Eventos Abril 2025

  • Terca-feira - 4ª Semana da Quaresma

    Terca-feira - 4ª Semana da Quaresma

    1 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 47, 1-9.12

    Naqueles dias, o Anjo reconduziu-me à entrada do templo. Debaixo do limiar da porta saía água, em direcção ao Oriente, pois a fachada do templo estava voltada para o Oriente. As águas corriam da parte inferior, do lado direito do templo, ao sul do altar. O Anjo fez-me sair pela porta setentrional e contornar o templo por fora, até à porta exterior, que está voltada para o Oriente. As águas corriam do lado direito. Depois saiu na direcção do Oriente com uma corda na mão; mediu mil côvados e mandou-me atravessar: a água chegava-me aos tornozelos. Mediu outros mil côvados e mandou-me atravessar: a água chegava-me aos joelhos. Mediu ainda mil côvados e mandou-me atravessar: a água chegava-me à cintura. Por fim, mediu mais mil côvados: era uma torrente que eu não podia atravessar. As águas tinham aumentado até se perder o pé, formando um rio impossível de transpor. Disse-me então o Anjo: «Viste, filho do homem?» E fez-me voltar para a margem da torrente. Quando cheguei, vi nas margens da torrente uma grande quantidade de árvores, de um e outro lado. O Anjo disse-me: «Esta água corre para a região oriental, desce até Arabá e entra no mar, para que as suas águas se tornem salubres. Em toda a parte aonde chegar esta torrente, todo o ser vivo que nela se move terá novo alento e o peixe será muito abundante. Porque aonde esta água chegar, tornar-se-ão sãs as outras águas e haverá vida por toda a parte aonde chegar esta torrente. À beira da torrente, nas duas margens, crescerá toda a espécie de árvores de fruto: a sua folhagem não murchará, nem acabarão os seus frutos. Todos os meses darão frutos novos, porque as águas vêm do santuário. Os frutos servirão de alimento e as folhas de remédio».

    Numa terra árida, como a Palestina, uma nascente era vista como verdadeira bênção de Deus e símbolo do seu poder. Por isso, muitas vezes, construía-se junto dela um templo. O profeta Ezequiel contempla uma fonte que brota dos fundamentos do próprio templo e corre para Oriente, por onde entrara a Glória do Senhor para morar no meio do povo regressado do exílio. A nascente deu origem, primeiro a uma pequena corrente de água, nada comparável aos grandes rios da Mesopotâmia, que os exilados tinham contemplado. Mas, pouco a pouco, a corrente engrossa até se tornar um rio navegável. Ezequiel é convidado a experimentar no seu corpo a grandeza e a força da torrente, bem como a sua fecundidade e eficácia: ela torna verdejante o deserto e salubre o Mar Morto que se enchem de vida. E surge uma época de prosperidade.

    Esta visão profética realiza-se em Jesus, verdadeiro templo, de cujo Lado aberto jorra a água viva do Espírito (cf. Jo 7, 38; 19, 34).

    Evangelho: João 5, 1-3a.5-16

    Naquele tempo, por ocasião de uma festa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém. Existe em Jerusalém, junto à porta das ovelhas, uma piscina, chamada, em hebraico, Betsatá, que tem cinco pórticos. Ali jazia um grande número de enfermos, cegos, coxos e paralíticos. Estava ali também um homem, enfermo havia trinta e oito anos. Ao vê-lo deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, Jesus perguntou-lhe: «Queres ser curado?» O enfermo respondeu-Lhe: «Senhor, não tenho ninguém que me introduza na piscina, quando a água é agitada; enquanto eu vou, outro desce antes de mim». Disse-lhe Jesus: «Levanta-te, toma a tua enxerga e anda». No mesmo instante o homem ficou são, tomou a sua enxerga e começou a caminhar. Ora aquele dia era sábado. Diziam os judeus àquele que tinha sido curado: «Hoje é sábado: não podes levar a tua enxerga». Mas ele respondeu-lhes: «Aquele que me curou disse-me: ‘Toma a tua enxerga e anda’». Perguntaram-lhe então: «Quem é que te disse: ‘Toma a tua enxerga e anda’». Mas o homem que tinha sido curado não sabia quem era, porque Jesus tinha-Se afastado da multidão que estava naquele local. Mais tarde, Jesus encontrou-o no templo e disse-lhe: «Agora estás são. Não voltes a pecar, para que não te suceda coisa pior». O homem foi então dizer aos judeus que era Jesus quem o tinha curado. Desde então os judeus começaram a perseguir Jesus, por fazer isto num dia de sábado.

    Jesus, salvação de Deus, passa por entre os doentes e deficientes que se acumulam à volta da piscina, junto à Porta da Ovelhas, em Jerusalém. Dá especial atenção a um homem que ali jaz paralítico há 38 anos e faz-lhe uma pergunta aparentemente óbvia: «Queres ficar são;», Mas a pergunta, e a ordem que se segue, são suficientes para que este homem, que talvez já nada esperava da vida, se reanime, se erga, volte a agarrar na vida com coragem e até dê testemunho de Cristo àqueles que teimavam em permanecer paralisados na interpretação literal da Lei. Enquanto o paralítico quis ser curado, os adversários de Jesus não quiseram deixar-se curar da sua cegueira e rigidez, passando a uma aberta hostilidade.

    Ao encontrar, mais tarde, no templo, o doente curado, Jesus dirige-lhes palavras de grande exigência, dando-lhe a entender que o pecado e as suas consequências são algo de pior que 38 anos de paralisia. Há que deixar-se curar completamente dos males do corpo, mas também do mal da alma. É uma opção a fazer livremente cada dia: deixar-se curar e não pecar.

    Meditatio

    As leituras de hoje falam-nos ambas de água que cura. O Evangelho diz-nos que Jesus é o verdadeiro médico e o verdadeiro remédio para os nossos males. A água é apenas símbolo da sua graça.

    Os Padres da Igreja reconheceram no templo, de que nos fala a visão de Ezequiel, o verdadeiro Templo que é Jesus de Lado aberto e Coração trespassado na cruz, donde jorram sangue e água, símbolos do Espírito que dá a vida. Ezequiel contempla o templo, de cujo lado direito, brota a água prodigiosa que leva a vida e a fecundidade ao deserto e ao próprio Mar Morto. Este mar tem água. Mas é uma água que não permite a vida, porque saturada de sal. Pelo contrário, a água que vem do Templo, é viva e gera vida, porque é pura.

    É a transformação que o Espírito de Deus realiza em nós e nas nossas comunidades, quando O acolhemos e nos abrimos à sua acção. Em cada um de nós, e nas nossas comunidades, há um «Mar Morto», um espaço de amargura, de preconceitos, de egoísmo que tornam difíceis as nossas relações e estéril o nosso apostolado. Só o Espírito Santo nos pode transformar. No baptismo recebemos o Espírito Santo, como uma pequena fonte, que há-de ir crescendo, à medida que nos abrimos a Ele e colaboramos na sua acção, até se tornar em nós uma torrente capaz de transformar a nossa vida e de tornar fecundo o nosso apostolado.

    o Evangelho fala-nos do paralítico que, havia 38 anos, esperava junto à piscina uma oportunidade para entrar nela e ser curado. Como ele, muitos dos nossos irmãos jazem impotentes nas margens da esperança, desiludidos de tudo, talvez até da religião e, por isso, incapazes de mergulharem na vida. São estes homens e mulheres do nosso tempo que Cristo vem procurar, onde quer que estejam, paralisados pelo sofrimento, pelo pecado e pelas circunstâncias da vida. Também a eles, Jesus pergunta: «Queres ficar são;». Parece uma pergunta desnecessária. Mas Jesus sabe que é a resposta pessoal que renova e faz sentir a cada um a sua dignidade humana, a sua liberdade e responsabilidade. Perante a resposta do paralítico, Jesus diz-lhe simplesmente: «Levanta-te, toma a tua enxerga e anda». O poder da Palavra de Deus dispensa os ritualismos ou o uso de águas medicinais. A Palavra de Deus cura, rompe cadeias, liberta. Liberta o corpo e liberta o espírito, porque há paralisias bem piores do que as corporais, que tolhem o coração no pecado. A Igreja, por vontade de Cristo, dispõe da Palavra e da graça que brotaram do seu Lado aberto na cruz, para as distribuir aos homens, sobretudo no Baptismo, na Eucaristia e nos outros sacramentos.

    Abramo-nos ao dom do Espírito Santo, invoquemo-I' O e demos-Lhe lugar nos nossos diálogos comunitários. Experimentemos os seus saborosos frutos: a caridade, a paz, a alegria, a bondade, a benevolência, a mansidão, etc. Não só pessoalmente, mas também comunitariamente.

    Estamos convencidos de que a realidade escatológica dos "novos céus' e da "nova terra", onde "habita a justiça" (2 Pe 3, 13), obra do Espírito que tudo renova, pode ser uma realidade actual, antecipada, a nível pessoal, mas também a nível comunitário.

    Tudo depende se damos ou não a Deus a possibilidade de realizar em nós a profecia de Ezequiel: "Dar-vos-ei um coração novo' (36, 26); Jesus manso e humilde de coração, dá-me o Teu coração (cf. n. 3)! "Infundirei em vós um espírito novo' (36, 26): "Vem, Espírito Santo ... " (cf. nn. 3.11.23.42.57).

    Oratio

    Vem, Senhor Jesus! Vem procurar o homem que jaz deprimido e doente, desesperado pelo pecado, que o domina e que lhe tolhe todo o movimento. Vem também procurar-me a mim. Aproxima-te de todos e de cada um de nós, para que possamos ouvir a tua pergunta: «Queres ficar são;». Vem mergulhar-nos no profundo abismo do teu amor misericordioso, capaz de tudo renovar, recriar e tornar fecundo. Renova em cada um de nós a graça do baptismo, para que a viva fielmente, em conformidade com os dons recebidos. Dá a água das lágrimas da penitência para que seja purificado. Então, liberto do pecado que me paralisa, poderei caminhar na tua presença e correr ao encontro dos meus irmãos para lhes anunciar o teu amor que redime e salva. Amen.

    Contemplatio

    E saiu sangue e água, diz S. João. O ferro ao retirar-se deixou jorrar uma dupla fonte de sangue e de água, na qual os Padres da Igreja viram o símbolo desta outra maravilha de amor, os sacramentos, canais preciosos da graça da salvação. - Rio de água que, no santo baptismo e no banho da penitência, lava a alma da mácula original; rio de sangue que cai todas as manhãs nos cálices dos altares, para se expandir pelo mundo fora, consolar a Igreja sofredora do Purgatório e reanimar a Igreja que combate sobre a terra; rio refrescante, onde o coração, ressequído pelos trabalhos e pelas tentações, vai saciar-se de piedade, de caridade e de santa alegria.

    Senhor, concedei-me beber desta água e deste sangue, para não mais tenha esta sede doentia das coisas do mundo que me tortura, e que eu seja inebriado pelo vosso amor (Leão Dehon, OSP 3, p. 367s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Dá-me, Senhor, a alegria da salvação. (SI 50, 14a):

  • Quarta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    Quarta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    2 de Abril, 2025

    Lectio
    Primeira leitura: Isaías 49, 8-15

    8 Eis o que diz o Senhor: «Eu respondi-te no tempo da graça, e socorri-te no dia da salvação. Defendi-te e designei-te como aliança do povo, para restaurares o país e repartires as heranças devastadas, "per» dizeres aos prisioneiros: 'Saí da prisão!' E aos que estão nas trevas: 'Vinde à luz!' .Ao longo dos caminhos encontrarão que comer, e em todas as dunas arranjarão alimento. 10 Não padecerão fome nem sede, e não os molestará o vento quente nem o sol, porque o que tem compaixão deles os guiará, e os conduzirá em direcção às fontes. 11 Transformarei os meus montes em caminhos planos, e as minhas estradas serão alteadas. 12Vede como eles chegam de longe! Uns vêm do Norte e do Poente, e outros, da terra de Siene.» 13Cantai, Ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Prorrompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo, e se compadece dos desamparados. 14 Sião dizia: «O Senhor abandonou­-me, o meu dono esqueceu-se de mim.» 15Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria.

    Deus dá nova coragem ao seu Servo experimentado pelo sofrimento e dilata os confins da sua missão a toda a terra. A sua primeira acção consistirá na libertação dos Israelitas do Egipto, porque chegou o tempo da misericórdia, o dia da salvação (v. 8). Deus entra no curso da história humana para a transformar. O Servo é como Moisés: mediador da Aliança. Como Josué, restaurará e redistribuirá a terra. Será o arauto de um novo êxodo, que será çulado pelo próprio Senhor. Os exilados enchem-se de esperança.

    A partir do v. 12, o profeta contempla de Jerusalém o povo que regressa à pátria, vindo de Babilónia e de outras paragens onde andava disperso. O próprio universo exulta e entoa hinos ao Senhor que «se compadece dos desamparados». O seu amor é semelhante ao de uma mãe pelos seus filhos: um amor cheio de ternura e profundidade, um amor visceral. O nosso Deus não é um deus longínquo, um juiz implacável. É um Deus próximo e solícito.

    Evangelho: João 5, 17-30

    17 Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: «O meu Pai continua a realizar obras até agora, e Eu também cominuo!» 18 Perante isto, mais vontade tinham os judeus de o matar, pois não só anulava o Sábado, mas até chamava a Deus seu próprio Pai, fazendo-se assim igual a Deus. 19 Jesus tomou, pois, a palavra e começou a dizer-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pai, pois aquilo que este faz também o faz igualmente o Filho. 20 De facto, o Pai ama o Filho e mostra-lhe tudo o que Ele mesmo faz; e há-de mostrar-­lhe obras maiores do que estas, de modo que ficareis assombrados. 21 Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho faz viver aqueles que quer. 220 Pai, aliás, não julga ninguém, mas entregou ao Filho todo o julgamento, 23para que todos honrem - o Filho como honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou. 24 Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não é sujeito a julgamento, mas passou da morte para a vida. 25 Em verdade, em verdade vos digo: chega a hora - e é já - em que os mortos hão-de ouvir a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão, 26 pois, assim como o Pai tem a vida em si mesmo, também deu ao Filho o poder de ter a vida em si mesmo; 27 e deu-lhe o poder de fazer o julgamento, porque Ele é Filho do Homem. 28 Não vos assombreis com isto: é chegada a hora em que todos os que estão nos túmulos hão-de ouvir a sua V04 29 e sairão: os que tiverem praticado o bem, para uma ressurreição de vida; e os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de condenação. 30 Por mim mesmo, Eu não posso fazer nada: conforme ouço, assim é que julgo; e o meu julgamento é justo, porque não busco a minha vontade, mas a daquele que me enviou.»

    Aos judeus, que O perseguem por curar em dia de sábado, Jesus revela a sua identidade de Filho de Deus, e coloca-se acima da Lei. Segundo especulações judaicas, de que encontramos vestígios no v. 17, o repouso sabático dizia respeito à obra criadora de Deus, mas não à permanente actividade pela qual incessantemente dá a vida e julga. Nos vv. 19-30, Jesus mostra que se conforma em tudo ao agir de Deus: «o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pap> (v. 19). Esta afirmação surge novamente no v. 30, revelando o sentido de todo o texto. A total unidade de acção entre o Pai e o Filho resulta da total obediência do Filho, que ama o Pai e partilha do seu amor pelos homens pecadores. O Pai doa ao Filho o que só a Ele pertence, o poder sobre a vida e a autoridade no juízo (vv. 21 s.). Esta íntima relação entre o Pai e o Filho pode alargar-se aos homens pela escuta obediente da palavra de Jesus.

    Meditatio

    Deus fez do seu Servo, que é Jesus Cristo, sinal e instrumento de aliança com o seu povo: «designei-te como aliança do povo». Esta afirmação permite-nos penetrar mais profundamente no mistério de Cristo. Em primeiro lugar, leva-nos a contemplar a sua união com o Pai. Jesus é o Filho muito amado, que contempla tudo quanto o Pai faz, para também Ele o fazer: «o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pai, pois aquilo que este faz também o faz igualmente o Filh(J». O Filho de Deus veio ao mundo, não para fazer a sua vontade, mas a vontade do Pai: «porque não busco a minha vontade, mas a daquele que me enviou». Por isso, Jesus é imagem viva, activa, do Pai: «O meu Pai continua a realizar obras até agora, e Eu também continuo», Porque está perfeitamente unido ao Pai, Jesus Cristo pode ser aliança para o povo. Como Filho muito amado do Pai, vem convidar todos os homens para a festa da vida. A ninguém é negado esse convite. O único abandonado é precisamente o Filho muito amado, que um Amor maior entrega à morte para a todos dar a vida.

    Intimamente unido ao Pai, o Filho fez-Se solidário connosco e veio revelar-nos o amor misericordioso de Deus. Jesus Cristo é aliança de Deus connosco para nos dar a vida. Transmite-nos a palavra de Deus para nos transmitir a vida de Deus: «assim como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho faz viver aqueles que quer», Os mortos são os que vivem em pecado, porque, desligados de Deus, não têm em si a vida divina e não podem amar a Deus nem aos irmãos. Só a Palavra de Deus, que revela o amor o seu amor misericordioso, comunica a vida e dá capacidade para amar.

    O evangelho de hoje revela-nos que, para estarmos unidos a Deus, precisamos de estar unidos a Cristo. É permitindo e realizando essa união com o Pai que Cristo se revel
    a aliança de Deus para nós.

    O Pe. Dehon vivia uma profunda união com Deus, através da união a Cristo, já desde os primeiros anos de seminário, em Roma. "Bem depressa Nosso Senhor tomou conta da minha alma. Colocou as disposições que deviam ser a nota dominante da minha vida, apesar das mil e uma faltas: devoção ao Seu Divino Coração, humildade, conformidade com a sua vontade, união a Ele, vida de amor. Este devia ser o meu ideal e a minha vida para sempre. Nosso Senhor mostrava-mo, reconduzia-me sem descanso e assim me preparava para a missão que me destinava para a obra do seu Coração"( NHV IV, p. 183). Esta profunda união com Deus, por Cristo, levou-o a uma grande solidariedade com os irmãos, especialmente com os que viviam em maiores dificuldades. É o que nos pedem também as nossas Constituições: "A nossa união com Cristo" (Cst. 18), "no seu amor pelo Pai e pelos homens" (Cst. 17) manifesta-se, não só "na escuta da Palavra e na partilha do Pão" (Cst. 17), mas também "na disponibilidade e no amor para com todos" (Cst. 18).

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu és verdadeiramente Aquele em Quem encontramos o Pai. Mas és também Aquele em Quem encontramos os irmãos e as irmãs. Só em Ti os podemos amar de verdade. Por isso, queremos permanecer em Ti, especialmente neste tempo da Quaresma, quando já se aproxima a celebração do teu mistério pascal. Várias vezes, durante o dia, queremos penetrar no teu Coração para nele bebermos o amor ao Pai e o amor aos irmãos. Tu és a nossa aliança, a nova e eterna aliança que o Pai nos oferece. Queremos viver em Ti. Amen.

    Contemplatio

    É nas meditações dos sofrimentos de Nosso Senhor que havemos de retirar as forças necessárias para seguirmos os exemplos de abandono que Ele deu na sua vida de menino. O desejo de nos unirmos aos seus sofrimentos adoça as penas que podemos encontrar na imolação de nós mesmos. Estas penas, unimo-Ias à sua imolação do Calvário e são um meio de nos associarmos à sua dolorosa Paixão. Esta união de intenção é-lhe muito agradável. O amor com o qual a fazemos aumenta o seu valor aos seus olhos.

    O seu amor é assim um meio de suportar todas as provações pelas quais devemos passar, de aligeirar e mesmo de transformar em alegrias tudo o que sem isto seria mágoa ou amargura.

    Somos flagelados com ele, quando lhe oferecemos amorosamente as mortificações da carne e as humilhações do orgulho. Somos coroados de espinhos, quando unimos amorosamente aos seus sofrimentos todas as contrariedades que provamos. Caminhamos com Ele na via dolorosa do Calvário, quando seguimos, unidos a Ele pelo amor, as vias onde lhe apraz fazer-nos passar. Somos pregados à cruz com Ele quando unimos à sua crucifixão as situações penosas ou dolorosas nas quais lhe apraz colocar os seus amigos. Agonizamos com Ele sobre a cruz, quando unimos às suas penas as angústias de uma situação na qual quer que nos encontremos.

    Quem quer que ama passa por provações. É preciso sofrer estas provações com Ele, em união com os sofrimentos da sua Paixão. A união de amor identifica de algum modo os nossos sofrimentos com os de Jesus. Mas não é necessário para isso que experimentemos dores semelhantes às suas. São-lhe sempre semelhantes quando são generosamente aceites e oferecidas em união com as suas.

    Mas esta união pede o recolhimento habitual, a recordação constante das bondades de Nosso Senhor e do seu amor e uma doce intimidade habitual com Ele.

    Nosso Senhor fala desta união que lhe é cara quando diz: Aquele que faz (por amor para com o meu Pai e por mim) a vontade do meu Pai celeste (e a minha) esse é meu irmão, e minha irmã e minha mãe (Leão Dehon, OSP 3, p. 254s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Lembrai-vos, Senhor, do vosso amor» (SI 24, 6a).

  • Quinta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    Quinta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    3 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Êxodo 32,7-14

    7 O Senhor disse a Moisés: «Vai, desce, porque o teu povo, aquele que tiraste do Egipto, está pervertido. 8 Desviaram-se bem depressa do caminho que lhes prescrevi. Fizeram um bezerro de metal fundido, prostraram-se diante dele, ofereceram-lhe sacrifícios e disseram: «Israel, aqui tens o teu deus, aquele que te fez sair do Egipto.» 90 Senhor prosseguiu: «Vejo bem que este povo é um povo de cerviz dura. 10 Agora, deixa-me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruí-Ios-ei. Mas farei de ti uma grande nação.» 11 Moisés implorou ao Senhor, seu Deus, dizendo-­lhe: «Porquê, Senhor, a tua cólera se inflamará contra o teu povo, que fizeste sair do Egipto com tão grande poder e com mão tão poderosa? 12Não é conveniente que se possa dizer no Egipto: 'Foi com má intenção que Ele os fez sair, foi para os matar nas montanhas e suprimi-los da face da Terra!' Não te deixes dominar pela cólera e abandona a decisão de fazer mal a este povo. 13 Recorda-te de Abraão, de Isaac e de Israel, teus servos, aos quais juraste por ti mesmo: tornarei a vossa descendência tão numerosa como as estrelas do céu e concederei à vossa posteridade esta terra de que falei, e eles hão-de recebê-Ia como herança eterna.» 14 E o Senhor arrependeu-se das ameaças que proferira contra o seu povo.

    Havia pouco que Deus estabelecera aliança com Israel, e a confirmara com uma solene promessa (cf. Ex 24, 3). Moisés ainda estava no monte Sinai, onde recebia das mãos de Deus às tábuas da Lei, documento base dessa aliança. Entretanto, o povo caía na idolatria, adorando o bezerro de ouro, obra das suas mãos, como se fosse o Deus que o tirara Egipto (v. 8). Deus, acende-se em ira e informa Moisés do sucedido (v. 7): a aliança fora quebrada. Deus quer repudiar Israel, apanhado em flagrante adultério, e começar uma nova história cheia de esperanças (v. 10) com Moisés, que permanecera fiel. Mas Moisés, que recebera a missão de guiar Israel à terra prometida, não abandona o seu povo, não cede à tentação de pensar apenas em si mesmo. Como Abraão, diante da cidade pecadora (cf. Gn 18), Moisés intercede pelo povo pecador. Procura «acalmar» a justa ira de Deus, fazendo uma certa «chantagem» (cf. v. 12) e recordando-Lhe as promessas feitas aos antigos patriarcas. A sua oração toca o coração de Deus. As características antropomórficas, com que Deus é descrito neste episódio, atestam a antiguidade deste texto.

    Evangelho: João 5, 31-47

    Naquele tempo, disse Jesus aos judeus . .31 «Se Eu testemunhasse a favor de mim próprio, o meu testemunho não teria valor, 2 há outro que testemunha em favor de mim, e Eu sei que o seu testemunho, favorável a mim, é verdadeiro.33Vós enviastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade. 34 Não é porém, de um homem que Eu recebo testemunho, mas digo-vos isto para vos salvardes.35João era uma lâmpada ardente e luminosa, e vós, por um instante, quisestes alegrar-vos com a sua luz. 36 Mas tenho a meu favor um testemunho maior que o de João, pois as obras que o Pai me confiou para levar a cabo, essas mesmas obras que Eu faço, dão testemunho de que o Pai me enviou. 37 E o Pai que me enviou mantém o seu testemunho a meu favor. Nunca ouvistes a sua VO-4 nem vistes o seu rosto, 38 nem a sua palavra permanece em vó~ visto não crerdes neste que Ele enviou. 39 Investigai as Escrituras, dado que julgais ter nelas a vida eterna: são elas que dão testemunho a meu favor. 40 Vós, porém, não quereis vir a mim, para terdes a vtdet" Eu não ando à procura de receber glória dos nomens:". a vós já vos conheço, e sei que não há em vós o amor de Deus. 43 Eu vim em nome de meu Pai, e vós não me recebeis; se outro viesse em seu próprio nome, a esse já o receberíeis. 44Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns dos outros. e não procurais a glória que vem do Deus único?5Não penseis que Eu vos vou acusar diante do Pai; há quem vos acuse: é Moisés, em quem continuais a pôr a vossa esperança. 46 De facto, se acreditásseis em Moisés talvez acreditásseis em mim, porque ele escreveu a meu respeito. 47 Mes, se vós não acreditais nos seus escritos, como haveis de acreditar nas minhas palavras?»

    Jesus continua a responder aos Judeus. O discurso apologético vai endurecendo. Aumenta gradualmente a separação entre o «eu» de Jesus e o «vós» dos adversários. O texto marca o culminar do processo intentado por Deus contra o seu povo predilecto, mas obstinadamente rebelde, cego e surdo.

    Jesus apresenta quatro testemunhos que deveriam levar os seus ouvintes a reconhecê-lo como Messias, enviado pelo Pai, como Filho de Deus: as palavras de João Baptista, homem enviado por Deus; as obras que ele mesmo realizou por mandado de Deus; a voz do Pai; e, finalmente, as Escrituras. Estes testemunhos, na sua diversidade, têm duas características que os unem: por um lado, em resposta à acusação de blasfémia dirigida contra Jesus pelos Judeus, remetem para o agir salvífico de Deus; por outro lado, elas não dizem nada de realmente novo.

    Os Judeus estão sob processo porque não procuram a «a glória que vem do Deus úma» (v. 44), mas tomam a glória uns dos outros. Caíram, assim, numa cegueira radical, interior. Agarrados à Lei, recusam o Espirito. Jesus revela-lhes o risco que correm e avisa-os: pensam alcançar a vida eterna perscrutando os escritos de Moisés, mas são esses mesmos escritos que os acusam. O intercessor deverá tornar-se seu acusador? O texto termina convidando cada um a examinar a autenticidade e a verdade da própria fé.

    Meditatio

    O povo de Israel, revela uma memória curta. Foi libertado por Deus, no meio de prodígios e celebrou livremente a aliança com o Senhor. Mas, logo que sobrevieram novas dificuldades, esqueceu-se de tudo e caiu na idolatria. Assim pode acontecer também connosco. Mas o verdadeiro crente não abandona a Deus, quando surgem dificuldades, como se fosse Ele a causá-Ias. Pelo contrário, continua a sentir-se dependente de Deus, ligado a Ele e, como Moisés, não desiste de orar por si e de interceder pelos irmãos. A oração de intercessão revela maturidade na fé. O crente adulto na fé vê as provações dos irmãos como suas. Por isso reza por eles, faz-se intercessor universal, disposto a carregar sobre si as fraquezas dos outros, e a sofrer para que possam ser aliviados. Foi a atitude de Moisés; será a atitude de Jesus.

    Ao reagir contra o pecado do povo, Deus diz a Moisés: «a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destru-tos-ei Mas farei de ti uma grande nação. (v. 10). O povo pecou e merecia ser destruído. Mas os desígnios de Deus deviam cumprir. Por isso, propõe a Moisés tornar-se pai de um novo povo. Moisés recusa a proposta de Deus e implora:
    «Não te deixes dominar pela cólera e abandona a decisão de fazer mal a este pOV(J» (v. 12). Mais adiante faz ele uma proposta a Deus: «perdoa-lhes este pecado, ou então apaga-me do livro que escreveste (Ex 32, 32), isto é, destrói-me também a mim. Moisés solidarizou-se completamente com o seu povo, para alcançar de Deus a salvação do seu povo.

    Tudo isto se realiza de modo completamente inesperado no mistério de Cristo.

    Na morte de Cristo, Deus destrói o povo. A morte de Cristo é destruição do mundo antigo, do homem velho, como escreve S. Paulo. Mas não é apenas destruição, porque a morte do Senhor leva à ressurreição. Jesus é, pois, o novo Moisés que aceita morrer com o povo e pelo povo, mas é também o novo Moisés, pai de uma nova grande nação. A palavra de Deus, «farei de ti uma grande nsçãt», realiza-se na ressurreição de Cristo. De modo imprevisível, as Escrituras dão testemunho da ressurreição de Cristo.

    Lemos nas Constituições: «Unidos à acção de graças e à intercessão de Cristo, somos chamados a colocar toda a nossa vida ao serviço da Aliança de Deus com o seu Povo» (n. 84). A nossa vida oferecida a Deus, para sua glória, e para o serviço dos irmãos, e uma atitude de perdão e de súplica pelos pecadores, são um óptimo testemunho de Deus-Amor, que não se demonstra com teorias, mas que transparece na vida daqueles em cujos corações habita.

    Oratio

    Senhor Jesus, que Te manifestas como Filho de Deus, realizando as suas obras, tem piedade de nós. Acolhe-nos no teu Coração misericordioso e dá-nos a vida. Tu, que és a testemunha fiel e verdadeira do Pai, faz-nos ouvir a sua voz. Filho obediente do Pai, faz-nos recordar a paixão eu sofreste por nós, e a descobri-Ia naqueles que continuam a vivê-Ia no corpo e na alma. Filho inocente do Pai, intercede por nós pecadores e permite-nos solidarizar-nos Contigo nessa intercessão. Queremos ir a Ti para termos a vida, a Ti que és a presença incarnada de Deus-misericórdia. Amen.

    Contemplatio

    «Nada resistirá às vossas orações, diz-nos Nosso Senhor, porque vou para o meu Pai, para ser vosso protector, vosso intercessor e vosso advogado, e tudo o que pedirdes ao meu Pai em meu nome, fá-lo-eí, ve-lo hei-de conceder, para que o meu Pai seja glorificado no seu Filho; e o que lhe pedirdes em meu nome, fá-lo-eí».

    As minhas orações serão, portanto, atendidas, se forem feitas no nome de Jesus, com uma intenção pura e uma vontade conforme aos seus desígnios.

    Tenho muito que rezar, pelo Igreja, pela minha pátria, pela minha família, pelas alas, por todos os interesses da glória de Deus, e rezo, mas quão fracamente! Não sei fazer valer os méritos de Nosso Senhor. A minha fé é demasiado superficial, não sei mergulhar nos tesouros do Coração de Jesus, para comprar as graças de que tenho necessidade.

    Tenho feito valer bem nas minhas orações, o sangue de Jesus, as suas lágrimas, as suas chagas, as orações das suas vigílias e da sua agonia?

    Não estou suficientemente penetrado do valor destes tesouros, porque as minhas orações e meditações são frias e distraídas.

    «O que pedirdes na oração, com fé, diz Nosso Senhor, haveis de obter». É a vida de oração, é a união ao Coração de Jesus, é o amor ardente por Nosso Senhor e a justa apreciação dos seus méritos, que hão fecundar as minhas orações (Leão Dehon, OSP 3, p. 450s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Eu vim em nome de meu Pai» (Jo 5, 43a).

     

  • Sexta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    Sexta-feira - 4ª Semana da Quaresma

    4 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Sabedoria 2, la.12-22

    1 Dizem os ímpios, nos seus falsos raciocínios:«Breve e triste é a nossa vida, não há remédio algum quando chega a morte. E também não se conhece ninguém que tenha regressado do mundo dos mortos. 12 Armemos laços ao justo porque nos incomoda, e se opõe à nossa forma de actuar. Censura-nos as transgressões da Lei, acusa-nos de sermos infiéis à nossa educeçõo," Ele afirma ter o conhecimento de Deus e chama-se a si mesmo filho do Senhori'" Ele tornou-se uma viva censura para os nossos pensamentos; só o acto de o vermos nos incomoda, 15 pois a sua vida não é semelhante à dos outros e os seus caminhos são muito diferentes.16 Ele considera-nos como escória e afasta-se dos nossos caminhos como de imundícies. Declara feliz a sorte final do justo e gloria-se de ter a Deus por pai. 17 Vejamos, pois, se as suas palavras são verdadeiras, e que lhe acontecerá no fim da vida. 18 Porque, se o justo é filho de Deus, Deus há-de ampará-lo e tirá-lo das mãos dos seus adversários. 19 Provemo-lo com ultrajes e torturas para avaliar da sua paciência e comprovar a sua resistência. 20 Condenemo-lo a uma morte infame, pois, segundo ele diz, Deus o protegerá.» 21Estes são os seus pensamentos, mas enganam-se porque os cega a sua malícia. 22 Ignoram os desígnios secretos de Deus, não esperam a recompensa da piedade e não acreditam no prémio reservado às almas simples.

    o autor sagrado, depois de ter convidado a uma vida segundo a justiça (cf. Sab 1, 1-15), dá a palavra aos ímpios que expõem a sua «filosofia»: a vida deve ser vivida na busca frenética do prazer, eliminando - não importa com que violência - tudo o que for obstáculo a esse prazer. Trata-se de uma filosofia errada, de «falsos reaoamos» (v. 1), fruto da ignorância, pois «ignoram os desígnios secretos de DeU9> (v. 22).

    Os ímpios de que fala o texto são presumivelmente os hebreus apóstatas da comunidade de Jerusalém que, aliados aos pagãos, perseguem os irmãos que permaneceram fiéis a Deus e à aliança. A sua forma de vida é insuportável: armam ciladas, insultam e condenam à morte, desafiando o próprio Deus (cf. v. 18; v. 20).

    O «resto» de Israel vive a sua paixão e profetiza a do Messias. É Jesus o verdadeiro justo, o Filho predilecto, o manso posto à prova, escarnecido (v. 19) e condenado a uma morte infame (v. 20). É Ele, sobretudo que, tendo posto toda a confiança no Pai, ressurge do abismo da morte. A esperança do Antigo Testamento adquire uma dimensão inesperada, e ultrapassa toda a «profecia»: pelo mérito de um só, todos são tornados «justos», desde que estejam abertos à graça.

    Evangelho: João 7, 1-2.25-30

    Naquele tempo, Jesus continuava pela Galileia, pois não queria andar pela Judeia, visto que os judeus procuravam metá-ta/Estev» próxima a festa judaica das Tendas. 10Contudo, depois de os seus irmãos partirem para a festa, Ele partiu também, não publicamente, mas quase em segredo. 25 Então, alguns de Jerusalém comentavam: «Não é este a quem procuravam, para o matar?6Vede como Ele fala livremente e ninguém lhe diz nada! Será que realmente as autoridades se convenceram de que Ele é o Messias?7Mas nós sabemos donde Ele ~ ao passo que, quando chegar o Messias, ninguém saberá donde vem.»28Entretanto, Jesus, ensinando no templo, bradava: «Então sabeis quem Eu sou e sabeis donde venho?! Pois Eu não venho de mim mesmo; há um outro, verdadeiro, que me enviou, e que vós não conheceis. 29 Eu é que o conheço, porque procedo dele e foi Ele que me enviou.»30Procuravam, então, prendê-lo, mas ninguém lhe deitou a mão, pois a sua hora ainda não tinha chegado.

    Jesus não é um provocador. Mas a sua pessoa suscita interrogações e inquietações crescentes nos seus contemporâneos, enquanto os chefes Judeus, movidos pela sua aversão, decidem rnatá-lO (v. 1b). Jesus aguarda serenamente a hora do Pai. Não foge, mas também não apressa os tempos. Evita a Judeia e, quando decide subir a Jerusalém, fá-lo «quase em searedo. (v. 24). Mas é rapidamente reconhecido e logo as opiniões se dividem, agora sobre a sua messianidade. Para alguns, membros de círculos apocalípticos, se Jesus vem de Nazaré, não é mais do que um impostor (vv. 26s.) pois, para eles, «quando chegar o Messias, ninguém saberá donde vem» (v. 27). Entretanto, Jesus sabia bem donde vinha. Por isso, «bradava», proclamando de modo solene e autorizado: «Eu não venho de mim mesmo; há um outro, verdadeiro, que me enviou, e que vós não conheceis. Eu é que o conheço, porque procedo dele e foi Ele que me enviou» (vv. 28-29). Com subtil ironia, afirma que a sua origem é efectivamente desconhecida dos que julgam saber muito e, por isso, não o reconhecem como enviado de Deus. Estas palavras ecoam nos ouvidos dos adversários como ironia, insulto e blasfémia. Tentam apoderar-se d ' Ele, mas não conseguem, pois é Ele o Senhor do tempo e das circunstâncias. Submeteu-se totalmente aos desígnios do Pai, e a sua hora ainda não tinha chegado.

    Meditatio

    João gosta de jogar com os símbolos. No seu evangelho, os pormenores têm sempre um valor simbólico. É o caso da conjura contra Jesus colocada poucos dias antes da festa dos Tendas. Nesta festa, agradecia-se a Deus pelas colheitas, mas também se recordavam os 40 anos de caminhada no deserto. Construíam-se tendas mesmo em Jerusalém. Muitos retiravam-se nelas para meditarem. Era um regresso simbólico ao deserto.

    A controvérsia referida por João situa-se na vigília deste tempo propício à meditação. É como que um último esforço, feito por Jesus, para levar os seus adversários a meditarem sobre a sua pessoa e sobre as «obras» por Ele realizadas. Não resultou em relação aos judeus. Julgam conhecer a Jesus e saber tudo sobre Ele. Na verdade, não sabem. Jesus aproveita a ocasião para Se manifestar mais claramente: «Eu não venho de mim mesmo; há um outro, verdadeiro, que me enviou, e que vós não conheceis. Eu é que o conheço, porque procedo dele e foi Ele que me enviou» (vv. 28b-29). Mas o resultado foi o aumento da hostilidade dos judeus. Decidem prender Jesus e acabarão por fazê-lo.

    Mas a tentativa de Jesus pode resultar em relação a nós, se acolhermos a sugestão da liturgia de hoje e aproveitarmos a caminhada, que estamos a fazer rumo à Páscoa, para relermos e meditarmos este texto tão denso e inesgotável, e nos interrogarmos mais a fundo sobre o mistério da pessoa de Jesus e aderirmos a Ele com um amor maior.

    O livro da Sabedoria mostra-nos que, mesmo as coisas mais positivas, podem ser aproveitadas para fazer o mal ou para fazer pior. Se o justo é manso, os maus dizem: «Provemo-lo com ultrajes e torturas para a
    valiar da sua paciência» (v. 19). Se se diz Filho de Deus e se ufana de ter a Deus por Pai, decidem experimentá-lo e condená-lo a uma morte infamante, para ver se Deus o protege! (cf. Sab 2, 18-20).

    Peçamos ao Senhor que nos dê um coração simples e aberto às suas iniciativas surpreendentes para tomarmos a atitude dos justos e rejeitarmos a dos pecadores.

    A adesão à Pessoa de Cristo é essencial para uma autêntica vida cristã e dehoniana. O nosso zelo apostólico brota dessa adesão. Foi o que sucedeu com o Pe. Dehon: a sua "adesão a Cristo, nascida do íntimo do coração" realizava-se "em toda a sua vida ". A "mística" da sua vida íntima, da sua vida espiritual era a mesma "mística" que sustentava o seu apostolado social.

    Esta "adesão" deve ser entendida, não o sentido fraco de um simples "acordo", mas no sentido forte de "aderir", até se identificar com Cristo e viver a sua vida, os seus "mistérios", os seus "sentimentos: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mini' (Gal 2, 20).

    Oratio

    Senhor Jesus, manso e humilde de coração, dá-nos a graça de revivermos em nós atua mansidão e a tua humildade. Como Tu, queremos, em toda e qualquer situação, mesmo diante do mal, da oposição e da hostilidade, manifestar a luz e a bondade. Queremos também aceitar que, em algumas ocasiões, a atitude dos outros seja de crítica e de condenação contra nós. Ajuda-nos a manter a paciência e a calma nessas ocasiões, como Tu as soubeste manter. Que jamais nos deixemos tomar pela ira e pela raiva, mas saibamos corrigir-nos do que julgarmos necessário. Então, estaremos no bom caminho, Contigo, homem das dores e da esperança. Amen.

    Contemplatio

    Tal homem, tal coração. Ecce homo! Eis o homem das dores! - Eis o coração todo ferido pela ingratidão daqueles que ama.

    Na sua primeira revelação Nosso Senhor recebe Margarida Maria sobre o seu Coração, e só lhe fala de amor.

    «O meu Coração, diz, está tão apaixonado de amor pelos homens, e por ti em particular, que não pode mais conter em si as chamas da sua ardente caridade e como quer expandi-Ias por meio de ti».

    Mas pouco depois, manifesta-lhe os seus sofrimentos e pede-lhe o amor de compaixão.

    Já durante a sua adolescência, tinha-lhe aparecido várias vezes sob a figura de um Ecce homo.

    Faz o mesmo durante o seu noviciado, mostra-se a ela coberto de chagas para a encorajar a vencer-se.

    É também a sua atitude nas suas grandes revelações, todas as vezes que lhe pede a reparação, e em particular quando se lamenta da ingratidão, da infidelidade, da tibieza de algumas almas do povo escolhido.

    «Um dia, diz ela, Nosso Senhor apresentou-se a mim coberto de chagas, tendo o seu corpo todo sangrento e o seu Coração todo dilacerado de dor, e disse-me: Eis no que me reduziu o meu povo eleito, que tinha destinado para aplacar a minha justiça, e me persegue secretamente ... » (Leão Dehon, OSP 2, p. 327s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Eis o Coração que tanto amou os homens» (Jesus a Santa Margarida Maria).

  • Sábado - 4ª Semana da Quaresma

    Sábado - 4ª Semana da Quaresma

    5 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 11, 18-20

    o Senhor instruiu-me e eu entendi. E então vi com clareza o seu proceder para comigo. 19 E eu, como manso cordeiro conduzido ao matadouro, ignorava as maquinações tramadas contra mim, dizendo: «Destruamos a árvore no seu vigor; arranquemo-Ia da terra dos vivos, que o seu nome caia no esquecimento.»2oMas o Senhor do universo, justo juiz, sonda os rins e o coração. Que eu seja testemunha da tua vingança sobre eles, pois a ti confio a minha causa. 21 Por isso, assim fala o Senhor contra os homens de Anetot, que conspiram contra a minha vida, dizendo: «Cessa de proclamar oráculos em nome do Senhor, se não queres morrer às nossas mãos»

    Escutamos, hoje, a primeira das chamadas «confissões de Jeremias», que são como pedaços de luz que nos permitem entrever a caminhada interior do profeta pelas repercussões pessoais da sua missão. Trata-se de um testemunho precioso, único na Bíblia. Por vontade de Deus, Jeremias descobre que os seus conterrâneos tinham armado uma cilada para o arrancarem do meio deles (v. 19). Não sabemos quais as causas históricas da conjura. Mas o modo como o profeta viveu essa situação tornou-­se paradigmático. Jeremias, vítima inocente, compara-se a um cordeiro levado ao matadouro, imagem já presente no quarto cântico do Servo sofredor de Javé (cf. Is 53, 7) e amplamente usada no Novo Testamento para descrever o Messias sofredor que, em silêncio, expia o pecado do mundo (cf. Jo 1, 29; 1 Pe 1, 19; Ap 5, 6ss.).

    Martirizado no corpo e no espírito, o profeta, manso, atreve-se a pedir a Deus a vingança dos seus inimigos. Jeremias é um homem do Antigo Testamento, que segue a lei de Talião. Jesus será o verdadeiro inocente que morre, abandonando nas mãos do Pai, não só a ele mesmo, mas também os seus adversários e algozes, para que sejam perdoados. Jeremias é figura. Jesus é a realidade. É Ele o verdadeiro cordeiro conduzido ao matadouro sem lançar um balido.

    Evangelho: João 7, 40-53

    Naquele tempo, 40 entre a multidão de pessoas que escutaram estas palavras, dizia-se: «Ele é realmente o Profeta.»41Diziam outros: «É o Messias.» Outros, porém, replicavam: «Mas pode lá ser que o Messias venha da Galileia? 2Não diz a Escritura que o Messias vem da descendência de David e da cidade de Belém, donde era David?»43 Deste modo, estabeleceu-se um desacordo entre a multidão, por sua causa. 44 Alguns deles queriam prendê-lo, mas ninguém lhe deitou a mão. 45 Depois os guardas voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus, que lhes perguntaram: «Porque é que não o trouxestes?»460s guardas responderam: «Nunca nenhum homem falou assim!» 47 Replicaram-lhes os fariseus: «Será que também vós ficastes seauzdos?" Porventura acreditou nele algum dos chefes, ou dos fariseus~9Mas essa multidão, que não conhece a Lei, é gente maldita!»50Nicodemos, aquele que antes fora ter com Jesus e que era um deles, asse-mes:" «Porventura permite a nossa Lei julgar um homem, sem antes o ouvir e sem averiguar o que ele anda a fazer?»52 Responderam-lhe eles: «Também tu és galileu? Investiga e verás que da Galileia não sairá nenhum profeta.»53E cada um foi para sua casa.

    João mostra-nos a multidão que rodeia Jesus e se interroga sobre a sua identidade e faz palpites. A palavra autorizada do Senhor fascina os próprios guardas enviados para O prenderem (v. 46). Mas há dois argumentos de peso, com sentido contrário: Jesus vem da Galileia, e as Escrituras dizem que o Messias havia de nascer em Belém. Mais ainda: os chefes do povo e os fariseus não acreditam n 'Ele; como pode o povo comum ter uma opinião diferente? Os detentores do poder e da sabedoria olham a situação com sarcasmo e desprezo, porque temem perder o seu prestígio. Apenas Nicodemos ousa invocar a Lei que não condena ninguém sem antes ser ouvido. O resultado é ser, também ele, tachado de ignorante.

    João termina abruptamente a narrativa (cf. v. 53), deixando uns com maior desejo de conhecer Jesus e outros mais decididos na recusa d ' Ele. Mas a Palavra não emudece: ainda não tinha chegado a sua hora.

    Meditatio

    Aproxima-se a Paixão. As leituras fazem-nos escutar o grito sofrido de Jeremias e as interrogações sobre a identidade de Jesus. O profeta faz-nos ver até que ponto havemos de estar dispostos a sofrer para sermos fiéis a Deus, e servi-I' O de coração puro. O evangelho dá-nos conta do avolumar das controvérsias e das hostilidades contra Jesus, verdadeiro cordeiro que serenamente se encaminha para o matadouro.

    Os guardas, enviados a prender Jesus, voltam sem cumprir a ordem, porque «Nunca nenhum homem falou essin» (v. 46). Mas os fariseus, de coração cada vez mais endurecido, ripostam: «Será que também vós ficastes sedundos?» (v. 47b). Barricados nos seus preconceitos, não querem ouvir nada sobre Jesus. Apenas O querem prender.

    Também hoje as opiniões se dividem acerca de Jesus. Muitos fecham-se nas suas dúvidas e na sua indiferença, porque recusam Aquele que pode trazer a paz aos corações e a união entre os homens. Muitos não buscam realmente a verdade, mas apenas confirmar os seus preconceitos. Também não faltam ameaças, perseguições, condenações de inocentes. Felizmente também não faltam pessoas corajosas, como Nicodemos, capazes de desafiar a opinião dos «poderosos», porque estão decididamente apaixonados pela verdade. Para estar com Cristo, é preciso estar cordialmente abertos aos desejos de Deus, à verdade de Deus, à luz de Deus. Então seremos capazes de acolher a Cristo em todos os momentos e situações da vida.

    Não foi fácil, para os contemporâneos de Jesus, acreditar n ' Ele. Devemos estar gratos àqueles que acreditaram e nos transmitiram a fé. Com esta gratidão, havemos também de nos sentir estimulados a procurar Cristo onde Ele se nos revela, hoje. É a única coisa importante, na nossa vida: reconhecer a Cristo, encontrar-nos verdadeiramente com Ele, aderir a Ele de todo o coração.

    A leitura e a meditação destes textos, confrontando-os com a nossa história, são uma preciosa ajuda para conhecer Cristo, para viver Cristo e para colaborarmos na construção do Reino de Deus.

    Nesta colaboração, deve animar-nos a "mística" do "nosso carisma profético" (Cst. 27), isto é, a oblação reparadora, unida na "oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst. 6) e em sintonia com as "orientações apostólicas que caracterizam a (nossa) missão na Igreja" (Cst. 31). Actuar de modo diferente é empobrecer a nós mesmos e ao nosso apostolado; mas é empobrecer as Igrejas locais que servimos, não as tornando participantes das riquezas do nosso carisma. Pode acontecer que nos aconteça algo de semelhante ao que aconteceu a Jeremias e, sobretudo, a Cristo. Mas é então que a nossa «mística» h&aac
    ute;-de estar mais viva para animar a nossa oblação, que pode incluir a imolação.

    Oratio

    Senhor Jesus, quero rezar-te, hoje, com Leão Dehon: «Creio e confesso, Senhor, que Tu és o Cristo, o Filho de Deus; esta fé exige que Te sirva, que Te ame, que seja dócil aos teus conselhos, fiel a todas as exigências da minha vocação e da minha missão, e consagrado ao reino do teu Sagrado Coração, para o qual devo contribuir. Creio, Senhor, mas aumentai a minha fé, que é sempre fraca e vacilante». Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor explica-nos. «Não me acreditareis, diz aos seus inimigos, não me respondereis, não me deixareis». Isto é, ireis até ao fim da vossa ira e da vossa injustiça. Ides condenar-me à morte e executar a sentença. Ora bem, é precisamente por isso que o Pai me vai glorificar e fazer-me sentar à sua direita, em todo o esplendor da sua glória e do seu poder: Ex hoc autem erit Filius hominis sedens a dextris virtutis Dei.

    Foi porque Jesus quis sofrer e morrer pela glória do seu Pai e pela nossa salvação, que o seu Pai o coroa e que nós o aclamamos como nosso redentor.

    Oh! Como tudo isto é contrário às nossas vistas naturais e terrestres!

    Jesus diz a Judas: «Faz depressa». Diz aos apóstolos: «Desejei comer a última páscoa, na qual começa a minha Paixão. - Tenho pressa em ser baptizado no meu sangue ... ».

    Se amássemos pelo menos os nossos pequenos sacrifícios quotidianos: a regra, a obediência, a modéstia. Isso levar-nos-ia a amar a penitência e a mortificação.

    Por Nosso Senhor alguma coisa pode-nos custar? (Leão Dehon, OSP 3, p. 311s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho unigenito: (Jo 3, 16).

     

  • 05º Domingo da Quaresma – Ano C [atualizado]

    05º Domingo da Quaresma – Ano C [atualizado]

    6 de Abril, 2025

    ANO C
    5.º DOMINGO DA QUARESMA

    Tema do 5.º Domingo da Quaresma

    Nesta quinta etapa do caminho quaresmal, a liturgia convida-nos a libertarmo-nos de tudo aquilo que nos escraviza e a caminharmos, com coragem e decisão, para a meta que nos espera: a vida renovada, o horizonte de liberdade e de felicidade que Deus quer oferecer a todos os seus queridos filhos.

    Na primeira leitura, o Deus que libertou os hebreus da escravidão do Egito anuncia aos exilados na Babilónia que irá concretizar uma nova intervenção salvadora em favor do seu povo. Os exilados irão ser libertados; e, acompanhados por Deus, percorrerão um caminho que os trará novamente para a terra de onde tinham sido arrancados, a terra onde corre leite e mel. É esse o desafio que Deus deixa também a nós, neste tempo de Quaresma: caminharmos da escravidão para a liberdade, da vida velha para a vida nova.

    No Evangelho Jesus mostra, a partir da história de uma mulher acusada de cometer adultério, como é que Deus lida com as nossas decisões erradas: “Eu não te condeno. Vai e não tornes a pecar”. O perdão de Deus, fruto do seu amor, falará sempre mais alto do que o nosso pecado. A grande preocupação de Deus não é castigar quem falhou; mas é apontar aos seus queridos filhos um caminho novo, de liberdade, de realização e de vida sem fim.

    Na segunda leitura Paulo de Tarso partilha com os cristãos da cidade de Filipos a sua experiência: desde que se encontrou com Cristo, Paulo deixou para trás todo o “lixo” que lhe limitava os movimentos e que o impedia de correr ao encontro de Cristo. A sua grande preocupação é identificar-se cada vez mais com Cristo e correr para a meta final, onde espera encontrar a vida definitiva.

     

    LEITURA I – Isaías 43,16-21

    O Senhor abriu outrora caminhos através do mar,
    veredas por entre as torrentes das águas.
    Pôs em campanha carros e cavalos,
    um exército de valentes guerreiros;
    e todos caíram para não mais se levantarem,
    extinguiram-se como um pavio que se apaga.
    Eis o que diz o Senhor:
    «Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados,
    não presteis atenção às coisas antigas.
    Olhai: vou realizar uma coisa nova,
    que já começa a aparecer; não a vedes?
    Vou abrir um caminho no deserto,
    fazer brotar rios na terra árida.
    Os animais selvagens – chacais e avestruzes –
    proclamarão a minha glória,
    porque farei brotar água no deserto,
    rios na terra árida,
    para matar a sede ao meu povo escolhido,
    o povo que formei para Mim
    e que proclamará os meus louvores».

     

    CONTEXTO

    “Deutero-Isaías” é o nome que se dá a um profeta anónimo, provavelmente da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética entre os exilados judeus na Babilónia e que é o autor dos capítulos 40 a 55 do livro de Isaías. Esses capítulos são conhecidos como o “livro da Consolação”, uma vez que as reflexões desenvolvidas pelo profeta se destinam a “consolar” os judeus exilados.

