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  • 01º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    01º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    3 de Dezembro, 2023

    ANO B - 1.º DOMINGO DO ADVENTO

    Tema do 1º Domingo do Advento

    A liturgia do primeiro Domingo do Advento convida-nos a encarar a nossa caminhada pela história com a certeza de que “o Senhor vem”. Apresenta também indicações concretas acerca da forma como devemos viver enquanto esperamos o Senhor.

    A primeira leitura é um apelo dramático a Deus que é “pai” e “redentor”, no sentido de vir mais uma vez ao encontro de Israel para o libertar do pecado e para recriar um Povo de coração novo. O profeta está absolutamente convicto de que a essência de Deus é amor e misericórdia; e esses atributos de Deus são a garantia da sua intervenção salvadora em cada passo da caminhada histórica do Povo de Deus.

    O Evangelho convida os discípulos a enfrentar a história com coragem, determinação e esperança, animados pela certeza de que “o Senhor vem”. Propõe que esse tempo de espera seja um tempo de “vigilância”, isto é, um tempo de compromisso ativo e efetivo com a construção do Reino.

    A segunda leitura mostra como Deus Se faz presente na história e na vida de uma comunidade crente, através dos dons e carismas que gratuitamente derrama sobre o seu Povo. Sugere também aos crentes que se mantenham atentos e vigilantes, a fim de acolherem os dons de Deus.

     

    LEITURA I – Isaías 63,16b-17.19b; 64,2b-7

    Vós, Senhor, sois nosso Pai
    e nosso Redentor, desde sempre, é o vosso nome.
    Porque nos deixais, Senhor, desviar dos vossos caminhos
    e endurecer o nosso coração, para que não Vos tema?
    Voltai, por amor dos vossos servos
    e das tribos da vossa herança.
    Oh, se rasgásseis os céus e descêsseis!
    Ante a vossa face estremeceriam os montes!
    Mas Vós descestes
    e perante a vossa face estremeceram os montes.
    Nunca os ouvidos escutaram, nem os olhos viram
    que um Deus, além de Vós,
    fizesse tanto em favor dos que n’Ele esperam.
    Vós saís ao encontro dos que praticam a justiça
    e recordam os vossos caminhos.
    Estais indignado contra nós,
    porque pecámos e há muito que somos rebeldes,
    mas seremos salvos.
    Éramos todos como um ser impuro,
    as nossas ações justas eram todas como veste imunda.
    Todos nós caímos como folhas secas,
    as nossas faltas nos levavam como o vento.
    Ninguém invocava o vosso nome,
    ninguém se levantava para se apoiar em Vós,
    porque nos tínheis escondido o vosso rosto
    e nos deixáveis à mercê das nossas faltas.
    Vós, porém, Senhor, sois nosso Pai
    e nós o barro de que sois o Oleiro;
    somos todos obra das vossas mãos.

     

    CONTEXTO

    O texto do Trito-Isaías (capítulos 56-66 do Livro de Isaías) que nos é proposto situa-nos em Jerusalém, na época posterior ao Exílio (anos 537/520 a.C.). A cidade está em reconstrução. As pedras calcinadas lembram os dramas passados, a população é pouco numerosa, a reconstrução é lenta e modesta porque os retornados são pobres, os inimigos estão à espreita. Há desânimo e medo do futuro… Desse desânimo resulta a indiferença face a Javé e à Aliança. Consequentemente, o culto é pouco cuidado e Deus ocupa um lugar secundário no coração e nas preocupações do Povo.

    Os profetas que desenvolvem a sua missão nesta fase vão tentar acordar a esperança num futuro de vida plena e de salvação definitiva (em que Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, o local onde Deus habita no meio do seu Povo); mas não deixam de sublinhar que o Povo tem de se reconverter aos caminhos da Aliança, da justiça, do amor, da fidelidade a Javé.

    Este texto é parte de uma perícope que vai de 63,7 a 64,11. Os versículos que o integram não apresentam especial coerência temática. Misturam elementos típicos de súplica ou lamentação com elementos de confissão dos pecados. A situação é a de desgraça nacional. O Povo dirige-se ao Deus da história, pedindo-Lhe que intervenha para salvar; e, uma vez que a desgraça é considerada castigo pelos pecados, o Povo confessa a culpa e pede perdão.

     

    MENSAGEM

    O texto apresenta-se na forma de uma oração que o profeta dirige a Javé. Nela, Deus é invocado como “pai” e como “redentor”. O título “pai” (provavelmente herdado das culturas cananeias, onde o deus principal do panteão é “pai” enquanto exerce a função de proteção e de senhorio) resulta da ação protetora e salvadora de Deus em favor do seu Povo, ao longo da história. O título “redentor” (“goel”) é, no antigo direito israelita, reservado ao parente próximo, a quem incumbe o dever de defender os seus, de manter o património familiar (cf. Lv 25,23-24), de libertar um familiar caído na escravidão (cf. Lv 25,26-49), de proteger uma viúva (cf. Rut 4,5) ou de vingar um parente assassinado (cf. Nm 25,19-20). O uso destes títulos pretende, portanto, lembrar a Deus as suas responsabilidades enquanto protetor, defensor e salvador do seu Povo.

    Qual é a situação que “exige” a ação salvadora e libertadora de Deus em favor do seu Povo?

    O profeta quer que Deus – o “pai” e o “redentor” de Israel – não deixe o Povo continuar a endurecer o seu coração e a afastar-se dos caminhos da Aliança. É uma invocação dramática, que parece ter como objetivo forçar a intervenção libertadora de Deus. O problema é que a “geração presente” (os retornados do Exílio) não reconhece culpa alguma e vive instalada no pecado, na infidelidade, na injustiça, na indiferença face a Deus e às suas propostas. Será possível alterar esta lógica, fazer que Israel se volte decisivamente para Deus e possa trilhar novamente caminhos de vida e de salvação?

    O profeta está convencido de que essa dinâmica é possível. No entanto, está consciente também de que o Povo, por si só, é incapaz de sair dessa rotina de rebeldia e de infidelidade em que tem vivido. É neste contexto que Deus tem de assumir as suas responsabilidades de Pai e de redentor e de Se dignar “descer” para transformar o coração do seu Povo.

    Deus não veio já ao encontro do seu Povo e não lhe ofereceu a Aliança como proposta de vida plena e feliz? Na verdade, Javé manifestou-Se mil vezes na história e ofereceu sempre ao seu Povo a salvação. Israel tem plena consciência dessa atuação de Deus; e é precisamente essa “memória” histórica que fundamenta a esperança: se Deus sempre foi o “pai” e o “redentor” de Israel, certamente voltará a sê-lo outra vez, na dramática situação atual.

    O texto termina com uma imagem muito bela: Deus é o “oleiro” e o Povo é o barro que o artista modela com amor e cuidado. A imagem serve, certamente, para definir o poder e o senhorio de Deus que pode modelar o seu Povo como bem Lhe aprouver; mas, provavelmente, faz também alusão àquilo que o profeta espera de Deus: uma nova criação. A imagem leva-nos, precisamente, a Gn 2,7 e à criação do homem do barro da terra… O profeta quererá, dessa forma, sugerir que a intervenção salvadora de Deus no sentido de mudar o coração do seu Povo, fazendo que ele deixe os caminhos do egoísmo e da autossuficiência e volte aos caminhos de Deus e da Aliança, é uma nova criação, da qual nascerá uma humanidade nova.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O texto de Isaías apresenta em pano de fundo um Povo de coração endurecido, rebelde, indiferente, que há muito prescindiu de Deus e deixou de se preocupar em viver de forma coerente os compromissos assumidos no âmbito da Aliança. É um quadro que reflete bem a realidade deste mundo em que vivemos, em pleno séc. XXI. Que lugar ocupa Deus na nossa vida? Que importância damos às suas propostas? As sugestões e os apelos de Deus têm algum impacto sério nas nossas opções e prioridades?
    • O texto convida-nos também a reconhecer que só Deus é fonte de salvação e de redenção. Nós, por nós próprios, somos incapazes de superar essa rotina de indiferença, de egoísmo, de violência, de mentira que tantas vezes caracteriza o quadro de vida em que nos movemos. Deus, o nosso “Pai” e o nosso “redentor”, é sempre fiel às suas “obrigações” de amor e de justiça e está sempre disposto a oferecer-nos, gratuita e incondicionalmente, a salvação. A nós, resta-nos acolher o dom de Deus com humildade e com um coração agradecido. Estamos conscientes desse dom e estamos disponíveis para o acolher?
    • A ação de Deus, o seu papel de “redentor” concretiza-se através de Jesus e das propostas que Ele veio fazer aos homens e ao mundo. Neste Advento que me preparo para viver, estou disposto a acolher Jesus e a abraçar as propostas que Deus, através d’Ele, me faz?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 79 (80)

     

    Refrão:  Senhor nosso Deus, fazei-nos voltar,
                  mostrai-nos o vosso rosto e seremos salvos.

     

    Pastor de Israel, escutai,
    Vós que estais sentado sobre os Querubins, aparecei.
    Despertai o vosso poder
    e vinde em nosso auxílio.

     

    Deus dos Exércitos, vinde de novo,
    olhai dos céus e vede, visitai esta vinha.
    Protegei a cepa que a vossa mão direita plantou,
    o rebento que fortalecestes para Vós.

     

    Estendei a mão sobre o homem que escolhestes,
    sobre o filho do homem que para Vós criastes;
    e não mais nos apartaremos de Vós:
    fazei-nos viver e invocaremos o vosso nome.

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 1,3-9

    Irmãos:
    A graça e a paz vos sejam dadas
    da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
    Dou graças a Deus, em todo o tempo, a vosso respeito,
    pela graça divina que vos foi dada em Cristo Jesus.
    Porque fostes enriquecidos em tudo:
    em toda a palavra e em todo o conhecimento;
    e deste modo, tornou-se firme em vós o testemunho de Cristo.
    De facto, já não vos falta nenhum dom da graça,
    a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    Ele vos tornará firmes até ao fim,
    para que sejais irrepreensíveis
    no dia de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    Fiel é Deus, por quem fostes chamados
    à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo, Nosso Senhor.

     

    CONTEXTO

    No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca 18 meses (anos 50-52), consagran-se inteiramente ao anúncio do Evangelho.

    Corinto era uma cidade nova e muito próspera. Servida por dois portos de mar, possuía as características típicas das cidades marítimas: população de todas as raças e de todas as religiões. Era a cidade do desregramento para todos os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo, ávidos de prazer, após meses de navegação. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.

    Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maior parte dos membros da comunidade era de origem grega, embora de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. At 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13).

    De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10).

    Tratava-se de uma comunidade com boas possibilidades, mas que mergulhava as suas raízes em terreno adverso. Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.

    O texto que nos é hoje proposto é a “ação de graças” inicial. Habitualmente, Paulo começava as suas cartas com uma “ação de graças”.

     

    MENSAGEM

    Nesta “ação de graças”, em clima de oração e de louvor, Paulo agradece a Deus por certas realidades concretas que fazem parte da vida da comunidade cristã de Corinto, ao mesmo tempo que antecipa temas que vai depois desenvolver na carta. Não é um texto inócuo e convencional, mas um texto carregado de densidade teológica.

    Há neste texto dois aspetos que, pelo seu significado e importância, convém pôr em relevo: o primeiro diz respeito aos dons que a comunidade recebeu de Deus, através de Jesus Cristo; o segundo diz respeito à finalidade do chamamento dos coríntios.

    Em primeiro lugar, é claro para Paulo que a comunidade foi privilegiada com “dons” de Deus (vers. 4-6). É a primeira vez que, nos escritos paulinos, aparece a palavra “carismas” (vers. 7) – palavra que define os dons que resultam da pura generosidade divina e que são derramados sobre determinadas pessoas para o bem da comunidade. A comunidade de Corinto é uma comunidade amada por Deus, agraciada com “carismas” que resultam da generosidade de Deus. É bom que os coríntios tenham consciência da liberalidade divina e saibam dar graças. Mais adiante (em 1 Cor 12-14), Paulo vai desenvolver a sua catequese sobre os “carismas”.

    Que “carismas” são esses? Paulo menciona a palavra (“lógos”) e o conhecimento (“gnosis”) como principais componentes da riqueza espiritual que Deus concedeu aos coríntios. Trata-se de temas muito importantes no contexto da cultura grega, que são apresentados aqui como dons de Deus. Paulo procura, assim, animar a intensa procura de “sabedoria” dos coríntios dando, no entanto, a essa busca um significado e um enquadramento cristão. Paulo desenvolverá a questão nos capítulos seguintes avisando, no entanto, os coríntios de que a “sabedoria” de Deus nem sempre coincide com a “sabedoria” dos homens (cf. 1 Cor 2,1-16).

    Em segundo lugar, Paulo manifesta a sua convicção de que os “carismas” com que Deus cumulou os coríntios são destinados a construir uma comunidade orientada para Jesus Cristo, capaz de viver de forma irrepreensível o seu compromisso com o Evangelho até ao dia do encontro final e definitivo com Cristo. É para esse objetivo final de encontro e de comunhão total com Deus que a comunidade, animada por Jesus Cristo e sustentada com os dons de Deus, deve caminhar.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Paulo considera que a comunidade cristã é uma realidade continuamente enriquecida pela vida de Deus. Através dos seus dons, Deus vem continuamente ao encontro dos homens e manifesta-lhes o seu amor. Os crentes devem viver numa permanente atitude de escuta e de acolhimento desses dons. A comunidade de que faço parte está consciente de que Deus vem continuamente ao encontro dos homens através dos dons que Ele oferece? Acolhe os dons de Deus como sinais vivos do seu amor?
    • Qual o objetivo dos dons de Deus? Segundo Paulo, é “tornar firme nos crentes o testemunho de Cristo”. Os dons de Deus destinam-se a promover a fidelidade das pessoas e das comunidades ao Evangelho, de forma a que todos nos identifiquemos cada vez mais com Cristo. Os dons que Deus me concedeu destinam-se sempre a potenciar a minha fidelidade e a fidelidade dos meus irmãos às propostas de Jesus, ou servem, às vezes, para concretizar objetivos mais egoístas, como sejam a minha promoção pessoal ou a satisfação de certos interesses e anseios?
    • Há, neste texto, um apelo implícito à vigilância. O cristão tem de estar sempre vigilante e preparado para acolher o Deus que vem ao seu encontro e lhe manifesta o seu amor através dos seus dons… E tem também de estar sempre vigilante para que os dons de Deus não sejam desvirtuados e utilizados para fins egoístas.

     

    ALELUIA – Salmo 84 (85), 8

    Aleluia. Aleluia.

    Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia
    e dai-nos a vossa salvação.

     

    EVANGELHO – Marcos 13,33-37

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Acautelai-vos e vigiai,
    porque não sabeis quando chegará o momento.
    Será como um homem que partiu de viagem:
    ao deixar a sua casa, deu plenos poderes aos seus servos,
    atribuindo a cada um a sua tarefa,
    e mandou ao porteiro que vigiasse.
    Vigiai, portanto,
    visto que não sabeis quando virá o dono da casa:
    se à tarde, se à meia-noite,
    se ao cantar do galo, se de manhãzinha;
    não se dê o caso que, vindo inesperadamente,
    vos encontre a dormir.
    O que vos digo a vós, digo-o a todos: Vigiai!»

     

    CONTEXTO

    O Evangelho deste domingo situa-nos em Jerusalém, pouco antes da Paixão e Morte de Jesus. É o terceiro dia da estadia de Jesus em Jerusalém, o dia dos “ensinamentos” e das polémicas mais radicais com os líderes judaicos (cf. Mc 11,20-13,1-2). No final desse dia, já no “Jardim das Oliveiras”, Jesus oferece a um grupo de discípulos (Pedro, Tiago, João e André – cf. Mc 13,3) um amplo e enigmático ensinamento, que ficou conhecido como o “discurso escatológico” (cf. Mt 13,3-37).

    Este discurso, apresentado com uma linguagem profético-apocalíptica, descreve a missão da comunidade cristã no período que vai desde a morte de Jesus até ao final da história humana. É um texto difícil, que emprega imagens e uma linguagem cheia de alusões enigmáticas, bem ao jeito do género literário “apocalipse”. Não seria tanto uma previsão antecipada de acontecimentos concretos, mas antes uma leitura profética da história humana. O seu objetivo seria dar aos discípulos indicações acerca da atitude a tomar frente às vicissitudes que marcarão a caminhada histórica da comunidade, até à vinda final de Jesus para instaurar, em definitivo, o novo céu e a nova terra.

