e fácil, pão em abundância. O que move aquela gente é um materialismo grosseiro, e não a vontade de abraçar o projeto do Reino.

    Depois de identificar o problema, Jesus aponta a solução: “trabalhai, não tanto pela comida que se perde, mas pelo alimento que dura até à Vida eterna e que o Filho do homem vos dará” (vers. 27). Aquela gente deve esforçar-se por conseguir, não apenas o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento que sacia essa profunda fome de Vida que todo o homem sente e para a qual Jesus tem resposta. Viver de olhos no chão, agarrado a valores rasteiros e efémeros, com horizontes limitados, não pode ser a vocação do homem. Aquilo que dá sentido à existência é o pão imperecível que Jesus traz e que é preciso acolher para ter Vida verdadeira.

    Os interlocutores de Jesus parecem interessados, mas querem mais esclarecimentos: o que é preciso fazer para ter acesso a esse pão? Que obras é necessário realizar (vers. 28)? Aparentemente, eles estão a pensar no cumprimento de mandamentos ou de práticas religiosas definidas na Lei judaica (“obras”). Mas a proposta de Jesus é outra: é preciso, simplesmente, “acreditar n’Aquele que Deus enviou” e acolher o projeto do Reino de Deus (vers. 29). No dia anterior, quando Jesus dividiu e distribuiu o pão e os peixes, aquelas pessoas não foram capazes de aprender a lição do amor, da partilha, do serviço; não foram capazes de ligar o que Jesus fez com os valores do Reino. Limitaram-se a correr atrás do profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância… Se quiserem acolher o pão que Jesus tem para oferecer, devem mudar a sua perspetiva das coisas e levar a sério as palavras e as propostas de Jesus; devem abraçar os valores do Reino, dispor-se a partilhar, disponibilizar-se para servir os irmãos com alma “de menino”, com humildade e generosidade.

    No entanto, os interlocutores de Jesus não estão convencidos de que aquele seja o caminho que leva à Vida verdadeira (vers. 30): que autoridade tem Jesus para apresentar uma proposta deste tipo? Qual a prova de que a realização plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? E aquela gente desafia Jesus a provar a sua autoridade com um gesto espetacular, semelhante ao que Moisés fez quando proporcionou aos israelitas o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada (vers. 31). Eles buscam o portentoso, o espetacular, o que deslumbra, e não a Vida que se manifesta em gestos simples e quotidianos.

    Na resposta que dá, Jesus põe a nu os limites estreitos em que aquela gente pretende encerrar a questão: é verdade que o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome de Vida eterna do homem. Só Deus dá aos homens, aos homens do mundo inteiro, de forma permanente, a Vida eterna; e esse dom do Pai não vem através de Moisés, mas através de Jesus (vers. 32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espetaculares, que deslumbram mas não mudam nada; o que é decisivo, para ter acesso ao pão que proporciona Vida eterna é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.

    A última frase do nosso texto (“Eu sou o pão da vida: quem vem a Mim nunca mais terá fome, quem acredita em Mim nunca mais terá sede” – vers. 35) identifica o próprio Jesus, já não com o “portador” do pão, mas com o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de Vida. É necessário dirigir-se ao encontro de Jesus, acolher o seu projeto, assimilar os seus valores, interiorizar as suas palavras, assumir o seu estilo de vida, fazer da própria vida (como Jesus fez da sua) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa “qualidade” de vida que o leva à sua realização plena, à Vida eterna.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O pão de que necessitamos diariamente para saciar a nossa fome física é algo sem o qual não podemos viver; mas não é tudo. Temos sempre a impressão de que nos falta algo para que a nossa vida seja mais plena e mais realizada. Temos sempre “fome” de mais qualquer coisa: de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de liberdade, de realização, de verdade, de transcendência, até dessas coisas mais ou menos fúteis que nos asseguram bem-estar e segurança… Procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade, em valores efémeros, em propostas que parecem sedutoras mas que só geram escravidão e dependência. Por vezes, a nossa procura conduz-nos ao beco sem saída da frustração e do pessimismo; outras vezes, a nossa busca sempre repetida leva-nos ao cinismo ou ao cansaço… É esta também a nossa experiência? Como podemos “encher” a nossa vida e dar-lhe pleno significado? Onde encontrar o “pão” que mata a nossa fome de Vida?
    • O Evangelho que escutámos neste décimo oitavo domingo comum diz-nos que Jesus de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É em Jesus e através de Jesus que Deus responde à fome dos homens e lhes oferece a Vida em plenitude. Que papel desempenha Jesus na nossa vida? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um homem excecional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos Vida em plenitude? Ele é “mais uma” das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?
    • O que é preciso fazer para ter acesso a esse “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”? De acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir (“acreditar”) a Jesus, o “pão” que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens. Aderir a Jesus não é, no entanto, cumprir corretamente um código de práticas e observâncias rituais, ou termos os nossos nomes nos livros de registos de batismos, de crismas ou de casamentos na nossa paróquia; mas é criar uma ligação a Jesus, caminhar atrás d’Ele, escutar as suas palavras, aprender com os seus gestos, viver ao estilo d’Ele, identificar-se com Ele, pensar, sentir, amar, trabalhar, sofrer e viver como Ele. Como é que vivemos a nossa adesão a Jesus: como religião de crenças e de práticas externas, ou como uma religião de discípulos que seguem e vivem ao estilo do Mestre? Identificamo-nos realmente com Jesus e com o seu projeto?
    • No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo… É um equívoco procurar o Batismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco celebrar o matrimónio na Igreja porque, assim, a cerimónia é mais espetacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos autopromovermos ou para resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida menos problemática; é um equívoco praticarmos certos atos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de desgraças, nos resolva algumas das nossas necessidades materiais… Porque é que um dia aderimos a Jesus? Porque é que ainda mantemos a nossa adesão a Jesus? Estamos plenamente convictos de que só Jesus é o “pão” que sacia a nossa fome de Vida?
    • A recusa de Jesus em realizar gestos espetaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua autoridade e o seu poder; mas Deus atua na vida dos homens de forma discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projeto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha, do serviço. Procuramos ler todos os dias, nas páginas que registam a nossa caminhada pela terra, as indicações discretas que Deus vai colocando para que nós possamos chegar à Vida?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

    S. João Maria Vianey

    S. João Maria Vianey


    4 de Agosto, 2024

    S. João Maria Vianney nasceu perto da cidade de Lião, em França, a 8 de Maio de 1786. Cedo descobriu a sua vocação para o sacerdócio. Mas foi excluído do seminário pela sua dificuldade nos estudos. Foi, então, ajudado pelo pároco de Écully e, com quase trinta anos, foi ordenado sacerdote em Grenoble. Em 1819, foi nomeado pároco de Ars. Permaneceu quarenta e dois anos a paroquiar a pequena aldeia, que transformou, graças à sua bondade, à pregação da palavra de Deus, a sua mortificação e à sua caridade. A sua fama espalhou-se de tal forma que gente de toda a parte o procurava para se confessar e ouvir os seus conselhos. Faleceu a 4 de Agosto de 1859. Foi canonizado por Pio XI, em 1925, que também o declarou padroeiro de todos os párocos.

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 3, 16-21

    O Senhor dirigiu a palavra dizendo: 17«Filho de homem, nomeei-te sentinela da casa de Israel; se ouvires uma palavra saída da minha boca, tu lha dirigirás da minha parte. 18Se Eu digo ao pecador: 'Vais morrer', e tu não o exortas e não falas para o afastar do mau caminho, para que ele possa viver, é ele, o pecador, que perecerá por causa do seu pecado; mas, é a ti que Eu pedirei contas do seu sangue. 19Mas, se tu avisares o pecador e ele não se emendar da sua perversidade e má conduta, então ele morrerá por causa do seu pecado; mas tu terás salvo a tua vida. 20Quando o justo se desvia da sua justiça para fazer o mal, Eu lhe preparo uma armadilha, de modo que ele morra; porque tu não o avisaste, ele perecerá por causa do seu pecado e ninguém recordará a justiça que ele praticou; mas é a ti que Eu pedirei contas do seu sangue. 21Se, pelo contrário, tu preveniste um justo para que não pecasse e ele, de facto, não peca, ele viverá, porque foi advertido, e tu salvarás a tua vida.

    O profeta é colocado por Deus como sentinela do Seu povo para vigiar, velar e, se necessário, defendê-lo. O Senhor dá-lhe a graça de discernimento para o tornar capaz de advertir o perigo que incumbe sobre a consciência dos outros e de os alertar para a situação. A sua missão é ser a voz de Deus. E terá de dar contas sobre o modo como a exerceu. O profeta corajoso, que não tem medo de alertar, aqueles a quem é enviado, receberá a sua recompensa.

    Evangelho: Mateus 9, 35-10, 1

    Naquele tempo, 35Jesus percorria as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças.36Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. 37Disse, então, aos seus discípulos: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. 38Rogai, portanto, ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe.» 1Jesus chamou doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos malignos e de curar todas as enfermidades e doenças.

    No exercício do seu ministério, Jesus prega e faz milagres nas sinagogas, e nas cidades e aldeias por onde passa. Ele é o primeiro missionário, que todos os outros têm de imitar. No seu ministério, o Senhor tem em conta o homem todo. Por isso ensina, prega e cura doenças e enfermidades. A sua ação dirige-se a toda a humanidade cansada, desfalecida e desorientada. É a humanidade escravizada pelo mal. É a humanidade vítima de tantos opressores. É a humanidade desorientada à qual Deus continua a enviar pastores segundo o seu coração, como o Cura d´Ars.

    Meditatio
    Hoje, pretendo percorrer brevemente a vida do Santo Cura d'Ars, destacando alguns traços que possam servir de exemplo para os sacerdotes do nosso tempo, certamente uma época diferente daquela em que ele viveu, mas marcada, em muitos aspetos, pelos mesmos desafios fundamentais humanos e espirituais... O Santo Cura d'Ars sempre manifestou a mais alta consideração pelo dom recebido. Afirmava: "Que grandioso é o sacerdócio! Só se compreende bem no Céu... Mas, se o compreendesse sobre a terra, morrer-se-ia, não de temor, mas de amor". Além disso, quando criança, tinha confiado a sua mãe: "Se eu fosse padre, conquistaria muitas almas". E assim foi. No serviço pastoral, tão simples como extraordinariamente fecundo, este anónimo pároco de uma distante aldeia do sul da França conseguiu de tal modo identificar-se com o seu ministério que se tornou, de uma maneira visivelmente reconhecível,outro Cristo, imagem do Bom Pastor, que, ao contrário dos mercenários, dá a vida por suas ovelhas (cf. Jo 10:11). A exemplo do Bom Pastor, ele deu a vida durante as décadas do seu serviço pastoral. Sua existência foi uma catequese viva que adquiria uma eficácia particularíssima quando as pessoas o viam celebrar a missa, deter-se em adoração diante do sacrário ou passar muitas horas no confessionário... Atualmente, os desafios da sociedade moderna não são menos exigentes do que no tempo do Santo Cura d´Ars. Talvez até se tenham tornado mais complexos. Se naquele tempo havia a "ditadura do racionalismo", hoje verifica-se em muitos ambientes uma espécie de "ditadura do relativismo". Ambas oferecem respostas inadequadas à justa procura do homem... O racionalismo foi inadequado porque não teve em conta os limites humanos e aspirou a elevar apenas à razão a medida de todas as coisas, transformando-as numa ideia; o relativismo contemporâneo mortifica a razão, porque de fato chega a afirmar que o ser humano não pode conhecer nada com certeza além do campo científico positivo. Hoje, como então, o homem, "mendicante de significado e completude", sai em permanente busca de respostas exaustivas às questões de fundo, que não cessa de se colocar... O ensinamento que a este propósito continua a transmitir o Santo Cura d'Ars é que, na base de tal empenho pastoral, o sacerdote deve cultivar uma íntima união pessoal com Cristo, fazendo-a crescer dia após dia. Só se estiver apaixonado por Cristo, o sacerdote poderá ensinar a todos esta união, esta amizade íntima com o divino Mestre; poderá tocar os corações das pessoas e abri-las ao amor misericordioso do Senhor. Só assim poderá infundir entusiasmo e vitalidade espiritual à comunidade que o Senhor lhe confia... (Extratos de um discurso de Bento XVI, em 5 de Agosto de 2009).

    Oratio
    Senhor Jesus, em São João Maria Vianney, quiseste dar à Igreja uma comovente imagem da tua caridade pastoral. Que possamos, como ele, diante de tua Eucaristia, aprender como é simples e instrutiva a tua Palavra de cada dia, como é terno o amor com que acolhes os pecadores arrependidos, e como é consolador abandonar-nos confiantemente a tua Mãe Imaculada. Por intercessão do Santo Cura d'Ars, faz que as famílias cristãs se tornem "pequenas igrejas", nas quais todas as vocações e todos os carismas, infundidos pelo teu Santo Espírito, possam ser acolhidos e valorizados. Ámen.

    Contemplatio

    Depois que recebeu o batismo de João Baptista, e antes de se entregar à organização da sua Igreja, o bom Mestre mergulhou numa profunda oração durante quarenta dias no deserto. Queria acumular graças para os seus apóstolos e para os seus discípulos. Depois destes quarenta dias, começa a sua pregação. Ganha primeiro João e André que ficam apaixonados por Ele e passam todo um dia a escutá-lo (Jo 1, 35). Depois das suas primeiras pregações, passa ainda uma noite em oração. No dia seguinte faz o seu grande apelo a Pedro, a André, a Tiago, a João: segui-me. (Lc 6, 12). E, antes de completar o colégio dos seus apóstolos e dos seus discípulos, rezou ainda e mandou rezar. Percorreu a Galileia. Viu as multidões miseráveis e mal conduzidas pelos rabinos e pelos fariseus. "São como ovelhas sem pastores", diz com emoção! "Rezai, portanto, ao Mestre supremo para enviar trabalhadores para a sua vinha e pastores para o seu rebanho" (Mt 9, 38). Quantas lições para nós! Estimemos o elevado valor da vocação; peçamos a Deus que multiplique os santos sacerdotes. (Leão Dehon, OSP 4, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Que grandioso é o sacerdócio!
    Só se compreende bem no Céu!" (Santo Cura d´Ars).

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    S. João Maria Vianey (4 Agosto)

  • XVIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    5 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 28, 1-17

    1Naquele mesmo ano, no início do reinado de Sedecias, rei de Judá, ou seja, no quinto mês do quarto ano, Hananias, filho de Azur, profeta de Guibeon, no templo do Senhor e na presença dos sacerdotes e de todo o povo, falou-me nos seguintes termos: 2«Assim fala o Senhor do universo, Deus de Israel: 'Vou quebrar o jugo do rei da Babilónia! 3Dentro de dois anos, farei voltar a este lugar todos os objectos do templo do Senhor, que Nabucodonosor, rei da Babilónia, levou daqui e transportou para a Babilónia. 4Para este lugar farei voltar Jeconias, filho de Joaquim, rei de Judá e todos os exilados de Judá que foram para a Babilónia, porque vou quebrar o jugo do rei da Babilónia'» - oráculo do Senhor. 5O profeta Jeremias respondeu ao profeta Hananias, na presença dos sacerdotes e do povo que se aglomerava no templo do Senhor: 6«Assim seja! Que o Senhor o permita! Realize o Senhor a tua profecia e traga de volta para este lugar o tesouro do templo, e todos os exilados cativos da Babilónia. 7Contudo, ouve o que te vou dizer, a ti e a todo o povo: 8Os profetas que nos precederam a mim e a ti, anunciaram a numerosos países e a poderosos reinos, guerra, fome e peste. 9Quanto ao profeta que profetiza a paz, somente quando se realizar o seu oráculo é que se poderá saber se ele é realmente um enviado do Senhor.» 10Então, o profeta Hananias retirou o jugo do pescoço do profeta Jeremias e, partindo-o, 11exclamou na presença de todo o povo: «Oráculo do Senhor: 'Assim, decorridos dois anos, quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei da Babilónia e retirá-lo-ei do pescoço de todas as nações!'» Então, o profeta Jeremias retirou-se. 12Depois que o profeta Hananias quebrou e retirou o jugo do pescoço de Jeremias, a palavra do Senhor foi dirigida a Jeremias, nestes termos: 13«Vai dizer a Hananias: Isto diz o Senhor: 'Quebraste jugos de madeira, mas, em vez deles, farei jugos de ferro.' 14Porque isto diz o Senhor do universo: 'Eu ponho um jugo de ferro ao pescoço de todas estas nações, a fim de que se submetam a Nabucodonosor, rei da Babilónia. Ficar-lhe-ão submetidas, e até lhe darei poder sobre os animais selvagens.'» 15E Jeremias acrescentou, dirigindo-se ao profeta Hananias:«Escuta a minha voz, Hananias! O Senhor não te enviou. És tu que levas o povo a crer na mentira! 16Por isso, eis o que diz o Senhor: 'Vou retirar-te da face da terra. Morrerás ainda este ano, porque pregaste a revolta contra o Senhor!'» 17E o profeta Hananias morreu naquele ano, no sétimo mês..

    Este texto, tirado do livro de Jeremias, deve situar-se por volta de 594/593 a. C. Nele se põe a questão sobre a verdadeira e a falsa profecia. Como distinguir um verdadeiro de um falso profeta? A resposta não é dada de modo teórico, mas com uma narrativa biográfica escrita por Baruc, discípulo de Jeremias, e introduzida na obra do profeta.
    Em Jerusalém tinha havido uma coligação de reis de menor importância, para conspirarem contra Babilónia, que deportara um grupo de judeus, entre os quais o rei Jeconias, e levara o tesouro do templo (cf 2 Rs 24, 10s.). Hananias, profeta do culto e da corte, anuncia a libertação dos deportados e a restituição do tesouro. Para garantir as suas palavras, realiza uma acção simbólica: quebra o jugo que Jeremias levava ao pescoço, como sinal do pesado domínio imposto por Babilónia a Judá (cf. vv. 10; cf. Jr 27). Perante as palavras e a acção de Hananias, Jeremias recorda-lhe, e a todos os que viram a cena, que a profecia só é verdadeira quando se realiza (vv. 7-9; cf. Dt 18, 21s.; Jr 23, 16-18). Por sua parte, embora também deseje um futuro de liberdade e de paz, fica em silêncio e quieto, à espera que Deus lhe fale, para ser fiel à Sua palavra, ainda que tenha de sofrer por causa disso. Assim, dócil a Javé, Jeremias proclama a verdadeira palavra, por muito impopular que seja: Babilónia tornará ainda mais pesado o jugo com que oprime Judá, que não poderá escapar (vv. 12-14). Hananias, falso profeta, será castigado (vv. 15s.; cf. Dt 18, 20). A sua morte testemunhará a falsidade da sua profecia, e a autenticidade da de Jeremias (v. 17).

    Evangelho: Mateus 14, 13-21

    Naquele tempo, 13quando Jesus ouviu dizer que João Baptista tinha sido morto, retirou-se dali sozinho num barco, para um lugar deserto; mas o povo, quando soube, seguiu-o a pé, desde as cidades. 14Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos. 15Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.» 16Mas Jesus disse-lhes: «Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.» 17Responderam: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.» 18«Trazei-mos cá» - disse Ele. 19E, depois de ordenar à multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e pronunciou a bênção; partiu, depois, os pães e deu-os aos discípulos, e estes distribuíram-nos pela multidão. 20Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou, encheram doze cestos. 21Ora, os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

    A notícia da morte de João Baptista leva Jesus a afastar-se da multidão, para escapar à presumível tentativa de O matarem, também a Ele, já alvo de conjura por parte dos fariseus. Mas, fiel à missão que o Pai Lhe confiou, responde com amor à multidão, que Lhe pede gestos de salvação (vv. 13-14): cura os doentes, que Lhe são apresentados, e sacia a fome dos que O seguem. Mas exige a participação dos discípulos, que são chamados a dar-se a si mesmos, e a pôr em comum o que têm (vv. 16s.).
    A narrativa deste milagre antecipa, na intenção do evangelista, o da instituição da Eucaristia (cf. Mt 26, 26). Os discípulos serão ministros, distribuindo aos outros o pão que Jesus lhes dá (v. 19). Do mesmo modo que sobrou pão, quando Eliseu, com vinte pães saciou cem pessoas (cf. 2 Rs 4, 42-44), assim também, e de modo ainda mais significativo, sobraram doze cestos, depois da refeição miraculosa oferecida por Jesus (v. 20). Tinham chegado os dias messiânicos. Jesus, o Messias, satisfazia todas as necessidades humanas, fazendo curas e saciando os que tinham fome. Na comunidade escatológica, fundada por Jesus, desaparecem toda a doença e toda a necessidade.

    Meditatio

    Na Igreja, nunca faltou o carisma da profecia. Tiveram-nos muitos santos. Mas, nos nossos dias, muitos cristãos apresentam-se como profetas, e pretendem revelar o pensamento de Deus sobre os caminhos a seguir pela Igreja.
    Jeremias fala de verdadeiros e falsos profetas. Como podemos distingui-los? Como podemos tornar-nos profetas verdadeiros, uma vez que pertencemos a um povo de profetas? O verdadeiro profeta não pretende transmitir palavras agradáveis, mas palav
    ras que salvam. O verdadeiro profeta é uma pessoa livre interiormente. Não está preocupado com a audiência, mas com a fidelidade à vontade de Deus. Cada dia se constrói em Deus, se confronta com a Sua palavra, e está atento para não a atraiçoar. Paulo reconhece o carisma da profecia na Igreja, e dá uma regra para o seu uso correcto: «Temos dons que, consoante a graça que nos foi dada, são diferentes: se é o da profecia, que seja usado em sintonia com a fé» (Rm 12, 6). Alguns traduzem: «se é o da profecia, que seja usado na medida em que é creditado», isto é, do crédito que o próprio Deus dá ao crente profeta, uma vez que transmite, não as suas palavras, mas as de Deus. A primeira leitura apresenta-nos um caso, que ilustra a regra de Paulo. Apresenta-nos dois profetas, um que actua "na medida em que é creditado por Deus"; outro que actua para além desse limite. Hananias pretende transmitir uma mensagem muito agradável para Jerusalém, que tinha sido tomada por Nabucodonosor, que deportara a maior parte dos seus habitantes. Os que tinham ficado, viviam muito penosamente. Todos desejavam uma mudança da situação. Hananias anuncia-a como próxima. Mas não o fazia movido por autêntica inspiração. Jeremias intervém para afirmar que essa profecia, apesar de agradável, era oportunista, e sem qualquer valor, pois não correspondia ao desejo de Deus. Hananias insistiu com o gesto simbólico de quebrar o jugo que Jeremias carregava, e proclamando uma pretensa palavra do Senhor: «Assim, decorridos dois anos, quebrarei o jugo de Nabucodonosor» (v. 11). Quanto a Jeremias, retirou-se, seguindo o seu caminho. Mas eis que Deus lhe fala e o manda a Hananias para dizer: «Quebraste jugos de madeira, mas, em vez deles, farei jugos de ferro» (v. 13). E acrescentou, sempre em nome de Deus: «Vou retirar-te da face da terra. Morrerás ainda este ano, porque pregaste a revolta contra o Senhor!» (v. 16). E assim aconteceu. Hananias não respeitou a regra essencial do carisma da profecia: falar na medida em que se é creditado por Deus, isto é, transmitindo autênticas verdades divinas, e não as próprias ideias.
    A regra de Paulo continua actual. Ninguém deve ultrapassar os limites da graça recebida, caso contrário, em vez de contribuir para a edificação da Igreja, concorre para a sua ruína. Todos havemos de estar atentos para não despacharmos as nossas ideias como se fossem inspirações divinas. Em tudo é preciso muito discernimento e generosidade, para distinguir o que vem de Deus e o que não vem d´Ele.
    Feito esse discernimento, há que estar disponíveis para o serviço da profecia, isto é, para falar em nome de Deus, como Samuel («Eis-me aqui», 1 Sam 3, 4; Is 3, 4) e, sobretudo, como o próprio Cristo «Eis-me aqui!» (Hb 10, 5). Esta atitude de Cristo deve continuar no nosso "Ecce venio" de cada dia, unido ao d´Ele, porque somos chamados na Igreja a «ser profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo» (Cst 7), e a realizar, «como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (Cst 26) que, na fidelidade à Sua missão foi até à imolação, no Calvário. O nosso «Ecce venio», que também passa pelo exercício da nossa missão profética de cristãos e de dehonianos, «configura a nossa existência com a de Cristo, pela redenção do mundo e para Glória do Pai» (Cst 58).

    Oratio

    Senhor Jesus, quantas palavras, quanto barulho me rodeia e enche os ouvidos! Como distinguir as palavras com conteúdo, das que o não têm? Como distinguir as que promovem a vida, daquelas que a limitam e destroem? Como distinguir a tua Palavra, das que não são tuas? Como posso, então, exercer a minha missão profética neste mundo? Não corro o risco de proclamar as minhas próprias ideias, de ser mero repetidor de frases feitas, do que está na moda dizer?
    Dá-me, Senhor, a graça de parar, de fazer silêncio dentro de mim, para escutar a tua voz e poder falar do que me dizes, falar de Ti. Tu fizeste-Te Palavra para nós, e eu sou chamado a tornar-me palavra para os outros. Que não seja mais um rumor a acrescentar a tantos, mas palavra de vida, palavra-pessoa, palavra-dom-de-mim-mesmo, como Tu. Que eu seja, para todos, palavra que alimenta, que sacia o desejo de verdade e sentido. Amen.

    Contemplatio

    Simeão repete a Maria a profecia de Isaías: «O Cristo será para a santificação de muitos em Israel, mas será para outros uma pedra de escândalo» (Is 8,14). É manifesto. Cristo é causa de salvação e de ressurreição para aqueles que o reconhecem, que o amam e que o servem. É causa de ruína para aqueles que o rejeitam.
    A indiferença não é colocada aqui. Jesus é a vida. Todas as bênçãos são prometidas àqueles que o seguem e que o amam. É preciso estar com ele ou com o mundo. Os povos e as famílias, como os particulares, encontrarão o caminho da paz e dos favores divinos no seguimento de Jesus e no seu serviço.
    Estas palavras do profeta são graves. Há dois caminhos oferecidos à nossa escolha: de um lado o caminho das bênçãos, com o seu traçado marcado no Evangelho: «Bem-aventurados os pobres, bem-aventurados os puros, bem-aventurados os que choram, os que perdoam, os que sofrem perseguição». Do outro lado, o caminho que afasta de Cristo. Tem este traçado: amor pelo ouro, pelo luxo, pelo prazer e pelo mundo. - Sois vós quem eu escolhi, meu Salvador, é o vosso caminho, é o vosso amor, é o vosso Coração, mesmo que deva encontrar as contradições e as perseguições!
    Simeão predisse a Maria a dor e a espada. Ela terá uma grande parte na paixão de Jesus. Sofrerá, ela também, por nós e pela nossa salvação. (Leão Dehon, OSP 3, p. 127s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «O dom da profecia seja usado em sintonia com a fé» (cf. Rm 12, 6).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • Transfiguração do Senhor

    Transfiguração do Senhor


    6 de Agosto, 2024

    A festa da Transfiguração do Senhor, celebrada no Oriente desde o século V, celebra-se no Ocidente desde 1457. Situada antes do anúncio da Paixão e da Morte, a Transfiguração prepara os Apóstolos para a compreensão desse mistério. Quase com o mesmo objetivo, a Igreja celebra esta festa quarenta dias antes da Exaltação da Cruz, a 14 de Setembro. A Transfiguração, manifestação da vida divina, que está em Jesus, é uma antecipação do esplendor, que encherá a noite da Páscoa. Os Apóstolos, quando virem Jesus na sua condição de Servo, não poderão esquecer a sua condição divina.

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel 7, 9-10.13s.

    «Continuava eu a olhar, até que foram preparados uns tronos, e um Ancião sentou-se. Branco como a neve era o seu vestuário, e os cabelos da cabeça eram como de lã pura; o trono era feito de chamas, com rodas de fogo flamejante. 10Corria um rio de fogo que jorrava da parte da frente dele. Mil milhares o serviam, dez mil miríades lhe assistiam.O tribunal reuniu-se em sessão e foram abertos os livros. 13Contemplando sempre a visão nocturna, vi aproximar-se, sobre as nuvens do céu, um ser semelhante a um filho de homem. Avançou até ao Ancião, diante do qual o conduziram. 14Foram-lhe dadas as soberanias, a glória e a realeza. Todos os povos, todas as nações e as gentes de todas as línguas o serviram. O seu império é um império eterno que não passará jamais, e o seu reino nunca será destruído.»

    Daniel, em visão noturna, vê a história do ponto de vista de Deus. Sucedem-se os impérios e os opressores, mas o projeto de Deus não falha. Ele é o último juíz, que avaliará as ações dos homens e intervirá para resgatar o seu povo. Aos reinos terrenos contrapõe-se o Reino que o Ancião confia a um misterioso "filho de homem" que vem sobre as núvens. Trata-se de um verdadeiro homem, mas de origem divina.
    No nosso texto já não se trata do Messias davídico que havia de restaurar o Reino de Israel, mas da sua transfiguração sobrenatural: o Filho do homem vem inaugurar um reino que, embora se insira no tempo, "não é deste mundo" (Jo 18, 36). Ele triunfará sobre as potências terrenas, conduzindo a história à sua realização escatológica. Jesus irá identificar-se muitas vezes com esta figura bíblica na sua pregação e particularmente diante do Sinédrio, que o condenará à morte.

    Segunda leitura: 2 Pedro 1, 16-19

    Caríssimos: Demo-vos a conhecer o poder e a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, não por havermos ido atrás de fábulas engenhosas, mas por termos sido testemunhas oculares da sua majestade. 17Com efeito, Ele foi honrado e glorificado por Deus Pai, quando a excelsa Glória lhe dirigiu esta voz:Este é o meu Filho, o meu muito Amado,
    em quem Eu pus o meu encanto. 18E esta voz, vinda do Céu, nós mesmos a ouvimos quando estávamos com Ele na montanha santa. 19E temos assim mais confirmada a palavra dos profetas, à qual fazeis bem em prestar atenção como a uma lâmpada que brilha num lugar escuro, até que o dia desponte e a estrela da manhã nasça nos vossos corações.

    Pedro e os seus companheiros reconhecem-se portadores de uma graça maior que a dos profetas, porque ouviram a voz celeste que proclamava Filho muito amado do Pai, Jesus, seu mestre. Mas a Palavra do Antigo Testamento continua a ser "uma lâmpada que brilha num lugar escuro" (v. 19), até ao dia sem fim, quando Cristo vier na sua glória. Jesus transfigurado sustenta a nossa fé e acende em nós o desejo da esperança nesta caminhada. A "estrela da manhã" já brilha no coração de quem espera vigilante.

    Evangelho: Lucas 9, 28b-36

    Naquele tempo, Jesus, levando consigo Pedro, João e Tiago, subiu ao monte para orar.29Enquanto orava, o aspecto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma brancura fulgurante. 30E dois homens conversavam com Ele: Moisés e Elias, 31os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua morte, que ia acontecer em Jerusalém. 32Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. 33Quando eles iam separar-se de Jesus, Pedro disse-lhe: «Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Não sabia o que estava a dizer. 34Enquanto dizia isto, surgiu uma nuvem que os cobriu e, quando entraram na nuvem, ficaram atemorizados. 35E da nuvem veio uma voz que disse: «Este é o meu Filho predilecto. Escutai-o.» 36Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou só. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, nada contaram a ninguém do que tinham visto.

    A Transfiguração confirma a fé dos Apóstolos, manifestada por Pedro em Cesareia de Filipe, e ajuda-os a ultrapassar a sua oposição à perspetiva da paixão anunciada por Jesus. Quem quiser Seu discípulo, terá de participar nos seus sofrimentos (Mt 16, 21-27. A Transfiguração é um primeiro resplendor da glória divina do Filho, chamado a ser Servo sofredor para salvação dos homens. Na oração, Jesus transfigura-se e deixa entrever a sua identidade sobrenatural. Moisés e Elias são protagonistas de um êxodo muito diferente nas circunstâncias, mas idêntico na motivação: a fidelidade absoluta a Deus. A luz da Transfiguração clarifica interiormente o seu caminho terreno. Quando a visão parece estar a terminar, Pedro como que tenta parar o tempo. É, então, envolvido com os companheiros pela nuvem. É a nuvem da presença de Deus, do mistério que se revela permanecendo incognoscível. Mas Pedro, Tiago e João recebem dele a luz mais resplandecente: a voz divina proclama a identidade Jesus, Filho e Servo sofredor (cf Is 42, 1).

    Meditatio

    Jesus manda os seus discípulos rezar. Hoje, toma à parte os seus prediletos, Pedro, Tiago e João, para os fazer rezar mais longa e intimamente. Estes três representam particularmente os pontífices, os religiosos, as almas chamadas à perfeição. Para rezar Jesus gosta da solidão, a montanha onde reina a paz, a calma, onde pode ver-se a grandeza da obra divina sob o céu estrelado durante as belas noites do Oriente. A transfiguração é uma visão do céu. É uma graça extraordinária para os três apóstolos. Não nos devemos agarrar às graças extraordinárias que são por vezes o fruto da contemplação. Pedro agarra-se a isso. Engana-se. Queria ficar lá: «Façamos três tendas», diz. Não sabia o que dizia. A visão desaparece numa nuvem. Há aqui uma lição para nós. Entreguemo-nos à oração habitual, à contemplação. Não desejemos as graças extraordinárias. Se vierem, não nos agarremos a elas. Os frutos desta festa são, em primeiro lugar, o crescimento da fé. Os apóstolos testemunham-nos que viram a glória do Salvador. «Não são fábulas que vos contamos, diz S. Pedro (2Pd 1, 16), fomos testemunhas do poder e da glória do Redentor. Ouvimos a voz do céu sobre a montanha gritando-nos no meio dos esplendores da transfiguração: É o meu Filho bem-amado, escutai-o». S. Paulo encoraja a nossa esperança recordando a lembrança da glória do salvador manifestada na transfiguração e na ascensão: «Veremos a glória face a face, diz, e seremos transfigurados à sua semelhança» (2Cor 3, 18). - Esperamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo terrestre e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso» (Fil 3, 21). Mas este mistério é sobretudo próprio para aumentar o nosso amor por Jesus. Nosso Senhor manifestou-nos naquele dia toda a sua beleza. O seu rosto era resplandecente como o sol. Os apóstolos, testemunhas da transfiguração, estavam totalmente inebriados de amor e de alegria. «Que bom é estar aqui», dizia S. Pedro. «Façamos aqui a nossa tenda». A beleza de Cristo transfigurado, contemplada pelo pintor Rafael, inspirou-lhe a obra-prima da arte cristã. Nosso Senhor falava então da sua Paixão com Moisés e Elias: nova lição de amor por nós. O Coração de Jesus, mesmo na sua glória, não pensa senão em nós e nos sacrifícios que quer fazer por nós. Lições também de penitência, de reparação, de compaixão pelo Salvador. Porque teve de sofrer tanto para nos resgatar, choremos os nossos pecados, amemos o nosso Redentor, consolemo-lo.
    Este é o meu Filho muito amado: Escutai-o. - A voz do Pai celeste diz-nos: "Escutai-o", palavra cheia de sentido, como todas as palavras divinas. Deus dá-nos o seu divino Filho por guia, por chefe, por mestre. Escutai-o, fala-nos nas leis santas do Evangelho e nos conselhos de perfeição. Fala-vos nas vossas santas regras, se sois religiosos; no vosso regulamento de vida, se sois do mundo. Fala-vos pelos vossos superiores, pelo vosso diretor. Têm a missão para vos dizer a vontade divina. Fala-vos pela sua graça, na oração, na união habitual com ele. A palavra de Deus nunca vos falta, é a vossa docilidade que falta habitualmente. Esta palavra divina - «Escutai-o» - espera de vós uma resposta. Não basta apenas uma promessa vaga: «hei-de escutar». É preciso uma disposição habitual: «escuto, escuto sempre; falai, Senhor, o vosso servo escuta». Escutarei no começo de cada ação, para saber o que devo fazer e como devo fazê-lo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 132s.).

    Oratio

    Sim, Senhor, quero doravante escutar-vos. Falai, Senhor, que o vosso servo escuta. Senhor, que quereis que eu faça? A vossa vontade será a minha lei, como a vontade do vosso Pai era a lei do vosso coração. Para cada uma das minhas ações, farei o que vós quiserdes. Consultar-vos-ei antes de agir. Falai, Senhor. (Leão Dehon, OSP 4, p. 252).

    Contemplatio

    Pedro e os seus dois companheiros, fatigados da caminhada, tinham caído no sono, quando, acordando de repente, viram Jesus na sua glória, entre dois homens, Moisés e Elias, que conversavam com Ele. Moisés e Elias, representando a lei e os profetas, vinham prestar homenagem a Jesus Cristo, no qual se realizavam todas as figuras e todas as promessas do Antigo Testamento. Vinham reconhecer nele o Messias que tinham anunciado e esperado. E de que é que juntos conversavam? Falavam, diz S. Lucas, da sua saída do mundo, que devia cumprir-se em Jerusalém. Falavam do grande mistério da redenção dos homens pelo sacrifício de Jesus Cristo. Jesus explicava a Moisés e a Elias todo o sentido das figuras da antiga lei: a libertação do Egipto, símbolo da redenção; a imolação do cordeiro, figura da morte de Jesus; a salvação dos filhos de Israel pelo sangue do cordeiro, símbolo da redenção dos homens pelo sangue do Coração de Jesus. Jesus dizia aos dois profetas a sua alegria de ver chegar o dia do sacrifício. Oh! Como o seu amor por nós se manifesta sem cessar! Os apóstolos, à vista deste espetáculo, são mergulhados numa espécie de êxtase. Julgam-se transportados ao céu. S. Pedro, sempre ardente, é o primeiro que manifesta o seu sentimento: Senhor, diz, que bom é estar aqui; façamos aqui três tendas, uma para vós, uma para Moisés, uma para Elias. S. Pedro é humilde e desinteressado; esquece-se, e não pensa em montar uma tenda para si. Ele não quer ser senão o servidor de Jesus. Mas isso é ainda muito. Ele não compreendeu que é preciso comprar a recompensa através das provações. A glória definitiva não virá senão depois da cruz e do sacrifício. Trabalhemos, sejamos generosos. A recompensa virá quando agradar a Deus. S. Pedro reconheceu mais tarde que não sabia o que dizia naquele dia, e fê-lo notar pelo seu evangelista, S. Marcos. (Leão Dehon, OSP 3, p. 250s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Este é o meu Filho predilecto. Escutai-o." (Lc 9, 35).

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    Transfiguração do Senhor (6 Agosto)

    XVIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 30, 1-2.12-15.18-22

    1A palavra do Senhor foi dirigida a Jeremias nestes termos: 2«Assim fala o Senhor, Deus de Israel: 'Escreve num livro todas as palavras que Eu te disser. 12Assim fala o Senhor: «A tua ferida é incurável, maligna é a tua chaga. 13Ninguém quer tomar a tua defesa para curar o teu mal, para o qual não há remédio. 14Todos os teus amantes te esqueceram, não se preocupam contigo, porque te feri, como se fere um inimigo, com cruel castigo, por causa da gravidade da tua falta e do número dos teus pecados. 15Porque choras sobre a tua ferida? A tua chaga é incurável. Por causa da gravidade da tua falta e do número dos teus pecados é que Eu assim procedi. 18Mas, eis o que diz o Senhor: «Restaurarei as tendas de Jacob, e terei compaixão das suas moradas. A cidade será reconstruída das suas ruínas, e os palácios reedificados no seu lugar. 19Deles sairão cânticos de louvor e gritos de alegria. Multiplicá-los-ei e não mais diminuirão. Exaltá-los-ei, e não mais serão humilhados. 20Os seus filhos serão como eram outrora, a sua assembleia será restabelecida diante mim, mas castigarei todos os seus opressores. 21Dela surgirá o seu chefe, dela sairá o seu soberano. Mandarei buscá-lo e ele se aproximará de mim. Pois quem arriscaria a sua vida, aproximando-se de mim? - oráculo do Senhor. 22Vós sereis o meu povo, e Eu serei o vosso Deus.» 23Eis que a tempestade do Senhor, o seu furor impetuoso, qual tormenta se desencadeia e está prestes a cair sobre a cabeça dos ímpios.

    Jeremias queixara-se de Deus, que só parecia cumprir a parte trágica da promessa vocacional que lhe fizera, fazendo dele profeta da destruição e da desgraça. Mas Deus também cumpriu a outra parte da promessa: Jeremias também foi profeta de salvação e ressurgimento, como nos mostram os capítulos 30 e 31, o chamado "Livro da Consolação". Os oráculos destes capítulos, que claramente pertencem a Jeremias, remontam provavelmente ao primeiro período de actividade do profeta, que inicialmente os dirigiu ao reino de Israel, mas que, depois da queda de Jerusalém, os estendeu a Judá.
    Jeremias mostra o valor educativo do sofrimento por que passa o seu povo (vv. 12-15), obrigado ao exílio, e sob o domínio de um povo estrangeiro, havia um século. A aplicação da lei de Talião ao povo, de acordo com a doutrina da retribuição temporal, terá um efeito purificador: Israel irá perceber que o remédio para os seus males não vem das nações estrangeiras, cujo favor tenta obter, mas de Javé, que sempre cuida do seu povo e lhe garante a restauração. Os vv. 18-21 falam dessa restauração como efeito da compaixão de Deus (v. 18ª). As imagens utilizadas pelo profeta evocam uma cidade em festa: os edifícios em ruínas são restaurados (v. 18b), os seus habitantes são honrados por Deus e temidos pelos outros povos (vv. 19s.). Israel terá um rei bem aceite por Deus (cf. Dt 17, 15ª). Pode-se ver neste texto a esperança de Jeremias na reunificação do povo eleito, e na recuperação da sua soberania. A fórmula da aliança (v. 22) confirma a reencontrada liberdade, na fidelidade a Deus, auspiciada pelo profeta.

    Evangelho: Mateus 14, 22-36

    22Depois de ter saciado a fome à multidão, Jesus obrigou os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto Ele despedia as multidões. 23Logo que as despediu, subiu a um monte para orar na solidão. E, chegada a noite, estava ali só. 24O barco encontrava-se já a várias centenas de metros da terra, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. 25De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. 26Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. 27No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» 28Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» 29«Vem» - disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. 30Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» 31Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» 32E, quando entraram no barco, o vento amainou. 33Os que se encontravam no barco prostraram-se diante de Jesus, dizendo: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!» 34Após a travessia, pisaram terra em Genesaré. 35Ao reconhecerem-no, os habitantes daquele lugar espalharam a notícia por toda a região. Trouxeram-lhe todos os doentes, e pediam que os deixasse tocar ao menos na orla do seu manto. E quantos lhe tocaram foram completamente curados.

    Mateus coloca a narrativa da tempestade acalmada no contexto dos episódios orientados para a formação do grupo dos discípulos (Mt 14, 13-16, 20) e antes do grande "Discurso sobre a comunidade" (c. 18). Este facto confere ao texto uma particular caracterização eclesiológica.
    O evangelista já tinha narrado uma tempestade que surpreendera os discípulos enquanto o Mestre dormia (8, 23-27). Nessa ocasião, Jesus revelou-se como "Senhor do mar", o que suscitou a pergunta sobre a sua identidade mais profunda. Jesus aproveitou para reafirmar a necessidade da fé para quem O quisesse seguir (cf. 9, 19s.). No episódio de hoje, a tempestade surge quando os discípulos avançam sozinhos pelo mar, enquanto Jesus tinha ficado a «orar na solidão» (v. 23). A sua chegada milagrosa gera nos discípulos perturbação e medo (v. 26). Mas a sua palavra serena-os e dá-lhes coragem (v. 27). Pedro até se atreve a imitar o Mestre, descendo ao mar e tentando caminhar sobre as ondas (vv. 28ss). Mas a sua fé hesita, e Jesus tem de lhe estender a mão, e mostrar-lhe que, só apoiado n´Ele, pode chegar à salvação (vv. 30ss.). A mesma experiência de salvação é feita por todos aqueles que contactam com Jesus, que assim reconhecem a sua verdadeira identidade, e podem dizer, como Pedro: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!» (v. 32).

    Meditatio

    A vocação a que Deus chamara Jeremias tinha um duplo aspecto: «arrancar e demolir.. construir e plantar» (cf. Jr 31, 28). Nos primeiros anos da sua missão, o profeta teve de realizar, sobretudo, a primeira finalidade: proclamar mensagens de destruição. Depois da queda de Jerusalém, realizou a segunda finalidade: construir e plantar. A primeira letiura, que ainda começa com uma verificação negativa, pertence à segunda parte. Era certo que a destruição de Jerusalém, e a ruína do templo, punham os hebreus numa situação sem remédio: «A tua ferida é incurável, maligna é a tua chaga. Ninguém quer tomar a tua defesa para curar o teu mal, para o qual não há remédio» (vv. 12b-13). Mas o Senhor, pelo
    seu profeta, reanima a esperança, restabelece a confiança. Os castigos não visavam uma destruição definitiva, mas apenas purificar o povo infiel à Aliança. Para libertar Jerusalém pecadora, não havia outro meio senão permitir a sua destruição. Uma vez que isso tinha acontecido, era possível realizar a obra positiva. E Deus promete-a: «Restaurarei as tendas de Jacob, e terei compaixão das suas moradas. A cidade será reconstruída das suas ruínas, e os palácios reedificados no seu lugar» (v. 18). E haverá festas: «deles sairão cânticos de louvor e gritos de alegria» (v. 19). E surge uma inesperada referência ao novo chefe do povo eleito: «Dela surgirá o seu chefe, dela sairá o seu soberano. Mandarei buscá-lo e ele se aproximará de mim... oráculo do Senhor» (v. 21).
    A liturgia de hoje sugere uma relação entre este oráculo sobre o chefe do povo de Deus e a vocação de Pedro. O evangelho mostra-nos o apóstolo que, inspirado, está disposto a arriscar a vida para se aproximar de Jesus, que caminhava sobre o mar: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas» (v. 28). E, «Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus» (v. 30). À palavra de Jesus, não hesitou em arriscar a vida.
    É precisa coragem para arriscar a vida na tentativa de se aproximar de Jesus. E quantos o fizeram ao longo da história! Mas, quem tem responsabilidades na Igreja, há-de estar disposto para isso. Ainda lembramos, comovidos e edificados, o Papa João Paulo II que, depois do atentado na praça de S. Pedro, não se fechou no Vaticano, mas continuou a procurar o Senhor na vida da Igreja e na vida dos homens, percorrendo incansavelmente o mundo, fiel à sua missão, certo da ajuda do Senhor. Só uma fé menos viva, ou frouxa, nos pode pôr em perigo: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» (v. 31).

    Oratio

    Senhor, como os teus apóstolos, tenho madrugadas tempestuosas. Se Te aproximas de mim, também eu penso tratar-se de um fantasma. A tua presença nem sempre é de todo compreensível, porque a tua lógica é diferente da minha. Tenho os meus padrões, os meus esquemas sobre o modo como Te deves apresentar. Por isso, nem sempre Te vejo onde estás. Queria ver-te como resolução dos meus problemas, como antídoto contra as minhas desgraças! Mas Tu revelas-Te, como e quando queres, embora estejas sempre comigo. Porque hesito tantas vezes? Porque a salvação que me ofereces envolve toda a minha humanidade, e quer transfigurá-la à tua imagem e semelhança, o que me causa vertigens. Estende-me a tua mão misericordiosa para que, Contigo, caminhe sobre as ondas alterosas deste mundo, e chegue à segura e feliz quietude da eternidade a que me chamas. Amen.

    Contemplatio

    Encontro no Coração de Jesus um lugar de refúgio, um porto seguro, uma cidadela de protecção contra os inimigos da minha salvação.
    «Este Coração adorável é um delicioso retiro onde viveremos ao abrigo de todas as tempestades», diz-nos Margarida Maria. - Encontrei o lugar do meu repouso. Sei onde poderei gozar a paz, é no Coração de Jesus. «Encontrei o meu bem amado, aquele que dá paz ao meu coração. Agarro-me a ele e não mais o deixarei ir-se embora» (Cântico dos Cânticos). (Leão Dehon, OSP 4, p. 56).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» (Mt 14, 31).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XVIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    7 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 31, 1-7

    1«Naquele tempo, - diz o Senhor - Eu serei o Deus de todas as tribos de Israel, e elas serão o meu povo» - oráculo do Senhor. 2Assim fala o Senhor:«Encontrou graça no deserto o povo que tinha escapado à espada. Israel caminha para o seu repouso. 3De longe, o Senhor se lhe manifestou: Amei-te com um amor eterno. Por isso, dilatei a misericórdia para contigo. 4Hei-de reconstruir-te, e serás restaurada, ó donzela de Israel! Ainda te hás-de adornar dos teus tamborins e participar em alegres danças. 5De novo plantarás vinhas nas colinas da Samaria, e os cultivadores recolherão os frutos, 6porque há-de chegar o dia em que as sentinelas gritarão sobre os montes de Efraim: 'Levantai-vos! Subamos a Sião, ao Senhor, nosso Deus.'» 7Porque isto diz o Senhor: «Soltai gritos de júbilo por Jacob. Aclamai a primeira das nações! Fazei ressoar louvores, exclamando: 'Ó Senhor salva o teu povo, o resto de Israel'.

    Jeremias, cheio de entusiasmo, anuncia o regresso dos exilados, tingindo a sua linguagem de um colorido folclórico. Israel já não está divido em dois reinos, mas reunificado sob a soberania de Javé (vv. 2s.). O Seu amor gratuito e fiel, a sua ternura para com o povo eleito, fê-lo regressar (cf. v. 3). A memória do deserto, da libertação do Egipto, símbolo de todos os desterros e libertações, volta agora a ser o lugar em que todos os que escaparam à espada, os que constituem o «resto», encontrarão a graça, ou, mais precisamente, Javé. Deus forma a identidade do seu povo, dá-lhe uma cidade onde habitar, terra para cultivar e dela tirar o sustento (vv. 4ª.5; cf. Js 24, 13; Sl 107, 35-37). De todos estes dons, brota a alegria, manifestada ao som de instrumentos e de danças (v. 4bc). Esta alegria de Israel vai contagiar as nações vizinhas, que hão-de convergir para Jerusalém, centro restabelecido do culto javista. Aí louvarão a Deus pela salvação, inesperada pelo pequeno grupo dos sobreviventes à deportação, mas maravilhosamente realizada pelo poder divino (v. 6s.; cf. Sl 105, 12-15.43-45; Is 52, 7-10)..

    Evangelho: Mateus 15, 21-28

    Naquele Tempo, 21Jesus partiu dali e retirou-se para os lados de Tiro e de Sídon. 22Então, uma cananeia, que viera daquela região, começou a gritar: «Senhor, Filho de David, tem misericórdia de mim! Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio.» 23Mas Ele não lhe respondeu nem uma palavra. Os discípulos aproximaram-se e pediram-lhe com insistência: «Despacha-a, porque ela persegue-nos com os seus gritos.» 24Jesus replicou: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.» 25Mas a mulher veio prostrar-se diante dele, dizendo: «Socorre-me, Senhor.» 26Ele respondeu-lhe: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorros.» 27Retorquiu ela: «É verdade, Senhor, mas até os cachorros comem as migalhas que caem da mesa de seus donos.» 28Então, Jesus respondeu-lhe: «Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas.» E, a partir desse instante, a filha dela achou-se curada.

