Semana de Set 17th

  • 24º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    24º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    17 de Setembro, 2023

    ANO A
    24º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 24º Domingo do Tempo Comum

    A Palavra de Deus que a liturgia do 24º Domingo do Tempo Comum nos propõe fala do perdão. Apresenta-nos um Deus que ama sem cálculos, sem limites e sem medida; e convida-nos a assumir uma atitude semelhante para com os irmãos que, dia a dia, caminham ao nosso lado.
    O Evangelho fala-nos de um Deus cheio de bondade e de misericórdia que derrama sobre os seus filhos - de forma total, ilimitada e absoluta - o seu perdão. Os crentes são convidados a descobrir a lógica de Deus e a deixarem que a mesma lógica de perdão e de misericórdia sem limites e sem medida marque a sua relação com os irmãos.
    A primeira leitura deixa claro que a ira e o rancor são sentimentos maus, que não convêm à felicidade e à realização do homem. Mostra como é ilógico esperar o perdão de Deus e recusar-se a perdoar ao irmão; e avisa que a nossa vida nesta terra não pode ser estragada com sentimentos, que só geram infelicidade e sofrimento.
    Na segunda leitura Paulo sugere aos cristãos de Roma que a comunidade cristã tem de ser o lugar do amor, do respeito pelo outro, da aceitação das diferenças, do perdão. Ninguém deve desprezar, julgar ou condenar os irmãos que têm perspectivas diferentes. Os seguidores de Jesus devem ter presente que há algo de fundamental que os une a todos: Jesus Cristo, o Senhor. Tudo o resto não tem grande importância.

    LEITURA I - Sir 27,33-28,9

    Leitura do Livro de Ben-Sirá

    O rancor e a ira são coisas detestáveis,
    e o pecador é mestre nelas.
    Quem se vinga sofrerá a vingança do Senhor,
    que pedirá minuciosa conta de seus pecados.
    Perdoa a ofensa do teu próximo
    e, quando o pedires, as tuas ofensas serão perdoadas.
    Um homem guarda rancor contra outro
    e pede a Deus que o cure?
    Não tem compaixão do seu semelhante
    e pede perdão para os seus próprios pecados?
    Se ele, que é um ser de carne, guarda rancor,
    quem lhe alcançará o perdão das suas faltas?
    Lembra-te do teu fim e deixa de ter ódio;
    pensa na corrupção e na morte,
    e guarda os mandamentos.
    Recorda os mandamentos
    e não tenhas rancor ao próximo;
    pensa na Aliança do Altíssimo
    e não repares nas ofensas que te fazem.

    AMBIENTE

    O livro de Ben Sira (também chamado "Eclesiástico"), de onde foi extraída a primeira leitura deste domingo, é um livro sapiencial que, como todos os livros sapienciais, pretende apresentar uma reflexão de carácter prático sobre a arte de bem viver e de ser feliz.
    Estamos no início do séc. II a.C., numa época em que o helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso, no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Jesus Ben Sira, o autor deste livro, está preocupado com a degradação dos valores tradicionais do seu Povo e as cedências que, sobretudo os mais jovens, vão fazendo à cultura grega. A "fé dos pais" corre riscos de desaparecer ou, ao menos, de perder a sua identidade.
    Jesus Ben Sira procura, então, apresentar uma síntese da religião tradicional e da sabedoria de Israel, sublinhando a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega. Por essa razão, escreveu este compêndio de "sabedoria". Nele, tenta demonstrar aos seus compatriotas que Israel possuía na "Torah", revelada por Deus, a verdadeira "sabedoria" - uma "sabedoria" muito superior à "sabedoria" grega.
    O texto que a liturgia de hoje nos propõe integra uma secção (cf. Sir 24,1-42,14) onde Jesus Ben Sira procura demonstrar que a "sabedoria" - criatura de Deus, oferecida a todos os homens piedosos (cf. Sir 1,1-23,38) - tem um campo especial de acção em Israel, o Povo eleito de Deus. Esta secção não tem uma estrutura clara e coerente: os temas vão-se sucedendo, aparentemente sem uma ordem lógica. Dominam, aí, as "máximas" destinadas a ensinar os comportamentos que se devem assumir nas relações sociais.
    Uma nota de carácter prático: o nosso texto aparece, na maior parte das versões recentes da Bíblia, numerado como 27,30-28,7 e não como 27,33-28,9. Aqui, no entanto, conservamos a numeração 27,33-28,9 - que é a apresentada no "Leccionário Dominical". Esta discrepância resulta do facto de o texto apresentado pelo "Leccionário" seguir uma versão latina, mais longa do que a versão grega que serve de base às traduções mais recentes do Livro de Ben Sira.

    MENSAGEM

    Jesus Ben Sira ensina que a verdadeira "sabedoria" está em não se deixar dominar pelo rancor, pela ira e pelos sentimentos de vingança. O "sábio" (isto é, aquele que quer ter êxito e ser feliz) é aquele que é capaz de perdoar as ofensas e de ter compaixão pelo seu semelhante.
    Particularmente interessante é a relação estabelecida aqui entre o perdão humano e o perdão divino: quem se recusa a perdoar ao irmão, como poderá ter a coragem de pedir o perdão de Deus? Mas quem perdoa as ofensas dos outros, poderá pedir e esperar o perdão do Senhor para as suas próprias falhas. Ao menos dois séculos antes de Cristo o judaísmo já tinha descoberto que existe uma relação entre o perdão que Deus nos oferece e o perdão que ele nos convida a oferecer aos irmãos.
    Para tornar mais sugestivo e impressionante o seu apelo, Ben Sira convida os seus concidadãos a lembrarem-se da morte: "pensa no teu fim e deixa de ter ódio"... Diante da realidade final que nos espera, que sentido é que fazem os sentimentos de rancor, de ira, de vingança que alimentamos nesta terra? E podemos, com coerência, esperar o perdão final de Deus, se a nossa vida foi vivida numa lógica de ódio e de vingança?
    Fundamentalmente, temos aqui um apelo a invertermos a lógica do "olho por olho, dente por dente", de forma a que as nossas relações com os irmãos sejam marcadas por sentimentos de perdão e de misericórdia. É dessa forma que o homem construirá a sua felicidade nesta terra; e é assumindo está lógica que o homem poderá pedir e esperar de Deus o perdão para as suas falhas.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, as seguintes questões:

    Todos os dias vemos, nas notícias que nos chegam de todos os cantos do mundo, onde nos leva a lógica do "responder na mesma moeda". Para vingar ofensas reais ou imaginárias, desencadeiam-se mecanismos de vingança que são responsáveis pela morte de inocentes, por sofrimentos e dramas sem fim e por uma espiral de violência sem limites e sem prazos. É este o mundo que queremos? A única forma de fazermos respeitar os nossos direitos e a nossa dignid
    ade passará por deixarmos à solta os nossos instintos de vingança, de rancor e de ódio?

    Ben Sira estabelece uma relação clara entre o perdão de Deus e o perdão humano. É claro que não podemos dizer que Deus não nos perdoa se nós não conseguirmos perdoar aos nossos irmãos (a bondade e a misericórdia de Deus são infinitamente maiores do que as nossas); mas, se o nosso coração estiver dominado por uma lógica de ódio e de vingança, o perdão que Deus nos oferece poderá encontrar aí lugar? Um coração duro, violento e agressivo, incapaz de compreender as falhas dos outros, estará suficientemente disponível para acolher a bondade e o amor de Deus?

    Ben Sira lembra também, a propósito do perdão, o horizonte final do homem (a morte)... Não se tratará, tanto, de avisar que se não nos portarmos bem, Deus condena-nos (por esta altura, o Povo de Deus ainda não parece ter uma noção clara de que há, para além desta terra, uma vida eterna reservada para aqueles que escolhem Deus e os seus valores); trata-se, sobretudo, de sugerir que a nossa vida nesta terra está marcada pela brevidade e pela finitude e não pode ser estragada com sentimentos que só nos magoam a nós e aos outros.

    Muitos homens do nosso tempo pensam que só nos afirmamos, só nos realizamos e só triunfamos quando somos fortes e respondemos com força e agressividade à força e agressividade dos outros. Jesus Ben Sira, contudo, ensina que a "sabedoria", o êxito e a felicidade do homem não passam por cultivar sentimentos de ódio e de rancor, mas por cultivar sentimentos de perdão e de misericórdia. Quem tem razão? O que é que nos dá paz, nos faz sentir em harmonia connosco, com Deus e com ou outros e nos torna mais felizes: os gestos violentos que mostraram aos outros a nossa força e apaziguaram o nosso orgulho ferido, ou os nossos gestos de perdão, de bondade, de misericórdia?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 102 (103)

    Refrão: O Senhor é clemente e compassivo,
    paciente e cheio de bondade.

    Bendiz, ó minha alma, o Senhor
    e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.
    Bendiz, ó minha alma, o Senhor
    e não esqueças nenhum dos seus benefícios.

    Ele perdoa todos os teus pecados
    e cura as tuas enfermidades.
    Salva da morte a tua vida
    e coroa-te de graça e misericórdia.

    Não está sempre a repreender
    nem guarda ressentimento.
    Não nos tratou segundo os nossos pecados
    nem nos castigou segundo as nossas culpas.

    Como a distância da terra aos céus,
    assim e grande a sua misericórdia para os que O temem.
    Como o oriente dista do Ocidente,
    assim Ele afasta de nós os nossos pecados.

    LEITURA II - Rom 14,7-9

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Nenhum de nós vive para si mesmo
    e nenhum de nós morre para si mesmo.
    Se vivemos, vivemos para o Senhor,
    e se morremos, morremos para o Senhor.
    Portanto, quer vivamos quer morramos,
    pertencemos ao Senhor.
    Na verdade, Cristo morreu e ressuscitou
    para ser o Senhor dos vivos e dos mortos.

    AMBIENTE

    Na segunda parte da Carta aos Romanos (já o vimos nos domingos anteriores), Paulo preocupa-se em apresentar aos cristãos de Roma (e aos cristãos de todos os lugares e tempos) um conjunto de atitudes e de valores que devem marcar a vida pessoal, social e eclesial daqueles que Deus chama à salvação. A segunda leitura deste domingo situa-nos neste contexto e apresenta-nos mais alguns dados sobre esta questão.
    O nosso texto faz parte de uma perícopa (cf. Rom 14,1-12) em que Paulo dá algumas indicações acerca da conduta a ter face aos outros membros da comunidade, particularmente face àqueles que têm perspectivas diferentes da fé e do caminho cristão.
    Paulo considera que existem dois tipos de crentes na comunidade cristã de Roma: os "fortes" e os "débeis". Estas designações não parecem referir-se, primordialmente, à classe social ("ricos" e "pobres") ou à origem religiosa ("pagano-cristãos" e "judeo-cristãos") desses crentes, mas a atitudes diversas quanto à fé... Os "fortes" (na linguagem de hoje, poderíamos caracterizá-los como "progressistas") são aqueles que já se libertaram decisivamente da escravidão da Lei e dos ritos e consideram que só os valores do Evangelho são decisivos no caminho da fé. Os "fracos" (na linguagem de hoje poderíamos chamar-lhes "tradicionalistas") são aqueles que fazem finca-pé nas leis, nos ritos e nas tradições antigas e ficam escandalizados pelo facto de esses valores não serem assumidos por toda a gente.
    Muito provavelmente, estes dois grupos viviam em confronto, provocando uma certa divisão na comunidade. Paulo não aceita atitudes de intolerância ou de desprezo pelos irmãos, venham elas de onde vieram. Na verdade, o pensamento de Paulo aproxima-o mais dos "fortes"; mas ele sabe muito bem que mais importante do que as divergências é o respeito pelo irmão e a construção da fraternidade. Os "fortes" não podem desprezar aqueles que não pensam como eles; e os "débeis" não têm o direito de julgar ou de catalogar aqueles que têm, quanto à fé, uma outra perspectiva.
    É precisamente neste contexto que Paulo encaixa os três versículos que constituem a segunda leitura deste domingo.