    Os quatro discípulos referenciados no início do “discurso escatológico” representam a comunidade cristã de todos os tempos… Os quatro são, precisamente, os primeiros discípulos chamados por Jesus (cf. Mc 1,16-20) e, como tal, convertem-se em representantes de todos os futuros discípulos. O discurso escatológico de Jesus não seria, assim, uma mensagem privada destinada a um grupo especial, mas uma mensagem destinada a toda a comunidade crente, chamada a caminhar na história com os olhos postos no encontro final com Jesus e com o Pai.

    O “discurso escatológico” divide-se em três partes, antecedidas de uma introdução (cf. Mc 13,1-4). Na primeira parte (cf. Mc 13,5-23), o discurso alude a uma série de movimentos que vão marcar a história e que requerem dos discípulos a atitude adequada: vigilância e lucidez. Na segunda parte, o discurso anuncia a vinda definitiva do Filho do Homem e o nascimento de um mundo novo a partir das ruínas do mundo velho (cf. Mc 13,24-27). Na terceira parte, o discurso refere a incerteza quanto ao “tempo” histórico dos eventos anunciados e insiste com os discípulos para que estejam sempre vigilantes e preparados para acolher o Senhor que vem (cf. Mc 13,28-37).

     

    MENSAGEM

    O texto de Marcos que nos é proposto está integrado na terceira parte do discurso escatológico. Refere-se diretamente ao final dos tempos e à atitude que os discípulos devem ter face a esse encontro último e definitivo com Jesus. O seu objetivo não é transmitir informação objetiva acerca do “como” e do “quando”, mas formar os discípulos e torná-los capazes de enfrentar a história com determinação e esperança.

    Começa com uma parábola – a parábola do homem que partiu em viagem, distribuiu tarefas aos seus servos e mandou ao porteiro que vigiasse (cf. Mc 13,33-34) – e termina com uma admoestação aos discípulos acerca da atitude correta para esperar o Senhor (cf. Mc 13,35-37). Primitivamente, a parábola contada por Jesus seria dirigida aos discípulos e teria como objetivo recordar-lhes o dever de guardar e fazer frutificar os tesouros desse Reino que Jesus lhes confiou antes de partir para o Pai.

    O “dono da casa” da parábola é, evidentemente, Jesus. Ao deixar este mundo para voltar para junto do Pai, Ele confiou aos discípulos a tarefa de construir o Reino de Deus. Os discípulos de Jesus não podem, portanto, cruzar os braços em atitude passiva, à espera que o Senhor venha; eles têm uma missão – uma missão que lhes foi confiada pelo próprio Jesus e que devem concretizar, mesmo em condições adversas.

    Quem é o “porteiro”, com uma tarefa especial de vigilância (vers. 34)? Na perspetiva de Marcos, o “porteiro” será todo aquele que tem uma responsabilidade especial na coordenação da comunidade… A sua missão é impedir que a comunidade seja invadida por valores estranhos ao Evangelho e à dinâmica do Reino. A figura do “porteiro” adequa-se, especialmente, aos responsáveis da Igreja, a quem foi confiada a missão da vigilância e da animação da comunidade. O “porteiro” deve ajudar os outros membros da comunidade a discernir – desses valores que o mundo e a sociedade continuamente sugerem – aquilo que os ajuda ou os impede de viverem na fidelidade ativa a Jesus e às suas propostas.

    Todos – “porteiro” e demais servos do “senhor” – devem estar ativos e vigilantes. A palavra-chave do Evangelho deste dia é esta: “vigilância”. Contudo, “vigilância” não significará, para os discípulos, viver à margem da história, num angelismo alienante, evitando comprometer-se para não se sujar com as realidades do mundo e procurando manter a “alminha” pura e sem mancha para que o Senhor, quando chegar, os encontre sem pecados graves; mas será viver dia a dia comprometido com a construção do Reino, realizando fielmente as tarefas que o Senhor lhes confiou. Com coragem e perseverança, os discípulos de Jesus devem dar o seu contributo para a edificação do Reino, sendo testemunhas e arautos da paz, da justiça, do amor, do perdão, da fraternidade, cumprindo dessa forma a missão que Jesus lhes confiou.

    De resto, os discípulos que caminham pelo mundo devem estar conscientes de que a meta final do seu peregrinar é o encontro definitivo com Jesus. “O Senhor vem” – garante-lhes o próprio Jesus; e esta certeza deve animar e dar esperança aos discípulos, sobretudo nos momentos de crise e confusão, de perseguições e tentações. Mesmo que tudo pareça ruir à sua volta, eles são chamados a não perder a esperança e a ver, para além das estruturas velhas que vão caindo, a realidade do mundo novo a nascer.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O Evangelho deste domingo coloca-nos diante de uma certeza fundamental: “o Senhor vem”. A nossa caminhada humana não é um avançar sem sentido ao encontro do nada, mas uma caminhada feita na alegria ao encontro do Senhor que vem. Não se trata de uma vaga esperança, mas de uma certeza baseada na palavra infalível de Jesus. O tempo de Advento recorda-nos a realidade de um Senhor que vem ao encontro dos homens e que, no final da nossa caminhada por esta terra, nos oferecerá a vida definitiva, a felicidade sem fim.
    • O tempo do Advento é o tempo da espera do Senhor. O Evangelho deste domingo diz-nos como deve ser essa espera… A palavra fundamental é “vigilância”: o verdadeiro discípulo deve estar sempre “vigilante”, cumprindo com coragem e determinação a missão que Deus lhe confiou. Estar “vigilante” significa viver, a cada momento e a cada passo, ativo, empenhado, comprometido na construção de um mundo de vida, de amor e de paz. Significa cumprir, com coerência e sem meias tintas, os compromissos assumidos no dia do batismo e ser um sinal vivo do amor e da bondade de Deus no mundo. É dessa forma que eu tenho procurado viver?
    • Em concreto, estar “vigilante” significa não viver de braços cruzados, fechado num mundo de alienação e de egoísmo, deixando que sejam os outros a tomar as decisões e a escolher os valores que devem governar a humanidade; significa não me demitir das minhas responsabilidades e da missão que Deus me confiou quando me chamou à existência… Estar “vigilante” é ser uma voz ativa e questionante no meio dos homens, levando-os a confrontarem-se com os valores do Evangelho; é lutar de forma decidida e corajosa contra a mentira, o egoísmo, a injustiça, tudo aquilo que rouba a vida e a felicidade a qualquer irmão que caminhe ao meu lado… Como discípulo de Jesus, assumo essa atitude de constante vigilância?
    • Aquela “casa” referida na parábola é a comunidade de Jesus. Nela, todos são servidores. Todos viverão servindo, desempenhando as tarefas que lhes foram confiadas, enquanto esperam o regresso do único “Senhor” (Jesus). Temos aqui uma bela definição da Igreja, a comunidade que Jesus deixou a fazer caminho na história. A comunidade cristã de que eu faço parte é uma comunidade de irmãos e de irmãs conscientes da missão que Jesus lhes deixou, onde todos desempenham o seu papel com lucidez e responsabilidade, ou é um conjunto de pessoas adormecidas, passivas e acomodadas, que vivem na inércia, na indiferença e na mediocridade? A comunidade cristã de que eu faço parte é uma comunidade de gente que procura servir, de forma simples e humilde, os mais necessitados e desvalidos, como Jesus sempre fez, ou é uma comunidade onde cada um está apenas preocupado em “levar a água ao seu moinho” e concretizar as suas visões e triunfos pessoais? A comunidade cristã de que eu faço parte é uma comunidade onde a responsabilidade de todos é incentivada e potenciada de forma sinodal, ou é uma comunidade desigual, onde existem “os que mandam” e “os que obedecem”, os que se impõem e os que se submetem?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 1.º DOMINGO DO ADVENTO

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

     

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 1.º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.

    VINDA. A liturgia da Palavra fala muito desta palavra. O tempo do Advento quer sensibilizar-nos para esta vinda. A dimensão escatológica marca toda a celebração cristã, particularmente neste domingo. Na preparação da liturgia, seria bom partilhar esta dimensão para se entrar verdadeiramente neste domingo…

    VIGILANÇA. O apelo que Cristo nos lança à vigilância é para ser tomado bem a sério. Vigiai, pois… deve ser marcado no momento da proclamação do Evangelho ou no momento do envio, por exemplo, pois é uma atitude a ser vivida no quotidiano… Que o Senhor não nos encontre a dormir ou adormecidos…

    ADVENTO. Este domingo marca a entrada num novo tempo litúrgico: as quatro semanas do Advento. Habitualmente, há um gesto comum como as quatro velas da coroa do Advento que se vão acendendo em cada domingo… Hoje, é o início e este gesto deve ter um destaque especial, através de um cântico ou outro elemento que faça a ligação para os outros domingos…

     

    3. PALAVRA DE VIDA.

    A nossa vida tem um horizonte. Mesmo se olhamos por vezes o passado para recordar… mesmo se tomamos o nosso presente para o viver plenamente…, precisamos de nos voltar decididamente para o futuro para entrever os projetos que nos mobilizam. Tal é o convite que Jesus nos lança três vezes: “Vigiai!” Como Maria, José, os pastores, os Reis Magos… Se vigiamos, o nosso presente e o nosso futuro encontrar-se-ão. É isso a esperança.

     

    4. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Uma oração penitencial baseada na primeira leitura… A primeira leitura é uma bela oração, cheia de confiança e de esperança, mas também plena de lucidez sobre as falhas do povo e a situação religiosa do país. É como que um apelo para que o Senhor venha sacudir a torpor do seu povo e despertar o seu fervor adormecido. Para iniciar o tempo do Advento, pode fazer-se uma oração penitencial confiante e sincera. Depois do cântico de entrada e de uma breve introdução, alguém coloca-se de joelhos junto à cruz ou diante do altar e lê lentamente a primeira parte do texto. A assembleia canta um refrão de tipo penitencial. A mesma pessoa levanta-se e lê o segundo e o terceiro parágrafo de uma forma mais alegre e expressiva. O mesmo cântico penitencial poderá concluir a leitura neste momento penitencial.

     

    5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    A oportunidade de um novo começo… Devido às nossas numerosas atividades, inclusive na Igreja, a nossa vigilância está muitas vezes ameaçada: falta-nos o tempo para parar, discernir, fazer novas escolhas em ordem a despertar a nossa adesão a Cristo. A nossa vigilância deve traduzir-se em gestos concretos de delicadeza e atenção aos outros, em casa, no trabalho, na escola… O tempo do Advento oferece-nos a oportunidade de um novo começo…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

    S. Francisco Xavier, Presbítero

    S. Francisco Xavier, Presbítero


    3 de Dezembro, 2023

    Francisco Xavier nasceu a 7 de Abril de 1506, no castelo da sua família, perto de Pamplona, Espanha. Fez os seus estudos académicos na Universidade de Paris, onde, em 1530, era já professor. Motivado por Inácio de Loiola, seu aluno e amigo, abandonou a prometedora carreia que iniciara, juntando-se a ele para fundar a Companhia de Jesus. Ordenado sacerdote, foi enviado para a Índia. Desembarcou em Goa em 1542. Seguem dez anos de intensos trabalhos, que constituem uma das mais gloriosas epopeias, na História missionária da Igreja. Evangeliza as zonas costeiras da Índia, vai a Malaca, às Molucas e ao Japão. Acaba por falecer na ilha de Sanchão, às portas da China, que pretendia evangelizar. A sua vida foi marcada pelo amor de Deus e pelo zelo apostólico. Foi canonizada em 1622. É um dos padroeiros da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.
    Lectio
    Primeira leitura: 1 Coríntios 9, 16-19.22-23

    Irmãos: anunciar o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar! 17Se o fizesse por iniciativa própria, mereceria recompensa; mas, não sendo de maneira espontânea, é um encargo que me está confiado. 18Qual é, portanto, a minha recompensa? É que, pregando o Evangelho, eu faço-o gratuitamente, sem me fazer valer dos direitos que o seu anúncio me confere. 19De facto, embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número. 20Fiz-me judeu com os judeus, para ganhar os judeus; com os que estão sujeitos à Lei, comportei-me como se estivesse sujeito à Lei - embora não estivesse sob a Lei - para ganhar os que estão sujeitos à Lei; 21com os que vivem sem a Lei, fiz-me como um sem Lei - embora eu não viva sem a lei de Deus porque tenho a lei de Cristo - para ganhar os que vivem sem a Lei. 22Fiz-me fraco com os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo. 23E tudo faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante.

    Mais uma vez, Paulo se vê obrigado a defender, não tanto a sua pessoa, mas a sua ação de apóstolo no meio da comunidade cristã de Corinto. Havia quem o acusasse de interesse próprio no exercício do seu ministério: busca de bens materiais, afirmação pessoal. O Apóstolo reage afirmando que, para ele, evangelizar é "um dever". Quem livremente se põe ao serviço de um senhor, não pode furtar-se a esse serviço. É o que acontece com Paulo. Por isso afirma: «ai de mim, se eu não evangelizar!» (v. 16b).
    S. Francisco Xavier também estava consciente de que o chamamento ao apostolado é um encargo confiado por Deus. Vive a sua vocação e missão com inquebrantável e total fidelidade, total desinteresse e extraordinário elo apostólico.
    Evangelho: Marcos 16, 15-20

    Naquele tempo, Jesus apareceu aos one Apóstolos e disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura. 16Quem acreditar e for baptizado será salvo; mas, quem não acreditar será condenado. 17Estes sinais acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão-de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados.» 19Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus. 20Eles, partindo, foram pregar por toda a parte; o Senhor cooperava com eles, confirmando a Palavra com os sinais que a acompanhavam.

    O mandato de Cristo, "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura." (v. 15), destina-se aos Apóstolos e a todos os batizados, clérigos, religiosos ou leigos. "O Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus. Eles, partindo, foram pregar por toda a parte" (vv. 19-20). Os Onze acolheram o mandato com prontidão. Ao realizá-lo deram-se conta de que, Aquele que subira ao céu, Jesus, na verdade continuava com eles, acompanhando-os, cooperando com palavras e prodígios (cf. vv. 17-18). É consolador para os evangelizadores saberem que não estão sós, que o Senhor caminham com eles e que podem contar com o seu poder para vencer os obstáculos, demónios e todos os males.
    Meditatio

    O ministério apostólico de S. Francisco Xavier, com o dinamismo com que o exerceu, é espantoso. Em 1542, foi mandado para as Índias, ou para os confins do mundo, como então se dizia. Chegou lá, depois de uma longa e perigosa viagem. Lançou-se imediatamente na evangelização de cidades e aldeias, em permanentes viagens, sem temer intempéries nem outros perigos. Apenas dois anos, após a chegada à Índia, foi a Ceilão e às Molucas. Regressou à Índia para confirmar os resultados da sua evangelização, para organizar e dar novo impulso à obra dos seus companheiros. Mas não ficou por aí. Tinham-no informado que o Japão era um reino muito importante e partiu para lá, pensando que a sua conversão poderia influir positivamente na evangelização de todo o Extremo Oriente. Prosseguiu, no reino do Sol nascente, as suas viagens e o anúncio do Evangelho. Ao regressar desse país, projeta evangelizar a China. Ao procurar realizar esse intento, é surpreendido pela morte, na ilha de Sanchão, no ano de 1552. Em aproximadamente dez anos, percorreu milhares de quilómetros, com os meios e as dificuldades que mal podemos imaginar, dirigindo-se a numerosos povos, que falavam diferentes línguas. O segredo da sua coragem e do seu dinamismo era a oração e a união com Cristo, na união ao mistério de Deus que quer comunicar com todos os homens.
    Também Jesus teve que ultrapassar uma distância infinita para vir até nós e estar connosco: deixou o Pai, como diz o evangelho de João, para vir ao mundo. Continuou a sua viagem durante o seu ministério de apenas três anos, indo ao encontro das pessoas para lhes anunciar a Boa Nova do Reino, não se limitando a esperar que O procurassem. Hoje, se queremos que o evangelho chegue aos nossos contemporâneos, não basta esperá-los na igreja. É preciso procura-los onde eles estão. É preciso "sair das sacristias" como dizia o P. Dehon aos sacerdotes do seu tempo.
    S. Francisco Xavier deixou-se iluminar pelo Espírito Santo, permitiu a Cristo habitar no seu coração inquieto e foi conduzido por Deus Pai através dos caminhos do mundo, capaz de tudo "naquele que me dá força". A nossa fé, tantas vezes opaca e apagada, recebe luz e paixão do grande missionário e santo, que hoje celebramos. Para receber o amor de Deus é preciso transmiti-lo. Para o receber ainda mais é preciso dá-lo aos outros de modo ainda mais fiel e generoso.
    Oratio

    S. Francisco Xavier, ficaríeis certamente espantado com os meios de transportes e as possibilidades de comunicação que, hoje, temos no mundo: nenhum país se encontra a mais de trinta horas de voo e a comunicação telemática é praticamente instantânea. Alcança-nos de Deus um pouco do teu zelo apostólico e do teu dinamismo, para que o Evangelho chegue, efetivamente a todos os homens. Alcança-nos de Deus uma fé viva que nos leve a um testemunho generoso e alegre da Boa Notícia de que Deus a todos chama para serem seus filhos. Ámen.
    Contemplatio

    O primeiro projeto de Xavier e dos seus companheiros era de irem para a Palestina para aí trabalharem na conversão dos infiéis. Tinham o secreto desejo do martírio. Mas a guerra que reinava entre Veneza e os Turcos pôs obstáculo aos seus desígnios. Puseram-se à disposição do Papa que lhes confiou o cuidado de pregarem missões em Roma, depois logo, a pedido do rei de Portugal, Xavier partiu para as Índias. Que zelo que ele mostrou! Em Goa, tomou alojamento entre os pobres no hospital. Recusou o apartamento que lhe era oferecido pelo vice-rei. Missionou na cidade, depois percorreu todas as Índias, a custo das maiores fadigas. A sua missão tornou-se semelhante à dos apóstolos, pela extensão e pela rapidez dos seus sucessos. Empregava os meios de que eles mesmos se tinham servido para converterem o mundo idólatra: a oração, a humildade, o desinteresse, a mortificação. Era ajudado pelo dom dos milagres. Sto. Inácio enviou-lhe companheiros. Deixou às Índias cristandades florescentes, depois passou ao Japão, onde teve também grandes sucessos, mas a custo das mesmas fadigas e de grandes humilhações. Morreu como missionário na ilha de Sanchão, perto da China. Qual é o nosso zelo? Fazemos o que podemos pelo próximo, segundo a nossa vocação? (Leão Dehon, OSP 4, p.520s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Tudo posso n´Aquele que me dá força" (Fl 4, 13).