    A mulher cananeia, de que nos fala o texto, é designada por «siro-fenícia» em Marcos (7, 24-30). O que ambos os evangelistas pretendem indicar é que se trata de uma mulher pagã, não judia. A cena, sob o ponto de vista literário, está construída no esquema pedido-recusa, num crescendo que, partindo do silêncio de Jesus à primeira interpelação da mulher, continua com a referência à sua missão, que teria por alvo unicamente o povo judeu, e culmina com a distinção brutal entre filhos e cachorrinhos. Tanto Mateus como Marcos coincidem em que a missão de Jesus, durante o seu ministério terreno, se limitou ao povo judeu. Mas também coincidem em que Jesus, neste caso, abriu uma excepção. Para Mateus, a razão da excepção foi a grande fé da mulher, o que é omitido por Marcos. O encontro entre Jesus e a mulher cananeia anuncia, e já realiza, o encontro entre a salvação e o paganismo. Sem negar a escolha preferencial de Israel, «filho primogénito» (v. 24; cf. Os 11, 1; Mt 10, 5ss.), a missão salvífica de Jesus é dirigida a todos os povos. Será, também essa, a característica da acção da Igreja, por mando específico do seu Senhor e Mestre (cf. Mt 28, 18-20).
    A luta que a mulher cananeia trava com Jesus, para alcançar o que pede, é um exemplo concreto do que Jesus mandou: «Pedi... procurai... batei...» (cf. Lc 11, 9).

    Meditatio

    Os dons de Deus são gratuitos, são manifestação do seu amor, da sua misericórdia. Podemos e devemos pedi-los. Mas não temos qualquer direito a eles.
    Assim aconteceu com Israel. Era um povo pequeno, fraco, humilhado e perseguido. Mas Deus, pela sua misericórdia, resolveu escolhê-lo para ser o seu povo: «Encontrou graça no deserto o povo que tinha escapado à espada... De longe, o Senhor se lhe manifestou: Amei-te com um amor eterno. Por isso, dilatei a misericórdia para contigo. (vv. 2-3). Nós não somos hebreus, mas havemos de estar igualmente gratos ao Senhor, que usou de misericórdia para connosco: «Eu serei o Deus de todas as tribos de Israel, e elas serão o meu povo» (v. 1). «O Senhor salva o seu povo...», diz ainda o profeta Jeremias. Mas Isaías vira todos os povos subirem ao Monte Sião, e falara do templo de Jerusalém como casa de oração para todos os povos. Esta universalização do amor de Deus, em favor de todos os povos, constituiu um grave problema para os hebreus. Jesus reforça essa mensagem da salvação para todos os povos. Por isso, muitos judeus se sentiram ofendidos, e não aderiram à mensagem de Jesus. Paulo escreveu que, nem judeus nem gregos, podiam gabar-se de direitos diante de Deus porque Ele «encerrou a todos na desobediência, para com todos usar de misericórdia» (Rm 11, 32).
    O episódio da mulher cananeia ilustra estas verdades. Ela pede a Jesus a cura da filha. Mas, escreve o evangelista, «Ele não lhe respondeu nem uma palavra» (v. 32). Depois dá uma resposta em que parece querer desembaraçar-se daquela mulher: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel» (v. 24). Foi como se lhe dissesse: «Vai-te embora; não tens direito!». Mas a mulher insistiu, e prostrou-se diante dele... Jesus dá-lhe uma resposta, à primeira vista, cruel: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorros» (v. 26). Mas a humildade e a fé desta mulher pagã leva a melhor sobre a aparente dureza de Jesus: «Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas» (v. 28). Era aí que Jesus queria chegar! Não basta ser judeu para obter os favores de Deus. Pode-se ser pagão! Qualquer homem, desde que tenha fé, desde que aceite Jesus como Senhor e Mestre, po
    de ser salvo.
    Diante de Deus, o que conta é a fé, «adesão a Cristo, nascida do íntimo do coração» (Cst 5), a humildade, o reconhecimento, porque é gratuitamente que Ele nos enche de alegria e de amor: a alegria de sermos amados por Ele e chamados a testemunhar a todos o seu amor, a ser «profetas do amor» (Cst 7).

    Oratio

    Senhor, faz-me perceber que a minha relação Contigo não pode ser medida em termos de receber e dar, mas que há-de ser resposta a uma surpresa: a de descobrir que me amas... com um amor "exagerado", que escapa às medidas do espaço e do tempo. Aliás, amas todos os homens eternamente, em todo o lado, por tua livre iniciativa, sem condicionares o teu amor à sua resposta. Nunca Te cansaste, nem cansarás, de oferecer, de oferecer-Te: estávamos longe de Ti, e vieste procurar-nos; estávamos em perigo de morte, e vieste salvar-nos; tínhamos perdido a esperança, e vieste reacendê-la na nossa vida; estávamos cansados de gritar, e respondeste-nos, e ouviste-nos. Agora, sei que me amas desde sempre, e para sempre. Obrigado Senhor! Cantarei eternamente as tuas misericórdias, Senhor. Amen.

    Contemplatio

    Há cena mais comovente do que a cura da filha da Cananeia? É uma mulher pagã que tem confiança em Jesus e que lhe vem implorar pela sua filha possuída do demónio. Nosso Senhor obriga-a a esperar, experimenta a sua fé, depois deixa-se tocar: «Ó mulher, diz, a tua fé é grande, vai, a tua filha está curada».
    Para salvar os jovens, dispomos de alguns meios: a Eucaristia e a união com Jesus. O Salvador, que ama S. João, seu jovem discípulo, e que quer guardá-lo puro e santo, dá um cuidado particular à sua primeira comunhão, recebe-o sobre o seu Coração.
    Nosso Senhor indica também assim que a devoção ao Sagrado Coração é para os jovens uma salvaguarda especial. A sua idade especial tem necessidade de afeição, o apego ao Coração de Jesus é a fonte da pureza. (Leão Dehon, OSP 4, p. 142).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Amei-te com um amor eterno» (Jr 31, 3).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XVIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    8 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 31, 31-34

    31Dias virão, diz o Senhor, em que firmarei uma nova aliança com a casa de Israel e a casa de Judá - oráculo do Senhor. 32Não será como a aliança que estabeleci com seus pais, quando os tomei pela mão para os fazer sair da terra do Egipto, aliança que eles não cumpriram, embora Eu fosse o seu Deus - oráculo do Senhor. 33Esta será a Aliança que estabelecerei, depois desses dias, com a casa de Israel - oráculo do Senhor: Imprimirei a minha lei no seu íntimo e gravá-la-ei no seu coração. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo. 34Ninguém ensinará mais o seu próximo ou o seu irmão, dizendo: 'Aprende a conhecer o Senhor!' Pois todos me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno, porque a todos perdoarei as suas faltas, e não mais lembrarei os seus pecados» - oráculo do Senhor.

    O texto que hoje escutamos é o testemunho espiritual de Jeremias, síntese do seu pensamento e da sua obra e, de certo modo, síntese de toda a literatura profética. Declara que a intervenção de Javé, que permite ao povo regressar do cativeiro, marca uma mudança de rumo na história. O regresso de Israel à sua terra, a recuperação de uma existência livre e harmoniosa, atinge o auge no estabelecimento de uma «nova aliança» (v. 31). Javé, o Senhor, inclinara-se sobre Israel, erguera-o para Si (cf. Dt 32, 11; Os 11, 4) e, pela aliança sinaítica fizera dele sua propriedade (cf. Dt 32, 9). Israel, todavia, mostrara-se incapaz de observar os mandamentos - lei de vida - faltando ao compromisso assumido (cf. Ex 24, 3; Js 24, 24). O pecado da infidelidade tinha marcado a sua existência e a sua história. Sobreveio o exílio. Mas Deus teve compaixão do seu povo e fê-lo regressar, como num novo êxodo. E, maravilha das maravilhas, oferece-lhe uma nova aliança, em que a lei já não será escrita em tábuas de pedra, mas no próprio coração (v. 33). Será uma lei interior a observar, não com ritos formais, mas pela interiorização de valores como a obediência e o amor, postos em prática. Javé, ao perdoar os pecados de todos, sem distinção, também lhes dá capacidade para cumprirem os preceitos da nova aliança. Cada um poderá conhecer a vontade de Deus, impressa no seu coração e de cumpri-la (cf. v. 34ª). Há um reconhecimento radical da pessoa de cada um. E, por dom da misericórdia divina, Deus pertencerá a cada um e cada um pertencerá a Deus (v. 33c.)

    Evangelho: Mateus 16, 13-23

    Naquele tempo, 13Jesus ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» 14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.» 15Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» 16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.» 17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. 19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.» 20Depois, ordenou aos discípulos que a ninguém dissessem que Ele era o Messias. 21A partir desse momento, Jesus Cristo começou a fazer ver aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar. 22Tomando-o de parte, Pedro começou a repreendê-lo, dizendo: «Deus te livre, Senhor! Isso nunca te há-de acontecer!» 23Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: «Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens!»

    Quem é este homem a quem o vento e o mar obedecem? Quem é Jesus? Quem dizem os homens que Ele é? E, vós, quem dizeis que Eu sou? Pedro toma a palavra e responde em nome da comunidade dos discípulos: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo» (v. 16). Verificada a compreensão que os discípulos têm de Jesus, o Evangelho de Mateus dá uma volta decisiva. Se as obras e as palavras de Jesus tinham revelado a sua missão messiânica, de modo que o povo acreditasse n´Ele (vv. 13ss.), à excepção dos nazarenos (cf. 13, 53-58), os discípulos pela boca de Pedro, reconhecem também a sua natureza divina (v. 16). Pedro assume grande relevo nesta cena: se, por um lado, professa a fé no Filho de Deus, por outro lado recusa que Ele seja o Servo Sofredor (v. 21); se primeiro recebe de Jesus plena autoridade sobre a comunidade dos discípulos (vv. 18ss.), logo depois é chamado «Satanás» porque o seu ponto de vista se opõe ao de Deus, e é obstáculo para Jesus cumprir a vontade do Pai (v. 23).
    As contradições que assinalam o discipulado de Pedro (cf. Mc 14, 26-31) evidenciam a obra da graça divina na fragilidade humana: é o mistério da Igreja, cujo chefe é tal, não por mérito próprio, mas porque Deus lhe confia o serviço que o faz referência para os irmãos. Só Deus é garantia de salvação da comunidade na luta do mal e da morte contra o bem e a vida (v. 18). A comunidade pode confiar em Pedro, porque as suas decisões serão assumidas por Deus (v. 19). Mas a salvação e a glória terão de passar pela cruz (v. 21).

    Meditatio

    Escutamos hoje o texto que, provavelmente, é o cume mais elevado de todo o Antigo Testamento: o oráculo da nova Aliança, no «Livro da Consolação» de Jeremias. Esta profecia revela uma inspiração profunda, uma pureza perfeita. Outros oráculos misturam perspectivas de prosperidade terrena, de riquezas materiais à da relação com Deus. Este oráculo centra tudo na relação pessoal com Deus. A nova Aliança será diferente da primeira, a do Sinai: «Não será como a aliança que estabeleci com seus pais, quando os tomei pela mão para os fazer sair da terra do Egipto» (v. 32). Efectivamente há várias diferenças. A primeira é que, enquanto no Sinai as leis foram escritas em tábuas de pedra, eram leis exteriores, que não mudavam o coração do homem, agora são escritas no coração da pessoa, são leis interiores: «Imprimirei a minha lei no seu íntimo e gravá-la-ei no seu coração» (v. 33). A lei de Deus será entendida na sua intenção de amor, porque a vontade de Deus é sempre vontade de amor. Deus não manda para complicar, para oprimir, para obrigar, mas para estabelecer uma rela&
    ccedil;ão de amor. É pois uma lei que se aceita voluntariamente, livremente. Porque é uma lei interior, permite uma relação íntima com Deus: «Serei o seu Deus e eles serão o meu povo» (v. 33). Esta promessa já se encontrava, várias vezes, no Antigo Testamento. Mas não se podia realizar, porque o coração do homem era mau. Agora, depois da nova Aliança, essa intimidade recíproca já era possível, porque já não era entre Deus e o povo, mas entre Deus e cada um: era uma relação pessoal: «Ninguém ensinará mais o seu próximo ou o seu irmão, dizendo: 'Aprende a conhecer o Senhor!' Pois todos me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno» (v. 34). Já não são precisas exortações como as de Jeremias porque, na nova Aliança, haverá uma relação pessoal, a consciência pessoal de cada um diante do Senhor. Esta nova aliança fundamenta-se na miserericórdia infinta de Deus, manifestada em Jesus Cristo, e que não parecia possível no tempo de Jeremias. Será Jesus a revelar o modo como Deus havia de realizar a nova Aliança. E como toda a aliança pressupõe um sacrifício, será Jesus a oferecê-lo - o sacrifício da nova Aliança - bem diferente dos antigos sacrifícios. Será Jesus a concretizá-lo através da oferta de Si mesmo, do seu coração, do seu corpo, do seu sangue, de toda a sua humanidade.
    No evangelho de hoje, Jesus já prevê esse sacrifício, quando diz aos discípulos «que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar» (v. 21). Foi a oblação perfeita de Cristo que selou a nova e eterna Aliança. A Eucaristia permite-nos progredir nessa aliança nova, e recebê-la cada vez mais e melhor no nosso coração: «Chamados a participar todos os dias neste sacrifício da Nova Aliança, unimo-nos à oblação perfeita que Cristo oferece ao Pai, para fazê-la nossa, pelo sacrifício espiritual das nossas vidas: «Exorto-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus: tal é o culto espiritual que lhe deveis prestar» (Rom 12,1) (Cst 81).

    Oratio

    Obrigado, Senhor, por não desistires, por me ofereceres sempre o teu amor, a tua misericórdia. Obrigado por estares sempre comigo, por Te interessares por mim. Obrigado por me quereres junto de Ti, por me ofereceres a tua amizade, a intimidade Contigo. Obrigado por saberes o que tem valor eterno e o que é transitório, e agires em consequência. Obrigado por Te declarares abertamente, por não retirares a palavra dada. Obrigado por amares sempre. Obrigado por aceitares sofrer e morrer, para ser fiel ao amor para com o Pai e para comigo. Que eu saiba permanecer, sempre, no teu amor. Amen.

    Contemplatio

    A última páscoa, que devia pôr fim à antiga Aliança estava terminada; uma páscoa nova devia suceder à páscoa antiga e inaugurar uma nova aliança; a realidade devia suceder à figura, e o verdadeiro Cordeiro pascal devia ser o alimento das nossas almas. Mas Jesus queria preparar os seus Apóstolos para a instituição da santa Eucaristia e para a sua recepção através de uma cerimónia sensacional, símbolo da purificação interior, que era requerida para participar dignamente no festim do Cordeiro.
    Jesus, portanto, como tinha amado os seus que estavam neste mundo, amou-os até ao fim, e preparou-se para lhes dar um sinal supremo da ternura do seu coração, a Eucaristia. Mas, tomando por um momento, as funções de um escravo, pôs-se a lavar os seus pés. S. Pedro revoltou-se, mas Jesus disse-lhe: Se não te lavar os pés, não terás parte comigo, porque a tua alma não estará bem disposta para receber a Eucaristia.
    Nosso Senhor queria ensinar-nos que é preciso purificar as nossas almas tão perfeitamente quanto possível para receber a Eucaristia. Disse a Pedro: Aquele que já está lavado não precisa de lavar o pó dos seus pés para estar inteiramente puro: isto é, no sentido espiritual, aquele que, como vós, já está em estado de graça, já não tem necessidade de se purificar das manchas leves que desfiguram a sua alma, e é o que vou fazer a vosso respeito com esta acção simbólica que vos purificará nomeadamente de um resto de vaidade e de amor-próprio que ainda manifestastes agora mesmo. Que lição para mim, que me preparo tão negligentemente para a santa comunhão! (Leão Dehon, OSP 3, p. 265s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Serei o seu Deus e eles serão o meu povo» (Jr 31, 33).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Teresa Benedita de Cruz, Virgem e mártir, Padroeira da Europa

    S. Teresa Benedita de Cruz, Virgem e mártir, Padroeira da Europa


    9 de Agosto, 2024

    Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) é, com Santa Brígida e Santa Catarina de Sena, Padroeira da Europa. Filha de judeus, nasceu em Breslau (Alemanha), a 12 de Outubro de 1891. Procurando ansiosamente a verdade, dedicou-se ao estudo da Filosofia até que encontrou a fé católica e se converteu. Muito a ajudou a leitura da autobiografia de Santa Teresa de Jesus: "Esta é a verdade!", exclamou. Fez-se batizar em Janeiro de 1922. Prosseguiu o estudo e o ensino da Filosofia, procurando encontrar o modo de unir ciência e fé. Em 1933, entrou para o convento das Carmelitas de Colónia, passando a chamar-se Teresa Benedita da Cruz e servindo os seus irmãos judeus e alemães. Em 1938 foi transferida para a Holanda, por causa da perseguição nazi. Acabou por ser presa, a 2 de Agosto de 1942, pela Gestapo, em represália a um comunicado dos Bispos dos Países Baixos contra as deportações dos judeus. Foi morta nas câmaras de gás, em Auschwitz-Birkenau (Polónia), a 9 de Agosto do mesmo ano. Assim, recebeu a coroa do martírio. Foi canonizada pelo Papa João Paulo II, em 1998.

    Lectio

    Primeira leitura: Oseias 2, 16b.17b.21-22

    Eis o que diz o Senhor: Hei-de conduzir Israel ao deserto e falar-lhe ao coração. 17Aí, corresponderá como no tempo da sua juventude, como nos dias em que subiu da terra do Egipto.21"Então, - diz o Senhor - te desposarei para sempre; desposar-te-ei conforme a justiça e o direito, com amor e misericórdia. 22Desposar-te-ei com fidelidade, e tu conhecerás o Senhor".

    Oseias, em nome de Deus, proferiu as mais fortes diatribes contra o seu povo, que já não é sua mulher, nem Ele seu marido, anunciando-lhe os mais terríveis castigos. Mas, continuando a falar em nome de Deus, o profeta deixa vir ao de cima a sua ternura e o seu amor para afirmar que o Senhor não pode deixar de amar a esposa, novamente prostituída. Tal como o segundo casamento do profeta fora sua iniciativa, assim Deus livremente se dispõe a um novo casamento com o seu povo prostituído, a uma nova aliança. Uma nova experiência de deserto afastará o povo dos deuses cananeus, permitindo um novo encontro a sós com Deus, que pagará o respetivo dote. Israel poderá fiar-se de Deus e confiar nele. Mais ainda: poderá conhecê-lo, fazer experiência dele. É sobretudo esta graça de intimidade com Deus, que cumula de bens os que a aceitam, que a nossa leitura quer sublinhar na festa de S. Teresa Benedita da Cruz.

    Evangelho: Mateus 25, 1-13

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 1«O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: 'Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!' 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.' 9Mas as prudentes responderam: 'Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.' 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta. 11Mais tarde, chegaram as outras virgens e disseram: 'Senhor, senhor, abre-nos a porta!' 12Mas ele respondeu: 'Em verdade vos digo: Não vos conheço.' 13Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.

    Santa Teresa Benedita da Cruz foi uma das virgens que souberam esperar vigilantes a vinda do Esposo. Assim mereceu participar na boda onde só entram as jovens prudentes. As insensatas ficaram fora, não porque adormeceram: todas adormecem, todas são frágeis. Não entraram porque não estavam preparadas para a missão, não contaram com o eventual atraso do noivo. Ele não deixará de vir a qualquer momento. A seriedade desse momento exige uma preparação pessoal insubstituível.

    Meditatio

    Pensamos que a melhor proposta de meditação para hoje nos é oferecida pela santa que celebramos. Por isso, transcrevemos um texto recolhido nos seus escritos: "Para os que creem no Crucificado abre-se a porta da vida. Cristo tomou sobre Si o jugo da Lei, cumprindo plenamente a Lei e morrendo pela Lei e através da Lei. Assim libertou da Lei aqueles que querem receber d'Ele a vida. Mas eles sabem que só poderão recebê-la se ofereceram a sua própria vida. Porque os que foram batizados em Cristo foram batizados na sua morte. Submergiram-se na vida de Cristo, para se tornarem membros do seu Corpo, destinados a sofrer e a morrer com Ele, mas também a ressuscitar com Ele para a vida eterna, a vida divina. Para nós, evidentemente, esta vida atingirá a sua plenitude no Dia do Senhor. Contudo, já desde agora - «na carne» - participamos da sua vida quando acreditamos: acreditamos que Cristo morreu por nós para nos dar a sua vida. É esta fé que nos permite ser uma só realidade com Ele, como os membros com a cabeça, e nos abre a torrente da sua vida. Assim, esta fé no Crucificado - a fé viva, que está associada ao vínculo do amor - constitui para nós a entrada na vida e o princípio da futura glorificação. Por isso a cruz é o nosso único título de glória: Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Quem decidiu aderir a Cristo morreu para o mundo e o mundo para ele. Leva no seu corpo os estigmas do Senhor. É débil e desprezado perante os homens; mas por isso mesmo é forte, porque na fraqueza se manifesta o poder de Deus. Tendo consciência disto, o discípulo de Jesus aceita não somente a cruz que lhe é imposta, mas crucifica-se a si mesmo: Os que são de Cristo crucificaram a sua carne com as suas paixões e concupiscências. Suportaram um combate implacável contra a sua natureza, a fim de que morra neles a vida do pecado e dê lugar à vida do espírito. Porque é esta que importa. Contudo a cruz não é um fim em si mesma: ela eleva-nos para as alturas e revela-nos as realidades superiores. Por isso ela não é somente um símbolo; ela é a arma poderosa de Cristo; é o cajado de pastor com que o divino David sai ao encontro do David infernal e com o qual bate fortemente à porta do Céu e a abre. Então brotam as torrentes da luz divina que envolvem todos aqueles que seguem o Crucificado"

    Oratio

    Senhor, Deus dos nossos pais, que conduzistes a mártir Teresa Benedita ao conhecimento do vosso Filho crucificado e à sua imitação até à morte, concedei que, pela sua intercessão, todos os homens conheçam o Salvador, Jesus Cristo, e por Ele cheguem à perpétua visão do vosso rosto. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. Ámen (coleta da Missa).

    Contemplatio

    Também nós devemos levar a nossa cruz. Foi o próprio Senhor que nos deu esse preceito: «Quem não leva a sua cruz, não é digno de mim», diz-nos. Não devemos, acaso, conformar-nos com o nosso chefe? Se Nosso Senhor escolheu a cruz, é porque ela é boa, é porque é necessária. Ela repara e apaga o pecado. Adquire as graças; e em nós, ela comprime as paixões e enfraquece-as. É tão necessária, que Nosso Senhor fez dela a medida da nossa glória. Quando nos vier julgar, o sinal da redenção planará no céu. Os que se tiverem conformado com a cruz serão salvos. Aliás toda a vida está semeada de cruz, aí está a condição da nossa vida mortal desde a queda de Adão. Seria uma loucura não aproveitar destas ocasiões de reparação e de mérito. Como é que devemos levar a cruz? Primeiro com resignação,como Jesus, que dizia sem cessar: «Meu Pai, que a vossa vontade seja feita e não a minha!» - Com confiança na graça de Jesus Cristo que nos ajudará a levar a cruz. - Com alegria, porque a cruz é o caminho do céu. - Com amor sobretudo, porque a cruz nos torna semelhantes a Jesus Cristo, porque a nossa generosidade consola o Coração de Jesus e une-nos ao Salvador na sua obra redentora, porque as nossas cruzes, levadas com coragem são fontes de graças para todas as nossas obras, para todas as almas que nós recomendamos a Nosso Senhor. (Leão Dehon, OSP 3, p. 359s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Toda a minha glória está na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Gl 6, 14ª).
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    S. Teresa Benedita de Cruz, Virgem e mártir,  Padroeira da Europa (09 Agosto)

    XVIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    9 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Naum 2, 1.3; 3, 1-3.6-7.

    1Eis sobre os montes os pés do mensageiro que traz notícias de paz. Celebra as tuas festas, ó Judá, cumpre os teus votos, porque o ímpio não passará mais pela tua terra; está completamente destruído. 3Porque o Senhor restabelece o esplendor de Jacob, assim como o esplendor de Israel; pois os saqueadores despojaram e destruíram os seus sarmentos. 1Ai da cidade sanguinária, cheia de fraude, de violência e de contínuas rapinas! 2Ruído de chicotes, barulho de rodas, cavalos a galope, movimento de carros! 3Ginetes ao assalto, espadas que reluzem, lanças que cintilam, multidão de feridos! Mortos em massa, cadáveres sem fim! Tropeça-se nos seus cadáveres. 6Cobrir-te-ei de imundície e de infâmia, hei-de expor-te como espectáculo. 7Todos os que te virem, fugirão de ti, dizendo: «Nínive está devastada! Quem se compadecerá dela? Onde irei buscar quem te reconforte?»

    O pequeno livro de Naum não apresenta as características da literatura profética, tais como oráculos condenatórios e salvíficos, chamamentos à conversão, ou anúncios de castigo. Trata-se de poemas exultantes de militarismo e vingança, a propósito da queda de Nínive. Terror dos povos vizinhos, incluindo Israel e Judá, o império assírio caía, no Verão de 612, às mãos de babilónios e medos. O povo de Israel e Judá celebrou com alegria a salvação e a paz reencontradas (2, 1). Javé concedera-lhas, humilhando o opressor, que usara a mentira, a rapina, os carros de guerra e o furor homicida dos seus soldados para semear violência e morte. O profeta vê o fim de tanto horror, e pode oferecer ao seu povo uma mensagem de alegria e consolação. Nínive, pelo contrário, não tem quem a console (3, 7).

    Evangelho: Mateus 16, 24-28

    Naquele tempo, então, 24Jesus disse aos discípulos: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. 25Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la. 26Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Ou que poderá dar o homem em troca da sua vida? 27Porque o Filho do Homem há-de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um conforme o seu procedimento. 28Em verdade vos digo: alguns dos que estão aqui presentes não hão-de experimentar a morte, antes de terem visto chegar o Filho do Homem com o seu Reino.»

    Depois da confissão de Pedro, Jesus confirmou a sua identidade de Messias e de Filho de Deus, e indicou o carácter doloroso do seu messianismo (cf. Mt 16, 16-17.21). Agora fala dos que O pretendem seguir. A sorte dos discípulos não será diferente da do Mestre (cf. 10, 24s.). E toda a atitude e toda a opção do discípulo terá sentido na sua relação com o Mestre. A escala de prioridades e valores é definida pela relação com Jesus, cujo percurso histórico marcado pelo sofrimento vivido no amor, será assumido pelo discípulo (v. 24). Este experimentará o paradoxo de «perder para encontrar», de «morrer para viver» (v. 25). As suas obras hão-de manifestar a opção por Jesus como centro da sua existência. Tal opção será recompensada no dia do juízo (v. 27). De facto, o Messias Sofredor é também o Juiz escatológico. O Messias humilhado é também o Rei glorioso.

    Meditatio

    Naum apresenta-nos dois cenários contrastantes: de um lado, o pequeno e oprimido reino de Judá, que, no século VI a. C. se encontrava em situação muito precária; de outro lado, Nínive, a esplendorosa capital do poderoso império assírio. No Magnificat, Maria proclama que Deus, exercendo a força do seu braço, derruba os poderosos dos seus tronos e exalta os humildes. Foi o que aconteceu, segundo Naum, à Assíria e à sua capital, destruídas pelos babilónios e medos, enquanto Judá, pequena nação, escuta uma promessa cheia de alegria: «Eis sobre os montes os pés do mensageiro que traz notícias de paz» (v. 1). E vem o convite à festa, à acção de graças «porque - diz o Senhor- o ímpio não passará mais pela tua terra; está completamente destruído» (v. 1). Pelo contrário, Nínive, «cidade sanguinária, cheia de fraude, de violência e de contínuas rapinas!» (2, 1), será devastada. O profeta descreve poeticamente a desgraça de Nínive: «Ruído de chicotes, barulho de rodas, cavalos a galope, movimento de carros! Ginetes ao assalto, espadas que reluzem, lanças que cintilam...» (vv. 2-3). Segue a ameaça de cobrir Nínive «de imundície e de infâmia, hei-de expô-la como espectáculo (2, 6). E «todos os que te virem, fugirão de ti, dizendo: «Nínive está devastada!» (2, 7). E o profeta conclui: «Quem se compadecerá dela? Onde irei buscar quem te reconforte?» (2, 7). A resposta vem noutro texto: «Todos os que ouvirem notícias tuas baterão as palmas contra ti; pois, sobre quem é que não passou a tua contínua maldade?» (3, 19). A destruição de Nínive é considerada um evento alegre, porque põe fim à opressão, à crueldade.
    Ao longo da história, e mesmo nos nossos dias, assistimos à queda de tantos regimes despóticos e opressores, e à alegria que esses eventos trouxeram a tantos países e povos. Ainda, há poucos anos, assistimos espantados ao desmoronar-se de um desses colossos. Quem poderia imaginar que tal iria acontecer? Mas aconteceu. Outros «impérios» cairão! Deus continua a reger o mundo. O seu ritmo nem sempre corresponde à nossa impaciência, mas está activo. Há que ter confiança: «No mundo, tereis tribulações; mas, tende confiança: Eu já venci o mundo!» (Jo 16, 33).
    Em muitas situações, o discípulo é chamado a carregar a cruz, com o Senhor, até ao Calvário, até à morte. Mas o Senhor garante-nos «quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la» (v. 25). A lógica de Deus não inclui triunfos idênticos aos dos poderosos deste mundo, que até acabam por se revelar transitórios. Mas inclui perder a própria vida, gastá-la ao serviço dos outros, sem recusar os sofrimentos que daí podem vir, e continuando sempre a amar. Que viver assim, torna-se uma testemunha silenciosa, mas eficaz, da verdadeira libertação.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, porque não me obrigas a seguir-Te, mas apenas me fazes o convite. Quero acolhê-lo e, cada dia, carregar a minha cruz, seguir os teus passos. Só o teu caminho leva à vida, porque Tu és o Caminho e a Vida. Sei que caminhar Contigo, e como Tu, implica sofrimento. Amar como Tu, significa dar a vida. Isso assusta-me. Preferia u
    m amor mais fácil. Mas compreendo que o amor que não se dá totalmente, não é mais do que uma cópia camuflada do egoísmo.
    Infunde em mim o teu Espírito Santo, para que eu viva o amor oblativo, o amor que se dá, sem condições, até ao fim. Que eu aprenda, definitivamente, a sabedoria do teu amor crucificado. Amen.

    Contemplatio

    Somos baptizados na cruz. Devemos morrer com Jesus para ressuscitarmos com Ele (Rm 8,17). Membros de Jesus Cristo, devemos ter a mesma sorte que o nosso chefe. Ser-lhe parecidos, essa é a nossa glória. Indicou-nos a via da salvação, é preciso segui-la. «Suplico-vos, dizia S. Paulo, que façais dos vossos corpos uma hóstia viva, santa e agradável a Deus» (Rom 12,1). A cruz, diz a Imitação, é a salvação, é a vida, é a fonte das doçuras celestes.
    Que farei para me unir à divina vítima? Que penitência hei-de impor-me? Que sacrifícios me pede a graça divina? Não tenho cuidados excessivos com o meu corpo? No sono, nas refeições, nos descansos, não tenho nada a cortar? «Aqueles que pertencem a Jesus Cristo, diz S. Paulo, crucificaram os seus corpos com as suas cobiças» (Gl 5,24). Devo propor-me alguma prática de mortificação interior e exterior. Devo também abandonar-me à vontade divina e aceitar as cruzes que a divina Providência me enviar. «Que aquele que quiser seguir-me (e amar-me), disse o bom Mestre, renuncie a si mesmo e tome a sua cruz». (Leão Dehon, OSP 3, p. 230).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la» (Mt 16, 25).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Lourenço, Diácono

    S. Lourenço, Diácono


    10 de Agosto, 2024

    Natural de Huesca, na Península Ibérica, onde nasceu por volta do ano 230, Lourenço foi acolhido em Roma pelo Papa Sixto II, que o fez arquidiácono. Serviu a igreja de Roma durante a perseguição. Quando o Papa foi martirizado, com quatro dos seus diáconos, a 6 de Agosto, recomendou-lhe a distribuição dos bens da igreja aos pobres e profetizou-lhe o martírio, que aconteceu no dia 10 do mesmo mês. O imperador Valeriano fê-lo queimar sobre uma grelha. Os seus restos mortais repousam na basílica que lhe foi dedicada, S. Lourenço Fora dos Muros.

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Coríntios 9, 6-10

    Irmãos: Lembrai-vos: Quem pouco semeia, também pouco colherá; mas quem semeia com generosidade, com generosidade também colherá.7Cada um dê como dispôs em seu coração, sem tristeza nem constrangimento, pois Deus ama quem dá com alegria. 8E Deus tem poder para vos cumular de toda a espécie de graça, para que, tendo sempre e em tudo quanto vos é necessário, ainda vos sobre para as boas obras de todo o género. 9Como está escrito: Distribuiu, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre. 10Aquele que dá a semente ao semeador e o pão em alimento, também vos dará a semente em abundância e multiplicará os frutos da vossa justiça.

    São muitas as formas de pobreza humana: a espiritual, a material, a cultural, a moral. Mas qualquer uma delas pode ser ultrapassada pela caridade. Deus é caridade e é o dador de todos os bens. As criaturas são apenas seus instrumentos. Quanto mais generosos forem com os outros, maiores favores receberão de Deus. Por isso, quem repartir com generosidade recolherá com generosidade.

    Evangelho: João 12, 24-26

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto. 25Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna. 26Se alguém me serve, que me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há-de honrá-lo.

    Quem vive em união com Cristo, entra no dinamismo do seu amor, e torna-se uma só coisa com o Pai. Servir o Filho é reinar com Ele no coração do Pai. Servir o Filho é associar-se a Ele na obra da redenção. O amor pelo Pai e pelo homem levaram Jesus a entregar-se até à morte, até ao dom da própria vida, para que todos tivéssemos vida. O grão de trigo, quando morre na terra, gera vida e torna-se fecundo. O discípulo de Jesus é chamado a viver o mesmo mistério de morte para gerar a vida e ser fecundo em favor dos seus irmãos.

    Meditatio

    S. Lourenço, arquidiácono da igreja de Roma, no tempo do Papa Sisto II (séc. III), era a segunda figura da hierarquia eclesiástica, logo após o Papa, e era natural que lhe viesse a suceder. Sendo os diáconos os conselheiros e colaboradores do Papa, num serviço idêntico ao que hoje prestam os cardeais da cúria romana, o arquidiácono administrava os bens da Igreja: dirigia a construção dos cemitérios, recebia as esmolas e conservava os arquivos. Em grande parte, dependiam dele o clero romano, os confessores da fé, as viúvas, os órfãos e os pobres. Quando o imperador o mandou entregar os bens da Igreja, Lourenço apresentou-se diante do juiz com os pobres de Roma, e declarou: "Aqui estão os tesouros da Igreja!". O juiz mandou-o imediatamente torturar e executar. A sua Passio (paixão) narra que, intimado a sacrificar aos deuses, respondeu: "Ofereço-me a Deus em sacrifício de suave odor, porque um espírito contrito é um sacrifício para Deus". O Papa S. Dâmaso (+ 384) escreveu na inscrição que mandou colocar na basílica que lhe é dedicada: "Só a fé de Lourenço conseguiu vencer os flagelos do algoz, as chamas, os tormentos, as cadeias. Dâmaso suplicante enche de dons estes altares, admirando os méritos do glorioso mártir".
    Ao fazer memória dos mártires do século XX, João Paulo II, ao comentar Jo 12, 25, dizia no Coliseu, a 7 de Maio do ano 2000: "Trata-se de uma verdade que o mundo contemporâneo muitas vezes recusa e despreza, fazendo do amor por si mesmos o critério supremo da existência. Mas as testemunhas da fé não consideravam a sua vantagem, o seu bem-estar, a sua sobrevivência como valores maiores que a fidelidade ao Evangelho. Apesar da sua fraqueza, opuseram corajosa resistência ao mal. Na sua debilidade refulgiu a força da fé e da graça do Senhor". É o tesouro da Igreja na caridade suprema.
    "Se nem todos são chamados ao estado de vítima mística - afirmava o P. Dehon -, todos podem e devem ser vítimas práticas, por meio da docilidade em seguir a graça, por meio da fidelidade no cumprimento do próprio dever, por meio da generosidade em aceitar o sacrifício" (DSP, parte III, c. V, § 3, p. 116).

    Oratio

    O Soberano e Senhor deu-te, ó mártir, como ajuda, o carvão em brasa: queimado por ele, tu rapidamente depuseste a tenda de barro e herdaste a vida e o reino imortais. Por isso, jubilosamente festejamos a tua memória, ó beatíssimo Lourenço coroado.
    Resplandecendo pelo Espírito divino, como carvão em brasa, queimaste a sarça do engano, Lourenço vitorioso, arquidiácono de Cristo: por isso, foste oferecido em holocausto como incenso racional Àquele que te exaltou, atingindo a perfeição pelo fogo. Protege, pois, de toda a ameaça quantos te honram, ó homem de mente divina. (De um antigo texto da Igreja bizantina).

    Contemplatio

    O imperador furioso mandou despojar o santo dos seus vestidos e ordenou que lhe dilacerassem o corpo com açoites e unhas de ferro. O mártir rezava, com o sorriso nos lábios... À noite, o imperador mandou estendê-lo sobre uma grelha de ferro sob a qual acenderam um fogo de carvões para o queimarem lentamente... O mártir virando-se para o tirano disse-lhe: «Estes fogos não são para mim senão refrigerantes, mas não será o mesmo daqueles que te atormentarão no inferno». Ao carrasco, dizia heroicamente: «Não vês que a minha carne está bastante grelhada deste lado, volta-me do outro». O santo, tendo rezado pela conversão de Roma e agradecido a Deus pela graça do martírio, expirou serenamente... O segredo desta coragem é o amor pelo Salvador. S. Lourenço desejava dar a Jesus amor por amor e sacrifício por sacrifício. Era feliz por se imolar pela conversão dos pagãos. Tinha pressa em ir para o céu encontrar o Salvador bem-amado. Deus não nos pedirá um semelhante martírio, mas o Sagrado Coração de Jesus espera de nós uma grande generosidade nos sacrifícios quotidianos. (Leão Dehon, OSP 4, p. 145s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Onde Eu estiver, aí estará também o meu servo" (Jo 12, 26)

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    S. Lourenço, Diácono (10 Agosto)

    XVIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    10 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Habacuc 1, 12-2, 4

    12Não és Tu, Senhor, desde o princípio, o meu Deus e o meu santo? Nós não morreremos. Tu estabeleceste, Senhor, os caldeus para exercerem a justiça, como uma rocha, Tu os constituíste para castigar. 13Os teus olhos são demasiado puros para ver o mal, não podes contemplar a opressão. Porque contemplas, em silêncio, os traidores, quando devoram os que são mais justos do que eles? 14Tratas os homens como peixes do mar, como répteis que não têm dono. 15Eles pescam-nos a todos no anzol, arrastam-nos com a sua rede, recolhem-nos em seu cesto e depois alegram-se e exultam. 16Por isso, oferecem sacrifícios às suas artes de pesca, e incenso à sua rede, porque, graças a elas, recolhem gordas porções e suculentos manjares. 17Continuarão eles a esvaziar a sua rede, massacrando povos sem piedade? 1Vou ficar de pé no meu posto de guarda, vou colocar-me sobre a muralha, vou ficar à espreita para ver o que Ele me diz, que resposta dá à minha queixa. 2Então o Senhor respondeu-me: «Escreve a visão, grava-a em tabuínhas, para que possa ser lida facilmente. 3Porque é uma visão para um tempo fixado: ela aspira pelo seu termo e não falhará. Se tardar, espera por ela igualmente; que ela cumprir-se-á, com toda a certeza não falhará. 4Eis que sucumbe o que não tem a alma recta,mas o justo viverá pela sua fidelidade.»

    Para além do nome que aparece no início do escrito, nada sabemos deste profeta. Pensa-se que terá sido um profeta cultual, contemporâneo de Naum, e com uma missão e uma teologia semelhantes. Mas, enquanto Naum canta euforicamente a queda de Nínive, Habacuc mostra-se frio e céptico no diálogo com Deus no templo, chegando à ousadia de Lhe pedir contas, de lhe perguntar a razão de castigar o malvado por meio de outro pior do que ele. O malvado, neste caso, seria o império assírio. O pior seria o império neo-babilónico. Mas há quem prefira ver Judá como o malvado, e qualquer dos seus opressores como pior. No fundo, é a questão do mal numa das suas principais implicações: «Porque contemplas, em silêncio, os traidores, quando devoram os que são mais justos do que eles?» (v. 13). Deus parece conivente com os malvados (1, 14). Parece partilhar o sadismo do pescador que se alegra com os peixes apanhados e mortos (1, 15-17). No espírito do profeta avança uma inquietante hipótese: a insinuação da serpente acerca do ciúme de Deus em relação ao homem (cf. Gn 3, 4), terá algum fundamento? À falta de respostas verificáveis sobre as intenções de Deus, Habacuc reanima a sua fé (2, 1). Não se assusta com o silêncio "obstinado" de Deus perante as suas interrogações. Sabe que pode apoiar a sua existência nas promessas divinas, eternamente válidas (2, 3). O profeta acaba por compreender que a fé é a raiz profunda que garante a vida e a estabilidade. Quem presumir erguer-se como centro e fim da sua existência, ficará prisioneiro do seu orgulho, ficará instável (2, 4). Esta verdade há-de ser conhecida por todos (2, 2).

    Evangelho: Mateus 17, 14-20

    Naquele tempo, 14 aproximou-se de Jesus um homem, ajoelhou-se a seus pés e 15disse-lhe: «Senhor, tem piedade do meu filho. Ele tem ataques e está muito mal. Cai frequentemente no fogo e muitas vezes na água. 16Apresentei-o aos teus discípulos, mas eles não puderam curá-lo.» 17Disse Jesus: «Geração descrente e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando vos hei-de suportar? Trazei-mo cá.» 18Jesus falou severamente ao demónio, e este saiu do jovem que, a partir desse momento, ficou curado. 19Então, os discípulos aproximaram- se de Jesus e perguntaram-lhe em particular: «Porque é que nós não fomos capazes de expulsá-lo?» 20Disse-lhes Ele: «Pela vossa pouca fé. Em verdade vos digo: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: 'Muda-te daqui para acolá', e ele há-de mudar-se; e nada vos será impossível.

    Mateus está agora preocupado em transmitir os ensinamentos de Jesus aos seus discípulos. Mas não deixa de contar mais um milagre, inserindo aqui a narrativa da cura de um epiléptico. É mais um sinal do poder de Jesus. Mas as dificuldades, que, por vezes, encontravam os exorcistas da Igreja nascente, também podem explicar esta inclusão.
    O pedido do pai, para obter a cura do filho epiléptico, dá ocasião a Jesus para mais uns ensinamentos sobre a necessidade de acreditar n´Ele. Os discípulos não conseguem realizar o milagre porque o poder taumatúrgico não é deles. Pertence unicamente ao Mestre, que o concede àqueles que participam na sua missão (cf. 10, 1). Estes, que são os discípulos, devem aderir a Ele pela fé (cf. v. 20).
    «Geração descrente e perversa!» Esta expressão de Jesus manifesta a resistência que os seus contemporâneos, duros de coração, Lhe opõem. Em união com Ele, os discípulos podem fazer maravilhas e comunicar a salvação oferecida por Deus. Mas, a falta de fé, que os separa da união com Jesus, torna-lhes impossível essa missão.

    Meditatio

    Habacuc vive numa época de angústia para os Israelitas que, libertados da Assíria, eram agora dominados pelos caldeus. O profeta olha para Deus, e olha para o seu povo. Começa por ver e proclamar a santidade de Deus: «Não és Tu, Senhor, desde o princípio, o meu Deus e o meu santo?» (v. 12). O domínio caldeu é, portanto, um meio que Deus usa para castigar os pecadores, e fazer justiça: «Tu estabeleceste, Senhor, os caldeus para exercerem a justiça» (v. 12). Mas os caldeus cometem excessos, opõem uma opressão intolerável. Então, o profeta ergue novamente o olhar para Deus: «Os teus olhos são demasiado puros para ver o mal, não podes contemplar a opressão. Porque contemplas, em silêncio, os traidores, quando devoram os que são mais justos do que eles?» (v. 13). Quantas vezes fazemos perguntas semelhantes a esta. Impressionam-nos vivamente a injustiça e a violência que alastram pelo mundo. Habacuc compara os caldeus a pescadores sádicos: «Tratas os homens como peixes do mar, como répteis que não têm dono. Eles (os caldeus) pescam-nos a todos no anzol, arrastam-nos com a sua rede, recolhem-nos em seu cesto e depois alegram-se e exultam» (vv. 14-15). E Deus parece conivente com o sadismo dos idólatras que: «oferecem sacrifícios às suas artes de pesca, e incenso à sua rede» (v. 16). E o profeta pergunta a Deus: «Continuarão eles a esvaziar a sua rede, massacrando povos sem piedade» (v. 17).
    As situações de extrema necessidade requerem um esforço de reflexão e de oração. É o que faz Habacuc: «Vou ficar de pé no meu posto de guarda, vou colocar-me sobre a muralha, vou ficar à espreita pa
    ra ver o que Ele me diz, que resposta dá à minha queixa» (Hab 2, 1). Deus responde com solenidade, exigindo que a sua promessa seja posta por escrito, o que quer dizer que não se trata de algo de imediato, mas que terá um valor duradoiro: «Escreve a visão, grava-a em tabuínhas, para que possa ser lida facilmente. Porque é uma visão para um tempo fixado: ela aspira pelo seu termo e não falhará» (Hab 2, 2-3). É preciso ter paciência e esperança. Deus faz o que promete: «Se tardar, espera por ela igualmente; que ela cumprir-se-á, com toda a certeza não falhará» (Hab 2, 3). E, qual é a mensagem? Esta: «Eis que sucumbe o que não tem a alma recta, mas o justo viverá pela sua fidelidade» (v. 4). Nas situações difíceis da vida, há que insistir na relação com o Senhor, em apegar-se à sua mão salvadora, para resistir às tempestades e não se afogar. A fé é adesão firme e segura ao Senhor. Só ela nos faz vencedores: «Se tiverdes fé como um grão de mostarda, - diz o Senhor - direis a este monte: 'Muda-te daqui para acolá', e ele há-de mudar-se; e nada vos será impossível» (v. 20). Uma fé viva transforma ocasiões difíceis em graças preciosas. Em lugares e situações difíceis, muitos, pela fé viva, se tornaram santos, enquanto outros, com uma fé frouxa, permaneceram na mediocridade!

    Oratio

    Senhor, onde está a tua providência, o teu amor? Se Te questiono, por me pareceres andar a monte, é porque experimentei que, viver sem Ti, é condenar-se ao vazio. Onde estás, Senhor, para não veres a onda de crimes e de morte, que parece cobrir toda a terra? Onde estás? Onde estás?
    Mas, eis que me parece escutar a tua voz, que me interroga: afinal, que Deus procuras? Aquele que te resolve os problemas? Aquele que te oferece soluções pré-fabricadas? Eu sou Deus-amor. Quem ama, não cria marionetas ou eternas crianças, mas homens livres. O sofrimento é o preço da liberdade! Se o jogo das liberdades pode transformar a vida humana num cadinho, tu és para Mim o metal precioso que, purificado, se torna reluzente. Podes crer no meu amor, pelo qual eu atravessei, até ao fim, o cadinho da vida humana. Podes crer no meu amor, pelo qual te uni a Mim no "impossível" da ressurreição!
    Obrigado, Senhor! Obrigado! Amen.

    Contemplatio

    Madalena dá-nos um grande exemplo de fidelidade e de perseverança no amor de Nosso Senhor. Ela não tem repouso, não pode viver longe do seu Bem-Amado. Faz-lhe falta o seu Deus, procurá-lo-á. O seu tesouro está no sepulcro, lá também está o seu coração. As provações não extinguiram as chamas do seu amor: Águas caudalosas não puderam apagar o amor (Ct 8).
    O seu amor foi purificado no cadinho dos sofrimentos. É preciso que a sua fidelidade reduplique: o seu Bem-Amado foi tão cruelmente traído, abandonado! É preciso que a sua dedicação seja verdadeiramente reparadora.
    Logo que a lei de Deus o permite, sai com as outras duas Maria para comprar perfumes (Mc 16, 1). Por modéstia, não sai sozinha, consulta Pedro, João e Maria, como lhes irá prestar contas quando tiver encontrado o túmulo vazio. A obediência à Igreja e a união a Maria são as marcas do verdadeiro espírito de Deus. Depois da compra dos perfumes, Madalena faz uma visita ao sepulcro com uma só companhia: Terminado o sábado, ao romper do primeiro dia da semana, Maria de Magdala e a outra Maria foram visitar o sepulcro (Mt 28, 1). Toma o caminho do Calvário, ainda é escuro, revê em espírito todas as cenas da sexta-feira. Tem medo de pisar o precioso sangue. A cruz está ainda lá, é terrível no meio das sombras da noite. O sepulcro está solitário, os guardas dormitam. Madalena senta-se e chora. A hora da consolação não chegou. Nosso Senhor deixa-a nas suas angústias e, todavia, fortifica a sua coragem. Volta para a casa de dor, não encontrou o seu Bem-Amado: Toda a noite, procurei aquele que o meu coração ama; procurei-o e não o encontrei (Ct 3, 1). Quando tivermos perdido a presença de Nosso Senhor, procuremo-lo assiduamente como Madalena. (Leão Dehon, OSP 3, p. 688s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se o Senhor tardar, espera» (cf. Habac 3, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 19º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    19º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    11 de Agosto, 2024

    ANO B
    19º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 19º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 19º Domingo do Tempo Comum dá-nos conta, uma vez mais, da preocupação de Deus em oferecer aos homens o "pão" da vida plena e definitiva. Por outro lado, convida os homens a prescindirem do orgulho e da auto-suficiência e a acolherem, com reconhecimento e gratidão, os dons de Deus.
    A primeira leitura mostra como Deus Se preocupa em oferecer aos seus filhos o alimento que dá vida. No "pão cozido sobre pedras quentes" e na "bilha de água" com que Deus retempera as forças do profeta Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo.
    O Evangelho apresenta Jesus como o "pão" vivo que desceu do céu para dar a vida ao mundo. Para que esse "pão" sacie definitivamente a fome de vida que reside no coração de cada homem ou mulher, é preciso "acreditar", isto é, aderir a Jesus, acolher as suas propostas, aceitar o seu projecto, segui-l'O no "sim" a Deus e no amor aos irmãos.
    A segunda leitura mostra-nos as consequências da adesão a Jesus, o "pão" da vida... Quando alguém acolhe Jesus como o "pão" que desceu do céu, torna-se um Homem Novo, que renuncia à vida velha do egoísmo e do pecado e que passa a viver no caridade, a exemplo de Cristo.

