Events in Janeiro 2023

  • Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus - Ano A

    Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus - Ano A


    1 de Janeiro, 2023

    ANO A

    SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS
    Dia Mundial da Paz

    Tema da Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

    Neste dia, a liturgia coloca-nos diante de evocações diversas, ainda que todas importantes. Celebra-se, em primeiro lugar, a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus: somos convidados a contemplar a figura de Maria, aquela mulher que, com o seu "sim" ao projecto de Deus, nos ofereceu Jesus, o nosso libertador. Celebra-se, em segundo lugar, o Dia Mundial da Paz: em 1968, o Papa Paulo VI propôs aos homens de boa vontade que, neste dia, se rezasse pela paz no mundo. Celebra-se, finalmente, o primeiro dia do ano civil: é o início de uma caminhada percorrida de mãos dadas com esse Deus que nos ama, que em cada dia nos cumula da sua bênção e nos oferece a vida em plenitude.
    As leituras que hoje nos são propostas exploram, portanto, estas diversas coordenadas. Elas evocam esta multiplicidade de temas e de celebrações.
    Na primeira leitura, sublinha-se a dimensão da presença contínua de Deus na nossa caminhada e recorda-se que a sua bênção nos proporciona a vida em plenitude.
    Na segunda leitura, a liturgia evoca, outra vez, o amor de Deus, que enviou o seu Filho ao encontro dos homens para os libertar da escravidão da Lei e para os tornar seus "filhos". É nessa situação privilegiada de "filhos" livres e amados que podemos dirigir-nos a Deus e chamar-Lhe "abbá" ("papá").
    O Evangelho mostra como a chegada do projecto libertador de Deus (que se tornou realidade plena no nosso mundo através de Jesus) provoca alegria e felicidade naqueles que não têm outra possibilidade de acesso à salvação: os pobres e os marginalizados. Convida-nos, também, a louvar a Deus pelo seu amor e a testemunhar o desígnio libertador de Deus no meio dos homens.
    Maria, a mulher que proporcionou o nosso encontro com Jesus, é o modelo do crente que é sensível aos projectos de Deus, que sabe ler os seus sinais na história, que aceita acolher a proposta de Deus no coração e que colabora com Deus na concretização do projecto divino de salvação para o mundo.
    LEITURA I - Num 6,22-27

    Leitura do Livro dos Números

    O Senhor disse a Moisés:
    «Fala a Aarão e aos seus filhos e diz-lhes:
    Assim abençoareis os filhos de Israel, dizendo:
    'O Senhor te abençoe e te proteja.
    O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face
    e te seja favorável.
    O Senhor volte para ti os seus olhos
    e te conceda a paz'.
    Assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel
    e Eu os abençoarei».

    AMBIENTE

    O nosso texto situa-nos no Sinai, frente à montanha onde se celebrou a aliança entre Deus e o seu Povo... No contexto das últimas instruções de Jahwéh a Moisés, antes de Israel levantar o acampamento e iniciar a caminhada em direcção à Terra Prometida, é apresentada uma fórmula de bênção, que os "filhos de Aarão" (sacerdotes) deviam pronunciar sobre a comunidade.
    Provavelmente, trata-se de uma fórmula litúrgica utilizada no Templo de Jerusalém para abençoar a comunidade, no final das celebrações litúrgicas, antes de o Povo regressar a suas casas... Essa bênção é aqui apresentada como um dom de Deus, no Sinai.
    A "bênção" ("beraka") é concebida, no universo dos povos semitas, como uma comunicação de vida, real e eficaz, que atinge o "abençoado" e que lhe transmite vigor, força, êxito, felicidade. É um dom que, uma vez pronunciado, não pode ser retirado nem anulado. Aqui, essa comunicação de vida - fruto da generosidade e do amor de Deus - derrama-se sobre os membros da comunidade por intermédio dos sacerdotes (no Antigo Testamento, os intermediários entre o mundo de Jahwéh e a comunidade israelita).

    MENSAGEM

    Esta "bênção" apresenta-se numa tríplice fórmula, sempre em crescendo (no texto hebraico, a primeira afirmação tem três palavras; a segunda, cinco; a terceira, sete). Em cada uma das fórmulas, é pronunciado o nome de Jahwéh... Ora, pronunciar três vezes o nome do Deus da aliança é dar uma nova actualidade à aliança, às suas promessas e às suas exigências; é lembrar aos israelitas que é do Deus da aliança que recebem a vida nas suas múltiplas manifestações e que tudo é um dom de Deus.
    A cada uma das invocações, correspondem dois pedidos de bênção: "que Jahwéh te abençoe (isto é, que te comunique a sua vida) e te proteja"; "que Jahwéh faça brilhar sobre ti a sua face (hebraísmo que se pode traduzir como 'que te mostre um rosto sorridente e favorável') e te conceda a sua graça"; que Jahwéh dirija para ti o seu olhar (hebraísmo que significa 'olhar para ti com benevolência', 'acolher-te') e te conceda a paz" (em hebraico: 'shalom' - no sentido de bem-estar, harmonia, felicidade plena).
    Este texto lembra ao israelita que tudo é um dom do amor de Jahwéh e que o Deus da aliança está ao lado do seu Povo em cada dia do ano, oferecendo-lhe a vida plena e a felicidade em abundância.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes dados:

    • Em primeiro lugar, somos convidados a tomar consciência da generosidade do nosso Deus, que nunca nos abandona, mas que continua a sua tarefa criadora derramando sobre nós, continuamente, a vida em plenitude.

    • É de Deus que tudo recebemos: vida, saúde, força, amor e aquelas mil e uma pequeninas coisas que enchem a nossa vida e que nos dão instantes plenos. Tendo consciência dessa presença contínua de Deus ao nosso lado, do seu amor e do seu cuidado, somos gratos por isso? No nosso diálogo com Ele, sentimos a necessidade de O louvar e de Lhe agradecer por tudo o que Ele nos oferece? Agradecemos todos os dons que Ele derramou sobre nós no ano que acaba de terminar
    ?

    • É preciso ter consciência de que a "bênção" de Deus não cai do céu como uma chuva mágica que nos molha, quer queiramos, quer não (magia e Deus não combinam); mas a vida de Deus, derramada sobre nós continuamente, tem de ser acolhida com amor e gratidão e, depois, transformada em gestos concretos de amor e de paz. É preciso que o nosso coração diga "sim", para que a vida de Deus nos atinja e nos transforme.
    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 66 (67)

    Refrão: Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção.

    Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção,
    resplandeça sobre nós a luz do seu rosto.
    Na terra se conhecerão os seus caminhos
    e entre os povos a sua salvação.

    Alegrem-se os céus e exultem as nações,
    porque julgais os povos com justiça
    e governais as nações sobre a terra.

    Os povos Vos louvem, ó Deus,
    todos os povos Vos louvem.
    Deus nos dê a sua bênção
    e chegue o seu temor aos confins da terra.
    LEITURA II - Gal 4,4-7

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Gálatas

    Irmãos:
    Quando chegou a plenitude dos tempos,
    Deus enviou o seu Filho,
    nascido de uma mulher e sujeito à Lei,
    para resgatar os que estavam sujeitos à Lei
    e nos tornar seus filhos adoptivos.
    E porque sois filhos,
    Deus enviou aos nossos corações
    o Espírito de seu Filho, que clama:
    «Abbá! Pai!».
    Assim, já não és escravo, mas filho.
    E, se és filho, também és herdeiro, por graça de Deus.

    AMBIENTE

    Entre as comunidades cristãs do norte da Galácia manifestou-se, pelos anos 55/56, uma grave crise... À região gálata chegaram pregadores cristãos de origem judaica, que punham em causa a validade e a legitimidade do Evangelho anunciado por Paulo. Este era acusado de pregar um Evangelho mutilado, distante do Evangelho pregado pelos apóstolos de Jerusalém... Para estes pregadores ("judaízantes"), a fé em Cristo devia ser complementada pelo cumprimento rigoroso da Lei de Moisés, nomeadamente pelo rito da circuncisão.
    Paulo foi avisado da situação quando estava em Éfeso. Não o preocupava que a sua pessoa fosse posta em causa; preocupava-o o dano que este tipo de discurso podia trazer às comunidades cristãs... Paulo estava convencido que o movimento religioso iniciado por Jesus de Nazaré não era uma religião formalista e ritual, uma religião de práticas exteriores, como o judaísmo farisaico do seu tempo, que se preocupava com questões formais e secundárias; além disso, estava convencido de que a salvação não tinha a ver com conquistas humanas (como se a salvação fosse conseguida à custa dos actos heróicos do homem), mas era um dom de Deus.
    Alarmado pela gravidade da situação, Paulo escreveu aos gálatas. Com alguma dureza (justificada pela gravidade do problema), Paulo diz aos gálatas que o cristianismo é liberdade e que a acção de Cristo libertou os homens da escravidão da Lei... Os gálatas devem, portanto, fazer a sua escolha: pela escravidão, ou pela liberdade; no entanto - não deixa de observar Paulo - é uma estupidez ter experimentado a liberdade e querer voltar à escravidão...
    No texto que nos é proposto, Paulo recorda aos gálatas a incarnação de Cristo e o objectivo da sua vinda ao mundo: fazer dos que a Ele aderem "filhos de Deus" livres.

    MENSAGEM

    Paulo recorda aqui aos gálatas algo de fundamental: Cristo veio a este mundo para libertá-los, definitivamente, do jugo da Lei; a consequência da acção redentora de Cristo é que os homens deixaram de ser escravos e passaram a ser "filhos" que partilham a vida de Deus.
    A palavra-chave é, aqui, a palavra "filho", aplicada tanto a Cristo como aos cristãos. Cristo, o "Filho", foi enviado ao mundo pelo Pai com uma missão concreta: libertar os homens de uma religião de ritos estéreis e inúteis, que não potenciava o encontro entre Deus e os homens; e Cristo, identificando os homens com Ele, levou-os a um novo tipo de relacionamento com Deus e fê-los "filhos" de Deus. Por acção de Cristo, os homens deixaram de ser escravos (que cumprem obrigatoriamente regras e leis) e passaram a relacionar-se com Deus como "filhos" livres e amados, herdeiros com Cristo da vida eterna. Depois desta "promoção", fará algum sentido querer voltar a ser escravo da religião das leis e dos ritos?
    A nova situação dos homens dá-lhes o direito de chamar a Deus "abbá" ("papá"). Paulo utiliza esta palavra aqui (bem como na Carta aos Romanos), apesar de os judeus nunca designarem Deus desta forma. Ela expressa uma relação muito próxima, muito íntima, do género daquela que uma criança tem com o seu pai: exprime a confiança absoluta, a entrega total, o amor sem limites. A insistência de Paulo nesta palavra deve ter a ver com o Jesus histórico: Jesus adoptou-a para expressar a sua confiança filial em Deus e a sua entrega total à sua causa. Ora, é este tipo de relação que os cristãos, identificados com Cristo, são convidados a estabelecer com Deus.
    Gal 4,4 é o único lugar em que Paulo se refere à mãe de Jesus ("Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher"); no entanto, Paulo não parece interessado, aqui, em falar de Nossa Senhora, mas em sublinhar a solidariedade de Cristo com o género humano.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, as seguintes questões:

    • A experiência cristã é, fundamentalmente, uma experiência de encontro com um Deus que é "abbá" - i
    sto é, que é um "papá" muito próximo, com quem nos identificamos, a quem amamos, a quem nos entregamos e em quem confiamos plenamente. É esta proximidade libertadora e confiante que temos com o nosso Deus?

    • A nossa experiência cristã leva-nos a sentirmo-nos "filhos" amados, ou ao cumprimento de regras e de obrigações? Na Igreja não se põe, às vezes, a ênfase em cumprir leis e ritos externos, esquecendo o essencial - a experiência de "filhos" livres e amados de Deus?

    • A importante constatação de que somos "filhos" de Deus leva-nos a uma descoberta fundamental: estamos unidos a todos os outros homens - "filhos" de Deus como nós - por laços fraternos. É a mesma vida de Deus que circula em todos nós... O que é que esta constatação implica, em termos concretos? A que é que ela nos obriga? Faz algum sentido marginalizar alguém por causa da sua raça ou estatuto social? Aquilo que acontece aos outros - de bom e de mau - não nos diz respeito?
    ALELUIA - Hebr 1,1-2

    Aleluia. Aleluia.

    Muitas vezes e de muitos modos
    falou Deus antigamente aos nossos pais pelos Profetas.
    Nestes dias, que são os últimos,
    Deus falou-nos por seu Filho.
    EVANGELHO - Lc 2,16-21

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    os pastores dirigiram-se apressadamente para Belém
    e encontraram Maria, José
    e o Menino deitado na manjedoura.
    Quando O viram, começaram a contar
    o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino.
    E todos os que ouviam
    admiravam-se do que os pastores diziam.
    Maria conservava todas estas palavras,
    meditando-as em seu coração.
    Os pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus
    por tudo o que tinham ouvido e visto,
    como lhes tinha sido anunciado.
    Quando se completaram os oito dias
    para o Menino ser circuncidado,
    deram-Lhe o nome de Jesus,
    indicado pelo Anjo,
    antes de ter sido concebido no seio materno.

    AMBIENTE

    O texto do Evangelho de hoje é a continuação daquele que foi lido na noite de Natal: após o anúncio do "anjo do Senhor", os pastores (destinatários desse anúncio) dirigiram-se a Belém e encontraram o menino, deitado numa manjedoura de uma gruta de animais. Mais uma vez, Lucas não está interessado em fazer a reportagem do nascimento de Jesus, ou a crónica social das "visitas" que, então, o menino de Belém recebeu; mas está, sobretudo, interessado em apresentar uma catequese que dê a entender (aos cristãos a quem o texto se destina) quem é esse menino e qual a missão de que ele foi investido por Deus. Nesta catequese fica bem claro que Jesus é o Messias libertador, enviado a trazer a paz; e há, também, uma reflexão sobre a resposta que Deus espera do homem.

    MENSAGEM

    Como pano de fundo do nosso texto está, portanto, a ideia de que, com a chegada de Jesus, atingimos o centro do tempo salvífico... Em Jesus, a proposta libertadora que Deus tinha para nos oferecer veio ao nosso encontro e materializou-se no meio dos homens; o próprio nome ("Jesus" significa "Jahwéh salva") que foi dado ao menino, por indicação do anjo que anunciou o seu nascimento, aponta nesse sentido. Por outro lado, o facto de essa "boa notícia" ser dada, em primeiro lugar, aos pastores (classe marginalizada, considerada impura, pecadora e muito longe de Deus e da salvação) significa que a proposta de Jesus se destina, de forma especial, aos pobres e marginalizados, àqueles que a teologia oficial excluía e condenava. Diz-lhes que Deus os ama, que conta com eles e que os convoca para fazer parte da sua família.
    Definida a questão essencial, atentemos nas atitudes dos intervenientes e na forma como eles respondem à chegada de Jesus...
    Em primeiro lugar, repare-se como os pastores, depois de escutarem a "boa nova" do nascimento do libertador, se dirigem "apressadamente" ao encontro do menino. A palavra "apressadamente" sublinha a ânsia com que os pobres e os marginalizados esperam a acção libertadora de Deus em seu favor. Aqueles que vivem numa situação intolerável de sofrimento e de opressão reconhecem Jesus como o único salvador e apressam-se a ir ao seu encontro. É d'Ele e de mais ninguém que brota a libertação por que os oprimidos anseiam. A disponibilidade de coração para acolher a sua proposta é a primeira coisa que Deus pede.
    Em segundo lugar, repare-se como os pastores reagem ao encontro com Jesus... Começam por glorificar e louvar a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido: é a alegria pela libertação que se converte em acção de graças ao Deus libertador. Depois, esse louvor torna-se testemunho: quem faz a experiência do encontro com Deus libertador tem, obrigatoriamente, de dar testemunho, a fim de que os outros homens possam participar da mesma experiência gratificante.
    Finalmente, atentemos na atitude de Maria: ela "conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração". É a atitude de quem é capaz de abismar-se com as acções do Deus libertador, com o amor que Ele manifesta nos seus gestos em favor dos homens. "Observar", "conservar" e "meditar" significa ter a sensibilidade para entender os sinais de Deus e ter a sabedoria da fé para saber lê-los à luz do plano de Deus. É precisamente isso que faziam os profetas.
    A atitude meditativa de Maria, que interioriza e aprofunda os acontecimentos, complementa a atitude "missionária" dos pastores, que proclamam a acção salvadora de Deus, manifestada no nascimento de Jesus. Estas duas atitudes definem duas coordenadas essenciais daquilo que deve ser a existência do crente.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir dos seguintes elementos:

    • No Evangelho que, hoje, nos é proposto fica claro o fio condutor da história da salvação: Deus ama-nos, quer a nossa plena felicidade e, por isso,
    tem um projecto de salvação para levar-nos a superar a nossa fragilidade e debilidade; e esse projecto foi-nos apresentado na pessoa, nas palavras e nos gestos de Jesus. Temos consciência de que a verdadeira libertação está na proposta que Deus nos apresentou em Jesus e não nas ideologias, ou no poder do dinheiro, ou na posição que ocupamos na escala social? Porque é que tantos dos nossos irmãos vivem afogados no desespero e na frustração? Porque é que tanta gente procura "salvar-se" em programas de televisão que lhes dê uns minutos de fama, ou num consumismo alienante? Não será porque não fomos capazes de lhes apresentar a proposta libertadora de Jesus?

    • Diante da "boa nova" da libertação, reagimos - como os pastores - com o louvor e a acção de graças? Sabemos ser gratos ao nosso Deus pelo seu amor e pelo seu empenho em nos libertar da escravidão?

    • Os pastores, após terem tomado contacto com o projecto libertador de Deus, fizeram-se "testemunhas" desse projecto. Sentimos, também, o imperativo do testemunho? Temos consciência de que a experiência da libertação é para ser passada aos nossos irmãos que ainda a desconhecem?

    • Maria "conservava todas estas palavras e meditava-as no seu coração". Quer dizer: ela era capaz de perceber os sinais do Deus libertador no acontecer da vida. Temos, como ela, a sensibilidade de estar atentos à vida e de perceber a presença - discreta, mas significativa, actuante e transformadora - de Deus, nos acontecimentos mais ou menos banais do nosso dia a dia?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador: P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

     

  • São Basílio Magno e São Gregório Nanzianzeno

    São Basílio Magno e São Gregório Nanzianzeno


    2 de Janeiro, 2023

    Basílio de Cesareia (329-379) nasceu duma família profundamente cristã, na Capadócia, região da atual Turquia. Com o seu irmão, Gregório de Nissa e o amigo Gregório de Nazianzo, forma o grupo dos chamados "Padres Capadócios", que tiveram importante papel na divulgação da doutrina do Concílio de Niceia sobre a Santíssima Trindade.

    Basílio e o seu irmão receberam esmerada educação. Durante a sua formação humanista, em Atenas, estabeleceram uma grande amizade com Gregório de Nazianzo. Juntos iniciaram uma nova forma de vida monástica, o chamado monaquismo basiliano, que continua a ser vivido sobretudo no Oriente.

    Basílio, ordenado sacerdote e bispo, distinguiu-se pelas suas obras caritativas e pelo esplendor que deu ao culto divino. Deixou-nos preciosas obras teológicas, espirituais e homiléticas.

    Gregório de Nazianzo (330-390) nasceu igualmente de uma família cristã piedosa. A sua mãe ofereceu-o ao Senhor, tendo-lhe proporcionado uma boa educação, que o levou a ser reitor e a ser proposto para altos cargos civis. Com os seus amigos, Basílio e Gregório de Nissa, abandonou o mundo para se tornar monge. Já sacerdote, foi nomeado bispo de Constantinopla (381), permanecendo sobretudo um místico, cantor apaixonado da SS. Trindade. Os seus escritos revelam a sua experiência e inteligência do mistério de Cristo. Foi chamado "o teólogo".

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 2, 10b-16

    Irmãos: o Espírito tudo penetra, até as profundidades de Deus. 11Quem, de entre os homens, conhece o que há no homem, senão o espírito do homem que nele habita? Assim também, as coisas que são de Deus, ninguém as conhece, a não ser o Espírito de Deus. 12Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, para podermos conhecer os dons da graça de Deus. 13E deles não falamos com palavras que a sabedoria humana ensina, mas com as que o Espírito inspira, falando de realidades espirituais em termos espirituais. 14O homem terreno não aceita o que vem do Espírito de Deus, pois é uma loucura para ele. Não o pode compreender, pois só de modo espiritual pode ser avaliado. 15Pelo contrário, o homem espiritual julga todas as coisas e a ele ninguém o pode julgar. 16Pois quem conheceu o pensamento do Senhor, para poder instruí-lo? Mas nós temos o pensamento de Cristo.
    Paulo justifica o seu ministério afirmando que recebeu o Espírito que vem de Deus (cf. v. 12). Só o Espírito de Deus nos torna "homens espirituais", capazes de conhecer os mistérios divinos e nos dá uma mentalidade conforme ao "pensamento do Senhor" (v. 16). O homem terreno, isto é, aquele que apenas possui o espírito do mundo e se deixa conduzir por ele, não pode compreender as coisas do Espírito e aceitar a "loucura" da mensagem evangélica, que culmina na Cruz. S. Basílio e S. Gregório, como todos os santos, deixaram-se fascinar por Cristo, assumiram o seu modo de pensar e viveram em conformidade com ele. Tornaram-se, assim, verdadeiros homens espirituais, capazes de julgar todas as coisas.

    Evangelho: Mateus 5, 13-16

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: «Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. 14Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; 15nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. 16Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.»

    Depois de proclamar as Bem-aventuranças, Mateus apresenta dois provérbios em forma de parábola que definem a missão dos discípulos: ser sal e luz. Tal como o sal e a luz influem sobre os alimentos e sobre as realidades terrenas, assim os discípulos de Cristo devem influir sobre o mundo, ajudando-o a descobrir o sentido da vida, para que não seja enganado pelas suas tendências e aspirações rasteiras. Como o sal, os discípulos hão-de dar sabor à humanidade e preservá-la da corrupção. Como a luz, hão-de ser para o mundo um raio do esplendor da glória de Deus. Tudo isso acontece quando os discípulos vivem à maneira de Cristo, guiados pela fé e atuando a caridade. A vida cristã é um compromisso com Deus, que tem implicações sociais e universais. Por isso, não deve ser escondida, mas brilhar no mundo, para glória de Deus.

    Meditatio

    Basílio de Cesareia e Gregório de Nissa são exemplos de cristãos cujas vidas refletem o Evangelho, verdadeiros luminares da fidelidade e da beleza do ideal cristão.

    Basílio, dotado de forte personalidade, foi um homem de pensamento e de ação. Escreveu e pregou, especulou e socorreu. Gregório é o filósofo elegante, o poeta delicado, o contemplativo irrequieto. Ambos nos revelam o que significa tornar-se discípulos da verdadeira sabedoria e receber o dom do Espírito, que perscruta as profundezas de Deus. Estes dois amigos, que hoje celebramos foram génios e santos. Por isso, a Igreja os venera como santos e doutores. A caridade de Deus fê-los operadores de bem e servidores dos irmãos, como monges, como padres e como bispos. Ambos cantaram a beleza de Deus. Como amigos e companheiros, compreenderam que o seu ideal mais profundo era o amor da sabedoria. Movia-os a ânsia de saber. Escreve Gregório: "Uma só tarefa e um só objetivo havia para ambos: aspirar à virtude, viver para as esperanças futuras e comportar-nos de tal modo que, mesmo antes de ter partido desta vida, tivéssemos emigrado dela. Esse foi o ideal que nos propusemos, e assim tratávamos de orientar a nossa vida e as nossas ações, em atitude de docilidade aos mandamentos divinos, entusiasmando-nos mutuamente à prática do bem: e, se não parecer demasiada arrogância, direi que éramos um para o outro a norma e a regra para discernir o bem do mal".

    Oratio

    Vem Espírito Santo, eleva o meu coração, ampara a minha fraqueza, conduz-me à perfeição da caridade. Purifica-me de todo o mal e, pela união contigo, faz-me homem espiritual. Penetra-me e enche-me com a tua luz divina de modo que eu mesmo me torne luminoso e reflita ao meu redor a tua luz, a tua graça. Ámen.

    Contemplatio

    Jesus viera para operar a grande obra da reconciliação. Tudo estava preparado e, no entanto, leva uma longa vida de trinta anos, desconhecida, escondida, em aparência inativa e inútil. O Redentor tinha sido prometido ao género humano e anunciado pelos profetas. Os sinais da sua vinda estavam marcados. Era esperado pelos justos com um ardente desejo. Prodígios foram realizados na altura do seu nascimento. A própria natureza manifestou a sua alegria pela vinda do Criador. Uma estrela maravilhosa surpreendeu os sábios do Oriente e conduziu-os ao presépio. Mas logo a seguir, que silêncio! Tudo retorna à obscuridade e à calma. Os que acreditavam verdadeiramente que seguiam a atração da graça, a voz dos anjos e as inspirações do Espírito Santo conservavam no seu coração a recordação dos mistérios, que tinham tido um brilho tão curto. Adoravam no silêncio, na esperança e no abandono, os decretos da sabedoria, do amor e da misericórdia de Deus. E esta vida obscura, vida de submissão, de trabalho e da misericórdia de Deus vai durar trinta anos! Quem é que está em condição de aprofundar as vias da sabedoria, do amor e da bondade de Deus? Quem pode conceber e contar os atos de virtude destes anos de obscuridade? E então porquê tudo isto? Porquê esta viagem penosa e longa ao país pagão e idólatra? Porque Jesus era vítima, porque era libertador e redentor; porque isto correspondia aos desígnios de misericórdia que os homens não podiam compreender perfeitamente. (L. Dehon, OSP 3, p. 41).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:

    "Para nós o maior título de glória era sermos cristãos
    e como tal reconhecidos" (S. Gregório Nazianzeno).

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    S. Basílio Magno e s. Gregório Nanzianzeno (2 Janeiro)
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    Segunda-feira do tempo de Natal

    Segunda-feira do tempo de Natal


    2 de Janeiro, 2023

    Segunda-feira do tempo de Natal

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 2, 22-28

    Caríssimos, 22 quem é, então, o mentiroso? Quem é, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Esse é o Anticristo, aquele que nega o Pai e igualmente o Filho. 23Todo aquele que nega o Filho, fica sem o Pai; aquele que confessa o Filho, tem também o Pai. 24*Quanto a vós, procurai que em vós permaneça o que ouvistes desde o princípio. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também vós permanecereis no Filho e no Pai. 25*E esta é a promessa que Ele nos fez: a vida eterna.

    26Escrevo-vos isto a propósito dos que procuram enganar-vos. 27Quanto a vós, a unção que dele recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que ninguém vos ensine; mas, tal como a sua unção vos ensina acerca de todas as coisas .e ela é verdadeira e não engana. permanecei nele, de acordo com o que Ele vos ensinou.

    28*E agora, filhinhos, permanecei nele, para que, quando Ele se manifestar, tenhamos plena confiança e não fiquemos cheios de vergonha, longe dele, por ocasião da sua vinda. 29*Se sabeis que Ele é justo, sabei também que todo aquele que pratica a justiça nasceu dele.

    Em finais do século I, a Igreja viveu uma fase de grandes tribulações: os "anticristos" negavam que Jesus fosse o Messias, o Filho de Deus. A mentalidade gnóstica não podia admitir que o Verbo tivesse verdadeiramente incarnado. Mas negar essas verdades era, para João, excluir-se da comunhão com Deus e da vida. Era ser "anticristo".

    O verdadeiro cristão deve permanecer fiel à Palavra escutada desde o princípio, isto é, ao mistério pascal na sua totalidade (morte e ressurreição) ensinado pelos apóstolos. É essa a fé que permite estar em comunhão com o Filho e com o Pai (v. 24). Viver em comunhão com Deus é possuir a promessa da «vida eterna» feita por Cristo (v. 25). O crente recebeu a «unção» do Espírito no Baptismo (v. 27). Por isso pode resistir às falsidades dos "anticristos", viver o Evangelho e aguardar a vinda de Cristo. O Espírito dá-nos a força interior da sabedoria, torna-nos discípulos invencíveis e dá-nos confiança em relação ao dia do Senhor (v. 28).

    Evangelho: João 1, 19-28

    19Este foi o testemunho de João, quando as autoridades judaicas lhe enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para lhe perguntarem: «Tu quem és?» 20Então ele confessou a verdade e não a negou, afirmando: «Eu não sou o Messias.» 21E perguntaram-lhe: «Quem és, então? És tu Elias?» Ele disse: «Não sou.» «És tu o profeta?» Respondeu: «Não.» 22Disseram-lhe, por fim: «Quem és tu, para podermos dar uma resposta aos que nos enviaram? Que dizes de ti mesmo?» 23*Ele declarou: «Eu sou a voz de quem grita no deserto: 'Rectificai o caminho do Senhor', como disse o profeta Isaías.»

    24Ora, havia enviados dos fariseus, que lhe perguntaram: 25«Então por que baptizas, se tu não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?» 26João respondeu-lhes: «Eu baptizo com água, mas no meio de vós está quem vós não conheceis. 27É aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias.» 28*Isto passou-se em Betânia, na margem além do Jordão, onde João estava a baptizar.

    João Baptista, que se encontra em Betânia, além do Jordão, dá testemunho de Jesus perante a delegação enviada pelas autoridades de Jerusalém. À pergunta: «Tu quem és?», João afasta todo e qualquer mal-entendido sobre a sua pessoa e a sua missão declarando não ser o Messias esperado. Declara também não ser Elias, nem qualquer profeta, personagens aguardadas para o tempo messiânico, provocando desorientação nos seus interlocutores. Depois apresenta-lhes a sua verdadeira identidade: «Eu sou a voz de quem grita no deserto» (v. 23) e prepara o caminho a Cristo (cf. Is 40, 3). Ele não é a luz, mas apenas uma lâmpada que arde e dá testemunho da luz verdadeira. Ele não é a Palavra incarnada, mas apenas a voz que prepara o caminho pela purificação dos pecados e a conversão do coração. Finalmente declara: «Eu baptizo com água, mas no meio de vós está quem vós não conheceis» (v. 26).

    O baptismo de João é apenas um rito para dispor ao acolhimento do Messias; não é ainda o baptismo dos tempos da salvação. João aproxima a sua pessoa da de Cristo para realçar a dignidade e a grandeza de Jesus, cuja vida tem dimensões de eternidade: João não é digno de lhe desatar a correia das sandálias, de lhe prestar os mais humildes serviços... João quer suscitar a fé em Jesus nos seus ouvintes, porque só Ele é o Salvador. O Baptista é apenas o precursor, aquele que vai à frente a preparar os caminhos.

    Meditatio

    João convida a que permaneçamos no Filho e no Pai. A relação com o Pai e o Filho é comparada a uma «unção». A unção permeia, penetra nos tecidos, nos corpos. Assim, quem crê no Filho, possui-O e possui também o Pai, não precisando de mais nada, porque tem o Mestre interior que não mente.

    Para acreditar, é preciso ser humildes como João Baptista. O homem temperado na solidão do deserto esconde-se e desaparece à sombra d´Aquele que Se apresenta ao mundo. A sua missão foi exactamente dar testemunho. João não negou a Cristo; negou a si mesmo.

    Dificilmente negamos a Cristo directamente; mas podemos negá-Lo afirmando-nos a nós mesmos.

    O Cristão de hoje é chamado a ser anunciador do Evangelho e da palavra de Jesus, a voz que grita com a sua vida a verdade de Cristo, apesar da pobreza e da fraqueza que experimenta em si mesmo, nas suas palavras e métodos pastorais.

    O cristão é aquele que se define em função de Cristo. Dá testemunho d´Ele, prepara- Lhe a missão. Não procura centrar as atenções em si, mas em Cristo e no Evangelho.

    A humildade é o caminho da caridade e a condição para um testemunho apostólico abençoado por Deus. Para vir até nós, Deus percorreu o caminho da humildade (cf. Fil 2, 6-11). Não temos um caminho diferente para irmos até Ele. A humildade permite-nos permanecer em Deus.

    A humildade é condição para um apostolado verdadeiro, que põe Cristo no centro das atenções. Não foi sem razão que Jesus nos mandou aprender d'Ele, não a pregar ou a fazer milagres, mas a ser "mansos e humildes de coração" (Mt 11, 29). A mansidão e a humildade de coração hão-de caracterizar, de modo particular, aqueles que se intitulam Sacerdotes do Coração de Jesus, ou querem viver a espiritualidade dehoniana.

    Oratio

    Senhor, ensina-nos a sermos como João Baptista, verdadeiras testemunhas de Ti e do teu amor no meio dos nossos irmãos. Como João, queremos empenhar a nossa voz, as nossas forças, toda a nossa vida para que a humanidade inteira Te reconheça presente e activo no meio de nós, se decida em teu favor e tenha comunhão contigo e com o Pai.

    Senhor, reforça a nossa fé em Ti, único Salvador da humanidade. Faz-nos experimentar o poder do teu Espírito, que é a nossa força e o nosso apoio no apostolado. Ensina-nos a não presumirmos das nossas forças e métodos apostólicos, sabendo que só Tu, pelo teu Espírito, podes tornar fecundo o nosso trabalho e as nossas estratégias pastorais.

    Senhor, dá-nos consciência de que somos instrumentos simples e pobres nas tuas mãos, que só a tua graça torna capazes de ser úteis na construção do Reino da justiça e da paz. Amen.

    Contemplatio

    A igreja apresenta-nos o exemplo do Precursor, para nos preparar a receber o nosso Deus que vem curar o nosso orgulho e salvar-nos pela humildade do presépio. É efectivamente grande a humildade do Precursor e ela brilha nas respostas aos Fariseus. Ele conquistou os corações, para o devolver a Deus, com as suas austeras virtudes e a sua heróica penitência. A sua santidade lembra e ultrapassa a dos maiores profetas. O próprio Nosso Senhor haveria de proclamar a grandeza dos seus méritos e da sua missão que muito tinham pressagiado o seu nascimento. Apesar de tudo, deu a mais humilde resposta aos Fariseus que lhe vêm perguntar se é Elias ou um dos profetas. Ele centra as atenções no Salvador: «Sou a voz que clama no deserto: endireitai o caminho do Senhor» E quando insistiram, pôs-se aos pés do seu Salvador: «Aquele que deve vir depois de mim, era antes de mim e eu não sou digno de lhe desatar as correias das sandálias».

    Não procura estima para si, não procura louvores, não pensa em si mesmo senão para se humilhar (Leão Dehon, OSP 2, p. 555).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «No meio de vós está quem vós não conheceis» (Jo 1, 26)

  • Solenidade da Epifania do Senhor - Ano A

    Solenidade da Epifania do Senhor - Ano A


    8 de Janeiro, 2023

    ANO A
    SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR

    Tema do Domingo da Epifania

    A liturgia deste domingo celebra a manifestação de Jesus a todos os homens... Ele é uma "luz" que se acende na noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Cumprindo o projecto libertador que o Pai nos queria oferecer, essa "luz" incarnou na nossa história, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação, da vida definitiva.
    A primeira leitura anuncia a chegada da luz salvadora de Jahwéh, que transfigurará Jerusalém e que atrairá à cidade de Deus povos de todo o mundo.
    No Evangelho, vemos a concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os "magos" do oriente, representantes de todos os povos da terra... Atentos aos sinais da chegada do Messias, procuram-n'O com esperança até O encontrar, reconhecem n'Ele a "salvação de Deus" e aceitam-n'O como "o Senhor". A salvação rejeitada pelos habitantes de Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a todos os homens, sem excepção.
    A segunda leitura apresenta o projecto salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos - a comunidade de Jesus.

    LEITURA I - Is 60,1-6

    Leitura do Livro de Isaías

    Levanta-te e resplandece, Jerusalém,
    porque chegou a tua luz
    e brilha sobre ti a glória do Senhor.
    Vê como a noite cobre a terra
    e a escuridão os povos.
    Mas sobre ti levanta-Se o Senhor,
    e a sua glória te ilumina.
    As nações caminharão à tua luz
    e os reis ao esplendor da tua aurora.
    Olha ao redor e vê:
    todos se reúnem e vêm ao teu encontro;
    os teus filhos vão chegar de longe
    e as tuas filhas são trazidas nos braços.
    Quando o vires ficarás radiante,
    palpitará e dilatar-se-á o teu coração,
    pois a ti afluirão os tesouros do mar,
    a ti virão ter as riquezas das nações.
    Invadir-te-á uma multidão de camelos,
    de dromedários de Madiã e Efá.
    Virão todos os de Sabá;
    hão-de trazer ouro e incenso
    e proclamando as glórias do Senhor.

    AMBIENTE

    Aos capítulos 56-66 do Livro de Isaías, convencionou-se chamar "Trito-Isaías. Trata-se de um conjunto de textos cuja proveniência não é totalmente consensual... Para alguns, são textos de um profeta anónimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém após o regresso dos exilados da Babilónia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de diversos autores pós-exílicos e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente, entre os sécs. VI e V a.C.). De qualquer forma, estamos na época a seguir ao Exílio e numa Jerusalém em reconstrução... As marcas do passado ainda se notam nas pedras calcinadas da cidade; os judeus que se estabeleceram na cidade são ainda poucos; a pobreza dos exilados faz com que a reconstrução seja lenta e muito modesta; os inimigos estão à espreita e a população está desanimada... Sonha-se, no entanto, com esse dia futuro em que vai chegar Deus para trazer a salvação definitiva ao seu Povo. Então, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para sempre no meio do seu Povo.
    O texto que nos é proposto é uma glorificação de Jerusalém, a cidade da luz, a "cidade dos dois sóis" (o sol nascente e o sol poente: pela sua situação geográfica, a cidade é iluminada desde o nascer do dia até ao pôr do sol).

    MENSAGEM

    Inspirado, sem dúvida, pelo sol nascente que ilumina as belas pedras brancas das construções de Jerusalém e faz a cidade transfigurar-se pela manhã (e brilhar no meio das montanhas que a rodeiam), o profeta sonha com uma Jerusalém muito diferente daquela que os retornados do Exílio conhecem; essa nova Jerusalém levantar-se-á quando chegar a luz salvadora de Deus, que dará à cidade um novo rosto. Nesse dia, Jerusalém vai atrair os olhares de todos os que esperam a salvação. Como consequência, a cidade será abundantemente repovoada (com o regresso de muitos "filhos" e "filhas" que, até agora, assustados pelas condições de pobreza e de instabilidade, ainda não se decidiram a regressar); além disso, povos de toda a terra - atraídos pela promessa do encontro com a salvação de Deus - convergirão para Jerusalém, inundando-a de riquezas (nomeadamente incenso, para o serviço do Templo) e cantando os louvores de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes linhas:

    • Como pano de fundo deste texto (e da liturgia deste dia) está a afirmação da eterna preocupação de Deus com a vida e a felicidade desses homens e mulheres a quem Ele criou. Sejam quais forem as voltas que a história dá, Deus está lá, vivo e presente, acompanhando a caminhada do seu Povo e oferecendo-lhe a vida definitiva. Esta "fidelidade" de Deus aquece-nos o coração e renova-nos a esperança... Caminhamos pela vida de cabeça levantada, confiando no amor infinito de Deus e na sua vontade de salvar e libertar o homem.

    • É preciso, sem dúvida, ligar a chegada da "luz" salvadora de Deus a Jerusalém (anunciada pelo profeta) com o nascimento de Jesus. O projecto de libertação que Jesus veio apresentar aos homens será a luz que vence as trevas do pecado e da opressão e que dá ao mundo um rosto mais brilhante de vida e de esperança. Reconhecemos em Jesus a "luz" libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar que essa "luz" nos liberte das trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Será que, através de nós, essa "luz" atinge o mundo e o coração dos nossos irmãos e transforma tudo numa nova realidade?

    • Na catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já "não necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus", é a Igreja - a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer (cf. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas comunidades cristãs e nas comunidades religiosas brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são, pelo seu brilho, uma luz que atrai os homens? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor e de partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, não contribuirão para embaciar o brilho dessa luz de Deus que devíamos reflectir?

    • Será que na nossa Igreja há espaço para todos os que buscam a luz libertadora de Deus? Os irmãos que têm a vida destroçada, ou que não se comportam de acordo com as regras da Igreja, são acolhidos, respeitado
    s e amados? As diferenças próprias da diversidade de culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou são rejeitadas porque ameaçam a uniformidade?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 71 (72)

    Refrão: Virão adorar-Vos, Senhor, todos os povos da terra.

    Ó Deus, concedei ao rei o poder de julgar
    e a vossa justiça ao filho do rei.
    Ele governará o vosso povo com justiça
    e os vossos pobres com equidade.

    Florescerá a justiça nos seus dias
    e uma grande paz até ao fim dos tempos.
    Ele dominará de um ao outro mar,
    do grande rio até aos confins da terra.

    Os reis de Társis e das ilhas virão com presentes,
    os reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas.
    Prostrar-se-ão diante dele todos os reis,
    todos os povos o hão-de servir.

    Socorrerá o pobre que pede auxílio
    e o miserável que não tem amparo.
    Terá compaixão dos fracos e dos pobres
    e defenderá a vida dos oprimidos.

    LEITURA II - Ef 3,2-3a.5-6

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Certamente já ouvistes falar
    da graça que Deus me confiou a vosso favor:
    por uma revelação,
    foi-me dado a conhecer o mistério de Cristo.
    Nas gerações passadas,
    ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens
    como agora foi revelado pelo Espírito Santo
    aos seus santos apóstolos e profetas:
    os gentios recebem a mesma herança que os judeus,
    pertencem ao mesmo corpo
    e participam da mesma promessa,
    em Cristo Jesus, por meio do Evangelho.

    AMBIENTE

    A Carta aos Efésios (cuja autoria paulina alguns discutem por questões de linguagem, de estilo e de teologia) apresenta-se como uma "carta de cativeiro", escrita por Paulo da prisão (os que aceitam a autoria paulina desta carta discutem qual o lugar onde Paulo está preso, nesta altura, embora a maioria ligue a carta ao cativeiro de Paulo em Roma entre 61/63).
    É, de qualquer forma, uma apresentação sólida de uma catequese bem elaborada e amadurecida. A carta (talvez uma "carta circular", enviada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor) parece apresentar uma espécie de síntese do pensamento paulino.
    O tema mais importante da Carta aos Efésios é aquilo que o autor chama "o mistério": trata-se do projecto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos "últimos tempos", tornado presente no mundo pela Igreja.
    Na parte dogmática da carta (cf. Ef 1,3-3,19), Paulo apresenta a sua catequese sobre "o mistério": depois de um hino que põe em relevo a acção do Pai, do Filho e do Espírito Santo na obra da salvação (cf. Ef 1,3-14), o autor fala da soberania de Cristo sobre os poderes angélicos e do seu papel de cabeça da Igreja (cf. Ef 1,15-23); depois, reflecte sobre a situação universal do homem, mergulhado no pecado e afirma a iniciativa salvadora e gratuita de Deus em favor do homem (cf. Ef 2,1-10); expõe, ainda, como é que Cristo - realizando "o mistério" - levou a cabo a reconciliação de judeus e pagãos num só corpo, que é a Igreja (cf. 2,11-22)... O texto que nos é proposto vem nesta sequência: nele, Paulo apresenta-se como testemunha do "mistério" diante dos judeus e diante dos pagãos (cf. Ef 3,1-13).

    MENSAGEM

    A Paulo, apóstolo como os Doze, também foi revelado "o mistério". É esse "mistério" que Paulo aqui desvela aos crentes da Ásia Menor... Paulo insiste que, em Cristo, chegou a salvação definitiva para os homens; e essa salvação não se destina exclusivamente aos judeus, mas destina-se a todos os povos da terra, sem excepção. Paulo é, por chamamento divino, o arauto desta novidade... Percebemos, assim, porque é que Paulo se fez o grande arauto da "boa nova" de Jesus entre os pagãos...
    Agora, judeus e gentios são membros de um mesmo e único "corpo" (o "corpo de Cristo" ou Igreja), partilham o mesmo projecto salvador que os faz, em igualdade de circunstâncias com os judeus, "filhos de Deus" e todos participam da promessa feita por Deus a Abraão (cf. Gn 12,3) - promessa cuja realização Cristo levou a cabo.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:

    • A perspectiva de que Deus tem um projecto de salvação para oferecer ao seu Povo - já enunciada na primeira leitura - tem aqui novos desenvolvimentos. A primeira novidade é que Cristo é a revelação e a realização plena desse projecto. A segunda novidade é que esse projecto não se destina apenas "a Jerusalém" (ao mundo judaico), mas é para ser oferecido a todos os povos, sem excepção.

    • A Igreja, "corpo de Cristo", é a comunidade daqueles que acolheram "o mistério". Nela, brancos e negros, pobres e ricos, ucranianos ou moldavos - beneficiários todos da acção salvadora e libertadora de Deus - têm lugar em igualdade de circunstâncias. Temos, verdadeiramente, consciência de que é nesta comunidade de crentes que se revela hoje no mundo o projecto salvador que Deus tem para oferecer a todos os homens? Na vida das nossas comunidades transparece, realmente, o amor de Deus? As nossas comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, de cor ou de estatuto social?

    • Destinatários, todos, do mistério, somos "filhos de Deus" e irmãos uns dos outros. Essa fraternidade implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade... Sentimo-nos solidários com todos os irmãos que partilham connosco esta vasta casa que é o mundo? Sentimo-nos responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos, mesmo aqueles que estão separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças?

    ALELUIA - Mt 2,2

    Aleluia. Aleluia

    Vimos adorar a sua estrela no Oriente
    e viemos adorar o Senhor.