    MENSAGEM

    Os vers. 7-9 são verdadeiramente o centro da perícopa. Fundamentalmente, Paulo recorda a todos - aos "fortes" e aos "débeis" - que pertencem ao Senhor: "quer vivamos quer morramos, é ao Senhor que pertencemos" (vers. 8). Isso é muito mais importante do que as opiniões particulares acerca do caminho a percorrer para atingir o mesmo objectivo. Os crentes, antes de se deixarem dividir e separar por questões verdadeiramente secundárias (que tipo de alimentos se devem comer, que festas se devem celebrar, que jejuns se devem fazer), devem ter consciência do essencial da fé e daquilo que os une: Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou para a todos dar a mesma vida. A comunidade é uma família de irmãos, reunida à volta do mesmo Senhor.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, ter em conta as seguintes questões:

    Paulo está consciente de que há vários caminhos válidos para chegar a Cristo e à sua proposta de salvação. Esses caminhos não só não se excluem mas, na sua diversidade, constituem um factor de enriquecimento da nossa experiência comunitária. A comunidade tem de estar consciente de que a diversidade não exclui, necessariamente, a unidade. Por isso, a comunidade cristã não é o lugar da intolerância, da incompreensão, do desrespeito pela diversidade de opiniões, da uniformidade imposta em nome da fé; mas é o lugar do amor, do respeit
    o pelo outro, da aceitação das diferenças, da partilha, do perdão. A este respeito, como classifico a minha comunidade cristã ou religiosa?

    Existem, às vezes, nas comunidades cristãs certas pessoas que se consideram mais esclarecidas e mais preparadas e que manifestam desprezo por aqueles que têm concepções menos racionais da fé, que vivem agarrados a determinadas devoções ou a determinados ritos considerados ultrapassados. Paulo recomenda-lhes: "não desprezeis ninguém; não esqueçais que a única coisa importante e decisiva é Cristo, a quem todos pertencemos".

    Existem, às vezes, na comunidade cristã certas pessoas que se consideram muito santas e virtuosas porque cumprem determinadas regras, são fiéis a determinados ritos e têm sempre presente os mandamentos da santa madre Igreja... Observam e controlam os outros, julgam-nos sem direito a defesa, condenam-nos e acham-se no sagrado direito de os desacreditar diante dos outros membros da comunidade... Paulo recomenda-lhes: "não julgueis nem condeneis os vossos irmãos; não esqueçais que a única coisa importante e decisiva é Cristo, a quem todos pertencemos".

    Às vezes perdemo-nos na discussão das coisas secundárias e esquecemos o essencial. Discutimos se se deve receber a comunhão na mão ou na boca, se se deve ou não ajoelhar à consagração, se determinado cântico é litúrgico ou não, se os padres devem ou não casar, se a procissão do santo padroeiro da paróquia deve fazer este ou aquele percurso... e, algures durante a discussão, esquecemos o amor, o respeito pelo outro, a fraternidade, e que todos vivemos à volta do mesmo Senhor. É preciso descobrir o essencial que nos une e não absolutizar o secundário que nos divide.

    ALELUIA - Jo 13,34

    Aleluia. Aleluia.

    Dou-vos um mandamento novo, diz o Senhor:
    amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.

    EVANGELHO - Mt 18,21-35

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-Lhe:
    «Se meu irmão me ofender,
    quantas vezes deverei perdoar-lhe?
    Até sete vezes?»
    Jesus respondeu:
    «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.
    Na verdade, o reino de Deus pode comparar-se a um rei
    que quis ajustar contas com os seus servos.
    Logo de começo,
    apresentaram-lhe um homem que devia dez mil talentos.
    Não tendo com que pagar,
    o senhor mandou que fosse vendido,
    com a mulher, os filhos e tudo quanto possuía,
    para assim pagar a dívida.
    Então o servo prostrou-se a seus pés, dizendo:
    'Senhor, concede-me um prazo e tudo te pagarei'.
    Cheio de compaixão, o senhor daquele servo
    deu-lhe a liberdade e perdoou-lhe a dívida.
    Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros
    que lhe devia cem denários.
    Segurando-o, começou a apertar-lhe o pescoço, dizendo:
    'Paga o que me deves'.
    Então o companheiro caiu a seus pés e suplicou-lhe, dizendo:
    'Concede-me um prazo e pagar-te-ei'.
    Ele, porém, não conseguiu e mandou-o prender,
    até que pagasse tudo quanto devia.
    Testemunhas desta cena,
    os seus companheiros ficaram muito tristes
    e foram contar ao senhor tudo o que havia sucedido.
    Então, o senhor mandou-o chamar e disse:
    'Servo mau, perdoei-te, porque me pediste.
    Não devias, também tu, compadecer-te do teu companheiro,
    como eu tive compaixão de ti?'
    E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos,
    até que pagasse tudo o que lhe devia.
    Assim procederá convosco meu Pai celeste,
    se cada um de vós não perdoar a seu irmão
    de todo o coração».

    AMBIENTE

    Continuamos a ler o "discurso eclesial", que preenche todo o capítulo 18 do Evangelho segundo Mateus. Este "discurso" tem como ponto de partida algumas "instruções" apresentadas por Marcos sobre a vida comunitária (cf. Mc 9,33-37.42-47), mas que Mateus ampliou de forma significativa. Os destinatários do discurso são os discípulos (na realidade Mateus pretende, sobretudo, atingir os membros dessa comunidade cristã a quem este Evangelho se destina).
    Por detrás do texto que nos é hoje proposto, podemos entrever uma comunidade onde as tensões e os conflitos degeneram em ofensas pessoais e que tem muita dificuldade em perdoar.

    MAENSAGEM

    O mandamento do perdão não é novo - como vimos, aliás, na primeira leitura. Os catequistas de Israel ensinavam a perdoar as ofensas e a não guardar rancor contra o irmão que tinha cometido qualquer falha. Os "mestres" de Israel estavam, no entanto, de acordo em que a obrigação de perdoar existia apenas em relação aos membros do Povo de Deus (os inimigos estavam excluídos dessa dinâmica de amor e de misericórdia). A grande discussão girava, porém, à volta do número limite de vezes em que se devia perdoar. Todos - desde os mais exigentes aos mais misericordiosos - aceitavam, contudo, que o perdão tem limites e que não se deve perdoar indefinidamente.
    É nesta problemática que Jesus é envolvido pelos discípulos. Pedro, o porta-voz da comunidade, consulta Jesus acerca dos limites do perdão. Ele sabe que, quanto a isto, Jesus tem ideias radicais e, talvez com alguma ironia, pergunta a Jesus se, na sua perspectiva, se deve perdoar sempre ("até sete vezes?" - vers. 21: o número sete, na cultura semita, indica "totalidade").
    Jesus responde que não só se deve perdoar sempre, mas de forma ilimitada, total, absoluta ("setenta vezes sete" - vers. 22). Deve-se perdoar sempre, a toda a gente (mesmo aos inimigos) e sem qualquer reserva, sombra ou prevenção.
    É neste contexto e a propósito da lógica do perdão que Jesus propõe aos discípulos uma parábola (vers. 23-35). A parábola apresenta-se em três quadros ou cenas.
    O primeiro quadro (vers. 23-27) coloca-nos diante de uma cena de corte: um funcionário real, na hora de prestar contas ao seu senhor (provavelmente de impostos recebidos e nunca entregues), revela-se incapaz de saldar a sua dívida. O senhor ordena que o funcionário e a sua família sejam vendidos como escravos; mas, perante a humildade e a submissão do servo, o senhor deixa-se dominar por sentimentos de misericórdia e perdoa a dívida. Neste quadro, o que impressiona mais é o montante astronómico da dívida: dez mil talentos (um talento equivalia a cerca de 36 Kg e podia ser em ouro ou em prata. Dez mil talentos é, portanto, uma soma incalculável). O exagero da dívida serve, aqui, para pôr em relevo a misericórdia infinita do senhor.
    O segundo quadro (vers. 28-30) descreve como esse funcionário que experimentou a misericórdia do seu senhor se recusou, logo a seguir, a perdoar um companheiro que lhe devia cem denários (um denário equivalia a 12 gramas de prata e era o pagamento diário de um operário n&atil
    de;o especializado. Cem denários correspondia, portanto, a uma quantia insignificante para um alto funcionário do rei).
    Quando estes dois quadros são postos em paralelo, sobressaem, por um lado, a desproporção entre as duas dívidas e, por outro, a diferença de atitudes e de sentimentos entre o senhor (capaz de perdoar infinitamente) e o funcionário do rei (incapaz de se converter à lógica do perdão, mesmo depois de ter experimentado a alegria de ser perdoado).
    É precisamente desta diferença de comportamentos e de lógicas que resulta o terceiro quadro (vers. 28-35): os outros companheiros do funcionário real, chocados com a sua ingratidão, informaram o rei do sucedido; e o rei, escandalizado com o comportamento do seu funcionário, castigou-o duramente.
    Antes de mais, a parábola é uma catequese sobre a misericórdia de Deus. Mostra como, na perspectiva de Deus, o perdão é ilimitado, total e absoluto.
    Depois, a parábola convida-nos a analisar as nossas atitudes e comportamentos face aos irmãos que erram. Mostra como neste capítulo, a nossa lógica está, tantas vezes, distante da lógica de Deus. Diante de qualquer falha do irmão (por menos significativa que ela seja), assumimos a pose de vítimas magoadas e, muitas vezes, tomamos atitudes de desforra e de vingança que são o sinal claro de que ainda não interiorizámos a lógica de Deus.
    Finalmente, a parábola sugere que existe uma relação (aliás já afirmada na primeira leitura deste domingo) entre o perdão de Deus e o perdão humano. Mateus estará a sugerir que o perdão de Deus é condicionado e que só se tornará efectivo se nós aprendermos a perdoar aos nossos irmãos? O que Mateus está a dizer, sobretudo, é que na comunidade cristã deve funcionar a lógica do perdão ilimitado: se essa é a lógica de Deus, terá de ser a nossa lógica, também. O que Mateus está a sugerir, também, é que se o nosso coração não bater segundo a lógica do perdão, não terá lugar para acolher a misericórdia, a bondade e o amor de Deus. Fazer a experiência do amor de Deus transforma-nos o coração e ensina-nos a amar os nossos irmãos, nomeadamente aqueles que nos ofenderam.
    Deus pagará na mesma moeda e castigará quem não for capaz de viver segundo a lógica do perdão e da misericórdia? Não. Decididamente, o revanchismo e a vingança não fazem parte dos métodos de Deus... Mateus usa aqui - bem ao jeito semita - imagens fortes e dramáticas para sublinhar que a lógica do perdão é urgente e que dela depende a construção de uma realidade nova, de amor, de comunhão, de fraternidade - a realidade do Reino.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar os seguintes desenvolvimentos:

    O Evangelho deste domingo é sobre a necessidade de perdoar sempre, de forma radical e ilimitada. Trata-se - todos estamos conscientes do facto - de uma das exigências mais difíceis que Jesus nos faz. No entanto não há, neste campo, meias tintas, dúvidas, evasivas, desculpas: trata-se de um valor fundamental da proposta de Jesus. Ele deu testemunho, em gestos concretos, do amor, da bondade e da misericórdia do Pai. Na cruz, ele morreu pedindo perdão para os seus assassinos... Ora o cristão é, antes de mais, um seguidor de Jesus. Pessoalmente, como é que me situo face a isto?

    O perdão e a misericórdia tornam-se ainda mais complicados à luz dos valores que presidem à construção do nosso mundo. O "mundo" considera que perdoar é próprio dos fracos, dos vencidos, dos que desistem de impor a sua personalidade e a sua visão do mundo; Deus considera que perdoar é dos fortes, dos que sabem o que é verdadeiramente importante, dos que estão dispostos a renunciar ao seu orgulho e auto-suficiência para apostar num mundo novo, marcado por relações novas e verdadeiras entre os homens. Na verdade, a lógica do mundo só tem aumentado a espiral de violência, de injustiça, de morte; a lógica de Deus tem ajudado a mudar os corações e frutificado em gestos de amor, de partilha, de diálogo e de comunhão. Para mim, qual destas duas propostas faz mais sentido? Qual destes dois caminhos pode ajudar a instaurar uma realidade mais humana, mais harmoniosa, mais feliz?