    LEITURA I - 1 Re 19,4-8

    Leitura do Primeiro Livro dos Reis

    Naqueles dias,
    Elias entrou no deserto e andou o dia inteiro.
    Depois sentou-se debaixo de um junípero
    e, desejando a morte, exclamou:
    «Já basta, Senhor. Tirai-me a vida,
    porque não sou melhor que meus pais».
    Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero.
    Nisto, um Anjo do Senhor tocou-lhe e disse:
    «Levanta-te e come».
    Ele olhou e viu à sua cabeceira
    um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água.
    Comeu e bebeu e tornou a deitar-se.
    O Anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-lhe e disse:
    «Levanta-te e come,
    porque ainda tens um longo caminho a percorrer».
    Ele levantou-se, comeu e bebeu.
    Depois, fortalecido com aquele alimento,
    caminhou durante quarenta dias e quarenta noites
    até ao monte de Deus, Horeb.

    AMBIENTE

    Elias actua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX a.C., num tempo em que a fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros (especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de Israel. Provavelmente, estamos diante de uma tentativa de abrir Israel a outras culturas, a fim de facilitar o intercâmbio cultural e comercial... Mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. O ministério profético de Elias desenvolve-se sobretudo durante o reinado de Acab (873-853 a.C.), embora a sua voz também se tenha feito ouvir no reinado de Ocozias (853-852 a.C.).
    Elias é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh. Ele aparece como o representante dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma apresentação teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre os fiéis a Jahwéh e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.
    Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot): ele representa os pobres de Israel, na sua luta sem tréguas contra uma aristocracia e uns comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.
    Após o massacre dos 400 profetas de Baal no monte Carmelo, Acab e a sua esposa fenícia juraram matar Elias; e o profeta fugiu para o sul, a fim de salvar a vida. Chegado à zona de Beer-Sheba, Elias internou-se no deserto. É precisamente nesse contexto que o episódio do Livro dos Reis que hoje nos é proposto nos situa.

    MENSAGEM

    A cena apresenta-nos um Elias abatido, deprimido e solitário face à incompreensão e à perseguição de que é alvo. O profeta sente que falhou, que a sua missão está condenada ao fracasso e que a sua luta o conduziu a um beco sem saída; sente medo e está prestes a desistir de tudo... O pedido que o profeta faz a Deus no sentido de lhe dar a morte (vers. 4) reflecte o seu profundo desânimo, desilusão, angústia e desespero. É uma cena tocante, que nos recorda que o profeta é um homem e que está, por isso, condenado a fazer a experiência da sua fragilidade e da sua finitude.
    No entanto, Deus não está longe e não abandona o seu profeta. O nosso texto refere, neste contexto, a solicitude e o amor de Deus, que oferece a Elias "pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água" (vers. 6). É a confirmação de que o profeta não está perdido nem abandonado por Deus, mesmo quando é incompreendido e perseguido pelos homens. A cena garante-nos a presença contínua de Deus e o seu cuidado com aqueles que chama e a quem dá o alimento e o alento para serem fiéis à missão, mesmo em contextos adversos. Repare-se como Deus não anula a missão do profeta, nem elimina os perseguidores; mas limita-Se a dar ao profeta a força para continuar a sua peregrinação.
    Alimentado pela força de Deus, o profeta caminha durante "quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, o Horeb" (vers. 8). A referência aos "quarenta dias e quarenta noites" alude certamente à estadia de Moisés na montanha sagrada (cf. Ex 24,18), onde se encontrou com Deus e onde recebeu de Jahwéh as tábuas da Lei; também pode aludir à caminhada do Povo durante quarenta anos pelo deserto, até alcançar a Terra Prometida. Em qualquer caso, esta peregrinação ao Horeb - o monte da Aliança - é um regresso às fontes, uma peregrinação às origens de Israel como Povo de Deus... Perseguido, incompreendido, desesperado, Elias necessita revitalizar a sua fé e reencontrar o sentido da sua missão como profeta de Jahwéh e como defensor dessa Aliança que Deus ofereceu ao seu Povo no Horeb/Sinai.

    ACTUALIZAÇÃO

    • No quadro que o texto nos apresenta, Elias aparece como um homem vencido pelo medo e pela angústia, marcado pela decepção e pelo desânimo, que experimentou dramaticamente a sua impotência no sentido de mudar o coração do seu Povo e que, por isso, desistiu de lutar; a sua desilusão é de tal forma grande, que ele prefere morrer a ter de continuar. "Este" Elias testemunha essa condição de fragilidade e de debilidade que está sempre presente na experiência profética. É um quadro que todos nós conhecemos bem... A nossa experiência profética está, muitas vezes, marcada pelas incompreensões, pelas calúnias, pelas perseguições; outras vezes, é o sentimento da nossa impotência no sentido de mudar o mundo que nos angustia e desanima; outras vezes ainda, é a constatação da nossa fragilidade, dos nossos limites, da nossa finitude que nos assusta... Como responder a um quadro deste tipo e como encarar esta experiência de fragilidade e de debilidade? A solução será baixar os braços e abandonar a luta? Quem pode ajudar-nos a enfrentar o drama da desilusão e da decepção?

    • O nosso texto garante-nos que Deus não abandona aqueles a quem chama a dar testemunho profético. No "pão cozido sobre pedras quentes" e na "bilha de água" com que Deus retempera as forças de Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo. Quando tudo parece cair à nossa volta e quando a nossa missão parece condenada ao fracasso, é em Deus que temos de confiar e é n'Ele que temos de colocar a nossa segurança e a nossa esperança.

    • Como nota marginal, atentemos na forma de actuar de Deus: Ele não resolve magicamente os problemas do profeta, nem Se substitui ao profeta... O profeta deve continuar a sua missão, enfrentando os mesmos problemas de sempre; mas Deus "apenas" alimenta o profeta, dando-lhe a coragem para continuar a sua missão. Por vezes, pedimos a Deus que nos resolva milagrosamente os problemas, com um golpe mágico, enquanto nós ficamos, de braços cruzados, a olhar para o céu... O nosso Deus não Se substitui ao homem, não ocupa o nosso lugar, não estimula com a sua acção a nossa preguiça e a nossa instalação; mas está ao nosso lado sempre que precisamos d'Ele, dando-nos a força para vencer as dificuldades e indicando-nos o caminho a seguir.

    • A "peregrinação" de Elias ao Horeb/Sinai, para se reencontrar com as origens da fé israelita e para recarregar as baterias espirituais, sugere-nos a necessidade de, por vezes, encontrarmos momentos de "paragem", de reflexão, de "retiro", de reencontro com Deus, de redescoberta dos fundamentos da nossa missão... Essa "paragem" não será nunca um tempo perdido; mas será uma forma de recentrarmos a nossa vida em Deus e de redescobrirmos os desafios que Deus nos faz, no âmbito da missão que nos confiou.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 33 (34)

    Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

    A toda a hora bendirei o Senhor,
    o seu louvor estará sempre na minha boca.
    A minha alma gloria-se no Senhor:
    escutem e alegrem-se os humildes.

    Enaltecei comigo o Senhor
    e exaltemos juntos o seu nome.
    Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
    libertou-me de toda a ansiedade.

    Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
    o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
    Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
    salvou-o de todas as angústias.

    O Anjo do Senhor protege os que O temem
    e defende-os dos perigos.
    Saboreai e vede como o Senhor é bom:
    feliz o homem que n'Ele se refugia.

    LEITURA II - Ef 4,30-5,2

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Não contristeis o Espírito Santo de Deus,
    que vos assinalou para o dia da redenção.
    Seja eliminado do meio de vós
    tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência
    e toda a espécie de maldade.
    Sede bondosos e compassivos uns para com os outros
    e perdoai-vos mutuamente,
    como Deus também vos perdoou em Cristo.
    Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados.
    Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo,
    que nos amou e Se entregou por nós,
    oferecendo-Se como vítima agradável a Deus.

    AMBIENTE

    A nossa segunda leitura apresenta-nos, mais uma vez, um texto dessa "carta circular" que Paulo escreveu a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor (inclusive aos cristãos de Éfeso), enquanto estava na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?). Esta carta (escrita na fase final da vida de Paulo) é uma carta onde o apóstolo expõe aos cristãos, de forma serena e reflectida, as principais exigências da vida nova que resulta do Baptismo.
    Na secção que vai de 4,1 a 6,20, temos uma "exortação aos baptizados": é um texto parenético, que tem por objectivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Baptismo e com o seu compromisso com Cristo. A perícopa de 4,14-15,14 (que inclui o nosso texto) deve ser entendida como um convite a viver de acordo com a condição de Homem Novo, que o cristão adquiriu no dia do seu Baptismo.

    MENSAGEM

    Pelo Baptismo, cada cristão tornou-se morada do Espírito; e ao acolher o Espírito, recebeu um sinal ou selo que prova a sua pertença a Deus. Tem, portanto, de viver em consequência e de expressar, nas suas acções concretas, a vida nova do Espírito. A exortação a "não contristar" o Espírito (4,30) deve entender-se como "não decepcioneis o Espírito que habita em vós, continuando a viver de acordo com o homem velho".
    Em concreto, o que é que implica ser "morada do Espírito"?
    Significa, por um lado, que os vícios do "homem velho" (o azedume, a irritação, a cólera, o insulto, a maledicência e toda a espécie de maldade - 4,31) devem ser eliminados da vida do cristão. Repare-se como todos estes "vícios" dizem respeito ao mundo da relação com os irmãos: o cristão deve evitar qualquer acção que se oponha ao amor.
    Significa, por outro lado, pautar toda a vida por atitudes de bondade, de compaixão, de perdão, de amor, tendo Cristo como o modelo de vida (4,32).
    O que fundamenta todas estas exortações é o facto de os crentes serem "filhos bem amados de Deus"; por isso, devem imitar a perfeição, a bondade e o amor de Deus. Como exemplo concreto, os crentes têm diante dos olhos Cristo, o Filho bem amado de Deus que, cumprindo os projectos do Pai, ofereceu a sua vida por amor aos homens (5,1-2).

    ACTUALIZAÇÃO

    • Pelo Baptismo, os cristãos tornam-se filhos amados de Deus e passam a integrar a comunidade de Deus. O Baptismo não é, portanto, uma tradição familiar, um rito cultural, ou uma obrigação social; mas é um momento sério de opção por Deus e de compromisso com os valores de Deus. Tenho consciência de que me comprometi com a família de Deus e que devo viver como filho de Deus? Tenho consciência de que assumi o compromisso de testemunhar no mundo, com os meus gestos e atitudes, os valores de Deus? Tenho consciência de que devo, portanto, procurar ser perfeito "como o Pai do céu é perfeito" (cf. Mt 5,48)?

    • Para os baptizados, o modelo do "Filho amado de Deus" que cumpre absolutamente os planos do Pai, é Jesus... A vida de Jesus concretizou-se na contínua escuta dos projectos do Pai e no amor total aos homens. Esse amor (que teve a sua expressão máxima na cruz) expressou-se sempre em gestos de entrega aos homens, de serviço humilde aos irmãos, de dom de Si próprio, de acolhimento de todos os marginalizados, de bondade sem fronteiras, de perdão sem limites... Dessa forma, Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o modelo que Deus propõe a todos os outros seus filhos. Como é que me situo face a esse "modelo" que é Jesus? Como Ele, vivo numa atenção constante às propostas de Deus e disposto a responder positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou disposto a despir-me do egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida um dom total aos irmãos?

    • Seguir Cristo e ser um Homem Novo implica, na perspectiva de Paulo, assumir uma nova atitude nas relações com os irmãos. O apóstolo chega a especificar que o azedume, a irritação, os rancores, os insultos, as violências, a má-língua, a inveja, os orgulhos mesquinhos devem ser totalmente banidos da vida dos cristãos. Esses "vícios" são manifestações do "homem velho" que não cabem na existência de um "filho de Deus", cuja vida foi marcada com o selo do Espírito. É necessário que estejamos cientes desta realidade: quando na nossa vida pessoal ou comunitária nos deixamos levar pelo rancor, pelo ciúme, pelo ódio, pela violência, pela mesquinhez e magoamos os irmãos que nos rodeiam, estamos a ser incoerentes com o compromisso que assumimos no dia do nosso Baptismo e a cortar a nossa relação com a família de Deus.

    ALELUIA - Jo 6,51

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o pão vivo que desceu do Céu, diz o Senhor;
    quem comer deste pão viverá eternamente.

    EVANGELHO - Jo 6,41-51

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito:
    «Eu sou o pão que desceu do Céu».
    E diziam: «Não é ele Jesus, o filho de José?
    Não conhecemos o seu pai e a sua mãe?
    Como é que Ele diz agora: 'Eu desci do Céu'?»
    Jesus respondeu-lhes:
    «Não murmureis entre vós.
    Ninguém pode vir a Mim,
    se o Pai, que Me enviou, não o trouxer;
    e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia.
    Está escrito no livro dos Profetas:
    'Serão todos instruídos por Deus'.
    Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino
    vem a Mim.
    Não porque alguém tenha visto o Pai;
    só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.
    Em verdade, em verdade vos digo:
    Quem acredita tem a vida eterna.
    Eu sou o pão da vida.
    No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram.
    Mas este pão é o que desce do Céu
    para que não morra quem dele comer.
    Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.
    E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne,
    que Eu darei pela vida do mundo».

    AMBIENTE

    No seu "Livro dos Sinais" (cf. Jo 4,1-11,56), João apresenta-nos um conjunto de cinco catequeses sobre Jesus; e, em cada uma delas, usando diferentes símbolos, Jesus é apresentado como o Messias que veio ao mundo para cumprir o plano do Pai e fazer aparecer um Homem Novo. Todas essas catequeses ("Jesus, a água que dá a vida" - cf. Jo 4,1-5,47; "Jesus, o verdadeiro pão que sacia todas as fomes" - cf. Jo 6,1-7,53; "Jesus, a luz que liberta o homem das trevas" - cf. Jo 8,12-9,41; "Jesus, o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas" - cf. Jo 10,1-42; "Jesus, vida e ressurreição para o mundo" - cf. Jo 11,1-56) terminam com uma secção onde se manifesta a oposição dos judeus a essa vida nova que Jesus veio propor aos homens. João vai, dessa forma, preparando os seus leitores para aquilo que vai acontecer em Jerusalém no final da caminhada histórica de Jesus: a morte na cruz.
    O texto que nos é hoje proposto apresenta-nos uma dessas histórias de confronto entre Jesus e os judeus. No final do discurso explicativo da multiplicação dos pães e dos peixes, pronunciado na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,22-40), Jesus propusera-Se como "o Pão da vida" e convidara os seus interlocutores a aderirem à sua proposta para nunca mais terem fome. O nosso texto é a sequência desse episódio. Refere a murmuração dos judeus a propósito das palavras de Jesus e descreve a controvérsia que se seguiu.

    MENSAGEM

    Os interlocutores de Jesus não aceitam a sua pretensão de Se apresentar como "o pão que desceu do céu". Eles conhecem a sua origem humana, sabem que o seu pai é José, conhecem a sua mãe e a sua família; e, na sua perspectiva, isso exclui uma origem divina (vers. 41). Em consequência, eles não podem aceitar que Jesus Se arrogue a pretensão de trazer aos homens a vida de Deus.
    Em lugar de discutir a questão da sua origem divina, Jesus prefere denunciar aquilo que está por detrás da atitude negativa dos judeus face à proposta que lhes é feita: eles não têm o coração aberto aos dons de Deus e recusam-se a aceitar os desafios de Deus... O Pai apresenta-lhes Jesus e pede-lhes que vejam em Jesus o "pão" de Deus para dar vida ao mundo; mas os judeus, instalados nas suas certezas, amarrados às suas seguranças, acomodados a um sistema religioso ritualista, estéril e vazio, já decidiram que não têm fome de vida e que não precisam para nada do "pão" de Deus. Não estão, portanto, dispostos, a acolher Jesus, "o pão que desceu do céu" (vers. 43-46). Eles não escutam Jesus, porque estão instalados num esquema de orgulho e de auto-suficiência e, por isso, não precisam de Deus.
    Para aqueles que, efectivamente, O querem aceitar como "o pão de Deus que desceu do céu", Jesus traz a vida eterna. Ele "é", de facto, o "pão" que permite ao homem saciar a sua fome de vida ("Eu sou o pão da vida" - vers. 48). A expressão "Eu sou" é uma fórmula de revelação (correspondente ao nome de Deus - "Eu sou aquele que sou" - tal como aparece em Ex 3,14) que manifesta a origem divina de Jesus e a validade da proposta de vida que Ele traz. Quem adere a Jesus e à proposta que Ele veio apresentar ("quem acredita" - vers. 47) encontra a vida definitiva. O que é decisivo, neste processo, é o "acreditar" - isto é, o aderir efectivamente a Jesus e aos valores que Ele veio propor.
    Essa vida que Jesus está disposto a oferecer não é uma vida parcial, limitada e finita; mas é uma vida verdadeira e eterna. Para sublinhar esta realidade, Jesus estabelece um paralelo entre o "pão" que Ele veio oferecer e o maná que os israelitas comeram ao longo da sua caminhada pelo deserto... No deserto, os israelitas receberam um pão (o maná) que não lhes garantia a vida eterna e definitiva e que nem sequer lhes assegurava o encontro com a terra prometida e com a liberdade plena (alimentada pelo antigo maná, a geração saída da escravidão do Egipto nunca conseguiu apropriar-se da vida em plenitude e nem sequer chegou a alcançar essa terra da liberdade que buscavam); mas o "pão" que Jesus quer oferecer ao homem levará o homem a alcançar a meta da vida plena (vers. 49-50). "Vida plena" não indica aqui, apenas, um "tempo" sem fim; mas indica, sobretudo, uma vida com uma qualidade única, com uma qualidade ilimitada - uma vida total, a vida do homem plenamente realizado.
    Jesus vai dar a sua "carne" ("o pão que Eu hei-de dar é a minha carne" - vers. 51) para que os homens tenham acesso a essa vida plena, total, definitiva. Jesus estará aqui a referir-se à sua "carne" física? Não. A "carne" de Jesus é a sua pessoa - essa pessoa que os discípulos conhecem e que se lhes manifesta, todos os dias, em gestos concretos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia. Essa "pessoa" revela-lhes o caminho para a vida verdadeira: nas atitudes, nas palavras de Jesus, manifesta-se historicamente ao mundo o Deus que ama os homens e que os convida, através de gestos concretos, a fazer da vida um dom e um serviço de amor.

    ACTUALIZAÇÃO

    • Repetindo o tema central do texto que reflectimos no passado domingo, também o Evangelho que hoje nos é proposto nos convida a acolher Jesus como o "pão" de Deus que desceu do céu para dar a vida aos homens... Para nós, seguidores de Jesus, esta afirmação não é uma afirmação de circunstância, mas um facto que condiciona a nossa existência, as nossas opções, todo o nosso caminho. Jesus, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, com o seu amor, com a sua proposta, veio dizer-nos como chegar à vida verdadeira e definitiva. Que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? É à volta d'Ele que construímos a nossa existência? O projecto que Ele veio propor-nos tem um real impacto na nossa caminhada e nas opções que fazemos em cada instante?

    • "Quem acredita em Mim, tem a vida eterna" - diz-nos Jesus. "Acreditar" não é, neste contexto, aceitar que Ele existiu, conhecer a sua doutrina, ou elaborar altas considerações teológicas a propósito da sua mensagem... "Acreditar" é aderir, de facto, a essa vida que Jesus nos propôs, viver como Ele na escuta constante dos projectos do Pai, segui-l'O no caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos irmãos; é fazer da própria vida - como Ele fez da sua - uma luta coerente contra o egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo o que desfeia a vida dos homens e traz sofrimento ao mundo. Eu posso dizer, com verdade e objectividade, que "acredito" em Jesus?

    • No seu discurso, Jesus faz referência ao maná como um alimento que matou a fome física dos israelitas em marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a vida definitiva, não lhes transformou os corações, não lhes assegurou a liberdade plena e verdadeira (só o "pão" que Jesus oferece sacia verdadeiramente a fome de vida do homem). O maná pode representar aqui todas essas propostas de vida que, tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a revelar-se falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão nem geram vida plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa esperança e a nossa segurança no "pão" que não sacia a nossa fome de vida definitiva; é necessário aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno; é preciso aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas propostas de realização e de felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos manipular, aceitando como "pão" verdadeiro os valores e as propostas que a moda ou a opinião pública dominante continuamente nos oferecem...

    • Porque é que os judeus rejeitam a proposta de Jesus e não estão dispostos a aceitá-l'O como "o pão que desceu do céu"? Porque vivem instalados nas suas grandes certezas teológicas, prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num sistema religioso imutável e estéril e perderam a faculdade de escutar Deus e de se deixar desafiar pela novidade de Deus. Eles construíram um Deus fixo, calcificado, previsível, rígido, conservador, e recusam-se a aceitar que Deus encontre sempre novas formas de vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer vida em abundância. Esta "doença" de que padecem os líderes e "fazedores" de opinião do mundo judaico não é assim tão rara... Todos nós temos alguma tendência para a acomodação, a instalação, o aburguesamento; e quando nos deixamos dominar por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos preconceitos, das ideias política ou religiosamente correctas, de catecismos muito bem elaborados mas parados no tempo, das elaborações teológicas muito coerentes e muito bem arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério de Deus e para os desafios sempre novos que Deus nos faz. É preciso aprendermos a questionar as nossas certezas, as nossas ideias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que nos instalamos comodamente; é preciso termos sempre o coração aberto e disponível para esse Deus sempre novo e sempre dinâmico, que vem ao nosso encontro de mil formas para nos apresentar os seus desafios e para nos oferecer a vida em abundância.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 19º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Antes de nos pormos a caminho para receber o Pão da Vida, Jesus recorda-nos que, antes de mais, somos convidados, que é Deus que dá o primeiro passo: "Felizes os convidados para a ceia do Senhor!" De seguida, pede-nos que façamos um acto de fé: "Dizei uma palavra e serei salvo!" Crer n'Aquele que Deus enviou... Crer, isto é, ter confiança nas suas palavras e nos seus gestos. Aquele que tem confiança sabe que não ficará decepcionado. O que Cristo quer é que vivamos plenamente, enquanto vamos ao seu encontro: a sua palavra é alimento, a sua carne (a sua pessoa) é alimento, com Ele ficamos saciados. Ele vem até nós para que vivamos d'Ele e, por Ele, a nossa vida ganhe sentido, os nossos gestos possam dar a vida, as nossas palavras possam exprimir a ternura, a nossa oração se torne relação filial com o Pai.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Os judeus recriminavam Jesus: "Esse homem não é Jesus, filho de José? Conhecemos bem seu pai e sua mãe. Como pode dizer «Eu desci do céu»?" Os adversários de Jesus discutiam a sua origem e a sua pretensão exorbitante. Devemos reconhecer que a dificuldade dos compatriotas não era pequena. Jesus não tinha nada de extraterrestre. Se estivéssemos lá, talvez tivéssemos a mesma atitude... Ora, para descobrir o mistério profundo de Jesus, é preciso ir para além das aparências. Para conhecer Jesus, é preciso acolher a luz que vem da Palavra de Deus, ter o olhar da fé. A fé é uma "luz obscura", pede um salto numa "confiança nocturna", na noite. Isso verifica-se já nas nossas relações humanas de amor e de amizade. A fé-confiança não é uma evidência "científica" que leva a uma adesão imediata da inteligência. A fé só se pode aceitar e viver numa relação de amor, de amizade. Para além das aparências... Só podemos aceitar a Palavra de Jesus se nos abrirmos a Deus. Jesus pede aos seus discípulos para terem confiança: "Crede em Deus, crede também em Mim". A fé é uma graça, um dom gratuito. Mas é também um combate, segundo São Paulo: "Combati até ao fim o bom combate... guardei a fé". Em definitivo, somos reenviados a uma escolha que, certamente, não suprime as exigências da nossa razão, mas ultrapassa-as, porque aceitamos entrar numa relação de amor e de amizade com Jesus, "o filho de José", que reconhecemos também como "o Filho de Deus".

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Saborear Deus, saborear a bondade da Criação... O verão presta-se muito particularmente, em qualquer lugar onde estivermos, a fazer-nos saborear a bondade do Senhor através da beleza da sua Criação. Paisagens, elementos naturais, animais, astros, etc... E, no cume, as pessoas que encontramos, todas criadas à imagem do Criador!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

  • XIX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    12 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 1, 2-5.24-28

    2No quinto dia do mês - era o quinto ano do cativeiro do rei Joiaquin - 3a palavra de Deus foi dirigida a Ezequiel, filho do sacerdote Buzi, na Caldeia, nas margens do rio Cabar, e a mão do Senhor estava sobre ele. 4Olhando vi que do norte soprava um vento fortíssimo: uma nuvem espessa acompanhada de um clarão e uma massa de fogo resplandecente à volta; no meio dela, via-se algo semelhante ao aspecto de um metal resplandecente. 5E ao centro, distinguia-se a imagem de quatro seres viventes, todos com aspecto humano. 24Eu escutava o ruído das asas como o barulho das grandes torrentes, como a voz do Omnipotente, quando eles avançavam, ou como o ruído do campo de batalha; quando paravam, as asas baixavam. 25E, por cima da abóbada, que ficava sobre as suas cabeças, fazia-se um grande ruído; quando paravam, as asas baixavam. 26Pela parte de cima da abóbada, que ficava sobre as suas cabeças, estava uma coisa semelhante a pedra de safira, em forma de trono, e sobre esta espécie de trono, no alto, pela parte de cima, um ser com aspecto humano. 27E verifiquei que, do que parecia ser da cintura para cima, tinha como que um brilho vermelho, algo como fogo, à sua volta; e da cintura para baixo, vi como que fogo, espalhando um clarão à sua volta. 28O esplendor à sua volta parecia o arco-íris que aparece nas nuvens nos dias de chuva. Era algo que tinha o aspecto da glória do Senhor. Contemplei e prostrei-me com o rosto por terra. E ouvi uma voz que falava.

    Ezequiel aparece entre os primeiros exilados para Babilónia, por Nabucodonosor, no ano 597 a. C. Aí vive e escuta o chamamento para a missão profética. O nosso texto apresenta-nos a teofania em que Deus se revela e manifesta a sua «glória» (v. 28) ao profeta. Com imagens espectaculares, muito fora do nosso modo de pensar e de dizer, Ezequiel refere a sua experiência de Deus, junto do rio Cabar. A «glória» de Deus transfere-se do templo de Jerusalém para junto dos desterrados. Deus não é propriedade de um povo, não está eternamente ligado nem ao templo nem à terra prometida, como provavelmente pensava o povo de Israel. Deus é força, é luz... Os «seres viventes» (vv 5ss.) significam algumas prerrogativas divinas: a inteligência, a força, o poder, a rapidez. A tradição cristã medieval verá essas imagens, retomados no Apocalipse, símbolos dos quatro evangelistas.
    Deus manifesta-se onde está o homem, onde está o povo, mesmo no exílio. Revela-se com «com aspecto humano» (v. 26), como que a dizer que está próximo dos homens, que tem um rosto, um coração... Ezequiel convida a ver a presença e a acção de Deus nas vicissitudes da história dos homens. Onde tudo parece ruína, Ele está presente para salvar, para libertar o homem.
    Ao ver a glória de Deus, Ezequiel cai «com o rosto por terra» (v. 28), manifestando consciência de estar na presença de Deus.

    Evangelho: Mateus 17, 22-27

    Naquele tempo, 22estando os discípulos reunidos na Galileia, Jesus disse-lhes: «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens, 23que o matarão; mas, ao terceiro dia, ressuscitará.» E eles ficaram profundamente consternados. 24Entrando em Cafarnaúm, aproximaram-se de Pedro os cobradores do imposto do templo e disseram-lhe: «O vosso Mestre não paga o imposto?» 25Ele respondeu: «Paga, sim». Quando chegou a casa, Jesus antecipou-se, dizendo: «Simão, que te parece? De quem recebem os reis da terra impostos e contribuições? Dos seus filhos, ou dos estranhos?» 26E como ele respondesse: «Dos estranhos», Jesus disse-lhe: «Então, os filhos estão isentos. 27No entanto, para não os escandalizarmos, vai ao mar, deita o anzol, apanha o primeiro peixe que nele cair, abre-lhe a boca e encontrarás lá um estáter. Toma-o e dá-lho por mim e por ti.»

    Na primeira parte do nosso texto, a paixão paira sobre Jesus como algo próximo e inevitável. Jesus vê agora, não com os olhos do «eu» pessoal, que tem de se inclinar perante uma vontade superior (cf Mt 16, 21-27), mas com os olhos do Filho do homem para quem nada está oculto. Um só dos verbos, utilizados nesta parte, está na voz activa: o matarão (v. 23). Todos os outros estão na voz passiva: «ser entregue» (v. 22) nas mãos dos homens (em geral), nas mãos «dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei» (16, 21), isto é, das instituições religiosas hebraicas; «será ressuscitado» (talvez seja melhor traduzir assim do que «ressuscitará»- v. 23), indica a esperança de Jesus na acção do Pai.
    Jesus sabe para onde caminha. O seu destino está anunciado nas antigas profecias. Fala de Si como «Filho do homem», representante do povo dos santos que, depois da perseguição, há-de receber todo o poder (Dn 7): «Todo o poder me foi dado no céu e na terra», dirá o Ressuscitado (Mt 28, 18). A paixão, entrega na mão de todos os homens, torna-se entrega nas mãos do Pai, manifestação da sua glorificação.
    A segunda parte do texto evangélico refere um episódio relacionado com a questão do pagamento do imposto do templo. Em Mt 22, 15-22 surgirá a questão do pagamento de impostos aos dominadores pagãos, problema que continuará a afligir a comunidade cristã (cf. Rm 13, 6s.). Tem de pagar imposto para o templo quem é «maior que o templo»? (cf. Mt 12, 6), quem é «o Filho de Deus vivo»? (16, 18). Paga para não escandalizar. A hora da reedificação do novo templo ainda não chegou.

    Meditatio

    Iniciamos a leitura do livro do profeta Ezequiel, um homem que teve impressionantes visões de Deus. Hoje, escutamos a primeira dessas visões, em que o profeta recebeu a vocação. Mais uma vez, verificamos que a vocação profética está ligada a uma forte experiência de Deus. Tudo acontece durante uma grandiosa teofania, junto ao rio Cabar, a sul de Babilónia. O profeta começa por ver quatro seres misteriosos e, depois, no firmamento, a «glória do Senhor» (v. 28). Tomado de um temor sagrado, cai por terra, e ouve «a palavra de Deus» (v. 3), que «tem a mão sobre ele» (v. 3).
    Se nos lembrarmos da narrativa da vocação de Isaías (Is 6), verificamos semelhanças e diferenças com a de Ezequiel. Isaías vê Javé sentado num trono, no interior do templo, casa de Deus, rodeado de serafins que O aclamam, dizendo: «Santo, santo, santo...» (v. 3). Deus revela-se a Isaías no templo, que é a sua casa, e em Jerusalém, que é a cidade santa. Mas, a Ezequiel, revela-se em terra pagã, mostrando que a sua presença não está condicionado a um lugar consagrado, à terra santa. Deus pode manifestar-se em qualquer lugar, onde estiver o homem, particularmente o que sofre, mesmo em terra pagã. Isto constitui uma grande novidade para a mentalidade hebraica. Mas há mais: enqu
    anto a visão de Isaías é estática - Deus está sentado num trono, no templo - a de Ezequiel é dinâmica: «Olhando vi que do norte soprava um vento fortíssimo: uma nuvem espessa acompanhada de um clarão e uma massa de fogo resplandecente à volta; no meio dela, via-se algo semelhante ao aspecto de um metal resplandecente» (v. 4). Que há de mais dinâmico que uma trovoada? Num resplendor de fogo, Ezequiel, além dos quatro animais, vê também rodas que podem mover-se em quatro direcções, isto é, para todo o lado (cf. Ez 1, 15-20). Mas a leitura de hoje ainda fala de mais movimentos: «Eu escutava o ruído das asas como o barulho das grandes torrentes, como a voz do Omnipotente, quando eles avançavam, ou como o ruído do campo de batalha; quando paravam, as asas baixavam.» (v. 24).
    A experiência do exílio não trouxe só desgraças. Trouxe também graças espirituais, particularmente uma revelação mais profunda de Deus. Os hebreus passaram a ver a Deus, não apenas como divindade da Terra santa, donde não se movia, que não se podia encontrar noutro lado, mas como Deus de todos os povos. Depois do exílio o universalismo bíblico cresceu notavelmente. Nas nossas provações, também não faltam graças, que havemos de acolher com gratidão e alegria. Quando vivemos os sofrimentos da vida unidos a Cristo, crescemos na confiança em Deus, na comunhão com Ele, e tornamo-nos mais solidários com os que sofrem. «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo: "Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja" (Col 1,24) (Cst 24).
    Hoje, pela segunda vez, Jesus anuncia a sua paixão «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens» (v. 22). Vai «ser entregue» por Judas, pelos chefes do povo, pelo Pai. Ele mesmo se entrega «nas mãos dos homens» (v. 22). Todos podem acolher o dom que Jesus faz de se Si mesmo. Jesus tem consciência do que está para acontecer, e não tenta escapar. Sabe que é o Filho isento e livre, mas aceita pagar o tributo do escravo. Sabe que, fazendo assim, nos liberta de sermos como que "estranhos" a Deus, nos faz filhos de Deus, e nos isenta de qualquer dívida a alguém, ainda que seja uma autoridade religiosa ou civil. Esta liberdade, que resulta da nova condição, de sermos filhos de Deus no Filho, não nos afasta da vida e das obrigações para com os outros. Se ainda devemos sentir-nos devedores, é da caridade e por causa da caridade, «para não os escandalizarmos» (v. 27).

    Oratio

    Senhor, meu Deus, como são complexos os teus caminhos! Revelas-Te onde, quando e como queres, porque estás em toda a parte, és desde sempre e para sempre, e sabes adaptar-te às capacidades de cada homem. Como são insondáveis os teus desígnios! No meio das maiores provações, estás connosco, e ofereces-nos os teus dons. Assim foi com o teu primeiro povo eleito, em Babilónia. Assim foi com os discípulos do teu Filho, quando se debatiam com a tempestade no mar da Galileia. Assim foi com o teu próprio Filho, quando O pescaste da morte. Assim tem sido com a tua Igreja, ao longo dos séculos, tantas vezes perseguida e massacrada.
    Faz-me compreender que queres fazer o mesmo comigo, desde que me mantenha unido a Jesus, teu Filho, Morto e Ressuscitado, vivo no meio de nós, até ao fim dos tempos. Nele, que entregámos à morte, encontramos o sentido para os nossos sofrimentos, e a liberdade, que nos permite clamar: «Abbá! Pai!». Obrigado, Senhor! Amen.

    Contemplatio

    S. Paulo dá-nos o amor de Nosso Senhor pela cruz como um exemplo e um encorajamento nas nossas provas: Nosso Senhor pegou na cruz com alegria (proposito sibi gaudio), desprezando as humilhações (Heb 12). Levava a cruz considerando os motivos que podiam autorizá-lo a encontrar nela alegria. Estes motivos eram, com a alegria que daí derivava para o seu Pai, o avanço da obra da nossa redenção. Cada passo que dava no caminho do Calvário, pagava uma parte da nossa dívida e quebrava um anel da nossa cadeia. Como é que não se teria alegrado, se nos amava? Era somente sobre a cruz que devia ter acabado de pagar a nossa dívida. Era lá que devia rasgar e pregar o documento dos nossos compromissos (Col 2,14).
    A cada passo que dava neste caminho, as potências das trevas recuavam. Avançava para a vitória definitiva do Calvário, como não teria estado alegre e triunfante? «Avança com confiança, diz S. Paulo, triunfando em si mesmo, porque despoja os principados e as potências do inferno» (Col 2,15).
    Se o amamos, se desejamos avançar o reino do seu Coração, se queremos fazer recuar o demónio, apagar os nossos pecados, enriquecer-nos com graças e contribuir para a salvação das almas, para a libertação dos defuntos que expiam, levemos generosamente a nossa cruz quotidiana. A nossa cruz, é a de Nosso Senhor da qual nos deixou uma pequena parte, para que possamos provar-lhe o nosso amor e participar na sua glória: «Completo o que falta à Paixão de Cristo», diz S. Paulo (Col 1,24).
    Regozijai-vos, portanto, no Senhor, mesmo no tempo da provação e do sofrimento. Porque estas são as verdadeiras causas de uma verdadeira e santa alegria. Os sacrifícios e os sofrimentos são outros tantos passos que nos conduzem ao nosso fim, que nos tornam semelhantes a Nosso Senhor e que nos aproximam do seu Coração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 248).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens; mas, ao
    terceiro dia, ressuscitará» (Mt 17, 22-23)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    13 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 2, 8-3,4

    Eis o que diz o Senhor: 8«Tu, filho de homem, escuta o que te digo. Não sejas rebelde como aquela gente rebelde. Abre a boca e come o que te vou dar.» 9Olhei e vi uma espécie de mão que se dirigia para mim, segurando um manuscrito enrolado. 10Abriu-o diante de mim: estava escrito nas duas faces; e lia-se: «Lamentações, gemidos e choros.»
    1Disse-me: «Filho de homem, come aquilo que te é apresentado, come este manuscrito e vai falar à casa de Israel.» 2Abri então a boca e Ele deu-me o manuscrito a comer. 3E disse-me: «Filho de homem, alimenta-te e sacia-te com este manuscrito que agora te dou.» Comi-o e ele foi, na minha boca, doce como o mel. 4Então, disse-me: «Filho de homem, dirige-te à casa de Israel, e leva-lhes as minhas palavras.

    O sacerdote Ezequiel, que caíra de rosto por terra, fulminado pela glória de Javé, ergue-se, agora, em virtude da força do Espírito que nele entrou. De pé, consciente das suas faculdades, escuta três palavras de Deus: «Filho de homem» (v. 8), «vai falar» (3, 1), «à casa de Israel» (3, 1). O apelativo «Filho de homem» está cheio de sentido da transcendência divina, que Ezequiel experimenta fortemente, na sua fragilidade. O carisma profético é um dom absolutamente gratuito de Deus. Jesus usará o mesmo apelativo, «Filho de homem», para indicar o modo de estar connosco e de estar diante de Deus.
    Como aconteceu com outros grandes profetas, uma acção simbólica mostra como a palavra de Deus está na boca de um homem. Enquanto os lábios de Isaías foram purificados com uma brasa (cf. Is 6, 3-7), enquanto Deus introduziu a sua linguagem na garganta de Jeremias (cf. Jr 1, 9), agora dá-a num livro a Ezequiel, que já vive na civilização da escrita. Ezequiel come essa palavra, digere-a, assimila a vontade divina. Essa vontade revela-se na palavra divina, mas também na visão que o profeta tem das realidades. Para comunicar a palavra de Deus é preciso, primeiro, alimentar-se dela (3, 3).
    Em Ezequiel, o profetismo dá um passo em frente: o profeta não é chamado a "repetir" a palavra de Deus, mas a "repropor" o que recebeu d´Ele, a "repensar" a "traduzir" por palavras suas, a palavra de Deus. Só assim a mensagem divina pode chegar aos homens numa linguagem que eles entendam.
    A mensagem divina, que Ezequiel é chamado a comunicar, é muito vasta (cf. 2, 9b) e dolorosa: «Lamentações, gemidos e choros» (v. 10). Tira todas as ilusões àqueles que pensavem que Jerusalém, apesar de enfraquecida, havia de resistir aos invasores caldeus. Mas, para além da cólera de Deus, há-de manifestar-se a sua imensa misericórdia.

    Evangelho: Mateus 18, 1-5.10.12-14

    1Naquela hora, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: «Quem é o maior no Reino do Céu?» 2Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles 3e disse: «Em verdade vos digo: Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. 4Quem, pois, se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu. 5Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe.» 10«Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus anjos, no Céu, vêem constantemente a face de meu Pai que está no Céu. 12Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? 13E, se chegar a encontrá-la, em verdade vos digo: alegra-se mais com ela do que com as noventa e nove que não se tresmalharam. 14Assim também é da vontade de vosso Pai que está no Céu que não se perca um só destes pequeninos.»

    O c. 18 contém o quarto discurso, dos cinco à volta dos quais gira o evangelho de Mateus. É o "Discurso eclesial", no qual Jesus traça as características fundamentais da comunidade dos discípulos. Estes revelam a mentalidade comum, a daqueles que vêem a vida em sociedade como uma permanente tentativa de subir, mesmo à custa dos outros, para ocupar os lugares cimeiros, os postos de comando. É nesse contesto que interrogam Jesus: «Quem é o maior no Reino do Céu?» (v. 1). Jesus mostra-lhes o que realmente tem mais valor diante de Deus e ensina uma nova forma de vivência em comunidade. Como os antigos profetas, faz um gesto (o de colocar no centro uma criança), cujo sentido depois revela. Jesus recolhe a ideia da inversão das sortes no reino futuro, já amadurecida no rabinismo: põe no centro, não um adulto, ou uma pessoa tida por importante, mas uma criança. A criança precisa de tudo, depende dos grandes; é a «ovelhinha tresmalhada», que o pastor procura e cuida «mais do que as noventa e nove que não se tresmalharam» (v. 13). O discípulo deve ser como a criança, isto é, converter-se mudar de mentalidade e de comportamento. Deve saber "abaixar-se" e não tentar empoleirar-se nos primeiros lugares. O discípulo deve também acolher os pequeninos e não os desprezar, porque têm a dignidade do Senhor, são seu sacramento (v. 5). Há que procurá-los, para que nenhum se perca.

    Meditatio

    A primeira leitura sugere que, se queremos ser válidas testemunhas de Deus, precisamos de nos alimentar da sua Palavra. Ezequiel transmite-nos esta mensagem com uma espécie de parábola: Deus «disse-me: «... come aquilo que te é apresentado, come este manuscrito e vai falar à casa de Israel.» ... Deu-me o manuscrito a comer... Comi-o...Então, disse-me: «... dirige-te à casa de Israel, e leva-lhes as minhas palavras» (cf. 3, 1-4). Para levar a mensagem divina ao coração das pessoas, não é suficiente conhecê-la só com a inteligência. Precisamos de nos alimentar com ela, de a meditar, de a rezar. Precisamos de mastigar, de ruminar, a Palavra de Deus. Precisamos que ela passe da mente e do coração à nossa vida. Só então, está plenamente assimilada. Só então podemos pregá-la, testemunhá-la com eficácia.
    É um privilégio, uma graça, poder meditar a palavra, saboreá-la, contemplar a sua beleza, a sua profundidade: «na minha boca, foi doce como o mel», escreve o profeta (v. 3). O Apocalipse acrescente que a Palavra, doce como o mel na boca, se torna amarga nas entranhas (10, 9), pois leva consigo exigências nem sempre fáceis de cumprir, especialmente o testemunho, que exige esforço e, muitas vezes, sofrimento. No rolo oferecido ao profeta, estavam escritos «Lamentações, gemidos e choros» (v. 10). A Palavra de Deus, doce na boca, e amarga nas entranhas, transmite a plenitude da alegria e da vida.
    Na comunidade, o testemunho da Palavra há-de passar, sobretudo, pelo testemunho de uma vida sem pretensões, uma vida semelhante à das crianças, que aceitam a sua pequenez, a sua impotência perante a vida, a necessidade que t&eci
    rc;m dos outros, particularmente dos pais. O melhor testemunho é o da simplicidade e o do serviço humilde. Mas ambos são fruto da alegria de sermos, e nos sentirmos, filhos de Deus (Mt 5, 3s.; 11, 25). A missão pode e deve ser realizada já pela simples presença e pelo testemunho vivo da vida cristã, isto é, de uma vida à imagem da de Cristo que sendo «o Primeiro» (Cl 1, 18), se fez o último, o servo de todos.

    Oratio

    Senhor, como estou longe da simplicidade e da humildade que recomendas aos teus discípulos! Gosto de mandar, de submeter os outros à minha vontade, de ser o primeiro. Toma-me nos teus braços, no teu Coração, para que aprenda a ser como as crianças na minha relação Contigo e com os meus irmãos. Que eu saiba abandonar-me, entregar-me confiantemente a Ti; que eu saiba colocar-me no meu lugar, para servir com simplicidade e com amor os meus irmãos. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor amava também a simplicidade dos seus discípulos. Não era eu próprio, pode Jesus dizer-nos, de uma grande simplicidade com os meus apóstolos, para os encorajar a fazerem o mesmo. Vivia com eles familiarmente, tomando parte em todos os pormenores da sua vida: orações, refeições, conversas, repouso; interessando-me pelas suas alegrias e pelas suas mágoas. Chamei-os meus amigos, e disse-lhes o motivo, é que um amigo diz tudo aos seus amigos.
    O que eu fui com eles, quero sê-lo com os meus discípulos de todos os tempos, quero sê-lo convosco.
    Examinai-vos agora sobre a vossa maneira de agir comigo. Viestes a mim habitualmente com simplicidade? Tendes sido para mim o que um amigo é pelo seu amigo?
    Vós, sobretudo, que sois consagrados ao meu Coração, não deveis imitar mais particularmente a simplicidade confiante dos meus amigos, de Madalena, que se conservava sentada aos meus pés, de João que repousava a sua cabeça sobre o meu peito? (Leão Dehon, OSP 3, p. 46).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Come este manuscrito e vai falar à casa de Israel» (Ez 3, 1).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    14 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Quarta-feira
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 9, 1-7; 10, 18-22

    1O Senhor gritou com voz forte aos meus ouvidos, nestes termos: «Aproximai-vos, vós que guardais a cidade, cada um com o seu instrumento de destruição na mão.» 2Eis que seis homens avançaram da porta superior que dá para norte; cada um tinha na mão o seu instrumento de destruição. No meio deles havia um homem vestido de branco que tinha à cintura os apetrechos de escriba. Entraram e colocaram-se junto ao altar de bronze. 3A glória do Deus de Israel tinha-se levantado dos querubins, sobre os quais se encontrava, e dirigiu-se para a entrada do templo. Então, chamou o homem que estava vestido de branco e tinha à cintura os apetrechos de escriba. 4O Senhor disse-lhe: «Vai pela cidade, atravessa Jerusalém e marca uma cruz na fronte dos homens que gemem e se lamentam por causa das abominações que nela se praticam.» 5E aos outros ouvi-o dizer: «Ide pela cidade atrás dele e feri os seus habitantes. Que o vosso olhar não poupe ninguém nem tenha piedade. 6Velhos, jovens, virgens, meninos e mulheres, matai-os a todos e exterminai toda a gente; mas não toqueis naqueles que foram marcados na fronte. Começai pelo meu santuário.» E começaram, então, pelos velhos que estavam diante do templo. 7Depois disse-lhes: «Profanai o templo, enchei de mortos o vestíbulo e saí.» Depois, eles saíram e feriram os que estavam na cidade. 18Saiu, então, da soleira do templo a glória do Senhor e colocou-se sobre os querubins. 19Os querubins estenderam as asas e elevaram-se da terra, à minha vista, quando saíram, e as rodas juntamente com eles.Pararam à entrada da porta oriental do templo do Senhor, e a glória do Deus de Israel estava sobre eles, pelo lado de cima. 20Eram os seres viventes que eu tinha visto sob o Deus de Israel, junto ao rio Cabar, e reconheci que eram querubins. 21Cada um tinha quatro faces e cada um tinha quatro asas; e havia sob as suas asas algo como mãos humanas. 22Quanto ao aspecto das suas faces, eram semelhantes às que eu tinha visto junto do rio Cabar. Cada um seguia direito diante de si.

    Ezequiel dirige-se aos exilados, pintando, com tons dramáticos, a destruição de Jerusalém e do templo, que eles julgavam salvaguardados pela presença do Senhor. Assim acaba também com as suas vãs esperanças de regresso. O profeta testemunha os desacatos e as profanações realizadas no templo e, depois, a condenação da cidade, mas também a salvação dos que permaneceram fiéis.
    O castigo da cidade pecadora começa com a acção dos sete seres misteriosos, que percorrem a cidade para exterminar os pecadores, a começar pelos ansiãos do templo. Segundo o princípio da retribuição pessoal (cf. c. 18), cada um é tratado pelo que é e pelo que faz. Mas não é Deus que pune! São os acontecimentos humanos que recaiem sobre quem os provoca. Deus salva quem permaneceu fiel à Lei (Torah), apesar dos sofrimentos por que passam, devidos à maldade e à violência. São assinalados pela letra "T" (Tau), a primeira de "Torah", e preservados da desgraça. São tantos os mortos, que chegam a contaminar o interior do templo, obrigando a «glória de Deus» a afastar-se de um lugar tornado impuro, e a sair porta oriental, a mesma por onde sairam os exilados. Mas, Deus acaba por se revelar como salvador dos que escutam a sua palavra e levam impresso no corpo o sinal de a terem escutado, isto é, o "T" de "Torah", mesmo em terra estrangeira.

    Evangelho: Mateus 18, 15-20

    Naquele tempo, disse Jesus aos discípulos: 15«Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão. 16Se não te der ouvidos, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. 17Se ele se recusar a ouvi-las, comunica-o à Igreja; e, se ele se recusar a atender à própria Igreja, seja para ti como um pagão ou um cobrador de impostos. 18Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na Terra será desligado no Céu.» 19«Digo-vos ainda: Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedir qualquer coisa, hão-de obtê-la de meu Pai que está no Céu. 20Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles.»

    Jesus continua a tratar das relações dos discípulos com os irmãos, isto é, os pequenos, os pecadores, os colaboradores. A questão central, hoje, é a seguinte: como deve a comunidade cristã comportar-se perante o pecado e o escândalo (18, 3-11), e perante o pecador?
    Mateus já convidou à misericórdia, ao contar a parábola da ovelha tresmalhada. Agora, apresenta um itinerário que leva ao perdão: aproximar do pecador, a sós (v. 15); repreendê-lo diante de duas ou três testemunhas (v. 16); interpelá-lo na assembleia (v. 17). Jesus confere aos seus discípulos um poder especial, para realizar esta pedagogia (v. 18).
    O irmão só pode ser condenado quando teimar permanecer no mal, recusando a conversão e o perdão (vv. 15-17). Nesse caso, Deus ractifica o agir da Igreja.
    A correcção fraterna deve ser realizada, com extrema delicada e espírito fraterno, num ambiente de união e de oração, que garante a presença do Ressuscitado.

