11 de Agosto, 2024

19º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

19º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


11 de Agosto, 2024

ANO B

19.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Tema do 19.º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 19.º Domingo do Tempo Comum reitera a eterna preocupação de Deus em oferecer aos seus filhos, de forma gratuita, Vida abundante e verdadeira. Esse “dom” da Vida, concretizado em cada passo da história da salvação, atinge o seu momento culminante quando Jesus incarnou na nossa história e nos ofereceu o “pão” de Deus.

A primeira leitura mostra como Deus fica ao lado do profeta Elias, perseguido pela rainha Jezabel por causa da sua fidelidade e do seu testemunho. Ao oferecer ao profeta “pão cozido sobre pedras quentes” e uma “bilha de água”, Deus mostra a sua solicitude, o seu cuidado, a sua bondade, o seu amor nunca desmentido. O alimento que Deus oferece reconforta o profeta, restaura-lhe as forças, fá-lo voltar, com entusiasmo e ardor renovado, ao caminho e à missão.

O Evangelho apresenta Jesus como o “pão” vivo que desceu do céu para trazer Vida a todos os filhos e filhas de Deus. Para que esse “pão” seja, para nós, fonte de Vida eterna, temos de “acreditar” em Jesus. “Acreditar” é aderir a Jesus, acolher as suas propostas, abraçar o seu projeto, assumir o seu estilo de vida, segui-l’O no “sim” a Deus e no amor aos irmãos.

A segunda leitura mostra-nos as consequências da adesão a Jesus, o “pão” da vida. Quem acredita em Jesus e adere à proposta que Ele faz, torna-se Homem Novo. Renuncia à vida velha do egoísmo e do pecado e passa a viver no amor, a exemplo de Cristo.

 

LEITURA I – 1 Reis 19,4-8

Naqueles dias,
Elias entrou no deserto e andou o dia inteiro.
Depois sentou-se debaixo de um junípero
e, desejando a morte, exclamou:
«Já basta, Senhor. Tirai-me a vida,
porque não sou melhor que meus pais».
Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero.
Nisto, um Anjo do Senhor tocou-lhe e disse:
«Levanta-te e come».
Ele olhou e viu à sua cabeceira
um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água.
Comeu e bebeu e tornou a deitar-se.
O Anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-lhe e disse:
«Levanta-te e come,
porque ainda tens um longo caminho a percorrer».
Ele levantou-se, comeu e bebeu.
Depois, fortalecido com aquele alimento,
caminhou durante quarenta dias e quarenta noites
até ao monte de Deus, Horeb.

 

CONTEXTO

A voz profética de Elias faz-se ouvir no Reino do Norte (Israel), no século IX a.C., durante os reinados de Acab (873-853 a.C.) e de Ocozias (853-852 a.C.).

Os reis de Israel, empenhados em colocar o país no mapa do antigo Médio Oriente, empenharam-se em facilitar o intercâmbio cultural, comercial e político com os países da zona. Acab casou mesmo com uma princesa estrangeira, Jezabel, filha do rei de Sídon (cf. 1 Re 16,30-33). Naturalmente, esta política de abertura a outras nações implicava sofrer influências estrangeiras; e essas influências também se faziam sentir no campo religioso. De facto, diversos deuses dos povos da zona (especialmente Baal) entraram no radar religioso de Israel e assumiram uma certa preponderância, em detrimento da fé tradicional em Javé. É uma época de sincretismo religioso, em que a fé em Javé e a fé em Baal se misturavam no entendimento popular, dando lugar a um conjunto de práticas religiosas que estavam muito distantes da pureza da fé javista. Por razões políticas, Acab facilitou este estado de coisas; mas alguns círculos religiosos israelitas colocaram-se abertamente contra a política do rei.

Neste contexto, Elias é o grande defensor da fidelidade a Javé. Ele aparece como o representante dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Javé e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma apresentação teológica da luta sem tréguas que nessa época se trava entre os fiéis a Javé e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.

Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação da vinha de Nabot): ele representa os pobres de Israel, na sua luta contra a aristocracia e os comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Javé.