    EVANGELHO - Mt 2,1-12

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia,
    nos dias do rei Herodes,
    quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
    «Onde está - perguntaram eles –
    o rei dos judeus que acaba de nascer?
    Nós vimos a sua estrela no Oriente
    e viemos adorá-l'O».
    Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado
    e, com ele, toda a cidade de Jerusalém.
    Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo
    e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.
    Eles responderam:
    «Em Belém da Judeia,
    porque assim está escrito pelo profeta:
    'Tu, Belém, terra de Judá,
    n&atil
    de;o és de modo nenhum a menor
    entre as principais cidades de Judá,
    pois de ti sairá um chefe,
    que será o Pastor de Israel, meu povo'».
    Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos
    e pediu-lhes informações precisas
    sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.
    Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:
    «Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino;
    e, quando O encontrardes, avisai-me,
    para que também eu vá adorá-l'O».
    Ouvido o rei, puseram-se a caminho.
    E eis que a estrela que tinham visto no Oriente
    seguia à sua frente
    e parou sobre o lugar onde estava o Menino.
    Ao ver a estrela, sentiram grande alegria.
    Entraram na casa,
    viram o Menino com Maria, sua Mãe,
    e, caindo de joelhos,
    prostraram-se e adoraram-n'O.
    Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes:
    ouro, incenso e mirra.
    E, avisados em sonhos
    para não voltarem à presença de Herodes,
    regressaram à sua terra por outro caminho.

    AMBIENTE

    O episódio da visita dos magos ao menino de Belém é um episódio simpático e terno que, ao longo dos séculos, tem provocado um impacto considerável nos sonhos e nas fantasias dos cristãos... No entanto, convém recordar que estamos, ainda, no âmbito do "Evangelho da Infância"; e que os factos narrados nesta secção não são a descrição exacta de acontecimentos históricos, mas uma catequese sobre Jesus e a sua missão... Por outras palavras: Mateus não está, aqui, interessado em apresentar uma reportagem jornalística que conte a visita oficial de três chefes de estado estrangeiros à gruta de Belém; mas está interessado, recorrendo a símbolos e imagens bem expressivos para os primeiros cristãos, em apresentar Jesus como o enviado de Deus Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a terra.

    MENSAGEM

    A análise dos vários detalhes do relato confirma que a preocupação do autor (Mateus) não é de tipo histórico, mas catequético.
    Notemos, em primeiro lugar, a insistência de Mateus no facto de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cf. vers. 1.5.6.7). Para entender esta insistência, temos de recordar que Belém era a terra natal do rei David e que era a Belém que estava ligada a família de David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-lo a esses anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém (cf. Mi 5,1.3; 2 Sm 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai. Com esta nota, Mateus quer aquietar aqueles que pensavam que Jesus tinha nascido em Nazaré e que viam nisso um obstáculo para O reconhecerem como o Messias libertador.
    Notemos, em segundo lugar, a referência a uma estrela "especial" que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os "magos" para Belém. A interpretação desta referência como histórica levou alguém a cálculos astronómicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenómeno luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura de um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente... Na realidade, é inútil procurar nos céus a estrela ou cometa em causa, pois Mateus não está a narrar factos históricos. Segundo a crença popular da época, o nascimento de um personagem importante era acompanhado da aparição de uma nova estrela. Também a tradição judaica anunciava o Messias como a estrela que surge de Jacob (cf. Nm 24,17). Ora, é com estes elementos que a imaginação de Mateus, posta ao serviço da catequese, vai inventar a "estrela". Mateus está, sobretudo, interessado em fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos seguros para rebater aqueles que negavam que Jesus era esse Messias esperado.
    Temos, ainda, as figuras dos "magos". A palavra grega "mágos" usada por Mateus abarca um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos... Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, esses "magos" representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (cf. Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa "luz".
    Além de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao longo de todo o Evangelho: o Povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os "magos" do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém "ficam perturbados" diante da notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte, enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador.
    Mateus anuncia, desta forma, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu Povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos "magos" reflecte a caminhada que os pagãos percorreram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para o encontrar, perguntam aos judeus - que conhecem as Escrituras - o que fazer, encontram Jesus e adoram-n'O como "o Senhor". É muito possível que um grande número de pagano-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho em direcção a Jesus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar as seguintes questões:

    • Em primeiro lugar, meditemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com Jesus: os "magos", Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo... Diante de Jesus, o libertador enviado por Deus, estes distintos personagens assumem atitudes diversas, que vão desde a adoração (os "magos"), até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse Messias que eles conheciam bem dos textos sagrados). Identificamo-nos com algum destes grupos? Não é fácil "conhecer as Escrituras", como profissionais da religião e, depois, deixar que as propostas e os valores de Jesus nos passem ao lado?

    • Os "magos" são apresentados como os "homens dos sinais", que sabem ver na "estrela" o sinal da chegada da libertação... Somos pessoas atentas aos "sinais" - isto é, somos capazes de ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de Deus? Procuramos perceber nos "sinais" que aparecem no nosso ca
    minho a vontade de Deus?

    • Impressiona também, no relato de Mateus, a "desinstalação" dos "magos": viram a "estrela", deixaram tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão especial, à nossa televisão, à nossa aparelhagem? Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz através dos irmãos?

    • Os "magos" representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que acolhem a proposta libertadora que Ele traz e que se prostram diante d'Ele. É a imagem da Igreja - essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o seu Senhor.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Solenidade da Epifania do Senhor, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. HONRAR AS DIFERENTES CULTURAS.
    A Solenidade da Epifania tem a sua plena significação quando as comunidades honram as diferentes culturas que as compõem e dão lugar às expressões litúrgicas dos vários países: danças, cânticos, instrumentos de música, objectos, vestes... Uma proposta, entre outras: proclamar as leituras em diferentes línguas.

    3. BILHETE DE EVANGELHO.
    Nos passos dos Magos... Como os Magos, ponhamo-nos a caminho. Não sabemos exactamente o que será a aventura. Tenhamos confiança. Como eles, ergamos os olhos. A luz vem de Deus, deixemo-nos iluminar. Como eles, procuremos, não tenhamos demasiadas certezas. Tenhamos somente convicções, descubramos os sinais de uma presença. Como eles, ofereçamos presentes: o da oração, o do respeito de todo o homem. Procuremos agradar a Deus e aos irmãos. Como eles, aceitemos começar um novo caminho. Deixemo-nos interpelar por Deus e pelo seu Evangelho, pelos homens e mulheres deste tempo.

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus de luz, erguemos os nossos olhos para Ti, cheios de admiração; nós Te bendizemos, porque a tua glória ergueu-se sobre nós, arrancaste-nos das trevas e colocas-nos de pé, a caminho da nova Jerusalém.
    Nós Te pedimos por todos os povos da terra que ainda vivem nas trevas e pelas pessoas que conhecemos e que procuram o fim do túnel.

    No final da segunda leitura:
    Pai de todos os homens, nós Te bendizemos pela revelação do teu mistério, pela promessa que Tu destinas a todos os povos e pela herança à qual tanta desejas associá-los, na tua luz.
    Nós Te pedimos por todos os missionários que partiram para longe a anunciar esta Boa Nova pela palavra e pelos actos.

    No final do Evangelho:
    Nosso Pai, único rei digno deste nome, nós Te louvamos pelos sinais que nos guiam para Ti e, sobretudo, pelo teu Filho Jesus, estrela que está sempre presente, em todos os instantes das nossas vidas.
    Nós Te pedimos pela tua Casa, que é a tua Igreja, e por todas as suas comunidades: que o teu Filho Jesus nos guie, através da nova estrela que é o teu Espírito presente nas nossas vidas.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística IV.

    6. PALAVRA EXPLICADA 1: A CASA IGREJA.
    O Evangelho da Epifania precisa que os Magos entraram na casa. Esta palavra aparece muitas vezes nos Evangelhos. Jesus entrou em muitas casas. É na casa que Ele celebrou a Última Ceia (Mt 26,18), que Se manifestou aos discípulos e que partiu o pão, em Emaús. É ainda numa casa que os apóstolos receberam o Espírito Santo, no dia de Pentecostes. As primeiras comunidades cristãs reuniam-se nas casas para partir o pão, em Jerusalém, em Corinto, em Troas e noutros lugares (Act 1,3; 2,46; 20,7-12; 1Cor 11,19). Pelas saudações de Paulo, no final das suas cartas, sabemos que os cristãos punham as suas casas à disposição para reunir a Igreja de Deus: Gaio em Corinto (Rom 16,23); Áquila e Prisca em Éfeso (Rom 16,5; 1Cor 16,19). Durante os dois primeiros séculos, os cristãos não tinham outros locais para as suas assembleias dominicais senão as casas particulares. Consideravam-se, em cada localidade, como uma família.

    7. PALAVRA EXPLICADA 2: SÃO GREGÓRIO E O CANTO.
    O Papa São Gregório I (590-604) não interveio muito pela criação de instituições litúrgicas, porque tudo estava já organizado. Mas foi um pastor devotado, numa altura em que toda a Itália sofria duras provas. Nos séculos seguintes, o nome de Gregório serviu de referência para valorizar tudo o que vinha de Roma, em particular os livros litúrgicos. Quanto ao canto gregoriano, o seu qualificativo provém de legendas do século IX, que apresentavam o Papa Gregório como o autor dos cantos da missa, que teria composto por inspiração do Espírito Santo. Os pintores e os autores de miniaturas ilustraram a cena, apresentando o Papa na sua sala de trabalho, com a pomba do Espírito Santo perto da orelha. Esta ilustração contribuiu muito pouco para vulgarizar a atribuição do canto gregoriano ao Papa. De facto, no repertório gregoriano, os textos das orações provêm de livros compilados na época carolíngia. As anotações musicais só aparecem nestes livros a partir do século XI. Antes, as melodias eram transmitidas por tradição oral.

    8. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Audácia missionária. Assembleias dominicais cada vez mais diminutas... Vocações sacerdotais e religiosas cada vez mais raras... Não reduzamos a Missão aos nossos problemas! A Estrela que se levanta na escuridão brilha para todos os povos da terra e convida-nos à audácia missionária. Que iniciativa poderíamos tomar - em comunidade paroquial, em comunidade religiosa, em equipa litúrgica - para nos abrirmos para além de nós mesmos?

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador: P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Festa do Baptismo do Senhor - Ano A

    Festa do Baptismo do Senhor - Ano A


    9 de Janeiro, 2023

    O Batismo de Jesus no rio Jordão assinala o termo da sua vida de silêncio e obscuridade e inaugura o seu ministério público, anunciando e preparando o seu Batismo "na morte" (Lc 12, 50; Mc 10, 38).

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 42,1-4.6-7

    Diz o Senhor: «Eis o meu servo, a quem Eu protejo, o meu eleito, enlevo da minha alma. Sobre ele fiz repousar o meu espírito, para que leve a justiça às nações. Não gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: proclamará fielmente a justiça. Não desfalecerá nem desistirá, enquanto não estabelecer a justiça na terra, a doutrina que as ilhas longínquas esperam. Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça; tomei-te pela mão, formei-te e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirares do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas».

    O texto que escutamos pertence ao "Livro da Consolação" do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55) e consta de duas partes que falam da eleição do "Servo" e da sua missão. A "ordenação" do "Servo" realiza-se através do dom do Espírito. Animado por esse Espírito, o "Servo" irá levar "a justiça às nações". A figura misteriosa e enigmática do "Servo" apresenta evidentes pontos de contacto com a figura de Jesus... Os primeiros cristãos irão utilizar os cânticos do "Servo" para justificar o sofrimento e o aparente fracasso humano de Jesus. Ele é esse "eleito de Deus", que recebeu a plenitude do Espírito, que veio ao encontro dos homens com a missão de trazer a justiça e a paz definitivas, que sofreu e morreu para ser fiel a essa missão, que o Pai lhe confiou.
    Segunda leitura: Atos dos Apóstolos 10, 34-46

    Naqueles dias, Pedro tomou a palavra e disse: «Na verdade, eu reconheço que Deus não faz aceção de pessoas, mas, em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável. Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos. Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele».
    Os "Atos dos Apóstolos" são uma catequese sobre a "etapa da Igreja", isto é, sobre a forma como os discípulos assumiram o continuaram o projeto salvador do Pai e o levaram - após a partida de Jesus deste mundo - a todos os homens. O nosso texto de hoje está integrado na primeira parte dos "Atos", onde se apresenta a difusão do Evangelho dentro das fronteiras palestinianas, por ação de Pedro e dos Doze. Insere-se numa perícopa que descreve a atividade missionária de Pedro na planície junto da orla mediterrânica da Palestina. Em concreto, o texto propõe-nos o testemunho e a catequese de Pedro em Cesareia, em casa do centurião romano Cornélio. Convocado pelo Espírito (cf. At 10,19-20), Pedro entra em casa de Cornélio, expõe-lhe o essencial da fé e batiza-o, bem como a toda a sua família (cf. At 10,23b-48). O episódio é importante porque Cornélio é o primeiro pagão a cem por cento a ser admitido ao cristianismo por um dos Doze: significa que a vida nova, que nasce de Jesus, se destina a todos os homens. No seu discurso, Pedro começa por reconhecer que a proposta de salvação oferecida por Deus e trazida por Cristo é universal e se destina a todas as pessoas, sem distinção de qualquer tipo (vv. 34-36). Israel foi o primeiro recetor da Palavra de Deus; mas Cristo veio trazer a "boa nova da paz" (salvação) a todos os homens que aceitem a proposta e adiram a Jesus.
    Evangelho: Marcos 1, 7-11

    Naquele tempo, Jesus chegou da Galileia e veio ter com João Baptista ao Jordão, para ser batizado por ele. Mas João opunha-se, dizendo: «Eu é que preciso de ser batizado por Ti, e Tu vens ter comigo?». Jesus respondeu-lhe: «Deixa por agora; convém que assim cumpramos toda a justiça». João deixou então que Ele Se aproximasse. Logo que Jesus foi batizado, saiu da água. Então, abriram-se os céus e Jesus viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e pousar sobre Ele. E uma voz vinda do Céu dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência».

    A mensagem de João Baptista estava centrada na urgência da conversão e incluía um rito de purificação pela água. Na perspetival do Precursor, os homens deviam arrepender-se; e foi para os chamar ao arrependimento que ele batizou na água. Para João, recusar a conversão, significava ser destruído pela cólera de Deus. Que sentido faz Jesus apresentar-se a João para receber este "batismo" de purificação, de arrependimento e de perdão dos pecados? Para Mateus, o batismo é um momento privilegiado da manifestação de Jesus aos homens: antes de começar a sua atividade, Jesus define-Se e apresenta-Se... O diálogo entre João e Jesus (vv. 14-15) explica porque é que Jesus vem ao encontro de João para ser batizado... Pela resposta de Jesus, fica claro que o seu batismo é um passo necessário para que se cumpra o desígnio salvador de Deus, isto é, a sua vontade. Jesus apresenta-Se como "Filho", que cumpre rigorosa e absolutamente a vontade do Pai. Ao receber este batismo de penitência e de perdão dos pecados, do qual não precisava, porque Ele não conheceu o pecado, Jesus solidarizou-Se com o homem pecador, assumiu a sua condição, para percorrer com eles o caminho da libertação. Era esse o projeto do Pai, que Jesus cumpriu integralmente.
    Meditatio
    A liturgia da Festa do Batismo de Jesus tem como cenário de fundo o projeto salvador de Deus. No batismo de Jesus nas margens do Jordão, revela-se o Filho amado de Deus, que veio ao mundo enviado pelo Pai, com a missão de salvar e libertar os homens. Cumprindo o projeto do Pai, Ele fez-Se um de nós, partilhou a nossa fragilidade e humanidade, libertou-nos do egoísmo e do pecado e empenhou-Se em promover-nos, para que pudéssemos chegar à vida em plenitude. A primeira leitura anuncia um misterioso "Servo", escolhido por Deus e enviado aos homens para instaurar um mundo de justiça e de paz sem fim... Investido do Espírito de Deus, Ele concretizará essa missão com humildade e simplicidade, sem recorrer ao poder, à imposição, à prepotência, pois esses não são os esquemas de Deus. No Evangelho, aparece-nos a concretização da promessa profética: Jesus é o Filho/"Servo" enviado pelo Pai, sobre quem repousa o Espírito e cuja missão é realizar a libertação dos homens. Obedecendo ao Pai, Ele tornou-Se pessoa, identificou-Se com as fragilidades dos homens, caminhou ao lado deles, a fim de os promover e de os levar à reconciliação com Deus, à vida em plenitude. A segunda leitura reafirma que Jesus é o Filho amado que o Pai enviou ao mundo para concretizar um projeto de salvação; por isso, Ele "passou pelo mundo fazendo o bem" e libertando todos os que eram oprimidos. É este o testemunho que os discípulos devem dar, para que a salvação que Deus oferece chegue a todos os povos da terra.
    No episódio do batismo, Jesus aparece como o Filho amado, que o Pai enviou ao encontro dos homens para os libertar e para os inserir numa dinâmica de comunhão e de vida nova. Nessa cena revela-se, portanto, a preocupação de Deus e o imenso amor que Ele nos dedica... É bonita esta história de um Deus que envia o próprio Filho ao mundo, que pede a esse Filho que Se solidarize com as dores e limitações dos homens, e que, através da ação do Filho, reconcilia os homens consigo e fá-los chegar à vida em plenitude. O que nos é pedido é que correspondamos ao amor do Pai, acolhendo a sua oferta de salvação e seguindo Jesus no amor, na entrega, no dom da vida. Ora, no dia do nosso batismo, comprometemo-nos com esse projeto... Temos renovado diariamente o nosso compromisso e percorrido, com coerência, esse caminho que Jesus nos veio propor? A celebração do batismo do Senhor leva-nos até Jesus que assume plenamente a sua condição de "Filho" e que Se faz obediente ao Pai, cumprindo integralmente o projeto do Pai de dar vida ao homem. É esta mesma atitude de obediência radical, de entrega incondicional, de confiança absoluta que eu assumo na minha relação com Deus? O projeto de Deus é, para mim, mais importante de que os meus projetos pessoais ou do que os desafios que o mundo me faz? O episódio do batismo de Jesus coloca-nos frente a frente com um Deus que aceitou identificar-Se com o homem, partilhar a sua humanidade e fragilidade, a fim de oferecer ao homem um caminho de liberdade e de vida plena. Eu, filho deste Deus, aceito ir ao encontro dos meus irmãos mais desfavorecidos e estender-lhes a mão? Partilho a sorte dos pobres, dos sofredores, dos injustiçados, sofro na alma as suas dores, aceito identificar-me com eles e participar dos seus sofrimentos, a fim de melhor os ajudar a conquistar a liberdade e a vida plena? Não tenho medo de me sujar ao lado dos pecadores, dos marginalizados, se isso contribuir para os promover e para lhes dar mais dignidade e mais esperança? No batismo, Jesus tomou consciência da sua missão (essa missão que o Pai lhe confiou), recebeu o Espírito e partiu em viagem pelos caminhos poeirentos da Palestina, a testemunhar o projeto libertador do Pai. Eu, que no batismo aderi a Jesus e recebi o Espírito que me capacitou para a missão, tenho sido uma testemunha séria e comprometida desse programa em que Jesus Se empenhou e pelo qual Ele deu a vida?
    Oratio

    Pai santo, "nas águas do Jordão, realizastes prodígios admiráveis, para manifestar o mistério do novo Batismo: do céu fizestes ouvir uma voz para que o mundo acreditasse que o vosso Verbo estava no meio dos homens; pelo Espírito Santo, que desceu em figura de pomba, consagrastes Cristo vosso Servo com o óleo da alegria, para que os homens O reconhecessem como o Messias enviado a anunciar a boa nova aos pobres" Por isso, vos louvamos, bendizemos e damos graças e, com os Anjos e os Santos do Céu, proclamamos a vossa glória. Ámen. (cf. Prefácio da festa)
    Contemplatio

    O batismo do Salvador é o último ato da sua longa preparação de trinta anos. Já é publicamente oferecido ao seu Pai na Circuncisão e na Apresentação no Templo, vem ainda oferecer-se nas margens do Jordão. João Baptista, como profeta autorizado de Deus, chama os Israelitas para o batismo de penitência, para os preparar para o reino do Messias. Jesus não tem necessidade do batismo, tal como não tinha necessidade da Circuncisão nem da Apresentação nem do resgate no Templo. Mas vem como vítima e como reparador. Assume sobre si a responsabilidade dos nossos pecados. Quer cumprir toda a lei antiga, que era uma lei de purificação e de preparação. Recebeu o batismo, não para si, mas pelos homens seus irmãos. É mergulhado na água como símbolo de morte e de ressurreição. O seu batismo simboliza e anuncia a sua morte real e a sua ressurreição, enquanto que o nosso exprime somente uma morte espiritual para o pecado e a ressurreição para a vida sobrenatural. S. João queria opor-se ao batismo de Jesus, que nada tem a purificar, mas Jesus responde-lhe que deve cumprir toda a justiça, e entende com isto a justa expiação das nossas faltas. Que viva impressão de sofrimento, mas também de amor pelo seu Pai e por nós o Coração de Jesus deve ter sentido nesta morte simbólica! Que lição de penitência, de caridade, de dedicação! (Leão Dehon, OSP 3, p. 219).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Este é o meu Filho bem-amado: escutai-O!" (Mc 9, 6).
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  • Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Terça-feira


    10 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 2, 5-12

    Deus não submeteu aos anjos o mundo futuro de que falamos. 6Mas alguém, em certo lugar, atesta, dizendo: Que é o homem, para que te recordes dele, ou o filho do homem para que cuides dele? 7Fizeste-o por um pouco inferior aos anjos, coroaste-o de honra e de glória, 8submeteste tudo aos seus pés.Ora, ao submeter-lhe tudo, nada deixou que não lhe estivesse sujeito. Contudo, ainda não vemos que tudo lhe esteja sujeito. 9Vemos, porém, Jesus, que foi feito por um pouco inferior aos anjos, coroado de glória e de honra, por causa da morte que sofreu, a fim de que, pela graça de Deus, experimentasse a morte em favor de todos. 10Convinha, com efeito, que aquele por quem e para quem existem todas as coisas, querendo levar muitos filhos à glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o autor da sua salvação. 11De facto, tanto o que santifica, como os que são santificados, provêm todos de um só; razão pela qual não se envergonha de lhes chamar irmãos, 12dizendo: Anunciarei o teu nome aos meus irmãos, no meio da assembleia te louvarei.

    O autor da Carta aos Hebreus, depois de mostrar a superioridade de Cristo relativamente aos anjos e a todos os poderes inferiores a Deus, realça, nesta perícopa, a sua condição humana. Cristo é o Filho de Deus, superior aos anjos, mas é também o Jesus da história, Aquele que sofreu e morreu. O autor contempla a união entre os dois aspectos à luz do Sl 8, 46, e aproveita para anunciar o desígnio redentor de Deus. Esse desígnio passa pelo esvaziamento do Filho, que por amor se torna participante da natureza humana - inferior à dos anjos, mas também objecto das bênçãos divinas (cf. vv. 5-8) - até às extremas consequências do sofrimento e da morte, em favor de todos.
    Assim se revela a maravilhosa «justiça de Deus» (v. 10): o Criador e Fim de todas as coisas julgou tão importante o homem que o quis atrair à comunhão filial Consigo. Para isso, tornou-se solidário connosco no Filho Unigénito, enviado para nos levar à «glória», ao «mundo futuro» (vv. 5-10). Deus realiza a nossa santificação através do amor humilde de Jesus, que se entrega para nos poder chamar «irmãos» e anunciar-nos o Pai.

    Evangelho: Marcos 1, 21-28

    Jesus e os discípulos entraram em Cafarnaúm. Chegado o sábado, Jesus veio à sinagoga e começou a ensinar. 22E maravilhavam-se com o seu ensinamento, pois os ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei. 23Na sinagoga deles encontrava-se um homem com um espírito maligno, que começou a gritar: 24«Que tens a ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus.» 25Jesus repreendeu-o, dizendo: «Cala-te e sai desse homem.» 26Então, o espírito maligno, depois de o sacudir com força, saiu dele dando um grande grito. 27Tão assombrados ficaram que perguntavam uns aos outros: «Que é isto? Eis um novo ensinamento, e feito com tal autoridade que até manda aos espíritos malignos e eles obedecem-lhe!» 28E a sua fama logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia.

    A pessoa de Jesus causava impacto no meio do povo, que se dava conta de que Ele não se limitava a explicar os profetas anteriores, mas que se apresentava, também Ele, como profeta, investido de um poder que lhe vinha de Deus: ensinava com autoridade e curava os doentes. O ensino de Jesus era verdadeiramente eficaz.
    Marcos gosta de apresentar Jesus como Mestre: desde o começo do seu evangelho, Jesus é Aquele que ensina. Depois vêm os encontros com o «espírito maligno» (v. 23). Qual é a postura de Jesus diante da crença popular nos demónios? Sabemos quanto horror causavam no homem primitivo as doenças mentais, e sobretudo a epilepsia. O comportamento desses doentes dava a entender que estavam «possessos», que tinha entrado neles outra pessoa, o «espírito maligno». Por isso, o doente mental ou epiléptico, era um ser execrável, que devia ser afastado a golpes e com torturas de toda a espécie.
    Jesus tem o poder do Reino de Deus e usa-o desde o princípio para evangelizar e para libertar o homem a todos os níveis, também corporal, e de tudo quanto o «possui» e oprime, sem a preocupação de o interpretar.Com duas breves ordens liberta do demónio o possesso: é o seu primeiro milagre e tem um valor programático. Para Marcos, Jesus veio trazer o Reino de Deus, vencendo o poder de Satanás. A missão de Cristo é um confronto, até à morte e até à ressurreição, com o mal. Os exorcistas hebreus usavam longos ritos e complicadas fórmulas para expulsar os demónios. Jesus, com uma só palavra, cala o demónio e devolve ao homem a sua dignidade. Por isso, cresce o espanto das multidões, que se interrogam: «Que é isto?» v. 27)

    Meditatio

    Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, como nos ensinam as Escrituras. Nos primeiros tempos da Igreja, insistia-se em que era verdadeiro Deus. Depois da heresia de Ário, realçou-se que era verdadeiro homem. Mas a Igreja sempre insistiu sobre as duas naturezas, a divina e a humana, numa só pessoa, a do Filho único de Deus. A carta aos Hebreus sublinha os dois aspectos. O texto que escutamos hoje insiste no humano: «Que é o homem, para que te recordes dele, ou o filho do homem para que cuides dele? Fizeste-o por um pouco inferior aos anjos, coroaste-o de honra e de glória, submeteste tudo aos seus pés» (vv. 6-8).
    Jesus é o homem ideal. N´Ele, a vocação do homem ao domínio do universo, realiza-se perfeitamente. O Génesis diz-nos que Deus constituiu o homem senhor de todas as criaturas. Mas, no estado actual das coisas, não é possível realizar perfeitamente essa vocação. Só Cristo, pela sua morte e ressurreição, alcançou uma humanidade renovada e pode ter autoridade sobre toda a criação. «Autoridade» significa capacidade de fazer «crescer» (do latim: augere) os outros. Essa autoridade vem-lhe, não por ser superior ao anjos, mas por ter aceitado o desígnio de Deus, obedecendo até à morte e morte de cruz: «Vemos Jesus, que foi feito por um pouco inferior aos anjos, coroado de glória e de honra, por causa da morte que sofreu» (v. 9), escreve o autor da Carta aos Hebreus. Jesus é amor que deu a vida para nos libertar e unir a Si. Assumiu a fragilidade da nossa natureza porque, só carregando sobre Si o peso esmagador do nosso mal, Deus podia salvar-nos. Jesus usou para connosco uma com-paixão sem reservas. Foi com uma luta de morte que venceu o autor do pecado, causa do sofrimento e da morte. A sua vitória apresenta-se como uma completa derrota. Mas foi assim que nos santificou e nos reconduziu à sua própria origem, ao Pai.
    O aniquilamento de Jesus confunde-nos e interroga-nos. A indiferença não é possível. Jesus vem iluminar as nossas trevas, e introduzir-nos na verdade. Podemos rebelar-nos e tentar sufocar a sua voz com o ruído que levamos dentro de nós. Mas tamb&ea
    cute;m podemos fazer silêncio, acolher a Palavra que tem autoridade para nos libertar da nossa maldade e da nossa preguiça, porque desceu a resgatar-nos pagando as respectivas consequências. Deus tornou-se companheiro do sofrimento e da morte do homem para o conduzir, livre, à salvação, à glória, ao abraço do amor.
    A obediência ao Pai explica toda a vida de Jesus: «Pai..., Eu Te glorifiquei..., realizando a obra que Me confiaste... Consagro-Me (sacrifico-Me) por eles...» (Jo 17, 1.4.19). Faz tudo de modo tão completo e perfeito que a última palavra na cruz será: «Tudo está consumado. E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito» (Jo 19, 30).
    Por isso é que Paulo pode elevar o seu hino a Cristo: «Ele que era de condição divina não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus. Mas despojou-Se a Si mesmo tomando a condição de servo, tornando-Se semelhante aos homens. Tido pelo aspecto como homem, humilhou-Se a Si mesmo, feito obediente até à morte e morte de cruz. Por isso é que Deus O exaltou...» (Fil 2, 6-9).
    Na obediência de Jesus, observamos os seguintes aspectos fundamentais: reconhecimento de Deus-Pai como o Absoluto; comunhão profunda com o Pai de Quem tudo recebeu e a Quem tudo entrega, por amor; esta oferta, por amor, ao Pai, é também oferta por amor aos homens; é despojamento amoroso que O leva à máxima glorificação (cf. Fl 2, 9-11).
    Assim, também nós, seguindo a Cristo, e permitindo ao Espírito despojar-nos, esvaziar-nos de tudo aquilo que não é Cristo, para o transformar n´Ele, tornamo-nos participantes da perfeição de Cristo e da Sua glorificação.

    Oratio

    Senhor Jesus, manifesta em nós a tua «autoridade» a tua capacidade de nos fazer crescer. Revela-nos a tua doutrina e abre-nos o coração às Escrituras, como fizeste com os discípulos de Emaús. Desmascara o mal que ainda existe em nós. É certo que o Baptismo nos libertou do demónio. Mas ainda há em nós muita coisa má: espírito de discórdia, espírito de vã complacência, espírito de egoísmo... Que a tua presença em nós desmascare estas situações e as expulse. Que saibamos seguir-te no caminho da obediência humilde e amorosa até à Cruz, e assim participarmos também da tua glória. Amen.

    Contemplatio

    A vocação ao apostolado é um acto do beneplácito divino (Heb 5, 4). É o Pai quem separa do mundo aqueles que destina ao sacerdócio e que os dá ao Filho (Jo 17, 6). Não é o padre que escolhe Jesus; mas é Jesus Cristo quem escolhe o padre e o coloca na sua Igreja, para que aí cresça em ciência, em santidade, em zelo, e que aí produza um fruto duradouro (Jo 15, 16). Nosso Senhor reza longamente antes de chamar os seus apóstolos. Rezemos a Deus como Ele, para que envie dignos operários para a sua vinha. A vocação impõe sacrifícios. É preciso deixar tudo e tomar a sua cruz para seguir Jesus. Acontece mesmo que a vocação encontra na família oposições que é preciso vencer (Lc 14, 26). Os apóstolos deixaram tudo imediatamente para seguirem Jesus. A sua generosidade é uma garantia de salvação e de glória (2Pd 1,10). Deve fortalecer-se a própria vocação pela oração, pelo estudo da boa doutrina e pelas obras santas (2Tes 2). Estejamos nas mãos de Deus para toda a boa obra segundo a sua vontade e o seu apelo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 147).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Jesus foi coroado de glória e de honra,
    por causa da morte que sofreu» (Heb 2, 9).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Quarta-feira


    11 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 2, 14-18

    Uma vez que os filhos dos homens têm a mesma carne e o mesmo sangue, também Jesus partilhou a condição deles, a fim de destruir, pela sua morte, aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo, 15e libertar aqueles que, por medo da morte, passavam toda a vida dominados pela escravidão. 16Ele, de facto, não veio em auxílio dos anjos, mas veio em auxílio da descendência de Abraão. 17Por isso, Ele teve de assemelhar-se em tudo aos seus irmãos, para se tornar um Sumo Sacerdote misericordioso e fiel em relação a Deus, a fim de expiar os pecados do povo. 18É precisamente porque Ele mesmo sofreu e foi posto à prova, que pode socorrer os que são postos à prova.

    O autor da Carta aos Hebreus aprofunda o significado da solidariedade de Cristo connosco, explorando o âmbito da misericórdia divina. Jesus assumiu plenamente a realidade humana, marcada pela fragilidade e pela morte, por causa do pecado. Embora não tenha conhecido pecado (cf. 4, 5), Jesus tomou sobre si as consequências dele. Assim libertou a humanidade - sujeita ao domínio do demónio, artífice do pecado e da morte - não a partir de fora dela, ou do alto, mas a partir de dentro dela: uma libertação "imposta" não seria verdadeira e eficaz. O Filho, pelo contrário, tornou-se participante da nossa condição, para que pudéssemos participar da sua! Bom samaritano, inclinou-se sobre quem precisava dos seus cuidados: não os anjos, mas a raça de Abraão (v. 16), isto é, todos quantos peregrinam na fé por este vale de lágrimas.
    Uma vez que esta semelhança de Cristo connosco nos resgata do pecado, Ele cumpre perfeitamente a função sacerdotal: Ele é o verdadeiro sumo sacerdote, «misericordioso» para com os homens - de quem conhece por experiência pessoal o sofrimento - e «fiel» nas coisas que se referem a Deus, porque foi enviado pelo Pai para nossa salvação.

    Evangelho: Marcos 1, 29-39

    Naquele tempo, 29Jesus saiu da sinagoga e foi para casa de Simão e André, com Tiago e João. 30A sogra de Simão estava de cama com febre, e logo lhe falaram dela. 31Aproximando-se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los. 32À noitinha, depois do sol-pôr, trouxeram-lhe todos os enfermos e possessos, 33e a cidade inteira estava reunida junto à porta. 34Curou muitos enfermos atormentados por toda a espécie de males e expulsou muitos demónios; mas não deixava falar os demónios, porque sabiam quem Ele era. 35De madrugada, ainda escuro, levantou-se e saiu; foi para um lugar solitário e ali se pôs em oração. 36Simão e os que estavam com Ele seguiram-no. 37E, tendo-o encontrado, disseram-lhe: «Todos te procuram.» 38Mas Ele respondeu-lhes: «Vamos para outra parte, para as aldeias vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi para isso que Eu vim.» 39E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas deles e expulsando os demónios.

    A vida pública de Jesus é extremamente ocupada. Mas o Senhor não deixa de dar atenção às pessoas concretas que encontra. Para Ele, cada pessoa é única. É o que vemos no primeiro milagre, depois do primeiro exorcismo (vv. 30ss.). Rompendo com o estilo dos rabinos, na sua relação com as mulheres, o Senhor aproxima-se da sogra de Pedro, toma-a pela mão, cura-a e, maior novidade ainda, deixa-se servir por ela. A Misericórdia inverte todos os parâmetros das relações sociais. Ao aproximar-se da sogra de Pedro, «levanta-a», tomando-a pela mão. Com a ternura desse gesto, Jesus restitui-lhe a saúde, mas também a capacidade de servir, isto é, de amar com humildade. A notícia espalha-se e Jesus vê-se sobrecarregado de trabalho. Concluído o repouso sabático, rodeia-o uma multidão de carenciados. E a Misericórdia chega a todos como braço do rio de graça que Deus suscitou no mundo.
    Depois de um dia cheio de trabalho e de êxitos apostólicos, Jesus não se deixa levar pelo entusiasmo do povo, mas refugia-se no deserto para se encontrar a sós com o Pai e orar, isto é, beber, também Ele, no rio da graça do Pai, para a poder derramar sobre todos. A sua oração, solitária e prolongada, é o segredo que anima o seu ministério, porque O mantém em relação com o Pai e na fidelidade ao seu projecto. Saiu do seio do Pai para manifestar o seu rosto aos homens. Por isso, continua a sua peregrinação no meio de nós, alargando os confins do Reino e vencendo as forças do mal.

    Meditatio

    A Carta aos Hebreus afirma que Jesus é «um Sumo Sacerdote misericordioso e fiel em relação a Deus» (v. 17). É «fiel» pela relação única que existe entre Ele e Deus. É «misericordioso» para com os homens, particularmente para com os pecadores, porque veio tirar os pecados, veio dar aos homens a vitória nas provações, «porque Ele mesmo sofreu e foi posto à prova» e,por isso «pode socorrer os que são postos à prova» (v. 18). Segundo a carta aos Hebreus, o objectivo da vida de Jesus na terra é levar à perfeição, no seu coração, a abertura aos outros, a misericórdia, a união com Deus, que o torna «fiel».
    A carta aos Hebreus apresenta-nos uma nova concepção do sacerdócio. Enquanto, no Antigo Testamento, se acentuava a separação - o sacerdote era separado dos homens para estar da parte de Deus -, Jesus, Sumo Sacerdote, pôs-Se ao nosso lado, assumindo a nossa carne e o nosso sangue, com os nossos sofrimentos, as nossas provações, a nossa morte, para nos poder ajudar como somos e estamos. Ele alcança misericórdia pela sua união com Deus. É a grande revelação da Encarnação.
    O evangelho que escutamos evidencia estas duas dimensões da vida de Jesus na terra: a sua misericórdia e a sua união com Deus. Revela-se primeiro a sua misericórdia. O Senhor aproxima-se de todas as misérias, de todos os sofrimentos, para lhes levar remédio. Esse remédio começa por ser a compaixão e o interesse. Jesus deixa que os doentes lhe tomem todo o tempo: «À noitinha, depois do sol-pôr, trouxeram-lhe todos os enfermos e possessos, e a cidade inteira estava reunida junto à porta» (v. 32). Toma os doentes pela mão: é o seu corpo que comunica a cura de Deus.
    Mas Jesus também se retira do meio das multidões. Logo de madrugada, vai para «um lugar solitário» (v. 35), a fim de rezar. É a outra dimensão da sua existência humana, a busca do Pai. Ele deve tratar das coisas do Pai, deve estar unido a Deus e, por isso, reza demoradamente. Todavia, o desejo da união com Deus não Lhe impede de Se entregar aos outros. Quando vêm procurá-l´O, não diz: «deixem-me em paz, porque devo rezar». Pelo contrário ordena: «Vamos para outra parte, para as aldeias vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi para isso que Eu vim» (v. 38). A oração aumenta-Lhe a
    misericórdia e a bondade, porque vai procurá-las no coração do Pai, fonte do amor que deve transmitir aos homens.
    Tudo isto nos conforta: o Senhor está sempre perto de nós no sofrimento e nas dificuldades. Com Ele, estas situações não são obstáculo mas meios para nos unirmos cada vez mais a Ele e ao Pai, e para irmos ao encontro dos irmãos que sofrem.
    A nossa comunidade-comunhão está reunida à volta do Sumo Sacerdote, que também é vítima, Cristo Jesus. Em força do Baptismo, participamos do sacerdócio de Cristo e do Seu estado de vítima (cf. Heb 10, 14). Nós, oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus, participamos de modo especial, como testemunhas do sacerdócio e do sacrifício de Cristo na Igreja e no mundo, pelo nosso carisma e pela nossa profissão religiosa (cf. Cst 22.24).
    Cristo, sacerdote e vítima é o centro da nossa comunidade-comunhão, que nos faz sentir, segundo o desejo e a oração de Cristo uma só coisa: «que sejam uma só coisa» (Jo 17, 21), é o Espírito de amor, o Espírito Santo, que realiza a promessa de Jesus: «Ele há-de ensinar-vos todas as coisas e há-de recordar-vos tudo aquilo que eu vos disse» (Jo 14, 26); «Há-de guiar-vos para a verdade perfeita... Ele há-de glorificar-me, porque tomará do que é Meu e vo-lo anunciará» (Jo 16, 13-14).

    Oratio

    Ó Jesus, Sumo Sacerdote fiel e misericordioso, dá-me a graça de compreender que as dificuldades, que tantas vezes me fazem desanimar, são excelentes ocasiões para renovar a minha confiança, porque Tu as acompanhas com uma graça, que me permite unir-me à tua gloriosa Paixão, e me torna atento e sensível ao sofrimento dos irmãos. Faz-me compreender que, unindo-me à tua Paixão, posso ajudar os que sofrem, e ser solidário com quem está no sofrimento, e unir-me verdadeiramente a Ti, que quiseste sofrer com todos os que sofrem e com os pecadores. Amen.

    Contemplatio

    Observai também o tempo e o lugar da oração. Reza-se melhor de manhã, na calma e no silêncio. Ninguém reza com fruto senão fazendo valer os méritos de Nosso Senhor. Rezamos utilmente se nos dirigirmos ao Coração de Jesus. Apresentar o Coração de Jesus ao seu Pai, é fazer valer um talismã que é todo-poderoso. «Tudo o que pedirdes ao meu Pai em meu nome, disse Nosso Senhor, ser-vos-á concedido». Em meu nome, quer dizer «pelos meus méritos, pelo amor que meu Pai tem por mim, pela consideração que tem pelo meu Coração, pela minha oração, pelo meu amor, pelos meus sofrimentos...» Se as vossas orações concordarem com os desejos do Coração de Jesus serão vitoriosas. Marta dizia a Jesus: «Sei que tudo o que pedirdes a Deus Ele vo-lo concede». Vamos ter com Deus pelo Coração de Jesus e ao Coração de Jesus por Maria, ser-nos-ão todo-poderosos. (Leão Dehon, OSP 4, p. 70s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Jesus pode socorrer os que são postos à prova» (cf. Heb 2, 18).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Quinta-feira


    12 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Quinta-feira

    Primeira leitura: Hebreus 3, 7-14

    Irmãos, 7como diz o Espírito Santo: Hoje, se escutardes a sua voz, 8não endureçais os vossos corações, como no tempo da revolta, no dia da tentação no deserto, 9quando os vossos pais me tentaram, pondo-me à prova, depois de verem as minhas obras, 10durante quarenta anos. Por isso me indignei contra esta geração e disse: 'Erram sempre no seu coração; não conheceram os meus caminhos.' 11Assim, jurei na minha ira: 'Não entrarão no meu repouso.' 12Tende cuidado, irmãos, que não haja em nenhum de vós um coração mau, a ponto de a incredulidade o afastar do Deus vivo. 13Exortai-vos, antes, uns aos outros, cada dia, enquanto dura a proclamação do «hoje», a fim de que não se endureça nenhum de vós, enganado pelo pecado. 14De facto, tornamo-nos companheiros de Cristo, desde que mantenhamos firme até ao fim a confiança inicial.

    No texto que hoje escutamos, o autor da Carta aos Hebreus, aborda o tema da fidelidade. Cristo é fiel, é a personificação da fidelidade de Deus. Os cristãos, discípulos de Cristo, devem ser fiéis. Efectivamente, o Espírito Santo continua a falar «hoje» para nos ajudar a viver de acordo com a vontade de Deus. Mas, tal como o antigo povo de Deus, no deserto, podemos «endurecer os corações» (v. 8) e seguir caminhos errados, excluindo-nos da comunhão com Deus, isto é, do seu «repouso» (v. 11). O autor previne os destinatários da sua carta contra uma tal atitude interior. Efectivamente, «os pais» do antigo Israel, caíram na obstinação e na incredulidade, mesmo depois de terem visto as obras de Deus (cf. v. 9). Se Deus ficou desgostoso com o povo, que recebera a Lei das mãos de Moisés, quanto mais o ficará com aqueles que endurecem o coração depois de terem encontrado a Cristo, muito superior a Moisés, uma vez que é Filho de Deus. Nos últimos dias, que começaram com a vinda de Cristo, notavam-se sinais de desobediência e de incredulidade, que podiam levar à privação dos bens últimos vinculados à pessoa de Cristo. Daí a frequência do tema na catequese dos primeiros cristãos (cf. 1 Cor 10, 1s.). Os cristãos devem renovar, cada dia, a sua fidelidade, e ajudar-se uns aos outros nessa renovação.

    Evangelho: Marcos 1, 40-45

    Naquele tempo, 40um leproso veio ter com Ele, caiu de joelhos e suplicou: «Se quiseres, podes purificar-me.» 41Compadecido, Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: «Quero, fica purificado.» 42Imediatamente a lepra deixou-o, e ficou purificado. 43E logo o despediu, dizendo-lhe em tom severo: 44«Livra-te de falar disto a alguém; vai, antes, mostrar-te ao sacerdote e oferece pela tua purificação o que foi estabelecido por Moisés, a fim de lhes servir de testemunho.» 45Ele, porém, assim que se retirou, começou a proclamar e a divulgar o sucedido, a ponto de Jesus não poder entrar abertamente numa cidade; ficava fora, em lugares despovoados. E de todas as partes iam ter com Ele.

    Marcos ajuda-nos a perceber, cada vez melhor, a personalidade de Jesus. Depois de O apresentar como Aquele que anuncia e inaugura o Reino da Vida (v. 39), oferece-nos o episódio do leproso, considerado um «morto vivo», segundo a Lei, por causa do apodrecimento antecipado da sua carne. Como o contacto com os mortos tornava o homem impuro, os leprosos deviam ser afastados das povoações, excluídos da comunhão com o povo de Deus: «Impuro! Impuro!» gritava o leproso, à distância, para que ninguém dele se aproximasse (cf. Lev 13, 45).
    Mas o nosso leproso sabe que existe algo de mais sagrado que a própria Lei, e que pode confiar. Por isso, atreve-se a aproximar-se de Jesus. E Jesus, indo mais além do que a Lei, acolhe-o e toca-o com a mão (v. 41), restituindo-o à sua dignidade. As leis só obrigam na medida em que concorrem para o bem do homem. É um tema que irá repetir-se ao longo do segundo evangelho e em Paulo.
    Operada a cura, Jesus manda ao leproso que não faça publicidade dela, mas se apresente aos sacerdotes para que o reintegrem na comunidade. O objectivo da cura não era fazer publicidade apologética, mas reintegrar o marginalizado. A salvação já não se encontra na separação e na marginalização, mas na reintegração porque, com Jesus, entrou no mundo o próprio poder salvífico de Deus, que se põe do lado dos pobres e dos últimos da sociedade dos homens. A nova sociedade inaugurada por Jesus não marginaliza ninguém, não separa, não exclui, porque Jesus aboliu o sistema que separava o puro do impuro tal como o entendia o mundo judaico. O cristão é um homem livre para Deus e para os outros. A Igreja deve estar na linha da frente para que a liberdade se torne real para todos os homens.