    Meditatio

    Mais uma vez, Ezequiel contempla a «glória de Deus», como acontecera no dia do seu chamamento à vida profética (Ez 1). O cenário da teofania, desta vez, é o templo de Jerusalém. Mas a «glória de Deus» está de partida: «A glória do Deus de Israel tinha-se levantado dos querubins, sobre os quais se encontrava, e dirigiu-se para a entrada do templo» (v. 3). Quem teria pensado que Deus podia deixar o templo? Tal foi possível, diz o profeta, porque «o pecado da casa de Israel e de Judá é enorme; a terra está cheia de sangue e a cidade, de violência» (Ez 9, 9). Deus não pode mais tolerar tanta iniquidade, até para não parecer conivente com ela. Por isso, prepara-se para abandonar o templo. E vai fazê-lo pela porta que dá para o oriente, para o exílio. Vendo bem, os exilados até estão em melhor situação que os que ainda ficaram em Jerusalém e em Judá, porque têm Deus com eles. De facto, Deus é Aquele que está sempre em relação com as pessoas, onde quer que se encontrem. Não se deixa encerrar num determinado espaço, e só não pode estar com aqueles que O recusam.
    O evangelho mostra-nos uma importante condição para a presença de Deus, junto de nós: «onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (v. 20). Não está obrigatoriamente nos edifícios ou templos edificados em seu nome. Mas está onde estiverem dois ou três dos seus discípulos, reunidos em seu nome. A morada de Deus, no Novo Testamento, é, sobretudo,
    a comunidade dos crentes reunida na caridade. O edifício material é secundário.
    A comunidade, lugar da presença e da acção de Deus, deve viver reconciliada e em fraternidade. Se irmão ofende outro irmão, é preciso fazer tudo para restabelecer a comunhão. Jesus recomenda que se proceda com descrição, para «ganhar o irmão». Se o irmão resiste, deve-se procurar outra solução, a presença de algumas testemunhas. Se continuar a resistir, envolva-se a comunidade, para tentar encontrar juntos o remédio. Só quando o irmão culpado recusa toda a comunidade, pode ser abandonado à sua sorte.
    João Crisóstomo escreveu: «Sejamos muito solícitos para com os nossos irmãos. Será a maior prova da nossa fé: «Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos:se vos amardes uns aos outros» (Mt13, 35).
    «Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores» (Cst 65).

    Oratio

    «Onde estiverem dois ou três... Eu estou». Obrigado, Senhor, pela tua presença na minha comunidade. Ajuda-nos a permanecer unidos no teu amor. Ajuda-nos a ter e a conservar «um só coração e uma só alma», partilhando as alegrias e os sofrimentos, tendo particular atenção e cuidado para com os doentes, os idosos, os que estão sós, os carenciados. Que cada um de nós se torne um evangelho vivido, onde todos possam ler o teu amor, e a beleza da vida cristã. Amen.

    Contemplatio

    Deus dizia ao seu povo, em Isaías: «Não te esquecerei, inscrevi o teu nome nas minhas mãos, para o ter sempre presente» (Is 49, 16). Nosso Senhor não pode dizer também: «Marquei as minhas mãos com um sinal que me recorda sempre o vosso nome, as vossas necessidades e o meu afecto por vós?».
    Disse a Margarida Maria: «Aqueles que forem consagrados ao meu Sagrado Coração terão o seu nome escrito na própria chaga deste divino Coração e nunca mais dele será apagado».
    Afeição e confiança, eis o que nos ensinam as divinas chagas. Amemos aquele que quis guardar nas suas mãos e no seu Coração os sinais do seu amor por nós. Remetamo-nos com confiança nas mãos daquele que marcou as suas mãos com este sinal de amor.
    Podemos também inspirar-nos numa passagem do profeta Zacarias. «Que chagas são essas que tendes nas mãos?», pergunta o profeta ao Salvador, e responde: «Recebi-as na casa dos meus amigos». O Salvador é ferido espiritualmente por aqueles mesmos que deviam ser seus amigos. Disse-o muitas vezes a Margarida Maria, mostrando-se a ela coberto de chagas e pedindo-lhe reparação.
    As chagas do bom Mestre pedem-nos reparação pelos pecados do mundo e pela ingratidão do povo escolhido. Beijemos as suas chagas, façamos-lhe pública retractação e reparação, e pelas nossas orações mudemos as suas chagas em fontes de graças para estas almas ingratas. (Leão Dehon, OSP 3, p. 389).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome,
    Eu estou no meio deles» (Mt 18, 20)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria


    15 de Agosto, 2024

    Tema da Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Bendita és tu, Maria! Hoje, Jesus ressuscitado acolhe a sua mãe na glória do céu... Hoje, Jesus vivo, glorificado à direita do Pai, põe sobre a cabeça da sua mãe a coroa de doze estrelas...
    Primeira leitura: Maria, imagem da Igreja. Como Maria, a Igreja gera na dor um mudo novo. E como Maria, participa na vitória de Cristo sobre o Mal.
    Salmo: Bendita és tu, Virgem Maria! A esposa do rei é Maria. Ela tem os favores de Deus e está associada para sempre à glória do seu Filho.
    Segunda leitura: Maria, nova Eva. Novo Adão, Jesus faz da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para todos os homens.
    Evangelho: Maria, Mãe dos crentes. Cheia do Espírito Santo, Maria, a primeira, encontra as palavras da fé e da esperança: doravante todas as gerações a chamarão bem-aventurada!

    LEITURA I - Ap 11,19a;12,1-6a.10ab

    Leitura do Apocalipse de São João

    O templo de Deus abriu-se no Céu
    e a arca da aliança foi vista no seu templo.
    Apareceu no Céu um sinal grandioso:
    uma mulher revestida de sol,
    com a lua debaixo dos pés
    e uma coroa de doze estrelas na cabeça.
    Estava para ser mãe
    e gritava com as dores e ânsias da maternidade.
    E apareceu no Céu outro sinal:
    um enorme dragão cor de fogo,
    com sete cabeças e dez chifres
    e nas cabeças sete diademas.
    A cauda arrastava um terço das estrelas do céu
    e lançou-as sobre a terra.
    O dragão colocou-se diante da mulher que estava para ser mãe,
    para lhe devorar o filho, logo que nascesse.
    Ela teve um filho varão,
    que há-de reger todas as nações com ceptro de ferro.
    O filho foi levado para junto de Deus e do seu trono
    e a mulher fugiu para o deserto,
    onde Deus lhe tinha preparado um lugar.
    E ouvi uma voz poderosa que clamava no Céu:
    «Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus
    e o domínio do seu Ungido».

    BREVE COMENTÁRIO

    As visões do Apocalipse exprimem-se numa linguagem codificada. Elas revelam que Deus arranca os seus fiéis de todas as formas de morte. Por transposição, a visão o sinal grandioso pode ser aplicada a Maria.
    O livro do Apocalipse foi composto no ambiente das perseguições que se abatiam sobre a jovem Igreja, ainda tão frágil. O profeta cristão evoca estes acontecimentos numa linguagem codificada, em que os animais terrificantes designam os perseguidores. A Mulher pode representar a Igreja, novo Israel, o que sugere o número doze (as estrelas). O seu nascimento é o do baptismo que deve dar à terra uma nova humanidade. O Dragão é o perseguidor, que põe tudo em acção para destruir este recém-nascido. Mas o destruidor não terá a última palavra, pois o poder de Deus está em acção para proteger o seu Filho.
    Proclamando esta mensagem na Assunção, reconhecemos que, no seguimento de Jesus e na pessoa de Maria, a nova humanidade já é acolhida junto de Deus.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 44 (45)

    Refrão 1: À vossa direita, Senhor, a Rainha do Céu,
    ornada do ouro mais fino.

    Refrão 2: À vossa direita, Senhor, está a Rainha do Céu.

    Ao vosso encontro vêm filhas de reis,
    à vossa direita está a rainha, ornada com ouro de Ofir.

    Ouve, minha filha, vê e presta atenção,
    esquece o teu povo e a casa de teu pai.

    Da tua beleza se enamora o Rei;
    Ele é o teu Senhor, presta-Lhe homenagem.

    Cheias de entusiasmo e alegria,
    entram no palácio do Rei.

    LEITURA II - 1 Cor 15,20-27

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Cristo ressuscitou dos mortos,
    como primícias dos que morreram.
    Uma vez que a morte veio por um homem,
    também por um homem veio a ressurreição dos mortos;
    porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram,
    assim também em Cristo serão todos restituídos à vida.
    Cada qual, porém, na sua ordem:
    primeiro, Cristo, como primícias;
    a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda.
    Depois será o fim,
    quando Cristo entregar o reino a Deus seu Pai
    depois de ter aniquilado toda a soberania, autoridade e poder.
    É necessário que Ele reine,
    até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés.
    E o último inimigo a ser aniquilado é a morte,
    porque Deus tudo colocou debaixo dos seus pés.
    Mas quando se diz que tudo Lhe está submetido
    é claro que se exceptua Aquele que Lhe submeteu todas as coisas.

    BREVE COMENTÁRIO

    A Assunção é uma forma privilegiada de Ressurreição. Tem a sua origem na Páscoa de Jesus e manifesta a emergência de uma nova humanidade, em que Cristo é a cabeça, como novo Adão.
    Todo o capítulo 15 desta epístola é uma longa demonstração da ressurreição. Na passagem escolhida para a festa da Assunção, o apóstolo apresenta uma espécie de genealogia da ressurreição e uma ordem de prioridade na participação neste grande mistério. O primeiro é Jesus, que é o princípio de uma nova humanidade. Eis porque o apóstolo o designa como um novo Adão, mas que se distingue absolutamente do primeiro Adão; este tinha levado a humanidade à morte, ao passo que o novo Adão conduz aqueles que o seguem para a vida.
    O apóstolo não evoca Maria, mas se proclamamos esta leitura na Assunção, é porque reconhecemos o lugar eminente da Mãe de Deus no grande movimento da ressurreição.

    ALELUIA
    Aleluia. Aleluia.

    Maria foi elevada ao Céu;
    alegra-se a multidão dos Anjos.

    EVANGELHO - Lc 1,39-56
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naqueles dias,
    Maria pôs-se a caminho
    e dirigiu-se apressadamente para a montanha,
    em direcção a uma cidade de Judá.
    Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
    Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
    o menino exultou-lhe no seio.
    Isabel ficou cheia do Espírito Santo
    e exclamou em alta voz:
    «Bendita és tu entre as mulheres
    e bendito é o fruto do teu ventre.
    Donde me é dado
    que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
    Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos
    a voz da tua saudação,
    o menino exultou de alegria no meu seio.
    Bem-aventurada aquela que acreditou
    no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito
    da parte do Senhor».
    Maria disse então:
    «A minha alma glorifica o Senhor
    e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
    porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
    de hoje em diante me chamarão bem-aventurada
    todas as gerações.
    O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas:
    Santo é o seu nome.
    A sua misericórdia se estende de geração em geração
    sobre aqueles que O temem.
    Manifestou o poder do seu braço
    e dispersou os soberbos.
    Derrubou os poderosos de seus tronos
    e exaltou os humildes.
    Aos famintos encheu de bens
    e aos ricos despediu de mãos vazias.
    Acolheu a Israel, seu servo,
    lembrado da sua misericórdia,
    como tinha prometido a nossos pais,
    a Abraão e à sua descendência para sempre».
    Maria ficou junto de Isabel cerca de três meses
    e depois regressou a sua casa.

    BREVE COMENTÁRIO

    O cântico de Maria descreve o programa que Deus tinha começado a realizar desde o começo, que ele prosseguiu em Maria e que cumpre agora na Igreja, para todos os tempos.
    Pela Visitação que teve lugar na Judeia, Maria levava Jesus pelos caminhos da terra. Pela Dormição e pela Assunção, é Jesus que leva a sua mãe pelos caminhos celestes, para o templo eterno, para uma Visitação definitiva. Nesta festa, com Maria, proclamamos a obra grandiosa de Deus, que chama a humanidade a se juntar a ele pelo caminho da ressurreição.
    Em Maria, Ele já realizou a sua obra na totalidade; com ela, nós proclamamos: "dispersou os soberbos, exaltou os humildes". Os humildes são aqueles que crêem no cumprimento das palavras de Deus e se põem a caminho, aqueles que acolhem até ao mais íntimo do seu ser a Vida nova, Cristo, para o levar ao nosso mundo. Deus debruça-se sobre eles e cumpre neles maravilhas.

    Rezar por Maria.
    Frequentemente, ouvimos a expressão: "rezar à Virgem Maria"... Esta maneira de falar não é absolutamente exacta, porque a oração cristã dirige-se a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os nossos irmãos protestantes que, contrariamente ao que se pretende, por vezes têm a mesma fé que os católicos e os ortodoxos na Virgem Maria Mãe de Deus, recordam-nos que Maria é e se diz ela própria a Serva do Senhor.
    Rezar por Maria é pedir que ela reze por nós: "Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte!" A sua intervenção maternal em Caná resume bem a sua intercessão em nosso favor. Ela é nossa "advogada" e diz-nos: "Fazei tudo o que Ele vos disser!"

    Rezar com Maria.
    Ela está ao nosso lado para nos levar na oração, como uma mãe sustenta a palavra balbuciante do seu filho. Na glória de Deus, na qual nós a honramos hoje, ela prossegue a missão que Jesus lhe confiou sobre a Cruz: "Eis o teu Filho!" Rezar com Maria, mais que nos ajoelharmos diante dela, é ajoelhar-se ao seu lado para nos juntarmos à sua oração. Ela acompanha-nos e guia-nos na nossa caminhada junto de Deus.

    Rezar como Maria.
    Aprendemos junto de Maria os caminhos da oração. Na escola daquela que "guardava e meditava no seu coração" os acontecimentos do nascimento e da infância de Jesus, nós meditamos o Evangelho e, à luz do Espírito Santo, avançamos nos caminhos da verdade. A nossa oração torna-se acção de graças no eco ao Magnificat. Pomos os nossos passos nos passos de Maria para dizer com ela na confiança: "que tudo seja feito segundo a tua Palavra, Senhor!"

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE MARIA
    (tópicos inspirados em "Signes d'aujourd'hui")

    1. A liturgia meditada ao longo da semana.
    Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade da Assunção de Maria, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. Confiar o Magnificat a uma voz de mulher.
    No Evangelho, excepcionalmente, porque não confiar o "Magnificat" a uma voz de mulher que poderia lê-lo ou cantá-lo?

    3. Pensar na participação das crianças.
    Uma festa é bem conseguida quando se consegue congregar todas as gerações. Seria bom pensar em particular na participação das crianças: ficarem à volta da estátua de Nossa Senhora durante a procissão do ofertório; fazerem uma oração a Nossa Senhora no final da celebração...

    4. Oração na lectio divina.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Pai do céu, juntamos as nossas vozes à que nos vem do céu para proclamar: Eis agora a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus e o poder do seu Cristo. Glória a Ti, Deus de vida.
    Nós Te pedimos pelas tuas Igrejas, ameaçadas pelos «dragões» da nossa época: a indiferença, as religiosidades desviadas e as perseguições".

    No final da segunda leitura:
    "Deus Pai, nós Te damos graças pela ressurreição que manifestaste pelo teu Filho Jesus, o novo Adão, e pela assunção na vida gloriosa que revelas em Maria, mãe do teu Filho.
    Nós Te confiamos os nossos defuntos e as famílias em luto. Releva-nos pela promessa da ressurreição. Transformas as nossas penas em esperança".

    No final do Evangelho:
    "Nós Te bendizemos, Deus do universo, porque pelo teu Filho ainda pequeno e pela sua mãe, Maria, visitaste o teu povo, vieste até nós. Felizes aqueles que acreditam no cumprimento da tua Palavra.
    Nós Te pedimos pelas nossas comunidades cristãs, encarregadas, como Maria, de levar Cristo ao mundo. Como fizeste por ela, guia-nos pelo teu Espírito Santo".

    5. Oração Eucarística.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, em que a primeira intercessão exprime bem o mistério deste dia.

    6. Palavra para o caminho.
    Um tríplice segredo... A meio do verão, eis uma festa para nos fazer parar junto de Maria e receber dela um tríplice segredo: o segredo da fé sem falha tão bem ajustada a Deus ("Eis a serva do Senhor"...); o segredo da sua esperança confiante em Deus ("nada é impossível a Deus"...); o segredo da sua caridade missionária ("Maria pôs-se a caminho apressadamente"...). E nós podemos pedir-lhe para nos acompanhar no caminho das nossas vidas...

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • XIX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    16 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Sexta-feira
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 16, 1-15.60.63

    1O Senhor dirigiu-me a palavra, dizendo: 2«Filho de homem, dá a conhecer a Jerusalém as suas abominações e diz: 3Assim fala o Senhor Deus a Jerusalém: Pelas tuas origens e pelo teu nascimento, és da terra do cananeu. O teu pai era amorreu e a tua mãe hitita. 4No dia em que nasceste, não te cortaram o cordão umbilical, não foste lavada em água para seres purificada, não te friccionaram com sal nem te envolveram em faixas. 5Nenhum olhar teve piedade de ti, para te fazer uma só destas coisas, por compaixão por ti; mas deitaram-te em campo aberto, por repugnância de ti, no dia em que nasceste.» 6«Passei, então, junto de ti e vi que te agitavas em teu sangue. E disse-te: 'Vive em teu sangue.' 7Fiz-te crescer como a erva dos campos; e ficaste grande; e cresceste, adquiriste uma beleza perfeita; os teus seios formaram-se e chegaste à puberdade; mas tu estavas nua, completamente nua. 8Então, passei de novo perto de ti e vi-te; e eis que o teu tempo era o tempo dos amores. Estendi sobre ti a ponta do meu manto e cobri a tua nudez. Fiz, então, um juramento e estabeleci contigo uma aliança - oráculo do Senhor Deus. E ficaste a ser minha. 9Banhei-te em água, lavei o sangue que te cobria e ungi-te com azeite. 10Vesti-te com vestes bordadas, calcei-te sandálias de cabedal fino, cingi-te a cabeça com um véu de linho e cobri-te de seda. 11Ornei-te de jóias, pus-te braceletes nos pulsos e um colar ao pescoço. 12Coloquei-te um anel no nariz, brincos nas orelhas e uma coroa de ouro na cabeça. 13Ficaste, assim, ornada de ouro e prata; o teu vestido era de linho fino, de seda e recamado de bordados. Como alimento, tinhas a flor de farinha, o mel e o azeite. Tornaste-te extraordinariamente bela e chegaste à dignidade real. 14O teu nome espalhou-se entre as nações, graças à tua beleza; porque ela era perfeita, por causa do esplendor de que Eu te havia adornado» - oráculo do Senhor Deus. 15«Mas tu confiaste na tua beleza; serviste-te da tua fama para te prostituíres com os que passavam. 60Eu, pelo contrário, lembrar-me-ei da aliança que fiz contigo, no tempo da tua juventude e estabelecerei contigo uma aliança eterna, 63a fim de que te lembres de mim e sintas vergonha, e não abras mais a boca no meio da tua confusão, quando Eu te perdoar tudo o que fizeste» - oráculo do Senhor Deus.

    Ezequiel, com pormenores e com um realismo que ultrapassam o bom gosto, e dando mostras de um sadismo quase mórbido, relata, alegoricamente, a história de Jerusalém na qual tinham posto todas as esperanças, quer os seus habitantes, quer os exilados. É uma sintética e profunda meditação sobre a história da cidade e da sua visão da instauração do reino de Deus no mundo, em estilo midráshico. Serve-se do simbolismo do matrimónio, tão ao gosto dos profetas, para falar da relação entre Deus e o seu povo.
    Na sua origem, Jerusalém era como uma menina abandonada pelos pais e privada de tudo. Quando os hebreus ocupam a Palestina, não se interessam por Jerusalém. Só com David o Senhor entrou na cidade, fazendo dela sua esposa (vv. 8-13) e beneficiária da glória inaudita do reino de Salomão (cf. v. 14).
    Mas, encantada consigo mesma, Jerusalém quebra o pacto de amor com Deus, tornando-se como uma prostituta: «serviste-te da tua fama para te prostituíres com os que passavam» (v. 59). Nenhuma outra cidade conhecera o amor de Deus como Jerusalém o conheceu. Por isso, será castigada como se castiga uma adúltera, e de modo mais pesado do que foi castigada Sodoma e outras cidades pagãs (vv. 35-52, que não foram incluídos no texto litúrgico). Mas Deus continua a amar a esposa infiel, e prepara-lhe um futuro de conversão e de regresso a Ele. Uma nova aliança será selada por Deus em favor do seu povo.

    Evangelho: Mateus 19, 3-12

    3Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns fariseus para O porem à prova e disseram-lhe: «É permitido a um homem divorciar-se da sua mulher por qualquer motivo?» 4Ele respondeu: «Não lestes que o Criador, desde o princípio, fê-los homem e mulher, 5e disse: Por isso, o homem deixará o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e serão os dois um só? 6Portanto, já não são dois, mas um só. Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem.» 7Eles, porém, objectaram: «Então, porque é que Moisés preceituou dar-lhe carta de divórcio, ao repudiá-la?» 8Respondeu Jesus: «Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assim. 9Ora Eu digo-vos: Se alguém se divorciar da sua mulher - excepto em caso de união ilegal - e casar com outra, comete adultério.» 10Os discípulos disseram-lhe: «Se é essa a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se!» 11Respondeu-lhes Jesus: «Nem todos compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado. 12Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos pela interferência dos homens e há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos, por amor do Reino do Céu. Quem puder compreender, compreenda.»

    As discussões sobre o divórcio são mais velhas que o Evangelho, e tão antigas como o homem. No tempo de Jesus, a questão era polarizada por duas escolas: a representada pelo rabino Hillel, permissiva, era do parecer que um homem, que encontrasse uma mulher mais atraente do que a sua esposa, e tivesse problemas por causa disso, podia repudiar esta para voltar a casar com aquela. Os rigoristas, representados pela escola do rabino Shammai, entendiam que a excepção do Deuteronómio se referia unicamente ao caso de adultério. A questão, posta a Jesus pelos fariseus, não é mais do que uma cilada: querem obrigá-lo a tomar posição por uma corrente. Mas Jesus esquiva-se declarando-se contrário ao divórcio. Justifica a sua posição com dois textos da Escritura: Gn 1, 27 e 2, 24. Deus quer que marido e mulher permaneçam unidos como «uma só carne» (Mt 19, 5s.). Não separe o homem o que Deus uniu, mesmo que seja Moisés (v. 6b). O matrimónio é um contrato entre duas pessoas, é verdade. Mas, esse contrato também implica a vontade de Deus inscrita na complementaridade dos sexos. O divórcio não tem em conta uma das partes do matrimónio, o próprio Criador.
    Na segunda parte do texto, os discípulos, a sós com Jesus, manifestam perplexidade e dificuldade em assumir tão graves responsabilidades do matrimónio. Mas Jesus afirma que só a responsabilidade pela difusão do Reino dos céus torna louvável a renúncia ao matrimónio. Nem todos compreenderão as palavras de Jesus. Hão-de compreendê-las «aqueles a quem isso é dado» (v. 11). Trata-se de uma inspiração interior dada aos apóstolos e àqueles que acreditam (Mt 11, 25 e 16, 17).

    Meditatio

    Amor &
    eacute; fidelidade. Porque Deus nos ama, quer que o amemos e, portanto, vivamos na fidelidade.
    Deus ama Jerusalém gratuitamente, com um amor de compaixão. A cidade santa era como uma menina abandonada, que Deus encontrou: «Nenhum olhar teve piedade de ti» (v. 5), - diz o Senhor - «Passei, então, junto de ti e vi que te agitavas em teu sangue. E disse-te: 'Vive!'» (v. 6). Deus teve compaixão de Jerusalém, e foi generoso com ela. Ezequiel descreve os dons com que o Senhor a cumulou e, sobretudo, como a fez sua esposa: «Fiz, então, um juramento e estabeleci contigo uma aliança... E ficaste a ser minha» (v. 8). Depois, purificou-a e adornou-a: «Banhei-te em água... Vesti-te com vestes bordadas... Ornei-te de jóias» (cf. vv. 9-11). A um amor tão terno e generoso, Jerusalém respondeu com a infidelidade. Aproveita os dons do seu esposo para Lhe ser infiel, volta-se para outros deuses e viola a aliança nupcial. Deus protesta. Não pode aceitar tal ofensa. Mas promete trazer, Ele mesmo, remédio para a escandalosa situação: «Eu lembrar-me-ei da aliança que fiz contigo... e estabelecerei contigo uma aliança eterna» (v. 60). O fruto de tanta generosidade há-de ser a conversão de Jerusalém. Depois de experimentar as consequências da sua infidelidade, estará pronta para ser libertada do mal, e poderá viver um amor reconhecido.
    Jesus, interrogado sobre os motivos que podiam tornar lícito o repúdio da esposa, coloca-se acima das controvérsias dos teólogos, e, pondo em causa a autoridade de Moisés, apela para a lei da Criação: «Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assim» (v. 8). No princípio, Deus criou o homem e a mulher, e disse: «Serão os dois uma só carne» (Gn 2, 24). E Jesus acrescentou: «Não separe o homem o que Deus uniu» (Mt 19, 6). A fidelidade é essencial para o nosso bem, pois permite o crescimento permanente no amor generoso, semelhante ao do Criador. O verdadeiro remédio para as dificuldades está no amor capaz de as superar. A nossa dignidade revela-se no facto de termos sido criados para viver como Deus e com Deus, no amor fiel.
    Jesus exalta a castidade voluntária, os «eunucos» que se fizeram tais, livremente «por causa do Reino dos Céus» (Mt 19, 12), tal como Ele também Se fizera. «Pelo voto de celibato consagrado, dom de Deus para quem o compreende (cf. Mt 19,11), comprometemo-nos diante de Deus a viver a castidade perfeita no celibato pelo Reino e a seguir a Cristo no seu amor a Deus e aos irmãos e em seu modo de estar presente no meio dos homens» (Cst 41).

    Oratio

    É difícil, Senhor, compreender o que significa casar ou viver no celibato, sobretudo neste tempo em que somos bombardeados com tantos projectos e acossados por tantos "intelectuais" que pretendem ter a última palavra sobre os temas. A tua palavra, hoje, faz-nos compreender que tudo está sob o sinal da tua graça, e que precisamos da luz do teu Espírito. Manda-nos, Senhor o teu Espírito de amor generoso, de unidade e de fidelidade. Manda-O iluminar e purificar os nossos corações, os nossos sentimentos, as nossas mentes, as nossas fantasias, os nossos pequenos e grandes projectos. Manda-nos o teu Espírito, que é força para arriscar, para confiar, para realizar aquele projecto que é teu, antes de ser nosso. Amen.

    Contemplatio

    Jesus está prostrado, com o rosto por terra. Abaixa a sua majestade diante do seu Pai. Tem os olhos banhados de choros. Está tomado de uma terrível angústia, dos apertos da agonia: experimenta, uns após outros, o medo, o desgosto, o abatimento. Nunca alma humana suportou semelhante opressão. É o martírio do Coração.
    Tomou a responsabilidade de todos os crimes da terra: os sacrilégios, as blasfémias, o orgulho, a impureza, a injustiça sob todas as suas formas; as ingratidões também, a cobardia, a tibiez dos seus preferidos. A vergonha penetra-o, que repugnância a sua alma santa sente por todos estes horrores! Está na iminência de perder a vida... O sangue, acumulado à volta do seu coração divino pela violência das suas emoções, rompe as veias inchadas e inunda a terra.
    Escutemos as suas palavras: A minha alma está numa tristeza de morte, a ponto de morrer de tristeza. Permanecei aqui e vigiai comigo. Vigiai e rezai. Mas os apóstolos dormem. Que ingratidão, depois do dom da Eucaristia! Que indelicadeza! Que crueldade! Infelizmente, temos nós um coração melhor? Jesus é ainda traído na Eucaristia; é abandonado; repara; tem uma tristeza mística. Onde estamos? Que fazemos? Não somos discípulos, apóstolos, preferidos do Salvador? Onde estão o nosso reconhecimento e a nossa fidelidade? (Leão Dehon, OSP 3, p. 138).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Estabelecerei contigo uma aliança eterna» (Ez 16, 60).

     

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    17 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Sábado
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 18, 1-10.13.30-32

    1O Senhor dirigiu-me a palavra, dizendo: 2«Porque proferis este provérbio à casa de Israel: 'Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que ficaram embotados'? 3Pela minha vida, diz o Senhor Deus, não deveis repetir este provérbio em Israel. 4Todas as vidas me pertencem, tanto a vida do pai como a do filho, todas me pertencem. O que pecou é que morrerá.» 5«Se alguém é justo, observa o direito e a justiça, 6não come nos lugares altos, não levanta os olhos para os ídolos da casa de Israel, não desonra a mulher do seu próximo, não se aproxima de uma mulher durante o tempo da sua impureza; 7não oprime ninguém, restitui o que recebeu em fiança, não comete furtos, distribui pão aos famintos, cobre o nu; 8não empresta com usura e não recebe juros, afasta a mão do mal, e julga entre os homens segundo a verdade; 9se segue as minhas leis e observa os meus preceitos, tal homem é verdadeiramente justo e viverá» - oráculo do Senhor Deus. 10«Mas, se ele gera um filho violento e sanguinário e que faz alguma destas coisas que o pai não fazia. 13Empresta com usura e recebe juros, este, seguramente, não viverá. Depois de ter cometido todos estes crimes abomináveis, deverá morrer e o seu sangue cairá sobre ele.» 30«Por isso, Eu vos julgarei a cada um segundo a sua maneira de agir, casa de Israel - oráculo do Senhor Deus. Convertei-vos e afastai-vos dos vossos pecados; que não haja mais entre vós ocasião de pecado. 31Rejeitai todos os pecados que cometestes contra mim e criai um coração novo e um espírito novo. Porque quereis morrer, casa de Israel? 32Pois Eu não me comprazo com a morte de quem quer que seja - oráculo do Senhor Deus. Convertei-vos e vivei.»

    O grande tema de Ez.18 é o da «responsabilidade pessoal». Ezequiel mostra-se pastor, teólogo, sacerdote e profeta. Como que recapitula as leis do culto, as leis morais, os ensinamentos e cerimónias do templo, as reflexões deuteronómicas e as proclamações proféticas. Ezequiel mostra-se filho da tradição judaica. Para compreendê-lo melhor, temos de nos situar nos anos de exílio, após a queda de Jerusalém. Não há que procurar desculpas para os pecados próprios, nem que atribuir culpas a outros, como alguns faziam, apoiando-se em textos da Escritura (Dt 5, 9; 29, 18-21; Ex 20, 5), ou em provérbios como os que o profeta cita (18, 2): cada um é responsável pelos seus actos, e receberá, por eles, a devida retribuição.
    Ainda que, desde o princípio se conhecesse uma responsabilidade individual (cf. Gn 18, 25), predominava o conceito da responsabilidade colectiva (Js 7). Ezequiel torna-se o teórico da responsabilidade individual, contra o fatalismo dos que diziam: de que vale converter-nos, se pagamos as culpas dos nossos antepassados? O profeta mostra como a Lei apela à responsabilidade pessoal. A salvação de cada um não depende dos seus antepassados, nem dos seus vizinhos (18, 10-18), nem do próprio passado (vv. 21-23). Quem foi mau, pode converter-se e alcançar a vida (vv. 30-32).

    Evangelho: Mateus 19, 13-15

    Naquele tempo, 13Apresentaram a Jesus umas crianças, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas, mas os discípulos repreenderam-nos. 14Jesus disse-lhes: «Deixai as crianças e não as impeçais de vir ter comigo, pois delas é o Reino do Céu.» 15E, depois de lhes ter imposto as mãos, prosseguiu o seu caminho.

    Na época de Jesus, o rito da imposição das mãos e da bênção das crianças era frequentemente usado. Faziam-no os pais, mas também os rabinos famosos, a quem se pedia a bênção. É nesse contexto que se deve entender o episódio narrado hoje por Mateus, e que não deve ser confundido com o que ouvimos na terça-feira passada. Aí tratava-se do apelo à conversão, que exige tornar-se como crianças. Aqui fala-se de Jesus. Perante o "zelo" dos discípulos, Ele manifesta a intenção de não afastar ninguém do Reino. Quando diz «delas» (v. 14b), não se refere à idade, mas quer evidenciar «os que se assemelham a elas». Na antiguidade, as crianças não eram consideradas significativas na sociedade. Mas Jesus faz delas privilegiadas no reino de Deus, admite-as com agrado na comunidade cristã.
    A atitude dos discípulos em querer afastar as crianças revela a sua falta de compreensão pelo ministério de Cristo. Jesus é Aquele que acolhe os pequenos para lhes oferecer o Reino. A imposição das mãos sobre as crianças e a oração é um gesto de bênção (vv. 13.15). Mas é também um sinal de que a salvação é comunicada a todos os que podem identificar com elas: os pequenos, os pobres, os humildes...

    Meditatio

    A Bíblia apresenta-nos uma forte solidariedade na família, na tribo, no povo. Deus declara a Moisés que o seu favor, sobre aqueles que observam os mandamentos, se estende por mil, enquanto castiga a culpa dos pais nos filhos, e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração (cf. Ex 20, 5-6; 34, 7). As nossas acções incidem sobre a vida do próximo. Mas Deus faz que prevaleça a incidência do bem sobre a do mal. Mas, esta última não deixa de impressionar. Os hebreus exprimiam-na com o provérbio citado por Ezequiel: «Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que ficaram embotados» (v. 2). Por isso, achavam que não valia a pena converter-se e viver na justiça, porque tinham de sofrer os castigos merecidos pelas culpas de outros.
    Ezequiel combate essa mentalidade, afirmando claramente o princípio da responsabilidade individual: «Eu vos julgarei a cada um - diz o Senhor - segundo a sua maneira de agir, casa de Israel - oráculo do Senhor Deus» (v. 30). E o profeta explica que o justo, aquele que observa os mandamentos, viverá: «Mas se ele gera um filho violento e sanguinário e que faz alguma destas coisas que o pai não fazia... esse filho não viverá» (vv. 10.13), apesar dos méritos do pai. De modo inverso, se um pai praticar o mal, será ele o castigado, e não o filho, se for bom. E Ezequiel conclui: «Convertei-vos e afastai-vos dos vossos pecados; que não haja mais entre vós ocasião de pecado» (v. 30). Vale a pena converter-se, porque Deus é justo, e não castiga quem não cometeu o mal. Esta certeza, porém, não nos há-de levar ao isolamento individualista. Jesus lutou contra essa atitude e ensinou-nos a solidariedade com todos, também com os pecadores. Cristo assumiu a dor, o pecado, a desolação dos homens, na solidariedade do sacerdócio universal (cf. Heb 5, 9.10.14). Ser solidário com os pecadores, como Cristo, é procurar reparar o pecado e as suas consequências na Igreja e no mundo... com toda a nossa vida, orações, trabalhos, sofrimentos e alegrias; é prestar a Jesus
    o culto de amor e de reparação que o seu Coração deseja (Leão Dehon, NQ XXV, 5) (Cst 7).

    Oratio

    Pai santo, nós Te damos graças porque a nossa vida, unida à oblação de Cristo, é já por si mesma apostolado. Esta manhã, em comunhão com o teu Filho Jesus, a exemplo do Pe. Dehon, queremos oferecer-Te a nossa solidariedade, afectiva e efectiva, em favor de todos os nossos irmãos, particularmente dos mais desfavorecidos. Sabemos que a causa mais profunda dos males da sociedade está na recusa do amor de Cristo. Possuídos por esse amor, queremos corresponder-lhe com uma íntima união ao seu Coração e com a instauração do seu Reino nas almas e nas sociedades. Amen.

    Contemplatio

    Jesus foi verdadeiramente um cordeiro pacífico. Na sua paixão, permaneceu mudo e doce no meio das torturas, «semelhante a um cordeiro diante daquele que o tosquia» (Is 53, 7). Exerceu o seu ministério apostólico na paz e na doçura, como o profeta o tinha anunciado, «sem contenção, sem gritos, sem lutas, sem partir a cana inclinada» (Is 42, 1 e Mt 12, 18).
    S. Paulo ensina a prática da paz: «Adverte os nossos irmãos, diz a Tito, que não difamem ninguém, que fujam dos processos e das querelas, que sejam equitativos, testemunhando a maior doçura por todos os homens; /55 porque nós mesmos éramos outrora insensatos, incrédulos, perdidos, submetidos a todas as espécies de paixões e de volúpias, dignos de sermos odiados e odiando-nos uns aos outros» (Tit 3, 1).
    A alma na qual reside a paz sabe perdoar uma ofensa, não rebater uma palavra que fere, deixar passar um procedimento que choca, sacrificar-se em silêncio.
    Esta alma é, na sua família ou na sua comunidade, um anjo de paz, de reconciliação e de união.
    «Como estão afastados deste espírito aqueles que se comprazem em confundir os outros, diz Bossuet; aqueles que, por más relações, muitas vezes falsas em tudo, muitas vezes aumentadas nas suas circunstâncias, dizendo o que seria preciso calar, despertando a recordação daquilo que era preciso deixar esquecer, ou por palavras picantes e desdenhosas, azedam os seus irmãos, já emocionados e enfermos, pela sua cólera».
    Conselhos de paz: «Não vos deixeis levar à tristeza» (Eccli. 38, 21). Senti-vos com mau humor? Sorri, se puderdes. - Sentis-vos tentados a vos zangardes? Por amor de Jesus, sede doces e pacientes. - Estais para vos vingardes? Dai o bem pelo mal. - Estais para dizer mal de alguém? Dizei bem ou então calai-vos. - Estais para lhe falardes duramente? Falai-lhe docemente, cordialmente. (Leão Dehon, OSP 4, p. 55).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Dai-me, Senhor, um coração puro».

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 20º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    20º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    18 de Agosto, 2024

    ANO B
    20º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 20º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 20º Domingo do Tempo Comum repete o tema dos últimos domingos: Deus quer oferecer aos homens, em todos os momentos da sua caminhada pela terra, o "pão" da vida plena e definitiva. Naturalmente, os homens têm de fazer a sua escolha e de acolher esse dom.
    No Evangelho, Jesus reafirma que o objectivo final da sua missão é dar aos homens o "pão da vida". Para receber essa vida, os discípulos são convidados a "comer a carne" e a "beber o sangue" de Jesus - isto é, a aderir à sua pessoa, a assimilar o seu projecto, a interiorizar a sua proposta. A Eucaristia cristã (o "comer a carne" e "beber o sangue" de Jesus) é um momento privilegiado de encontro com essa vida que Jesus veio oferecer.
    A primeira leitura oferece-nos uma parábola sobre um banquete preparado pela "senhora sabedoria" para os "simples" e para os que querem vencer a insensatez. Convida-nos à abertura aos dons de Deus e à disponibilidade para acolher a vida de Deus (o "pão de Deus que desce do céu").
    A segunda leitura lembra aos cristãos a sua opção por Cristo (aquele Cristo que o Evangelho de hoje chama "o pão de Deus que desceu do céu para a vida do mundo"). Convida-os a não adormecerem, a repensarem continuamente as suas opções e os seus compromissos, a não se deixarem escorregar pelo caminho da facilidade e do comodismo, a viverem com empenho e entusiasmo o seguimento de Cristo, a empenharem-se no testemunho dos valores em que acreditam.

    LEITURA I - Prov 9,1-6

    Leitura do Livro dos Provérbios

    A Sabedoria edificou a sua casa e levantou sete colunas.
    Abateu os seus animais,
    preparou o vinho e pôs a mesa.
    Enviou as suas servas
    a proclamar nos pontos mais altos da cidade:
    «Quem é inexperiente venha por aqui».
    E aos insensatos ela diz:
    «Vinde comer do meu pão e beber do vinho que vos preparei.
    Deixai a insensatez e vivereis;
    segui o caminho da prudência».

    AMBIENTE

    O "Livro dos Provérbios" apresenta várias colecções de ditos, de sentenças, de máximas, de provérbios ("mashal") onde se cristaliza o resultado da reflexão e da experiência ("sabedoria") de várias gerações de "sábios" antigos (israelitas e alguns não israelitas). O objectivo desses provérbios é definir uma espécie de "ordem" do mundo e da sociedade que, uma vez apreendida e aceite pelo indivíduo, o levará a uma integração plena no meio em que está inserido. Dessa forma, o indivíduo poderá viver sem traumas nem sobressaltos que destruam a sua harmonia interior e o incapacitem para dar o seu contributo à comunidade. Ficará, assim, de posse da chave para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros, e assegurará uma vida feliz, tranquila e próspera.
    O livro apresenta-se como tendo sido composto por Salomão (cf. Prov 1,1), o rei "sábio", conhecido pelos seus dotes de governação, pelos seus dons literários, por numerosas sentenças sábias (cf. 1 Re 3,16-28; 5,7; 10,1-9.23) e que se tornou uma espécie de "padrão" da tradição sapiencial... Na realidade, não podemos aceitar, de forma acrítica, essa indicação: a leitura atenta do livro revela que estamos diante de colecções de proveniência diversa, compostas em épocas diversas. Alguns dos materiais apresentados no livro podem ser do séc. X a.C. (época de Salomão; no entanto, isso não implica que venham do próprio Salomão); outros, no entanto, são bem mais recentes.
    O nosso texto integra uma secção que poderíamos chamar, genericamente, "instruções e advertências" (cf. Prov 1,8-9,16). Trata-se de um conjunto de exortações e de instruções de um pai/educador, convidando o filho a adquirir a "sabedoria". É dentro desta secção que nos aparece a antítese entre a "senhora sabedoria" e a "senhora loucura" (cf. Prov 9,1-6.13-18) - um dos textos emblemáticos do "Livro dos Provérbios". A primeira leitura deste domingo é, precisamente, a primeira parte da antítese (a apresentação da "senhora sabedoria").
    Segundo os especialistas, esta secção é a parte mais recente do "Livro dos Provérbios" e não pode ser anterior ao séc. IV ou III a.C. Provavelmente, foi escrita como introdução ao "Livro dos Provérbios" quando todas as outras secções já estavam organizadas.

    MENSAGEM

    O que está em causa, nesta reflexão dos "sábios" de Israel, é a questão das opções de vida. Os homens podem escolher entre a "senhora sabedoria" e a "senhora loucura" (que é apresentada também na sequência - cf. Prov 9,13-18); e essa opção vai ditar, naturalmente, o êxito, a realização, a felicidade, a vida, ou o inêxito, o fracasso, a desgraça, a morte.
    O texto que nos é proposto é uma espécie de propaganda da "senhora sabedoria"; a sua finalidade é levar os destinatários da mensagem a realizarem a opção correcta - a opção que lhes garante a vida e a felicidade. Através de uma parábola, o "sábio" autor deste texto apresenta a "senhora sabedoria" e o convite que ela dirige a todos aqueles que querem descobri-la.
    A "senhora sabedoria" é apresentada como uma dama fina, da alta sociedade, que construiu uma "casa" (vers. 1). Essa "casa" tem, naturalmente, "sete colunas", pois o número sete é, no universo cultural judaico, o número da plenitude, da perfeição. A "casa" da "senhora sabedoria" é, portanto, uma "casa" onde se pode encontrar a perfeição, a plenitude.
    Na sua "casa", a "senhora sabedoria" organiza um "banquete"... Prepara comida e vinho em abundância e põe a mesa (vers. 2); depois, envia as suas servas para que levem a toda a cidade o convite para participar na festa (vers. 3). Provavelmente, esta "casa" para onde a "dona sabedoria" convida é a escola regida pelos "sábios" de Israel e onde se ensinava a "sabedoria". A "comida" e o "vinho" devem referir-se ao "alimento sapiencial" aí servido (quer dizer, a essas regras práticas ensinadas pelos "sábios" nas escolas sapienciais, e destinadas a "armar" os alunos para enfrentarem os problemas do dia a dia, de forma a terem êxito nos seus empreendimentos e a serem felizes).
    Quem são os destinatários do convite feito pela "senhora sabedoria"? São os "simples" (na tradução que nos é proposta no Missal Romano, fala-se dos "inexperientes) e os "insensatos" (vers. 4-6). Estes últimos, porém, devem previamente estar dispostos a deixar a insensatez e a seguir o "caminho da prudência". Os "simples" equivalem aos "pobres" da literatura bíblica: são os pequenos, os humildes, aqueles que não vivem instalados em esquemas de orgulho e de auto-suficiência e têm sempre o coração aberto a Deus e às suas propostas. Os "insensatos" que querem seguir o caminho da prudência são aqueles que não se conformam com a sua fragilidade e debilidade e estão dispostos a fazer um esforço no sentido de reformular a sua vida... Uns e outros têm o coração aberto ao convite da "sabedoria" e estão dispostos a acolher os seus dons.

    ACTUALIZAÇÃO

    • O que está aqui em causa é, portanto, a questão das opções de vida. Optar pela "senhora sabedoria" significa escolher a vida, a felicidade, a realização; optar pela "senhora loucura" significa escolher a morte, a infelicidade, o fracasso... O problema das escolhas correctas é o problema que mais nos angustia e inquieta, ao longo da nossa caminhada pela vida. A Palavra de Deus que nos é proposta contém um convite inquestionável a irmos ao banquete da "senhora sabedoria", a alimentarmo-nos dos seus dons, a abrirmos o coração às suas propostas. É esse o caminho da verdadeira realização e da verdadeira felicidade.

    • A "sabedoria" ensinada em Israel (bem como nos países circunvizinhos) é um conjunto de normas práticas, deduzidas da experiência e da reflexão, destinadas a formar homens íntegros, justos, leais, prudentes, capazes de saber como actuar em cada circunstância e de cumprir a sua missão, sem violar a ordem cósmica e social. Trata-se, apenas, de uma "sabedoria" profana, de um humanismo, de um conjunto de regras para orientar o comportamento e as relações sociais, sem qualquer referência ao mundo transcendente? Que lugar é que Deus ocupa nesta reflexão? Deus será necessário ao homem que quer ser "sábio"? O "sábio" israelita é também um crente, com tudo o que isso implica. Ao longo do Livro dos Provérbios, os "sábios" de Israel afirmam repetidamente que o verdadeiro fundamento da "sabedoria" é o "temor de Deus" (cf. Prov 10,27; 14,26; 15,16.33; 16,6; 19,23; 22,4; 23,17; 24,21; 31,30), como se considerassem que Deus não pode ser excluído da vida do homem que quer ter êxito e ser feliz. O termo "temor" não acentua (como nas línguas modernas) a dimensão do "medo"; mas indica uma atitude do crente diante de Deus caracterizada pela reverência, pelo respeito, pela obediência, pela confiança. Ora, de acordo com os "sábios" do "Livro dos Provérbios", essa atitude religiosa face a Deus é condição indispensável para a aquisição de uma "sabedoria" genuína, de um verdadeiro conhecimento. Não há, pois, "sabedoria" autêntica sem uma abertura decidida à transcendência. Todos nós queremos, naturalmente, aceitar o convite da "senhora sabedoria", saborear os alimentos que ela nos oferece e munir-nos dos instrumentos necessários para triunfar na vida, para alcançar a realização e a felicidade; no entanto, com frequência, buscamos a nossa realização plena e a nossa felicidade contra Deus ou, pelo menos, à margem de Deus e dos seus valores... Para nós, crentes, o encontro com a "senhora sabedoria" passa pela escuta de Deus e dos seus planos, pela entrega confiada nas mãos de Deus, pela obediência radical às propostas de vida que Deus nos faz. Não poderemos chegar à nossa realização plena ignorando Deus e as suas propostas.

    • É por isso que só os "simples" e os "insensatos que querem deixar a insensatez e seguir o caminho da prudência" são admitidos à mesa da "senhora sabedoria". Os "simples" são aqueles que não têm o coração demasiado cheio de si próprio, que não se fecham no orgulho e na auto-suficiência, que reconhecem a sua pequenez e finitude e que se entregam com humildade e confiança nas mãos de Deus; os "insensatos que buscam o caminho da prudência" são aqueles que estão dispostos a mudar, que não se conformam com a vida do homem velho e querem ir mais além... Uns e outros são o paradigma de uma determinada atitude: a atitude de abertura aos dons de Deus, de disponibilidade para acolher a vida de Deus... São aqueles que reconhecem que precisam de Deus e dos seus dons pois, por si sós, são incapazes de encontrar o caminho para a realização, para a felicidade, para a vida plena.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 33 (34)

    Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

    A toda a hora bendirei o Senhor,
    o seu louvor estará sempre na minha boca.
    A minha alma gloria-se no Senhor:
    escutem e alegrem-se os humildes.

    Temei o Senhor, vós os seus fiéis,
    porque nada falta aos que O temem.
    Os poderosos empobrecem e passam fome,
    aos que procuram o Senhor não faltará riqueza alguma.

    Vinde, filhos, escutai-me,
    vou ensinar-vos o temor do Senhor.
    Qual é o homem que ama a vida,
    que deseja longos dias de felicidade?

    Guarda do mal a tua língua
    e da mentira os teus lábios.
    Evita o mal e faz o bem,
    procura a paz e segue os seus passos.
    LEITURA II - Ef 5,15-20

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Vede bem como procedeis.
    Não vivais como insensatos, mas como pessoas inteligentes.
    Aproveitai bem o tempo, porque os dias que correm são maus.
    Por isso não sejais irreflectidos,
    mas procurai compreender qual é a vontade do Senhor.
    Não vos embriagueis com o vinho, que é causa de luxúria,
    mas enchei-vos do Espírito Santo,
    recitando entre vós salmos, hinos e cânticos espirituais,
    cantando e salmodiando em vossos corações,
    dando graças, por tudo e em todo o tempo, a Deus Pai,
    em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    AMBIENTE

    A segunda leitura deste domingo apresenta-nos, mais uma vez, um texto dessa carta que Paulo enviou da prisão (de Roma?) a diversas comunidades cristãs da zona ocidental da Ásia Menor (entre as quais se contava a comunidade cristã de Éfeso).
    O nosso texto pertence à segunda parte da carta (cf. Ef 4,1-6,20). Nessa "exortação aos baptizados", Paulo retoma alguns dos temas tradicionais do catecismo primitivo e convida os cristãos a deixarem a antiga forma de viver para assumir a nova, revestindo-se de Cristo (cf. Ef 4,17-31), imitando Deus (cf. Ef 4,32-5,2), passando das trevas à luz (cf. Ef 5,3-20). Como cenário de fundo da reflexão paulina está sempre a necessidade de os cristãos deixarem a vida do homem velho, para assumirem a vida do Homem Novo. É neste sentido que devem ser entendidos essas normas práticas de conduta que Paulo apresenta aos seus cristãos no texto que nos é proposto.
    Estamos no início da década de 60... Passou já o entusiasmo inicial que levou muitos crentes (os de Éfeso também) a uma adesão entusiástica a Jesus e à sua proposta de vida... Agora, a monotonia, a instalação, o comodismo são realidades que estão presentes em muitas comunidades e na vida de muitos cristãos. Embora preso, Paulo continua a preocupar-se com a vida dos cristãos e das comunidades que ele acompanhou; por isso, vai exortar os crentes a uma vida de coerência com os compromissos um dia assumidos diante de Cristo e diante dos irmãos da comunidade.