     

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    S. Francisco Xavier, Presbítero (3 de Dezembro)

  • Solenidade da Imaculada Conceição - Ano B

    Solenidade da Imaculada Conceição - Ano B

    8 de Dezembro, 2023

    Solenidade da Imaculada Conceição - Ano B

    ANO B

    SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA VIRGEM SANTA MARIA

    Tema da Solenidade da Imaculada Conceição

    Na Solenidade da Imaculada Conceição somos convidados a equacionar o tipo de resposta que damos aos desafios de Deus. Ao propor-nos o exemplo de Maria de Nazaré, a liturgia convida-nos a acolher, com um coração aberto e disponível, os planos de Deus para nós e para o mundo.
    A segunda leitura garante-nos que Deus tem um projecto de vida plena, verdadeira e total para cada homem e para cada mulher - um projecto que desde sempre esteve na mente do próprio Deus. Esse projecto, apresentado aos homens através de Jesus Cristo, exige de cada um de nós uma resposta decidida, total e sem subterfúgios.
    A primeira leitura mostra (recorrendo à história mítica de Adão e Eva) o que acontece quando rejeitamos as propostas de Deus e preferimos caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência... Viver à margem de Deus leva, inevitavelmente, a trilhar caminhos de sofrimento, de destruição, de infelicidade e de morte.
    O Evangelho apresenta a resposta de Maria ao plano de Deus. Ao contrário de Adão e Eva, Maria rejeitou o orgulho, o egoísmo e a auto-suficiência e preferiu conformar a sua vida, de forma total e radical, com os planos de Deus. Do seu "sim" total, resultou salvação e vida plena para ela e para o mundo.

    LEITURA I - Gen 3,9-15.20

    Leitura do Livro do Génesis
    Depois de Adão ter comido da árvore,
    o Senhor Deus chamou-o e disse-lhe: «Onde estás?»
    Ele respondeu:
    «Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim
    e, como estava nu, tive medo e escondi-me».
    Disse Deus:
    «Quem te deu a conhecer que estavas nu?
    Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?»
    Adão respondeu:
    «A mulher que me destes por companheira
    deu-me do fruto da árvore e eu comi».
    O Senhor Deus perguntou à mulher:
    «Que fizeste?»
    E a mulher respondeu:
    «A serpente enganou-me e eu comi».
    Disse então o Senhor à serpente:
    «Por teres feito semelhante coisa,
    maldita sejas entre todos os animais domésticos
    e entre todos os animais selvagens.
    Hás-de rastejar e comer do pó da terra
    todos os dias da tua vida.
    Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher,
    entre a tua descendência e a descendência dela.
    Esta te esmagará a cabeça
    e tu a atingirás no calcanhar».
    O homem deu à mulher o nome de 'Eva',
    porque ela foi a mãe de todos os viventes.

    AMBIENTE
    O relato jahwista de Gn 2,4b-3,24 sobre as origens da vida e do pecado (ao qual pertence o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura) é, de acordo com a maioria dos comentadores, um texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido em Judá na época do rei Salomão. Apresenta-se num estilo exuberante e vivo e parece ser obra de um catequista popular, que ensina recorrendo a imagens sugestivas, coloridas e fortes.
    Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem jornalística de acontecimentos passados na aurora da humanidade. A finalidade do autor não é científica ou histórica, mas teológica: mais do que ensinar como o mundo e o homem apareceram, ele quer dizer-nos que na origem da vida e do homem está Jahwéh e que na origem do mal e do pecado estão as opções erradas do homem. Trata-se, portanto, de uma página de catequese.
    Esta longa reflexão sobre as origens da vida e do mal que desfeia o mundo está estruturada num esquema tripartido, com duas situações claramente opostas e uma realidade central que aparece como charneira e ao redor da qual giram a primeira e a terceira parte... Na primeira parte (cf. Gn 2,4b-25), o autor descreve a criação do paraíso e do homem; apresenta a criação de Deus como um espaço ideal de felicidade, onde tudo é bom e o homem vive em comunhão total com o criador e com as outras criaturas. Na segunda parte (cf. Gn 3,1-7), o autor descreve o pecado do homem e da mulher; mostra como as opções erradas do homem introduziram na comunhão do homem com Deus e com o resto da criação factores de desequilíbrio e de morte. Na terceira parte (cf. Gn 3,8-24), o autor apresenta o homem e a mulher confrontados com o resultado das suas opções erradas e as consequências que daí advieram, quer para o homem, quer para o resto da criação.
    Na perspectiva do catequista jahwista, Deus criou o homem para a felicidade... Então, pergunta Ele: como é que hoje conhecemos o egoísmo, a injustiça, a violência que desfeiam o mundo? A resposta é: algures na história humana, o homem que Deus criou livre e feliz fez escolhas erradas e introduziu na criação boa de Deus dinamismos de sofrimento e de morte.
    O nosso texto pertence à terceira parte do tríptico. As personagens intervenientes são Deus (que "passeia no jardim à brisa do dia" - vers. 8a), Adão e Eva (que se esconderam de Deus por entre o arvoredo do jardim - vers. 8b).

    MENSAGEM

    A nossa leitura começa com a "investigação" de Deus... Antes de proferir a sua acusação, Deus - o acusador e juiz - investiga, descobre e estabelece os factos.
    Primeira pergunta feita por Deus ao homem: "onde estás?" A resposta do homem é já uma confissão da sua culpabilidade: "ouvi o rumor dos vossos passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me" (vers. 9-10). A vergonha e o medo são sinal de uma perturbação interior, de uma ruptura com a anterior situação de inocência, de harmonia, de serenidade e de paz. Como é que o homem chegou a esta situação? Evidentemente, desobedecendo a Deus e percorrendo caminhos contrários àqueles que Deus lhe havia proposto. A resposta do homem trai, portanto, o seu segredo e a sua culpa.
    Depois desta constatação, a segunda pergunta feita por Deus ao homem é meramente retórica: "terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira de comer?" (vers. 11). A árvore em causa - a "árvore do conhecimento do bem e do mal" - significa o orgulho, a auto-suficiência, o prescindir de Deus e das suas propostas, o querer decidir por si só o que é bem e o que é mal, o pôr-se a si próprio em lugar de Deus, o reivindicar autonomia total em relação ao criador. A situação do homem, perturbado e em ruptura, é já uma resposta clara à pergunta de Deus... É evidente que o homem "comeu da árvore proibida" - isto é, escolheu um caminho de orgulho e de auto-suficiência em relação a Deus. Daí a vergonha e o medo.
    Ao defender-se, o homem acusa a mulher e, ao mesmo tempo, acusa veladamente o próprio Deus pela situação em que está ("a mulher que me deste por companheira deu-me do fruto da árvore e eu comi" - vers. 12). Adão representa essa humanidade que, mergulhada no egoísmo e na auto-suficiência, esqueceu os dons de Deus e vê em Deus um adversário; por outro lado, a resposta de Adão mostra, igualmente, uma humanidade que quebrou a sua unidade e se instalou na cobardia, na falta de solidariedade, no ódio. Escolher caminhos contrários aos de Deus não pode senão conduzir a uma vida de ruptura com Deus e com os outros irmãos.
    Vem, depois, a "defesa" da mulher: "a serpente enganou-me e eu comi" (vers. 13). Entre os povos cananeus, a serpente estava ligada aos rituais de fertilidade e de fecundidade. Os israelitas deixavam-se fascinar por esses cultos e, com frequência, abandonavam Jahwéh para seguir os rituais religiosos dos cananeus e assegurar, assim, a fecundidade dos campos e dos rebanhos. Na época em que o autor jahwista escreve, a serpente era, pois, o "fruto proibido", que seduzia os crentes e os levava a abandonar a Lei de Deus. A "serpente" é, neste contexto, um símbolo literário de tudo aquilo que afastava os israelitas de Jahwéh. A resposta da "mulher" confirma tudo aquilo que até agora estava sugerido: é verdade, a humanidade que Deus criou prescindiu de Deus, ignorou as suas propostas e enveredou por outros caminhos. Achou, no seu egoísmo e auto-suficiência, que podia encontrar a verdadeira vida à margem de Deus, prescindindo das propostas de Deus.
    Diante disto, não são precisas mais perguntas. Está claramente definida a culpa de uma humanidade que pensou poder ser feliz em caminhos de egoísmo e de auto-suficiência, totalmente à margem dos caminhos que foram propostos por Deus.
    Que tem Deus a acrescentar? Pouco mais, a não ser condenar como falsos e enganosos esses cultos e essas tentações que seduziam os israelitas e os colocavam fora da dinâmica da Aliança e dos mandamentos (vers. 14-15). O nosso catequista jahwista sabe que a serpente é um animal miserável, que passa toda a sua existência mordendo o pó da terra. O autor vai servir-se deste dado para pintar, plasticamente, a condenação radical de tudo aquilo que leva os homens a afastar-se dos caminhos de Deus e a enveredar por caminhos de egoísmo e de auto-suficiência.
    O que é que significa a inimizade e a luta entre a "descendência" da mulher e a "descendência" da serpente? Provavelmente, o autor jahwista está, apenas, a dar uma explicação etiológica (uma "etiologia" é uma tentativa de explicar o porquê de uma determinada realidade que o autor conhece no seu tempo, a partir de um pretenso acontecimento primordial, que seria o responsável pela situação actual) para o facto de a serpente inspirar horror aos humanos e de toda a gente lhe procurar "esmagar a cabeça"; mas a interpretação judaica e cristã viu nestas palavras uma profecia messiânica: Deus anuncia que um "filho da mulher" (o Messias) acabará com as consequências do pecado e inserirá a humanidade numa dinâmica de graça.
    Atenção: o autor sagrado não está a falar de um pecado cometido nos primórdios da humanidade pelo primeiro homem e pela primeira mulher; mas está a falar do pecado cometido por todos os homens e mulheres de todos os tempos... Ele está apenas a ensinar que a raiz de todos os males está no facto de o homem prescindir de Deus e construir o mundo a partir de critérios de egoísmo e de auto-suficiência. Não conhecemos bem este quadro?

    ACTUALIZAÇÃO

    • Um dos mistérios que mais questiona os nossos contemporâneos é o mistério do mal... Esse mal que vemos, todos os dias, tornar sombria e deprimente essa "casa" que é o mundo, vem de Deus, ou vem do homem? A Palavra de Deus responde: o mal nunca vem de Deus... Deus criou-nos para a vida e para a felicidade e deu-nos todas as condições para imprimirmos à nossa existência uma dinâmica de vida, de felicidade, de realização plena.
    • O mal resulta das nossas escolhas erradas, do nosso orgulho, do nosso egoísmo e auto-suficiência. Quando o homem escolhe viver orgulhosamente só, ignorando as propostas de Deus e prescindindo do amor, constrói cidades de egoísmo, de injustiça, de prepotência, de sofrimento, de pecado... Quais os caminhos que eu escolho? As propostas de Deus fazem sentido e são, para mim, indicações seguras para a felicidade, ou prefiro ser eu próprio a fazer as minhas escolhas, à margem das propostas de Deus?
    • O nosso texto deixa também claro que prescindir de Deus e caminhar longe d'Ele, leva o homem ao confronto e à hostilidade com os outros homens e mulheres. Nasce, então, a injustiça, a exploração, a violência. Os outros homens e mulheres deixam de ser irmãos, para passarem a ser ameaças ao próprio bem-estar, à própria segurança, aos próprios interesses. Como é que eu me situo face aos meus irmãos? Como é que eu me relaciono com aqueles que são diferentes, que invadem o meu espaço e interesses, que me questionam e interpelam?
    • O nosso texto ensina, ainda, que prescindir de Deus e dos seus caminhos significa construir uma história de inimizade com o resto da criação. A natureza deixa de ser, então, a casa comum que Deus ofereceu a todos os homens como espaço de vida e de felicidade, para se tornar algo que eu uso e exploro em meu proveito próprio, sem considerar a sua dignidade, beleza e grandeza. O que é que a criação de Deus significa para mim: algo que eu posso explorar de forma egoísta, ou algo que Deus ofereceu a todos os homens e mulheres e que eu devo respeitar e guardar com amor?

     

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 97 (98)

    Refrão: Cantai ao Senhor um cântico novo:
    o Senhor fez maravilhas.
    Cantai ao Senhor um cântico novo,
    pelas maravilhas que Ele operou.
    A sua mão e o seu santo braço
    Lhe deram a vitória.
    O Senhor deu a conhecer a salvação
    revelou aos olhos das nações a sua justiça.
    Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
    em favor da casa de Israel.
    Os confins da terra puderam ver
    a salvação do nosso Deus.
    Aclamai o Senhor, terra inteira,
    exultai de alegria e cantai.

     

    LEITURA II - Ef 1,3-6.11-12

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
    Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
    que do alto dos Céus nos abençoou
    com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.
    N'Ele nos escolheu, antes da criação do mundo,
    para sermos santos e irrepreensíveis,
    em caridade, na sua presença.
    Ele nos predestinou, conforme a benevolência da sua vontade,
    a fim de sermos seus filhos adoptivos, por Jesus Cristo,
    para louvor da sua glória
    e da graça que derramou sobre nós, por seu amado Filho.
    Em Cristo fomos constituídos herdeiros,
    por termos sido predestinados,
    segundo os desígnios d'Aquele que tudo realiza
    conforme a decisão da sua vontade,
    para sermos um hino de louvor da sua glória,
    nós que desde o começo esperámos em Cristo.

    AMBIENTE

    A cidade de Éfeso, capital da Província romana da Ásia, estava situada na costa ocidental da Ásia Menor. O seu importante porto e a sua numerosa população faziam dela uma cidade florescente. Paulo passou em Éfeso na sua segunda viagem missionária (cf. Act 18,19-21) e, durante a sua terceira viagem missionária, fez de Éfeso o quartel-general, a partir do qual evangelizou toda a zona ocidental da Ásia Menor.
    A nossa Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma "carta circular" enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Roma?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
    Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente. O tema mais importante da carta aos Efésios é aquilo que o autor chama "o mistério": trata-se do projecto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos "últimos tempos", tornado presente no mundo pela Igreja.
    O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta. É parte de um hino litúrgico que deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser enxertado aqui por Paulo. Este hino dá graças pela acção do Pai (cf. Ef 1,3-6), do Filho (cf. Ef 1,7-12) e do Espírito Santo (cf. Ef 1,13-14), no sentido de oferecer aos homens a salvação.