    O que significa, realmente, perdoar? Significa ceder sempre diante daqueles que nos magoam e nos ofendem? Significa encolher os ombros e seguir adiante quando nos confrontamos com uma situação que causa morte e sofrimento a nós ou a outros nossos irmãos? Significa "deixar correr" enquanto forem coisas que não nos afectem directamente? Significa pactuar com a injustiça e a opressão? Significa tolerar tudo num silêncio feito de cobardia e de conformismo? Não. O perdão não pode ser confundido com passividade, com alienação, com conformismo, com cobardia, com indiferença... O cristão, diante da injustiça e da maldade, não esconde a cabeça na areia, fingindo que não viu nada... O cristão não aceita o pecado e não se cala diante do que está errado; mas não guarda rancor para com o irmão que falhou, nem permite que as falhas derrubem as possibilidades de encontro, de comunhão, de diálogo, de partilha... Perdoar não significa isolar-se num silêncio ofendido, ou demitir-se das responsabilidades na construção de um mundo novo e melhor; mas significa estar sempre disposto a ir ao encontro, a estender a mão, a recomeçar o diálogo, a dar outra oportunidade.

    Este Evangelho recorda-nos - talvez ainda de forma mais clara e concludente - aquilo que a primeira leitura já sugeria: quem faz a experiência do perdão de Deus, envolve-se numa lógica de misericórdia que tem, necessariamente, implicações na forma de abordar os irmãos que falharam. Não podemos dizer que Deus não perdoa a quem é incapaz de perdoar aos irmãos; mas podemos dizer que experimentar o amor de Deus e deixar-se transformar por Ele significa assumir uma outra atitude para com os irmãos, uma atitude marcada pela bondade, pela compreensão, pela misericórdia, pelo acolhimento, pelo amor.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    1. A liturgia meditada ao longo da semana.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 24º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. Testemunhos de reentrada.
    Em certas paróquias, há por vezes o costume de preparar breves testemunhos dados por membros da assembleia no momento dos avisos. Pode haver alguns breves testemunhos (cerca de 1 minuto cada) sobre actividades eclesiais em que se participou durante o tempo de verão. A intercalar, pode-se cantar um breve refrão cantado.

    3. Oração na lectio divina.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Pai misericordioso, nós Te bendizemos pela longa aprendizagem ao perdão na qual formaste o teu povo desde o tempo de Moisés. Nós Te louvamos pela pedagogia da misericórdia e pelas mensagens de paz.
    Nós Te pedimos por todas as populações ainda submetidas ao ciclo infernal do ódio, do terrorismo, do rancor e da vingança cega.

    No final da segunda leitura:
    Cristo ressuscitado, Senhor dos mortos e dos vivos, bendito sejas pelo teu caminho de Páscoa: Tu conheceste a morte, para dela nos libertares e nos fazeres partilhar a vida nova que manifestaste pela tua ressurreição.
    Nós Te pedimos por todos os baptizados: demos-Te a nossa fé, aderimos a Ti. Que o teu Espírito nos faça viver para Ti.

    No final do Evangelho:
    Pai do céu, Deus de paciência, Tu que perdoaste a nossa imensa dívida, bendito sejas pelo perdão que liberta das cadeias e livra do desespero.
    Nós Te pedimos: que o teu Reino venha aos nossos corações, que todas as nossas comunidades manifestem a presença do teu Reino na nossa terra, como um reino de paz, em que o perdão é dado do fundo do coração.

    4. Oração Eucarística.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que recorda as alianças e as misericórdias de Deus.

    5. Palavra para o caminho.
    «Senhor, quantas vezes devo perdoar?» A resposta de Jesus não tem nada de matemática e o perdão que Ele nos propõe para oferecer aos nossos irmãos é ilimitado - por vezes também muito difícil. Nesta semana, poderíamos retomar o salmo 102 na oração e nos deixarmos habitar - impregnar, modelar - pelos seus acentos de ternura, de perdão, de amor, que nos revelam o Coração d'Aquele que nos convida a perdoar como Ele nos perdoa.
    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares XXIV Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares XXIV Semana - Segunda-feira

    18 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 2, 1-8

    Caríssimo: recomendo, antes de tudo, que se façam preces, orações, súplicas e acções de graças por todos os homens, 2pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, a fim de que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade. 3Isto é bom e agradável diante de Deus, nosso Salvador, 4que quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. 5Pois, há um só Deus,e um só mediador entre Deus e os homens, um homem: Cristo Jesus, 6que se entregou a si mesmo como resgate por todos. Tal é o testemunho dado para os tempos estabelecidos. 7Foi para isto que fui constituído arauto e apóstolo - digo a verdade, não minto - mestre das nações, na fé e na verdade. 8Quero, pois, que os homens orem em todo o lugar, erguendo as mãos puras, sem ira nem altercação.

    Paulo, depois de encorajar Timóteo a «combater o bom combate da fé e da boa consciência» (cf. 1, 18s.), em relação aos heréticos, recomenda-lhe, «antes de tudo», a oração «por todos os homens» (v. 1), particularmente pelos que estão no poder. A salvação é, de facto, oferecida por Deus a todos. Ao rezar pelas autoridades deste mundo, a Igreja recorda aos que detêm o poder que não devem atribuir a si próprios nenhum prestígio ou glória pessoal, pois mais não fazem do que exercer a autoridade como um serviço, cujos limites foram fixados pelo próprio Deus, dentro do quadro do seu projecto salvífico do mundo. A universalidade da oração é, pois, motivada pela vontade salvífica universal de Deus. Mas esta vontade de Deus não é absoluta e predeterminante. Em certo sentido, é "condicionada" pela livre determinação humana, que pode acolher ou recusar o dom de Deus. Por causa deste risco, inerente à liberdade humana, é precisa a oração. Além disso, a oração litúrgica da comunidade cristã, une-a, cria a comunhão, onde, depois, surgem os diversos ministérios.

    Evangelho: Lucas 7, 1-10

    Naquele tempo, quando acabou de dizer todas as suas palavras ao povo, Jesus entrou em Cafarnaúm. 2Ora um centurião tinha um servo a quem dedicava muita afeição e que estava doente, quase a morrer. 3Ouvindo falar de Jesus, enviou-lhe alguns judeus de relevo para lhe pedir que viesse salvar-lhe o servo. 4Chegados junto de Jesus, suplicaram-lhe insistentemente: «Ele merece que lhe faças isso, 5pois ama o nosso povo e foi ele quem nos construiu a sinagoga.» 6Jesus acompanhou-os. Não estavam já longe da casa, quando o centurião lhe mandou dizer por uns amigos: «Não te incomodes, Senhor, pois não sou digno de que entres debaixo do meu tecto, pelo que 7nem me julguei digno de ir ter contigo. Mas diz uma só palavra e o meu servo será curado. 8Porque também eu tenho os meus superiores a quem devo obediência e soldados sob as minhas ordens, e digo a um: 'Vai', e ele vai; e a outro: 'Vem', e ele vem; e ao meu servo: 'Faz isto', e ele faz.» 9Ouvindo estas palavras, Jesus sentiu admiração por ele e disse à multidão que o seguia: «Digo-vos: nem em Israel encontrei tão grande fé.» 10E, de regresso a casa, os enviados encontraram o servo de perfeita saúde.

    Nesta narrativa, Lucas centra mais a sua atenção na fé, que alcança o milagre, do que no próprio milagre. A figura do centurião pagão assume um papel emblemático.
    A fé do centurião compõe-se de humildade e confiança. Essas duas atitudes tornam-no aberto ao dom que está para receber e tornam aberta a comunidade dos discípulos de Jesus, que pode receber e incluir pessoas das mais diversas origens étnicas e sociais. Há um pormenor que suscita a nossa atenção, até pela sua actualidade. Enquanto os anciãos recomendam o centurião a Jesus por alguns méritos que, a seus olhos, tinha adquirido («Ele merece que lhe faças isso, pois ama o nosso povo e foi ele quem nos construiu a sinagoga» (v. 4), o próprio centurião manda dizer a Jesus: «Não te incomodes, Senhor, pois não sou digno de que entres debaixo do meu tecto» (v. 6). Naturalmente, para Jesus são mais importantes estas palavras, que indicam uma grande e sincera humildade, do que as dos anciãos interesseiros.
    Lucas, como Mateus, considera este acontecimento um prelúdio da chegada dos pagãos à Igreja. Isso interessa-lhe ainda mais porque ele, e só ele, há-de sentir a necessidade de dedicar a segunda parte da sua obra, os Actos dos Apóstolos, a este grande evento. Vislumbra-se a dimensão universal da salvação trazida por Jesus.

    Meditatio

    De acordo com as promessas divinas, Jesus foi enviado a pregar a Boa Nova ao povo eleito. Mas o Senhor sabia que, por meio do povo de Israel, Deus queria abençoar todos os povos da terra. O mistério pascal de Cristo tornou possível essa bênção. Mas, episódios como o que hoje escutamos no evangelho, fazem-na prever: o centurião manifesta a sua fé em Jesus e na sua capacidade de lhe curar o servo. Este pagão nem quer causar grande incómodo ao Senhor, pedindo-lhe que vá a sua casa curar o servo. Pede-lhe apenas uma ordem, à distância: «Diz uma só palavra e o meu servo será curado» (v. 7). Esta manifestação de fé mostra que a graça já trabalhava no coração dos pagãos, com bons resultados. De facto, Jesus afirma: «Nem em Israel encontrei tão grande fé» (v. 9).
    As exortações de Paulo, que escutamos na primeira leitura, pressupõem e confirmam a abertura universal do amor de Cristo: «façam-se preces, orações, súplicas e acções de graças por todos os homens» (v. 1). A comunidade cristã não pode fechar-se em si mesma. Ainda que saibamos que o Espírito também trabalha no coração dos pagãos, e essa convicção possa libertar-nos da ansiedade que outrora pesava na alma de tantos missionários, a Igreja é chamada a ser portadora de graças para todos.
    Paulo aconselha os cristãos a rezarem de modo especial pelos governantes: «pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade» (v. 2). Os governantes carregam uma importante e pesada responsabilidade. Se podemos ser exigentes com eles, também devemos rezar para que cumpram com seriedade e honestidade a sua função, e não caiem nas tentações a que estão particularmente sujeitos. Como disse um pensador, «o poder corrompe». O poder absoluto corrompe absolutamente. Em qualquer situação, há sempre o perigo de que, quem detém o poder, abuse dele em seu favor, ou em favor daqueles que os apoiam. E assim se cometem injustiças mais ou menos graves e lesivas dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos.
    A liturgia da Palavra, também nos ensina a importância da oração litúrgica, a oração
    da Igreja «por todos os homens», porque Deus «quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade» (v. 4). A oração litúrgica intercede, onde quer que a Igreja se encontre, junto do Mediador Jesus Cristo, e cura das iras e das contendas, «a fim de que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade» (v. 2).
    O cristão deve ter este sentido da oração universal, abrir o coração às necessidades do mundo inteiro, não se preocupando apenas com os próprios interesses, com as próprias necessidades, ou as daqueles que lhes são caros. É, sem dúvida bom, rezarmos pelos que nos são ou estão próximos. Mas, para estarmos unidos a Cristo, a nossa oração deve alargar-se a todos os homens.

    Oratio

    Pai santo, que, em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, remiste a humanidade, dá-nos olhos para descobrirmos o teu amor presente e activo no coração de todos os homens e nas condições tantas vezes pagãs do mundo em que vivemos. Faz-nos capazes de acolher a tua visita, como quer que Te apresentes, e de experimentar e testemunhar a eficácia curativa da tua Palavra.
    Curados por essa palavra, queremos ser para Contigo gratos e alegres testemunhas daquele fé que faz «erguer ao céu as mãos puras», para Te louvarmos, darmos graças, e nos oferecermos em sacrifício de suave odor, intercedendo por todos os homens nossos irmãos. Amen.