Após o massacre dos profetas de Baal no monte Carmelo, a rainha Jezabel, esposa de Acab, jura matar Elias; e o profeta teve de fugir para o sul, a fim de salvar a vida. Chegado à zona de Beer-Sheba, Elias internou-se no deserto. É precisamente esse o contexto da primeira leitura deste décimo nono domingo comum.

 

MENSAGEM

Refugiado no deserto, Elias faz uma experiência dramática de solidão e de desânimo. Ele teme que a sua luta esteja condenada ao fracasso. Não vê forma de endireitar as coisas: parece que, uma vez mais, a maldade vai trinfar sobre a verdade e a justiça. O profeta não tem forças para continuar e está prestes a desistir de tudo… Pede a Deus que lhe dê a morte (vers. 4): o pedido reflete a sua desilusão, a sua angústia, o seu desespero. O desencanto de Elias não é anormal: embora escolhido e chamado por Deus, o profeta continua a ser um homem; a marca da fragilidade e da debilidade, típica dos humanos, irá sempre manifestar-se na sua experiência de vida.

Mas Deus não abandonou o seu profeta. Ao acordar de um sono reparador, Elias encontra ao seu lado “um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água” (vers. 6). Elias entende que aqueles dons são um sinal do amor e da solicitude de Deus. Afinal, Deus continua a contar com ele e a apostar nele. O profeta pode, no exercício da sua missão, ser incompreendido e perseguido pelos homens; mas terá sempre Deus do seu lado. Na verdade, Deus não tira do caminho do profeta os problemas e as dificuldades; mas coloca-se ao lado do profeta, apoia-o, sustenta-o, dá-lhe o alimento de que ele necessita para retomar o ânimo e concretizar a missão que lhe foi confiada.

Fortalecido pelo alimento que Deus lhe facultou, Elias caminha durante “quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, o Horeb” (vers. 8). A referência aos “quarenta dias e quarenta noites” alude provavelmente à estadia de Moisés na montanha sagrada (cf. Ex 24,18), onde se encontrou com Deus e onde recebeu de Javé as tábuas da Lei; também pode aludir à caminhada do Povo durante quarenta anos pelo deserto, até alcançar a Terra Prometida. Por outro lado, a romagem de Elias ao Horeb – o monte da Aliança – é um regresso às fontes, uma peregrinação às origens de Israel como Povo de Deus… Perseguido, incompreendido, desesperado, Elias necessita revitalizar a sua fé e reencontrar o sentido da sua missão como profeta de Javé e como defensor dessa Aliança que Deus ofereceu ao seu Povo no Horeb/Sinai. No final desse “retiro”, Elias voltará do monte da Aliança a “arder de zelo” pelo Senhor (1 Re 19,10.14), e irá retomar, com renovado ânimo, a sua missão profética.

 

INTERPELAÇÕES

  • O testemunho profético, sendo denúncia do pecado que desfeia o mundo, é sempre um testemunho que vai contra a corrente… Ao mexer com interesses instalados, com privilégios instituídos, com preconceitos arraigados, com hábitos enraizados, provoca reações extremadas, contestações e incompreensões que desgastam e desanimam o profeta. Afinal o profeta é um ser humano, cuja condição de fragilidade não o deixa ficar indiferente à crítica, ao conflito, à condenação, à perseguição. O profeta Elias também experimentou essa realidade. Já fizemos essa experiência? O desânimo, o medo das reações, a vontade de não correr riscos, a convicção de que “não vale a pena criar ondas”, alguma vez nos impediu de dar testemunho e de cumprir a nossa vocação profética?

 