    Estamos na fase final do Exílio, entre 550 e 539 a.C., numa altura em que os exilados estão especialmente frustrados e desanimados. Tinham passado algumas dezenas de anos desde que Jerusalém fora arrasada por Nabucodonosor e que os sobreviventes da guerra tinham sido levados como prisioneiros para a Babilónia. Os exilados pensavam, inicialmente, que Deus iria atuar rapidamente e libertar o seu Povo do cativeiro; mas os anos passavam e nada disso acontecia. Deus teria virado definitivamente as costas ao seu Povo? Os deuses babilónicos seriam mais poderosos e estariam a impedir Javé de libertar o Seu Povo? Os exilados estariam condenados a morrer numa terra estrangeira sem cumprirem o sonho de rever a sua terra? O Deutero-Isaías dirige-se a este povo que começa a perder a esperança, responde às suas questões e procura dar-lhe ânimo.

    Na primeira parte do “Livro da Consolação” (Is 40-48), o profeta anuncia a iminência da libertação e compara a libertação da Babilónia – que ele perspetiva para breve – com o Êxodo do Egipto. É neste contexto que deve ser enquadrada a primeira leitura deste quinto domingo da Quaresma: é um oráculo de salvação, no qual Javé, pela voz do Deutero-Isaías, anuncia a ruína da Babilónia e a iminência de um “novo Êxodo” para o povo de Deus.

     

    MENSAGEM

    Dirigindo-se aos exilados na Babilónia, Deus apresenta-se: Ele é “o rei”, o “criador de Israel”, aquele que, há alguns séculos, esteve na origem do acontecimento “fundante” que marcou a vida e a história do povo de Deus: a libertação dos hebreus da escravidão do Egito. Nessa altura, foi Deus que “abriu caminhos através do mar”, a fim de que o povo pudesse fugir da terra da escravidão para a terra da liberdade (vers. 16); foi Ele também que combateu e venceu as orgulhosas tropas do faraó, que extinguiu o poderio egípcio do mesmo modo que se apaga uma mecha que fumega (vers. 17). Ao agir assim, Deus provou o seu poder e mostrou o seu compromisso com Israel.

    Agora, muitos séculos depois, o povo de Deus está outra vez exilado numa terra estrangeira. Muitos dos exilados vivem das memórias do passado, estão agarrados a coisas que já lá vão (vers. 18). Que esse olhar para o passado não signifique ficar estagnado, acomodado, incapaz de enxergar o futuro que se prepara. Se alguém olhar para o passado, que seja para descobrir, nas ações de Deus em favor do seu povo, um “padrão”: o Deus que outrora interveio para libertar o seu povo, é o Deus que sempre agirá da mesma forma quando vir que esse povo é maltratado e injustiçado. O Deus libertador e salvador de outrora, será o Deus salvador e libertador de hoje e de sempre.

    Cientes disto, os exilados devem olhar para o futuro. Se o fizerem, vão perceber os sinais de um novo êxodo, de uma nova libertação, de um tempo novo que está para chegar. Deus já está a preparar uma intervenção para salvar o seu povo.

    Quando o Deutero-Isaías proclama aos exilados esta mensagem, o panorama político do antigo Médio Oriente estava efetivamente a mudar. Ciro, o conquistador persa, preparava-se para desmantelar o império babilónio. O Deutero-Isaías, atento aos sinais da história, via em Ciro o instrumento de Deus para libertar o povo de Deus exilado na Babilónia. Ele achava que os exilados deviam apenas ter um pouco mais de paciência antes que Deus, através da ação de Ciro, libertasse o seu povo e o trouxesse de regresso à terra de Judá. Irá acontecer um novo êxodo – garante o profeta.

    O novo êxodo que Deus prepara para o seu povo é descrito pelo Deutero-Isaías em termos grandiosos: Deus vai abrir um caminho largo e direito no deserto, a fim de que os exilados possam fazer tranquilamente a viagem de regresso à sua terra (vers. 19); Deus vai fazer brotar rios na terra árida, para que o seu povo não sofra, ao longo do caminho, os tormentos da sede; e todos – até os animais selvagens – vão ver e reconhecer a ação salvadora de Deus em favor do seu povo. Unir-se-ão todos – os seres humanos e todos os outros seres criados – para cantar a glória e o poder de Deus (vers. 20).

    A atuação de Deus manifestará, de forma clara, o amor e a solicitude de Deus pelo seu povo. Diante da ação de Javé, Israel tomará consciência de que é o povo eleito e dará a resposta adequada: louvará o seu Deus pelos dons recebidos (vers. 21).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Israel colocou na base do edifício da sua fé um encontro decisivo com o Deus que o libertou da escravidão no Egito. Essa experiência primordial ofereceu aos catequistas de Israel um paradigma para ler e entender as futuras ações de Deus em favor do seu povo: o Deus que salvou os escravos hebreus da opressão do faraó, é o Deus que não se conforma com qualquer escravidão que roube a vida e a dignidade dos seus filhos e que agirá sempre para os libertar do sofrimento e da morte. Toda a fé de Israel está firmemente ancorada nesta certeza. Hoje, ao escutar o texto do Deutero-Isaías que a primeira leitura nos apresenta, somos convidados a acolher este “dogma” fundamental na experiência de fé do povo de Deus. Também para nós, no séc. XXI, o mesmo Deus libertador quer salvar-nos de tudo aquilo que nos escraviza e nos impede de viver com dignidade. Nesse processo libertador, há coisas que Deus fará, e há coisas que teremos de ser nós a fazer, com a ajuda de Deus. Quais são, na nossa experiência de todos os dias, as “escravidões” que nos amarram e que nos impedem de construir uma vida com sentido? O que podemos fazer, da nossa parte, para derrotarmos os mecanismos de escravidão e de morte que nos atingem e que atingem tantos dos nossos irmãos?
    • “Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados, não presteis atenção às coisas antigas” – pede Deus ao seu povo através do Deutero-Isaías. Trata-se de uma boa sugestão. Determo-nos nostalgicamente a contemplar o passado, pode contribuir para nos alhearmos da realidade presente e para limitarmos a nossa capacidade de construir um “hoje” com sentido. Ficar a olhar o passado pode significar estagnação, conformismo, acomodação, instalação, fechamento ao mundo; e nada disso é construtivo. Quando ficamos presos ao que já lá vai, num saudosismo que paralisa, acabamos por passar ao lado dos desafios sempre novos de Deus e dos dons que, em cada novo dia, Deus nos destina. Deixamo-nos levar pela tentação do passado, decidindo que “antigamente é que era bom” e que “agora está tudo pior”, ou estamos disponíveis para olhar em frente e para acolher, no nosso tempo, os dons de Deus?
    • “Vou abrir um caminho no deserto, fazer brotar rios na terra árida” – diz Deus ao seu povo. Podemos ver o “caminho quaresmal” como esse caminho novo que Deus se propõe abrir para nós e que nos leva ao encontro de uma existência vivida de forma mais livre, mais feliz, mais realizada. Estamos sinceramente dispostos a enveredar por esse caminho? Haverá alguma coisa – ideias, comportamentos, atitudes, formas de ver o mundo, maneiras de nos relacionarmos com os nossos irmãos – que nos propomos abandonar, a fim de caminharmos mais livres e mais desimpedidos em direção a essa vida nova que Deus se propõe oferecer-nos?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 125 (126)

    Refrão 1: Grandes maravilhas fez por nós o Senhor.

    Refrão 2: O Senhor fez maravilhas em favor do seu povo.

     

    Quando o Senhor fez regressar os cativos de Sião,
    parecia-nos viver um sonho.
    Da nossa boca brotavam expressões de alegria
    e de nossos lábios cânticos de júbilo.

    Diziam então os pagãos:
    «O Senhor fez por eles grandes coisas».
    Sim, grandes coisas fez por nós o Senhor,
    estamos exultantes de alegria.

    Fazei regressar, Senhor, os nossos cativos,
    como as torrentes do deserto.
    Os que semeiam em lágrimas
    recolhem com alegria.

    À ida, vão a chorar,
    levando as sementes;
    à volta, vêm a cantar,
    trazendo os molhos de espigas.

     

    LEITURA II – Filipenses 3,8-14

    Irmãos:
    Considero todas as coisas como prejuízo,
    comparando-as com o bem supremo,
    que é conhecer Jesus Cristo, meu Senhor.
    Por Ele renunciei a todas as coisas
    e considerei tudo como lixo,
    para ganhar a Cristo
    e n’Ele me encontrar,
    não com a minha justiça que vem da Lei,
    mas com a que se recebe pela fé em Cristo,
    a justiça que vem de Deus e se funda na fé.
    Assim poderei conhecer Cristo,
    o poder da sua ressurreição
    e a participação nos seus sofrimentos,
    configurando-me à sua morte,
    para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos.
    Não que eu tenha já chegado à meta,
    ou já tenha atingido a perfeição.
    Mas continuo a correr, para ver se a alcanço,
    uma vez que também fui alcançado por Cristo Jesus.
    Não penso, irmãos, que já o tenha conseguido.
    Só penso numa coisa:
    esquecendo o que fica para trás,
    lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta,
    em vista do prémio a que Deus, lá do alto,
    me chama em Cristo Jesus.

     

    CONTEXTO

    A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

    A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

    Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Flp 4,10-20), exorta-os a manterem-se fiéis ao Evangelho de Jesus e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (cf. Flp 2,5). A carta apresenta, também, uma parte “polémica” (cf. Flp 3,1b-4,1.8-9), na qual Paulo avisa os filipenses contra os “cães”, os “maus trabalhadores” (Flp 3,2) que, em Filipos como em todo o lado, semeiam a dúvida e a confusão na comunidade. Quem são estes? São os chamados “judaizantes”, isto é, os pregadores cristãos de origem judaica que proclamavam a obrigatoriedade da circuncisão e da obediência à Lei de Moisés.

    O texto que nos é proposto insere-se nesse discurso de polémica contra os adversários “judaizantes”. Nele, Paulo pede aos Filipenses que não se deixem enganar por esses falsos pregadores, que se apresentam com títulos de glória, mas que parecem esquecer que só Cristo é importante.

     

    MENSAGEM

    Ao exibicionismo e ao discurso pretensioso dos “judaizantes”, que alardeiam por todo o lado os seus títulos de glória e os seus méritos enquanto cumpridores da Lei moisaica, Paulo contrapõe o seu próprio exemplo. Ele teria mais razões do que outros para exibir os seus títulos: é hebreu genuíno, filho de hebreus, da tribo de Benjamim; foi circuncidado com oito dias; foi fariseu convicto, estudou a Lei na melhor escola de Jerusalém e viveu irrepreensivelmente como filho da Lei (cf. Flp 3,5-6). No entanto, considera que tudo isso nada vale diante da única coisa verdadeiramente decisiva: “conhecer” Jesus Cristo. A palavra “conhecer” deve ser aqui entendida no mais genuíno sentido da tradição bíblica, quer dizer, no sentido de “entrar em comunhão de vida e de destino” com uma pessoa. Aquilo que Paulo procura agora, aquilo que ele sente como determinante na sua vida, é identificar-se com Cristo e viver em comunhão com Cristo. Tudo o que não é “conhecimento” de Cristo – a circuncisão, os ritos da Lei de Moisés, as credenciais que os estudos rabínicos lhe outorgaram – são apenas “lixo” (“skýbalon”: “esterco”, “excremento”) que deve ficar para trás (vers. 8). A “justificação” que leva à vida não vem do cumprimento das obras da Lei, mas sim da adesão (“fé”) a Cristo (vers. 9). Aderindo a Cristo, identificando-se com Cristo e vivendo em comunhão com Cristo, Paulo está seguro de que o seu destino final será a vida nova, a ressurreição (vers. 10-11).

    De resto, Paulo está consciente de que ainda tem um longo caminho a percorrer até alcançar esse destino final (vers. 12). A sua identificação com Cristo é um processo em construção. Implica um esforço diário, uma luta nunca terminada. Paulo sente-se como um atleta que corre em direção a uma meta; mas está consciente de que a meta ainda está distante. Resta a Paulo lançar-se para a frente, esquecer tudo aquilo em que durante algum tempo tinha apostado e não tirar os olhos da “meta” que é o encontro com Cristo (vers. 13-14). Esse é o único caminho que faz sentido para quem descobre Cristo e a beleza da sua proposta.

    Os filipenses – e, é claro, os crentes de todos os tempos e lugares – farão bem em imitar o exemplo de Paulo e em correr decididos ao encontro de Cristo, sem deixar que nada os distraia ou afaste desse objetivo.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Neste texto da Carta aos Filipenses – como em tantos outros textos paulinos – está em evidência uma realidade que nos ajuda a entender as apostas de Paulo de Tarso: Cristo ocupa um lugar central na vida do apóstolo. Quando Paulo encontrou Cristo, na estrada de Damasco, tudo o que até então tinha desempenhado um lugar importante na sua vida ficou para trás. Cristo tomou conta da vida de Paulo de forma irreversível. Paulo, a partir desse encontro fundamental, passou a considerar todas as coisas um “prejuízo” quando comparadas com Cristo. Nós que, no dia do nosso batismo, nos encontramos com Cristo e que temos, desde então, feito um longo caminho com Cristo, poderemos dizer o mesmo? Que lugar ocupa Cristo na nossa vida? O “conhecimento” de Cristo, a identificação com Cristo, a comunhão com Cristo, o seguimento de Cristo são a nossa prioridade? Cristo sobrepõe-se a todos os outros valores e propostas que a cada instante entram no caminho da nossa vida e viajam connosco?
    • Paulo refere-se a algumas das coisas a que chegou a dar importância, antes de se encontrar com Cristo, como “lixo”, “esterco”. A palavra usada por Paulo sugere o desprezo que ele sente por valores que, além de fúteis, podem mesmo constituir um obstáculo no caminho que Deus nos chama a fazer. O tempo da Quaresma é um tempo oportuno para identificarmos e para, eventualmente, nos livrarmos do “lixo” que vamos acumulando na nossa vida e que dificulta a nossa identificação com Cristo. Quais são os “lixos” que andamos a acumular e que nos impedem de caminhar livremente ao encontro de Cristo? Estamos dispostos, neste tempo quaresmal, a fazer uma limpeza da nossa vida e a prescindir daquilo que nos aprisiona e nos impede de correr para a meta, ao encontro da vida definitiva?
    • Paulo lembra aos cristãos de Filipos – e a nós também – que a vida cristã é uma corrida que não acaba enquanto não chegarmos à meta. Paulo sabia que, em determinados momentos do caminho, somos tentados pela acomodação, pelo conformismo, pela instalação, pela preguiça, pela convicção de que já fizemos tudo o que era necessário fazer. Por isso, Paulo deixa o aviso: enquanto caminhamos nesta terra nada está concluído, há sempre caminho a percorrer. A nossa identificação com Cristo é um desafio constante, uma aposta que temos de renovar em cada passo do caminho. Como é que encaramos a nossa caminhada ao encontro de Cristo? Como uma meta já alcançada, que nos permite, a carta altura, viver de rendimentos, ou como uma corrida nunca terminada, que exige a cada passo a renovação do nosso empenho e do nosso compromisso?

     

    ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Joel 2,12-13

    Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.

    Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.

    Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.

    Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.

    Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.

    Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.

    Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

     

    Convertei-vos a Mim de todo o coração, diz o Senhor;
    porque sou benigno e misericordioso.

     

    EVANGELHO – João 8,1-11

    Naquele tempo,
    Jesus foi para o Monte das Oliveiras.
    Mas de manhã cedo, apareceu outra vez no templo,
    e todo o povo se aproximou d’Ele.
    Então sentou-Se e começou a ensinar.
    Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus
    uma mulher surpreendida em adultério,
    colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus:
    «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério.
    Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres.
    Tu que dizes?».
    Falavam assim para Lhe armarem uma cilada
    e terem pretexto para O acusar.
    Mas Jesus inclinou-Se
    e começou a escrever com o dedo no chão.
    Como persistiam em interrogá-l’O,
    ergueu-Se e disse-lhes:
    «Quem de entre vós estiver sem pecado
    atire a primeira pedra».
    Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão.
    Eles, porém, quando ouviram tais palavras,
    foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos,
    e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio.
    Jesus ergueu-Se e disse-lhe:
    «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?».
    Ela respondeu:
    «Ninguém, Senhor».
    Disse então Jesus:
    «Nem Eu te condeno.
    Vai e não tornes a pecar».

     

    CONTEXTO

    O relato da mulher apanhada a cometer adultério não pertencia, inicialmente, ao Evangelho de João. Terá sido um relato introduzido tardiamente no Quarto Evangelho, pois não aparece nos manuscritos anteriores ao ano 300. É ignorado pelos Padres da Igreja até ao séc. IV. Depois disso, a sua canonicidade é defendida por Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São Jerónimo que, no entanto, o colocam noutro lugar (depois de Jo 7,36). Aliás, o texto não possui as caraterísticas do estilo joânico (linguagem, género literário) e a sua temática não encaixa nas preocupações teológicas do autor do Quarto Evangelho. Alguns manuscritos antigos colocam-no no Evangelho de Lucas (após Lc 21,38), que seria um lugar mais lógico para enquadrar o relato, dado o interesse de Lucas em sublinhar a misericórdia de Jesus para com os pecadores e proscritos.

    Não se sabe quem recolheu este relato nem por que portas ele veio ter ao Evangelho segundo João. Alguns viram no ostracismo a que ele foi votado durante algum tempo a dificuldade da Igreja primitiva em aceitar uma história escandalosa, numa altura em que o adultério era considerado totalmente incompatível com a condição dos batizados, levando inclusive à exclusão da comunidade cristã. Contudo, o facto de o texto, depois de algum tempo, se ter imposto e aparecer num dos evangelhos é considerado a confirmação da sua autenticidade: não foi possível silenciar um episódio que se baseava numa tradição consistente. Seja como for, a Igreja acabou por aceitar este relato como um texto inspirado e por o incluir no tesouro da Palavra de Deus.

    A cena que vai ser descrita situa-nos no Templo de Jerusalém. Jesus tinha pernoitado no Monte das Oliveiras; mas, pela manhã, dirigira-se de novo para o Templo, onde costumava ensinar todos aqueles que iam ao seu encontro.

     

    MENSAGEM

    Jesus está sentado na esplanada do Templo, na atitude clássica dos “mestres” que ensinam os seus discípulos (vers. 2). “Sentado”, como os rabis, Ele vai oferecer a todos os que ali estão uma lição inesquecível sobre a forma como Deus olha para a fragilidade dos seus filhos.

    Os escribas e os fariseus apresentam-se diante de Jesus com uma mulher (vers. 3). Contam-lhe que ela foi apanhada a cometer adultério. Lembram a Jesus o que a Lei determina em casos semelhantes, mas perguntam a Jesus a sua opinião sobre a matéria (vers. 4-5). O Lei determinava, efetivamente, que “se um homem cometer adultério com a mulher do seu próximo, o homem adúltero e a mulher adúltera serão punidos com a morte” (Lv 20,10; Dt 17,5-7; 22,22). Os acusadores desta mulher, contudo, não fazem qualquer referência ao homem com quem ela estava a cometer adultério. As mulheres, no tempo de Jesus, eram “o elo mais fraco” na cadeia da organização social palestina. Provavelmente, nem sempre se aplicaria esta lei; mas parece que, no exemplo presente, os “juízes” da mulher pareciam dispostos a aplicá-la. O autor do relato revela-nos, no entanto, que aqueles escribas e fariseus estavam sobretudo interessados em “armarem uma cilada a Jesus e terem pretexto para O acusar” (vers. 6a). Efetivamente, se Jesus optasse pela clemência, contra o que a Lei estipulava, seria acusado de fazer da Lei letra morta e perderia o direito de se apresentar com qualquer pretensão messiânica; mas se Ele aprovasse a lapidação da mulher estaria a contradizer tudo o que costumava ensinar sobre perdão, misericórdia e compaixão. A questão era decisiva: não se tratava de uma questão meramente académica, mas de uma decisão que implicava a vida ou a morte de uma pessoa. A mulher acusada está de pé de no meio dos presentes, na posição habitual que o acusado ocupa quando é apresentado ao tribunal. Os acusadores não se dirigem à mulher, uma vez que a sua culpabilidade está definida desde o primeiro momento; eles dirigem-se apenas a Jesus, pois o que lhes interessa é comprometer Jesus. Colocada a questão, todos os que assistem à cena estão pendentes da reação de Jesus.

    Jesus não responde logo. “Inclinou-Se e começou a escrever com o dedo no chão” (vers. 6b). Têm sido dadas as mais diversas explicações para o gesto de Jesus. Há quem ache que Jesus estaria a escrever a sentença que ia proferir antes de a proclamar; há também quem ligue o gesto de Jesus a um texto do profeta Jeremias que fala dos que se afastam de Deus, “que serão escritos no pó” (Jr 17,13), isto é, na terra dos mortos. Mas o mais provável é que se trate de uma pausa destinada a ganhar tempo. Esse “tempo” talvez tenha servido a Jesus para acalmar a sua irritação perante o descaramento daqueles vigilantes da moral e dos bons costumes; mas também serviria para que os escribas e fariseus se confrontassem com a gravidade do que estavam a exigir, em nome de Deus: com o seu silêncio, Jesus estava a convidá-los, sem palavras, a passar do domínio da Lei para o domínio da misericórdia.

    Contudo, os que acusavam a mulher não quiseram ou não souberam aproveitar a oportunidade que lhes foi dada para chegarem, por eles próprios, à compaixão. Continuaram a interrogar Jesus, exigindo uma resposta. Foi nessa altura que Jesus tomou a palavra para dizer: “quem de entre vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra” (vers. 7). O “dito” de Jesus convidava aquela gente a tomar consciência de que o pecado é uma consequência dos nossos limites muito humanos e que ninguém está isento dessa condição. Poderá alguém que tem consciência dos seus limites e falhas ter a ousadia de acusar outros e de exigir que lhes seja dada a morte como castigo? Jesus, depois de atirar aos acusadores da mulher esta “provocação” que lhes desmascarava a hipocrisia, continuou a escrever no chão, dando-lhes tempo para interiorizar o que tinha sido dito e para tirar as conclusões que se impunham (vers. 8). O texto acrescenta que, depois de terem ouvido as palavras de Jesus, os escribas e fariseus “foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos” (vers. 9a). A indicação pode querer dizer que os mais velhos têm uma mais longa experiência da fragilidade humana.

    Nessa altura Jesus ergueu-se e olhou para a mulher. A controvérsia com os escribas e fariseus tinha terminado; mas a mulher ainda estava ali, à espera de uma palavra de Jesus. E Jesus, depois de ter constatado que não havia ali ninguém para emitir uma decisão de condenação, disse simplesmente à mulher: “nem Eu te condeno. Vai e não tornes a pecar” (vers. 11). Jesus não veio para condenar ninguém. Ele veio mostrar-nos o rosto e o coração de um Deus que ama incondicionalmente os seus filhos e que não os condena pelas suas fragilidades. Mas a intervenção de Jesus não se fica pelo “não condenar”; ao mesmo tempo, Jesus “liberta” a mulher, apontando-lhe um caminho novo. Convida-a a fazer escolhas que a tornem livre e que não a aprisionem numa vida sem saída.

    A dinâmica de Deus é uma dinâmica de misericórdia, pois só o amor transforma e permite a superação dos limites humanos. É essa a realidade do Reino de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O episódio da mulher apanhada em adultério, trazida até Jesus pelos escribas e doutores da Lei, oferece-nos um muito belo retrato de Deus e da forma como Deus encara a fragilidade dos seus filhos e filhas. Garante-nos que o Deus que Jesus nos veio revelar funciona numa lógica de misericórdia e não numa lógica de estrita retribuição; diz-nos que a força de Deus não está na condenação e no castigo, mas sim no amor e no perdão; assegura que o nosso Deus não quer a morte daquele que errou, mas sim a libertação plena de cada um dos seus filhos; confirma que o coração de Deus é um coração de pai ou de mãe, sempre cheio de amor pelos seus queridos filhos. Sempre que lhe apresentamos as nossas misérias e as nossas decisões estúpidas, Ele diz-nos: “Eu não te condeno”; sempre que caímos uma e outra e outra vez nos mesmos erros, Ele diz-nos: “Eu não te condeno”; sempre que nos apresentamos diante d’Ele dececionados com a forma como conduzimos a nossa vida, Ele consola-nos e garante-nos: “Eu não te condeno”; sempre que nos sentimos malvistos, incompreendidos, marginalizados, Ele diz-nos: “Eu não te condeno”. Neste tempo quaresmal, quando somos convidados a olhar para as nossas fragilidades mil vezes repetidas, é consolador ouvirmos de Deus este “Eu não te condeno”; dá-nos vontade de superarmos as nossas limitações e de abraçarmos, com decisão, um caminho novo, uma vida nova. O que achamos de tudo isto? Sentimos que as nossas fragilidades e limitações não são decisivas face ao amor imenso que Deus nos dedica? Isso é para nós fonte de consolação, de alegria e de esperança?
    • Aqueles escribas e fariseus que trazem a Jesus a mulher apanhada em adultério são os polícias da moral e dos bons costumes, sempre dispostos a anotar e a condenar os erros e as falhas dos outros. Os seus corações são comandados pelo legalismo e não pela misericórdia. Habita-os a hipocrisia: conseguem descobrir tudo o que se passa de errado na vida dos outros, mas não se detêm um instante a olhar para os seus próprios telhados de vidro. São “figuras” que encontramos a cada passo no nosso mundo e até mesmo nas nossas comunidades cristãs. Condenam os “diferentes” em julgamentos sumários, carregam os outros com pesos insuportáveis de culpas reais ou imaginárias, tratam com arrogância os mais humildes e frágeis, colocam rótulos desprovidos de caridade nas pessoas que os rodeiam, oferecem ao mundo a imagem de um Deus intransigente e mau, fazem com que muitos homens e mulheres de boa vontade não tenham qualquer vontade de conhecer Deus e as suas propostas. Conhecemos gente assim? Teremos porventura nós também alguns destes “tiques”? Necessitaremos de mudar alguma coisa, na nossa forma de ver os nossos irmãos e as suas fragilidades, para não nos identificarmos com esses “escribas e fariseus”?
    • Jesus não se limitou a dizer à mulher que não a condenava, mas, com respeito e delicadeza, colocou-a na rota de uma vida nova: “vai e não tornes a pecar”. Depois de a libertar do peso da culpa, convidou-a libertar-se das opções que escravizam e conduzem a situações sem saída. A “estratégia” de Jesus corresponde ao projeto de Deus para os seres humanos. Deus não se limita a não condenar ou a perdoar, mas quer que os seus filhos caminhem em direção à vida nova, a uma vida com sentido, livre e plenamente realizada. É precisamente esse o caminho que somos chamados a percorrer durante o tempo quaresmal. De que é que precisamos de nos libertar para chegarmos a uma vida renovada, a um caminho de liberdade e de plena realização?
    • O perdão é um dos sinais do Reino de Deus. Jesus pediu repetidamente aos seus discípulos que vivessem as suas vidas ao ritmo do perdão. O que é perdoar? É esquecer ingenuamente as injustiças passadas? Não. Perdoar é recordar o mal que nos fizeram e, apesar disso, adotar uma atitude não discriminatória nem vingativa contra aquele que fez o mal; é ter presente o que nos feriu e, apesar disso, inverter a lógica de violência e de agressividade para começar uma história nova, criadora de um futuro diferente com a pessoa que nos magoou. Quem perdoa, evidentemente, corre riscos; mas, ao perdoar, estamos a evitar o maior de todos os riscos: o de nos fecharmos a qualquer futuro e de deixarmos que o ódio envenene as nossas vidas. Como lidamos com a exigência do perdão? Estamos de acordo que o perdão nos abre as portas de uma vida mais produtiva, mais humana e mais feliz?
    • A magnanimidade de Deus para com as pessoas que falham não será uma atitude pouco pedagógica? Não favorecerá a banalização do pecado? Para Deus será tudo igual, no que concerne às escolhas dos seus filhos, uma vez que o seu amor é incondicional? É necessário que entendamos isto: as nossas escolhas erradas atingem-nos a nós próprios, limitam os nossos próprios horizontes, fazem-nos falhar o sentido da nossa existência, impedem-nos de ser livres. Deus não fica feliz se nos vir escolher caminhos de egoísmo e de autossuficiência, pois sabe que isso nos levará até à frustração e ao fracasso. Mas o pecado não magoa Deus; magoa-nos a nós próprios. Temos consciência disso?
    • Na história da mulher apanhada em adultério, a acusação dos escribas e fariseus recai apenas na mulher; ninguém pergunta a Jesus se o homem que com ela estava deve ser morto, segundo a Lei de Moisés. O quadro põe a nu a hipocrisia de uma sociedade que castigava a mulher, mas não usava a mesma medida para com as falhas do homem. Trata-se de uma sociedade que discrimina a mulher face ao homem. Jesus, ao defender a mulher acossada por aquele grupo de homens, introduz verdade e justiça naquele quadro desequilibrado e injusto. Embora hoje o ordenamento jurídico e a legislação penal já tenham em conta a igualdade fundamental entre o homem e a mulher, ainda subsistem, na nossa vida de todos os dias, práticas e hábitos discriminatórios que atentam contra a dignidade das mulheres, que humilham as mulheres e as fazem sofrer. Não deveríamos estar mais atentos a isto, inclusive nas comunidades cristãs? Não deveríamos, como Jesus, estar mais perto de todas as mulheres injustiçadas, oprimidas, discriminadas, ofendidas na sua dignidade, tratadas como objetos, para lhes proporcionarmos defesa inteligente e proteção eficaz?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 5.º DOMINGO DA QUARESMA

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 5.º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. O APELO A PORMO-NOS DE PÉ.

    Depois do apelo à paciência (3.º domingo) e o apelo à misericórdia (4.º domingo), eis, neste 5.º domingo da Quaresma, o apelo a pormo-nos de pé e a viver de maneira diferente: “vai e não tornes a pecar”. O momento penitencial pode realçar este dinamismo de conversão.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

     

    No final da primeira leitura:

    Pai do teu Povo, nós Te damos graças pela tua obra criadora, renovada sem cessar, e pelos germes do mundo novo que o mistério da Páscoa nos revela.

    Nós Te pedimos pelos candidatos ao batismo, adultos, jovens e crianças, e pelas comunidades, os padrinhos/madrinhas e os pais que os preparam.

     

    No final da segunda leitura:

    Cristo Jesus, Tu que Te deste a conhecer ao apóstolo Paulo e o agarraste a ponto de ele Te preferir a todas as riquezas da terra e Te reconheceu como a única vantagem válida, nós Te bendizemos.

    Nós Te pedimos pelos doentes e pelas vítimas de todas as espécies de sofrimentos. Que a revelação da tua Paixão os mantenha na esperança da ressurreição e da vida do mundo que há de vir.

     

    No final do Evangelho:

    Pai, bendito sejas pela mensagem de perdão, a palavra de reconciliação e o apelo à esperança que nos fizeste ouvir enviando-nos o teu Filho.

    Nós Te pedimos por todas as nossas comunidades que celebram a reconciliação nestes dias. Que o teu perdão nos renove e nos reconcilie entre nós.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    Jesus é posto face à Lei e, ao mesmo tempo, face a uma mulher. A Lei é clara: esta mulher, apanhada em flagrante delito de adultério, deve ser delapidada. Jesus não rejeita a Lei, pede somente aos escribas e fariseus para a colocar em prática, com a condição de começarem a ter um olhar sobre a própria vida antes de olhar a mulher e de a condenar. Os detratores acabam por se condenar a si mesmos e retiram-se, reconhecendo-se pecadores, a começar pelos mais velhos… Quanto a Jesus, que não tem pecado, podia lançar a pedra. Não o faz. Ele veio para salvar, não para condenar. Pedindo à mulher para não voltar a pecar, dá-lhe nova oportunidade. Para Jesus, ela não é apenas uma mulher adúltera, ela é capaz de outra coisa. Oferecendo-lhe a sua graça, agraciou também os escribas e os fariseus, colocando-os num caminho de conversão, eles que tinham aberto os olhos não somente sobre a mulher, mas sobre si próprios.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Sugere-se a Oração Eucarística I das Missas da Reconciliação.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO…

    A mulher adúltera… “Esta mulher foi apanhada em flagrante delito de adultério…” “Aquela martirizou o seu filho…” “Aquela deixou-o morrer de fome…” “Aquela outra…” …e as nossas mãos já estão cheias de pedras para a lapidar. Esta semana, a convite de Jesus, comecemos por olhar onde se situa o nosso pecado… De seguida, em relação a todas estas mulheres de hoje condenadas sem apelo, abramos o nosso coração à compreensão… à misericórdia… e talvez ao apoio na sua angústia.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Segunda-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Segunda-feira - 5ª Semana da Quaresma

    7 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel 13, 41c-62

    Naqueles dias, a assembleia condenou Susana à morte. Então Susana disse em altos brados: «Deus eterno, que sabeis o que é secreto e conheceis todas as coisas antes que aconteçam, Vós sabeis que eles proferiram contra mim um falso testemunho. E eu vou morrer, sem ter feito nada do que eles maliciosamente disseram contra mim». O Senhor ouviu a oração de Susana. Quando a levavam para ser executada, Deus despertou o espírito santo dum rapazinho chamado Daniel, que gritou com voz forte: «Eu sou inocente da morte desta mulher». Todo o povo se voltou para ele e perguntou: «Que palavras são essas que acabas de dizer?» Daniel, de pé no meio deles, respondeu: «Sois tão insensatos, ó filhos de Israel, que, sem julgamento nem conhecimento claro dos factos, condenais uma filha de Israel? Voltai ao tribunal, porque estes dois homens levantaram contra ela um falso testemunho». O povo regressou a toda a pressa e os anciãos disseram a Daniel: «Vem sentar-te no meio de nós e expõe-nos o teu pensamento, pois Deus concedeu-te a dignidade dos anciãos». Daniel disse-lhes: «Separai-os um do outro e eu os julgarei». Quando os separaram, Daniel chamou o primeiro e disse-lhe: «Envelheceste na prática do mal, mas agora aparecem os pecados que outrora cometeste, quando lavravas sentenças injustas, condenando os inocentes e absolvendo os culpados, apesar de o Senhor dizer: ‘Não dareis a morte ao inocente e ao justo’. Pois bem. Se viste esta mulher, debaixo de que árvore descobriste os dois juntos?». Ele respondeu: «Debaixo de um lentisco». Replicou Daniel: «A tua mentira cairá sobre a tua cabeça, pois o Anjo de Deus já recebeu a sentença, para te rachar ao meio». Depois de o terem afastado, Daniel ordenou que trouxessem o outro e disse-lhe: «Raça de Canaã e não de Judá, a beleza seduziu-te e o desejo perverteu-te o coração. Era assim que procedíeis com as filhas de Israel e elas por medo entregavam-se a vós. Pois bem, diz-me então: Debaixo de que árvore os surpreendeste juntos?» Ele respondeu: «Debaixo de um carvalho». Replicou Daniel: «A tua mentira cairá sobre a tua cabeça, pois o Anjo de Deus está à tua espera com a espada na mão para te cortar ao meio. Assim acabará convosco». Toda a assembleia clamou em alta voz, bendizendo a Deus, que salva aqueles que esperam n’Ele. Levantaram-se então contra os dois velhos, porque Daniel os tinha convencido de falso testemunho, pela sua própria boca. Para cumprirem a Lei de Moisés, aplicaram-lhes a mesma pena que tão impiamente tinham preparado para o seu próximo e executaram-nos; e foi salva naquele dia uma vida inocente.

     

    O episódio da jovem e bela Susana, assediada por dois anciãos de Israel, no tempo do exílio em Babilónia, é uma história edificante colocada em apêndice ao livro de Daniel. Encontramos aí o próprio profeta, como vidente muito jovem, que faz ver a todos a inocência de Susana - cujo nome em hebraico significa "lírio" - desmascarando a corrupção dos dois anciãos (vv. 42-59). Neles são também acusados os chefes saduceus do século I a. c., aparentemente irrepreensíveis, mas, na realidade, guias cegos que desviam o povo do bom caminho.

    Para se manter fiel a Deus e ao marido, Susana enfrenta o perigo da lapidação, quer ceda ao adultério, quer resista às torpes propostas dos anciãos e seja caluniada (v. 22). Susana prefere morrer inocente a consentir no mal (v. 23). Tendo posta a sua confiança nas mãos de Deus (v. 43), pôde verificar que Ele escuta a voz dos seus fiéis (v. 44) e vem em seu auxílio com prontidão e força (vv. 45-62).

    Evangelho: João 8, 1-11

    Naquele tempo, Jesus foi para o Monte das Oliveiras. Mas de manhã cedo, apareceu outra vez no templo e todo o povo se aproximou d’Ele. Então sentou-Se e começou a ensinar. Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus uma mulher surpreendida em adultério, colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus: «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres. Tu que dizes?». Falavam assim para Lhe armarem uma cilada e terem pretexto para O acusar. Mas Jesus inclinou-Se e começou a escrever com o dedo no chão. Como persistiam em interrogá-l’O, Ele ergueu-Se e disse-lhes: «Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra». Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão. Eles, porém, quando ouviram tais palavras, foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio. Jesus ergueu-Se e disse-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?». Ela respondeu: «Ninguém, Senhor». Jesus acrescentou: «Também Eu não te condeno. Vai e não tornes a pecar».

     

    Os exegetas pensam que este texto é de origem sinóptica, provavelmente lucana, tendo aparecido no capítulo 8 de João como um meteorito errático onde, todavia, não destoa, tornando-se um exemplo concreto do tema de todo o capítulo:

    Cristo-Luz (cf. v. 12) que inevitavelmente faz um juízo (v. 15), não segundo as aparências, mas segundo a verdade mais profunda do coração de cada um.

    O enredo é muito simples: de madrugada (v. 2), depois de ter passado toda a noite em oração no Monte das Oliveiras, Jesus é abordado pelos escribas e fariseus que lhe apresentam uma mulher apanhada em adultério para que a julgue. Faziam isto para armar uma cilada a Jesus (v. 6), obrigando-o dissimuladamente a pronunciar-se contra a lei de Moisés, que em tal caso prevê a lapidação, ou contra o direito romano, que desde 30 d. c., retirou ao sinédrio o jus gladii, reservando para si o poder de pronunciar condenações à morte.

    Todo o texto converge para a pergunta: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» ... «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar». No deserto criado pelo pecado, irrompe a novidade: um rio de misericórdia, que purifica e cura tudo à sua volta (Ap 21, 5), tornando nova toda a criatura.

    Meditatio

    O episódio edificante de Susana revela-nos que o recto juízo de Deus descobre e condena, mais tarde ou mais cedo, a injustiça humana. A Palavra de Deus é como uma lâmpada que se acende numa sala escura: os seus raios alargam-se instantaneamente até aos cantos mais afastados e esquecidos. Assim sucedeu quando Jesus, Luz do mundo, se tornou presente no meio de nós. Não se pode resistir-lhe: quem não acolhe a Palavra de Deus, a Luz de Cristo, é por elas julgado. Elas revelam o que estava oculto e fazem brilhar a justiça. A Palavra de Deus perscruta o mais íntimo dos corações, revela as intenções mais secretas, desmarcara as tramas da mentira. Então, revela-se claramente quem confia unicamente em Deus, e apenas teme não corresponder à grandeza do seu amor misericordioso. E também se revela quem, tendo a mente e o coração mesquinhos, vai procurar furtivas satisfações, como se a felicidade fosse incompatível com a fidelidade à verdade e ao Evangelho.

    É a própria vida que, momento a momento, realiza este discernimento. Feliz quem se deixa penetrar pela Palavra de Deus como por um raio de luz, que separa no seu coração o ouro das escórias. À luz da verdade poderá saborear a liberdade do abandono filial nas mãos paternas de Deus, e nada nem ninguém poderá meter-lhe medo ou induzi-lo em engano.

    O evangelho apresenta-nos um caso em que a lei pode escravizar. Os fariseus, mais do que cumprir a lei, queriam ficar bem com a sociedade e, por isso, iam sacrificar o futuro de uma pessoa humana. Jesus tem uma atitude totalmente diferente. Coloca-se do lado da pecadora, carrega sobre Si o castigo, a pena e o sofrimento pelo pecado. Por isso pode ser indulgente e oferecer o perdão de Deus. Não se trata, pois, de uma indulgência fácil. Perdoa à adúltera e recomenda-lhe que não volte a pecar, porque, na sua paixão, expia o pecado e dá força aos pecadores arrependidos para caminharem no amor do Pai.

    O texto que escutamos, mostra-nos também a mansidão com que Jesus se aproxima da sua paixão. Ela é um acto de misericórdia que agrada mais a Deus do que todos os sacrifícios rituais oferecidos no templo de Jerusalém. A narrativa da adúltera (Jo 8) dá-nos a medida da profundidade da misericórdia divina, se tal se pode dizer de uma misericórdia infinita. Deus amou-nos até ao fim, enviando o seu Filho para tomar sobre Si os nossos pecados, nos perdoar e nos dar uma vida nova cheia de caridade, de alegria e de paz.

    Oratio

    Senhor Jesus, enche-nos do teu Espírito Santo, para que não condenemos com dureza quem pratica o mal, nem sejamos facilmente indulgentes com eles. Sabemos que, também nós, somos pecadores. Por isso, não queremos distinguir-nos deles, mas solidarizar-nos com eles, para carregarmos o pecado do mundo, como Tu fizeste. Ajuda-nos também a não sermos facilmente indulgentes connosco ou com os outros pecadores, desculpando-nos e desculpando os outros com as circunstâncias do mundo actual, para não corrermos o risco de baixar os braços na luta contra o mal. Não foi essa a tua atitude perante a mulher adúltera. Não diminuíste a gravidade do seu pecado, mas assumiste-o e reparaste-o com a tua gloriosa morte e ressurreição. Que todos, e cada um de nós, saibamos assumir o próprio pecado e o pecado do mundo, oferecendo-nos, e oferecendo a nossa vida, como oblação reparadora ao Pai pelos homens. Amen.

    Contemplatio

    Diz ainda aos Fariseus: «Euntes autem discite quid est: misericordiam volo et non sacrificium». Ide, consultai os profetas, homens de coração duro, e sabei o que Oseias disse em meu nome: prefiro a misericórdia ao sacrifício, isto é, a oferta de um coração misericordioso é mais agradável a meu Pai e a mim do que todos os sacrifícios da antiga lei: «Non enim veni vocare justos sed peccetores». Vim principalmente para salvar os pecadores, e em segundo lugar, para chamar os justos, mas não vim para os falsos justos que desprezam e repelam os pecadores.

    Que censuras faz à samaritana? Ela era bem culpável, tinha tido vários maridos, e aquele que ela tinha então não era o seu. No entanto, não tem por ela senão palavras de doçura: «Si scires donum Dei. Se tu conhecesses o dom de Deus!» E que dom é este, senão a água da graça e da misericórdia que jorrava para a vida eterna?

    Os judeus levam-lhe a mulher adúltera; aqui, está envolvido por homens que têm um coração de juiz, e que querem mesmo obter d'Ele uma sentença de juiz contra esta pecadora. Que faz o Coração de Jesus? Não somente não a acolhe como juiz; mas volta-se de tal modo a favor dela que já ninguém ousa julgá-Ia. E então que é que Ele diz?: «Nemo te condemnavit? - Nemo, Domine. - Nec ego condemnabo: Ninguém te condenou, eu também não te condenarei». E hoje ainda, há um tribunal na terra? Sim, mas este é um tribunal onde só se pronunciam sentenças de absolvição, o tribunal do sacramento da penitência.

    Ele cumula com os seus favores Madalena gemendo aos seus pés, e assegura por um só acto de contrição o paraíso ao bom ladrão. (Leão Dehon, OSP 2, p. 273).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Vai,' não tornes a pecar» (cf. Jo 8, 11).

  • Terça-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Terça-feira - 5ª Semana da Quaresma

    8 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Números 21, 4-9

    Naqueles dias, os filhos de Israel partiram do monte Hor; pelo caminho do Mar dos Juncos para contornar a terra de Edom, mas cansaram-se na caminhada. 50 povo falou contra Deus e contra Moisés: «Porque nos fizestes sair do Egipto? Foi para morrer no deserto, onde não há pão nem água, estando enjoados com este pão levíssimo?» 6Mas o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que mordiam o povo, e por isso morreu muita gente de Israel. 70 povo foi ter com Moisés e disse-lhe: «Pecámos ao protestarmos contra o Senhor e contra ti. Intercede junto do Senhor para que afaste de nós as serpentes.» E Moisés intercedeu pelo povo. 80 Senhor disse a Moisés: «Faz para ti uma serpente abrasadora e coloca-a num poste. Sucederá que todo aquele que tiver sido mordido, se olhar para ela, ficará vivo.» 9Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e fixou-a sobre um poste. Quando alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, vivia.

    o povo de Israel continuou a contestar Moisés e a murmurar contra a providência de Deus. O castigo não se fez esperar, porque apareceram as serpentes ardentes, que mordiam as pessoas e as faziam morrer. Mas o castigo em breve se transforma em misericórdia. A serpente de bronze erguida sobre um poste, torna-se um sinal de salvação para quem a olha com fé. As serpentes eram veneradas pelos povos pagãos vizinhos. Este episódio, fora do seu contexto, poderia ser visto como idolatria. Mas a tradição javista liga o culto das serpentes, depois destruído por Ezequias (cf. 2 Re 18, 4) à sábia pedagogia de Deus. Com a mediação de Moisés, ofereceu ao seu povo a possibilidade de evitar ceder aos cultos das nações pagãs por onde passava.

    A serpente de bronze torna-se um sinal que encontra continuidade e realização no Evangelho (cf. Jo 3, 14). A serpente, no deserto, foi sinal da misericórdia de Deus que dá remédio ao castigo. No Evangelho, Cristo elevado na cruz, mostra o castigo e a misericórdia juntos: é o castigo de Deus pelo nosso pecado e, ao mesmo tempo, a maior manifestação do poder divino que cura do pecado.

    Evangelho: João 8, 21-30

    Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: 21 «Eu vou-me embora: vós haveis de procurar-me, mas morrereis no vosso pecado. Vós não podereis ir para onde Eu vou» 22 Então, os judeus comentavam: «Será que Ele se vai suicidar, dado que está a dizer: 'Vós não podeis ir para onde Eu vou'?» 23 Mas Ele acrescentou: «Vós sois cá de baixo; Eu sou lá de cima! Vós sois deste mundo; Eu não sou deste mundo.24Já vos disse que morrereis nos vossos pecados. De facto, se não crerdes que Eu sou o que sou, morrereis nos vossos pecados.»25perguntaram-Ihe, então: «Quem és Tu, afinal?» Disse-lhes Jesus: «Absolutamente aquilo que já vos estou a dizer! 26Tenho muitas coisas que dizer e que julgar a vosso respeito; mas do que falo ao mundo é do que ouvi àquele que me enviou, e que é verdadeiro.» 27E1es não perceberam que lhes falava do Pai. 28 Disse-lhes, pois, Jesus: «Quando tiverdes erguido ao alto o Filho do Homem, então ficareis a saber que Eu sou o que sou e que nada faço por mim mesmo, mas falo destas coisas tal como o Pai me ensinou. 29E aquele que me enviou está comigo. Ele não me deixou só, porque faço sempre aquilo que lhe agrada.» 30Quando expunha estas coisas, muitos creram nele.

    Em mais uma discussão, junto ao templo, Jesus oferece aos os chefes dos Judeus nova oportunidade para serem iluminados sobre o mistério do Filho do homem (cf. Dn 7, 13) e para acolherem a revelação da sua divindade. Duas vezes repete o «Eu SOLP>, nos vv. 24.28. Mas, mais uma vez recusam a oportunidade, compreendendo mal as afirmações sobre a sua iminente partida (vv. 21-24), sobre a sua identidade (vv. 25- 29) de enviado de Deus e de definitivo revelador (cf. Jo 5, 30; 6, 38). Entendem mal Jesus e as suas palavras, porque eles são eles são «cá de beba», enquanto Jesus é « lá de amei», Separa-os um abismo, que só a fé pode preencher. Jesus convida à fé, que eleva o olhar do homem para o alto. Mas os chefes do Judeus, mais uma vez, «não perceberem». Jesus é sinal de contradição. Sê-lo-á maximamente quando for erguido na cruz. Aí, ao realizar o projecto de salvação, revelará os pensamentos secretos dos corações e manifestará definitivamente a sua identidade de Filho, que diz e cumpre a vontade do Pai. Enquanto se aprofunda o abismo entre Jesus e os seus adversários, o evangelista termina com uma nota de esperança (cf. v. 30).

    Meditatio

    No evangelho, Jesus alude à salvação por meio da cruz, de que o episódio da serpente de bronze colocada sobre um poste (Nm 21, 4-9), é um símbolo. A serpente de bronze foi erguida sobre um poste; Jesus deve ser erguido na cruz. A expressão que vem no evangelho de S. João, referente ao erguer de Cristo na cruz, significa algo como a sua exaltação, a sua glorificação. Deus, querendo glorificar o seu Filho, deixou que fosse «erguido» na cruz. Uma tal glória pode parecer estranha a um olhar simplesmente humano. Mas o olhar da fé permite-nos entrever a enorme honra que foi, para Jesus, aceitar o sacrifício por amor ao Pai, tal como foi para o Pai um enorme gesto de amor pedir a Jesus o sacrifício total de Si mesmo. Com esse sacrifício, Jesus fez novas todas as coisas, mudou o coração do homem.

    A graça que brota da cruz de Cristo, torna-nos capazes de percorrer o caminho da justiça. E verdade que, por nós mesmos, não podemos ir para onde Ele está, porque não somos autores da nossa salvação. Mas, se erguermos os nossos olhos, obscurecidos pelo pecado, para Aquele que, como diz S. Paulo, foi tornado pecado por nós, nesse cruzar de olhares - porque também Ele nos olha do alto da cruz - havemos de descobrir, não só que estamos no caminho certo, mas que a nossa felicidade eterna já começou.

    Ao adorarmos a cruz, na Sexta-feira Santa, poderemos recordar algumas expressões das leituras de hoje: «Quando alguém olhava para a serpente de bronze, vivis» (Nm 21, 9); «Então ficareis a saber que Eu SOU» (Jo 8, 28). Contemplada demorada mente, a cruz revela-nos quem é Jesus: é o caminho, a verdade, a vida.

    Cristo é a vida. É "Aquele que vive' (Apoc 1, 18; n. 11). A vida é a primeira realidade que S. João realça no Verbo eterno de Deus: "N 'Ele estava a vida ... " (Jo 1, 4) e só porque é" vida", o Verbo é "luz dos homens' (Jo 1, 5), que nos permite ver a verdade. A verdade sobre Deus, mas também a verdade sobre Cristo, a verdade sobre nós mesmos e sobre o projecto de Deus acerca de nós. Em Cristo, "primogénito' (Col 1, 15), isto é, primeiro projectado, "primícias' dos "santos' e dos "ressuscitados' (Cf. Jo 1, 17; 1 Cor 15, 20; Col 1, 18) nós todos fomos, por Deus, "projectados, pensados, queridos, escolhidos e repletos de todas as bênçãos, já antes da fundação do mundo (Ef 1, 3-6)".

    A descoberta da verdade de Cristo, e do projecto de Deus, em Cristo, leva-nos ao discipulado: "O seu Caminho é o nosso caminho", afirma o n. 12 das Constituições. E nós percorremos Cristo-Caminho, com a nossa vida religiosa dehoniana, tendo fixo o olhar no "Lado aberto do Crucificado" e no "Coração de Cristo" (Cst. 20).

    Oratio

    Senhor Jesus, ensina-me e ajuda-me a contemplar o teu grande amor pelo Pai, e o grande amor do Pai por Ti, para que o meu coração se dilate de alegria e de generosidade. O amor do Pai por Ti manifestou-se na plena confiança com que Te entregou ao sacrifício que havia de salvar o mundo, fazendo novas todas as coisas, e mudando o nosso coração. O teu amor pelo Pai manifestou-se na obediência pronta e generosa com que Te dispuseste a realizar o seu projecto salvador. Nessa troca de amor, descubro também o imenso amor do Pai, e o teu, por mim e por cada um dos homens. Esse amor não permitiu que fôssemos abandonados ao horror do pecado. Contemplando-Te na cruz, descubro o mistério de amor incomensurável com que fui salvo, com que todos fomos salvos. Eu Te dou graças, de todo o coração, pedindo que me ajudes a corresponder a esse amor. Amen.

    Contemplatio

    «Quando tiver sido elevado da terra atrairei tudo a mm», dizia Nosso Senhor falando da sua cruz redentora (Jo 12).

    Sim, Senhor, a vossa cruz atraiu, durante séculos, tudo a vós. Mas hoje é o vosso lado aberto que nos fascina. A revelação do vosso Coração vem remover o nosso e arrebatá-lo num insaciável amor por vós.

    Coração por coração: nós queremos dar-nos a vós sem reservas, como vós vos destes a nós. Alguns santos, para melhor marcar a vossa tomada de posse dos seus corações gravaram sobre os seus peitos o vosso nome sagrado.

    Um dia em que o bem aventurado Henrique Suso tinha feito isto, dissestes-lhe estas palavras benevolentes: «Acima de tudo, aprende a esconder-te no meu lado aberto e na ferida que o amor fez ao meu Coração! Hei-de colorir-te com a púrpura do meu sangue; ligar-me-ei a ti por laços indissolúveis e o meu espírito unír-se-á ao teu com uma união eternal» (Livro da sabedoria eterna, c. 22).

    Ó bom Mestre, não terei repouso enquanto não me admitirdes também no vosso Coração (leão Dehon, OSP 2, p. 384).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Os nosso olhos estão voltados para o senhor- (SI 122, 2).