    Contemplatio

    A oração é a nossa vida. A nossa alma deve rezar incessantemente; de outro modo, como teríamos nós vida de união, de amor e de imolação que constitui a finalidade do nosso Instituto? Como a pomba, devemos elevar-nos acima da terra pela oração. Como ela, a nossa alma deve amar a pureza, a simplicidade, a doçura. A alma que reza esconde-se, suspira e geme como a pomba. Também ela descansa nas fendas da rocha (cf. Cant 2,14). O nosso lugar de repouso na oração é o Coração de Jesus, são os seus mistérios de amor e de imolação. O nosso "Thesaurus" tem um título muito certo: é um verdadeiro tesouro pela beleza das orações que contém e pelas orientações que dá. Deve ser para nós um autêntico Vade-mécum. Aquele que o leva sempre consigo e segue as suas prescrições bem depressa se tornará santo. As orações vocais feitas em comum devem ser recitadas pausadamente e com devoção. (Leão Dehon, Directório Espiritual, 123).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Façam-se preces, orações, súplicas e acções de graças
    por todos os homens» (1 Tm 1, 1).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Terça-feira

    19 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 3, 1-13

    Caríssimo: é digna de fé esta palavra: se alguém aspira ao episcopado, deseja um excelente ofício. 2Mas é necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, ponderado, de bons costumes, hospitaleiro, capaz de ensinar; 3que não seja dado ao vinho, nem violento, mas condescendente, pacífico, desinteressado; 4que governe bem a própria casa, mantendo os filhos submissos, com toda a dignidade. 5Pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará ele da igreja de Deus? 6Que não seja neófito, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação do diabo. 7Mas é necessário também que ele goze de boa reputação entre os de fora, para não cair no descrédito e nas ciladas do diabo. 8Do mesmo modo, os diáconos sejam pessoas dignas, sem duplicidade, não inclinados ao excesso de vinho, nem ávidos de lucros desonestos. 9Guardem o mistério da fé numa consciência pura. 10Sejam também eles, primeiro, postos à prova e só depois, se forem irrepreensíveis, exerçam o diaconado. 11Do mesmo modo, as mulheres sejam dignas, não maldizentes, sóbrias, fiéis em tudo. 12Os diáconos sejam maridos de uma só mulher, capazes de dirigir bem os filhos e a própria casa. 13Pois aqueles que cumprirem bem o diaconado adquirem para si uma posição honrosa e autoridade em questões de fé, em Cristo Jesus.

    A palavra bispo (epíscopos), na literatura grega, indica um tipo de "custódia responsabilizada", que tinha lugar em diferentes ocasiões e por diversos motivos. Como podemos deduzir do discurso de Paulo referido em Act 20, 28, no Novo Testamento não há uma distinção nítida entre bispo e presbítero. Mas há uma clara vinculação entre a função episcopal e a noção de pastor. Na 1 Pe 2, 25, Cristo é chamado «pastor e guarda» dos membros da comunidade. Os missionários, que se deslocavam de um lugar para o outro, nunca eram chamados bispos. Esse título aparece em comunidades locais, onde se exercem certas funções estáveis.
    O nosso texto sugere que a comunidade cristã local propunha vários candidatos para exercerem a função episcopal. Trabalhar pela própria candidatura também não era considerado mal. Não sendo ainda um ofício ambicionado, porque ainda não estava ligado a honras e a certos interesses, como mais tarde veio a acontecer, durante séculos, propor-se para o episcopado, era sinal de disponibilidade. A designação do bispo era feita por eleição popular. Mas não sabemos se era feita por toda a assembleia ou apenas por um grupo de dirigentes, mais tarde chamados presbíteros.
    No texto que escutamos, Paulo fala a Timóteo das qualidades que o bispo deve ter para bem governar, servir e administrar a Igreja. Que o bispo seja «marido de uma só mulher», significa que, se for casado, não o seja em segundas núpcias. É o mesmo que se exigia à candidata ao grupo das viúvas: que tenha sido esposa de «um só marido» (1 Tm 5, 9). Mas melhor seria se o bispo fosse celibatário, como o era Paulo (cf. 1 Cor 7, 8).
    Depois das exigências para os candidatos ao episcopado, Paulo apresenta outras para os candidatos ao Diaconado. No fundo eram exigências feitas a quem quer que se dispusesse a exercer uma função de autoridade e de serviço na Igreja.

    Evangelho: Lucas 7, 11-17

    Naquele tempo, Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim, indo com Ele os seus discípulos e uma grande multidão. 12Quando estavam perto da porta da cidade, viram que levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que era viúva; e, a acompanhá-la, vinha muita gente da cidade. 13Vendo-a, o Senhor compadeceu-se dela e disse-lhe: «Não chores.» 14Aproximando-se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam. Disse então: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!» 15O morto sentou-se e começou a falar. E Jesus entregou-o à sua mãe. 16O temor apoderou-se de todos, e davam glória a Deus, dizendo: «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» 17E a fama deste milagre espalhou-se pela Judeia e por toda a região.

    Lucas gosta de estabelecer relações entre Jesus e o profeta Elias (cf. 1 Re 17, 10-24), entre Jesus e o profeta Eliseu (2 Re 4, 18-37). O terceiro evangelista narra a ressurreição do filho único de uma certa mãe viúva, natural de Naim. Prodígios idênticos foram também realizados por Elias e Eliseu. Sabemos que Lucas também dá particular atenção às mulheres, no terceiro evangelho e nos Actos. Também a figura da mãe viúva que perdeu o seu filho único sensibiliza Jesus que, «Vendo‑a, se compadeceu­ dela e lhe disse: «Não chores» (v. 13). Este episódio não nos revela só um aspecto da psicologia de Jesus, a sua sensibilidade, mas também, a sua opção em favor dos fracos e dos marginalizados. Aquela mulher, na sociedade a que pertencia, estava incluída nessas categorias de pessoas.
    Finalmente, Jesus é aclamado como «um grande profeta» (v. 16). Para Lucas, este título tem especial significado: Jesus é profeta, não só pelo que "diz", mas também pelo que "faz" (acções, gestos, milagres) e, sobretudo, pelo modo como se comporta: sente compaixão, comove-se interiormente e partilha a dor daquela mãe. Assim se manifesta Jesus como profeta no sentido mais integral do termo: não só traz a Palavra de Deus, mas também se coloca ao lado dos homens.

    Meditatio

    As exigências apresentadas por Paulo na primeira leitura àqueles que se dispunham a exercer o "ministério" da autoridade na Igreja podem resumir-se a uma: fidelidade no testemunho e no serviço. Essa fidelidade baseia-se na obediência à Palavra, como demonstram as missões proféticas do Antigo e do Novo Testamento, maximamente no profeta Jesus de Nazaré. Não é possível exercer a autoridade na Igreja sem a obediência dos "ministros" à Palavra de Deus. Só essa obediência garante que não governam a Igreja segundo critérios pessoais ou mundanos. Mas a vontade de Deus há-de ser procurada de modo unívoco e concorde, tanto pelos pastores como pelo rebanho, embora as suas funções sejam diferentes.
    O episódio da ressurreição do filho da viúva de Naim revela-nos duas atitudes de Jesus: a sua compaixão e o milagre que realiza. Somos naturalmente levados a dar maior importância ao milagre. Mas a compaixão de Jesus é algo de muito maior e mais importante. Revela-nos o Coração do Senhor, capaz de sentir os nossos sofrimentos, de sofrer connosco: «O Senhor compadeceu-se dela» (v. 13). Esta compaixão levou-O a actuar. Dirigindo-se à mulher disse-lhe: «Não chores!». E, aproximando-se, tocou no caixão e disse: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!
    ... E entregou-o à sua mãe» (v. 14s.). Ao ver o sucedido, a multidão exclamou como tinham exclamado os que verificaram a ressurreição do filho da viúva de Sarepta: «Surgiu entre nós um grande profeta» (v. 16) (cf. 1 Rs 17, 17-24). Jesus é um grande profeta, como Elias, como Eliseu. Mas revelar-se-á muito mais do que profeta!
    No nosso texto, Lucas chama a Jesus "Senhor". É a primeira vez que o faz, depois dos relatos do nascimento. A vitória sobre a morte começa a manifestar Jesus como Senhor, Senhor de todas as coisas, Senhor da vida e da morte. Este episódio tem um claro sentido messiânico.
    Apenas Lucas refere este milagre, que evidencia a ternura de Jesus para com os humildes e pobres, como tantos outros textos do evangelho lucano, onde particularmente resplandece a misericórdia divina.
    Peçamos ao Senhor o seu Espírito, para termos em nós os seus sentimentos, e para que o nosso acto de oblação cultual da manhã, se torne verdadeiro serviço a todos os irmãos no dia a dia; se torne solidariedade especialmente para com os mais pobres, os mais fracos e marginalizados, que muitas vezes não estão longe de nós, mas vivem connosco na comunidade; se torne irradiação de caridade, de alegria e paz; de paciência, bondade, benevolência; de mansidão, humildade, ternura; de misericórdia, perdão, reconciliação nos corações de cada uma das pessoas e das comunidades.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, porque quiseste que Te conhecêssemos, e perscrutássemos o teu Coração, por meio dos teus evangelistas. Dá-nos o teu Espírito Santo, para que tenhamos em nós os teus sentimentos, e abramos o coração à caridade e à compaixão para com todos os nossos irmãos, especialmente para com os mais fracos e pobres. Enche de misericórdia e compaixão os corações dos nossos bispos, presbíteros e diáconos, para que exerçam o ministério de modo idêntico àquele com que serviste todos quantos se aproximavam de Ti. Dá-nos, a todos, um Coração semelhante ao teu! Amen.

    Contemplatio

    A devoção ao Coração sacerdotal de Jesus tem por objecto o Coração de Jesus sacerdote e vítima, como no-lo pinta muito bem o hino do tempo pascal: Almique membra corporis Amor sacerdos immolat. Sim, é o amor, é o Coração sagrado de Jesus que goza eminentemente do carácter sacerdotal. Ele imola-se a si mesmo, imola o corpo que Ele vivifica segundo a tão bela expressão: Amor sacerdos immolat. Esta vida de sacerdote e de vítima, de que o Sagrado Coração é princípio, resume toda a vida, todas as operações interiores e exteriores de Nosso Senhor. Os três grandes rios de amor da Incarnação, da Paixão e da Eucaristia partem deste oceano e a ele voltam depois de terem percorrido o mundo no seu curso vivificante e salutar. Tudo está ali, todos os mistérios da salvação, todos os benefícios de Deus, todas as riquezas da sua graça e da sua misericórdia, o Coração de Jesus, sacerdote e vítima de amor, contém tudo isso. Nós que somos padres, não devemos gostar de considerar o Coração de Jesus sob este aspecto? Não é este o nosso dever? Não se encontra aí, para o padre, a verdadeira devoção ao Sagrado Coração? Não é nesta escola do Coração sacerdotal de Jesus que nós havemos de aprender a tornar-nos verdadeiros e santos sacerdotes? Sim, contemplemos o Coração sacerdotal. Estudemos os seus pensamentos, sintamos as suas pulsações, meditemos nos seus amores. Ele vai-nos dizer todas as virtudes sacerdotais, todos os deveres, toda a vida, toda a perfeição do padre. No contacto com o Coração sacerdotal de Jesus, nós ousamos dizer que todo o padre há-de tornar-se mais padre do que o não era precedentemente. (Leão Dehon, OSP 2, p. 524).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Surgiu entre nós um grande profeta
    e Deus visitou o seu povo!» (Lc 7, 16).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Quarta-feira

    20 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 3, 14-16

    Caríssimo: escrevo-te estas coisas, na esperança de ir ter contigo em breve. 15Porém, eu quero que saibas como deves proceder na casa de Deus, esta Igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade. 16Grande é - todos o confessam - o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne, foi justificado no Espírito, apresentado aos anjos, anunciado às nações, acreditado no mundo, exaltado na glória.