    MENSAGEM

    O nosso texto é antecedido pelo fragmento de um antigo hino cristão que convida os crentes a despertarem do sono em que jazem e a redescobrirem a luz de Cristo (cf. Ef 5,14). O que é que significa, na perspectiva de Paulo, acordar de novo para a luz, ou o viver como "filhos da luz"?
    Os cristãos, definitivamente comprometidos com Cristo desde o dia do seu Baptismo, não podem, estupidamente ("como insensatos" - vers. 15), voltar aos valores do homem velho. É verdade que os tempos não são favoráveis e não ajudam a que se viva com coerência a própria fé e os valores de Jesus; mas é precisamente nesses ambientes mais difíceis e adversos que se torna mais necessário dar testemunho dos projectos de Deus e cumprir a vontade do Senhor (vers. 16-17).
    "Não vos embriagueis com vinho, que leva à vida desregrada, mas deixai-vos encher do Espírito" (vers. 18) - aconselha Paulo. O "vinho" representa aqui, provavelmente, todos esses valores materiais que seduzem os homens, que os levam ao desregramento e que os fazem esquecer os seus compromissos; o Espírito significa a vida de Deus - essa vida que os crentes receberam no dia do seu Baptismo, que deve encher os seus corações e que deve transformar-se em gestos de amor e de doação a Deus e aos irmãos.
    O nosso texto termina com um convite à oração, ao louvor, à acção de graças ao Senhor. Os crentes não podem esquecer a sua ligação ao Senhor e o seu diálogo com Ele, pois é esse diálogo que os mantém atentos e vigilantes, comprometidos com o projecto de Deus. Quando a oração é feita em comunidade, ela torna-se partilha mútua e uma caminhada comum na descoberta dos planos de Deus para os homens e para o mundo (vers. 19-20).

    ACTUALIZAÇÃO

    • A tentação da acomodação, da instalação, do "deixar correr", do viver o seguimento de Cristo de forma "morna" e pouco empenhada, do deixarmo-nos envolver por comportamentos e valores pouco consentâneos com o nosso compromisso com Cristo, é uma tentação real e que todos nós conhecemos bem. Como diz Paulo, é uma estupidez termos descoberto a vida verdadeira e deixarmos que o homem velho do egoísmo e do pecado nos domine de novo... O texto da Carta aos Efésios que nos é proposto é um convite a não adormecermos, a repensarmos continuamente as nossas opções e os nossos compromissos, a não nos deixarmos escorregar pelo caminho da facilidade e do comodismo, a vivermos com empenho e entusiasmo o seguimento de Cristo, a empenharmo-nos no testemunho dos valores em que acreditamos. A opção que fizemos no dia do nosso Baptismo tem de ser confirmada e revitalizada por uma infinidade de novas opções, todos os dias da nossa vida.

    • Paulo recomenda aos seus cristãos que não se embriaguem "com vinho, que leva à vida desregrada". Dizíamos acima que o embriagar-se com "vinho" representa, nestas circunstâncias, o deixar-se seduzir por esses valores materiais que afastam os homens dos valores eternos, dos valores do Reino... Pessoalmente, quais são os valores a que eu dou mais importância? Algum desses valores constitui um obstáculo para que eu viva, de forma verdadeiramente comprometida, os valores de Jesus e do Evangelho?

    • O viver como "filhos da luz" implica ainda, na perspectiva de Paulo, a oração, o louvor, a acção de graças. Um crente que tem Deus como a coordenada fundamental da sua existência e que se sente chamado a fazer parte da família de Deus é um crente que vive em diálogo contínuo com Deus. É nesse diálogo que ele percebe os planos e os projectos de Deus para si próprio e para o mundo e encontra a coragem para percorrer o caminho da fidelidade e do compromisso. Consigo encontrar tempo e disponibilidade para falar com Deus, para escutar as propostas que Ele me apresenta? Estou consciente dos dons de Deus e respondo-Lhe com o louvor e a acção de graças?

    ALELUIA - Jo 6,56

    Aleluia. Aleluia.

    Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue
    permanece em mim e Eu nele, diz o Senhor.
    EVANGELHO - Jo 6,51-58

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    disse Jesus à multidão:
    «Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.
    E o pão que Eu hei-de dar é minha carne,
    que Eu darei pela vida do mundo».
    Os judeus discutiam entre si:
    «Como pode ele dar-nos a sua carne a comer?»
    E Jesus disse-lhes:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    Se não comerdes a carne do Filho do homem
    e não beberdes o seu sangue,
    não tereis a vida em vós.
    Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
    tem a vida eterna;
    e Eu o ressuscitarei no último dia.
    A minha carne é verdadeira comida
    e o meu sangue é verdadeira bebida.
    Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
    permanece em Mim e eu nele.
    Assim como o Pai, que vive, Me enviou
    e eu vivo pelo Pai,
    também aquele que Me come viverá por Mim.
    Este é o pão que desceu do Céu;
    não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram:
    quem comer deste pão viverá eternamente».

    AMBIENTE

    O trecho que nos é proposto neste domingo como Evangelho situa-nos ainda na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,59) e no contexto do discurso sobre o "pão que desceu do céu para dar vida ao mundo". Neste trecho, no entanto, Jesus vai um pouco mais além: convida os seus interlocutores a comer a sua carne e a beber o seu sangue.
    Alguns biblistas pensam que esta parte do discurso é uma reflexão da primitiva comunidade cristã que reinterpretou a primeira parte do discurso, explicitando-a a partir da celebração eucarística posterior; outros pensam que João reelaborou uma série de materiais que estariam inicialmente incluídos no relato da última ceia e que foram deslocados para aqui por conveniências teológicas (na sua versão da última ceia, João preferiu dar relevo à lavagem dos pés; contudo, não quis omitir o discurso eucarístico de Jesus, um dado tão importante para a tradição cristã. Sendo assim, transladou-o para outro lugar; e o lugar mais indicado para o situar pareceu-lhe ser, precisamente, na continuação do discurso sobre o "pão descido do céu para dar vida ao mundo"). Em qualquer caso, esta parte do discurso (cf. Jo 6,51-58) não deve ter sido feita na sinagoga de Cafarnaum... Ela só faz sentido após a instituição da Eucaristia, na última ceia.
    O discurso sobre o "pão da vida" (cf. Jo 6,22-58) ficou, portanto, no esquema de João, com o seguinte enquadramento lógico: os homens buscam o pão material; Jesus traz-lhes o "pão do céu que dá vida ao mundo"; e o pão eucarístico realiza, de forma plena, a missão de Jesus no sentido de dar vida ao homem.

    MENSAGEM

    Depois de Se apresentar como "o pão vivo que desceu do céu" para dar aos homens a vida definitiva (vers. 51a), Jesus identifica esse "pão" com a sua "carne" (vers. 51b). A palavra "carne" (em grego: "sarx") designa a realidade física do homem, na sua condição débil, transitória e caduca. Ora, foi precisamente na "carne" de Jesus - isto é, no seu corpo físico - que se manifestou, em gestos concretos, a sua doação e o seu amor até ao extremo. Na realidade física de Jesus, Deus tornou-Se presente e visível no meio dos homens, mostrou a sua vontade de comunicar com os homens e manifestou-lhes o seu amor. É esta "carne" (isto é, a sua vida física, o "lugar" onde Deus Se manifesta aos homens e lhes mostra o seu amor) que Jesus vai dar a "comer" para que o mundo tenha vida.
    Os judeus não entendem as palavras de Jesus (vers. 51). Quando Jesus Se apresentou como "pão vivo descido do céu para dar a vida ao mundo", eles entenderam que Jesus pretendia ser uma espécie de "mestre de sabedoria" que trazia aos homens palavras de Deus (também isso, eles tinham dificuldade em aceitar; mas, pelo menos, entendiam aonde Ele queria chegar)... Mas agora Jesus fala em "comer" a sua carne. O que significam as suas palavras? São palavras difíceis de entender, se não nos colocarmos numa perspectiva eucarística; e, por isso, os judeus não as entendem... Para a comunidade de João, contudo, as palavras de Jesus são claras, pois são entendidas tendo em conta a celebração e o significado da Eucaristia.
    Na sequência, Jesus reitera a sua afirmação, desta vez com mais desenvolvimentos: Ele não só vai dar a "comer" a sua carne, mas também a beber o seu sangue; e quem os aceitar recebe vida definitiva (vers. 53-54). A referência ao "sangue" coloca-nos no contexto da paixão e da morte. Dizer que Jesus é "carne" significa que Ele Se tornou pessoa como nós, assumiu a nossa condição de debilidade, aceitando passar, até, pela experiência da morte. Dizer que o pão que Ele há-de dar é a sua "carne para a vida do mundo" significa que Jesus fez da sua vida um dom, uma "entrega" por amor aos homens; e que o momento mais alto dessa vida feita "dom" e "entrega" é a morte na cruz. Na cruz, manifestou-se, através da "carne" de Jesus - isto é, através da sua realidade física - o seu amor, o seu dom, a sua entrega... Ora, é essa realidade que se manifestou na cruz - realidade de amor, de doação, de entrega - que os discípulos são convidados a "comer" e a "beber". "Comer" e "beber" significam, neste contexto, "aderir", "acolher", interiorizar", "assimilar".
    A questão é, portanto, esta: Jesus não está a falar da sua "carne" física e do seu "sangue" físico... Está a pedir, simplesmente, que os seus discípulos acolham e assimilem essa vida de amor, de dom, de entrega, que Ele mostrou na sua pessoa (isto é, nos seus gestos, no seu amor, na sua doação aos homens) e que teve a sua expressão mais radical na cruz, quando Jesus, por amor, ofereceu totalmente a sua vida, até à última gota de sangue. Quem "acolher" e "assimilar" esta vida e aceitar viver da mesma forma - no amor e no dom total da vida, até à morte - terá vida plena e definitiva.
    A Eucaristia actualiza esta realidade na comunidade cristã e na vida dos crentes. Esse mesmo Jesus que amou até às últimas consequências, que pôs a sua vida ao serviço dos homens, que Se deu na cruz, oferece-Se como alimento aos seus. O discípulo que "come" e "bebe" a sua "carne" e o seu "sangue" assimila esta proposta e compromete-se a viver e a dar a vida como Ele (vers. 55).
    Um dos efeitos de "comer a carne" e "beber o sangue" de Jesus é ficar em união íntima, em comunhão de vida com Jesus. O discípulo que interioriza a proposta de Jesus identifica-se com Ele e torna-se um com Ele (vers. 56). O cristão é, antes de mais, alguém que recebe vida de Jesus e vive em união com Ele.
    Outro efeito de "comer a carne" e "beber o sangue" de Jesus é comprometer-se com o mesmo projecto de Jesus. Jesus Cristo foi enviado pelo Pai ao mundo para dar vida ao mundo e o seu plano consiste em concretizar esse projecto; o cristão assimila esse mesmo projecto e dedica toda a sua existência a concretizá-lo no meio dos homens (vers. 57).
    É neste caminho que se chega a essa vida plena e definitiva que Jesus veio propor aos homens. Do "comer a carne" e "beber o sangue" de Jesus nascerá uma nova humanidade de gente livre, que venceu a morte e que vive para sempre (vers. 58).
    O discurso que João põe na boca de Jesus não se dirige aos judeus (pois os judeus não eram capazes de entender as palavras de Jesus), mas dirige-se aos discípulos. O seu objectivo é explicar o programa de Jesus, pedir aos discípulos que assimilem esse programa e o testemunhem no meio dos homens. A Eucaristia cristã ("comer a carne" e beber o sangue") é, assim, uma forma privilegiada de "actualizar" na vida dos crentes a vida e o amor de Jesus, de estar em comunhão com Jesus, de "assimilar" o projecto de Jesus e de o concretizar no mundo.

    ACTUALIZAÇÃO

    • Nas semanas anteriores, a liturgia disse-nos, repetidamente, que Jesus era o "pão descido do céu para dar vida ao mundo"... O Evangelho deste domingo liga esta afirmação com a Eucaristia: uma das formas privilegiadas de Jesus continuar presente, no tempo, a "dar vida" ao mundo é através do "pão" que Ele distribui à mesa da Eucaristia. A Eucaristia que as comunidades cristãs celebram cada domingo (ou mesmo cada dia) não é um rito tradicional a que "assistimos" por obrigação, para acalmar a consciência ou para cumprir as regras do "religiosamente correcto"; mas é um encontro com esse Cristo que Se faz "dom" e que vem ao nosso encontro para nos oferecer a vida plena e definitiva. Como é que eu "sinto" a Eucaristia? Que importância é que ela assume na minha vida e na minha existência cristã?

    • Participar no encontro eucarístico, "comer a carne" e "beber o sangue" de Jesus é encontrar-se, hoje, com esse Cristo que veio ao encontro dos homens e que tornou presente na sua "carne" (na sua pessoa física) uma vida feita amor, partilha, entrega, até ao dom total de si mesmo na cruz ("sangue"). Participar no encontro eucarístico, "comer a carne" e "beber o sangue" de Jesus, é acolher, assimilar e interiorizar essa proposta de vida, aceitar que ela é um caminho para a felicidade, para a realização plena do homem, para a vida definitiva.

    • Sentar-se à mesa da Eucaristia é também identificar-se com Jesus, viver em união com Ele. Na Eucaristia, o alimento servido é o próprio Cristo. Por isso, é a própria vida de Cristo que passa a circular nas veias dos crentes. Quem acolhe essa vida que Jesus oferece torna-se, portanto, um com Ele. Comer cada domingo (ou cada dia) à mesa com Jesus desse alimento que Ele próprio dá e que é a sua pessoa, leva os crentes a uma comunhão total de vida com Jesus e a fazer parte da família do próprio Jesus. Convém termos consciência desta realidade: celebrar a Eucaristia é aprofundarmos os laços familiares que nos unem a Jesus, identificarmo-nos com Ele, deixarmos que a sua vida circule em nós. Este crente, identificado com Cristo, torna-se uma pessoa nova, à imagem de Cristo.

    • Na concepção judaica, a partilha do mesmo alimento à volta da mesa gera entre os convivas familiaridade e comunhão. Assim, os crentes que participam da Eucaristia passam a ser irmãos: em todos circula a mesma vida, a vida do Cristo do amor total. Dessa forma, a participação na Eucaristia tem de resultar no reforço da comunhão dos irmãos. Uma comunidade que celebra a Eucaristia e que vive depois na divisão, no ciúme, no conflito, no orgulho, na auto-suficiência, na indiferença para com as dores e as necessidades dos irmãos, é uma comunidade que não está a ser coerente com aquilo que celebra; e, nesse caso, a celebração eucarística é uma incoerência e uma mentira.

    • Finalmente, o "comer a carne" e "beber o sangue" de Jesus implica um compromisso com esse mesmo projecto que Jesus procurou concretizar em toda a sua vida, em todos os seus gestos, em todas as suas palavras. Como Jesus, o crente que celebra a Eucaristia tem de levar ao mundo e aos homens essa vida que aí recebe... Tem de lutar, como Jesus, contra a injustiça, o egoísmo, a opressão, o pecado; tem de esforçar-se, como Jesus, por eliminar tudo o que desfeia o mundo e causa sofrimento e morte; tem de construir, como Jesus, um mundo de liberdade, de amor e de paz; tem de testemunhar, como Jesus, que a vida verdadeira é aquela que se faz amor, serviço, partilha, doação até às últimas consequências. Se a Eucaristia for, de facto, uma experiência profunda e sentida de adesão a Cristo e ao seu projecto, dela resultará o imperativo de uma entrega semelhante à de Cristo em favor dos nossos irmãos e da construção de um mundo novo.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 20º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 20º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    O conviva é aquele que "vive com" o tempo de uma refeição. Jesus faz continuamente referência à relação que O une a seu Pai; eles vivem a convivência, Eu vivo pelo Pai", diz Jesus. Mas acrescenta: "também aquele que Me come viverá por Mim". Em cada Eucaristia, não estamos ao lado de Cristo ressuscitado, Ele vem morar em nós para viver em nós. Temos de dizer, como São Paulo: "Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim". É isso a comunhão, esta união total. É o momento de dizer: "Este mistério é grande!" É grande, porque nunca acabaremos de nos maravilhar e de dar graças. Hoje, se Cristo vem habitar em nós, é para que nós habitemos n'Ele. Vivamos as nossas Eucaristias verdadeiramente como um tempo de convivência.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Jesus é insistente: não pára de repetir que os seus discípulos devem comer a sua carne e beber o seu sangue! Ainda hoje, tal linguagem é chocante, inaceitável para a nossa razão e para a nossa sensibilidade. Sabemos, é certo, que São João escreve depois da Ressurreição e que as palavras de Jesus só se podem aceitar e compreender a essa luz. Uma das palavras-chave do discurso de Jesus é "morar": aqui e em tantas passagens do Evangelho... Morar com alguém é entrar na sua intimidade, para ficar juntos. É isso que Deus quer: "estar com" com os homens, "Emanuel", para que nós estejamos também com Ele. Não podemos aceder ao sentido profundo das palavras de Jesus sobre a sua carne a comer e o seu sangue a beber se não nos colocarmos no registo do amor que exige a presença, o "estar com" dos dois seres que se amam. No amor, é tudo ou nada. O seu amor por nós é tal que Ele quer dar-Se na totalidade do seu ser e quer que esse dom dure sempre. Esta experiência já acontece humanamente: num momento de intensa comunhão com o ser amado, desejamos ardentemente que isso dure sempre. Ao escolher o meio do banquete eucarístico para colocar em nós a sua presença de Ressuscitado, Jesus quer enraizar-Se em nós e alimentar o gérmen da Vida eterna que será doravante a sua. Eis porque Ele pode afirmar: "quem comer deste pão viverá eternamente". Participar na Eucaristia, comungar do corpo e do sangue de Jesus ressuscitado, é oferecer-Lhe o nosso "espaço humano" muito concreto, toda a nossa pessoa para que Ele venha habitar em nós. Então podemos, desde agora, ser um com Ele: "já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim!".

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    O importante é viver e partilhar a vida. Nesta semana, poderíamos estar particularmente atentos àqueles que têm dificuldade em viver, porque o seu sofrimento é demasiado pesado... Talvez poderemos, simplesmente, estar presentes a seu lado e dizer-lhes uma palavra de vida, algumas palavras do coração que saibam reacender a esperança.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • S. João Eudes, Presbítero

    S. João Eudes, Presbítero


    19 de Agosto, 2024

    S. João Eudes nasceu em França, em 1601. Tendo estudado num colégio dos Jesuítas, acabou por entrar no Oratório de Paris, em 1624, onde foi iniciado na espiritualidade por Bérulle e Condren. Dedicou-se à pregação de missões populares e ao ministério do confessionário. Em 1642 fundou a congregação dos Eudistas e a de Nossa Senhora da Caridade, que tiveram importante papel na divulgação da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. João Eudes foi o autor dos primeiros textos para a celebração litúrgica dos sagrados Corações de Jesus e de Maria. Faleceu em 1680.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 3, 14-19

    Irmãos: Eu dobro os joelhos diante do Pai, 15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.

    Toda a família, isto é, qualquer grupo que possamos imaginar, nos céus e na terra, tem por autor o mesmo e único Deus. O internacionalismo de Paulo é absoluto e universal. No império romano eram toleradas, e até apoiadas, todas as religiões, na condição de que não pretendessem ser internacionais. Paulo tinha consciência de ser instrumento de uma irrupção do divino, que o impelia a percorrer o caminho do universalismo absoluto. Mas desconhecia as consequências sociais e políticas da sua cosmovisão religiosa. O Apóstolo fala do "homem interior" que terá de ser "fortificado pelo Espírito". Vislumbra a grandiosidade da meta para a qual se dirige a partir da saída de si mesmo. Só através da fé os cristãos poderão "apreender qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade" (v. 18) de algo que é indizível, "o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento" (v. 19), até ficarem "repletos de toda a plenitude de Deus" (v. 19).

    Evangelho: da féria (ou do Comum)

    Meditatio

    O Padre Eudes, a maravilha do seu século, no dizer de M. Olier, depois de ter penetrado até ao mais íntimo das almas de Jesus e de Maria e depois de ter perscrutado os seus mistérios, tão tardou a encontrar um alimento para a sua piedade na devoção aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria. Esclarecido pelas luzes sobrenaturais da Irmã Maria des Vallées e provavelmente também pelas suas próprias revelações, não quis ter outra meta para o seu amor e para as suas homenagens senão estes Corações Sagrados, Resolveu consagrar a sua vida a estabelecer e a propagar o culto destes dois Corações, que uniu como fazendo um só todo moral, considerando-os como um mesmo Coração em unidade de espírito, de sentimento, de vontade e de afeto. Começa a sua propaganda em 1640, e a primeira grande revelação de Margarida Maria não data senão de 1673. «Ele foi, diz o Padre Regnault (diretor do Mensageiro do Sagrado Coração), um zelador excecional ao qual cabe a honra insigne de ter sido o primeiro a trabalhar na propagação do culto do Sagrado Coração». - «O Padre Eudes, diz o cardeal Perraud, foi suscitado por Deus para preparar o mundo cristão a receber a grande devoção da qual uma revelação miraculosa devia confiar mais tarde o apostolado à visitandina de Paray».
    O Padre Eudes começou por fundar duas congregações, consagradas aos sagrados Corações de Jesus e de Maria. A sua Congregação de Padres propagou esta devoção em várias dioceses. Depois erigiu confrarias dedicadas à mesma devoção e obteve para elas a aprovação da Santa Sé. Fundou várias capelas em honra dos dois Sagrados Corações. A de São Salvador, na diocese de Coutance, é designada numa bula de Clemente X sob o nome preciso de igreja do Coração de Jesus e de Maria. A sua construção deu lugar às ofertas mais generosas da parte de todas as classes da sociedade. O Padre Eudes preparava assim o público, em França, para receber as manifestações de Paray-le-Monial.
    Até 1670, o Padre Eudes tinha unido mais ou menos constantemente os dois Corações do Filho e da Mãe, considerando-os na sua união moral. A partir desta altura, faz de cada um destes Corações objeto de um culto especial.
    O Padre Eudes redige então esta missa deliciosa do Sagrado Coração que se chamou a missa do fogo tanto é animada por um amor ardente. Foi aprovada em várias dioceses. Escreve o seu belo ofício, que exprime tão bem o espírito suave e terno de Jesus, e que nos revela, como diz o Padre Le Doré, os tesouros de mansidão, de misericórdia e de bondade que encerra o Coração tão cheio de amor do divino Mestre. São como outros tantos jatos de fogo que se escapam uns atrás dos outros do Coração de Jesus e da alma que canta o seu amor, as suas grandezas e os seus encantos.
    Várias comunidades religiosas adotaram o ofício da missa, nomeadamente as beneditinas do Santíssimo Sacramento e a abadia de Montmartre.
    No seu livro sobre o Coração adorável de Jesus, publicado em 1670, o Padre Eudes exprime já todos os sentimentos que Margarida Maria devia receber diretamente do Coração de Jesus, pouco tempo depois.
    Como ela, une a reparação ao amor. Diz-nos que um dos sentimentos do Coração de Jesus que mais merece ser objeto da nossa devoção é esta imensa dor de que está penetrado desde a sua agonia até ao Calvário, e que o inundaria todos os dias, se a dor pudesse entrar no céu.
    Mostra-nos também no Coração de Jesus o altar de ouro do divino amor, a cidade de refúgio das almas provadas, e ensaiado já o tesouro de todas as graças e de todas as reparações. (Leão Dehon, OSP 4, p. 171s.).

    Oratio

    Senhor, com S. João Eudes, como com todos os apóstolos do vosso divino Coração, consagro-vos o meu coração, para o entregar ao vosso amor e à reparação que esperais dos vossos amigos. Ámen. (Leão Dehon OSP 4, p. 172).

    Contemplatio

    Jesus comunica-nos a sua vida divina unindo-se a nós pela graça: «Eu sou a vida, diz, e vim para a espalhar nas almas» (Jo 10, 10). - «Eu vivo e vós viveis da minha própria vida» (Jo 4, 19). - «Quem tem o Filho de Deus em si, tem a vida» (Jo 5, 12). É pelo seu Coração que Jesus nos comunica a sua vida divina. «Este Coração sagrado, diz o Padre Eudes, é o princípio da vida não só do Homem-Deus, mas da mãe e dos filhos de Deus. - O Coração espiritual de Jesus, isto é, a sua alma santíssima, unido à sua divindade, é o princípio da sua vida espiritual e moral. - É também o princípio da vida da Mãe de Deus. O Filho-Deus recebia de Maria a vida material e transmitia-lhe a vida espiritual e sobrenatural. - O Coração de Jesus é também o princípio da vida sobrenatural de todos os filhos de Deus. Como é a vida do chefe, é também a vida dos membros. Em Jesus, diz S. Tomás, está a plenitude da graça ou da vida das almas. Ela está depositada no seu Coração, como num reservatório universal, de onde ela corre para a humanidade a fim de a santificar». Nosso Senhor disse-nos isso várias vezes: «Se alguém me ama, o meu Pai amá-lo-á, e nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada» (Jo 14, 23). Jesus habita em nós pela sua graça, e o seu Coração une-se ao nosso coração para aí se tornar o princípio vivo da vida espiritual e divina em nós (Père Eudes: Le royaume de Jesus, et le coeur admirable de Marie). (Leão Dehon, OSP 3, p. 508).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Cristo habite, pela fé, nos vossos corações" (Ef 3, 17).

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    S. João Eudes, Presbítero (19 Agosto)

    XX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    19 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 24, 15-24

    15O Senhor dirigiu-me a palavra, dizendo: 16«Filho de homem, vou tirar-te de repente aquela que é a alegria dos teus olhos; mas tu não deverás lamentar-te, nem chorar, nem derramar lágrimas. 17Suspira em silêncio, não guardes o luto habitual pelos defuntos; conserva o turbante na cabeça, calça as sandálias, não cubras o rosto e não comas pão ordinário.» 18Falei ao povo na parte da manhã. À tarde, minha mulher morria; e eu, na manhã do dia seguinte, fiz como me tinha sido ordenado. 19E o povo disse-me: «Não queres dizer-nos o que significa para nós aquilo que fizeste?» 20E eu respondi-lhes: «A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 21Diz à casa de Israel: 'Assim fala o Senhor Deus: Eis que vou profanar o meu santuário, o orgulho da vossa força, as delícias dos vossos olhos e a paixão das vossas vidas. Os vossos filhos e filhas que deixastes cairão ao fio da espada. 22Então, fareis o que Eu fiz. Não cobrireis o vosso rosto e não comereis pão ordinário. 23Com o turbante na cabeça e as sandálias calçadas, não vos lamentareis e não chorareis; mas consumir-vos-eis nas vossas iniquidades e gemereis uns para os outros. 24Ezequiel será para vós um sinal: fareis como ele fez, quando isto acontecer. Então, reconhecereis que Eu sou o Senhor Deus.

    Como Oseias apresentou o seu matrimónio, e Jeremias o seu celibato, Ezequiel apresenta a morte da sua esposa como sinal eloquente de Deus para o seu povo, agora no exílio. São factos da vida que se convertem em oráculos com uma intensidade nova e desusada. Por muito que lhe doa a perda da «alegria dos seus olhos» (v. 16), Ezequiel não usa, por vontade de Deus, sinais exteriores de luto e de dor. Antes de ser esposo, é profeta. O povo estranha e interroga-se sobre o significado do seu comportamento. A resposta é contundente: o próprio Deus vai profanar o seu santuário, «as delícias dos vossos olhos e a paixão das vossas vidas» (v. 21). Os exilados hão-de meditar em silêncio a tragédia de Jerusalém. Para quê? Para saberem que «Eu sou o Senhor» (v. 24). Em última análise, pretende-se que o povo não se afaste de Deus, tal como Deus não se afasta dele.
    Ezequiel, mudo pela dor e pela tragédia, remete-se a um silêncio sereno, atento ao desenvolvimento dos acontecimentos, até que lhe seja comunicada a queda de Jerusalém. Só então voltará a falar, para não mais se calar. Assim termina a primeira parte do livro de Ezequiel, em que o profeta apenas pôde anunciar oráculos cominatórios, que os acontecimentos históricos vieram confirmar.

    Evangelho: Mateus, 19, 16-22

    16Naquele tempo, aproximou-se de Jesus um jovem e disse-lhe: «Mestre, que hei-de fazer de bom, para alcançar a vida eterna?» 17Jesus respondeu-lhe: «Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só. Mas, se queres entrar na vida eterna, cumpre os mandamentos.» 18«Quais?» - perguntou ele. Retorquiu Jesus: Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho, 19honra teu pai e tua mãe; e ainda: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. 20Disse-lhe o jovem: «Tenho cumprido tudo isto; que me falta ainda?» 21Jesus respondeu: «Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.» 22Ao ouvir isto, o jovem retirou-se contristado, porque possuía muitos bens.

    O encontro de Jesus com o jovem rico é referido pelos três Sinópticos com algumas diferenças. Por exemplo, Mateus fala de um «jovem» que se apresenta a Jesus e lhe chama simplesmente «Mestre». Marcos e Lucas falam de «um homem» que se dirige a Jesus, chamando-lhe «bom Mestre».(cf. Mc 10, 17ss.; Lc 10, 25ss.) Também a resposta de Jesus é diferente. Enquanto Mateus, como é habitual, evita pronunciar o nome de Deus: e escreve «Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só» (v. 17), Marcos e Lucas escrevem: «Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só: Deus».
    Todo o homem anseia pela vida e felicidade eterna, e todo o homem se interroga sobre o modo para as alcançar. Já os discípulos de João Baptista o interrogaram sobre essa questão (cf. Lc 3, 10). No dia do Pentecostes, os ouvintes de Pedro hão-de fazer-lhe a mesma pergunta (cf Act 2, 37). No nosso texto, é um jovem que anda à procura, que quer fazer algo para alcançar a vida eterna. Jesus fica agradado com a sua boa vontade e, pouco a pouco, procura orientá-lo.
    Com a pergunta: «Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só» (v. 17), Jesus insinua que, procurar a vida eterna é, ao fim e ao cabo, procurar Alguém, que tem um rosto concreto, e não algo de abstracto. Posto isto, Jesus indica-lhe o tradicional caminho da prática dos mandamentos. O jovem não fica satisfeito com essa resposta demasiado óbvia, e até estava convencido de sempre ter «cumprido tudo isso» (v. 20). Procurava, pois, algo mais. Então, Jesus lança-lhe uma proposta: «Se queres ser perfeito...» (v. 21). Jesus aprecia a boa vontade, o esforço de quem quer ir mais longe. Já tinha apontado uma meta sem limites, ao dizer: «sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste» (Mt 5, 48). O caminho para essa meta é dar tudo aos pobres e pôr-se a seguir Jesus. É o que o «Mestre» diz ao jovem, porque os bens, quando não são partilhados com os pobres, afastam o homem do Bem supremo, que é Deus: «onde está o teu tesouro, aí está o teu coração» (Mt 6, 21). Para seguir a Cristo, é preciso ter o coração no lugar certo. Não era o caso deste jovem, que tinha muitos bens, e se foi embora triste (cf. v. 22).

    Meditatio

    Ezequiel perde a sua mulher. Não sabemos o que a leva à morte, mas sabemos que, por inspiração de Deus, o profeta não manifesta a sua aflição, não põe luto. O Senhor dissera-lhe: «Suspira em silêncio, não guardes o luto habitual pelos defuntos; conserva o turbante na cabeça, calça as sandálias, não cubras o rosto e não comas pão ordinário» (v. 17). O drama familiar de Ezequiel devia servir de sinal profético. O povo interroga-o sobre um comportamento considerado estranho, e o profeta responde: «O Senhor vai profanar o seu santuário, o orgulho da vossa força, as delícias dos vossos olhos e a paixão das vossas vidas. Os vossos filhos e filhas que deixastes cairão ao fio da espada» (v. 21). E nem sequer tereis oportunidade para fazer luto: «Com o turbante na cabeça e as sandálias calçadas, não vos lamentareis e não chorareis» (v. 23). Ezequiel era sinal dessa tragédia, em que não haveria tempo para chorar: a destruição de Jerusalém e do templo,
    e a partida para o exílio. Os hebreus tinham uma enorme paixão pelo templo, casa de Deus, sacramento da aliança nupcial de Deus com o seu povo. Ao anunciar a sua profanação e destruição, Deus tem uma intenção positiva, anunciada no fim do nosso texto: «Então, reconhecereis que Eu sou o Senhor Deus» (v. 24). Com a catástrofe, Deus quer tornar possível a conversão. De facto, depois da destruição de Jerusalém e do templo, e da deportação para Babilónia, os hebreus recordaram as palavras de Jeremias e de Ezequiel, que tudo tinha predito, meditaram nessas profecias e alcançaram a graça da conversão. Reconheceram as suas culpas e compreenderam a intenção divina de perdoar e recomeçar tudo, numa nova relação de aliança, mais íntima e profunda.
    Também nós somos chamados a reler as Escrituras, especialmente em situações de provação e sofrimento. Paulo escreve: «Estas coisas aconteceram-lhes para nosso exemplo e foram escritas para nos servir de aviso, a nós que chegámos ao fim dos tempos» (1 Cor 10, 11); «A verdade é que tudo o que foi escrito no passado foi escrito para nossa instrução, a fim de que, pela paciência e pela consolação que nos dão as Escrituras, tenhamos esperança» (Rm 15, 4). A palavra de Deus, mesmo quando muito severa, é sempre causa de esperança, porque abre perspectivas positivas, depois da necessária purificação. Os hebreus exilados tiveram ocasião de ver o rosto de Deus no sofrimento. O jovem rico, pelo contrário, por sua iniciativa, e cheio de zelo, procura o caminho que leva à vida eterna, e pede conselho sobre o que é bom, e sobre o que deve fazer para a alcançar.
    As leituras de hoje apontam dois caminhos de «transcendência»: Um que parte de baixo, quando o homem, ao bater no fundo da miséria, experimenta a sua fraqueza, mas também a presença misteriosa de Deus que o sustenta e ergue; outro que parte do alto, quando o homem descobre que é capaz de ir mais longe, de ir além do obrigatório, experimentando a graça de Deus, que o anima e impele a dar um salto de qualidade. A vida do homem é um cruzar de altos e baixos, de avanços e retrocessos, de êxitos e de quedas, de entusiasmos e depressões. Mas Deus está em cada momento e em cada situação, sempre pronto para o encontro que nos pode transformar e salvar. Tudo é obra de amor. Também o sofrimento, colhido na sua profundidade, é uma experiência de amor. Se for vivido com Cristo crucificado, o sofrimento é ocasião, não só de purificação dolorosa, mas de abertura à acção do Espírito, de puro abandono, de união amorosa à Vítima divina. Então, o tempo do sofrimento, em que tudo é tão frágil e caduco, torna-se uma interiorização no ser profundo da pessoa, um encontro e comunhão com uma Presença misteriosa que nos ama.

    Oratio

    Senhor, as tuas criaturas menos inteligentes, não precisam de te interrogar sobre o que hão-de fazer. As flores desabrocham na Primavera, as estrelas comparecem no céu quando a noite desce, os pássaros migram quando mudam as estações. Todos obedecem, sem pedir explicações. Limitam-se a usufruir, admirar, louvar. Só nós, os seres humanos, feitos à tua imagem e semelhança, te bombardeamos com perguntas e mais perguntas. Não aprendemos a conhecer a tua vontade por intuição tácita, por sintonia de coração. Pior ainda: por vezes ficamos tristes com as tuas respostas, porque, no fundo não queremos saber nem fazer o que Tu queres, mas o que nós queremos. Tem paciência, Senhor! E perdoa-nos! Amen.

    Contemplatio

    A cena da vocação do jovem é muito tocante. Este jovem é bom, deseja a perfeição. Corre para diante de Jesus, ajoelha-se no caminho sem respeito humano, está tomado de uma terna afeição por Jesus: «Bom Mestre, diz-lhe o jovem. «Só Deus é bom», responde-lhe Jesus. Depois detém o seu olhar sobre ele, ama-o, queria dar-lhe a graça do apostolado. Convida-o à perfeição e ao desapego das riquezas; o jovem rico hesita e recua; como Jesus deve ter sofrido! (Leão Dehon, OSP 4, p. 142).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Então, reconhecereis que Eu sou o Senhor Deus» (Ez 24, 24).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    20 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 28, 1-10

    1Foi-me dirigida a palavra do Senhor nestes termos: 2«Filho de homem, diz ao príncipe de Tiro: Eis o que diz o Senhor Deus: Tu te encheste de orgulho, dizendo: 'Eu sou um deus, estou sentado no trono de Deus, no coração do mar', não sendo tu um deus mas apenas um homem; e, contudo, julgas-te igual a Deus. 3Consideras-te mais sábio do que Daniel: nenhum mistério te é obscuro. 4Foi pela tua sabedoria e inteligência que adquiriste riqueza e amontoaste ouro e prata em teus tesouros. 5Pela tua perícia para o comércio, acrescentaste as riquezas, e o teu coração ensoberbeceu-se. 6Por causa disto, assim fala o Senhor Deus: Já que te julgas deus, 7por isso, eis que farei vir contra ti estrangeiros, os mais bárbaros dos povos. Eles desembainharão a espada contra a tua sabedoria e macularão o teu esplendor. 8Far-te-ão descer à cova; morrerás de morte violenta no coração dos mares. 9Dirás ainda, à vista dos teus carrascos: 'Eu sou um deus', quando é evidente que não és senão um homem e não um deus, na mão do teu assassino. 10Morrerás da morte dos incircuncisos, aos golpes dos estrangeiros. Sou Eu quem o afirma» - oráculo do Senhor Deus.

    Os capítulos 25 a 32 de Ezequiel reúnem vários oráculos contra as nações que manifestaram orgulho diante de Javé e foram permanente tentação para Israel se afastar do Senhor, seu Deus. Hoje escutamos o único desses oráculos que a Liturgia utiliza. É o oráculo contra o príncipe de Tiro e o seu reino. O juízo pronunciado é irónico e muito severo. O príncipe da grande potência marítima tinha-se atrevido a usurpar prerrogativas divinas, pretendendo dominar, não só a ilha, mas também o vasto mar que a rodeia. Exalta a sua inteligência, sabedoria e versatilidade diplomática. Depois vangloria-se da sua capacidade para obter riquezas. Assim, atenta contra Javé, único Deus, Criador e Senhor do universo, o único digno de louvor e de adoração. Por isso, morrerá, e o seu reino será aniquilado.
    Orgulho, auto-exaltação, auto-divinização, é o «pecado deitado à porta» (Gn 4, 7), desde o princípio da humanidade. Há uma clara interdependência entre esta passagem e o relato do Génesis. É a mesma história de exaltação e queda, vivência colectiva e individual de todo o género humano.

    Evangelho: Mateus 19, 23-30

    23Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: «Em verdade vos digo que dificilmente um rico entrará no Reino do Céu. 24Repito-vos: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu.» 25Ao ouvir isto, os discípulos ficaram estupefactos e disseram: «Então, quem pode salvar-se?» 26Fixando neles o olhar, Jesus disse-lhes: «Aos homens é impossível, mas a Deus tudo é possível.»
    27Tomando a palavra, Pedro disse-lhe: «Nós deixámos tudo e seguimos-te. Qual será a nossa recompensa?» 28Jesus respondeu-lhes: «Em verdade vos digo: No dia da regeneração de todas as coisas, quando o Filho do Homem se sentar no seu trono de glória, vós, que me seguistes, haveis de sentar-vos em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. 29E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna. 30Muitos dos primeiros serão os últimos, e muitos dos últimos serão os primeiros.»

    Depois de o jovem ter ido embora triste, também Jesus, entristecido, aproveita o ensejo para se pronunciar sobre a questão das riquezas. Fá-lo com o célebre provérbio do camelo e da agulha. O homem, por si mesmo, não tem possibilidade de se salvar, tal como o camelo não pode passar pelo fundo da agulha. Só o poder de Deus e a sua obra salvadora nos dão essa possibilidade. Noutras circunstâncias, Jesus já tinha dito «não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6, 24), e tinha proclamado bem-aventurados os «pobres em espírito» (Mt 5, 3). A imagem do camelo e da agulha dá maior realce a estes ensinamentos.
    Os discípulos ficam compreensivelmente chocados e desorientados. Tinham percebido muito bem que, para seguir radicalmente Jesus, não bastam as forças humanas. Jesus, que se apercebeu da situação, lembra-lhes que a obra não é deles, mas de Deus, a Quem «nada é impossível» (cf. v. 26). É então que Pedro, sempre muito franco e impulsivo, se dá conta de que a situação dele e dos outros discípulos era bem diferente da do jovem rico. Receberam a força de Deus, abandonaram tudo... E agora? Jesus não é um político de promessas fáceis, ou um feirante que apregoa receitas para tudo, a bom preço. Mas conhece o coração do homem, que precisa de segurança e de coragem. Por isso, afirma: «vós, que me seguistes, haveis de sentar-vos em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna» (vv. 28-29). O prémio ultrapassará todas as expectativas. Mas, cuidado «Muitos dos primeiros serão os últimos, e muitos dos últimos serão os primeiros» (v. 30).

    Meditatio

    A primeira leitura e o evangelho de hoje alertam-nos para o perigo das riquezas. Depois da partida do jovem rico, Jesus diz aos discípulos: «Em verdade vos digo que dificilmente um rico entrará no Reino do Céu. Repito-vos: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu» (vv. 23s.). Os Apóstolos ficam espantados com tal afirmação, e perguntam: «Então, quem pode salvar-se?» (v. 25). A riqueza é uma vantagem na vida. Quem a tem pode fazer o que quer, e até dar generosas ofertas para o culto de Deus. Como é que pode tornar-se um empecilho para entrar no Reino?
    Na verdade, as riquezas são insidiosas, como se vê no oráculo de Ezequiel contra o príncipe e a cidade comercial de Tiro, que, em tudo procura juntar riqueza à riqueza: «pela tua sabedoria e inteligência, adquiriste riqueza e amontoaste ouro e prata em teus tesouros. Pela tua perícia para o comércio, acrescentaste as riquezas» (vv. 4-5). Tiro teve sucesso nos seus negócios e tornou-se uma cidade poderosa. Mas o resultado espiritual foi mau: «o teu coração ensoberbeceu-se» (v. 5); «Já que te julgas deus, por isso, eis que farei vir contra ti estrangeiros, os mais bárbaros dos povos. Eles desembainharão a espada contra a tua sabedoria e macularão o teu esplendor». (vv. 6-7). Não há orgulho nem soberba maiores.
    As nossas Cst, inspirando-se na Evangelica Testificatio, de Paulo VI, falam de &qu
    ot;metanoia" ou "conversão" (cf. Cst 17), como exigência típica da reparação (cf. Cst 23), especialmente nos nossos dias, quando, como afirmou João Paulo II, a parábola bíblica do rico avarento e do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31) assumiu dimensões mundiais (RH 31). Os ricos avarentos esquecem-se de Deus, ou pretendem ocupar o lugar, que só a Ele pertence. Além disso, a política egoísta das nações ricas arruína a sociedade humana, onde os ricos se tornam cada vez mais ricos e fartos, e os pobres se tornam cada vez mais pobres, famintos, endividados. É uma situação social cada vez mais explosiva que, só a "solidariedade" dos países ricos para com os países pobres, só maior colaboração e partilha de bens, podem desarmar.

    Oratio

    Senhor, como cristão e particularmente como consagrado, pus-Te no centro da minha vida. Livra-me da tentação de alguma vez pensar, como o príncipe de Tiro: «sou deus». Mas livra-me também da presunção de me julgar grande e merecedor de prémios, só porque renunciei aos bens materiais, por causa de Ti. Reconheço que tudo o que sou, e tudo o que tenho, me veio de Ti. Por isso, hoje, nada quero pedir, mas simplesmente agradecer. Acolhe a minha gratidão, que é o tímido dom de quem sabe nada ter para dar. Amen.

    Contemplatio

    Jesus encontrou o jovem rico, que falhou na sua vocação e talvez na sua salvação. «Ai dos ricos», diz-lhes. Está impressionado e eles também: os discípulos ficaram estupefactos. «Os favores do céu, acrescenta, são para aqueles que deixam tudo: parentes, casa e propriedades». E avança severamente. Estão emocionados e temerosos: stupebant et sequentes timebant. Prediz-lhes então toda a sua paixão. (Leão Dehon, OSP 2, p. 406).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Quem tiver deixado tudo, por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna» (cf. Mt 19, 29).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    21 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 34, 1-11

    1Foi-me dirigida a palavra do Senhor nestes termos: 2«Filho de homem, profetiza contra os pastores de Israel, profetiza e diz a esses pastores: Assim fala o Senhor Deus: 'Ai dos pastores de Israel, que se apascentam a si mesmos! Não devem os pastores apascentar o rebanho?
    3Vós, porém, bebestes o leite, vestistes-vos com a sua lã, matastes as rezes mais gordas e não apascentastes as ovelhas. 4Não tratastes das que eram fracas, não cuidastes da que estava doente, não curastes a que estava ferida; não reconduzistes a transviada; não procurastes a que se tinha perdido; mas a todas tratastes com violência e dureza. 5Por isso, à falta de pastor, elas dispersaram-se e, na sua debandada, tornaram-se a presa de todos os animais dos campos. 6As minhas ovelhas vagueiam por toda a parte, pelas montanhas e pelas colinas elevadas; o meu rebanho anda disperso por sobre toda a superfície do país; ninguém se preocupa nem as vai procurar.' 7Por isso, pastores, ouvi a palavra do Senhor: 8'Pela minha vida - oráculo do Senhor Deus: porque as minhas ovelhas ficaram entregues à pilhagem e se tornaram a presa de todos os animais dos campos, por falta de pastor; porque os meus pastores não se preocupam com o meu rebanho, porque eles se apascentam a si mesmos e não apascentam o meu rebanho' 9por isso, pastores, ouvi a palavra do Senhor. 10Assim fala o Senhor Deus: 'Aqui estou Eu contra os pastores! Vou tirar as minhas ovelhas das suas mãos, e não permitirei que apascentem mais as minhas ovelhas; e eles não se apascentarão mais a si mesmos. Da sua boca arrancarei as minhas ovelhas, e elas nunca mais serão uma presa para eles.'» 11Porque assim fala o Senhor Deus: «Eis que Eu mesmo cuidarei das minhas ovelhas e me interessarei por elas.

    Ezequiel abre, hoje, uma nova perspectiva aos cativos de Babilónia. Depois de interpelar duramente os reis, e todos os que exerceram algum cargo em Israel, considerados culpados pela queda de Jerusalém, e pela deportação, o profeta dá aos exilados a boa notícia de que o próprio Deus irá cuidar do seu povo: «Eis que Eu mesmo cuidarei das minhas ovelhas e me interessarei por elas» (v. 11). Procura, assim, reacender neles a esperança, exortando-os à confiança e à fidelidade a Deus, que permanece fiel. Os últimos governantes de Israel - reis, sacerdotes, anciãos, etc. - não foram fiéis à sua missão. Deixaram-se conduzir pelo egoísmo, abusando do poder e explorando o povo em proveito próprio. «Ai dos pastores de Israel, que se apascentam a si mesmos!», era o grito acusador do profeta. Apascentavam-se a si mesmos, em vez de se porem ao serviço do rebanho, para o defender das feras, o guiar a boas pastagens, procurar as ovelhas perdidas e cuidar das fracas (vv. 3s.). E sobreveio a tragédia: a queda de Jerusalém, o exílio. Agora, Deus pede-lhes contas pelos danos causados e vai retirar-lhes o poder sobre o povo, encarregando-se, Ele mesmo, de cuidar delas.

    Evangelho: Mateus, 20, 1-16a

    1«Naquele tempo, dise Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: Reino do Céu é semelhante a um proprietário que saiu ao romper da manhã, a fim de contratar trabalhadores para a sua vinha. 2Ajustou com eles um denário por dia e enviou-os para a sua vinha. 3Saiu depois pelas nove horas, viu outros na praça, que estavam sem trabalho, 4e disse-lhes: 'Ide também para a minha vinha e tereis o salário que for justo.' 5E eles foram. Saiu de novo por volta do meio-dia e das três da tarde, e fez o mesmo. 6Saindo pelas cinco da tarde, encontrou ainda outros que ali estavam e disse-lhes: 'Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?' 7Responderam-lhe: 'É que ninguém nos contratou.' Ele disse-lhes: 'Ide também para a minha vinha.' 8Ao entardecer, o dono da vinha disse ao capataz: 'Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até aos primeiros.' 9Vieram os das cinco da tarde e receberam um denário cada um. 10Vieram, por seu turno, os primeiros e julgaram que iam receber mais, mas receberam, também eles, um denário cada um. 11Depois de o terem recebido, começaram a murmurar contra o proprietário, dizendo: 12'Estes últimos só trabalharam uma hora e deste-lhes a mesma paga que a nós, que suportámos o cansaço do dia e o seu calor.' 13O proprietário respondeu a um deles: 'Em nada te prejudico, meu amigo. Não foi um denário que nós ajustámos? 14Leva, então, o que te é devido e segue o teu caminho, pois eu quero dar a este último tanto como a ti. 15Ou não me será permitido dispor dos meus bens como eu entender? Será que tens inveja por eu ser bom?' 16Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.

    «Muitos dos primeiros serão os últimos, e muitos dos últimos serão os primeiros», afirmou Jesus (Mt 20, 16ª). A parábola de hoje, esclarece esta afirmação. Esta parábola, contada por Jesus com tanta vivacidade, é um aviso ao povo de Irael, o primeiro a ser chamado, para que se alegre com o surpreendente uso que o Senhor faz da liberdade em relação aos «últimos», os pagãos, os publicanos, os pecadores. Mas é também um aviso a nós, cristãos de hoje, para que nos convertamos aos critérios de Deus. Não são os ricos e poderosos que entram, ou têm precedência no reino de Deus, mas os pobres e fracos. O reino de Deus não se conquista por méritos próprios, mas é um dom gratuito, a acolher com humildade e gratidão. Já pelo profeta Isaías, Deus avisara: «Os meus planos não são os vossos planos,os vossos caminhos não são os meus caminhos - oráculo do Senhor. Tanto quanto os céus estão acima da terra, assim os meus caminhos são mais altos que os vossos, e os meus planos, mais altos que os vossos planos» (Is 55, 8-9). Se ao jovem rico era exigido um salto de qualidade, a todos é pedido que se desembaracem da própria justiça, baseada em cálculos exactos, para usufruir da bondade infinita de Deus e da superabundância da sua graça.