    MENSAGEM

    A acção de graças dirige-se a Deus, pois Ele é a fonte última de todas as graças concedidas aos homens. Essas graças atingiram os homens através do Filho, Jesus Cristo.
    Qual é então, segundo este hino, a acção do Pai?
    O Pai, no seu amor, elegeu-nos desde sempre ("antes da criação do mundo"). Elegeu-nos para quê? A resposta é: "para sermos santos e irrepreensíveis". A palavra "santo" indica a situação de alguém que foi separado do mundo e consagrado a Deus, para o serviço de Deus; a palavra "irrepreensível" era usada para falar das vítimas oferecidas em sacrifício a Deus, que deviam ser imaculadas e sem defeito... Significa, pois, uma santidade (isto é, uma consagração a Deus) verdadeira e radical.
    Além de nos eleger, o Pai predestinou-nos "para sermos seus filhos adoptivos". Através de Cristo, o Pai ofereceu-nos a sua vida e integrou-nos na sua família na qualidade de filhos. O fim desta acção de Deus é o louvor da sua glória.
    "Eleição" e "adopção como filhos" resultam do imenso amor de Deus pelos homens - um amor que é gratuito, incondicional e radical.
    E Jesus Cristo, o Filho, que papel teve neste processo?
    Nos vers. 7-10 (que, no entanto, a liturgia deste dia não conservou), o autor do hino refere-se ao sangue derramado de Cristo e ao seu significado redentor. A morte de Jesus na cruz é o sinal evidente do espantoso amor de Deus pelos homens; e dessa forma, Deus ensinou-nos a viver no amor, no amor total e radical. Através de Cristo, Deus derramou sobre nós a sua graça, tornando-nos pessoas novas e diferentes, capazes de viver no amor. Assim, Deus manifestou-nos o seu projecto de salvação (que o hino chama "o mistério") e que consiste em levar-nos a uma identificação plena com Jesus (na sua ilimitada capacidade de amar e de dar vida), a uma unidade e harmonia totais com Jesus. Identificando-nos com Cristo e ensinando-nos a viver no amor total e radical, Deus reconciliou-nos consigo, com todos os outros e com a própria natureza. Da acção redentora de Cristo nasceu, pois, um Homem Novo, capaz de um novo tipo de relacionamento (não marcado pelo egoísmo, pelo orgulho, pela auto-suficiência, mas marcado pelo amor e pelo dom da vida) com Deus, com os outros homens e mulheres e com toda a criação.
    Dessa forma (e voltamos agora a retomar o texto que a liturgia deste dia nos propõe), em Cristo fomos constituídos filhos de Deus e herdeiros da salvação, conforme o projecto de Deus preparado desde toda a eternidade em nosso favor (vers. 11-12).

     

    ACTUALIZAÇÃO

    • O nosso texto afirma, de forma clara, que Deus tem um projecto de vida plena e total para os homens, um projecto que desde sempre esteve na mente de Deus. É muito importante termos isto em conta: não somos um acidente de percurso na evolução inexorável do cosmos, mas somos actores principais de uma história de amor que o nosso Deus sempre sonhou e que Ele quis escrever e viver connosco... No meio das nossas desilusões e dos nossos sofrimentos, da nossa finitude e do nosso pecado, dos nossos medos e dos nossos dramas, não esqueçamos que somos filhos amados de Deus, a quem Ele oferece continuamente a vida definitiva, a verdadeira felicidade.
    • De acordo com o nosso texto, Deus "elegeu-nos... para sermos santos e irrepreensíveis". Já vimos que "ser santo" significa ser consagrado para o serviço de Deus. O que é que isto implica em termos concretos? Entre outras coisas, implica tentar descobrir o plano de Deus, o projecto que Ele tem para cada um de nós e concretizá-lo dia a dia com verdade, fidelidade e radicalidade. No meio das solicitações do mundo e das exigências da nossa vida profissional, social e familiar, temos tempo para Deus, para dialogar com Ele e para tentar perceber os seus projectos e propostas? E temos disponibilidade e vontade de concretizar as suas propostas, mesmo quando elas não são conciliáveis com os nossos interesses pessoais?
    • O nosso texto afirma, ainda, a centralidade de Cristo nesta história de amor que Deus quis viver connosco... Jesus veio ao nosso encontro, cumprindo com radicalidade a vontade do Pai e oferecendo-Se até à morte para nos ensinar a viver no amor. Como é que assumimos e vivemos essa proposta de amor que Jesus nos apresentou? Aprendemos com Ele a amar sem excepção e com radicalidade?

     

    ALELUIA - cf. Lc 1,28

    Aleluia. Aleluia.
    Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco,
    bendita sois Vós entre as mulheres.

     

    EVANGELHO - Lc 1,26-38

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    o Anjo Gabriel foi enviado por Deus
    a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,
    a uma Virgem desposada com um homem chamado José.
    O nome da Virgem era Maria.
    Tendo entrado onde ela estava, disse o anjo:
    «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
    Ela ficou perturbada com estas palavras
    e pensava que saudação seria aquela.
    Disse-lhe o Anjo:
    «Não temas, Maria,
    porque encontraste graça diante de Deus.
    Conceberás e darás à luz um Filho,
    a quem porás o nome de Jesus.
    Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
    O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
    reinará eternamente sobre a casa de Jacob
    e o seu reinado não terá fim».
    Maria disse ao Anjo:
    «Como será isto, se eu não conheço homem?»
    O Anjo respondeu-lhe:
    «O Espírito Santo virá sobre ti
    e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
    Por isso, o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
    E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice
    e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril;
    porque a Deus nada é impossível».
    Maria disse então:
    «Eis a escrava do Senhor;
    faça-se em mim segundo a tua palavra».

     

    AMBIENTE

    O texto que nos é hoje proposto pertence ao "Evangelho da Infância" na versão de Lucas. De acordo com os biblistas actuais, os textos do "Evangelho da Infância" pertencem a um género literário especial, chamado homologese. Este género não pretende ser um relato jornalístico e histórico de acontecimentos; mas é, sobretudo, uma catequese destinada a proclamar certas realidades salvíficas (que Jesus é o Messias, que Ele vem de Deus, que Ele é o "Deus connosco"). Desenvolve-se em forma de narração e recorre às técnicas do midrash haggádico (uma técnica de leitura e de interpretação do texto sagrado usada pelos rabbis judeus da época de Jesus). A homologese utiliza e mistura tipologias (factos e pessoas do Antigo Testamento, encontram a sua correspondência em factos e pessoas do Novo Testamento) e aparições apocalípticas (anjos, aparições, sonhos) para fazer avançar a narração e para explicitar determinada catequese sobre Jesus. O Evangelho que nos é hoje proposto deve ser entendido a esta luz: não interessa, pois, estar aqui à procura de factos históricos; interessa, sobretudo, perceber o que é que a catequese cristã primitiva nos ensina, através destas narrações, sobre Jesus.
    A cena situa-nos numa aldeia da Galileia, chamada Nazaré. A Galileia, região a norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, era considerada pelos judeus uma terra longínqua e estranha, em permanente contacto com as populações pagãs e onde se praticava uma religião heterodoxa, influenciada pelos costumes e pelas tradições pagãs. Daí a convicção dos mestres judeus de Jerusalém de que "da Galileia não pode vir nada de bom". Quanto a Nazaré, era uma aldeia pobre e ignorada, nunca nomeada na história religiosa judaica e, portanto (de acordo com a mentalidade judaica), completamente à margem dos caminhos de Deus e da salvação.
    Maria, a jovem de Nazaré que está no centro deste episódio, era "uma virgem desposada com um homem chamado José". O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro (os "esponsais"); só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo (as cerimónias do matrimónio propriamente dito)... Entre os "esponsais" e o rito do matrimónio, passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes podia voltar atrás, ainda que sofrendo uma penalidade. Durante os "esponsais", os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um carácter estável, de tal forma que, se surgia um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da "prometida" como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (cf. Dt 22,23-27)... E a união entre os dois "prometidos" só podia dissolver-se com a fórmula jurídica do divórcio. José e Maria estavam, portanto, na situação de "prometidos": ainda não tinham celebrado o matrimónio, mas já tinham celebrado os "esponsais".

     

    MENSAGEM

    Depois da apresentação do "ambiente" do quadro, Lucas apresenta o diálogo entre Maria e o anjo.
    A conversa começa com a saudação do anjo. Na boca deste, são colocados termos e expressões com ressonância vétero-testamentária, ligados a contextos de eleição, de vocação e de missão. Assim, o termo "ave" (em grego, "kaire") com que o anjo se dirige a Maria é mais do que uma saudação: é o eco dos anúncios de salvação à "filha de Sião" - uma figura fraca e delicada que personifica o Povo de Israel, em cuja fraqueza se apresenta e representa essa salvação oferecida por Deus e que Israel deve testemunhar diante dos outros povos (cf. 2 Re 19,21-28; Is 1,8;12,6; Jer 4,31; Sof 3,14-17). A expressão "cheia de graça" significa que Maria é objecto da predilecção e do amor de Deus. A outra expressão "o Senhor está contigo" é uma expressão que aparece com frequência ligada aos relatos de vocação no Antigo Testamento (cf. Ex 3,12 - vocação de Moisés; Jz 6,12 - vocação de Gedeão; Jer 1,8.19 - vocação de Jeremias) e que serve para assegurar ao "chamado" a assistência de Deus na missão que lhe é pedida. Estamos, portanto, diante do "relato de vocação" de Maria: a visita do anjo destina-se a apresentar à jovem de Nazaré uma proposta de Deus. Essa proposta vai exigir uma resposta clara de Maria.
    Qual é, então, o papel proposto a Maria no projecto de Deus?
    A Maria, Deus propõe que aceite ser a mãe de um "filho" especial... Desse "filho" diz-se, em primeiro lugar, que Ele se chamará "Jesus". O nome significa "Deus salva". Além disso, esse "filho" é apresentado pelo anjo como o "Filho do Altíssimo", que herdará "o trono de seu pai David" e cujo reinado "não terá fim". As palavras do anjo levam-nos a 2 Sm 7 e à promessa feita por Deus ao rei David através das palavras do profeta Nathan. Esse "filho" é descrito nos mesmos termos em que a teologia de Israel descrevia o "messias" libertador. O que é proposto a Maria é, pois, que ela aceite ser a mãe desse "messias" que Israel esperava, o libertador enviado por Deus ao seu Povo para lhe oferecer a vida e a salvação definitivas.
    Como é que Maria responde ao projecto de Deus?
    A resposta de Maria começa com uma objecção... A objecção faz sempre parte dos relatos de vocação do Antigo Testamento (cf. Ex 3,11; 6,30; Is 6,5; Jer 1,6). É uma reacção natural de um "chamado", assustado com a perspectiva do compromisso com algo que o ultrapassa; mas é, sobretudo, uma forma de mostrar a grandeza e o poder de Deus que, apesar da fragilidade e das limitações dos "chamados", faz deles instrumentos da sua salvação no meio dos homens e do mundo.
    Diante da "objecção", o anjo garante a Maria que o Espírito Santo virá sobre ela e a cobrirá com a sua sombra. Este Espírito é o mesmo que foi derramado sobre os juízes (Oteniel - cf. Jz 3,10; Gedeão - cf. Jz 6,34; Jefté - cf. Jz 11,29; Sansão - cf. Jz 14,6), sobre os reis (Saul - cf. 1 Sm 11,6; David - cf. 1 Sm 16,13), sobre os profetas (cf. Maria, a profetisa irmã de Aarão - cf. Ex 15,20; os anciãos de Israel - cf. Nm 11,25-26; Ezequiel - cf. Ez 2,1; 3,12; o Trito-Isaías - cf. Is 61,1), a fim de que eles pudessem ser uma presença eficaz da salvação de Deus no meio do mundo. A "sombra" ou "nuvem" leva-nos também à "coluna de nuvem" (cf. Ex 13,21) que acompanhava a caminhada do Povo de Deus em marcha pelo deserto, indicando o caminho para a Terra Prometida da liberdade e da vida nova. A questão é a seguinte: apesar da fragilidade de Maria, Deus vai, através dela, fazer-Se presente no mundo para oferecer a salvação a todos os homens.
    O relato termina com a resposta final de Maria: "eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra". Afirmar-se como "serva" significa, mais do que humildade, reconhecer que se é um eleito de Deus e aceitar essa eleição, com tudo o que ela implica - pois, no Antigo Testamento, ser "servo do Senhor" é um título de glória, reservado àqueles que Deus escolheu, que Ele reservou para o seu serviço e que Ele enviou ao mundo com uma missão (essa designação aparece, por exemplo, no Deutero-Isaías - cf. Is 42,1; 49,3; 50,10; 52,13; 53,2.11 - em referência à figura enigmática do "servo de Jahwéh"). Desta forma, Maria reconhece que Deus a escolheu, aceita com disponibilidade essa escolha e manifesta a sua disposição de cumprir, com fidelidade, o projecto de Deus.

     

    ACTUALIZAÇÃO

    • A liturgia deste dia afirma, de forma clara e insofismável, que Deus ama os homens e tem um projecto de vida plena para lhes oferecer. Como é que esse Deus cheio de amor pelos seus filhos intervém na história humana e concretiza, dia a dia, essa oferta de salvação? A história de Maria de Nazaré (bem como a de tantos outros "chamados") responde, de forma clara, a esta questão: é através de homens e mulheres atentos aos projectos de Deus e de coração disponível para o serviço dos irmãos que Deus actua no mundo, que Ele manifesta aos homens o seu amor, que Ele convida cada pessoa a percorrer os caminhos da felicidade e da realização plena. Já pensámos que é através dos nossos gestos de amor, de partilha e de serviço que Deus Se torna presente no mundo e transforma o mundo?
    • Outra questão é a dos instrumentos de que Deus Se serve para realizar os seus planos... Maria era uma jovem mulher de uma aldeia obscura dessa "Galileia dos pagãos" de onde não podia "vir nada de bom". Não consta que tivesse uma significativa preparação intelectual, extraordinários conhecimentos teológicos, ou amigos poderosos nos círculos de poder e de influência da Palestina de então... Apesar disso, foi escolhida por Deus para desempenhar um papel primordial na etapa mais significativa na história da salvação. A história vocacional de Maria deixa claro que, na perspectiva de Deus, não são o poder, a riqueza, a importância ou a visibilidade social que determinam a capacidade para levar a cabo uma missão. Deus age através de homens e mulheres, independentemente das suas qualidades humanas. O que é decisivo é a disponibilidade e o amor com que se acolhem e testemunham as propostas de Deus.
    • Diante dos apelos de Deus ao compromisso, qual deve ser a resposta do homem? É aí que somos colocados diante do exemplo de Maria... Confrontada com os planos de Deus, Maria responde com um "sim" total e incondicional. Naturalmente, ela tinha o seu programa de vida e os seus projectos pessoais; mas, diante do apelo de Deus, esses projectos pessoais passaram naturalmente e sem dramas a um plano secundário. Na atitude de Maria não há qualquer sinal de egoísmo, de comodismo, de orgulho, mas há uma entrega total nas mãos de Deus e um acolhimento radical dos caminhos de Deus. O testemunho de Maria é um testemunho questionante, que nos interpela fortemente... Que atitude assumimos diante dos projectos de Deus: acolhemo-los sem reservas, com amor e disponibilidade, numa atitude de entrega total a Deus, ou assumimos uma atitude egoísta de defesa intransigente dos nossos projectos pessoais e dos nossos interesses egoístas?
    • É possível alguém entregar-se tão cegamente a Deus, sem reservas, sem medir os prós e os contras? Como é que se chega a esta confiança incondicional em Deus e nos seus projectos? Naturalmente, não se chega a esta confiança cega em Deus e nos seus planos sem uma vida de diálogo, de comunhão, de intimidade com Deus. Maria de Nazaré foi, certamente, uma mulher para quem Deus ocupava o primeiro lugar e era a prioridade fundamental. Maria de Nazaré foi, certamente, uma pessoa de oração e de fé, que fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a confiar totalmente n'Ele. No meio da agitação de todos os dias, encontro tempo e disponibilidade para ouvir Deus, para viver em comunhão com Ele, para tentar perceber os seus sinais nas indicações que Ele me dá dia a dia?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

  • 02º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    02º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    10 de Dezembro, 2023

    ANO B - 2.º DOMINGO DO ADVENTO 

    Tema do 2.º Domingo do Advento

    A liturgia do segundo domingo de Advento constitui um veemente apelo à conversão, ao reencontro de cada um de nós com Deus. Por sua parte, Deus está sempre disposto a oferecer a todos um mundo novo de liberdade, de justiça e de paz; mas esse mundo só se tornará uma realidade quando cada um aceitar reformar o seu coração, abrindo-o aos valores de Deus.