    Meditatio

    «Hoje, se escutardes a sua voz, não endureçais os vossos corações» (v. 7-8). Tal como Israel, tal como os primeiros judeo-cristãos, também nós contemplámos as maravilhas de Deus, e também nós corremos o risco de «endurecer» os nossos corações, preferindo escutar outras vozes, que não a voz de Deus. A voz do Senhor não é, em primeiro lugar, uma voz que ordena, mas uma voz que promete. Não podemos fechar o coração às promessas de Deus, como fizeram os Israelitas quando estavam às portas de Terra prometida. Os exploradores trazem notícias sobre a prosperidade da Terra, sobre os seus habitantes e as suas cidades. Deus diz-lhe «É vossa, Eu vo-la dou!» Mas os Israelitas não quiseram escutar a voz de Deus, preferindo a voz da incredulidade: «É demasiadamente belo para ser verdade; Deus não no-la dá; não conseguiremos tomar posse dela», pensavam. Os exploradores, depois de terem descrito as maravilhas da terra, ajudaram à incredulidade do povo, afirmando: «Não podemos atacar esse povo, porque é mais forte do que nós... a terra que atravessámos para a explorar é terra que devora os seus habitantes e todo o povo que nela vimos é gente de grande estatura. Até lá vimos os gigantes, filhos de Anac, da raça dos gigantes; parecíamos gafanhotos diante deles e eles assim nos consideravam.»(Nm 13, 31ss.). O povo fiou-se mais nos exploradores do que em Deus e revoltou-se: «Antes tivéssemos morrido na terra do Egipto ou mesmo neste deserto. Porque nos fez sair o Senhor para esta terra a fim de nos matar à espada? As nossas mulheres e as nossas crianças serão humilhadas. Não nos seria melhor voltar para o Egipto?» (Nm 14, 2ss.). Deste modo, os Israelitas tentaram a Deus, irritaram-n´O com a sua incredulidade, afastaram-se d´Ele, não acreditaram na promessa.
    O autor da Carta aos Hebreus evoca estes acontecimento para nos exortar: «Tende cuidado, irmãos, que não haja em nenhum de vós um coração mau, a ponto de a incredulidade o afastar do Deus vivo. Exortai-vos, antes, uns aos outros, cada dia, enquanto dura a proclamação do «hoje», a fim de que não se endure
    ça nenhum de vós, enganado pelo pecado»(v. 12-13), isto é, por esta outra voz que sempre insinua em nós que não é possível acreditar na promessa de Deus, que é uma promessa irreal, demasiadamente difícil de realizar, que Deus não está realmente disposto a dar-nos o que está escrito no Evangelho. Efectivamente, nós somos «participantes da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho» (Ef 3, 6). Já não é Moisés que vai à nossa frente, mas Cristo. Com Ele realizamos o nosso êxodo, atravessamos o deserto e avistamos a Terra Prometida. Há que permanecer firmes na fé, para não incorrermos na ira divina e ouvirmos o terrível juramento: «Não entrarão no meu repouso» (v. 11). Esta ameaça divina é, afinal, um gesto de amor com que pretende libertar-nos de tudo aquilo que em nós é medo. As reais dificuldades da vida não devem induzir-nos à incredulidade. Pelo contrário, permaneçamos cheios de alegria e, nas dificuldades, façamos como o leproso do evangelho: aproximemo-nos do Senhor e digamos-Lhe: «Se queres, podes curar-me!» (v. 40).
    A esperança de sermos firmes na fé e na fidelidade ao Senhor e às suas promessas, baseia-se na própria fidelidade do Senhor para connosco. Toda a história da salvação está centrada na fidelidade de Deus ao Seu amor pelos homens. Em Jesus, nós contemplamos esta fidelidade encarnada, que se dá a nós até à morte de cruz (cf. Fl 2, 6-8), que se faz nosso alimento e nossa bebida na Eucaristia (cf. 1 Cor 11, 23-29) e pede a resposta da nossa fidelidade. Devemos converter-nos continuamente a esta fidelidade de amor. Deste modo, testemunhamos que Jesus é para nós «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14, 6), é a «Pedra angular» (1 Pe 2, 6) da nossa fé, é a razão de ser da nossa existência: «Para mim viver é Cristo» (Fl 1, 21), especialmente para nós Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus, «porque, com um só sacrifício (oblação), (Cristo) tornou perfeitos (como sacerdotes e vítimas) para sempre os que foram santificados» (Heb 10, 14).

    Oratio

    Senhor Jesus, venho a Ti, leproso como tantos leprosos, que, antes de mais nada, precisam de reencontrar a vontade de ser curados, a vontade de redescobrir a beleza da vida, ainda que marcada por tantos sofrimentos e provações. Vem, Salvador do mundo, suprir, com a tua firme vontade de salvação, a minha crónica indecisão. Se quiseres, podes curar-me. Toca-me apenas com a tua mão, com a tua santíssima humanidade, pronuncia a tua palavra: Quero! Sê curado! Suscita no meu coração, e em todo o meu ser, a gratidão, a alegria, o cântico da vida nova, o hino da salvação. Amen.

    Contemplatio

    O bom Salvador quis aceitar este suplício dos escravos. É a humilhação suprema. Isaías tem razão ao dizer: Já não tem beleza, é desprezado e o último dos homens; semelhante a um leproso, a um homem maldito por Deus e ferido pela Providência (Is 53,2). Como Job, está coberto de chagas dos pés à cabeça. Que mais podia fazer para se humilhar, para reparar a glória ultrajada de seu Pai? No meio de tão cruéis tormentos, que paciência! Não abre a boca, a não ser para emitir alguns gemidos queixosos. É como um carneiro que se leva ao matadouro, diz Isaías, ou como um cordeiro que se tosquia. É a paciência mesma. Muito mais, aceita o seu suplício com alegria, por causa dos efeitos que deles espera. É a glória do seu Pai que será restaurada, é a salvação dos homens, que todos pecaram pela sensualidade e pela idolatria dos seus corpos. Este suplício tinha nos desígnios de Deus uma importância particular. Era a cena da sua Paixão que deveria ser voluntariamente reproduzida pelas almas fervorosas ao longo dos séculos. Nosso Senhor entregava-se à flagelação, para que mais tarde, a seu exemplo, os fiéis se impusessem a flagelação em espírito de penitência. Não somente sofria a flagelação pela nossa salvação, mas santificava-a, fazia dela como que um acumulador de graças, que agiria até ao fim do mundo. O seu divino Coração amava este suplício reparador. Tomava a maior parte dos sofrimentos para si e merecia-nos a graça de o imitarmos um pouco. Não deixemos perder estas graças, ofereçamos a Nosso Senhor algumas penitências voluntárias em união com a sua flagelação. (Leão Dehon, OSP 3, p. 337s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, se quiseres, podes purificar-me» (Mc 1, 40).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Sexta-feira


    13 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Sexta-feira

    Primeira leitura: Hebreus 4, 1-5.11

    Irmãos, 1embora permanecendo a promessa de entrar no seu repouso, temamos que algum de vós seja considerado excluído. 2Porque, a nós como a eles, foi anunciada a Boa-Nova; porém, a eles, a palavra escutada não valeu de nada, pois não permaneceram unidos na fé aos que a tinham escutado. 3Quanto a nós, os que acreditámos, entraremos no descanso, como Ele disse: Tal como jurei na minha ira, não entrarão no meu repouso.No entanto, as suas obras estavam realizadas desde a fundação do mundo, 4pois diz-se em qualquer parte, a propósito do sétimo dia: Deus repousou no sétimo dia, de todas as suas obras; 5e ainda, neste passo: Não entrarão no meu repouso. 11Apressemo-nos, então, a entrar nesse repouso para que ninguém caia no mesmo tipo de desobediência.

    O nosso texto continua a tratar o tema da fidelidade. Enquanto dura o «hoje», há que não deixar endurecer o coração, afastando-se de Deus pela incredulidade. Este afastamento era uma tentação permanente, não só para os cristãos que tinham vindo do judaísmo, mas para todos os que tinham recebido a revelação final e a luz em Cristo e através de Cristo. Voltar à incredulidade equivalia a quebrar relações com Deus, a pecar contra a luz (cf. 6, 4-6), a recusar percorrer o único caminho que pode levar à luz e à vida, ao «repouso» de Deus (v. 5). A promessa feita a Israel continua válida para os crentes em Cristo, mas a «boa nova» anunciada por Deus deve ser acolhida na fé. Este acolhimento é uma opção dinâmica que exige compromisso perseverante, a nível pessoal, uma vez que a fé na Palavra é sempre inovada e traduzida na vivência pessoal (v. 3), mas também a nível eclesial, porque é na comunidade dos crentes que a Palavra é transmitida. Se assim for, o povo de Deus pode caminhar na unidade rumo à meta indicada pelo Senhor.

    Evangelho: Marcos 2, 1-12

    Dias depois, tendo Jesus voltado a Cafarnaúm, ouviu-se dizer que estava em casa. 2Juntou-se tanta gente que nem mesmo à volta da porta havia lugar, e anunciava-lhes a Palavra. 3Vieram, então, trazer-lhe um paralítico, transportado por quatro homens. 4Como não podiam aproximar-se por causa da multidão, descobriram o tecto no sítio onde Ele estava, fizeram uma abertura e desceram o catre em que jazia o paralítico. 5Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: «Filho, os teus pecados estão perdoados.» 6Ora estavam lá sentados alguns doutores da Lei que discorriam em seus corações: 7«Porque fala este assim? Blasfema! Quem pode perdoar pecados senão Deus?» 8Jesus percebeu logo, em seu íntimo, que eles assim discorriam; e disse-lhes: «Porque discorreis assim em vossos corações? 9Que é mais fácil? Dizer ao paralítico: 'Os teus pecados estão perdoados', ou dizer: 'Levanta-te, pega no teu catre e anda'? 10Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados, 11Eu te ordeno - disse ao paralítico: levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa.» 12Ele levantou-se e, pegando logo no catre, saiu à vista de todos, de modo que todos se maravilhavam e glorificavam a Deus, dizendo: «Nunca vimos coisa assim!»

    A «palavra», em Jesus, consiste em «falar» e em «fazer». As curas que realiza são «palavra». Marcos, depois de nos dizer que Jesus «anunciava a palavra» (v. 2), oferece-nos um exemplo concreto da sua «palavra actuante».
    Quatro homens conduzem a Jesus um paralítico. Esta iniciativa contrasta com o imobilismo dos escribas «sentados», a tentarem surpreender Jesus em alguma palavra ou gesto contra a Lei. O foco da narrativa que ouvimos está nas palavras: «para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados...». O milagre confirma a palavra de Jesus, o seu poder de reconciliação dos homens com Deus. A atenção é deslocada de um mal físico para um mal mais profundo, o pecado, que paralisa o homem, impedindo-o de avançar segundo o projecto de Deus. Os escribas compreendem o alcance das palavras de Jesus. Mas não estão dispostos a aceitar uma tal «blasfémia», porque só Deus pode perdoar os pecados. Jesus reage reforçando a sua afirmação: «Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados, Eu te ordeno: levanta-te» (vv. 10-11). O milagre é sinal do poder de Jesus.
    A cura do paralítico é uma síntese da palavra pregada por Jesus. O reino de Deus está próximo, porque Deus decidiu oferecer o seu perdão aos homens, em Jesus. Esse perdão introduz o homem todo, corpo e espírito, na salvação. Mas, como pode aproximar-se de Jesus quem está amarrado por «laços de morte» (Sl 114, 3)? Só com a ajuda de outros que, salvos pela misericórdia de Deus, se dispõem a ajudar os irmãos.

    Meditatio

    A fé é um caminho para o repouso de Deus. É talvez um caminho difícil. Percorremo-lo no deserto. Mas a Terra Prometida está diante de nós. Há que enfrentar o cansaço e o sofrimento, sem desanimar. Espera-nos o Coração de Deus, onde encontrará repouso o nosso próprio coração.
    Mas tudo isto não é só futuro. Os que acreditamos, podemos entrar, desde já, no repouso de Deus (cf. v. 3): «Nessa esperança temos como que uma âncora segura e firme da alma, que penetra até ao interior do véu», diz ainda o autor da Carta aos Hebreus (6, 19). A «âncora segura» é a fé. Temos a esperança de que havemos de ser recompensados pelos nossos esforços de fidelidade, mas, na fé, vemos, já agora, os dons de Deus. O cristão sabe que, no meio das dificuldades, das preocupações, dos sofrimentos da vida, Deus nos convida a «entrar no seu repouso», a estar com Ele em paz, tranquilos e alegres.
    O evangelho mostra-nos a eficácia imediata da fé: «Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: «Filho, os teus pecados estão perdoados» (v. 5). O Senhor não disse: «serão perdoados», mas «estão perdoados», por causa da fé daqueles homens. A fé alcança o dom de Deus, mesmo que as circunstâncias pareçam contrárias. A fé é posse antecipada das coisas que se esperam.
    Também nós, tantas vezes, paralíticos do espírito, inertes aos estímulos da graça ou amarrados por compromissos stressantes, talvez assumidos para encher, pelo activismo, o nosso vazio interior, nos sentimos incapazes de dar um passo em frente. Mas a Palavra de Deus encoraja-nos a permanecer unidos às testemunhas da fé, e a deixar-nos conduzir na obediência. A confiança na comunhão eclesial é já um passo, muito importante, no caminho da fé. Ainda que nos sintamos impotentes, amarrados pelos laços do pecado, a Palavra de Deus mostra-nos como é decisivo de
    ixar-nos conduzir a Cristo pela fé dos irmãos. A experiência do perdão vai repor-nos em marcha.
    Quando celebramos a Eucaristia, escutamos as palavras: «Felizes os convidados para a ceia do Senhor». A ceia do Senhor, em certo sentido, está no futuro, é o banquete celeste. Mas noutro sentido, em cada eucaristia, já participamos na fé nesse banquete celeste, no amor de Deus, na paz de Deus. Em cada momento e em cada situação do nosso dia, podemos escutar o convite do Senhor: «Entra no meu repouso». E é sempre possível entrar nesse repouso. No episódio dos três jovens lançados à fornalha ardente (Dn 3, 1ss), diz-se que, por entre as chamas, soprava «uma brisa matinal» (Dn 3, 50) e que, no martírio, estavam como que no céu. Por isso, cantavam: «Bendito e louvado sejas, Senhor, Deus dos nossos pais! Que o teu nome seja glorificado pelos séculos!» (Dn 3, 28).

    Oratio

    Senhor Jesus, obrigado por teres sido solidário com a minha miséria. Obrigado pelo olhar misericordioso que lançaste sobre mim, paralisado no meu pecado. Obrigado pela palavra que eu não procurava, mas me quiseste dirigir para me reconduzires à vida: «Filho, os teus pecados estão perdoados» (v. 5). Obrigado pela liberdade nova, que desfez as cadeias que mantinham inerte o meu coração e me deu um impulso antes desconhecido. Obrigado pela alegria da fé que suscitaste em mim. Obrigado pela solidariedade dos irmãos que me conduziram até junto de Ti. Ensina-me a ser também solidário com todos os pecadores, para que Te cheguem a Ti e encontrem a misericórdia, o amor, a vida em abundância e em paz. Amen.

    Contemplatio

    «Se alguém me ama e guarda a minha palavra, diz ainda Nosso Senhor, meu Pai amá-lo-á e faremos nele a nossa morada... Aquele que me ama e que o prova observando os meus mandamentos, será amado por meu Pai, e eu amá-lo-ei e manifestar-me-ei a ele... E então compreendereis que estou em meu Pai, e sentireis que estou em vós e vós em mim». Ó admirável união! «Estareis unidos a mim, diz Nosso Senhor, pela vida da graça, pelos sentimentos do coração e pelo acordo das vontades... Estarei unido a vós pela influência das minhas luzes e das minhas direcções, pela consolação da minha presença sensível e do meu amor». Posso, portanto, viver no Coração de Jesus e Jesus quer viver no meu coração: «Vós em mim e eu em vós», diz-nos. Ó divino Coração de Jesus, sede daqui em diante a minha morada. Em vós rezarei eficazmente, em vós pedirei conselho sem medo de me enganar, em vós contemplarei o modelo de todas as virtudes. Sei o meio de habitar em vós, é conformar-me à minha regra e a todas as vossas vontades. Agora, posso dizer com David: «Como são amáveis os vossos tabernáculos, ó meu Deus!... Um dia de repouso e de vida sobrenatural na vossa casa, isto é, no vosso Coração, vale mais que mil anos passados entre os pecadores». (Leão Dehon, OSP 3, p. 452).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Os que acreditámos, entraremos no descanso» (Heb 4, 3).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Sábado


    14 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - I Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 4, 12-16

    Irmãos, a palavra de Deus é viva, eficaz e mais afiada que uma espada de dois gumes; penetra até à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os sentimentos e intenções do coração. 13Não há nenhuma criatura oculta diante dele, mas todas as coisas estão a nu e a descoberto aos olhos daquele a quem devemos prestar contas.14Uma vez que temos um grande Sumo Sacerdote que atravessou os céus, Jesus, o Filho de Deus, conservemos firme a fé que professamos. 15De facto, não temos um Sumo Sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, pois Ele foi provado em tudo como nós, excepto no pecado. 16Aproximemo-nos, então, com grande confiança, do trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e encontrar graça para uma ajuda oportuna.

    O texto apresenta-nos duas considerações. Depois de ter prometido o «repouso», para os que forem fiéis, o autor apresenta-nos a garantia de que essa promessa irá realizar-se. Essa garantia é a Palavra de Deus, «viva e eficaz» (v. 12), porque o próprio Deus está operante nela. A presença e a acção de Deus na Palavra, torna-a penetrante, capaz de conhecer os mais recônditos segredos do coração humano. Mesmo quando pretendemos enganar-nos a nós mesmos, e aos outros, Deus não se deixa enganar. A Palavra de Deus tem poder para nos desmascarar e iluminar, para que, «vendo-nos» com o próprio olhar do Senhor, possamos «re-ver-nos», porque a Ele «devemos prestar contas» (v. 13).
    Depois desta primeira consideração, o autor retoma o tema de Jesus «Sumo Sacerdote misericordioso» (v. 14), a que já acenou em 2, 17s. Até agora, o autor explicou o alcance do termo «misericordioso». Agora prepara novos desenvolvimentos sobre o sacerdócio de Cristo.
    Estas duas considerações referem-se a uma só mensagem: somos chamados a caminhar com santo temor orientados pela Palavra de Deus, e, ao mesmo tempo, com total confiança, pois Cristo, constituído sacerdote em nosso favor, experimentou a nossa fragilidade e pode compadecer-se plenamente connosco. Por isso, conscientes da nossa fragilidade e do nosso pecado, podemos aproximar-nos com grande confiança do «trono da graça» (v. 16).

    Evangelho: Marcos 2, 13-17

    Naquele tempo, 13Jesus saiu de novo para a beira-mar. Toda a multidão ia ao seu encontro, e Ele ensinava-os. 14Ao passar, viu Levi, filho de Alfeu, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me.» E, levantando-se, ele seguiu Jesus. 15Depois, quando se encontrava à mesa em casa dele, muitos cobradores de impostos e pecadores também se puseram à mesma mesa com Jesus e os seus discípulos, pois eram muitos os que o seguiam. 16Mas os doutores da Lei do partido dos fariseus, vendo-o comer com pecadores e cobradores de impostos, disseram aos discípulos: «Porque é que Ele come com cobradores de impostos e pecadores?» 17Jesus ouviu isto e respondeu: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.»

    Jesus vem arrancar o homem do mal, do pecado, como vimos nos episódios precedentes. A perícopa de hoje mostra-nos a perfeita liberdade com que Jesus se conduz e age, e pode partilhar connosco. O mestre dá atenção à «gente» (´am há-rets, em hebraico), isto é, aqueles que não observavam a Lei segundo a interpretação rigorista, o que chocava os mestres de Israel. Estes chamavam «pecadores» a essa «gente» não só devido a eventuais culpas morais, mas também pelo facto de não observarem rigorosamente a Lei e os costumes dos fariseus. Nesse sentido, também Jesus era um «pecador»: não obrigava os discípulos aos rituais de purificação antes das refeições (7, 1-5) e recusava a casuística farisaica sobre o sábado (2, 23-28).
    Levi, «sentado no posto de cobrança» (v. 14) a cumprir o seu odioso ofício, é considerado pecador, porque se contamina no contacto com os pagãos. Jesus, não tendo em conta a contaminação ritual, partilha com ele a refeição, símbolo de comunhão de vida. A sua «excessiva» liberdade choca os guardiães de Lei. Mas Jesus não pretende justificar a transgressão da Lei. Apenas quer partilhar a vida com quem ainda não se decidiu por romper com o pecado, para lhe dar a força e a graça de fazer essa opção. É por isso que vai ao encontro do homem onde ele se encontra, fazendo-se próximo, irmão, comensal com os pecadores. Aqueles que se sentem justos não compreendem que o médico divino se ponha ao serviço dos irmãos doentes e derrame misericórdia sobre os miseráveis. A maior doença do homem é, sem dúvida, o pecado. Por isso, é que Jesus vai ao encontro dos pecadores.

    Meditatio

    A mensagem da liturgia hodierna pode resumir-se em duas ou três palavras: verdade e misericórdia, que levam à liberdade. «A palavra de Deus é viva, eficaz», diz-nos o autor da Carta aos Hebreus. Essa palavra é Jesus, que conhece o mais íntimo do nosso coração, e nos convida: «Segue-me!». A sua palavra é «mais afiada que uma espada de dois gumes» porque, com a verdade, penetra a nossa mentira e com a misericórdia corta o nosso orgulho. Na verdade, Jesus faz-nos tomar consciência da nossa condição de pecadores, mas, logo de seguida, envolve-nos no manto da sua compaixão, reveste-nos de santidade. Quantas vezes nos sentimos amarrados por maus hábitos e por inclinações para o mal, que não queremos admitir ou travestimos de virtudes. Podemos mentir a nós mesmos, e aos outros, mas não mentimos ao Senhor, a quem deveremos «prestar contas» (v. 13). Todavia, o juiz verdadeiro vem sentar-se à mesa connosco. Se Lhe quisermos abrir o coração e a casa, a sua liberdade liberta-nos, a sua plenitude de vida fará de nós ressuscitados, a sua amizade tornar-se-à em nós fonte de alegria para muitos.
    Aproximemo-nos, então, com grande confiança, do trono da graça»(v. 16), onde Cristo está sentado junto ao Pai e nos prepara um lugar, pois nos quer participantes no banquete eterno, na festa da misericórdia. O Médico encarregou-se das nossas enfermidades, e «pelas suas chagas fomos curados» (Is 52, 5). Para isso, aceita aproximar-se dos pecadores e comer com eles, enfrentado as duras críticas dos fariseus e dos escribas. A autoridade, que Lhe vem do facto de ser «um grande Sumo Sacerdote que atravessou os céus» (v. 14), é posta ao serviço dos pecadores. Os fariseus não recorriam à misericórdia de Jesus porque julgavam não precisar dela. Mas nós, cristãos, reconhecemos essa necessidade e, por isso, aproximamo-nos d´Ele para alcançarmos «misericórdia e encontrar graça para uma ajuda oportuna» (v. 16). O Pe. Dehon recebeu o dom e a graça de fazer esta experiência de mi
    sericórdia e de graça, alcançada no Coração de Jesus. Dessa experiência nasceu um típico estilo de vida dehoniano. Devemos reflectir frequentemente sobre ele e converter-nos sempre a ele, para também nós experimentarmos essa misericórdia e essa graça, e as podermos partilhar com os irmãos pecadores.

    Oratio

    Senhor, ilumina o meu coração com a tua Palavra. Penetra as profundidades do meu ser. Põe à luz da minha consciência a minha realidade mais profunda de pecador, que tantas vezes procuro ignorar ou camuflar. Passa pela minha vida e olha-me sentado, amarrado aos meus interesses egoístas. Se não me despertares, se não me atraíres para Ti, não sairei desta situação. Arranca-me das insídias do Mal. Vem partilhar a mesa do meu dia a dia e dá-me confiança. Lembra-me que intercedes por mim diante do Pai e que, um dia, serei chamado a sentar-me Contigo no banquete eterno, festa dos pecadores perdoados, festa do Amor que salva. Amen.

    Contemplatio

    O que há nesta tropa que avança contra Jesus Cristo? Há, em primeiro lugar, soldados romanos, archeiros. Obedecem cega e brutalmente às ordens que lhes são dadas. Não compreendem todo o carácter odioso nem prevêem as consequências. Estão impressionados pelo carácter insólito desta prisão. Há lacaios dos fariseus, excitados pelos seus mestres e que vão por causa de um salário. Há também alguns bandidos para o que for preciso, recrutados pelos sectários. Por trás deles, caminham vergonhosamente alguns sacerdotes e fariseus, os mais rancorosos, os cabecilhas, que estão lá para encorajar e apoiar todo o bando. Jesus Cristo encontra sempre os mesmos inimigos: o ódio sectário, os inconscientes e a turba imoral. O Coração de Jesus é mesmo assim misericordioso para com todos. Quer deixar no seu coração uma semente de conversão. Derruba os soldados, mas levanta-os e impede-os de fazer violência aos apóstolos. Proíbe a estes servir-se das suas armas e cura Malco. Não é os soldados que ele repreende, mas os seus cabecilhas, os sacerdotes e os fariseus. Entrega-se nas mãos dos soldados e dos guardas, como um cordeiro sem defesa. A sua doçura deveria desarmá-los. Recordar-se-ão mais tarde e alguns sem dúvida estarão entre os convertidos, como o centurião do calvário. (Leão Dehon, OSP 3, p. 283s).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Aproximemo-nos confiantes do trono da graça» (Heb 4, 16).

  • 02º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    02º Domingo do Tempo Comum - Ano A


    15 de Janeiro, 2023

    ANO A
    2º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 2º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo coloca a questão da vocação; e convida-nos a situá-la no contexto do projecto de Deus para os homens e para o mundo. Deus tem um projecto de vida plena para oferecer aos homens; e elege pessoas para serem testemunhas desse projecto na história e no tempo.
    A primeira leitura apresenta-nos uma personagem misteriosa - Servo de Jahwéh - a quem Deus elegeu desde o seio materno, para que fosse um sinal no mundo e levasse aos povos de toda a terra a Boa Nova do projecto libertador de Deus.
    A segunda leitura apresenta-nos um "chamado" (Paulo) a recordar aos cristãos da cidade grega de Corinto que todos eles são "chamados à santidade" - isto é, são chamados por Deus a viver realmente comprometidos com os valores do Reino.
    O Evangelho apresenta-nos Jesus, "o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo". Ele é o Deus que veio ao nosso encontro, investido de uma missão pelo Pai; e essa missão consiste em libertar os homens do "pecado" que oprime e não deixa ter acesso à vida plena.

    LEITURA I - Is 49,3.5-6

    Leitura do Livro de Isaías

    Disse-me o Senhor:
    «Tu és o meu servo, Israel,
    por quem manifestarei a minha glória».
    E agora o Senhor falou-me,
    Ele que me formou desde o seio materno,
    para fazer de mim o seu servo,
    a fim de lhe reconduzir Jacob e reunir Israel junto d'Ele.
    Eu tenho merecimento aos olhos do Senhor
    e Deus é a minha força.
    Ele disse-me então:
    «Não basta que sejas meu servo,
    para restaurares as tribos de Jacob
    e reconduzires os sobreviventes de Israel.
    Vou fazer de ti a luz das nações,
    para que a minha salvação chegue até aos confins da terra».

    AMBIENTE

    O Deutero-Isaías (o autor do texto que nos é hoje proposto e que mais uma vez nos aparece como veículo da Palavra de Deus) é um profeta da época do exílio, que desenvolveu o seu ministério na Babilónia, entre os exilados (como, aliás, já dissemos no passado domingo). A sua mensagem - de consolação e de esperança - aparece nos capítulos 40-55 do Livro de Isaías.
    Contudo, há nesses capítulos quatro textos (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que se distinguem - quer em termos literários, quer em termos temáticos - do resto da mensagem... São os quatro cânticos do Servo de Jahwéh. Apresentam um misterioso servo de Deus, a quem Jahwéh confiou uma missão. A missão do Servo cumpre-se no sofrimento e no meio das perseguições; mas do sofrimento do Servo resultará a redenção para o Povo. No fim, o Servo será recompensado por Jahwéh e será exaltado.
    A primeira leitura de hoje propõe-nos parte do segundo cântico do Servo de Jahwéh. Aqui, esse Servo é explicitamente identificado com Israel (embora alguns autores suponham que a determinação "Israel" não é original no texto e que foi aqui acrescentada como uma interpretação): seria a figura do Povo de Deus, chamado a ser testemunha de Jahwéh no meio dos outros povos.

    MENSAGEM

    O nosso texto apresenta-se como uma declaração solene do Servo (Israel) "às ilhas" e "às cidades longínquas" (vers. 1).
    Na sua declaração, o Servo manifesta, em primeiro lugar, a consciência da eleição: ele foi escolhido por Deus desde o seio materno (vers. 5a.b). A expressão põe em relevo a origem de toda a vocação profética: é Deus que escolhe, que chama, que envia. Referindo-se a Israel, a expressão faz alusão às origens do Povo, à eleição e à aliança: Israel existe porque Deus o escolheu entre todos os povos, revelou-lhe o seu rosto, constituiu-o como Povo, libertou-o da escravidão, conduziu-o através do deserto e estabeleceu com ele uma relação especial de comunhão e de aliança.
    A eleição e a aliança pressupõem, contudo, a missão e o testemunho. A missão deste Servo a quem Deus chamou é, em primeiro lugar, "reconduzir Jacob e reunir Israel" a Jahwéh (vers. 5c.d). Aqui faz-se referência, provavelmente, ao regresso do Povo à órbita da aliança (considerada rompida pelo pecado do Povo), à reunião de todos os exilados e ao regresso à Terra Prometida.
    A missão do Servo é, depois, ampliada "às nações" (vers. 6): Israel deve dar testemunho da salvação de Deus, de forma a que a proposta salvadora e libertadora chegue, por intermédio do Servo/Povo aos homens e mulheres de toda a terra. Não deixa de impressionar a grandiosidade da missão confiada, em contraste com a situação de opressão, de apagamento, de fragilidade em que vivem os exilados... Aqui afirma-se o jeito de Deus, que age no mundo, salva e liberta recorrendo a instrumentos frágeis e indignos.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão e partilha, podem ser considerados os seguintes elementos:

    • A leitura propõe à nossa reflexão esse tema sempre pessoal, mas sempre enigmático que é a vocação. Somos convidados, na sequência, a tomar consciência da vocação a que somos chamados e das suas implicações. Não se trata de uma questão que apenas atinge e empenha algumas pessoas especiais, com um lugar à parte na comunidade eclesial (os padres, as freiras...); mas trata-se de um desafio que Deus faz a cada um dos seus filhos, que a todos implica e que a todos empenha.

    • A figura do Servo de Jahwéh convida-nos, em primeiro lugar, a tomar consciência de que na origem da vocação está Deus: é Ele que elege, que chama e que confia a cada um uma missão. A nossa vocação é sempre algo que tem origem em Deus e que só se entende à luz de Deus. Temos consciência de que somos escolhidos por Deus desde o seio materno, isto é, desde o primeiro instante da nossa existência? Temos consciência de que é Deus que alimenta a nossa vocação e o nosso compromisso no mundo? Temos consciência de que só a partir de Deus a nossa vocação faz sentido e o nosso empenhamento se entende? Temos consciência de que a vocação implica uma relação de comunhão, de intimidade, de proximidade com Deus?

    • A vocação não se esgota, contudo, na aproximação do homem a Deus, mas é sempre em ordem a um testemunho e a uma intervenção no mundo (mesmo que se trate de uma vocação contemplativa). O homem chamado por Deus é sempre um homem que testemunha e que é um sinal vivo de Deus, dos seus valores e das suas propostas diante dos outros homens. Sinto que a minha vocação se realiza no testemunho da salvação e da libertação de Deus aos meus irmãos? A vocação a q
    ue Deus me chama leva-me a ser uma luz de esperança no mundo? A salvação de Deus atinge o mundo e torna-se uma realidade concreta no meu testemunho e no meu ministério?

    • Ao reflectirmos na lógica da vocação, é preciso estarmos cientes de que toda a vocação tem origem em Deus, é alimentada por Deus, e de que Deus se serve, muitas vezes, da nossa fragilidade, caducidade e indignidade para actuar no mundo. Aquilo que fazemos de bom e de bonito não resulta, portanto, das nossas forças ou das nossas qualidades, mas de Deus. O coração do profeta não tem, portanto, qualquer razão para se encher de orgulho, de vaidade e de auto-suficiência: convém ter consciência de que por detrás de tudo está Deus, e que só Deus é capaz de transformar o mundo, a partir dos nossos pobres gestos e das nossas frágeis forças.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 39(40)

    Refrão: Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade.

    Esperei no senhor com toda a confiança
    e Ele atendeu-me.
    Pôs em meus lábios um cântico novo,
    um hino de louvor ao nosso Deus.

    Não Vos agradaram sacrifícios nem oblações,
    mas abristes-me os ouvidos;
    não pedistes holocaustos nem expiações,
    então clamei: «Aqui estou».

    «De mim está escrito no livro da Lei
    que faça a vossa vontade.
    Assim o quero, ó meu Deus,
    a vossa lei está no meu coração».

    Proclamei a justiça na grande assembleia,
    não fechei os meus lábios, Senhor, bem o sabeis.
    Não escondi a vossa justiça no fundo do coração,
    proclamei a vossa fidelidade e salvação.

    LEITURA II - 1 Cor 1,1-3

    Início da primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Paulo, por vontade de Deus
    escolhido para Apóstolo de Cristo Jesus
    e o irmão Sóstenes,
    à Igreja de Deus que está em Corinto,
    aos que foram santificados em Cristo Jesus,
    chamados à santidade,
    com todos os que invocam, em qualquer lugar,
    o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso:
    A graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo
    estejam convosco.

    AMBIENTE

    Nos próximos seis domingos, a liturgia vai propor-nos a leitura da primeira carta de Paulo aos cristãos da comunidade de Corinto. Para entendermos cabalmente a mensagem, convém determo-nos um pouco sobre o ambiente em que o texto nos situa.
    No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca 18 meses (anos 50-52). De acordo com Act 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos. No sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; Act 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho. Mas não tardou a entrar em conflito com os judeus e foi expulso da sinagoga.
    Corinto era uma cidade nova e muito próspera. Servida por dois portos de mar, possuía as características típicas das cidades marítimas: população de todas as raças e de todas as religiões. Era a cidade do desregramento para todos os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo, ávidos de prazer, após meses de navegação. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.
    Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maior parte dos membros da comunidade eram de origem grega, embora em geral, de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. Act 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13).
    De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10).
    Tratava-se de uma comunidade forte e vigorosa, mas que mergulhava as suas raízes em terreno adverso. Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.

    MENSAGEM

    Paulo começa esta carta com a saudação e a acção de graças, típicas das cartas paulinas. Na saudação, carregada de conteúdo teológico, Paulo reivindica a sua condição de escolhido por Deus (de apóstolo), sugerindo que está revestido de autoridade para proclamar com plena garantia o Evangelho. Esta reivindicação sugere que, no contexto coríntio, havia quem punha em causa a sua autoridade apostólica e o seu testemunho. Os destinatários da carta são, evidentemente, os membros da comunidade cristã de Corinto; no entanto, a mensagem serve para os cristãos de todas as épocas e de todas as latitudes.
    Neste parágrafo inicial, o vocábulo chamado assume um lugar especial: Paulo foi chamado por Deus a ser apóstolo e os coríntios são uma comunidade de chamados à santidade. Transparece aqui, como na primeira leitura, a convicção de que Deus tem um projecto para os homens e para o mundo e que todos - quer Paulo, quer os cristãos de Corinto, são chamados a um compromisso efectivo com esse projecto.
    O que é que significa ser chamado à santidade? No contexto paulino, os santos são todos aqueles que acolheram a proposta libertadora de Jesus e aceitaram os valores do Evangelho. Os "santos" são os "separados": os coríntios são "santos" porque, ao aceitar a proposta de Jesus, escolheram viver "separados" do mundo. "Separados" não significa "alheados"; mas significa viver de acordo com valores e esquemas diferentes dos valores e esquemas consagrados pelo mundo.
    A palavra "klêtos" ("chamado"), aqui usada, supõe Deus como sujeito: foi Deus que chamou Paulo; é Deus que chama os coríntios. Mais uma vez fica claro que o chamamento provém da iniciativa divina e que só se compreende a partir de Deus e à luz da acção de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir dos seguintes dados:

    • Deus chama os homens e as mulheres à santidade. Tenho consciência do apelo que Deus, nesta linha, me faz também a mim? Estou disponível e bem disposto para aceitar esse desafio?

    • Realizar a vocação à santidade não implica seguir caminhos impossíveis de ascese, de privação, de sacrifício; mas significa, sobretudo, acolher a proposta libertadora que Deus oferece em Jesus e viver d
    e acordo com os valores do Reino. É dessa forma que concretizo a minha vocação à santidade? Tenho a coragem de viver e de testemunhar, com radicalidade, os valores do Evangelho, mesmo quando a moda, o orgulho, a preguiça, os interesses financeiros, o "politicamente correcto", a opinião dominante me impõem outras perspectivas?

    • Convém ter sempre presente que a Igreja, a comunidade dos "chamados à santidade", é constituída por "todos os que invocam, em qualquer lugar, o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo". É importante termos consciência de que, para além da cor da pele, das diferenças sociais, das distâncias sociais ou culturais, das perspectivas diferentes sobre as questões secundárias da vivência da religião, o essencial é aquilo que nos une e nos faz irmãos: Jesus Cristo e o reconhecimento de que Ele é o Senhor que nos conduz pela história e nos oferece a salvação.

    ALELUIA - Jo 1,14a.12a

    Aleluia. Aleluia.

    O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós.
    Àqueles que O receberam
    deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.

    EVANGELHO - Jo 1,29-34

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    João Baptista viu Jesus, que vinha ao seu encontro,
    e exclamou:
    «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.
    Era d'Ele que eu dizia:
    "Depois de mim virá um homem,
    que passou à minha frente, porque existia antes de mim".
    Eu não O conhecia,
    mas para Ele Se manifestar a Israel
    é que eu vim baptizar em água».
    João deu mais este testemunho:
    «Eu vi o Espírito Santo
    descer do Céu como uma pomba e repousar sobre Ele.
    Eu não O conhecia,
    mas quem me enviou a baptizar em água é que me disse:
    "Aquele sobre quem vires o Espírito Santo descer e repousar
    é que baptiza no Espírito Santo".
    Ora eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus».

    AMBIENTE

    A perícopa que nos é proposta integra a secção introdutória do Quarto Evangelho (cf. Jo 1,19-3,36). Aí o autor, com consumada mestria, procura responder à questão: "quem é Jesus?"
    João dispõe as peças num enquadramento cénico. As diversas personagens que vão entrando no palco procuram apresentar Jesus. Um a um, os actores chamados ao palco por João vão fazendo afirmações carregadas de significado teológico sobre Jesus. O quadro final que resulta destas diversas intervenções apresenta Jesus como o Messias, Filho de Deus, que possui o Espírito e que veio ao encontro dos homens para fazer aparecer o Homem Novo, nascido da água e do Espírito.
    João Baptista, o profeta/percursor do Messias, desempenha aqui um papel especial na apresentação de Jesus (o seu testemunho aparece no início e no fim da secção - cf. Jo 1,19-37; 3,22-36). Ele vai definir aquele que chega e apresentá-lo aos homens. Ao não assinalar-se o auditório, sugere-se que o testemunho de João é perene, dirigido aos homens de todos os tempos e com eco permanente na comunidade cristã.

    MENSAGEM

    João é, portanto, o apresentador oficial de Jesus. De que forma e em que termos o vai apresentar?
    A catequese sobre Jesus que aqui é feita expressa-se através de duas afirmações com um profundo impacto teológico: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; e é o Filho de Deus que possui a plenitude do Espírito.
    A primeira afirmação ("o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" - Jo 1,29) evoca, provavelmente, duas imagens tradicionais extremamente sugestivas. Por um lado, evoca a imagem do "servo sofredor", o cordeiro levado para o matadouro, que assume os pecados do seu Povo e realiza a expiação (cf. Is 52,13-53,12); por outro lado, evoca a imagem do cordeiro pascal, símbolo da acção libertadora de Deus em favor de Israel (cf. Ex 12,1-28). Qualquer uma destas imagens sugere que a pessoa de Jesus está ligada à libertação dos homens.
    A ideia é, aliás, explicitada pela definição da missão de Jesus: Ele veio para tirar ("eliminar") "o pecado do mundo". A palavra "pecado" aparece, aqui, no singular: não designa os "pecados" dos homens, mas um "pecado" único que oprime a humanidade inteira; esse "pecado" parece ter a ver, no contexto da catequese joânica, com a recusa da proposta de vida com que Deus, desde sempre, quis presentear a humanidade (é dessa recusa que resulta o pecado histórico, que desfeia o mundo e que oprime os homens). O "mundo" designa, neste contexto, a humanidade que resiste à salvação, reduzida à escravidão e que recusa a luz/vida que Jesus lhe pretende oferecer... Deus propôs-se tirar a humanidade da situação de escravidão em que esta se encontra; enviou ao mundo Jesus, com a missão de realizar um novo êxodo, que leve os homens da terra da escravidão para a terra da liberdade.
    A segunda afirmação (o "Filho de Deus" que possui a plenitude do Espírito Santo e que baptiza no Espírito - cf. Jo 1,32-34) completa a anterior. Há aqui vários elementos bem sugestivos: o "cordeiro" é o Filho de Deus; Ele recebeu a plenitude do Espírito; e tem por missão baptizar os homens no Espírito.
    Dizer que Jesus é o Filho de Deus é dizer que Ele é o Deus que se faz pessoa, que vem ao encontro dos homens, que monta a sua tenda no meio dos homens, a fim de lhes oferecer a plenitude da vida divina. A sua missão consiste em eliminar "o pecado" que torna o homem escravo e que o impede de abrir o coração a Deus.
    Dizer que o Espírito desce sobre Jesus e permanece sobre Ele sugere que Jesus possui definitivamente a plenitude da vida de Deus, toda a sua riqueza, todo o seu amor. Por outro lado, a descida do Espírito sobre Jesus é a sua investidura messiânica, a sua unção ("messias" = "ungido"). O quadro leva-nos aos textos do Deutero-Isaías, onde o "Servo" aparece como o eleito de Jahwéh, sobre quem Deus derramou o seu Espírito (cf. Is 42,1), a quem ungiu e a quem enviou para "anunciar a Boa Nova aos pobres, para curar os corações destroçados, para proclamar a libertação aos cativos, para anunciar aos prisioneiros a liberdade" (Is 61,1-2).
    Jesus é, finalmente, aquele que baptiza no Espírito Santo. O verbo "baptizar" aqui utilizado tem, em grego, duas traduções: "submergir" e "empapar (como a chuva empapa a terra)"; refere-se, em qualquer caso, a um contacto total entre a água e o sujeito. "Baptizar no Espírito" significa, portanto, um contacto total entre o Espírito e o homem, uma chuva de Espírito que cai sobre o homem e lhe empapa o coração. A missão de Jesus consiste, portanto, em derramar o Espírito sobre o
    homem; e o homem que adere a Jesus, "empapado" do Espírito e transformado por essa fonte de vida que é o Espírito, abandona a experiência da escuridão ("o pecado") e alcança o seu pleno desenvolvimento, a plenitude da vida.
    A declaração de João convida os homens de todas as épocas a voltarem-se para Jesus e a acolherem a proposta libertadora que, em nome de Deus, Ele faz: só a partir do encontro com Jesus será possível chegar à vida plena, à meta final do Homem Novo.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pessoal e comunitária pode tocar os seguintes pontos:

    • Em primeiro lugar, importa termos consciência de que Deus tem um projecto de salvação para o mundo e para os homens. A história humana não é, portanto, uma história de fracasso, de caminhada sem sentido para um beco sem saída; mas é uma história onde é preciso ver Deus a conduzir o homem pela mão e a apontar-lhe, em cada curva do caminho, a realidade feliz do novo céu e da nova terra. É verdade que, em certos momentos da história, parecem erguer-se muros intransponíveis que nos impedem de contemplar com esperança os horizontes finais da caminhada humana; mas a consciência da presença salvadora e amorosa de Deus na história deve animar-nos, dar-nos confiança e acender nos nossos olhos e no nosso coração a certeza da vida plena e da vitória final de Deus.

    • Jesus não foi mais um "homem bom", que coloriu a história com o sonho ingénuo de um mundo melhor e desapareceu do nosso horizonte (como os líderes do Maio de 68 ou os fazedores de revoluções políticas que a história absorveu e digeriu); mas Jesus é o Deus que Se fez pessoa, que assumiu a nossa humanidade, que trouxe até nós uma proposta objectiva e válida de salvação e que hoje continua presente e activo na nossa caminhada, concretizando o plano libertador do Pai e oferecendo-nos a vida plena e definitiva. Ele é, agora e sempre, a verdadeira fonte da vida e da liberdade. Onde é que eu mato a minha sede de liberdade e de vida plena: em Jesus e no projecto do Reino ou em pseudo-messias e miragens ilusórias de felicidade que só me afastam do essencial?

    • O Pai investiu Jesus de uma missão: eliminar o pecado do mundo. No entanto, o "pecado" continua a enegrecer o nosso horizonte diário, traduzido em guerras, vinganças, terrorismo, exploração, egoísmo, corrupção, injustiça... Jesus falhou? É o nosso testemunho que está a falhar? Deus propõe ao homem o seu projecto de salvação, mas não impõe nada e respeita absolutamente a liberdade das nossas opções. Ora, muitas vezes, os homens pretendem descobrir a felicidade em caminhos onde ela não está. De resto, é preciso termos consciência de que a nossa humanidade implica um quadro de fragilidade e de limitação e que, portanto, o pecado vai fazer sempre parte da nossa experiência histórica. A libertação plena e definitiva do "pecado" acontecerá só nesse novo céu e nova terra que nos espera para além da nossa caminhada terrena.