  • O exemplo de Elias garante-nos que Deus não abandona aqueles a quem chama a dar testemunho profético. No “pão cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água” com que Deus retempera as forças de Elias, manifesta-se a bondade e a ternura desse Deus que caminha ao lado dos seus profetas, cheio de solicitude e amor. Quando tudo parece cair à nossa volta, quando a nossa missão parece condenada ao fracasso, quando o medo nos paralisa, quando o desencanto nos impede de avançar, é preciso que saibamos identificar os sinais da presença desse Deus que nos consola, que nos sustenta, que nos acompanha no caminho, que nos dá o alimento que restaura as nossas forças e a nossa confiança. Confiamos assim em Deus? Estamos convictos da sua presença ao nosso lado e do abraço com que Ele nos envolve nos momentos mais difíceis do caminho?
  • Na história de Elias, há um “padrão” que importa sublinhar no que diz respeito à forma de atuar de Deus: Ele não resolve magicamente os problemas, nem elimina do caminho do profeta os obstáculos que a vida traz… Compete sempre ao profeta – e só a ele – enfrentar as dificuldades e vencê-las. O que Deus fará é estar ao lado do profeta, dando-lhe força e ânimo para que possa concretizar a missão. Por vezes, pedimos a Deus que nos resolva milagrosamente os problemas, com um golpe mágico, enquanto nós ficamos, de braços cruzados, a olhar para o céu… O nosso Deus não Se substitui ao homem, não ocupa o nosso lugar, não estimula com a sua ação a nossa preguiça e a nossa instalação; mas fica ao nosso lado, anima-nos, apoia-nos, dá-nos a força para vencer as dificuldades, indica-nos o caminho a seguir. Como lidamos com os obstáculos que a vida nos coloca no caminho? Enfrentamo-los corajosamente, animados pela confiança que temos em Deus, ou ficamos à espera que seja Deus a fazer o trabalho que nos compete?
  • A “peregrinação” de Elias ao Horeb/Sinai, para se reencontrar com as origens da fé israelita e para recarregar as baterias espirituais, sugere-nos a necessidade de, por vezes, encontrarmos momentos de “paragem”, de reflexão, de “retiro”, de reencontro com Deus, de redescoberta dos fundamentos da nossa missão… Essa “paragem” não será nunca um tempo perdido; mas será uma forma de recentrarmos a nossa vida em Deus e de redescobrirmos os desafios que Deus nos faz, no âmbito da missão que nos confiou. Procuramos reservar momentos para nos encontrarmos com Deus, para falar com Ele, para discernirmos os seus desafios, para recarregarmos as baterias que nos movem no serviço de Deus?

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)

Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.

Enaltecei comigo o Senhor
e exaltemos juntos o seu nome.
Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
libertou-me de toda a ansiedade.

Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
salvou-o de todas as angústias.

O Anjo do Senhor protege os que O temem
e defende-os dos perigos.
Saboreai e vede como o Senhor é bom:
feliz o homem que n’Ele se refugia.

 

LEITURA II – Efésios 4,30-5,2

Irmãos:
Não contristeis o Espírito Santo de Deus,
que vos assinalou para o dia da redenção.
Seja eliminado do meio de vós
tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência
e toda a espécie de maldade.
Sede bondosos e compassivos uns para com os outros
e perdoai-vos mutuamente,
como Deus também vos perdoou em Cristo.
Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados.
Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo,
que nos amou e Se entregou por nós,
oferecendo-Se como vítima agradável a Deus.

 

CONTEXTO

Paulo esteve em Éfeso, a grande metrópole da Província romana da Ásia, situada na costa ocidental da Ásia Menor (atual Turquia) no decurso da sua terceira viagem missionária. Permaneceu em Éfeso dois ou três anos e aí viveu alguns momentos significativos da sua grande aventura missionária (cf. At 19,1-40). Estabeleceu uma relação muito estreita com essa comunidade, o que é confirmada pelo facto de, no final da viagem, ter chamado a Mileto os anciãos da igreja de Éfeso para se despedir deles (cf. At 20,17-38), antes de regressar a Jerusalém, onde viria a ser preso (cf. At 21).

Estranhamente, a “Carta aos Efésios” não reflete a proximidade que Paulo devia ter com a comunidade. É escrita num tom impessoal, sem qualquer referência aos momentos que o apóstolo partilhou com os efésios no tempo que lá passou. Isso levou alguns biblistas a duvidar da autoria paulina da Carta aos Efésios. Muitos outros, contudo, consideram que a nossa Carta aos Efésios seria uma “carta circular”, enviada por Paulo a diversas comunidades da Ásia Menor (incluindo a comunidade cristã de Éfeso). Numa altura em que Paulo pensava ter terminado o seu trabalho na Ásia, antes de se voltar para o ocidente, teria preparado uma carta geral, apresentando o essencial da sua teologia, nomeadamente o que dizia respeito ao “mistério” – o projeto salvador de Deus, oculto aos homens durante séculos, revelado em Jesus e continuado na vida, no testemunho e na ação da Igreja.