    Na primeira leitura, um profeta anónimo da época do Exílio garante aos exilados a fidelidade de Deus e a sua vontade de conduzir o Povo – através de um caminho fácil e direito – em direção à terra da liberdade e da paz. Ao Povo, por sua vez, é pedido que dispa os seus hábitos de comodismo, de egoísmo e de autossuficiência e aceite, outra vez, confrontar-se com os desafios de Deus.

    No Evangelho, João Baptista convida os seus contemporâneos (e, claro, as pessoas de todas as épocas) a acolher o Messias, aquele que traz a Boa Notícia da salvação. A missão do Messias – diz João – será oferecer a todos esse Espírito de Deus que gera vida nova e permite viver numa dinâmica de amor e de liberdade. No entanto, só poderá estar aberto à proposta do Messias quem tiver percorrido um autêntico caminho de conversão, de transformação, de mudança de vida e de mentalidade.

    A segunda leitura aponta para a parusia, a segunda vinda de Jesus. Convida-nos à vigilância, isto é, a vivermos dia a dia de acordo com os ensinamentos de Jesus, empenhando-nos na transformação do mundo e na construção do Reino. Se os crentes pautarem a sua vida por esta dinâmica de contínua conversão, encontrarão no final da sua caminhada terrena “os novos céus e a nova terra onde habita a justiça”.

     

    LEITURA I – Isaías 40,1-5.9-11

     

    Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus.
    Falai ao coração de Jerusalém e dizei-lhe em alta voz
    que terminaram os seus trabalhos
    e está perdoada a sua culpa,
    porque recebeu da mão do Senhor
    duplo castigo por todos os seus pecados.
    Uma voz clama:
    «Preparai no deserto o caminho do Senhor,
    abri na estepe uma estrada para o nosso Deus.
    Sejam alteados todos os vales
    e abatidos os montes e as colinas;
    endireitem-se os caminhos tortuosos
    e aplanem-se as veredas escarpadas.
    Então se manifestará a glória do Senhor
    e todo o homem verá a sua magnificência,
    porque a boca do Senhor falou».
    Sobe ao alto dum monte, arauto de Sião!
    Grita com voz forte, arauto de Jerusalém!
    Levanta sem temor a tua voz e diz às cidades de Judá:
    «Eis o vosso Deus.
    O Senhor Deus vem com poder,
    o seu braço dominará.
    Com Ele vem o seu prémio,
    precede-O a sua recompensa.
    Como um pastor apascentará o seu rebanho
    e reunirá os animais dispersos;
    tomará os cordeiros em seus braços,
    conduzirá as ovelhas ao seu descanso».

     

    CONTEXTO

    Este texto pertence ao “Livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55), que, provavelmente, cumpriu a sua missão profética na Babilónia, entre os exilados judeus, na fase final do Exílio, entre 550 e 539 a.C. Muitos desses exilados estão frustrados e desorientados, pois ainda não entenderam porque é que Deus permitiu o drama da derrota e do Exílio… Outros, no entanto, estão instalados e acomodados, rendidos a esse admirável mundo novo para o qual foram atirados e já não pensam em regressar à sua terra nem esperam nada de Deus.

    Na fase final desta época, as notícias das vitórias de Ciro, o persa, sobre os babilónios fazem esperar um rápido desmoronar do império babilónico e a libertação dos judeus exilados… Mas, se essa libertação chegar – perguntam os exilados – a quem é que deve ser atribuída: a Javé, ou aos deuses persas? Se é a Javé, porque é que Ele escolheu um estrangeiro e não um membro do Povo de Deus para realizar a obra maravilhosa da libertação? No caso de a libertação acontecer, valerá a pena arriscar o regresso e enfrentar as dificuldades do recomeço? Haverá, ainda, um futuro para esse Povo que parece ter sido abandonado por Javé?

    O Deutero-Isaías aparece neste contexto. A sua mensagem destina-se a consolar os exilados e a apontar-lhes novas razões para ter esperança. O profeta começa por anunciar a iminência da libertação e por comparar a saída da Babilónia ao antigo êxodo, quando Deus libertou o seu Povo da escravidão do Egipto (cf. Is 40-48)… Na segunda parte do livro, o profeta anuncia a reconstrução de Jerusalém, essa cidade que a guerra reduziu a cinzas, mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e a paz sem fim (cf. Is 49-55).

    A primeira leitura deste domingo apresenta-nos, precisamente, o prólogo do “Livro da Consolação”.

     

    MENSAGEM

    O profeta é, pois, enviado por Deus a anunciar “ao coração de Jerusalém” que a “consolação” do Senhor está próxima (vers. 1). A imagem do “falar ao coração” sugere a relação de amor entre Javé e o seu Povo, entre o amado e a amada… Deus “fala ao coração” do seu Povo, com amor e ternura, a fim de o consolar.

    Em que consiste essa “consolação”? Consiste, em primeiro lugar, no anúncio do perdão de Deus (vers. 2). Os exilados estavam convencidos de que a dolorosa experiência do Exílio era o castigo para os pecados que tinham cometido. Viviam angustiados, afogados em sentimentos de culpa, sentindo-se em transgressão, indignos, pecadores e afastados de Deus. Neste contexto, Deus diz-lhes: o tempo da rutura e do afastamento terminou e chegou o tempo do reencontro, o tempo de refazer a comunhão e a Aliança.

    Para expressar esta mensagem de perdão, o profeta utiliza duas imagens. A primeira é uma imagem ligada ao universo militar: o tempo de serviço que o Povo foi obrigado a cumprir já terminou (a palavra utilizada pelo profeta designa com frequência, na língua hebraica, o tempo de vassalagem forçada, ou o tempo obrigatório de serviço no exército). A segunda é uma imagem ligada ao universo cultual: o castigo que o Povo sofreu foi aceite pelo Senhor, como se se tratasse de um sacrifício de expiação (esses sacrifícios de expiação que a liturgia de Israel tão bem conhecia e que serviam para refazer a comunhão com Deus, depois do pecado do Povo).

    Ainda neste enquadramento de “consolação”, o autor do texto apresenta uma misteriosa voz que convida a preparar “no deserto o caminho do Senhor”, a abrir “na estepe uma estrada para o nosso Deus” (vers. 3-5). O que é que isto significa?

    O tema do deserto leva-nos, evidentemente, ao Êxodo… Recorda esse acontecimento fundamental da história e da fé de Israel que foi a libertação do Egipto e a viagem da terra da escravidão para a terra da liberdade. Ao longo desse caminho, o Povo fez uma experiência que marcou o seu destino e a sua identidade: descobriu Deus e comprometeu-se com Ele numa Aliança, amadureceu e consolidou a sua fé, passou de uma mentalidade de egoísmo e de escravidão para uma mentalidade de comunhão, de solidariedade e de liberdade.

    No contexto do Exílio, a referência ao caminho pelo deserto sugere claramente que Deus prepara um Novo Êxodo para o seu Povo. O profeta anuncia aos exilados que Deus vai traçar um caminho fácil, direito, glorioso, triunfal, pelo qual eles irão passar da terra da escravidão à terra da liberdade, numa espécie de “reedição melhorada” do antigo Êxodo. Trata-se de um “caminho” geográfico, ou de um caminho espiritual? Provavelmente, o profeta não distingue uma coisa da outra… Ele quererá dizer aos exilados que Deus vai tornar fácil esse percurso geográfico que eles devem percorrer, alimentando-os, salvando-os dos perigos, ajudando-os a vencer a fadiga da caminhada (como fez outrora com aqueles que saíram do Egito); mas, sobretudo, o profeta está a sugerir aos exilados que Deus lhes vai oferecer, outra vez, a possibilidade de uma “caminhada espiritual”, durante a qual eles poderão fazer uma nova experiência do amor e da bondade de Deus e redescobrir os caminhos da comunhão e da Aliança. Naturalmente, é preciso que os exilados preparem o espírito para acolher esta nova possibilidade que Deus oferece, aceitem confiar em Deus, acolham o desafio de retornar à Aliança, se manifestem disponíveis para renunciar à escravidão e abraçar a liberdade.

    Na terceira parte, o texto coloca-nos diante de uma nova cena… Um “mensageiro eleva a sua voz sobre uma alta montanha e proclama uma “boa notícia” a Jerusalém e às outras cidades de Judá: o Deus poderoso do Êxodo (“vem com poder, o seu braço dominará”) conduz pessoalmente o seu Povo de regresso à Terra Prometida… Ele é o Pastor que reúne o seu rebanho, que o apascenta, que cuida das ovelhas mais frágeis e as conduz “ao seu descanso”, que oferece de novo ao seu Povo a vida e a fecundidade. A referência às ovelhas mais fracas e às ovelhas recém-nascidas (objeto de um especial cuidado de Deus, o Pastor) sublinha o amor, a ternura e a solicitude de Javé pelo seu Povo. Trata-se, sem dúvida, de uma mensagem de “consolação” destinada a acordar nos exilados a fé e a esperança.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Hoje, sentimo-nos impotentes e frustrados porque a violência, a guerra e o terrorismo mancham a história humana com sangue e sofrimento, ou porque os pobres e os fracos são esquecidos e colocados à margem da história, ou porque a sociedade global se constrói com egoísmo, com indiferença e com exclusão… O profeta garante-nos que Deus – esse Deus que é eternamente fiel aos compromissos que assumiu para com os seus filhos – não está alheado da nossa história; assegura-nos que Deus, no nosso tempo, no séc. XXI, continua a vir ao nosso encontro e a oferecer-Se para nos conduzir, com amor e solicitude, à Vida verdadeira.
    • A mensagem do profeta é particularmente questionadora para esses exilados que já não pensavam em regressar à sua terra nem se esforçavam minimamente por escutar os apelos e os desafios de Deus. Instalados e acomodados, eles haviam perdido a capacidade de arriscar e a vontade de começar um novo caminho com Deus. A mesma mensagem interpela, hoje, todos os homens e mulheres que vivem instalados nos seus espaços seguros e protegidos, ou resignados a uma vida banal, vazia, cinzenta, insípida, ou acomodados a uma religião que se esgota em práticas rituais estéreis… e convida-os a abrir o coração à novidade de Deus. É preciso correr riscos, aceitar despojar-se do egoísmo, do comodismo, do materialismo, da escravidão dos bens e dos preconceitos para percorrer, com Deus, esse caminho de regresso a uma vida nova e desafiante, mais humana, mais plena e mais feliz.
    • Em concreto, o que é que nos impede de percorrer o caminho que Deus nos propõe e de nascer para uma vida mais livre e mais realizada? Os bens materiais? A posição social? O comodismo? O medo? O Advento é o tempo favorável para limparmos os caminhos da nossa vida, de forma a que Deus possa nascer em nós, transformar-nos e, através de nós, libertar o mundo… Quais são os vales que precisam de ser alteados, os montes que precisam de ser abatidos, os caminhos que precisam de ser endireitados para que Deus possa vir encontrar-se connosco e recriar o nosso coração?
    • É através dos seus mensageiros que Deus continua a oferecer ao mundo e aos homens a vida, a esperança, a liberdade, a salvação. Ora, o testemunho profético é algo inerente à nossa condição de batizados. Sentimo-nos sinais vivos de Deus e testemunhas da sua proposta libertadora diante dos nossos irmãos, ou ficamos paralisados pelo medo de agir, pelo conformismo ou pelo “sempre foi assim”?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 84 (85)

    Refrão 1:  Mostrai-nos o vosso amor e dai-nos a vossa salvação.

    Refrão 2:  Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia.

     

    Escutemos o que diz o Senhor:
    Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis.
    A sua salvação está perto dos que O temem
    e a sua glória habitará na nossa terra.

     

    Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
    abraçaram-se a paz e a justiça.
    A fidelidade vai germinar da terra
    e a justiça descerá do Céu.

     

    O Senhor dará ainda o que é bom
    e a nossa terra produzirá os seus frutos.
    A justiça caminhará à sua frente
    e a paz seguirá os seus passos.

     

    LEITURA II – 2 Pedro 3,8-14

    Há uma coisa, caríssimos, que não deveis esquecer:
    um dia diante do Senhor é como mil anos
    e mil anos como um dia.
    O Senhor não tardará em cumprir a sua promessa,
    como pensam alguns.
    Mas usa de paciência para convosco
    e não quer que ninguém pereça,
    mas que todos possam arrepender-se.
    Entretanto, o dia do Senhor virá como um ladrão:
    nesse dia, os céus desaparecerão com fragor,
    os elementos dissolver-se-ão nas chamas
    e a terra será consumida com todas as obras que nela existem.
    Uma vez que todas as coisas serão assim dissolvidas,
    como deve ser santa a vossa vida e grande a vossa piedade,
    esperando e apressando a vinda do dia de Deus,
    em que os céus se dissolverão em chamas
    e os elementos se fundirão no ardor do fogo!
    Nós esperamos, segundo a promessa do Senhor,
    os novos céus e a nova terra,
    onde habitará a justiça.
    Portanto, caríssimos, enquanto esperais tudo isto,
    empenhai-vos, sem pecado nem motivo algum de censura,
    para que o Senhor vos encontre na paz.

    CONTEXTO

    A Segunda Carta de Pedro apresenta todas as características de uma “carta testamento”, como se o autor, sentindo aproximar-se a morte, quisesse transmitir uma última e decisiva mensagem a um grupo de pessoas a quem se sente particularmente ligado.

    Em concreto, o autor da Segunda Carta de Pedro dirige o seu “testamento” aos irmãos da sua comunidade cristã e convida-os a conservarem-se fiéis aos ensinamentos recebidos, evitando deixarem-se confundir pelas doutrinas dos alguns falsos mestres. Os crentes devem esforçar-se por preparar adequadamente a segunda vinda de Jesus Cristo, sem se deixarem manipular por doutrinas contrárias ao Evangelho e ao ensinamento recebido da tradição apostólica.

    O autor apresenta-se a si próprio como Simão Pedro, servidor e apóstolo de Jesus Cristo (cf. 2 Pe 1,1), testemunha da transfiguração (cf. 2 Pe 1,16); no entanto, é praticamente consensual entre os estudiosos da Bíblia que este escrito é bem posterior ao apóstolo Pedro. Tudo indica que o autor desta carta não pertenceu à primeira geração cristã; contudo, é um judeo-cristão com sólida formação helénica e que conhece bem a vida e a catequese do apóstolo Pedro. Em geral, a redação desta carta situa-se no final do séc. I ou inícios do séc. II.

     

    MENSAGEM

    O texto que nos é proposto apresenta duas partes, embora estreitamente ligadas uma à outra pelo tema da parusia (a “segunda vinda” do Senhor Jesus, no final dos tempos): a primeira integra uma reflexão (cf. 2 Pe 3,1-10) sobre o “dia do Senhor”; a segunda assume a forma de uma exortação (cf. 2 Pe 3,11-16) aos cristãos no sentido de levarem uma vida santa.

    Os cristãos dos primeiros tempos estavam convencidos da iminência da chegada de Jesus para eliminar definitivamente o mal e para instaurar definitivamente o Reino de Deus. No entanto, o tempo passava e a segunda vinda do Senhor não acontecia. Os crentes estavam dececionados e eram objeto da irrisão dos adversários. É neste contexto que a leitura de hoje nos situa. O autor explica sumariamente aos membros da sua comunidade cristã as razões pelas quais o Senhor ainda não veio: a primeira é que Deus não está dependente do tempo, como nós que vivemos na história (“um dia diante do Senhor é como mil anos e mil anos como um dia” – vers. 8); a segunda é que Deus é paciente e pretende prorrogar o tempo da história para dar a todos a oportunidade de acolherem a salvação que Ele oferece (vers. 9). De resto, não é possível definir o momento exato da segunda vinda de Jesus: será algo inesperado e surpreendente, que os crentes devem esperar vigilantes e preparados.