    Os três versículos, que hoje escutamos, são o núcleo de uma teologia profunda, onde a eclesiologia e a cristologia andam a par, como sempre acontece no Novo Testamento.
    Embora pense dirigir-se a Éfeso, Paulo escreve a Timóteo dando-lhe indicações para o bom governo da igreja a que preside. Paulo chama à Igreja «casa de Deus», seja no sentido de edifício espiritual (cf. Ef 4, 12), seja no sentido de família (cf. 1 Tm 1, 16): os cristãos são «familiares de Deus» (cf. Ef 2, 19). Sendo casa do Deus vivo, a Igreja é «coluna e sustentáculo da verdade» (v. 15). Ecoam aqui as palavras de Jesus a Pedro: «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja» (Mt 16, 17).
    O edifício da Igreja guarda, não uma qualquer filosofia, mas «um mistério de fé» (v. 19), revelado por Deus aos seus santos (cf. Cl 1, 26). Este mistério concentra-se e realiza-se em Jesus Cristo, morto e ressuscitado. E é através da Igreja que se chega a Cristo!

    Evangelho: Lucas 7, 31-35

    Naquele tempo, disse Jesus: «A quem, pois, compararei os homens desta geração? A quem são semelhantes? 32Assemelham-se a crianças que, sentadas na praça, se interpelam umas às outras, dizendo:'Tocámos flauta para vós, e não dançastes! Entoámos lamentações, e não chorastes!' 33Veio João Baptista, que não come pão nem bebe vinho, e dizeis: 'Está possesso do demónio!' 34Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizeis: 'Aí está um glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e de pecadores!' 35Mas a sabedoria foi justificada por todos os seus filhos.»

    Depois de estabelecer uma relação entre Jesus e o profeta Elias, Lucas compara-O a João Baptista. As diferenças entre os dois são evidentes e significativas. O objectivo de Lucas e sublinhar a simpatia com que o povo simples acolhe Jesus, em contraste com a atitude dos fariseus e doutores da lei. Por isso, é bom ler os vv. 29 ss. Que precedem esta página evangélica.
    Jesus usa uma comparação que deixa transparecer o seu duro juízo acerca dos seus contemporâneos. A pergunta inicial é certamente retórica. Não se refere a todos os contemporâneos de Jesus, mas apenas àqueles que, não tendo prestado atenção ao Precursor, também agora O não querem ouvir. Essas pessoas são como as crianças que se recusam a participar tanto na alegria dos casamentos como na tristeza dos funerais. Parece tratar-se da obstinação com que alguns Judeus recusaram a Palavra de Deus, personificada em Jesus. Revelam um coração impermeável a todo e qualquer convite à penitência e à conversão.
    Sob o ponto de vista histórico, demos atenção a duas expressões, uma dirigida a João: «Está possesso do demónio!» (v. 33) e outra dirigida a Jesus: «Aí está um glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e pecadores!» (v. 34). Duas desculpas fáceis, que revelam uma mentalidade fechada e unicamente capaz de condenar sem piedade. A expressão final relativa à sabedoria que foi justificada «por todos os seus filhos» (Mt escreve «pelas suas obras») leva-nos a pensar noutra categoria de pessoas diametralmente oposta: aqueles que buscam a verdade e que se deixam interpelar por toda a verdadeira pregação, abrindo-se ao de espírito de Deus que actua nas palavras e nas obras de Jesus.

    Meditatio

    A «Igreja do Deus vivo» é, de verdade, «coluna e sustentáculo da verdade», como lemos na primeira leitura (v. 15). Mas acontece com ela o que já aconteceu com Jesus. Perante Ele, muitos adultos tinham atitudes semelhantes às das crianças insatisfeitas, que se negam a manifestar alegria, como seria próprio numa festa de casamento, mas também se recusam a manifestar tristeza e a chorar, como seria próprio de um funeral. Jesus serviu-se de cenas semelhantes, certamente observadas no meio onde vivia, para desmascarar a atitude espiritual de muita gente bem pensante, «os fariseus e doutores da lei», pouco antes mencionados (Lc 7, 30). São pessoas sempre descontentes. Se se apresenta um enviado de Deus, que convida à conversão, põe-se a rir, a examinar o mensageiro, procurando motivos para o criticar, e assim dispensar-se, de consciência tranquila, de acolher a sua mensagem.
    Foi o que aconteceu com João Baptista e, logo a seguir, com Jesus. Veio João, homem extremamente austero, e os fariseus souberam encontrar motivos para o criticar e para decretar que o seu modo de viver não era razoável, que não podia ser inspirado por Deus, que era inspirado pelo demónio; veio Jesus, com um comportamento menos fora do comum, pois percorria «as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças» (Mt 9, 35), vivia no meio das pessoas, comia e bebia com elas (Lc 7, 30; 14, 1), sabia que devia «tornar-se em tudo semelhante aos irmãos» (Heb 2, 17), mas nem Jesus foi acolhido de modo positivo. Os fariseus e doutores da lei encontraram motivos para decretar que era uma pessoa demasiado comum e acessível para ser um enviado de Deus: «Aí está um glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e de pecadores!» (Lc 7, 34).
    Não será que também nós, muitas vezes, reagimos como as crianças da praça. Como os fariseus e doutores da lei? Não nos armamos, também nós, em sabedores e críticos perante certas propostas de mudança de vida, que nos vem de Deus, através dos pastores a quem confia o ministério de nos guiar no caminho da fé? Jesus fala de crianças «sentadas nas praças» (v. 32). Provavelmente recusavam toda e qualquer proposta de jogo ou de festa, porque não queriam levantar-se, mexer-se. Assim também, as críticas dos doutores da lei obedeciam a uma táctica para proteger o seu imobilismo espiritual. Não queriam mexer-se, não queriam renunciar à sua posição estável e empreender um novo caminho, em docilidade do Espírito.
    Não se usam, na Igreja, tácticas semelhantes para não obedecer, para não actuar, para resistir ao Senhor, que nos fala através dos pastores que põe à frente das comunidades? Quem exerce um ministério na Igreja, também nas comunidades religiosas, está exposto a críticas, por vezes severas e malévolas; corre o risco de ser deixado só, marginalizado. É uma cruz frequente e pesada. Nessas condições, o
    "ministro" não deve armar-se em vítima. Pelo contrário, deve procurar a força para carregar a cruz, na oração ao Espírito Santo, na convicção de ser verdadeiro oblato, procurando e conduzindo «como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (Cst 26). Diga com S. Paulo: «Alegro-me nos meus sofrimentos por vós e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos (melhor dizendo, "tribulações") de Cristo, pelo Seu corpo que é a Igreja» (Cl 1, 24).

    Oratio

    Senhor, dá-nos a graça de reconhecermos nas testemunhas que pões no nosso caminho, as marcas de vida do teu Filho, mesmo que nos sintamos incomodados com elas e convidados à mudança, à conversão. Que jamais arranjemos desculpas, mais ou menos esfarrapadas, para sossegarmos a consciência e permanecermos acomodados e imóveis nas situações, nos ofícios, nos hábitos adquiridos. Apoiados na rocha que é Cristo, teu filho e nosso irmão, combateremos o bom combate da fé, no mundo incrédulo e indiferente em que vivemos. Acolhendo o teu Espírito, seremos ser instrumentos eficazes do teu projecto de amor para a salvação de todos os homens. Amen.

    Contemplatio

    Peçamos a Nosso Senhor esta graça da simplicidade e docilidade de espírito. - Peçamos esta direcção, estas luzes que nos são necessárias com a nossa docilidade para as seguir. Digamos com David: «Senhor, dirigi os meus passos nas vossas veredas, para que não me desvie» (Sl 16) e com Salomão: «Dai, Senhor, ao vosso servo um coração dócil, para que saiba discernir o bem do mal» (1Rs 3). Sinto que tenho tanta necessidade do socorro divino para me conduzir através de tantos escolhos, de armadilhas e de inimigos que a minha alma encontra no seu caminho e que quereriam impedi-la de permanecer unida ao Coração de Jesus. Tenho um corpo frágil para conduzir com os meus sentidos, a minha língua, os meus olhos, os meus apetites, e faltam-me luzes. Peço-vos, Senhor, quero escutá-las com docilidade. Quero ser particularmente dócil aos ensinamentos do mistério de Natal. Vou lá buscar o espírito de criança, a humildade, o espírito de sacrifício. - Divino infante do presépio, transformai-me em vós. (Leão Dehon, OSP 4, p. 571s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Grande é o mistério da piedade!» (1 Tm 3, 16).

  • S. Mateus, Apóstolo

    S. Mateus, Apóstolo


    21 de Setembro, 2023

    S. Mateus era um cobrador de impostos, profissão pouco bem conceituada. Jesus chamou-o a segui-lo. É o próprio Mateus que, de modo muito simples, nos conta a sua conversão (cf. Mt 9, 1-9). Lucas evidencia o banquete oferecido por Mateus, em que Jesus está presente e revela o seu amor misericordioso pelos pecadores. Dotado de certa cultura, Mateus foi o primeiro a recolher por escrito os acontecimentos da vida de Jesus, que testemunhara, agrupando-lhe nesse quadro os ensinamentos do Mestre. O seu evangelho, escrito entre os anos 62 e 70, é especialmente destinado aos seus compatriotas judeus. Apresenta Jesus como o novo Moisés, aquele que dá ao novo Povo de Deus a nova lei do amor. Mateus dá também grande atenção à Igreja que Jesus convoca, salva e institui.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 4, 1-7.11-13

    Eu, o prisioneiro no Senhor, exorto-vos, pois, a que procedais de um modo digno do chamamento que recebestes; 2com toda a humildade e mansidão, com paciência: suportando-vos uns aos outros no amor, 3esforçando-vos por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. 4Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança; 5um só Senhor, uma só fé,um só baptismo;  6um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos. 7Mas, a cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de Cristo. 11E foi Ele que a alguns constituiu como Apóstolos, Profetas, Evangelistas, Pastores e Mestres, 12em ordem a preparar os santos para uma actividade de serviço, para a construção do Corpo de Cristo, 13até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa da plenitude de Cristo.

    Paulo exorta os cristãos a uma vida digna da sua vocação, formando "um só corpo" em Cristo Jesus. A condição de prisioneiro dava-lhe maior autoridade para fazer uma tal exigência. A harmonia, a paz, são indispensáveis para viver em unidade. Esta unidade espiritual entre os cristãos é motivada pela sociabilidade e comunitariedade próprias da vida cristã: a Igreja é "um só corpo" animado por "um só Espírito" e por "uma só esperança" na salvação eterna a que a fé em Cristo nos convida. "Um só" é o Senhor, Jesus, que derrubou o muro da separação e da inimizade, e deu a todos a fé e o batismo, como meios de salvação. Acima de tudo, está a única paternidade divina: há "um só Deus e Pai de todos" (v. 6).

    Evangelho: Mateus 9, 9-13
    Naquele tempo, Jesus ia a passar quando viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me!» E ele levantou-se e seguiu-o. 10Encontrando-se Jesus à mesa em sua casa, numerosos cobradores de impostos e outros pecadores vieram e sentaram-se com Ele e seus discípulos. 11Os fariseus, vendo isto, diziam aos discípulos: «Porque é que o vosso Mestre come com os cobradores de impostos e os pecadores?»12Jesus ouviu-os e respondeu-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. 13Ide aprender o que significa: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.