Na secção da Carta que vai de 4,1 a 6,20, temos uma “exortação aos batizados”: é um texto parenético, que tem por objetivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo. A perícope de 4,14-15,14 (que inclui o texto) deve ser entendida como um convite a viver de acordo com a condição de Homem Novo, de hojeque o cristão adquiriu no dia do seu Batismo.

 

MENSAGEM

No mundo antigo, os servos eram marcados com um sinal, ou selo, que indicava a sua pertença a determinado patrão. Paulo serve-se desta imagem para falar dos batizados e da sua pertença a Deus: pelo Batismo, cada cristão tornou-se morada do Espírito; e ao acolher o Espírito, recebeu um “selo” que o vincula à família de Deus. Quem está marcado com esse “selo”, tem de viver de acordo com a sua condição e de expressar, naquilo que faz, a Vida nova do Espírito. A exortação a “não contristar” o Espírito (4,30) deve entender-se como “não dececioneis o Espírito que habita em vós, continuando a viver de acordo com o homem velho”.

Em concreto, como é que deve viver aquele homem ou aquela mulher que se tornou “morada do Espírito”?

Há comportamentos e atitudes velhos que o batizado deve absolutamente eliminar, pois não são compatíveis com a Vida nova do Espírito. Neste contexto, o autor da Carta aos Efésios refere explicitamente o azedume, a irritação, a cólera, o insulto, a maledicência e toda a espécie de maldade (4,31). Repare-se como todos estes “vícios” dizem respeito ao mundo da relação com os irmãos: o batizado deve evitar qualquer ação que se oponha ao amor e que traga sofrimento à vida do seu irmão. Estes “vícios”, por outro lado, poderão constituir obstáculo à construção da comunidade: afastam os irmãos, criam barreiras, destroem a unidade, impedem a relação, o diálogo, a convivência, o entendimento.

Em contrapartida, há atitudes e comportamentos que devem ser cultivados. O autor da Carta aos Efésios refere explicitamente a bondade, a compaixão e o perdão (vers. 32). Esses comportamentos são a marca do Homem novo, do homem que é animado pelo Espírito.

A Vida nova é, para os batizados, uma exigência que resulta de serem “filhos bem-amados de Deus”: como tal, eles devem imitar a perfeição, a bondade e o amor de Deus. Jesus Cristo, o Filho bem-amado de Deus, que cumpriu fielmente o projeto do Pai e ofereceu a sua vida por amor aos homens, será, para todos os batizados, o exemplo do Homem novo (5,1-2).

 

INTERPELAÇÕES

  • No nosso tempo, o batismo já não é visto como uma exigência do “entorno” cultural, como uma obrigação social, ou como uma tradição familiar; mas é uma opção livre e assumida, que vincula realmente a pessoa batizada à família de Deus. O autor da Carta aos Efésios diz isto de uma forma muito bela: é um “selo” que marca a nossa pertença a Deus. Portanto, a decisão pelo batismo não pode ser uma decisão que se toma de forma ligeira ou irresponsável. É uma decisão séria, exigente, consequente, que requer de nós um compromisso coerente com Deus, com os seus valores, com as suas propostas. Nós, os que somos batizados, temos consciência de que assumimos o compromisso de viver como “filhos de Deus”? Temos procurado viver de forma coerente com esse compromisso, deixando-nos conduzir pelos valores de Deus? Os que são pais ou padrinhos de um batizado sabem que assumiram o compromisso de passar ao seu filho ou ao seu afilhado os valores de Jesus?
  • Para os batizados, o modelo do “Filho amado de Deus” que cumpre absolutamente os planos do Pai, é Jesus… A vida de Jesus concretizou-se na contínua escuta dos projetos do Pai e no amor total aos homens. Esse amor (que teve a sua expressão máxima na cruz) expressou-se sempre em gestos de entrega aos homens, de serviço humilde aos irmãos, de dom de Si próprio, de acolhimento de todos os marginalizados, de bondade sem fronteiras, de perdão sem limites… Dessa forma, Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o modelo que Deus propõe a todos os outros seus filhos. Como é que me situo face a esse “modelo” que é Jesus? Como Ele, vivo numa atenção constante às propostas de Deus e disposto a responder positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou disposto a despir-me do egoísmo, a caminhar no amor e a fazer da minha vida um dom total aos irmãos?
  • Ter Cristo como modelo implica, na perspetiva de Paulo, ser testemunha e sinal da bondade, da misericórdia, do amor de Deus no mundo. O apóstolo, de uma forma bem concreta, especifica que o azedume, a irritação, o rancor, o insulto, a violência, a má-língua, a inveja, o orgulho mesquinho são atitudes incompatíveis com as exigências do seguimento de Jesus. Esses “vícios” são a marca do “homem velho” que não cabem na existência de um “filho de Deus”, cuja vida foi marcada com o selo do Espírito e que é conduzido pelo Espírito. Como é que eu trato os irmãos que vão ao meu lado na estrada da vida? Procuro ser um sinal vivo da bondade e da ternura de Deus para com todos os que se cruzam comigo?