    O que é que significa estar vigilante e preparado? O autor responde a esta questão na segunda parte do texto (vers. 11-14). Os crentes devem viver uma vida consentânea com a vocação a que foram chamados – isto é, uma vida irrepreensível, “santa”, dedicada ao serviço de Deus, cheia de “piedade”, “sem pecado nem motivo algum de censura”. Essa conduta apressará, na opinião do autor da carta, a segunda vinda do Senhor e, consequentemente, a concretização da promessa desses “novos céus e nova terra onde habitará a justiça”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Convictos de que Deus tem um projeto de salvação e de vida para cada pessoa, acreditamos que esse projeto está a realizar-se continuamente em nós, até à sua concretização plena, quando nos encontrarmos definitivamente com Deus. A nossa vida presente não é um drama absurdo, sem sentido e sem finalidade, que se desenrola num “vale de lágrimas” sem saída; mas é uma caminhada tranquila, alegre, esperançosa em direção a esse desabrochar pleno, a essa vida total em que se revelará o Homem Novo. Nós somos homens e mulheres de esperança! É esse o testemunho que damos ao mundo e aos nossos irmãos?

     

    • A questão fundamental que os cristãos devem pôr, a propósito da segunda vinda do Senhor, não é a questão da data, mas é a questão de como esperar e preparar esse momento. O autor do texto deixa claro que o que é preciso é estar vigilante. “Estar vigilante” não significa ficar a olhar para o céu à espera do Senhor, esquecendo e negligenciando as questões do mundo e os problemas das pessoas; mas significa viver, no dia a dia, de acordo com os ensinamentos de Jesus, empenhando-se na transformação do mundo e na construção do Reino.
    • A certeza da segunda vinda do Senhor dá aos crentes uma perspetiva diferente da vida, do seu sentido e da sua finalidade. Para os não crentes, a vida encerra-se dentro dos limites estreitos deste mundo; por isso, só lhes interessam os valores imediatos e fátuos que tornam mais cómodos os dias passados nesta terra. Para os crentes, no entanto, a verdadeira vida, a vida em plenitude, está para além dos horizontes da história; por isso, eles procuram viver de acordo com os valores eternos, os valores de Deus. Assim, na perspetiva dos crentes, não são os valores efémeros, os valores deste mundo (o dinheiro, o poder, os êxitos humanos) que devem constituir a prioridade e que devem dominar a existência, mas sim os valores de Deus. Quais são os valores que eu considero prioritários e que condicionam as minhas opções?

     

    ALELUIA – Lc 3,4.6

    Aleluia. Aleluia.

     

    Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas
    e toda a criatura verá a salvação de Deus.

     

    EVANGELHO – Marcos 1,1-8

    Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.
    Está escrito no profeta Isaías:
    «Vou enviar à tua frente o meu mensageiro,
    que preparará o teu caminho.
    Uma voz clama no deserto:
    ‘Preparai o caminho do Senhor,
    endireitai as suas veredas’».
    Apareceu João Baptista no deserto
    a proclamar um batismo de penitência
    para remissão dos pecados.
    Acorria a ele toda a gente da região da Judeia
    e todos os habitantes de Jerusalém
    e eram batizados por ele no rio Jordão,
    confessando os seus pecados.
    João vestia-se de pelos de camelo,
    com um cinto de cabedal em volta dos rins,
    e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.
    E, na sua pregação, dizia:
    «Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu,
    diante do qual eu não sou digno de me inclinar
    para desatar as correias das suas sandálias.
    Eu batizo-vos na água,
    mas Ele batizar-vos-á no Espírito Santo».

    CONTEXTO

    O Evangelho segundo Marcos parece ter sido o primeiro dos Evangelhos a ser redigido, certamente antes do ano 70. A crítica do texto sugere que se trata de uma obra destinada a uma comunidade maioritariamente composta por cristãos vindos diretamente do paganismo, provavelmente a comunidade cristã de Roma.

    Por volta do ano 66, o imperador Nero planeou uma terrível perseguição contra os cristãos da capital do império. Pedro e Paulo foram mortos nesta altura, juntamente com um número considerável de outros cristãos. Neste contexto adverso, muitos dos membros da comunidade cristã de Roma viam a sua fé abalada e vacilavam no seu compromisso. Marcos, que conhecia bem esta realidade, queria ajudar os seus irmãos na fé. Ele achava que lhes seria menos difícil enfrentar a perseguição se tivessem presente, de forma clara, a identidade de Jesus. Por isso escreveu o seu evangelho. No frontispício colocou uma confissão que irá desenvolver longamente nos capítulos seguintes: Jesus, o Messias, é o Filho de Deus. Essa é a Boa Notícia que deve sustentar os cristãos de Roma, perseguidos por causa da sua fé em Jesus.

    Depois de dizer ao que veio, Marcos passa imediatamente a desenhar o cenário para a entrada de Jesus na história dos homens… E coloca-nos frente a frente com um profeta independente e pouco ortodoxo chamado João, designado por toda a gente como o Batista. João era de família sacerdotal mas, aparentemente, nunca exerceu o sacerdócio. A dada altura da sua vida, rompeu com o Templo e com o aparato religioso a ele ligado e instalou-se nas franjas do deserto de Judá, junto do rio Jordão. Considerava-se um homem de Deus, enviado a Israel com uma missão. Na sua análise, o Povo de Deus estava profundamente afetado pelo pecado e precisava de uma conversão radical. Só essa transformação permitiria que Israel fosse de novo a comunidade do Povo santo de Deus. Estamos no final do ano 27 ou no início do ano 28.

    A catequese cristã posterior sempre viu neste João o precursor de Jesus.

     

    MENSAGEM

    O corpo central do texto apresenta-nos a missão de João Baptista (vers. 2-3), a sua pregação (vers. 4), a reação dos ouvintes (vers. 5), o seu estilo de vida (vers. 6) e o testemunho de João sobre Jesus (vers. 7-8).

    Qual é a missão de João? De acordo com o texto, é ser o “mensageiro” que prepara o caminho para o “Messias”, “Filho de Deus” (vers. 2). A propósito da apresentação da missão de João, o autor apresenta uma citação que atribui ao Profeta Isaías mas que é, na realidade, um conjunto de afirmações retiradas do Êxodo (cf. Ex 23,20), de Isaías (cf. Is 40,3) e de Malaquias (cf. Mal 3,1): “Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, que preparará o teu caminho. Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas”. A acumulação de citações tiradas da Tora e dos Profetas sugere que João é esse mensageiro de Deus do qual falavam as promessas antigas, e que devia vir anunciar e preparar o Povo de Deus para acolher a intervenção definitiva de Javé na história humana.

    Em que consistia a pregação de João? Ele “apareceu no deserto a proclamar um batismo de penitência para remissão dos pecados” (vers. 4). De acordo com a catequese judaica, o Messias só chegaria quando Israel fosse, na verdade, a comunidade santa de Deus. Antes de o Messias chegar, o Povo devia, portanto, realizar um caminho de purificação e de conversão, de forma a tornar-se um Povo santo. O “batismo de penitência” (literalmente, “batismo de conversão” – ou de “metanoia”) proposto por João deve ser entendido neste contexto e representa um convite à mudança radical de vida, de comportamento, de mentalidade.

    Na verdade, este “batismo” proposto por João não era uma novidade insólita. O judaísmo conhecia ritos diversos de imersão na água. Era, inclusive, um rito usado na integração dos “prosélitos” (os pagãos que aderiam ao judaísmo) na comunidade do Povo de Deus. Na perspetiva de João, provavelmente este “batismo” é um rito de iniciação à comunidade messiânica: quem aceitava este “batismo” passava a viver uma vida nova e aceitava integrar a comunidade do Messias.

    A pregação de João é feita “no deserto”. O “deserto” é, no contexto da catequese judaica, o lugar onde o Povo de Deus realizou uma caminhada de purificação e de conversão. Foi no deserto que os israelitas libertados do Egipto passaram de uma mentalidade de escravos a uma mentalidade de homens livres, de uma mentalidade de egoísmo a uma mentalidade de partilha, de uma atitude descomprometida a uma Aliança com Javé, da desconfiança em relação à proposta libertadora que Moisés lhes apresentou à confiança total num Deus que cumpre as suas promessas e que é fonte de vida e de liberdade para o seu Povo. A pregação de João lembrava aos israelitas a necessidade de voltar ao “deserto” e de percorrer um caminho semelhante àquele que os antepassados tinham percorrido.

    Como é que os interlocutores de João reagiam às suas propostas? Marcos diz que “acorria a Ele toda a gente da região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém” para serem batizados, confessando os seus pecados (vers. 5). A afirmação de que “toda a gente” acorria ao apelo de João parece manifestamente exagerada… Ao apresentar esta perspetiva ideal da forma como a mensagem foi acolhida pelo Povo, Marcos está, provavelmente, a sugerir o carácter decisivo e determinante da proposta que João faz: não é “mais um” convite à conversão, mas é o último e definitivo apelo de Deus ao seu Povo.

    João “vestia-se de pelos de camelo, com um cinto de cabedal em volta dos rins e alimentava-se de gafanhotos e de mel silvestre”. O estilo de vida de João – sóbrio, desprendido, austero, simples – é um convite claro à renúncia aos valores do mundo. É a aplicação prática dessa austeridade de vida e dessa renovação de atitudes, de comportamentos e de mentalidade que João pede aos seus conterrâneos. O estilo de vida de João corrobora a mensagem que ele apresenta.

    Além disso, o estilo de vida de João evoca o profeta Elias que, de acordo com 2 Re 1,8, se vestia “de peles” e “trazia um cinto de couro em volta dos rins”. O profeta Elias era, no universo da esperança judaica, o profeta elevado para junto de Deus e destinado a aparecer de novo no meio dos homens para anunciar a chegada iminente da era messiânica (cf. Mal 3,22-24). A identificação física de João com Elias significa que a era messiânica chegou e que João é o mensageiro esperado, cuja mensagem prepara a chegada do Messias libertador.

    O que é que João diz sobre esse Messias libertador, do qual ele é o arauto e o mensageiro? João fala da “força” do Messias e define a sua missão como “batizar no Espírito”. Tanto a fortaleza como o dom do Espírito são prerrogativas do Messias, segundo a catequese profética (cf. Is 9,6; 11,2). O Messias terá, portanto, a força de Deus e a sua missão será comunicar esse Espírito de Deus, que transforma, renova e recria os corações dos homens.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, aquele “menino” que Deus envia ao nosso encontro (e que é o Messias, o Filho de Deus), traz-nos a “Boa Notícia” da salvação. Ele vem ter connosco para nos oferecer a libertação, a alegria, a vitória sobre os medos, a paz; ele vem para nos ajudar a construir uma vida mais humana, mais digna, mais feliz. Estamos disponíveis para o acolher e para iniciar, com Ele, um caminho novo?
    • João, o Batista, aquele que Deus enviou para nos ajudar a preparar a chegada de Jesus, afirma claramente que preparar a vinda do Messias passa por uma “metanoia”, isto é, por uma transformação total da pessoa, por uma outra escala de valores, por uma radical mudança de pensamento, por uma postura vital inteiramente nova, por um movimento radical que leve a pessoa a reequacionar a sua vida e a colocar Deus no centro da sua existência e dos seus interesses. Neste tempo de Advento, de preparação para a celebração do Natal do Senhor, trata-se de uma proposta com sentido: preparar a vinda de Jesus exige de nós uma transformação radical da nossa vida, dos nossos valores, da nossa mentalidade… Em concreto, o que é que nos meus pensamentos, nos meus comportamentos, na minha mentalidade, nos valores que cultivo, impede o nascimento de Jesus no meu coração e na minha vida?
    • Deus convida cada pessoa à transformação e à mudança através desses profetas a quem chama e a quem confia a missão de questionar o mundo e os homens. Estamos suficientemente atentos aos profetas que questionam o nosso estilo de vida e os nossos valores? Damos crédito às suas interpelações, ou consideramo-los figuras incomodativas, ultrapassadas e dispensáveis? E nós, constituídos profetas desde o nosso batismo, sentimo-nos enviados por Deus a interpelar e a questionar o mundo e os nossos irmãos?
    • O “estilo de vida” de João constitui uma interpelação pelo menos tão forte como as suas palavras. É o testemunho vivo de um homem que está consciente das prioridades e não dá importância aos aspetos secundários da vida – como sejam a roupa “de marca” ou o excessivo cuidado da alimentação. A nossa vida também está marcada por valores, nos quais apostamos e à volta dos quais construímos toda a nossa existência… Quais são os valores fundamentais para mim, os valores que marcam as minhas decisões e opções? São valores importantes, decisivos, eternos, capazes de me proporcionar Vida plena, ou são valores efémeros, particulares, egoístas e geradores de dependência e escravidão? Como nos situamos frente a valores e a um estilo de vida que contradiz os valores do Evangelho?
    • Ao acentuar o carácter decisivo e determinante do apelo de João, Marcos convida-nos a uma resposta objetiva, franca, clara e decidida à proposta de salvação que nos é feita. Não podemos resguardar-nos eternamente no nosso espaço de conforto, ou esconder-nos indefinidamente atrás das nossas seguranças… Estamos dispostos a dizer “sim” aos apelos de Deus? Estamos disponíveis para aceitar a sua proposta de “metanoia”? Estamos decididos a renunciar ao comodismo que nos paralisa, ao egoísmo que nos impede de sair de nós próprios, à autossuficiência que nos torna estéreis? Ousaremos ir atrás de Jesus e embarcar com Ele na aventura do Reino?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2.º DOMINGO DO ADVENTO
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

     

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 2.º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.

    - O segundo domingo do Advento é, todos os anos, o de João Baptista. Convite a “preparar o caminho do Senhor”… A nós que andamos quase sempre no ativismo, refletimos imediatamente no que devemos “fazer” para isso… Parece importante haver um sentido penitencial ao longo da celebração. Como não se canta o Glória a Deus, o rito penitencial pode ser mais desenvolvido, com um silêncio mais longo entre as várias invocações.

    - O Senhor usa de paciência (segunda leitura), toma os cordeiros em seus braços (primeira leitura). É um Deus cheio de ternura, que nos chama também à ternura. É preciso que nos preparemos para preparar a sua vinda e, ao mesmo tempo, para celebrar e anunciar que Ele é um Deus de amor e de ternura, próximo de cada um. É no amor que Ele é todo-poderoso.

    - É sempre para uma conversão (segunda leitura, Evangelho) que somos chamados: conversão consentida no momento do nosso batismo, conversão revivida em cada dia, necessidade de nos virarmos para este Deus de amor para melhor ver Deus em Jesus, seu rosto de amor e de ternura. Ao longo da celebração, isso poderá ser sublinhado através das orações e admonições, através da homilia; ou, se uma equipa preparou, pode-se distribuir uma folha que ajude a refletir, a fazer o ponto, que ajude a uma “exame de consciência” em vista do sacramento da reconciliação.

     

    3. PALAVRA DE VIDA.

    Menos pedras… Mais carne… Podemo-nos ferir se formos contra as pedras no caminho, ou se uma queda provocar um acidente. Podemos ferir o outro atirando-lhe pedras. Ficamos feridos no mais profundo de nós mesmos se, em lugar do coração, tivermos uma pedra. No seguimento dos profetas, João Baptista veio convencer os seus contemporâneos a arrancar o seu coração se ele for de pedra, para que aí seja colocado um coração de carne. No deserto ou na margem do Jordão, ele pregava a conversão, isto é, a mudança total do coração por meio de um regresso radical para Deus. Ele era sinal da parte de Deus batizando na água, gesto de purificação. Ele testemunhava com a sua total disponibilidade para acolher o Enviado de Deus que batizará no Espírito Santo. O caminho estará pronto para que venha Aquele que falará ao coração do homem pedindo-lhe para amar Deus seu Pai e os homens seus irmãos.

     

    4. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Preparemos o caminho do Senhor… Podemos preparar um painel de média dimensão com a frase: “Preparemos o caminho do Senhor!”. Esta frase é, de certo modo, a mensagem dos textos de hoje: da oração da entrada ao Evangelho, passando pela primeira leitura e pelo salmo. Este painel deve ser colocado em lugar bem visível. A oração dos fiéis será composta por intenções que respondam à questão: “Como preparar o caminho do Senhor hoje?” Esta questão começa cada intenção e é seguida, em cada vez, do pedido: “Senhor, ajuda-nos a…” No início de cada oração de intercessão, alguém pega no painel e coloca-o diante da assembleia durante a oração.