    • Isso não significa, no entanto, pactuar com o pecado, ou assumir uma atitude passiva diante do pecado. A nossa missão - na sequência da de Jesus - consiste em lutar objectivamente contra "o pecado" instalado no coração de cada um de nós e instalado em cada degrau da nossa vida colectiva. A missão dos seguidores de Jesus consiste em anunciar a vida plena e em lutar contra tudo aquilo que impede a sua concretização na história.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 2º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. DAR ATENÇÃO ÀS PROCISSÕES.
    Ao longo dos domingos que precedem o tempo da Quaresma, pode-se dar uma atenção particular ao desenrolar das procissões na missa. Por exemplo, a procissão de entrada, que não é apenas para o presidente da assembleia acompanhado de um ou outro acólito... Podem entrar nesta procissão: um leigo com a cruz, os acólitos ou leigos que vão servir ao altar (podem levar cada um uma vela), os que vão fazer a primeira e a segunda leitura (um deles leva o leccionário), assim como o leitor da oração dos fiéis. Para acolher a procissão, enquanto se canta, a assembleia dirige o olhar para o fundo da igreja e acompanha com o olhar o movimento da procissão. Chegados ao altar, depois da inclinação ou genuflexão, colocam o livro e as velas, tomando os seus lugares. A celebração continua...

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus, Pai do teu povo, nós Te bendizemos pelo envio de salvadores, os profetas, os juízes e os reis, mas sobretudo pelo envio do teu Filho, o teu eleito, em quem puseste toda a tua alegria, e que Se manifestou como a luz das nações.
    Nós Te confiamos as vítimas das inumeráveis angústias da nossa terra, todos os infelizes que aspiram a reencontrar a luz, a liberdade e a paz.

    No final da segunda leitura:
    Cristo Jesus, Tu que és o Senhor de todos e que revestiste a nossa condição humana, Tu que o Pai revelou como o Messias e encheu com a sua força, nós Te damos graças pela tua obra de salvação.
    Nós Te confiamos os nossos irmãos e irmãs que procuram a luz e a verdade, como fazia outrora o centurião Cornélio. Dá-nos a coragem de ir ao seu encontro, como outrora o apóstolo Pedro.

    No final do Evangelho:
    Pai de Jesus e nosso Pai, nós Te damos graças pelo baptismo de Jesus no Jordão, porque nele nos revelaste a nova humanidade, da qual Jesus é a cabeça. Faz de nós também teus filhos bem-amados e cumula-nos com o teu Espírito.
    Nós Te pedimos pelos novos baptizados, pelos padrinhos e madrinhas, pelos pais e pelas equipas que asseguram a preparação para o baptismo.

    4. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística II para as Missas da Reconciliação.

    5. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Testemunho... A palavra "Servidor" regressa hoje em força, em Isaías, enquanto João nos convida a contemplar o Cordeiro de Deus investido da Força do Espírito, ao qual dá testemunho. E nós? O nosso testemunho ficará limitado a estas palavras do Credo proclamado ao domingo? Ou leva-nos a empenharmo-nos em acções concretas no seguimento do Servidor?

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Segunda-feira


    16 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 5, 1-10

    1Todo o Sumo Sacerdote tomado de entre os homens é constituído em favor dos homens, nas coisas respeitantes a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. 2Pode compadecer-se dos ignorantes e dos que erram, pois também ele está cercado de fraqueza; 3por isso, deve oferecer sacrifícios, tanto pelos seus pecados, como pelos do povo. 4E ninguém tome esta honra para si mesmo, mas somente quem é chamado por Deus, tal como Aarão. 5Assim também Cristo não se atribuiu a glória de se tornar Sumo Sacerdote, mas concedeu-lha aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, Eu hoje te gerei. 6E, como diz noutro passo: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec. 7Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas àquele que o podia salvar da morte, com grande clamor e lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade. 8Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu 9e, tornado perfeito, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna, 10tendo sido proclamado por Deus Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec.

    O cristão pode manter-se firme nas provações porque Cristo exerce em seu favor a função de Sumo sacerdote diante de Deus. O autor começa por apresentar as características do Sumo sacerdote do Antigo Testamento: chamado de entre os outros homens para intervir em favor deles diante de Deus (v.1); capaz de compreender os homens, porque, Ele mesmo, é homem (v. 2); recebeu essa missão do próprio Deus. Depois, a começar pela última característica, demonstra que Jesus é o único e o Sumo sacerdote da Nova Aliança: escolhido por Deus, de Quem também é Filho, possui um sacerdócio eterno; a sua misericórdia para com os homens leva-O a oferecer-se a Si mesmo, apesar de não ter pecado, abrindo o caminho da salvação eterna para todos os homens. Assim chegamos ao centro da Carta aos Hebreus, onde o autor nos apresenta Cristo no momento em que oferece ao Pai a sua vontade de partilhar o sofrimento humano até à morte de cruz. Com «orações e súplicas», com «grande clamor e lágrimas» (v. 7), realiza a oferta de Si mesmo e agrada ao Pai pela respeitosa submissão à sua divina vontade. Então, o Pai torna-O «perfeito» (v. 9), isto é, capaz de obter a salvação para todos aqueles que acolhem a sua Palavra. É emocionante o modo como o autor da carta aos Hebreus fala da humanidade de Cristo e da sua fraqueza. A sua experiência de sofrimento ensinou-Lhe o que significa para o homem a obediência a Deus enquanto dura a vida terrena, o sacrifício e a dor que a fidelidade a Deus lhe acarretam . Por isso, está à altura de comprender os homens, seus irmãos, e é capaz de solidarizar-se com eles.

    Evangelho: Marcos 2, 18-22

    Naquele tempo, 18os discípulos de João e os fariseus guardavam o jejum. Vieram dizer-lhe: «Porque é que os discípulos de João e os dos fariseus guardam jejum, e os teus discípulos não jejuam?» 19Jesus respondeu: «Poderão os convidados para a boda jejuar enquanto o esposo está com eles? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar. 20Dias virão em que o esposo lhes será tirado; e então, nesses dias, hão-de jejuar.»
    21«Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, pois o pano novo puxa o tecido velho e o rasgão fica maior. 22E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho romperá os odres e perde-se o vinho, tal como os odres. Mas vinho novo, em odres novos.»

    O comportamento dos discípulos dá azo a uma polémica dos escribas contra Jesus. Ao contrário dos grupos religiosos do seu tempo, incluindo o de João Baptista, os discípulos do Galileu não praticavam o jejum. Porquê? Porque Jesus tinha introduzido no mundo o tempo gozoso das núpcias entre Deus, o esposo, e o seu povo, a esposa. Não fazia sentido reiterar um sinal que indicava luto. Além disso, não havia que precipitar os acontecimentos: tempos viriam em que a adesão dos discípulos a Jesus havia de lhes custar momentos difíceis em que, para fazer penitência, não seria preciso estabelecer o jejum.
    As palavras sobre o «pano novo em roupa velha» e sobre «vinho novo em odres velhos» convidam-nos a compreender a novidade introduzida pelo Evangelho, confirmando a suspensão do sinal do jejum. A roupa velha da lei não consegue tolerar o pano novo representado por Jesus. No banquete de Deus com a humanidade, de que Jesus nos torna participantes, está presente o vinho novo do Espírito que rebenta os odres velhos dos corações endurecidos.

    Meditatio

    A palavra de Deus alerta-nos para a tentação de gerirmos a vida «religiosa» em vista da nossa segurança pessoal, de interpretarmos as Escrituras com critérios de racionalidade para nos protegermos das suas propostas radicais, por vezes incómodas, e de «usarmos» o culto como escudo protector para uma santidade construída à nossa medida. A única relação com Deus, que realmente nos dá segurança, é a modulada pela obediência. Obedecer a Deus é viver em união com Cristo, abertos ao Espírito, deixando-nos guiar por Ele, mais do que pelo nosso «bom senso», sempre dispostos a verificar a consistência das nossas habituais formas exteriores de manifestar a fé, convertendo-nos a uma maior autenticidade, e comprometendo com ela a nossa existência. É a novidade de vida proclamada pelo evangelho. O próprio Senhor inaugura essa novidade, oferecendo a Deus, não já coisas convencionais, mas a sua existência, como escutamos na primeira leitura. Os discípulos de João e os fariseus preocupavam-se, não com a forma de vida que levavam, mas com acrescentos a essa vida, tais como penitências para honrar a Deus. Para Jesus, o mais importante é a vida que se leva, e não o que se lhe acrescenta, tal como certas cerimónias ou penitências suplementares. Cristo sacerdote oferece a sua vida e não sacrifícios convencionais: «Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas àquele que o podia salvar da morte, com grande clamor e lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade» (v. 7). Jesus Cristo transformou em oferta a Deus o drama da sua vida.
    Esta transformação requer oração intensa e luta. É o que contemplamos na agonia de Jesus. O Senhor luta, com orações e súplicas, contra as dificuldades da vida e contra a necessidade da paixão. Assim transforma tudo em oferta digna de Deus, cheia do Espírito de Deus.
    Jesus também espera de nós, não coisas sobrepostas à nossa vida, mas sim a nossa própria vida transformada em sacrifício. São certamente necessárias orações e mortificações, que ajudam a transformar a vida. Mas o mais importante é essa transformação, é fazer da nossa existência uma oferta a Deus (cf. Rm 12, 1s).
    Na eucaristia, unidos a Cristo, oferecemos ao Pai o seu sacrifício. Mas havemos de acr
    escentar-lhe a oferta de nós mesmos e da nossa vida, com as suas alegrias, dificuldades, tentações, desejos e esperanças. É este o sacrifício que agrada ao Senhor, o sacrifício da transformação da nossa vida, que o próprio Espírito de Jesus realiza em nós, se formos dóceis à sua acção.
    Esta espiritualidade, tão claramente expressa como oração na Prece Eucarística III, é comum a todos os cristãos. Os dehonianos procuram vivê-la com particulares acentuações e tonalidades, de acordo com o seu carisma.

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me o teu Espírito Santo para que, na docilidade às suas inspirações e à sua acção, viva este dia como sacerdote e oferenda agradável ao Pai. Reveste-me de santidade, cinge-me de castidade, protege-nos com a tua Cruz santa e gloriosa. Que o meu coração seja altar donde suba constantemente o perfume da oração. Que o meu corpo e a minha mente, que a minha vida e a minha vontade, sejam a oferenda viva e agradável, unida à tua, para glória e alegria do Pai. Amen.

    Contemplatio

    Entre os patriarcas, três sobretudo são louvados pelo Espírito Santo nas Escrituras e pela Igreja no cânon da missa, por causa da santidade dos seus sacrifícios, e também por causa das relações dos seus sacrifícios com o do Salvador. As oblações de Abel foram agradáveis ao Senhor por causa da sua fé em Deus, mas sobretudo por causa da sua fé no Redentor prometido. Abel foi vítima ele mesmo como o Salvador... Melquisedec figurava o Salvador, como sacerdote do sacrifício do altar. S. Paulo sublinhou os seus traços de semelhança. Melquisedec é o rei da paz. Oferece o seu sacrifício em Jerusalém. Apresenta a Deus o pão e o vinho, e recebe a homenagem de Abraão. O sacrifício oferecido por Abraão tem as relações mais surpreendentes com o sacrifício do Calvário. Como Deus Pai, Abraão oferece o seu filho Isaac, e prepara-se para o atingir no coração. O altar é o mesmo, é a colina de Sião. Isaac submete-se generosamente à vontade do seu pai. Leva ele mesmo a madeira do seu sacrifício. Isaac sobrevive à sua imolação e torna-se o pai de um povo numeroso. Também o novo Isaac sairá do túmulo e o seu sacrifício dará ao seu Pai uma família inumerável. Abel, Melquisedec, Isaac não representam admiravelmente a santidade, a justiça e a doçura do Coração de Jesus? Mas quando Deus tomou como parte os filhos de Israel e se fez o seu legislador, manifestou mais claramente os seus desígnios. Deu-lhes todo um código litúrgico. Regulou todo o culto e especialmente a oferenda dos sacrifícios em vista do Messias que estes sacrifícios preparavam e anunciavam. Havia hóstias para o holocausto, vítimas pelo pecado, sacrifícios de acção de graças e orações. Todas as vítimas deviam ser puras e sem manchas. Os cordeiros imolados em grande número simbolizavam particularmente o Cordeiro divino. Assim o sacrifício do Homem-Deus é de todas as idades. Constituía desde o começo o fundo do culto e da religião verdadeira. O Cordeiro divino era imolado nestas figuras e na fé implícita dos patriarcas e dos Israelitas. S. João mostra-nos no apocalipse uma multidão imensa de todas as idades e de todas as nações em adoração diante do Cordeiro ferido no coração e cantando o seu cântico a Deus e ao Cordeiro. Não foi somente nos desígnios divinos que o Cordeiro de Deus foi imolado e que o seu Coração foi ferido desde toda a eternidade; mas também sobre a terra, no altar do verdadeiro Deus e na fé dos verdadeiros crentes; imolação figurativa e profética na antiga lei; real e sangrenta no Calvário; real ainda, mas não sangrenta na Eucaristia. (Leão Dehon, OSP 4, p. 250ss.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Jesus aprendeu a obediência por aquilo que sofreu» (Hebr 5, 8).

  • Santo Antão, Abade

    Santo Antão, Abade


    17 de Janeiro, 2023

    S. Antão nasceu em 252, no Egipto Médio. Os seus pais eram ricos proprietários rurais. Quando tinha 20 anos, ao entrar numa igreja, ouviu proclamar Mt 10, 21: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens..." Fulminado pelo convite de Jesus, vendeu os campos recebidos em herança, reservando uma parte deles para a sua irmã, e iniciou a vida ascética. Primeiro juntou-se a um velho monge, perto da sua aldeia. Depois, encerrou-se num sepulcro cerca de 13 anos. Submetido a fortes tentações do demónio, empenhou-se ainda mais na luta ascética, fixando-se num fortim abandonado, onde permaneceu vinte anos. Em 306, deixou o seu retiro aceitando receber discípulos. Para escapar aos malefícios da fama, que começava a rodeá-lo, refugiou-se no monte Kolzum. Aí morreu a 17 de Janeiro de 356, com a idade de cento e cinco anos, muitos dos quais passados a ensinar os anacoretas, a curar os enfermos, e a refutar os hereges. Embora rigorosamente não tenha sido o primeiro monge o seu ministério carismático e autorizado fez dele, para sempre, o pai dos monges. A sua vida, escrita pelo seu contemporâneo e amigo, S. Atanásio, tornou-se a "primeira regra" para quem optava pela vida ascética nos ermos.
    Primeira Leitura: Miqueias, 6, 6-8

    Com que me apresentarei ao Senhor, e me prostrarei diante do Deus excelso? Irei à sua presença com holocaustos, com novilhos de um ano? 7Porventura o Senhor receberá com agrado milhares de carneiros ou miríades de torrentes de azeite? Hei-de sacrificar-lhe o meu primogénito pelo meu crime, o fruto das minhas entranhas pelo meu próprio pecado? 8Já te foi revelado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor requer de ti: nada mais do que praticares a justiça, amares a lealdade e andares humildemente diante do teu Deus.

    Recorrendo ao género literário chamado "requisitório judicial", o profeta procura levar o povo a ser fiel à Aliança. Tocado no seu íntimo, por reconhecer não ter correspondido ao amor do Senhor, o fiel pergunta: "Com que me apresentarei ao Senhor, e me prostrarei diante do Deus excelso?" (v. 6). O profeta recusa a oferta de sacrifícios exteriores, exigindo a conversão verdadeira, que leve a "praticar a justiça, amar a lealdade e andar humildemente diante do teu Deus" (cf. v. 8). É a essência da verdadeira religião interior, o compêndio da Lei e dos Profetas, o antecipado sumário religioso proposto por Jesus (cf. Mt 22,34-40). É a religião, não como objeto em si mesma, mas como veícolo de diálogo com Deus e com os homens. O amor como fundamento das relações humanas e divinas. E isto dito no século VIII a. C.
    Evangelho: Mateus 19, 16-21
    Naquele tempo, quando se punha a caminho, alguém correu para Jesus e ajoelhou-se, perguntando: «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» 18Jesus disse: «Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão um só: Deus. 19Sabes os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes, honra teu pai e tua mãe.» 20Ele respondeu: «Mestre, tenho cumprido tudo isso desde a minha juventude.» 21Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele e disse: «Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.»

    O encontro de Jesus com o jovem rico é referido pelos três Sinópticos. Mas só Mateus fala de "um jovem", chamando a Jesus "Mestre". Marcos e Lucas acrescentam: "bom Mestre".
    Jesus propõe ao jovem as exigências do Reino, da "perfeição", isto é, a renúncia aos próprios bens em favor dos pobres e o seu seguimento incondicional. O jovem fica triste, porque punha a sua alegria exactamente nesses bens, e não queria deixá-los. Faltava-lhe, pois, a única coisa necessária: um coração livre e bem disposto para acolher aquela "vida eterna" que dizia desejar.
    Não se pode seguir Jesus sem estar dispostos a quebrar as amarras que impeçam a dociliddade e a obediência ao Mestre divino. Ele olha para todos com amor. Mas só se deixa atrair por aqueles que têm um coração humilde, pobre e livre.
    Meditatio

    Pensando em S. Antão, e no movimento monástico a que a sua vida e os seus ensinamentos deram um decisivo impulso, as leituras, que hoje escutamos, suscitam em nós uma verdadeira comoção. Antão escutou-as como Palavra do Senhor dirigida a ele. A sua resposta foi generosa, radical, iniciando um itinerário espiritual que nos pode inspirar. Antão desejava ardentemente agradar a Deus, e deixou-se conduzir pelo Espírito na busca do caminho adequado. A primeira resposta, quando se libertou os bens terrenos, abriu-o a um compromisso cada vez mais exigente e forte na busca humilde de Deus, longe dos olhares dos homens. Vencidas as paixões, Antão pôde servir serenamente os outros, tornando-se para todos um amigo, um irmão, um pai. Assim ensinou e cuidou daqueles que o procuraram como mestre de ascetismo, inventando, por assim dizer, um novo modelo de vida cristã, caracterizado pela liberdade, pela ascese, pela fidelidade à Palavra, pelo amor a Cristo e ao próximo. Reconhecido como "pai dos monges", S. Antão é, sobretudo, um modelo de vida cristã empenhada. Escreve S. Atanásio: "Antão trabalhava com as suas mãos, pois ouvira a palavra da Escritura: Quem não quiser trabalhar não coma". Do fruto do seu trabalho destinava parte para comprar o pão que comia; o resto distribui-o pelos pobres. Rezava constantemente, pois aprendera que é preciso rezar interiormente, sem cessar; era tão atento à leitura que nada lhe esquecia do que tinha lido na Escritura: tudo retinha de tal maneira que a sua memória acabou por substituir o livro".
    Oratio

    Senhor, dá-me ouvidos para escutar a tua Palavra e coração para a acolher. Que ela transforme a minha vida e me faça progredir decididamente pelo caminho que me chamas a percorrer e apoias com as tuas graças. Enche-me do teu Espírito, aquele grande Espírito de fogo que acendestes em S. Antão. Que esse mesmo Espírito me leve a viver no bulício do mundo, ou na paz da vida consagrada, aquela vida heroica que S. Antão viveu na solidão do deserto e, sobretudo, me leve a renunciar a mim mesmo para Te amar acima de todas as coisas. Ámen.
    Contemplatio

    Desde o sermão da montanha, Nosso Senhor tinha indicado os conselhos de perfeição: «Há, dizia, um caminho estreito, mas são raros os que o encontram». Propunha já a pobreza voluntária: «Não acumuleis tesouros sobre a terra, onde a traça e os vermes os corroem, onde os ladrões escavam e roubam. Vendei o que tendes e fazei esmolas. Preparai tesouros no céu... Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração» (Mt 6). Depois vem a aplicação. Um jovem de nobre família vem lançar-se aos pés de Jesus, perguntando-lhe qual é o melhor caminho a seguir. O Coração de Jesus é tocado, observa com afeto o jovem, ama-o, propõe-lhe os conselhos de perfeição. É uma vocação: «vai, diz-lhe, vende o que tens, dá-o aos pobres, e vem comigo. Que graça insigne! Ser chamado por Jesus a viver com ele, abandonando-se à sua providência! (L. Dehon, OSP 4, p. 105).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Quem quer vencer as tentações, não confie em si mas em Deus» (Pensamento de S. Antão, citado por S. Atanásio).

     

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    Santo Antão, Abade (17 Janeiro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Terça-feira


    17 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 6, 10-20

    Irmãos, 10Deus não é injusto, para esquecer as vossas obras e o amor que mostrastes pelo seu nome, pondo-vos ao serviço dos santos e servindo-os ainda agora. 11Desejamos, porém, que cada um de vós mostre o mesmo zelo para a plena realização da sua esperança até ao fim, 12de modo que não vos torneis preguiçosos, mas imiteis aqueles que, pela fé e pela perseverança, se tornam herdeiros das promessas. 13Quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha ninguém maior por quem jurar, jurou por si mesmo, 14dizendo: Na verdade, Eu te abençoarei e multiplicarei a tua descendência. 15E assim, Abraão, tendo esperado com paciência, alcançou a promessa. 16Ora, os homens juram por alguém maior do que eles, e o juramento é para eles uma garantia que põe fim a toda a controvérsia. 17Por isso, querendo Deus mostrar mais claramente aos herdeiros da promessa que a sua decisão era imutável, interveio com um juramento, 18para que, graças a duas acções imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, encontrássemos grande estímulo, nós os que procurámos refúgio nele, agarrando-nos à esperança proposta. 19Nessa esperança temos como que uma âncora segura e firme da alma, que penetra até ao interior do véu 20onde Jesus entrou como nosso precursor, tornando-se Sumo Sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.

    O autor da carta aos Hebreus fixa a sua atenção nos perigos que ameaçavam os seus leitores, talvez a perseguição durante a qual havia sempre alguém que acabava por cair na apostasia. Dai a exortação à fidelidade e o apontar do prémio e sua garantia. Foi-nos oferecida uma grande esperança, uma esperança segura e firme que nos faz penetrar nos céus com Jesus, que é para nós Caminho para o Pai. Jesus é o Sumo sacerdote - prefigurado em Melquisedec - que penetrou no santuário, isto é, nos céus, e está sentado à direita do Pai sempre a interceder por nós. «Nós os que procurámos refúgio em Deus, agarrando-nos à esperança proposta» (v. 18) vemos realizada em Jesus a nossa aspiração. Assim verificamos que Deus, que prometeu recompensar toda a obra de bem, como Jesus nos revelou, é verdadeiro e bom. Um simples copo de água, dado em seu nome, não ficará sem recompensa. Deus «não é injusto» (v. 10) e não esquece o que se faz aos irmãos na fé, por seu amor. Há que não ceder à preguiça e imitar os Patriarcas, especialmente Abraão, nosso pai na fé, e perseverar até à realização das promessas, particularmente a de alcançarmos o Senhor Jesus na sua glória. As promessas e o juramento feitos a Abraão são válidos também para nós. É esta a esperança segura, o princípio do optimismo e da coragem para permanecer na fé, âncora da alma.

    Evangelho: Marcos 2, 23-28

    Passeava Jesus através das searas num dia de sábado, os discípulos puseram-se a colher espigas pelo caminho. 24Os fariseus diziam-lhe: «Repara! Porque fazem eles ao sábado o que não é permitido?» 25Ele disse: «Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele? 26Como entrou na casa de Deus, ao tempo do Sumo Sacerdote Abiatar, e comeu os pães da oferenda, que apenas aos sacerdotes era permitido comer, e também os deu aos que estavam com ele?» 27E disse-lhes: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. 28O Filho do Homem até do sábado é Senhor.»

    Este breve texto realça a autoridade definitiva de Jesus e um dos princípios centrais do Evangelho: a libertação da «alienação legal». Como dirá S. Paulo, Cristo veio libertar o homem da tirania da Lei (cf. Rom 3, 20; 4, 13; 6, 14; 8, 2; Gal 1, 4-5, etc). A autoridade do «filho do homem» é uma autoridade em favor do homem. Jesus não veio condenar o homem, mas salvá-lo de toda a alienação, em primeiro lugar da alienação legal. Toda a lei, mesmo a mais sagrada, é em função do homem e não vice-versa.
    Marcos não indica claramente o objecto da transgressão dos discípulos. Mas, mais do que eles, é Jesus que é posto em questão. O Senhor responde: «Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele?» (v. 25). Se o velho rei, por motivos de força maior, podia passar sobre a lei, quanto mais Jesus o podia fazer! Mais ainda: a autoridade de Jesus permitia-lhe ab-rogar o sábado e substituí-lo por outro dia. O Evangelho transcende a «ordem estabelecida». O cristão relativiza a ordem legal quando ela não está «em função do homem».

    Meditatio

    A primeira leitura, bastante complicada, apresenta-nos um pensamento fundamental simples e muito importante: é preciso conservar a esperança: «cada um de vós mostre o mesmo zelo para a plena realização da sua esperança até ao fim» (v. 11). A esperança dá juventude, dá dinamismo. A falta de esperança provoca velhice precoce e leva a todo o tipo de desordens, como ensina Paulo aos Romanos. Para nos manter na esperança, Deus adaptou-se aos modelos humanos: fez um juramento a Abraão e deu-nos um sumo sacerdote perfeito, Jesus Cristo. Uma vez que Ele nos representa, a sua glorificação é também nossa e, por isso, a nossa esperança é como «uma âncora segura e firme da alma, que penetra até ao interior do véu onde Jesus entrou como nosso precursor» (vv. 19-20). Se Jesus penetrou no céu como nosso precursor, temos a certeza de lá O encontrar.
    Além destes grandes motivos de esperança, temos muitos outros que Jesus nos deixou durante a sua vida histórica. No evangelho de hoje, Ele apresenta-nos Deus como o Senhor do tempo e da história, como liberdade absoluta, que não é reduzível a qualquer medida humana ou religiosa. A liberdade soberana de Deus coincide com o seu amor, que se manifesta na predilecção pelos mais pequenos, na capacidade de ver para além das aparências, no reconhecer o primado da pessoa humana afirmada na criação e jamais desmentido.
    Pergunto-me: na minha vida, mostro-me realmente filho deste Deus? Acolho a sua liberdade escrava de amor e assumo-a como atitude de vida?
    As opções divinas desorientam-me quando infringem ou põem em crise o status quo. É mais fácil orientar-me por regras claras e exactas do que pôr no centro a pessoa, toda e qualquer pessoa, com as suas exigências e características, que por vezes me desagradam, e até posso julgar inadequadas. A palavra de Deus convida-me e provoca-me a saber discernir a verdade das coisas lembrando-me que Ele é senhor de tudo. O evangelho é claramente contrário à rigidez cega, ao fanatismo. Exige o sacrifício de si mesmo, mas sempre à luz da misericórdia de Deus. Paulo e
    screverá aos Coríntios: «Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita» (1 Cor 13, 3).
    O nosso compromisso da pobreza, que significa a entrega de toda a nossa vida ao serviço do Evangelho, é também um testemunho de esperança. Lemos nas Constituições: vivendo a pobreza, «seremos discípulos do Padre Dehon, que teve sempre uma particular atenção para com os homens do seu tempo, sobretudo os mais pobres: aqueles a quem faltam biblioteca, razões de viver e esperança» (Cst 52).

    Oratio

    Senhor, meu Deus, é a Ti que pertence o tempo e a história. Tu és liberdade! Tu és amor, que se revela na predilecção pelos mais pequenos e fracos, no ver além das aparências, no reconhecer o primado da pessoa humana sobre toda as leis e instituições. Enche-me do teu Espírito para que me saiba movimentar nos teus espaços, onde os pequenos são os grandes, onde a atenção aos outros vale mais do que a lei escrita. Ensina-me a discernir o que realmente conta, para além das aparências, para além do imediato, para além do politicamente correcto.
    Enche-me do teu Espírito que me purifique da rigidez e do fanatismo, e acende em a fé firme, a caridade ardente e a esperança segura. Amen.

    Contemplatio

    O terceiro fruto da devoção à paixão é a esperança. Jesus Cristo está preso à cruz para nos esperar, as suas mãos querem-nos abraçar, o seu lado aberto deixa escaparem-se correntes de sangue de graça. Devemos portanto alegrar-nos, porque destas chagas santas saem a salvação, a vida e a ressurreição. S. Tomé, ao meter os dedos nestas chagas santas, delas retirou a fé e graças abundantes. Nós também, delas retiraremos todos os socorros de que temos necessidade.
    Tal é em poucas palavras a devoção às cinco chagas. Ela produziu e produzirá sempre um grande bem na Igreja. Não é preciso todavia crer que a devoção ao Sagrado Coração não seja mais do que uma parte desta devoção. Ao adorarmos, ao contemplarmos as chagas do Salvador, mesmo a do lado, não entramos ainda necessariamente na via do amor, se não subirmos até ao Coração de Jesus, fonte de todos os seus sacrifícios. É lá que devemos entrar, se quisermos imolar uma hóstia plena e inteiramente agradável a Deus.
    Para nós, o amor tudo abarca, domina e contém todas as outras devoções. Não as exclui, mas transforma-as todas em devoção de amor. (Leão Dehon, OSP 2, p. 353s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A esperança é âncora segura e firme da alma » (Hebr 6, 19).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Quarta-feira


    18 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 7, 1-3.15-17

    Irmãos: 1Melquisedec, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, foi ao encontro de Abraão quando ele voltava da derrota infligida aos reis e abençoou-o; 2Abraão concedeu-lhe o dízimo de todas as coisas; o seu nome significa, em primeiro lugar, rei de justiça, e depois, «rei de Salém», que quer dizer «rei de paz». 3Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida, assemelha-se ao Filho de Deus e permanece sacerdote para sempre. 15E isto é ainda mais evidente, quando aparece outro sacerdote à semelhança de Melquisedec, 16instituído, não segundo o mandamento de uma lei humana, mas segundo o poder de uma vida indestrutível. 17Na verdade, dele se testemunha:Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.

    No texto da Carta aos Hebreus, que hoje escutamos, entra em cena Melquisedec, figura misteriosa de que o autor sagrado se serve para provar e realçar, não só o sacerdócio de Cristo, mas também a superioridade deste relativamente ao sacerdócio levítico. Melquisedec significa «rei de justiça», qualificado pelo autor como «sacerdote do Deus Altíssimo». Enquanto as ascendências de outras figuras do Antigo Testamento são minuciosamente descritas, Melquisedec diz-se que é «Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida» (v. 3). Este «rei de paz» (v. 2), superior ao próprio Abraão, que abençoe as oferendas de pão e de vinho, no Vale do Rei, e a quem Abraão paga os dízimos, é figura de Jesus, único sumo e santo sacerdote, não em virtude de uma descendência carnal, mas por ser Filho de Deus. O seu sacerdócio torna-O eterno e único mediador entre Deus e os homens. Verdadeiro Deus e verdadeiro homem, fala ao Pai usando palavras humanas e é aceite porque é o único santo e imaculado. O seu sacerdócio e o seu culto levam simultaneamente à plenitude a realeza de David - a cuja descendência Jesus pertence segundo a carne - e o sacerdócio do Antigo Testamento representado por Melquisedec. Agora, o povo de Deus pode aceder ao culto novo e perfeito inaugurado por Jesus no seu corpo imolado na cruz e à nova lei, o Evangelho.

    Evangelho: Marcos 3, 1-6

    Naquele tempo, 1Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem que tinha uma das mãos paralisada. 2Ora eles observavam-no, para ver se iria curá-lo ao sábado, a fim de o poderem acusar. 3Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e vem para o meio.» 4E a eles perguntou: «É permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou matá-la?» Eles ficaram calados. 5Então, olhando-os com indignação e magoado com a dureza dos seus corações, disse ao homem: «Estende a mão.» Estendeu-a, e a mão ficou curada. 6Assim que saíram, os fariseus reuniram-se com os partidários de Herodes para deliberar como haviam de matar Jesus.

    Jesus entra na sinagoga em dia de sábado. Há um homem doente que O espera. Mas também há quem esteja atento para apanhar Jesus em qualquer falha contra a lei. Jesus dá-se conta da hostilidade mais ou menos disfarçada dos seus adversários e enfrenta-os decididamente. Põe no centro o homem que tinha a mão paralisada e interroga os adversários sobre a liceidade de fazer ou não fazer o bem em dia de sábado. Responde com um silêncio eloquente, que causa tristeza a Jesus. É a quinta e última polémica de Jesus com os seus adversários, em que acaba por reafirmar o Evangelho transcende toda a «ordem estabelecida», e que ela deve ser relativizada quando não concorrer para o bem do homem. O clima está cada vez mais carregado. Mas o Senhor não se deixa intimidar. Continua fielmente o seu serviço profético, insistindo numa instituição sabática que sirva o homem. É um drama que se irá repetir muitas vezes até ao fim. Fazer bem ao homem, exigirá a Deus o preço da eliminação do seu Filho.

    Meditatio

    O autor da Carta aos Hebreus, com admiração, vê na misteriosa figura de Melquisedec uma imagem de Cristo ressuscitado, que não tem pai nem mãe terrenos. A novidade de vida da ressurreição não tem origem terrestre. Jesus ressuscitado é Filho de Deus, também na sua natureza humana, e permanece assim sacerdote eterno. Esta descrição mostra a atitude dos primeiros cristãos na leitura do Antigo Testamento. Com alegria, por vezes com espanto, viam nele delinear-se a figura de Cristo, e enchiam-se de júbilo ao verificar que Deus tinha preparado a revelação de Cristo desde há muito tempo. «O Novo Testamento está escondido no Antigo», dirá Santo Agostinho, e Cristo, ao chegar, ilumina todo o Antigo Testamento. O que parecia misterioso e quase inexplicável torna-se claro porque se revela uma profecia de Cristo.
    Também nós somos chamados a ler o Antigo Testamento a esta luz cristã e a encontrar nele uma fonte de grande consolação espiritual, porque se aprofunda a nossa fé e nos damos conta com alegria que Deus, desde sempre, dispôs todas as coisas e todos os acontecimentos para glorificação do seu Filho. Ele veio para ser o santo e sumo sacerdote, e para nos dar a sua maravilhosa dignidade. Uma vez consumado na cruz o seu santo sacrifício, todo o homem pode oferecer ao Pai, por meio d´Ele e participando no seu sacerdócio, o único e perfeito sacrifício. Cada um reencontrou a inesperada dignidade de falar com Deus, de Lhe oferecer toda a Criação e, mais ainda, de ser aos seus olhos uma imagem viva do seu Filho muito amado no qual pôs todo o seu enlevo.
    No evangelho contemplamos a vitória do Filho de Deus feito homem sobre a paralisia de um homem e sobre a interpretação opressiva da Lei pelos fariseus. Os seus adversários, indiferentes ao significado transcendente do milagre, só queriam surpreendê-lo a fazer uma cura ao sábado para O acusarem de violar o dia santificado. Mas Jesus indignado e entristecido com aquela cegueira moral, continua a cumprir o seu programa messiânico, obediente e fiel ao Pai, atento e solícito para com os homens.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, porque vieste reabrir o caminho que conduz a Deus. Obrigado por Te compadeceres da paralisia da nossa mão e, sobretudo, da paralisia do nosso coração. Pões-nos sempre no centro das tuas atenções e curas-nos as mãos para as podermos abrir e acolher o dom que és Tu mesmo, tornado por amor pão e vinho para a nossa fome e a nossa sede. Com o teu exemplo, ensinas-nos a não fecharmos as mãos para guardarmos só para nós os teus dons. Pelo teu Espírito de amor, fazes-nos entrar no movimento de amor oblativo, que inauguraste no mundo com a tua Encarnação, ensinas-nos que a gratuitidade e a oferta nos tornam livres e felizes. Obrigado, Senhor, nos curares a paralisia das nossas mãos e do nosso coração. Que Contigo e por Ti, sejamos oblação santa ao Pai, em favor dos irmãos. Amen.

    Contemplatio

    O sacerdócio da antiga lei
    era muito imperfeito. Deus jurou estabelecer um sacerdócio novo, segundo a ordem de Melquisedec. Jesus é o único sacerdote, permanece eternamente, possui um sacerdócio eterno, e está sempre pronto para salvar os que se aproximam de Deus pelo seu intermédio, estando sempre vivo para interceder por nós. É o pontífice santo que nos faltava, o pontífice inocente, separado dos pecadores e mais elevado que os céus, que não é obrigado, como os outros, a oferecer todos os dias vítimas pelos seus próprios pecados (Heb 7). Ele é sacerdote e é vítima de propiciação. Ofereceu-se por nós (1Jo 2,2). Vem a uma alma sacerdotal. «Vós sois, diz-nos S. Pedro, uma ordem de santos sacerdotes, destinados a oferecer a Deus hóstias espirituais que lhe sejam agradáveis por Jesus Cristo. O Coração de Jesus é o altar dos vossos sacrifícios, vós sois a raça escolhida, a ordem dos sacerdotes reis, a nação santa, o povo conquistado, a fim de que publiqueis as grandezas daquele que vos chamou das trevas à sua grande luz» (1Pd 2). Irei, portanto, diante do tabernáculo, Jesus aí aceitará a consagração do meu coração, para dele fazer um coração verdadeiramente sacerdotal. Aí oferecerei hóstias de louvor, de amor, de impetração, de reparação. Apresentá-las-ei a Deus sobre o Coração de Jesus que é o altar por excelência. Só ele pode oferecer ao seu Pai hóstias que sejam agradáveis, porque ele é o único sacerdote eterno. (Leão Dehon, OSP 3, p. 646s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «De todos Te compadeces, ó Senhor, que amas a vida!» (Sb 23, 26).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Quinta-feira


    19 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 7, 25-8, 6

    Irmãos, 25Jesus pode salvar de um modo definitivo, os que por meio dele se aproximam de Deus, pois Ele está vivo para sempre, a fim de interceder por eles. 26Tal é, com efeito, o Sumo Sacerdote que nos convinha: santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e elevado acima dos céus, 27que não tem necessidade, como os outros sacerdotes, de oferecer vítimas todos os dias, primeiro pelos seus próprios pecados e depois pelos do povo, porque Ele o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo. 28A Lei, com efeito, constitui sumos sacerdotes a homens sujeitos à debilidade; mas a palavra do juramento, posterior à Lei, constitui o Filho perfeito para sempre.
    1O ponto principal do que estamos a dizer é que temos um Sumo Sacerdote que se sentou nos céus à direita do trono da Majestade, 2como ministro do santuário e da verdadeira tenda, construída pelo Senhor e não pelo homem. 3Todo o Sumo Sacerdote é constituído para oferecer dons e sacrifícios; daí a necessidade de também ele ter algo para oferecer. 4Se Cristo estivesse na terra, nem sequer seria sacerdote, pois já existem aqueles que oferecem os dons segundo a Lei. 5Esses prestam um culto que é uma imagem e uma sombra das realidades celestes, como foi revelado a Moisés quando estava para construir a tenda. Foi-lhe dito: Presta atenção, faz tudo segundo o modelo que te foi mostrado no monte. 6Mas, de facto, ele obteve um ministério tanto mais elevado, quanto maior é a aliança de que é mediador, a qual foi estabelecida sobre melhores promessas.

    O autor da Carta aos Hebreus apresenta-nos Jesus como o Sumo sacerdote de que precisávamos, um Sumo sacerdote «santo, inocente, imaculado» (v. 26). Ao contrario dos sumos sacerdotes do Antigo Testamento, Ele não precisa de oferecer um sacrifício pelos seus pecados, antes de o oferecer pelos nossos, porque ofereceu a Si mesmo perfeitamente, completamente, de uma vez para sempre imolando-se na cruz. E chegámos ao ponto capital de tudo o que o autor vai dizendo: Jesus que assumiu plenamente a natureza humana, é e permanece eternamente o Filho sentado à direita do Pai, sempre vivo a interceder por nós. O que era apenas sombra e figura no Antigo Testamento foi perfeitamente realizado porque, em Jesus, Deus veio ao nosso encontro para nos aproximar d´Ele. Em Cristo, coincidem o oferente e a oferta, o sacerdote e a vítima, realizando uma mediação única e extraordinária entre Deus e o homem. Cristo ofereceu-Se a Si mesmo pelo sacrifício da entrega da sua vida, que teve lugar de uma vez para sempre.

    Evangelho: Marcos 3, 7-12

    Naquele tempo, 7Jesus retirou-se para o mar com os discípulos. Seguiu-o uma imensa multidão vinda da Galileia. E da Judeia, 8de Jerusalém, da Idumeia, de além-Jordão e das cercanias de Tiro e de Sídon, uma grande multidão veio ter com Ele, ao ouvir dizer o que Ele fazia. 9E disse aos discípulos que lhe aprontassem um barco, a fim de não ser molestado pela multidão, 10pois tinha curado muita gente e, por isso, os que sofriam de enfermidades caíam sobre Ele para lhe tocarem. 11Os espíritos malignos, ao vê-lo, prostravam-se diante dele e gritavam: «Tu és o Filho de Deus!» 12Ele, porém, proibia-lhes severamente que o dessem a conhecer.

    Nos textos escutados nos últimos dias, Jesus mostra que é inútil querer aproveitar as instituições judaicas para nelas infundir a novidade evangélica do reino de Deus. Então retira-se para o mar de Genesaré. A sua acção, que até aí se desenvolvera na sinagoga, ou perto dela, abria-se agora a horizontes mais vastos. Começa uma nova secção do evangelho de Marcos. A actividade de Jesus alarga-se e causa admiração nas multidões que O rodeiam com tal entusiasmo que põem em risco a sua integridade física. Jesus tem de pedir aos discípulos que Lhe aprontem um barco para se precaver. Mas o entusiasmo das multidões é ainda superficial, porque não leva à decisão da fé (6, 6). São pessoas que sofrem de várias doenças e que se lançam sobre Ele (cf. v. 9) como que para Lhe arrancar uma força benéfica que os cure. Os demónios aproveitam a situação para encenar uma grande propaganda sobre Jesus: «Tu és o Filho de Deus» (v. 11). Dizem a verdade, mas de um modo que a tornam vã. Querem antecipar a glória de Jesus para tentar evitar a cruz que a torna verdadeira. Mas Jesus proíbe-os de falarem d´Ele. Jesus não é um curandeiro, mas o enviado do Pai que narra o que Deus quer dar a conhecer de Si mesmo, e o que realmente pede aos homens, inclusivamente nos seus actos religiosos.

    Meditatio

    Marcos descreve a multidão que precipitadamente envolve Jesus, levando-O a entrar numa barca para não ser molestado. O Senhor atrai pela sua bondade, pelo seu poder, gente da Galileia, da Judeia, de Jerusalém, mas também de regiões mais afastadas, como a Idumeia, a Transjordânia, Tiro e Sidon, terras pagãs. Vinham para obter a cura dos seus doentes e para alcançar a paz de Deus para os seus ansiosos corações.
    A Carta aos Hebreus abre outra perspectiva a quem se sente aflito pelas doenças e outras provações da vida. Falando de Jesus, afirma: «Tal é o Sumo Sacerdote que nos convinha: santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e elevado acima dos céus» (v. 26). O Filho de Deus fez-se homem para realizar um acto único, perfeito, agradável ao Pai, oferecendo-Se a Si mesmo na fraqueza, na morte. Toda a sua existência, que culminou no dom de Si mesmo na cruz, tem a ver connosco, com a nossa vida, com as nossas canseiras e sofrimentos. Não vale a pena vivê-los afogados em vãos lamentos, em mal reprimida insatisfação. É melhor lançá-los generosamente no tesouro do seu generoso sofrer por amor, naquele acto perene que o torna sempre vivo a interceder por nós. Não há efectivamente ocupação ou adversidade que possa impedir-nos de lançar o olhar do nosso coração para a sua cruz e encher-nos da força de um acto de renovada adesão à vontade do Pai. Só assim saborearemos a doçura de ser curados das chagas do nosso cansaço para reencontramos a alegria de sermos filhos no Filho.
    O texto de Marcos termina com os demónios a quererem revelar, antes do tempo, a identidade de Jesus e a sua grandeza. O Senhor opõe-se severamente porque sabe que a sua obra exige o sacrifício de Si mesmo, e que a sua dignidade de Filho de Deus só poderá ser verdadeiramente revelada na cruz. É o que também nos diz a primeira leitura: «Ele não tem necessidade, como os outros sacerdotes, de oferecer vítimas todos os dias, primeiro pelos seus próprios pecados e depois pelos do povo, porque Ele o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo» (v. 27). Cristo realizou o culto perfeito, que não é apenas um símbolo como o antigo culto dos sacerdotes hebreus, que apenas era «uma imagem e uma sombra das realidades celestes» (v. 5). Ele recebeu um ministério mais elevado, que realiza de verdade o projecto de comunhão com o sacrifício de Si mesmo.
    Na oração sacerdotal
    , Jesus mostra-se consciente da obra que tem para realizar «santificando a Si mesmo», isto é, sacrificando a sua vida. O Filho de Deus não assumiu a natureza humana só para curar as nossas doenças. Assumiu-a, sobretudo, para transformar a nossa natureza e restabelecer a relação entre Deus e nós. Como escreve o autor da Carta aos Hebreus, Cristo recebeu «um ministério tanto mais elevado, quanto maior é a aliança de que é mediador, a qual foi estabelecida sobre melhores promessas» (Heb 8, 6).
    Em cada missa, havemos de aproximar-nos de Cristo com a pressa impaciente das multidões da Palestina e das regiões próximas, não só para que nos cure, mas para que nos ajude a descobrir um novo sentido para os nossos sofrimentos e, sobretudo, a uni-los aos seus para glória e alegria do Pai e salvação do mundo. O seu sacrifício, oferecido uma só vez, está à nossa disposição, para nos curar de todos os males, mas também para nos dar a graça necessária para transformar a nossa vida, com Ele, n´Ele e por Ele, oferta viva, santa e agradável.