  • Quarta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Quarta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    9 de Abril, 2025

    Lectio
    Primeira leitura: Daniel 3, 14-20.91-92.95

    14 Disse-lhes Nabucodonosor: «Chadrac, Mechac e Abed-Nego, é verdade que rejeitais o culto aos meus deuses e a adoração à estátua de ouro erigida por mim? 15 Pois bem! Estais dispostos, no momento em que ouvirdes o som da trombeta, da flauta, da cítara, da lira, da harpa, do saltério e de qualquer outro instrumento musical, a prostrar-vos em adoração diante da estátua que eu fiz? Se não o fizerdes, sereis logo lançados dentro da fornalha ardente. E qual o deus que poderá libertar-vos da minha mão?»16Chadrac, Mechac e Abed-Nego responderam ao rei Nabucodonosor: «Não vale a pena responder-te a propósito disto. 17 Se isso assim ~ o Deus que nós servimos pode livrar-nos da fornalha incandescente, e até mesmo, ó rei, da tua mão. 18 E ainda que o não faça, fica sabendo, ó rei, que não prestamos culto aos teus deuses e que não adoramos a estátua de ouro que tu levantaste.» 19Então explodiu a fúria de Nabucodonosor contra Chadrac, Mechac e Abed-Nego; a expressão do seu rosto mudou e levantou a voz para mandar que se aquecesse a fornalha sete vezes mais que de costume. 20 Em seguida, ordenou aos soldados mais vigorosos do seu exército que amarrassem Chadrac, Mechac e Abed-Nego, a fim de os lançar na fornalha incandescente. 91 (24)Então o rei Nabucodonosor, estupefacto, levantou-se repentinamente, dizendo para os seus conselheiros: «Não foram três homens, atados de pés e mãos, que lançámos ao fogo?»Responderam eles ao rei: «Com certeza». Nabucodonosor, tomando a palavra, disse:«Bendito seja o Deus de Chadrac, de Mechac e de Abed-Nego! Ele enviou o seu anjo para libertar os seus servos que, confiando nele, expuseram a vida, transgredindo as ordens do rei, antes que prostrarem-se em adoração diante de um outro deus que não fosse o Deus deles. 92 (25)«Pois bem - replicou o rei - vejo quatro homens soltos, que passeiam no meio do fogo, sem este lhes causar mal; o quarto tem o aspecto de um filho de Deus.» 95 (28)Nabucodonosor, tomando a palavra, disse:«Bendito seja o Deus de Chadrac, de Mechac e de Abed-Nego! Ele enviou o seu anjo para libertar os seus servos que, confiando nele, expuseram a vida, transgredindo as ordens do rei, antes que prostrarem-se em adoração diante de um outro deus que não fosse o Deus deles.

    o episódio dos três jovens, que escaparam ilesos à fornalha ardente, mostra que o Deus dos hebreus é o único Deus verdadeiro, e que os ídolos dos babilónios, tal como os deuses impostos por Antíoco IV Epifânio, não o são. Só Javé é Deus da vida. Servi-I' O é optar pela vida, mesmo que seja preciso sofrer e morrer. O martírio torna perfeita a fé daqueles que puseram a sua confiança em Deus e é o melhor testemunho para os próprios perseguidores, como se verifica pela confissão de fé de Nabucodonosor (cf. v. 95).

    A narrativa é rica de pormenores pitorescos, ainda que trágicos, o que lhe confere solenidade. Javé é, de verdade grande. Mesmo que não seja possível prestar-lhe o culto devido, é o único Deus (v. 96). Diante d 'Ele, os cultos idolátricos são pura vaidade.

    Evangelho: João 8, 31-42

    31 Naquele tempo dizia Jesus aos judeus que nele tinham acreditado: «Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, 32conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres.» 33Replicaram-Ihe: «Nós somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém! Como é que Tu dizes: 'Sereis Iivres?» 34Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: todo aquele que comete o pecado é servo do pecado, 35 e o servo não fica na família para sempre; o filho é que fica para sempre. 36 Pois bem, se o Filho vos libertar, sereis realmente livres. 37 Eu sei que sois descendentes de Abraão; no entanto, procurais matar-me, porque não aderis à minha palavra. 38 Eu comunico o que vi junto do Pai, e vós fazeis o que ouvistes ao vosso psi» 39E1es replicaram-lhe: «O nosso pai é Abraão!» Jesus disse-lhes: «Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão! 40 Agora, porém, vós pretendeis matar-me, a mim, um homem que vos comunicou a verdade que recebi de Deus. Isso não o fez Abraão! 41 Vós fazeis as obras do vosso psi» Eles disseram-lhe, então: «Nós não nascemos da prostituição. Temos um só Pai, que é Deus.»42Disse-Ihes Jesus: «Se Deus fosse vosso Pai, ter-me-íeis amor, pois é de Deus que Eu saí e vim. Não vim de mim próprio, mas foi Ele que me enviou.

    Diante daqueles que se vangloriam de ser filhos de Abraão (v. 33), Jesus clarifica alguns importantes temas como o discipulado (v. 31), a liberdade e o gozo da intimidade familiar (vv. 32-36), da filiação e da paternidade (vv. 37-42). Prosseguindo o seu discurso, num crescendo dramático, Jesus termina revelando a sua divindade: «Eu SOLP> (v. 58). Os seus adversários, porém, endurecem posições e tentam lapidá­I' O (v. 59). Assim revelam ser escravos do pecado. Só a fé, que leva a confiar na Palavra, liberta do pecado, como aconteceu com Abraão. A fé no Filho leva os discípulos a permanecerem n ' Ele (v. 31), Palavra do Pai, como filhos livres que permanecem na casa paterna (v. 35). Quem procede de outro modo, revela ter outra origem (v. 41), intenções perversas (v. 37) e escravidão (v. 34), ainda que não se dê conta disso ou não o queira admitir.

    Meditatio

    A liberdade é um valor de que todos desejamos usufruir. Mas nem sempre a procuramos onde a podemos encontrar. Os três jovens, de que nos fala a primeira leitura, são um maravilhoso exemplo de liberdade. Recusam corajosamente adorar o poder real, mesmo sendo condenados à fornalha ardente. Nabucodonosor pergunta: «Qual o deus que poderá libertar-vos da minha mão?». Os jovens respondem: «Não vale a pena responder-te a propósito disto. Se isso assim ~ o Deus que nós servimos pode livrar-nos da fornalha incandescente, e até mesmo, ó rei, da tua mãe». Este gesto de liberdade condenou-os ao suplício. Aparentemente perderam a liberdade: foram amarrados e lançados ao fogo. Mas o Deus, em Quem confiam, intervém para os libertar. O rei verifica o facto. E converte-se à fé.

    Quando Deus deixa de ser apenas uma ideia mais ou menos abstracta, quando a fé em Jesus Cristo se torna vida, podemos experimentar a liberdade cristã. Não é que a vida se torne mais fácil. A verdadeira fé em Deus, e uma relação pessoal com Jesus, seu Filho, na fé e no amor, revelam exigências até aí desconhecidas. Estas exigências estabelecem novos laços, que não escravizam, mas dilatam os corações e fazem avançar os crentes pela via dos mandamentos divinos.

    Como os Judeus, que se diziam filhos de Abraão, talvez também nós nos digamos cristãos apenas porque somos fiéis a umas tantas observâncias. Mas isso não é suficiente para fazer de nós filhos de Deus, nem filhos da Igreja. Ser filhos é, em primeiro lugar, ser livres. Jesus, o Filho, revela-nos a verdadeira liberdade. Contemplando-O, verificamos que essa liberdade consiste na renúncia a nós mesmos para afirmarmos o Outro, os outros. O pecado é exactamente o contrário: faz-nos ver tudo a partir de nós mesmos e dos nossos interesses, coloca-nos no centro do universo. É a escravidão de que fala Jesus.

    Podemos permanecer na escravidão, mesmo falando muito de liberdade e de libertação. Não podemos libertar-nos por nós mesmos. Seremos livres na medida em que abrirmos o coração à Palavra, que é presença de Cristo no meio de nós, e à sua poderosa salvação. Só ela nos arrancará da idolatria e, sobretudo, da egolatria, para nos guiar até à liberdade do amor.

    A liberdade é um dom do Espírito Santo: «O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio; contra estas coisas não há lei» (Gal 5, 22). Há, portanto, perfeita liberdade. As nossas Constituições lembram-nos que a liberdade é um fruto do mistério pascal de Cristo:

    "Pela Sua morte e ressurreição (Cristo) abriu-nos ao dom do Espírito e à liberdade dos filhos de Deus (Rom 8, 21" (Cst. 11). É que, "onde está o Espírito há liberdade' (2 Cor 3, 17). Basta que pensemos nos preciosos frutos do Espírito (cf. Gal 5, 22) e, em particular, no "autodomínio", quando, nos nossos pensamentos, desejos, afectos, palavras, acções não nos deixamos guiar pelo nosso eu (egoísmo), mas pelo Espírito de Deus.

    Oratio

    Senhor Jesus, faz-me compreender que, para viver como filho do Pai, não me basta ser baptizado, mas também preciso de fazer as suas obras, e de crescer na escuta da sua voz, deixando que a tua palavra lance raízes em mim, e tome gradualmente posse de todo o meu ser. Faz-me também compreender que me tornas livre apenas na medida em que abro à tua palavra, não só a minha inteligência, mas também a minha vida. Só quando ela for totalmente qulada por Ti, serei realmente livre: livre do pecado que me escraviza, livre da inveja que me separa dos outros, livre da preguiça e do orgulho que me paralisam. Então, mesmo no meio dos sofrimentos da vida, também quando tiver de sofrer para ser fiel ao teu amor, serei livre e, como os jovens da fornalha ardente, cantarei os teus louvores, celebrarei a tua vitória. A tua gloriosa Paixão faz-nos vitoriosos contra o pecado, contra todas as dificuldades, contra o sofrimento. Faz-nos livres! Obrigado, Senhor! Amen.

    Contemplatio

    O divino Mestre na Eucaristia está inteiramente desprendido da vida exterior. «Contempla, ama, adora as perfeições de Deus; imola-se à glória de seu Pai, fora de todo o criado, como numa vasta solidão onde os objectos da terra não o podem atingir.

    «É preciso tudo perder de vista, tudo esquecer e esquecer-se de si mesmo para imitar esta vida divina.

    Peçamos ao Sagrado Coração como um favor sermos por vezes retirados nesta solidão perfeita, somente sob o olhar de Deus, na companhia do nosso bem-amado Jesus, não tendo liberdade nem acção senão para amar e adorar o nosso Deus, para nos sacrificarmos e perdermos nele.

    Do seu tabernáculo, Jesus não fala a nenhuma criatura. Nenhum barulho, nenhum movimento não se faz aí ouvir, mas, diante do seu Pai, o seu silêncio é bem mais profundo e mais sublime. Dir-se-ia que toda a sua ocupação seja calar-se. É todo amor, aniquilamento, imolação, prece; mas tudo se passa no silêncio, nas profundidades de si mesmo e da sua divindade. Como este silêncio é uma linguagem poderosa e forte! Presta homenagem à grandeza de Deus, às suas perfeições infinitas, ao seu domínio soberano, a todos os seus atributos que Jesus louva com um hino eterno e sem fim e num misterioso silêncio».

    Quereria nas minhas adorações fazer calar em mim as criaturas para me unir à adoração de Jesus para com o seu Pai (Leão Dehon, OSP 3, p. 691s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «A verdade vos tornará Iivres» (Jo 8, 31).

  • Quinta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Quinta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    10 de Abril, 2025

    Lectio
    Primeira leitura: Génesis 17, 3-9

    3 Abrão prostrou-se com o rosto por terra e Deus disse-lhe: 4 «A aliança que faço contigo é esta: serás pai de inúmeros povos. 5 Já não te chamarás Abrão, mas sim Abraão, porque Eu farei de ti o pai de inúmeros povos. 6 Tomsr-te-ei extremamente fecundo, farei que de ti nasçam povos e terás reis por descendentes. 7 Estabeleço a minha aliança contigo e com a tua posteridade, de geração em geração; será uma aliança perpétua, em virtude da qual Eu serei o teu Deus e da tua descendência. 8 Dar­te-ei, a ti e à tua descendência depois de ti, o país em que resides como estrangeiro, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei Deus para eles.» 9 Deus disse a Abraão: «Da tua parte, cumprirás a minha aliança, tu e a tua descendência, nas futuras gerações.

    Regressado do exílio, o povo de Israel está reduzido a um pequeno «resto», privado dos dons prometidos a Abraão (v. 8), o mesmo Abraão que Deus tinha chamado «pai de inúmeros pOV09> (v. 5; cf. Gn 12, 2). A tradição sacerdotal lembra, nestes poucos versículos, a vocação de Abraão, para que o povo reencontre a esperança na certeza da aliança com Deus (w. 2.7; Dt 5, 4-7). Deus, com efeito, não pode renegar a aliança, porque não pode renegar a Si mesmo. Esta certeza é fundamento seguro para a esperança do povo, tal como já o fora Abraão que, por isso, esperou contra toda a esperança. Foi Deus quem Se revelou a Si mesmo (v. 1) e revelou a Abraão o nome novo: «pai de inúmeros pOV09> (v. 5), de acordo com um projecto divino de salvação (v. 6) no qual era chamado a ser protagonista. Esta vocação e missão implicavam caminhar diante do Senhor em integridade de vida (cf. v. 1). Abraão e da sua posteridade seriam de Deus, e Deus seria O Deus de Abraão e da sua posteridade. Abraão responde à proposta divina com um gesto de adoração e de acção de graças que se torna escuta. E Deus pode falar-lhe: «Abrão prostrou-se com o rosto por terra e Deus disse-lhe ... » (v. 3).

    Evangelho: João 8, 51-59

    Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: 51 Em verdade, em verdade vos digo: se alguém observar a minha palavra, nunca morrerá.»52Disseram-lhe, então, os judeus: «Agora é que estamos certos de que tens demónio! Abraão morreu, os profetas também, e Tu dizes: 'Se alguém observar a minha palavra, nunca experimentará a morte?53Porventura és Tu maior que o nosso pai Abraão, que morreu? E os profetas morreram também! Afinal, quem é que Tu pretendes ser?»54Jesus respondeu: «Se Eu me glorificar a mim mesmo, a minha glória nada valerá. Quem me glorifica é o meu Pai, de quem dizeis: 'É o nosso oeusi". e, no entanto, não o conheceis. Eu é que o conheço; se dissesse que não o conhecia, seria como vós: um mentiroso. Mas Eu conheço-o e observo a sua palavra. 56 Abraão, vosso pai, exultou pensando em ver o meu dia; viu-o e ficou feliz.» 57Disseram-Ihe, então, os judeus: «Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?» 58 Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: antes de Abraão existir, Eu SOU!»59 Então, agarraram em pedras para lhe atirarem. Mas Jesus escondeu-se e saiu do templo.

    Jesus afirma, com solenidade, - «Em verdade, em verdade vos dig(J» -, que a sua Palavra é vida e dá a vida a quem a acolhe. Os seus ouvintes, naquela ocasião não a acolheram, como se vê no versículo final: «Então, agarraram em pedras para lhe atirarem». Entre os dois versículos encontramos o diálogo-confronto que tem por horizonte a antítese vida-morte, e como ponto de referência Abraão, de quem os judeus se dizem descendentes. Jesus vai respondendo indirectamente às perguntas provocatórias que lhe são feitas. Mas, das suas respostas, emerge a clara afirmação de que é o Filho de Deus, cuja glória procura. É Deus que o leva a falar. Por isso, com verdade, pode dizer: «antes de Abraão existir, Eu sou». Só reconhecendo a Deus, que se manifesta no seu Filho feito homem, se pode ter a vida.

    Há uma perfeita comunhão entre o Pai e o Filho. É para ela que se encaminha a história da salvação, prometida a Abraão que, na fé, entreviu a sua realização. Esta afirmação é um escândalo para os Judeus que, apenas segundo a carne, são filhos de Abraão.

    Meditatio

    A adesão à verdade leva à liberdade: «a verdade vos tornará Iivres» (Jo 8, 32).

    Trata-se da liberdade do pecado, mas também da liberdade diante da morte: «se alguém observar a minha palavra, nunca morrere». Jesus promete tudo isto, comprometendo a sua palavra: «Em verdade, em verdade vos dig(J». Trata-se de uma fórmula solene, que garante a palavra dada com a própria personalidade de quem a pronuncia. No essencial, Jesus diz-nos que o segredo da liberdade é a obediência à sua palavra, uma obediência nascida do mais fundo do coração de quem a soube acolher.

    Abraão soube acolher a palavra de Deus e obedecer-lhe. Tornou-se o modelo dos crentes, e exultou de alegria, na esperança de ver o dia de Jesus: «exultou pensando em ver o meu dia; viu-o e ficou teu», diz o Senhor.

    Também nós somos chamados, neste tempo da Paixão e da Páscoa, a ver o dia de Jesus e a permanecer na alegria. Abraão viu o dia de Cristo, o dia da Ressurreição, em prefiguração, isto é, participando em acontecimentos que deixavam entrever o desígnio divino de ressuscitar o seu Cristo, principalmente no nascimento de Isaac e no seu sacrifício no Moriá. Sendo velho muito avançado em idade, e sendo a sua mulher estéril, acreditou que Deus é capaz de ressuscitar os mortos. E aconteceu o nascimento de Isaac, que o encheu de alegria. Quando Deus lhe pediu o sacrifício do filho, Abraão dispos-se a sacrificá-lo. Parecia que a promessa de Deus ia ficar por cumprir. Mas Abraão na hesita na sua fé: «Deus providenaerá», diz ele ao filho que lhe pergunta pelo cordeiro a sacrificar. E Deus providenciou. Isaac desceu vivo do Moriá. De certo modo, foi sacrificado e permaneceu vivo, tornando-se figura de Cristo morto e ressuscitado. São figuras imperfeitas, mas Abraão pôde já ver nelas o dia do sacrifício real de Cristo, premissa da Ressurreição para uma vida plena e gloriosa. Viu e alegrou-se!

    A fé é um combate pela vida. A fé enfrenta a morte na sua forma mais insidiosa e quotidiana, aquela que se apresenta como a «inutilidade da existência». Jesus, o verdadeiro descendente de Abraão, no combate que opõe a morte à vida, revela uma fé que abre para uma inesperada esperança. No muro de angústia que nos aprisiona, abre uma brecha por onde pode irromper a vida, porque Ele é a vida: «antes de Abra&ati
    lde;o existir, Eu sou».

    Abraão, como tantos outros servos e amigos de Deus do Antigo Testamento, preanuncia o "Ecce venid' de Cristo: "Eis-me aquI', diz o pai dos crentes, quando Deus o chama para o sacrifício de Isaac (Gen 22, 1). "Eis-me aqui" deve continuar no nosso "Ecce venio", unido ao "Ecce venio" de Cristo, porque "somos chamados na Igreja a procurar e a realizar, como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo" (Cst. 26).

    Como a nossa "vida religiosa e apostólica" está unida "de forma explícita ... à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst. 6), assim também o nosso Ecce venio ... "configura a nossa existência com a de Cristo, pela redenção do mundo e para Glória do Pai" (Cst. 58).

    A obediência religiosa radicada na Encarnação e na Páscoa de Cristo, participa da sua missão salvífica. É necessariamente apostólica. Como a obediência religiosa é comunhão de amor com o Pai, em Cristo (cf. Cst. nn. 53.56.58), assim também é comunhão de amor, de serviço em favor dos homens, sempre em Cristo, sob a influência do Espírito (cf. Cst. nn. 53.56.58).

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, cordeiro imolado e ressuscitado, para glória e alegria do Pai e para nossa salvação, nós Te louvamos e bendizemos, nós Te damos graças. Eis­nos aqui, dispostos a escutar a voz do Pai e a obedecer-Lhe, dispostos a unir o nosso «Ecce venio» ao de Abraão, e ao de todos os amigos de Deus, tanto do Antigo como do Novo Testamento, mas sobretudo ao teu. Ajuda-nos a viver na fé e na disponibilidade confiante no Pai e no seu projecto de amor e salvação. Ajuda-nos a viver na fé na tua ressurreição, a vencer permanentemente as forças da morte e a alegrar-nos, porque a tua vitória será também a nossa vitória. Ajuda-nos a vencer a morte, encarando-a e oferecendo-a como participação na tua morte. Ajuda-nos a vencer tudo quanto nos pode causar tristeza, pessimismo, desânimo, tudo quanto nos possa fazer capitular diante das dificuldades da vida. Que, em todas as situações, ressoe aos nossos ouvidos a tua palavra: «Coragem: Eu venci o mundo: (Jo 15, 33). Amen.

    Contemplatio

    Todos estes domingos nos colocam diante dos olhos o Antigo Testamento nos grandes acontecimentos que prepararam a redenção. Meditámos no pecado de Adão, depois no castigo do dilúvio. Eis o sacrifício de Abraão, uma das mais belas figuras do sacrifício redentor.

    Deus quer mostrar-nos o preço daquilo que fez por nós e a grandeza do seu amor. Escolheu Abraão. Dá-lhe tardiamente um filho, Isaac, o filho da promessa, do qual nascerá todo um povo. Deste povo abençoado sairá o Messias. - E quando Isaac se tornou um adolescente, Deus pede a Abraão o seu sacrifício. Que provação! Não é apenas um filho, é o filho do milagre e da promessa, o filho pelo qual deve vir a Abraão toda a sua glória.

    Abraão consente em sacrificá-lo, depois a intervenção divina impede a imolação.

    Deus quis assim mostrar-nos que ao dar-nos o seu Filho e ao sacrificá-lo, nos testemunha um imenso amor. Como tão pouco o compreendi até a este momento! Como sou frio, ingrato, insensível!

    Os grandes dias de páscoa aproximam-se, não vou sacudir a minha indolência? (Leão Dehon, OSP 3, p. 183)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Se alguém observar a minha palavra, nunca morrerá» (Jo 8, 51).

  • Sexta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    Sexta-feira - 5ª Semana da Quaresma

    11 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 20, 10-13

    Disse Jeremias: «Eu ouvia as invectivas da multidão: ‘Terror por toda a parte! Denunciai-o, vamos denunciá-lo!’ Todos os meus amigos esperavam que eu desse um passo em falso: ‘Talvez ele se deixe enganar e assim o poderemos dominar e nos vingaremos dele’. Mas o Senhor está comigo como herói poderoso e os meus perseguidores cairão vencidos. Ficarão cheios de vergonha pelo seu fracasso, ignomínia eterna que não será esquecida. Senhor do Universo, que sondais o justo e perscrutais os rins e o coração, possa eu ver o castigo que dareis a essa gente, pois a Vós confiei a minha causa. Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos».

    Jeremias chamou o povo à conversão durante anos: Mas o povo não o quis escutar. Agora, deve anunciar que o juízo de Deus é irrevogável, e que o castigo vai abater-se sobre Israel: Jerusalém irá cair às mãos do rei de Babilónia. É nesta situação, extremamente difícil e dolorosa, que o profeta pronuncia a sua última «confissão» (vv. 7-18). O texto é simultaneamente autobiográfico e paradigmático do destino do verdadeiro crente. Jeremias evoca a sua vocação (vv. 7-9), recorda os momentos de mal-estar e de rebeldia, provocados pelas perseguições, pelas calúnias e pelas traições de que foi vítima (v. 10). Mas Jeremias, tal como Job, depois destes momentos de desabafo, renova o seu acto de fé em Deus (vv. 11-13) que sempre esteve com ele e que jamais o abandonará: «O Senhor, porém, está comigo, como poderoso çuerrem» (v. 11). Foi o que Deus lhe tinha garantido no momento em que o chamou: «Eu estou contigo para te salvam (Jer 1, 19). Estas palavras ecoaram em cada um dos momentos da vida do profeta, particularmente nos mais difíceis. E continuam a ecoar. Por isso, Jeremias rende-se completamente a Deus, deixando para trás as resistências e as rebeldias.

    Evangelho: João 10, 31-42

    Naquele tempo, os judeus agarraram em pedras para apedrejarem Jesus, Então Jesus disre-lhes: «Apresentei-vos muitas boas obras, da parte de meu Pai. Por qual dessas obras Me quereis apedrejar?» Responderam os judeus: «Não é por qualquer boa obra que Te queremos apedrejar: é por blasfémia, porque Tu, sendo homem, Te fazes Deus». Disse-lhes Jesus: «Não está escrito na vossa Lei: ‘Eu disse: vós sois deuses’? Se a Lei chama ‘deuses’ a quem a palavra de Deus se dirigia – e a Escritura não pode abolir-se –, de Mim, que o Pai consagrou e enviou ao mundo, vós dizeis: ‘Estás a blasfemar’, por Eu ter dito: ‘Sou Filho de Deus’!» Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis. Mas se as faço, embora não acrediteis em Mim, acreditai nas minhas obras, para reconhecerdes e saberdes que o Pai está em Mim e Eu estou no Pai». De novo procuraram prendê-l’O, mas Ele escapou-Se das suas mãos. Jesus retirou-Se novamente para além do Jordão, para o local onde anteriormente João tinha estado a baptizar e lá permaneceu. Muitos foram ter com Ele e diziam: «É certo que João não fez nenhum milagre, mas tudo o que disse deste homem era verdade». E muitos ali acreditaram em Jesus.

    Durante os dias da festa da Dedicação do Templo, Jesus anda livremente no pórtico de Salomão, quando é rodeado pelos judeus que, mais uma vez, o interrogam. O Senhor responde-lhes com frontalidade. Gera-se, então, mais um vivo debate, que aumenta de intensidade, a ponto de os adversários de Jesus agarrarem em pedras para O lapidarem. Várias vezes tinham tentado prendê-I'O por causa das suas «obras», nomeadamente as curas em dia de sábado. Agora acusarn-nO de blasfemo, por se fazer igual a Deus, sendo um homem (v. 33).

    Jesus responde, primeiro referindo a Palavra de Deus, que todos aceitam, e, depois, apelando para a obras realizadas, que os seus adversários puderam testemunhar. Trata-se da última tentativa para lhes abrir o coração à fé. Jesus apela para as suas obras que são «palavra». Se Jesus não é condenável por causa de nenhuma delas, porque não acreditar na verdade do que diz? Mas a comunicação manifesta-se impossível. Por isso, Jesus volta para além do Jordão, onde João dera testemunho da verdade, onde apareceram os primeiros discípulos, e onde muitos começam a acreditar. Na experiência da recusa, brota um germe de fé nova, que antecipa o evento pascal.

    Meditatio

    «A paixão é a obra-prima do amor do Coração de Jesus», escreveu leão Dehon (OSP 3, p. 305). De facto, o Coração de Jesus alcançou a vitória sobre o mal servindo­-se de todos os sofrimentos para manifestar um amor maior: «Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nÓ9> (Rm 5,8).

    A primeira leitura de hoje faz-nos entrar nos sentimentos de Jesus, e ajuda-nos a compreender, por quanto é possível, a vitória que alcançou na sua paixão. Jeremias, tendo anunciado o castigo de Deus, sente-se abandonado por todos, e enfrenta a hostilidade da multidão. Sabe que não se pode salvar pelos seus próprios meios, e abandona-se a Deus: «Senhor do universo, examinas o justo, sondas os rins e os corações. Que eu possa contemplar a tua vingança contra eles, pois a ti confiei a minha causal» O abandono nas mãos de Deus é já uma vitória. Mas o profeta não renuncia à víngança, entregando-a, todavia, nas mãos de Deus, que é justo e saberá fazer justiça. E um primeiro passo. Mas Jesus irá mais longe. Não lhe escutamos palavras semelhantes durante toda a Paixão. Ele sabe que o Pai lhe há-de fazer justiça, punindo o pecado, porque o mal não pode triunfar. Mas afirma-o com sentimentos de profunda dor, e até chorando, como faz quando fala da destruição da Jerusalém, que resiste à conversão (cf. lc 13, 34). No alto da cruz, não pede a Deus a vingança dos seus inimigos, mas que lhes perdoe: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!» (Lc 23, 34).

    No evangelho, Jesus revela a sua identidade, não só por meio de palavras, mas também por meio de obras: «Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim; mas se as faço, embora não queirais acreditar em mim, acreditai nas obras, e assim vireis a saber e ficareis a compreender que o Pai está em mim e Eu no Pai». Diante desta afirmação, mais uma vez os ânimos se dividem. Enquanto «muitos ali creram nel(!», outros não acreditaram e até se acirraram mais contra Ele.

    Provavelmente estas tendências contraditórias, no que se refere à fé, talvez também se encontrem nos nossos corações. A nossa caminhada de fé tem momentos altos e momentos baixos. Por vezes, temos a sensação de que a multidão, de que nos fala o evangelho de hoje, est&
    aacute; dentro de nós. Jesus ensina-nos a resistir a estas oscilações perigosas. Para isso, é preciso fundamentar-nos solidamente na Sagrada Escritura. Aí encontramos as palavras que dão fundamento e solidez à nossa fé porque, nelas, descobrimos a Palavra que é Jesus Cristo.

    Dando solidez à nossa fé, a Palavra de Deus, sobretudo os evangelhos, permitem sintonizar os nossos sentimentos com os de Jesus Cristo. Assim, depois de um esforço semelhante ao que fez Jeremias, será mais fácil para nós reagirmos à maneira do Coração de Jesus, durante toda a sua vida, e particularmente na sua Paixão.

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu afirmaste solenemente à multidão que invectivava contra Ti: «Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim; mas se as faço, embora não queirais acreditar em mim, acreditai nas obras, e assim vireis a saber e ficareis a compreender que o Pai está em mim e Eu no Pap>. Assim mostraste que Te revelas, não só por palavras, mas também por obras. Ajuda-me a viver em união contigo, e a escutar atentamente as tuas palavras, para ter em mim os sentimentos que estavam no teu Coração. Que nas minhas actividades, que em todas as circunstâncias, mesmo nas mais difíceis, com as minhas palavras e com as minhas obras, eu posso ser sinal do teu amor sem limites. Que saiba perdoar aos meus irmãos todas as suas faltas para comigo, imaginárias ou reais. Que eu saiba rezar por eles, e oferecer-me generosamente, em espírito de amor e de reparação. Amen.

    Contemplatio

    A paixão é a obra-prima do amor do Sagrado Coração. Era dela que o profeta Habacuc dizia: «Domine, audivi auditionem tuam et timui (Hab 3): Senhor, ouvi falar da vossa obra, da vossa obra por excelência e fiquei tomado de espanto». Santo Agostinho dá este sentido moral ao texto do profeta. S. Paulo não cessa de estar num êxtase de amor ao contemplar este admirável mistério: «Jesus Cristo mostrou-nos tanto mais amor, diz, quanto deu a sua vida por nós pecadores e Impios» (Rom 5). E S. João, o apóstolo bem-amado, exclama: «Jesus Cristo amou-me e lavou-me com o seu sangue. (Ap 1, 5).

    Devemos, portanto, tentar, nós também, penetrar nas profundezas deste abismo de caridade e excitar-nos ao amor do Sagrado Coração, vendo quanto Ele nos amou.

    Jesus Cristo é realmente, nos mistérios da Paixão, o livro escrito por fora e por dentro, e quais são as letras que vemos traçadas neste livro? Apenas estas: Amor. Os chicotes, os espinhos, os cravos escreveram-nas em caracteres de sangue sobre a sua carne divina; mas não nos contentemos em ler e em admirar exteriormente esta escritura divina no; penetremos até ao Coração, e veremos uma maravilha bem maior: é o amor inesgotável e inesgotado, que não tem em conta o que sofre, e que se dá sem se cansar.

    É a graça dos amigos do Sagrado Coração saber sempre descobrir o amor de Nosso Senhor sob a exterioridade dos seus mistérios. Mas onde podemos nós ver mais do que na Paixão? Se não o vemos aí, ou se não o vemos senão superficialmente, convençamo-nos de que havemos de retirar pouco proveito destes grandes mistérios dos sofrimentos de Jesus Cristo e que prestaremos pouca glória a Deus. Para retirar todo o fruto possível desta divina contemplação, estabeleçamos primeiro alguns princípios, depois falaremos dos sentimentos especiais que ela deve excitar em nós.

    O primeiro princípio é este: a paixão do Salvador tira todo o seu mérito e todo o seu preço diante do seu Pai não tanto dos seus sofrimentos exteriores nem mesmo da sua morte, mas do seu Coração, do seu amor que o fez dar-se assim todo a nós.

    O segundo princípio, é que Nosso Senhor quis suportar estes sofrimentos extraordinários a fim de melhor nos mostrar o seu amor e de nada poupar para ganhar o nosso. Este amor teria podido ser igualmente grande, se Ele nos tivesse resgatado por um mínimo sofrimento, mas que acção teria exercido sobre nós? Ter-nos-ia deixado insensíveis, e o Sagrado Coração queria a toda a força ganhar os nossos corações.

    O terceiro princípio é que o Sagrado Coração tendo-se empenhado por amor, pelo seu Ecce venio, a tudo sofrer por nós, os seus sofrimentos e a sua morte foram outros tantos actos de amor que operavam a nossa Redenção; e o Coração de Jesus era a fonte donde brotavam todos os seus méritos com os seus sofrimentos. Tal era a vontade divina à qual o Sagrado Coração livremente se submeteu (Leão Dehon, OSP 2, p.305s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Eu Te amo, Senhor, minha força (SI 17, 2b).

  • Sábado - 5ª Semana da Quaresma

    Sábado - 5ª Semana da Quaresma

    12 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 37, 21-28

    21 E então lhes dirás: Assim fala o Senhor Deus: Eis que Eu tomarei os filhos de Israel de entre as nações, por onde se dispersaram; vou reuni-los de toda a parte e reconduzi-los ao seu país. 22 Farei deles uma só nação na minha terra, nas montanhas de Israel, e apenas um rei reinará sobre todos eles; nunca mais serão duas nações, nem serão divididos em dois reinos. 23 Não se mancharão mais com os seus ídolos e nunca mais cometerão infames abominações. Eu os salvarei das suas rebeldias, pelas quais pecaram, e os purificarei; eles serão o meu povo e Eu serei o seu Deus.240 meu servo David será o seu rei e eles terão um só pastor; caminharão segundo os meus preceitos, observarão os meus mandamentos e os porão em prática. 25 Habitarão o país que Eu dei ao meu servo Jacob e no qual habitaram seus pais; aí ficarão eles, os seus filhos e os filhos de seus filhos para sempre. David, meu servo, será para sempre o seu chefe. 26 Farei com eles uma aliança de paz; será uma aliança eterna; Eu os estabelecerei e os multiplicarei; e colocarei o meu santuário no meio deles para sempre. 27 A minha morada será no meio deles. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo. 28 Então, reconhecerão as nações que Eu sou o Senhor que santifica Israel, quando tiver colocado o meu santuário no meio deles para sempre.»

    Ezequiel anuncia simbolicamente o regresso de Israel do exílio e a reunificação do povo sob a orientação de um só rei-pastor. Já aconteceu o castigo anunciado, a deportação para Babilónia, em 586 a. C. Mas trata-se de um castigo terapêutico e temporal, em vista da purificação da idolatria e da cura da desobediência. A promessa de Deus é uma aliança eterna. O Espírito do Senhor repousa sobre o povo, e o povo é chamado a repousar na terra do seu Deus, em paz e em prosperidade. Deus está para sempre no meio do seu povo. Assim todos ficarão a saber que é Javé, «o Senhor que santifica Israel» (v. 28), e quem é Israel, o povo santificado pela presença de Deus. Como diz o próprio Deus: «Serei o seu Deus e eles serão o meu povo» (v. 27), com a carga afectiva que manifestam os dois pronomes possessivos.

    Evangelho: João 11, 45-56

    Naquele tempo, 45 muitos dos judeus que tinham vindo a casa de Maria, ao verem o que Jesus fez, creram nele. 46 Alguns deles, porém, foram ter com os fariseus e contaram-lhes o que Jesus tinha feito. 47 Os sumos sacerdotes e os fariseus convocaram então o Conselho e diziam: «Que havemos nós de fazer, dado que este homem realiza muitos sinais miraculosos?48Se o deixarmos assim, todos irão crer nele e virão os romanos e destruirão o nosso Lugar santo e a nossa nação.» 49Mas um deles, Caifás, que era Sumo Sacerdote naquele ano, disse-lhes: «Vós não entendeis nada,50nem vos dais conta de que vos convém que morra um só homem pelo povo, e não pereça a nação inteira.» 510ra ele não disse isto por si mesmo; mas, como era Sumo Sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação. 52 E não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos. 53 Assim, a partir desse dia, resolveram dar-lhe a morte. 54 Por isso, Jesus já não andava em público, mas retirou-se dali para uma região vizinha do deserto, para uma cidade chamada Efraim e lá ficou com os discípulos. 55 Estava próxima a Páscoa dos judeus e muita gente do país subiu a Jerusalém antes da Páscoa para se purificar. 56Procuravam então Jesus e perguntavam uns aos outros no templo: «Que vos parece? Ele virá à Festa?»

    Os chefes dos judeus estão de cabeça perdida. O «sinal» da ressurreição de Lázaro fez precipitar os acontecimentos, e decidiram matar Jesus, que se tornara demasiadamente incómodo e perigoso. As multidões já O tinham querido proclamar rei, declarando-o libertador da nação. Se continuar assim, os Romanos irão intervir e destruir o templo, coisa que, de modo nenhum, pode acontecer.

    Jesus afirmara ser o novo templo, o ponto de convergência de todo o Israel e da humanidade inteira. Mas a sua palavra não foi compreendida. E aparece Caifás que intervém com toda a sua autoridade: a eliminação de Jesus é uma exigência de estado. O bem comum exige que seja eliminado. E tudo isto se torna profecia. A missão de Jesus consiste, de facto, em reunir os filhos de Deus dispersos e em fazer de todos os povos um povo novo, na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. É o que acontece, porque Ele dá a vida «pelos» homens. Enquanto os judeus levam por diante o processo histórico, o Pai vai realizando o seu desígnio de salvação, graças à adesão filial de Cristo à sua obra. O evangelista João passa habilmente da história à teologia.

    Meditatio

    Caifás afirma que Jesus deve morrer em nome dos superiores interesses da nação. O evangelista João acrescenta que deve morrer, não só pela razão invocada, mas também para reunir os filhos de Deus dispersos: «Não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos». A morte de Jesus realiza, de modo inimaginável, aquilo que já fora anunciado por Ezequiel, quando da dispersão e do cativeiro em Babilónia: «Eu tomarei os filhos de Israel de entre as nações, por onde se dispersaram; vou reuni-los de toda a parte e reconduzi-los ao seu pais».

    Para realizar a unidade do povo de Deus, perspectivam-se dois caminhos: o dos Judeus, que passa pela morte de Jesus, para evitar a reacção violenta dos romanos contra o templo e contra a nação; o caminho de Deus, inconsciente expresso por Caifás: «convém que morra um só homem pelo POV(]». A morte de Jesus realiza a unidade e garante-a com a sua presença no meio de nós como verdadeiro Templo de Deus.

    Estamos, de facto, dispersos entre as nações, mas também desunidos entre nós.

    Mas Cristo está connosco para nos reunir e reconciliar, de acordo com o projecto do Pai. Para isso, morreu e ressuscitou. A obra da redenção, que realiza no coração do mundo, passa pela reconciliação e pela unidade do seu povo.

    A reparação, que queremos viver, pessoal e comunitariamente, é também "cooperação na obra da redenção" de Cristo "no coração do mundo" (Cst. 23). Queremos ser, com Ele, "servidores da reconciliação" (Cst. 7), em união "com a oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst. 6). Na nossa solidariedade com Cristo, nada de essencial temos para Lhe dar; é apenas solidariedade de comunhão com Ele (cf. Gal 2, 20), completando na nossa "carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo Seu Corpo que é a Igreja" (Coi 1, 24).

    Não se trata dos sofrimentos de expiação como os de Cristo, já completos e perfeitos em si mesmos, mas das tribulações apostólicas que Cristo sofreu por primeiro por causa do anúncio do Reino. O Apóstolo revive esses sofrimentos ao anunciar a Boa Nova aos pagãos. De acordo com a interpretação de Santo Agostinho estas tribulações são de todos os cristãos, e, com maior razão, de todo aquele que por vocação e por um carisma de oblação reparadora, é chamado a sofrer pela propagação do Evangelho em união com Cristo (cf. TOB, nota a).

    Todavia esta solidariedade é expressa por Jesus, com insuperável eficácia, na alegoria da videira (cf. Jo 15, 1-11) e por Paulo com a imagem do corpo e dos membros (cf. 1 Cor 12, 12-27).

    Oratio

    Senhor Jesus, durante este tempo da Paixão, quero recolher-me diante do realismo da tua cruz. Vieste ao mundo para nos tornar participantes da maravilhosa promessa de que Deus é tudo em todos. Essa promessa, todavia, não suprime os conflitos, nem nos dá a paz de um modo qualquer. De facto, Tu mesmo entraste no centro do conflito que dilacera o coração humano, levando até ele a vitória do amor, uma vitória alcançada mediante a loucura da cruz e pelo sacrifício da obediência que coincide com a glória eterna.

    Ajuda-me a percorrer também esse caminho, para entrar na glória, que começa desde já. Que jamais eu ceda à tentação de fugir do combate, permitindo que a divisão se radique no mundo, e fazendo coro com os teus inimigos. Ajuda-me a aceitar generosamente a luta, confiando na tua graça, invocada na oração. Assim participarei, desde já, na vitória definitiva do amor e na alegria do Pai. Amen.

    Contemplatio

    o Espírito Santo é o laço pelo qual Nosso Senhor nos une ao seu Pai e a si mesmo. Foi a graça que Nosso Senhor pediu para nós na sua oração depois da ceia. «Pedi por vós, diz aos seus apóstolos, e por todos aqueles que, esclarecidos e convertidos pela pregação evangélica, hão-de acreditar em mim, a fim de que todos formem um mesmo corpo, do qual eu sou o chefe, que eles sejam um, na unidade de uma mesma fé, de uma mesma esperança, de um mesmo amor, como o meu Pai está em mim e eu nele, para que vós também sejais um em nós e assim o mundo, tocado pelo divino espectáculo da vossa caridade fraterna e da vossa vida celeste, seja forçado a reconhecer no estabelecimento da Igreja uma obra divina e sobre-humana e acredite que meu Pai me enviou para salvar o mundo».

    E a glória que o seu Pai lhe deu de ser, em virtude da união hipostática, o seu Filho único e consubstancial, Nosso Senhor de algum modo no-Ia comunicou, dela nos tornou participantes, elevando-nos à sublime dignidade de filhos e de herdeiros de Deus, divinae consortes naturae, confirmando assim a nossa união com ele (Leão Dehon, OSP 3, p. 464).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Dos dois povos, fez um só» (Ef 2, 14).

  • Domingo de Ramos – Ano C [atualizado]

    Domingo de Ramos – Ano C [atualizado]

    13 de Abril, 2025

    ANO C
    DOMINGO DE RAMOS NA PAIXÃO DO SENHOR

    Tema do Domingo de Ramos

    A liturgia deste último Domingo do tempo quaresmal, Domingo de Ramos, convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo, a maldade e o pecado fossem vencidos. Por Jesus, Deus ofereceu-nos a possibilidade de uma Vida nova.

    A primeira leitura traz-nos a palavra e o drama de um profeta anónimo, chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projetos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo de Deus” a figura de Jesus.

    A segunda leitura traz-nos um belo hino onde ecoa a catequese primitiva sobre Jesus. Fiel ao projeto do Pai, Ele desceu ao encontro dos homens, viveu a vida dos homens e sofreu uma morte atroz por amor aos homens. Mas a sua vida não foi malbaratada: Deus exaltou-O, mostrando que o caminho que Ele seguiu é o caminho que conduz à Vida. É esse mesmo caminho que somos desafiados a percorrer.

    O Evangelho relata-nos a paixão e morte de Jesus. É o momento culminante de uma vida gasta a concretizar o projeto salvador de Deus: libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo, escravidão, sofrimento e morte. Na cruz onde Jesus ofereceu a sua vida até à última gota de sangue, revela-se o incomensurável amor de Deus por nós; na cruz, Jesus disse-nos que o amor até ao extremo gera Vida nova e eterna.

     

    LEITURA I – Isaías 50, 4-7

    O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo,
    para que eu saiba dizer uma palavra de alento
    aos que andam abatidos.
    Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos,
    para eu escutar, como escutam os discípulos.
    O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
    e eu não resisti nem recuei um passo.
    Apresentei as costas àqueles que me batiam
    e a face aos que me arrancavam a barba;
    não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
    Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio,
    e, por isso, não fiquei envergonhado;
    tornei o meu rosto duro como pedra,
    e sei que não ficarei desiludido.

     

    CONTEXTO

    No livro do Deutero-Isaías (Is 40-55), encontramos quatro poemas (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que se diferenciam um tanto da temática desenvolvida pelo profeta no resto do livro. Referem-se a uma figura enigmática, que o próprio Deus apresenta como “o meu Servo” (Is 42,1). O nome “servo de Javé” é, na Bíblia, um título honorífico. Refere-se, habitualmente, a alguém a quem Deus chama a colaborar no seu projeto salvador. De facto, o “servo de Javé” que nos é apresentado pelo Deutero-Isaías, foi eleito por Deus e recebeu de Deus uma missão (cf. Is 42,1a; 49,1.5). Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem carácter universal, pois deve concretizar-se no meio das nações (cf. Is 42,1b; 49,6); será vivida pelo “servo” na humildade, no sofrimento e na obediência incondicional ao projeto de Deus (cf. Is 42,2-3). Apesar de a missão terminar num aparente insucesso (cf. Is 53,2-3.7-9), a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o perdão para o pecado do Povo (cf. Is 53,6.10). Deus aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus detratores e adversários (cf. Is 53,11-12).

    Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura coletiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus, no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.

    O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de Javé”.

     

    MENSAGEM

    Quem toma a palavra é um personagem anónimo, que fala do seu chamamento por Deus para a missão. Não se designa a si próprio como “servo”; mas assemelha-se a esse “servo” de que se fala no primeiro cântico do servo de Javé (cf. Is 42,1-9). Também não se intitula “profeta”; porém, narra a sua vocação com os elementos típicos dos relatos proféticos de vocação.

    A missão que este profeta/servo recebe de Deus tem claramente a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles que necessitam de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de Deus, para que possa depois apresentar – com fidelidade – essa Palavra de Deus para os homens. A missão que Deus confia ao profeta/servo consiste em dizer uma palavra de alento a todos os que estão cansados e abatidos, a todos os que são magoados e injustiçados, a todos os que perderam a esperança.

    A missão do profeta/servo não é fácil; concretiza-se no sofrimento e na dor. A palavra proclamada em nome de Deus é uma palavra que incomoda e provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam, quase sempre, em dor e perseguição. No entanto, o profeta/servo de Deus não resiste às agressões e condenações e torna o seu rosto “duro como pedra” face àqueles que o agridem e magoam. Não por insensibilidade, mas porque está decidido a suportar tudo a fim de levar até ao fim a missão que Deus lhe tinha confiado. O verdadeiro profeta não desiste nem se demite: a paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento e faz com que ele ponha à frente de tudo a missão que Deus lhe confiou.

    O que é que leva o profeta/servo a resistir corajosamente face aos que o agridem e o querem silenciar? Precisamente a sua confiança no Senhor, que não abandona aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas de que tem a força de Deus, torna o profeta/servo mais forte do que a dor, o sofrimento, a perseguição, o ódio dos inimigos. O profeta/servo tem uma absoluta confiança em Deus; e sabe que Deus nunca o desiludirá.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Não sabemos, efetivamente, quem é este “servo de Javé”; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera Vida nova. No entanto, talvez esta conceção da vida nos pareça estranha e incongruente face àquilo que vemos acontecer todos os dias à nossa volta… Como é que me situo face a isto? Acredito que uma vida gasta como a de Jesus ou a do profeta/servo da primeira leitura deste domingo é uma vida com sentido e que conduz à Vida nova?
    • O profeta/servo que, sem hesitar, põe a sua palavra e a sua vida ao serviço da libertação dos seus irmãos – mesmo que isso implique para si próprio sofrimento, perseguição e humilhação – deixa-nos um desafio que não podemos ignorar… Vivemos cercados por ilhas de miséria e de dor onde tantos e tantos irmãos nossos permanecem prisioneiros; passamos a cada passo por homens e mulheres abandonados, esquecidos, atirados para as margens da história, privados dos seus direitos e dignidade; assistimos diariamente à crucifixão de tanta gente que luta contra os sistemas de opressão e de morte… O que fazemos? Permanecemos indiferentes e viramos a cara para outro lado para não ver e para não sermos incomodados, ou levantamos a voz para denunciar o egoísmo, a violência, a injustiça, as mil formas de maldade que desfeiam o mundo e destroem a Vida?
    • Temos consciência de que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus que ecoa no mundo dos homens? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o mundo e o coração dos homens?
    • O profeta/servo da nossa leitura garante-nos que nunca desistirá da missão que lhe foi confiada porque confia em Deus: sabe que Deus estará sempre com ele e que nunca o desiludirá. Que fantástica expressão de confiança e de fé! Seremos capazes de dizer, com convicção, a mesma coisa? Acreditamos que Deus nunca nos desiludirá?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)

    Refrão: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?

    Todos os que me veem escarnecem de mim,
    estendem os meus lábios e meneiam a cabeça:
    «Confiou no Senhor, Ele que o livre,
    Ele que o salve, se é meu amigo».

    Matilhas de cães me rodearam,
    cercou-me um bando de malfeitores.
    Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
    posso contar todos os meus ossos.

    Repartiram entre si as minhas vestes
    e deitaram sortes sobre a minha túnica.
    Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
    sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.

    Hei de falar do vosso nome aos meus irmãos,
    Hei de louvar-Vos no meio da assembleia.
    Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
    glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
    reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.

     

    LEITURA II – Filipenses 2, 6-11

    Cristo Jesus, que era de condição divina,
    não Se valeu da sua igualdade com Deus,
    mas aniquilou-Se a Si próprio.
    Assumindo a condição de servo,
    tornou-Se semelhante aos homens.
    Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
    obedecendo até à morte e morte de cruz.
    Por isso Deus O exaltou
    e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
    para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
    no céu, na terra e nos abismos,
    e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
    para glória de Deus Pai.

     

    CONTEXTO

    A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

    A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

    Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Fl 4,10-20); exorta-os a manterem-se fiéis a Cristo e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (“tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” – Fl 2,5).

    O texto que a liturgia do domingo de Ramos nos apresenta como segunda leitura é o texto mais notável da carta aos filipenses. Trata-se de um antigo hino, provavelmente pré-paulino, que era recitado nas celebrações litúrgicas cristãs (há quem fale, a propósito deste hino, na catequese primitiva de Simão Pedro, conservada na comunidade cristã de Antioquia da Síria). Lembra aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo, a sua humildade e despojamento.

     

    MENSAGEM

    Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino. Os filipenses, enquanto discípulos de Cristo, são convidados a olhar para Ele e a conformarem as suas vidas com o Seu exemplo. Como é o exemplo de Cristo?

    O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão e Cristo: Adão, o primeiro homem, reivindicou ser como Deus, assumiu diante de Deus uma atitude de arrogância e autossuficiência e virou as costas às indicações de Deus (cf. Gn 3,5.22); Cristo, o Homem Novo, assumiu uma atitude de humildade e obediência diante de Deus (vers. 6-7). A atitude de Adão trouxe sofrimento e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.

    A atitude de Cristo é caraterizada no hino como “aniquilação” ou “despojamento” (“kenosis” – vers. 7). Cristo era de condição divina; mas sem reivindicar, em razão do seu estatuto, quaisquer poderes ou privilégios, pôs-se totalmente ao serviço do projeto salvador do Pai. Aceitou, conforme o plano do Pai, vestir a fragilidade dos seres humanos e tornou-se homem: experimentou as dores e os limites dos homens, conviveu com os dramas dos homens e caminhou com os homens para lhes indicar o caminho que leva à salvação, fez-se servo dos homens, lavou-lhes os pés. Como se tudo isso não bastasse, desceu ainda mais: foi contestado, preso, condenado e sofreu uma morte infame na cruz, a morte reservada aos malditos e abandonados por Deus (vers. 8). Esta história de despojamento parece uma história de fracasso e de morte, uma história “pouco recomendável”. É assim que termina a história de quem obedece a Deus e põe a sua vida ao serviço do plano salvador de Deus?

    Não. Exatamente porque cumpriu plenamente o plano do Pai, Deus ressuscitou-O e exaltou-O. Fê-lo vencer a injustiça, o egoísmo e a violência que o tinham condenado a uma morte maldita. Apresentou-O como modelo para todos os homens. Mais: Deus fez dele o “Jesus” (o nome significa “Deus salva”) e o “Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a terra e os infernos”) reconhece esse Cristo que se despojou de tudo para obedecer ao Pai como “o Senhor” que reina sobre toda a terra e que preside à história (vers. 9-11).

    Aos filipenses e aos crentes de todas as épocas e lugares Paulo diz: “libertai-vos do orgulho, da autossuficiência, da arrogância, do fechamento a Deus e às suas propostas; aprendei com Cristo a pôr a vossa vida ao serviço do plano de Deus; com humildade e simplicidade, tornai-vos servos de todos; amai sem medida, até ao dom total da vida. Deus garante-vos que esse caminho – o caminho que Cristo percorreu – não conduz ao aniquilamento, mas sim à glória, à Vida plena”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Não há mesmo volta a dar: a lógica de Deus funciona em sentido contrário à nossa lógica humana. Quanto mais nos despojamos da nossa superioridade, quanto mais renunciamos à capa da importância, quanto mais gastamos a nossa vida a fazer o bem, quanto mais nos fazemos “servos” dos nossos irmãos, quanto mais amamos sem esperar nada em troca, mais subimos na “escala” de Deus. Deus disse-nos isto, com todas as letras, através do seu Filho Jesus. De forma inequívoca, de forma irrefutável, com uma linguagem que só não entende quem não quer. Porque é que, depois de dois mil anos a olhar para a cruz de Jesus, isto ainda não é claro para nós? O que mais tem Deus de fazer para nos mostrar o caminho que conduz à Vida verdadeira?
    • Estamos a chegar ao fim deste caminho quaresmal. Este caminho foi efetivamente, para nós, um caminho de conversão, de mudança, de nascimento para uma vida nova? Ao longo deste caminho em direção à Páscoa transformamos a arrogância em humildade, a atitude de superioridade em respeito pelo outro, o orgulho em simplicidade, a soberba em delicadeza?
    • Este hino constitui uma excelente chave de leitura para interpretar, sentir e viver, na “Semana Maior” em que estamos a entrar, os acontecimentos centrais da nossa fé. Ao “som” deste belíssimo hino podemos compreender o caminho de Jesus, o significado das suas opções, o sentido da sua vida, da sua paixão, morte e ressurreição. Iremos procurar, nesta semana, acompanhar os passos de Jesus? E, ao revivermos o seu amor e a sua entrega, renovaremos a nossa adesão a Ele e ao caminho que Ele propõe?