 

ALELUIA – Jo 6,51

Aleluia. Aleluia.

Eu sou o pão vivo que desceu do Céu, diz o Senhor;
quem comer deste pão viverá eternamente.

 

EVANGELHO – João 6,41-51

Naquele tempo,
os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito:
«Eu sou o pão que desceu do Céu».
E diziam: «Não é ele Jesus, o filho de José?
Não conhecemos o seu pai e a sua mãe?
Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?»
Jesus respondeu-lhes:
«Não murmureis entre vós.
Ninguém pode vir a Mim,
se o Pai, que Me enviou, não o trouxer;
e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia.
Está escrito no livro dos Profetas:
‘Serão todos instruídos por Deus’.
Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino
vem a Mim.
Não porque alguém tenha visto o Pai;
só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.
Em verdade, em verdade vos digo:
Quem acredita tem a vida eterna.
Eu sou o pão da vida.
No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram.
Mas este pão é o que desce do Céu
para que não morra quem dele comer.
Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne,
que Eu darei pela vida do mundo».

 

CONTEXTO

Na primeira parte do Quarto Evangelho, o chamado “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), são-nos propostas cinco catequeses sobre Jesus. Ele é aí apresentado como a Palavra eterna de Deus que veio habitar no meio dos homens para lhes apontar o caminho que conduz à Vida. Da ação de Jesus resultará uma humanidade renovada, uma humanidade que vive segundo Deus.

Cada uma dessas catequeses (“Jesus, a água que dá a vida” – cf. Jo 4,1-5,47; “Jesus, o verdadeiro pão que sacia todas as fomes” – cf. Jo 6,1-7,53; “Jesus, a luz que liberta o homem das trevas” – cf. Jo 8,12-9,41; “Jesus, o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas” – cf. Jo 10,1-42; “Jesus, vida e ressurreição para o mundo” – cf. Jo 11,1-56) termina com uma secção onde se manifesta a oposição dos líderes judaicos (designados, em geral, como “os judeus”) a essa Vida nova que Jesus veio oferecer. O evangelista João vai, dessa forma, preparando os seus leitores para aquilo que irá acontecer em Jerusalém no final da caminhada histórica de Jesus: a prisão, a condenação e a morte na cruz.

O texto evangélico que nos é proposto neste décimo nono domingo comum, coloca-nos no centro de uma das controvérsias de Jesus com os líderes judaicos. No dia anterior, Jesus tinha saciado a fome de uma grande multidão, oferecendo-lhe uma refeição de pão e de peixe. Essa multidão tinha ido novamente ter com Jesus no dia a seguir, esperando beneficiar outra vez de um tratamento semelhante. Jesus, empenhado em esclarecer as coisas, tinha convidado aquela gente a procurá-lo, não em busca de uma comida material e perecível, mas de um alimento que proporciona Vida eterna (cf. Jo 6,32-40). As autoridades judaicas – que de repente substituem “a multidão” com a qual Jesus tinha estado a falar – reagem a esse convite com hostilidade e agressividade. Não conseguiam ver em Jesus “o pão da Vida”, o alimento para “a Vida eterna”.