    Oratio

    Senhor, Jesus Cristo, sacerdote da nova e eterna aliança, que consagraste o pão e o vinho como sinal da tua oblação, ensina-nos a oferecer contigo o sacrifício, associa-nos à tua oferenda agradável, e torna-nos participantes da tua Ressurreição. Fortalecidos com o teu pão, queremos caminhar para Ti, e trabalhar pela unidade do teu Corpo, na paz e na concórdia. Tu, que nos chamas a comungar o teu Corpo e Sangue, entra em nossa casa e fica connosco para sempre. Amen.

    Contemplatio

    Uma primeira aplicação desta conformidade à vontade divina, é fazermos as nossas acções comuns em união com o Sagrado Coração. Santa Gertrudes teve esta luz, que todas as obras feitas em espírito de fé são absorvidas pelos membros do corpo sagrado de Nosso Senhor para serem purificadas e enobrecidas, depois são apresentadas por Nosso Senhor à Santíssima Trindade. Mas as obras feitas por amor e unicamente pela glória de Deus, são absorvidas pelo divino Coração de Jesus, que as torna perfeitas para as apresentar ao seu Pai. Quanto é então vantajoso fazer todas as nossas obras em união com o divino Coração! A vida do Sagrado Coração é-lhes comunicada. As acções mais comuns são assim enobrecidas e divinizadas: «Quer comais, quer bebais, quer façais outra coisa qualquer, diz S. Paulo, fazei tudo no nome de Jesus Cristo». Nosso Senhor ensinou assim a Santa Gertrudes a santificar as suas refeições, o seu trabalho, o seu repouso e o seu sono unindo-as às intenções do divino Coração. Tomemos também este hábito tão salutar. (Leão Dehon, OSP 4, p. 446).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Cristo está vivo para sempre, a fim de interceder por eles». (Hebr 7, 25).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Sexta-feira


    20 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 8, 6-13

    Irmãos: 6Jesus obteve um ministério tanto mais elevado, quanto maior é a aliança de que é mediador, a qual foi estabelecida sobre melhores promessas. 7Se, na verdade, a primeira fosse perfeita, não haveria lugar para a segunda. 8De facto, censurando-os, diz: Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que farei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova, 9não como a aliança que fiz com os seus pais no dia em que os tomei pela mão, para os fazer sair do Egipto; porque eles não permaneceram na minha aliança, também Eu me desinteressei deles - diz o Senhor. 10Esta é a aliança que estabelecerei com a casa de Israel, depois daqueles dias. Diz o Senhor: Porei as minhas leis na sua mente e as imprimirei nos seus corações; serei o seu Deus e eles serão o meu povo. 11Ninguém ensinará o seu próximo nem o seu irmão, dizendo: 'Conhece o Senhor'; porque todos me conhecerão, do mais pequeno ao maior, 12pois perdoarei as suas iniquidades e não mais me lembrarei dos seus pecados. 13Ao falar de uma aliança nova, Deus declara antiquada a primeira; ora, o que se torna antiquado e envelhece está prestes a desaparecer.

    Depois de centrar a atenção no sacerdócio de Cristo, o autor da Carta aos Hebreus passa para o tema da Nova Aliança. Um sacerdócio novo implica uma lei nova. Por sua vez, uma lei nova implica uma aliança nova, uma aliança que substitua a antiga. Jesus é o mediador dessa nova aliança: «este cálice é a nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós» (Lc 22, 20), disse o Senhor na última Ceia. Em cada eucaristia, no momento da consagração, revivemos admirados e comovidos o mistério da «Aliança nova» (v. 13): «Este é o cálice do meu Sangue, do Sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos, para remissão dos pecados». O autor detém-se a descrever a «aliança nova» servindo-se de Jr 31. Com a «aliança nova», Deus ultrapassa a Aliança antiga, que fora selada por ritos exteriores. O povo quebrou essa aliança. Mas Deus náo se rendeu e estipulou outra aliança destinada a penetrar no íntimo do homem, na sua mente e no seu coração. Deus nunca desiste de Se dar a conhecer ao homem nem de ser por ele amado. Na Aliança nova, finalmente, cada um «conhecerá», isto é amará Aquele que é misericórdia e perdão (Ex 34, 6s.) A cruz do seu Filho muito amado, Jesus, será o lugar da suprema manifestação de Deus.

    Evangelho: Marcos 3, 13-19

    Naquele tempo, 13Jesus subiu a um monte, chamou os que Ele queria e foram ter com Ele. 14Estabeleceu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar, 15com o poder de expulsar demónios. 16Estabeleceu estes doze: Simão, ao qual pôs o nome de Pedro; 17Tiago, filho de Zebedeu, e João, irmão de Tiago, aos quais deu o nome de Boanerges, isto é, filhos do trovão; 18André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o Cananeu, 19e Judas Iscariotes, que o entregou.

    Deus não desiste de ligar mais intimamente a Si a humanidade, como já vimos na primeira leitura. Por meio de Jesus, escolhe alguns que experimentem mais profundamente o seu amor e se tornem testemunhas, arautos na nova Aliança junto dos irmãos. É para isso que Jesus forma a sua nova família, um grupo de pessoas dispostas a acolhê-lo, que também devem converter-se. Falar de família, é acentuar a relação pessoal e afectiva que deve existir entre Jesus e os seus discípulos, que são o germe do novo Israel, os fundamentos da futura Igreja.
    Tudo acontece sobre um «monte». Os montes são lugares propícios para as revelações de Deus (cf. 6, 43; 9, 2). As grandes decisões de Deus sobre o seu povo foram tomadas sobre os montes (cf. Ex 1, 20; 24, 12; Num 27, 12; Dt 1, 6-8, etc). Aqui é Cristo que chama, escolhe e constitui a comunidade. Marcos não diria isto, se não acreditasse que Jesus era Deus. O grupo é convocado para «ir ter com Ele» (v. 13 e, em primeiro lugar, para «estar com Ele» (v. 14). O novo povo de Deus constitui-se à volta de Jesus, que se apresenta como referência absoluta, assumindo uma função que pertencia à Lei. Isto causava escândalo aos Judeus. Os discípulos recebem os próprios poderes de Jesus, actuando com a força do Evangelho. A vocação implica a missão de testemunhar o amor de Deus pelos homens.

    Meditatio

    Na primeira leitura, escutamos o belo texto de Jeremias sobre a «aliança nova» (v. 8), que trará uma viragem na relação dos homens com Deus. A «aliança nova» não será «como a aliança que fiz com os seus pais no dia em que os tomei pela mão, para os fazer sair do Egipto» (v. 9), diz o Senhor. A primeira aliança ficava pelo exterior, pela observância da Lei dada por Deus. Mas, sendo exterior, a Lei tornava-se, sobretudo, um obstáculo para muitos, porque, quando uma lei é imposta, a primeira reacção do homem é opor-se a ela. Os hebreus veneravam a Lei, mas poucos a observavam de verdade. Aliás, o profeta anuncia a aliança nova num tempo em que, por causa das graves violações da Lei, Deus castigara severamente o seu povo com a destruição do Templo e com o exílio em Babilónia. Mas é exactamente nesse momento dramático que Deus surpreende com a promessa de uma aliança nova e de uma Lei, não já escrita em tábuas de pedra, mas nas mentes e nos corações: «Porei as minhas leis na sua mente e as imprimirei nos seus corações» (v. 10). Isto quer dizer que os homens estarão intimamente de acordo com Deus, amarão a sua vontade, terão desejo de cumpri-la, terão a mesma vontade e os mesmos desejos de Deus. É a aliança instituída por Jesus com o seu sacrifício. Ele mesmo se torna a nossa lei na caridade universal. Afirmamo-lo na eucaristia: «Este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança». Esta aliança definitiva e perfeita, une-nos definitivamente com Deus e une-nos entre nós. É bom lembrarmos isto, numa época do ano em que as igrejas cristãs rezam pela unidade.
    O evangelho apresenta-nos outra condição para a unidade: a eleição dos Doze, a instituição que exprime a pluralidade na unidade, a que se deve aderir para estar unidos a Deus. As divisões na igreja têm origem na falta de fé e de adesão à autoridade. Os pastores da Igreja são certamente homens fracos e imperfeitos. Mas Jesus constituiu-os para conservarem a unidade. Por há que rodeá-los de afecto e compreensão. Cristo Jesus está com eles!
    «Que todos sejam um só. Como Tu, ó Pai, estás em Mim, e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste», rezava Jesus (Jo 17, 21). Notemos a insistência do Senhor, não só sobre a unidade no amor, mas também so
    bre a dimensão missionária da comunidade cristã unida no amor. O mesmo se pode dizer da comunidade religiosa. «Ut sint unum» é um dos motes caros ao Pe. Dehon.

    Oratio

    Pai santo, nós Te bendizemos, por nos teres dado o teu Filho Jesus. Ele levou até ao extremo o seu amor por nós e entregou a sua vida para nos reunir na tua família. Escuta mais uma vez a sua oração que, pela nossa boca, se ergue para Ti: «Pai, guarda-os no teu amor de modo que sejam um só, como Tu estás em Mim e Eu em Ti». Aceita a oblação da nossa vida fraterna, as alegrias e os sofrimentos que partilhamos, o compromisso de vivermos reconciliados. Anima com o teu Espírito as nossas comunidades, para que permaneçam no teu amor e experimentem a plenitude da tua alegria. Amen.

    Contemplatio

    O cenáculo e o calvário eram o ponto final dos sacrifícios da antiga lei. Jesus era o verdadeiro cordeiro, sacrificado de uma maneira mística no cenáculo e de uma maneira sangrenta no calvário. Dos dois lados Jesus oferece o seu corpo e o seu sangue: «Eis o meu corpo que é entregue por vós, diz no cenáculo; eis o meu sangue que será derramado por vós». É o sacrifício novo, é a oblação pura que será oferecida por toda a parte segundo a profecia de Malaquias. Todos os caracteres dos antigos sacrifícios encontram-se aí reunidos. É o mais perfeito dos holocaustos, o único capaz de dar a Deus uma glória infinita, porque um Deus nele se humilha até tomar as aparências mais humildes. É um sacrifício eucarístico, onde Jesus Cristo mesmo se encarrega de pagar a dívida do nosso reconhecimento. É um sacrifício propiciatório: o Salvador tomou ele mesmo os nossos pecados no seu corpo, para que morrêssemos para o pecado e vivêssemos na justiça (1Pd 2, 24). É um sacrifício impetratório: Jesus é o nosso advogado junto de seu Pai (Jo 2, 1). É uma fonte infinita de graças. Os sacrifícios da antiga lei não lhe podem ser comparados. Deus dizia no Sl 49: Não tenho necessidade dos vossos gemidos nem dos vossos carneiros, é um sacrifício de louvor, um sacrifício espiritual que desejo: e no Sl 39: não quero mais os vossos holocaustos e as vossas oferendas. E o Verbo de Deus respondeu ao seu Pai: Eis-me aqui, venho oferecer o meu corpo e o meu sangue como um sacrifício voluntário que substituirá todos os da antiga lei. (Leão Dehon, OSP 4, p. 241s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Que todos sejam um só» (Jo 17, 21)

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Sábado


    21 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - II Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 9,2-3.11-14

    Irmãos: 2Na primeira aliança, tinha-se construído uma tenda, a primeira, chamada o Santo, na qual se encontrava o candelabro e a mesa dos pães da oferenda. 3Por detrás do segundo véu estava a tenda chamada Santo dos Santos. 11Mas, Cristo veio como Sumo Sacerdote dos bens futuros, através de uma tenda maior e mais perfeita, que não é feita por mão humana, isto é, não pertence a este mundo criado. 12Entrou uma só vez no Santuário, não com o sangue de carneiros ou de vitelos, mas com o seu próprio sangue, tendo obtido uma redenção eterna. 13Se, de facto, o sangue dos carneiros e dos touros e a cinza da vitela com que se aspergem os impuros, os santifica, purificando-os no corpo, 14quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo a Deus, sem mácula, purificará a nossa consciência das obras mortas, para que prestemos culto ao Deus vivo!

    O autor da Carta aos Hebreus continua a falar do sacerdócio de Cristo, da sua capacidade de ser intermediário entre Deus e os homens, e entre os homens e Deus. A mediação de Cristo não se realiza como no Antigo Testamento, ou seja, penetrando num lugar material, no Santo dos Santos, onde o Sumo Sacerdote podia entrar apenas uma vez por ano. Com Jesus, tudo muda: o culto exterior torna-se interior porque Cristo entra uma vez para sempre no santuário do céu oferecendo o seu Corpo santíssimo como oferenda viva e agradável a Deus, alcançando-nos, pelo seu Sangue, a salvação. Esse Sangue é o preço do sacrifício perfeito em que, também nós, participamos. Animado pelo Espírito, Jesus ofereceu-Se ao Pai, dando-nos a possibilidade de também nós entrarmos na festa do dom recíproco entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O novo culto não é um conjunto de ritos exteriores, mas um movimento festivo de honra prestada e recebida entre as Pessoas da Santíssima Trindade. Em Jesus, realizou-se o que era impossível aos sacerdotes da antiga aliança. Por isso, Jesus Cristo é chamado pontífice dos bens futuros (2, 5), da cidade futura (13, 14), da herança eterna prometida (9, 15).

    Evangelho: Marcos 3, 20-21

    Naquele temo, 20Jesus chegou a casa com os seus discípulos. E de novo a multidão acorreu, de tal maneira que nem podiam comer. 21E quando os seus familiares ouviram isto, saíram a ter mão nele, pois diziam: «Está fora de si!»

    A presença e a actividade de Jesus adquirem notável ressonância. Mas essa ressonância não leva necessariamente à fé. Jesus tem de enfrentar as primeiras recusas, a começar pela dos seus familiares que decidem tomar medidas drásticas contra os embaraços que lhes estava a causar, pois diziam: «Está fora de si!» (v. 21). A consanguinidade não é suficiente para criar sintonia com o Evangelho. Jesus vive o dom total de Si mesmo para com todos. Os seus familiares, em vez de O apoiarem e seguirem, querem impor-Lhe bom senso, prudência humana. No fundo estamos perante a mesma questão de sempre: ou seguir Jesus, doando-nos sem cálculos nem reservas, ou tentar tomar conta d´Ele de um qualquer modo, como fizeram os seus inimigos, para O vergarmos aos nossos interesses mesquinhos.

    Meditatio

    A Carta aos Hebreus fala-nos do dom total de Si mesmo feito por Jesus Cristo. Jesus, animado por um «Espírito eterno, ofereceu-se a si mesmo a Deus, sem mácula» (v. 14). Cristo realizou a oblação perfeita de Si mesmo, uma oblação bem diferente das oblações do culto antigo, antes referido. Jesus entrou no santuário, «não com o sangue de carneiros ou de vitelos, mas com o seu próprio sangue» (v. 12). Oferecer coisas externas é relativamente fácil; oferecer a si mesmo é mais difícil. Jesus mostrou-nos este caminho: não ofertas externas, mas ofertas pessoais. Oferecer a si mesmo, pôr-se à disposição do amor de Deus, para o serviço dos irmãos e das irmãs, até ao ponto de pôr em perigo a própria vida, se for necessário!
    Jesus pôde fazer esta oferta pessoal perfeita porque não tinha qualquer mancha, era imaculado, perfeitamente íntegro. Por outro lado, pôde oferecer-Se a Si mesmo porque tinha uma generosidade inspirada pelo Espírito Santo: «pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo a Deus» (v. 14). A sua oblação transformou o sangue derramado em sangue de aliança, em sangue que purifica e santifica. O sangue de Cristo, graças a esta oblação, «purificará a nossa consciência das obras mortas» e pôr-nos-á em condições de «prestarmos culto ao Deus vivo!»
    Na verdade, Jesus estava «fora de si» (v. 21). S. Paulo fala-nos da «loucura da cruz» (1 Cor 1, 18), uma loucura de amor, uma loucura fecunda. Depois de Jesus, quantos seus discípulos foram acusados de loucos por desprezarem a sabedoria deste mundo e se entregarem completamente à sabedoria da cruz, oferecendo-se inteiramente a Deus e ao serviço dos irmãos. Pensemos em Francisco de Assis, em João de Deus, em Leão Dehon. A loucura de Deus, como diz Paulo, é mais sábia que a sabedoria racional dos homens, porque é uma loucura que vem do amor e que, portanto, salva.
    Como Cristo «se deu totalmente ao Pai» (Cst 35) assim também «Se entregou totalmente... aos homens» (Cst 35). O que o Senhor rezou pelos apóstolos, também o reza por cada um de nós: «Por eles Me consagro (sacrifico, ofereço) a Mim mesmo, para que também eles sejam consagrados na verdade» (Jo 17, 19). O Pai, em Cristo, purificando-nos com o Seu sangue, habilitou-nos para o serviço do Deus vivo, para uma verdadeira vida de oblação (cf. Heb 9, 14), «ao Pai pelos irmãos» (Cst 6). «Essa vida leva-nos a procurar, cada vez mais fielmente, com o Senhor pobre e obediente, a vontade do Pai a nosso respeito e a respeito do mundo e torna-nos atentos aos apelos que o Pai nos dirige através dos acontecimentos pequenos e grandes e nas expectativas e realizações humanas» (Cst 35).

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, que concedeste ao Pe. Dehon a graça e a missão de enriquecer a Igreja com um Instituto religioso apostólico que vivesse da sua inspiração evangélica, ajuda-nos a fazer frutificar esse carisma, segundo as exigências da mesma Igreja e do mundo. Dá-nos o teu Espírito Santo para unirmos a nossa vida religiosa e apostólica à tua oblação reparadora ao Pai pelos homens. Que, pela nossa solidariedade contigo, a comunidade humana seja santificada e se torne uma oblação agradável a Deus. Abençoa-nos e abençoa todas as nossas iniciativas e trabalhos. Atentos aos sinais dos tempos, e em comunhão com a vida da Igreja, queremos contribuir para instaurar no mundo o reino da justiça e da caridade cristãs. Amen.

    Contemplatio

    É pelo seu Coração que Jesus exerce principalmente o seu sacerdócio. O salmo no-lo diz: Deus escreveu no Coração de Jesus a lei do sacrifício novo. S. Paulo repete-o: Pela oblaçã
    o de si mesmo, Jesus santificou-nos (Heb 10, 14). É o amor do Coração de Jesus pelo seu Pai e por nós que inspira e dirige a sua oblação e a sua imolação. A Igreja no-lo recorda na santa liturgia: no hino do tempo pascal, Ad regias agni dapes, mostra-nos o amor-sacerdote, ou o Coração sacerdotal de Jesus oferecendo o sacrifício redentor: «É a caridade, é o amor-sacerdote, que derramou o sangue e imolou a carne do divino cordeiro sobre a cruz». «Como amava os seus, Jesus amou-os até ao fim» (Jo13). Depois de uma vida toda de sacrifício, entrega-se aos perseguidores e aos seus carrascos que o crucificam. «É, diz, para que o mundo seja testemunha do amor que tenho pelo meu Pai» (Jo 14). «Amou-me, diz S. Paulo, e entregou-se por mim» (Gl 2). (Leão Dehon, OSP 3, p. 687).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Pelo Espírito eterno, Cristo ofereceu-se a si mesmo a Deus» (Heb 9, 14)»

  • 03º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    03º Domingo do Tempo Comum - Ano A


    22 de Janeiro, 2023

    Ano A
    Tema do 3º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo apresenta-nos o projecto de salvação e de vida plena que Deus tem para oferecer ao mundo e aos homens: o projecto do "Reino".
    Na primeira leitura, o profeta/poeta Isaías anuncia uma luz que Deus irá fazer brilhar por cima das montanhas da Galileia e que porá fim às trevas que submergem todos aqueles que estão prisioneiros da morte, da injustiça, do sofrimento, do desespero.
    O Evangelho descreve a realização da promessa profética: Jesus é a luz que começa a brilhar na Galileia e propõe aos homens de toda a terra a Boa Nova da chegada do "Reino". Ao apelo de Jesus, respondem os discípulos: eles serão os primeiros destinatários da proposta e as testemunhas encarregadas de levar o "Reino" a toda a terra.
    A segunda leitura apresenta as vicissitudes de uma comunidade de discípulos, que esqueceram Jesus e a sua proposta. Paulo, o apóstolo, exorta-os veementemente a redescobrirem os fundamentos da sua fé e dos compromissos assumidos no baptismo.

    LEITURA I - Is 8,23b-9,3

    Leitura do Livro de Isaías

    Assim como no tempo passado
    foi humilhada a terra de Zabulão e de Neftali,
    também no futuro será coberto de glória
    o caminho do mar, o Além do Jordão, a Galileia dos gentios.
    O povo que andava nas trevas viu uma grande luz;
    para aqueles que habitavam nas sombras da morte
    uma luz se levantou.
    Multiplicastes a sua alegria,
    aumentastes o seu contentamento.
    Rejubilam na vossa presença,
    como os que se alegram no tempo da colheita,
    como exultam os que repartem despojos.
    Vós quebrastes, como no dia de Madiã,
    o jugo que pesava sobre o povo,
    o madeiro que ele tinha sobre os ombros
    e o bastão do opressor.

    AMBIENTE

    O Livro do profeta Isaías propõe-nos um conjunto de oráculos ditos "messiânicos", que alimentam a esperança do Povo nesse mundo de justiça e de paz que Deus, num futuro sem data marcada, vai oferecer aos seus. Há quem defenda, no entanto, que esses textos messiânicos não provêm de Isaías, mas são oráculos posteriores, enxertados no texto original do profeta pelo editor final da obra isaiana.
    O nosso texto pertence, provavelmente, à fase final da vida do profeta. Estamos no final do séc. VIII a.C.. Os assírios (que em 721 a.C. conquistaram Samaria, a antiga capital do reino de Israel) oprimem e humilham as tribos do Povo de Deus instaladas na região norte do país (Zabulão e Neftali); as trevas da desolação e da morte cobrem toda a região setentrional da Palestina.
    No sul, em Jerusalém, reina Ezequias. O rei, desdenhando as indicações do profeta (para quem as alianças políticas com os povos estrangeiros são sintoma de grave infidelidade para com Jahwéh, pois significam colocar a confiança e a esperança nos homens), envia embaixadas ao Egipto, à Fenícia e à Babilónia, procurando consolidar uma frente contra a maior e mais ameaçadora potência da época - a Assíria. A resposta de Senaquerib, rei da Assíria, não se faz esperar: tendo vencido sucessivamente os membros da coligação, volta-se contra Judá, devasta o país e põe cerco a Jerusalém (701 a.C.). Ezequias tem de submeter-se e fica a pagar um pesado tributo aos assírios.
    Por essa época, desiludido com os reis e com a política, o profeta teria começado a sonhar com uma intervenção de Deus para oferecer ao seu Povo um mundo novo, de liberdade e de paz sem fim. Este texto pode ser dessa época.

    MENSAGEM

    O nosso texto está construído sobre um jogo de oposições: "humilhar/cobrir de glória", "trevas/luz", "caminhar nas sombras da morte (desolação, desespero)/alegria e contentamento". Os conceitos negativos ("humilhar", "trevas", "caminhar nas sombras da morte") definem a situação actual; os conceitos positivos ("cobrir de glória", "luz", "alegria e contentamento") definem a situação futura.
    Como se passará da actual situação de opressão, de frustração, de desespero, à situação futura de alegria, de contentamento, de esperança?
    O profeta fala de "uma luz" que irá começar a brilhar por cima dos montes da Galileia e que irá iluminar toda a terra. Essa luz eliminará "as trevas" que mantinham o Povo oprimido e sem esperança e inaugurará o dia novo da alegria e da paz sem fim. O jugo da opressão que pesava sobre o Povo será, então, quebrado e a paz deixará de ser uma miragem para se tornar uma realidade. Para descrever a alegria que, nesse novo quadro, encherá o coração do Povo, o profeta utiliza duas imagens extremamente sugestivas: é como quando, no fim das colheitas, toda a gente dança feliz, celebrando a abundância dos alimentos; é como quando, após a caçada, os caçadores dividem a presa abundante.
    Qual a origem dessa luz libertadora e recriadora? O sujeito dos verbos do versículo 3 é, indubitavelmente, Deus: será Deus quem quebrará a vara do opressor, quem levantará o jugo que oprime o Povo de Deus, quem triturará o bastão de comando que gera escravidão e humilhação. O mundo novo de alegria e de paz sem fim é um dom de Deus.
    O nosso texto fica por aqui; mas, na sequência, o oráculo de Isaías ainda fala num "menino", enviado por Deus para restaurar o trono de David e para reinar no direito e na justiça (cf. Is 9,5-6). É a promessa messiânica em todo o seu esplendor.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a partilha da Palavra podem fazer-se a partir dos seguintes elementos:

    • É Jesus, a luz que ilumina o mundo com uma aurora de esperança, que dá sentido pleno a esta profecia messiânica de Isaías. Ele é "Aquele que veio de Deus" para vencer as trevas e as sombras da morte que ocultavam a esperança e instaurar o mundo novo da justiça, da paz, da felicidade. No entanto, a luz de Jesus é, hoje, uma realidade instituída, viva, actuante na história humana? Porquê?

    • Acolher Jesus é aceitar esse projecto de justiça e de paz que Ele veio propor aos homens. Esforçamo-nos por tornar realidade o "Reino de Deus"? Como lidamos com as situações de injustiça, de opressão, de conflito, de violência: com a indiferença de quem sente que não tem nada a ver com isso enquanto essas realidades não nos atingem directamente, ou com a inquietação de quem se sente responsável pela instauração do "Reino de Deus" entre os homens?

    • Em que, ou em quem, coloco eu a minha esperança e a minha segurança: nos políticos que me prometem tudo e se servem da minha ingenuidade para fins próprios? No dinheiro que se desvaloriza e que não
    serve para comprar a paz do meu coração? Na situação sólida da minha empresa, que pode desfazer-se diante das próximas convulsões sociais ou durante a próxima crise energética? Isaías sugere que só podemos confiar em Deus e na sua decisão de vir ao nosso encontro para nos apresentar uma proposta de vida e de paz.

    SALMO REPONSORIAL - Salmo 26 (27)

    Refrão 1: O Senhor é minha luz e salvação.

    Refrão 2: O Senhor me ilumina e me salva.

    O Senhor é minha luz e salvação:
    a quem hei-de temer?
    O Senhor é protector da minha vida:
    de quem hei-de ter medo?

    Uma coisa peço ao Senhor, por ela anseio:
    habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida,
    para gozar da suavidade do Senhor
    e visitar o seu santuário.

    Espero vir a contemplar a bondade do Senhor
    na terra dos vivos.
    Confia no Senhor, sê forte.
    Tem confiança e confia no Senhor.

    LEITURA II - 1 Cor 1,10-13.17

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Rogo-vos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo,
    que faleis todos a mesma linguagem
    e que não haja divisões entre vós,
    permanecendo bem unidos,
    no mesmo pensar e no mesmo agir.
    Eu soube, meus irmãos, pela gente de Cloé,
    que há divisões entre vós, que há entre vós quem diga:
    «Eu sou de Paulo», «eu de Apolo»,
    «eu de Pedro», «eu de Cristo».
    Estará Cristo dividido?
    Porventura Paulo foi crucificado por vós?
    Foi em nome de Paulo que recebestes o Baptismo?
    Na verdade, Cristo não me enviou para baptizar,
    mas para anunciar o Evangelho;
    não, porém, com sabedoria de palavras,
    a fim de não desvirtuar a cruz de Cristo.

    AMBIENTE

    Após ter abandonado a cidade de Corinto, Paulo continuou em contacto com a comunidade cristã. Mesmo distante, continuava a acompanhar a vida da comunidade e inteirava-se regularmente das dificuldades e problemas que os seus queridos filhos de Corinto tinham de enfrentar.
    Quando escreveu a primeira carta aos Coríntios, Paulo estava em Éfeso. De Corinto haviam chegado, entretanto, notícias alarmantes. Após a partida de Paulo, tinha aparecido na cidade um pregador cristão - um tal Apolo, judeu de Antioquia, convertido ao cristianismo. Era eloquente, versado nas Escrituras e foi de grande utilidade para a comunidade na polémica com os judeus. Era mais brilhante do que Paulo - conhecido pela sua falta de eloquência (cf. 2 Cor 10,10). Formaram-se partidos na comunidade (embora Apolo não favorecesse essa divisão, segundo parece): uns admiravam Paulo, outros Cefas (Pedro), outros Apolo (cf. 1 Cor 1,12). Formaram-se "partidos", à imagem do que acontecia nas escolas filosóficas da cidade, que tinham os seus mestres, à volta dos quais circulavam os adeptos ou simpatizantes: o cristianismo tornava-se, dessa forma, mais uma escola de sabedoria, na qual era possível optar por mestres distintos.
    A situação preocupou enormemente Paulo: além dos conflitos e rivalidades que a divisão provocava, estava em causa a essência da fé. O cristianismo corria, dessa forma, o perigo de se tornar mais uma escola de sabedoria, cuja validade dependia do brilho dos mestres que apresentavam a ideologia e do seu poder de convicção.

    MENSAGEM

    Para Paulo, contudo, o cristianismo não era a escolha de uma determinada filosofia de vida, defendida mais ou menos brilhantemente por um mestre qualquer; mas era a adesão a Jesus Cristo, o único e verdadeiro mestre.
    Paulo não mede as palavras: a Cristo e unicamente a Cristo os cristãos, todos, foram consagrados pelo baptismo. É Cristo e só Cristo a única fonte de salvação. Ser baptizado é entrar a fazer parte do corpo de Cristo e participar no acontecimento salvador do qual Cristo é o único mediador. Dizer que se é de Paulo, ou de Cefas, ou de Pedro é, portanto, desvirtuar gravemente a essência da fé cristã. Foi Paulo quem foi crucificado em benefício dos coríntios? O baptismo significou uma adesão à doutrina de Paulo, ou de outro qualquer mestre?
    Deve ficar bem claro que o importante não é quem baptizou ou quem anunciou o Evangelho: o importante é Cristo, do qual Paulo, Cefas e Apolo são simples e humanos instrumentos. Os coríntios são, portanto, intimados a não fixar a sua atenção em mestres humanos e a redescobrir Cristo, morto na cruz para dar vida a todos, como a essência da sua fé e do seu compromisso. Dessa forma, a comunidade será uma verdadeira família de irmãos, que recebe vida de Cristo, que vive em unidade e comunhão.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para reflectir, considerar os seguintes dados:

    • O texto recorda que a experiência cristã é, fundamentalmente, um encontro com Cristo; é d'Ele e só d'Ele que brota a salvação. A vivência da nossa fé não pode, portanto, depender do carisma da pessoa tal, ou estar ligada à personalidade brilhante deste ou daquele indivíduo que preside à comunidade. Para além da forma mais ou menos brilhante, mais ou menos coerente como tal pessoa anuncia ou testemunha o Evangelho, tem de estar a nossa aposta em Cristo; é n'Ele e só n'Ele que bebemos a salvação; é a Ele e só a Ele que o nosso compromisso baptismal nos liga. Cristo é, de facto, a minha referência fundamental? É à volta d'Ele e da sua proposta de vida que a minha experiência de fé se constrói? Em concreto: que sentido é que faz, neste contexto, dizer que só se vai à missa se for tal padre a presidir? Que sentido é que faz afastar-se da comunidade porque não gostamos da atitude ou do jeito de ser deste ou daquele animador?

    • Neste contexto, ainda, que sentido fazem os ciúmes, os conflitos, os partidos, que existem, com frequência, nas nossas comunidades cristãs? Cristo pode estar dividido? Os conflitos e as divisões não serão um sinal claro de que, algures durante a caminhada, os membros da comunidade perderam Cristo? As guerras e rivalidades dentro de uma comunidade não serão um sinal evidente de que o que nos move não é Cristo, mas os nossos interesses, o nosso orgulho, o nosso egoísmo?

    • Há casos em que as pessoas com responsabilidade de animação nas comunidades cristãs favorecem, consciente ou inconscientemente, o culto da personalidade. Não se preocupam em levar as pessoas a descobrir Cristo, mas em conduzir o olhar e o coração dos fiéis para a sua própria e brilhante personalidade. Tornam-se imprescindíveis e inamovíveis, são incensadas e endeusadas e potenciam grupos de pressão que as admiram, que as apoiam e que as seguem de olhos fechados. Que sentido é que isto faz, à luz daquilo que Paulo nos diz, neste texto?

    ALELUIA - cf. Mt 4,23

    Aleluia. Aleluia.

    Jesus proclamava o Evangelho do reino
    e curava todas as doenças entre o povo.

    EVANGELHO - Mt 4,12-23

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Quando Jesus ouviu dizer
    que João Baptista fora preso,
    retirou-Se para a Galileia.
    Deixou Nazaré e foi habitar em Cafarnaum,
    terra à beira-mar, no território de Zabulão e Neftali.
    Assim se cumpria o que o profeta Isaías anunciara, ao dizer:
    «Terra de Zabulão e terra de Neftali,
    estrada do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios:
    o povo que vivia nas trevas viu uma grande luz;
    para aqueles que habitavam na sombria região da morte,
    uma luz se levantou».
    Desde então, Jesus começou a pregar:
    «Arrependei-vos, porque o reino de Deus está próximo».
    Caminhando ao longo do mar da Galileia,
    viu dois irmãos:
    Simão, chamado Pedro, e seu irmão André,
    que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores.
    Disse-lhes Jesus: «Vinde e segui-Me
    e farei de vós pescadores de homens».
    Eles deixaram logo as redes e seguiram-n'O.
    Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos:
    Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João,
    que estavam no barco, na companhia de seu pai Zebedeu,
    a consertar as redes.
    Jesus chamou-os
    e eles, deixando o barco e o pai, seguiram-n'O.
    Depois começou a percorrer toda a Galileia,
    ensinando nas sinagogas,
    proclamando o Evangelho do reino
    e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo.

    AMBIENTE

    O texto que nos é proposto como Evangelho funciona um pouco como texto-charneira, que encerra a etapa da preparação de Jesus para a missão (cf. Mt 3,1-4,16) e que lança a etapa do anúncio do Reino.
    O texto situa-nos na Galileia, a região setentrional da Palestina, zona de população mesclada e ponto de encontro de muitos povos. Refere, ainda, a cidade de Cafarnaum: situada no limite do território de Zabulão e de Neftali, na margem noroeste do lago de Genezaré, no enfiamento do "caminho do mar" (que ligava o Egipto e a Mesopotâmia), era considerada a capital judaica da Galileia (Tiberíades, a capital política da região, por causa dos seus costumes gentílicos e por estar construída sobre um cemitério, era evitada pelos judeus). A sua situação geográfica abria-lhe, também, as portas dos territórios dos povos pagãos da margem oriental do lago.

    MENSAGEM

    Na primeira parte (cf. Mt 4,12-16), Mateus refere como Jesus abandona Nazaré, o seu lugar de residência habitual, e se transfere para Cafarnaum. Mateus descobre nesse facto um significado profundo, à luz de Is 8,23-9,1: a "luz" que havia de eliminar as trevas e as sombras da morte de que fala Isaías é, para Mateus, o próprio Jesus. Na terra humilhada de Zabulão e Neftali, vai começar a brilhar a luz da libertação; e essa libertação vai atingir, também, os pagãos que acolherem o anúncio do Reino (para Mateus, é bem significativo que o primeiro anúncio ecoe na Galileia, terra onde os gentios se misturam com os judeus e, concretamente, em Cafarnaum, a cidade que, pela sua situação geográfica, é uma ponte para as terras dos pagãos). O anúncio libertador de Jesus apresenta, desde logo, uma dimensão universal.
    Na segunda parte (cf. Mt 4,17-23), Mateus apresenta o lançamento da missão de Jesus: define-se o conteúdo básico da pregação que se inicia, mostra-se o "Reino" como realidade viva actuante, apresentam-se os primeiros discípulos que acolhem o apelo do "Reino" e que vão acompanhar Jesus na missão.
    Qual é, em primeiro lugar, o conteúdo do anúncio? O versículo 17 di-lo de forma clara: Jesus veio trazer "o Reino". A expressão "Reino de Deus" (ou "Reino dos céus", como prefere dizer Mateus) refere-se, no Antigo Testamento e na época de Jesus, ao exercício do poder soberano de Deus sobre os homens e sobre o mundo. Decepcionado com a forma como os reis humanos exerceram a realeza (no discurso profético aparecem, a par e passo, denúncias de injustiças cometidas pelos reis contra os pobres, de atropelos ao direito orquestrados pela classe dirigente, de responsabilidades dos líderes no abandono da aliança, de graves omissões no que diz respeito aos compromissos assumidos para com Jahwéh), o Povo de Deus começa a sonhar com um tempo novo, em que o próprio Deus vai reinar sobre o seu Povo; esse reinado será marcado - na perspectiva dos teólogos de Israel - pela justiça, pela misericórdia, pela preocupação de Deus em relação aos pobres e marginalizados, pela abundância e fecundidade, pela paz sem fim.
    Jesus tem consciência de que a chegada do "Reino" está ligada à sua pessoa. O seu primeiro anúncio resume-se, para Mateus, no seguinte slogan: "arrependei-os ('metanoeite') porque o Reino dos céus está a chegar".
    O convite à conversão ("metanoia") é um convite a uma mudança radical na mentalidade, nos valores, na postura vital. Corresponde, fundamentalmente, a um reorientar a vida para Deus, a um reequacionar a vida, de modo a que Deus e os seus valores passem a estar no centro da existência do homem; só quando o homem aceita que Deus ocupe o lugar que Lhe compete, está preparado para aceitar a realeza de Deus... Então, o "Reino" pode nascer e tornar-se realidade no mundo e nos corações.
    Na sequência, Mateus apresenta Jesus a construir activamente o "Reino" (vers. 23-24): as suas palavras anunciam essa nova realidade e os seus gestos (os milagres, as curas, as vitórias sobre tudo o que rouba a vida e a felicidade do homem) são sinais evidentes de que Deus começou já a reinar e a transformar a escravidão em vida e liberdade.
    Finalmente, Mateus descreve o chamamento dos primeiros discípulos (vers. 18-22). Não se trata, segundo parece (a comparação deste relato, que Mateus toma de Marcos, com os relatos paralelos de Lucas e João, mostra que estamos diante de um relato estilizado, cujo objectivo é pôr em relevo os passos fundamentais da vocação) de um relato jornalístico de acontecimentos, mas de uma catequese sobre o chamamento e a adesão ao projecto do "Reino". Através da resposta pronta de Pedro e André, Tiago e João, propõe-se um exemplo da conversão radical ao "Reino" e de adesão às suas exigências.
    O relato sublinha uma diferença fundamental entre os chamados por Jesus e os discípulos que se juntavam à volta dos mestres do judaísmo: não são os discípulos que escolhem o mestre e pedem para entrar no seu grupo, como acontecia com os discípulos dos "rabbis"; mas a iniciativa é de Jesus, que chama os discípulos que Ele próprio escolheu, que os convida a segui-l'O e lhes propõe uma missão.
    A resposta dos quatro discípulos ao chamamento é paradigmática: renunciam
    à família, ao seu trabalho, às seguranças instituídas e seguem Jesus sem condições. Esta ruptura (que significa não só uma ruptura afectiva com pessoas, mas também a ruptura com um quadro de referências sociais e de segurança económica) indicia uma opção radical pelo "Reino" e pelas suas exigências.
    Uma palavra para a missão que é proposta aos discípulos que aceitam o desafio do "Reino": eles serão pescadores de homens. O mar é, na cultura judaica, o lugar dos demónios, das forças da morte que se opõem à vida e à felicidade dos homens; a tarefa dos discípulos que aceitam integrar o "Reino" será, portanto, libertar os homens dessa realidade de morte e de escravidão em que eles estão mergulhados, conduzindo-os à liberdade e à realização plenas.
    Estes quatro discípulos representam todo o grupo dos discípulos, de todos os tempos e lugares... Eles devem responder positivamente ao chamamento, optar pelo "Reino" e pelas suas exigências e tornarem-se testemunhas da vida e da salvação de Deus no meio dos homens e do mundo.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a partilha da Palavra que nos é proposta podem partir dos seguintes dados:

    • Jesus é o Deus que vem ao nosso encontro para realizar os nossos sonhos de felicidade sem limites e de paz sem fim. N'Ele e através d'Ele (das suas palavras, dos seus gestos), o "Reino" aproximou-se dos homens e deixou de ser uma quimera, para se tornar numa realidade em construção no mundo. Contemplar o anúncio de Jesus é abismar-se na contemplação de uma incrível história de amor, protagonizada por um Deus que não cessa de nos oferecer oportunidades de realização e de vida plena. Sobretudo, o anúncio de Jesus toca e enche de júbilo o coração dos pobres e humilhados, daqueles cuja voz não chega ao trono dos poderosos, nem encontram lugar à mesa farta do consumismo, nem protagonizam as histórias balofas das colunas sociais. Para eles, ouvir dizer que "o Reino chegou" significa que Deus quer oferecer-lhes essa vida plena e feliz que os grandes e poderosos insistem em negar-lhes.

    • Para que o "Reino" seja possível, Jesus pede a "conversão". Ela é, antes de mais, um refazer a existência, de forma a que só Deus ocupe o primeiro lugar na vida do homem. Implica, portanto, despir-se do egoísmo que impede de estar atento às necessidades dos irmãos; implica a renúncia ao comodismo, que impede o compromisso com os valores do Evangelho; implica o sair do isolamento e da auto-suficiência, para estabelecer relação e para fazer da vida um dom e um serviço aos outros... O que é que nas estruturas da sociedade ainda impede a efectivação do "Reino"? O que é que na minha vida, nas minhas opções, nos meus comportamentos constitui um obstáculo à chegada do "Reino"?

    • A história do compromisso de Pedro e André, Tiago e João com Jesus e com o "Reino" é uma história que define os traços essenciais da caminhada de qualquer discípulo... Em primeiro lugar, é preciso ter consciência de que é Jesus que chama e que propõe o Reino; em segundo lugar, é preciso ter a coragem de aceitar o chamamento e fazer do "Reino" a prioridade essencial (o que pode implicar, até, deixar para segundo plano os afectos, as seguranças, os valores humanos); em terceiro lugar, é preciso acolher a missão que Jesus confia e comprometer-se corajosamente na construção do "Reino" no mundo. É este o caminho que eu tenho vindo a percorrer?

    • A missão dos que escutaram o apelo do "Reino" passa por testemunhar a salvação que Deus tem para oferecer a todos os homens, sem excepção. Nós, discípulos de Jesus, comprometidos com a construção do "Reino", somos testemunhas da libertação e levamos a Boa Nova da salvação aos homens de toda a terra? Aqueles que vivem condenados à marginalização (por causa do fraco poder económico, por causa da doença, por causa da solidão, por causa do seu inexistente poder de reivindicação), já receberam, através do nosso testemunho, a Boa Nova do "Reino"?

    • Em certos momentos da história, procura vender-se a ideia de que o mundo novo da justiça e da paz se constrói a golpes de poder militar, de mísseis, de armas sofisticadas, de instrumentos de morte... Atenção: a lógica do "Reino" não é uma lógica de violência, de vingança, de destruição; mas é uma lógica de amor, de doação da vida, de comunhão fraterna, de tolerância, de respeito pelos outros. A tentação da violência é uma tentação diabólica, que só gera sofrimento e escravidão: aí, o "Reino" não está.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS
    PARA O 3º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo do 3º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. ORAÇÃO PARA A UNIDADE DOS CRISTÃOS.
    Este domingo situa-se no centro da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (18-25 de Janeiro). Pode-se associar a assembleia a esta intenção fundamental da Unidade. Pode ser proposta uma caminhada no momento do Credo: lamparinas ou pequenas velas são distribuídas aos fiéis à entrada da igreja e acesas para a profissão de fé; terminada esta, todos vão em procissão e colocam-nas junto a uma grande Cruz perto do altar. Antes da profissão de fé, uma introdução apresenta o gesto como o reconhecimento da luz da Cruz, única fonte de Unidade.

    3. BILHETE DE EVANGELHO: UNIDADE E PAZ...
    Estamos quase a terminar o mês de Janeiro, celebrando duas dimensões marcantes da caminhada neste mês: a Paz (Natal e primeiro dia do ano) e a Unidade (Semana de Oração que estamos a viver). Nestes dias, rezamos pela Unidade, em comunhão com todos os nossos irmãos cristãos que a história separou. Em Dezembro e início do ano, rezámos pela Paz, em comunhão com todos os crentes que erguem os olhos para Aquele que chamam Deus. Devemos desejar esta Unidade e esta Paz, porque sofremos todos da separação e dos conflitos de vária ordem. Mas se a Unidade e a Paz permanecem apenas como votos, quem os realizará? É preciso decidir e fazer a Unidade. Há palavras, gestos, caminhadas que unem, que congregam. Isso tem um nome: Reconciliação. É preciso decidir e fazer a Paz: há mãos estendidas, olhares benevolentes, escutas atentas, palavras apaziguadoras, julgamentos compreensíveis. Isso tem um nome: Perdão. A Unidade e a Paz: podemos desejá-las! A Reconciliação e o Perdão: devemos decidi-los!

    4. ATENÇÃO ÀS CRIANÇAS.
    A primeira leitura e o Evangelho mencionam nomes de lugares. Para os concretizar junto das crianças, pode-se preparar um mapa (foto, desenho ou projecção) da terra de Jesus. Nele podemos inscrever o nome dos lugares mencionados, mas também alguns pontos de referência: o Mediterrâneo, Jerusalém, Belém. O objectivo é ajudar as crianças a perceber que este país existe e que há, como no nosso país, cidades, aldeias, regiões, montanhas, lagos, etc. Este mapa pode ser apresentado durante a introdução às leituras. Os lugares de referência estão já são escritos anteriormente. Os que são mencionados nas leituras são colocados pelas crianças no momento em que são citados pelo leitor.

    5. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus de luz e de glória, nós Te damos graças pela tua constante presença ao lado do teu povo. Depois da saída do Egipto até hoje, Tu nos visitas sempre que estamos nas trevas.
    Nós Te pedimos pelos nossos irmãos que habitam a terra das trevas, e por nós mesmos, que nos envias a levar-lhes a luz.