     

    ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Filipenses 2,8-9

    Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.

    Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.

    Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.

    Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.

    Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.

    Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.

    Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

     

    Cristo obedeceu até à morte e morte de cruz.
    Por isso Deus O exaltou
    e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes.

     

    EVANGELHO – Lucas 22,14-23,56 (forma longa) ou Lucas 23,1-49 (forma breve)

    N     Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
    N     Quando chegou a hora,
    Jesus sentou-Se à mesa com os seus Apóstolos
    e disse-lhes:
    J      «Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa,
    antes de padecer;
    pois digo-vos que não tornarei a comê-la,
    até que se realize plenamente no reino de Deus».
    N     Então, tomando um cálice, deu graças e disse:
    J      «Tomai e reparti entre vós,
    pois digo-vos que não tornarei a beber do fruto da videira,
    até que venha o reino de Deus».
    N     Depois tomou o pão e, dando graças,
    partiu-o e deu-lho, dizendo:
    J       «Isto é o meu corpo entregue por vós.
    Fazei isto em memória de Mim».
    N      No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo:
    J       «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue,
    derramado por vós.
    Entretanto, está comigo à mesa
    a mão daquele que Me vai entregar.
    O Filho do homem vai partir, como está determinado.
    Mas ai daquele por quem Ele vai ser entregue!»
    N     Começaram então a perguntar uns aos outros
    qual deles iria fazer semelhante coisa.
    Levantou-se também entre eles uma questão:
    qual deles se devia considerar o maior?
    Disse-lhes Jesus:
    J       «Os reis da nações exercem domínio sobre elas
    e os que têm sobre elas autoridade são chamados benfeitores.
    Vós não deveis proceder desse modo.
    O maior entre vós seja como o menor
    e aquele que manda seja como quem serve.
    Pois quem é o maior: o que está à mesa ou o que serve?
    Não é o que está à mesa?
    Ora Eu estou no meio de vós como aquele que serve.
    Vós estivestes sempre comigo nas minhas provações.
    E Eu preparo para vós um reino,
    como meu Pai o preparou para Mim:
    comereis e bebereis à minha mesa, no meu reino,
    e sentar-vos-eis em tronos,
    a julgar as doze tribos de Israel.
    Simão, Simão, Satanás vos reclamou
    para vos agitar na joeira como trigo.
    Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça.
    E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos».
    N     Pedro respondeu-Lhe:
    R      «Senhor, eu estou pronto a ir contigo,
    até para a prisão e para a morte».
    N      Disse-lhe Jesus:
    J       «Eu te digo, Pedro: não cantará hoje o galo,
    sem que tu, por três vezes, negues conhecer-Me».
    N     Depois acrescentou:
    J       «Quando vos enviei sem bolsa nem alforge nem sandálias,
    faltou-vos alguma coisa?».
    N     Eles responderam que não lhes faltara nada.
    Disse-lhes Jesus:
    J      «Mas agora, quem tiver uma bolsa pegue nela,
    bem como no alforge;
    e quem não tiver espada venda a capa e compre uma.
    Porque Eu vos digo
    que se deve cumprir em Mim o que está escrito:
    ‘Foi contado entre os malfeitores’.
    Na verdade, o que Me diz respeito está a chegar ao fim».
    N     Eles disseram:
    R      «Senhor, estão aqui duas espadas».
    N      Mas Jesus respondeu:
    J       «Basta».
    N      Então saiu
    e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras
    e os discípulos acompanharam-n’O.
    Quando chegou ao local, disse-lhes:
    J        «Orai, para não entrardes em tentação».
    N       Depois afastou-Se deles cerca de um tiro de pedra
    e, pondo-Se de joelhos, começou a orar, dizendo:
    J       «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice.
    Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua».
    N     Então apareceu-Lhe um Anjo, vindo do Céu, para O confortar.
    Entrando em angústia, orava mais instantemente
    e o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue,
    que caíam na terra.
    Depois de ter orado,
    levantou-Se e foi ter com os discípulos,
    que encontrou a dormir, por causa da tristeza.
    Disse-lhes Jesus:
    J       «Porque estais a dormir?
    Levantai-vos e orai, para não entrardes em tentação».
    N     Ainda Ele estava a falar,
    quando apareceu uma multidão de gente.
    O chamado Judas, um dos Doze, vinha à sua frente
    e aproximou-se de Jesus, para O beijar.
    Disse-lhe Jesus:
    J       «Judas, é com um beijo que entregas o Filho do homem?»
    N      Ao verem o que ia suceder,
    os que estavam com Jesus perguntaram-Lhe:
    R       «Senhor, vamos feri-los à espada?»
    N      E um deles feriu o servo do sumo sacerdote,
    cortando-lhe a orelha direita.
    Mas Jesus interveio, dizendo:
    J       «Basta! Deixai-os».
    N     E, tocando na orelha do homem, curou-o.
    Disse então Jesus aos que tinham vindo ao seu encontro,
    príncipes dos sacerdotes, oficiais do templo e anciãos:
    J      «Vós saístes com espadas e varapaus,
    como se viésseis ao encontro dum salteador.
    Eu estava todos os dias convosco no templo
    e não Me deitastes as mãos.
    Mas esta é a vossa hora e o poder das trevas.
    N    Apoderaram-se então de Jesus,
    levaram-n’O e introduziram-n’O em casa do sumo sacerdote.
    Pedro seguia-os de longe.
    Acenderam uma fogueira no meio do pátio,
    sentaram-se em volta dela
    e Pedro foi sentar-se no meio deles.
    Ao vê-lo sentado ao lume,
    uma criada, fitando os olhos nele, disse:
    R     «Este homem também andava com Jesus».
    N     Mas Pedro negou:
    R     «Não O conheço, mulher».
    N     Pouco depois, disse outro, ao vê-lo:
    R     «Tu também és um deles».
    N     Mas Pedro disse:
    R      «Homem, não sou».
    N     Passada mais ou menos uma hora,
    afirmava outro com insistência:
    R      «Esse homem, com certeza, também andava com Jesus,
    pois até é galileu».
    N     Pedro respondeu:
    R      «Homem, não sei o que dizes».
    N      Nesse instante – ainda ele falava – um galo cantou.
    O Senhor voltou-Se e fitou os olhos em Pedro.
    Então Pedro lembrou-se da palavra do Senhor,
    quando lhe disse:
    ‘Antes do galo cantar, Me negarás três vezes’.
    E, saindo para fora, chorou amargamente.
    Entretanto, os homens que guardavam Jesus
    troçavam d’Ele e maltratavam-n’O.
    Cobrindo-Lhe o rosto, perguntavam-Lhe:
    R      «Adivinha, profeta: Quem te bateu?»
    N      E dirigiam-Lhe muitos outros insultos.
    Ao romper do dia,
    reuniu-se o conselho dos anciãos do povo,
    os príncipes dos sacerdotes e os escribas.
    Levaram-n’O ao seu tribunal e disseram-Lhe:
    R       «Diz-nos se Tu és o Messias».
    N       Jesus respondeu-lhes:
    J        «Se Eu vos disser, não acreditareis
    e, se fizer alguma pergunta, não respondereis.
    Mas o Filho do homem sentar-Se-á doravante
    à direita do poder de Deus».
    N      Disseram todos:
    R       «Tu és então o Filho de Deus?»
    N       Jesus respondeu-lhes:
    J        «Vós mesmos dizeis que Eu sou».
    N       Então exclamaram:
    R       «Que necessidade temos ainda de testemunhas?
    Nós próprios o ouvimos da sua boca».
    N      Levantaram-se todos e levaram Jesus a Pilatos.
    N      Começaram a acusá-l’O, dizendo:
    R       «Encontrámos este homem a sublevar o nosso povo,
    a impedir que se pagasse o tributo a César
    e dizendo ser o Messias-Rei».
    N      Pilatos perguntou-Lhe:
    R       «Tu és o Rei dos judeus?»
    N       Jesus respondeu-lhe:
    J        «Tu o dizes».
    N      Pilatos disse aos príncipes dos sacerdotes e à multidão:
    R       «Não encontro nada de culpável neste homem».
    N       Mas eles insistiam:
    R       «Amotina o povo, ensinando por toda a Judeia,
    desde a Galileia, onde começou, até aqui».
    N       Ao ouvir isto, Pilatos perguntou se o homem era galileu;
    e, ao saber que era da jurisdição de Herodes,
    enviou-O a Herodes,
    que também estava nesses dias em Jerusalém.
    Ao ver Jesus, Herodes ficou muito satisfeito.
    Havia bastante tempo que O queria ver,
    pelo que ouvia dizer d’Ele,
    e esperava que fizesse algum milagre na sua presença.
    Fez-Lhe muitas perguntas, mas Ele nada respondeu.
    Os príncipes dos sacerdotes e os escribas que lá estavam
    acusavam-n’O com insistência.
    Herodes, com os seus oficiais, tratou-O com desprezo
    e, por troça, mandou-O cobrir com um manto magnífico
    e remeteu-O a Pilatos.
    Herodes e Pilatos, que eram inimigos,
    ficaram amigos nesse dia.
    Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes,
    os chefes e o povo, e disse-lhes:
    R      «Trouxestes este homem à minha presença
    como agitador do povo.
    Interroguei-O diante de vós
    e não encontrei n’Ele nenhum dos crimes de que O acusais.
    Herodes também não, uma vez que no-l’O mandou de novo.
    Como vedes, não praticou nada que mereça a morte.
    Vou, portanto, soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
    N      Pilatos tinha obrigação de lhes soltar um preso
    por ocasião da festa.
    E todos se puseram a gritar:
    R       «Mata Esse e solta-nos Barrabás».
    N       Barrabás tinha sido metido na cadeia
    por causa de uma insurreição desencadeada na cidade
    e por assassínio.
    De novo Pilatos lhes dirigiu a palavra,
    querendo libertar Jesus.
    Mas eles gritavam:
    R        «Crucifica-O! Crucifica-O!»
    N       Pilatos falou-lhes pela terceira vez:
    R       Mas que mal fez este homem?
    Não encontrei n’Ele nenhum motivo de morte.
    Por isso vou soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
    N      Mas eles continuavam a gritar,
    pedindo que fosse crucificado,
    e os seus clamores aumentavam de violência.
    Então Pilatos decidiu fazer o que eles pediam:
    soltou aquele que fora metido na cadeia
    por insurreição e assassínio,
    como eles reclamavam,
    e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam.
    N      Quando o conduziam,
    lançaram mão de um certo Simão de Cirene,
    que vinha do campo,
    e puseram-lhe a cruz às costas,
    para a levar atrás de Jesus.
    Seguia-O grande multidão de povo
    e mulheres que batiam no peito
    e se lamentavam, chorando por Ele.
    Mas Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes:
    J       «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim;
    chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos;
    pois dias virão em que se dirá:
    ‘Felizes as estéreis, os ventres que não geraram
    e os peitos que não amamentaram’.
    Começarão a dizer aos montes: ‘Caí sobre nós’;
    e às colinas: ‘Cobri-nos’.
    Porque, se tratam assim a madeira verde,
    que acontecerá à seca?».
    N      Levavam ainda dois malfeitores
    para serem executados com Jesus.
    Quando chegaram ao lugar chamado Calvário,
    crucificaram-n’O a Ele e aos malfeitores,
    um à direita e outro à esquerda.
    Jesus dizia:
    J        «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem».
    N      Depois deitaram sortes,
    para repartirem entre si as vestes de Jesus.
    O povo permanecia ali a observar.
    Por sua vez, os chefes zombavam e diziam:
    R      «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo,
    se é o Messias de Deus, o Eleito».
    N      Também os soldados troçavam d’Ele;
    aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
    R       «Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo».
    N       Por cima d’Ele havia um letreiro:
    «Este é o rei dos judeus».
    Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados
    insultava-O, dizendo:
    R       «Não és Tu o Messias?
    Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
    N      Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
    R      «Não temes a Deus,
    tu que sofres o mesmo suplício?
    Quanto a nós, fez-se justiça,
    pois recebemos o castigo das nossas más ações.
    Mas Ele nada praticou de condenável».
    N      E acrescentou:
    R       «Jesus, lembra-Te de mim,
    quando vieres com a tua realeza».
    N       Jesus respondeu-lhe:
    J        «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».
    N       Era já quase meio-dia,
    quando as trevas cobriram toda a terra,
    até às três horas da tarde,
    porque o sol se tinha eclipsado.
    O véu do templo rasgou-se ao meio.
    E Jesus exclamou com voz forte:
    J       «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito».
    N      Dito isto, expirou.
    N      Vendo o que sucedera,
    o centurião deu glória a Deus, dizendo:
    R       «Realmente este homem era justo».
    N       E toda a multidão que tinha assistido àquele espetáculo,
    ao ver o que se passava, regressava batendo no peito.
    Todos os conhecidos de Jesus,
    bem como as mulheres que O acompanhavam
    desde a Galileia,
    mantinham-se à distância, observando estas coisas.
    N       Havia um homem chamado José, da cidade de Arimateia,
    que era pessoa reta e justa e esperava o reino de Deus.
    Era membro do Sinédrio, mas não tinha concordado
    com a decisão e o proceder dos outros.
    Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus.
    E depois de o ter descido da cruz,
    envolveu-o num lençol
    e depositou-o num sepulcro escavado na rocha,
    onde ninguém ainda tinha sido sepultado.
    Era o dia da Preparação
    e começavam a aparecer as luzes do sábado.
    Entretanto,
    as mulheres que tinham vindo com Jesus da Galileia
    acompanharam José e observaram o sepulcro
    e a maneira como fora depositado o corpo de Jesus.
    No regresso, prepararam aromas e perfumes.
    E no sábado guardaram o descanso, conforme o preceito.

     

    CONTEXTO

    Ao iniciarmos a Semana Santa, a Semana Maior, a liturgia convida-nos a escutar o impressionante relato da Paixão e Morte de Jesus. O relato, inegavelmente fundamentado em acontecimentos concretos, não é uma simples reportagem jornalística da condenação à morte de um inocente; mas é, sobretudo, uma catequese destinada a mostrar como Jesus, oferecendo a sua vida até ao dom total, na cruz, concretiza o projeto salvador do Pai.

    Com a chegada de Jesus a Jerusalém e os acontecimentos da semana santa, chegamos ao fim do “caminho” começado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho de Lucas, para aqui, para Jerusalém: é aí que deve irromper a salvação de Deus. Em Jerusalém, Jesus vai realizar o último ato do programa enunciado em Nazaré: da sua entrega, do seu amor afirmado até à morte, vai nascer esse Reino de homens novos, livres, salvos, onde todos serão irmãos no amor; e, de Jerusalém, partirão as testemunhas de Jesus, a fim de que a salvação de Deus chegue a todo o mundo e seja acolhida por todos os homens e mulheres.

    O cenário físico da paixão e morte de Jesus é, no Evangelho de Lucas, o mesmo dos outros evangelhos sinóticos: o Cenáculo (o edifício com “uma grande sala mobilada no andar de cima”, onde Jesus fez com os discípulos aquela inolvidável ceia de despedida – Lc 22,12), o Monte das Oliveiras (o jardim para onde Jesus, após a última ceia, se retirou para rezar, e onde foi preso pelos guardas do Templo – cf. Lc 22,39-53), o palácio do sumo-sacerdote Caifás (onde Jesus foi julgado, condenado pelo Sinédrio e ficou preso o resto da noite antes de ser levado diante das autoridades romanas – cf. Lc 22,54-71), o pretório romano da Torre Antónia (onde Jesus, na manhã de sexta-feira, foi torturado e coroado de espinhos e onde o governador Pilatos confirmou a sua condenação à morte – cf. Lc 23,1-6.13-25), as ruas da cidade de Jerusalém (por onde Jesus passou, carregando com a trave transversal da cruz, segundo o ritual próprio das crucifixões – cf. Lc 23,26-32), o Calvário (a pequena colina, fora da cidade onde Jesus, por volta das 9 horas de sexta-feira, foi crucificado – Lc 23,33-49), e o túmulo novo oferecido por José de Arimateia (onde o corpo morto de Jesus foi depositado antes do pôr do sol de sexta-feira – cf. Lc 23,50-56).

    Em que data e em que contexto ocorreram os acontecimentos narrados no relato da paixão de Jesus? Todos os evangelistas concordam que Jesus celebrou uma ceia depois do pôr do sol de uma quinta-feira (quando, segundo o calendário religioso judaico já era sexta-feira) e que morreu na cruz por volta das três horas da tarde dessa sexta-feira. Para Marcos, Mateus e Lucas, contudo, essa sexta-feira era o dia da celebração da festa judaica da Páscoa. Assim, a última ceia de Jesus com os discípulos teria sido uma Ceia Pascal. João, no entanto, considera que a sexta-feira (dia em que Jesus morreu) não foi dia de Páscoa, mas sim o dia da preparação da Páscoa (o dia de Páscoa, nesse ano, começou na sexta-feira ao pôr do sol, quando Jesus já tinha morrido na cruz). Nesse caso, a última ceia de Jesus com os discípulos não teria sido uma Ceia Pascal, mas sim uma ceia de despedida. É difícil aceitar o calendário dos sinóticos, pois não parece provável que, em pleno dia de Páscoa, os judeus desenvolvessem o processo contra Jesus, o levassem pelas ruas de Jerusalém até ao Gólgota e o crucificassem. Sendo assim, Jesus teria sido crucificado na véspera da celebração da Páscoa judaica. Estaríamos, muito provavelmente, na primavera do ano 30. Jesus teria, então, 35-37 anos.

     

    MENSAGEM

    O relato da paixão e morte de Jesus é uma história de uma violência inaudita, perpetrada contra um homem que, na perspetiva daqueles que o conheceram bem e que o acompanharam desde a Galileia até Jerusalém, não fez nada para merecer a condenação decretada contra Ele. Como é que se chegou a este desfecho?

    A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma missão: anunciar um mundo novo, de justiça, de paz e de amor para todos os homens. Jesus chamava a esse mundo novo “o Reino de Deus”. Para concretizar este projeto, Jesus passou pelos caminhos da Palestina “fazendo o bem” e anunciando a proximidade do Reino de Deus. Ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham um coração mais disponível para acolher o “Reino”; e avisou os “ricos” (os poderosos, os prepotentes, os instalados) de que o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência e o fechamento só podiam conduzir à morte.

    O projeto libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável – com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As autoridades políticas e religiosas judaicas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder, influência, domínio, privilégios; não estavam dispostas a arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, decidiram calar Jesus: prenderam-n’O, julgaram-n’O, condenaram-n’O e pregaram-n’O numa cruz. A morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do “Reino”: resultou das tensões e resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que dominavam o mundo.

    Podemos também dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada com sangue), daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço simples e humilde. Foi por amor que Jesus lutou contra a injustiça, a prepotência, a opressão, a maldade nas suas mil e uma formas; foi por amor que Jesus Se deixou prender, condenar e matar; foi por amor que Jesus morreu na cruz. Quem olha para aquela cruz erguida numa colina fora das muralhas de Jerusalém e vê o testemunho que Jesus deixou, percebe como é que a vida deve ser vivida.

    Na cruz, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Assim, a cruz encerra e propõe o dinamismo de um mundo novo, de um mundo transformado pelo amor – o dinamismo do “Reino de Deus”. A cruz, instrumento vil de sofrimento e de morte, torna-se assim uma fonte de Vida e de esperança.

     

    Para além da reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus, convém ainda notar alguns dados que são exclusivos da versão lucana da Paixão.

    1. Lucas procura destacar, em cada página do seu Evangelho, a misericórdia e o amor de Jesus. Ora, isso aparece também em vários passos do relato lucano da paixão. No momento da prisão de Jesus, no Monte das Oliveiras, todos os sinóticos relatam que um dos que estavam com Jesus feriu um servo do sumo sacerdote com uma espada, cortando-lhe uma orelha; mas apenas Lucas conta que Jesus, “tocando na orelha do servo, curou-a” (cf. Lc 22,49-51). Todos os sinóticos contam que, quando Jesus estava preso em casa do sumo sacerdote, Pedro negou repetidamente conhecê-l’O; mas apenas Lucas conta que, após a terceira negação, Jesus “voltou-se e fitou os olhos em Pedro” (Lc 22,61), como se estivesse a dizer-lhe que compreendia a sua fragilidade e o seu medo e que não o condenava. Lucas é o único dos sinóticos a referir que Jesus, pregado na cruz, esmagado e humilhado, se dirige ao Pai para lhe pedir que perdoe aos seus assassinos: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). A exigência do perdão sem condições (cf. Lc 17,3-4) não é, para Jesus, apenas uma bela doutrina sem consequências; mas é uma atitude que é preciso concretizar até às últimas consequências e que obriga todos os filhos e filhas de Deus.
    2. No relato da instituição da Eucaristia, só Lucas põe Jesus a dizer, depois de distribuir o pão aos discípulos que estavam à mesa: “fazei isto em memória de Mim” (cf. Lc 22,19). A expressão não quer apenas dizer que os discípulos devem celebrar liturgicamente o ritual da última ceia e repetir as palavras de Jesus sobre o pão e sobre o vinho; mas quer, sobretudo, indicar que os discípulos devem viver ao ritmo de Jesus: com a mesma entrega, com o mesmo espírito de serviço, com o mesmo amor pelos pequenos e pelos mais frágeis, com a mesma solicitude pelos que são considerados pecadores e malditos, com a mesma paixão pelo Reino de Deus.
    3. Só Lucas coloca no contexto da última ceia a discussão acerca de qual dos discípulos seria o “maior”. Jesus avisa os seus que “o maior” é “aquele que serve”; e apresenta o seu próprio exemplo de uma vida feita serviço e dom (cf. Lc 22,24-27). No contexto da última ceia, estas palavras de Jesus têm uma força especial: soam a “testamento”; por isso, tornam-se algo inesquecível, absolutamente marcante para os discípulos de todas as épocas. Pelo tempo fora, os discípulos de Jesus deverão cuidar para que a Igreja nascida de Jesus seja uma comunidade de serviço simples e humilde e não uma comunidade de gente importante, que vive para as honras e os triunfos humanos.
    4. Todos os sinóticos referem que Jesus, no jardim das Oliveiras, pouco antes de ser preso, orou ao Pai e pediu-lhe que afastasse aquele cálice de dor e morte que estava no seu horizonte próximo (cf. Lc 22,39-42). A oração – que no Evangelho de Lucas tem um lugar especial – é onde Jesus discerne a vontade do Pai e encontra forças para a cumprir. No entanto, somente Lucas faz referência ao aparecimento de um anjo que confortava Jesus (cf. Lc 22,43). Lucas indica, assim, que Deus escutou a oração de Jesus e que, embora não tenha modificado o seu projeto, estava ao lado de Jesus naquele momento de sofrimento e desolação. Deus não abandona, nos momentos de prova, aqueles que acolhem, na obediência, a sua vontade. Também só Lucas refere o “suor de sangue” de Jesus, fruto da sua angústia (cf. Lc 22,44). Esse pormenor acentua a fragilidade humana de Jesus; mas acentuando-a, valoriza ainda mais a entrega total de Jesus ao projeto do Pai.
    5. Todos os sinópticos falam da requisição de Simão de Cirene para levar a cruz de Jesus; no entanto, só Lucas refere que Simão transporta a cruz “atrás de Jesus” (cf. Lc 23,26). A expressão “atrás de Jesus” designa o “lugar” do discípulo, que caminhava habitualmente atrás do seu mestre. Este dado serve a Lucas para apresentar o modelo do discípulo: é aquele que toma a cruz de Jesus e O segue no seu caminho de entrega e de dom da vida (“se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-me” – Lc 9,23; cf. 14,27).
    6. Apenas Lucas se refere ao encontro de Jesus com algumas mulheres, “filhas de Jerusalém”, que o esperavam no caminho (cf. Lc 23,27-31). As mulheres têm, no Evangelho de Lucas, um lugar especial. Elas estão entre as pessoas que, dada a sua situação de fragilidade, mais necessitam de experimentar a bondade e a solicitude de Deus. No entanto, também aparecem como discípulas fiéis, que acompanham o Mestre desde a Galileia a Jerusalém (cf. Lc 8,1-3). Aqui, no caminho do calvário, as mulheres aparecem na posição de discípulas que vão atrás de Jesus enquanto Ele percorre o seu caminho de dor e de morte. Finalmente, voltamos a encontrar, quando Jesus já está na cruz, mulheres “que O tinham acompanhado desde a Galileia” e que se “mantinham à distância", observando tudo (Lc 23,49). Elas são o modelo do discípulo que nunca se afasta de Jesus e observa tudo o que Ele faz.
    7. Todos os sinóticos referem que Jesus foi crucificado com dois malfeitores. No entanto apenas Lucas refere um diálogo que se estabelece entre os três crucificados. Um dos malfeitores insulta Jesus (“não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também”); mas o outro reconhece a inocência de Jesus e pede-lhe: “Jesus, lembra-Te de mim, quando vieres com a tua realeza”. Jesus responde-lhe: “em verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Como aconteceu durante toda a sua vida, também naquele momento final Jesus está rodeado pelos pecadores, pelos malditos, por aqueles que a sociedade rejeita. Por amor, Jesus envolveu-se com os pecadores e procurou libertá-los de todas as escravidões. No momento mais decisiva da sua vida Jesus continua a concretizar o projeto do Pai e a oferecer a salvação de Deus a todos, até aos “malfeitores”. Dando testemunho da bondade e do amor de Deus por todos os seus filhos, garante a um maldito a vida definitiva e apresenta-o a todos nós como o primeiro santo canonizado da sua Igreja.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, experimentou a angústia e o pavor diante da morte; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar, até ao último suspiro, até à última gota de sangue. Esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes. É esse amor ilimitado e inacreditável que vemos quando olhamos para a cruz de Jesus? E o amor de Jesus, expresso na cruz, torna-se lição que nós acolhemos e que transformamos em gestos concretos de dom e de serviço para os que “viajam” connosco?
    • Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade. Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste modo pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição. A contemplação da cruz de Jesus leva-nos ao compromisso com a transformação do mundo? A contemplação da cruz de Jesus faz com que nos sintamos solidários com todos os nossos irmãos que todos os dias são crucificados e injustiçados? A contemplação da cruz de Jesus dá-nos a coragem para lutarmos contra tudo aquilo que gera sofrimento e morte, mesmo que isso implique correr riscos, ser incompreendido e condenado?
    • Um dos elementos mais destacados nos relatos da paixão – nomeadamente no relato de Lucas – é a forma como Jesus Se comporta ao longo de todo o processo que conduz à sua morte… Ele nunca Se descontrola, nunca recua, nunca resiste, mas mantém-Se sempre sereno e digno, enfrentando o seu destino de cruz. Tal não significa que Jesus seja um herói inconsciente a quem o sofrimento e a morte não assustam, ou que Ele Se coloque na pele de um fraco que desistiu de lutar e que aceita passivamente aquilo que os outros Lhe impõem… A atitude de Jesus é a atitude de quem sabe que o Pai Lhe confiou uma missão e está decidido a cumprir essa missão, custe o que custar. Temos a mesma disponibilidade de Jesus para escutar os desafios de Deus e a mesma determinação que Jesus tinha para concretizar esses desafios no mundo?
    • A angústia de Jesus diante da morte – bem expressa naquele “suor que se tornou como grossas gotas de sangue que caíam por terra” – tornam-n’O muito “humano”, muito próximo das nossas debilidades e fragilidades. Dessa forma, é mais fácil identificarmo-nos com Ele, confiar n’Ele, segui-l’O no seu caminho do amor e da entrega. A humanidade de Jesus mostra-nos, também, que o caminho da obediência ao Pai não é um caminho impossível, reservado a super-heróis ou a deuses, mas é um caminho de homens frágeis, chamados por Deus a percorrerem, com esforço, o caminho que conduz à vida definitiva. Quais são as fragilidades que sentimos e que são obstáculo no nosso seguimento de Jesus? Deixamos que as limitações – reais ou imaginárias – que sentimos sejam decisivas quando chega a hora de optarmos?
    • “Fazei isto em memória de Mim” – diz Jesus aos discípulos na ceia em que se despediu deles e lhes deixou o seu testamento. A expressão não se referia apenas ao gesto que Jesus fez sobre o pão, mas referia-se sobretudo a essa entrega de si próprio que Ele viveu desde que nasceu até que morreu na cruz. Nós que partilhamos e comemos o pão eucarístico vivemos na lógica de Jesus e procuramos pôr a nossa vida ao serviço dos irmãos que encontramos no caminho? O gesto litúrgico de “comer” o pão de Jesus, repetido em cada eucaristia, é um gesto ritual e vazio, sem consequências na vida, ou é um gesto que se traduz, na vida concreta, em serviço simples e humilde em favor dos irmãos, em amor até ao extremo, em luta pela justiça e pela verdade, em compromisso com a construção de um mundo mais justo e mais humano?
    • Lucas apresenta Jesus, poucas horas antes de ser morto na cruz, a pedir aos discípulos que não coloquem no centro das suas vidas as preocupações com os postos importantes, os lugares de poder, as honras, as distinções, os privilégios, mas sim o serviço simples e humilde aos irmãos. A Igreja nascida de Jesus, ou será uma comunidade de amor e serviço, ou não será nada. Que temos feito desse “testamento” que Jesus nos deixou? Que sentido fazem, à luz do “testamento” de Jesus, as pompas, os títulos, as honrarias, os privilégios, atrás dos quais às vezes corremos? Temos continuamente presente no nosso horizonte de vida a expressão de Jesus “o maior entre vós seja como o menor e aquele que manda seja como quem serve”?
    • A maior parte dos discípulos de Jesus fugiram quando Ele foi preso no monte das Oliveiras e Pedro negou-o três vezes no pátio da casa do sumo sacerdote. Apesar disso, Lucas dá conta de um homem chamado Simão de Cirene que pega na cruz e a leva “atrás de Jesus”, bem como de diversas mulheres que seguem Jesus enquanto Ele caminha para o local da sua execução. Simão e as mulheres que seguem Jesus não têm medo de ir atrás de Jesus, de ajudá-lo a levar a cruz, de percorrer com Jesus o caminho da doação total, de ficar com Jesus até ao fim. Simão e aquelas mulheres são verdadeiros discípulos. Estão incondicionalmente com Jesus, mesmo que o caminho em que Ele segue seja um caminho de sofrimento e de dor. Que tipo de discípulos somos nós? Somos daqueles que abandonam Jesus quando o caminho se torna complicado, ou somos dos incondicionais, dos que o acompanham até ao fim, aconteça o que acontecer?
    • Jesus passou a vida rodeado de pessoas “pouco recomendáveis”, que a sociedade e a religião condenavam. No momento mais decisivo da sua vida, naquela colina fora das muralhas de Jerusalém onde está a “entregar a vida”, continua rodeado por gente “maldita”. A um dos “malfeitores” que, afinal, se revelou um homem de boa vontade, Jesus prometeu-lhe a salvação de Deus. Como tratamos os “malditos” da Igreja e do mundo, os marginais, os que vivem de forma social ou religiosamente incorreta? Fechamos-lhe as portas das nossas comunidades cristãs e das nossas vidas, ou testemunhamos-lhes a misericórdia, a bondade e a ternura de Deus?
    • A morte de Jesus não foi um acidente. Os líderes judaicos que arquitetaram a morte de Jesus sabiam bem o que estavam a fazer. A culpa dos dirigentes naquela triste história de violência e morte que vitimou Jesus não podia ser mais clara. Apesar disso, Jesus morreu a pedir a Deus que perdoasse aos seus assassinos. O perdão – que é uma consequência do amor – é a marca de Deus. Somos capazes de imitar Jesus e de perdoar a quem nos faz mal?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE RAMOS
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Ramos, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. O EVANGELHO DA PAIXÃO… PROCLAMADO E ACOLHIDO.

    Neste Domingo de Ramos temos a leitura da Paixão, na sua forma longa ou na forma breve. O lecionário propõe uma leitura dialogada. Procurar que os vários leitores a preparem com afinco para que a Palavra seja bem proclamada (e bem acolhida!) e não apenas recitada (e mal percebida!). A proclamação por vários leitores deve ajudar à concentração na Palavra e à sua interiorização profunda e não à dispersão e a um acolhimento superficial. Se tal ajudar, pode-se prever um breve tempo de silêncio (ou um refrão apropriado) entre cada sequência da Paixão.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

     

    No final da primeira leitura:

    Pai, nós Te damos graças pelo testemunho de não-violência dado e ensinado pelos teus profetas e, sobretudo, pelo teu Filho Jesus.

    Nós Te pedimos: vem em nosso auxílio, desperta-nos em cada manhã para a escuta da tua Palavra, ensina-nos com o teu Espírito de paciência. Que nós saibamos reconfortar aqueles que não aguentam mais viver.

     

    No final da segunda leitura:

    Cristo Jesus, nós Te adoramos e bendizemos: Tu, que és de condição divina, despojaste-Te e fizeste-Te servidor. Pai, nós Te glorificamos, porque o teu Filho humilhado até ao extremo pelos homens, Tu O revelaste acima de tudo.

    Nós Te pedimos pela nossa humanidade que continua a sofrer e a fazer sofrer: levanta-a e cura-a com o teu Espírito de ressurreição.

     

    No final do Evangelho:

    Jesus, Filho do Deus vivo, nós Te bendizemos por esta revelação admirável que Tu fizeste ao bom ladrão, pela qual fortificas a nossa esperança: «hoje mesmo estarás comigo no paraíso».

    Em nome de todos os nossos irmãos e irmãs mergulhados na dor e na infelicidade, nós Te pedimos: «No teu Reino, lembra-te de nós, Senhor».

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    É difícil fazer calar uma multidão. Na descida do monte das Oliveiras, a multidão de Jerusalém aclama Jesus: “Bendito o que vem, o nosso rei, em nome do Senhor!” Mas uma multidão pode ser manipulada e acabar por dizer o contrário. Assim, alguns dias mais tarde, ela gritará: “Morte a este homem! Crucifica-o!” Jesus não quer calar a multidão que O aclama, porque, se eles se calam, as pedras falarão! Será um malfeitor, crucificado junto d’Ele, que O reconhecerá como rei: “Jesus, lembra-Te de mim, quando vieres com a tua realeza”. Será um centurião, um pagão do exército romano, a fazer um ato de fé: “Realmente este homem era justo!” As pedras não terão necessidade de gritar, porque estes dois homens recusaram calar-se: já o Espírito os animava e fazia-lhes dizer a verdade. Quanto a Jesus, é por ter dito a verdade que é levado à morte. De facto, a verdade desarranja… O trono que espera este rei é a cruz e a sua coroa será de espinhos: na fraqueza manifestar-se-á o poder de Deus, o poder do Amor!

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Dante definiu São Lucas como “o escriba da misericórdia de Deus”. De facto, mesmo no relato da Paixão, sem esquecer os sofrimentos de Jesus, em particular a sua angústia na agonia do monte das Oliveiras, Lucas continua a revelar até ao fim a misericórdia do Pai. Ele guardou memória de três palavras de Jesus. Primeira palavra de Jesus: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Jesus não se limita a perdoar, vai mais longe. Ele sabe que a fonte de todo o amor e de todo o perdão não está n’Ele, mas no Pai. Ele apresenta-Se diante do Pai como o intercessor a quem o Pai nada pode recusar. Ele apaga-Se, para que vejamos que é a vontade do Pai que se está a cumprir. É a oração de sempre de Jesus por nós, Ele que está sempre vivo para interceder em nosso favor. Segunda palavra de Jesus, que é a resposta ao “bom ladrão”: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso”. A eficácia do perdão que o Pai dá por Jesus não suporta qualquer adiamento. Jesus apaga definitivamente a imagem de um Deus terrível e vingador, que nada deixa passar. Cremos num Deus Pai que perdoa “setenta vezes sete”. Terceira palavra de Jesus, que é um grito de uma infinita confiança no seu Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Jesus acolheu sempre, na liberdade da sua consciência humana, o amor que Lhe dava o seu Pai. Sempre esteve nas mãos do Pai. Mesmo na sua última palavra, Jesus manifesta a sua adesão a este amor infinito do seu Pai, à sua vontade de salvação, de misericórdia, para além de tudo o que possamos imaginar.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se rezar a Oração Eucarística II pela sua densidade e brevidade. No início, pode inserir-se uma referência ao Domingo de Ramos, como primeiro dia da Semana Santa em que celebramos já o dia da ressurreição…

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO…

    «Hossana! Crucifica-O!…» Gritos de alegria! Gritos de ódio!… A mesma multidão! E o nosso grito hoje? Somos discípulos de Jesus quando tudo vai bem… e prontos a negá-l’O quando nos sentimos comprometidos com Ele? Durante a Semana Santa, tomemos o tempo de parar com Paulo a fim de revivificar a nossa fé em “Cristo Jesus imagem de Deus… abaixando-Se até à morte de Cruz… elevado acima de tudo…”. Ousemos proclamá-lo pela nossa vida “Cristo e Senhor para a glória do Pai”! Vivamos a Semana Santa na oração e na contemplação de Jesus Cristo, a essência do nosso ser e da comunhão de irmãos em Igreja!

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Segunda - Semana Santa

    Segunda - Semana Santa

    14 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 42, 1-7

    1 «Eis o meu servo, que Eu amparo, o meu eleito, que Eu preferi. Fiz repousar sobre ele o meu espírito, para que leve às nações a verdadeira justiça. 2 Ele não gritará, não levantará a V04 não clamará nas ruas. 3 Não quebrará a cana rachada, não apagará a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a fidelidade a verdadeira justiça. 4 Não desanimará, nem desfalecerá, até estabelecer na terra o direito, as leis que os povos das ilhas esperam dele. 5 Eis o que diz o Senhor Deus, que criou os céus e os estendeu, que consolidou a terra com a sua vegetação, que deu vida aos seus habitantes, e o alento aos que andam por ela. 6 Eu, o Senhor, chamei-te por causa da justiça, segurei-te pela mão; formei-te e designei-te como aliança de um povo e luz das nações; 7 para abrires os olhos aos cegos, para tirares do cárcere os prisioneiros, e da prisão, os que vivem nas trevas.

    A liturgia apresenta-nos, hoje, a figura do Servo de Javé, que nos ajuda a entrar no mistério pascal, que celebramos com particular intensidade. A eleição, a missão e o sofrimento desta misteriosa figura, são profecia do destino de Cristo. De facto, a sua missão é de capital importância, mas extremamente difícil. Por isso, o próprio Deus o apoia. Este Servo é consagrado com o espírito profético, para levar a todas as nações «a verdadeira justiç», isto é, o conhecimento dos juízos de Deus. A missão do Servo é descrita tendo como pano de fundo os costumes de Babilónia, onde o «arauto do grande rei» era encarregado de proclamar pelas ruas da cidade os decretos de condenação à morte. Se, ao terminar a volta, ninguém se erguesse para defender o condenado, o arauto quebrava a cana e apagava a lâmpada que levava, para indicar que a condenação se tornara irrevogável.

    Mas o Servo do único verdadeiro rei, que é Deus, não quebra a cana, nem apaga a lâmpada. Sendo portador do juízo de Deus, não vai para condenar, mas para salvar. Com a força da mansidão e com a firmeza da verdade, cumpre a sua missão, levando às mais remotas paragens a Lei que todos esperam (cf. v. 4).

    A figura do Servo realiza-se em Cristo, simultaneamente servo sofredor e libertador da humanidade, escolhido para realizar a salvação, iluminar os povos, e estabelecer a nova e eterna aliança (cf. v. 6), selada com o seu sangue.

    Evangelho: João 12, 1-11

    1 Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde vivia Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. 20fereceram-Ihe lá um jantar. Marta servia e Lázaro era um dos que estavam com Ele à mesa. 3 Então, Maria ungiu os pés de Jesus com uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, e enxugou-lhos com os seus cabelos. A casa encheu-se com a fragrância do perfume. 4 Nessa altura disse um dos discípulos, Judas Isceriotes. aquele que havia de o entregar: 5 «Porque é que não se vendeu este perfume por trezentos denários, para os dar aos pobres?» 6 Ele, porém, disse isto, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa do dinheiro, tirava o que nela se deitava. 7 Então, Jesus disse: «Deixa que ela o tenha guardado para o dia da minha sepultura! 8 De facto, os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim não me tendes sempre.» 9Um grande número de judeus, ao saber que Ele estava ali, vieram, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. 10 Os sumos sacerdotes decidiram dar a morte também a Lázaro, 11 porque muitos judeus, por causa dele, os abandonavam e passavam a crer em Jesus.

    o cuidado de João em referir a cronologia dos acontecimentos com preosao permite-nos reviver pontualmente a graça dos últimos eventos que prepararam a páscoa de Jesus. O jantar de Jesus, em Betânia, é prelúdio da Última Ceia. A refeição, tomada em grupo, era um gesto sagrado porque indicava comunhão de sentimentos e de vida, e era ensejo para dar graças a Deus por todos os seus dons, a começar pela vida. No episódio que o evangelho de hoje refere, esse aspecto era realçado pela presença de Lázaro, «ressuscitado dos mortos- (v. 9). Mas, na cena descrita por João, tem particular realce Maria, com o seu gesto de amor adorante, sem cálculos nem medida. Essa mulher derrama sobre os pés de Jesus um perfume que podia custar o salário recebido por um trabalhador manual durante dez meses. E, anota João, «a casa encheu-se com a fragrância do pertume. (v. 3). Maria é imagem da Igreja-Esposa, unida ao sacrifício de Cristo-Esposo, que contrasta com a esquálida figura de Judas. O amor dilatou o coração de Maria, irmã de Lázaro, enquanto a mesquinhez fechou irremediavelmente o de Judas Iscariotes.

    Meditatio

    Ao meditar sobre o texto evangélico que a liturgia hoje nos oferece, o Pe. Dehon começa por nos convidar a contemplar Maria Madalena que «traz aos pés de Jesus o perfume simbólico do seu amor e da sua reparação». É belo deter-nos nesta cena, tão cheia de afecto e de amizade, numa página carregada de presságios e interrogações. O nosso seguimento de Jesus pode desenrolar-se como caminho da morte à vida, como aconteceu a Lázaro, ou como solicitude atenta e cuidadosa no serviço ao Mestre e aos seus, como aconteceu com Marta; mas pode também assemelhar-se a um caminho de amor adorante, como aconteceu com Maria, ou a um caminho de resistências e de calculismos, que acabam por sufocar quem os segue, como aconteceu com Judas.

    É importante estar com Jesus, escutar a sua Palavra, partilhar a sua vida. Mas, mais importante ainda, é reconhecer e acolher o amor que Ele tem por nós, o amor que Ele é. Judas não o soube acolher. Por isso, condenou o «desperdício» de Maria, e fez cálculos, a pretexto de ajudar os pobres. Maria, pelo contrário, fez desse amor a sua vida. O Pobre, por excelência, é Jesus, que nos dá tudo quanto possui, tudo quanto é. Por isso, só Ele deve ser o centro da nossa vida, sem qualquer espécie de cálculos. O Mestre dá-nos tudo! Há que dar-lhe tudo, sem cálculos nem reservas. A nossa entrega total a Cristo acaba por beneficiar toda a Igreja: «a casa encheu-se com a fragrância do perfume>>{v. 3) .

    Maria estava longe de se aperceber da profundidade do seu gesto. Mas Jesus encarregou-Se de lha revelar: era já uma homenagem pelo sacrifício que estava para realizar: «Deixa que ela o tenha guardado para o dia da minha sepultura!» (v. 7). Jesus está para dar a sua vida, para derramar o seu sangue: «Isto é o meu corpo entregue ... este é o meu sangue derramado por VÓ9> (cf. Mt 26, 26s.). Era justo que Maria honrasse esse corpo oferecido, derramando sobre ele o perfume precioso. Participemos nessa homenagem de Maria. Vivamos esta semana em grande espírito de gratidão, de recolhimento, na emoção de sermos amados, e amados até à mo
    rte. Sejamos generosos com o Senhor que deu tudo e Se deu todo por nós. Correspondamos ao seu amor. Deixemo-nos amar. Tornemo-nos, cada vez mais, profetas desse amor.

    Oratio

    Senhor Jesus, concede-me a graça de viver estes dias da tua Paixão perto de Ti, de ser excessivamente generoso contigo, como foi Maria que «desperdiçou» um perfume tão precioso para Te honrar. Que jamais ceda à tentação de pensar que, aquilo que faço por Ti, podia ser útil para outros fins mais ou menos «piedosos» ... Dá­me a graça de compreender, quanto é possível neste mundo, o teu amor por mim. Então compreenderei também que, tudo quanto faço por Ti, é pouco, ainda que pareça muito. Como Maria, e como o teu servo, Pe. Dehon, quero procurar-te assídua e fielmente, colocando-me na tua presença no começo de cada acção, vivendo junto de Ti e para Ti. Dá-me, Senhor, esta assiduidade que será alegria para o teu Coração, que será a minha santificação. Amen.

    Contemplatio

    Santa Madalena é o modelo de um amor sincero e verdadeiro, saído do mais perfeito arrependimento. Desde o momento da sua conversão, Madalena é generosa. Ela lança-se aos pés de Nosso Senhor, derrama abundantes lágrimas, afronta o respeito humano, consagra a Nosso Senhor perfumes de um grande preço. É já uma alma amante. Dá-se sem reservas a Nosso Senhor, e doravante o seguirá, fielmente o servirá.

    Nosso Senhor é tudo para ela. Mantém-se aos seus pés e é tudo. Em Betânia, não se agita para servir Nosso Senhor, contempla-o, escuta-o. Quem tem Jesus tem tudo.

    Quando Lázaro morre, que fé e que confiança ela testemunha! Marta agita-se ainda e Maria diz somente: «Mestre, se aqui tivésseis estado, e/e não estaria mortos, Marta e Maria são ambas amantes, mas testemunham o seu amor de um modo diferente: Marta é activa e Maria é contemplativa. Ambas são nossos modelos, devemos todos unir a contemplação à acção (Leão Dehon, OSP 3, p. 81).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «A fé opera por meio da caridade» (cf. Gal 5,6).

  • Terça-feira - Semana Santa

    Terça-feira - Semana Santa

    15 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 49, 1-6

    l«Ouvi-me, habitantes das ilhas, prestai atenção, povos de longe. Quando ainda estava no ventre materno, o Senhor chamou-me, quando ainda estava no seio da minha mãe, pronunciou o meu nome. 2 Fez da minha palavra uma espada afiada, escondeu-me na concha da sua mão. Fez da minha mensagem uma seta penetrante, guardou-me na sua a/java. 3Disse-me: «Israel, tu és o meu servo, em ti serei glorificado.» 4Eu dizia a mim mesmo: «Em vão me cansei, em vento e em nada gastei as minhas forças.» Porém, o meu direito está nas mãos do Senhor, e no meu Deus a minha recompensa. 5 E agora o Senhor declara-me que me formou desde o ventre materno, para ser o seu servo, para lhe reconduzir Jacob, e para lhe congregar Israel. Assim me honrou o Senhor. O meu Deus tornou-se a minha força. 6 Disse-me: «Não basta que sejas meu servo, só para restaurares as tribos de Jacob, e reunires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terre.»

    o Servo de Javé pede a todos atenção porque tem uma declaração a fazer: a sua missão deverá alargar-se até aos confins do mundo (v. 6b). E narra a sua história, resumindo-a em alguns momentos particularmente significativos: a sua vocação, momento em que também recebeu os dons para realizar com eficácia a missão de proclamar a palavra de modo eficaz (v. Is.): o oráculo com que Deus o confirma na sua identidade e na missão (v. 3).

    A missão começa por ser um fracasso, o que leva o Servo a exclamar: «Em vão me cansei, em vento e em nada gastei as minhas forças». Mas reconhece que a sua causa não está perdida: «o meu direito está nas mãos do Senhor, e no meu Deus a minha recompense». Animado pela confiança no Senhor, o Servo, acolhe e transmite um novo oráculo de Deus: «Não basta que sejas meu servo, só para restaurares as tribos de Jacob, e reunires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terre».

    A missão do Servo é universal. Por meio dele, Deus quer fazer chegar o dom da salvação aos mais remotos confins da terra. A missão do Servo entre os seus compatriotas é insignificante, se comparada com a sua vocação missionária.

    Evangelho: João 13, 21-33

    21 Tendo dito isto, Jesus perturbou-se interiormente e declarou: «Em verdade, em verdade vos digo que um de vós me há-de entregar/» 220S discípulos olhavam uns para os outros, sem saberem a quem se referia. 23 Um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa reclinado no seu peito. 24 Simão Pedro fez-lhe sinal para que lhe perguntasse a quem se referia. 25 Então ele, apoiando-se naturalmente sobre o peito de Jesus, perguntou: «Senhor, quem é?» 26 Jesus respondeu: «É aquele a quem Eu der o bocado de pão ensopado.» E molhando o bocado de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. 27 E, logo após o bocado, entrou nele Satanás. Jesus disse-lhe, então: «O que tens a fazer fá-lo depressa.» 28Nenhum dos que estavam com Ele à mesa entendeu, porém, com que fim lho dissera. 29 Alguns pensavam que, como Judas tinha a bolsa, Jesus lhe tinha dito: 'Compra o que precisamos para a Festa; ou que desse alguma coisa aos pobres. 30Tendo tomado o bocado de pão, saiu logo. Fazia-se noite. 31 Depois de Judas ter saído, Jesus disse: «Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e assim se revela nele a glória de Deus. 32 E, se Deus revela nele a sua glória, também o próprio Deus revelará a glória do Filho do Homem, e há-de revelá-Ia muito em breve.»

    33 «Filhinhos, já pouco tempo vou estar convosco. Haveis de me procurar, e, assim como Eu disse aos judeus: 'Para onde Eu for vós não podereis ir; também agora o digo a vós. 36 Disse-lhe Simão Pedro: «Senhor, para onde vais?» Jesus respondeu­lhe: «Para onde Eu vou, tu não me podes seguir por agora; hás-de seguir-me mais tarde.» 37Disse-Ihe Pedro: «Senhor, porque não posso seguir-te agora? Eu daria a vida por til» 38Replicou Jesus: «Darias a vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: não cantará o galo, antes de me teres negado três vezes!»

    Terminado o lava-pés, Jesus alude à traição de que está para ser vítima: «um de vós me há-de entregar!» (v. 21). Estas palavras de Jesus, com a perturbação que Lhe vêem estampada no rosto, deixam os apóstolos espantados. Tentam identificar o traidor. Pedro reage por primeiro, manifestando a autoridade que lhe era reconhecida e o bom entendimento que havia entre ele e João. Jesus revela a infinita delicadeza que O distingue: enquanto indica o traidor, oferece-lhe um bocado de pão envolvido em molho, sinal de honra e distinção entre comensais. Uma última e amorosa provocação! Judas nega-se a corresponder a esse gesto, mostrando que a sorte de Jesus estava traçada. Recebendo o bocado, mas recusando o Amigo que lho oferecia, Judas saiu. «Fazia-se noite. (v. 30b), anota o evangelista. Judas já não podia ficar no grupo dos amigos de Jesus. Deixara-se envolver pela noite da mentira, do ódio, pelo reino de Satanás.

    «Nenhum dos que estavam com Ele à mesa entendeu» (v. 28). Mas, no exacto momento em que Judas saía para atraiçoar o Mestre, era glorificado o Filho do homem. Com Ele, era glorificado o Pai que, ao entregar o Filho, revela o seu imenso amor. A hora da morte e a hora da ressurreição são, juntas, a hora da glorificação, da manifestação de Deus-Amor.

    Depois, Jesus inicia o discurso de adeus (v. 33). O vazio que deixa, e que nada nem ninguém pode preencher, não é definitivo. Pedro, sempre impetuoso, não quer nem tem paciência para esperar e quer partir imediatamente com o Mestre: «Senhor, porque não posso seguir-te agora? Eu daria a vida por ti! (v. 36)>>. Mas, nem Pedro nem mais ninguém pode seguir Jesus só com a sua boa vontade, ou com as suas forças. É preciso Espírito Santo, o grande dom pascal, que é preciso aguardar.

    Meditatio

    Num mundo que nos enche de angústias e nos pode tornar pessimistas, porque nos parece que "tudo ... jaz sob o poder do malignd' (1 Jo 5, 19), Cristo, "Homem novd' (Ef 4, 24) dá-nos coragem, ilumina-nos, pacifica-nos e dá-nos alegria (Cf. Jo 20, 20-21), porque nos mostra o poder do Pai em transformar, para sua glória e nosso bem, todas as situações, mesmo as mais difíceis. Contemplando a Cristo, e unidos a Ele, verificamos que "apesar do pecado, dos fracassos e da injustiça, a redenção é possível, oferecida e já está presente (Cst. 12). As leituras de hoje mostram-nos esta verdade.

    O Servo de Javé, de que nos fala Isaías, vive um momento dramático. Está profundamente desanimado. A sua missão tornara-se um retundo fracasso. Por isso, exclama: «Em vão me
    cansei, em vento e em nada gastei as minhas forças». Mas não se deixa cair no desespero. Continua a confiar no Senhor, que o escolheu desde o ventre materno e o chamou: «Porém, o meu direito está nas mãos do Senhor, e no meu Deus a minha recompensa». Mantendo-se fielmente atento à Palavra do Senhor, acaba por verificar que as presentes dificuldades, no meio do seu povo, são caminho para um horizonte de missão muito mais alargado e radioso: «Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terrz» (v. 6).

    Esta profecia realiza-se plenamente em Jesus. Também Ele passa por um momento dramático e é atraiçoado por um dos seus. Está profundamente perturbado e declara: «um de vós me há-de entregar.!» (v. 21). A sua missão parece redundar num completo fracasso, numa tremenda derrota. Mas Jesus também se deixa iluminar pela Palavra do Pai e exclama: «Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e assim se revela nele a glória de DeU9> (v. 31).