O cenário do confronto entre Jesus e “os judeus” é a sinagoga de Cafarnaum.

 

MENSAGEM

Os líderes judaicos recebem mal a autoapresentação de Jesus como “o pão da Vida”, descido do céu para oferecer aos homens a Vida eterna. Eles conhecem a sua origem humana, sabem que o seu pai é José, conhecem a sua mãe Maria e a sua família; e, na perspetiva deles, isso exclui uma origem divina (vers. 41). Em consequência, eles não podem aceitar que Jesus Se arrogue a pretensão de trazer aos homens a Vida de Deus. A resistência que sentem em aceitar que Jesus veio de Deus traduz-se na “murmuração”, que é uma forma pouco frontal de manifestar uma rebelião interior contra alguém ou contra alguma coisa. Lembra a “murmuração” dos hebreus ao longo da caminhada do deserto (cf. Ex 15,24; 16,2.12; 17,3; Nm 14,2; 17,6) contra Deus e contra os planos que Deus tinha para o seu Povo.

Em lugar de discutir imediatamente a questão da sua origem divina, Jesus prefere denunciar aquilo que está por detrás da atitude negativa dos judeus face à proposta que lhes é feita: eles não estão próximos de Deus, não estão em sintonia com Deus, não têm o coração aberto a Deus. Esse é o problema dos “judeus”: instalados nas suas certezas, amarrados às suas seguranças, acomodados a um sistema religioso ritualista, estéril e vazio, há muito que eles se afastaram de Deus e perderam o contato com Deus. E, quando Deus vem ao encontro deles para lhes oferecer a Vida verdadeira e eterna, eles não O reconhecem. Em Jesus, Deus vem oferecer-lhes o “pão da Vida eterna”; e eles não conseguem detetar a presença de Deus em Jesus (vers. 43-44). Se eles escutassem Deus, aproximar-se-iam de Jesus e acolhê-lo-iam (vers. 45). Eles estão longe de Deus e já não O conhecem; em contrapartida, Jesus viu pessoalmente o Pai e conhece-O (vers. 46).

Feita a denúncia, e para que não restem dúvidas, Jesus faz uma declaração solene: “Eu sou o pão da Vida” (vers. 48). A expressão “Eu sou” é uma fórmula de revelação (correspondente ao nome de Deus – “Eu sou aquele que sou” – tal como aparece em Ex 3,14) que manifesta a origem divina de Jesus e a validade da proposta de Vida que Ele traz. O pão que Jesus se dispõe a oferecer tem a chancela de Deus. Quem adere a Jesus e à proposta que Ele veio apresentar (“quem acredita” – vers. 47), encontra uma Vida nova, plena e definitiva. O que é decisivo, neste processo, é o “acreditar” – isto é, o aderir efetivamente a Jesus e aos valores que Ele veio propor.

Neste ponto da conversa, Jesus recupera o tema do maná, tão caro aos judeus. Outrora, ao longo da caminhada pelo deserto, os israelitas foram agraciados com um pão, o maná; mas esse pão não lhes assegurava a Vida eterna. Efetivamente, a geração que saiu do Egito e que se alimentou do maná nem sequer chegou a entrar na Terra prometida: acabou por morrer no deserto. Mas agora Jesus quer oferecer um outro pão, um pão que veio do céu. A Vida que esse pão garante não é uma vida parcial, limitada, finita, como a vida que o maná dava; mas é uma Vida verdadeira e eterna (vers. 49-50). “Vida eterna” não indica aqui, apenas, um “tempo” sem fim; mas indica, sobretudo, uma Vida com uma qualidade ilimitada – uma Vida total, a Vida do homem plenamente realizado. Quem se dispuser a receber esse pão alcançará a meta da verdadeira Terra prometida. Não morrerá antes de lá chegar.