    Meditatio

    Ao narrar o seu chamamento por Jesus, o primeiro evangelista, conforme observa S. Jerónimo, usa o seu próprio nome, Mateus. Os outros três evangelistas, ao narrarem o mesmo episódio, chamam-no Levi, o seu segundo nome, provavelmente menos conhecido, talvez para esconder o seu nome de publicano. Mateus, pelo contrário, reconhece-se como publicano, um grupo de pessoas pouco honestas e desprezadas, porque colaboradores dos ocupantes romanos. Mas, Jesus chamou-o, com escândalo de muitos "bem-pensantes".
    Mateus apresenta-se como um publicano perdoado e chamado por Jesus. A vocação de apóstolo não se baseia em méritos pessoais, mas unicamente na misericórdia do Senhor. Só quem se dá conta da sua pobreza, da sua pequenez, aceitando-a como o "lugar" onde Deus derrama a sua misericórdia infinita, está em condições de se tornar apóstolo, de tocar as almas em profundidade, porque comunica o amor de Deus, o seu amor misericordioso: "Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores." (v. 13). Como diz Paulo, o verdadeiro apóstolo está cheio de humildade, de mansidão, de paciência, uma vez que experimentou em si mesmo a paciência, a mansidão e a humildade divina, que se inclina sobre os pecadores e os ergue com paciência da sua situação.
    O Deus revelado pela palavra e pela ação de Jesus é um Deus misericordioso, que acolhe os que andam perdidos, oferecendo-lhes uma nova ocasião para se reconstruírem, por meio da graça, até atingirem a perfeita unidade da fé, que na primeira leitura é a "medida completa da plenitude de Cristo".

    Oratio

    Pai misericordioso, concede-nos a graça de reconhecer na nossa história pessoal o chamamento fundamental da vida, que o teu Filho e nosso Senhor nos dirige com amor. Que te respondamos com um "sim" pronto e generoso, nas pequenas e grandes ocasiões da nossa vida. Assim poderemos concretizar aquela obra pessoal e comunitária que devemos realizar na Igreja. Que o nosso testemunho de cristãos e de Igreja possa contribuir para a conversão do nosso mundo ao teu amor misericordioso. Ámen.

    Contemplatio

    Mateus/Levi era publicano ou cobrador de impostos. Os homens desta profissão eram muito desprezados entre os Judeus, abusavam muito das suas funções para oprimirem as populações! Nosso Senhor quis, no entanto, escolher um dos seus apóstolos de entre eles. Levi estava no seu escritório, junto do lago de Genesaré, quando Jesus dele se apercebeu e lhe disse para o seguir. O publicano abandonou imediatamente o lugar lucrativo que ocupava, para se ligar a Nosso Senhor. Todo feliz e reconhecido pela sua vocação, convidou o divino Salvador e os seus discípulos para virem tomar uma refeição em sua casa. Convidou ao mesmo tempo vários publicanos seus amigos para os atrair a Jesus. Os fariseus ficaram escandalizados e disseram aos discípulos do Salvador: «Porque é que o vosso mestre come com os publicanos e os pecadores?». Jesus, ouvindo as suas murmurações, deu esta bela resposta: «Os médicos são para os doentes, e não para aqueles que estão de boa saúde. Eu vim chamar, não os justos, mas os pecadores». Palavra encorajadora caída do Coração de Jesus! Não percamos confiança, embora sejamos pecadores. (L. Dehon, OSP 4, p. 275).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Eu não vim chamar os justos,
    mas os pecadores" (Mt 9, 13).

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    S. Mateus, Apóstolo (21 Setembro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Quinta-feira

    21 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 4, 12-16

    Caríssimo: ninguém escarneça da tua juventude; antes, sê modelo dos fiéis, na palavra, na conduta, no amor, na fé, na castidade. 13Enquanto aguardas a minha chegada, aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino. 14Não descures o carisma que está em ti, e que te foi dado através de uma profecia, com a imposição das mãos dos presbíteros. 15Toma a peito estas coisas e persevera nelas, a fim de que o teu progresso seja manifesto a todos. 16Cuida de ti mesmo e da doutrina, persevera nestas coisas, porque, agindo assim, salvar-te-ás a ti mesmo e aos que te ouvirem.

    A instituição eclesial é carismática. O ministério, em si, é já um carisma, isto é, um «dom espiritual que (o ministro) recebeu e lhe foi concedido pela intervenção profética, com a imposição das mãos do presbitério». No Antigo Testamento, a imposição das mãos era usada para transmitir poderes ou encargos (cf. Dt 34, 9). No Novo Testamento, para além do significado de bênção, de cura o de dom do Espírito Santo a pessoas já baptizadas, tem o significado de consagração de determinados indivíduos em vista de funções públicas (cf. Act 6, 6; 14, 23; 13, 3).
    Além da consagração propriamente dita, há o conferir de um "carisma", isto é, de um dom gratuito e permanente («que está em ti»), que pode enfraquecer ou mesmo extinguir-se se não for cuidado e alimentado. Em termos teológicos, é o que hoje se chama "graça sacramental", aquela que dá as ajudas necessárias àquele que foi consagrado para um ministério na Igreja, em vista do cumprimento dos deveres do próprio estado.
    Paulo recorda a Timóteo, homem tímido e reservado, que, quanto mais se esforçar por ser modelo de virtudes para os fiéis, maior autoridade terá sobre eles. Além disso, lembra que a salvação do apóstolo está condicionada à salvação dos outros (cf. v. 16), daqueles em favor dos quais exerce o seu ministério.

    Evangelho: Lucas 7, 36-50

    Naquele tempo, um fariseu convidou Jesus para comer consigo. Entrou em casa do fariseu, e pôs-se à mesa. 37Ora certa mulher, conhecida naquela cidade como pecadora, ao saber que Ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume. 38Colocando-se por detrás dele e chorando, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas; enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume. 39Vendo isto, o fariseu que o convidara disse para consigo: «Se este homem fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que lhe está a tocar, porque é uma pecadora!» 40Então, Jesus disse-lhe: «Simão, tenho uma coisa para te dizer.» «Fala, Mestre» - respondeu ele. 41«Um prestamista tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários e o outro cinquenta. 42Não tendo eles com que pagar, perdoou aos dois. Qual deles o amará mais?» 43Simão respondeu: «Aquele a quem perdoou mais, creio eu.» Jesus disse-lhe: «Julgaste bem.» 44E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: «Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; ela, porém, banhou-me os pés com as suas lágrimas e enxugou-os com os seus cabelos. 45Não me deste um ósculo; mas ela, desde que entrou, não deixou de beijar-me os pés. 46Não me ungiste a cabeça com óleo, e ela ungiu-me os pés com perfume. 47Por isso, digo-te que lhe são perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas àquele a quem pouco se perdoa pouco ama.» 48Depois, disse à mulher: «Os teus pecados estão perdoados.» 49Começaram, então, os convivas a dizer entre si: «Quem é este que até perdoa os pecados?» 50E Jesus disse à mulher: «A tua fé te salvou. Vai em paz.»

    No evangelho de hoje, cruzam-se dois temas de fundo: em tom polémico, a oposição de Jesus a um fariseu; em tom de proposta, a relação entre Jesus e a pecadora. Mas, observando melhor, vemos que os dois temas se cruzam e se iluminam mutuamente. Ao fariseu, Jesus quer ensinar que uma pessoa não se considera só a partir do exterior, ou das suas experiências passadas. Uma mulher, notoriamente pecadora, é sempre capaz de tomar um novo rumo. Precisa apenas de encontrar irmãos, não hipercríticos e invejosos, mas alguém que a compreenda e redima. Jesus veio para isso! À mulher, Jesus quer ajudar a compreender que a vida vale, não pela soma das experiências passadas, ainda por cima negativas e deletérias, mas pelo encontro central e decisivo com a Sua pessoa, que não é só capaz de compreender e de perdoar, mas também de resgatar e de renovar. Foi para isso que Ele veio!
    A nós, destinatários do Evangelho, Jesus quer fazer-nos compreender que é a fé que nos salva: a fé n´Ele, verdadeiro homem, amigos dos homens, sobretudo dos pecadores, e verdadeiro Deus, feito homem, feito amigo dos publicanos, dos pecadores e das meretrizes, Deus capaz de remeter todos os nossos pecados, um Deus com uma palavra consoladora e eficaz para cada um de nós: «A tua fé salvou‑te. Vai em paz.» (v. 50).

    Meditatio

    A primeira leitura leva-nos a rezar pelos sacerdotes, para que estejam cada vez mais conscientes do carisma da ordenação sacerdotal, o estimem e o cuidem na intimidade com Deus e no serviço aos irmãos: «Não descures o carisma que está em ti, e que te foi dado através de uma profecia, com a imposição das mãos dos presbíteros» (v. 14). Mas também é importante rezar pelos fiéis, para que prezem o carisma do sacerdócio, apoiem aqueles que o receberam com a sua oração, com a sua amizade, com a partilha dos bens necessários para a sua subsistência.
    No evangelho, Jesus, depois de ter curado o servo do centurião e ressuscitado o filho da viúva de Naim, realiza uma cura existencial, dando o perdão a uma pecadora desconhecida. Neste texto, convém sublinhar um ponto em que nem sempre reparamos, porque não compreendemos bem a palavra do Senhor: o amor de Deus chega sempre primeiro de que tudo quanto possamos fazer.
    O fariseu Simão está cheio de si. Não reconhece os dons de Deus e até está convencido de que Lhe pode dar alguma coisa. Não ama a Deus. A pecadora, pelo contrário, sabe ter recebido muito, porque a sua dívida era grande. Perdoada por Jesus, pode amar muito. É este o sentido da parábola. Quem é que ama mais? Aquele a quem Deus mais perdoou. Isto não significa, como por vezes se diz, que a pecadora obteve o perdão dos pecados por ter amado muito. É tudo o contrário. O seu amor é sinal de que recebeu o grande dom de Deus, o per-dão. O problema do fariseu era: «Se este homem fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que lhe está a tocar, porque é uma pecadora!» (v.
    39). Ora Jesus não reconheceu na mulher apenas «uma pecadora»; reconheceu nela «uma pecadora perdoada», ao verificar o seu grande amor. Antes há o perdão de Deus, que nos faz compreender o seu infinito amor e suscita a resposta do nosso amor. A afirmação, «aquele a quem pouco se perdoa pouco ama» (v. 47), confirma a primeira. Não somos nós que amamos por primeiro, mas é Deus. O nosso primeiro dever é reconhecer o seu amor no perdão e em todos os outros dons que nos faz. Se assim não fizermos, cairemos no erro do fariseu, que pensava ser ele a dar a Deus, sem nos darmos conta do seu amor, e sem O amarmos.
    A experiência de fé do Pe. Dehon pode resumir-se a três breves fórmulas: «A presença activa» do amor de Cristo na sua vida (Cst 2); a sensibilidade «ao pecado como recusa do amor de Cristo» (Cst 4); a vontade de dar uma resposta ao «amor não acolhido» com «uma união íntima ao Coração de Cristo que provém da intimidade do coração» (Cst 4-5) . Esta experiência de fé está naturalmente centrada no culto ao Coração de Cristo, no amor oblativo, na reparação, na imolação, no apostolado, com todas as cambiantes, muito importantes, do amor puro, do abandono, da vida de vítima... Mas o fundamento dessa experiência de fé é a «presença activa» do amor de Cristo na sua vida (Cst 2).

    Oratio

    Senhor, dá-me a graça de saber reconhecer que o teu amor e a tua generosidade por mim, precedem toda e qualquer resposta da minha parte. Dá-me a sabedoria do coração, para que saiba reconhecer as visitas do teu perdão. Torna-me compreensivo e misericordioso para com os irmãos. Que jamais os julgue a partir de preconceitos ou simples critérios morais, mas os saiba olhar a partir da tua perspectiva de Pai compassivo e misericordioso, a exemplo do teu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. Amen.

    Contemplatio

    É no amor de Deus que o amor do próximo tem a sua fonte. Se amamos a Deus, nosso Pai, daí se seguirá que amaremos todos os seus filhos nossos irmãos. «Quem ama o Pai, diz S. João, amará também aqueles que ele gerou» (Jo 5, 1). Ora, onde é que se terá amado mais o Pai que em Nazaré! Jesus ama infinitamente o seu Pai, como é que não amaria sem medida Maria e José que são tão caros ao seu Pai, e todos os homens pelos quais o seu Pai o enviou à terra! Maria e José amam Jesus como ao seu Deus, ao mesmo tempo que o amam como seu filho. Assim, neste santuário abençoado de Nazaré, o amor vai sem cessar do coração de Jesus aos corações de José e de Maria para voltar do coração da Mãe e do pai ao coração do Filho. E este amor transbordante derrama-se sobre o próximo, sobre todos aqueles que estão em relação com a Sagrada Família. (Leão Dehon, OSP 3, p. 198s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Não descures o carisma que está em ti,» (1 Tm 4, 14).