    Tanto o Servo de que fala Isaías, como Jesus, o verdadeiro Servo, conseguem ver para além das aparências. Mesmo nas situações mais dramáticas, descobrem a poderosa acção de Deus que tudo transforma. Os maiores sofrimentos, aceites na fidelidade a Deus, para realizar os seus projectos, transformam-se em glória. Ao aceitar a Paixão, para redenção do mundo, Jesus realiza a profecia de Isaías, para glória do Pai.

    Situações semelhantes podem surgir na nossa vida de cristãos, de consagrados, de sacerdotes. A Paixão de Jesus irradia uma luz poderosa para lermos essas situações e reagirmos à maneira do Senhor, acolhendo-as como ocasiões para glorificar a Deus. Este acolhimento confiante não depende unicamente da nossa boa vontade, da nossa generosidade. É o que Jesus declara a Pedro: «tu não me podes seguir por eçore» (v. 36). É preciso ser chamado por Ele, e receber a força do seu Espírito. Pela vocação e pelo carisma, somos unidos a Cristo e tornados capazes de participar na sua missão, mesmo no meio das maiores hostilidades e sofrimentos. Unidos a Cristo, podemos participar no seu mistério pascal, para nos transformarmos a nós mesmos e transformarmos o mundo.

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu conheces todas as possibilidades das nossas traições, das nossas repentinas reviravoltas, das dissimuladas e insinuantes afirmações, que ferem o coração da comunidade e ferem o teu coração, sempre em agonia, até ao fim do mundo. Judas, traidor, continuou a ser, para Ti, um amigo, a quem ofereceste um último gesto de delicada predilecção. O Amor, que és Tu, não retira o que ofereceu, não renega o que é. Prefere consumir-se no sofrimento e na morte! Todos levamos em nós as trevas de Judas, a impulsividade de Pedro, o amor de João. E por todos Te ofereces, porque nos amaste até à morte. É a tua glória. É a glória do Pai! O seu amor eternamente fiel, revela-se no teu rosto desfigurado pelo sofrimento. A Ele a vitória! A Ele a glória para sempre! Amen.

    Contemplatio

    Satanás tinha tomado posse de Judas, um apóstolo! E foi-se encontrar com os príncipes dos sacerdotes para conspirar a sua traição com eles. Disse-lhes: «Que quereis dar-me, se vo-to entreçer?».

    É introduzido no Sinédrio, escutam-no com alegria, uma alegria digna do inferno. Discutem o preço. Oferecem-lhe trinta moedas de prata. Aceita, o pacto é concluído. A moeda de prata valia quatro dracmas antigas, cerca de cinco francos. Trinta moedas, era o preço habitual de um escravo.

    Eis até onde Jesus quis descer para nos resgatar.

    Judas empenhou a sua palavra, e desde aquele momento procurava a ocasião para lhes entregar Jesus fazendo com que Ele ficasse fora dos encontros populares: spopondit et quaerebat opportunitatem ut traderet eum sine turbis (Lc 22,6).

    Como é que Judas chegou àquele ponto? Tinha sido pouco a pouco e cedendo, primeiro, a alguns movimentos de avareza.

    Oh! Como a inclinação para o pecado é escorregadia! Não estou eu em perigo, pela minha tibieza actual, de cair bem baixo?

    Depois do seu pacto criminoso, Judas e os Fariseus tiveram ainda vários dias para se arrependerem, mas em vão. O endurecimento é o castigo do sacrilégio. Como devo temer chegar até lá! Trato muitas vezes Nosso Senhor com tão pouco respeito nas minhas comunhões impregnadas de tibieza e de rotina! - Nosso Senhor dizia ao bispo de Éfeso: «Decaíste do teu fervor, toma cuidado! Se não fizeres penitência, voltarei, derrubarei o teu candelabro e darei a outro o teu lugar» (Ap 2,5) (leão DEhon, OSP 3, p. 257s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «E agora que se revela a glória do Filho do Homem; e assim se revela nele a glória de Deus» (Jo 13, 31).

  • Quarta-feira - Semana Santa

    Quarta-feira - Semana Santa

    16 de Abril, 2025

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 50, 4-9a

    4 «O Senhor Deus ensinou-me o que devo dizer, para saber dar palavras de alento aos desanimados. Cada manhã desperta os meus ouvidos, para que eu aprenda como os discípulos. 50 Senhor Deus abriu-me os ouvidos, e eu não resisti, nem recusei. 6 Aos que me batiam apresentei as espáduas, e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me ultrajavam e cuspiam. 7 Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio; por isso não sentia os ultrajes. Endureci o meu rosto como uma pedra, pois sabia que não ficaria envergonhado. 80 meu defensor está junto de mim. Quem ousará levantar-me um processo? Compareçamos juntos diante do juiz! Apresente-se quem tiver qualquer coisa contra mim. 9 O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem poderá condenar-me?

    No terceiro cântico são acentuados os sofrimentos do Servo de Javé: hostilidade, perseguição, violência, fracasso. Como discípulo, o Servo não diz o que lhe agrada, mas tem por missão transmitir as palavras, que atentamente escuta do Senhor, aos desanimados e hesitantes. Por isso, não opõe resistência a Deus. Sabe que Deus está com ele e, por isso, mantém-se forte e manso diante dos perseguidores. Acolheu fielmente a Palavra e não recua diante da violência com que tentam afastá-lo ou reduzi-lo ao silêncio. Não se verga ao sofrimento, nem se deixa desnortear. Deus há intervir para o justificar diante dos opositores. Por isso, proclama com determinação e fidelidade a Palavra escutada da boca de Deus: «O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem o sará condener-me?» (v. 9).

    Evangelho: Mateus, 26, 14-25

    14 Então um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os sumos secerootes'íe disse-lhes: «Quanto me dareis, se eu vo-to entregar?» Eles garantiram­lhe trinta moedas de prata. 16 E, a partir de então, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus.

    17 No primeiro dia da festa dos Ázimos. os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-lhe: «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?» 18 Ele respondeu: «Ide à cidade, a casa de um certo homem e dizei-lhe: 'O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo; é em tua casa que quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos. ~> 1905 discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara e prepararam a Páscoa. 20 Ao cair da tarde, sentou-se à mesa com os Doze. 21 Enquanto comiam, disse: «Em verdade vos digo: Um de vós me há-de entregar.» 22 Profundamente entristecidos, começaram a perguntar-lhe, cada um por sua vez: «Porventura serei eu, Senhor?» 23 Ele respondeu: «O que mete comigo a mão no prato, esse me entregará. 240 Filho do Homem segue o seu caminho, como está escrito acerca dele; mas ai daquele por quem o Filho do Homem vai ser entregue. Seria melhor para esse homem não ter nascido!» 25 Judas, o traidor, tomou a palavra e perguntou: «Porventura serei eu, Mestre?» «Tu o disseste» - respondeu Jesus.

    «Um dos Doze», um dos amigos íntimos de Jesus foi entreqá-lO aos que O pretendiam matar. Foi por sua iniciativa, livremente. A partir desse momento, continuando no grupo dos discípulos, que partilhavam a vida e a missão do Mestre, ficou à espera de «uma oportunidsde: (v. 16) para O entregar. É arrepiante!

    A liberdade humana é capaz de tudo, até de se transcender na iniquidade, obra de Satanás (cf. Lc 22, 3 e Jo 13, 2). Mateus dá-o a entender, quando cita Zacarias: «Quanto me dareis, se eu vo-to entregar?» Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata» (v. 15; cf. Zc 11, 12). Mais significativo é o uso teológico do verbo «entregar» (paradídoml). Trata-se de uma «entrega-traição», da parte dos homens, e uma «entrega­dom», da parte do Pai, que entrega o Filho, e da parte do Filho que se entrega a Si mesmo até à morte na cruz (Jo 19, 30).

    Jesus sente que a sua «hora» se aproxima. Por isso, ordena que a celebração da Páscoa seja devidamente preparada. Deseja ardentemente comê-Ia com os discípulos pois, nela, o antigo memorial dará lugar ao novo, deixando-nos o seu Corpo e o seu Sangue como alimento e bebida. A entrega de Si mesmo acontece num ambiente toldado pelo anúncio da entrega-traição. Os discípulos mergulham num clima de insegurança e de desconfiança. Fazem perguntas a Jesus, chamando «Senhor» (Kyrios), enquanto Judas o chama simplesmente «Mestre. (Rabi). Mas Jesus é, de facto, Senhor. Por isso, conhece o traidor e reconhece que nele se cumprem as Escrituras. A insegurança dos discípulos representa a nossa própria insegurança perante a possibilidade de também nós virmos a atraiçoar e a negar Jesus.

    Meditatio

    A Paixão de Jesus não foi um acontecimento imprevisto. Tudo fora profeticamente anunciado, até o preço da traição (cf. Zac 11, 12-13). A referência à profecia de Zacarias leva-nos a ver Jesus como o rei manso e humilde de que fala o mesmo profeta (Zac 9, 9). Mas é sobretudo Isaías que profeticamente anuncia, com pormenores impressionantes, todo o drama de Jesus. A primeira leitura apresenta-nos, mais uma vez, o misterioso Servo de Javé, atormentado e humilhado, mas cheio de paciência, e de obediente e confiante abandono em Deus. É uma clara figura de Jesus na sua Paixão (vv. 5-6), onde se revelará a majestade de Deus-Pai.

    No evangelho encontramos, de um lado, Judas que atraiçoa o Mestre e, do outro lado, Jesus que dá orientações para a ceia pascal. Como mandavam os ritos, Jesus devia explicar o significado dessa refeição singular e solene. Fê-lo dando-lhe um sentido novo, em que se destacam dois elementos importantes: Jesus torna os seus discípulos participantes da sua dignidade e do seu destino; o seu sangue será derramado para remissão dos pecados.

    Entre a preparação e a celebração da ceia, é descoberto o traidor. Judas entrega Jesus, e Jesus entrega-Se a Si mesmo. A traição torna-se ocasião para o dom voluntário e total de Jesus. A sua morte torna-se fonte de vida. O seu Coração vence a morte e transforma-a em vida para o mundo.

    A Páscoa estava desde sempre preparada em Deus. Mas, quando o Filho do homem veio realizá-Ia no meio de nós, abriu-se para todo o homem um horizonte novo de ilimitada liberdade, a liberdade de amar dando a própria vida, para se reencontrar em plenitude no seio amante da Trindade.

    O Pe. Dehon, ao contemplar o "Coração trespassado do Salvador", contempla a glória de Cristo, isto é, a expressão suprema do Seu amor ao Pai e por nós, amor que O leva, em máxima liberdade, a morrer na Cruz (cf. Jo 17, 1; 13, 1). O Coração humano-divino de Cristo, o Coração trespassado, é a "expressão mais evocadora" desse amor, o símbolo que nos remete para ele; é também sinal de que esse amor se realiza "até ao fini' (Jo 13, 1); é testemunho, isto é, um amor feito vida, que aceita a morte para dar a vida.

    Segundo as convicç&otilde
    ;es do Pe. Dehon derivadas do seu e "nosso carisma profético" (Cst. 27), cada um de nós, e particularmente os missionários, deve "dar a vida pelos seus amigos' (Jo 15, 13). É a suprema "prova de amizade" (Cst. 33) para com aqueles que servimos pastoralmente e para com os povos que os nossos missionários evangelizam: "Ninguém tem maior amor do que este' (Jo 15, 13). o amor leva a dar a vida, e a dá-Ia livremente.

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, queremos, hoje, confessar-nos diante de Ti. Para isso, pedimos-Te um coração arrependido, e palavras humildes e sinceras. Também nós Te vendemos, mais do que uma vez. Todos os dias especulamos sobre a tua pessoa, e vivemos desse miserável lucro. Nós, que tu amas! Como podes suportar-nos ainda na tua casa, a comer o pão das tuas lágrimas e a beber o sangue do teu sofrimento? Vendido por nós, por quase nada, compraste-nos com o preço infinito do teu sangue. Que, através da ferida do teu Coração, possamos ser introduzidos e estabelecidos para sempre na comunhão do teu amor. Amen.

    Contemplatio

    Esta preparação, ordenada pelo Salvador, mostra qual cuidado devemos dar aos nossos santuários, mas ensina também indirectamente como as nossas almas devem estar preparadas.

    Nosso Senhor pede um cenáculo de nobres proporções, com uma bela preparação e tapeçarias. É uma lição de liturgia. As nossas igrejas deverão ser dignas de Deus. Estarão adornadas com obras de arte. Os nossos altares e os nossos vasos sagrados nunca serão demasiado ricos.

    Mas se a Eucaristia pede santuários adornados, não pede também almas preparadas?

    Este cenáculo sumptuoso, todo ornamentado e preparado, é a figura da alma que deve receber a Eucaristia. Deve ser grande e vasta pelos seus desejos, pelos seus votos, pelas suas aspirações. Deve estar ornamentada com as virtudes que são como o vestido da alma. Para nela se comprazer, Nosso Senhor quer ver lá a cópia das suas próprias virtudes, das suas disposições, dos seus sentimentos. Um Mestre não tem maior alegria do que ver os seus discípulos assemelharem-se a ele (Leão Dehon, OSP 3, p. 235).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem poderá condensr-rne?» (Is 50, 9).

  • Quinta-feira - Semana Santa

    Quinta-feira - Semana Santa

    17 de Abril, 2025

    A SANTA CEIA

    Coenantibus autem eis, accepit Jesus panem, et benedixit ac fregit, deditque discipulis suis, et ait: Accipite et comedite; hoc est corpus meum. Et accipiens cal icem, gratias egit, et dedit illis dicens: Bibite ex hoc omnes. Hic est enim sanguis meus novi Testamenti, qui pro multis effundetur in remissionem peccatorum... Erat autem recumbens unus ex discipulis ejus in sinu Jesu, quem diligebat Jesus (Mt 26, ; Jo 13).

    Enquanto comiam, tomou Jesus o pão e, depois de pronunciar a bênção, partiu-o e deu-o aos seus discípulos, dizendo: Tomai, comei. Isto é o meu corpo. Tomou, em seguida, um cálice, deu graças e entregou-lhes dizendo:

    Este é o meu sangue, sangue da aliança, que vai ser derramado por muitos para a remissão dos pecados ... Ora um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa junto do peito de Jesus (Mt 26, 26-28; Jo 13, 12).

    Primeiro Prelúdio. O Cenáculo. Jesus está como transfigurado no meio dos seus apóstolos. As fontes do amor vão abrir-se para darem ao mundo a Eucaristia.

    Segundo Prelúdio. Obrigado, Senhor. Com S. João, agradeço-vos, amo-vos, dou-me todo a vós.

    PRIMEIRO PONTO: A Eucaristia. - Ó prodígio inaudito! O Senhor supremo faz-se alimento da sua pobre e miserável criatura!

    Enquanto comiam, nesta noite da última Ceia, Jesus estava sentado com os seus discípulos. - Ergue os olhos para o seu Pai e recolhe-se numa ardente oração. Está como transfigurado. - Consideremos o céu aberto acima da sua cabeça: os Anjos admirados tremem de alegria e de temor ... de alegria: a Eucaristia inflamará e santificará tantos corações! Acenderá no seio da Igreja uma tal fogueira de dedicação e de amor!... de temor também: a Eucaristia encontrará tantos ingratos! Será profanada pelos Judas de todos os séculos!

    Escutemos as palavras de Jesus: «Tomai e comei, isto é o meu corpo; bebei, isto é o meu sangue ... ». - Eu vos saúdo, ó verdadeiro corpo, nascido da Virgem Maria!

    Verei os apóstolos aproximarem-se, tomarem o seu lugar nesta primeira comunhão ... Maria, a Mãe bem-amada de Jesus! Quem poderia dizer o ardor da sua caridade! É o seu Filho que ela recebe! É a carne, é o sangue que ela lhe deu! Correntes de amor sobem para o céu nos transportes desta casta união, destes santos arrebatamentos.

    «Fazei isto em minha memáris-, acrescenta Jesus, e os seus apóstolos são feitos sacerdotes para a eternidade. Unamo-nos ao seu acto de fé e de amor.

    SEGUNDO PONTO: Judas! - A Paixão começa no Cenáculo, com a atitude de Judas tão cruelmente ofensiva para o Coração de Jesus. O traidor já vendeu o seu divino Mestre. Entretanto assiste hipocritamente à Ceia e à instituição da Eucaristia. Comunga sem dúvida sacrilegamente.

    Nosso Senhor experimenta abatimento e piedade. Tenta ainda salvá-lo. Adverte­o: «Um de vós, diz, que estais comigo a esta mesa, trelr-me-e-, Isto devia recordar ao traidor a lamentação de David: «Se um inimigo me tivesse ofendido, tê-lo-ia suportado, mas vó~ um amigo que vivia à minha mesa ... »

    Nosso Senhor deixa manifestar a sua tristeza, não por causa de si mesmo, Ele sabe que deve morrer: «No que diz respeito ao Filho do homem, diz, vai acontecer segundo o que foi determineao». Mas entristece-se por causa do crime do seu discípulo: «Ai daquele, diz, pelo qual o Filho do homem é treidot: (Lc 22,22). Mas nada toca o pecador endurecido.

    Ó Coração sagrado, vítima dos homens, peço-vos perdão pela traição de Judas e pelos crimes que vos hão-de afligir, humilhar, e ferir até ao fim dos tempos sobre todos os altares da terra; perdão pelos cristãos indignos, perdão pelos sacerdotes apóstatas!

    TERCEIRO PONTO: S. João sobre o Coração de Jesus. - Entremos no Cenáculo no momento da acção de graças desta primeira comunhão da terra. S. João repousa com abandono e ternura sobre o Coração de Jesus. É a realização de um quadro do Cântico dos Cânticos: «O meu Bem-Amado é para mim e eu sou para ele ... Eu sou para o meu Bem-Amado e o seu Coração volta-se para min» (Cant. 2).

    Jesus compraze-se na sua imolação eucarística. Esta Páscoa fecunda, que Ele acaba de celebrar com os seus discípulos, renovar-se-à sobre o altar até ao fim dos tempos. É o maná do Novo Testamento, o pão da vida, o pão dos fortes, as delícias dos santos, o penhor da salvação e da ressurreição.

    S. João, o apóstolo virgem, o amigo do Esposo, o familiar de Cristo, extasia-se com a comunhão que acaba de fazer, deixa cair ternamente a sua cabeça sobre o peito do seu Mestre querido. Ele é puro, e a castidade dos sentidos e do coração permite ao homem a intimidade com Deus. Atracção inefável que desprende o discípulo da terra e o eleva à região superior da beatitude e do amor.

    O discípulo bem-amado apoia sobre o coração sagrado de Jesus os seus lábios donde brotarão os rios da teologia sagrada, a sua fronte que tantos raios maravilhosos de ciência e de sabedoria devem ornamentar, e cingir a auréola dos apóstolos, dos profetas, das virgens, dos mártires.

    Cristo reservou a ele somente, porque é puro, escrever com a sua mão os mistérios da pureza incriada, do Verbo de Deus feito carne pela salvação do mundo.

    S. João, discípulo bem-amado, atraí-nos convosco para o peito de Jesus quando estamos unidos a Ele na comunhão.

    Resoluções. - Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou por eles para lhes assinalar o seu amor! E eu que farei para lhe dar amor por amor? Irei à Eucaristia com uma pureza e um fervor que me aproximam das disposições de S. João.

    Colóquio com S. João.

    (Leão Dehon, OSP 3, p. 364ss. Tradução do Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ)

  • Sexta-feira - Semana Santa

    Sexta-feira - Semana Santa

    18 de Abril, 2025

    O CORAÇÃO DE JESUS ABERTO PELA LANÇA

    Sed unus militum lancea latus ejus aperuit; et continuo exivit sanguis et aqua. Et qui vidit testimonium perhibuit... Facta sunt enim haec ut Scriptura impleretur: Os non comminuetis ex eo. Et iterum: Videbunt in quem transfixerunt (Jo 19, 34- 36).

    Mas um dos soldados perfurou-lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e água. Aquele que o viu é que o atesta... E isto aconteceu para que se cumprisse a Escritura: nem um só dos meus ossos se há-de quebrar. E ainda: Hão-de olhar para aquele que trespassaram (Jo 19, 34-36).

    Primeiro Prelúdio. O último acto da Paixão de Cristo, a abertura do seu lado, explica e resume toda a vida do Salvador. Tomou um Coração para o abrir como a fonte de todas as graças.

    Segundo Prelúdio. Dai-me, Senhor, a graça de beber nas fontes da santidade e do amor.

    PRIMEIRO PONTO: A ferida. - Vamos ao Calvário, depois da morte de Jesus. A multidão afastou-se, os amigos ficam. Alguns soldados vêm verificar ou, se é o caso, apressar a morte dos pacientes, para que o espectáculo do seu suplício prolongado não entristeça o dia do sabbat.

    Um dos soldados adiantou-se, portanto, e abriu o lado de Jesus com uma lança. É um grande mistério da história sagrada, onde tudo é mistério e acção divina. A ferida exterior é aqui a revelação simbólica da ferida interior, a do amor. O amor, eis o algoz de Jesus! Cristo morreu porque quis, foi o amor quem o matou ... É assim que a Igreja canta, para saudar o Coração trespassado do seu esposo: «ó Coração vítima de amor, Coração ferido por amor. Coração morrendo de amor por nós! O Cor amoris vidime, amore nostro ssuaum, amore nostri languidum! (Hino do Sagrado Coração).

    Nosso Senhor permitiu este golpe de lança para chamar a nossa atenção para o seu coração, para nos fazer pensar no seu amor que é a fonte de todos os mistérios da salvação: as promessas do Éden, as profecias e as figuras da antiga lei, a acção providencial sobre o povo de Deus, a incarnação, a vida, os ensinamentos e a morte do Salvador. A abertura do lado de Jesus, é como a fonte que regava o paraíso terrestre, é como a fenda do rochedo que deu a água para saciar o povo de Israel.

    SEGUNDO PONTO: O sangue e a água. - E saiu sangue e água, diz S. João. O ferro ao retirar-se deixou jorrar uma dupla fonte de sangue e de água, na qual os Padres da Igreja viram o símbolo desta outra maravilha de amor, os sacramentos, canais preciosos da graça da salvação. - Rio de água que, no santo baptismo e no banho da penitência, lava a alma da mácula original; rio de sangue que cai todas as manhãs nos cálices dos altares, para se expandir pelo mundo fora, consolar a Igreja sofredora do Purgatório e reanimar a Igreja que combate sobre a terra; rio refrescante, onde o coração, ressequido pelos trabalhos e pelas tentações, vai saciar-se de piedade, de caridade e de santa alegria.

    Senhor, concedei-me beber desta água e deste sangue, para não mais tenha esta sede doentia das coisas do mundo que me tortura, e que eu seja inebriado pelo vosso amor.

    TERCEIRO PONTO: «Olharão para dentro daquele que trespassaram». - É a palavra do profeta Zacarias, recordada por S. João. O profeta não disse: «Olharão para aquele que trespassaram», mas «olharão para dentro daquele que trespassaram: Videbunt in quem transfixerunt» (Jo 19, 38). S. João aplica estas palavras à abertura do lado de Jesus; devia pensar no interior de Jesus, no Coração mesmo de Jesus que ele pôde entrever pela chaga aberta do lado, no momento do embalsamamento.

    Esta ferida entrega-nos e abre-nos o Coração de Jesus. Espiritualmente, nós aí lemos o amor que tudo deu, mesmo a vida. Neste amor mesmo, nós reconhecemos o motivo e o fim de todas as obras divinas: Deus criou-nos, resgatou-nos, santificou-nos por amor. No Coração de Jesus, é o fundo mesmo da natureza divina que nós penetramos na sua mais maravilhosa manifestação. «Deus é emot». S. João leu isto no Coração de Jesus.

    Tenho necessidade de contemplar esta ferida para ver como eu sou amado e como por minha vez devo amar. Lá hei-de aprender como um coração amante deve agir, sofrer, tudo dar, até à morte, por Deus e pelas almas.

    Vamos mais profundamente ainda, e vejamos tudo o que sofreu o mais delicado dos corações: os desprezos, as calúnias, as traições, os abandonos, as desistências. Todas as dores estão reunidas neste Coração e transbordam. Sentiu-as todas, a todas santificou. Nas nossas dores, por mais extremas que sejam, tenhamos confiança na simpatia e na compaixão deste Coração, que quis assemelhar-se a nós no sofrimento, para ser mais compassivo e mais misericordioso (Heb 2, 17).

    Comecemos nós mesmos lamentar este amor que não é amado e por compadecer com as suas dores.

    Resoluções. - A abertura do Coração de Jesus recorda-nos o seu amor, a sua bondade, o seu sofrimento. Ele espera de mim o amor em troca, a gratidão, a compaixão. Eis­me aqui, Senhor, para viver convosco e em Vós. Não permitais que eu jamais me separa de vós e que vos esqueça.

    Colóquio com Jesus na cruz.

    (Leão Dehon, OSP 3, p. 367ss. Tradução do Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ)

  • Sábado - Semana Santa

    Sábado - Semana Santa

    19 de Abril, 2025

    O LUTO DE MARIA E DOS APÓSTOLOS E A PROVAÇÃO DE MADALENA

    Et vidit duos angelos in albis, sedentes, unum ad caput et unum ad pedes, ubi positum fuerat corpus Jesu. Dicunt ei illi: Mulier, quid pioras? Dicit eis:

    Quia tulerunt Dominum meum et nescio ubi posuerunt eum (Jo 20,12-13).

    E viu dois anjos vestidos de branco, sentados, um à cabeceira e outro aos pés, onde jazera o corpo de Jesus. Disseram-lhe eles: Mulher, porque choras? Porque levaram o meu Senhor, respondeu, e não sei onde O puseram (Jo 20, 12-13).

    Primeiro Prelúdio. A Santíssima Virgem exprime a sua dor com calma em casa de S. João. Madalena, mais agitada, corre a comprar perfumes e vai ao sepulcro.

    Segundo Prelúdio. luto, compaixão e amor, tais são as disposições de que devo penetrar-me hoje para cumprir a minha missão de discípulo do Sagrado Coração.

    PRIMEIRO PONTO: Luto de Maria, de S. João e de Madalena. - Durante o grande luto do sábado, Maria, os discípulos e as santas mulheres permaneceram em casa, por causa do Sabbat. «Sabbato autem siluerunt secundum msndetun» (Lc 23, 56).

    Para Maria, havia um outro motivo: Era costume entre os Judeus que a pessoa mais estreitamente unida ao defunto, a sua mãe, a sua esposa, a irmã permanecesse em casa durante o grande luto, enquanto que os outros membros da família iam visitar o sepulcro. Na morte de Lázaro, era Madalena que permanecia em casa: Maria autem domi sedebat(Jo 11, 20).

    A casa para Maria, era em casa de João. Tinha-a tomado consigo por ordem de Nosso Senhor. Ex illa hora accepit eam discipulus in sua (Jo 19, 27). Pedro também estava lá, não deixava João naqueles dias.

    Nós podemos facilmente pensar que Madalena permaneceu também junto de Maria. Unidas ao pé da cruz, estavam unidas no luto. A presença de Maria adoçava o luto de Madalena. A presença de Madalena, que tinha sido toda regada pelo sangue de Jesus, era para Maria como um resto de Jesus mesmo.

    Maria abandona-se menos à dor do que Madalena. A sua fé não lhe deixa perder de vista os ensinamentos da Escritura.

    Ela sabe que a alma santa de Jesus não será abandonada nos infernos e que Deus não permitirá que o corpo do Santo conheça a corrupção: Quoniam non derelinques animam meam in inferno, nec dabis Sanctum tuum videre corruptionem (SI 15, 9). /371

    Ela espera a sua próxima visita. Medita sobre a grandeza do sacrifício e do amor de Jesus e sobre os felizes frutos que a sua Paixão há-de produzir: Conservabat omnia verba hoc in corde suo (Lc 2, 19).

    SEGUNDO PONTO: Amor e fidelidade de Maria. - Madalena ela também nos dá um grande exemplo de fidelidade e de perseverança no amor de Nosso Senhor. Ela não tem repouso, não pode viver longe do seu Bem-Amado. Faz-lhe falta o seu Deus, procurá-lo-á. O seu tesouro está no sepulcro, lá também está o seu coração. As provações não extinguiram as chamas do seu amor: Aquae multae non potuerunt extinguere caritatem (Cant. 8).

    o seu amor foi purificado no cadinho dos sofrimentos. É preciso que a sua fidelidade reduplique: o seu Bem-Amado foi tão cruelmente traído, abandonado! É preciso que a sua dedicação seja verdadeiramente reparadora.

    Logo que a lei de Deus o permite, sai com as outras duas Maria para comprar perfumes (Mc 16, 1). Por modéstia, não sai sozinha, consulta Pedro, João e Maria, como lhes irá prestar contas quando tiver encontrado o túmulo vazio. A obediência à Igreja e a união a Maria são as marcas do verdadeiro espírito de Deus. Depois da compra dos perfumes, Madalena faz uma visita ao sepulcro com uma só companhia:

    Vespere autem sabbati, venit cum altera Maria videre sepulcrum (Mt 28, 1). Toma o caminho do Calvário, ainda é escuro, revê em espírito todas as cenas da sexta-feira. Tem medo de pisar aos pés o precioso sangue. A cruz está ainda lá, é terrível no meio das sombras da noite. O sepulcro está solitário, os guardas dormitam. Madalena senta­se e chora. A hora da consolação não chegou. Nosso Senhor deixa-a nas suas angústias e, todavia, fortifica a sua coragem. Volta para a casa de dor, não encontrou o seu Bem-Amado: Per noctem quaesivi quem diligit anima mea. Quaesivi et non inveni (Cant 3, 2). - Quando tivermos perdido a presença de Nosso Senhor, procuremo-lo assiduamente como Madalena.

    TERCEIRO PONTO: Ardor de Madalena e as suas provações. - O coração amante de Madalena não conhece nem atraso nem desânimo. Logo que isto é possível: Valde mane, valde diluculo, cum adhuc tenebrae essent (Mc, Lc, Jo), Madalena sai com as outras duas Marias para voltar ao Calvário. Ela adianta-se, corre. Como o esposo dos Cânticos, ela disse: «Leventer-me-ei de noite e percorrerei a cidade; nas ruas, nas praças públicas procurarei aquele que o meu coração ama. Perguntarei aos guardas das portas da cidade: Não o vistes por acaso»? (Cant 3, 1).

    Durante esta noite, ela dizia com o Salmista: «A minha alma suspira por vós, ó meu Deus, como o veado sedento pela água das fontes. Quando vos tornarei a ver, Ó meu Deus? Quando hei-de comparecer diante da vossa face? Enquanto derramo lágrimas inextinguíveis, os meus inimigos riem-se e dizem-me: Onde está o teu Deus? ... Ó minha alma, espera mesmo assim, porque ainda o hás-de louvar, o teu Senhor e o teu Deus» (SI 41).

    Mas Nosso Senhor quer provar ainda mais a sua fidelidade e a sua constância.

    Chegando ao Calvário, Madalena vê que a pedra foi retirada e que o sepulcro está vazio. Não pensava na ressurreição, procurava o corpo magoado e dilacerado do seu Salvador para lhe prestar o piedoso dever de uma sepultura digna dele. Mesmo esta esperança é desenganada. Não lhe resta mais nada senão chorar pelo seu Jesus! É como se fosse fulminada. Todavia, ela não sucumbe à sua dor, adora, humilha-se, recorda-se dos seus pecados que justificam esta privação do seu Jesus, do seu Salvador bem-amado.

    Resoluções. - Maria, João, Madalena e as santas mulheres são os nossos modelos nesta jornada de compaixão e de reparação. São os únicos amigos fiéis do Coração de Jesus. Unir-me-ei a eles hoje e todos os dias. Procurarei o meu Jesus como Madalena, todas as vezes que tiver perdido a sua presença sensível. Não desanimarei nunca na minha fé, na minha confiança e no meu amor.

    Colóquio com Maria.

    (Leão Dehon, OSP 3, p. 370ss. Tradução do Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ)

  • 01º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    01º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    20 de Abril, 2025

    ANO B

    DOMINGO DE PÁSCOA

    Tema do Domingo de Páscoa

    A liturgia deste domingo celebra a ressurreição de Jesus. Proclama a vitória da Vida sobre a morte, do Amor sobre o ódio, do Bem sobre o mal, da Verdade sobre a mentira, da Luz sobre as trevas. Garante-nos que a morte não pode prender quem aceita fazer da própria vida um dom de amor. É do amor que nasce a Vida plena, a Vida em abundância, a Vida verdadeira e eterna.

    Na primeira leitura Pedro, em nome da comunidade, apresenta o exemplo de Cristo que “passou pelo mundo fazendo o bem” e que, por amor, fez da sua vida um dom total a Deus e aos homens. Por isso, Deus ressuscitou-O: o caminho que Jesus percorreu e propôs conduz à Vida. Os discípulos, testemunhas desta dinâmica, devem anunciar este “caminho” a todos os homens.

    O Evangelho convida-nos a olhar para o túmulo vazio de Jesus e a “acreditar”: o verdadeiro discípulo de Jesus, aquele que o conhece bem, que entende a sua proposta e está disposto a segui-l’O sabe que a forma como Ele viveu e amou não podia terminar no túmulo, no fracasso, no nada. Por isso, está sempre preparado para acolher a Boa notícia da ressurreição.

    A segunda leitura ensina que os cristãos, unidos a Cristo ressuscitado pelo batismo, morreram para o pecado e nasceram para a Vida nova. Ao longo da sua caminhada pelo mundo, devem dar testemunho dessa Vida nova nos seus gestos, no seu amor, no seu serviço a Deus e aos homens.

     

    LEITURA I – Atos dos Apóstolos 10,34.37-43

    Naqueles dias,
    Pedro tomou a palavra e disse:
    «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia,
    a começar pela Galileia,
    depois do batismo que João pregou:
    Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré,
    que passou fazendo o bem
    e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio,
    porque Deus estava com Ele.
    Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez
    no país dos judeus e em Jerusalém;
    e eles mataram-n’O, suspendendo-O na cruz.
    Deus ressuscitou-O ao terceiro dia
    e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo,
    mas às testemunhas de antemão designadas por Deus,
    a nós que comemos e bebemos com Ele,
    depois de ter ressuscitado dos mortos.
    Jesus mandou-nos pregar ao povo
    e testemunhar que Ele foi constituído por Deus
    juiz dos vivos e dos mortos.
    É d’Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho:
    quem acredita n’Ele
    recebe pelo seu nome a remissão dos pecados.

     

    CONTEXTO

    Todos os anos a liturgia propõe-nos, ao longo dos domingos do tempo pascal, a leitura dos Atos dos Apóstolos. Obra de Lucas (que também foi o autor do 3.º Evangelho), os Atos é o livro “pascal” por excelência: conta-nos como os discípulos, depois de terem feito a experiência de encontro com o Ressuscitado e animados pelo Espírito que lhes foi enviado, abriram as portas da casa onde se encontravam escondidos e tornaram-se testemunhas de Jesus e do seu projeto. Deram assim cumprimento ao mandato que Jesus lhes tinha deixado quando se despediu deles e partiu ao encontro do Pai (cf. At 1,8).

    O “tempo” dos Atos é o “tempo” da Igreja (a comunidade que nasceu de Jesus e que continua a viver de Jesus) e o “tempo” do Espírito. Nesta nova fase da história da salvação, compete aos discípulos, animados e conduzidos pelo mesmo Espírito que ungiu Jesus e o acompanhava na sua missão, levarem ao mundo a salvação de Deus. Os discípulos são nesta nova fase, como Jesus o tinha sido enquanto andou pelas aldeias e vilas da Galileia, o rosto visível do Deus salvador e libertador. O seu testemunho deve percorrer um “caminho” que vai de Jerusalém – no Antigo Testamento, o lugar onde devia manifestar-se definitivamente a salvação de Deus – até “aos confins da terra”. É esse, precisamente, o “percurso” que o livro dos Atos nos apresenta.

    A execução de Estevão (um dos diáconos da Igreja de Jerusalém) e a perseguição que se abateu, logo depois, sobre os cristãos de Jerusalém fez com que diversos membros da comunidade saíssem da cidade e buscassem refúgio nas regiões vizinhas (cf. At 8,1). Assim, o Evangelho de Jesus chegou à Samaria, a Damasco e a Antioquia da Síria. Mais tarde, sobretudo por ação de Paulo, a Boa Nova de Jesus foi anunciada na Ásia Menor e na Grécia. Os Atos terminam com Paulo a chegar a Roma: o anúncio da salvação de Deus tinha alcançado o coração do mundo gentio; era uma proposta de salvação para todos os homens e mulheres que a quisessem acolher.

    Um dos episódios importantes desta saga missionária aconteceu em Cesareia Marítima (cf. At 10,24-48), a cidade da costa mediterrânica que era a sede do poder romano na Palestina. Os protagonistas desse episódio foram o apóstolo Pedro e um centurião romano chamado Cornélio. Pedro, convocado pelo Espírito (cf. At 10,19-20) e respondendo a um pedido de Cornélio (cf. At 10,22), foi a Cesareia, entrou em casa do centurião, expôs-lhe o essencial da fé cristã e batizou-o, bem como a toda a sua família (cf. At 10,23b-48). Cornélio foi o primeiro pagão a ser acolhido na Igreja de Jesus. É a primeira vez que um dos membros proeminentes da comunidade cristã (Pedro) admite que o Evangelho de Jesus é uma Boa Notícia destinada a todos os homens e mulheres, de todas as raças e culturas.

    O texto que, neste dia de Páscoa, nos é proposto como primeira leitura, é parte da “instrução” de Pedro a Cornélio e sua família. Trata-se de uma composição de Lucas onde aparecem os elementos fundamentais do kerigma cristão sobre Jesus.

     

    MENSAGEM

    Num breve resumo, Pedro “apresenta” Jesus a Cornélio e aos seus familiares. É um “primeiro anúncio”, que elenca as coordenadas fundamentais da vida e do caminho de Jesus.

    Pedro começa por testemunhar que Jesus foi “ungido” por Deus e recebeu o Espírito Santo quando foi batizado no rio Jordão (vers. 38a); na sequência dessa unção, Jesus assumiu a missão que Deus lhe confiou e, animado pela força do Espírito, andou de lugar em lugar “fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo Mal, porque Deus estava com Ele” (vers. 38b). As forças do Mal, contudo, sentiram que Jesus as desafiava e decidiram calá-l’O: “mataram-n’O, suspendendo-O de um madeiro” (vers. 39b); mas Deus não aceitou que o seu “ungido” terminasse assim o seu caminho no meio dos homens e “ressuscitou-O ao terceiro dia” (vers. 40). Deus, ao ressuscitar Jesus, deu-Lhe razão e garantiu a veracidade do seu caminho e da sua proposta. Finalmente, Pedro tira as conclusões acerca da dimensão salvífica de tudo isto: a vida de Jesus, as opções de Jesus, as palavras de Jesus, os gestos de Jesus são fonte de Vida para todos aqueles que O conhecem e que decidem caminhar com Ele (vers. 43b: “quem acredita n’Ele, recebe, pelo seu nome, a remissão dos pecados”). Pedro conclui a sua reflexão atestando a veracidade de tudo o que acabou de proclamar sobre Jesus: “nós somos testemunhas de que tudo isto aconteceu”, de que foi assim que Jesus viveu e de que Deus O ressuscitou e O fez vencer todos aqueles que O quiseram calar e encerrar num túmulo (vers. 39a.41.42). Pedro e os outros discípulos garantem ao mundo que a história de Jesus não é uma fábula inventada, mas sim uma história de vida que eles conheceram, acompanharam e comprovaram.

    Estamos em dia de Páscoa, a celebrar a ressurreição de Jesus e a tentar perceber todo o alcance desse acontecimento. Repare-se como a ressurreição de Jesus não é apresentada, neste anúncio de Pedro, como um facto isolado, mas como o culminar de uma vida vivida na obediência ao Pai e na doação aos homens. Depois de Jesus ter passado pelo mundo “fazendo o bem e libertando todos os que eram oprimidos”, depois de Ele ter morrido na cruz como consequência desse “caminho”, Deus ressuscitou-O. A vida nova e plena que a ressurreição significa parece ser o ponto de chegada de uma existência posta ao serviço do projeto salvador e libertador de Deus. Por outro lado, esta vida vivida na entrega e no dom é uma proposta transformadora que, uma vez acolhida, liberta da escravidão do egoísmo e do pecado (vers. 43).

    Qual o papel dos discípulos no meio de tudo isto? Eles aderiram a Jesus e acolheram a sua proposta libertadora. Estão, portanto, a ressuscitar com Jesus. Compete-lhes serem testemunhas, diante dos homens e mulheres da terra inteira, de Jesus e da Vida nova que d’Ele receberam. É precisamente esse testemunho que Pedro dá diante de Cornélio e sua família.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A ressurreição de Jesus é a consequência de uma vida gasta a “fazer o bem e a libertar os oprimidos”. Isso significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus – se esforça por vencer o egoísmo, a mentira, a injustiça e por fazer triunfar o amor, está a ressuscitar; significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus – se dá aos outros e manifesta, em gestos concretos, a sua entrega aos irmãos, está a construir vida nova e plena. Estamos a ressuscitar, porque caminhamos pelo mundo fazendo o bem e libertando os oprimidos, ou a nossa vida é um repisar os velhos esquemas do egoísmo, do orgulho, do comodismo?
    • A ressurreição de Jesus significa também que o medo, a morte, o sofrimento e a injustiça deixam de ter poder sobre a pessoa que ama, que se dá, que partilha a vida. Ela tem assegurada a Vida plena – essa Vida que os poderes do mundo não podem destruir, atingir ou restringir. Ela pode, assim, enfrentar o mundo com a serenidade que lhe vem da fé. Estamos conscientes disto, ou deixamo-nos dominar pelo medo, sempre que temos de agir para combater aquilo que rouba a vida e a dignidade, a nós e a cada um dos nossos irmãos?
    • Aos discípulos pede-se que sejam as testemunhas da ressurreição. Nós não vimos o sepulcro vazio; mas fazemos, todos os dias, a experiência do Senhor ressuscitado, que está vivo e caminha ao nosso lado nos caminhos da história. A nossa missão é testemunhar essa realidade; no entanto, o nosso testemunho será oco e vazio se não for comprovado pelo amor e pela doação, as marcas da vida nova de Jesus. O nosso testemunho da ressurreição é coerente e credível e traduz-se em gestos concretos de amor, de partilha, de serviço?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)

    Refrão 1: Este é o dia que o Senhor fez:
    exultemos e cantemos de alegria.

     

    Refrão 2: Aleluia.

    Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
    porque é eterna a sua misericórdia.
    Diga a casa de Israel:
    é eterna a sua misericórdia.

    A mão do Senhor fez prodígios,
    a mão do Senhor foi magnífica.
    Não morrerei, mas hei de viver
    para anunciar as obras do Senhor.

    A pedra que os construtores rejeitaram
    tornou-se pedra angular.
    Tudo isto veio do Senhor:
    é admirável aos nossos olhos.

     

    LEITURA II – Colossenses 3,1-4

    Irmãos:
    Se ressuscitastes com Cristo,
    aspirai às coisas do alto,
    onde está Cristo, sentado à direita de Deus.
    Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra.
    Porque vós morrestes
    e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.
    Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar,
    também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória.

     

    CONTEXTO

    Colossos era uma cidade da antiga Frígia (Ásia Menor), situada a cerca de cento e oitenta quilómetros de Éfeso, a dezasseis de Laodiceia e a vinte de Hierápolis. Pertencia à Província romana da Ásia. Em tempos recuados tinha sido cidade rica e populosa; mas no tempo de Paulo tinha perdido o seu esplendor e importância.

    Não foi Paulo que evangelizou Colossos. Durante a longa estadia de Paulo em Éfeso, no decurso da sua terceira viagem, Epafras, discípulo de Paulo e colossense de origem (cf. Col 4,12), fundou a comunidade (cf. Col 1,7), ao mesmo tempo que as de Hierápolis e Laodiceia (cf. Col 4,13). A maior parte dos membros da comunidade cristã de Colossos tinham vindo do paganismo; mas havia também um bom grupo de judeo-cristãos.

    Quando escreveu a Carta aos Colossenses, Paulo estava na prisão (em Roma?). Epafras visitou-o e falou-lhe da “crise” por que estava a passar a Igreja de Colossos. Alguns doutores locais ensinavam doutrinas estranhas, que misturavam elementos cristãos, judaicos e pagãos: especulações acerca dos anjos (cf. Col 2,18), práticas ascéticas, rituais legalistas, prescrições sobre os alimentos e a observância de determinadas festas (cf. Col 2,16.21). Tudo isso deveria (na opinião desses “mestres”) completar a fé em Cristo, comunicar aos crentes um conhecimento superior de Deus e dos mistérios cristãos e possibilitar uma vida religiosa mais autêntica. Contra este sincretismo religioso, Paulo afirma a absoluta suficiência de Cristo: Ele é a imagem do Deus invisível, o primogénito de toda a criatura, o mediador da Criação, aquele que Deus enviou para reconciliar todas as coisas, a cabeça do Corpo que é a Igreja, o Senhor de todos os poderes e dominações (cf. Cl 1,15-20).

    O texto que a liturgia deste domingo de Páscoa nos propõe como segunda leitura é a introdução à reflexão moral da carta (cf. Col 3,1-4,6). Depois de apresentar a centralidade de Cristo no projeto salvador de Deus (cf. Col 1,13-2,23), Paulo recorda aos cristãos de Colossos que é preciso viver de forma coerente e verdadeira o compromisso assumido com Cristo.

     

    MENSAGEM

    Para Paulo, o ponto de partida e a base da vida cristã é a união a Cristo Ressuscitado. Essa união concretiza-se através do batismo. Quando somos batizados e nos unimos a Cristo, morremos para o pecado e ressuscitamos com Cristo para uma Vida nova, uma Vida plena e verdadeira. Essa Vida nova terá a sua plena concretização no mundo de Deus, quando ultrapassarmos as fronteiras da vida terrena e entrarmos na glória de Deus.

    Enquanto não acedemos à glória de Deus, continuamos o nosso caminho na terra; e essa Vida nova que recebemos a partir da nossa união com Cristo ressuscitado tem de manifestar-se já, aqui e agora, nos nossos gestos, nas nossas opções, nas nossas aspirações. Através de um processo de conversão que nunca está terminado, temos de nos ir despojando do nosso egoísmo, da nossa autossuficiência, da nossa arrogância, da nossa maldade (Paulo chama a isso “despir-se do homem velho) para passarmos a viver num dinamismo de amor, de serviço simples e humilde, de bondade, de misericórdia de mansidão, de dom da vida (Paulo chama a isso “revestir-se do Homem Novo”). Cristo ressuscitado, que venceu o pecado e a morte, será sempre a nossa referência e o nosso modelo de vida. Caminhamos na terra, mas de olhos postos no céu (“afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra”).

    Desta opção por Cristo e desta união com Cristo ressuscitado resultam exigências práticas que Paulo vai enumerar, de forma bem concreta, nos versículos seguintes (cf. Col 3,5-4,1).

     

    INTERPELAÇÕES

    • O Batismo introduz-nos numa dinâmica de comunhão com Cristo ressuscitado. A partir do Batismo, Cristo passa a ser o centro e a referência fundamental à volta da qual se constrói toda a vida do crente. Qual o lugar que Cristo ocupa na nossa vida? Temos consciência de que o nosso Batismo significou um compromisso com Cristo e uma identificação com Cristo?
    • A identificação com Cristo implica o assumir uma dinâmica de Vida nova, despojada do pecado e feita doação a Deus e aos irmãos. O cristão torna-se então, verdadeiramente, alguém que “aspira às coisas do alto” – quer dizer, alguém que, embora vivendo nesta terra e desfrutando das realidades deste mundo, tem como referência última os valores de Deus. Não se pede ao crente que seja um alienado, alguém que viva a olhar para o céu e que se demita do compromisso com o mundo e com os irmãos; mas pede-se-lhe que não faça dos valores do mundo a sua prioridade, a sua referência última. A nossa vida tem sido uma caminhada coerente com essa dinâmica de Vida nova que começou no dia em que fomos batizados? Esforçamo-nos, realmente, por nos despojarmos do “homem velho” e por nos revestirmos do “Homem Novo”, do homem que se identifica com Cristo e que vive no amor, no serviço, na doação aos irmãos?
    • Paulo, a partir do exemplo de Cristo, garante-nos que esse caminho de despojamento do “homem velho” não é um caminho de derrota e de fracasso; mas é um caminho de glória, no qual se manifesta a realidade da Vida eterna, da Vida verdadeira. Neste dia de Páscoa, diante do túmulo vazio e da certeza de que Jesus triunfou da morte e do pecado, reconhecemos a verdade do testemunho de Paulo?
    • Quando, de alguma forma, estou envolvido na preparação ou na celebração do sacramento do Batismo, tenho consciência – e procuro passar essa mensagem – de que o sacramento não é um ato tradicional ou social (que, por acaso, até proporciona fotografias bonitas), mas um compromisso sério e exigente com Cristo?

     

    SEQUÊNCIA PASCAL

    À Vítima pascal
    ofereçam os cristãos
    sacrifícios de louvor.

    O Cordeiro resgatou as ovelhas:
    Cristo, o Inocente,
    reconciliou com o Pai os pecadores.

    A morte e a vida
    travaram um admirável combate:
    Depois de morto,
    vive e reina o Autor da vida.

    Diz-nos, Maria:
    Que viste no caminho?

    Vi o sepulcro de Cristo vivo
    e a glória do Ressuscitado.
    Vi as testemunhas dos Anjos,
    vi o sudário e a mortalha.

    Ressuscitou Cristo, minha esperança:
    precederá os seus discípulos na Galileia.

    Sabemos e acreditamos:
    Cristo ressuscitou dos mortos:
    Ó Rei vitorioso,
    tende piedade de nós.

     

    ALELUIA – 1 Coríntios 5,7b-8a

    Aleluia. Aleluia.

    Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado:
    celebremos a festa do Senhor.

     

    EVANGELHO – João 20,1-9

    No primeiro dia da semana,
    Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro
    e viu a pedra retirada do sepulcro.
    Correu então e foi ter com Simão Pedro
    e com o discípulo predileto de Jesus
    e disse-lhes:
    «Levaram o Senhor do sepulcro
    e não sabemos onde O puseram».
    Pedro partiu com o outro discípulo
    e foram ambos ao sepulcro.
    Corriam os dois juntos,
    mas o outro discípulo antecipou-se,
    correndo mais depressa do que Pedro,
    e chegou primeiro ao sepulcro.
    Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou.
    Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira.
    Entrou no sepulcro
    e viu as ligaduras no chão
    e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus,
    não com as ligaduras, mas enrolado à parte.
    Entrou também o outro discípulo
    que chegara primeiro ao sepulcro:
    viu e acreditou.
    Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura,
    segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.

     

    CONTEXTO

    O Quarto Evangelho (cf. Jo 4,1-19,42) apresenta duas partes. Na primeira, João descreve a atividade criadora e vivificadora do Messias, no sentido de dar vida e de criar um Homem Novo – um homem livre da escravidão do egoísmo, do pecado e da morte (para João, o último passo dessa atividade destinada a fazer surgir o Homem Novo foi, precisamente, a morte na cruz: aí, Jesus apresentou a última e definitiva lição – a lição do amor total, que não guarda nada para si, mas faz da vida um dom radical ao Pai e aos irmãos). Na segunda parte do Evangelho (cf. Jo 20,1-31), João apresenta o resultado da ação de Jesus e mostra essa comunidade de Homens Novos, recriados e vivificados por Jesus, que com Ele aprenderam a amar com radicalidade e a quem Jesus abriu as portas da Vida definitiva. Trata-se dessa comunidade de homens e mulheres que se converteram e aderiram a Jesus e que, em cada dia – mesmo diante do sepulcro vazio – são convidados a manifestar a sua fé no Filho de Deus que “ergueu a sua tenda no meio dos homens” para lhes dar Vida em abundância.

    Jesus tinha sido crucificado na manhã de sexta-feira (por volta das nove horas) e tinha morrido na cruz por volta das três horas da tarde desse mesmo dia. No final da tarde, o seu corpo morto tinha sido descido da cruz e depositado, à pressa, num “túmulo novo”, situado num horto, perto do lugar da crucificação (cf. Jo 19,41). Como era habitual, na tradição judaica, uma pedra redonda tinha sido rolada para tapar a entrada do sepulcro. Os rituais fúnebres não tinham sido observados em pormenor, uma vez que nesse dia, ao pôr do sol, começava o sábado e também a celebração da Páscoa judaica (cf. Jo 19,42). Aqueles que lidaram com o sepultamento de Jesus queriam voltar a casa, rapidamente, porque queriam “comer a Páscoa”, nessa noite, em família. Precisavam de se afastar do corpo morto de Jesus para não ficarem “impuros” e serem ritualmente impedidos de celebrar a Páscoa.

    Passado o dia festivo da Páscoa, no “yom rishon”, o primeiro dia da semana, Maria Madalena – uma das mulheres que tinha seguido Jesus desde a Galileia até Jerusalém e que tinha estado junto da cruz de Jesus até à sua morte – dirigiu-se ao túmulo. Presumivelmente levava perfumes para ungir o corpo morto de Jesus (cf. Mc 16,1). Perguntava-se como iria conseguir afastar a enorme pedra que tinha sido rolada, na sexta-feira, para tapar a entrada do sepulcro de Jesus.

     

    MENSAGEM

    O relato joânico começa com uma indicação aparentemente cronológica, mas que deve ser entendida, sobretudo, em chave teológica: “no primeiro dia da semana”. Significa que aqui começa um novo ciclo – o da nova criação, o da libertação definitiva. Este é o “primeiro dia” de um novo tempo e de uma nova realidade – o tempo do Homem Novo, do Homem que nasceu a partir da ação criadora e vivificadora de Jesus.

    Nesse primeiro dia da semana, “de manhã cedo”, Maria Madalena dirige-se ao túmulo de Jesus. Maria Madalena representa, no Quarto Evangelho, a nova comunidade nascida da ação criadora e vivificadora do Messias. No entanto, para Maria Madalena “ainda estava escuro”: a comunidade nascida de Jesus estava convencida, nessa hora, de que a morte tinha triunfado e que Jesus estava prisioneiro do sepulcro. Era, portanto, uma comunidade perdida, desorientada, insegura, com medo, sem esperança.