     

    5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Dar espaço para o Senhor… A urgência é seguramente dar a Cristo todo o espaço nas nossas vidas, limpando o terreno, permitindo que Ele nasça no íntimo da nossa vida… O Advento pode ser um tempo de desapropriação, para melhor encontrar Cristo. Ao longo desta segunda semana, é o apelo que nos é dirigido por João Baptista: procurar libertar em nós espaço para o Senhor. Só assim permitimos que Ele venha!

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

     

  • 03º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    03º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    17 de Dezembro, 2023

    ANO B - 3.º DOMINGO DO ADVENTO

    Tema do 3.º Domingo do Advento

    Como cenário de fundo das leituras do 3.º Domingo do Advento está a certeza de que Deus tem um projecto para nos fazer passar das “trevas” para a “luz”. Essa Boa Notícia deve encher de alegria o coração de todos os filhos e filhas de Deus.

    Na primeira leitura, um profeta pós-exílico apresenta-se aos habitantes de Jerusalém com uma “boa nova” de Deus. A missão deste “profeta”, ungido pelo Espírito, é anunciar um tempo novo, de vida plena e de felicidade sem fim, um tempo de salvação que Deus vai oferecer aos “pobres”.

    O Evangelho apresenta-nos João Baptista, a “voz” que prepara os homens para acolher Jesus, a “luz” do mundo. O objetivo de João não é centrar sobre si próprio o foco da atenção pública; ele está apenas interessado em levar os seus interlocutores a acolher e a “conhecer” Jesus, “Aquele” que o Pai enviou com uma proposta de vida definitiva e de liberdade plena para os homens.

    Na segunda leitura Paulo explica aos cristãos da comunidade de Tessalónica a atitude que é preciso assumir enquanto se espera o Senhor que vem… Ele pede aos discípulos de Jesus que sejam “santos” e irrepreensíveis, que vivam alegres, em atitude de louvor e de adoração, abertos aos dons do Espírito e aos desafios de Deus.

     

    LEITURA I – Isaías 61,1-2a.10-11

    O espírito do Senhor está sobre mim,
    porque o Senhor me ungiu e me enviou
    a anunciar a boa nova aos pobres,
    a curar os corações atribulados,
    a proclamar a redenção aos cativos
    e a liberdade aos prisioneiros,
    a promulgar o ano da graça do Senhor.
    Exulto de alegria no Senhor,
    a minha alma rejubila no meu Deus,
    que me revestiu com as vestes da salvação
    e me envolveu num manto de justiça,
    como noivo que cinge a fronte com o diadema
    e a noiva que se adorna com as suas joias.
    Como a terra faz brotar os germes
    e o jardim germinar as sementes,
    assim o Senhor Deus fará brotar a justiça e o louvor
    diante de todas as nações.

     

    CONTEXTO

    Os textos do Profeta conhecido como Trito-Isaías (Is 56-66) situam-nos na época posterior ao Exílio e numa Jerusalém em reconstrução. Para os retornados do Exílio, são tempos difíceis e incertos… A população da cidade é pouco numerosa, a reconstrução é lenta e modesta, os inimigos estão à espreita. Por outro lado, os retornados são recebidos com frieza e hostilidade pelos poucos habitantes de Jerusalém que tinham ficado na cidade e que não tinham ido para o Exílio… Aos poucos, com a reorganização da vida na cidade, voltam as injustiças dos poderosos sobre os fracos e os pobres, bem como a corrupção, a venalidade e a prepotência dos chefes. O Povo está desanimado e sem esperança.

    Os profetas que desenvolvem a sua missão nesta fase vão tentar acordar a esperança num futuro de vida plena e de salvação definitiva. Nesse sentido, vão falar de uma época em que Deus vai voltar a residir em Jerusalém, oferecendo em cada dia ao seu Povo a vida e a salvação. Essa “salvação” implicará, não só a reconstrução de Jerusalém e a restauração das glórias passadas, mas também a libertação dos pobres, dos oprimidos, dos fracos, dos marginalizados.

    O texto que hoje nos é proposto é o princípio (vers. 1-2) e o fim (vers. 10-11) do capítulo 61 do Livro de Isaías. A menção do “Senhor Deus” (em hebraico, Javé-Adonai) no versículo 1 e no versículo 11 confirma que todo este capítulo apresenta uma clara unidade textual e temática. O capítulo está claramente dividido em três secções. Na primeira (vers. 1-3a), o profeta define a sua própria vocação; na segunda (vers. 3b-9), cita palavras do Senhor que prometem a restauração do Povo, da Aliança e de Jerusalém; na terceira (vers. 10-11), apresenta uma declaração de alegria, provavelmente de Jerusalém, em face da promessa de Deus.

    MENSAGEM

    A primeira parte do nosso texto (vers. 1-2a) pertence à primeira secção do capítulo. Aí, o profeta refere qual é a vocação e missão a que Deus o chamou. Ele apresenta-se, antes de mais, como o “ungido” do Senhor, sobre quem repousa o Espírito; e é esse mesmo Espírito que o move e o impele para a missão – como acontecia com os juízes e os antigos profetas (cf. Nm 11,25-26; 24,2). Embora não se mencione o termo “profeta”, essa missão apresenta-se como eminentemente profética: esse “ungido” é enviado por Deus e a sua missão tem a ver com o serviço da Palavra.

    Em concreto, a missão do profeta consiste em anunciar uma “boa notícia” (“evangelho”), em curar os corações feridos, em proclamar a libertação aos prisioneiros, em promulgar “o ano da graça do Senhor”. O anúncio do “ano da graça” alude aos anos jubilares (celebrados de cinquenta em cinquenta anos – cf. Lv 25,10-17) e aos anos sabáticos (celebrados de sete em sete anos). De acordo com a Lei de Deus, eram anos destinados a restaurar a situação original de justiça e implicavam, por isso, a libertação dos escravos (cf. Ex 21,2; Dt 15,12), o perdão das dívidas (cf. Dt 15,1) e a restituição dos bens e propriedades alienados durante esse período.

    Os destinatários dessa mensagem de esperança são os “pobres”. A categoria “pobres”, no contexto bíblico, é menos uma categoria sociológica e mais uma categoria espiritual… Os pobres são os carentes de bens, de dignidade, de liberdade e de direitos, mas que pela sua especial situação de miséria e de necessidade são considerados os preferidos de Deus e o objeto de uma especial proteção e ternura de Deus. Por isso, são olhados com simpatia e até, numa visão simplista e idealista, são retratados como pessoas pacíficas, humildes, simples, piedosas, cheias de “temor de Deus” (quer dizer, estão diante de Javé com serena confiança, em total obediência e entrega). Representam essa parte do Povo de Deus frequentemente maltratada e oprimida pelos poderosos, mas que se entrega com fé, humildade e confiança nas mãos de Deus e que Deus ama de forma especial.

    A missão deste “profeta” é, portanto, anunciar um tempo novo, de vida plena e de felicidade sem fim, um tempo de salvação que Deus vai oferecer aos “pobres”.

    A segunda parte do texto que nos é proposto (vers. 10-11) pertence à terceira secção do capítulo. Trata-se da parte final do oráculo: após o anúncio de salvação apresentado pelo profeta, a cidade de Jerusalém manifesta o seu regozijo e contentamento porque Deus a vai revestir de salvação e de justiça, como o noivo que cinge o diadema ou a noiva que se adorna com suas joias. A última imagem – “como a terra faz brotar os gérmenes e o jardim germinar as sementes” – sugere a vida e a fecundidade que resultarão da ação salvadora e libertadora de Deus.

    INTERPELAÇÕES

    • O profeta garante aos “pobres” que Deus não os abandona à sua miséria e sofrimento e que tem um projeto de vida e de felicidade para lhes oferecer. Esta “notícia” deve encher de esperança todos aqueles que não têm acesso aos bens essenciais (educação, saúde, trabalho, justiça, amor), que não têm vez nem voz, que são injustiçados e explorados, que todos os dias são triturados por um sistema económico que não cessa de gerar exclusão, alienação e miséria. O Deus em quem acreditamos, diz o Trito-Isaías, não é um Deus indiferente, que pactua com o racismo, a exclusão, a violência, a guerra, a exploração, o terrorismo, a prepotência; mas é um Deus que ama cada “pobre”, cada explorado, cada injustiçado; Ele estará ao lado dos que sofrem e dará sempre aos pequenos, aos marginalizados, aos excluídos a força para vencer o desânimo, a miséria, as forças da opressão e da morte. É com esse Deus que “viajamos”, é esse Deus que nos conduz na nossa peregrinação pela terra? Somos todos convidados a acolher com alegria esta “Boa Nova”.
    • Como é que Deus atua no mundo? Não é, normalmente, através de manifestações estrondosas e espetaculares, que deixam a humanidade abismada e assustada; mas é através dos gestos “banais” desses profetas a quem Ele confia a missão de lutar contra as forças da opressão e da morte e a quem Ele chama a testemunhar, no meio dos “pobres”, o amor, a liberdade, a justiça, a verdade, a vida. Cada crente é um profeta, chamado a ser testemunha de Deus e sinal vivo do seu amor, da sua justiça e da sua paz. Como é que eu me situo face a isto? Sinto-me profeta, chamado a testemunhar o amor, a vida, a liberdade de Deus? Os “pobres”, os oprimidos, os excluídos encontram em mim um sinal vivo do amor de Deus? Tenho a coragem de arriscar, de lutar, de dar a cara para que o mundo seja melhor?
    • Os versículos finais do texto apresentam a reação agradecida e jubilosa do Povo à ação salvadora de Deus… A descoberta do amor e da presença libertadora de Deus não pode senão conduzir ao louvor, à adoração, à alegria. Sei ser grato ao Senhor pela sua presença amorosa, salvadora e libertadora na vida do mundo e na minha vida?

    SALMO RESPONSORIAL – Lucas 1, 46-48.49-50.53-54

    Refrão 1:  Exulto de alegria no Senhor.

    Refrão 2:  A minha alma exulta no Senhor.

     

    A minha alma glorifica o Senhor
    e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
    porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
    de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações.

     

    O Todo-poderoso fez em mim maravilhas:
    Santo é o seu nome.
    A sua misericórdia se estende de geração em geração
    sobre aqueles que O temem.

     

    Aos famintos encheu de bens
    e aos ricos despediu de mãos vazias.
    Acolheu a Israel, seu servo,
    lembrado da sua misericórdia.

     

    LEITURA II – 1 Tessalonicenses 5,16-24

    Irmãos:
    Vivei sempre alegres, orai sem cessar,
    dai graças em todas as circunstâncias,
    pois esta é a vontade de Deus a vosso respeito em Cristo Jesus.
    Não apagueis o Espírito,
    não desprezeis os dons proféticos;
    mas avaliai tudo, conservando o que for bom.
    Afastai-vos de toda a espécie de mal.
    O Deus da paz vos santifique totalmente,
    para que todo o vosso ser – espírito, alma e corpo –
    se conserve irrepreensível
    para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    É fiel Aquele que vos chama
    e cumprirá as suas promessas.

     

    CONTEXTO

    No século I da nossa era, Tessalónica era a cidade mais importante da Macedónia. Porto marítimo e cidade de intenso comércio, era uma encruzilhada religiosa, na qual os cultos locais coexistiam lado a lado com todo o tipo de propostas religiosas vindas de todo o Mediterrâneo.

    A cidade foi evangelizada por Paulo durante a sua segunda viagem missionária, muito provavelmente no Inverno dos anos 49-50. Paulo chegou a Tessalónica acompanhado por Silvano e Timóteo, depois de ter sido forçado a deixar a cidade de Filipos. O tempo de evangelização foi curto, talvez uns três meses; mas foi o suficiente para fazer nascer uma comunidade cristã numerosa e entusiasta, constituída maioritariamente por pagãos convertidos. No entanto, a obra de Paulo foi brutalmente interrompida pela reação da colónia judaica. Os judeus acusaram Paulo de agir contra os decretos do imperador e levaram alguns cristãos diante dos magistrados da cidade (cf. At 17,5-9). Paulo teve de deixar a cidade à pressa, de noite, indo para Bereia e, depois, para Atenas (cf. At 17,10-15).

    Entretanto, Paulo tinha a consciência de que a formação doutrinal da comunidade cristã de Tessalónica ainda deixava muito a desejar. A jovem comunidade, fundada há pouco tempo e ainda insuficientemente catequizada, estava quase desarmada nesse contexto adverso de perseguição e de provação (cf. 1 Tes 3,1-10). Preocupado, Paulo enviou Timóteo a Tessalónica, a fim de saber notícias e encorajar os tessalonicenses na fé (cf. 1 Ts 3,2-5). Quando Timóteo voltou para apresentar o seu relatório, encontrou Paulo em Corinto. Confortado pelas informações dadas por Timóteo, o apóstolo decidiu escrever aos cristãos de Tessalónica, felicitando-os pela sua fidelidade ao Evangelho. Aproveitou também para esclarecer algumas dúvidas doutrinais que inquietavam os tessalonicenses e para corrigir alguns aspetos menos exemplares da vida da comunidade.

    A Primeira Carta aos Tessalonicenses é, com toda a probabilidade, o primeiro escrito do Novo Testamento. Apareceu na Primavera-Verão do ano 50 ou 51.

    O texto que hoje nos é proposto faz parte das exortações com que Paulo encerra a carta. Depois dos ensinamentos sobre a segunda vinda do Senhor (cf. 1 Ts 4,13-18) e de um convite veemente a esperar, vigilantes, esse momento final da história humana (cf. 1 Ts 5,1-11), Paulo apresenta alguns elementos concretos que os tessalonicenses devem ter sempre em conta e que devem marcar a existência cristã nesse tempo de espera (cf. 1 Ts 5,12-28).

    MENSAGEM

    No texto que a segunda leitura deste domingo nos propõe, Paulo não apresenta grandes desenvolvimentos nem reflexões muito elaboradas acerca do modo como os cristãos devem viver o tempo da espera do Senhor. No entanto, o apóstolo apresenta sugestões muito úteis para a vida cristã e para a construção da comunidade.

    Paulo começa por pedir aos tessalonicenses que vivam alegres e que pautem a sua vida por uma intensa oração, sobretudo a oração de ação de graças. O cristão é sempre uma pessoa livre e feliz, consciente da presença salvadora e libertadora de Deus ao seu lado, que contempla permanentemente esse horizonte último de vida eterna e de felicidade definitiva que Deus lhe reserva e que, por isso, agradece e louva ao seu Senhor.

    Depois, o apóstolo pede também aos tessalonicenses que abram o coração ao Espírito e que não desprezem os seus dons. Esta referência pode significar que as experiências carismáticas começavam a criar problemas na comunidade… Provavelmente, nem toda a gente entendia e estava aberta às interpelações que o Espírito fazia através de alguns membros da comunidade… O novo, o espontâneo, o criativo, chocavam com o rotineiro, o estabelecido, o pré-fixado. Paulo recomenda aos cristãos de Tessalónica que saibam analisar tudo com cuidado e discernimento, sem preconceitos, de coração aberto à novidade de Deus, guardando “o que é bom” e afastando-se de “toda a espécie de mal”.

    Uma comunidade construída de acordo com estes princípios – que vive a sua existência histórica com alegria e serenidade, que louva o seu Senhor e que está permanentemente atenta para discernir e aceitar os dons do Espírito – é uma comunidade “santa” e irrepreensível, preparada para acolher, em qualquer momento, o Senhor que vem.

    INTERPELAÇÕES

    • Na sua caminhada pela história – feita entre alegrias e tristezas, sofrimentos e esperanças –, os crentes não podem perder de vista a meta final que dá sentido a tudo: o encontro com o Senhor. Atentos e vigilantes, eles vão identificando a cada passo os projetos e os desafios de Deus; e vão respondendo com coerência e fidelidade a esses desafios. Isto consta do meu projeto de vida?
    • O caminho cristão deve ser percorrido na alegria… O cristão é alegre, porque sabe para onde caminha e está certo de que no final da caminhada encontra os braços amorosos de Deus que o acolhem e o conduzem para a felicidade plena, para a vida definitiva. Nem os sofrimentos, nem as dificuldades, nem as incompreensões, nem as perseguições podem eliminar essa alegria serena de quem confia no encontro com o Senhor. É essa alegria serena e essa paz que marcam a nossa existência e que brilham nos nossos olhos, ou somos seres derrotados, desiludidos, que se arrastam pela vida mergulhados no desespero e na solidão, sem rumo e ao sabor da corrente e das marés?
    • O caminho cristão deve ser percorrido, também, num diálogo nunca acabado com Deus. O crente é alguém que “ora sem cessar” e “dá graças em todas as circunstâncias” pelos dons de Deus, pela sua presença amorosa, pela salvação que Deus não cessa de oferecer em cada passo da caminhada. Além disso, é falando com Deus que nos apercebemos dos seus projetos e dos passos que ele nos convida a dar. Conseguimos, no meio da agitação do dia a dia, encontrar espaços para o diálogo com Deus? Sentimo-nos gratos por esses dons que, a cada instante, Deus nos oferece?
    • O caminho cristão deve ser percorrido numa atitude de permanente atenção aos dons e aos desafios do Espírito. Procuramos estar atentos às propostas de Deus, ou deixamo-nos prender num esquema de instalação, de rotina, de preconceitos que não nos deixam acolher e responder aos apelos e à novidade de Deus?