Finalmente, Jesus identifica “o pão” que desceu do céu e que é fonte de Vida eterna com a sua “carne” (“o pão que Eu hei de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo” – vers. 51). O que é que Ele pretende dizer? A “carne” designa, no ambiente semita em geral e no Evangelho de João em particular, a pessoa na sua condição terrena e limitada, o ser humano frágil e precário, que vive com a morte no horizonte. Jesus tornou-se “carne” quando se vestiu da fragilidade e da precariedade dos humanos e veio habitar com os homens (“a Palavra fez-se carne e veio habitar no meio de nós – Jo 1,14). Ele – o Jesus incarnado – é o “pão” que desceu do céu e se fez pessoa humana para nos mostrar, com as suas palavras, com os seus gestos, com o seu amor até ao extremo, com a sua entrega na cruz, como é que nós devíamos viver. Jesus, o “pão” descido do céu, tornou-se pessoa (“carne”) para nos dar Vida.

Temos aqui, finalmente, a resposta de Jesus à murmuração dos líderes judaicos que, conhecendo as Suas origens humildes e os seus pais, se recusavam a aceitar que Ele tivesse vindo de Deus… Jesus veio mesmo de Deus; mas assumiu a humilde condição dos homens para lhes dizer, olhos nos olhos, com palavras e gestos humanos, como podiam chegar à Vida eterna, à Vida verdadeira. Quem o escutar, quem se identificar com Ele, quem aderir às suas propostas, quem for atrás d’Ele, será alimentado pelo “pão” que veio do céu e terá Vida em abundância.

 

INTERPELAÇÕES

  • Na sinagoga de Cafarnaum, no “discurso do pão da Vida”, Jesus desvendou aos “judeus” (e a nós) o sentido da sua “kenôse” (“esvaziamento”, “abaixamento”, “aniquilamento”): apesar de ser Deus, Ele desceu até nós, fez-se “carne”, assumiu a nossa fragilidade, caminhou connosco pelos caminhos do mundo, dispôs-se a enfrentar a morte (que é uma realidade que está no caminho de todos os “humanos”), a fim de nos alimentar com o “pão” da Vida verdadeira e eterna. Porquê tudo isto? Porque é que Deus se deu a este incómodo? A única resposta está no amor: foi o amor, o imenso amor que Deus nos dedica, que o levou a enviar-nos o seu Filho a fim de nos dar o alimento da Vida eterna. Alguma vez deixaremos de nos espantar com esta “louca” iniciativa de Deus? Reconhecemos o amor que Deus nos tem e procuramos agradecer tudo aquilo que Ele fez (e faz) por nós? Procuramos responder ao dom de Deus abraçando as propostas que Jesus nos veio deixar? Acolhemos esse “pão” que Jesus nos veio trazer?

 

  • “Quem acredita em Mim, tem a vida eterna” – diz-nos Jesus. Este “acreditar” não é aceitar determinadas verdades que a catequese ou a teologia proclamam sobre Jesus; mas é “levar a sério” as suas propostas, acolher as suas indicações, assumir o seu estilo de vida, viver como Ele na escuta constante dos projetos do Pai, segui-l’O no caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos irmãos; “acreditar” em Jesus é fazer da própria vida – como Ele fez da sua – uma luta coerente contra o egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo aquilo que causa sofrimento e infelicidade aos filhos e filhas de Deus que partilham connosco o caminho de todos os dias. Podemos dizer, com verdade, que “acreditamos” em Jesus? As suas palavras e os seus gestos guiam a nossa vida, as nossas opções, a nossa forma de ver o mundo e os outros?
  • Jesus referiu-se ao maná como um alimento que matou a fome física dos israelitas em determinado momento da marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a Vida definitiva, não lhes assegurou o acesso à Terra prometida. Podemos ver no maná – um alimento precário, limitado – um símbolo dessas propostas de vida que, tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a revelar-se falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão nem geram
    Vida plena. Em que “alimentos” colocamos a nossa esperança e a nossa segurança? Procuramos discernir entre o que é ilusório e o que é eterno? Deixamo-nos seduzir por falsas propostas de realização e de felicidade? Aceitamos como “pão” verdadeiro valores e propostas que a moda ou a opinião pública dominante nos atiram à cara, mas que não respondem à nossa fome de Vida verdadeira e eterna?
  • Os “judeus” que se confrontam com Jesus na sinagoga de Cafarnaum não conseguem ver n’Ele “o pão que desceu do céu”. Porque vivem instalados nas suas grandes certezas teológicas, prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num sistema religioso imutável e estéril e perderam a faculdade de escutar Deus. Construíram um Deus fixo, calcificado, previsível, rígido, conservador, e quando Deus vem ao encontro deles para lhes oferecer Vida em abundância, não o reconhecem nem o acolhem. A “doença” de que padecem os líderes e “fazedores” de opinião do mundo judaico não é assim tão rara… Todos nós sofremos a tentação da acomodação, da instalação, do aburguesamento; e quando nos deixamos dominar por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos preconceitos, das ideias política ou religiosamente corretas, de catecismos muito bem elaborados mas parados no tempo, das elaborações teológicas muito coerentes e muito bem arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério de Deus e para os desafios sempre novos que Deus nos faz. Somos capazes de questionar as nossas certezas, as nossas ideias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que nos instalamos comodamente, para acolher o Deus que vem ter connosco, de formas sempre novas, para nos dar Vida em abundância?