    A primeira coisa que Maria Madalena vê, quando se aproxima, é que a pedra que fechava o sepulcro havia sido retirada. Essa pedra, colocada depois de o corpo morto de Jesus ter sido depositado no túmulo, assinalava a morte definitiva de Jesus. Estabelecia a separação entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Porque é que essa pedra foi retirada? Além disso, o túmulo está vazio. O que é que isso significa? Maria constata estes dados; mas não consegue perceber onde é que eles conduzem. Está desorientada e perplexa. Ainda está na escuridão. Não põe, nesse primeiro momento, a hipótese de a morte de Jesus não ser definitiva. Conclui apenas que alguém tinha retirado daquele túmulo o corpo morto de Jesus. A conclusão de Maria, a sua dificuldade em interpretar os sinais revela, provavelmente, a perplexidade e a confusão dos discípulos, nas primeiras horas da manhã de Páscoa, diante do túmulo vazio de Jesus. Só mais tarde, num desenvolvimento que a liturgia deste dia não conservou, Maria Madalena fará a experiência do encontro com Jesus ressuscitado e tornar-se-á testemunha da ressurreição (cf. Jo 20,11-18).

    Na sequência, João entende apresentar uma catequese sobre a dupla atitude dos discípulos diante do mistério da morte e da ressurreição de Jesus. Essa dupla atitude é expressa no comportamento dos dois discípulos que, na manhã da Páscoa, alertados por Maria Madalena para o facto de o corpo de Jesus ter desaparecido, correram ao túmulo: Simão Pedro e um “outro discípulo” não identificado (mas que parece ser esse “discípulo amado”, apresentado no Quarto Evangelho como o modelo ideal do discípulo).

    O “discípulo amado” é uma figura de proa no Evangelho segundo João. Na última ceia, foi ele que recebeu a confidência de Jesus sobre a traição de Judas (cf. Jo 13,23-26); na paixão, foi ele que conseguiu estar perto de Jesus no átrio do sumo sacerdote, enquanto Pedro O trai (cf. Jo 18,15-18.25-27); foi ele que esteve junto de Jesus, numa altura em que os outros discípulos estavam escondidos, cheios de medo (cf. Jo 19,25-27); foi ele que reconheceu Jesus ressuscitado naquele vulto que apareceu junto da praia no lago de Tiberíades, após uma noite inglória de pesca (cf. Jo 21,7). É um discípulo muito próximo de Jesus, com uma ligação e uma empatia especiais com Jesus. Nas cenas em que apareceu lado a lado com Pedro, o “discípulo amado” levou vantagem. Aqui, isso irá acontecer outra vez: ele correu mais e chegou ao túmulo primeiro que Pedro. Correu mais, porque amava mais; chegou primeiro, porque sempre esteve mais próximo de Jesus. No entanto, diz o texto, “não entrou”. Só avançou depois de Pedro ter entrada no sepulcro: ao ceder o passo a Pedro, mostra deferência e amor, que é o que se esperaria de alguém que tem uma forte ligação a Jesus. Este discípulo “viu e acreditou” (vers. 8). Viu os sinais, soube interpretá-los e o seu amor a Jesus levou-o a perceber que o Mestre tinha vencido a morte. Em contrapartida, não se diz o mesmo sobre Pedro.

    O que é que estas duas figuras de discípulo representam?

    Em geral, Pedro representa, nos Evangelhos, o discípulo obstinado, para quem a morte significa fracasso e que se recusa a aceitar que a Vida nova passe pela humilhação da cruz (Jo 13,6-8.36-38; 18,16.17.18.25-27; cf. Mc 8,32-33; Mt 16,22-23). Ele é, em várias situações, o discípulo que tem dificuldade em entender os valores que Jesus propõe, que raciocina de acordo com a lógica do mundo e que não entende que a Vida eterna e verdadeira possa brotar da cruz. Na sua perspetiva, Jesus fracassou, pois insistiu – contra toda a lógica – em servir e em dar a vida. Para ele, a doação e a entrega não podem conduzir à vitória, mas sim à derrota; portanto, Jesus morreu e o caso está encerrado. A eventual ressurreição de Jesus é, para alguém que vê as coisas dessa forma, uma hipótese absurda e sem sentido.

    Ao contrário, o “outro discípulo” – o “discípulo amado” – é aquele que está sempre próximo de Jesus, que se identifica com Jesus, que adere incondicionalmente aos valores de Jesus, que ama Jesus. Nessa comunhão e intimidade com Jesus, ele aprendeu e interiorizou a lógica de Jesus e percebeu que a doação e a entrega são um caminho de Vida. Para ele, faz todo o sentido que Jesus tenha ressuscitado, pois a vitória sobre a morte é o resultado lógico do dom da vida, do amor até ao extremo.

    Esse “outro discípulo” é, portanto, a imagem do discípulo ideal, que está em sintonia total com Jesus, que percebe e aceita os valores de Jesus, que está disposto a embarcar com Jesus na lógica do amor e do dom da vida, que corre ao encontro de Jesus com um total empenho, que compreende os sinais da ressurreição e que descobre – porque o amor leva à descoberta – que Jesus está vivo. Ele é o paradigma do Homem Novo, do homem recriado por Jesus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A ressurreição de Jesus é a resposta de Deus aos que pretenderam, de forma injusta e criminosa, calar Jesus e banir da história o seu projeto do Reino de Deus. Deus não permitiu que o mal vencesse; Deus não permitiu que a violência, a injustiça, a maldade e a morte tivessem a última palavra; Deus não aceitou que o mundo ficasse refém daqueles que queriam continuar a viver na escuridão. Ao ressuscitar Jesus, Deus deu-Lhe razão; afirmou, alto e bom som, que o caminho proposto por Jesus – o do amor que se dá até às últimas consequências, o do serviço simples e humilde aos irmãos, o do perdão sem limites – é o caminho que leva à Vida. Neste dia de Páscoa, diante do túmulo de Jesus vazio, tenho alguma dúvida em abraçar tudo aquilo que Jesus me disse, com as suas palavras e com os seus gestos, sobre a forma de chegar à Vida definitiva, à Vida eterna?
    • A vitória de Jesus sobre o egoísmo, a violência, a maldade e a morte muda a nossa perspetiva sobre a forma de encarar tudo aquilo que, de forma objetiva, faz sofrer os homens e mulheres que caminham ao nosso lado. Ficar do lado dos que são magoados e crucificados, combater a injustiça e a opressão nas suas mil e uma formas, gastar a vida a servir os mais frágeis e abandonados, recusar um mundo que se constrói sobre violência e prepotência, lutar até ao dom da própria vida para vencer tudo o que gera morte não é algo absurdo. É, segundo Deus, o caminho que fará com que a nossa vida valha a pena e tenha pleno sentido. Talvez essa opção nos deixe cheios de feridas e cicatrizes; mas serão feridas e cicatrizes que Deus curará. Estamos dispostos a dar a vida para que outros tenham Vida? Estamos dispostos a correr riscos para levar a libertação ao mundo e aos nossos irmãos? Cremos firmemente, com toda a nossa alma e com todas as nossas forças, que uma vida gasta a servir não é uma vida fracassada, mas é uma vida que termina em ressurreição?
    • Pedro parece ter sentido dificuldade, diante do túmulo vazio, em “acreditar” que Jesus estivesse vivo e que aquele caminho de cruz tivesse conduzido à Vida. Na verdade, em muitos passos do caminho que percorreu com Jesus, Pedro manifestou dificuldade em sintonizar com Jesus e com a sua lógica. Ele estava habituado a funcionar de acordo com outros valores e padrões, numa lógica muito “do mundo”. Os interesses de Pedro nem sempre coincidiam com a visão de Jesus. Parece estranho, para alguém que andava com Jesus? Teoricamente, sim. Na prática, talvez reconheçamos, nas hesitações e recusas de Pedro, as nossas indecisões, a nossa dificuldade em arriscar, a nossa dificuldade em abandonarmos os critérios “do mundo” para abraçarmos a lógica de Deus. Será assim? O que podemos fazer para sermos menos “Pedro” e mais discípulos que vão, sem hesitar, atrás de Jesus?
    • A fotografia que o evangelista João nos apresenta do “discípulo predileto” é a fotografia de um discípulo que vive em comunhão com Jesus, que se identifica com Jesus e com os seus valores, que interiorizou e absorveu a lógica da entrega incondicional, do dom da vida, do amor total. Por isso, não tem qualquer problema em aceitar que o caminho seguido por Jesus conduz à ressurreição, à Vida nova. Ele “acredita” em Jesus. Revemo-nos nesta figura? Vemo-la como uma proposta com a qual gostaríamos de nos identificar? O que podemos fazer para sermos verdadeiramente “discípulo predileto”?
    • A ressurreição de Jesus é a vitória da Vida sobre a morte, da verdade sobre a mentira, da esperança sobre o desespero, da justiça sobre a injustiça, da alegria sobre a tristeza, da luz sobre as trevas. Abre-nos perspetivas completamente novas e garante-nos o triunfo de Deus sobre as forças que querem destruir o mundo e os homens. Nós, que acreditamos e celebramos a ressurreição de Jesus, somos testemunhas da vitória da Vida junto dos nossos irmãos paralisados pelo medo e pelo pessimismo? A mensagem que levamos ao mundo é uma mensagem de alegria e de esperança que tem as cores da manhã de Páscoa?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE PÁSCOA

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus… Aproveitar, sobretudo, a Semana Santa para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Demos a morte àquele que, com um olhar, dava dignidade aos feridos da vida, então Maria Madalena reconhece-O quando Ele a chama pelo seu nome. Demos a morte àquele que tinha falado do amor como de um dom, então Tomé reconhece-O nas suas feridas, provas do dom da sua vida. Demos a morte àquele que tinha declarado “felizes os construtores de paz”, então os discípulos reconhecem-n’O na sua saudação: “A paz esteja convosco!” Demos a morte àquele que tinha partilhado o pão, então dois dos seus discípulos reconhecem-n’O no gesto da fração do pão a caminho de Emaús. A morte não teve a última palavra. Doravante, quem terá a última palavra é a Vida, o Amor, a Paz, a Fé. Tal é na nossa esperança.

    3. À ECUTA DA PALAVRA.

    “Ele viu e acreditou”. O discípulo que Jesus amava viu aquilo que Simão Pedro via: um túmulo vazio, com as ligaduras e o sudário… Mas João crê. Porquê esta diferença na atitude dos dois discípulos? O amor de Pedro por Jesus era grande. Mas com a tríplice negação, o seu amor tinha necessidade de ser confirmado, purificado, perdoado. João, ele, o único entre os apóstolos, ficou até ao fim. Deixou-se invadir por um amor sem falhas. Na última Ceia, tinha sentido bater mais perto o coração do Senhor. Diante do túmulo vazio, ele sabe que se trata de algo de infinitamente mais misterioso, mais decisivo. Muitos homens não tiveram fé no testemunho dos apóstolos. É este amor que nos faz ver para lá das aparências e que queimava o coração de João. “Para vós, pergunta-nos sempre Jesus, quem sou Eu?”

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Falar verdade… Uma maneira simples de testemunhar a nossa fé na ressurreição de Cristo no “primeiro dia da semana” seria, para nós cristãos, não falar mais de fim da semana! Porque, evidentemente, o domingo não é o fim da semana, mas o seu começo. O domingo é o primeiro dia, o dia do Senhor. Então, podemos habituar-nos a falar em “início de semana” em vez de “fim de semana”.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    21 de Abril, 2025

    1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 2, 14. 22-33

    No dia do Pentecostes, Pedro de pé, com os Onze, ergueu a voz e dirigiu-lhes então estas palavras:«Homens da Judeia e todos vós que residis em Jerusalém, ficai sabendo isto e prestai atenção às minhas palavras.Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré, Homem acreditado por Deus junto de vós, com milagres, prodígios e sinais que Deus realizou no meio de vós por seu intermédio, como vós próprios sabeis, 23este, depois de entregue, conforme o desígnio imutável e a previsão de Deus, vós o matastes, cravando-o na cruz pela mão de gente perversa.
    4Mas Deus ressuscitou-o, libertando-o dos grilhões da morte, pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte. 25David diz a seu respeito: 'Eu via constantemente o Senhor diante de mim, porque Ele está à minha direita, a fim de eu não vacilar. 26Por isso o meu coração se alegrou e a minha língua exultou; e até a minha carne repousará na esperança, 27porque Tu não abandonarás a minha vida na habitação dos mortos, nem permitirás que o teu Santo conheça a decomposição.
    28Deste-me a conhecer os caminhos da Vida, hás-de encher-me de alegria com a tua
    presença. ' 29Irmãos, seja-me permitido falar-vos sem rodeios: o patriarca David morreu e foi sepultado, e o seu túmulo encontra-se, ainda hoje, entre nós. 30Mas, como era profeta e sabia que Deus lhe prometera, sob juramento, que um dos descendentes do seu sangue havia de sentar-se no seu trono, 31viu e proclamou antecipadamente a ressurreição de Cristo por estas palavras: 'Não foi abandonado na habitação dos mortos e a sua carne não conheceu a decomposição. ' 32Foi este Jesus que Deus ressuscitou, e disto nós somos testemunhas. 33Tendo sido elevado pelo poder de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou-o como vedes e ouvis.

    «Jesus de Nazaré, Homem acreditado por Deus junto de vós, com milagres, prodígios e sinais... depois de entregue... vós o matastes, cravando-o na cruz... Mas Deus ressuscitou-o». Estas palavras de Pedro, na manhã do Pentecostes, constituem o anúncio fundamental, o Kerigma, que a Igreja é chamada a fazer a todos os povos, a começar por Jerusalém. Jesus foi condenado e executado. Mas Deus confirmou a justeza da sua causa, ressuscitando-O dos mortos. Aliás, tudo estava previsto, conforme verificamos no salmo 15. O que não se realizou em David, realizou-se em Jesus de Nazaré, que Deus ressuscitou dos mortos. Os apóstolos são testemunhas desse facto. Pedro evoca a vida exemplar de Jesus, evoca a sua morte levada a cabo pelos judeus e pelos pagãos, e evoca a sua ressurreição. Tudo aconteceu conforme o plano de Deus delineado nas Escrituras.
    Temos aqui um exemplo da primeira pregação apostólica, centrada em Jesus de Nazaré, na sua acção, na responsabilidade de quem O recusou, e na total presença de Deus em todos os momentos da sua maravilhosa vida.

    Evangelho: Mateus 28, 8-15

    Naquele tempo, Maria Madalena e a outra Maria, 8afastando-se rapidamente do sepulcro, cheias de temor e de grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos. 9Jesus saiu ao seu encontro e disse-lhes: «Salve!» Elas aproximaram-se, estreitaram-lhe os pés e prostraram-se diante dele. 10Jesus disse- lhes: «Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.» 11Enquanto elas iam a caminho, alguns dos guardas foram à cidade participar aos sumos-sacerdotes tudo o que tinha acontecido! 12Eles reuniram-se com os anciãos; e, depois de terem deliberado, deram muito dinheiro aos soldados, 13recomendando-lhes: «Dizei isto: 'De noite, enquanto dormíamos, os seus discípulos vieram e roubaram-no.' 14E, se o caso chegar aos ouvidos do governador, nós o convenceremos e faremos com que vos deixe tranquilos.» 15Recebendo o dinheiro, eles fizeram como lhes tinham ensinado. E esta mentira divulgou-se entre os judeus até ao dia de hoje.

    Enquanto as mulheres, tendo-se encontrado com Jesus, correm a levar a notícia aos apóstolos (vv. 8-10), os guardas também correm a informar os sumos- sacerdotes sobre o curso dos acontecimentos (vv. 11-15). Entretanto Mateus centra a sua e a nossa atenção no túmulo vazio. Perante essa realidade, podemos tirar duas conclusões: ou Jesus ressuscitou, de verdade, ou os discípulos roubaram o seu corpo. Mas o episódio está organizado de tal modo que não deixa muito espaço a dúvidas. O testemunho das mulheres não dá hipóteses à mentira dos sumos-sacerdotes: «Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão» (v. 10). Só uma fé semelhante à das mulheres torna possível acolher o anúncio da ressurreição.
    Mateus escreve no século I, quando ainda estava bem acesa a polémica sobre a ressurreição de Cristo entre os chefes do povo e a comunidade dos discípulos. Para o evangelista, a ressurreição de Jesus era um facto indubitável, que tinha inaugurado os novos tempos e o Reino de Deus fundado no amor. Mas os chefes do povo judeu continuavam a rejeitar Jesus, e à espera de outro salvador.
    A ressurreição continua a ser sinal de contradição: é fonte de vida e de salvação para quem está aberto à fé e ao amor; é motivo de juízo e de condenação para quem a recusa.

    Meditatio

    A visão dos Anjos, que anunciavam a ressurreição, trouxe às mulheres temor, mas também grande alegria. Mas essa alegria só será plena quando Jesus se manifestar pessoalmente a elas. É o que acontece logo de seguida: «Salve!», diz-lhes o Senhor ao encontrá-las. Então, puderam abraçar-Lhe os pés, adorá-l´O.
    O encontro com Jesus ressuscitado enche as mulheres de contentamento porque a Sua presença é presença de Deus. Jesus aponta-lhes o caminho da vida e da missão. Aquela experiência não era para ficarem quietas e caladas. Por isso, partem em missão: «Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão» (v. 10). Também para nós, a alegria da Ressurreição, há-de tornar-se compromisso de anúncio, de missão.
    A segunda parte do texto mostra-nos outro efeito da luz da Ressurreição, um
    efeito negativo naqueles que não estão dispostos a acolhê-la. Os guardas do sepulcro e os anciãos conspiram, recusando ver a luz: «Dizei isto: 'De noite, enquanto dormíamos, os seus discípulos vieram e roubaram-no.' » (v. 13). Santo Agostinho observa com ironia: «Se dormiam, como é que viram os discípulos roubar o corpo?&raquo
    ;
    É bem diferente o testemunho de Pedro sobre Jesus: «Vós o matastes,
    cravando-o na cruz... Mas Deus ressuscitou-o» (cf. vv. 3-4). Esta primeira pregação do Apóstolo ecoará ininterruptamente na pregação da Igreja ao longo dos séculos. Pedro e a Igreja existem para anunciar a Morte e a Ressurreição de Jesus. Estes factos encerram toda a negatividade da história e toda a positividade da vontade de Deus. Cada um de nós é apóstolo na medida em que anuncia esta verdade, e se sente

    identificado com ela. O ódio, as trevas, a morte foram vencidos pelo poder de Deus, porque Cristo ressuscitou, porque «pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte» (v. 4). Pedro e os outros Apóstolos anunciavam corajosamente a Ressurreição do Senhor. Anunciavam com poder, porque fizeram a experiência do Ressuscitado. Uma coisa é anunciar ao mundo Cristo, conhecido pelo estudo e, portanto, de modo muito abstracto; outra coisa é anunciar Cristo experimentado, vivido. Da experiência do Ressuscitado brota o testemunho eficaz e a acção em favor dos irmãos, o apostolado. Do apostolado, volta-se à experiência do Senhor. Quando temos uma experiência profunda e pessoal de Cristo, não há diferença essencial entre contemplação e apostolado. São dois modos diferentes de o amor oblativo se exprimir. Lembremos a legenda de Cassiano que fala do cão que corre porque viu a lebre e dos cães que correm porque viram o outro correr, mas não a lebre. Há uma boa diferença no modo de correr!
    Paulo VI, ao dirigir-se a religiosos de vida apostólica, afirma que "o anúncio da palavra de Deus", donde brota a fé, é uma "graça", "exige uma profunda união com o Senhor" (ET 9). "Múltiplos são os dons do Espírito, mas são tais que nos permitem sempre saborear o conhecimento íntimo e verdadeiro do Senhor" (ET 43): "O Espírito Santo dar-vos-á também a graça de descobrir o rosto do Senhor no coração dos homens, que Ele mesmo vos ensina a amar como irmãos. Ajuda-vos a recolher as manifestações do Seu amor na trama dos acontecimentos" (ET 44). São as experiências de Cristo Ressuscitado que tornam fecundo o nosso apostolado.

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me um coração aberto à tua luz e disponível para a missão. Não falta neste mundo quem procure esconder a verdade, fechar-se à tua luz, refugiar-se em conspirações para defender os seus interesses, afastando-se cada vez mais da simplicidade da verdade e juntando confusão à confusão. Mas só quem se abre à verdade está em paz e pode avançar com simplicidade.
    Senhor Jesus, creio na tua ressurreição gloriosa. Faz crescer em mim um
    coração de apóstolo. Dá-me uma alma vibrante e generosa, combativa e acolhedora, uma alma que me leve a dar testemunho de Ti em todas as ocasiões, porque só Tu tens Palavras de vida e porque, só na realização do teu Reino, encontrarei a paz.
    Interceda por mim a tua Mãe, a Virgem Maria, Rainha dos Apóstolos. Amen.

    Contemplatio

    Mal se puseram a caminho, encontram Jesus diante delas. Salvete, eu vos saúdo, diz-lhes. Cheias de fé, prostram-se, adoram o seu Deus, beijam as cicatrizes gloriosas dos seus pés. Agarram-se a estes pés benditos: tenuerunt pedes ejus. Jesus deixa-as fazer. Poucos instantes antes, não tinha permitido que Madalena lhe tocasse. As almas têm caminhos diferentes. Madalena é uma alma contemplativa, Jesus exige dela uma fé mais pura e um perfeito desapego. Tem também de reparar sensualidades passadas. As duas Marias são parentes de Jesus, são almas mais simples. São trémulas e fracas, têm necessidade de acreditar e de sentir para crerem e amarem. Como a bondade do Coração de Jesus sabe acomodar-se às necessidades de cada alma! Se soubéssemos também discernir as vistas de Deus e nos deixássemos conduzir por um sábio director!
    Nosso Senhor interrompe a alegria das piedosas mulheres e transmite-lhes a mensagem que deu a Madalena: «Ide dizer aos meus irmãos que me precedam na Galileia, é lá que me hão-de ver».
    Partem, mas estão de tal modo perturbadas que já não pensam
    na mensagem, diz-nos S. Marcos. Correm sem dúvida para casa da santíssima Virgem. Nosso Senhor desculpa-as, mandará prevenir S. Pedro e os outros apóstolos reunidos no Cenáculo por Madalena e à noite ainda pelos discípulos de Emaús. Está, de facto, nos desígnios de Deus que os fiéis dêem a sua colaboração aos apóstolos.
    Em tudo isto, o Coração de Jesus mostra uma admirável ternura pelas almas que lhe estão ligadas e que lhe estão consagradas. Vencer-nos-á sempre em afeição. (Leão Dehon, OSP 3, p. 379).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Não era possível que Jesus ficasse sob o domínio da morte» (cf. Act 2, 4)

  • 1ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    1ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    22 de Abril, 2025

    1ª Semana - Terça-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 2, 36-41

    No dia do Pentecostes, disse Pedro aos judeus: «Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza, que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado.»
    37Ouvindo estas palavras, ficaram emocionados até ao fundo do coração e perguntaram a Pedro e aos outros Apóstolos: «Que havemos de fazer, irmãos?» 38Pedro respondeu-lhes: «Convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo. 39Na verdade, a promessa de Deus é para vós, para os vossos filhos, assim como para todos os que estão longe: para todos os que o Senhor nosso Deus quiser chamar.» 40Com estas e muitas outras palavras, Pedro exortava-os e dizia-lhes: «Afastai-vos desta geração perversa.» 41Os que aceitaram a sua palavra receberam o baptismo e, naquele dia, juntaram-se a eles cerca de três mil pessoas.

    O discurso de Pedro culmina com a confissão essencial da fé cristã: «Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza, que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado» (v. 36). Estas palavras provocam grande comoção nos ouvintes, que se dão conta da sua culpa na morte de Jesus. Mas, aos sentimentos de arrependimento, junta-se a percepção de que chegaram os últimos tempos. Embora não se fale explicitamente da segunda vinda de Cristo para realizar o juízo, ela está implícita na citação de Joel. Isto explica a reacção dos ouvintes: «Que havemos de fazer, irmãos?» (v. 37). É a pergunta que hão-de fazer todos aqueles que escutam o Evangelho. Pedro responde a todos: «convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo... recebereis, então, o dom do Espírito Santo» (v. 38). É preciso, pois, mudar de mentalidade e de comportamento (metánoia), receber o baptismo «em nome de Jesus Cristo», o Enviado, o Messias, o Salvador. Receber o baptismo é sinal de abertura à vida nova, obra do Espírito que liberta da morte e oferece plenitude de vida. O perdão dos pecados, a libertação da morte e a vida nova no Espírito são oferecidos a todos os que, chamados por Deus, respondem confessando a fé: Jesus é o Senhor! Essa confissão liberta, os que a fazem, da «geração perversa» (v. 13), isto é, daqueles que, apegados a uma religiosidade legalista, querem impedir os outros de confessarem a fé em Jesus Cristo.
    As três mil conversões manifestam a força irresistível do Evangelho, e mostram-
    nos Pedro no seu novo trabalho de «pescador de homens» (Lc 5, 10).

    Evangelho: João 20, 11-18

    Naquele tempo, 11Maria Madalena estava junto ao túmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para dentro do túmulo, 12e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. 13Perguntaram-lhe: «Mulher, porque choras?» E ela respondeu: «Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.» 14Dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus, de pé, mas não se dava conta que era Ele. 15E Jesus disse-lhe: «Mulher, porque choras? Quem procuras?» Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: «Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o

    puseste, que eu vou buscá-lo.» 16Disse-lhe Jesus: «Maria!» Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: «Rabbuni!» - que quer dizer: «Mestre!» 17Jesus disse-lhe:
    «Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus.'» 18Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito.

    A ressurreição é um facto sobrenatural, testemunhado pelo mundo sobrenatural: jovem vestido de branco (Mc 16, 5), um anjo (Mt 28, 5), homens vestidos de branco (Lc 24, 4), dois anjos (Jo 20, 12). Ao longo de Jo 20, vemos o crescimento e a afirmação da fé dos primeiros discípulos em Jesus ressuscitado.
    O nosso texto compõe-se de duas partes: a aparição dos anjos a Maria (vv. 11-
    13) e a aparição de Jesus à mulher (vv. 14-18). Maria deve ser libertada de um apego ainda muito sensível ao Jesus terreno. A ultrapassagem desta visão terrena permite ao discípulo encontrar o Senhor. Maria não chega à fé em Cristo ressuscitado por meio dos anjos, que são simples interlocutores. De facto, só reconheceu o Senhor quando Ele pronunciou o seu nome: «Maria!» (v. 16), inaugurando nela uma nova vida. Ao reconhecer o Mestre (Rabbuni!), é convidada por Jesus a anunciar aos discípulos a Ressurreição. Torna-se então símbolo da fé plena, que se torna missionária e evangelizadora da Palavra de Jesus: «Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito» (v. 18).
    O encontro de Jesus com Maria Madalena, e o anúncio feito pela mulher aos irmãos, encerra uma importante mensagem para o discípulo de todos os tempos: o Senhor está vivo e cada um O deve procurar por meio de uma caminhada de fé, na certeza de que, se fizer a sua parte, o Senhor não tardará, por Sua vez, a vir-lhe ao encontro e a fazer-Se reconhecer.

    Meditatio

    Animados pelo Espírito Santo, os Apóstolos pregaram Jesus Cristo Morto e Ressuscitado. A Boa Notícia foi acolhida com entusiasmo e «juntaram-se a eles cerca de três mil pessoas» (41). Como explicar tantas conversões? Estava-se no Pentecostes e o Espírito não actuava só nos Apóstolos, mas também nos seus ouvintes. O discurso de Pedro não era extraordinário nem irresistível. Mas os seus ouvintes ficaram fortemente emocionados com ele. E impõe-se uma conclusão: é o Espírito que torna fecunda a Palavra e converte os corações. O livro dos Actos ilustra esta verdade elementar: o protagonista da evangelização é o Espírito Santo.
    Parece que estamos a redescobrir na Igreja esse caminho, que exige mais paz e oração, e menos agitação e correrias. A pregação só toca os corações quando vai incendiada pelo fogo do Espírito.
    O evangelho comove e espanta pela sua simplicidade. Maria chora por aquilo que a devia encher de alegria. Mas ela ainda não sabe tudo, nem podia sabê-lo. Só um coração cavado pela dor pode ser repleto de alegria sobrenatural. Quantas vezes nos deixamos afundar na tristeza, em vez de exultarmos pela alegria que os sofrimentos nos preparam!
    Maria não reconhece Jesus porque se deixou envolver na sua ilusão humana:
    «Levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram» (v. 13). As suas palavras
    não estão totalmente erradas, porque expressam um profundo afecto pelo Senhor. Mas deve converter-se: procura um morto, e deve procurar um vivo. Uma tal conversão só irá acontecer quando Jesus a chamar pelo nome: «Maria!» (v. 16).
    Nós também só podemos chorar e procurar o Senhor na noite. Mas, quando Ele quiser, pode tocar-nos o coração, chamar-nos pelo nome. E tudo mudará: «Rabbuni!»,

    «Mestre!» (v. 16). Vamos reconhecê-Lo e ouvir da sua boca: «vai ter com os meus irmãos» (v. 17).
    Antes da Paixão, Jesus nunca tinha chamado irmãos aos seus discípulos. Chamo- os, agora. A cruz aproximou-O de nós de um modo absolutamente único. Tendo entrado na glória, parece mais longe de nós. Mas está mais próximo: é um irmão que nos leva ao seu e nosso Pai.
    A Igreja constituiu-se à volta do Ressuscitado, cuja presença ela
    experimentava fortemente. É também à volta d´Ele que se constituem as comunidades religiosas, no respeito pela dignidade e pela liberdade das pessoas. Cristo é o centro de toda a comunidade religiosa. Por isso, mais do que fruto da habilidade dos homens, a comunidade é fruto da Graça. Mais do que por meio de recursos humanos, a comunidade há-de ser construída à volta do altar, na celebração e na adoração eucarísticas. As nossas Constituições afirmam: "A comunidade esforça- se por dar testemunho de Cristo, no nome do qual está reunida" (Cst 67); "Procuramos a inspiração e o modelo desta vida comunitária na comunidade dos discípulos reunidos em redor do Senhor e nas primitivas comunidades cristãs" (Cst
    59).

    Oratio

    Ó Senhor Jesus Ressuscitado, quantas vezes, também eu, me deixo envolver por ilusões, por desejos excessivamente humanos. Dá-me a graça de Te reconhecer, de poder exclamar como Maria Madalena: «Vi o Senhor!». Então a minha alegria será plena, e ninguém ma poderá tirar. Então saberei construir igreja, construir comunidade! Então serei missionário da Boa Nova, porque, sem Ti, sem o teu Espírito, as minhas palavras são vazias, o meu trabalho estéril, os meus esforços vãos. Só Contigo, animado pelo teu Espírito, poderei levar a salvação aos meus irmãos. Faz-me compreender, cada vez mais, a absoluta necessidade de Ti, para ser testemunha, para evangelizar. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor quis passar por um momento pelos temores e pelas perturbações da agonia, para sofrer tudo o que sofremos e para nos ensinar a resignação e o abandono de que a vida está toda semeada. Queria também sofrer em todas as suas faculdades, a fim de expiar as faltas cometidas por todas as potências da nossa alma e do nosso corpo.
    Nestas penas extremas, exprime a sua resignação à vontade do seu Pai,
    mas regressa imediatamente à sua disposição habitual de alegria no sacrifício: Levantai-vos e vamos. Levantai-vos e caminhemos, dizia aos seus apóstolos e ia para a frente do traidor. Ia para a frente do cálice de amargura que tinha desejado beber e para o baptismo de sangue com que tinha pressa de ser baptizado por amor pelo seu Pai e por nós.
    O conjunto dos mistérios da sua Paixão, era a nossa salvação, a nossa redenção. Era o prelúdio necessário da Ressurreição, da abertura do seu Coração, do nascimento da Igreja, da descida do Espírito Santo e de todas as graças esperadas e preparadas desde a origem do mundo. Era a vitória sobre o demónio e sobre o pecado.
    Tinha muitas vezes exprimido o seu desejo da cruz; era para Ele uma
    angústia esperar: Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize! (Lc 12, 50).

    Os profetas tinham anunciado esta espontaneidade do seu sacrifício: ofereceu-se porque quis (Is 53). Assim, quando Pedro e os outros quiserem prender o traidor e os seus cúmplices, Nosso Senhor reprimirá o seu ardor demasiado natural: Não hei-de beber o cálice que meu Pai me deu? (Jo 18,11) (Leão Dehon, OSP 3, p. 247s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vi o Senhor!» (Jo 20, 18).

  • 1ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    23 de Abril, 2025

    1ª Semana - Quarta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 3, 1-10

    Naqueles dias, 1Pedro e João subiam ao templo, para a oração das três horas da tarde. 2Era para ali levado um homem, coxo desde o ventre materno, que todos os dias colocavam à porta do templo, chamada Formosa, para pedir esmola àqueles que entravam. 3Ao ver Pedro e João entrarem no templo, pediu-lhes esmola. 4Pedro, juntamente com João, olhando-o fixamente, disse-lhe: «Olha para nós.» 5O coxo tinha os olhos nos dois, esperando receber alguma coisa deles. 6Mas Pedro disse-lhe: «Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te dou: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!» 7E, segurando-o pela mão direita, ergueu-o. No mesmo instante, os pés e os artelhos se lhe tornaram firmes.8De um salto, pôs-se de pé, começou a andar e entrou com eles no templo, caminhando, saltando e louvando a Deus. 9Todo o povo o viu caminhar e louvar a Deus. 10Bem o conheciam, como sendo aquele que costumava sentar-se à Porta Formosa do templo a mendigar; ficaram cheios de assombro e estupefactos com o que lhe acabava de suceder.

    Os primeiros cristãos viviam dentro do judaísmo. Ainda não se dera a ruptura provocada pela novidade cristã. Pedro e João sobem ao templo para participarem no sacrifício das três horas da tarde. Assim faziam muitos judeus. À volta do templo, havia doentes e mendigos, que pediam esmola. Para os judeus, dar esmola era obra comparável à oração. É nesse contexto que Pedro realiza o milagre, «em nome de Jesus Cristo Nazareno» (v. 5). Esse milagre era um claro sinal de que os tempos novos esperados pelos judeus tinham chegado e estavam presentes. Ao mesmo tempo, cumpria-se a palavra de Jesus que tinha enviado os seus discípulos a curarem os enfermos e a anunciarem o evangelho (Lc 9, 2). Os próprios milagres são anúncio do evangelho (cf. Act 8, 6). Foi o que acontecera na vida de Jesus. E Pedro continua a obra libertadora de Jesus com a pregação e os milagres. Os milagres levam a explicação de como, porquê e por quem são realizados. Os milagres também servem para confirmar a autoridade daquele que anuncia a Boa Nova.
    A narrativa está cheia de vida e movimento. A cura do paralítico simboliza o poder vivificador de Jesus, a passagem do desespero à vida plena. Pedro ergue o coxo «em nome de Jesus Cristo Nazareno» (v. 6). O «nome» é sinónimo da pessoa e da sua autoridade. Os apóstolos falam e actuam com o poder de Jesus. É também em Jesus que o doente deve confiar. Pedro realçará a importância do «nome» de Jesus no discurso que vem a seguir.

    Evangelho: Lucas 24, 13-35

    13Dois dos discípulos de Jesus iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, que ficava a cerca de duas léguas de Jerusalém; 14e conversavam entre si sobre tudo o que acontecera. 15Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho; 16os seus olhos, porém, estavam impedidos de o reconhecer. 17Disse-lhes Ele: «Que palavras são essas que trocais entre vós, enquanto caminhais?» Pararam entristecidos. 18E um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Tu és o único forasteiro em Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» 19Perguntou-lhes Ele: «Que foi?» Responderam-lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; 20como os sumos-sacerdotes e os nossos chefes o entregaram, para ser condenado à morte e crucificado. 21Nós esperávamos que fosse Ele o que viria redimir Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que se deram estas coisas. 22É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deixaram perturbados, porque foram ao sepulcro de madrugada 23e, não achando o seu corpo, vieram dizer que lhes apareceram uns anjos, que afirmavam que Ele vivia. 24Então, alguns dos nossos foram ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas, a Ele, não o viram.» 25Jesus disse-lhes, então: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! 26Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» 27E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito. 28Ao chegarem perto da aldeia para onde iam, fez menção de seguir para diante. 29Os outros, porém, insistiam com Ele, dizendo: «Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso.» Entrou para ficar com eles. 30E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho.
    31Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença. 32Disseram, então, um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» 33Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, 34que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» 35E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.

    O relato de Lucas, que hoje escutamos, é um dos mais profundos testemunhos da Páscoa de Jesus, que encontramos no Novo Testamento. Ao mesmo tempo, apresenta-nos a escuta da Palavra e a Eucaristia como fundamentos do caminho da fé cristã.
    Esta experiência dos discípulos é descrita em dois momentos. No primeiro, vemo-los afastarem-se da comunidade de fé de Jerusalém, para voltarem ao seu velho mundo (vv. 13-29). Vão profundamente desiludidos. Tinham confiado em Jesus como profeta e esperavam nele como líder vitorioso, como libertador de Israel (v. 21). A Ressurreição significava para eles o triunfo militar do povo e uma nova ordem de justiça e liberdade sobre a terra. Mas nada disso aconteceu. É certo que Jesus não estava no sepulcro. Algumas mulheres tinham verificado esse facto... Alguns homens também viram o túmulo vazio. Mas não O viram a Ele (vv. 23-24). No segundo momento, vemo-los voltar a Jerusalém, à comunidade dos discípulos, alegres e com a fé renovada (vv. 30-35). No primeiro momento, Jesus, na figura de um viandante, aproxima-se dos discípulos e, conversando com eles, ajuda-os a ler o plano de Deus e a recuperar a esperança. Lembra-lhes as Escrituras (v. 25). Quando já se reacende a esperança, e o querem reter à sua mesa, enquanto Ele lhes reparte o pão, reconhecem o Senhor: «os seus olhos abriram-se e reconheceram-no» (v. 31).
    O ensinamento de Lucas é claro. Há que ultrapassar preconceitos sobre Jesus e sobre o seu destino. Ele não é reconhecido através de uma guerra santa e vitoriosa. O sepulcro não é o seu lugar definitivo, nem a sua ressurreição é um regresso ao pas
    sado. O caminho para O encontrar é a escuta da Palavra de Deus, presente nas Escrituras e a Eucaristia colocada no centro da vida. Quem assim fizer, chegará gradualmente è fé e fará experiência do Ressuscitado. A Igreja alimenta-se da grande mesa da Palavra e da Eucaristia. O Senhor está onde se encontram os irmãos reunidos à volta de Simão, que viu o Senhor e fortalece a fé dos seus irmãos, lançando os fundamentos da Igreja.

    Meditatio

    Ontem, como hoje, há fome e sede de milagres, e os seus «fazedores» correm o risco de ser idolatrados. Mas Pedro e João, como, mais tarde, Paulo e Barnabé (Act14, 14ss.), corrigem o povo e proclamam que é em nome de Jesus Nazareno que operam prodígios. Só quem acredita e invoca esse nome alcança milagres.
    Também hoje há milagres. Mas é Deus que os realiza pela oração e pela fé. Por vezes, os que se encontram em situações de grande sofrimento, pedem a ajuda de pessoas que julgam mais próximas de Deus. Mas também hoje, essas pessoas, muitas vezes, não têm «ouro nem prata». Vivem na humildade e na oração.
    Longe do cepticismo de quem exclui a possibilidade e a oportunidade de milagres, mas também longe do fanatismo pelos curandeiros e pela crendice mais ou menos supersticiosa, confiamo-nos à oração e à fé para alcançar a intervenção extraordinária de Deus em casos extremos, deixando para Ele, que tudo conhece, a última decisão. E Deus não abandona o seu povo. Socorre-o com intervenções, por vezes, extraordinárias, obtidas pela oração dos seus servos que, confiando apenas n' Ele, não precisam de ouro nem de prata.
    A narrativa dos dois discípulos de Emaús está construída como uma Missa. Quantas vezes, diante do mistério de Cristo, ficamos desorientados, tristes, e nos deixamos levar pelo «bom senso», afastando-nos de Jerusalém. Mas a presença de Jesus ilumina-nos, aquece-nos o coração, e faz-nos voltar a Jerusalém, isto é, à vida quotidiana do testemunho, profundamente mudados.
    Acontece-nos ir para a celebração eucarística cheios de preocupações, carregados de dificuldades, com a alma pesada e fechada em si mesma. Mas, como aos discípulos de Emaús, o Senhor acolhe-nos e explica-nos as Escrituras. E, então, os nossos corações começam a arder dentro de nós, abrem-se às surpresas de Deus, e os nossos olhos são iluminados. Passamos a ver a vida e os acontecimentos que a preenchem a outra luz. À mesa da palavra, segue a mesa do pão. Jesus toma o pão, abençoa-o, parte-o e distribui-o: «Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram- no» (Lc 24, 31). E também os nossos se abrem permitindo-nos reconhecer o Senhor onde Ele está: no caminho da nossa vida, na comunidade reunida em seu nome, na Palavra e no Pão: «Eu estarei sempre convosco» (Mt 28, 20). A narrativa de Lucas refere-se a um facto que aconteceu mas, também, a um facto que acontece na vida dos cristãos. A escuta da Palavra e a partilha do Pão, isto é, da Eucaristia, levam-nos a reconhecer a Cristo Ressuscitado, presente no meio de nós.
    Memorial do sacrifício de Cristo, a Eucaristia é também sua presença viva, que nos dá a vida nova. «Toda a nossa vida cristã e religiosa - lembram as Constituições - encontra a sua fonte e o seu ponto culminante na Eucaristia (cf. LG 11). A celebração do Memorial da morte e ressurreição do Senhor constitui para nós o momento privilegiado da nossa fé e da nossa vocação de Sacerdotes do Coração de Jesus» (Cst 80).

    Oratio

    Senhor Jesus Ressuscitado, quero pedir-te, hoje, uma fé viva na tua presença na celebração eucarística. Tu estás na tua Palavra, Tu estás na Eucaristia, com o teu corpo ressuscitado, que conserva os gloriosos sinais da tua Paixão. Tu dás-Te a mim e a cada um dos meus irmãos com a mesma generosidade e com o mesmo amor com que avançaste sereno e decidido para o Calvário. Tu ressuscitaste porque sofreste. Com o teu sacrifício renovaste o homem e deste-lhe a possibilidade de viver uma vida nova. Glória a Ti para sempre! Amen! Amen! Aleluia!

    Contemplatio

    Os dois discípulos iam-se embora, tristes, abatidos, silenciosos. Pouco a pouco rompem o silêncio. Comunicam entre si as suas impressões desencorajantes: Sperabamus! Nós esperávamos! Agora tudo acabou. Fogem para o campo. Deviam ter sabido entretanto que Jesus tinha predito a sua ressurreição. Não compreenderam. Não têm uma fé viva. Regressam às suas ocupações materiais. Julgam Jesus morto para sempre, e ele está a alguns passos atrás deles.
    Jesus está connosco também nas nossas provações e nas nossas desolações. O seu Coração poderia ficar frio e indiferente às nossas aflições?
    Sob a forma de um viajante, Jesus alcança-os. Desconfiados, calam-se. Já não ousam sequer manifestar a sua adesão à causa do Cristo. Mas o Salvador insiste e encoraja-os a falar. Sabe que eles lhe estavam ligados e que guardam afecto pela sua pessoa, apesar da sua decepção. Vai suavemente conduzi-los a reconhecerem nele os caracteres do Messias redentor. O seu coração terno e bom sugere-lhe as indústrias mais apropriadas para ganhar estes pobres corações desencorajados (Leão Dehon, OSP3, p. 383).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Jesus deu-se-lhes a conhecer, ao partir o pão» (Lc 24, 35).

  • 1ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    24 de Abril, 2025

    1ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 3, 11-26

    Naqueles dias, o coxo de nascença que tinha sido curado 11não largava Pedro e João, e todo o povo, cheio de assombro, se juntou a eles sob o chamado pórtico de Salomão.12Ao ver isto, Pedro dirigiu a palavra ao povo:
    «Homens de Israel, porque vos admirais com isto? Porque nos olhais, como se tivéssemos feito andar este homem por nosso próprio poder ou piedade? 13O Deus de Abraão, de Isaac e Jacob, o Deus dos nossos pais, glorificou o seu servo Jesus, que vós entregastes e negastes na presença de Pilatos, estando ele resolvido a libertá-lo.
    14Negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação de um assassino. 15Destes a
    morte ao Príncipe da Vida, mas Deus ressuscitou-o dos mortos, e disso nós somos testemunhas. 16Pela fé no seu nome, este homem, que vedes e conheceis, recobrou as forças. Foi a fé que dele nos vem que curou completamente este homem na vossa presença. 17Agora, irmãos, sei que agistes por ignorância, como também os vossos chefes. 18Dessa forma, Deus cumpriu o que antecipadamente anunciara pela boca de todos os profetas: que o seu Messias havia de padecer. 19Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos, para que os vossos pecados sejam apagados; 20e, assim, o Senhor vos conceda os tempos de conforto, quando Ele enviar aquele que vos foi destinado, o Messias Jesus, 21que deve permanecer no Céu até ao momento da restauração de todas as coisas, de que Deus falou outrora pela boca dos seus santos profetas.
    22Moisés disse: 'O Senhor Deus suscitar-vos-á um Profeta como eu, de entre os vossos irmãos. Escutá-lo-eis em tudo quanto vos disser. 23Quem não escutar esse Profeta, será exterminado do meio do povo.' 24E, por outro lado, todos os profetas que falaram desde Samuel anunciaram igualmente estes dias. 25Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus concluiu com os vossos pais, quando disse a Abraão:
    'Na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da Terra.' 26Foi primeiramente para vós que Deus suscitou o seu Servo e o enviou para vos abençoar e para se afastar cada um de vós das suas más acções.»

    O discurso de Pedro revela o sentido e a justificação da cura do coxo, junto à Porta Formosa e, ao mesmo tempo, serve de apoio para a exposição do Kerygma cristão. Os ouvintes reagem com admiração, vendo a cura como uma acção de Deus realizada graças à bondade e à santidade dos apóstolos. Pedro reage negando tal interpretação: o que aconteceu deve-se unicamente a um poder novo, agora presente no mundo, porque se cumpriram as profecias do Antigo Testamento. Acabou o tempo da ignorância. A Ressurreição de Jesus não deixa margem a dúvidas ou erros. Quem não O aceitar merece ser excluído do Povo de Deus. Por outro lado, o arrependimento e a aceitação de Jesus podem apressar o tempo das bênçãos messiânicas quando, no fim dos tempos, Deus enviar Jesus pela segunda vez. Então, também os seus inimigos e os incrédulos O hão-de reconhecer como Messias.
    Pedro cita Moisés, que disse: «O Senhor Deus suscitar-vos-á um Profeta como eu» (v. 22). Lucas lê: «O Senhor fará ressuscitar» o profeta como Moisés, isto é, Jesus. É, pois, preciso escutá-l´O. Quem não O escutar será excluído do monte santo. Lucas sublinha a continuidade do Povo de Deus, por meio dos Judeus que acreditam em Jesus. Por meio deles, todas as nações serão abençoadas na descendência de Abraão.

    Evangelho: Lucas 24, 35-48

    Naquele tempo, os discípulos de Emaús contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.
    36Enquanto isto diziam, Jesus apresentou-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco!» 37Dominados pelo espanto e cheios de temor, julgavam ver um espírito. 38Disse-lhes, então: «Porque estais perturbados e porque surgem tais dúvidas nos vossos corações? 39Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho.» 40Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. 41E como, na sua alegria, não queriam acreditar de assombrados que estavam, Ele perguntou-lhes: «Tendes aí alguma coisa que se coma?» 42Deram-lhe um bocado de peixe assado; 43e, tomando- o, comeu diante deles.
    44Depois, disse-lhes: «Estas foram as palavras que vos disse, quando ainda estava convosco: que era necessário que se cumprisse tudo quanto a meu respeito está escrito em Moisés, nos Profetas e nos Salmos.» 45Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras 46e disse-lhes: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia; 47que havia de ser anunciada, em seu nome, a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos, começando por Jerusalém. 48Vós sois as testemunhas destas coisas.

    O texto, que hoje escutamos, completa a narrativa da aparição aos discípulos de Emaús, sublinhando as provas sobre a Ressurreição de Jesus. Terá sido a Ressurreição de Jesus uma fantasia (cf. v. 39), em contradição com todo o caminho religioso de Israel no Antigo Testamento?
    Para responder à segunda interrogação, Lucas afirma: «Assim está escrito que
    o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia». Para responder à primeira questão Lucas aponta o contacto físico dos discípulos com Jesus: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho» (v. 39), bem como o pedido: «Tendes aí alguma coisa que se coma?» (v. 41). Outra prova é espiritual, fundada na inteligência da Palavra nas Escrituras: «Assim está escrito...» (v. 46ss.)
    A Páscoa de Jesus é o sentido da história de Israel, é o fundamento da fé da Igreja e da sua obra missionária: «em seu nome, havia de ser anunciada a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos» (v. 47).

    Meditatio

    Pedro fala da segunda vinda de Jesus como Messias. Serão tempos de conforto (v. 20), tempos da restauração de todas as coisas (v. 21). A história de Israel é um caminho para Jesus, o verdadeiro consolador de Israel, o restaurador de todas as coisas. A sua segunda vinda será o dia da bênção messiânica sobre todas as coisas, a partir de Israel até a «todas as famílias da Terra» (v. 25), a toda a criação. A Igreja, desde o seu começo, tem um horizonte universal, que abrange toda a realidade redimida pela cruz de Cristo.
    Pedro olha com optimismo o futuro de Deus, porque sabe que a ressurreição
    de Cristo é um acontecimento decisivo. Mas também sabe que haverá um acto final em que todo o mistério salvífico da ressurreição de Cristo será plenamente revelado e alargado a todos os povos e à própria criação. As suas palavras anunciam o já e o ainda não da história cristã. Entre o já da Páscoa e o ainda não da ressurreição

    definitiva de todas as coisas, está o tempo oportuno para a conversão, para nos tornarmos dignos das bênçãos messiânicas.
    Os Apóstolos não esperavam a aparição de Jesus «em pessoa». Por isso, pensaram tratar-se de um fantasma. Mas Jesus dá-se-lhes a conhecer com sinais bem claros: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo» (v. 39). Deus, em Cristo, começou uma nova criação: tomou um corpo humano e fez dele um corpo espiritual, em continuidade com o primeiro. A ressurreição de Jesus dá um sentido novo e definitivo às Escrituras: «Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras» (v. 45). Muitas coisas, que pareciam enigmáticas e obscuras, tornaram-se luminosas, ao serem lidas como profecia da paixão e da ressurreição de Cristo. Em certos casos, a paixão é representada de modo real, enquanto a ressurreição não o pode ser, porque teríamos todo o mistério. Noutros casos, é prefigurada a ressurreição, mas não a morte. Vejamos alguns exemplos.
    Abel, morto pelo seu irmão, é figura de Cristo na sua paixão e morte. Consumado o crime, Deus diz a Caim: «A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim» Gn 4, 10). Abel, morto, continua a falar. O NT viu nestas palavras uma pálida figura da ressurreição.
    Na sacrifício de Isaac, a ressurreição é prefigurada de modo mais real. Depois do sacrifício, Isaac continua vivo, Abraão tem o seu filho vivo. Não houve verdadeira morte. Abraão levantou o braço para o matar, mas não o matou. Foi um sacrifício simbólico.
    José é também figura da morte e da ressurreição de Cristo. No Egipto, acolhe vivo os irmãos que o quiserem matar, tal como Cristo acolhe os irmãos depois da Paixão que sofreu pelos pecados deles. José abriu aos irmãos as riquezas de um mundo novo, tal como Cristo Ressuscitado abre aos homens as riquezas do Reino de Deus. Também no caso de José a morte não aconteceu realmente. Mas foi simbolicamente morto, ao ser lançado ao poço.
    Muitos outros símbolos representam o mistério da Páscoa, tal como o templo
    destruído e reconstruído depois do exílio. A Páscoa de Cristo realiza e ilumina todas as profecias e prefigurações.
    «Enviado na plenitude dos tempos, - lembram as nossas Constituições - Cristo, em obediência ao Pai, prestou o seu serviço em prol das multidões. "O Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos" (Mc 10,45). Com a sua solidariedade para com os homens, qual novo Adão, Ele revelou o amor de Deus e anunciou o Reino: este mundo novo já presente em germe nos esforços hesitantes dos homens, encontrará a sua realização, para além de todas as expectativas, quando, por Jesus, Deus for tudo em todos. "Sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até ao presente. Não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adopção, a redenção do nosso corpo" (Rom 8,22-23). "E quando tudo lhe estiver sujeito, então também o próprio Filho Se submeterá Àquele que Lhe sujeitou todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15,28) (Cst 10).

    Oratio

    Senhor Jesus, Morto e Ressuscitado, abre a minha mente e o meu coração para que compreenda as Escrituras e admire com reconhecimento e amor o grande mistério que em Ti se realizou para a minha salvação e para a salvação de todos os povos.
    Ajuda-me também a ver os meus pequenos problemas de cada dia à luz do
    vasto horizonte da história da salvação, do já da tua Ressurreição e do ainda não da reconstrução final. Terão, assim, outro respiro as minhas pequenas acções e as minhas pequenas ou grandes preocupações.

    Projecta sobre mim a luz da tua Ressurreição, para que não viva como nos tempos da ignorância, mas, deixando-me converter, espere activa e confiadamente a consolação de Deus. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor tem pressa em manifestar a chaga do seu lado, é um presságio da devoção ao Sagrado Coração, que se expandirá mais tarde.
    Os Apóstolos estão fechados no Cenáculo, talvez barricados, têm medo dos
    Judeus. Perguntam-se, se, depois da Páscoa, não será a sua vez de serem crucificados.
    Madalena tinha vindo de manhã dizer-lhes que tinha visto o Cristo ressuscitado, mas não ousam acreditar nela.
    De repente, Jesus mesmo mostra-se no meio deles: Stetit in medio. É para eles como um raio. Mas vão certificar-se. Jesus tem a dignidade de um rei e de um mestre, mas tem também o sorriso e a bondade de um pai, de um irmão e de um amigo.
    «Não temais, diz-lhes docemente, sou eu. Porquê este medo nos vossos corações? Vede as minhas mãos e o meu lado (ostendit eius manus et latus); vede e tocai, um espírito não tem nem carne nem ossos como vedes que eu tenho» (Lc
    24,38).
    O bom Mestre tem pressa em manifestar a chaga do seu Coração desde a sua primeira aparição. De lá partem as suas primeiras graças. (Leão Dehon, OSP 3, p.
    385).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O Messias havia de sofrer e ressuscitar» (Lc 24, 36).