    No final da segunda leitura:
    Deus nosso Pai, nós Te bendizemos pelo Espírito de unidade que revelas às tuas Igrejas em todo o tempo e lugar, desde a época de São Paulo até aos nossos dias.
    Nós Te pedimos pelas comunidades e pelas famílias cristãs: que não haja divisão entre nós, que estejamos em perfeita harmonia, para tornar credível o anúncio do Evangelho e a salvação pela Cruz de Cristo.

    No final do Evangelho:
    Nosso Pai, nós Te louvamos pelo Reino dos céus, do qual manifestaste a presença no meio de nós, e pelo apelo que diriges a cada um de nós.
    Nós Te pedimos pelas tuas comunidades e por todos nós: Converte os nossos corações à tua presença nas nossas vidas. Tu nos envias como pescadores de homens. Fortalece a nossa fé em Ti, que ela seja irradiadora de luz.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística I, dizendo o nome dos apóstolos referidos no Evangelho...

    7. PALAVRA EXPLICADA: A ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    O Missal actual propõe, à escolha, uma dezena de orações eucarísticas, enquanto, antes do Concílio, as liturgias latinas só conheciam uma, o cânone romano, a actual Oração Eucarística I. Todas as dez orações eucarísticas têm os mesmos elementos, com importantes variantes, mas a organização do conjunto varia ligeiramente: na Oração Eucarística I, as intercessões pelos vivos são colocadas antes da narração da Última Ceia e, nas orações eucarísticas das assembleias com crianças, são mais numerosas que nas outras. Todas as orações eucarísticas começam pelo louvor a Deus e a recordação das suas obras, com uma evocação da liturgia celeste, à qual nos associamos pelo cântico do Três vezes Santo. O louvor converge para a narração da Última Ceia que é o culminar da obra da salvação. As palavras que envolvem e seguem esta narração exprimem a implicação que ela tem para a assembleia: expressão de oferenda, invocação do Espírito Santo, intercessões pela Igreja, pelos seus membros vivos e defuntos, e pelo mundo.

    8. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Irradiar a luz... Os textos bíblicos de hoje são atravessados de Luz para o nosso caminho de trevas. Quantos homens e mulheres andam à procura de sentido e procuram o seu caminho na noite... As nossas vidas de baptizados estão em coerência com Aquele de quem nos reclamamos como cristãos? A Luz do Ressuscitado é-nos confiada para nos juntarmos aos nossos irmãos... Somos focos que irradiam luz ou candeeiros opacos?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador: P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Segunda-feira


    23 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 9, 15.24-28

    Cristo é o mediador de uma nova aliança, um novo testamento; para que, intervindo a morte para a remissão das transgressões cometidas sob a primeira aliança, os chamados recebam a herança eterna prometida. 24Na realidade, Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, figura do verdadeiro santuário, mas entrou no próprio céu, para se apresentar agora diante de Deus em nosso favor. 25E nem entrou para se oferecer a si mesmo muitas vezes, tal como o Sumo Sacerdote, que entra cada ano no santuário com sangue alheio; 26nesse caso, deveria ter sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo. Agora, porém, na plenitude dos tempos, apareceu uma só vez para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo. 27E, assim como está determinado que os homens morram uma só vez e depois tenha lugar o julgamento, 28assim também Cristo, que se ofereceu uma só vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá uma segunda vez, não já por causa do pecado, mas para dar a salvação àqueles que o esperam.

    Cristo é o mediador da nova aliança. O sumo sacerdote da antiga aliança, em nome de todo o povo, entrava em relação directa com Deus por meio de sacrifícios e vitimas animais, levava-Lhe as ofertas e trazia à assembleia a bênção divina em sinal de reconciliação. Cristo, sumo sacerdote da nova lei, é, agora, o mediador entre Deus e a humanidade. Há, pois, continuidade entre a antiga e a nova aliança. Mas também há descontinuidade: Jesus não é apenas sacerdote da nova aliança; é também vítima. Na paixão, entregou-se a Deus pelos pecadores. Não ofereceu sangue de outros, mas o seu próprio sangue. A perfeição do sacrifício de Cristo está na origem da sua unicidade e da unicidade da nova aliança estabelecida por meio dele. A sua actividade sacerdotal completa-se na cruz. Na Ascensão, entra no «Santo dos santos», que não é um templo construído por mãos humanas, mas o próprio Céu, e lá permanece Cordeiro imolado, mas de pé, diante de Deus para interceder por nós (cf. Ap 5, 6). O pecado perdeu toda a sua força. Para todos foi aberto o «caminho novo» (Heb 10, 20) para regressar ao Pai.

    Evangelho: Mc 3, 22-30

    Naquele tempo, 22os doutores da Lei, que tinham descido de Jerusalém, afirmavam: «Ele tem Belzebu!» E ainda: «É pelo chefe dos demónios que expulsa os demónios.» 23Então, Jesus chamou-os e disse-lhes em parábolas: «Como pode Satanás expulsar Satanás? 24Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode perdurar; 25e se uma família se dividir contra si mesma, essa família não pode subsistir. 26Se, portanto, Satanás se levanta contra si próprio, está dividido e não poderá subsistir; é o seu fim. 27Ninguém consegue entrar em casa de um homem forte e roubar-lhe os bens sem primeiro o amarrar; só depois poderá saquear-lhe a casa. 28Em verdade vos digo: todos os pecados e todas as blasfémias que proferirem os filhos dos homens, tudo lhes será perdoado; 29mas, quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão: é réu de pecado eterno.» 30Disse-lhes isto porque eles afirmavam: «Tem um espírito maligno.»

    O «tribunal» vindo de Jerusalém, não podendo negar a evidência prodígios que Jesus operava, insinua que é por Belzebu que Ele expulsa os demónios. Jesus enfrenta decidida e corajosamente os seus caluniadores, ainda que «em parábolas», para os refutar. Evidencia as suas contradições: se fosse Satanás a expulsar Satanás, não era preciso estar preocupados com ele, porque o seu poder tinha chegado ao fim.
    As palavras de Jesus, cheias da ironia, que Marcos várias vezes anota, são uma profecia: efectivamente o reino de Satanás estava prestes a findar, porque se aproximava o reino dos céus, ou melhor, já estava presente.
    Libertar os pecadores do poder de Satanás e da escravidão do pecado era um sinal claro de que Jesus actuava em nome de Deus. Dizer que actuava pelo poder do «espírito maligno» era blasfemar contra o Espírito Santo.

    Meditatio

    A Carta aos Hebreus apresenta-nos o fundamento da unidade pela qual a Igreja reza: o único sacrifício de Cristo. O autor insiste em dizer que Cristo sofreu uma só vez: «apareceu uma só vez para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo» (v. 26). Sendo assim, a Missa, que é o sacramento do único sacrifício de Cristo, é o fundamento da unidade. Quando participamos na Eucaristia, havemos de oferecer o sacrifício de Cristo pela unidade de todos os que acreditam n´Ele.
    É bom rezarmos pela unidade da Igreja, particularmente neste tempo em que as diversas tradições cristãs o fazem. Mas o tema que unifica as duas leituras é o destino do homem, a sua salvação eterna ou condenação eterna. Ainda que frágil como a erva do campo, o homem não foi criado apenas para um breve respiro na terra. O seu destino é viver para sempre. Para sempre. A desproporção entre a nossa pequenez e a grandeza do nosso destino pode assustar-nos. Por isso, facilmente somos tentados a redimensionar a nossa vida, reduzindo-a ao tempo presente, satisfazendo-nos com um bom trabalho, honestas relações com os outros e pouco mais. Mas isso não chega! Ainda que tantas vezes sufocado, persiste em nós o desejo de infinito: o Espírito que habita em nós clama que fomos feitos para um amor sem medida. O homem está realmente condenado à santidade ou ao desespero. Mas, que é a santidade? O evangelho diz-nos, de modo muito simples, que ela é comunhão com Jesus. Então tudo muda de figura: quando rezo, estou com Jesus diante do Pai para adorar, interceder, dar graças; quando trabalho, estou com Jesus ao serviço do meu próximo; quando sofro, participo na paixão de Jesus para salvação do mundo; quando chega para mim a hora da morte, estou unido à morte redentora de Cristo, entro na sua páscoa e antegozo a alegria de ver descoberto o rosto d´Aquele que me amou e Se entregou por mim.
    Afirmam as nossas Constituições: «Discípulos do Padre Dehon, queremos fazer da nossa união com Cristo, no seu amor pelo Pai e pelos homens, o princípio e o centro da nossa vida» (n. 17). Talvez fosse preferível escrever: «Discípulos de Cristo, por meio do P. Dehon...». De facto, Cristo é o único Mestre: «Um só é o vosso mestre e todos vós sois irmãos» (Mt 23, 8). De qualquer modo, o P. Dehon é sempre nosso modelo, também na vida de união a Cristo. Sabemos como essa união marcou a sua experiência de fé, que tem para nós um valor constitutivo, influencia a nossa própria experiência de fé, e marca a forma de seguirmos a Cristo, único Mestre. A união com Cristo tem o seu mais eficaz comentário na alegoria da videira (cf. Jo 15, 1-8). A união a Cristo &eacu
    te; fundamento e condição para a união entre os seus discípulos.

    Oratio

    Pai santo, nós Te bendizemos, em união com Jesus, teu Filho, levantado da terra para nossa salvação. Do seu Lado aberto acolhemos o dom do Espírito, que nos purifica do pecado e renova na caridade. Torna-nos disponíveis para seguirmos a Jesus na sua oblação para salvação do mundo. Nós Te oferecemos este dia, dom do teu amor e tempo de salvação. Acolhe os trabalhos e as esperanças da Igreja, que procura a unidade, as alegrias e os sofrimentos de toda a humanidade. Que a nossa vida, crucificada com Cristo, se torne um serviço sacerdotal para o advento do teu reino. Amen.

    Contemplatio

    O Espírito de doçura é o verdadeiro espírito dos discípulos de Jesus Cristo. Não é Deus todo amor? Deus Pai é o pai das misericórdias; Deus filho nomeia-se a si mesmo um cordeiro; Deus Espírito Santo mostrou-se sob a forma de uma pomba que é a própria mansidão. Se houvesse alguma coisa melhor, Nosso Senhor no-la teria dito, mas dá-nos apenas duas lições para nós aprendermos dele: a mansidão e a humildade de coração. A mansidão é como o perfume da vida de Nosso Senhor. Foi submetido a muitas contradições, críticas, murmurações. Foi olhado como um impostor, como um sedicioso, um samaritano, um possesso do demónio. Tomaram pedras para o apedrejarem. Tudo suportou com mansidão, e de alma em paz. A doçura oferece um grande império sobre o coração dos homens. Felizes os homens mansos: possuirão a terra, isto é, serão os senhores dos corações e todas as vontades estarão nas suas mãos. O patriarca José, ao enviar os seus irmãos do Egipto a casa de seu pai, deu-lhes apenas este aviso: «Não vos enfureçais pelo caminho». Sigamos o mesmo aviso. Esta vida não é senão um encaminhamento para a vida bem-aventurada; não nos enfureçamos, portanto, no caminho uns com os outros. Caminhemos com o grupo dos nossos irmãos e companheiros, suavemente, pacificamente e amavelmente. É quando a alma está em estado de tranquilidade e sem motivo de cólera, que é preciso fazer provisão de doçura e adquirir o hábito. Mas para a vida de união com Nosso Senhor e de fidelidade às graças do Espírito Santo, a doçura torna-se-nos natural, ela é um fruto da caridade que reina então nos nossos corações. A caridade ardente faz-nos mansos e pacientes. Vivamos, portanto, sob a doce influência do Espírito Santo, que é o Espírito do Sagrado Coração. (Leão Dehon, OSP 3, p.592s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Cristo ofereceu-se uma só vez para tirar os pecados» (Hebr 9, 27).

  • S. Francisco de Sales, Bispo e doutor da Igreja

    S. Francisco de Sales, Bispo e doutor da Igreja


    24 de Janeiro, 2023

    Nasceu em Thorans, pequena aldeia da Saboia francesa, em 1567. Tendo recebido uma boa educação na família, estudou num colégio de Jesuítas, em Paris e, depois, frequentou a universidade de Pádua, onde se formou em Direito. Contrariando as expetativas do pai, abraçou a vida eclesiástica e dedicou-se com sucesso à evangelização. Nomeado bispo de Genebra, desenvolveu grande atividade na reforma da diocese e exerceu profícuo apostolado entre os protestantes. Para além da sua iluminada atividade pastoral, dedicou-se à direção espiritual de muitas pessoas, escrevendo as preciosas obras de espiritualidade para todos, particularmente para os leigos, intituladas Filoteia, ou Introdução à vida devota, e Teotimo, ou tratado do amor de Deus. Com Santa Joana de Chantal, fundou a Visitação. Faleceu em 1622. É padroeiro da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos, e dos jornalistas católicos.
    Lectio
    Primeira leitura: Efésios 3, 8-12

    Irmãos, a mim, o menor de todos os santos, foi dada a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo 9e a todos iluminar sobre a realização do mistério escondido desde séculos em Deus, o criador de todas as coisas 10para que agora, por meio da Igreja, seja dada a conhecer, aos Principados e às Autoridades no alto do Céu, a multiforme sabedoria de Deus, 11de acordo com o desígnio eterno que Ele realizou em Cristo Jesus Senhor nosso. 12Em Cristo, mediante a fé nele, temos a liberdade e coragem de nos aproximarmos de Deus com confiança.

    Paulo apresenta-se como ministro do mistério de Cristo, não por iniciativa própria, mas por vocação e graça. O seu trabalho de evangelizador dos pagãos é um dom recebido e uma missão a realizar. Deus tinha um desígnio arcano (mysterium), preparado longamente e agora revelado, na sua realização, a Paulo, de modo particular. Por meio dele, Deus quer revelá-lo a todos, especialmente aos pagãos. O conteúdo do mistério é o seguinte: todos são chamados a conhecer a extraordinária sabedoria de Deus, que também representa a extraordinária riqueza de Cristo.
    Evangelho: João 10, 11-18

    Naquele tempo, Jesus disse: "Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas. 12O mercenário, e o que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo e abandona as ovelhas e foge e o lobo arrebata-as e espanta-as, 13porque é mercenário e não lhe importam as ovelhas. 14Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me, 15assim como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai; e ofereço a minha vida pelas ovelhas. 16Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Também estas Eu preciso de as trazer e hão-de ouvir a minha voz; e haverá um só rebanho e um só pastor. 17É por isto que meu Pai me tem amor: por Eu oferecer a minha vida, para a retomar depois. 18Ninguém ma tira, mas sou Eu que a ofereço livremente. Tenho poder de a oferecer e poder de a retomar. Tal é o encargo que recebi de meu Pai.»

    A figura do pastor é comum na tradição hebraica para indicar o rei de Israel e a relação do crente com Deus, o pastor por excelência. Jesus identifica-se com essa imagem, aprofundando-a e levando-a à sua plena realização. Ele é o pastor belo (kalós) e bom não só na aparência, mas também na qualidade. É o autêntico pastor. O termo "belo" ou "bom" significa suave e afável, mas, sobretudo, autêntico. Jesus é o novo David, chefe e guia conforme o coração de Deus. É pastor, não só de Israel, mas também de "outras ovelhas" como os samaritanos e os pagãos, que são filhos de Deus dispersos e devem ser reconduzidos ao redil e à salvação, conforme o desígnio do Pai.
    Meditatio

    S. Francisco de Sales foi o pastor belo e bom que tornou amável o rosto da Igreja num tempo de grandes contrastes e lutas. Como Cristo, entregou-se e consumiu a sua vida, não só pelas ovelhas do redil, mas também pelas que andavam perdidas. Foi esse dar a vida por todos que abriu os olhos a muitas ovelhas "perdidas". S. Francisco de Sales foi, nos séculos XVI e XVII, o pastor autêntico, preocupado exclusivamente em dar a própria vida, arriscando-a em situações por vezes muito difíceis para evangelizar, servir a sua diocese e restaurar a vida da Igreja nas dioceses de Genebra e Annecy. Em tudo se deixa conduzir pelo princípio do amor puro, como disponibilidade incondicional ao projeto de Deus. É isso que também ensina às pessoas sedentas de perfeição cristã.
    É um verdadeiro repouso para a alma contemplar este santo, ler os seus escritos, tal é a sua caridade, a paciência e o otimismo que exala. A fonte de tudo isto está na esperança em Deus, ao qual se entrega para servir sem reservas o seu povo.
    Francisco de Sales exultava de alegria ao pensar que toda a lei se resume no mandamento do amor e que não devemos ter medo de amar excessivamente.
    O P. Dehon aponta-o como um "santo do Coração de Jesus". E justifica: "A grande obra da sua piedade foi a fundação da Visitação donde saiu a devoção ao Sagrado Coração", uma evidente alusão a Santa Margarida Maria, visitandina, favorecida com extraordinárias revelações de Jesus e apóstola do seu Coração.
    Oratio

    Amável santo, vós sois um dos mestres da devoção ao Sagrado Coração. Haveis formado tão bem a Ordem da Visitação, que Nosso Senhor aí encontrou um campo bem preparado para lá semear esta bela devoção. Preparai também os nossos corações. Por vossa intercessão, purificai-nos e formai-nos ao apostolado do Coração de Jesus. (Leão Dehon, OSP 3, p. 103).
    Contemplatio

    S. Francisco de Sales é modelo de mansidão. É a característica da sua vida. Foi suave como o bom Mestre. Não o era por natureza, mas tornou-se pelos seus esforços e pela graça de Deus. Imagem perfeita do Bom Pastor, vai através de todas as fadigas procurar as ovelhas perdidas. Fala às pessoas pobres, aos pastores das montanhas com uma bondade que os enternece. Entra nas suas necessidades e nas suas mágoas e assiste-os com a sua bolsa e os seus bens. A sua reputação de mansidão é conhecida longe... A sua caridade sem limites punha em desespero o seu ecónomo, mas o caro santo mostrava-lhe o crucifixo e dizia-lhe: "Como é que hesitaremos em despojar-nos, quando vemos o que um Deus fez por nós". A doçura era a sua virtude dominante. Dizia um dia que tinha estado três anos a estudar na escola de Jesus Cristo e que não podia contentar-se lá em cima. Algumas pessoas tendo-o um dia censurado por causa da sua indulgência para com os pecadores, respondeu-lhes: "Se houvesse alguma coisa melhor que a mansidão, Deus no-la teria ensinado. Mas ele não nos recomenda senão duas coisas, ser mansos e humildes de coração. Quereis impedir-me de observar o mandamento de Deus e de imitar o mais que puder a virtude da qual nos deu o exemplo?" (Leão Dehon, OSP 3, p. 102).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas" (Jo 10, 11b).
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    S. Francisco de Sales, Bispo e doutor da Igreja (24 Janeiro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Terça-feira


    24 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 10, 1-10

    1Irmãos: A lei de Moisés, possuindo apenas a sombra dos bens futuros e não a expressão própria das coisas, a Lei nunca pode conduzir à perfeição aqueles que participam nos sacrifícios que se oferecem constantemente cada ano. 2Não se teria porventura deixado de os oferecer, se os que prestam culto, purificados de uma vez por todas, já não tivessem consciência de algum pecado? 3Pelo contrário, com esses sacrifícios, recordam-se anualmente os pecados, 4uma vez que é impossível que o sangue dos touros e dos bodes apague os pecados. 5Por isso, ao entrar no mundo, Cristo diz:Tu não quiseste sacrifício nem oferenda, mas preparaste-me um corpo. 6Não te agradaram holocaustos nem sacrifícios pelos pecados. 7Então, Eu disse: Eis que venho - como está escrito no livro a meu respeito - para fazer, ó Deus, a tua vontade. 8Disse primeiro: Não quiseste nem te agradaram sacrifícios, oferendas e holocaustos pelos pecados - e, no entanto, eram oferecidos segundo a Lei. 9Disse em seguida: Eis que venho para fazer a tua vontade. Suprime, assim, o primeiro culto, para instaurar o segundo. 10E foi por essa vontade que nós fomos santificados, pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre.

    A antiga Lei prescrevia complexos ritos de purificação e exigia a repetida oferta de vítimas em sacrifício: sangue de touros e de bodes. Esses sacrifícios mantinham viva a consciência de pecado no povo, mas eram insuficientes para extirpar esse pecado e reconduzir o povo à liberdade. Um rito exterior não pode curar automaticamente uma ferida interior que tem origem na desobediência a Deus, na soberba rebelião contra a sua vontade. Depois da queda dos nossos primeiros pais, a natureza humana é inclinada para o mal e, de facto, a inclinação torna-se pecado realizado que, por sua vez, torna cada vez mais fáceis novas quedas. Daí decorre um estado de escravidão permanente.
    Jesus veio ao mundo para percorrer, por primeiro, o caminho de regresso ao Pai, abrindo também aos homens esse caminho, que é o único que leva à salvação. Sendo Filho de Deus, abaixou-Se à condição humana e fez-se obediente até à morte de cruz. Fomos santificados graças à sua entrega sacrificial obediente, e não a determinados sacrifícios ou práticas rituais.
    Fala-se da oblação do corpo e não do sangue de Cristo. A palavra corpo é utilizada devido à expressão do Salmo: «preparaste-me um corpo» (v. 5). Esta oblação inclui, na só a oferta no momento da Encarnação - ao entrar no mundo - mas a entrega de toda a sua vida ao serviço da vontade de Deus. Essa entrega culminou na cruz. Quer quando se fala do corpo, como quando se menciona o sangue, o que está em causa é a total auto-entrega de Cristo.

    Evangelho: Mc 3, 31-35

    Naquele tempo, 31chegam à casa onde estava Jesus, sua Mãe e seus irmãos que, ficando do lado de fora, o mandam chamar. 32A multidão estava sentada em volta dele, quando lhe disseram: «Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram.» 33Ele respondeu: «Quem são minha mãe e meus irmãos?» 34E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. 35Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.»

    Depois do julgamento do «tribunal» de Jerusalém, vem o julgamento dos «seus», conterrâneos e parentes, que dizem que Ele está louco. Alguns autores vêem neste texto ecos de uma desconfiança que existia em relação à comunidade judeo-cristã de Jerusalém, cujo bispo era Tiago, «irmão» do Senhor, pertencente ao grupo de Nazaré, cuja hostilidade para com o Senhor é sublinhada por Marcos (cf. 6, 3). Os parentes do Senhor lideravam a igreja de Jerusalém e também há quem veja no texto de Marcos resíduos de uma polémica contra o perigo do nepotismo na Igreja.
    Como quer que seja, não podemos ver neste texto qualquer atitude de menosprezo pela Mãe, nem pelos afectos humanos. Marcos não trata desses temas, mas aproveita o ensejo para criar uma situação paradoxal que dá maior realce aos vv. 34s., que são o cume do episódio.
    Todos quantos rodeiam Jesus, ainda que simples curiosos, discípulos hesitantes ou apóstolos tardos em compreender, ou mesmo traidores, são mãe e irmãos. Ser irmão de Jesus, não é questão de sangue, de mérito, mas de graça: «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe», por que se torna «filho de Deus».

    Meditatio

    As duas leituras de hoje iluminam-se reciprocamente. «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe», diz-nos Jesus no evangelho. Lemos na Carta aos Hebreus: «Tu não quiseste sacrifício nem oferenda, mas preparaste-me um corpo... Então, Eu disse: Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade». E continua: «E foi por essa vontade que nós fomos santificados, pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre» (v. 10).
    A vontade de Deus é, pois, um tesouro inestimável para nós. Mas não o aceitamos espontaneamente. Porquê? Porque provavelmente temos uma estreita visão da obediência e de estranhos preconceitos contra a vontade de Deus... Muitas vezes falamos de vontade de Deus nas provações, nos sofrimentos: «É vontade de Deus!», dizemos resignados. Isto pode ser um primeiro passo, mas não é toda a verdade. Para Jesus, a vontade de Deus era a ressurreição, não a morte! A morte era apenas uma passagem muito dolorosa, mas uma passagem rumo à transformação da natureza humana. Por isso, não podemos deter-nos na morte. A vontade de Deus é a transformação, a alegria. Por isso, havemos de viver as circunstâncias dolorosas, não só com resignação, mas também com confiança e adesão, com esperança. Deus quer realizar algo de positivo, que será a nossa alegria. A sua vontade é triunfar sobre tudo quanto é negativo. Lemos no salmo 18: «Atacaram-me no dia da minha desgraça, porém, o Senhor foi o meu amparo. Levou-me a um espaço aberto, libertou-me porque me quer bem» (Sl 18, 19-20). «Porque me quer bem»: a vontade de Deus é o seu querer-me bem!
    Na plenitude da revelação, Jesus irá declarar: «A vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia» (Jo 6, 39). Se a vontade de Deus é o nosso bem, que é então a obediência? Desde o «eis-me aqui!» de Abraão ao «eis-me aqui!» de Maria, do «eis-me aqui!» de Jesus ao «eis-me aqui!» de todos quantos Lhe seguem os passos, ela revela-
    se como um cântico nupcial que brota do coração desejoso de cooperar no desígnio divino da salvação. A obediência não é fria execução de severas ordens, mas o apaixonado envolvimento de toda a pessoa num confiante abandono Àquele que é omnipotente, mas também Pai; Altíssimo, mas também Emanuel, Deus-connosco. A obediência tem momentos difíceis, mas pressentirá sempre ao seu lado os passos d´Aquele que nos precede levando, por nosso amor, a sua e nossa cruz.
    Segundo a expressão do Directório Espiritual, Cristo é «Aquele que nos precedeu neste caminho, que o tornou praticável e que deixou atrás de Si, como sinais dos Seus passos, pegadas sangrentas. Tal é a nossa vocação». O caminho de Cristo é o nosso caminho (cf. Cst 12). Neste caminho, caracterizado pelo abandono à vontade do Pai, pela oblação de amor, somos guiados e apoiados pelo Espírito (cf. Cst 16), que nos faz reviver, na fidelidade dinâmica, a «experiência de fé do P. Dehon», o qual escolheu como motes da sua vida: «Ecce venio... eis-me aqui!» (Heb 10,7): «Senhor, que queres que eu faça?» (Act 9, 6); "Fiat...faça-se!".
    Contemplar a Cristo na Sua obediência-oblação filial ao Pai, e vivê-la, é uma contemplação, uma forma de vida tipicamente dehoniana. É ser «Oblatos, Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus» (Cst 6).

    Oratio

    Ó Jesus, sacerdote misericordioso, que ao entrar no mundo Te ofereceste ao Pai: «Eis-me aqui para fazer a tua vontade!»; reforça em nós a mesma disposição que animou o teu coração de Filho. À tua obediência de amor queremos unir a oferta da nossa obediência, mesmo quando exigir de nós um maior desapego. Aceita a nossa vida que desejamos oferecer-Te até ao sacrifício total de nós mesmos. Que o teu Espírito nos torne atentos à tua vontade em todas as circunstâncias da vida, e a tua graça nos mova a uma fraterna dedicação para que venha o teu reino de amor. Amen.

    Contemplatio

    Aqui está o que Jesus e Maria nos pedem. Não procuremos na devoção as consolações sensíveis. Se elas vêm, seja! Agradeçamos. Mas vamos sempre ao amor viril e forte como os Magos e os santos. É pela vontade que nós nos santificamos e não pelas impressões. Qual é a regra de conduta de Jesus? Ele disse-nos no salmo trinta e nove e S. Paulo no-lo repete na epístola aos Hebreus: «Cristo, ao entrar no mundo disse: Meu Pai, já não quereis vítimas da Antiga Lei, eis-me aqui, Ecce venio, para cumprir a vossa vontade». E muitas vezes Nosso Senhor repetirá na sua vida que faz a vontade do seu Pai. É a sua vida, é o seu programa, é a lei do seu coração, é a sua resolução de todos os dias. - Cumpramos a vontade divina marcada pelas nossas regras, pelos preceitos divinos, pelas prescrições dos nossos superiores. Aceitemos as provas da vida e toda a conduta da Providência. É isso o que se chama o amor viril e forte. (Leão Dehon, OSP 3, p. 96s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eis-me aqui, ó Deus, para fazer a tua vontade» (Heb 19, 7):

  • Conversão de S. Paulo

    Conversão de S. Paulo


    25 de Janeiro, 2023

    Saulo, cidadão romano por privilégio da sua cidade natal, Tarso, era um judeu convicto, formado na escola de Gamaliel, em Jerusalém. Opôs-se decididamente à nova fé que começava a propagar-se na Palestina e arredores. Clamou pela morte de Estêvão, e tomou parte nela, guardando as capas dos que apedrejavam o protomártir. Perseguiu violentamente os crentes em Jesus Cristo. O seu nome causava terror nas comunidades cristãs. Ao dirigir-se para Damasco para prender os cristãos que lá encontrasse e conduzi-los a Jerusalém, encontrou Jesus ressuscitado. Esse encontro mudou-lhe para sempre a vida, com a sua forma de crer e de pensar. Jesus ressuscitado, que ele perseguia, tornou-se o centro da sua espiritualidade e da sua teologia. Em Antioquia, Saulo faz a sua primeira experiência de vida cristã. Tornado apóstolo do Evangelho, com o nome de Paulo, Antioquia será também o ponto de partida para as suas viagens missionárias. Funda diversas comunidades na Ásia e na Europa. Escreve-lhes cartas que testemunham o seu amor a Jesus Cristo e à Igreja, e nos dão elementos importantes da sua teologia. Como apóstolo verdadeiro e autêntico, Paulo tem sempre o cuidado de voltar a Jerusalém para se confrontar com os outros apóstolos e não correr em vão.

    Há muitos séculos que a festa da conversão de S. Paulo foi fixada no dia 25 de Janeiro, talvez por causa da data da transladação do seu corpo, que atualmente repousa na Basílica de S. Paulo Fora dos Muros, em Roma.
    Lectio

    Primeira Leitura: Act 22, 3-16

    Naqueles dias, Paulo disse ao povo: "Sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas fui educado nesta cidade, instruído aos pés de Gamaliel, em todo o rigor da Lei dos nossos pais e cheio de zelo pelas coisas de Deus, como todos vós sois agora. 4Persegui de morte esta «Via», algemando e entregando à prisão homens e mulheres, 5como o podem testemunhar o Sumo Sacerdote e todos os anciãos. Recebi até, da parte deles, cartas para os irmãos de Damasco, onde ia para prender os que lá se encontrassem e trazê-los agrilhoados a Jerusalém, a fim de serem castigados. 6Ia a caminho, e já próximo de Damasco, quando, por volta do meio dia, uma intensa luz, vinda do Céu, me rodeou com a sua claridade. 7Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: 'Saulo, Saulo, porque me persegues?' 8Respondi: 'Quem és Tu, Senhor?' Ele disse-me, então: 'Eu sou Jesus de Nazaré, a quem tu persegues.' 9Os meus companheiros viram a luz, mas não ouviram a voz de quem me falava. 10E prossegui: 'Que hei-de fazer, Senhor?' O Senhor respondeu-me: 'Ergue-te, vai a Damasco, e lá te dirão o que se determinou que fizesses.' 11Mas, como eu não via, devido ao brilho daquela luz, fui levado pela mão dos meus companheiros e cheguei a Damasco. 12Ora um certo Ananias, homem piedoso e cumpridor da Lei, muito respeitado por todos os judeus da cidade, 13foi procurar-me e disse: 'Saulo, meu irmão, recupera a vista.' E, no mesmo instante, comecei a vê-lo. 14Ele prosseguiu: 'O Deus dos nossos pais predestinou-te para conheceres a sua vontade, para veres o Justo e para ouvires as palavras da sua boca, 15porque serás testemunha diante de todos os homens, acerca do que viste e ouviste. 16E agora, porque esperas? Levanta-te, recebe o batismo e purifica-te dos teus pecados, invocando o seu nome.

    Este é um dos três relatos com que Lucas enriquece a história da primitiva comunidade cristã. Sem se preocupar com o rigor histórico, - alguns pormenores são mesmo improváveis -, o autor do livros dos Atos pretende personificar em Paulo a justificação do cristianismo e a falta de razão do judaísmo.
    O evento de Damasco articula-se em três momentos: um diálogo de reconhecimento mútuo entre Jesus Ressuscitado e Saulo de Tarso; a conversão de Saulo revelada na pergunta: "Que hei de fazer, Senhor?"; a missão: quem conheceu a vontade de Deus e viu o Justo recebendo a palavra da sua boca, torna-se testemunha do que viu e ouviu. Doravante, para Paulo, a única forma de vida é ser missionário.
    Evangelho: Marcos 16, 15-18

    Naquele tempo, Jesus apareceu aos Onze e disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura. 16Quem acreditar e for batizado será salvo; mas, quem não acreditar será condenado. 17Estes sinais acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados.»

    Paulo não pertenceu ao grupo dos Doze. Mas a Liturgia aplica-lhe também as palavras de Jesus aos Doze, no momento em que subia ao céu: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura" (v. 15). Paulo, depois da sua experiência de fé e de comunidade, torna-se verdadeiro apóstolo de Jesus. Desde sempre a Igreja entendeu que o mandato missionário do Ressuscitado se dirigia também a ele. Paulo submete-se e obedece.
    Deus quer salvar a humanidade com a colaboração da própria humanidade. Jesus precisa de missionários-testemunhas. A salvação é fruto da pregação e realiza-se pelo ato de fé de quem a escuta: "Quem acreditar e for batizado será salvo" (v. 16). Deus, que nos criou sem nós, não nos salva sem a nossa colaboração.
    Os sinais e prodígios que acompanham a pregação dos apóstolos manifestam a presença consoladora de Deus no meio de nós.
    Meditatio

    Em S. Paulo revela-se verdadeiramente o poder de Deus. Inimigo acérrimo do nome de Cristo, Saulo encontra-se com o Senhor no caminho de Damasco, acolhe-o na fé e torna-se seu Apóstolo entusiasta, com uma fecundidade extraordinária, que ainda não terminou. O seu itinerário de fé é símbolo do nosso.
    Acreditar implica, antes de mais, encontrar pessoalmente Jesus de Nazaré, Deus feito homem. O cristão não se acredita numa doutrina, num sistema, mas numa pessoa, a pessoa humano-divina de Jesus. Ter fé é aderir vitalmente a Jesus, de tal modo que já não se pode viver sem Ele.
    Realizado o encontro, passa-se ao diálogo, uma vez que a fé é encontro e adesão entre pessoas inteligentes e livres. A quem se dispõe ao diálogo, Deus revela a Si mesmo, revela a sua vontade e os seus projetos. Este diálogo vital leva aqueles que o realizam a uma forma de vida cada vez mais elevada.
    Mas a fé cristã também é obediência, submissão, abandono total da criatura ao Criador. Obedecer não significa abdicar da própria liberdade ou dos próprios direitos. Significa, sim, perceber a imensa distância que existe entre si o interlocutor e, ao mesmo tempo, intuir que a adesão à vontade divina leva à total satisfação e realização de si mesmo.
    Finalmente, a fé cristã é também missão. Não se pode privatizar um bem que, por sua natureza, é comunitário. Quem recebeu de Cristo o dom da salvação em Cristo, sente-se intimamente obrigado a fazer dele um dom para os outros.
    O Apóstolo Paulo é nosso guia em tempos de aprofundamento espiritual e de renovação apostólica. Como ele, o apóstolo dos tempos novos deve procurar, em primeiro lugar, a inteligência do Mistério de Cristo num apego inquebrantável ao seu Amor (cf. Ef 3, 4; Rm 8, 35; Fl 3, 8-10). É apóstolo, em primeiro lugar, pelo testemunho da visão de Cristo (At 26, 1) e tornando-se no Espírito imagem viva do Salvador morto e ressuscitado. É a caridade do Senhor que vive nele e que o impele em direção aos homens para lhes anunciar o Evangelho de Deus, o Evangelho que todos podem ler na sua vida e nos seus escritos. Ensina-nos o serviço ardente e inteligente em favor do Reino. Vivendo de Cristo, a ponto de ser identificado com Ele pela graça (Gl 2, 20), lembra-nos que o serviço apostólico enraíza numa verdadeira consagração a Deus e dá à nossa oblação capacidade para se manifestar e aprofundar no trabalho generoso para que a humanidade se torne «uma oblação agradável santificada pelo Espírito Santo (XV Capítulo Geral, DOC VII, n. 167).
    Oratio

    Apóstolo S. Paulo, na tua juventude, deixaste-te levar por um zelo ardente mas errado em favor da unidade do povo de Deus. Por isso, perseguiste duramente os cristãos. Deus converteu-te e introduziu-te na Igreja, Corpo de Cristo, onde deve integrar-se quem quiser viver na verdadeira fé. Mas a tua adesão a Cristo e a tua integração na Igreja não te fizerem esquecer o teu povo, pelo qual sentias uma dor profunda e permanente. Que a minha alegria de estar em Cristo não me faça esquecer a situação do antigo Povo de Deus, nem a dos cristãos divididos, que tardam em chegar à unidade que Deus quer. Ámen.
    Contemplatio

    S. Paulo recolhe-se alguns dias, depois começa a pregar a divindade de Jesus Cristo. Será um dos mais poderosos apóstolos pela palavra e pelo sofrimento. «Escolhi-o, dizia Nosso Senhor, para levar o meu nome diante das nações e dos reis e dos filhos de Israel, e hei de mostrar-lhe quanto terá de sofrer pelo meu nome». A sua conversão e a sua vocação são devidas à misericórdia do Coração de Jesus. O Coração de Jesus ama as almas ardentes, zelosas, dedicadas. Mas a oração de Santo Estêvão contribuiu para estas grandes graças. Santo Estêvão rezava pelos seus perseguidores, entre os quais S. Paulo era o mais ardente. Se soubermos rezar e sofrer pelas almas, obteremos grandes graças, ilustres conversões, vocações poderosas. Ofereçamos as nossas orações, as nossas cruzes, os nossos sofrimentos ao Coração de Jesus para que envie à sua Igreja, nestes tempos difíceis, apóstolos poderosos em palavras e em obras (L. Dehon, OSP 3, p. 90s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Que hei de fazer, Senhor?" (At 22, 10).

     

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    Conversão de S. Paulo (25 Janeiro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Quarta-feira


    25 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 10, 11-18

    11Todo o sacerdote da antiga aliança se apresenta diariamente para oferecer o culto, oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem apagar os pecados. 12Cristo, porém, depois de oferecer pelos pecados um único sacrifício, sentou-se para sempre à direita de Deus, 13esperando, por último, que os seus inimigos sejam postos como estrado dos seus pés. 14De facto, com uma só oferta, Ele tornou perfeitos para sempre os que são santificados. 15É o que o Espírito Santo também nos atesta. De facto, depois disse: 16Esta é a aliança que estabelecerei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: 'Porei as minhas leis nos seus corações e gravá-las-ei nas suas mentes; 17e não mais me recordarei dos seus pecados nem das suas iniquidades.' 18Ora, onde há perdão dos pecados, já não há necessidade de oferenda pelos pecados.

    As reflexões do autor continuam centradas na superioridade do sacerdócio e do sacrifício de Cristo relativamente a todos os sacrifícios oferecidos pelo sacerdócio de Aarão. Dirigindo-se a judeo-cristãos que passam por um momento de crise e de saudade do antigo culto, o autor estabelece uma relação directa entre os sacerdotes do templo e Cristo. Os primeiros apresentam-se submetidos a uma permanente e vã repetição de ritos que não chegam a purificar as consciências e a libertar do pecado. São sacrifícios externos, apenas sombra do verdadeiro sacrifício. Ergue-se diante deles a figura majestosa de Cristo que, tendo oferecido «uma só vez» a sua vida em obediência ao Pai, está «agora» na sua presença e «sentado» à sua direita, à espera que amadureçam todos os frutos da obra de salvação realizada. Agora está aberto, e assim permanece para sempre, o acesso ao verdadeiro «Santos dos santos». Assim, segundo o autor da Carta, realiza-se a profecia de Jeremias (31, 33ss.) sobre a «nova aliança»: Deus escreveu a sua lei no coração do homem e perdoou os seus pecados. Agora, cada homem é potencialmente filho de Deus, no Filho muito amado. A Igreja, ao oferecer todos os dias o sacrifício eucarístico, não repete o evento da paixão-morte de Jesus, mas renova para todo os homens, cada dia, aquele único sacrifício. Assim, oferece a cada um a possibilidade de entrar livremente em comunhão vital com Cristo e tornar-se membro vivo do seu corpo místico.

    Evangelho: Mc 4, 1-20

    Naquele tempo, 1Jesus, começou a ensinar De novo à beira-mar. Uma enorme multidão vem agrupar-se junto dele e, por isso, sobe para um barco e senta-se nele, no mar, ficando a multidão em terra, junto ao mar. 2Ensinava-lhes muitas coisas em parábolas e dizia nos seus ensinamentos: 3«Escutai: o semeador saiu a semear. 4Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho e vieram as aves e comeram-na. 5Outra caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra e logo brotou, por não ter profundidade de terra; 6mas, quando o sol se ergueu, foi queimada e, por não ter raiz, secou. 7Outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram, sufocaram-na, e não deu fruto. 8Outra caiu em terra boa e, crescendo e vicejando, deu fruto e produziu a trinta, a sessenta e a cem por um.» 9E dizia: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça.» 10Ao ficar só, os que o rodeavam, juntamente com os Doze, perguntaram-lhe o sentido da parábola. 11Respondeu: «A vós é dado conhecer o mistério do Reino de Deus; mas, aos que estão de fora, tudo se lhes propõe em parábolas, 12para que ao olhar, olhem e não vejam, ao ouvir, oiçam e não compreendam, não vão eles converter-se e ser perdoados.» 13E acrescentou: «Não compreendeis esta parábola? Como compreendereis então todas as outras parábolas? 14O semeador semeia a palavra. 15Os que estão ao longo do caminho são aqueles em quem a palavra é semeada; e, mal a ouvem, chega Satanás e tira a palavra semeada neles. 16Do mesmo modo, os que recebem a semente em terreno pedregoso, são aqueles que, ao ouvirem a palavra, logo a recebem com alegria, 17mas não têm raiz em si próprios, são inconstantes e, quando surge a tribulação ou a perseguição por causa da palavra, logo desfalecem. 18Outros há que recebem a semente entre espinhos; esses ouvem a palavra, 19mas os cuidados do mundo, a sedução das riquezas e as restantes ambições entram neles e sufocam a palavra, que fica infrutífera. 20Aqueles que recebem a semente em boa terra são os que ouvem a palavra, a recebem, dão fruto e produzem a trinta, a sessenta e a cem por um.»

    O reino de Deus é proclamado pela palavra. Marcos, na secção que hoje abre, oferece-nos uma teologia da palavra do reino. Jesus começa a falar «em parábolas». Era o método usado pelos rabinos. As parábolas são «histórias» aparentemente simples, mas com um elemento-surpresa e uma conclusão inesperada que convidam a procurar um segundo significado, para além do imediato.
    A parábola começa e termina com dois imperativos: «Escutai» (v. ). Em sentido bíblico, «escutai» significa «obedecei», isto é, dai a vossa adesão (ob-audire). Jesus quer entrar em relação viva com as pessoas a quem se dirige. Começa por centrar a atenção dos ouvintes na generosa sementeira. Mas logo a centra na semente. Vem, depois, a tipologia dos terrenos que recebem a semente. Há um evidente exagero ao falar da «boa terra». A imagem da colheita sugere o fim dos tempos. A parábola, ao fim e ao cabo, diz-nos que o Messias está próximo e descreve a abundância de graça do Reino messiânico.
    No diálogo com «os que o rodeavam», a semente é claramente identificada com a Palavra, e os terrenos correspondem às diferentes reacções suscitadas pela pregação dos apóstolos. Jesus veio realizar a missão de semear a Palavra. Semeou com generosidade, movido pelo excessivo amor que tudo crê, também que o deserto há-de florescer. Assim nos faz compreender também que a Palavra deve ser pregada a todos, sem desânimo, sem medo de fracassar. A seu tempo dará fruto.

    Meditatio

    O mistério de Cristo é o mistério de uma natureza humana «tornada perfeita» por meio do sofrimento: «Convinha que aquele por quem e para quem existem todas as coisas, querendo levar muitos filhos à glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o autor da sua salvação» (Heb 2, 10). Depois desta afirmação, o autor descreve os sofrimentos de Cristo e conclui: Jesus «tornado perfeito, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna, tendo sido proclamado por Deus Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec» (Heb 5, 9-10). Pode parecer-nos estranho aplicar a Cristo a expressão «tornar perfeito» que, no Antigo Testamento, só é usado em referência à consagração dos sacerdotes, cujas mã
    os, e toda a sua pessoa, hão-de ser tornadas perfeitas para oferecer a Deus o sacrifico. Cristo foi transformado pelo seu sacrifício para se tornar o sacerdote absolutamente perfeito.
    Mas a consagração sacerdotal de Cristo, obtida no seu sacrifício, vale para Ele, mas também para nós: «com uma só oferta, Ele tornou perfeitos para sempre os que são santificados» (v. 14). Aqui está a grande novidade: o autor aplica aos cristãos o mesmo verbo que aplicou acerca de Cristo «tornar perfeito». Cristo recebe a consagração sacerdotal e, ao mesmo tempo, confere-a a nós. Com o seu sacrifício, Cristo tornou-nos, também a nós, capazes de nos apresentar a Deus em atitude sacerdotal, apresentando ofertas. Por isso, graças ao sacrifico de Cristo, podemos aproximar-nos com toda a confiança diante de Deus, entrar no santuário mais secreto.
    Na afirmação: «com uma só oferta, Ele tornou perfeitos para sempre os que são santificados» (v. 14), podemos distinguir dois aspectos: somos verdadeiramente consagrados a Deus e podemos oferecer o sacrifício; a nossa santificação é apenas um começo que exige desenvolvimento, crescimento: «tornou perfeitos para sempre os que são santificados» (v. 14). A santificação recebida no baptismo há-de desenvolver-se cada dia, aplicando à nossa pessoa o sacrifício de Cristo, mas também revivendo-o, de modo especial, nos nossos próprios sofrimentos e tribulações.
    A presença misteriosa do cristão em Cristo morto e ressuscitado é expressa por Paulo com a simples expressão «en Christo» (in Christo) usado 164 vezes nas suas cartas, com diferentes matizes. Na Primeira Carta a Timóteo fala do mistério de Cristo como o grande mistério da piedade (3, 16). Deste mistério da piedade todo o baptizado participa: «Com uma só oferta (sacrifício, oblação), (Cristo) tornou perfeitos para sempre os que foram santificados» (Heb 10, 14; cf. 5, 9). A espiritualidade oblativa dehoniana é uma espiritualidade tipicamente baptismal (cf. Cst n. 13). A nossa missão dehoniana impele-nos a ser testemunhas desta espiritualidade baptismal com a nossa vida e com a nossa palavra junto dos irmãos cristãos.
    O sacerdócio de Cristo não é um sacerdócio clerical, mas laical (cf. Heb 5, 6.10). Se todo o cristão participa do sacerdócio de Cristo é preciso desclericalizar o sacerdócio. Com isto não queremos confundir o sacerdócio universal com o sacerdócio ministerial; mas sem o primeiro, não existe o segundo. A função essencial do sacerdote é «oferecer». Não há sacerdócio sem uma vítima para oferecer. Jesus é a vítima do Seu sacerdócio (cf. Heb 5, 7-10). E é mesmo a sua atitude oblativa que constitui a essência do Seu sacerdócio (cf. Heb 10, 5-18). É o «Ecce venio», o «eis-me aqui!» (Heb 10, 7). As nossas Constituições afirmam: «Para o Padre Dehon, o Ecce Venio (Heb 10,7) define a atitude fundamental da nossa vida» (Cst 58; cf. n. 6). O Oblato-Sacerdote do Coração de Jesus, tal como Cristo, deve oferecer a si mesmo, no seu dia a dia (cf. Lc 9, 23). E, pela acção transformadora do Espírito Santo, todas as suas acções, mesmo as mais humildes, são qualificadas como sacerdotais e sacrificiais.