    Meditatio

    A imagem do pastor e do rebanho é frequente no Médio Oriente. Ainda que a criação de ovelhas não seja para benefício delas, mas dos homens, cria-se entre o pastor e o rebanho uma relação onde não falta o afecto e a dedicação. É baseando-se nessa relação que a Bíblia exorta os reis e chefes do povo a servir bem o seu rebanho.
    Na primeira leitura escutamos as invectivas de Ezequiel contra os pastores de Israel, «que se apascentam a si mesmos», em vez de «apascentarem o rebanho?» Pela boca do profeta, Deus repreende os pecados de egoísmo dos pastores que, em vez de cuidarem do rebanho, buscam vantagens para si, leite, isto é, vantagens materiais, e lã, isto é, honras segundo a interpretação que S. Agostinho faz deste texto. Mas Deus também censura os pecados de omissão, o desleixo e a pregui&cc
    edil;a: «não tratastes das que eram fracas, não cuidastes da que estava doente, não curastes a que estava ferida; não reconduzistes a transviada; não procurastes a que se tinha perdido» (v. 4). A irresponsabilidade dos pastores leva Deus a pronunciar um juízo severo e radical: «Aqui estou Eu contra os pastores! Vou tirar as minhas ovelhas das suas mãos, e não permitirei que apascentem mais as minhas ovelhas; e eles não se apascentarão mais a si mesmos» (v. 10).
    Esta profecia atingirá a sua máxima realização em Jesus, o Bom Pastor, que veio para servir e não para ser servido, que chegou ao extremo de dar a vida pelo seu rebanho. S. Pedro convida os que dirigem a Igreja, os presbíteros, a serem, como Cristo, bons pastores: «Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, governando-o não à força, mas de boa vontade, tal como Deus quer; não por um mesquinho espírito de lucro, mas com zelo; não com um poder autoritário sobre a herança do Senhor, mas como modelos do rebanho» (1 Pe 5, 2-3). O verdadeiro apóstolo deve actuar com generosidade, desinteresse e humildade. Mas todo o cristão deve evitar as atitudes denunciadas por Ezequiel e seguir o exemplo de Cristo e de Pedro.
    O evangelho revela-nos o coração grande do nosso Deus, que nos ama com absoluta gratuidade. É também com um coração grande que havemos de O acolher e anunciar.

    Oratio

    Senhor, dá-nos um coração grande para amar. Dá-nos um coração capaz de ver a grandeza, encontrar a beleza e saborear a bondade de tudo quanto criastes. Dá-nos um coração capaz de se admirar, de louvar e de agradecer. Dá-nos um coração onde haja espaço para as alegrias e os sofrimentos dos irmãos. Dá-nos um coração capaz de abarcar a história, e de guardar na meditação os acontecimentos, como Maria. Dá-nos um coração, onde possas habitar, Tu, nosso Deus, imenso e cheio de generosidade. Amen.

    Contemplatio

    O que Deus fez pela humanidade, fá-lo por cada alma. Chama-nos nas diversas idades da nossa vida: educação cristã, vocação, retiros, acontecimentos providenciais. Chama-nos cada dia pelos exercícios piedosos da nossa regra. O belo ofício da septuagésima exprime isto colocando-nos sob os olhos em cada uma das horas canónicas os apelos da parábola: «Ide para a vinha. - Porque permaneceis assim ociosos?»
    Vou decidir-me a um trabalho activo, zeloso, contínuo pela minha santificação e pelo apostolado do Sagrado Coração, ao qual sou chamado?
    ...O bom Mestre no-lo dará, se tivermos trabalhado. «Chamai os trabalhadores, diz Ele à tarde aos seus ministros, e dai-lhes o salário». Notemos, de passagem, que Nosso Senhor dá aqui uma lição de justiça e de caridade a todos os senhores. É preciso dar um salário equitativo e dá-lo sem demora. É bom mesmo ir além da justiça e por caridade dar mais do que se deve àqueles que não puderam trabalhar muito, aos infelizes, aos indigentes, aos impotentes. Mas nós, sob que condição teremos o salário? O ofício do dia no-lo recorda mandando-nos reler nos capítula os conselhos vigorosos de S. Paulo. A vida cristã, diz, é um estádio. Nem todos ganham os prémios, mas somente aqueles que correm com vigor, aqueles que não se divertem e que não se atrasam no caminho. Os lutadores do círculo, diz S. Paulo, abstêm-se de tudo o que os amolece. E nós, fazemo-lo? O (Leão Dehon, OSP 3, pp. 129.130s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Eu mesmo cuidarei das minhas ovelhas
    e me interessarei por elas» (Ez 34, 11).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    22 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 36, 23-28

    Eis o que diz o Senhor: 23Quero santificar o meu santo nome, que vós aviltastes, profanastes entre as nações, para que eles saibam que Eu sou o Senhor - oráculo do Senhor Deus - quando a seus olhos for santificado por vós. 24Eu vos retirarei de entre as nações, recolher-vos-ei de todos os países e vos reconduzirei à vossa terra. 25Derramarei sobre vós uma água pura e sereis purificados; Eu vos purificarei de todas as manchas e de todos os pecados. 26Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo: arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. 27Dentro de vós porei o meu espírito, fazendo com que sigais as minhas leis e obedeçais e pratiqueis os meus preceitos. 28Habitareis no país que dei a vossos pais; sereis o meu povo e Eu serei o vosso Deus.

    O nome de Deus foi blasfemado entre os povos por causa da culpa colectiva e individual de Israel. Por isso, Ezequiel estava plenamente convicto da justeza do castigo que caíra sobre o seu povo. Mas não estava menos convicto da vontade salvífica de Deus, que irá inverter a situação. Por amor do seu nome, e para mostrar o seu poder e fidelidade entre os povos, vai fazer regressar Israel do exílio. Haverá um novo êxodo, uma nova libertação. Vai purificar radicalmente o seu povo e, sobretudo, transformá-lo a partir de dentro, fazendo dele uma nova criatura: «arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne» (v. 26). Jeremias já tinha usado a imagem do «coração novo» (Jr 31, 31-34). Entre os semitas, o coração era considerado a sede do pensamento, da vontade, do sentimento, da vida moral, da decisão radical, aquilo que hoje chamamos o «eu» profundo. O «coração de pedra», duro, insensível e pesado, será substituído por um «coração de carne», isto é, um coração capaz de amar e de ser amado, dócil, acolhedor, vivo, em sintonia com o coração de Deus. Para que não volte a endurecer, o coração novo será animado por um espírito novo. Animado pelo Espírito, Israel poderá observar, interiormente e por amor, a aliança sinaítica, sem se limitar a exterioridades legalistas.

    Evangelho: Mateus, 22, 1-14

    1Naquele tempo, Jesus dirigiu-se de novo aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo e, falando em parábolas, disse-lhes: 2«O Reino do Céu é comparável a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. 3Mandou os servos chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram comparecer. 4De novo mandou outros servos, ordenando-lhes: 'Dizei aos convidados: O meu banquete está pronto; abateram-se os meus bois e as minhas reses gordas; tudo está preparado. Vinde às bodas.' 5Mas eles, sem se importarem, foram um para o seu campo, outro para o seu negócio. 6Os restantes, apoderando-se dos servos, maltrataram-nos e mataram-nos. 7O rei ficou irado e enviou as suas tropas, que exterminaram aqueles assassinos e incendiaram a sua cidade. 8Disse, depois, aos servos: 'O banquete das núpcias está pronto, mas os convidados não eram dignos. 9Ide, pois, às saídas dos caminhos e convidai para as bodas todos quantos encontrardes.' 10Os servos, saindo pelos caminhos, reuniram todos aqueles que encontraram, maus e bons, e a sala do banquete encheu-se de convidados. 11Quando o rei entrou para ver os convidados, viu um homem que não trazia o traje nupcial. 12E disse-lhe: 'Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?' Mas ele emudeceu. 13O rei disse, então, aos servos: 'Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.' 14Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.»

    Na tradição bíblica, o banquete de núpcias é a mais alta expressão de festa. Jesus compara o reino de Deus exactamente a um banquete de núpcias. Mais ainda, compara-o ao banquete que um rei preparou para o casamento do seu filho. Era de esperar uma enorme e bem sucedida festa. Mas, surgem imprevistos. Os convidados recusam participar. Na perspectiva teológica de Mateus, esta parábola refere-se a Israel, desde os seus princípios até à vinda do Messias. Foi sempre um povo rebelde, e acabou por recusar o Messias, com os seus dons. Mas Deus, que tem «tudo pronto», abre o banquete a outros convidados. Os novos comensais formam o novo Israel, a Igreja, santa, mas sempre carecida de conversão, e que, por isso, precisa sempre de estar atenta para conservar a veste nupcial.
    Esta parábola ensina-nos que o convite para a festa do banquete é uma graça, um dom que envolve e compromete seriamente toda a nossa vida, que a faz nova. Podemos acolhê-lo ou recusá-lo. Quem o recusa, encontra sempre desculpas e justificações, que não são mais do que auto-enganos. Quem entra na sala nupcial também não deve pensar que tem a salvação garantida. Ainda que a entrada seja gratuita e oferecida a todos, exige dos participantes a veste nupcial e as disposições correspondentes, especialmente «revestir-se de Cristo» (Rm 13, 14; Gl 3, 27).

    Meditatio

    Ezequiel retoma e aprofunda os temas de Jeremias relativos à nova aliança, e acrescenta outros. Começa por anunciar a promessa do perdão, que apresenta como purificação: «Derramarei sobre vós uma água pura e sereis purificados; Eu vos purificarei de todas as manchas e de todos os pecados» (v. 25). Para o povo, que se sente manchado pelo pecado, é uma promessa atraente. A água pura e purificadora vem de Deus. Por isso, é eficaz, realizando o que o homem, por si mesmo, não pode realizar. E cada um poderá apresentar-se dignamente diante de Deus.
    Depois do primeiro anúncio, surge outro, onde Ezequiel retoma o adjectivo «novo», já usado por Jeremias: «Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo» (v. 26). Como sabemos, a nova aliança estava prometida como uma aliança interior. Em Jeremias, Deus prometia escrever a sua lei no coração. Em Ezequiel, será mudado o próprio coração. Deus dará um coração novo e um espírito novo, para animar esse coração; arrancará o coração de pedra e dará um coração de carne. A nova lei, escrita sobre um coração de pedra, não teria grande utilidade. Por isso, Deus promete dar «um coração de carne», um coração compassivo e dócil, um coração aberto ao Senhor. O «espírito novo» prometido é o espírito próprio de Deus: «Dentro de vós porei o meu espírito» (v. 27). Este espírito, não é a mente, mas um impulso, um sopro, o sopro de Deus que dá vida e dinamismo. Este dinamismo permite alcançar o que a lei estática, escrita sobre pedras, não podia: a completa docilidade, motivada pelo amor, à vontade
    de Deus: «Dentro de vós porei o meu espírito, fazendo com que sigais as minhas leis e obedeçais e pratiqueis os meus preceitos» (v. 27). Graças ao Espírito Santo, a relação com Deus torna-se viva, profunda e dinâmica. E a docilidade torna-se alegria.
    O evangelho de hoje mostra-nos que esta promessa é universal: todos são convidados para o banquete de núpcias. O rei manda os seus servos «às saídas dos caminhos» (v. 9) e ordena: «convidai para as bodas todos quantos encontrardes» (v. 9). A única condição é receber e usar a veste nupcial, tal como em Ezequiel era deixar-se purificar. Sem a purificação oferecida por Deus, não é possível ser admitido à nova aliança, ao banquete de núpcias do Filho do rei: «No amor de Cristo, que aceita a morte como doação suprema da sua vida pelos homens e como obediência filial ao Pai, o Padre Dehon vê a própria fonte da salvação. Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja» (Cst 3; cf. Léon Dehon, Études sur le Sacré-Coeur, I, p. 114).

    Oratio

    Senhor, a salvação que ofereces, é uma novidade maravilhosa: coração novo, veste nupcial. Não se trata, pois, de simplesmente reparar o que estava estragado, ou de reajustar o que estava desajustado. Trata-se de uma nova criação, de um tornar novas todas as coisas, de surpresa em surpresa, até que surjam os novos céus e a nova terra. E tudo isto se realiza, não só nos grandes acontecimentos, mas também íntimo de cada coração humano. Obrigado, Senhor, por teres deixado abrir o teu Coração, no alto da cruz. Que saibamos deixar-nos purificar e saciar pelo sangue e pela água que dele brotam, para nos tornarmos homens novos, na comunidade de amor, que é a tua Igreja. Amen.

    Contemplatio

    O Coração de Jesus é a fonte e o modelo da vida sobrenatural. Em Jesus, não se trata de vida de fé. Jesus tem mais do que a fé, tem a visão das coisas sobrenaturais. Está unido a seu Pai pela clara visão, como nós lhe estamos unidos pela fé. Ele é o homem espiritual por excelência. Os filhos de Adão, terrestres por natureza, elevam-se com dificuldade à vida sobrenatural, pela fé e pela graça. «O primeiro homem, saído da terra, era terrestre, diz S. Paulo, e os seus filhos são-lhe semelhantes» (1Cor 15). A graça levanta-os e eles voltam a cair: «Até quando, diz o salmista, tereis um coração pesado, que volta a cair sem cessar na vaidade e na mentira?» (Sl 4). Jesus vem, é a luz do mundo, ilumina a nossa fé... «Quem me segue, diz, não caminha nas trevas» (Jo 8). Ezequiel tinha-o predito: «O Salvador dá-nos um coração novo», ou, se quisermos, liberta o nosso coração do seu peso e da sua dureza (Ez 36). «Senhor, fazei que eu veja» (Mc 10). Fazei que eu considere todas as coisas com os olhos da fé. Dai-me um coração puro e um espírito recto! Mas é preciso que eu concorra com esta graça mantendo-me sem cessar unido a vós, ó meu Deus. Quero fazê-lo, ajudai-me. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 111s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «A esposa está preparada:
    felizes os convidados para as núpcias do Cordeiro» (cf. Apoc 19, 7-9)

    | Fernando Fonseca, scj |

    A Virgem Santa Maria

    A Virgem Santa Maria


    22 de Agosto, 2024

    A festa litúrgica de "A Virgem Santa Maria, Rainha", ou da realeza de Maria, foi auspiciada por alguns congressos marianos a partir do ano de 1900. Em 1925, Pio XI instituiu a festa de Cristo Rei. Em 1954, na conclusão do centenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, Pio XII anunciou esta festa para o dia 31 de Maio. Na reforma do calendário, promovida pelo Vaticano II, a festa foi fixada na oitava da Assunção de Nossa Senhora, a 22 de Agosto, para manifestar a conexão que existe entre a realeza de Maria e a sua Assunção ao céu.

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 9, 1-6

    O povo que andava nas trevas viu uma grande luz;habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles. 2Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo; alegram-se diante de ti como os que se alegram no tempo da colheita, como se regozijam os que repartem os despojos. 3Pois Tu quebraste o seu jugo pesado, a vara que lhe feria o ombro e o bastão do seu capataz, como na jornada de Madian.4Porque a bota que pisa o solo com arrogância e a capa empapada em sangue serão queimadas e serão pasto das chamas.5Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz. 6Dilatará o seu domínio com uma paz sem limites, sobre o trono de David e sobre o seu reino. Ele o estabelecerá e o consolidará com o direito e com a justiça, desde agora e para sempre. Assim fará o amor ardente do Senhor do universo.

    O nosso texto, expressão da esperança messiânica de Israel, pode ser interpretado sob o ponto de vista cristológico-mariano. Proclamado por Isaías depois do ano 740 a. C., tem um tom de festa e encorajamento, apesar das nuvens negras que pairam sobre Israel. Os vv. 5ss podem ser lidos segundo a chave que a festa de hoje nos sugere. A realeza de Maria permanece ligada e subordinada à realeza do Messias, Cristo Senhor. O Libertador esperado é o menino que "nasceu para nós: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz" (v. 5). Estas imagens aplicadas à realeza de Cristo são alegóricas, porque o seu reino não é deste mundo, e a sua paz é diferente da que o mesmo mundo nos pode dar. Jesus é manso e humilde de coração. O mesmo se pode dizer da realeza de Maria, humilde serva do Senhor.

    Evangelho: Lucas 1, 26-38

    Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,27a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. 28Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo.» 29Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. 30Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. 31Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus.32Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, 33reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» 34Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» 35O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. 36Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril,37porque nada é impossível a Deus.» 38Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela.

    Em toda esta bela cena, Deus é o principal ator: fala pelo seu anjo, age de modo criador por meio do Espírito, atualiza-se no "Filho", que nasce de Maria. Maria é expressão da humildade que se mantém aberta ao mistério de Deus, é enriquecida pelo mesmo Deus, e concretiza a esperança de Israel. Isabel terá toda a razão quando proclamar, dirigindo-se a Maria: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. 43E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor?" (Lc 1, 43). O apelativo "bendita" oferece-nos uma pequena janela que nos permite entrever a senhoria ou realeza de Maria. De fato, é "Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor!" (Lc 19, 37) e "Bendito seja o que vem em nome do Senhor! Bendito o Reino do nosso pai David que está a chegar." (Mc 11, 9s.). Jesus é o fruto "bendito" do ventre de Maria. O clarão que ilumina a consciência de Maria remete para a senhoria do filho concebido por obra do Espírito Santo, e não tanto para qualquer sua soberania pessoal. Por isso, exulta em Deus, seu salvador (cf. Lc 1, 46ss.).

    Meditatio

    Hoje, somos chamados a contemplar Aquela que, sentada à direita do rei dos séculos, resplandece como rainha e intercede por nós como mãe. A figura da rainha-mãe permanece em muitas culturas populares como protótipo de solenidade, de senhoria, de cordialidade, de benevolência. O culto e a própria iconografia representam espontaneamente Maria na postura de uma rainha, revestida de beleza e de glória, muitas vezes sentada e coroada de estrelas, feita, ela mesma, trono do filho que tem nos braços, o Menino Jesus. A liturgia contempla esse ícone de Maria, mãe e rainha. Contempla a ligação de Maria serva a Senhor Deus como participação na realeza de Cristo. Trata-se de uma realeza que é serviço, colaboração com Cristo na salvação da humanidade. A obra de Cristo exigiu a sua morte no Calvário. Junto dele estava a sua mãe. A realeza de Cristo custou-lhe a Paixão e a Morte. A de Maria custou-lhe as dores que a Paixão e a Morte de Jesus lhe causaram.
    O povo cristão costuma invocar Maria como Rainha da Paz. Trata-se de uma conotação com o oráculo de Isaías que fala do "príncipe da paz". Jesus Cristo é a nossa paz, afirma Paulo (cf. Ef 2, 14). Maria é mãe do príncipe da paz. O Menino que nasceu para nós é o fruto bendito do ventre de Maria, é o Senhor, fonte da paz. A paz é sonho e utopia, que convidam ao acolhimento do Senhor da Paz, Jesus Cristo, filho de Maria. Ela é a Virgem pacificada e operadora de paz. O sonho e a utopia convidam-nos a acreditar em Jesus e a realizar obras de paz, que são testamento seu e dom do Espírito.
    O privilégio da maternidade divina de Maria, fonte e a causa das suas grandezas, das suas graças, do seu poder e da sua glória, faz dela a Rainha de todas as criaturas. Veneremo-la, tenhamos confiança nela, amemo-la.

    Oratio

    Salve, Virgem Santa Maria, mãe generosa do Senhor do universo, rei de paz e de justiça. Mulher humilde, acolhida já no céu pelo amor do Pai, inspira o nosso serviço na edificação do reino de Cristo. Mãe feliz, que acreditaste, fica connosco para nos ajudar a guardar e a alimentar a lâmpada da nossa fé. Esposa do Espírito Santo, ensina-nos a perseverar nas obras de misericórdia, de justiça, de paz. Ámen.

    Contemplatio

    O Profeta real repete o seu admirável cântico: «Vejo à vossa direita, ó meu Príncipe, uma Rainha vestida com um manto de ouro todo adornado de bordados. As virgens, depois dela, apresentam-se ao meu Rei com santa alegria» (Sl 44). - Isaías, transportado pelo espírito de Deus, canta num arroubamento sublime: «Eis a Virgem que devia conceber e dar à luz um Filho». A voz de Deus domina todas as exclamações de alegria: «Vinde minha esposa, diz, vinde, minha bem-amada, vinde do Líbano para ser coroada» (Cântico). A Santíssima Trindade concede a Maria a auréola do Martírio, do doutoramento e da virgindade, ornamenta a sua augusta fronte com a coroa real. Eis a Rainha de glória, mas também Rainha de bondade e de misericórdia. Vinde a ela vós todos que estais em dificuldade. O seu poder não tem outros limites que os do amor que o seu Filho tem por ela. Ela é o asilo dos pecadores, a protetora dos justos, a esperança e o sustentáculo da Igreja, o refúgio dos povos e dos reis. Os espíritos celestes são os seus ministros, o género humano os seus súbditos, as três Igrejas o seu reino. Ela é três vezes Rainha. - O segredo do seu poder é o amor que lhe leva o Coração de Jesus. Se o Coração de Jesus é a fonte das graças e o tesouro do céu, quem melhor do que Maria pode ir até a esta fonte e abrir este tesouro? Este coração, não é feito do sangue e da carne de Maria? Rainha do Sagrado Coração, abençoai-nos - se o Sagrado Coração de Jesus é o sol da cidade celeste, o Coração de Maria é como a lua brilhante que nos transmite os seus raios. (Leão Dehon, OSP 4, p. 159s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Bendita a Mãe do meu Senhor!" (cf. Lc 1, 42s).

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    A Virgem Santa Maria (22 Agosto)

  • XX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    23 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 37, 1-14

    1A mão do Senhor desceu sobre mim; então, conduziu-me em espírito e colocou-me no meio de um vale que estava cheio de ossos. 2Fez-me passar junto deles, à sua volta, e eis que eles eram muitos sobre o solo do vale; e estavam completamente ressequidos. 3O Senhor disse-me: «Filho de homem, estes ossos poderão voltar à vida?» Eu respondi: «Senhor Deus, só Tu o sabes.» 4Ele disse-me: «Profetiza sobre estes ossos e diz-lhes: Ossos ressequidos, ouvi a palavra do Senhor. 5Assim fala o Senhor Deus a estes ossos: Eis que vou introduzir em vós o sopro da vida para que revivais. 6Dar-vos-ei nervos, farei crescer a carne que revestirei de pele e depois dar-vos-ei o sopro da vida, para que revivais. Sabereis assim, que Eu sou o Senhor.» 7Profetizei, segundo a ordem recebida. E aconteceu que, enquanto eu profetizava, ouviu-se um ruído, depois um tumulto ensurdecedor; entretanto, os ossos iam-se juntando uns aos outros. 8Olhei e eis que se formavam nervos, a carne crescia, e a pele cobria-os por cima; mas neles não havia espírito. 9Então, Ele disse-me: «Profetiza! Profetiza, filho de homem, e diz ao espírito: Assim fala o Senhor Deus: 'Espírito, vem dos quatro ventos, sopra sobre estes mortos, para que eles recuperem a vida'.» 10Profetizei como me era ordenado e, imediatamente, o espírito penetrou neles. Retomando a vida, endireitaram-se sobre os pés; era um exército muito numeroso. 11Ele disse-me: «Filho de homem, esses ossos são toda a casa de Israel. Eles dizem: 'Os nossos ossos estão completamente ressequidos, a nossa esperança desvaneceu-se; ficámos reduzidos a isto.' 12Profetiza, por conseguinte, e diz-lhes: Assim fala o Senhor Deus: Eis que abrirei as vossas sepulturas e vos farei sair delas, meu povo, e vos reconduzirei à terra de Israel. 13Então, reconhecereis que Eu sou o Senhor Deus, quando abrir as vossas sepulturas e vos fizer sair delas, ó meu povo. 14Introduzirei em vós o meu espírito e vivereis; estabelecer-vos-ei na vossa terra. Então, reconhecereis que Eu, o Senhor, falei e agi» - oráculo do Senhor.

    A impressionante visão dos ossos ressequidos e reanimados torna-se uma parábola para responder às queixas de Israel. O texto é composto por duas partes: a visão (vv. 1-10) e a sua explicação (vv. 11-14). A visão acontece em Babilónia, talvez na planície onde viviam os israelitas exilados, e onde Ezequiel já tinha visto a «glória de Deus». O profeta vê um espectáculo desolador: um montão de ossos ressequidos e calcinados, ossos de muitos dias, morte por toda a parte. O Senhor faz a Ezequiel uma pergunta aparentemente absurda: «poderão estes ossos voltar à vida?». O profeta responde: «Senhor Deus, só Tu o sabes» (v. 3). Então, o Senhor manda Ezequiel profetizar sobre os ossos. Aqueles resíduos humanos têm de "ouvir", mais uma vez, a palavra divina e "saber" que Ele é o Senhor (v. 4). O profeta usa uma linguagem concreta e cheia de dinamismo: ruah-vento-espírito, sopro animador nas quatro direcções, vida por toda a parte: «o espírito penetrou neles. Retomando a vida, endireitaram-se sobre os pés» (v. 10). A palavra de Deus torna-se realidade. Estamos no eixo central da visão, da parábola e da teologia desta passagem do livro de Ezequiel.
    Depois, vem a explicação, dada pelo Senhor: os ossos são os exilados, privados de vida e de esperança (vv. 11s.). Deus garante-lhes que irá realizar o prodígio da sua restauração. À imagem dos ossos revitalizados, Deus acrescenta outras para reforçar a ideia do seu poder (v. 13). Para o poder divino não há situações desesperadas, irreversíveis.

    Evangelho: Mateus, 22, 34-40

    34Naquele tempo, os fariseus, ouvindo dizer que Jesus reduzira os saduceus ao silêncio, reuniram-se em grupo. 35E um deles, que era legista, perguntou-lhe para o embaraçar: 36«Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?» 37Jesus disse-lhe:Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. 38Este é o maior e o primeiro mandamento. 39O segundo é semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. 40Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.»

    Depois da questão sobre o tributo a César (22, 15-22), da questão sobre a ressurreição dos mortos (22, 23-33), postas pelos saduceus, ricos e poderosos, entram em cena os fariseus, doutos e observantes. Estes perguntam qual é o maior mandamento da Lei. Perdidos na floresta das leis, aparentemente, queriam saber qual o princípio supremo que tudo justifica e unifica. Mas eram movidos por uma intenção que não era recta: interrogaram Jesus «para o embaraçar» (v. 35). Tinham resumido as muitas leis da Tora em 613 preceitos, 365 proibições e 248 mandamentos positivos. Mas, ainda assim, fazia sentido procurar saber «qual é o maior mandamento da Lei» (v. 36). Na sua resposta, Jesus não se coloca na lógica da hierarquia dos mandamentos. Prefere ir à essência da Lei, orientando para o princípio que a inspira e para a disposição interior com que deve ser observada: o amor, na sua dupla vertente, isto é, para com Deus e para com o próximo (vv. 37ss.). Jesus refere-se a Dt 6, 5, onde são sublinhadas a totalidade, a intensidade e a autenticidade do amor a Deus: «com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente» (v. 37). Ao lado do amor a Deus, e ao mesmo nível, Jesus coloca o amor ao próximo. Não se podem separar as duas dimensões do mandamento que sintetiza «toda a Lei e os Profetas» (v. 40).

    Meditatio

    Ezequiel apresenta-nos o quadro horripilante de uma planície coberta de ossos ressequidos e calcinados. Deus manda-lhe profetizar sobre esses ossos, para lhes anunciar uma surpreendente transformação. À palavra do profeta, esses ossos entram em movimento, organizando-se em esqueletos e cobrindo-se de nervos, de carne e de pele. Mas ainda são apenas cadáveres, porque não respiram. Então é ordenado a Ezequiel que volte a profetizar, para invocar o Espírito: «Profetiza! Profetiza, filho de homem, e diz ao espírito: Assim fala o Senhor Deus: 'Espírito, vem dos quatro ventos, sopra sobre estes mortos, para que eles recuperem a vida'» (v. 9). O Espírito de Deus, veio, penetrou nos corpos e reanimou-os: «Retomando a vida, endireitaram-se sobre os pés; era um exército muito numeroso» (v. 10).
    Deus começou por perguntar ao profeta: «Filho de homem, estes ossos poderão voltar à vida?»(v. 3). A resposta mais espontânea seria: «Não. Não é possível». Mas Ezequiel, que conhecia o poder de Deus, e que só Ele toma a decisão definitiva, respondeu: «Senhor Deus, só Tu o sabes» (v. 3). Deus é capaz de dar nova vida a um povo desfalecido e sem esperança, ainda que as circunstâncias não o deixem prever: «Assim fala o Senhor Deus: Eis que abrirei as vossas sepulturas e vos farei sair dela
    s, meu povo, e vos reconduzirei à terra de Israel. Então, reconhecereis que Eu sou o Senhor Deus, quando abrir as vossas sepulturas e vos fizer sair delas, ó meu povo» (v. 12-13). A ressurreição de que fala este texto á apenas metafórica. Apesar de ser um prodígio do poder de Deus, não é ainda a ressurreição dos mortos, que decorrerá da Ressurreição de Cristo. Mas aponta para ela, uma vez que um oráculo profético não se esgota nas interpretações imediatas.
    A resposta de Jesus sobre o maior dos mandamentos não soou a muito nova e original, aos ouvidos do doutor da lei, que interrogou Jesus «para o embaraçar» (v. 35). Mas será que o doutor entendeu a resposta? As noções, que não são vitalmente assumidas, podem comparar-se aos ossos ressequidos da visão de Ezequiel: são tantas que enchem um vale. Mas são áridas, calcinadas, amontoadas desordenadamente, sem carne nem nervos, sem espírito de vida.
    A profecia de Ezequiel realiza-se perfeitamente com a vinda de Cristo. É Ele que revitaliza a humanidade ressequida e calcinada pelo pecado e pelas suas consequências. É Ele o homem de coração novo. Para nos dar a vida nova, Cristo pregou na Sua cruz o nosso homem velho: «Sabemos bem que o nosso homem velho foi crucificado com Ele, para que... não fôssemos escravos do pecado» (Rm 6, 6) e, em Cristo ressuscitado, fôssemos revestidos do homem novo, «criado segundo Deus na santidade verdadeira» (Ef 4, 24). O homem novo foi dotado do Espírito: «O amor de Deus foi derramado nos nossos corações, por meio do Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). Assim pode viver a vida nova, em Cristo, o Homem novo.

    Oratio

    Senhor, derrama sobre nós o teu Espírito, para que não permaneçamos ossos ressequidos, corpos sem vida na sociedade, na comunidade, na família. A superficialidade, a banalidade, o frenesim, que tantas vezes nos caracterizam, apenas escondem o vazio que nos preenche. Manda o teu Espírito, para que não desfaleçamos no tédio, na frieza, nas relações estéreis, entre as ruínas de ideologias desmoronadas, e entre os farrapos dos nossos sonhos desfeitos. Viestes para nos dar a vida, e dá-la em abundância. De Ti a esperamos! Amen.

    Contemplatio

    Jesus é a vida da nossa alma. - No cristão há duas vidas: a vida natural e puramente humana, vinda de uma fonte natural e humana e cujas operações e destinos são apenas naturais e humanos. Faz de nós filhos dos homens. Chama-se também a vida terrestre ou o velho homem. Mas há também a vida sobrenatural e divina, vinda de Deus pelo Espírito Santo, merecida e dada às nossas almas pelo sangue do Coração de Jesus; as suas operações e os seus destinos são sobrenaturais e divinos. Faz de nós filhos de Deus. Chama-se também a vida espiritual, a vida celeste, a vida nova, o homem novo (Jo 1, 12). Esta vida é derramada nas nossas almas pelo Espírito Santo que a vem formar em nós no baptismo, e que permanece em nós para a guardar e para a desenvolver até à formação do homem perfeito. É pela sua misericórdia, diz S. Paulo, que Deus nos faz renascer pelo baptismo, renovando-nos no Espírito Santo. Este Espírito, derramou-o sobre nós com abundância, por Jesus Cristo Nosso Senhor, a fim de que, justificados pela sua graça, sejamos, segundo a nossa esperança, herdeiros da vida eterna (Tit 3,5). (Pe. Dehon, OSP 4, p. 182).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Eu sou a ressurreição e a vida» (Jo 11, 25).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Bartolomeu, Apóstolo

    S. Bartolomeu, Apóstolo


    24 de Agosto, 2024

    S. Bartolomeu é um dos Doze escolhidos por Jesus (cf. Mt 1, 11ss.; Lc 6, 12) para andarem com Ele, serem dotados dos seus poderes e enviados em missão. Identificado com Natanael, amigo de Filipe (cf. Jo 1, 43-51; 22, 2), era natural de Caná. Pouco sabemos sobre Bartolomeu e sobre a sua missão. De acordo com Jo 1, 43ss., era um homem simples e reto, aberto à esperança de Israel. Diversas tradições colocam-no em diferentes regiões do mundo, o que pode indicar um raio de ação muito vasto. Segundo uma dessas tradições, foi esfolado vivo na Pérsia, coroando a sua laboriosa vida missionária com a glória do martírio.

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 21, 9b-14

    O Anjo falou-me dizendo: Vou mostrar-te a noiva, a esposa do Cordeiro.» 10E transportou-me, em espírito, a uma grande e alta montanha e mostrou-me a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus. 11Tinha o resplendor da glória de Deus: brilhava como pedra preciosa, como pedra de jaspe cristalino; 12tinha uma grande e alta muralha com doze portas; nas portas havia doze anjos e em cada uma estava gravado o nome de uma das doze tribos de Israel: 13ao oriente havia três portas, ao norte três portas, ao sul três portas e ao ocidente três portas. 14A muralha da cidade tinha doze alicerces, nos quais estavam gravados doze nomes, os nomes dos doze Apóstolos do Cordeiro.

    A Igreja, no Apocalipse, é a cidade santa, que recolhe as doze tribos de Israel, isto é, o novo Israel de Deus. Os seus muros apoiam-se sobre doze colunas, que são os doze apóstolos. No nosso texto, a Igreja é também chamada "noiva", "a noiva, a esposa do Cordeiro" (v. 9), para evidenciar o vínculo de amor com que Deus Se ligou à humanidade, e Cristo se uniu à Igreja. Cada um dos apóstolos participa e testemunha este amor no seu ministério e, finalmente, no martírio. Por isso, os Doze são também chamados "Apóstolos do Cordeiro" (v. 14). De fato, não só exercem o ministério que Jesus hes confiou, mas também, e principalmente, participam no seu mistério pascal, bebendo com Ele o cálice (cf. Mt 20, 22).

    Evangelho: João 1, 45-51

    Naquele tempo, Filipe encontrou Natanael e disse-lhe: «Encontrámos aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os Profetas: Jesus, filho de José de Nazaré.» 46Então disse-lhe Natanael: «De Nazaré pode vir alguma coisa boa?» Filipe respondeu-lhe: «Vem e verás!»47Jesus viu Natanael, que vinha ao seu encontro, e disse dele: «Aí vem um verdadeiro israelita, em quem não há fingimento.» 48Disse-lhe Natanael: «Donde me conheces?» Respondeu-lhe Jesus: «Antes de Filipe te chamar, Eu vi-te quando estavas debaixo da figueira!» 49Respondeu Natanael: «Rabi, Tu és o Filho de Deus! Tu és o Rei de Israel!»50Retorquiu-lhe Jesus: «Tu crês por Eu te ter dito: 'Vi-te debaixo da figueira'? Hás-de ver coisas maiores do que estas!» 51E acrescentou: «Em verdade, em verdade vos digo: vereis o Céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo por meio do Filho do Homem.»

    Jesus dirige a Natanael um elogio que o deixa surpreendido: "Aí vem um verdadeiro israelita, em quem não há fingimento." (v. 47). Com efeito, as palavras de Jesus incluíam a verificação que nos deixa entrever um pouco mais o espírito de Natanael: o seu amor pela verdade. O apóstolo era um homem que procurava a verdade. A sua inteligência abre-se ao mistério que se revela. É o que também se verificará quando da primeira aparição de Jesus ressuscitado. Da procura passa à fé. Por isso, este apóstolo é um ícone do verdadeiro crente que, iluminado pela Palavra, agudiza a sua capacidade visiva interior e que, pela fé, reconhece em Jesus o Salvador esperado.

    Meditatio

    Jesus conhece o coração do homem. Por isso, pode chamar, com autoridade, aqueles que quer mais perto de si. O Senhor chama para pôr os homens em relação com o céu, para revelar o seu ser, que está em completa relação com o Pai e connosco, ponto de convergência do movimento de Deus rumo aos homens e do anseio dos homens por Deus: Filho do homem e Filho de Deus. Na verdade, quem se aproxima de Jesus vê o céu aberto e os anjos de Deus subir e descer sobre o Filho do homem.
    Os Doze estão com Jesus porque devem ver o Pai agir e permanecer no Filho do homem, numa união que se manifestará plenamente na paixão de Jesus, quando for erguido na cruz e novamente introduzido na glória do Pai. Então se realizará p sonho de Jacob.
    Todos somos chamados a esta profunda revelação. Na Eucaristia revivemos o mistério da morte e da glorificação de Jesus, sacerdote e vítima da nova aliança entre o Pai e os homens. E, com Ele, queremos ser também sacerdotes e vítimas fazendo a oblação de nós mesmos, para glória e alegria de Deus e para salvação da humanidade. O Senhor revela-se a nós como aos Apóstolos, os doze alicerces, sobre os quais se apoia a muralha da cidade, "a noiva, a esposa do Cordeiro" (v. 9).

    Oratio

    Senhor, reacende a nossa fé na contemplação dos mistérios que nos revelas, na festa do apóstolo Bartolomeu. Nós te agradecemos por nos teres reunido na Igreja. Nós te agradecemos por todos aqueles e aquelas que, de coração sincero, continuam a difundir no mundo inteiro, apoiados pelo teu Espírito Santo, a fé e o amor dos Apóstolos. Ámen.

    Contemplatio

    Deus compraz-se naqueles que caminham diante dele na simplicidade do seu coração (Prov. 11). Deus detesta os corações duplos e hipócritas. Aqueles que usam a dissimulação e a astúcia provocam a sua cólera (Job 36). O Espírito Santo retira-se daqueles que são duplos e dissimulados (Sab 1, 5). Natanael ganhou o coração de Nosso Senhor pela simplicidade e retidão do seu coração (Jo 1, 47). Deus não desprezará nunca a simplicidade, diz Job. Não rejeitará aqueles que se aproximam dele com simplicidade (Job 8,10). O Espírito Santo assegura-nos que os cumulará com os seus dons e as suas bênçãos (Prov. 28,10). O simples é bem sucedido nos seus desígnios e Deus abençoa-O. Segue os caminhos de Deus; pode caminhar com confiança (Prov. 10,9 e 29). Deus frustrará os que são dúplices e dará as suas graças aos humildes (Prov. 3,34). Os simples são acarinhados, estimados por Jesus, como aquelas crianças do Evangelho que Jesus atraía apesar dos seus apóstolos. «É imitando esta inocência e esta candura de crianças, dizia Jesus, que vos haveis de tornar agradáveis ao meu coração» (Mt 18). Como é que havemos de hesitar em amar e em praticar a simplicidade?(Leão Dehon, OSP 3, p. 48s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Rabi, Tu és o Filho de Deus! Tu és o Rei de Israel!" (Jo 1, 49).

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    S. Bartolomeu, Apóstolo (24 Agosto)

    XX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    24 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 43, 1-7ª.

    1O Anjo do Senhor conduziu-me ao pórtico, ao pórtico que dá para oriente. 2E eis que a glória do Deus de Israel chegava do lado do oriente. Um ruído a acompanhava, semelhante ao ruído de grandes águas, e a terra resplandecia com a sua glória. 3Esta visão recordava-me a que eu tinha tido, quando viera para destruir a cidade, e também o que eu tinha visto junto ao rio Cabar. Então, caí com o rosto por terra. 4A glória do Senhor entrou no templo pelo pórtico que dá para Oriente. 5O espírito conduziu-me e levou-me para o átrio interior. E eis que a glória do Senhor enchia o templo. 6Eu ouvi que alguém me falava, no templo; e o homem estava de pé junto a mim. 7E disse-me: «Filho de homem, aqui é o lugar do meu trono, o lugar onde coloco a planta dos meus pés, a minha residência definitiva entre os filhos de Israel, para sempre.

    A história de Israel, marcada pela infidelidade ao Senhor, com os inevitáveis castigos recebidos, terá um fim feliz. Os capítulos 40-48 terão como tema central o regresso da «Glória do Senhor» ao novo templo, na nova Jerusalém. O ponto culminante desta história encontra-se precisamente no capítulo 48 onde se lê: «Desde esse dia, o nome da cidade (de Jerusalém) será: O-Senhor-está-lá» (48, 35).
    Ezequiel narra uma visão. Encontra-se no átrio externo e vê chegar a «Glória do Senhor». A Glória divina, com um novo movimento fragoroso e fulgurante está de volta. Tinha-se afastado do seu santuário em direcção ao oriente, permanecendo com os cativos. Agora volta, com o mesmo fulgor com que o profeta a contemplara junto ao rio Cabar, penetrando no templo pela porta oriental, por onde saíra. No átrio interior do templo, Ezequiel vê uma nuvem luminosa encher o templo, como acontecera no êxodo (Ex 40, 32-36) e no momento da consagração do templo de Salomão (1 Rs 8, 10). Deus volta a reinar em Israel, restabeleceu no templo o seu trono. A restauração de Israel é para sempre, e a presença de Javé no meio do seu povo é «definitiva» (v. 7).
    Ao contrário de Ezequiel, nós sabemos que a história não acaba aqui. A presença verdadeiramente definitiva de Deus, no meio do seu povo, não será num templo, mas na carne humana de Jesus Cristo, o Emanuel, o «Deus connosco».

    Evangelho: Mateus, 23, 1-12

    1Naquele tempo, Jesus falou à multidão e aos seus discípulos, dizendo: 2«Os doutores da Lei e os fariseus instalaram-se na cátedra de Moisés. 3Fazei, pois, e observai tudo o que eles disserem, mas não imiteis as suas obras, pois eles dizem e não fazem. 4Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar. 5Tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens. Por isso, alargam as filactérias e alongam as orlas dos seus mantos. 6Gostam de ocupar o primeiro lugar nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. 7Gostam das saudações nas praças públicas e de serem chamados 'mestres' pelos homens. 8Quanto a vós, não vos deixeis tratar por 'mestres', pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai', porque um só é o vosso 'Pai': aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores', porque um só é o vosso 'Doutor': Cristo. 11O maior de entre vós será o vosso servo. 12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

    No texto, que hoje escutamos, atinge o auge a polémica entre Jesus e os escribas e fariseus, que vem crescendo desde o c. 21. Dirigindo-se directamente à multidão e aos discípulos, Jesus previne-os contra o perigo que o Evangelho sempre corre na história: a discrepância entre o dizer e o fazer, entre o ensinamento e o testemunho. Jesus não pretende esmagar pessoas, ou confundir doutrinas. Pretende apenas denunciar a hipocrisia, isto é, a interpretação e a prática aberrantes de uma doutrina, em si, correcta. Os fariseus e escribas apoderaram-se da autoridade de ensinar, legislaram para os outros, mas não cumprem o que dizem. Pelo contrário, «tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens» (v. 5). Nos versículos 8-12, Jesus passa a usar o «vós» para interpelar directamente os seus discípulos, de ontem e de hoje. A verdadeira grandeza dos cristãos está em ser pequeno, e a verdadeira glória, em ser humilde. Os títulos e as honras são relativos, porque «só é o vosso Mestre» e «um só é o vosso 'Pai».

    Meditatio

    Ezequiel, que anos antes anunciara que a Glória do Senhor ia abandonar Jerusalém, proclama, agora, a alegre notícia do seu regresso. O Senhor revelou-lha numa visão que acabava de ter e era semelhante à primeira: «Esta visão recordava-me a que eu tinha tido, quando viera para destruir a cidade, e também o que eu tinha visto junto ao rio Cabar» (v. 3). Deus vai regressar a Jerusalém, habitar o novo templo, e viver no meio do seu povo. A Glória do Senhor encherá o templo. Ezequiel vê antecipadamente a realização dessa promessa: «O espírito conduziu-me e levou-me para o átrio interior. E eis que a glória do Senhor enchia o templo» (v. 5). Esta palavra corresponde à que lemos no Êxodo: «Moisés já não pôde entrar na tenda da reunião, porque a nuvem pairava sobre ela, e a glória do Senhor enchia o santuário» (Ex 40, 35). O mesmo aconteceu quando da dedicação do templo de Salomão: «Logo que Salomão terminou esta prece, o fogo desceu do céu e consumiu o holocausto e as vítimas, e a glória do Senhor encheu o templo. Por isso, os sacerdotes não podiam entrar no templo do Senhor, porque a sua glória o enchia completamente» (2 Cr 7, 1-2). Deus prometeu habitar no meio de Israel para sempre: «Filho de homem, aqui é o lugar do meu trono, a minha residência definitiva entre os filhos de Israel, para sempre» (v. 7). Na verdade, o templo material, ainda não era a morada definitiva de Deus no meio dos homens. Ao mesmo tempo que Ezequiel proclamava a sua profecia, outro profeta, também no exílio, afirmava: «Eis o que diz o Senhor: «O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés. Que templo podereis construir-me, ou que lugar para Eu repousar? Tudo quanto existe é obra das minhas mãos, tudo me pertence - oráculo do Senhor» (Is 66, 1-2). O verdadeiro templo não pode ser material. O templo de que fala Ezequiel também será destruído. Ao fim e ao cabo, Deus prometia um templo mais perfeito, a humanidade de Cristo, verdadeiro santuário, onde Deus se torna presente ao homem, e o homem pode encontrar a Deus. Escreve João: «Quem confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus perman
    ece nele e ele em Deus» (1 Jo 4, 15).

    Oratio

    Senhor, perdoa-nos se, também nós, como os escribas e fariseus, por vezes, ainda que inconscientemente, pretendemos ocupar o lugar de Moisés, ou, pior, ocupar o lugar que só a Ti pertence. Livra-nos de pretendermos ensinar com orgulho, legislar com arrogância, e impor pesados fardos sobre os nossos irmãos e irmãs. Livra-nos de nos apoderarmos da tua palavra de salvação, para a transformar em leis frias e áridas. Ensina-nos a servir por amor e com humildade, como Tu fizeste por nós, no lava-pés. Perdoa-nos, Senhor, e transforma os nossos corações e as nossas estruturas, tantas vezes opressivas. Amen.

    Contemplatio

    «Se alguém me ama e guarda a minha palavra, diz ainda Nosso Senhor, meu Pai amá-lo-á e faremos nele a nossa morada... Aquele que me ama e que o prova observando os meus mandamentos, será amado por meu Pai, e eu amá-lo-ei e manifestar-me-ei a ele... E então compreendereis que estou em meu Pai, e sentireis que estou em vós e vós em mim».
    Ó admirável união! «Estareis unidos a mim, diz Nosso Senhor, pela vida da graça, pelos sentimentos do coração e pelo acordo das vontades... Estarei unido a vós pela influência das minhas luzes e das minhas direcções, pela consolação da minha presença sensível e do meu amor».
    Posso, portanto, viver no Coração de Jesus e Jesus quer viver no meu coração: «Vós em mim e eu em vós», diz-nos. Ó divino Coração de Jesus, sede daqui em diante a minha morada. Em vós rezarei eficazmente, em vós pedirei conselho sem medo de me enganar, em vós contemplarei o modelo de todas as virtudes.
    Sei o meio de habitar em vós, é conformar-me à minha regra e a todas as vossas vontades.
    Agora, posso dizer com David: «Como são amáveis os vossos tabernáculos, ó meu Deus!... Um dia de repouso e de vida sobrenatural na vossa casa, isto é, no vosso Coração, vale mais que mil anos passados entre os pecadores». (Pe. Dehon, OSP 3, p. 452).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Estou no meio de vós como quem serve» (Lc 22, 27).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 21º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    21º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    25 de Agosto, 2024

    ANO B
    21º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 21º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 21º Domingo do Tempo Comum fala-nos de opções. Recorda-nos que a nossa existência pode ser gasta a perseguir valores efémeros e estéreis, ou a apostar nesses valores eternos que nos conduzem à vida definitiva, à realização plena. Cada homem e cada mulher têm, dia a dia, de fazer a sua escolha.
    Na primeira leitura, Josué convida as tribos de Israel reunidas em Siquém a escolherem entre "servir o Senhor" e servir outros deuses. O Povo escolhe claramente "servir o Senhor", pois viu, na história recente da libertação do Egipto e da caminhada pelo deserto, como só Jahwéh pode proporcionar ao seu Povo a vida, a liberdade, o bem estar e a paz.
    O Evangelho coloca diante dos nossos olhos dois grupos de discípulos, com opções diversas diante da proposta de Jesus. Um dos grupos, prisioneiro da lógica do mundo, tem como prioridade os bens materiais, o poder, a ambição e a glória; por isso, recusa a proposta de Jesus. Outro grupo, aberto à acção de Deus e do Espírito, está disponível para seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida; os membros deste grupo sabem que só Jesus tem palavras de vida eterna. É este último grupo que é proposto como modelo aos crentes de todos os tempos.
    Na segunda leitura, Paulo diz aos cristãos de Éfeso que a opção por Cristo tem consequências também ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja.

    LEITURA I - Jos 24,1-2a.15-17.18b

    Leitura do Livro de Josué

    Naqueles dias,
    Josué reuniu todas as tribos de Israel em Siquém.
    Convocou os anciãos de Israel,
    os chefes, os juízes e os magistrados,
    que se apresentaram diante de Deus.
    Josué disse então a todo o povo:
    «Se não vos agrada servir o Senhor,
    escolhei hoje a quem quereis servir:
    se os deuses que os vossos pais serviram no outro lado do rio,
    se os deuses dos amorreus em cuja terra habitais.
    Eu e a minha família serviremos o Senhor».
    Mas o povo respondeu:
    «Longe de nós abandonar o Senhor para servir outros deuses;
    porque o Senhor é o nosso Deus,
    que nos fez sair, a nós e a nossos pais,
    da terra do Egipto, da casa da escravidão.
    Foi Ele que, diante dos nossos olhos,
    realizou tão grandes prodígios
    e nos protegeu durante o caminho que percorremos
    entre os povos por onde passámos.
    Também nós queremos servir o Senhor,
    porque Ele é o nosso Deus».