  • 1ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    25 de Abril, 2025

    1ª Semana - Sexta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 4, 1-12

    Naqueles dias, estavam Pedro e João a 1falar ao povo, depois da cura do cego de nascença, quando surgiram os sacerdotes, o comandante do templo e os saduceus,
    2irritados por vê-los a ensinar o povo e a anunciar, na pessoa de Jesus, a ressurreição dos mortos. 3Deitaram-lhes as mãos e prenderam-nos até ao dia seguinte, pois já era tarde. 4No entanto, muitos dos que tinham ouvido a Palavra abraçaram a fé, e o número dos crentes elevou-se a cerca de cinco mil. 5No dia seguinte, os chefes dos judeus, os anciãos e os escribas reuniram-se em Jerusalém
    6com o Sumo-sacerdote Anás, e ainda Caifás, João, Alexandre e todos os membros das famílias dos sumos-sacerdotes. 7Mandaram comparecer os Apóstolos diante deles e perguntaram-lhes: «Com que poder ou em nome de quem fizestes isso?» 8Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: «Chefes do povo e anciãos, 9já que hoje somos interrogados sobre um benefício feito a um enfermo e sobre o modo como ele foi curado, 10ficai sabendo todos vós e todo o povo de Israel: É em nome de Jesus Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se apresenta curado diante de vós. 11Ele é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra angular. 12E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, que nos possa salvar.»

    A cura do coxo e, sobretudo, o discurso interpretativo de Pedro, provocam a reacção hostil das autoridades judaicas: os sacerdotes e saduceus, os escribas e fariseus. É o grupo dos sacerdotes e saduceus que promove a prisão dos apóstolos. Aparentemente estão preocupados com os distúrbios que a acção dos apóstolos podia provocar na área do templo. Na verdade, o que eles querem combater é a fé cristã na Ressurreição de Jesus. Não podiam dizê-lo claramente, para não provocar a reacção do grupo dos escribas e fariseus, que admitia a ressurreição. A prisão de Pedro e de João marca o início da primeira perseguição contra a Igreja. Mas resultado desta perseguição é o aumento dos discípulos, o que preocupa o Sinédrio. Reunira semanas antes para julgar Jesus, cuja mensagem lhes parecia uma ameaça ao seu poder. Mas a morte de Jesus não encerrou o seu «caso». Os seus discípulos, assumindo a função de mestres, que lhes estava reservada, continuam a fazer prosélitos e a anunciar a ressurreição dos mortos. A influência e o poder dos sacerdotes e saduceus continuavam sob ameaça. Por isso, voltam a reunir o Sinédrio. É notável a audácia (parrêsia) com que Pedro, «cheio de Espírito Santo», denuncia, no meio do Sinédrio, o crime perpetrado pelos chefes do povo e anuncia a Ressurreição de Jesus. E foi em «nome de Jesus» que o coxo foi curado, porque, só nele, há salvação.

    Evangelho: João 21, 1-14

    Naquele tempo, 1Jesus apareceu outra vez aos discípulos, junto ao lago de Tiberíades, e manifestou-se deste modo: 2estavam juntos Simão Pedro, Tomé, a quem chamavam o Gémeo, Natanael, de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e

    outros dois discípulos. 3Disse-lhes Simão Pedro: «Vou pescar.» Eles responderam-lhe:
    «Nós também vamos contigo.» Saíram e subiram para o barco, mas naquela noite não apanharam nada. 4Ao romper do dia, Jesus apresentou-se na margem, mas os discípulos não sabiam que era Ele. 5Jesus disse-lhes, então: «Rapazes, tendes alguma coisa para comer?» Eles responderam-lhe: «Não.» 6Disse-lhes Ele: «Lançai a rede para o lado direito do barco e haveis de encontrar.» Lançaram-na e, devido à grande quantidade de peixes, já não tinham forças para a arrastar. 7Então, o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: «É o Senhor!» Simão Pedro, ao ouvir que era o Senhor, apertou a capa, porque estava sem mais roupa, e lançou-se à água.
    8Os outros discípulos vieram no barco, puxando a rede com os peixes; com efeito,
    não estavam longe da terra, mas apenas a uns noventa metros. 9Ao saltarem para terra, viram umas brasas preparadas com peixe em cima e pão. 10Jesus disse-lhes:
    «Trazei dos peixes que apanhastes agora.» 11Simão Pedro subiu à barca e puxou a rede para terra, cheia de peixes grandes: cento e cinquenta e três. E, apesar de serem tantos, a rede não se rompeu. 12Disse-lhes Jesus: «Vinde almoçar.» E nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-lhe: «Quem és Tu?», porque bem sabiam que era o Senhor. 13Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com o peixe. 14Esta já foi a terceira vez que Jesus apareceu aos seus discípulos, depois de ter ressuscitado dos mortos.

    A cena descrita por João acontece nas margens do lago de Tiberíades. Um grupo de pescadores galileus, discípulos de Jesus, depois do fracasso na faina nocturna, consegue uma pesca abundante, quando lançam as redes para o lado indicado pelo desconhecido que lhes fala da praia. Depois de Jesus, Pedro e o discípulo que Jesus amava são os protagonistas da cena. Pedro é o mais esforçado na pesca; o outro discípulo é o primeiro a reconhecer Jesus.
    João narra depois a refeição dos discípulos com o Senhor ressuscitado. Espontaneamente somos levados a pensar na Eucaristia, que as comunidades cristãs celebravam e celebram com a absoluta convicção da presença do Senhor.
    O texto descreve, de forma simbólica, a missão da Igreja primitiva e o retrato das comunidades que permanecem estéreis quando estão privadas de Cristo, mas que se tornam fecundas quando obedecem à sua palavra e vivem da sua presença.
    Depois da pesca, Jesus convida os discípulos para uma refeição por Ele mesmo
    preparada: «Vinde almoçar» (v. 12). Nesta refeição, figura da eucaristia, Jesus ressuscitado oferece, Ele mesmo, de comer. A sua misteriosa presença provoca nos discípulos aquela espécie de calafrio típico das teofanias. A conclusão do evangelista é um convite à comunidade eclesial de todos os tempos a que encontre o sentido da sua vocação centrando-se em Jesus como Senhor da vida, porque é na dupla mesa da Palavra e da Eucaristia que a Igreja torna frutuosa a sua acção no meio dos homens.

    Meditatio

    A liturgia faz-nos escutar hoje um sugestivo texto de S. João, bem enquadrado no tempo pascal e na Primavera que estamos a viver. Os Apóstolos voltaram ao lago, nas margens do qual viveram belos momentos
    com Jesus. A presença visível do Mestre já não é contínua. O trabalho daquela noite não tivera sucesso. Mas o brilhante romper da aurora traz-lhe a sensação de que na praia está alguém, que ainda não reconhecem. A pesca milagrosa abre-lhes os olhos do coração e da fé. A refeição preparada por Cristo, e tomada com Ele, na praia dispõe-nos a acolher a nova forma de presença do Senhor, uma presença agora misteriosa e universal. Onde se juntam os irmãos, e celebram a Eucaristia, aí está o Senhor. Depois da Ressurreição, Ele já não se apresenta apenas na glória visível e externa. Por isso, há que procurá-l´O na sua glória divina que não é externa. Há que procurá-l´O nos

    irmãos reunidos em Seu nome, mas também nos pobres, nos humildes, nos carenciados. É neles que havemos de reconhecer a Sua glória misteriosa e o Seu poder que faz maravilhas precisamente com os humildes e simples.
    Pedro está agora certo de que Jesus é o único Salvador. E toda a Igreja vive dessa certeza, que a torna forte, corajosa, alegre, missionária e irresistível, como se verifica logo nos seus primeiros tempos descritos nos Actos dos Apóstolos (cf. Act 4,
    1-12ss).
    Os tempos em que vivemos vêem com desconfiança toda e qualquer forma de integralismo. Acha-se importante respeitar as consciências, promover o diálogo inter- religioso e a paz. Por isso, alastra um certo relativismo. Mas Cristo, ontem como hoje, continua a ser o único Salvador. Esta certeza não pode todavia tornar-se uma arma contra quem quer que seja; mas tem de ser uma proposta paciente, firme, serena e motivada, a fazer a todos, de modo alegre e corajoso, dialogante e testemunhante.
    Segundo as convicções do Pe. Dehon derivadas do seu e "nosso carisma profético" (Cst. 27), como ele o entendia, e como nós devemos entendê-lo, os missionários não só devem dar testemunho d´Ele, mas também «dar a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13), isto é, por aqueles a quem são enviados e querem servir. Dar a vida por aqueles que evangelizamos é a suprema "prova de amizade" (Cst. 33), dada por tantos missionários mártires: "Ninguém há maior prova de amor que dar a vida pelos amigos" (cf. Jo 15, 13).
    Escreve o Pe. Dehon: "Quis fazer uma obra de reparação e de vítimas. Nunca adoptei o nome de vítimas; tomei o de oblatos, que dizia a mesma coisa... Nós somos sacerdotes vítimas. O nosso espírito próprio é "spiritus amoris et immolationis" (espírito de amor e de imolação)... Vivei bem o vosso acto de oblação e sereis uma boa pequena vítima do Sagrado Coração", escrevia o Fundador ao Pe. Guillaume. De modo particular, o missionário, que se entrega totalmente ao serviço de Deus e daqueles que ama, faz de si e da sua vida uma oblação, que pode tornar-se imolação pela aceitação amorosa dos sofrimentos, sobretudo quando incluem o martírio.
    O Pe. Dehon chegou a dizer que queria missões difíceis, onde se corre o risco de morrer jovens, porque mais adequadas para religiosos oblatos. Tal era, em 1897, a grande missão do Alto Congo belga onde muitíssimos missionários morreram ainda jovens. Por isso, o Pe. Dehon, na sua carta aos missionários dizia que deviam desejar morrer na missão, para que o sacrifício fosse completo e sem reservas, verdadeira imolação.

    Oratio

    Senhor, hoje quero rezar-te inspirando-me nas palavras do teu servo Paulo VI: livra-me de cair numa espécie de nominalismo cristão, quando me perguntam quem és Tu e quem és para mim. Que jamais tente iludir a lógica dramática do realismo cristão. Se acredito que fora de Ti não há solução para as questões essenciais da existência, se são verdadeiras e actuais as palavras de Pedro, «cheio de Espírito Santo» (Act 4, 11s.), então sinto-me abalado e mesmo perturbado. O teu nome já não é um simples apelativo insinuado na linguagem convencional da nossa vida, mas tua presença, a tua estatura de majestade infinita, que ergue diante de mim. Tu és o alfa e o ómega, o princípio e o fim de todas as coisas, o centro cósmico que obriga a reconsiderar a dimensão da nossa filosofia, da nossa concepção do mundo, da nossa história pessoal. Diante de Ti, sentimo-nos esmagados, como os apóstolos no Monte da Transfiguração. A tua humildade de Deus feito homem confunde-me tanto quanto a tua grandeza que, todavia, não só torna possível o diálogo Contigo, mas o oferece e impõe. Amen.

    Contemplatio

    Os apóstolos tinham regressado à Galileia, como os outros peregrinos depois da Páscoa, e como Jesus lhes tinha aconselhado. Os que eram pescadores tinham ido à pesca no lago de Tiberíades. Pedro tinha dito: vou à pesca; os outros tinham respondido: vamos contigo. E durante toda a noite não apanharam nada.
    De manhã, Jesus apareceu na margem sem que o reconhecessem: «Rapazes, gritou-lhes, tendes alguma coisa para comer? - Não, disseram. - Jesus retomou: Lançai a rede à direita e conseguireis. - Lançaram-na e ela encheu-se de peixes. - João gritou: É o Senhor. Pedro lançou-se ao mar para alcançar Jesus. Os outros conduziram o barco. Jesus tinha-lhes preparado peixe grelhado e pão. Convidou-os a juntarem do seu peixe, e serviu-lhes o peixe e o pão».
    Que mistérios! A barca de Pedro é a Igreja nascente, mas não será fecunda
    senão trabalhando sob a direcção de Cristo. Jesus vai dar a Pedro a sua missão, a pesca milagrosa simboliza a propagação rápida da Igreja; e Jesus festeja a entronização de Pedro preparando um modesto festim aos apóstolos (Leão Dehon, OSP 4, p. 288).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavra de vida eterna» (Jo 6, 68).

    S. Marcos, Evangelista

    S. Marcos, Evangelista


    25 de Abril, 2025

    Marcos era filho de Maria de Jerusalém, em cuja casa Pedro se refugiou depois de ser libertado do cárcere (cf. At 12, 12). Era primo de Barnabé. Acompanhou o apóstolo Paulo na sua primeira viagem a Roma (cf. Col 4, 10) e esteve próximo dele durante a sua prisão em Roma (Fm 24). Depois, tornou-se discípulo de Pedro, de cuja pregação se fez intérprete no Evangelho que escreveu (cf. 1 Pe 5, 13). O seu evangelho é comumente reconhecido como o mais antigo, utilizado e completado por Mateus e por Lucas. Parece que também os grandes discursos da primeira parte do Atos dos Apóstolos são uma retomada e desenvolvimento do evangelho de Marcos, a partir de Mc 1, 15. É-lhe atribuída a fundação da Igreja de Alexandria.
    Lectio
    Primeira Leitura: 1 Pedro 5, 5b-14

    Irmãos: revesti-vos todos de humildade no trato uns com os outros, porque Deus opõe-se aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes. 6Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte no devido tempo. 7Confiai-lhe todas as vossas preocupações, porque Ele tem cuidado de vós. 8Sede sóbrios e vigiai, pois o vosso adversário, o diabo, como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar. 9Resisti-lhe, firmes na fé, sabendo que a vossa comunidade de irmãos, espalhada pelo mundo, suporta os mesmos padecimentos. 10Depois de terdes padecido por um pouco de tempo, o Deus que é todo graça e vos chamou em Jesus Cristo à sua eterna glória, há-de restabelecer-vos e consolidar-vos, tornar-vos firmes e fortes. 11Para Ele o poder pelos séculos dos séculos. Ámen. 12Por Silvano, a quem considero um irmão fiel, escrevo-vos estas breves palavras, para vos exortar e para vos assegurar que esta é a verdadeira graça de Deus; perseverai nela! 13Manda-vos saudações a comunidade dos eleitos que está em Babilónia e, em particular, Marcos, meu filho. 14Saudai-vos uns aos outros com um ósculo de irmãos que se amam. Paz a todos vós, que estais em Cristo.

    A tradição, segundo a qual Marcos recolheu, no seu evangelho, a pregação de Pedro, apoia-se nesta página, onde Pedro lhe chama "meu filho" (v. 13). Mas as exortações do primeiro dos apóstolos dirigem-se a todos quantos na Igreja têm responsabilidades de guias e mestres.
    O verdadeiro pastor deve, antes de mais, ser humilde e consciente de não ser dono de nada, mas ter recebido tudo de Deus. E a humildade é verdade!
    Os pastores devem também ser sóbrios e vigilantes. Nestas palavras ecoa o discurso escatológico de Jesus (cf. Mc 13, 1ss.). Pedro dirige aos pastores humildes e fiéis, sóbrios e vigilantes, a promessa de que Aquele Deus que os chamou à vida nova em Cristo os confirmará na graça e os coroará de glória (v. 10).
    Evangelho: Marcos 16, 15-20

    Naquele tempo, Jesus apareceu ao Onze Apóstolos e disse-lhes: 15«Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura. 16Quem acreditar e for batizado será salvo; mas, quem não acreditar será condenado. 17Estes sinais acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados.» 19Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus. 20Eles, partindo, foram pregar por toda a parte; o Senhor cooperava com eles, confirmando a Palavra com os sinais que a acompanhavam.

    Nesta conclusão do evangelho original de Marcos, encontramos o chamado discurso missionário: Jesus envia os seus discípulos a levar o evangelho a todas as criaturas (vv. 15ss.). O missionário do Pai, Jesus, precisa de outros missionários. Aquele que é a Boa Nova confia a Boa Nova aos seus apóstolos: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura." (v. 15).
    Depois do mandato missionário, Marcos alude, de modo muito breve, e discreto à ascensão de Jesus ao céu: "O Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus." (v. 19). E conclui afirmando: "Eles, partindo, foram pregar por toda a parte" (v. 20). E assim mudou radicalmente a vida dos apóstolos e de muitas outras pessoas ao longo dos séculos.
    Meditatio

    A primeira leitura da festa de S. Marcos foi escolhida por causa da expressão "meu filho" usada por S. Pedro para se referir ao segundo evangelista, mas também pelas palavras: "Resisti-lhe, firmes na fé, sabendo que a vossa comunidade de irmãos, espalhada pelo mundo, suporta os mesmos padecimentos." (v. 9). Marcos é, de modo especial, o evangelista da fé. Insiste em que deve ser vivida mesmo no meio da obscuridade. O evangelista tem um sentido muito vivo dessa experiência. Mais do que desenvolver os ensinamentos do Mestre, preocupa-se em acentuar a manifestação do Messias crucificado. Apresenta-nos Jesus rodeado de pessoas que, depois de um primeiro entusiasmo, O recusam. Os próprios Doze, escolhidos por Ele, não O compreendem: têm o coração endurecido, fechado à Sua mensagem, à Sua Pessoa. Mesmo Pedro, que reconhece Jesus como Messias, não quer aceitar o caminho que Ele escolheu percorrer, o caminho da cruz. O centro do evangelho de Marcos é o paradoxal testemunho de fé do centurião, que reconhece em Jesus, que morre na cruz, o Filho de Deus. Marcos compreende a realidade profunda do itinerário doloroso de Jesus e apresenta-o à luz da fé, definitivamente consolidada na ressurreição. O segundo evangelho ajuda-nos a viver na fé e a alimentá-la no sofrimento e a apoiá-la unicamente em Cristo, sem procurar provas humanas.
    A reflexão de Marcos não é académica, mas existencial e vital. O Evangelho é Deus (cf. Mc 1, 14); contém e manifesta o projeto salvífico que o Pai quer realizar por meio do Filho em favor de toda a humanidade. É do coração de Deus que brota a "Boa Nova" capaz de encher de alegria todos os corações humanos que estejam disponíveis a acolher o dom da salvação. O "Evangelho é de Jesus Cristo" (cf. Mc 1, 1), quer dizer, é Jesus o Cristo, o Filho de Deus. Mas é também memorial de tudo quanto Jesus fez e disse. Numa palavra: para Marcos, o Evangelho é tudo, e tudo é Evangelho.
    Lembremos as nossas Constituições: "A missão em sentido estrito sempre esteve presente entre nós e continua a conservar para nós uma importância particular" (Cst 33). A nossa admiração e atenção por aqueles que hoje são "missionários" continuam bem vivas. Esses confrades deixaram a sua terra, a sua gente, para adotar uma outra, em favor da qual desenvolvem todas as atividades de apostolado (cf. Cst 15). "Reconhecemos como parte importante da nossa missão reparadora todo o trabalho que desde os princípios da Congregação muitos de nós desenvolvem na atividade missionária, em vista do anúncio do Evangelho e em solidariedade com os povos, cuja situação é particularmente difícil" (Documenta XIV).
    Oratio

    Abre, Senhor, os meus ouvidos para que se encham do tesouro do teu Evangelho, porque a minha vida, iluminada e confortada pela tua Palavra, terá sentido pleno e duradoiro. Faz-me acolher o Verbo da verdade presente no teu Evangelho. Abre, Senhor, a minha boca para que a Boa Nova acolhida, se torne proclamação da tua glória e mensagem de sentido e esperança para os irmãos. Que a minha vida se abra a Ti, se encontre contigo, que vens ao meu encontro todos os dias na Palavra que o teu Evangelho encerra e me dá. Ámen.
    Contemplatio

    S. Marcos amava Nosso Senhor sem qualquer reserva; estava maduro para o martírio. Os seus sucessos e os progressos da fé exasperavam os pagãos e em particular os sacerdotes de Serapis. Apoderaram-se de S. Marcos durante a solenidade da Páscoa do ano 68. Fizeram-lhe sofrer durante dois dias um horrível suplício, fazendo-o arrastar com cordas por terrenos pedregosos dos subúrbios de Buroles; mas o amor é mais forte do que a morte, e o santo bendizia a Nosso Senhor e dava-lhe graças por ter sido julgado digno de sofrer por seu amor. Durante a noite que separou os dois dias de torturas, o santo foi reconfortado por visitas celestes. Foi primeiro um anjo que lhe disse: «Marcos, servo de Deus e chefe dos ministros de Cristo, no Egipto, o vosso nome está escrito no livro da vida e as potências celestes virão em breve procurar-vos para vos conduzirem ao céu». Depois apareceu-lhe o próprio Nosso Senhor, como o tinha conhecido na Galileia: «A paz esteja convosco, Marcos nosso evangelista», diz-lhe; depois desapareceu. Esta palavra de encorajamento bastava. S. Marcos foi de novo arrastado e dilacerado pelas pedras, enquanto bendizia a Deus: «Meu Deus, nas vossas mãos entrego a minha alma». (L. Dehon, OSP 3, p. 479).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Convertei-vos e acreditai no Evangelho" (Mc 1, 15).

    S. Marcos, Evangelista (25 Abril)

  • 1ª Semana - Sábado - Páscoa

    1ª Semana - Sábado - Páscoa

    26 de Abril, 2025

    1ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 13-21

    Naqueles dias, os chefes do povo, os anciãos e os escribas, 13vendo o desassombro de Pedro e de João e percebendo que eram homens iletrados e plebeus, ficaram espantados. Reconheciam-nos por terem andado com Jesus, 14mas, ao mesmo tempo, vendo de pé, junto deles, o homem que fora curado, nada encontraram para replicar. 15Mandaram-nos, então, sair do Sinédrio e começaram sozinhos a deliberar:
    16«Que havemos de fazer a estes homens? Que um milagre notável foi realizado por
    eles é demasiado claro para todos os habitantes de Jerusalém e não podemos negá-lo.
    17No entanto, para evitar que a notícia deste caso se espalhe ainda mais por entre o povo, proibamo-los, com ameaças, de falar, doravante, a quem quer que seja, nesse nome.» 18Chamaram-nos, então, e impuseram-lhes a proibição formal de falar ou ensinar em nome de Jesus. 19Mas Pedro e João retorquiram: «Julgai vós mesmos se é justo, diante de Deus, obedecer a vós primeiro do que a Deus. 20Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos.» 21Eles, então, com novas ameaças, mandaram-nos em liberdade, não encontrando maneira de os castigar, por causa do povo; pois todos glorificavam a Deus pelo que tinha acontecido.

    Os apóstolos defenderam-se com valentia diante do tribunal. Essa valentia nasce da liberdade da fé. Os seus adversários encontraram-se em nítida dificuldade. Pretendiam ocultar factos cuja força se impunha: a cura do coxo, o que Pedro e João viram e ouviram. Estavam num beco sem saída. Os acusados eram discípulos de
    Jesus, gente simples e sem cultura, mas homens seguros e valentes que, acusados, se tornam acusadores, intérpretes da Escritura e pregadores. Para maior complicação, tinham a seu lado aquele que fora curado pela invocação do nome de Jesus. Era preciso reflectir seriamente. Reflectiram e resolveram impor silêncio a Pedro e a João: «proibamo-los, com ameaças, de falar, doravante, a quem quer que seja,
    nesse nome» (v. 17). Mas, como obedecer a uma ordem tão absurda? Por isso, Pedro responde: «Julgai vós mesmos se é justo, diante de Deus, obedecer a vós primeiro do que a Deus. Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos» (vv. 19.20). Os apóstolos estavam conscientes de que falar da morte e da
    ressurreição de Jesus era vontade de Deus, era um mandato divino. Por isso, não era possível obedecer às autoridades judaicas. Não havia ordens nem ameaças capazes de os fazerem calar, porque a força irresistível de Deus estava com eles.

    Evangelho: Marcos 16, 9-15

    Tendo ressuscitado de manhã, no primeiro dia da semana, Jesus apareceu primeiramente a Maria de Magdala, da qual expulsara sete demónios. 10Ela foi anunciá-lo aos que tinham sido seus companheiros, que viviam em luto e em pranto.
    11Mas eles, ouvindo dizer que Jesus estava vivo e fora visto por ela, não acreditaram.
    12Depois disto, Jesus apareceu com um aspecto diferente a dois deles que iam a

    caminho do campo. 13Eles voltaram para trás a fim de o anunciar aos restantes. E também não acreditaram neles. 14Apareceu, finalmente, aos próprios Onze quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e a dureza de coração em não acreditarem naqueles que o tinham visto ressuscitado. 15E disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura.

    Este texto é um acrescento destinado a concluir o evangelho de Marcos, escrito ainda na época apostólica, e aceite pela Igreja. Mc 16, 7 aludia a um encontro na Galileia que não é descrito. Por isso, é aceite a hipótese de que o primitivo epílogo se tenha perdido, sendo substituído pelo que agora temos. De Mt 28, 16-20 e de Jo 21, 1-4, sabemos que Jesus apareceu aos discípulos na Galileia, onde confirmou o grupo dos discípulos, conferindo-lhes a missão universal. Poderia ser este também o conteúdo da folha que se perdeu.
    Como em Lucas (24, 36-43) e nos Actos (10, 41), a aparição aos Onze acontece durante uma refeição comunitária. Uma vez mais, como é típico em Marcos, é sublinhada a incredulidade e a atitude refractária dos discípulos em se darem conta do que aconteceu. Só a presença directa de Jesus libertará os apóstolos da dureza de coração e os transformará em verdadeiros crentes. A Ressurreição não é fruto de imaginação ingénua ou da sugestão colectiva dos discípulos. É um dom do Pai Àquele que se fez obediente até à morte para salvar a Humanidade. A fé na Ressurreição é também um dom do Senhor aos discípulos. Ao conceder-lho também lhes dá o encargo de continuarem a Sua missão, para que a Boa Nova chegue a toda a terra (v. 15).

    Meditatio

    A Ressurreição é um mistério de fé que encontrou resistência nos Apóstolos.
    «Não acreditaram» é o refrão que se repete no epílogo do evangelho de Marcos. Por isso, Jesus tem de lhes censurar a dureza de coração em não acreditarem naqueles que O tinham visto ressuscitado (Mc 16, 14). Também em nós podem surgir resistências à fé na Ressurreição: preferimos as nossas tristezas à alegria da Ressurreição. Isto pode parecer estranho, mas é assim porque a alegria divina nos eleva, enquanto nós preferimos permanecer nas nossas preocupações, nas nossas tristezas, nos nossos interesses humanos. A tristeza leva-nos a ver as coisas na obscuridade do nosso amor-próprio, das nossas ilusões, e não à luz divina da Ressurreição. Por isso é que um autor cristão do século II escrevia: «Desapega-te de ti mesmo, renuncia à tristeza, porque a tristeza é a mãe da dúvida e do erro».
    Na primeira leitura, Pedro e João utilizam um argumento que precisamos de redescobrir hoje, diante das prepotências do mundo em que vivemos. Quantas vezes os meios de comunicação social, e outros meios omnipotentes, tentam nivelar o modo de pensar e de avaliar típico dos cristãos pelo baixo nível do consumismo e dos horizontes exclusivamente intramundanos. A identidade cristã sofre agressões cada vez mais claras, ainda que, muitas vezes, soft e dissimuladas, que querem fazer passar por normal e óbvio o que não passa de comportamentos detestáveis. Por isso, é em nome da superior vontade de Deus que havemos de travar um verdadeiro
    «combate cultural» para desmascarar o perigo da homologação pagã. Mas o
    «combate cultural» pressupõe o «combate espiritual», em nome de uma forte experiência de Cristo. Não se pode calar a experiência da salvação, a experiência de ser a
    mados por Deus, a experiência de ser acompanhados na vida pelo amor de Deus. Trata-se de um testemunho aberto e corajoso, que nada quer impor, mas que também não aceita imposições para esconder o que tem de mais precioso: a experiência do Ressuscitado.
    De acordo com os ensinamentos e o exemplo do Pe. Dehon, a fonte do nosso
    "testemunho profético..." para o "advento da nova humanidade em Jesus Cristo"

    (Cst. 39), iniciada com a Sua Ressurreição é o Coração de Cristo e a Eucaristia. O evangelho diz-nos que foi no encontro com o Senhor ressuscitado, e na celebração da Eucaristia, que eles, em primeiro lugar, encontraram a força para o testemunho, mesmo nas mais duras circunstâncias.

    Oratio

    Senhor, faz resplandecer sobre a minha mente e sobre o meu coração, a luz esplendorosa da tua santa Ressurreição, para que me dê conta de quanto obedeço mais aos homens do que a Deus, de quanto estou inquinado pela mentalidade dos homens, de quanto me deixo levar pelas seduções deste mundo, de quanto me deixo fascinar pelo canto das sereias. Ilumina as profundezas do meu ser, os recantos obscuros da minha personalidade, os pontos menos conscientes do meu sentir, para que possa revê-los e rever o modo como me coloco diante da mentalidade dominante.
    Dá-me a coragem dos Apóstolos para que, vencendo todos os obstáculos, testemunhe o teu nome diante todos e em todas as circunstâncias. Amen.

    Contemplatio

    S. Marcos era hebreu de origem e da raça sacerdotal de Aarão. Era da
    Galileia, pátria de S. Pedro, do qual foi o intérprete e o companheiro.
    Fazia parte dos setenta e dois discípulos; mas, no dizer de Santo Epifânio, retirou-se com muitos outros, quando Nosso Senhor disse: «Se não comerdes a minha carne, não tereis a vida em vós». Mas S. Pedro converteu-o e reconduziu-o a Jesus depois da ressurreição. Ligou-se a S. Pedro e permaneceu sempre penitente como ele. S. Pedro chama-o seu filho na sua primeira epístola (5, 13).
    Seguindo o chefe dos apóstolos nas suas viagens apostólicas, serviu-lhe de
    intérprete, de secretário e de catequista. Acompanhou-o a Roma, e, depois das pregações do Apóstolo, a multidão perguntava a S. Marcos explicações e notas. Esta foi a origem do seu Evangelho. Serviu-se aliás do de S. Mateus ou de uma recolha primitiva de discursos do Salvador, na qual S. Mateus se teria também inspirado.
    Escrevendo S. Marcos sob a direcção de S. Pedro, tem conta da humildade do seu mestre, relata longamente a tríplice negação do apóstolo e não cita o que Nosso Senhor diz em louvor do Príncipe dos apóstolos, quando este o reconheceu como Filho de Deus (Leão Dehon, OSP 3, p. 478).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15).

  • 02º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    02º Domingo da Páscoa – Ano C [atualizado]

    27 de Abril, 2025

    ANO C

    2.º DOMINGO DO TEMPO PASCAL

    Tema do 2.º Domingo do Tempo Pascal

    A liturgia deste domingo continua a celebrar a Boa notícia da vitória de Jesus sobre a morte. Convida-nos especialmente a olhar para a comunidade nascida de Jesus. Garante-nos que Jesus está no meio dela, caminha com ela, dá-lhe a força para vencer as crises e os desafios que lhe dificultam a caminhada. É a partir da comunidade cristã que Jesus continua a oferecer ao mundo e aos homens, em cada passo da história, a sua proposta salvadora e libertadora.

    O Evangelho apresenta a comunidade da Nova Aliança, nascida da atividade criadora e vivificadora de Jesus. É uma comunidade que se reúne à volta de Jesus ressuscitado, que recebe d’Ele Vida, que é animada pelo Seu Espírito e que dá testemunho no mundo da Vida nova de Deus. Quem quiser “ver” e “tocar” Jesus ressuscitado, deve procurá-l’O no meio dessa comunidade que d’Ele nasceu e que d’Ele vive.

    A primeira leitura mostra-nos como a comunidade cristã de Jerusalém vivia e testemunhava a sua fé. A união, o amor fraterno, o estilo de vida daqueles homens e mulheres, suscitavam admiração, provocavam simpatia e levavam à adesão. A vida nova recebida de Jesus aparecia especialmente em gestos concretos de cura e de cuidado com os doentes e frágeis. Dessa forma, a comunidade continuava a obra libertadora de Jesus.

    Na segunda leitura João, o profeta de Patmos, apresenta aos cristãos perseguidos a visão do “filho do homem”. Trata-se de Jesus ressuscitado, o princípio e o fim de todas as coisas, aquele que derrotou a morte e tudo o que a ela está ligado. Ele está com a sua Igreja e caminha com ela pelos caminhos da história. É n’Ele que a comunidade encontra a força para caminhar e para vencer as forças que se opõem à vida nova de Deus.

     

    LEITURA I – Atos 5,12-16

    Pelas mãos dos Apóstolos
    realizavam-se muitos milagres e prodígios entre o povo.
    Unidos pelos mesmos sentimentos,
    reuniam-se todos no Pórtico de Salomão;
    nenhum dos outros se atrevia a juntar-se a eles,
    mas o povo enaltecia-os.
    Cada vez mais gente aderia ao Senhor pela fé,
    uma multidão de homens e mulheres,
    de tal maneira que traziam os doentes para as ruas
    e colocavam-nos em enxergas e em catres,
    para que, à passagem de Pedro,
    ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles.
    Das cidades vizinhas de Jerusalém,
    a multidão também acorria,
    trazendo enfermos e atormentados por espíritos impuros
    e todos eram curados.

     

    CONTEXTO

    O livro dos Atos dos Apóstolos, logo depois da introdução inicial (cf. At 1,1-11), oferece-nos um conjunto de histórias sobre a comunidade cristã de Jerusalém (cf. At 1,12-6,7). Mas o objetivo primordial de Lucas, o autor dos Atos, não é fornecer-nos um relato real e pormenorizado dos primeiros dias do cristianismo, após a ascensão de Jesus ao céu; o que ele pretende é propor-nos uma catequese sobre a forma como a Igreja de Jesus se deve estruturar e apresentar ao mundo. A comunidade cristã de Jerusalém é, de certo modo, a mãe e o modelo de todas as Igrejas. Lucas, ao falar dela, vai idealizá-la e “embelezá-la”, a fim de que ela funcione como exemplo para todas as Igrejas que depois irão surgir.

    Nesses capítulos dedicados à apresentação da Igreja de Jerusalém Lucas insere, a certa altura, três breves sumários que põem em relevo dimensões particularmente importantes da vida eclesial. No primeiro desses sumários sublinha-se especialmente a unidade, a fidelidade à oração e ao ensino dos apóstolos, o espírito fraterno e o testemunho que a comunidade dava aos habitantes de Jerusalém (cf. At 2,42-47); no segundo, a ênfase é posta na partilha dos bens e na solidariedade dos membros da comunidade (cf. At 4,32-35); no terceiro (que é precisamente o que a liturgia deste domingo nos propõe como primeira leitura), realça-se a atividade curadora dos apóstolos, que despertava o interesse da cidade e atraía novos membros à comunidade (cf. At 5,12-16).

    Para entendermos todo o alcance da reflexão de Lucas precisamos de ter em conta a situação das comunidades cristãs no final da década de 80 do primeiro século. O entusiasmo inicial dos cristãos estava um tanto diluído: Jesus ainda não tinha vindo para instaurar definitivamente o “Reino de Deus” e, em contrapartida, posicionavam-se no horizonte próximo as primeiras grandes perseguições. Muitos dos crentes tinham-se instalado numa fé “morna” e inconsequente. Havia desleixo, falta de entusiasmo, acomodação, divisão, conflitos e confusão (até porque começavam a aparecer falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs). Neste contexto, Lucas recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro daquilo que a comunidade deve ser e testemunhar.

     

    MENSAGEM

    Lucas enuncia, no início deste “sumário” o tema que pretende relevar: “pelas mãos dos apóstolos realizavam-se muitos milagres e prodígios entre o povo” (vers. 12a). Depois, passa a mostrar o testemunho que a comunidade cristã primitiva dava aos habitantes de Jerusalém.

    Os cristãos de Jerusalém costumavam reunir-se no pórtico de Salomão, certamente para escutar o ensino dos apóstolos. Os outros, os que não faziam parte da comunidade cristã, enalteciam-nos e admiravam-nos; mas não se atreviam a juntar-se a eles (vers. 12b-13). Como é que as duas afirmações, aparentemente contraditórias, se podem entender? Lucas quer sugerir, provavelmente, que “os outros”, vendo o estilo de vida dos cristãos, reconheciam na comunidade nascida de Jesus algo que vinha de Deus e que era sinal de Deus. Esse reconhecimento infundia nos habitantes de Jerusalém um temor respeitoso, aquele temor que qualquer pessoa sente diante da presença de Deus. Com o passar do tempo, no entanto, o temor dava lugar à estima e a estima levava à adesão: “cada vez mais gente aderia ao Senhor pela fé, uma multidão de homens e mulheres” (vers. 14).

    A adesão dos habitantes de Jerusalém à fé cristã era potenciada pelas curas que os apóstolos realizavam: “traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e em catres, para que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles” (vers. 15). Ao atribuir aos apóstolos esse poder curador, Lucas pretende dizer-nos que eles continuam a obra de Jesus, levando vida a todos aqueles que estão privados de vida. A mesma atividade salvadora e libertadora que Jesus desenvolveu em favor dos pobres, dos oprimidos e de outros sofredores é continuada agora no mundo pela sua Igreja. Um desenvolvimento especialmente original é a atribuição à “sombra” de Pedro de virtudes curativas (cf. At 5,15b). Tal coisa nunca foi afirmada acerca de Jesus. Significa que Pedro tinha mais poder do que Jesus? Não. Provavelmente é uma forma muito concreta de sugerir que nada é impossível àquele que se coloca na órbita de Jesus e recebe d’Ele a força para levar ao mundo a salvação de Deus.

    Jesus tinha dito aos apóstolos, ao despedir-se deles, pouco antes de voltar para o Pai: “sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos confins do mundo” (At 1,8). Os apóstolos, fiéis ao mandato que receberam, dão testemunho, com os seus gestos, de Jesus ressuscitado e do seu projeto libertador para o mundo.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Em quase todos os relatos pós-pascais reafirma-se a ideia de que os discípulos de Jesus são, depois da morte/glorificação de Jesus, as testemunhas da sua ressurreição e do seu projeto no meio dos homens. Ora, esta tarefa não dizia apenas respeito à Igreja de Jerusalém. É uma tarefa que deve ser abraçada pelos discípulos de Jesus de todas as épocas, inclusive por nós. Somos hoje, em pleno séc. XXI, neste tempo difícil que nos calhou viver, as testemunhas de Jesus ressuscitado e da sua proposta salvadora. Num mundo ferido a cada passo por mecanismos de morte – a guerra, a injustiça, a mentira, a prepotência dos poderosos, a indiferença pela sorte dos mais frágeis, a marginalização dos “diferentes”, a destruição do planeta, o uso abusivo por alguns dos recursos que pertencem a todos – somos obrigados a dar testemunho de Jesus e da sua proposta do Reino de Deus. Nós, Igreja de Jesus, anunciamos ao mundo e testemunhamos com a forma como vivemos, tudo aquilo que Jesus nos ensinou com as suas palavras, com os seus gestos, com a sua vida? O que nos falta para sermos – como a comunidade primitiva – uma comunidade que testemunha Jesus ressuscitado?
    • Falando dos membros da comunidade cristã de Jerusalém, Lucas afirma que eles “reuniam-se todos, unidos pelos mesmos sentimentos”. A fé não é uma questão puramente individual, que cada um vive por si sem enquadramento comunitário; mas é uma realidade que se recebe, que se desenvolve, que se vive e que se celebra no contexto de uma comunidade. A Igreja de Jesus é um corpo – o Corpo de Cristo – formado por muitos membros, e onde cada um desempenha o seu papel no contexto do projeto que Deus confiou à comunidade do Reino de Deus. É no enquadramento e no diálogo comunitário que a nossa visão pessoal da fé, confrontada com visão dos outros, se purifica, se enriquece e se aproxima da verdade; é na partilha comunitária que vamos discernindo o projeto de Deus para o mundo e para a Igreja; é no apoio dos irmãos e irmãs que encontramos a força de caminhar sempre em frente, na fidelidade ao Evangelho de Jesus. O que significa para nós a comunidade cristã? Vivemos a nossa fé bem enquadrados na comunidade eclesial? Reunimo-nos comunitariamente, no “dia do Senhor”, para escutar a Palavra e para partilhar o pão de Jesus? Damos a nossa colaboração na comunidade cristã, a fim de que nela ecoe cada vez mais o testemunho de Jesus? Somos, na comunidade cristã, fatores de união, de comunhão, de unidade?
    • Lucas diz também, sobre os cristãos da comunidade de Jerusalém, que “o povo enaltecia-os”. A forma como viviam, os valores que os animavam, a forma como se davam uns com os outros, suscitavam aprovação e admiração. Aqueles homens e mulheres, depois de andarem na “escola de Jesus”, viviam de um jeito que interpelava e desafiava os seus concidadãos. Como é que os nossos contemporâneos veem hoje o nosso testemunho? Aquilo que fazemos suscita admiração e interesse à nossa volta? Somos uma luz que se acende na noite do mundo e que aponta no sentido de um mundo mais justo, mais fraterno, mais verdadeiro?
    • Lucas sublinha especialmente os “milagres” e “prodígios” que os apóstolos de Jesus faziam entre o povo. Os milagres não são, necessariamente, acontecimentos espantosos que subvertem as leis da natureza; mas são sinais – por vezes simples e banais – que mostram a presença libertadora e salvadora de Deus e que anunciam essa vida plena que Deus quer dar a todos os seus filhos. Naqueles gestos de bondade, de partilha, de serviço, de misericórdia, de cuidado para com os doentes, que os seguidores de Jesus faziam, os outros habitantes de Jerusalém viam acontecer a intervenção salvadora de Deus. Hoje, como ontem, os discípulos de Jesus têm como missão fazer “milagres”, quer dizer, fazer acontecer a salvação de Deus no mundo. Temos consciência disto e procuramos, com gestos concretos, anunciar que Jesus ressuscitou e continua a querer salvar os homens? Os nossos gestos são “sinais” de Deus e tornam palpável no mundo a salvação de Deus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)

    Refrão 1:
    Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
    porque é eterna a sua misericórdia.

    Refrão 2:
    Aclamai o Senhor, porque Ele é bom:
    o seu amor é para sempre.

    Refrão 3:
    Aleluia.

    Diga a casa de Israel:
    é eterna a sua misericórdia.
    Diga a casa de Aarão:
    é eterna a sua misericórdia.
    Digam os que temem o Senhor:
    é eterna a sua misericórdia.

    A pedra que os construtores rejeitaram
    tornou-se pedra angular.
    Tudo isto veio do Senhor:
    é admirável aos nossos olhos.
    Este é o dia que o Senhor fez:
    exultemos e cantemos de alegria.

    Senhor, salvai os vossos servos,
    Senhor, dai-nos a vitória.
    Bendito o que vem em nome do Senhor,
    da casa do Senhor nós vos bendizemos.
    O Senhor é Deus
    e fez brilhar sobre nós a sua luz.

     

    LEITURA II – Apocalipse 1,9-11a.12-13.17-19

    Eu, João,
    vosso irmão e companheiro
    nas tribulações, na realeza e na perseverança em Jesus,
    estava na ilha de Patmos,
    por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus.
    No dia do Senhor fui movido pelo Espírito
    e ouvi atrás de mim uma voz forte,
    semelhante à da trombeta, que dizia:
    «Escreve num livro o que vês
    e envia-o às sete Igrejas».
    Voltei-me para ver de quem era a voz que me falava;
    ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro e,
    no meio dos candelabros, alguém semelhante a um filho do homem,
    vestido com uma longa túnica e cingido no peito com um cinto de ouro.
    Quando o vi, caí a seus pés como morto.
    Mas ele poisou a mão direita sobre mim e disse-me:
    «Não temas.
    Eu sou o Primeiro e o Último, o que vive.
    Estive morto, mas eis-Me vivo pelos séculos dos séculos
    e tenho as chaves da morte e da morada dos mortos.
    Escreve, pois, as coisas que viste,
    tanto as presentes como as que hão de acontecer depois destas».

     

    CONTEXTO

    “Apocalipse” é uma palavra de origem grega que significa “manifestação de algo que está oculto”. O nosso “Livro do Apocalipse” – do qual é retirado o trecho da segunda leitura deste domingo – é um livro que se apresenta como uma “revelação” sobre “as coisas que brevemente devem acontecer” (Ap 1,1) e que um tal João, exilado na ilha de Patmos (uma pequena ilha do Mar Egeu) por causa da sua fé, tem por missão comunicar aos seus irmãos na fé. Essa “revelação” é endereçada a “sete igrejas” da província romana da Ásia (atual Turquia), às quais o autor se sentia especialmente ligado e cuja problemática conhecia bem.

    Estamos na parte final do reinado do imperador Domiciano (à volta do ano 95). As comunidades cristãs da Ásia Menor vivem numa grave crise interna, resultante das heresias (como a dos nicolaítas, referida em Ap 2,6.15), da falta de entusiasmo, da tibieza, da indiferença, da acomodação. Por outro lado, a perseguição contra os cristãos, ordenada pelo imperador, tinha criado um clima de insegurança e de medo: muitos seguidores de Jesus eram condenados e assassinados e outros, temendo pelas suas vidas, abandonavam o Evangelho e passavam para o lado do império. Na comunidade dizia-se: “Jesus é o Senhor”; mas lá fora, quem mandava mesmo, como senhor todo-poderoso, era o imperador de Roma.

    É neste contexto de crise, de perseguição, de medo e de martírio que vai ser escrito o Apocalipse. O objetivo do autor é levar os crentes a revitalizarem o seu compromisso com Jesus e a não perderem a esperança. Nesse sentido, o autor do livro começa por fazer um convite à conversão (cf. Ap 1-3), convidando as “sete igrejas” a corrigirem as suas opções erradas e a revitalizarem a sua fé; passa, depois, a apresentar uma leitura profética da história humana, que promete a vitória final de Deus e dos seus fiéis sobre as forças do mal (cf. Ap 4-22). Estes conteúdos são apresentados com o recurso sistemático a símbolos e imagens (como é típico da literatura apocalíptica), o que torna este livro estranho e difícil, mas, ao mesmo tempo, muito belo e interpelante.

    O texto da segunda leitura de hoje pertence à primeira parte do livro (cf. Ap 1-3). Recorrendo à linguagem simbólica – pois é através dos símbolos que melhor se expressa a realidade do mistério – João apresenta-nos o Senhor da história, Aquele através de quem Deus revela aos homens o seu projeto.

     

    MENSAGEM

    Os cristãos, que todos os dias experimentam a perseguição que lhes é movida pelo imperador Domiciano, estão desanimados e sem esperança. Onde está Deus? Quem é que conduz o mundo e a história dos homens: Deus, ou o imperador de Roma? Acreditar em Jesus é fonte de vida ou de morte? Vale a pena permanecer fiel a Jesus e ao seu projeto, quando se pode pagar essa fidelidade com a própria vida?

    Em resposta a tudo isto João, o profeta de Patmos, recorrendo a símbolos véterotestamentários, apresenta aos cristãos perseguidos a “visão do filho do homem” (o texto que a liturgia deste domingo nos propõe como segunda leitura não apresenta a descrição completa da visão: faltam os versículos 14-16).

    Esse “filho do homem” tem uma aparência humana (vers. 13a), como o “filho do homem” da visão de Dn 7,13. Está no meio de sete candelabros (vers. 12). Os sete candelabros evocam a totalidade da Igreja nascida de Jesus (citam-se concretamente sete igrejas da Ásia Menor, mas o número sete significa “totalidade”, “plenitude”): as comunidades cristãs espalhadas pelo império, perseguidas por Domiciano, não estão sozinhas, abandonadas à sua sorte; Cristo ressuscitado está no meio delas e caminha com elas.

    O “filho do homem” está vestido com “uma túnica comprida” (vers. 13b): a túnica evoca a sua dignidade sacerdotal, pois Ele é o sacerdote por excelência, o verdadeiro intermediário entre Deus e os homens. Também está cingido “no peito com um cinto de ouro” (vers. 13c): o ouro indica que n’Ele reside a realeza e a autoridade sobre a história e sobre o mundo. A sua cabeça e os seus cabelos são brancos, como a brancura da lã e da neve” (vers. 14a): o branco é a cor de Deus e os cabelos brancos simbolizam a eternidade. Os seus olhos são “como uma chama de fogo” (vers. 14b): eles tudo veem, tudo conhecem, a todos questionam. Os seus pés assemelham-se “ao bronze incandescente numa forja” (vers. 15a): todo Ele é firmeza e estabilidade e nenhum poder do mundo poderá derrubá-lo. A sua voz é “como o rumor de águas caudalosas (vers. 15b): ouve-se por todo o lado e, como a água corrente, gera vida em abundância.

    O “filho do homem” tem “na mão direita sete estrelas (vers. 16a): a Igreja está na mão d’Ele e pertence-lhe; por isso, os cristãos podem entregar-se confiadamente nas suas mãos. Da sua boca sai “uma espada afiada de dois gumes” (vers. 16b): a sua Palavra penetra os corações de forma irresistível e obriga todos, diante dela, a tomar posição. O seu rosto “é como o sol resplandecente em toda a sua força” (vers. 16c): n’Ele brilha a luz de Deus, uma luz intensa que os homens não podem contemplar diretamente.

    Desprende-se deste “filho do homem” uma inegável imagem de poder, de majestade, de omnipotência. Consciente de que está diante de um ser divino, o profeta de Patmos cai por terra, “como morto” (vers. 17a). Mas o “filho do homem” convida-o a não ter medo e confirma-lhe que é o Cristo do mistério pascal (aquele que esteve morto, voltou à vida e derrotou a morte – cf. vers. 18). A história começa e acaba n’Ele (“Eu sou o primeiro e o último” – vers. 17b). Se Ele é o Senhor da vida, o que venceu a morte, a injustiça e o pecado, os cristãos nada terão a temer.

    Ao profeta de Patmos, Cristo ressuscitado confia a missão profética de dar testemunho (vers. 19). Envia-o às igrejas a anunciar uma mensagem de esperança que permita enfrentar o medo e a perseguição. João, o profeta, é chamado para anunciar a todos os cristãos que Jesus ressuscitado está vivo, que caminha no meio da sua Igreja e que, com Ele, nenhum mal lhes acontecerá: Ele é o Senhor que preside à história e que é mais poderoso do que todos os reis e imperadores.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Os cristãos do final do primeiro século, perseguidos pelo império, tiveram de fazer escolhas decisivas. De um lado estava Domiciano, o seu domínio tirânico sobre Roma e sobre o mundo, os seus guardas pretorianos, os seus tribunais manipulados, os seus éditos e leis; do outro estava Jesus, a cruz, a perseguição, o martírio, o aparente fracasso. Era necessário escolher; e essa escolha não era inócua: decidia, por vezes, entre viver ou morrer. Muitos escolheram Jesus. Também nós temos, a cada passo, de fazer escolhas decisivas. Talvez nem sempre sejam tão dramáticas como aquelas que os cristãos do tempo de Domiciano tiveram de fazer; mas não deixam de ser escolhas que decidem o sentido da nossa vida. Hoje, como ontem, Jesus continua num dos pratos da balança. Que lugar ocupa Ele nas nossas escolhas? Quando se trata de escolher as nossas prioridades, os valores que abraçamos e que dão conteúdo à nossa vida, quem escutamos? A quem prestamos culto: aos influencers de serviço, aos valores da moda, aos interesses instalados, aos poderes do mundo, ou a Cristo?
    • Há um elemento que, frequentemente, nos impede de fazer as opções mais corretas: o medo. Cedemos ao opressor e ao injusto porque temos medo de ser maltratados, de sofrer ou de morrer; aceitamos os valores que nos são impostos porque temos medo de ser ridicularizados ou condenados; remetemo-nos ao silêncio e deixamos que o mundo se construa de uma forma que não aprovamos porque temos medo de enfrentar aqueles que se julgam donos do mundo… O medo paralisa-nos, impede-nos de ter voz ativa na construção da história, impede-nos de viver de forma acertada e construtiva, limita os nossos horizontes, faz-nos desistir dos nossos sonhos mais belos… Temos consciência de que nada temos a temer porque Cristo, o Senhor da história, o primeiro e o último, aquele que esteve morto mas venceu a morte, caminha connosco?
    • João, o profeta de Patmos, assumiu a missão de ser, no meio dos seus irmãos assustados e desalentados, uma testemunha da esperança. Convicto de que nenhum poder humano – nem sequer o todo-poderoso imperador de Roma – poderia derrotar o “filho do homem”, João tornou-se o arauto da vitória de Deus. Neste pobre mundo vacilante e imperfeito onde cumprimos a nossa existência, precisamos de profetas que ensinem os homens a olhar para lá do horizonte imediato que os nossos olhos enxergam, para esse além onde já está a desenhar-se um mundo novo. Aceitamos ser, neste mundo onde tantas vezes se escreve a história com cores sombrias, profetas da esperança, testemunhas do Ressuscitado, arautos da vida nova que Deus quer oferecer aos seus filhos?

     

    ALELUIA – João 20,19

    Aleluia. Aleluia.

    Disse o Senhor a Tomé:
    «Porque Me viste, acreditaste;
    felizes os que acreditam sem terem visto».

     

    EVANGELHO – João 20,19-31

    Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,

    estando fechadas as portas da casa
    onde os discípulos se encontravam,
    com medo dos judeus,
    veio Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes:
    «A paz esteja convosco».
    Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
    Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
    Jesus disse-lhes de novo:
    «A paz esteja convosco.
    Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós».
    Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes:
    «Recebei o Espírito Santo:
    àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados;
    e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».
    Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo,
    não estava com eles quando veio Jesus.
    Disseram-lhe os outros discípulos:
    «Vimos o Senhor».
    Mas ele respondeu-lhes:
    «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos,
    se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado,
    não acreditarei».
    Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa
    e Tomé com eles.
    Veio Jesus, estando as portas fechadas,
    apresentou-Se no meio deles e disse:
    «A paz esteja convosco».
    Depois disse a Tomé:
    «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos;
    aproxima a tua mão e mete-a no meu lado;
    e não sejas incrédulo, mas crente».
    Tomé respondeu-Lhe:
    «Meu Senhor e meu Deus!»
    Disse-lhe Jesus:
    «Porque Me viste acreditaste:
    felizes os que acreditam sem terem visto».
    Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos,
    que não estão escritos neste livro.
    Estes, porém, foram escritos
    para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus,
    e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.