 

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

 

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 19.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. BILHETE DE EVANGELHO.

Antes de nos pormos a caminho para receber o Pão da Vida, Jesus recorda-nos que, antes de mais, somos convidados, que é Deus que dá o primeiro passo: “Felizes os convidados para a ceia do Senhor!” De seguida, pede-nos que façamos um ato de fé: “Dizei uma palavra e serei salvo!” Crer n’Aquele que Deus enviou… Crer, isto é, ter confiança nas suas palavras e nos seus gestos. Aquele que tem confiança sabe que não ficará dececionado. O que Cristo quer é que vivamos plenamente, enquanto vamos ao seu encontro: a sua palavra é alimento, a sua carne (a sua pessoa) é alimento, com Ele ficamos saciados. Ele vem até nós para que vivamos d’Ele e, por Ele, a nossa vida ganhe sentido, os nossos gestos possam dar a vida, as nossas palavras possam exprimir a ternura, a nossa oração se torne relação filial com o Pai.

3. À ESCUTA DA PALAVRA.

Os judeus recriminavam Jesus: “Esse homem não é Jesus, filho de José? Conhecemos bem seu pai e sua mãe. Como pode dizer «Eu desci do céu»?” Os adversários de Jesus discutiam a sua origem e a sua pretensão exorbitante. Devemos reconhecer que a dificuldade dos compatriotas não era pequena. Jesus não tinha nada de extraterrestre. Se estivéssemos lá, talvez tivéssemos a mesma atitude… Ora, para descobrir o mistério profundo de Jesus, é preciso ir para além das aparências. Para conhecer Jesus, é preciso acolher a luz que vem da Palavra de Deus, ter o olhar da fé. A fé é uma “luz obscura”, pede um salto numa “confiança noturna”, na noite. Isso verifica-se já nas nossas relações humanas de amor e de amizade. A fé-confiança não é uma evidência “científica” que leva a uma adesão imediata da inteligência. A fé só se pode aceitar e viver numa relação de amor, de amizade. Para além das aparências… Só podemos aceitar a Palavra de Jesus se nos abrirmos a Deus. Jesus pede aos seus discípulos para terem confiança: “Crede em Deus, crede também em Mim”. A fé é uma graça, um dom gratuito. Mas é também um combate, segundo São Paulo: “Combati até ao fim o bom combate… guardei a fé”. Em definitivo, somos reenviados a uma escolha que, certamente, não suprime as exigências da nossa razão, mas ultrapassa-as, porque aceitamos entrar numa relação de amor e de amizade com Jesus, “o filho de José”, que reconhecemos também como “o Filho de Deus”.

4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

Saborear Deus, saborear a bondade da Criação… O verão presta-se muito particularmente, em qualquer lugar onde estivermos, a fazer-nos saborear a bondade do Senhor através da beleza da sua Criação. Paisagens, elementos naturais, animais, astros, etc… E, no cume, as pessoas que encontramos, todas criadas à imagem do Criador!

 

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org