    AMBIENTE

    O Livro de Josué (de onde é tirada a nossa primeira leitura) abarca uma parte do séc. XII a.C., desde a época da entrada na Terra Prometida das tribos do Povo de Deus libertadas do Egipto, até à morte de Josué. O livro oferece-nos uma visão muito simplificada da ocupação de Canaan: as doze tribos, unidas sob a liderança de Josué, realizaram várias expedições militares fulgurantes e apoderaram-se, quase sem oposição, de todo o território anteriormente nas mãos dos cananeus... Historicamente, contudo, as coisas não se passaram nem de forma tão fácil, nem de forma tão linear: é mais verosímil a versão apresentada no Livro dos Juízes e que fala de uma conquista lenta e difícil (cf. Jz 1), incompleta (cf. Jz 13,1-6; 17,12-16), que não foi obra de um povo unido à volta de um chefe único, mas de tribos que fizeram a guerra isoladamente.
    O Livro de Josué, antes de ser um livro de história, é um livro de catequese. O objectivo dos autores deuteronomistas que o escreveram era destacar o poder imenso de Jahwéh, posto ao serviço do seu Povo: foi Deus (e não a capacidade militar das tribos) que, com os seus prodígios, ofereceu a Israel a Terra Prometida; ao Povo resta-lhe aceitar os dons de Deus e responder-Lhe com a fidelidade à Aliança e aos mandamentos.
    O texto que nos é hoje proposto situa-nos na fase final da vida de Josué. Sentindo aproximar-se a morte, Josué teria reunido em Siquém (no centro do país) os líderes das diversas tribos do Povo de Deus e ter-lhes-ia proposto uma renovação do seu compromisso com Jahwéh. De acordo com Jos 24,15, Josué teria colocado as coisas da seguinte forma: "escolhei hoje a quem quereis servir... porque eu e a minha casa serviremos o Senhor".
    Na versão do autor deuteronomista a quem devemos esta notícia, Josué parece dirigir-se a um grupo de tribos que partilha uma fé comum em Jahwéh. Estaremos diante de uma assembleia que reúne essas "doze tribos" que, mais tarde (na época de David) vão constituir uma unidade nacional? Alguns biblistas pensam que não. Entre as tribos presentes não estaria certamente a tribo de Judá, já que os contactos entre Judá e a "casa de José" só se estabeleceram na época do rei David. A "casa" de Josué a que o texto se refere é certamente constituída pelas tribos do centro do país - Efraim, Benjamim e Manassés - que há muito tempo tinham aderido a Jahwéh e à Aliança. E as outras tribos, convidadas a comprometer-se com Jahwéh? Provavelmente, o convite a escolher entre "o Senhor" e os outros deuses (cf. Jos 24,14) dirige-se às tribos do norte do país que, sem dúvida, não abandonaram a Palestina desde a época dos patriarcas (e que, portanto, não viveram a experiência do Egipto, nem fizeram a experiência de encontro com Jahwéh, o Deus libertador).
    Talvez a "assembleia de Siquém" referida em Jos 24 seja a primeira tentativa histórica de estabelecer laços entre as tribos do centro da Palestina (Efraim, Benjamim e Manassés - as tribos que viveram a experiência do Egipto, a libertação, a caminhada pelo deserto e a Aliança com Jahwéh) e as tribos do norte (Issacar, Zabulón, Neftali, Asher e Dan - tribos que nem sequer estiveram no Egipto). A ligação far-se-ia à volta de uma fé comum num mesmo Deus. A união das diversas tribos do norte e do centro não se deu, contudo, de uma vez; mas foi uma caminhada lenta e progressiva, que só se completou muito tempo depois de Josué.
    O ponto de partida para o texto que nos é proposto é o facto histórico em si (provavelmente, uma assembleia em Siquém, onde Josué propôs às tribos do norte que aceitassem Jahwéh como seu Deus). No entanto, o autor deuteronomista responsável por este texto pegou na notícia histórica e transformou-a numa catequese sobre o compromisso que Israel assumiu para com Jahwéh. O seu objectivo é convidar os israelitas da sua época (séc. VII a.C.) a não se deixarem seduzir por outros deuses e a manterem-se fiéis à Aliança.

    MENSAGEM

    Estamos, portanto, em Siquém, com "todas as tribos de Israel" (vers. 1) reunidas à volta de Josué. Na interpelação que dirige às tribos, Josué começa por elencar alguns momentos capitais da história da salvação, mostrando ao Povo como Jahwéh é um Deus em quem se pode confiar; as suas acções salvadoras e libertadoras em favor de Israel são uma prova mais do que suficiente do seu poder e da sua fidelidade (cf. Jos 24,2-13).
    Depois dessa introdução, Josué convida os representantes das tribos presentes a tirarem as devidas consequências e a fazerem a sua opção. É necessário escolher entre servir esse Senhor que libertou Israel da opressão, que o conduziu pelo deserto e que o introduziu na Terra Prometida, ou servir os deuses dos mesopotâmios e os deuses dos amorreus. Josué e a sua família já optaram: eles escolheram servir Jahwéh (vers. 15).
    A resposta do Povo é a esperada. Todos manifestam a sua intenção de servir o Senhor, em resposta à sua acção libertadora e à sua protecção ao longo da caminhada pelo deserto (vers. 16-18). Israel compromete-se a renunciar a outros deuses e a fazer de Jahwéh o seu Deus.
    A aceitação de Jahwéh como Deus de Israel é apresentada, não como uma obrigação imposta a um grupo de escravos, mas como uma opção livre, feita por pessoas que fizeram uma experiência de encontro com Deus e que sabem que é aí que está a sua realização e a sua felicidade. Depois de percorrer com Jahwéh os caminhos da história, Israel constatou, sem margem para dúvidas, que só em Deus pode encontrar a liberdade e a vida em plenitude.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O problema fundamental posto pelo autor do nosso texto é o das opções: "escolhei hoje a quem quereis servir" - diz Josué ao Povo reunido. É uma questão que nunca deixará de nos ser posta... Ao longo da nossa caminhada pela vida, vamos fazendo a experiência do encontro com esse Deus libertador e salvador que Israel descobriu na sua marcha pela história; mas encontramo-nos também, muito frequentemente, com outros deuses e outras propostas que parecem garantir-nos a vida, o êxito, a realização, a felicidade e que, quase sempre, nos conduzem por caminhos de escravidão, de dependência, de desilusão, de infelicidade. A expressão "escolhei hoje a quem quereis servir" interpela-nos acerca da nossa servidão ao dinheiro, ao êxito, à fama, ao poder, à moda, às exigências dos valores que a opinião pública consagrou, ao reconhecimento público... Naturalmente, nem todos os valores do mundo são geradores de escravidão ou incompatíveis com a nossa opção por Deus... Temos, no entanto, que repensar continuamente a nossa vida e as nossas opções, a fim de não corrermos atrás de falsos deuses e de não nos deixarmos seduzir por propostas falsas de realização e de felicidade. O verdadeiro crente sabe que não pode prescindir de Deus e das suas propostas; e sabe que é nesse Deus que nunca desilude aqueles que n'Ele confiam que pode encontrar a sua realização plena.

    ¨ Israel aceitou "servir o Senhor" e comprometer-se com Ele, não por obrigação, mas pela convicção de que era esse o caminho para a sua felicidade. Por vezes, Deus é visto como um concorrente do homem e os seus mandamentos como uma proposta que limita a liberdade e a independência do homem... Na verdade, o compromisso com Deus e a aceitação das suas propostas não é um caminho de servidão, mas um caminho que conduz o homem à verdadeira liberdade e à sua realização plena. O caminho que Deus nos propõe - caminho que somos livres de aceitar ou não - é um caminho que nos liberta do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, da escravidão dos bens materiais e que nos projecta para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida, para a verdadeira felicidade.

    ¨ Josué, o líder da comunidade do Povo de Deus, tem um papel fundamental no sentido de interpelar o Povo e de testemunhar a sua opção por Deus. Não é um líder que diz belas palavras e apresenta belas propostas, mas que desmente com a vida aquilo que diz... É um líder plenamente comprometido com Deus e que testemunha, com a própria vida, essa opção. Josué poderia ser um exemplo para todos aqueles que têm responsabilidades na condução da comunidade do Povo de Deus em marcha pela história. O seu exemplo convida aqueles que presidem à comunidade do Povo de Deus a serem uma voz de Deus que interpela e que questiona aqueles que caminham ao seu lado; e convida também os responsáveis pelas comunidades cristãs a testemunharem com a própria vida aquilo que ensinam ao Povo.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 33 (34)

    Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

    A toda a hora bendirei o Senhor,
    o seu louvor estará sempre na minha boca.
    A minha alma gloria-se no Senhor:
    escutem e alegrem-se os humildes.

    Os olhos do Senhor estão voltados para os justos
    e os ouvidos atentos aos seus rogos.
    A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
    para apagar da terra a sua memória.

    Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
    livrou-os de todas as suas angústias.
    O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
    e salva os de ânimo abatido.

    Muitas são as tribulações do justo,
    mas de todas elas o livra o Senhor.
    Guarda todos os seus ossos,
    nem um só será quebrado.

    A maldade leva o ímpio à morte,
    os inimigos do justo serão castigados.
    O Senhor defende a vida dos seus servos,
    não serão castigados os que n'Ele se refugiam.

    LEITURA II - Ef 5,21-32

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo.
    As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor,
    porque o marido é a cabeça da mulher,
    como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo,
    do qual é o Salvador.
    Ora, como a Igreja se submete a Cristo,
    assim também as mulheres
    se devem submeter em tudo aos maridos.
    Maridos, amai as vossas mulheres,
    como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela.
    Ele quis santificá-la,
    purificando-a no baptismo da água pela palavra da vida,
    para a apresentar a Si mesmo como Igreja cheia de glória,
    sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante,
    mas santa e imaculada.
    Assim devem os maridos amar as suas mulheres,
    como os seus corpos.
    Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo.
    Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo,
    antes o alimenta e lhe presta cuidados,
    como Cristo à Igreja;
    porque nós somos membros do seu Corpo.
    Por isso, o homem deixará pai e mãe,
    para se unir à sua mulher,
    e serão dois numa só carne.
    É grande este mistério,
    digo-o em relação a Cristo e à Igreja.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a parte moral e parenética da Carta aos Efésios (cf. Ef 4,1-6,20). Nessa parte, Paulo lembra aos crentes a opção que fizeram no dia do seu Baptismo e que os obriga a viver como Homens Novos, à imagem de Jesus.
    A vida desse Homem Novo que deixou as trevas e escolheu a luz deve traduzir-se em atitudes concretas. Por isso, Paulo enumera, a dado passo da sua reflexão, um conjunto de normas de conduta, através das quais se deve manifestar a opção que o crente assumiu no dia do seu Baptismo.
    Na secção de Ef 5,21-6,9 (a que o texto que hoje nos é proposto pertence), Paulo apresenta as normas que devem reger as relações familiares. De forma especial, Paulo refere-se aos deveres dos esposos, seguramente porque vê na sua união uma figura da união de Cristo com a sua Igreja. Trata-se de um dos temas mais importantes da teologia desenvolvida na Carta aos Efésios.

    MENSAGEM

    O nosso texto começa com um princípio geral que deve regular as relações entre os diversos membros da família cristã: "sede submissos uns aos outros no temor de Cristo" (Ef 5,21). O "ser submisso" expressa aqui a condição daquele que está permanentemente numa atitude de serviço simples e humilde, sem deixar que a sua relação com o irmão seja dominada pelo orgulho ou marcada por atitudes de prepotência. A expressão "no temor de Cristo" recorda aos crentes que o Cristo do amor, do serviço, da partilha é o exemplo e o modelo que eles devem ter sempre diante dos olhos.
    Depois, Paulo dirige-se aos vários membros da família e propõe-lhes normas concretas de conduta. O texto que nos é proposto, contudo, apenas conservou a parte que se refere à relação dos esposos um com o outro (na continuação, Paulo falará também da conduta dos filhos para com os pais, dos pais para com os filhos, dos senhores para com os escravos e dos escravos para com os senhores - cf. Ef 6,1-9).
    Às mulheres, Paulo pede a submissão aos maridos, porque "o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo" (vers. 23). Esta afirmação - que, à luz da nossa sensibilidade e dos nossos esquemas mentais modernos parece discriminatória - deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, onde o homem aparece como a referência suprema da organização do núcleo familiar. De qualquer forma, a "submissão" de que Paulo fala deve ser sempre entendida no sentido do amor e do serviço e não no sentido da escravidão.
    Aos maridos, Paulo recomenda que amem as suas esposas, "como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela" (vers. 25). Não se trata de um amor qualquer, mas de um amor igual ao de Cristo pela sua comunidade - isto é, de um amor generoso e total, que é capaz de ir até ao dom da própria vida. Para Paulo, portanto, o amor dos maridos pelas esposas deve ser um amor completamente despido de qualquer sinal de egoísmo e de prepotência; e deve ser um amor cheio de solicitude, que se manifesta em atitudes de generosidade, de bondade e de serviço, que se faz dom total à pessoa a quem se ama.
    Neste contexto, Paulo desenvolve a sua teologia da relação entre Cristo e a Igreja, para depois tirar daí as devidas consequências para a união dos esposos cristãos... Cristo santificou a Igreja, purificando-a "no baptismo da água pela palavra da vida" (vers. 26). Há aqui, certamente, uma alusão ao baptismo cristão (inspirada, provavelmente, nas cerimónias preparatórias do matrimónio, que contemplavam o "banho" da noiva antes de se apresentar diante do noivo), pelo qual Cristo edifica a sua comunidade e a purifica do pecado. O Baptismo é o momento em que Cristo oferece a vida plena à sua Igreja e em que a Igreja se compromete com Cristo numa comunidade de amor. A partir desse momento, Cristo e a Igreja formam um só corpo... Como Cristo e a Igreja formam um só corpo, do mesmo modo marido e esposa, comprometidos numa comunidade de amor, formam um só corpo: "por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua mulher e serão dois numa só carne" (vers. 31). A expressão "uma só carne" aqui usada por Paulo não alude só à união carnal dos esposos, mas a toda a sua vida conjugal, feita de um empenho quotidiano na vivência do amor, da fidelidade e da partilha de toda a existência.
    Este paralelismo estabelecido por Paulo entre a união de Cristo e da Igreja e o amor que une os esposos dá um significado especial ao casamento cristão: a vocação dos esposos é anunciar e testemunhar, com o seu amor e a sua união, o amor de Cristo pela sua Igreja. Dito de outra forma: a união dos esposos cristãos deve ser, aos olhos do mundo, um sinal e um reflexo do "mistério" de amor que une Cristo e a Igreja.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O compromisso com Jesus e com a proposta de vida nova que Ele veio apresentar mexe com a totalidade da vida do homem e tem consequências em todos os níveis da existência, nomeadamente ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser também o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja. "Os esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afecto e de pensamento e com mútua santidade de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição" (Gaudium et Spes, 52).

    ¨ Para Paulo, o amor que une o marido e a esposa deve ser um amor como o de Cristo pela sua Igreja. Desse amor devem, portanto, estar ausentes quaisquer sinais de egoísmo, de prepotência, de exploração, de injustiça... Deve ser um amor que se faz doação total ao outro, que é paciente, que não é arrogante nem orgulhoso, que compreende os erros e as falhas dos outro, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13,4-7).

    ¨ Para Paulo, o amor que une a esposa e o marido deve ser um amor que se faz serviço simples e humilde. Não se trata de exigir submissão de um a outro, mas trata-se de pedir que os crentes manifestem total disponibilidade para servir e para dar a vida, sem esperar nada em troca. Trata-se de seguir o exemplo de Cristo que não veio para afirmar a sua superioridade e para ser servido, mas para servir e dar vida. O matrimónio cristão não pode tornar-se uma competição para ver quem tem mais direitos ou mais obrigações, mas uma comunhão de vida de pessoas que, a exemplo de Cristo, fazem da sua existência uma partilha e um serviço a todos os irmãos que caminham ao seu lado.

    ¨ Paulo utiliza, neste texto, a propósito das mulheres, uma palavra que não devemos absolutizar: "submissão". Esta palavra deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, em que o marido era considerado a referência fundamental da ordem familiar. É claro que, nos dias de hoje, Paulo não teria usado este termo para falar da relação da esposa com o marido. A afirmação de Paulo não pode servir para fundamentar qualquer tipo de discriminação contra as mulheres... Aliás, Paulo dirá, noutras circunstâncias, que "não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus" (Gal 3,28).

    ALELUIA - cf. Jo 6,63c.68c

    Aleluia. Aleluia.

    As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida:
    Vós tendes palavras de vida eterna.

    EVANGELHO - Jo 6,60-69

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram:
    «Estas palavras são duras.
    Quem pode escutá-las?»
    Jesus, conhecendo interiormente
    que os discípulos murmuravam por causa disso,
    perguntou-lhes:
    «Isto escandaliza-vos?
    E se virdes o Filho do homem
    subir para onde estava anteriormente?
    O espírito é que dá vida,
    a carne não serve de nada.
    As palavras que Eu vos disse são espírito e vida.
    Mas, entre vós, há alguns que não acreditam».
    Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início,
    quais eram os que não acreditavam
    e quem era aquele que O havia de entregar.
    E acrescentou:
    «Por isso é que vos disse:
    Ninguém pode vir a Mim,
    se não lhe for concedido por meu Pai».
    A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se
    e já não andavam com Ele.
    Jesus disse aos Doze:
    «Também vós quereis ir embora?»
    Respondeu-Lhe Simão Pedro:
    «Para quem iremos, Senhor?
    Tu tens palavras de vida eterna.
    Nós acreditamos
    e sabemos que Tu és o Santo de Deus».

    AMBIENTE

    Estamos no final do episódio que começou com a multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Jo 6,1-15) e que continuou com o "discurso do pão da vida" (cf. Jo 6,22-59). Trata-se de um episódio atravessado por diversos equívocos e onde se manifesta a perplexidade e a confusão daqueles que escutam as palavras de Jesus... A multidão esperava um messias rei que lhe oferecesse uma vida confortável e pão em abundância e Jesus mostrou que não veio "dar coisas", mas oferecer-Se a Ele próprio para que a humanidade tivesse vida; a multidão esperava de Jesus uma proposta humana de triunfo e de glória e Jesus convidou-a a identificar-se com Ele e a segui-l'O no caminho do amor e do dom da vida até à morte... Os interlocutores de Jesus perceberam claramente que Jesus os tinha colocado diante de uma opção fundamental: ou continuar a viver numa lógica humana, virada para os bens materiais e para as satisfações mais imediatas, ou o assumir a lógica de Deus, seguindo o exemplo de Jesus e fazendo da vida um dom de amor para ser partilhado. Instalados nos seus esquemas e preconceitos, presos a aspirações e sonhos demasiado materiais, desiludidos com um programa que lhes parecia condenado ao fracasso, os interlocutores de Jesus recusaram-se a identificar-se com Ele e com o seu programa.
    O nosso texto mostra-nos a reacção negativa de "muitos discípulos" às propostas que Jesus faz. Nem todos os discípulos estão dispostos a identificar-se com Jesus ("comer a sua carne e beber o seu sangue") e a oferecer a sua vida como dom de amor que deve ser partilhado com toda a humanidade. Temos de situar esta "catequese" no contexto em que vivia a comunidade joânica, nos finais do séc. I... A comunidade cristã era discriminada e perseguida; muitos discípulos afastavam-se e trilhavam outros caminhos, recusando-se a seguir Jesus no caminho do dom da vida. Muitos cristãos, confusos e perplexos, perguntavam: para ser cristão é preciso percorrer um caminho tão radical e de tanta exigência? A proposta de Jesus será, efectivamente, um caminho de vida plena, ou um caminho de fracasso e de morte? É a estas questões que o "catequista" João vai tentar responder.

    MENSAGEM

    A perícopa divide-se em duas partes. A primeira (vers. 60-66) descreve o protesto de um grupo de discípulos face às exigências de Jesus; a segunda (vers. 67-69) apresenta a resposta dos Doze à proposta que Jesus faz. Estes dois grupos (os "muitos discípulos" da primeira parte e os "Doze" da segunda parte) representam duas atitudes distintas face a Jesus e às suas propostas.
    Para os "discípulos" de que se fala na primeira parte do nosso texto, a proposta de Jesus é inadmissível, excessiva para a força humana (vers. 60). Eles não estão dispostos a renunciar aos seus próprios projectos de ambição e de realização humana, a embarcar com Jesus no caminho do amor e da entrega, a fazer da própria vida um serviço e uma partilha com os irmãos. Esse caminho parece-lhes, além de demasiado exigente, um caminho ilógico. Confrontados com a radicalidade do caminho do Reino, eles não estão dispostos a arriscar.
    Na resposta à objecção desses "discípulos", Jesus assegura-lhes que o caminho que propõe não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um caminho destinado à glória e à vida eterna. A "subida" do Filho do Homem, após a morte na cruz, para reentrar no mundo de Deus, será a "prova provada" de que a vida oferecida por amor conduz à vida em plenitude (vers. 61-62). Esses "discípulos" não estão dispostos a acolher a proposta de Jesus porque raciocinam de acordo com uma lógica humana, a lógica da "carne"; só o dom do Espírito possibilitará aos crentes perceber a lógica de Jesus, aderir à sua proposta e seguir Jesus nesse caminho do amor e da doação que conduz à vida (vers. 63).
    Na realidade, esses discípulos que raciocinam segundo a lógica da "carne" seguem Jesus pelas razões erradas (a glória, o poder, a fácil satisfação das necessidades materiais mais básicas). A sua adesão a Jesus é apenas exterior e superficial. Jesus tem consciência clara dessa realidade. Ele sabe até que um dos "discípulos" O vai trair e entregar nas mãos dos líderes judaicos (vers. 64). De qualquer forma, Jesus encara a decisão dos discípulos com tranquilidade e serenidade. Ele não força ninguém; apenas apresenta a sua proposta - proposta radical e exigente - e espera que o "discípulo" faça a sua opção, com toda a liberdade.
    Em última análise, a vida nova que Jesus propõe é um dom de Deus, oferecido a todos os homens (vers. 65). O termo deste movimento que o Pai convida o "discípulo" a fazer é o encontro com Jesus e a adesão ao seu projecto. Se o homem não está aberto à acção do Pai e recusa os dons de Deus, não pode integrar a comunidade dos discípulos e seguir Jesus.
    A primeira parte da cena termina com a retirada de "muitos discípulos" (vers. 66). O programa exposto por Jesus, que exige a renúncia às lógicas humanas de ambição e de realização pessoal, é recusado... Esses "discípulos" mostram-se absolutamente indisponíveis para percorrer o caminho de Jesus.
    Confirmada a deserção desses "discípulos", Jesus pede ao grupo mais restrito dos "Doze" que façam a sua escolha: "também vós quereis ir embora?" (vers. 67). Repare-se que Jesus não suaviza as suas exigências, nem atenua a dureza das suas palavras... Ele está disposto a correr o risco de ficar sem discípulos, mas não está disposto a prescindir da radicalidade do seu projecto. Não é uma questão de teimosia ou de não querer dar o braço a torcer; mas Jesus está seguro que o caminho que Ele propõe - o caminho do amor, do serviço, da partilha, da entrega - é o único caminho por onde é possível chegar à vida plena... Por isso, Ele não pode mudar uma vírgula ao seu discurso e à sua proposta. O caminho para a vida em plenitude já foi claramente exposto por Jesus; resta agora aos "discípulos" aceitá-lo ou rejeitá-lo.
    Confrontados com esta opção fundamental, os "Doze" definem claramente o caminho que querem percorrer: eles aceitam a proposta de Jesus, aceitam segui-l'O no caminho do amor e da entrega. Quem responde em nome do grupo (uso do plural) é Simão Pedro: "Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna" (vers. 68). A comunidade reconhece, pela voz de Pedro, que só no caminho proposto por Jesus encontra vida definitiva. Os outros caminhos só geram vida efémera e parcial e, com frequência, conduzem à escravidão e à morte; só no caminho que Jesus acabou de propor (e que "muitos" recusaram) se encontra a felicidade duradoura e a realização plena do homem (vers. 68).
    É porque reconhece em Jesus o único caminho válido para chegar à vida eterna que a comunidade dos "Doze" adere ao que Ele propõe ("cremos" - vers. 69a). A "fé" (adesão a Jesus) traduz-se no seguimento de Jesus, na identificação com Ele, no compromisso com a proposta que Ele faz ("comer a carne e beber o sangue" que Jesus oferece e que dão a vida eterna).
    A resposta posta na boca de Pedro é precisamente a resposta que a comunidade joânica (a tal comunidade que vive a sua fé e o seu compromisso cristão em condições difíceis e que, por vezes, tem dificuldade em renunciar à lógica do mundo e apostar na radicalidade do Evangelho de Jesus) é convidada a dar: "Senhor, as tuas propostas nem sempre fazem sentido à luz dos valores que governam o nosso mundo; mas nós estamos seguros de que o caminho que Tu nos indicas é um caminho que leva à vida eterna. Queremos escutar as tuas palavras, identificar-nos contigo, viver de acordo com os valores que nos propões, percorrer contigo esse caminho do amor e da doação que conduz à vida eterna.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O Evangelho deste domingo põe claramente a questão das opções que nós, discípulos de Jesus, somos convidados a fazer... Todos os dias somos desafiados pela lógica do mundo, no sentido de alicerçarmos a nossa vida nos valores do poder, do êxito, da ambição, dos bens materiais, da moda, do "politicamente correcto"; e todos os dias somos convidados por Jesus a construir a nossa existência sobre os valores do amor, do serviço simples e humilde, da partilha com os irmãos, da simplicidade, da coerência com os valores do Evangelho... É inútil esconder a cabeça na areia: estes dois modelos de existência nem sempre podem coexistir e, frequentemente, excluem-se um ao outro. Temos de fazer a nossa escolha, sabendo que ela terá consequências no nosso estilo de vida, na forma como nos relacionamos com os irmãos, na forma como o mundo nos vê e, naturalmente, na satisfação da nossa fome de felicidade e de vida plena. Não podemos tentar agradar a Deus e ao diabo e viver uma vida "morna" e sem exigências, procurando conciliar o inconciliável. A questão é esta: estamos ou não dispostos a aderir a Jesus e a segui-l'O no caminho do amor e do dom da vida?

    ¨ Os "muitos discípulos" de que fala o texto que nos é proposto não tiveram a coragem para aceitar a proposta de Jesus. Amarrados aos seus sonhos de riqueza fácil, de ambição, de poder e de glória, não estavam dispostos a trilhar um caminho de doação total de si mesmos em benefício dos irmãos. Este grupo representa esses "discípulos" de Jesus demasiado comprometidos com os valores do mundo, que até podem frequentar a comunidade cristã, mas que no dia a dia vivem obcecados com a ampliação da sua conta bancária, com o êxito profissional a todo o custo, com a pertença à elite que frequenta as festas sociais, com o aplauso da opinião pública... Para estes, as palavras de Jesus "são palavras duras" e a sua proposta de radicalidade é uma proposta inadmissível. Esta categoria de "discípulos" não é tão rara como parece... Em diversos graus, todos nós sentimos, por vezes, a tentação de atenuar a radicalidade da proposta de Jesus e de construir a nossa vida com valores mais condizentes com uma visão "light" da existência. É preciso estarmos continuamente numa atitude de vigilância sobre os valores que nos norteiam, para não corrermos o risco de "virar as costas" à proposta de Jesus.

    ¨ Os "Doze" ficaram com Jesus, pois estavam convictos de que só Ele tem "palavras que comunicam a vida definitiva". Eles representam aqueles que não se conformam com a banalidade de uma vida construída sobre valores efémeros e que querem ir mais além; representam aqueles que não estão dispostos a gastar a sua vida em caminhos que só conduzem à insatisfação e à frustração; representam aqueles que não estão dispostos a conduzir a sua vida ao sabor da preguiça, do comodismo, da instalação; representam aqueles que aderem sinceramente a Jesus, se comprometem com o seu projecto, acolhem no coração a vida que Jesus lhes oferece e se esforçam por viver em coerência com a opção por Jesus que fizeram no dia do seu Baptismo. Atenção: esta opção pelo seguimento de Jesus precisa de ser constantemente renovada e constantemente vigiada, a fim de que o nível da coerência e da exigência se mantenha.

    ¨ Na cena que o Evangelho de hoje nos traz, Jesus não parece estar tão preocupado com o número de discípulos que continuarão a segui-l'O, quanto com o manter a verdade e a coerência do seu projecto. Ele não faz cedências fáceis para ter êxito e para captar a benevolência e os aplausos das multidões, pois o Reino de Deus não é um concurso de popularidade... Não adianta escamotear a verdade: o Evangelho que Jesus veio propor conduz à vida plena, mas por um caminho que é de radicalidade e de exigência. Muitas vezes tentamos "suavizar" as exigências do Evangelho, a fim de que ele seja mais facilmente aceite pelos homens do nosso tempo... Temos de ter cuidado para não desvirtuarmos a proposta de Jesus e para não despojarmos o Evangelho daquilo que ele tem de verdadeiramente transformador. O que deve preocupar-nos não é tanto o número de pessoas que vão à Igreja; mas é, sobretudo, o grau de radicalidade com que vivemos e testemunhamos no mundo a proposta de Jesus.

    ¨ Um dos elementos que aparece nitidamente no nosso texto é a serenidade com que Jesus encara o "não" de alguns discípulos ao projecto que Ele veio propor. Diante desse "não", Jesus não força as coisas, não protesta, não ameaça, mas respeita absolutamente a liberdade de escolha dos seus discípulos. Jesus mostra, neste episódio, o respeito de Deus pelas decisões (mesmo erradas) do homem, pelas dificuldades que o homem sente em comprometer-se, pelos caminhos diferentes que o homem escolhe seguir. O nosso Deus é um Deus que respeita o homem, que o trata como adulto, que aceita que ele exerça o seu direito à liberdade. Por outro lado, um Deus tão compreensivo e tolerante convida-nos a dar mostras de misericórdia, de respeito e de compreensão para com os irmãos que seguem caminhos diferentes, que fazem opções diferentes, que conduzem a sua vida de acordo com valores e critérios diferentes dos nossos. Essa "divergência" de perspectivas e de caminhos não pode, em nenhuma circunstância, afastar-nos do irmão ou servir de pretexto para o marginalizarmos e para o excluirmos do nosso convívio.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Não há dúvida que Pedro não tinha compreendido todas as palavras de Jesus sobre o Pão da Vida, mas, um dia, ele tinha deixado tudo para seguir este Mestre que falava e agia com autoridade. Ele tinha-Lhe dado toda a sua confiança sem reservas: as suas palavras eram palavras de vida, os seus gestos eram gestos de vida. Então porque não aceitar que toda a sua pessoa fosse doadora de vida eterna? Pedro não se vê, pois, a deixar Aquele que promete a vida em nome de Deus. Imagina-se o sofrimento de Jesus ao ver alguns dos seus discípulos deixarem de O seguir. Mas imagina-se também a sua alegria diante da confiança daqueles que não O deixarão, mesmo se vierem a conhecer abandono momentâneo, negação, dúvida... Estamos prontos a fazer o acto de fé de Pedro: "Senhor, para quem iremos nós?" Em Cristo, e somente n'Ele, nunca ficaremos decepcionados!

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    O escândalo não tardou em rebentar! "Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?" Desta vez, não são os escribas e os fariseus que se opõem violentamente a Jesus, mas a maior parte dos seus discípulos. No lugar de Jesus, teríamos, sem dúvida, tentado acalmar os espíritos dizendo, por exemplo, que comer o seu corpo, beber o seu sangue para ter a vida eterna, era uma imagem, certamente chocante, mas apenas uma imagem! Nada disso com Jesus! Ele não apenas não retira nenhuma das suas palavras, mas provoca os Doze: "Também vós quereis ir embora?" Ele aceitaria antes ver partir os seus discípulos mais próximos do que negar uma só das suas palavras! O desafio era capital, incontornável. Não podemos apagar estas palavras se queremos ser seus discípulos. Tudo à luz do acontecimento central da Morte e Ressurreição, celebrado na Eucaristia! Isso exige uma dupla atitude para entrarmos no mistério da Eucaristia: Reconhecemos verdadeiramente neste homem, Jesus de Nazaré, o Filho de Maria, o verdadeiro Filho único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, como dizemos no Credo? Cremos verdadeiramente que Jesus ressuscitou e é verdadeiramente vencedor da morte? Aí está o centro da nossa fé, onde tudo se decide! Quando comungamos o corpo e o sangue de Cristo, dizemos: "Ámen! Adiro a esta presença de Jesus ressuscitado com todas as fibras do meu ser!" Uma fé celebrada na Eucaristia a marcar toda a nossa existência... Não há meios-termos!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Qual é a minha fé? Cada um de nós pode interrogar-se: posso sinceramente dizer a minha fé com as palavras de Pedro? Se sim, terei, nos próximos dias, a força de a testemunhar junto de uma pessoa que duvida, que procura, ou que contesta a fé cristã? Quais são os meios que tenho para alimentar a minha fé?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • XXI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    26 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Tessalonicenses 1, 1-5.11b-12

    Início da Segunda Epístola do apóstolo S. Paulo aos Tessalonicences. 1Paulo, Silvano e Timóteo à Igreja de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica. 2Graça e paz a vós da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo.
    3Devemos dar continuamente graças a Deus por vós, irmãos, como é justo, pois que a vossa fé cresce extraordinariamente e a caridade recíproca superabunda em cada um e em todos vós, 4a ponto de nós próprios nos gloriarmos de vós nas igrejas de Deus, pela vossa constância e fé em todas as perseguições e tribulações que suportais. 5Elas são o indício do justo juízo de Deus, para que sejais considerados dignos do reino de Deus pelo qual padeceis. O nosso Deus vos torne dignos da vocação e, com o seu poder, a vossa vontade de bem e a actividade da vossa fé atinjam a plenitude, 12de modo que seja glorificado em vós o nome de Nosso Senhor Jesus e vós nele, segundo a graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.

    A Segunda Carta de Paulo aos Tessalonicenses começa com uma saudação e acção de graças idênticas às da Primeira Carta. O Apóstolo augura «graça e paz» (v. 2), um binómio caro a Paulo, agora inserido nos ritos introdutórios da celebração eucarística. Depois, vem a acção de graças, como também é habitual nas cartas paulinas. O Apóstolo indica três razões específicas para essa acção de graças: a fé, a caridade e a paciência em suportar as tribulações (vv. 3b-5), que são inevitáveis num mundo adverso ao Evangelho. O Apóstolo também sofreu tribulações (thlípsis) (cf 1 Ts 3, 3). Fé, caridade, paciência, são elementos interligados, porque a vitalidade da fé se manifesta na caridade e torna forte a comunidade para enfrentar desafios e sofrimentos. Tudo culmina na oração. Paulo intercede pelos tessalonicenses, para que o Senhor lhes sustente a boa vontade na prática do bem. O Apóstolo está convencido de que toda a existência cristã está sob o signo do dom de Deus oferecido em Jesus Cristo.

    Evangelho: Mateus 23, 13-22

    Naquele tempo, disse Jesus: 13Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque fechais aos homens o Reino do Céu! Nem entrais vós nem deixais entrar os que o querem fazer. 14Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que devorais as casas das viúvas, com o pretexto de prolongadas orações! Por isso, sereis mais rigorosamente julgados. 15Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito e, depois de o terdes seguro, fazeis dele um filho do inferno, duas vezes pior do que vós! 16Ai de vós, guias cegos, que dizeis: 'Se alguém jura pelo santuário, isso não tem importância; mas, se jura pelo ouro do santuário, fica sujeito ao juramento.' 17Insensatos e cegos! Que é o que vale mais? O ouro ou o santuário, que tornou o ouro sagrado? 18Dizeis ainda: 'Se alguém jura pelo altar, isso não tem importância; mas, se jura pela oferta que está sobre o altar, fica sujeito ao juramento.' 19Cegos! Qual é o que vale mais? A oferta ou o altar, que torna sagrada a oferta? 20Portanto, jurar pelo altar é o mesmo que jurar por ele e por tudo o que está sobre ele; 21jurar pelo santuário é jurar por ele e por aquele que nele habita; 22jurar pelo Céu é jurar pelo trono de Deus e por aquele que nele está sentado.

    Jesus prossegue as denúncias contra os escribas e fariseus. Embora fossem representantes oficiais da religiosidade, tinham-se convertido em sério obstáculo para a fé. Por isso, Aquele que se definiu como «manso e humilde de coração», que se comove diante do sofrimento dos outros, que é afável com os pecadores, terno com os pobres e pequenos, que chora pensando na destruição de Jerusalém, condena agora, em tom severo, a hipocrisia religiosa dos fariseus. Os «Ai de vós», na linguagem profética, exprimem uma ameaça de castigo e de juízo, mas também a dor de quem deve falar por causa do mal deplorável.
    Um dos «Ai de vós» dirige-se aos escribas e fariseus que, recusando Jesus e a sua mensagem, também impedem outros de entrar no Reino. O segundo «Ai de vós» dirige-se contra o proselitismo dos judeus, que apenas visa subtrair pessoas à salvação, para as tornar fechadas, rígidas, fanáticas e perigosas como eles, e mais do que eles. O terceiro «Ai de vós» dirige-se aos «guias cegos» que, com as subtilezas da sua casuística, obscurecem o sentido profundo da lei. Invertem a hierarquia de valores: o ouro vale mais que o templo, e a oferta mais que o altar. Falta-lhes o discernimento e a interioridade.

    Meditatio

    O Apóstolo Paulo, quando era fariseu, tinha as atitudes e comportamentos que Jesus verbera no evangelho de hoje. Também ele fechava aos homens o Reino do céu (cf. 13). Mas, uma vez convertido, assumiu atitude e comportamento completamente diferentes: abriu a Igreja a todos os homens de boa vontade, pagãos ou hebreus. Em Tessalónica, converteu muitos pagãos e, nas suas cartas, dá graças a Deus pela fé, esperança e caridade que demonstram. O apóstolo agradece pelos dons da fé e da caridade, concedidos aos tessalonicenses: «Devemos dar continuamente graças a Deus por vós, irmãos... pois que a vossa fé cresce extraordinariamente e a caridade recíproca superabunda em cada um e em todos vós» (v. 3). E acrescenta uma intrigante frase: «Elas são o indício do justo juízo de Deus, para que sejais considerados dignos do reino de Deus pelo qual padeceis (v. 5). Que indício é esse? Qual é o sinal da benevolência de Deus? É a constância e a fé com que enfrentam as perseguições e tribulações. Sem a graça do Senhor, isso não seria possível. Com a graça, as perseguições e tribulações tornam-se ocasiões para crescer na fé e na caridade.
    O evangelho ensina-nos que a evangelização é algo de bem diferente do proselitismo opressor. Quem anuncia o Evangelho, tem consciência de ser um vaso de barro, que leva um tesouro (cf. 2 Cor4, 7). Quem leva esse tesouro ao coração dos outros, há-de fazê-lo com a atitude com que Moisés se aproximou da sarça ardente. O coração humano é terreno sagrado. Antes de se aproximar dele, há que descalçar as sandálias, com receio de o profanar.
    Deus confiou-nos o anúncio do seu Reino. Podemos entrar nele e ajudar os outros a entrar. Mas também podemos não entrar, e impedir que os outros entrem. Os outros não podem se tratados como se fossem "cópias" de nós mesmos. Não podemos impor-lhes a nossa imagem e semelhança. A evangelizaç&a
    tilde;o não pode nem deve ser uma tentativa de "clonagem espiritual". Infelizmente continua a haver «guias cegos» e também cegos que se deixam guiar, tornando-se pessoas sem rosto, enquadrados, nivelados, homologados aos ideais vigentes, sufocados por etiquetas. Onde está a libertação trazida pelo acolhimento da Boa Nova?

    Oratio

    Senhor, obrigado pela obra que realizas na vida dos teus fiéis. Que todos saibamos estar abertos e colaborar nas maravilhas que fazes em nós. Assim, poderemos também cooperar para que outros se abram ao dom do Reino e nele entrem. Que jamais façamos algo, mesmo inconscientemente, que os impeça de entrar.
    Faz-nos testemunhas dignas de Ti e do teu Reino. Que as palavras do profeta Zacarias se tornem realidade para nós, cristãos de hoje: «Naqueles dias, dez homens de todas as línguas das nações tomarão um judeu pela dobra do seu manto e dirão: 'Nós queremos ir convosco, porque soubemos que Deus está convosco´» (Zc 8, 23). Que assim seja, Senhor! Amen!

    Contemplatio

    Vós, diz-nos Nosso Senhor, dareis testemunho de mim. O Espírito Santo dar-vos-á as luzes e as graças para cumprirdes a vossa missão de apóstolos do Sagrado Coração. Dar-vos-á a inteligência e o gosto dos mistérios do meu coração, do meu amor e da minha imolação. Dar-vos-á a força e o zelo para trabalhardes no cumprimento da vossa missão, expandindo esta vida de amor e de imolação segundo a vossa graça. Dar-vos-á a conhecer o caminho que eu segui, o caminho da cruz, do sacrifício e da imolação. Conduzir-vos-á seguindo os meus traços, fará de vós o que deveis ser, vítimas do meu coração.
    Dareis testemunho de mim, se estiverdes unidos a mim e instruídos na minha ciência sagrada pela oração, se os vossos pensamentos forem os meus, se os vossos desejos, as vossas alegrias, as vossas tristezas forem conformes aos desejos, às alegrias, às dores do meu coração.
    Dareis testemunho de mim em palavras, se a vossa conversação for sobrenatural, se falardes como homens de Deus, como padres, como religiosos consagrados ao meu coração.
    Dareis testemunho de mim pelos vossos actos, se fizerdes a vontade de meu Pai e a minha, se agirdes como meus verdadeiros discípulos, como os amigos e as vítimas do meu Coração sagrado, na regularidade, na humildade, no sacrifício e na caridade. (Leão Dehon, OSP 3, p. 431s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O nosso Deus vos torne dignos da vocação» (2 Ts 1, 5).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Mónica

    S. Mónica


    27 de Agosto, 2024

    Santa Mónica nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 331 ou 332, no seio de uma família cristã e com boas condições sociais. Ainda adolescente, foi dada em casamento a Patrício, que possuía um modesto património e era membro do conselho municipal de Tagaste. Mónica é uma mulher africana, mãe de um dos maiores Padres da Igreja, S. Agostinho. «Era mulher no aspecto, mas viril na fé, anciã na pacatez, materna no amor, verdadeira cristã» - escreve Agostinho (Conf. IX, 4,8). Ganhou para Cristo o marido e o filho. Esteve presente no batismo de Agostinho, em Milão, e acompanhou de perto a sua primeira experiência monástica em Casissíaco. Quando voltava para África, com o filho e os amigos, morreu em Óstia Tiberina, perto de Roma, antes de 13 de Novembro de 387.

    Lectio

    Primeira leitura: Ben-Sirá: 26, 1-4.13-16

    Feliz o homem que tem uma virtuosa mulher, porque será dobrado o número dos seus anos. 2A mulher forte é a alegria do marido; derramará paz nos anos da sua vida. Uma mulher virtuosa é uma sorte excelente, é o prémio dos que temem o Senhor.4Rico ou pobre, o seu coração será feliz, e o seu rosto ver-se-á sempre alegre. 13A graça de uma mulher deleita o marido, e seu bom proceder revigora-lhe os ossos. 14É dom do Senhor uma mulher silenciosa; nada é comparável a uma mulher bem educada. 15A mulher honesta é uma graça inestimável; não há preço comparável a uma alma casta. 16Como o sol se eleva nas alturas do Senhor, assim a beleza de uma mulher virtuosa é ornamento da sua casa.

    Esta leitura realça a especificidade da mulher de cuja bondade e virtude depende a felicidade do homem. Na casa, a mulher é mediadora e incarnação da beleza de Deus. O homem pode, não só contemplar essa beleza, mas também desposá-la. A felicidade, a alegria, a serenidade, a boa sorte, a paz, a vida longa, o vigor e, enfim, a graça, são como que veiculados por esse tipo de mulher que incarna em si os atributos da virtude. A mulher virtuosa do Ben-Sirá, ou a mulher perfeita dos Provérbios, é a própria Sabedoria

    Evangelho: Lucas 7, 11-17

    Naquele tempo, dirigia-se Jesus para uma cidade chamada Naim, indo com Ele os seus discípulos e uma grande multidão. 12Quando estavam perto da porta da cidade, viram que levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que era viúva; e, a acompanhá‑la, vinha muita gente da cidade. 13Vendo‑a, o Senhor compadeceu­-se dela e disse‑lhe: «Não chores.» 14Aproximan­do-se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam. Disse então: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta‑te!» 15O morto sentou‑se e começou a falar. E Jesus entregou‑o à sua mãe. 16O temor apoderou‑se de todos, e davam glória a Deus, dizendo: «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» 17E a fama deste milagre espalhou‑se pela Judeia e por toda a região.

    O centro desta narrativa de Lucas é o encontro de Jesus com aquela mulher, uma viúva, só, sem amor, mãe de um filho, a que deu a vida, mas que agora não pode arrancar da morte. Temos aqui alguns paralelismos com a paixão e ressurreição de Jesus: o encontro, que acontece «perto da porta da cidade» de Naim, portanto, fora dela, e a sua crucifixão fora das portas de Jerusalém; o «caixão» e o seu «sepulcro»; o «levantar-se, ressuscitar» do jovem e a Sua ressurreição (de Jesus). Lucas revela aqui a identidade de Jesus: o Ressuscitado, o Vencedor da morte é também o Senhor de misericórdia. Ele assume em si os sentimentos maternos daquela mulher: todo o seu espírito se envolve numa co-moção profunda, visceral, como acontece com as «vísceras maternas», que se abrem para acolher uma nova criatura no acto de dar lugar, de con-sentir (alegria e dor), com alguém que está nelas (cfr. Lc 15, 20). Jesus dá à mulher uma ordem paradoxal: «não chores!» É uma palavra que leva em si a força e a ternura de uma promessa - «Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Porque as primeiras coisas passaram.» (Ap 21, 4) - uma promessa de felicidade, que vai para além da morte. Aqui encontramos todo o sentido da incarnação, sinteticamente expresso no gesto de Jesus que «toca» o caixão e pronuncia, ali onde o homem se encontra no fim, a Palavra que o faz recomeçar: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta‑te!»
    No contacto com Jesus e com a sua palavra, o filho morto é novamente dado à vida. Da escuridão do sem sentido e do isolamento, é restituído à relação vital com os outros e com o mundo. Adquire novamente a capacidade de falar e de comunicar. E Jesus, com um gesto de grande delicadeza, «entregou‑o à sua mãe».

    Meditatio

    Mónica é uma «santa» e, portanto, uma «mulher» verdadeira. Nela convergem e incarnam a beleza da «mulher virtuosa» do Ben-Sirá e a materna com-paixão da «viúva» do Novo Testamento, que faz da sua vida uma intercessão pelo filho. A santidade de Mónica leva-nos ao coração da vocação e da missão da mulher. Mónica realizou até ao fim a missão de «guarda do homem». Enfrentou com grande dignidade e inteligência, com a genialidade própria da mulher, as dificuldades da vida matrimonial com um homem «pagão» de carácter muito difícil, «a quem - diz cruamente Agostinho - foi entregue». Sem jamais perder o gosto pelo bem, mesmo nas adversidades, «esforçou-se por ganhá-lo para Ti, falando-lhe de Ti com as suas virtudes com que a embelezaste e por meio das quais lhe merecias o seu afecto respeitoso e admirado» (S. Agostinho, Confissões IX, 9, 19).
    Servindo-se das grandes forças do espírito feminino apoiou, com as lágrimas e a oração de uma vida toda consagrada a Deus, a verdadeira luta pela fé do seu filho Agostinho. Esta luta é «a luta pelo homem, pelo seu verdadeiro bem, pela sua salvação».
    De Mónica, Agostinho escreverá mais tarde: «Creio, sem qualquer dúvida que, pelas tuas lágrimas, mãe, Deus concedeu-me não querer, não pensar, não amar outra coisa senão alcançar a verdade». Mónica é, pois, mãe numa dupla maternidade: «Deu-me à luz na carne, para que eu nascesse para a luz temporal, e deu-me à luz no espírito para que eu nascesse para a luz eterna»» (Conf IX, 8s.). Se a mulher na relação homem-Deus representa o ponto de encontro da humanidade com Deus, mesmo pela maternidade de que é portadora, em Mónica, no seu ser mãe em plenitude, a paternidade de Deus pôde agir numa admirável aliança.

    Oratio

    Pai santo, na sua vida mortal, o vosso Filho Jesus passou fazendo o bem e socorrendo todos os que eram prisioneiros do mal. Ainda hoje, como bom samaritano, vem ao encontro de todos os homens atribulados no corpo ou no espírito e derrama sobre as suas feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança. Nós vos louvamos e bendizemos pelo que, por meio de Cristo, fizestes em Santa Mónica e no seu filho Agostinho. Por intercessão da mãe e do filho, dai-nos a graça de chorarmos os nossos pecados para alcançarmos o vosso perdão. Ámen.

    Contemplatio

    O Coração de Jesus é compassivo, não só com os doentes, mas também com todos os que sofrem e se encontram em dificuldade. Como é bom para com as almas provadas pela perda daqueles que lhe são caros, como Jairo, cujo filho bem-amado acabava de morrer. Como é bom para com a pobre viúva de Naim que leva o seu filho único à sepultura, para com Marta e Madalena que choram o seu irmão. Está emocionado até ao fundo da alma, chora. As suas lágrimas comovem os próprios judeus. Apela ao poder divino para ressuscitar os mortos. A sua compaixão para com Jerusalém é imensa: chora por causa das tribulações futuras desta cidade ingrata e culpada. Num movimento de compaixão sem medida, abre os seus braços a todos os infortunados: «Vinde a mim, diz, vós todos que sofreis e que sois esmagados sob o peso do trabalho e da dor; vinde e vos aliviarei». No caminho do calvário, esquece os seus próprios sofrimentos para se compadecer das filhas de Jerusalém e convidá-las a chorar pelos castigos que cairão em breve sobre a sua pátria. (L. Dehon, OSP 4, p. 139s.).

    Actio

    Repete com frequência e vive a expressão de Santo Agostinho:
    «Quem é feliz tem Deus» (De vita beata, II, 11).
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    S. Mónica (27 Agosto)

    XXI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    27 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Tessalonicenses 2, 1-3a.14-17

    Acerca da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e da nossa reunião junto dele, pedimo-vos, irmãos, 2que não percais tão depressa a presença de espírito, nem vos aterrorizeis com uma revelação profética, uma palavra ou uma carta atribuída a nós, como se o Dia do Senhor estivesse iminente. 3Ninguém, de modo algum, vos engane. 14A isto Ele vos chamou por meio do nosso Evangelho: à posse da glória de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    15Portanto, irmãos, estai firmes e conservai as tradições nas quais fostes instruídos por nós, por palavra ou por carta. 16O próprio Senhor Nosso Jesus Cristo e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu, pela sua graça, uma consolação eterna e uma boa esperança, 17consolem os vossos corações e os confirmem em toda a obra e palavra boa.

    A comunidade de Tessalónica andava muito preocupada com a questão da iminente parusia de Cristo. Paulo vai directo à questão. Começa por rebater ideias erradas, espalhadas por falsos profetas, para acalmar o entusiasmo sonhador e a agitação da comunidade. Quando será Dia do Senhor? Nem Paulo o sabe ao certo. Como qualquer cristão, está à espera. Por isso, escreve: «não percais tão depressa a presença de espírito, nem vos aterrorizeis com uma revelação profética, uma palavra ou uma carta atribuída a nós, como se o Dia do Senhor estivesse iminente» (v. 2). A questão da data nem é importante. Há que não cair no ridículo de a querer marcar, porque «o dia do Senhor chega de noite como um ladrão» (1 Ts 5, 2). O importante é ter em conta os fundamentos da vocação cristã: a eleição, a salvação, a santificação do Espírito, a chamada por meio do Evangelho, a esperança da glória. Por graça de Deus, os cristãos já estão inseridos neste projecto que se está a realizar na história e que atingirá a plenitude no fim. Há, pois, que permanecer firmes nas tradições, que guardam a memória viva de Jesus testemunhada pelos primeiros apóstolos, que, enquanto tais, são garantia de verdade.

    Evangelho: Mateus 23, 23-26

    Naquele tempo, disse Jesus 23Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho e desprezais o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade! Devíeis praticar estas coisas, sem deixar aquelas. 24Guias cegos, que filtrais um mosquito e engolis um camelo! 25Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade! 26Fariseu cego! Limpa antes o interior do copo, para que o exterior também fique limpo.