     

    CONTEXTO

    Jesus foi crucificado na manhã de uma sexta-feira – dia da “preparação” da Páscoa – e morreu pelas três horas da tarde desse dia. Já depois de morto, um soldado trespassou-lhe o coração com uma lança; e do coração aberto de Jesus saiu sangue e água (cf. Jo 19,31-37). O evangelista João vê no sangue que sai do lado aberto de Jesus o sinal do seu amor dado até ao extremo (cf. Jo 13,1): do amor do pastor que dá a vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10,11), do amor do amigo que dá a vida pelos seus amigos (cf. Jo 15,13); e vê na água que sai do coração trespassado de Jesus o sinal do Espírito (cf. Jo 3,5), desse Espírito que Jesus “entregou” aos seus e que é fonte de Vida nova. Da água e do sangue, do batismo e da eucaristia, nascerá a nova comunidade, a comunidade da Nova Aliança. Contudo, os discípulos que tinham subido com Jesus a Jerusalém e que seriam o embrião dessa comunidade da Nova Aliança, desapareceram sem deixar rasto. Estão escondidos, algures na cidade de Jerusalém, paralisados pelo medo. O projeto de Jesus falhou?

    No final da tarde dessa sexta-feira, o corpo morto de Jesus foi sepultado à pressa num túmulo novo, situado num horto ao lado do lugar onde se tinha dado a crucificação (cf. Jo 19,38-42). Depois veio o sábado, o último dia da semana, o dia da celebração da Páscoa judaica. Durante todo aquele sábado o túmulo de Jesus continuou cerrado.

    A partir daqui a narração de João muda de tempo e de registo. Chegamos ao “primeiro dia da semana”. É o primeiro dia de um tempo novo, o tempo da humanidade nova, nascida da ação criadora e vivificadora de Jesus. “No primeiro dia da semana”, Maria Madalena, a mulher que representa a nova comunidade, vai ao túmulo e vem de lá confusa e desorientada porque o túmulo está vazio (cf. Jo 20,1-2). Logo depois, ainda “no primeiro dia da semana”, Pedro e outro discípulo correm ao túmulo e constatam aquilo que Maria Madalena tinha afirmado: Jesus já não está encerrado no domínio da morte (cf. Jo 20,3-10). A comunidade de Jesus começa a despertar do seu letargo; começa a viver um tempo novo. “Ao entardecer do primeiro dia da semana” (“ou seja, ao concluir-se este primeiro dia da nova criação) a comunidade dos discípulos faz a experiência do encontro com Jesus, vivo e ressuscitado (cf. Jo 20,19-29).

     

    MENSAGEM

    O texto do Evangelho que a liturgia deste segundo domingo do tempo pascal nos propõe divide-se em duas partes.

    Na primeira (vers. 19-23), narra-se um encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos. João começa por descrever a situação em que estavam os discípulos antes de Jesus lhes aparecer: o “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo”, traduzem a insegurança e o desamparo que eles sentem diante desse mundo hostil que condenou Jesus à morte.

    Mas de repente o próprio Jesus apresenta-se “no meio deles” (vers. 19b). O crucificado está vivo; a morte não o derrotou. Os discípulos já não estão órfãos, abandonados à hostilidade do mundo. Ao colocar-se “no meio deles”, Jesus ressuscitado assume-Se como ponto de referência, fator de unidade, fonte de Vida, videira à volta da qual se enxertam os ramos (cf. Jo 15,5). A comunidade está centrada em Jesus, apenas em Jesus. Ele é o centro onde todos vão beber a água que dá a Vida eterna.

    A esta comunidade que se reúne à sua volta, Jesus transmite duplamente a paz (vers. 19 e 21). Não é apenas o tradicional cumprimento hebraico (“shalom”); significa, para além disso, que Jesus venceu tudo aquilo que assustava os discípulos: a morte, a opressão, a mentira, a violência, a hostilidade do mundo. Doravante os discípulos de Jesus não têm qualquer razão para viverem paralisados pelo medo.

    Depois (vers. 20a), Jesus mostra aos discípulos as mãos com a marca dos pregos e o lado que foi trespassado pela lança do soldado. Nesses “sinais” está, antes de mais, a prova da sua vitória sobre a morte e a maldade dos homens; mas também está a marca da sua entrega até à morte por obediência ao Pai e por amor aos homens. Neles está impressa, por assim dizer, a “identidade” de Jesus: é nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a permanência do amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama e do qual brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.

    A esta “apresentação” de Jesus, os discípulos respondem com a alegria (vers. 20b): eles estão alegres porque Jesus está vivo; mas também estão alegres porque sabem que começou um tempo novo, o tempo em que a morte já não assusta, o tempo do Homem Novo, do Homem livre, do Homem que se encontrou com a Vida definitiva.

    Em seguida, Jesus convoca os discípulos para a missão (vers. 21). Que missão? Precisamente a mesma que o Pai Lhe confiou a Ele: realizar no mundo a obra de Deus. Os discípulos concretizarão esta missão sempre em ligação com Jesus (eles são ramos ligados à videira/Jesus, pois só assim darão fruto – cf. Jo 15,1-8).

    Para que os discípulos possam concretizar a missão, Jesus realiza um gesto inesperado, mas bem significativo: “soprou” sobre eles (vers. 22). O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto grego de Gn 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida de Deus). Com o “sopro” de Gn 2,7, o homem tornou-se um ser vivente; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a Vida nova, o Espírito Santo, que fará deles Homens Novos e que os capacitará para viverem como testemunhas de Jesus ressuscitado. Trata-se, em boa verdade, de uma nova Criação. Da atividade de Jesus, do seu testemunho, do seu amor, do seu dom nasceu uma nova humanidade, capaz de amar até ao extremo, de dar a vida, de realizar a obra de Deus. É este Espírito que, pelo tempo fora, constitui e anima a cada instante a comunidade de Jesus.

    Eis a comunidade da Nova Aliança, nascida da ação e do amor de Jesus!

    Na segunda parte (vers. 24-29), o evangelista João apresenta uma catequese sobre a maneira de os discípulos de Jesus de qualquer época chegarem à fé em Cristo ressuscitado. A história de Tomé, chamado Dídimo (“gémeo”), poderia ser a nossa história. Tomé é o nosso “gémeo”: também nós nem sempre nos contentamos com o testemunho que nos chegou dos primeiros discípulos; também nós gostaríamos de “ver”, de “tocar”, de ter provas palpáveis… Como podemos fazer a experiência de encontro com Jesus ressuscitado?

    Jesus ressuscitado apresenta-se aos discípulos “no primeiro dia da semana”, quando a comunidade está reunida. A comunidade dos discípulos é o lugar natural onde se manifesta e irradia o amor de Jesus; é o lugar onde desponta a Vida nova de Jesus. Por isso, é lá que se faz a experiência da presença de Jesus vivo. Mas Tomé “não estava com eles” (vers. 24). Estava fora da comunidade. “Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu lado, não acredito” – diz Tomé quando lhe falam do Ressuscitado (vers. 25). Em lugar de integrar-se e participar da mesma experiência que os outros discípulos fizeram em comunidade, pretende obter para si próprio uma demonstração particular de Deus. Tomé representa aqueles que vivem fechados em si próprios (está fora), que não fazem caso do testemunho da comunidade e que, por isso, nem percebem os sinais de Vida nova que nela se manifestam.

    Mas, “oito dias depois” (portanto, outra vez no primeiro dia da semana), Tomé já está novamente integrado na comunidade; e é aí que ele se encontra com Jesus ressuscitado, pois é aí que se manifestam os sinais de Vida nova que alimentam a fé no Ressuscitado (vers. 26-27). Esta experiência é tão impactante que, do coração rendido de Tomé, brota uma extraordinária declaração de fé, uma das mais belas de toda a Bíblia: “Meu Senhor e meu Deus!” (vers. 28). Também nós, os “gémeos” de Tomé, os que somos chamados a acreditar sem termos visto nem tocado, poderemos fazer a mesma experiência que Tomé fez: é no encontro com o amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada em comunidade, com o pão de Jesus partilhado, que se descobre e se experimenta Jesus ressuscitado. É por isso que a comunidade de Jesus continua a reunir-se “no primeiro dia da semana”, no “dia do Senhor” (o domingo).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Nos relatos pascais aparece sempre, em pano de fundo, a convicção profunda de que a comunidade dos discípulos nunca estará sozinha, abandonada à sua sorte: Jesus ressuscitado, Aquele que venceu a morte, a injustiça, o egoísmo, o pecado, acompanhá-la-á em cada passo do seu caminho histórico. É verdade que os discípulos de Jesus não vivem num mundo à parte, onde a fragilidade e a debilidade dos humanos não os tocam. Como os outros homens e mulheres, eles experimentam o sofrimento, o desalento, a frustração, o desânimo; têm medo quando o mundo escolhe caminhos de guerra e de violência; sofrem quando são atingidos pela injustiça, pela opressão, pelo ódio do mundo; conhecem a perseguição, a incompreensão e a morte… Mas, apesar de tudo isso, não se deixam vencer pelo pessimismo e pelo desespero pois sabem que Jesus vai “no meio deles”, oferecendo-lhes a sua paz e apontando-lhes o horizonte da Vida definitiva. É com esta certeza que caminhamos e que enfrentamos as tempestades da vida? Os outros homens e mulheres que partilham o caminho connosco descobrem Jesus, vivo e ressuscitado, através do testemunho de esperança que damos?
    • O Espírito Santo é o grande dom que Jesus ressuscitado faz à comunidade dos discípulos. É Ele que nos transforma, que nos anima, que faz de nós pessoas novas, que nos capacita para sermos testemunhas e sinais da Vida de Deus; é Ele que nos dá a coragem e a generosidade para continuarmos no mundo a obra de Jesus. No entanto, o Espírito só atua em nós se estivermos disponíveis para o acolher. Ele não se impõe nem desrespeita a nossa liberdade. Estamos disponíveis para acolher o Espírito? O nosso coração está aberto aos desafios que o Espírito constantemente nos lança?
    • A comunidade cristã gira em torno de Jesus, é construída à volta de Jesus e é de Jesus que recebe Vida, amor e paz. Sem Jesus, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar o mundo e de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Jesus, seremos um grupo de gente que se apoia em leis, que vive de ritos, que defende doutrinas e não a comunidade que vive e testemunha o amor de Deus; sem Jesus, estaremos divididos, mergulhados em conflitos estéreis, e não seremos uma comunidade de irmãos e de irmãs; sem Jesus, cairemos facilmente em caminhos errados e iremos beber a fontes que não matam a nossa sede de Vida… Na nossa comunidade, Cristo é verdadeiramente o centro? É para Ele que tudo tende e é d’Ele que tudo parte? Escutamos as suas palavras, alimentamo-nos d’Ele, vivemos d’Ele, estamos ligados a Ele como os ramos estão ligados à videira?
    • Não é em experiências pessoais, íntimas, fechadas, egoístas, que encontramos Jesus ressuscitado; mas encontramo-l’O sempre que nos reunimos em seu nome, em comunidade. É no diálogo comunitário, na Palavra partilhada, no pão repartido, no amor que une os irmãos em comunidade de vida, que fazemos a experiência da presença de Jesus vivo no meio de nós. O que é que a comunidade cristã significa para nós? Sentimo-nos bem a caminhar em comunidade, ou a nossa experiência de fé é uma experiência isolada, à margem da riqueza e dos desafios que a comunidade me oferece? E, neste âmbito, o que é que significa, para nós, a participação na celebração da Eucaristia, no “primeiro dia da semana”, o dia do encontro comunitário à volta da mesa de Jesus?
    • É nos gestos de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de fraternidade, que encontramos Jesus vivo, a transformar e a renovar o mundo; é com gestos de bondade, de misericórdia, de compaixão, de perdão que testemunhamos diante do mundo a Vida nova do Ressuscitado. Quem procura Cristo ressuscitado, encontra-O em nós? O amor de Jesus – amor total, universal e sem medida – transparece nos nossos gestos e na nossa vida?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2.º DOMINGO DO TEMPO PASCAL

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 2.º Domingo do Tempo Pascal, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. O RESSUSCITADO ESTÁ CONNOSCO! ALELUIA!

    Ele estava lá… O Ressuscitado está presente na sua Palavra, no seu Corpo e Sangue, na pessoa do presidente da assembleia… e na própria assembleia. «Jesus veio e colocou-se no meio deles…», diz o Evangelho deste domingo. Na assembleia do domingo, o Ressuscitado manifesta a sua presença. O presidente poderá recordar tudo isso antes da saudação inicial. Aleluia! Temos muitas músicas de Aleluias solenes. Uma sugestão para criar uma unidade durante os cinquenta dias do Tempo Pascal: cantar o mesmo Aleluia até à solenidade do Pentecostes.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus nosso Pai, nós Te damos graças pela obra começada pelo teu Filho Jesus, continuada pelos Apóstolos e seus sucessores até ao nosso tempo, no dinamismo do teu Espírito.

    Nós Te confiamos todos os nossos irmãos e irmãs doentes ou atormentados pelas provas da existência, na nossa comunidade e fora dela.

    No final da segunda leitura:
    Cristo Jesus, nós Te bendizemos e Te aclamamos: Tu és o Primeiro e o Último, Tu és o vivo, estavas morto mas eis-Te vivo pelos séculos sem fim. Tu deténs a chave da morada dos mortos, para nos abrir as portas da vida.

    Nós Te pedimos pelos nossos irmãos e irmãs atingidos pela inquietude. Ajuda-os a sair dos medos e inseguranças da vida.

    No final do Evangelho:
    Deus fiel, nós Te damos graças pelo Espírito de ressurreição, que Jesus insuflou nos teus Apóstolos e que também nos é dado pelo batismo e pela confirmação, para que tenhamos a vida.

    Nós Te pedimos por todo o Povo dos cristãos: fortifica a nossa fé em Jesus. Que pelas nossas palavras e atos saibamos testemunhar que Ele está vivo no meio de nós.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    Jesus deixa-Se ver aos seus discípulos, o que os enche de alegria. Envia sobre eles o seu Espírito para que respirem do mesmo sopro e espalhem, por sua vez, o sopro da misericórdia de Deus. Tomé não está lá nessa tarde de Páscoa, o testemunho dos apóstolos não consegue convencê-los; ele quer ver, quer tocar, recusa reconhecer o Ressuscitado num fantasma. Jesus respeita a sua caminhada, e é Ele próprio que lhe propõe para ver e tocar. Tomé, então, proclama o primeiro ato de fé da Igreja: “Meu Senhor e meu Deus!” Ele reconhece não somente Jesus ressuscitado, marcado pelas chagas da Paixão, mas adora-O como seu Deus. Então, Jesus anuncia que não Se apresentará mais à vista dos homens, mas será necessário reconhecê-l’O unicamente com os olhos da fé. E faz desta fé uma bem-aventurança: “felizes os que acreditam sem terem visto!” Também nós, hoje, somos convidados a viver esta bem-aventurança. Oxalá possam as nossas dúvidas e as nossas questões ser, como para Tomé, caminho de fé!

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Jesus vem e está no meio dos discípulos. Diz-lhes: “A paz esteja convosco!” Podemos compreender a saudação de Jesus como um desejo. Mas podemos também traduzir: “A paz para vós!” Isto é, segundo as próprias palavras de Jesus na tarde de Quinta-Feira Santa: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz!” Estas palavras são, doravante, realizadas, eficazes. Jesus não deseja somente que os seus discípulos estejam em paz. Dá-lhes verdadeiramente a sua paz. Não é a paz que o mundo dá. A paz do mundo é a ausência de guerra e de violência, muitas vezes a paz dos cemitérios! A paz que Jesus dá é a plena realização da vontade criadora do Pai. Deus cria os seres humanos, para que eles sejam “à sua imagem”, isto é, em dependência de amor com Ele. É construindo entre eles relações de amor que os seres humanos permitirão a Deus imprimir nessas mesmas relações a imagem do que é em si mesmo, no mistério do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Enfim, a vontade criadora de Deus é também que os seres humanos “dominem a terra”, que façam do seu próprio corpo e do mundo material o lugar cósmico onde o amor pode espalhar-se e incarnar-se. A paz realiza-se apenas quando se cumpre esta tríplice harmonia: harmonia dos seres humanos na sua relação com Deus, harmonia nas suas relações mútuas, harmonia com o seu corpo e o cosmos. A paz é uma totalidade de luz. É isso que Jesus veio cumprir: reconciliar os homens com Deus, reconciliá-los entre si e, no seu corpo de Ressuscitado, fazer entrar o próprio cosmos nesta luz. A paz acontece, assim, plenamente dada na sua Presença, pela força do Espírito. Resta-nos, apenas, acolhê-la! Ora, o que é obstáculo à paz é a recusa da vontade criadora, a recusa do amor. Eis porque Jesus dá aos Apóstolos o poder de absolver os pecados, isto é, de afastar o obstáculo que impede a “livre circulação do amor”. Acolhendo a presença de Jesus, deixando-o depositar em nós a fonte de toda a reconciliação, para reaprender a amar, permitimos que Ele continue em nós a sua ação de paz.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística III para a Assembleia com Crianças. Os textos próprios para o tempo pascal são particularmente significativos.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    - «Se não vir…» Difícil confiança! Acreditar na palavra dos nossos irmãos que testemunham o seu encontro com o Ressuscitado? Não! Não é para mim! Somos muitas vezes irmãos gémeos de Tomé, nas nossas recusas em acreditar… E se decidíssemos ir ao encontro de um irmão, de uma irmã, de um grupo… para partilhar as nossas questões, as nossas convicções, e avançar juntos numa fé alimentada pela Palavra do Ressuscitado? Então aprenderíamos o que quer dizer: «felizes os que acreditam sem terem visto…».

    - Fazer crescer a paz… Sem cessar e sem nos cansarmos, devemos trabalhar sempre mais para a construção do Reino. Concretamente, como fazer crescer a paz onde estamos? Talvez seja necessário começar, esta semana, por um pequeno gesto ou uma palavra para com uma pessoa com quem a nossa relação é difícil… Importante é abrir o coração e recomeçar…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

  • 2ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    2ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    28 de Abril, 2025

    2ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 23-31

    Naqueles dias, logo que Pedro e João foram postos em liberdade, foram ter com os seus e contaram-lhes tudo quanto os sumos sacerdotes e os anciãos lhes tinham dito. 24Depois de tudo terem ouvido, ergueram a voz a Deus, numa só alma, e disseram:«Senhor, Tu é que fizeste o Céu, a Terra, o mar e tudo o que neles se encontra. 25Tu disseste pelo Espírito Santo e pela boca do nosso pai David, teu servo: 'Porque bramiram as nações e os povos formaram vãos projectos?
    26Levantaram-se os reis da Terra e os chefes coligaram-se contra o Senhor e contra o seu Ungido.' 27Sim, realmente, Herodes e Pôncio Pilatos coligaram-se nesta cidade
    com as nações e os povos de Israel, contra o teu Santo Servo Jesus, a quem ungiste, 28para levarem a cabo tudo quanto determinaste antecipadamente, pelo teu poder e sabedoria. 29Agora, Senhor, tem em conta as suas ameaças e concede aos teus servos poderem anunciar a tua palavra com todo o desassombro, 30estendendo a tua mão
    para se operarem curas, milagres e prodígios, em nome do teu Santo Servo Jesus.»
    31Tinham acabado de orar, quando o lugar em que se encontravam reunidos estremeceu, e todos ficaram cheios do Espírito Santo, começando a anunciar a palavra de Deus com desassombro.

    Pedro e João, postos em liberdade, vão ter com os seus. Estes seus não eram certamente os 8.000 convertidos já referidos por Lucas, mas um pequeno grupo capaz de se reunir numa casa particular, talvez o núcleo original da Igreja (cf. Act 1,
    12-14), reunido em casa de Maria (Act 12, 12).
    A comunidade cristã reage à perseguição, não concertando estratégias humanas, mas com a oração. Esta oração, a mais pormenorizada que encontramos no Novo Testamento, está construída sobre um esquema tripartido, comum na época. Começa por invocar a Deus criador, menciona alguns dos seus atributos e, finalmente, apresenta o pedido. O ponto central da oração é constituído pela citação do Sl 2, 1-2. O que aí se anuncia foi integralmente realizado na paixão, morte e ressurreição de Jesus. Não importa, pois, que os reis da terra, representados em Herodes, conspirem contra Jesus, o Messias, e que os príncipes, representados por Pôncio Pilatos, se aliem contra o Senhor. A ressurreição de Jesus torna inútil toda essa oposição. A comunidade sabe que tem de passar pela mesma sorte de Jesus. Por isso, pede a Deus, não o fim da perseguição, mas a liberdade e o poder anunciar com palavras e obras a Boa Nova de Cristo morto e ressuscitado.
    A narrativa de Lucas termina referindo um estremecer do lugar onde estavam reunidos a rezar. Era, segundo a mentalidade comum, um sinal de que a oração fora benignamente escutada por Deus. De facto, todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a anunciar com audácia a Palavra de Deus.

    Evangelho: João 3, 1-8

    Entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos, um chefe dos judeus. 2Veio ter com Jesus de noite e disse-lhe: «Rabi, nós sabemos que Tu vieste da parte de Deus, como Mestre, porque ninguém pode realizar os sinais portentosos que Tu fazes, se Deus não estiver com ele.» 3Em resposta, Jesus declarou-lhe: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer do Alto não pode ver o Reino de Deus.» 4Perguntou-lhe Nicodemos: «Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura poderá entrar no ventre de sua mãe outra vez, e nascer?» 5Jesus respondeu-lhe: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. 6Aquilo que nasce da carne é carne, e aquilo que nasce do Espírito é espírito. 7Não te admires por Eu te ter dito: 'Vós tendes de nascer do Alto.' O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.»

    Nicodemos era um dirigente judeu muito representativo. Tinha ficado impressionado com as palavras e as acções de Jesus, na sua primeira intervenção, em Jerusalém. Por isso, decidiu entrevistar-se com ele. E mostra-se disposto a aceitar o ponto de vista de Jesus. Trata-se, pois, de um homem de boa vontade, com inquietações e sem preconceitos. As suas perguntas andaram à volta do tema do Reino de Deus, como nos dá a entender o evangelista. Como noutras ocasiões, João faz entrar Nicodemos em cena para provocar o ponto de apoio a partir do qual Jesus inculca os seus ensinamentos. As especulações dos judeus sobre o Reino de Deus não levam a bom porto. Para entrar nele é preciso nascer de novo. Esta é a expressão central da narrativa. A interpretação literal que Nicodemos faz dela dá a Jesus ocasião para ulteriores explicações.
    Na Antiguidade, havia a ideia de que, para entrar numa nova religião ou num sistema filosófico, era preciso «renascer». Hoje diríamos que é preciso mudar de mentalidade. Mas não é esse o sentido que Jesus dá à expressão. De facto, trata-se de um nascimento «do Alto» (v. 7) ou de Deus. Este nascimento tornou-se possível porque O do alto veio à terra (cf. Jo 1, 12-13). O nascimento «da carne e do sangue» é inadequado em ordem à pertença ao Reino. É precisa a acção do Espírito que é oferecido gratuitamente ao homem por Deus. O Espírito torna o homem capaz de responder a Deus. Água e Espírito: Jesus alude a dois elementos essenciais do baptismo, onde se realiza o novo nascimento.

    Meditatio

    Os primeiros cristãos reagem às perseguições com a oração. Não rezam para serem livres dos incómodos da perseguição. Rezam para não se deixarem bloquear pelas dificuldades e para não perderem a coragem de anunciar a Palavra. A sua oração é escutada, porque o Espírito vem dar-lhes força e coragem.
    Não se pode evangelizar sem fazer oração, muita oração. A evangelização, com efeito, é obra do Espírito Santo, que toca, não só o coração dos ouvintes, mas também o do evangelizador, tantas vezes tíbio e vacilante.
    O evangelho de hoje parece ter pouco a ver com o mistério pascal que estamos a celebrar: não fala de morte nem de ressurreição. Mas há uma relação profunda com a Páscoa e, na verdade, fala-se da ressurreição de Cristo e da nossa ressurreição. De facto, a Sagrada Escritura fala da ressurreição de Cristo como de um novo nascimento. Paulo, num seu discurso, aplica à ressurreição de Jesus o Salmo 2, onde Deus diz ao Filho: «Hoje Te gerei» (cf. Act 13, 16ss.). Na ressurreição, Cristo foi gerado para uma vida nova: era home
    m de carne e tornou-se homem «espiritual», de Espírito Santo. O mesmo Paulo, noutra passagem das suas cartas explica que, primeiro há o homem feito de terra e, depois, o homem celeste, que é Cristo ressuscitado (cf. 1 Cor 15, 44ss.). E tudo aconteceu por nós. O Filho assumiu corpo humano, de que não precisava, para tornar possível um novo nascimento para todos nós: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus» (Jo 3, 5). Renascer da água e do Espírito Santo é dom de Cristo ressuscitado. Esse dom vem pelo sacramento do Baptismo que nos faz
    «renascer do alto» (v. 7) e introduz em nós um dinamismo que nos permite crescer e desenvolver-nos até à estatura de Cristo.
    Este nascimento, preanunciado a Nicodemos (cf. Jo 3, 3.5), realizou-se na transfixão do Lado, onde a água que brota de Cristo é sinal do dom do Espírito, do Baptismo, do nascimento da Igreja e, na Igreja, de cada um de nós. «Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja» (Cst 3).

    Oratio

    Senhor Jesus, faz-me compreender que «renascer do Alto» não é só ser baptizado mas também acolher cada dia o ser espiritual que o Pai nos dá pela tua Ressurreição. Preciso de renascer em cada etapa da minha vida. Por isso, não me hei-de espantar quando, por assim dizer, sentir as dores do parto. De facto, nascer do Espírito não acontece de uma vez para sempre, e as dificuldades da nossa vida são um chamamento a renascer mais uma vez.
    Que eu me abra de par em par ao teu Espírito para ser capaz de sempre renascer, sem desanimar com as dores que antecedem cada renascimento. Amen.

    Contemplatio

    É depois da sua ressurreição que Nosso Senhor dá aos seus apóstolos a missão definitiva de fundar a igreja e de nela fazer entrar todos os homens pelo sacramento do baptismo: «Ide, - diz-lhes -, pregai, ensinai todas as nações e baptizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19).
    Mas já tinha descrito os efeitos do baptismo em várias ocasiões e particularmente na conversa com Nicodemos. - «Em verdade, te digo, - tinha-lhe dito Jesus -, a não ser que renasça da água e do Espírito Santo, ninguém pode entrar no reino de Deus. O que nasceu da carne é carne e o que nasceu do Espírito é espírito. Não te surpreendas, portanto, por te ter dito: é preciso que nasçais de novo. O vento sopra onde quer. Tu escutas a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem onde vai. Assim é com todo o homem que nasceu do Espírito» (Jo 3, 1).
    Nosso Senhor estabelece bem a distinção entre a vida natural e a vida sobrenatural. Descreve-nos o reino de Deus na nossa alma: uma vida nova e a acção misteriosa do Espírito Santo. O Espírito de Deus sopra onde quer; inspira a alma, eleva-a acima de si mesma no momento que escolheu. A sua acção só depende d' Ele. Se estivar lá, sente-se, escuta-se a sua voz e há a vida; se se afasta, é o definhamento e silêncio (Leão Dehon, OSP 4, p. 214).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Venha a nós o vosso reino» (Mt 6, 10).

  • 2ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    2ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    29 de Abril, 2025

    2ª Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 32-37

    32A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum.
    33Com grande poder, os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e uma grande graça operava em todos eles. 34Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda 35e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um conforme a necessidade que tivesse. 36Assim, um levita cipriota, de nome José, a quem os Apóstolos chamaram Barnabé, isto é, «filho da consolação», 37possuía uma terra; vendeu-a e trouxe a importância, que depositou aos pés dos Apóstolos.

    Lucas apresenta-nos mais um breve resumo sobre o teor de vida da Igreja nascida do Pentecostes, acentuando a eficácia do testemunho apostólico sobre a Ressurreição, que dá origem a uma nova criação, que justifica o estilo de vida da comunidade e, concretamente, a partilha de bens. Nesta partilha, notamos dois aspectos: o primeiro consiste em pôr em comum os próprios bens, partilhando o seu uso; mantendo cada um a propriedade dos seus bens, considera-se apenas administrador dos mesmos, pondo-os à disposição dos outros; o segundo aspecto consiste em vender os próprios bens, distribuindo o lucro pelos pobres; neste caso, vendidos os bens, apresentavam o lucro aos apóstolos que o distribuíam. Mas os Actos apresentam outras formas de partilha dos bens: Paulo falará do trabalho com as próprias mãos, para prover às necessidades dos seus e dos que são frágeis (cf. 20, 34s.).
    O que Lucas pretende sublinhar é que a partilha, nas suas diferentes formas, tem a sua raiz na comunhão de espírito e de corações dos fiéis. Do conjunto, podemos concluir que estamos perante a comunidade messiânica, herdeira das promessas feitas aos pais: «Em verdade, não deve haver pobres entre vós, porque o Senhor te abençoará na terra que Ele próprio te há-de dar em herança para a possuíres; mas só se ouvires a voz do Senhor, teu Deus, para guardares e cumprires todos estes preceitos.» (Dt 14, 4s.).

    Evangelho: Jo 3, 7b-15

    Naquele tempo, Jesus disse a Nicodemos: 7Não te admires por Eu te ter dito: 'Vós tendes de nascer do Alto.' O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.» 9Nicodemos interveio e disse-lhe: «Como pode ser isso?» 10Jesus respondeu- lhe: «Tu és mestre em Israel e não sabes estas coisas? 11Em verdade, em verdade te digo: nós falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, mas vós não aceitais o nosso testemunho. 12Se vos falei das coisas da terra e não credes, como é que haveis de crer quando vos falar das coisas do Céu? 13Pois ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem. 14Assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, 15a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna.

    O diálogo com Nicodemos transforma-se num monólogo com grande amplidão de horizontes. Lucas refere-nos palavras autênticas de Jesus e testemunhos pós- pascais, fundidos num único discurso. Estamos perante uma profissão de fé usada na liturgia da igreja joânica e que contém uma síntese da história da salvação.
    O evangelista desenvolve o tema do texto que ontem escutámos, centrado no testemunho de Cristo, Filho do homem descido do céu, o único capaz de revelar o amor de Deus pelos homens, como de facto fez, na sua morte e ressurreição (vv. 11-15). João insiste agora na importância da fé: para compreendermos a grande revelação do êxodo pascal, há que crescer na fé sobre o nosso destino espiritual. Há que acreditar em Cristo, ainda que não tenhamos subido ao céu para compreendermos os seus mistérios. Ele, que desceu do céu (v. 13), é capaz de anunciar a realidade do Espírito, e é capaz de estabelecer a verdadeira relação do homem com Deus. Só Jesus é o lugar ideal da presença de Deus. Esta revelação realizar-se-á na cruz, quando Jesus for entronizado, porque «todo o que nele crê tenha a vida eterna» (v. 15).
    A humanidade poderá compreender o evento escandaloso e desconcertante da salvação pela cruz e ser curada do seu mal, tal como os Hebreus, mordidos pelas serpentes no deserto, foram curados ao olharem a serpente de bronze elevada num poste (cf. Nm 21, 4-9). A salvação passa pela submissão a Deus e pela contemplação do Crucificado.

    Meditatio

    Os resumos de Lucas sobre a vida da primeira comunidade cristã permanecem como referência para as comunidades de todos os tempos. Os monges do século IV, perante o abrandamento de fervor espiritual ocorrido na Igreja, depois do édito de Milão, foram para o deserto e organizaram-se em comunidades que pretendiam reeditar a comunidade de Jerusalém. Nos momentos de dificuldades na vida cristã, e particularmente na vida religiosa, apela-se para o modelo fundante e insuperável da Igreja primitiva.
    A primeira leitura deixa-nos entrever o fascínio e a nostalgia da fraternidade, de uma Igreja fraterna. A comunhão é um dos pilares sobre o qual se pode reconstruir a Igreja e as próprias comunidades religiosas. A comunhão manifesta a novidade cristã. Comunidades fraternas, Igreja fraterna, mentalidade fraterna, que procuram acima de tudo relações fraternas, tornam-se sinal da presença de Deus e do seu Reino.
    O evangelho fala-nos da morte e da glorificação de Jesus, que ele mesmo anuncia a Nicodemos: «É necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna» (v. 14). Jesus, elevado na cruz, alcançou a ressurreição que O elevou ao Céu: «Ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem» (v. 13). Elevado na cruz e na ressurreição, Jesus revela-se como Aquele em Quem havemos de acreditar. Há pois que acolher as suas palavras sobre o Pai e sobre a vida eterna, a verdadeira vida. E, tendo acreditado, havemos de dar testemunho.
    Os cristãos, particularmente os religiosos, certamente imperfeitos, hão-de procurar criar um ambiente que promova o progresso espiritual de cada um. Para isso, hão-de esforçar-se por aprofundar as relações no Senhor, mesmo as mais normais, com cada um dos irmãos. A caridade, entre muitas outras coisas, incluindo a partilha de bens, há-de ser também uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno (cf. Cst 64). Assim todos testemunhamos que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus Cristo (cf. Cst. 65). Assim também confessamos a Cristo, em nome do Qual estamos reunidos (cf. Cst. 67).

    Oratio

    Senhor, Pai misericordioso, dá-nos a graça de proclamar o poder do Senhor ressuscitado. O livro dos Actos diz-nos que os Apóstolos davam testemunho da Ressurreição de Jesus com grande força. Essa é também a nossa missão de cristãos e religiosos, hoje. Infunde em nós o Espírito Santo para que, pela nossa palavra ardorosa, e pela nossa vida de fé, de esperança e de caridade, demos um testemunho vigoroso do teu Filho Jesus, e da sua santa Ressurreição. Amen.

    Contemplatio

    S. Barnabé não era do número dos doze apóstolos, mas foi-lhe acrescentado e trabalhou muito com S. Paulo. Levita e cipriota, estudava as santas Letras em Jerusalém sob a direcção do Rabino Gamaliel, quando foi testemunha da cura do paralítico na piscina. Uniu-se então imediatamente aos discípulos de Nosso Senhor. Era um homem jovem, amável e bom. Era bom, dizem os Actos, e cheio de fé e ricamente dotado com os dons do Espírito Santo. Os apóstolos chamaram-no Barnabé, o que quer dizer «o Filho da consolação». Depois do Pentecostes, estava em Damasco quando aconteceu o milagre da conversão de S. Paulo. Fez-se o anjo da guarda de S. Paulo, conduziu-o a Jerusalém e apresentou-o aos apóstolos. Trabalharam juntos vários anos, e receberam a missão de pregarem a fé aos gentios. Ganharam quase toda a cidade de Antioquia.
    Barnabé era de uma família abastada. Tinha uma bela propriedade na ilha de Chipre. Vendeu-a e apresentou o valor aos apóstolos. Dava assim o grande exemplo do desapego e da vida religiosa (Leão Dehon, OSP 3, p. 644).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Todo o que crê em Mim tem a vida eterna» (Cf. Jo 3, 15).

    S. Catarina de Sena, Virgem e doutora da Igreja, padroeira da Europa

    S. Catarina de Sena, Virgem e doutora da Igreja, padroeira da Europa


    29 de Abril, 2025

    S. Catarina nasceu em Sena, Itália, a 25 de Março de 1347. Dotada por Deus com graças especiais, desde a sua infância, cortou o cabelo e cobriu a cabeça com um véu branco, em sinal de consagração, quando tinha apenas 12 anos e pretendiam casá-la. Sofreu muito com essa decisão, mas manteve-se fiel. Vestiu o hábito das religiosas dominicanas, mantendo-se na família e na cidade, e dedicando-se ao exercício das obras de misericórdia e procurando restabelecer a paz entre as famílias desavindas. Sendo analfabeta, em breve começou a ditar a diversos amanuenses as suas experiências místicas, reflexões e conselhos. Ditou cartas para prelados, pais de família, magistrados, reis e até para o próprio Papa, que, nessa época, se encontrava em Avinhão, incitando-o a regressar a Roma. A 13 de Outubro de 1376 Gregório XI iniciou a viagem de regresso a Roma, acompanhado por Catarina. Depois da morte de Gregório XI, a santa foi conselheira do seu sucessor, Urbano VI. O seu ideal era pacificar a Pátria (a Itália) e purificar a Igreja. Faleceu, em Roma, a 29 de Abril de 1380. Com S. Brígida e S. Teresa Benedita da Cruz, é padroeira da Europa.
    Lectio
    Primeira leitura: Primeira de João 1, 5 - 2, 2

    Caríssimos: esta é a mensagem que ouvimos de Jesus e vos anunciamos: Deus é luz e nele não há nenhuma espécie de trevas. 6Se dizemos que temos comunhão com Ele, mas caminhamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. 7Pelo contrário, se caminhamos na luz, como Ele, que está na luz, então temos comunhão uns com os outros e o sangue do seu Filho Jesus purifica-nos de todo o pecado. 8Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós. 9Se confessamos os nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a iniquidade. 10Se dizemos que não somos pecadores, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós. 1Filhinhos meus, escrevo-vos estas coisas para que não pequeis; mas, se alguém pecar, temos junto do Pai um advogado, Jesus Cristo, o Justo, 2pois Ele é a vítima que expia os nossos pecados, e não somente os nossos, mas também os de todo o mundo.

    Jesus disse-nos que Deus é luz. O cristão deve caminhar na luz, que alegra, ilumina e é símbolo de tudo o que há de bom e puro (cf. Jo 3, 19-20). O contrário, o mal, é simbolizado pelas trevas. Mas, mais do que fazer especulações sobre a natureza de Deus, o autor da Carta lança as bases necessárias para extrair as implicações morais, que o fato de ser de Deus impõe ao cristão. Luz/trevas, bem/mal, verdade/mentira, graça/pecado... são incompatíveis, não podem estar juntos no mesmo sujeito. Mas, estar em comunhão com Deus e andar na luz não significa ser impecáveis. Também o cristão peca e tem consciência disso. A Igreja não é uma comunidade de puros e perfeitos, que nunca pecaram, mas uma comunidade que acredita que os seus pecados não são obstáculo permanente para nos aproximarmos de Deus. O pecado é superável pela ação de Deus em Cristo. É a partir dessa ação que surge o imperativo de lutar contra o pecado. Se o cristão se dá conta de que a sua comunhão com Deus foi quebrada pelo pecado, deve recordar que Jesus Cristo é seu intercessor e defensor diante do Pai. Mais ainda, que é o meio de expiação pelos pecados cometidos.
    Evangelho: Mateus 25, 1-13

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: 'Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!' 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.' 9Mas as prudentes responderam: 'Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.' 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta. 11Mais tarde, chegaram as outras virgens e disseram: 'Senhor, senhor, abre-nos a porta!' 12Mas ele respondeu: 'Em verdade vos digo: Não vos conheço.' 13Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora."

    A parábola de Jesus encerra uma dinâmica que leva a um evento culminante: o encontro das virgens com o esposo, decisivo para a sua felicidade ou infelicidade, irrevogável. Não sabemos quando será esse encontro, mas sabemos como prepará-lo. A parábola pretende ajudar-nos na preparação.
    As virgens, prudentes ou imprudentes, adormecem todas. A nossa vida tem momentos de flexão, de abaixamento do fervor, de relaxamento espiritual. Quando o Senhor não está presente é sempre noite, e é fácil que as provações e as preocupações da vida nos distraiam, dificultando-nos estar vigilantes. Mas a vigilância, mais do que um estado físico ou mental, é uma atitude do coração. É o que nos indica o Cântico dos Cânticos: "Durmo, mas o meu coração vigia!" (5, 2). Para estar prontos, de lâmpadas acesas, havemos de frequentar o Evangelho, para com ele alimentarmos os nossos pensamentos, os nossos sentimentos, a nossa ação, para vivermos a Palavra e perseverarmos na fé.
    Meditatio

    O v.1 do segundo capítulo da 1 Jo parece-nos particularmente adequado à memória de Santa Catarina de Sena, que hoje celebramos: "escrevo-vos estas coisas para que não pequeis" (2, 1). Como S. João, Santa Catarina de Sena escreveu para que fosse evitado o pecado. Entre as muitas cartas que escreveu, também se dirigiu aos padres para os incitar a viver em maior fidelidade ao Senhor, evitando as desordens, que ela notava, tais como a procura dos prazeres, o apego ao dinheiro... Ansiava por reconduzir todos à vivência da vida cristã, à fidelidade a Cristo: "escrevo-vos estas coisas para que não pequeis". Mas, sobretudo, estava convencida de que Jesus nos salvou pelo seu sangue, que temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo justo, vítima de expiação pelos nossos pecados: "o sangue do seu Filho Jesus purifica-nos de todo o pecado" (1 Jo 1, 8). Catarina tinha uma grande devoção ao sangue de Cristo, e falava dele muito frequentemente: fogo e sangue, fogo e sangue... Fogo do amor, alusão ao sangue de Cristo que nos cobre para nos lavar dos nossos pecados e nos unir na caridade divina.
    "Se caminhamos na luz, como Ele, que está na luz, então temos comunhão uns com os outros" (1 Jo 1, 7). Santa Catarina caminhava na luz. Mas a sua vida impecável não a separou dos pecadores, mas uniu-a profundamente a eles. Como aconteceu com tantas Santas, Catarina de Sena soube unir em si mesma a vocação de Marta e de Maria. Ao mesmo tempo, estava aos pés de Jesus, e mergulhada nas necessidades e lutas dos homens do seu tempo. Rezava, mas também se ocupava na reconciliação das fações em luta no seu país, de lançar a paz na igreja italiana, de fazer regressar o Papa de Avinhão a Roma, de que era bispo. Cuidou pessoalmente dos encarcerados, dos condenados, e andou por todo o lado. Vivia na paz do Senhor e na agitação do mundo.
    Hoje apetece-nos deixar-nos iluminar pela sua luz e permanecer aos pés de Santa Catarina, reconhecer nela a "filha da luz" de que nos fala a Escritura, para que "vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu" (Mt 5, 16). Gostamos de contemplá-la na sua incansável caminha ao encontro da Igreja e de Cristo, para nos deixarmos envolver nesse mesmo movimento. Olhando-a, parece-nos repetir, ela mesma, como que um convite ou mandato: "Ide ao seu encontro!" (v. 6).
    A exemplo de Santa Catarina de Sena, e conforme o desejo do P. Dehon, "sejam profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo" (Cst 7).
    Oratio

    Oh abismo, oh Trindade eterna, oh Divindade, oh mar profundo! Que mais podíeis dar do que dar-Vos a Vós mesmo? Sois um fogo que arde sempre e não se consome. Sois Vós que consumis com o vosso calor todo o amor profundo da alma. Sois um fogo que dissipa toda frialdade e iluminais as mentes com a vossa luz, aquela luz com que me fizestes conhecer a vossa verdade... Sois a veste que cobre toda minha nudez; e alimentais a nossa fome com a vossa doçura, porque sois doce sem qualquer amargor. Oh Trindade eterna. (S. Catarina de Sena).
    Contemplatio

    O coração da virgem de Sena partia-se diante dos crimes do mundo e das paixões humanas, que se agitavam como ondas tumultuosas, nos tempos difíceis em que vivia... Ela teria querido dar até à última gota do seu sangue pelos interesses de Nosso Senhor. Consumia a sua vida nas austeridades e na oração, oferecendo-se como que vítima das iniquidades da terra. Suportou longos sofrimentos, que somente a comunhão acalmava um pouco. Da quarta-feira de cinzas ao dia da Ascensão, não tomava nenhum alimento exceto a adorável Eucaristia. Nosso Senhor deu-lhe os seus estigmas sem os deixar aparecer. Exercia a caridade com heroísmo para com os pobres e os doentes. Um dia em que a sua natureza estava revoltada à vista de uma úlcera repugnante, levou até lá os lábios para vencer a sua sensibilidade. Nosso Senhor apareceu-lhe na noite seguinte, e para a recompensar descobriu-lhe a chaga do seu lado e permitiu-lhe que lhe aplicasse a sua boca. Nosso Senhor apresentou à sua escolha uma coroa de ouro enriquecida de pedrarias e uma coroa de espinhos. Ela escolheu a coroa de espinhos, a coroa da reparação. A humilde religiosa consumiu-se em caminhadas penosas para fazer cessar o cisma do Ocidente. Convenceu o Papa Gregório XI a deixar Avinhão para voltar a Roma. Ofereceu a sua vida pelo bem da Igreja e morreu santamente no dia 29 de Abril de 1382. (Leão Dehon, OSP 2, p. 494s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Escrevo-vos estas coisas para que não pequeis" (1 Jo 2, 1).
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    S. Catarina de Sena, virgem e doutora da igreja, padroeira da Europa (29 de Abril)

  • 2ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    30 de Abril, 2025

    2ª Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 17-26

    Naqueles dias, 17Surgiu o Sumo-sacerdote com todos os seus sequazes, isto é, o partido dos saduceus; encheram-se de inveja 18e deitaram as mãos aos Apóstolos, metendo-os na prisão pública. 19Mas, durante a noite, o Anjo do Senhor abriu as portas da prisão e, depois de os ter conduzido para fora, disse-lhes: 20«Ide para o templo e anunciai ao povo a Palavra da Vida.» 21Obedientes a essas ordens, entraram no templo de manhã cedo e começaram a ensinar. Entretanto, chegou o Sumo-sacerdote com os seus sequazes; convocaram o Sinédrio e todo o Senado dos filhos de Israel e mandaram buscar os Apóstolos à cadeia. 22Os guardas foram lá, mas não os encontraram na prisão e voltaram, declarando: 23«Encontrámos a cadeia fechada com toda a segurança e os guardas de sentinela à porta, mas, depois de a abrirmos, não encontrámos ninguém no interior.» 24Esta notícia pôs os sumos- sacerdotes e o comandante do templo numa grande perplexidade acerca dos Apóstolos, e perguntavam a si próprios o que poderia significar tudo aquilo. 25Veio, então, alguém comunicar-lhes: «Os homens que metestes na prisão estão agora no templo a ensinar o povo.» 26O comandante do templo dirigiu-se imediatamente para lá com os guardas e trouxe os Apóstolos, mas não à força, pois receavam ser apedrejados pelo povo.

    O episódio narrado no texto de hoje mostra que a palavra de Deus não pode ser aprisionada (cf. 2 Tm 2, 9). Os sacerdotes do templo estão preocupados, particularmente os saduceus que estão furiosos com a pregação da ressurreição. Temem perder influência junto do povo. Prendem os apóstolos. Mas o anjo do Senhor liberta-os (cf. Sl 34, 8) para que possam voltar ao templo e pregar a «Palavra da Vida» (v. 20).
    Deus protege os anunciadores do Evangelho. Nada nem ninguém se pode opor ao projecto de Deus. A narrativa está cheia de ironia: Deus ri-se dos seus adversários, de acordo com o Salmo 2, citado na oração comunitária dos crentes.
    Deus prega uma partida aos sacerdotes e seus sequazes, reunidos com toda a sua força, para se oporem ao projecto divino. Tudo está sob controlo deles, mas os apóstolos escapam da prisão e continuam a pregar a Ressurreição de Jesus. Deus parece divertir-se, fintando os seus adversários. Quem pode resistir-lhe?

    Evangelho: João 3, 16-21

    16Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. 17De facto, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no Filho Unigénito de Deus. 19E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más. 20De facto, quem pratica o mal odeia a Luz e não se aproxima da Luz para que as suas acções não sejam desmascaradas. 21Mas quem pratica a verdade aproxima-se da Luz, de modo a tornar-se claro que os seus actos são feitos segundo Deus.»

    A revelação, iniciada no encontro com Nicodemos, continua a desenvolver-se e chega à fonte da vida, o amor do Pai que dá o seu Filho para destruir o pecado e a morte. Entrevemos neste texto duas categorias joânicas clássicas: o amor e o juízo. Nos vv. 16s encontramos uma ideia cara a João: o carácter universal da obra salvadora de Cristo, que tem a sua origem na iniciativa misteriosa do amor de Deus pelos homens. O envio e a missão do Filho são a maior manifestação de um Deus que
    «é amor» (cf. 1 Jo 4, 8-10). A opção fundamental do homem consiste em aceitar ou
    rejeitar o amor de um Pai que se revelou em Cristo. Mas este amor não julga o mundo: ilumina-o (v. 17).
    Colocados perante a revelação do amor de Deus, há que tomar posição:
    acreditar em Jesus ou recusá-l´O. Quem acreditar em Jesus não será condenado; mas quem O rejeitar, e não acreditar no seu nome, já está condenado (v. 18). A causa da condenação é uma só: a incredulidade, a recusa da palavra de Jesus. No fim deste colóquio de Jesus com Nicodemos, e com cada um de nós, nada mais resta do que acolher o convite à conversão e a uma mudança radical de vida. Quem aceita Jesus, e dá espaço a um amor que nos transcende, encontra o que ninguém pode alcançar por si mesmo: a verdadeira vida.

    Meditatio

    Deus faz maravilhas pelos arautos da Boa Nova porque difundem a palavra de vida. Não os preserva da prisão, mas liberta-os, mais ou menos rapidamente. As vezes, a fraqueza da Palavra dura uma noite, outras vezes dura anos. Mas a Palavra acaba por vencer e por avançar irresistível até aos confins do mundo. Basta pensar no que se passou nos primeiros três séculos da vida da Igreja, até ao édito de Milão. Basta pensar no que se passou nos países da ex-União Soviética. Há tantas formas de prisão e de libertação! Mas Jesus acompanha o caminho da sua Palavra e, de vários modos, está presente aos seus mensageiros, acampando junto deles para os libertar das coacções externas e internas. A figura deste mundo passa. Mas a Palavra de Deus permanece.
    «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16).
    A ressurreição de Jesus ajuda-nos a verificar esta intenção de Deus. Se Jesus
    não tivesse ressuscitado, tudo permaneceria obscuro, porque o pecado dos homens levaria aparentemente a melhor, e o juízo de Deus cairia inexorável sobre esse pecado, que afastaria definitivamente o Filho do mundo. Jesus teria feito o possível para nos salvar, mas a malícia humana teria levado a melhor. A terra permaneceria nas sombras da morte.
    Mas Deus revela a sua intenção de amor ressuscitando o seu Filho, revelando assim que não quer o juízo, mas a salvação, a vida. A ressurreição manifesta a misericórdia de Deus para connosco e dá-nos uma esperança nova, que jamais há-de perecer, tal como Cristo ressuscitado e glorioso. O pecado está vencido, ultrapassado. Para além do pecado do homem, há uma vida nova que Deus nos oferece.
    «Cristo amou-nos e entregou-se a Deus por nós como oferta e sacrifício de agradável odor» (Ef 5, 2). Para nos remir do pecado, Cristo fez a oblação de si mesmo, que culminou na Cruz. O Pai aceitou a oblação do Filho e ressuscitou-O. Mas, na origem da oblação de Cristo está o próprio Pai que: «amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho unigénito... não... para julgar o mundo, ma
    s para que o mundo seja salvo por meio d´Ele. Quem acredita n´Ele não é condenado..." (Jo 3, 16-18). S. João repete a mesma ideia na sua Primeira Carta: o Pai enviou o Seu Filho, Cristo Jesus, como "vítima de expiação pelos nossos pecados; não só pelos nossos pecados, mas também pelos de todo o mundo" (cf. 1 Jo 2, 2). S. Paulo acrescenta: "Foi

    Deus... que reconciliou o mundo Consigo em Cristo, não imputando aos homens o seus pecados..." (2 Cor 5, 19).

    Oratio

    Senhor, vejo que, quando queres alguma coisa, nada Te detém. Por isso, quando a tua palavra parece encarcerada, quando os teus apóstolos parecem prisioneiros, não devo perder a confiança no teu poder. Essa é, hoje, uma tentação grande e perigosa para todos nós, os teus discípulos. Diante das forças dos que se opõem à tua palavra, facilmente nos inquietamos, nos assustamos, nos deprimimos, nos arrependemos. Dá-nos a certeza de que, também hoje, estás com os teus mensageiros e os assistes, que o nosso dever é anunciar, e não ver o sucesso do anúncio. Esse sucesso é apenas para Ti, quando quiseres abrir a porta dos corações, quando quiseres preparar um novo povo, quando decidires que a tua Palavra deve retomar a corrida pelo mundo, o mundo geográfico e o mundo dos corações. Creio em Ti, Senhor, e na força do teu Espírito. Amen.

    Contemplatio

    Como Deus nos ama! Os pagãos tinham feito, do amor profano, um deus, que lançava as suas flechas sobre os corações dos homens. Era uma profanação. O nosso Deus é que é amor: Deus charitas est. É Deus e o seu Filho Jesus que lançam setas nos nossos corações para os ferirem de amor. - O Salvador não diz de si mesmo:
    «Deus colocou-me como sua seta eleita, posuit me sicut sagittam electam (Is 49, 2). E que seta, senão uma seta de amor?
    Jesus é a seta de amor saída da aljava de seu Pai. «Deus amou de tal modo o
    mundo, diz S. João, que lhe deu o seu Filho único» (Jo 3).
    A misericórdia de Deus pressionava-o para encontrar o meio de nos salvar, parecia ter saudades da nossa amizade. Não disse Ele: «Tenho as minhas delícias na amizade dos filhos dos homens» (Prov. 9).
    Era como o pai do filho pródigo, que vai ao encontro do culpado; ou como são
    um pai e uma mãe que perderam o seu filho bem-amado.
    A Santíssima Trindade escolheu a incarnação como o meio de recuperar o nosso coração. Ela lançou uma seta de amor, o menino de Belém» (Leão Dehon, OSP
    3, p. 26).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Cristo amou-nos e entregou-se por nós» (Ef 5, 2).