    Oratio

    Ó Pai, que estás nos céus, nós Te adoramos e damos graças, porque em Cristo nos revelaste o mistério do teu amor e nos chamaste a ser santos e imaculados pela caridade. Do seu Coração trespassado obtivemos a vida e o perdão dos pecados. Nessa fonte de água viva fomos consagrados sacerdotes do teu amor. Unidos a Jesus, renovamos a oferta da nossa vida pelo advento do teu Reino. Nós Te apresentamos a nossa castidade, a nossa pobreza e a nossa obediência, com a nossa vida fraterna e o nosso apostolado, para que, unidas à dos irmãos, nos obtenham a plenitude da tua misericórdia. Pai Santo, faz de nós um sacrifício perene para louvor da tua glória. Ámen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor, depois do ouro e do incenso, pede a mirra... São os sofrimentos, seja qual for o seu nome e venham donde vierem, que devem ser suportados em espírito de puro amor, por amor e com amor, em espírito de reparação e de expiação, em união com os sofrimentos de Nosso Senhor. Têm então um grande valor e uma grande eficácia, por pequenos que sejam em si mesmos e mesmo que não dêem nas vistas. Assim, portanto, os três dons, são um coração para amar, um corpo para sofrer, uma vontade para ser sacrificada e em tudo submetida à vontade divina. Nosso Senhor não deu ele próprio o exemplo mais perfeito deste tríplice dom para com o seu Pai? Onde é que é possível encontrar-se um coração que tenha amado mais puramente e mais generosamente que o do nosso Salvador, o Coração da vítima do amor? Quem há que mais dolorosamente tenha sofrido? E por quem? E porquê? E a sua vontade não era a do seu Pai celeste! Ele recordou-o muitas vezes no Evangelho. Recordemo-nos somente do seu Ecce Venio, que deve ser a máxima favorita dos amigos do seu Coração, esta palavra que deve estar em cada instante sobre os seus lábios, mas ainda mais nos seus corações. Nesta palavra estão contidos os três sacrifícios que resumem toda a sua vocação, a sua missão. «Meu Deus, destes-me um corpo para ser sacrificado, para sofrer, um coração para amar e para sofrer também, uma vontade para ser imolada como a mais preciosa vítima e a mais agradável a Deus». Aí está o que deve ser o sacrifício oferecido cada dia ao Cordeiro santo e imaculado e com ele ao seu Pai. Esta era também a disposição que Maria exprimia com o seu Ecce ancilla. Ela abandonava-se ao amor divino e estava pronta a tudo sacrificar à divina vontade. (Leão Dehon, OSP 3, p. 33s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Um coração para amar, um corpo para sofrer, uma vontade para ser oferecida»
    (Leão Dehon, OSP 3, p. 33)».

  • S. Timóteo e S. Tito, Bispos

    S. Timóteo e S. Tito, Bispos


    26 de Janeiro, 2023

    S. Timóteo nasceu em Listra. A sua mãe era hebreia e o seu pai era grego. Colaborou intimamente com S. Paulo na evangelização, mantendo por ele um afeto filial. O Apóstolo colocou-o à frente da Igreja de Éfeso.

    S. Tito, que parece vir do paganismo, tornou-se um cristão de fé sólida e um evangelizador ativo e fervoroso. Na carta que lhe é dirigida, aparece-nos como responsável pela Igreja de Creta.
    Lectio
    Primeira leitura: 2 Timóteo 1, 1-8

    Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, por desígnio de Deus, segundo a promessa de vida que há em Cristo Jesus, 2a Timóteo, meu filho querido: graça, misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor. 3Dou graças a Deus, a quem sirvo em consciência pura, como já o fizeram os meus antepassados, ao recordar-te constantemente nas minhas orações, noite e dia. 4Ao lembrar-me das tuas lágrimas, anseio ver-te, para completar a minha alegria, 5pois trago à memória a tua fé sem fingimento, que se encontrava já na tua avó Loide e na tua mãe Eunice e que, estou seguro, se encontra também em ti. 6Por isso recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, 7pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso. 8Portanto, não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus.

    A Segunda Carta a Timóteo é uma espécie de testamento espiritual do Apóstolo, na véspera do seu martírio. Trata-se de um escrito da escola paulina, de finais do século I. Entre expressões de afeto e de estima por Timóteo, Paulo afirma a sua condição de Apóstolo, vocação e missão a que foi chamado e às quais correspondeu generosamente. Paulo sublinha também a continuidade entre o seguimento de Jesus e a fidelidade à lei hebraica, que viveu e pregou. O mesmo sucede com Timóteo, filho de pai grego, mas iniciado ao cristianismo pela sua avó e pela sua mãe, ambas hebreias. O autor da carta acentua também o carisma de pastor de almas personificado em Timóteo, e transmitido pelo Apóstolo, através da imposição das mãos. Em todo o texto domina o testemunho dado a Cristo por Paulo nas diversas e difíceis provações por que passou, e que Timóteo deve continuar, com a graça de Deus.
    Evangelho: Lucas 10, 1-9

    Naquele tempo, designou o Senhor outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. 2Disse-lhes:«A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe. 3Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. 4Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho. 5Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: 'A paz esteja nesta casa!' 6E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. 7Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. 8Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei do que vos for servido, 9curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: 'O Reino de Deus já está próximo de vós.'

    A obra de Jesus está internamente aberta e realiza-se através dos discípulos. Os Doze continuam a ser o fundamento de toda a missão da Igreja. Mas, juntamente com eles, e depois deles, Jesus escolheu muitos outros. A messe é grande e os trabalhadores acabam sempre por ser poucos. O nosso texto alude a setenta e dois, número de plenitude e sinal de todos os missionários posteriores que anunciam a mensagem do reino na nossa Igreja. Através desses discípulos, a missão de Jesus alcança todas as fronteiras da história, chegando à sua plenitude na grande meta da ceifa escatológica.
    Meditatio

    "Recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti" (v. 6). Para nós, esse dom é a vocação cristã, primeiro anel de uma corrente de dons que Deus tem para nos dar. Podemos meditar nesse dom na perspetiva da fraternidade, sublinhando dois aspectos: a simplicidade fraterna e a fidelidade fraterna. Quanto à simplicidade fraterna, não havemos de nos julgar mais do que os outros, alimentar ambições, ser presumidos. Pelo contrário, há que fazer-nos pequenos com os outros, irmãos entre os irmãos: "Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo" (Mc 10, 43). A fraternidade cristã apoia-se numa igualdade fundamental: diante de Deus, todos somos iguais; diante dos outros, todos somos carenciados. Por isso, ninguém pode pretender ser mais do que os outros. O nosso modelo é Jesus, que se fez nosso irmão. Poderia fazer sentir o seu poder, a sua autoridade; mas preferiu estar no meio de nós como quem serve! "Pois, quem é maior: o que está sentado à mesa, ou o que serve? Não é o que está sentado à mesa? Ora, Eu estou no meio de vós como aquele que serve." (Lc 22, 27).
    A fraternidade, a simplicidade fraterna manifestam-se também como afeto fraterno. Os sentimentos recíprocos entre Paulo e Timóteo manifestam essa igualdade de afeto solidário, e não meramente jurídica: "Ao lembrar-me das tuas lágrimas, anseio ver-te, para completar a minha alegria" (v. 4). Timóteo tinha chorado quando Paulo partiu. Paulo deseja estar com os irmãos que se amam. Por vezes chama a Timóteo "irmão", mas aqui chama-o "filho querido", porque o gerou para a graça de Cristo pela pregação e pelo Batismo.
    A fraternidade inclui outro aspeto ainda mais realista e exigente: a fidelidade fraterna. Trata-se da solidariedade uns para com os outros, especialmente em momentos de crise e de sofrimento: "Vós sois os que permaneceram sempre junto de mim nas minhas provações," (Lc 22, 28), diz Jesus aos seus discípulos. É isto que faz perdurar e crescer a fraternidade. Irmão é aquele que ajuda o seu irmão. Jesus fez-se nosso irmão para nos ajudar e ajudou, mesmo à custa de muito sofrimento. Ao fazer-se nosso irmão, também quis precisar da nossa ajuda e ser ajudado por nós. Por isso, congratula-se com os apóstolos que permaneceram junto d´Ele nas suas tribulações.
    Paulo pede a Timóteo que ponha em prática, na solidariedade fraterna, essa fidelidade: "Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus." (v. 8).
    Havemos de sentir esta solidariedade, de modo particular, para com aqueles que têm maiores responsabilidades na Igreja. Se Jesus se fez nosso irmão, é porque quis ensinar-nos a viver esse espírito de fraternidade, sem o não é possível caminhar no amor.
    Oratio

    Senhor, bem sabes que a nossa solidariedade para com os irmãos, muitas vezes, dá lugar ao desejo de sermos os primeiros. Mesmo nas atividades pastorais, em vez de partilharmos com simplicidade e alegria as responsabilidades, muitas vezes queremos impor as nossas decisões e os nossos pontos de vista. Dá-nos um coração manso e humilde como o teu. Ajuda-nos a pôr no centro o teu Evangelho, e não as nossas convicções. Põe ordem e clareza nas motivações do nosso agir, para vencermos o nosso orgulho, mesmo quando mascarado de "boas intenções". Dá-nos a alegria de nos reconhecermos pequenos. Sê a nossa única força, e nada nos meterá medo. Ámen.
    Contemplatio

    Ó Jesus, que nos dissestes para aprendermos do vosso coração a sermos mansos e humildes, tornai o nosso coração semelhante ao vosso! Como é manso e humilde o Menino divino de Belém e de Nazaré! É o seu carácter próprio, é o estilo da sua vida. Na sua vida pública, é manso e bom para com todos. Isaías tinha-o descrito (42, 1), e Jesus deleitava-se a reler este quadro na sinagoga: «Eis o meu Filho bem amado, que não gosta das querelas, dos gritos, do barulho das praças, não quebra a cana rachada e não extingue a mexa que ainda fumega...». Jeremias tinha-o apresentado como um cordeiro cheio de mansidão... S. João chama-o o Cordeiro que é sacrificado desde a origem do mundo. Quando entra em Jerusalém sobre a sua modesta montada, é o Rei de mansidão predito por Isaías e Zacarias (Mt 21). Na sua paixão, a sua mansidão traduz-se pelo seu silêncio e pela sua paciência. A mansidão, diz S. Paulo, é fruto do Espírito Santo, com as virtudes que se lhe assemelham: a paz, a benignidade, a bondade (Gal 5, 22). A caridade é mansa, benevolente, amável, S. Paulo repete a todas as Igrejas: aos Efésios, aos Gálatas, aos Coríntios. Recomenda a Timóteo para ser manso para com todos, paciente e modesto, como convém a um bom servidor de Deus (2Tim 2, 24). O homem manso será bem-aventurado, porque Deus o abençoará, mas também porque ganhará facilmente os corações e não terá inimigos. (L. Dehon, OSP 4, p. 36s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Reacende o dom de Deus que há em ti" (cf. 2 Tm 1, 6).

     

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    S. Timóteo e S. Tito, Bispos (26 Janeiro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Quinta-feira


    26 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 10, 19-25

    Irmãos, 19temos plena liberdade para a entrada no santuário por meio do sangue de Jesus. 20Ele abriu para nós um caminho novo e vivo através do véu, isto é, da sua humanidade 21e, tendo um Sumo Sacerdote à frente da casa de Deus, 22aproximemo-nos dele com um coração sincero, com a plena segurança da fé, com os corações purificados da má consciência e o corpo lavado com água pura. 23Conservemos firmemente a profissão da nossa esperança, pois aquele que fez a promessa é fiel. 24Estejamos atentos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, 25sem abandonarmos a nossa assembleia - como é costume de alguns - mas animando-nos, tanto mais quanto mais próximo vedes o Dia.

    O autor da Carta aos Hebreus fez, até aqui, uma exposição exaustiva dogmático-teológica sobre o sacerdócio de Cristo. Nesta secção, expõe a reacção do homem diante da obra de Cristo, e tira consequências práticas dos princípios doutrinais afirmados. Começa por chamar «irmãos» aos seus interlocutores. Agora podem compreender melhor o significado cristão desse nome. Podem ser chamados «irmãos» porque todos foram redimidos pelo sangue de Cristo, podem entrar em comunhão vital com Ele e uns com os outros. O acesso a Deus foi viabilizado pelo sangue de Cristo, pela sua obra em nosso benefício. Temos um caminho novo e vivo para Deus, aberto através do véu da carne de Alguém que é sacerdote, que é caminho. A própria pessoa de Jesus é o caminho que havemos de percorrer pela conversão, pela conformação com Ele. Por isso, devemos aproximar-nos d´Ele com as devidas disposições interiores, tais como a pureza do corpo e do espírito conferida pelo baptismo, mas também com «fé» e «esperança». Nas tribulações de vida, o cristão deve dar testemunho de que está apoiado, sem hesitações, num Deus cujo nome é «fiel e verdadeiro» (Ap 3, 14). Mas tudo isto não há-de ser vivido como busca de perfeição individual. Por isso, há-de ser vivida no exercício da caridade: é preciso ser uns pelos outros no exemplo, no estímulo, no apoio.

    Evangelho: Mc 4, 21-25

    Naquele tempo, disse Jesus à multdão: «21Põe-se, porventura, a candeia debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é para ser colocada no candelabro? 22Porque não há nada escondido que não venha a descobrir-se, nem há nada oculto que não venha à luz. 23Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 24E prosseguiu: «Tomai sentido no que ouvis. Com a medida que empregardes para medir é que sereis medidos, e ainda vos será acrescentado. 25Pois àquele que tem, será dado; e ao que não tem, mesmo aquilo que tem lhe será tirado.»

    Depois da parábola do semeador, Marcos apresenta-nos dois pares de breves sentenças. O Evangelho é para todos na comunidade. Por isso, deve ser colocado «no candelabro». Se alguém cair na tentação de o guardar ciosamente para si, então ser-lhe-á tirado. A Sagrada Escritura não é privilégio só para alguns, mas é para todos. Por isso, deve ser posta ao alcance de todos. A fé recebida por mim deve ser posta ao serviço da minha comunidade e de todos os homens.
    No primeiro par de sentenças, a imagem da lâmpada que deve ser exposta sobre o candelabro é desenvolvida por duas antíteses paralelas: o que está escondido há-de ser descoberto, o que está oculto há-de vir à luz. O Reino, ainda que, por enquanto, seja anunciado em parábolas, depressa virá à luz na sua glória, e o Evangelho será anunciado a todos os povos.
    No segundo par de sentenças, a antítese volta-se para a condição interna da comunidade: a imagem da medida insinua a proibição de julgar os outros; a segunda sentença está mais ligada à parábola do semeador: «aquele que tem» corresponde à «boa terra», que acolhe a palavra e lhe permite produzir fruto.

    Meditatio

    O autor da Carta aos Hebreus faz-nos entrever o mistério de Jesus Cristo, que transformou a situação do homem. Depois de se detido a apresentar esse mistério, e o sacrifício agradável Si mesmo, que Cristo ofereceu ao Pai, obtendo-nos a salvação, o autor manifesta o seu espanto pela transformação que esse mesmo sacrifício operou em nós. Implicitamente, o autor da Carta compara a nossa situação com a do Antigo Testamento, quando as relações com Deus estavam sujeitas a limitações e a obstáculos de toda a espécie. Só o Sumo Sacerdote podia entrar no santuário uma vez por ano. O povo tinha que ficar fora dele, e não tinha caminhos para chegar a Deus. Na verdade, os próprios sacerdotes eram imperfeitos, e os Sumos Sacerdotes eram pecadores que deviam oferecer sacrifícios de expiação por si mesmos. Mas estes sacrifícios eram ineficazes e não os tornavam dignos de se aproximarem de Deus. Nós, os cristãos, pelo contrário temos plena liberdade para entrar no santuário «no santuário por meio do sangue de Jesus. Ele abriu para nós um caminho novo e vivo através do véu, isto é, da sua humanidade» (v. 20). Através da humanidade de Cristo, podemos chegar a Deus, tendo uma guia para nos acompanhar no caminho «um Sumo Sacerdote à frente da casa de Deus» (v. 21).
    Este texto aplica-se bem à Eucaristia. Para penetrarmos no santuário, havemos de caminhar por meio do sangue de Cristo neste caminho novo e vivo, que Ele mesmo inaugurou. E não podemos avançar sem Ele. Por Ele, com Ele e n´Ele, avançamos para Deus com toda a confiança, porque Cristo Lhe é agradável. As disposições com que havemos de caminhar são a fé, a esperança e a caridade: «aproximemo-nos dele com um coração sincero, com a plena segurança da fé, com os corações purificados da má consciência e o corpo lavado com água pura. Conservemos firmemente a profissão da nossa esperança, pois aquele que fez a promessa é fiel. Estejamos atentos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (vv. 22-24). O caminho que, desde já nos leva a Deus, no sacramento, há-de levar-nos definitivamente a Ele para além da morte. Percorremos este caminho em comunidade, em Igreja. Daí que, depois da fé e da esperança, seja recomendada a caridade e a celebração comunitária da Eucaristia: «sem abandonarmos a nossa assembleia - como é costume de alguns - mas animando-nos, tanto mais quanto mais próximo vedes o Dia» (v. 25).
    Louvemos o Senhor e agradeçamos-Lhe tudo quanto fez por nós em Jesus Cristo morto e ressuscitado. Segundo a Carta aos Romanos, o Pai destinou Cristo a servir de expiação, «como propiciatório» (ilasterion), com o Seu sangue, pelos nossos pecado
    s (cf. Rm 3, 26). Na Segunda Carta aos Coríntios, Paulo afirma: «Aquele que não havia conhecido pecado (Cristo), Deus O fez pecado por nós para que nos tornássemos n´Ele justiça de Deus» (5, 21), isto é, Cristo assumiu uma carne pecadora, para se tornar vítima pelo pecado na carne pecadora, para que nós fôssemos justificados diante de Deus. Assim Cristo é a «vítima de expiação», imolada em holocausto pelo fogo do Espírito (cf. Heb 9, 14) «pelos nossos pecados"» (1 Jo 2, 2). Pode-se perfeitamente afirmar do Seu sangue aquilo que o Levítico diz do antigo holocausto que «consumado pelo fogo» era «perfume suave para o Senhor» (1, 17); esta imagem é retomada por Paulo: «Cristo amou-nos e Se entregou por nós a Deus, como oferenda e sacrifício de agradável odor» (Ef 5,2).

    Oratio

    Senhor Jesus, contemplamos com fé o Teu lado aberto do qual nascem rios de água viva para a nossa aridez e sangue precioso para uma Redenção Eterna. Tu és o verdadeiro sumo sacerdote, que entrando uma só vez no santuário, com o teu próprio sangue, ofereceste tudo o que era necessário para a nossa redenção. Tu és o sacerdote, o sacrifício e o templo, mas quiseste associar-nos a ti pela graça do baptismo. Por isso, queremos unir-nos à tua oblação. Dá-nos um espírito generoso e agradecido para te consagrarmos a nossa vida com obras de misericórdia. Amen.

    Contemplatio

    Jesus começou a dar o seu sangue, desde a aurora da sua vida, na circuncisão. O seu sangue correu de todos os seus membros durante a sua agonia no jardim das Oliveiras. Era o lagar anunciado por Isaías (Is 63), onde o sangue do Salvador corria como o vinho, quando os bagos são esmagados aos pés. O sangue correu do corpo adorável do Salvador durante a flagelação cruel e prolongada que sofreu. Correu da sua cabeça adorável na coroação de espinhos. Jesus perdia o seu sangue precioso levando a sua cruz até ao Calvário. Derramou-o abundantemente das suas mãos e dos seus pés, quando foi pregado à cruz, e estas fontes não se fecharam mais até ao esgotamento das veias do Salvador. Jesus deu as últimas gotas do seu sangue quando o seu Coração foi aberto pela lança. Mas a dizer a verdade, foi sempre o seu Coração que deu o seu sangue. Derramava-o de boamente, dava-o com o seu sangue. Derramava-o de boamente, dava-o com amor. Oferecia-o ao seu Pai por todas as suas chagas como por tantas bocas suplicantes. No Antigo Testamento, o sumo sacerdote levava ao Santo dos santos num vaso precioso os sangue dos vitelos e dos cabritos para o holocausto e a reparação. Jesus ofereceu no vaso do seu divino Coração todo o seu sangue precioso ao seu Pai. Derramou-o no Calvário, como Aarão e os seus filhos o derramavam no Santo dos santos; e agora no céu Jesus apresenta sempre o seu sangue ao seu Pai como um sacrifício único que basta a tudo, ao holocausto, à acção de graças, à reparação e à impetração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 19).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Cristo entregou-Se por nós a Deus, como oferenda e sacrifício de agradável odor» (Ef 5,2).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Sexta-feira


    27 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 10, 32-39

    Irmãos, 32Recordai os primeiros dias nos quais, depois de terdes sido iluminados, 33suportastes a grande luta dos sofrimentos, tanto sendo expostos publicamente a insultos e tribulações, como sendo solidários com os que assim eram tratados. 34Tomastes parte nos sofrimentos dos encarcerados, aceitastes com alegria a confiscação dos vossos bens, sabendo que possuís bens melhores e mais duradouros. 35Não percais, pois, a vossa confiança, à qual está reservada uma grande recompensa. 36Na realidade, tendes necessidade de perseverança, para que, tendo cumprido a vontade de Deus, alcanceis a promessa. 37Pois ainda um pouco, de facto, um pouco apenas, e o que há-de vir, virá e não tardará. 38O meu justo viverá pela fé, mas, se ele voltar atrás, a minha alma não encontrará nele satisfação. 39Nós, porém, não somos daqueles que voltam atrás para a perdição, mas homens de fé para a salvação da nossa alma.

    Consciente do delicado momento por que passa a comunidade judeo-cristã a que se dirige, o autor da Carta aos Hebreus, revelando profundo conhecimento do coração humano e grande capacidade de discernimento na orientação espiritual das almas, oferece-nos uma página cheia de sabedoria pastoral. Serpeia na comunidade a ameaça da tibieza que muitas vezes degenera em apostasia aberta ou em vida pecaminosa contrária à fé. Embora denuncie o perigo, o nosso autor não condena abertamente nem repreende com dureza. Prefere usar a exortação. Lembra que o passado de uma fé inquebrantável deve servir de estímulo para o presente. «Recordai os primeiros dias nos quais, depois de terdes sido iluminados, suportastes a grande luta dos sofrimentos» (v. 32-33). Entrevemos uma comunidade que deu provas de grande fortaleza e caridade, uma comunidade capaz de enfrentar as perseguições e as mais graves humilhações sem recuar. Até foi solidária com quem estava em provações! Era, pois, uma comunidade plenamente cristã, animada de verdadeiro amor fraterno, porque a sua fé estava apoiada pela certeza dos bens futuros. No actual momento de crise, há que reavivar essa fé, alimentando-a na palavra de Deus.

    Evangelho: Mc 4, 26-34

    Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 26Dizia ainda: «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. 27Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como. 28A terra produz por si, primeiro o caule, depois a espiga e, finalmente, o trigo perfeito na espiga. 29E, quando o fruto amadurece, logo ele lhe mete a foice, porque chegou o tempo da ceifa.» 30Dizia também: «Com que havemos de comparar o Reino de Deus? Ou com qual parábola o representaremos? 31É como um grão de mostarda que, ao ser deitado à terra, é a mais pequena de todas as sementes que existem; 32mas, uma vez semeado, cresce, transforma-se na maior de todas as plantas do horto e estende tanto os ramos, que as aves do céu se podem abrigar à sua sombra.» 33Com muitas parábolas como estas, pregava-lhes a Palavra, conforme eram capazes de compreender. 34Não lhes falava senão em parábolas; mas explicava tudo aos discípulos, em particular.

    As duas parábolas, que Marcos põe na boca de Jesus, ilustram dois aspectos da inevitável tensão dialéctica do reino de Deus na história.
    A parábola da semente, que cresce sem a intervenção do agricultor, diz-nos que o Reino é uma iniciativa de Deus, que deve permanecer sempre acima de toda a tentativa humana para guiar o curso do seu crescimento e maturação. É claro que Deus conta com a colaboração humana: «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra» (v. 26). Para sublinhar a acção de Deus, a parábola esquece diversos trabalhos necessários, à sementeira, à limpeza, à rega, etc. Mas alude ao acto de semear. É essa a tarefa dos discípulos que, depois, devem aguardar, com paciência, que a Palavra actue pela força que tem em si mesma e dê fruto no tempo e no modo que Deus quiser.
    A segunda parábola apresenta o reino como um grão de mostarda, que dá origem a um grande arbusto. Também aqui encontramos uma importante mensagem de confiança para a comunidade primitiva e para nós. Não havemos de preocupar-nos por sermos poucos e pequenos: a Palavra de Deus dará frutos incomensuráveis, não por nosso mérito, mas pela graça.
    Os vv. 33 e 34 retomam o tema das parábolas para o grande público e das explicações privadas aos discípulos.

    Meditatio

    Podemos imaginar a alegria dos primeiros judeo-cristãos quando, iluminados pela graça, reconheceram em Jesus o Messias, o Esperado de todos os povos, o Salvador prometido. Essa descoberta surpreendente levou-os a entrar jubilosamente e a percorrer com entusiasmo e fervor o «caminho novo e vivo» que Deus lhes oferece em Jesus. Mas rapidamente se deram conta de que esse caminho é longo e duro e, à exaltação inicial, seguiu o cansaço e o desânimo. Era a hora da provação em que era preciso resistir com paciência. O autor da Carta aos Hebreus exorta os seus interlocutores à perseverança. Ainda que a paisagem se apresente desolada, cada passo aproxima-nos da meta. Na vida de cada um de nós há momentos em que precisamos de nos agarrar com todas as forças à esperança. Essa virtude é como que o bordão do peregrino a caminho do reino dos céus.
    No evangelho, o Senhor ensina-nos a fé e a humildade, mas também a esperança. O crescimento espiritual não depende de nós, mas da Palavra de Deus semeada em nós. Só ela pode salvar a nossa vida. É bom desejar crescer e caminhar espiritualmente. É bom fazer por isso. Mas não basta a nossa boa vontade, não chegam os nossos esforços. O agricultor que lança a semente à terra, e procura rodeá-la das condições adequadas, não pode pretender fazê-la germinar e crescer. Esse poder não está nas suas mãos, mas nas de Deus.
    O Senhor ensina-nos o abandono confiante a Deus na esperança. Como a terra acolhe a semente, assim devemos acolher a Palavra. E ela crescerá sem sabermos como. O abandono confiante a Deus e a esperança tornam suportável o tempo que vai da sementeira à colheita. Essa esperança baseia-se na experiência dos peregrinos de Emaús, na certeza de que Aquele que nos chama para a meta é também nosso silencioso companheiro de viagem. Quanto mais o caminho é difícil, mais Ele se faz presente.
    Há pois que evitar a pressa de ver resultados, também no nosso itinerário espiritual. S. Francisco de Sales era severo com aqueles que se deixavam tomar por ela. Trabalhava muito mas ensinava que é preciso fazer tudo pacientemente: agir pacientemente, rezar pacientemente, sofrer pacientemente, lutar pacientemente. Se nos apoiarmos no Senhor verificaremos que Ele faz crescer em tudo, muitas vezes mais lentamente do que desejamos, mas outras vezes de m
    odo mais belo e mais rápido do que esperamos. Não temos o metro para medir o crescimento, nem sequer o nosso. Por isso, precisamos de fé, de confiança, de paciência: o poder de fazer crescer pertence somente a Deus.
    A vida de oblação que corresponde ao voto de vítima tão caro ao Pe. Dehon e aos nossos primeiros religiosos, passa pela aceitação das cruzes e canseiras de cada dia, no nosso itinerário espiritual, e também pela irradiação dos frutos do Espírito: a caridade, com os sinais da alegria e da paz; a paciência, a bondade e a benevolência; com as condições para viver os frutos do Espírito: a mansidão e a humildade do coração, o apego a Cristo, o deixar-se guiar nos pensamentos, desejos, projectos, afectos, palavras e acções, não pelo nosso eu, muitas vezes egoísta e apressado, mas pelo Espírito de Deus, que tudo cria e faz crescer ao ritmo que bem Lhe apraz. Vivendo assim, manifestamos aquele estilo de vida, aqueles comportamentos que caracterizaram o Pe. Dehon, por todos conhecido como o «Très bon Père», confiadamente abandonado e paciente em todas as circunstâncias da sua vida e do seu apostolado.

    Oratio

    Senhor, Tu és a nossa única esperança. Escondido na nossa fragilidade humana, experimentaste a perseguição, a solidão e a pobreza. Por nosso amor, aceitaste voluntariamente a morte, fizeste-Te nosso pão da vida, sustento do nosso caminho. Conheces o nosso coração e o nosso cansaço no esforço por conservar a fé e a esperança. Perdoa-nos se deixámos arrefecer o ardor e o entusiasmo do nosso primeiro amor, dos nossos primeiros passos no caminho para Ti. Faz-nos recordar o amor e o encanto com que optámos por Ti e Te seguimos na nossa juventude. Está connosco na tribulação e dá-nos o teu Espírito Santo para Te sermos fiéis até à morte. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor dá-nos o exemplo. Aceita as perseguições, as zombarias, as calúnias, para nos consolar nas nossas provações, para nos encorajar e para nos ensinar também que a paciência tem diante de Deus um grande valor. «A paciência, diz S. Paulo, é a provação, mas a provação prepara a esperança» (Rm 5,4). Nosso Senhor quis ser julgado e condenado e sucumbir vítima da justiça humana, para nos ensinar o desprezo das acusações falsas, das zombarias, dos juízos falsos e temerários. São tantas provas que se tornam também esperanças e fontes de graças, se as suportarmos em espírito de fé. O «seja crucificado» de Jesus, é a minha salvação, obtida pela sua paciência, pelos seus sofrimentos, pelas suas expiações, pelo amor do seu Coração. O seja crucificado da minha má natureza, é ainda a salvação obtida pelo sacrifício, pela mortificação, pela paciência. Obrigado a Nosso Senhor, pela sua adorável paciência, que é para mim a salvação e o exemplo a seguir. (Leão Dehon, OSP 3, p. 347s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Não percais a vossa confiança» (Heb 10, 35).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Sábado


    28 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 11, 1-2.8-19

    1Irmãos: a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem. 2Foi por ela que os antigos foram aprovados. 8Pela fé, Abraão, ao ser chamado, obedeceu e partiu para um lugar que havia de receber como herança e partiu sem saber para onde ia. 9Pela fé, estabeleceu-se como estrangeiro na Terra Prometida, habitando em tendas, tal como Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma promessa, 10pois esperava a cidade bem alicerçada, cujo arquitecto e construtor é o próprio Deus. 11Pela fé, também Sara, apesar da sua avançada idade, recebeu a possibilidade de conceber, porque considerou fiel aquele que lho tinha prometido. 12Por isso, de um só homem, e já marcado pela morte, nasceu uma multidão tão numerosa como as estrelas do céu e incontável como a areia da beira-mar. 13Foi na fé que todos eles morreram, sem terem obtido os bens prometidos, mas tendo-os somente visto e saudado de longe, confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. 14Ora, os que assim falam mostram que procuram uma pátria. 15Se eles tivessem pensado naquela que tinham deixado, teriam tido oportunidade de lá voltar; 16mas agora eles aspiram a uma pátria melhor, isto é, à pátria celeste. Por isso, Deus não se envergonha de ser chamado o «seu Deus», porque preparou para eles uma cidade. 17Pela fé, Abraão, quando foi posto à prova, ofereceu Isaac, e estava preparado para oferecer o seu único filho, ele que tinha recebido as promessas e 18a quem tinha sido dito: Por meio de Isaac será assegurada a tua descendência. 19De facto, ele pensava que Deus tem até poder para ressuscitar os mortos; por isso, numa espécie de prefiguração, recuperou o seu filho.

    Exposta a doutrina, o autor da Carta aos Hebreus, começa um capítulo todo dedicado à fé. À maneira sapiencial, apresenta uma galeria dos campeões da fé que viveram no Antigo Testamento, apresentando-os aos seus leitores cristãos como incentivo para que sigam os seus passos e perseverem na vivência da fé. Antes de fazer desfilar a série de homens e mulheres exemplares pela sua fé, o autor sintetiza todo o seu ensinamento e dá-nos uma chave de leitura logo no primeiro versículo: «a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem».
    Abraão é o crente por excelência. No começo da sua caminhada, a fé foi-lhe necessária para obedecer à chamada de Deus e deixar a sua terra rumo a outra longínqua e desconhecida. A fé e a esperança acompanharam-no ao longo da vida errante e precária pelo deserto. Animado pela esperança, Abraão enfrentava decididamente o cansaço de uma vida nómada, esperando com absoluta certeza a Jerusalém celeste. A sua fé revelou-se maximamente no sacrifício de Isaac, o filho da promessa. Deus parecia contradizer-se e retirar ao patriarca aquele que era seu dom e garantia dos bens futuros prometidos. A fé de Abraão leva-o a oferecer a Deus o sacrifício de uma obediência heróica, que a «noite escura» da fé não enfraquece. Por isso Deus o recompensa, restituindo-lhe o filho, que estava disposto a sacrificar, e fazendo dele profecia da futura economia da salvação.

    Evangelho: Mc 4, 35-41

    Naquele dia, 35ao entardecer, disse Jesus aos discípulos: «Passemos para a outra margem.» 36Afastando-se da multidão, levaram-no consigo, no barco onde estava; e havia outras embarcações com Ele. 37Desencadeou-se, então, um grande turbilhão de vento, e as ondas arrojavam-se contra o barco, de forma que este já estava quase cheio de água. 38Jesus, à popa, dormia sobre uma almofada. 39Acordaram-no e disseram-lhe: «Mestre, não te importas que pereçamos?» Ele, despertando, falou imperiosamente ao vento e disse ao mar: «Cala-te, acalma-te!» O vento serenou e fez-se grande calma. 40Depois disse-lhes: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» 41E sentiram um grande temor e diziam uns aos outros: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?»

    À proclamação do Reino de Deus, em parábolas, segue a apresentação dos benefícios dessa proclamação. É o que faz Marcos na nova secção do seu evangelho, onde apresenta quatro milagres, a começar pela tempestade acalmada (vv. 37ss.). A Boa Nova da Salvação atinge o homem todo, toda a sua existência: Jesus salva e cura os homens das mais diversas ameaças que estão a ponto de «alienar» a sua vida. É interessante notar o contraste entre a serenidade de Jesus, que dorme, e a ansiedade dos discípulos, que lutam bravamente contra as ondas e o vento. Parecem inverter-se os papéis: Jesus confia nos marinheiros e estes, angustiados, não revelam confiança em Jesus: «não te importas que pereçamos?» (v. 38). Quando Jesus finalmente intervém, calam-se o vento e o mar, e calam-se os aterrorizados marinheiros. Nem respondem às perguntas de Jesus: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?». O medo dos discípulos indica falta de fé. A intervenção de Jesus transforma-lhes o medo em temor de Deus. O poder manifestado por Jesus fê-los intuir a presença de Deus junto deles. E começam a dar-se conta da verdadeira identidade do seu Mestre.

    Meditatio

    O autor da Carta aos Hebreus leva-nos, hoje, a reflectir sobre o grande dom da fé: «Pela fé, Abraão... obedeceu e partiu... estabeleceu-se como estrangeiro na Terra Prometida... Pela fé, também Sara recebeu a possibilidade de conceber...». E o refrão «pela fé» vai sendo repetido para falar de Abel, de Enoc, de Isaac... O nosso texto limita-se a referir Abraão que, pela fé, partiu sem saber para onde ia, permaneceu como estrangeiro na Terra Prometda e que, posto à prova, se dispos a oferecer o seu filho único, mas o recuperou «numa espécie de prefiguração» (v. 19). Refere também o exemplo de Sara, que se tornou mãe quando a idade já não o permitia, «porque considerou fiel aquele que lho tinha prometido» (v. 11).
    Saber confiar em Alguém é o caminho para a liberdade. Em muitos casos, não se trata de deixar geograficamente a pátria, a família; trata-se de uma outra «saída» muito mais radical, que está no fundamento de todas as outras: a saída de si mesmo. Esta saída pode significar simplesmente retomar cada manhã os mesmos trabalhos domésticos, de percorrer o abitual caminho que leva ao serviço, ou de permanecer imóvel no leito de dor, oferecendo cada momento ao Senhor para que dele disponha como julgar melhor.
    Abraão partiu comprometendo toda a sua vida e tornou-se «pai dos crentes». Todo o «sim» generoso dito a Deus é fonte de bem para muitos. Toda a resistência ou recusa a Deus atrasa o caminho de todos para a realização da história. Abraão é louvado pela sua fé, ainda que apenas visse à dist&
    acirc;ncia. No evangelho, os apóstolos são repreendidos pela sua falta de fé, apesar de Jesus estar próxmo deles. Um incrível paradoxo que nos há-de levar a reflectir. A fé não precisa de especiais condições. Quem sabe olhar as profundidades do coração acaba por descobrir que a Terra Prometida está aí e que se pode alcançá-la pela acto de obediência e de entrega que o Espírito vai sugerindo a cada instante.
    «Feliz de ti que acreditaste» (Lc 1, 45), dizia Isabel a Maria. Maria acreditou numa situação de profunda obscuridade, no momento da anunciação; mas acreditou também noutro momento de maior obscuridade ainda: a morte do seu Filho, no Calvário. Na sua noite escura da fé, sentimos a Virgem muito próxima de nós, em comunhão com as nossas dolorosas experiências espirituais, como uma mãe que participa, em tudo, da vida dos filhos.

    Oratio

    Salve, Senhor, nosso Rei, humilde e obediente ao Pai. Como manso cordeiro, foste levado à morte na cruz. Hoje, queremos unir-nos a Ti e contigo abandonar-nos à vontade do Pai, pronunciando com decisão e alegria o nosso «Eis-me aqui!». Concede-nos a graça de sermos dóceis e obedientes à tua palavra, de partirmos com generosidade e entusiasmo para as aventuras em que nos queres envolver, de suportarmos os nossos sofrimentos com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, a exemplo da tua e nossa Mãe, como eminente e misteriosa comunhão com os teus sofrimentos e a tua morte para redenção do mundo. Amen.

    Contemplatio

    Enquanto permanecestes com o vosso divino Filho, ó Rainha dos Anjos, o vosso Coração sagrado esteve à espera das dores que vos tinham sido anunciadas pelo velho Simeão: dores sem igual, porque a grandeza do vosso amor era a sua medida. A hora da Paixão chega: Jesus despede-se de vós para ir sofrer, e faz-vos compreender que, para cumprir a vontade de seu Pai, deveis acompanhá-lo ao pé da cruz, e que o vosso coração tão terno lá será trespassado pela espada da dor. S. João vem advertir-vos que o Cordeiro divino vai ser conduzido à imolação. Saís imediatamente da vossa morada, banhando com as vossas lágrimas as ruas de Jerusalém; encontrais o vosso Filho no meio de uma tropa furiosa de carrascos e de tigres, que rugem e blasfemam, pedindo a grandes gritos que o crucifiquem... Ele caminha carregado com o madeiro da cruz; vós o seguis, toda banhada com as vossas lágrimas e com o coração mergulhado numa dor imensa. Ele chega finalmente ao Gólgota. Com golpes de martelo enterram nos seus pés e nas suas mãos cravos que perfuram o vosso coração materno. Logo o elevam da terra no meio de blasfémias. Ó meu Deus! Todo o vosso sangue gela nas vossas veias. Durante três horas permaneceis ao pé da cruz de Jesus, cravada pelo amor e pela dor a esta árvore sagrada, até /262 que enfim Ele expira no meio dos mais horríveis tormentos... Depositam-no sem vida nos vossos braços. A terra nunca viu semelhante dor. (Leão Dehon, OSP 3, 676s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A fé é garantia das coisas que se esperam» (Heb 11, 1).

  • 04º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    04º Domingo do Tempo Comum - Ano A


    29 de Janeiro, 2023

    Ano A
    04º Domingo do Tempo Comum

    Tema do 4º Domingo do Tempo Comum

    As leituras deste domingo propõem-nos uma reflexão sobre o "Reino" e a sua lógica. Mostram que o projecto de Deus - o projecto do "Reino" - roda em sentido contrário à lógica do mundo... Nos esquemas de Deus - ao contrário dos esquemas do mundo - são os pobres, os humildes, os que aceitaram despir-se do egoísmo, do orgulho, dos próprios interesses que são verdadeiramente felizes. O "Reino" é para eles.
    Na primeira leitura, o profeta Sofonias denuncia o orgulho e a auto-suficiência dos ricos e dos poderosos e convida o Povo de Deus a converter-se à pobreza. Os "pobres" são aqueles que se entregam nas mãos de Deus com humildade e confiança, que acolhem com amor as suas propostas e que são justos e solidários com os irmãos.
    Na segunda leitura, Paulo denuncia a atitude daqueles que colocam a sua esperança e a sua segurança em pessoas ou em esquemas humanos e que assumem atitudes de orgulho e de auto-suficiência; e convida os crentes a encontrar em Cristo crucificado a verdadeira sabedoria que conduz à salvação e à vida plena.
    O Evangelho apresenta a magna carta do "Reino". Proclama "bem-aventurados" os pobres, os mansos, os que choram, os que procuram cumprir fielmente a vontade de Deus, porque já vivem na lógica do "Reino"; e recomenda aos crentes a misericórdia, a sinceridade de coração, a luta pela paz, a perseverança diante das perseguições: essas são as atitudes que correspondem ao compromisso pelo "Reino".

    LEITURA I - Sof 2, 3; 3, 12-13

    Leitura da Profecia de Sofonias

    Procurai o Senhor, vós todos os humildes da terra,
    que obedeceis aos seus mandamentos.
    Procurai a justiça, procurai a humildade;
    talvez encontreis protecção no dia da ira do Senhor.
    Só deixarei ficar no meio de ti um povo pobre e humilde,
    que buscará refúgio no nome do Senhor.
    O resto de Israel não voltará a cometer injustiças,
    não tornará a dizer mentiras,
    nem mais se encontrará na sua boca uma língua enganadora.
    Por isso, terão pastagem e repouso,
    sem ninguém que os perturbe.

    AMBIENTE

    O profeta Sofonias pregou em Jerusalém na época do rei Josias (Josias reinou entre 639 e 609 a.C.). Os comentadores costumam situar a profecia de Sofonias durante o tempo de menoridade de Josias (que subiu ao trono aos oito anos); durante esse tempo, foi um Conselho real que presidiu aos destinos de Judá.
    Trata-se de uma época difícil para o Povo de Deus. Judá está - há cerca de um século - submetida aos assírios (desde que Acaz pediu ajuda a Tiglat-Pileser III contra Damasco e a Samaria, no ano 734 a.C.); a influência estrangeira sente-se em todos os degraus da vida nacional e a nação sofre as consequências da invasão de costumes estranhos e de práticas pagãs. Por outro lado, o país acaba de sair do reinado do ímpio Manassés (698-643 a.C.), que reconstruiu os lugares de culto aos deuses estrangeiros, levantou altares a Baal, ofereceu o próprio filho em holocausto, dedicou-se à adivinhação e à magia, colocou no Templo de Jerusalém a imagem de Astarte (cf. 2 Re 21,3-9).
    Aos pecados contra Jahwéh e contra a aliança, somam-se as injustiças que, todos os dias, atingem os mais pobres e desprotegidos. Os príncipes e ministros abusam da sua autoridade e cometem arbitrariedades, os juízes são corruptos e os comerciantes especulam com a miséria...
    Sofonias está consciente de que Jahwéh não pode continuar a pactuar com o pecado do seu Povo; vai chegar o dia do Senhor, isto é, o dia da intervenção de Deus em que os maus serão castigados e a injustiça será banida da terra. Da ira do Senhor escaparão, contudo, os humildes e os pobres, os que se mantiveram fiéis à aliança. O fim da pregação de Sofonias não é, contudo, anunciar o castigo; mas é provocar a conversão, passo fundamental para chegar à salvação.