  • Beato João Maria de Cruz, Presbítero e Mártir

    Beato João Maria de Cruz, Presbítero e Mártir


    22 de Setembro, 2023

    Padroeiro das Vocações Dehonianas

    (Próprio de Congregação dos SCJ, Dehonianos)
    No dia 25 de setembro de 1891 nasceu em Santo Esteban de los Patos (Ávila) Mariano Garcia Méndez. A sua família era simples, mas rica em virtudes e profundamente cristã. Aos 10 anos de idade, sentiu-se chamado por Cristo para o sacerdócio. Viveu o seu sacerdócio, primeiro como pároco e, depois de muita busca, também como religioso da nossa Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, Dehonianos, tomando o nome de João Maria da Cruz. Dotado de profundo zelo apostólico e foi também o "anjo protetor" do Seminário Dehoniano de Puente La Reina e promotor vocacional da Congregação em Espanha. A Guerra Civil Espanhola levou-o a testemunhar a fé e sua condição de sacerdote, protestando fortemente contra o incêndio da igreja dos Santos Juanes, em Valência. Preso, permaneceu um mês no cárcere, onde exerceu um intenso apostolado. No dia 23 de Agosto de 1936, era já noite, foi fuzilado em Silla (Valência). Reconhecidas as suas virtudes e o seu martírio pela Igreja, foi beatificado pelo Papa João Paulo II, no dia 11 de março de 2001.

    Lectio

    Primeira leitura: Romanos 8, 31b-39

    Irmãos: Se Deus está por nós, quem pode estar contra nós? 32Ele, que nem sequer poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não havia de nos oferecer tudo juntamente com Ele? 33Quem irá acusar os eleitos de Deus? Deus é quem nos justifica!34Quem irá condená-los? Jesus Cristo, aquele que morreu, mais, que ressuscitou, que está à direita de Deus é quem intercede por nós. 35Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? 36De acordo com o que está escrito: Por causa de ti, estamos expostos à morte o dia inteiro, fomos tratados como ovelhas destinadas ao matadouro.37Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou. 38Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, 39nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso.

    Depois de ter explicado vários aspetos da vida nova em Cristo e as motivações que fundamentam a fé cristã, Paulo conclui esta secção da sua carta com um hino ao amor de Deus. O hino brota-lhe do coração como uma torrente, provocada pela sua experiência do amor de Deus na sua vida e na da comunidade dos santos. Conhecedor do desígnio do Pai, o Apóstolo canta o papel de Cristo Salvador e Senhor. Nada poderá afastar o cristão do amor que Cristo tem por nós: nem tribulação, nem a angústia, nem a perseguição, nem a a fome, nem a nudez, nem o perigo, a espada. Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou. (cf. v. 36s.). Nenhuma força terrena e nenhum espírito hostil ao homem poderá separar-nos do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus. O amor é o fundamento indestrutível da vida e da esperança cristãs.

    Evangelho: João 15, 18-21

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me odiou a mim. 19Se viésseis do mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, como não vindes do mundo, pois fui Eu que vos escolhi do meio do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. 20Lembrai-vos da palavra que vos disse: o servo não é mais que o seu senhor. Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós. Se cumpriram a minha palavra, também hão-de cumprir a vossa. 21Mas tudo isto vos farão por causa de mim, porque não reconhecem aquele que me enviou.

    Jesus acabara de falar do amor que havia entre Ele e os discípulos, e que devia haver também entre eles (Jo 15, 9-17). Mas os discípulos vivem no mundo que odeia Jesus e odiará os seus discípulos. Amados por Jesus, e amigos de Jesus, são odiados pelo mundo.
    A primeira experiência da Igreja foi a perseguição iniciada pelos judeus e prosseguida pelos gentios. A perseguição é algo de normal na vida dos cristãos, porque não são do mundo, não lhe pertencem, e estão acima dele porque dão testemunho contra ele, contra os seus pecados. Além disso, "o servo não é mais do que o seu senhor". Não pode ter melhor sorte.

    Meditatio

    Quem ama, imita. O melhor modo de corresponder ao amor de Cristo é imitá-lo. Os mártires seguiram-no até à efusão do sangue, até assemelhar-se a Ele na paixão. Foram muitos que, ao longo dos séculos, como supremo testemunho da sua fé em Jesus Cristo e no seu Evangelho, derramaram o seu sangue. Foi o que aconteceu também em Espanha, entre 1936 e 1939, durante a guerra civil, que ensanguentou aquele país. Uma das vítimas foi o P. João Maria da Cruz, da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos. Nas suas cartas, conversas e comentários, o P. João falava das dificuldades que encontrava durante a guerra civil, quando andava de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, a pedir ajudas e a procurar vocações. Nas suas notas pessoais verifica-se claramente que se preparava para o martírio: "oxalá pudesse ser mártir", dizia ele a uma senhora idosa de Puente la Reina, onde era muito popular e conhecido como o "santinho". A 10 de Agosto de 1936, poucos dias antes de ser fuzilado, escrevia, do Cárcere Modelo de Valência, ao Superior Geral da Congregação, P. L. Philippe: "Deus seja bendito! Cumpra-se em tudo a sua santíssima vontade. Considero-me muito feliz por poder sofrer alguma coisa por Ele, que tanto sofreu por mim, pobre pecador... Seja tudo pelo Coração Sacratíssimo de Jesus e pela sua Santíssima Mãe, em espírito de amor e de reparação".
    O P. João tinha experimentado o amor de Deus revelado co Coração trespassado de Cristo. Nada o assustava. O seu desejo íntimo era deixar-se imolar a si mesmo, em união com Cristo, como oblação santa e agradável a Deus, "em espírito de amor e de reparação".
    O sacrifício de Cristo não pode permanecer isolado, não partilhado. Pelo contrário, o martírio do Senhor Jesus é um apelo ao nosso martírio. É por isso que Paulo, na carta aos Romanos, escreve: "Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos (isto é, vós mesmos) como sacrifício, vivo, santo e agradável a Deus; é este o vosso culto espiritual" (Rom 12, 1). Cristo foi consagrado e imolado ao Pai, em favor dos homens. Também os cristãos, e particularmente os religiosos e sacerdotes são consagrados e imolados, para se tornarem, com Cristo, construtores do Reino de Deus entre os homens, isto é, reparadores com Cristo reparador. Como dehonianos, é assim que estamos abertos ao "acolhimento do Espírito", damos "uma resposta ao amor de Cristo por nós", estamos em "comunhão no Seu amor pelo Pai" e cooperamos "na sua obra redentora no coração do mundo" (Cst 23).

    Oratio

    Pai santo, que deste ao Beato João Maria da Cruz a graça do sacrifício de amor unitivo, infunde em nós o Espírito Santo. Animados pela sua força divina, queremos corresponder ao teu amor, e dar a nossa vida por aqueles que devem ser edificados. Assim testemunharemos a nossa piedade para com todos, e confessaremos a nossa fé em Jesus Cristo, Senhor. Acolhendo o martírio quotidiano, ou o martírio do sangue, queremos ser advogados e consoladores, oblatos e intercessores, em favor dos nossos irmãos e da humanidade inteira. Ámen.

    Contemplatio

    O bom Mestre propõe aos seus discípulos motivações para sofrerem corajosamente as provações e o próprio martírio, se tal acontecer. Estas motivações são, ainda hoje, a força dos nossos missionários, que, com tanta boa vontade, enfrentam todos os perigos, com o secreto desejo de derramarem o seu sangue pelo Salvador. O primeiro encorajamento que nos dá o bom Mestre é o seu próprio exemplo: «O discípulo, diz, não está acima do Mestre; se me perseguiram, também vos hão-de perseguir a vós». Depois do exemplo de Nosso Senhor, diz S. Bernardo, já não há perseguições nem sofrimentos que possam assustar um cristão; torná-lo participante do cálice do seu divino Filho é uma honra que Deus lhe faz. Nosso Senhor acrescenta que não devemos temer, porque a verdade sairá sempre vitoriosa da mentira e da calúnia; e, aliás, se os nossos inimigos podem atingir o nosso corpo, são impotentes contra a nossa alma e não podem separá-la de Deus. Além disso, a Providência divina vela sobre os seus servos e em particular sobre os apóstolos do Evangelho. Nosso Senhor confessará e glorificará diante de seu Pai os que o tiverem confessado sobre a terra. O último encorajamento e o mais tocante é a alta dignidade dos apóstolos, que são os representantes de Nosso Senhor e outros Ele mesmo. Ele vingá-los-á contra os seus inimigos, tal como recompensará os que os receberem, os que lhes testemunharem respeito e dedicação. (L. Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?" (Rm 8, 35).

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    Beato João Maria de Cruz, Presbítero e Mártir, Padroeiro das Vocações Dehonianas (22 Setembro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Sexta-feira

    22 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 6, 2c-12

    Caríssimo: Isto é o que deves ensinar e recomendar. 3Se alguém ensinar outra doutrina e não aderir às sãs palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo e ao ensinamento conforme à piedade, 4é um obcecado pelo orgulho, um ignorante, um espírito doentio dado a querelas e contendas de palavras. Daí nascem invejas, rixas, injúrias, suspeitas maldosas, 5altercações entre homens de espírito corrompido e desprovidos de verdade, que julgam ser a piedade uma fonte de lucro. 6A piedade é, realmente, uma grande fonte de lucro para quem se contenta com o que tem. 7Pois nada trouxemos ao mundo e nada podemos levar dele. 8Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isso. 9Mas os que querem enriquecer caem na tentação, na armadilha e em múltiplos desejos insensatos e nocivos que precipitam os homens na ruína e na perdição. 10Porque a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro. Arrastados por ele, muitos se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições. 11Mas tu, ó homem de Deus, foge dessas coisas. Procura antes a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança, a mansidão. 12Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e da qual fizeste uma bela profissão na presença de muitas testemunhas.

    Este texto foi manipulado por toda a espécie de exegese moral, social e política de todos os tempos. Mas uma leitura simples do mesmo pode situar-nos no seu verdadeiro sentido.
    Paulo adverte que, se os senhores forem cristãos, e não pagãos, nem por isso devem ser menos respeitados pelos servos. O Evangelho valoriza todos os homens, de modo que já não há escravo nem livre (cf. Gl 3, 28), e que os crentes são «irmãos» na fé (cf. v. 2). Mas não aboliu as diferenças de papel e de posição na sociedade. Os escravos prestam um precioso serviço aos senhores e, se estes forem "cristãos" maior razão têm para apreciar esse serviço e tratá-los como «irmãos». Os "servos" prestam grandes "benefícios" aos "senhores". E não só benefícios económicos!
    Paulo continua também preocupado com os falsos doutores, que se afastam das «sãs palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 3) e incita Timóteo a «ensinar e recomendar» a verdadeira doutrina, transmitida pelos Apóstolos, a única capaz de incrementar uma vida «conforme à piedade» (v. 3). Incita-o ainda a contentar-se com o que tem, pois «a ganância do dinheiro» tira a tranquilidade de espírito, criando um verdadeiro martírio de preocupações e de provações para a fé.
    O Apóstolo termina convidando Timóteo a procurar alcançar as virtudes teologais e morais da justiça para com Deus e para com os homens, da piedade sincera, da paciência com a mansidão, a exemplo de Cristo, que disse: «Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração» (Mt 11, 29).

    Evangelho: Lucas 8, 1-3

    Naquele tempo, Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze 2e algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; 3Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que os serviam com os seus bens.