    A religião é uma questão de interioridade, de coração, na relação com Deus e com o próximo. Se assim não for, converte-se em algo de acrescentado e sobreposto ao homem, algo que esmaga e asfixia, que escraviza. Por isso, Jesus pronuncia mais dois «Ai de vós» contra o legalismo exterior dos doutores da lei e dos fariseus e escribas, que os leva a desprezar o essencial da lei: «a justiça, a misericórdia e a fidelidade!» (v. 23). Também estes são «guias cegos», que se perdem em formalidades: «filtrais um mosquito e engolis um camelo!» (v. 24) - diz Jesus, esquecendo que, o mais importante, é ter o «coração puro»: «limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade!» (v. 25). Só a pureza do coração permite ver a Deus (cf. Mt 5, 8).

    Meditatio

    Os primeiros cristãos viviam na expectativa do iminente fim dos tempos, já em acção desde a ressurreição de Jesus. Em breve voltaria o Senhor, seria o juízo universal, a ressurreição dos mortos e a glória celeste. Mas também havia palavras que afirmavam que o regresso do Senhor não tinha hora marcada: «Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor» (Mt 24, 42). A situação era, pois, incerta, e provocava alguma efervescência e agitação «acerca da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e da nossa reunião junto dele» (2 Ts 2, 1). Alguns cristãos deixaram mesmo de trabalhar e de se interessar pelas coisas comuns da vida, confundidos e perturbados com alguma carta sensacionalista atribuída a Paulo. O Apóstolo toma posição contra essa situação e pede aos tessalonicenses que não se deixem confundir e perturbar tão facilmente por «uma revelação profética, uma palavra ou uma carta atribuída a nós, como se o Dia do Senhor estivesse iminente» (v. 2). Em certo sentido, o dia do Senhor está sempre iminente. Mas nem por isso devemos deixar de viver com generosidade e alegria a vida cristã. O cristão deve viver numa atmosfera de paz, de paciência e de perseverança no trabalho e na luta, e não ávido de revelações ou de acontecimentos extraordinários. O melhor modo de esperar o Senhor é estar ocupado no cumprimento dos próprios deveres e no exercício da caridade. As palavras de Paulo continuam muito actuais.
    «Irmãos, estai firmes e conservai as tradições nas quais fostes instruídos por nós, por palavra ou por carta» (v. 15). No começo da Igreja, já existem tradições a observar, para manter uma vida cristã autêntica, e não se deixar levar pelas seduções enganadoras do mal. Não se trata de fechar-se no passado, esquivos à novidade. Paulo é um homem muito aberto. Escreve aos filipenses: «De resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é respeitável, tudo o que possa ser virtude e mereça louvor, tende isso em mente» (Fl 4, 8). Mas, abertura não quer dizer acolhimento indiscriminado de tudo. É precisa sabedoria e discernimento. «Caríssimos, não deis fé a qualquer espírito, mas examinai se os espíritos são de Deus, pois muitos falsos profetas apareceram no mundo», escreve João (1 Jo 4, 1). Ao falar de tradição, Paulo não está a pensar na miudeza e na rigidez da tradição farisaica, mas na memória de Jesus vivida `com fidelidade criativa nas diferentes situações históricas.
    O caminho de Cristo é o caminho do cristão, e é também o nosso caminho de dehonianos (cf. Cst 12). Por isso, há que manter bem viva a memória de Jesus, transmitida pela Igreja ao longo dos séculos. No caminho de Jesus, que contemplamos particularmente caracterizado pelo abandono à vontade do Pai, pela oblação de amor, somos guiados e apoiados pelo Espírito (cf. Cst 16), que no-lo faz reviver, na fidelidade dinâmica, a exemplo do P. Deh
    on.
    Oratio

    Senhor, vivemos num mundo fortemente agitado pela falta de uma cultura bem definida, de uma tradição comum aceite por todos, de uma clara hierarquia de valores e normas de referência. Esmagados pela pressa e pela busca da eficácia, muitas vezes nos deixamos conduzir por critérios de discernimento baseados na funcionalidade, na utilidade, na eficiência. Como os escribas e fariseus, facilmente trocamos o essencial pelo marginal, o importante pelo urgente, o aparecer pelo ser. Cuidamos do exterior, e descuidamos a pureza e a beleza do coração. Fala-nos, Senhor, e guia-nos pela tua Palavra, pela tradição viva da Igreja, da história, dos acontecimentos, das pessoas. Fala-nos pelo teu Espírito. Que o fragor dos mass media não nos tornem surdos à tua voz. Amen.

    Contemplatio

    Os dois elementos da vida espiritual são a purificação do coração e a direcção do Espírito Santo. Aqui estão os dois pólos de toda a espiritualidade. Por estas duas vias, chegamos à perfeição segundo o grau de pureza que adquirimos, e a proporção de fidelidade que tivemos em cooperar com os movimentos do Espírito Santo e em seguirmos a sua condução.
    Toda a nossa perfeição depende desta fidelidade, e podemos dizer que o resumo da vida espiritual consiste em notar as vias e os movimentos do Espírito de Deus na nossa alma, e em fortificar a nossa vontade na resolução de os seguirmos, empregando para o efeito todos os nossos exercícios e todos os nossos actos religiosos, a oração, a leitura, os sacramentos, a prática das virtudes e das boas obras.
    O fim ao qual devemos aspirar, depois que nos tivermos longamente exercitado na pureza do coração, é estarmos de tal modo possuídos e governados pelo Espírito Santo, que seja ele o único que conduza todas as nossas potências e todos os nossos sentidos, e que regule todos os nossos movimentos interiores e exteriores como dirigia a santa humanidade do Salvador, e que nos abandonemos inteiramente a ele por uma renúncia espiritual das nossas vontades e das nossas próprias satisfações. Assim, não viveremos mais em nós mesmos, mas em Jesus Cristo e segundo o seu Coração, por uma fiel correspondência às operações do seu divino Espírito, e por uma perfeita submissão de todas as nossas rebeliões ao poder da sua graça. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 545).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «As tuas palavras, Senhor, são espírito e vida» (Jo 6, 63).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja

    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja


    28 de Agosto, 2024

    Santo Agostinho nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 354. A sua mãe, Santa Mónica, educou-o cristãmente. As suas qualidades intelectuais depressa se revelaram, apontando para um futuro brilhante como mestre de retórica. Apesar de tudo, enveredou por uma vida dissoluta. Mas não se apagou nele a sede nem a ânsia da verdade. Leu o Hortêncio, de Cícero, e a Sagrada Escritura. Não se entusiasmou e acabou por aderir ao racionalismo e ao materialismo dos Maniqueus. Rumando à Itália, conheceu o bispo Santo Ambrósio de Milão. Reviu as suas posições acerca da Igreja Católica, voltou a ler a Bíblia e abriu-se definitivamente à luz e à riqueza de Cristo. Batizado em 387, regressou a África e fundou a sua primeira comunidade monástica em Tagaste, organizando-a segundo o modelo das comunidades de que nos falam os Atos dos Apóstolos. Em 391 foi ordenado sacerdote pelo bispo Valério, a quem sucedeu no governo da diocese de Hipona, no ano 395. Transferiu a sua comunidade para a casa episcopal, e dedicou-se ao ministério da Palavra e à defesa da fé. Escreveu mais de duzentos livros, e quase um milhar de sermões e cartas. Morreu a 28 de Agosto de 430. S. Agostinho é um dos padroeiros da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 4, 7-16

    Caríssimos: Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. 8Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor. 9E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. 10É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. 11Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros. 12A Deus nunca ninguém o viu; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição em nós. 13Damos conta de que permanecemos nele, e Ele em nós, por nos ter feito participar do seu Espírito. 14Nós o contemplámos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. 15Quem confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus.

    "Deus é amor". Por isso, mais do que procurá-lo com os olhos ou a mente, há que procurá-lo com o coração. Além disso, só os puros de coração verão a Deus (cf. Mt 5, 8). Se queremos ver a Deus, também com os nossos olhos, há que purificá-los, afastando as imperfeições que nos impedem ver a Deus. "Deus é amor". Que rosto, forma, estatura, pés, mãos, tem o amor? Não sabemos dizê-lo. Mas dispomos de pés para ir à Igreja, de mãos para fazer o bem, os olhos para ver os necessitados. O campo para exercer o amor é a caridade fraterna. Podemos dizer que não vemos a Deus; mas não podemos dizer que não vemos os homens. Se amamos os irmãos, veremos a Deus, porque veremos a própria caridade, e Deus habita na caridade.(Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário a 1 Jo 9, 1; VII, 10; v. 7).

    Evangelho: Mateus 13, 8-12

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Não vos deixeis tratar por 'mestres', pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai', porque um só é o vosso 'Pai': aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores', porque um só é o vosso 'Doutor': Cristo. 11O maior de entre vós será o vosso servo.12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

    O amor precede a observância dos mandamentos. A amor é a causa geradora da observância dos mandamentos. Não se trata só de nos amarmos uns aos outros, mas também de amar a Deus. Se o amor é a plenitude da lei (cf. Rm 13, 10), onde há caridade nada mais pode haver. Pelo contrário, onde não há caridade, nada nos pode valer. O diabo acredita mas não ama; mas quem ama não pode deixar de acreditar. Só amando a Deus podemos amar a nós mesmos e aos outros como a nós mesmos. Havemos de amar a todos para que Deus seja tudo em todos. (Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário ao Ev. de João LXXX, 2,3; LXXXII, 2).

    Meditatio

    Santo Agostinho é uma verdadeira parábola de amor apaixonado. A inquietação do coração, a saudade, o desejo, que o enchem interiormente, manifestam-se na procura incansável da verdade e do amor, num clima de oração permanente. Agostinho procura a sua própria identidade, a semelhança divina. Abre completamente a Deus o seu passado, o seu presente e o seu futuro, na certeza de que só Deus é capaz de vencer as suas resistências, medos, fraquezas humanas e saciar a sua sede.
    "Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti" (Confissões 1, 1). À luz da verdade reencontrada, Agostinho vê claramente o seu pecado e a necessidade da graça, da intervenção divina, e dá-se conta da orgulhosa pretensão do seu eu. Mas tudo acontece, agora, no centro do seu perene diálogo com Deus. Foi Deus quem o despertou, porque o ama. Esta certeza é para Agostinho garantia de que a graça de Cristo vencerá o seu pecado. Será restaurado nele "a ordem do amor" e, com essa restauração, poderá experimentar a bem-aventurança da paz e da liberdade sem fim. "Chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez... Tocaste-me e agora desejo ardentemente a paz" (Confissões, 10, 27).

    Oratio

    Senhor, eu amo-te. Trespassaste o meu coração com a tua palavra e desde então amei-te. O céu e a terra dizem-me que devo amar-te e não cessam de o dizer a todos. Quando te amo, não amo uma beleza corporal, uma graça passageira, a claridade de uma luz amável, os sons de uma qualquer melodia, o perfume de flores, de unguentos ou aromas, do maná ou do mel, ou membros que se entregam ao abraço: nada disso amo quando amo o meu Deus. E todavia amo uma certa luz, uma certa voz, um certo perfume e alimento e amplexo quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, amplexo do meu homem interior, onde brilha na minha alma aquilo que nada contém... É isso que amo, quando amo o meu Deus" (inspirado em Santo Agostinho, Confissões X, 6.8).

    Contemplatio

    Santo Agostinho não conheceu o símbolo do Coração de Jesus saído do seu lado para significar o seu amor, mas em todo o resto pode chamar-se um santo do Sagrado Coração. Ninguém falou melhor do lado de Jesus aberto pela lança para daí deixar escapar o sangue e a água, símbolo dos sacramentos e da Igreja. Viu nas chagas de Jesus um refúgio para a nossa alma. As belas invocações da oração Anima Christi são tiradas das suas efusões de amor para com o Salvador: «Água do lado de Jesus, dizia, purificai-me. - Jesus, escondei-me nas vossas chagas». Quem melhor do que ele cantou o amor de Deus? - «Ó Deus, dizia, é possível a alguém saber que sois Deus e que vos não ame? - Ó beleza sempre antiga e sempre nova, tarde vos conheci, tarde vos amei! - Fizestes-nos para vós, Senhor, e o nosso coração está sempre agitado, enquanto não repousa em vós». A regra composta por ele para a sua ordem religiosa foi justamente chamada a regra de amor. Ela respeita o mais puro amor de Deus e do próximo. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Ama e faz o que queres" (S. Agostinho, Comentário a 1 Jo VII, 8).

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    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja (28 Agosto)

    XXI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    28 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Tessalonicenses 3, 6-10.16-18

    6Ordenamo-vos, irmãos, no nome do Senhor Jesus Cristo, que vos afasteis de todo o irmão que leva uma vida desordenada e oposta à tradição que de nós recebestes. 7Com efeito, vós próprios sabeis como deveis imitar-nos, pois não vivemos desordenadamente entre vós, 8nem comemos o pão de graça à custa de alguém, mas com esforço e canseira, trabalhámos noite e dia, para não sermos um peso para nenhum de vós. 9Não é que não tivéssemos esse direito, mas foi para nos apresentarmos a nós mesmos como modelo, para que nos imitásseis. 10Na verdade, quando ainda estávamos convosco, era isto que vos ordenávamos: se alguém não quer trabalhar também não coma. 16O Senhor da paz, Ele próprio, vos dê a paz, sempre e em todos os lugares. O Senhor esteja com todos vós. 17A saudação é do meu punho, de Paulo. É este o sinal em todas as Cartas. É assim que eu escrevo. 18A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós.

    Antes de terminar, Paulo faz mais uma recomendação contra aqueles que poderíamos chamar «beatos». São alguns cristãos, que andam de um lado para o outro, divulgando mexericos, em vez de se dedicarem a um trabalho que os retire da triste condição de alcoviteiros espirituais, que vivem à custa dos outros, como verdadeiros parasitas da comunidade: «a estes tais ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo a que ganhem o pão que comem, com um trabalho tranquilo» (3, 12). Outro vício dos «beatos» era perturbar os outros com boatos e falsas profecias. As tensões na comunidade são inevitáveis por causa dos temperamentos, dos pontos de vista. Mas, quando há agitadores "profissionais", tudo se complica. Há que separá-los, para ver se se convertem. O Apóstolo termina pedindo a Deus que dê paz às suas comunidades, o maior dom que se pode desejar a quem se ama.

    Evangelho: Mateus 23, 27-32

    «Naquele tempo, disse Jesus: 27Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície! 28Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. 29Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos profetas e adornais os túmulos dos justos, 30dizendo: 'Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!' 31Deste modo, confessais que sois filhos dos que assassinaram os profetas. 32Acabai, então, de encher a medida dos vossos pais!

    Chegamos aos últimos dos sete «Ai de vós» dirigidos aos escribas e fariseus hipócritas. A crítica de Jesus ao legalismo não tem por alvo a lei, mas aqueles que, a coberto da lei, pretendem iludir as suas exigências profundas. A antítese exterior/interior, tratada nos versículos anteriores, está eloquentemente expressa na imagem dos «sepulcros caiados» (v. 27). São aqueles que cuidam do exterior, para que seja agradável à vista, enquanto no seu interior reina a decomposição e a morte. Jesus já pôs de sobreaviso os discípulos, quando lhes mandou disse «Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por ele» (Mt 6, 1). O que conta é aquilo que cada um é diante de Deus, e não o que aparece diante dos outros.
    O último «ai de vós» é contra aqueles que são falsos, não só diante de Deus e dos outros, mas também diante da história (vv. 29-32). Edificam sepulcros aos profetas e justos, dizendo que, se tivessem vivido no tempo dos que os mataram, não teriam sido coniventes com tais crimes. Sentem-se inocentes por acusarem os seus pais! Mas não se dão conta de que, se não escutarem os profetas, continuam a matá-los. E a sua falta será mais grave do que a dos seus pais.

    Meditatio

    Somos todos mais ou menos propensos a confundir espiritualidade com fantasia, e, influenciados pelas tendências humanas, a tirar conclusões erradas de princípios certos. São as ilusões para que nos alertam os mestres de vida espiritual.
    Paulo já sentiu a necessidade de pôr de sobreaviso os tessalonicenses para esse tipo de coisas. Muitos, usavam a esperança no regresso do Senhor para concluir que não era preciso trabalhar. Para quê preocupar-se em organizar a vida neste mundo, se o Senhor está próximo? Paulo tenta contrariar essa atitude com uma decisão corajosa. Ainda que soubesse que tinha direito a ser mantido pela comunidade que servia, renunciou a tal direito e pôs-se a trabalhar para ganhar o seu sustento: «vós próprios sabeis como deveis imitar-nos, pois não vivemos desordenadamente entre vós, nem comemos o pão de graça à custa de alguém, mas com esforço e canseira, trabalhámos noite e dia, para não sermos um peso para nenhum de vós» (vv. 7-8). Pelo Livro dos Actos, sabemos que o Apóstolo fabricava tendas, um trabalho bastante pesado. E dá aos tessalonicenses uma regra nada espiritualista, mas muito concreta: «se alguém não quer trabalhar também não coma» (v. 15). Todo o cristão tem o dever de trabalhar, na medida das suas forças. Se não trabalhar para si, por não precisar, trabalhe para os que precisam. A vida espiritual não pertence ao mundo da fantasia. O amor cristão é realista. Não se alimenta nem vive de sonhos. Empenha-se no serviço efectivo. E assim cresce, se torna sólido, consistente. Ainda que espere o céu, vive na terra, e nela prepara o reino de Deus, com uma caridade efectiva. «Como poderíamos, efectivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, senão amando como Ele em obras e em verdade?» (Cst 18).

    Oratio

    Senhor, liberta-me de ilusões; defende-me de uma pretensa vida religiosa feita de evasões, de atitudes vaporosas, de comportamentos alienantes. Que a minha fé seja como o fermento na massa da vida real. Que o amor impregne a minha actividade, fazendo dela um serviço generoso para bem dos que me são próximos e de todo o mundo.
    Manda o teu Espírito Santo, que me ajude a tomar consciência do meu pecado, e a confessar sinceramente diante de Ti: «Matei-te!» Penso que será muito útil sentir-me, ao menos uma vez, digno de condenação, para melhor compreender o teu infinito e gratuito amor. Amen.

    Contemplatio

    S. Paulo copia Nosso Senhor, é ardente no trabalho manual, como é zeloso no trabalho espiritual. Consagra as suas vigílias a ganhar o seu pão e as suas jornadas a evangelizar. «Trabalhámos dia e noite, diz aos Tessalonicenses, para não vos ser pesados» (1Tes 2). É ele que não gosta dos preguiçosos! «Quem não trabalha, diz, não merece comer» (2Tes 3). Estimula-nos com o exemplo de algu
    mas pessoas do mundo. «Vêde, diz, com que fadiga não se aplicam para ganharem o pão temporal, e vós, vós tendes em perspectiva uma coroa eterna!» S. João recorda-nos no Apocalipse que as nossas obras nos seguirão no juízo de Deus (Ap 14); mas somente as nossas boas obras terão valor, e todas as nossas obras são boas quando são santificadas, quando são feitas segundo a regra, com pureza de intenção, com cuidado, com zelo. Todos os santos amaram o trabalho assíduo e santificado. S. João Berchmanns aplicava-se, como ele mesmo dizia, a fazer as coisas ordinárias e comuns de uma maneira não comum. (Leão Dehon, OSP 3, p. 112).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Se alguém não quer trabalhar também não coma» (2 Ts 3, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • Martírio de S. João Baptista

    Martírio de S. João Baptista


    29 de Agosto, 2024

    O «maior nascido de mulher» morreu mártir por ter censurado a Herodes Agripa pela sua conduta desonesta e imoral. Foi vítima da fé e da missão que exerceu. A sua degolação aconteceu na fortaleza de Maqueronte, junto ao Mar Morto, lugar de férias de Herodes. O sangue de João Baptista sela o seu testemunho em favor de Jesus: com a sua morte, completou a missão de precursor. A Igreja celebra hoje o seu nascimento para o céu, talvez por, nesta data, foi dedicada em sua honra uma antiga basílica, erguida em Sebaste, na Samaria.

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 1, 17-19

    A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 17Tu, porém, cinge os teus rins, levanta-te e diz-lhes tudo o que Eu te ordenar. Não temas diante deles; se não, serei Eu a fazer-te temer na sua presença. 18E eis que hoje te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos sacerdotes e do povo da terra. 19Far-te-ão guerra, mas não hão-de vencer, porque Eu estou contigo para te salvar» -oráculo do Senhor.

    João Baptista ajuda-nos a compreender a missão de Jesus, e a vida de Jeremias ajuda-nos a compreender a missão de João Baptista. Seria interessante lembrar a vida de Jeremias para compreender o valor destas duas vidas paralelas. Mas esta leitura da missa evidencia particularmente a «coragem» do profeta em dizer «tudo», a sua fortaleza para resistir à prepotência dos poderosos e a sua fé, isto é, a certeza de vencer em nome do Senhor. São qualidades típicas dos verdadeiros profetas...

    Evangelho: Marcos 6, 17-29

    Naquele tempo, Herodes tinha mando prender João e pô-lo a ferros na prisão, por causa de Herodíade, mulher de Filipe, seu irmão, que ele desposara. 18Porque João dizia a Herodes: «Não te é lícito ter contigo a mulher do teu irmão.» 19Herodíade tinha-lhe rancor e queria dar-lhe a morte, mas não podia, 20porque Herodes temia João e, sabendo que era homem justo e santo, protegia-o; quando o ouvia, ficava muito perplexo, mas escutava-o com agrado. 21Mas chegou o dia oportuno, quando Herodes, pelo seu aniversário, ofereceu um banquete aos grandes da corte, aos oficiais e aos principais da Galileia. 22Tendo entrado e dançado, a filha de Herodíade agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: «Pede-me o que quiseres e eu to darei.» 23E acrescentou, jurando: «Dar-te-ei tudo o que me pedires, nem que seja metade do meu reino.» 24Ela saiu e perguntou à mãe: «Que hei-de pedir?» A mãe respondeu: «A cabeça de João Baptista.» 25Voltando a entrar apressadamente, fez o seu pedido ao rei, dizendo: «Quero que me dês imediatamente, num prato, a cabeça de João Baptista.» 26O rei ficou desolado; mas, por causa do juramento e dos convidados, não quis recusar. 27Sem demora, mandou um guarda com a ordem de trazer a cabeça de João. O guarda foi e decapitou-o na prisão; 28depois, trouxe a cabeça num prato e entregou-a à jovem, que a deu à mãe. 29Tendo conhecimento disto, os discípulos de João foram buscar o seu corpo e depositaram-no num sepulcro.

    Marcos coloca a narrativa do martírio de João Baptista no caminho de Jesus para Jerusalém, como uma etapa fundamental. Com ela, concluiu-se o ciclo da vida do profeta e preludia-se o martírio de Jesus.
    Não devemos deixar-nos impressionar apenas pelos pormenores narrativos, aliás muito sugestivos, desta página de Marcos. O evangelista não pretende evidenciar nem os vícios de Herodes nem a malícia de Herodíade e nem sequer a leviandade da filha. A sua intenção é dar o devido realce à figura de João Baptista, que é como que o «mentor» do Nazareno, e mostrar como este grande profeta leva a termo a sua vida do mesmo modo e pelos mesmos motivos que Jesus.
    Este é o «pequeno mistério pascal» de João Baptista que, depois de experimentar a adversidade dos inimigos do evangelho, conhece agora o silêncio do sepulcro, onde espera a ressurreição.

    Meditatio

    As memórias litúrgicas de João Baptista levam-nos a meditar sobre o dom da profecia e sobre a figura do profeta. Qual é a sua função no meio do povo de Deus? Quais são as características que o qualificam como profeta? De que modo se coloca perante os seus contemporâneos como sinal de uma presença superior, como porta-voz da Palavra divina?
    O profeta revela-se como tal pelo seu modo de falar, pelo estilo da sua pregação. A palavra não é tudo, mas é capaz de manifestar o sentido de uma presença, incómoda mas incontornável, com a qual todos se devem confrontar. O profeta manifesta-se também, e sobretudo, pelas suas opções de vida. Assim mostra ter percebido que o tempo em que se vive aquele em que Deus nos chama a ser-para-os-outros. O profeta não pode escapar a esse chamamento, sob pena de ser infiel à missão. Finalmente o profeta manifesta autenticidade da sua missão pela coragem em dar a vida por aquele que o chamou e por aqueles a quem é enviado. Ou se é profeta com a vida, a vida gasta por amor, ou não é profeta a sério.
    O Pe. Dehon quer que nós sejamos os "profetas" e os "servidores... em Cristo" do amor redentor de Deus. Só dando Cristo ao mundo, somos "profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens... em Cristo" (Cst. 7). Há que sê-lo pela nossa vida e pelas nossas opções de vida: "Uma vida serena, porque oferecida em sacrifício a Deus; uma vida alegre, porque somos testemunhas do amor de Cristo; uma vida empenhada, porque colaboramos no advento do Reino de Deus; uma vida disponível, porque dada ao próximo, a exemplo de Cristo; uma vida partilhada, porque queremos ser testemunhas de que a "a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65). Escreve o Fundador: «Não devem os homens apostólicos assemelhar-se muito particularmente ao Precursor? Como ele, devem preparar os caminhos de Nosso Senhor. Como ele, devem contribuir para a salvação dos pecadores pelas suas expiações e sacrifícios» (OSP 4, p. 562)

    Oratio

    Ó glorioso S. João Baptista, pregador corajoso e coerente da verdade, intercede por nós e por todos quantos, na Igreja, são chamados a exercer a missão profética. Que a exerçam com clareza, com coerência de vida, com coragem, dispostos a selar com o próprio sangue o seu testemunho. Que todos os homens apostólicos se assemelhem a ti, a fim de prepararem os caminhos do Senhor, entre os caminhos dos homens de hoje. Que o fogo da caridade divina arda em nossos corações, para sermos zelosos e perseverantes no testemunho do seu amor e no serviço da reconciliação. Ámen.

    Contemplatio

    Não devia o Precursor assemelhar-se a Nosso Senhor e preparar-lhe os caminhos? Nosso Senhor devia salvar-nos pela cruz, devia cumprir a sua missão pelo sofrimento: "Não devia Cristo padecer?" (Lc 24). Devia estabelecer a religião pela cruz e pelo sofrimento, e convinha que o seu Precursor passa-se pelo mesmo caminho e que se mostrasse heroico nas aflições e sofrimentos. Convinha que o mártir da sinagoga, que chegava ao fim, preparasse os caminhos ao Salvador, que devia abrir o céu pelos seus sofrimentos e pelo seu sangue. Nosso Senhor queria fazer partilhar a graça dos seus sofrimentos ao seu Precursor. Queria também preparar os espíritos para o Evangelho mostrando-lhe o que os justos têm a esperar dos homens. Queria também dar-nos um modelo para nos ensinar a bem sofrer... A coragem deste justo condena o nosso desleixo e incita-nos, a nós pecadores, a sofrer pacientemente pelos nossos pecados e por seu amor (Leão Dehon, OSP 4, p. 561.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Eu estou contigo para te salvar» (Jer 1, 19).

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    Martírio de S. João Baptista (29 Agosto)

    XXI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    29 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 1, 1-9

    Irmãos: 1Paulo, chamado por vontade de Deus a ser apóstolo de Cristo Jesus, e Sóstenes, nosso irmão, 2à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos, com todos os que em qualquer lugar invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: 3graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
    4Dou incessantemente graças ao meu Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi concedida em Cristo Jesus. 5Pois nele é que fostes enriquecidos com todos os dons, tanto da palavra como do conhecimento. 6Assim, foi confirmado em vós o testemunho de Cristo, 7de modo que não vos falta graça alguma, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo. 8É Ele também que vos confirmará até ao fim, para que sejais encontrados irrepreensíveis no Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo. 9Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo Nosso Senhor.

    Paulo permaneceu afectivamente ligado à comunidade que fundou em Corinto. Já em Éfeso, onde viveu do ano 55 ao ano 57, aproximadamente, teve notícias dessa comunidade que muito o preocuparam. A disciplina tinha-se relaxado por influência dos libertinos. Mas também havia rigoristas que criavam problemas. E, no meio de alguma desorganização, até havia quem, como na Galácia, punha em causa a autenticidade do seu apostolado. Paulo procura intervir por meio de uma visita, que falhou, e de algumas cartas, duas das quais chegaram até nós. Na 1 Cor, Paulo apresenta-se como «apóstolo», isto é, como "enviado" (v. 1), sublinhando que essa identidade deriva de um chamamento de Deus. Paulo manifesta esta auto-consciência em quase todas as suas cartas. Também a expressão «à igreja de Deus que está em Corinto» (v. 2) tem um significado teológico denso. Toda a comunidade local, ainda que fundada por homens, é obra de Deus. Os membros dessas comunidades, em comunhão com a igreja universal, foram santificados por Jesus, e estão em permanente tensão para a santidade plena, que será realizada em diferentes formas de vida. Na acção de graças, transparece o entusiasmo do Apóstolo pela riqueza dos dons de Deus aos coríntios (vv. 4s.). Menciona particularmente a «palavra» e a «ciência», os dons mais estimados e procurados pelos coríntios. Tendo recebido tantos dons, os coríntios não podem considerar-se ainda perfeitos, mas simplesmente a caminho da plena manifestação da glória do Senhor.

    Evangelho: Mateus 24, 42-51

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 42Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. 43Ficai sabendo isto: Se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a casa. 44Por isso, estai também preparados, porque o Filho do Homem virá na hora em que não pensais.» 45«Quem julgais que é o servo fiel e prudente, que o senhor pôs à frente da sua família para os alimentar a seu tempo? 46Feliz esse servo a quem o senhor, ao voltar, encontrar assim ocupado. 47Em verdade vos digo: Há-de confiar-lhe todos os seus bens. 48Mas, se um mau servo disser consigo mesmo: 'O meu senhor está a demorar', 49e começar a bater nos seus companheiros, a comer e a beber com os ébrios, 50o senhor desse servo virá no dia em que ele não o espera e à hora que ele desconhece; 51vai afastá-lo e dar-lhe um lugar com os hipócritas. Ali haverá choro e ranger de dentes.»

    Em Mateus, a parábola do servo, ou administrador (cf. Lc 12, 41ss.) responsável encontra-se no último grande discurso de Jesus, o "Discurso escatológico" (cc. 24 e25), dominado pelas tribulações de Jerusalém e pelas perseguições à Igreja nascente, pelo anúncio da crise cósmica que precederá o fim e pela consequente necessidade de vigilância. Este discurso não visa assustar, mas encorajar. O mundo e a história caminham, não para o fim, mas para a plena realização. Haverá catástrofes. Mas abrir-se-á uma nova beleza. É neste contexto que Jesus exorta à vigilância, com quatro belas parábolas. Hoje, escutamos a primeira, cujas palavras-chave são: «Vigiai!», «Estai preparados!» A vinda do Senhor é certa. Mas a hora é incerta. A imagem do «ladrão» (v. 43) é muito expressiva e bem conhecida na igreja primitiva. Deve vigiar a casa o dono, mas também os servos, que são seus amigos e estimam a casa. O «servo fiel e prudente» (v. 45) faz as vezes de dono da casa e trata bem os seus companheiros. O «mau servo» (v. 48) aproveita da ausência do dono para desperdiçar os bens e maltratar os companheiros. Naturalmente terão fins diferentes, quando regressar o dono. Os dirigentes da Igreja hão-de ser servos fiéis e prudentes, e não maus servos, como eram os chefes de Israel, no tempo de Jesus.

    Meditatio

    Paulo escreve aos coríntios, garantindo-lhes a fidelidade de Deus: «Ele vos confirmará até ao fim, para que sejais encontrados irrepreensíveis no Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 8). Estas palavras são importantes também para nós, por vezes angustiados com as dificuldades que nos rodeiam e com a nossa própria fraqueza: «conseguirei ser fiel até ao fim?» - interrogamo-nos. O Apóstolo afirma que é o próprio Senhor quem garante e confirma a nossa perseverança na fidelidade a Deus. A parábola evangélica ensina-nos o que significa ser «irrepreensíveis» até ao fim. O Senhor põe diante de nós duas certezas: a nossa vida terá um fim; devemos dar conta da nossa vida. Cada um de nós é como o servo a quem o Senhor confiou determinado serviço, uma responsabilidade de que pedirá contas, quando voltar. Por isso, há que estar vigilantes sobre nós mesmos, para não corrermos o risco de que, à chegada do senhor, nos encontre desprevenidos e expostos a castigo.
    Na primeira leitura, Paulo ensina-nos que o melhor modo para vivermos a nossa responsabilidade com confiança e obediência, é darmos graças a Deus pelos seus dons, por nada nos ter deixado faltar para vivermos na feliz esperança da sua vinda. O Apóstolo escreve aos coríntios: «Dou incessantemente graças ao meu Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi concedida em Cristo Jesus. 5Pois nele é que fostes enriquecidos com todos os dons, tanto da palavra como do conhecimento... de modo que não vos falta graça alguma, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo» (vv. 4-7).
    A visão da generosidade de Deus, que enche de alegria o Apóstolo, deve encher-nos de alegria também a nós. A certeza da bondade de Deus, a verificação das suas graças, devem dar-nos entusiasmo em servi-lo, para O glorificarmos com a nossa vida e as nossas obras.
    Deus é fiel. Se aderirmos a Ele, será Ele mesmo a tornar-nos fiéis, para nos encontrar «irrepreensíveis no Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 8).
    «Sob as suas diversas formas, o nosso trabalho, retribuído ou não, faz-nos participar verdadeiramente na vida e condição dos homens do nosso tempo e é também expressão da nossa pobreza ao serviço do Reino» (Cst 48). O trabalho é parte integrante da pobreza religiosa. O trabalho é uma participação efectiva na insegurança típica dos pobres, dos assalariados; é reparação por quem se serve do trabalho só para ganhar de modo egoísta, por quem ergue como lei suprema o proveito e se torna escravo do super potente dinheiro, e procura obter cada vez mais ganhos, para dominar, para explorar.
    Pelo trabalho, além do mais, colaboramos na obra do Criador, damos o nosso pequeno contributo pessoal para a transformação do mundo e para a realização do projecto de Deus na história (cf. GS 34).

    Oratio

    Senhor, obrigado por me lembrares que não sou dono absoluto da minha vida, nem dos bens que puseste à minha disposição, mas apenas administrador. Terei que prestar contas de tudo, sem usar de artimanhas. As minhas responsabilidades, como as do servo da parábola, são várias: terei que dar conta dos meus irmãos, particularmente dos que estão directamente confiados ao meu cuidado; terei que dar contas dos bens que me confiaste. Dá-me, Senhor, a tua graça para que me apresente irrepreensível diante de Ti, diante dos outros servos, diante da casa que é o nosso mundo e diante da nossa história. Tu o mereces! Amen.

    Contemplatio

    A melhor condição para a salvação é a das pessoas modestas que têm de trabalhar para ganhar a sua vida, e as riquezas não deveriam dispensar do trabalho para se entregarem a uma vida ociosa.
    O trabalho é bom para a saúde da alma.
    Os ricos correm o risco de se perderem, porque têm demasiada facilidade para satisfazerem as suas inclinações naturais para a vaidade, para a sensualidade, para a moleza. Nosso Senhor disse que para eles é mais difícil entrar no reino dos céus. (Leão Dehon, OSP 3, p. 37)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com seu Filho» (1 Cor 1, 9).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    30 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios, 1, 17-25

    Irmãos: 17Cristo não me enviou a baptizar, mas a pregar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria da linguagem, para não esvaziar da sua eficácia a cruz de Cristo. 18A linguagem da cruz é certamente loucura para os que se perdem mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus. 19Pois está escrito:Destruirei a sabedoria dos sábios
    e rejeitarei a inteligência dos inteligentes. 20Onde está o sábio? Onde está o letrado? Onde está o investigador deste mundo? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? 21Pois, já que o mundo, por meio da sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que crêem, pela loucura da pregação. 22Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria, 23nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. 24Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus. 25Portanto, o que é tido como loucura de Deus, é mais sábio que os homens, e o que é tido como fraqueza de Deus, é mais forte que os homens.

    Paulo não despreza o baptismo, mas apenas insiste em que a sua vocação é pregar o Evangelho. É absurdo baptizar uma pessoa, sem antes lhe dar a conhecer Jesus. Além disso, na ordem cronológica e da graça, a pregação precede a fé e, portanto, também o baptismo (cf. Rm 10, 14s.).
    Paulo prega Jesus, mas não com discursos eloquentes e sabedoria humana. Talvez se lembre do recente "fracasso" da sua pregação no Areópago de Atenas. Para ele, pregar é anunciar Cristo crucificado, único salvador. A palavra de Deus, especialmente «a palavra da cruz» é viva e eficaz por si mesma (cf. Hb 4, 12), não precisa de apoios humanos, que até a podem ofuscar.
    Citando o Antigo Testamento, e a sua arte retórica, Paulo insiste naquilo que é verdadeiramente decisivo: Cristo crucificado é «escândalo» para os judeus, pois, pendendo do madeiro, era considerado maldito (cf. Dt 21, 23); Cristo é «loucura» para os pagãos, porque lhes repugnava uma divindade que se deixasse crucificar. Mas é na cruz que Cristo manifesta o seu poder. Os cristãos, de qualquer origem, devem sintonizar com a lógica divina, e viver de acordo com a sabedoria da cruz.

    Evangelho: Mateus 25, 1-13

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 1«O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: 'Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!' 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.' 9Mas as prudentes responderam: 'Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.' 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta.

    Mateus continua tratar o tema da segunda vinda de Cristo, cujo momento se desconhece, pelo que é preciso estar vigilantes e prontos: «Vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora» (v. 13). Na parábola, que hoje escutamos, o quadro é diferente: não se espera o dono, mas o esposo; quem espera também não é o servo prudente ou o servo mau, mas são cinco virgens prudentes e cinco virgens insensatas. E há mesmo pormenores que podem chocar: a reacção fortemente severa e desproporcionada do esposo, a atitude pouco caridosa das virgens prudentes, etc. Mas o significado global da parábola é claro. A Igreja está toda à espera da vinda de Cristo. Mas é de loucos não prever a hipótese de que demore. Quando se ouvir, no meio da noite, o grito: «Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!» (v. 6), os cristãos hão-de estar prontos, com a lâmpada bem acesa pelo azeite das boas obras realizadas com amor. O esposo esperado pode revelar-se um juiz severo para quem tiver o amor apagado no coração.

    Meditatio

    Ambas as leituras, de modo diferente, nos falam de sabedoria e de loucura. Paulo sublinha o contraste entre sabedoria humana e sabedoria divina. Os coríntios, como os gregos em geral, eram ávidos de sabedoria humana e, por isso, muito interessados em "investigação filosófica". Isso levou-os a aderir a diferentes pregadores do Evangelho, conforme a sua maior ou menor capacidade de expressar atraentemente a doutrina de Cristo. Por isso, Paulo sentiu-se no dever de os avisar: «Cristo não me enviou a baptizar, mas a pregar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria da linguagem, para não esvaziar da sua eficácia a cruz de Cristo» (v. 17). E realçou o contraste entre a sabedoria da cruz e a sabedoria humana: «A linguagem da cruz é certamente loucura para os que se perdem mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus» (v. 18). E aponta duas linhas de interesse, a do mundo hebreu e a do mundo helenista: «Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria...». De facto, várias vezes, no evangelho, os judeus pedem a Jesus sinais para acreditarem que Ele é o Enviado de Deus. Os gregos, pelo contrário, procuram discursos eloquentes, convincentes, razoáveis. Mas Paulo afirma: «nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios» (v. 23). O Apóstolo acha que Deus não está disposto a acomodar-se às exigências de judeus e de gregos, «o que é tido como loucura de Deus, é mais sábio que os homens, e o que é tido como fraqueza de Deus, é mais forte que os homens» (v. 25). À luz da teologia paulina, a cruz é a revelação mais poderosa e sábia do amor de Deus. Aceitar por amor as humilhações, os sofrimentos, a morte, é amor puro, forte, generoso. Não amor maior do que esse.
    «Fiéis à escuta da Palavra, e à fracção do Pão, somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração e a anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento. "Cristo habite pela fé, nos vossos corações de sorte que, enraizados e fundados no amor, possais compreender, com todos os Santos, qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer, enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para serdes repletos da plenitude de Deus" (Ef 3,17-19) (Cst 17). O modo para conhecer «cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração», para «anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento» (Cst 17) é, em primeiro lugar, a f&
    eacute; entendida como adesão total da nossa pessoa e da nossa vida a Cristo; esvaziando-nos do egoísmo, para Lhe deixar cada vez maior espaço interior.

    Oratio

    Senhor, ensina-me a procurar-Te a Ti, e não aos teus milagres, aos teus dons, porque és o Filho de Deus que, por amor, morreste na cruz, para me salvar. Que eu Te procure sempre, procurando-Te, Te encontre e, encontrando-Te, Te procure ainda mais, como rezava o teu servo Agostinho de Hipona. Faz-me ouvir o convite que dirigiste aos teus primeiros discípulos: «Vinde e vede» (Jo 1, 39). E, se, por motivos que só Tu sabes, não quiseres ser encontrado logo, se retardares a tua visita, ajuda-me a vigiar pacientemente, de lâmpada acesa, alimentada pelo amor. Quando bateres à minha porta, faz-me correr ao teu encontro; quando eu bater à tua porta, abre-me, Senhor da minha vida! Amen.

    Contemplatio

    Como são raras as almas que amam a Nosso Senhor com amor puro e desinteressado! Quantas almas, mesmo consagradas, que Nosso Senhor diariamente cumula de benefícios e que, apesar disso, são ingratas, pensam pouco n'Ele, passam o tempo a ocupar-se de si próprias, das suas satisfações corporais e espirituais; ou então ocupam-se das criaturas, procurando agradar-lhes e satisfazê-las.
    ... Poderá o Esposo das nossas almas ficar totalmente satisfeito e convencido do amor e da fidelidade das suas esposas, quando estas, cumprindo embora os seus deveres O tratam com indiferença, insensibilidade e frieza?
    Haec est virgo sapiens quam Dominus vigilantem ínvenit. Esta é a Virgem sábia que o Senhor encontrou vigilante (Comum das Virgens). Nosso Senhor encontra-nos vigilantes e fiéis, quando temos o hábito de manter continuamente a nossa intenção, as nossas inclinações, os nossos pensamentos e as nossas aspirações orientados para o objecto do nosso amor. É a disposição da esposa do Cântico dos Cânticos: Dormio sed cor meum vigilat. Eu durmo, mas o meu coração vigia: (Cant. 5, 2).
    Mas mesmo que o corpo esteja ocupado com outra coisa, legitimamente entregue ao sono, ao repouso, nem por isso o coração, o espírito e a vontade estão dispensados de dirigir-se para Nosso Senhor que é o nosso fim último, a meta suprema, o centro de todas as coisas.
    Nosso Senhor pede-nos precisamente este amor constante, que não se move, não opera e não age senão n'Ele, por Ele e para Ele; e nós tantas vezes Lho retiramos, depois de Lho termos dado por alguns instantes: Praebe, fili mi, cor tuum mihi. Meu filho, dá-me o teu coração (Prov 23, 26), o teu amor, a tua vontade, as tuas intenções, que dão valor, aos olhos de Deus, às grandes acções como às mais pequenas. É o que S. Agostinho queria exprimir por estas palavras: «Ama e faz o que quiseres». (Directório Espiritual, 7).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Meu filho, dá-me o teu coração» (Prov 23, 26),

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXI Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    31 de Agosto, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 1, 26-31

    Irmãos, 26Considerai a vossa vocação: humanamente falando, não há entre vós muitos sábios, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. 27Mas o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. 28O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa. 29Assim, ninguém se pode vangloriar diante de Deus. 30É por Ele que vós estais em Cristo Jesus, que se tornou para nós sabedoria que vem de Deus, justiça, santificação e redenção, 31a fim de que, como diz a Escritura, aquele que se gloria, glorie-se no Senhor.

    Paulo convida os coríntios a olharem para a sua comunidade, onde havia exemplos eloquentes da sabedoria e da loucura da cruz. Com algumas excepções, a igreja de Corinto era formada por pessoas de humilde condição social e de baixo nível cultural. Deus tem o gosto estranho de preferir os pobres e os fracos aos ricos e poderosos. É a lógica coerente com o que fez por meio do seu Filho crucificado. Ninguém pode presumir o que quer que seja diante de Deus: «ninguém se pode vangloriar diante de Deus» (v. 29). A grandeza do homem deriva unicamente do dom de Deus em Cristo. Temos o Cristo todo (3, 21-23), e, tudo o que temos, recebemo-lo d´Ele (4, 6). Por isso, se alguém pretende gloriar-se «glorie-se no Senhor» (v. 31).

    Evangelho: Mateus 25, 14-30

    1Naquele Tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 14«Será também como um homem que, ao partir para fora, chamou os servos e confiou-lhes os seus bens. 15A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade; e depois partiu. 16Aquele que recebeu cinco talentos negociou com eles e ganhou outros cinco. 17Da mesma forma, aquele que recebeu dois ganhou outros dois. 18Mas aquele que apenas recebeu um foi fazer um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. 19Passado muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e pediu-lhes contas. 20Aquele que tinha recebido cinco talentos aproximou-se e entregou-lhe outros cinco, dizendo: 'Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que eu ganhei.' 21O senhor disse-lhe: 'Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.' 22Veio, em seguida, o que tinha recebido dois talentos: 'Senhor, disse ele, confiaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que eu ganhei.' 23O senhor disse-lhe: 'Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.' 24Veio, finalmente, o que tinha recebido um só talento: 'Senhor, disse ele, sempre te conheci como homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. 25Por isso, com medo, fui esconder o teu talento na terra. Aqui está o que te pertence.' 26O senhor respondeu-lhe: 'Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho onde não espalhei. 27Pois bem, devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e, no meu regresso, teria levantado o meu dinheiro com juros.' 28'Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. 29Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30A esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.'»

    A espera de Cristo há-de ser dinâmica e fecunda. Os talentos recebidos não podem ser enterrados, inutilizados. Hão-de render. Estes talentos não são apenas os dotes naturais recebidos por cada um. São, mais do que isso, a salvação, o amor do Pai, a vida em abundância, o Espírito. São tesouros a multiplicar e a partilhar até ao seu regresso, ainda que demore «muito tempo» (v. 19ª). Os dons também são responsabilidades de que é preciso dar contas.
    Na parábola, há dois «servos bons e fiéis» e um «servo mau». Os servos bons e fiéis são louvados e premiados com a participação na alegria do senhor (vv. 20-23). O servo mau é severamente punido. A desculpa apresentada «Senhor, sempre te conheci como homem duro» (v. 24), acaba por ser virada contra ele. A atitude de escravo tímido assumida pelo servo mau «Aqui está o que te pertence» (v.25), também não ajuda, mas complica. Para ele, talento não foi um dom recebido, mas uma dívida contraída. Por isso, ao restituí-lo ao dono, não faz um acto de justiça, mas um insulto. E recebe o castigo adequado: «Tirai-lhe o talento, e dai-o ao que tem dez talentos... a esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes» (vv. 28-29).

    Meditatio

    «Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor» (1 Cor 1, 31). Estas palavras lembram-nos a atitude de Maria, no Magnificat. Ao fazer memória da sua vida, a Virgem reconhece-se feliz pelos maravilhosos dons que Deus tinha semeado na sua humilde serva. Gloriando-se no Senhor, Maria magnifica-O, isto é, torna-O grande. O Magnificat é um encontro entre gratuidade pura e gratidão sincera.
    O servo mau da parábola, pelo contrário, apoucou ao seu senhor. Ele mede e julga o seu senhor com a medida da sua mesquinhez, com a tacanhez do seu coração. Em vez de estar grato pelo talento recebido, em vez de agradecer a ocasião, que lhe foi dada, para desenvolver as suas capacidades, fecha-se na sua inércia, no seu medo, na sua tristeza. Vem-nos espontaneamente à memória um outro homem, o primeiro homem. Quando Deus lhe pergunta: «Onde estás?», responde: «Tive medo... escondi-me» (Gn 3, 9s.). Não estará na raiz do pecado uma suspeita mesquinha da imensa bondade de Deus? Deus ofereceu-nos generosamente os seus dons, e nós podemos viver de coração dilatado pela alegria. Somos pessoas amados por Deus, às quais deu muito. Só espera que voltemos para Ele com o que soubemos ganhar, usando os seus dons. Quando realizámos tudo o que podíamos para fazer render os dons de Deus, estamos verdadeiramente ricos, e realizados, conforme o seu desejo. Podemos levar-Lhe uma vida cheia, que Ele ainda enriquecerá mais.
    Todos os cristãos têm dons e carismas para o serviço de Deus e dos irmãos. Os consagrados têm dotes notáveis em determinadas áreas, que hão-de fazer render, para serem fiéis à sua vocação e missão. Cada um, e cada instituição, hão-de reconhecer esses dons, porque são talentos, que provêm do bom Deus, para bem de toda a comunidade: «Todo o carisma, todo o dom perfeito provém do alto e desce do Pai das luzes» (Tg 1, 17) e o superior, como bom pai da sua comunidade, agradece ao Senhor por ter pessoas certas nos lugares certos.
    Os carismas, que não são postos a render, tornam-se títulos de condenação para quem os recebeu. Há pois que fazê-los rende
    r. Lembram-nos as Constituições: «Como todo o carisma na Igreja, o nosso carisma profético coloca-nos ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje (cf. LG 12) (Cst 27).

    Oratio

    Senhor, ensina-nos a glorificar o Pai como Tu e como Maria, tua Mãe, O glorificaram. Ao veres os teus discípulos regressarem da missão «cheios de alegria», porque puderam multiplicar os seus talentos, e colher os frutos visíveis da sua actividade missionária, disseste ao Pai: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado» (Lc 10, 21). Contagiado pela alegria dos teus discípulos, e movido pelo Espírito, também Tu exultaste. Contemplando a grandeza do Pai e a sua ternura para com os pequenos e humildes, o teu coração encheu-se de espanto, e a tua boca de belas palavras.
    Deixa-nos, Jesus, comungar na tua oração de louvor, como nos deixas comungar na oração do Pai nosso. Alegra-te também por nós, teus discípulos de hoje, quando, por tua graça, conseguirmos fazer render os talentos que o Pai nos deu, considerando-nos entre os pequenos pelos quais glorificaste o Pai. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor dá às almas consagradas ao seu Coração dons especiais, mas pede também delas algumas virtudes especiais. Devem também praticar as virtudes ordinárias segundo o seu estado e a sua vocação, mas algumas virtudes devem brilhar especialmente nelas. A primeira, simbolizada pelo ouro, é o amor puro, verdadeiro e sincero.
    Nosso Senhor pede de nós o ouro do amor puro nas suas intenções, de uma fé viva e de uma confiança filial inabalável. Quando o ouro é fino e puro, é possível observar-se o traço do mínimo toque, um sopro enfraquece o seu brilho. É um ouro puro que Nosso Senhor pede dos amigos do seu Coração. É um amor puro, fiel e delicado. Esta perfeição não é demais para o dom a oferecer ao Rei dos corações. Pode aí chegar-se cooperando fielmente com a graça divina que é dada em abundância aos amigos do Sagrado Coração. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 32).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor» (1 Cor 1, 31).

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