    MENSAGEM

    O nosso texto começa com um apelo à conversão (cf. Sof 2,3). Para Sofonias, "conversão" significa, objectivamente, justiça e humildade. Os "humildes", no contexto de Sofonias, são aqueles se entregam confiadamente nas mãos de Deus, que seguem os caminhos de Deus, que aceitam as propostas de Deus e que não se colocam contra Ele; são, também, aqueles que praticam a justiça para com os irmãos, que respeitam os direitos dos mais débeis, que não cometem arbitrariedades... Equivalem aos "pobres" das bem-aventuranças: não são uma categoria sociológica, mas aqueles que estão numa certa atitude espiritual de abertura a Deus e aos irmãos. No lado oposto estão os orgulhosos e auto-suficientes, que ignoram as propostas de Deus, exploram, são injustos, corruptos e arbitrários. Só uma verdadeira conversão à humildade permitirá encontrar protecção no "dia da ira do Senhor" que se aproxima e que vai atingir os orgulhosos, os prepotentes e os injustos.
    Em seguida, Sofonias apresenta o resultado do "dia da ira do Senhor": o surgimento do "resto de Israel" (cf. Sof 3,12-13). Os orgulhosos, arrogantes e prepotentes serão banidos do meio do Povo de Deus (cf. Sof 3,11); ficará um "resto" humilde e pobre", que se entregará nas mãos do Senhor, não cometerá iniquidades nem dirá mentiras e será uma espécie de viveiro de reflorescimento da nação.
    A partir daqui, ser "pobre" não é uma categoria sociológica, mas uma atitude espiritual de quem tem o coração aberto às propostas de Deus e é justo na relação com os outros. Na boa tradição bíblica (que está presente neste texto), os pobres são, portanto, pessoas pacíficas, humildes, piedosas, simples, que confiam em Deus, que obedecem às suas propostas e que são justos e solidários com os irmãos.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, para a reflexão, os seguintes pontos:

    • O Deus que Se revela na palavra e na interpelação de Sofonias é o Deus que não pactua com os orgulhosos e prepotentes que dominam o mundo e que pretendem moldar a história com a sua lógica. A primeira indicação que a Palavra de Deus hoje nos fornece é esta: o nosso Deus não está onde se cultiva a violência e a lei da força, nem apoia a política dos dominadores do mundo - mesmo que eles pretendam defender os valores de Deus e da civilização cristã. Os valores de Deus não se defendem com uma lógica de imposição, de violência, de apelo à força. Atenção à história e aos acontecimentos: sempre que alguém se apresenta em nome de Deus a impor ao mundo um
    a determinada lógica, temos de desconfiar; Deus nunca esteve desse lado e esses nunca foram os métodos de Deus. Sofonias garante: para os prepotentes e orgulhosos, chegará o dia da ira de Deus; e, nesse dia, serão os humildes e os pobres que se sentarão à mesa com Deus.

    • A nossa civilização ocidental diz-se cristã, mas está ainda longe de assimilar a lógica de Deus. A lógica da nossa sociedade exalta os que têm poder, os que triunfam por todos os meios, os poderosos, os que vergam a história e os homens a golpes de poder, de esperteza e de força... Hoje, como ontem, a sociedade exalta os que triunfam e marginaliza e rejeita os pobres, os débeis, os simples, os pacíficos, os que não se fazem ouvir nos areópagos do poder e dos mass-media, aqueles que recusam impor-se e mandar nos outros, aqueles que estão à margem dos acontecimentos sociais que reúnem a fina-flor do jet-set, aqueles que não aparecem nas páginas das revistas da moda. Podemos deixar que a sociedade se construa na base destes pressupostos? Que podemos fazer para que o nosso mundo se construa de acordo com os valores de Deus?

    • O apelo à conversão significa objectivamente, na perspectiva de Sofonias, a renúncia ao orgulho, à prepotência, ao egoísmo e um regresso à comunhão com Deus e com os irmãos. Estamos dispostos, pessoalmente, a este caminho de conversão? Estamos dispostos a renunciar a uma lógica de imposição, de prepotência, de orgulho, de autoritarismo, de auto-suficiência, quer na nossa relação com Deus, quer na nossa relação com os outros homens?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 145 (146), 7.8-9a.9bc-10

    Refrão 1: Bem-aventurados os pobres em espírito,
    porque deles é o reino dos Céus.

    Refrão 2: Aleluia.

    O Senhor faz justiça aos oprimidos,
    dá pão aos que têm fome
    e a liberdade aos cativos.

    O Senhor ilumina os olhos dos cegos,
    o Senhor levanta os abatidos,
    o Senhor ama os justos.

    O Senhor protege os peregrinos,
    ampara o órfão e a viúva
    e entrava o caminho aos pecadores.

    O Senhor reina eternamente.
    O teu Deus, ó Sião,
    é Rei por todas as gerações.

    LEITURA II - 1 Cor 1, 26-31

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Vede quem sois vós, os que Deus chamou:
    não há muitos sábios, naturalmente falando,
    nem muitos influentes, nem muitos bem-nascidos.
    Mas Deus escolheu o que é louco aos olhos do mundo
    para confundir os sábios;
    escolheu o que é vil e desprezível,
    o que nada vale aos olhos do mundo,
    para reduzir a nada aquilo que vale,
    a fim de que nenhuma criatura se possa gloriar diante de Deus.
    É por Ele que vós estais em Cristo Jesus,
    o qual Se tornou para nós sabedoria de Deus,
    justiça, santidade e redenção.
    Deste modo, conforme está escrito,
    «quem se gloria deve gloriar-se no Senhor».

    AMBIENTE

    Vimos, na passada semana, que um dos graves problemas da comunidade cristã de Corinto era a identificação da experiência cristã com uma escola de sabedoria: os cristãos de Corinto - na linha do que acontecia nas várias escolas de filosofia que infestavam a cidade - viam várias figuras proeminentes do cristianismo primitivo como mestres de uma doutrina e aderiam a essas figuras, esperando encontrar nelas uma proposta filosófica credível, que os conduzisse à plenitude da sabedoria e da realização humana. É de crer que os vários adeptos desses vários mestres se confrontassem na comunidade, procurando demonstrar a excelência e a superior sabedoria do mestre escolhido. Ao saber isto, Paulo ficou muito alarmado: esta perspectiva punha em causa o essencial da fé. Paulo vai esforçar-se, então, por demonstrar aos coríntios que entre os cristãos não há senão um mestre, que é Jesus Cristo; e a experiência cristã não é a busca de uma filosofia coerente, brilhante, elegante, que conduza à sabedoria, entendida à maneira dos gregos. Aliás, Cristo não foi um mestre que se distinguiu pela elegância das suas palavras, pela sua arte oratória ou pela lógica do seu discurso filosófico... Ele foi o Deus que, por amor, veio ao encontro dos homens e lhes ofereceu a salvação, não pela lógica do poder ou pela elegância das palavras, mas através do dom da vida.
    O caminho cristão não é uma busca de sabedoria humana, mas uma adesão a Cristo crucificado - o Cristo do amor e do dom da vida. N'Ele manifesta-se, de forma humanamente desconcertante, mas plena e definitiva, a força salvadora de Deus. É aí e em mais nenhum lado que os coríntios devem procurar a verdadeira sabedoria que conduz à vida eterna.

    MENSAGEM

    É verdade, considera Paulo, que é difícil encontrar - do ponto de vista do raciocínio humano - num pobre galileu condenado a uma morte infamante ("escândalo para os judeus e loucura para os gentios" - 1 Cor 1,23) uma proposta credível de salvação. Mas a lógica de Deus não é exactamente igual à lógica dos homens. "O que é loucura de Deus é mais sábio que os homens; e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens" (1 Cor 1,25).
    Como exemplo da lógica de Deus, Paulo apresenta o caso da própria comunidade cristã de Corinto: entre os coríntios não abundavam os ricos, nem os poderosos, nem os de boas famílias, nem os intelectuais, nem os aristocratas; ao contrário, a maioria dos membros da comunidade eram escravos, trabalhadores, gente simples e pobre. Apesar disso, Deus escolheu-os e chamou-os; e a vida de Deus manifestou-se nessa comunidade de desclassificados. Para a consecução dos seus projectos, os homens escolhem normalmente os mais ricos, os mais fortes, os mais bem preparados intelectualmente, os que provêm de boas famílias, os que asseguram maiores hipóteses de êxito do ponto de vista humano... Mas Deus escolhe os pobres, os débeis, aqueles que aos olhos do mundo são ignorados ou desprezados e, através deles, manifesta o seu poder e intervém no mundo. Portanto, se esta é a lógica de Deus (como ficou provado pelo exemplo), não surpreende que o poder salvador de Deus se tenha manifestado na cruz de Cristo.
    Os coríntios são convidados a não colocar a sua esperança e a sua segurança em pessoas (por muito brilhantes e cheias de qualidades humanas que elas sejam) ou em esquemas humanos de sabedoria (por muito sedutores e fascinantes que eles possam parecer): a sabedoria humana é incapaz, por si só, de salvar; e, ao produzir orgulho e auto-suficiência, leva o homem a prescindir de Deus e a resvalar por caminhos que conduzem à morte e à desgraça... Em contrapartida, os coríntios são convidados a colocar a sua esperança e segurança em Jes
    us Cristo, que na cruz deu a vida por amor: é na "loucura da cruz" - isto é, na vida dada até às últimas consequências, que se manifesta a radicalidade do amor de Deus, a profundidade do seu desejo de ofertar ao homem a salvação. Para Paulo, a cruz manifesta a "sabedoria de Deus"; e é essa sabedoria que deve atrair o olhar e apaixonar o coração dos coríntios.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a partilha podem considerar as seguintes questões:

    • Uma percentagem significativa dos homens do nosso tempo está convencida de que o segredo da realização plena do homem está em factores humanos (preparação intelectual, êxito profissional, reconhecimento social, bem-estar económico, poder político, etc.); mas Paulo avisa que apostar tudo nesses elementos é jogar no "cavalo errado": o homem só encontra a realização plena, quando descobre Cristo crucificado e aprende com Ele o amor total e o dom da vida. Para mim, qual destas duas propostas faz mais sentido?

    • A teologia aqui apresentada por Paulo diz-nos que o Deus em quem acreditamos não é o Deus que só escolhe os ricos, os poderosos, os influentes, os de "sangue azul", para realizar a sua obra no mundo; mas que o nosso Deus é o Deus que não faz acepção de pessoas e que, quase sempre, se serve da fraqueza, da fragilidade, da finitude para levar avante o seu projecto de salvação e libertação.

    • Não se trata, aqui, de valorizar romanticamente a pobreza, ou de apresentar Deus como o chefe de um sindicato da classe operária, a reivindicar o poder para as classes desfavorecidas; trata-se de revelar o verdadeiro rosto de um Deus que Se solidariza com os pobres, com os humilhados, com os ofendidos, com os explorados de todos os tempos e a todos oferece, sem distinção, a salvação.

    ALELUIA - Mt 5, 12a

    Aleluia. Aleluia.

    Alegrai-vos e exultai,
    porque é grande nos Céus a vossa recompensa.

    EVANGELHO - Mt 5,1-12

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se.
    Rodearam-n'O os discípulos
    e Ele começou a ensiná-los, dizendo:
    «Bem-aventurados os pobres em espírito,
    porque deles é o reino dos Céus.
    Bem-aventurados os que choram,
    porque serão consolados.
    Bem-aventurados os humildes,
    porque possuirão a terra.
    Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
    porque serão saciados.
    Bem-aventurados os misericordiosos,
    porque alcançarão misericórdia.
    Bem-aventurados os puros de coração,
    porque verão a Deus.
    Bem-aventurados os que promovem a paz,
    porque serão chamados filhos de Deus.
    Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça,
    porque deles é o reino dos Céus.
    Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa,
    vos insultarem, vos perseguirem
    e, mentindo, disserem todo o mal contra vós.
    Alegrai-vos e exultai,
    porque é grande nos Céus a vossa recompensa».

    AMBIENTE

    Depois de dizer quem é Jesus (Mt 1,1-2,23) e de definir a sua missão (cf. Mt 3,1-4,16), Mateus vai apresentar a concretização dessa missão: com palavras e com gestos, Jesus propõe aos discípulos e às multidões o "Reino". Neste enquadramento, Mateus propõe-nos hoje um discurso de Jesus sobre o "Reino" e a sua lógica.
    Uma característica importante do Evangelho segundo Mateus reside na importância dada pelo evangelista aos "ditos" de Jesus. Ao longo do Evangelho segundo Mateus aparecem cinco longos discursos (cf. Mt 5-7; 10; 13; 18; 24-25), nos quais Mateus junta "ditos" e ensinamentos provavelmente proferidos por Jesus em várias ocasiões e contextos. É provável que o autor do primeiro Evangelho visse nesses cinco discursos uma nova Lei, destinada a substituir a antiga Lei dada ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do Pentateuco.
    O primeiro discurso de Jesus - do qual o Evangelho que nos é hoje proposto é a primeira parte - é conhecido como o "sermão da montanha" (cf. Mt 5-7). Agrupa um conjunto de palavras de Jesus, que Mateus coleccionou com a evidente intenção de proporcionar à sua comunidade uma série de ensinamentos básicos para a vida cristã. O evangelista procurava, assim, oferecer à comunidade cristã um novo código ético, uma nova Lei, que superasse a antiga Lei que guiava o Povo de Deus.
    Mateus situa esta intervenção de Jesus no cimo de um monte. A indicação geográfica não é inocente: transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus a nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao "Reino".
    As "bem-aventuranças" que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na boca de Jesus, são consideravelmente diferentes das "bem-aventuranças" propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove "bem-aventuranças", enquanto que Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro "maldições", que estão ausentes do texto mateano; outras notas características da versão de Mateus são a espiritualização (os "pobres" de Lucas são, para Mateus, os "pobres em espírito") e a aplicação dos "ditos" originais de Jesus à vida da comunidade e ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado.

    MENSAGEM

    As "bem-aventuranças" são fórmulas relativamente frequentes na tradição bíblica e judaica. Aparecem, quer nos anúncios proféticos de alegria futura (cf. Is 30,18; 32,20; Dn 12,12), quer nas acções de graças pela alegria presente (cf. Sl 32,1-2; 33,12; 84,5.6.13), quer nas exortações a uma vida sábia, reflectida e prudente (cf. Prov 3,13; 8,32.34; Sir 14,1-2.20; 25,8-9; Sl 1,1; 2,12; 34,9). Contudo, elas definem sempre uma alegria oferecida por Deus.
    As "bem-aventuranças" evangélicas devem ser entendidas no contexto da pregação sobre o "Reino". Jesus proclama "bem-aventurados" aqueles que estão numa situação de debilidade, de pobreza, porque Deus está a ponto de instaurar o "Reino" e a situação destes "pobres" vai mudar radicalmente; além disso, são "bem-aventurados" porque, na sua fragilidade, debilidade e dependência, estão de espírito aberto e coração disponível para acolher a proposta de salvação e libertação que Deus lhes oferece em Jesus (a proposta do "Reino").
    As quatro primeiras "bem-aventuranças" referidas por Mateus (vers. 3-6) estão relacionadas entre si. Dirigem-se aos "pobres" (as segunda, terceira e quarta "bem-aventuranças" são apenas desenvolvimentos da primeira, que proclama: "bem-aventurados os pobres em espírito"). Saúdam a felicidade daqueles que se entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre a sua vontade; daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua confiança e a sua esperança nos bens, no poder, no êxito, nos homens, para esperar e confiar em Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que aceitam despojar-se de si próprios e estar disponíveis para Deus e para os outros.
    Os "pobres em espírito" são aqueles que aceitam renunciar, livremente, aos bens, ao próprio orgulho e auto-suficiência, para se colocarem, incondicionalmente, nas mãos de Deus, para servirem os irmãos e partilharem tudo com eles.
    Os "mansos" não são os fracos, os que suportam passivamente as injustiças, os que se conformam com as violências orquestradas pelos poderosos; mas são aqueles que recusam a violência, que são tolerantes e pacíficos, embora sejam, muitas vezes, vítimas dos abusos e prepotências dos injustos... A sua atitude pacífica e tolerante torná-los-á membros de pleno direito do "Reino".
    Os "que choram" são aqueles que vivem na aflição, na dor, no sofrimento provocados pela injustiça, pela miséria, pelo egoísmo; a chegada do "Reino" vai fazer com que a sua triste situação se mude em consolação e alegria...
    A quarta bem-aventurança proclama felizes "os que têm fome e sede de justiça". Provavelmente, a justiça deve entender-se, aqui, em sentido bíblico - isto é, no sentido da fidelidade total aos compromissos assumidos para com Deus e para com os irmãos. Jesus dá-lhes a esperança de verem essa sede de fidelidade saciada, no Reino que vai chegar.
    O segundo grupo de "bem-aventuranças" (vers. 7-11) está mais orientado para definir o comportamento cristão. Enquanto que no primeiro grupo se constatam situações, neste segundo grupo propõem-se atitudes que os discípulos devem assumir.
    Os "misericordiosos" são aqueles que têm um coração capaz de compadecer-se, de amar sem limites, que se deixam tocar pelos sofrimentos e alegrias dos outros homens e mulheres, que são capazes de ir ao encontro dos irmãos e estender-lhes a mão, mesmo quando eles falharam.
    Os "puros de coração" são aqueles que têm um coração honesto e leal, que não pactua com a duplicidade e o engano.
    Os "que constroem a paz" são aqueles que se recusam a aceitar que a violência e a lei do mais forte rejam as relações humanas; e são aqueles que procuram ser - às vezes com o risco da própria vida - instrumentos de reconciliação entre os homens.
    Os "que são perseguidos por causa da justiça" são aqueles que lutam pela instauração do "Reino" e são desautorizados, humilhados, agredidos, marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, que fomentam a opressão, que constroem a morte... Jesus garante-lhes: o mal não vos poderá vencer; e, no final do caminho, espera-vos o triunfo, a vida plena.
    Na última "bem-aventurança" (vers. 11), o evangelista dirige-se, em jeito de exortação, aos membros da sua comunidade que têm a experiência de ser perseguidos por causa de Jesus e convida-os a resistir ao sofrimento e à adversidade. Esta última exortação é, na prática, uma aplicação concreta da oitava "bem-aventurança".
    No seu conjunto, as "bem-aventuranças" deixam uma mensagem de esperança e de alento para os pobres e débeis. Anunciam que Deus os ama e que está do lado deles; confirmam que a libertação está a chegar e que a sua situação vai mudar; asseguram que eles vivem já na dinâmica desse "Reino" onde vão encontrar a felicidade e a vida plena.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a partilha podem fazer-se à volta dos seguintes elementos:

    • Jesus diz: "felizes os pobres em espírito"; o mundo diz: "felizes vós os que tendes dinheiro - muito dinheiro - e sabeis usá-lo para comprar influências, comodidade, poder, segurança, bem-estar, pois é o dinheiro que faz andar o mundo e nos torna mais poderosos, mais livres e mais felizes". Quem é, realmente, feliz?

    • Jesus diz: "felizes os mansos"; o mundo diz: "felizes vós os que respondeis na mesma moeda quando vos provocam, que respondeis à violência com uma violência ainda maior, pois só a linguagem da força é eficaz para lidar com a violência e a injustiça". Quem tem razão?

    • Jesus diz: "felizes os que choram"; o mundo diz: "felizes vós os que não tendes motivos para chorar, porque a vossa vida é sempre uma festa, porque vos moveis nas altas esferas da sociedade e tendes tudo para serdes felizes: casa com piscina, carro com telefone e ar condicionado, amigos poderosos, uma conta bancária interessante e um bom emprego arranjado pelo vosso amigo ministro". Onde está a verdadeira felicidade?

    • Jesus diz: "felizes os que têm ânsia de cumprir a vontade de Deus"; o mundo diz: "felizes vós os que não dependeis de preconceitos ultrapassados e não acreditais num deus que vos diz o que deveis e não deveis fazer, porque assim sois mais livres". Onde está a verdadeira liberdade, que enche de felicidade o coração?

    • Jesus diz: "felizes os que tratam os outros com misericórdia"; o mundo diz: "felizes vós quando desempenhais o vosso papel sem vos deixardes comover pela miséria e pelo sofrimento dos outros, pois quem se comove e tem misericórdia acabará por nunca ser eficaz neste mundo tão competitivo". Qual é o verdadeiro fundamento de uma sociedade mais justa e mais fraterna?

    • Jesus diz: "felizes os sinceros de coração"; o mundo diz: "felizes vós quando sabeis mentir e fingir para levar a água ao vosso moinho, pois a verdade e a sinceridade destroem muitas carreiras e esperanças de sucesso". Onde está a verdade?

    • Jesus diz: "felizes os que procuram construir a paz entre os homens"; o mundo diz: "felizes vós os que não tendes medo da guerra, da competição, que sois duros e insensíveis, que não tendes medo de lutar contra os outros e sois capazes de os vencer, pois só assim podereis ser homens e mulheres de sucesso". O que é que torna o mundo melhor: a paz ou a guerra?

    • Jesus diz: "felizes os que são perseguidos por cumprirem a vontade de Deus"; o mundo diz: "felizes vós os que já entendestes como é mais seguro e mais fácil fazer o jogo dos poderosos e estar sempre de acordo com eles, pois só assim podeis subir na vida e ter êxito na vossa carreira". O que é que nos eleva à vida plena?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS
    PARA O 4º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 4º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PARA A PROCLAMAÇÃO DAS BEM-AVENTURANÇAS.
    Como criar, ao longo da liturgia da Palavra, uma progressão cujo ponto culminante seria a Boa Nova? Uma proposta muito simples: o leitor da primeira leitura avança acompanhado por alguém que leva uma luz (vela) e os dois, depois da leitura terminada, ficam junto do ambão; os mesmos gestos para o leitor (cantor) do salmo e para o leitor da segunda leitura; finalmente, o Livro dos Evangelhos é levado em procissão, também acompanhado por alguém com uma vela acesa, até ao ambão. Todos ficam à volta do ambão, formando um "povo de luz" e dando uma solenidade particular à proclamação das Bem-aventuranças de Mateus.

    3. BILHETE DE EVANGELHO.
    O "ofertório", um acto litúrgico... Quando vimos à missa, os nossos corações estão cheios da nossa vida e da vida dos nossos irmãos, com as alegrias, os sofrimentos, os projectos, as questões, as inquietudes, a esperança. Com o pão e o vinho, no momento do ofertório, é um pouco desta vida que oferecemos concretamente. O dinheiro é o que nós ganhamos; ele é feito para ser partilhado. O "ofertório" é, pois, um acto litúrgico. Querer que a comunidade cristã à qual pertencemos possa viver é uma obra de justiça. Quando beneficiamos dos serviços de uma associação, a ela aderimos financeiramente. Temos muitas ocasiões para aderir financeiramente à comunidade cristã - e os cristãos são generosos. Procuremos valorizar ou revalorizar o nosso "ofertório"...

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus, Pai e pastor do teu povo, nós Te bendizemos pela tua paciência e pela tua bondade. Quando Israel se afastava do caminho da justiça, Tu recordava-lo pelos teus profetas, para o converter e o conduzir para Ti.
    Nós procuramos o teu rosto e Te pedimos: purifica-nos da mentira e do engano, faz-nos procurar a justiça e a humildade.

    No final da segunda leitura:
    Deus de infinita sabedoria, nós Te damos graças, porque nos chamaste; escolhes aqueles que são fracos e desprezados, para lhes fazer descobrir a tua sabedoria, no teu Filho, desprezado no calvário, mas vitorioso na Páscoa.
    Pomos em Ti a nossa confiança e estendemos as mãos para o teu Filho: Ele é a nossa justiça, a nossa santificação e a nossa redenção.

    No final do Evangelho:
    Nosso Pai dos céus, bendito sejas, Tu que abres ao teu povo a terra prometida e o Reino dos céus, Tu que o sacias com a tua justiça, Tu que nos chamas teus filhos e descobres-nos o teu rosto.
    Faz-nos estar entre os pobres, os mansos, os aflitos, os misericordiosos, os famintos da tua justiça, os corações puros e as testemunhas do teu Reino.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística II para as Missas com Crianças.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Um pequeno resto... "Só deixarei ficar no meio de ti um povo pobre e humilde, que buscará refúgio no nome do Senhor..." Um pequeno "resto" de gente que procura Deus na verdade, numa Igreja minoritária no seio de uma sociedade que só crê na riqueza, no poder, nas performances. Gente que procura a justiça, a humildade, a doçura, a paz, o perdão... Este programa entra na minha vida?

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador: P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - IV Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IV Semana - Segunda-feira


    30 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IV Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 11, 32-40

    Irmãos: Que mais direi? Faltar-me-ia o tempo se quisesse falar acerca de Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, David e Samuel e dos profetas, 33os quais, pela fé, conquistaram reinos, exerceram a justiça, alcançaram promessas, fecharam a boca de leões, 34extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza, recobraram a força, tornaram-se fortes na guerra, e puseram em fuga exércitos estrangeiros. 35Algumas mulheres recuperaram os seus mortos por meio da ressurreição. Alguns foram torturados, não querendo aceitar a libertação, para obterem uma ressurreição melhor; 36outros sofreram a prova dos escárnios e dos flagelos, das cadeias e da prisão. 37Foram apedrejados, serrados ao meio, mortos ao fio da espada; andaram errantes cobertos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, atribulados e maltratados; 38homens de quem o mundo não era digno, andaram vagueando pelos desertos, pelos montes, pelas grutas e pelas cavidades da terra. 39E todos estes, apesar de terem recebido um bom testemunho, graças à sua fé, não alcançaram a realização da promessa, 40porque Deus tinha previsto algo de melhor para nós, de modo que eles não alcançassem a perfeição sem nós.

    Para animar os cristãos que vacilam na fé, o autor da Carta aos Hebreus faz desfilar diante deles uma longa série de heróis nacionais, como Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, Samuel e David e outros que não nomeia explicitamente, mas onde não é difícil vislumbrar Daniel, os três jovens lançados à fornalha ardente, Elias e Eliseu... Embora sem também lhes referir os nomes, apresenta uma série de homens e de mulheres que sofreram perseguições e martírios. Entre eles é fácil identificar Eleázar, a mãe dos Macabeus e seus filhos, os profetas Zacarias, Jeremias e Elias. Deus não deixou sem recompensa o testemunho, o esforço e a confiança de todos estes heróis, profetas, santos e mártires. O seu testemunho tem tanto mais valor quanto não chegaram a ver cumprida a promessa. O seu exemplo é estimulante para os cristãos que tiveram essa dita. Não há, pois, razão para vacilar na fidelidade a Cristo, apesar das perseguições e da saudade dos ritos do templo. A fortaleza dos antigos deve estimular os destinatários da carta, fazendo-lhes compreender que a estranheza e a rejeição do mundo em relação a eles é condição normal de quem quer efectivamente aderir a Deus. A graça recebida em Cristo deve bastar-lhes para também se tornarem gigantes na fé, uma vez que é maior que a dos Antigos. De facto, em Jesus já se cumpriram as promessas de Deus.

    Evangelho: Mc 5, 1-20

    Naquele tempo, 1Jesus e os seus discípulos chegaram à outra margem do mar, à região dos gerasenos. 2Logo que Jesus desceu do barco, veio ao seu encontro, saído dos túmulos, um homem possesso de um espírito maligno. 3Tinha nos túmulos a sua morada, e ninguém conseguia prendê-lo, nem mesmo com uma corrente, 4pois já fora preso muitas vezes com grilhões e correntes, e despedaçara os grilhões e quebrara as correntes; ninguém era capaz de o dominar. 5Andava sempre, dia e noite, entre os túmulos e pelos montes, a gritar e a ferir-se com pedras. 6Avistando Jesus ao longe, correu, prostrou-se diante dele 7e disse em alta voz: «Que tens a ver comigo, ó Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te, por Deus, que não me atormentes!» 8Efectivamente, Jesus dizia: «Sai desse homem, espírito maligno.» 9Em seguida, perguntou-lhe: «Qual é o teu nome?» Respondeu: «O meu nome é Legião, porque somos muitos.» 10E suplicava-lhe insistentemente que não o expulsasse daquela região. 11Ora, ali próximo do monte, andava a pastar uma grande vara de porcos. 12E os espíritos malignos suplicaram a Jesus: «Manda-nos para os porcos, para entrarmos neles.» 13Jesus consentiu. Então, os espíritos malignos saíram do homem e entraram nos porcos, e a vara, cerca de uns dois mil, precipitou-se do alto no mar e ali se afogou. 14Os guardas dos porcos fugiram e levaram a notícia à cidade e aos campos.As pessoas foram ver o que se passara. 15Ao chegarem junto de Jesus, viram o possesso sentado, vestido e em perfeito juízo, ele que estivera possuído de uma legião; e ficaram cheias de temor. 16As testemunhas do acontecimento narraram-lhes o que tinha sucedido ao possesso e o que se passara com os porcos. 17Então, pediram a Jesus que se retirasse do seu território. 18Jesus voltou para o barco e o homem que fora possesso suplicou-lhe que o deixasse andar com Ele. 19Não lho permitiu. Disse-lhe antes: «Vai para tua casa, para junto dos teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti.» 20Ele retirou-se, começou a apregoar na Decápole o que Jesus fizera por ele, e todos se maravilhavam.

    Escutamos, hoje, um relato popular, de estilo burlesco, com que as primeiras comunidades cristãs acentuavam o poder benéfico do «kerygma» de Jesus. O episódio passa-se a oriente do lago de Tiberíades, em terra pagã, como se vê pela existência da vara de porcos, animais considerados impuros em Israel. É o caso do epiléptico, que não podia ser controlado pelos seus conterrâneos e, por isso, vivia no campo ou, pior ainda «entre os túmulos». A situação é grave e mesmo dramática. Ouvem-se os urros dos demónios, que reconhecem Jesus, proclamam a sua divindade e suplicam que não os expulse. Jesus mantém-se imperturbável: pergunta-lhes o nome, e concede-lhes refugiar-se nos porcos. A precipitação da vara no lago, sugere o seu regresso a Satanás, rei dos abismos. Os presentes continuam dominados pelo temor e pedem a Jesus que se afaste.
    O anúncio do Evangelho deve ser preparado e exige a mediação da testemunha, do apóstolo. Ao contrário do silêncio que, em Marcos, Jesus geralmente impõe aos miraculados, aqui manda ao possesso libertado que vá levar a notícia aos seus. O homem não se contenta com isso e apregoa na Decápole a obra que Jesus nele realizou.

    Meditatio

    A Carta aos Hebreus continua a falar-nos da fé. Hoje apresenta-nos dois quadros opostos, que podemos intitular: vitórias e derrotas da fé. Pela fé, os Juízes, os Profetas e David fizeram grandes coisas, alcançaram grandes vitórias: «conquistaram reinos, exerceram a justiça, alcançaram promessas, fecharam a boca de leões, extinguiram a violência do fogo» (v. 33-34). Mas, pela mesma fé, outros sofreram «derrotas» não menos admiráveis, porque manifestaram uma fé mais forte, uma fé que não se deixou dominar pelas situações e acontecimentos adversos, nem aceitou a apostasia para alcançar «vitórias». Também em Jesus notamos dois quadros: Jesus que realiza milagres e suscita a admiração das multidões; Jesus na paixão, condenado, vilipendiado, crucificado, morto.
    O exemplo dos nos
    sos antepassados na fé, e especialmente o exemplo de Jesus, hão-de estimular a nossa fragilidade no caminho da fé, também ele tantas vezes marcado por vitórias e derrotas. Talvez tenhamos encontrado o Senhor numa experiência que, certo dia, mudou a nossa vida, ou talvez O tenhamos acolhido depois de eventos muito concretos, depois de um sério confronto com Ele. A fé pediu-nos certamente renúncias a que, num primeiro momento, correspondemos com generosidade e alegria. Mas não é fácil perseverar e testemunhar Cristo num contexto neo-pagão ou num contexto tradicionalista, ligado a costumes e tradições esvaziadas de alma. Pouco a pouco o nosso entusiasmo arrefece, as incompreensões ferem-nos, o isolamento desencoraja-nos. Corremos o risco de nos encontrarmos pouco convencidos e nada convincentes. Mas a fé deve ser continuamente reavivada, como uma pequena chama que frequentemente havemos de aproximar do Espírito para a manter ardente e luminosa. Precisamos de fazer memória de tantos irmãos e irmãs, que deram um esplêndido testemunho de perseverança e nos transmitiram a chama da fé, porque prosseguimos a sua mesma caminhada. Precisamos de voltar, de alma e coração, às circunstâncias do nosso encontro com Jesus e permanecer na sua presença. A memória da graça passada e a visão do futuro que nos espera reanimarão os nossos passos. O Senhor, conhecendo a nossa fraqueza, quer-nos missionários do mundo. Ele próprio nos apoia para que possamos alcançar a promessa juntamente com as grandes testemunhas que nos precederam e que virão depois de nós, às quais havemos de entregar a chama da fé.

    Oratio

    Senhor, a nossa vida é marcada por vitórias que nos consolam e por derrotas que nos deixam desolados. Dá-nos o teu Espírito santo para que saibamos aproveitar de umas e de outras. As coisas positivas fazem-nos ver a fecundidade da fé, mas sabemos que elas são terrestres e que havemos de ir além delas; as coisas negativas ajudam-nos a voltar-nos para as coisas do céu, e a procurar os verdadeiros valores espirituais. Assim estaremos unidos ao mistério da morte e da ressurreição de Jesus, teu Filho, e, com Ele, alcançaremos vitória sobre o mundo. Foi Ele que nos disse: «Tende confiança, Eu venci o mundo». Temos confiança, Senhor! Mas aumenta-a e aumenta a nossa fé! Amen.

    Contemplatio

    «Rejeitai toda a impureza, todo o fermento de malícia; e recebei com docilidade a Palavra enxertada em vós, e que pode salvar as vossas almas. Tende cuidado em observar esta palavra e não vos contenteis em escutá-la seduzindo-vos a vós mesmos; porque aquele que recebe a palavra e não a cumpre parece-se a um homem que observa o seu rosto num espelho, e depois de se ter observado, vai-se embora, e esquece-se naquele mesmo instante de como era. Mas aquele que medita a lei de perfeição, a lei que liberta as nossas almas do pecado e que a ela se agarra, fazendo o que escuta, esse será feliz e abençoado, nas suas obras» (Tg 1, 21). - «Meus irmãos, de que servirá a um homem dizer que tem fé, se não tem as obras! A fé poderá salvá-lo?» Se a um dos vossos irmãos faltar vestuário ou alimento e se algum de entre vós lhe disser: «Ide em paz, aquecei-vos, saciai-vos!» sem nada lhe dar, de que lhe servirão os vossos desejos? A fé que não tem obras está morta. Outro pode vir dizer-vos: «Onde estão os efeitos da vossa fé? Quanto a mim, mostro a minha fé pelas minhas obras. - Vós acreditais em Deus, fazeis bem; os demónios também acreditam e tremem. - Quereis provas de que a fé sem obras é morta? Considerai Abraão: não foi ele justificado pelas suas obras, quando ofereceu o seu filho Isaac sobre o altar? A sua fé cooperava com as suas obras, foi consumada pelas suas obras: é o que a Escritura exprime dizendo: Abraão acreditou no que Deus lhe tinha dito, a sua fé foi-lhe imputada à justiça, e foi chamado o amigo de Deus. O homem é justificado pelas obras unidas à fé e não pela fé só. Vedes ainda Rahab a cortesã, ela acreditou no Deus de Israel (Jos 2, 2), mas não foi às suas obras que ela deveu a sua salvação, porque ela recebeu os enviados de Josué e os fez escapar àqueles que os procuravam? A fé sem as obras é morta, é um corpo sem alma» (Tg 2, 14). (Leão Dehon, OSP 3, p. 99s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Tende confiança, Eu venci o mundo» (Jo 16, 33).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - IV Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IV Semana - Terça-feira


    31 de Janeiro, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IV Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 12, 1-4

    Irmãos: Estando também nós, circundados como estamos de tal nuvem de testemunhas, deixando de lado todo o impedimento e todo o pecado, corramos com perseverança a prova que nos é proposta, 2tendo os olhos postos em Jesus, autor e consumador da fé. Ele, renunciando à alegria que lhe fora proposta, sofreu a cruz, desprezando a ignomínia, e sentou-se à direita do trono de Deus. 3Considerai, pois, aquele que sofreu tal oposição por parte dos pecadores, para que não desfaleçais, perdendo o ânimo. 4Ainda não resististes até ao sangue na luta contra o pecado.

    O convite à perseverança na fé não é feito a partir de conceitos abstractos, mas de modelos. A «nuvem» de testemunhos apresentada pelo autor ajuda, conforta, sustenta. Encoraja, sobretudo, o exemplo de Jesus, modelo supremo, «autor e guia da fé» (v. 2) e seu «consumador». Ele precede-nos na «prova» para Deus que, como uma qualquer corrida desportiva, deve ser realizada nas devidas condições. Há que dispensar tudo quanto dificulte essa corrida, sobretudo o pecado, e ter bem fixos os olhos na meta. Uma vez que Jesus é a meta, o caminho e Aquele que nos precede, há que considerar atentamente o seu percurso e seguir-Lhe os passos. Ele atravessou a humilhação e o sofrimento, a submissão ao ódio e à maldade para lhes suportar o peso com amor redentor. Esse foi o itineráro que percorreu para chegar à alegria e à glória, à direita do Pai (v. 2b). Quem O segue, jamais deve afastar d´Ele os olhos para ter força e perseverar numa fidelidade radical.

    Evangelho: Mc 5, 21-43

    Naquele tempo, depois de Jesus ter atravessado, no barco, para a outra margem, reuniu-se uma grande multidão junto dele, que continuava à beira-mar. 22Chegou, então, um dos chefes da sinagoga, de nome Jairo, e, ao vê-lo, prostrou-se a seus pés 23e suplicou instantemente: «A minha filha está a morrer; vem impor-lhe as mãos para que se salve e viva.» 24Jesus partiu com ele, seguido por numerosa multidão, que o apertava. 25Certa mulher, vítima de um fluxo de sangue havia doze anos, 26que sofrera muito nas mãos de muitos médicos e gastara todos os seus bens sem encontrar nenhum alívio, antes piorava cada vez mais, 27tendo ouvido falar de Jesus, veio por entre a multidão e tocou-lhe, por detrás, nas vestes, 28pois dizia: «Se ao menos tocar nem que seja as suas vestes, ficarei curada.» 29De facto, no mesmo instante se estancou o fluxo de sangue, e sentiu no corpo que estava curada do seu mal. 30Imediatamente Jesus, sentindo que saíra dele uma força, voltou-se para a multidão e perguntou: «Quem tocou as minhas vestes?» 31Os discípulos responderam: «Vês que a multidão te comprime de todos os lados, e ainda perguntas: 'Quem me tocou?'» 32Mas Ele continuava a olhar em volta, para ver aquela que tinha feito isso. 33Então, a mulher, cheia de medo e a tremer, sabendo o que lhe tinha acontecido, foi prostrar-se diante dele e disse toda a verdade. 34Disse-lhe Ele: «Filha, a tua fé salvou-te; vai em paz e sê curada do teu mal.» 35Ainda Ele estava a falar, quando, da casa do chefe da sinagoga, vieram dizer: «A tua filha morreu; de que serve agora incomodares o Mestre?» 36Mas Jesus, que surpreendera as palavras proferidas, disse ao chefe da sinagoga: «Não tenhas receio; crê somente.» 37E não deixou que ninguém o acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. 38Ao chegar a casa do chefe da sinagoga, encontrou grande alvoroço e gente a chorar e a gritar. 39Entrando, disse-lhes: «Porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não morreu, está a dormir.» 40Mas faziam troça dele. Jesus pôs fora aquela gente e, levando consigo apenas o pai, a mãe da menina e os que vinham com Ele, entrou onde ela jazia. 41Tomando-lhe a mão, disse: «Talitha qûm!», isto é, «Menina, sou Eu que te digo: levanta-te!» 42E logo a menina se ergueu e começou a andar, pois tinha doze anos. Todos ficaram assombrados. 43Recomendou-lhes vivamente que ninguém soubesse do sucedido e mandou dar de comer à menina.

    Marcos apresenta-nos, hoje, dois gestos decisivos de Jesus contra a morte: a cura da mulher que sofria de um fluxo de sangue e a cura da filha de Jairo. A perda de sangue era, para a mulher hebreia, uma frustração vital, porque, não poder ter descendência, equivalia à morte prematura (cf. Gn 30, 1). A filha de Jairo estava mesmo morta e teve que ser «ressuscitada». Jesus livra ambas da morte mostrando que é o verdadeiro Messias, porque a sua palavra suscita vida.
    Os dois episódios estão entrelaçados um no outro, revelando pontos de contacto e diferenças. No caso da filha de Jairo, a súplica do pai recebe uma resposta pronta de Jesus, que imediatamente se dirige para sua casa. Mas a caminhada é abruptamente interrompida com a intervenção da mulher que sofria do fluxo de sangue. Contrasta o comportamento de Jairo, homem influente, e o da mulher que sofria de um fluxo de sangue, que se aproxima furtivamente de Jesus. Mas ambos têm a mesma confiança em Jesus e obtêm uma resposta pronta. A mulher, primeiro é secretamente curada da sua doença física; depois é curada da sua timidez, dos seus complexos: ganha coragem, fala com Jesus, estabelece uma relação com Ele. Foi curada e foi salva.
    No caso da menina, Jesus tem uma reacção diferente: enquanto tinha incitado a mulher, que se apresentara em segredo, a mostrar-se diante de todos, aqui ordena a Jairo, que fizera publicamente o seu pedido, que não divulgasse o milagre.

    Meditatio

    O autor da Carta aos Hebreus recorre, hoje, a uma imagem desportiva para descrever a nossa situação. Estamos no estádio, disputamos uma grande corrida e somos observados por muitos espectadores, os santos, os que já atingiram a meta e nos olham do Paraíso. O autor exorta-nos a correr «tendo os olhos postos em Jesus, autor e consumador da fé» (v. 2). É a atitude fundamental de quem quer vencer: ter os olhos fixos em Jesus. Quando pensamos no exemplo dos santos, dos mártires, e sobretudo de Jesus na sua paixão, morte e ressurreição, todas as dificuldades nos parecem pouca coisa. «Considerai aquele que sofreu tal oposição por parte dos pecadores» (v. 3), recomenda o autor.
    A nossa fé é sempre frágil, fechada nos limites estreitos do nosso medo em enfrentar situações que nos ultrapassam. Precisamos de entrar em contacto com o «autor» e «consumador» da nossa fé. O primeiro modo de entrar em contacto com Jesus é ter os olhos fixos n´Ele. Mas á um segundo modo, que consiste em falar-Lhe, pedir-Lhe que intervenha nas nossas dificuldades, que manifeste o seu poder nas nossas enfermidades, como fez Jairo. Diz-nos o evangelho que «se prostrou a seus pés e suplicou instantemente: «A minha filha está a morrer; vem impor-lhe as mãos para que se salve e viva» (vv. 22b-23). Outro modo é o usado pela mulher doente. Tem vergonha de falar da sua doença, mas quer ser curada por Jesus. Por isso, vai por detrás d&
    acute;Ele, procurando um contacto discreto: «Se ao menos tocar nem que seja as suas vestes, ficarei curada» (v. 28). Jesus aproveita para sublinhar que não é o simples contacto que salva, mas a fé: «Quem tocou as minhas vestes?»(v. 31), perguntou. E, quando a mulher confessou o seu gesto, Jesus pronunciou a palavra iluminadora: «Filha, a tua fé salvou-te» (v. 34). Não basta tocar em Jesus; é preciso tocar-Lhe com fé. Não basta receber a Eucaristia; é preciso recebê-la com fé.
    É assm que as leituras de hoje nos revelam quanto é importante, e necessáro, o contacto com Jesus, na fé.

    Oratio

    Senhor Jesus, de olhos fixos em Ti, ousamos partir para a prova que está diante de nós. Ajuda-nos a perseverar! Livra-nos da mentalidade deste mundo, que nos levaria a pedir perspectivas seguras e recompensas sedutoras. Liberta-nos dos laços multiformes do pecado, que quer reter-nos. Conduz-nos para fora de nós, tomando-nos pela mão, porque hesitamos seguir os teus passos pelo caminho da humilhação e do sofrimento. Tu, que és o autor e o consumador da fé, dá-nos a força do Espírito para chegarmos à meta ultrapassando o obstáculo recorrente da nossa incredulidade. Tu, que estás agora sentado à direita do Pai, ajuda-nos a acolher cada situação como ocasião propícia para crescimento na fé. Esperando em Ti, jamais seremos confundidos, porque és o Salvador do homem, o Senhor da vida. Amen.

    Contemplatio

    A cruz pelos pecadores. - Cedo Margarida Maria tinha dito: «Ó meu caro Salvador, como seria feliz se imprimísseis em mim a vossa imagem sofredora!» Nosso Senhor aceitou a sua oferta, serviu-se dela sem cessar como de uma vítima para os interesses do seu Coração, e ela entregou-se sem reservas a esta imolação com um santo entusiasmo.Alguns anos depois da sua entrada no convento, durante a sua acção de graças depois da comunhão, Nosso Senhor perguntou-lhe interiormente se ela aceitaria sofrer todas as penas merecidas pelos pecadores, para que ele fosse glorificado por todas estas almas. «Ofereci-me imediatamente, diz; mesmo se as minhas penas devessem durar até ao dia do juízo, desde que ele fosse glorificado, estaria contente». Como as provações não vinham tão depressa de acordo com os seus desejos, logo exclamou: «O quê, meu Deus, deixar-me-eis viver sempre sem sofrer?» O divino Mestre mostrou-lhe uma grande cruz da qual ela não podia ver o fim e coberta de flores, e disse-lhe: «Lá te farei consumar as delícias do puro amor. Pouco a pouco, estas flores cairão, não te restarão senão os espinhos que estas flores escondem agora por causa da tua fraqueza; sentirás vivamente a sua picadela, mas a força do meu amor ajudar-te-á a suportá-la». Admirável providência do Sagrado Coração, que não deixa sentir os espinhos da reparação senão às almas preparadas pelo seu amor! (Leão Dehon, OSP 4, p. 372).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Filha, a tua fé salvou-te» (Mc 5, 34).

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