    Ao terminar esta secção do seu evangelho (6, 20-8,3), Lucas dá-nos algumas informações sobre quem acompanhava Jesus no seu ministério público. Acompanhavam-no os Doze, como bem sabemos. Mas, segundo uma informação exclusiva de Lucas, acompanhavam-no também «algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades» (v. 2). Lucas indica os nomes delas.
    Estas notícias não devem espantar-nos. Lucas, como sabemos, devido à sua formação e à sua sensibilidade, dava grande atenção à presença das mulheres na vida de Jesus. Aqui, elas não são apenas ouvintes da sua Palavra ou destinatárias dos seus milagres: colaboram com Ele, apoiando o seu ministério. Isto tem grande interesse: Jesus sabia redimir e libertar algumas mulheres da sua situação espiritual negativa, atraindo-as para junto de si e confiando-lhes tarefas de assistência em relação a Ele e aos Apóstolos. Soube, pois, valorizar a presença e o serviço de algumas mulheres durante a sua vida pública, o que provavelmente desencadeou a crítica e a malevolência de alguns seus contemporâneos, apenas habituados a instrumentalizá-las e a explorá-las. Também sobre este aspecto, tão actual, Jesus é apresentado por Lucas como o libertador de que a humanidade precisava.

    Meditatio

    Paulo escreve a Timóteo: «A raiz de todos os males é a ganância do dinheiro. Arrastados por ele, muitos se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições. Mas tu, ó homem de Deus, foge dessas coisas» (v. 10s.). As primeiras comunidades cristãs eram pobres, mas livres. Pouco a pouco foi-se introduzindo a servidão dos "bens eclesiásticos". E a Igreja passou por grandes dificuldades. Muitos homens da Igreja deixaram-se deslumbrar pelas riquezas e pelo poder que elas dão. O clero, que devia usar os bens apenas para o seu sustento, destinando o restante para benefício dos mais pobres, por vezes, e durante muito tempo, esqueceu a pobreza evangélica e o ensinamento de Paulo a Timóteo: «A piedade é, realmente, uma grande fonte de lucro para quem se contenta com o que tem. Pois nada trouxemos ao mundo e nada podemos levar dele. Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isso» (vv. 6ss.). Pouco antes do Concílio Vaticano II, João XXIII teve que lembrar a todos: «A Igreja apresenta-se como é, e como quer ser, como a Igreja de todos, particularmente a Igreja dos pobres» (01-09-1962: AAS 54 (1962) 676)».
    Jesus, e os seus Apóstolos, viviam da generosidade de algumas mulheres que os acompanhavam e serviam com os seus bens. Certamente não «consideravam a piedade uma fonte de lucro».
    As leituras de hoje sugerem-nos, portanto, algumas muito boas intenções de oração pela Igreja, pelos sacerdotes e por todos os outros que nela exercem um qualquer ministério. Peçamos ao Senhor para que os apóstolos e os cristãos do nosso tempo saibam evitar todas as contendas, as questões ociosas, que não sejam a verdadeira e sã doutrina. Rezemos para que saibam evitar a tentação do dinheiro. Rezemos por aqueles que pretendem enriquecer a qualquer custo, para que compreendam que o desejo exagerado do dinheiro é a raiz de todos os males. Rezemos para que os apóstolos e os cristãos procurem os verdadeiros bens: a fé, a caridade, a paciência, a mansidão. Peçamos que todos sejam curados dos «espíritos malignos e enfermidades», como as mulheres de que fala o evangelho. Peçamos, finalmente, para que todos possam alcançar a vida eterna a que
    são chamados.

    Oratio

    Senhor, que o nosso coração não se deixe cegar pelo brilho do dinheiro, nem pelo orgulho das riquezas e do poder. Que não se deixe tomar pela mania das contendas e das questões ociosas, que nada têm a ver com o interesse da verdadeira e sã doutrina, como nos avisa Paulo. Afasta da Igreja do teu Filho as invejas, as maledicências, as suspeitas maliciosas, os conflitos de homens corrompidos na mente e privados de verdade. Sobretudo, torna-nos livres da ganância e do lucro. Faz-nos experimentar a saciedade da soberana liberdade vivida e ensinada por Cristo e pelas primeiras comunidades cristãs. Amen.

    Contemplatio

    A sua visita dos Magos é celebrada no dia 6 de Janeiro... Os grandes oferecem o ouro, o incenso e a mirra. Jesus abençoa-os, diz S. Boaventura, e desviou os seus olhos do ouro. Maria deu o ouro aos pobres, dando-nos assim uma dupla lição de desapego das riquezas e de caridade para com os pobres. A melhor condição para a salvação é a das pessoas modestas que têm de trabalhar para ganhar a sua vida, e as riquezas não deveriam dispensar do trabalho para se entregarem a uma vida ociosa. O trabalho é bom para a saúde da alma. Os ricos correm o risco de se perderem, porque têm demasiada facilidade para satisfazerem as suas inclinações naturais para a vaidade, para a sensualidade, para a moleza. Nosso Senhor disse que para eles é mais difícil entrar no reino dos céus. (Leão Dehon, OSP 3, p. 36s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Tu, homem de Deus, foge da ganância do dinheiro» (1 Tm 6, 10).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Sábado

    23 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 6 13-16

    Caríssimo: na presença de Deus, que dá a vida a todas as coisas, e de Jesus Cristo, que deu testemunho perante Pôncio Pilatos numa bela profissão de fé, 14recomendo-te que guardes o mandato, sem mancha nem culpa, até à manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo. 15Esta manifestação será feita nos tempos estabelecidos, pelo bem-aventurado e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, 16o único que possui a imortalidade, que habita numa luz inacessível, que nenhum homem viu nem pode ver. A Ele, honra e poder eterno! Ámen!

    Paulo insiste em recomendar a Timóteo a fidelidade ao «mandato» do Senhor. Que mandato? À profissão de fé feita por Cristo diante de Pôncio Pilatos. Esta fidelidade deve perdurar até à manifestação escatológica de Cristo, que aliás já se verifica na obra redentora que realizada no mundo actual. Ao recordar-se disso, o Apóstolo não resiste e irrompe num hino de louvor (vv. 15s.).
    Ao falar da segunda vinda de Cristo, nas cartas pastorais, Paulo não usa o termo parusia ou "revelação", mas "manifestação", termo também usado para indicar a obra redentora (cf. 2 Tm 1, 10; Tt 2, 11; 3, 4).

    Evangelho: Lucas 8, 4-15

    Naquele tempo, como estivesse reunida uma grande multidão, e de todas as cidades viessem ter com Ele, disse esta parábola: 5«Saiu o semeador para semear a sua semente. Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, foi pisada e as aves do céu comeram-na. 6Outra caiu sobre a rocha e, depois de ter germinado, secou por falta de humidade. 7Outra caiu no meio de espinhos, e os espinhos, crescendo com ela, sufocaram-na. 8Uma outra caiu em boa terra e, uma vez nascida, deu fruto centuplicado.»Dizendo isto, clamava: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça!» 9Os discípulos perguntaram-lhe o significado desta parábola. 10Disse-lhes: «A vós foi dado conhecer os mistérios do Reino de Deus; mas aos outros fala-se-lhes em parábolas, a fim de que, vendo, não vejam e, ouvindo, não entendam.» 11«O significado da parábola é este: a semente é a Palavra de Deus. 12Os que estão à beira do caminho são aqueles que ouvem, mas em seguida vem o diabo e tira-lhes a palavra do coração, para não se salvarem, acreditando. 13Os que estão sobre a rocha são os que, ao ouvirem, recebem a palavra com alegria; mas, como não têm raiz, acreditam por algum tempo e afastam-se na hora da provação. 14A que caiu entre espinhos são aqueles que ouviram, mas, indo pelo seu caminho, são sufocados pelos cuidados, pela riqueza, pelos prazeres da vida e não chegam a dar fruto. 15E a que caiu em terra boa são aqueles que, tendo ouvido a palavra, com um coração bom e virtuoso, conservam-na e dão fruto com a sua perseverança.»

    Lucas transmite-nos abundantes ensinamentos de Jesus em parábolas. Aqui, apresenta-nos a primeira e, para ele, a mais importante: a parábola do bom semeador. Com maior rigor, diríamos: a "parábola da semente". De facto, a atenção do narrador parece concentrar-se, não tanto nos gestos do semeador, mas no destino das sementes lançadas. O começo da parábola leva-nos também nessa linha: «A semente é a palavra de Deus» (v. 11).
    Porque terá Jesus querido marcar o começo do seu ministério público com esta parábola? Já se teria dado conta da dificuldade dos seus contemporâneos em escutar a sua pregação? Parece que sim... Mas a parábola talvez tenha um alcance mais vasto: nos diferentes destinos da semente lançada, podemos entrever, não só os diferentes modos de reacção dos seus ouvintes à sua Palavra, mas também as diferentes atitudes com que, ao longo da história da salvação, a humanidade reagiu e reage à presença das testemunhas de Deus e à sua pregação. Lida assim, a parábola da semente prolonga a sua mensagem ao longo de todos os séculos, antes e depois de Cristo, e chega até nós.

    Meditatio

    Hoje vivemos no meio de um furacão de palavras: publicidade, propaganda, discursos políticos... As nossas mentes são como pedras polidas, que não deixam penetrar a água. E todavia a palavra humana é uma coisa maravilhosa, que leva a vida. A mãe, depois de ter dado a vida física ao filho, dá-lhe outra vida por meio da palavra. É a mãe que, pela sua palavra, desperta a inteligência da criança, faz nascer nela, pouco a pouco, os pensamentos e os afectos. É uma verdadeira maravilha. Mas raramente pensamos nela, tão habituados estamos a escutar palavras humanas que nada dizem, que nada dão.
    Quanto à Palavra de Deus, ela é incomensuravelmente mais rica, porque nos traz a vida divina. Por isso, havemos de estimá-la, de ter fome dela. Ela é fonte de vida, e garantia de vida para nós: «recebei com mansidão a Palavra em vós semeada, a qual pode salvar as vossas almas», escreve Tiago (1, 21). Salvar as almas é o mesmo que salvar a vida.
    A palavra de Jesus purificou os Apóstolos e fê-los seus amigos: «Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (Jo 15, 15). Jesus ouviu a palavra do Pai e transmitiu-a a nós. Esta palavra deu uma vida nova, uma vida na amizade de Deus, no seu amor.
    Não basta, porém, acolher com alegria a Palavra. É preciso permitir-lhe dar fruto em nós pela paciência, pela perseverança. Não basta escutá-la. É preciso guardá-la, não permitir que o inimigo a sufoque em nós. É preciso meditá-la para que nos transforme e renove a nossa vida. A Virgem Maria guardava e meditava a Palavra no seu coração: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra; e o Verbo (a Palavra) fez-se carne». O acolhimento perfeito de Maria, em certo sentido, permitiu à Palavra incarnar para salvação do mundo.
    «Fiéis à escuta da Palavra... somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração e a anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento» (Cst 17).

    Oratio

    Senhor, dá-nos a graça de acolher a tua Palavra de verdade e de paz, depois de a termos reconhecido nos acontecimentos e nas pessoas encontradas nos caminhos da nossa vida. Que, a exemplo de Maria, a saibamos guardar e meditar no coração, para que se torne vida da nossa vida, e para que inspire os nossos pensamentos e sentimentos, o nosso amor para Contigo, a nossa caridade para com os irmãos. Amen.

    Contemplatio

    Os Magos, chegados junto de Nosso Senhor, quiseram testemunhar-lhe o seu amor e a sua dedicação. Abriram os seus tesouros e deram-lhe presentes, ouro, incenso e mirra. Estes dons são explicados de diversas maneiras pela tradição. Não são insondáveis os desígnios de Deu
    s e impenetráveis os seus caminhos? (Rm 11,33). Como as palavras de Nosso Senhor, as suas obras são tesouros inesgotáveis de luz e de graça, de modo que cada fiel pode crer que elas são reguladas e preparadas somente para ele, para o seu estado, para as suas necessidades. Era assim que S. Paulo aplicava pessoalmente a si as graças da Redenção, dizendo: «O Salvador amou-me e entregou-se por mim» (Gl 2,20). A palavra de Deus tem como o maná todos os sabores, responde aos gostos e às necessidades de cada um. (Leão Dehon, OSP 3, p. 32).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Recebei com mansidão a Palavra em vós semeada» (Tg 1, 21).

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