     

    ALELUIA – Is 61,1 (cf. Lc 4,18)

    Aleluia. Aleluia.

    O Espírito do Senhor está sobre mim:
    enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres.

     

    EVANGELHO – João 1,6-8.19-28

    Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João.
    Veio como testemunha, para dar testemunho da luz,
    a fim de que todos acreditassem por meio dele.
    Ele não era a luz,
    mas veio para dar testemunho da luz.
    Foi este o testemunho de João,
    quando os judeus lhe enviaram, de Jerusalém,
    sacerdotes e levitas, para lhe perguntarem:
    «Quem és tu?»
    Ele confessou a verdade e não negou;
    ele confessou:
    «Eu não sou o Messias».
    Eles perguntaram-lhe: «Então, quem és tu? És Elias?»
    «Não sou», respondeu ele.
    «És o Profeta?». Ele respondeu: «Não».
    Disseram-lhe então: «Quem és tu?
    Para podermos dar uma resposta àqueles que nos enviaram,
    que dizes de ti mesmo?»
    Ele declarou: «Eu sou a voz do que clama no deserto:
    ‘Endireitai o caminho do Senhor’,
    como disse o profeta Isaías».
    Entre os enviados havia fariseus que lhe perguntaram:
    «Então, porque batizas,
    se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?»
    João respondeu-lhes:
    «Eu batizo em água,
    mas no meio de vós está Alguém que não conheceis:
    Aquele que vem depois de mim,
    a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias».
    Tudo isto se passou em Betânia, além Jordão,
    onde João estava a batizar.

     

    CONTEXTO

    O Evangelho segundo João começa com uma composição que se convencionou chamar “prólogo” (cf. Jo 1,1-18). Trata-se, provavelmente, de um primitivo hino cristão conhecido da comunidade joânica, que o autor do Quarto Evangelho adaptou e onde se expressa a fé da comunidade em Cristo, Palavra viva de Deus. Os primeiros três versículos do texto que hoje nos é proposto (cf. Jo 1,6-8) pertencem a esse “prólogo”.

    Depois do “prólogo”, o autor do Quarto Evangelho desenvolve, em várias etapas, a sua catequese sobre Jesus. Na “secção introdutória” que se segue imediatamente ao “prólogo” (cf. Jo 11,19-3,36), ele procura dizer quem é Jesus e definir a sua missão, fazendo entrar sucessivamente em cena várias personagens cuja função é apresentar ao leitor a figura de Jesus. De entre estas personagens, sobressai a figura de João Baptista, o “apresentador” oficial de Jesus. Ele aparece no início (cf. Jo 1,19-37) e no fim (cf. Jo 3,22-36) dessa secção introdutória a dar testemunho sobre Jesus. O corpo central do texto evangélico que hoje nos é proposto apresenta, precisamente, um primeiro testemunho que João dá sobre Jesus, diante dos enviados das autoridades judaicas.

    Para percebermos o alcance do diálogo entre João e os líderes judaicos, é preciso ter em conta o ambiente político, social e religioso da Palestina do século I. Dominado pelos romanos, humilhado e impossibilitado de definir o seu destino, explorado por uma classe dirigente comodamente instalada nos seus privilégios, escravizado por um sistema religioso ritual e legalista, o Povo de Deus vivia na expetativa da chegada do Messias libertador, enviado por Deus para inaugurar uma nova era de liberdade, de alegria, de felicidade. Muitos israelitas estavam dispostos a aproveitar qualquer oportunidade de libertação e eram presa fácil dos falsos messias e dos vendedores de sonhos. As frequentes aventuras messiânicas falhadas só aumentavam a violência, a miséria, a pobreza e a frustração nacional.

    Os líderes religiosos judaicos não gostavam de ouvir falar na chegada do Messias. De facto, um dos objetivos do Messias, segundo a conceção corrente, deveria ser a reforma das instituições, o que afectaria a estrutura religiosa judaica e mexeria com os privilégios da hierarquia sacerdotal. Não admira, pois, que as autoridades se inquietassem diante da atividade de João.

    MENSAGEM

    Na primeira parte do texto (vers. 6-8), apresenta-se João. Dele dizem-se duas coisas: que é “um homem” e que foi “enviado por Deus”. O agente principal nesta história é, naturalmente, Deus: é Deus que escolhe esse homem e o envia ao mundo com uma missão concreta. Habitualmente é esse o “método” de Deus: chama homens, confia-lhes uma missão e, através deles, intervém no mundo. A missão de João é “dar testemunho da luz”. A “luz”, no Quarto Evangelho, representa essa realidade que vem de Deus e com a qual Deus se propõe construir para os homens um mundo novo de vida definitiva e de felicidade total. João não atua por sua própria iniciativa, mas em resposta à escolha divina e para concretizar uma missão que Deus lhe confiou.

    Por outro lado, embora enviado por Deus, João não é “a luz”, isto é, ele não tem a capacidade de eliminar as trevas que escurecem e desfeiam a vida dos homens, porque não tem a capacidade de dar vida aos homens. João é apenas “a testemunha” que vem preparar os homens para acolher Aquele que vai chegar e que será “a luz/vida”.

    Na segunda parte do texto (vers. 19-28), temos o “testemunho” de João. A cena coloca-nos diante de uma comissão oficial, enviada de Jerusalém para investigar João e constituída por sacerdotes e levitas, encarregados de vigiar a ortodoxia e a fidelidade à ordem religiosa judaica. No ambiente de messianismo exacerbado da época, a figura de João e o seu testemunho resultam inquietantes para os líderes religiosos judeus…

    A comissão investigadora começa por interrogar João com uma pergunta aparentemente inócua: “quem és tu?”. Os interrogadores não tomam posição. Limitam-se a esperar que o próprio João declare a sua posição e as suas intenções. João descarta totalmente a hipótese de ser o Messias. Também não aceita identificar-se com Elias (de acordo com Mal 3,22-23, Elias devia vir preparar o “dia de Javé” – que, no século I era o dia da vinda do Messias libertador, enviado por Deus para construir um mundo novo). Tampouco aceita assumir o título de “o profeta” (este título parece aludir a Dt 18,15 e significava, na época de Jesus, um “segundo Moisés” que deveria aparecer nos últimos tempos). Na verdade, João não aceita que lhe atribuam nenhuma função que possa centrar a atenção na sua própria pessoa. As suas três respostas são negativas categóricas. Ele não busca a sua glória ou a sua afirmação, nem vem em seu próprio nome; a sua missão é meramente dar testemunho da “luz” e é para essa “luz” que os holofotes devem ser apontados.

    É dentro deste enquadramento que devemos entender a resposta de João, quando os seus interlocutores o convidam a definir-se: “eu sou uma voz”. “Voz” é um termo relacional que supõe ouvintes a quem é comunicada uma mensagem… A “voz” não tem rosto, é anónima e passa despercebida; o importante é o conteúdo da mensagem. É isso que João é: uma “voz” através da qual Deus passa aos homens uma mensagem. É à mensagem e não à “voz” que os homens devem dar atenção.

    A mensagem que a “voz” veicula é: “endireitai o caminho do Senhor”. A expressão é tomada de Is 40,3, numa versão livre. Em Isaías, a expressão é usada no contexto da intervenção salvadora de Deus para fazer regressar à Terra da Liberdade os judeus cativos na Babilónia. Pedia que o Povo, instalado e acomodado, desanimado e frustrado, fizesse um esforço para acolher os desafios de Deus e aceitasse pôr-se a caminho com Deus em direção a um futuro novo de vida e de esperança. É essa mesma realidade que João é chamado a acordar no coração do seu Povo.

    As respostas negativas de João desconcertam a comissão… Se João não reivindica nenhum dos títulos tradicionais – “Messias”, “Elias”, “o profeta” – a que título é que ele batiza?

    O batismo ou imersão na água era um símbolo relativamente frequente no judaísmo. Era usado como rito de purificação (por exemplo, para um enfermo curado da sua doença – cf. Lv 14,8) ou para significar a mudança de estado de vida (podia significar, por exemplo, a passagem de uma situação de escravidão a uma situação de liberdade; para os prosélitos, significava o abandono das práticas e crenças pagãs e a adesão ao judaísmo). O batismo de João significava, provavelmente, a rutura com a vida das trevas e o desejo de aderir a uma nova vida. Para João, seria apenas um primeiro passo para acolher “a luz”.

    João evita responder diretamente à objeção que os fariseus lhe colocam. Prefere desvalorizar o seu batismo com água e apontar para “aquele” que vem e a quem não é digno “de desatar as correias das sandálias”. Esse é que é “a luz” que vai libertar o homem da escuridão, da cegueira, da mentira, do egoísmo, do pecado.

    A indicação de que os líderes não “conhecem” esse “alguém” que já chegou e do qual João apenas é “a voz” é, provavelmente, uma denúncia da situação em que se encontra a classe dirigente judaica, instalada nos seus privilégios, certezas e preconceitos e muito pouco aberta à novidade e aos desafios de Deus.

    INTERPELAÇÕES

    • A “voz”, através da qual Deus fala, convida-nos a endireitar “o caminho do Senhor”. Na linguagem do Evangelho segundo João, é um convite a deixar “as trevas” e a nascer para “a luz”. Implica, na vida prática, abandonar a mentira, os comportamentos egoístas, as atitudes injustas, os gestos de violência, os preconceitos, o comodismo, a autossuficiência, tudo o que desfeia a nossa vida, nos torna escravos e nos impede de chegar à verdadeira felicidade. Em termos pessoais, quais são as mudanças que eu tenho de operar na minha existência para passar das “trevas” para a “luz”? O que é que me escraviza e me impede de ser plenamente feliz? O que é que em mim gera desilusão, frustração, desencanto, sofrimento?
    • A “voz”, através da qual Deus fala, convida-nos a olhar para Jesus, pois só Ele é “a luz” e só Ele tem uma proposta de vida verdadeira para nos apresentar. À nossa volta abundam os “vendedores de sonhos”, com propostas de felicidade “absolutamente garantida”. Atraem-nos, seduzem-nos, manipulam-nos, escravizam-nos e, quase sempre, deixam-nos dececionados e infelizes, mais angustiados, mais perdidos, mais frustrados. João garante-nos: só Jesus é “a luz” que liberta os homens da escravidão e das trevas e lhes oferece a vida verdadeira e definitiva. A quem dou ouvidos: às propostas de Jesus, ou às propostas da moda, do politicamente correto, das pessoas “in” que aparecem dia a dia nas colunas e nas redes sociais e que ditam o que está certo e está errado à luz dos critérios do mundo? Que significado é que Jesus e a sua proposta assumem no meu dia a dia?
    • Jesus marca realmente a minha existência? Os valores que Ele veio propor têm peso e impacto nas minhas decisões e opções? Quando celebro o nascimento de Jesus, celebro um acontecimento do passado que deixou a sua marca na história, ou celebro o encontro com alguém que é “a luz” que ilumina a minha existência e que enche a minha vida de paz, de alegria, de liberdade?
    • O “homem chamado João”, enviado por Deus “para dar testemunho da luz”, convida-nos a pensar sobre a forma de Deus atuar na história humana e sobre as responsabilidades que Deus nos atribui na recriação do mundo… Deus não utiliza métodos espetaculares e assombrosos para intervir na nossa história e para recriar o mundo; mas Ele vem ao encontro dos homens e do mundo para os envolver no seu amor através de pessoas concretas, com um nome e uma história, pessoas “normais” a quem Deus chama e a quem confia determinada missão. A todos nós, seus filhos, Deus confia uma missão no mundo, a missão de dar testemunho da “luz” e de tornar presente, para os nossos irmãos, a proposta libertadora de Jesus. Tenho consciência de que Deus me chama e me envia ao mundo? Como é que eu respondo ao chamamento de Deus: com disponibilidade e entrega, ou com preguiça, comodismo e instalação?
    • A atitude simples e discreta com que João se apresenta é muito sugestiva: ele não procura atrair sobre si as atenções, não usa a missão para a sua glória ou promoção pessoal, não busca a satisfação de interesses egoístas; ele é apenas uma “voz” anónima e discreta que recorda, na sombra, as realidades importantes. João é uma tremenda interpelação para todos aqueles a quem Deus chama e envia… Com ele, o profeta – isto é, todo aquele a quem Deus chama e a quem confia uma missão – deve aprender a ficar na sombra, a ser discreto e simples, de forma a que as pessoas não o vejam a ele mas às realidades importantes que ele propõe.
    • A atitude dos fariseus e dos líderes judaicos – cheios de preconceitos, preocupados em manter os seus esquemas de poder e instalação, acomodados nos seus privilégios – impede-os de conhecer “a luz” que está a chegar. Trata-se de um aviso, para nós: quando nos instalamos no nosso comodismo, no nosso bem-estar, na nossa autossuficiência, fechamos o coração à novidade e aos desafios que Deus nos faz. Dessa forma, não reconhecemos Jesus quando Ele vem ao nosso encontro e não O deixamos entrar na nossa vida. A Palavra neste tempo de Advento convida-nos à desinstalação, a fim de que o Senhor que vem possa nascer e permanecer na nossa vida.

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3.º DOMINGO DO ADVENTO
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 3.º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.

    - Na alegria! Este 3.º Domingo do Advento, chamado domingo “Gaudete”, é tradicionalmente o “domingo da alegria”. Ainda bem! Cada domingo, dia da Ressurreição, deveria estar impregnado de alegria! Esse sentimento deve estar bem presente, a convite das leituras de hoje, em particular as duas primeiras. Tudo deveria concorrer para tal: luzes, flores, música, maneira de proclamar os textos e de rezar, e sobretudo as atitudes das pessoas… Não sejamos cristãos tristes… Deixemos as crianças, em particular na proximidade do Natal, exprimir toda a alegria que têm no coração.

    - Na água! No Evangelho, João Baptista recorda-nos o sentido do batismo na água, batismo que anuncia o Batismo cristão. É um apelo a recordarmos o nosso próprio “mergulhar” na água, para o perdão dos pecados. Também hoje, é preciso escutar o apelo de João Baptista a “aplanar o caminho do senhor” no nosso próprio coração, é preciso que nos interroguemos sobre a fidelidade ao nosso Batismo e a fé com a qual nos voltamos para Cristo e nos deixamos habitar pela sua alegria. Nesta terceira etapa do Advento, que “progresso” fizemos? Como significá-lo ao longo da celebração?

    - No Espírito Santo! Precursor, João Baptista anuncia o Batismo no Espírito, o Batismo cristão que recebemos. E João Baptista dá testemunho de Cristo, é o modelo do testemunho. Este domingo interpela-nos sobre a necessidade cristã de sermos alegres (segunda leitura), interpela-nos igualmente sobre o Espírito de alegria que nos é dado: somos verdadeiramente habitados por Ele? Damos testemunho d’Ele? É no Espírito que somos reunidos para celebrar, é pelo Espírito que vivemos e que podemos testemunhar a nossa fé. Que esta celebração possa fazer reviver em nós a graça que devemos testemunhar junto daqueles que encontrarmos.

     

    3. PALAVRA DE VIDA.

    Testemunhar é apagar-se… A testemunha não aparece para falar de si, não atrai os olhares para a sua pessoa, mas para aquele de quem vem falar. João Baptista não se coloca em destaque, ele diz logo o que ele não é, para que os seus interlocutores descubram o Outro, Aquele do qual não cessa de falar, Aquele a quem prepara a vinda, Aquele para o qual todos os olhares se devem virar porque Ele é a Luz. Jesus reconhecerá João Baptista como sua testemunha que prepara a sua vinda.

     

    4. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    O Evangelho a três vozes… É possível proclamar o Evangelho a três vozes: um leitor, João Baptista, os enviados. Preparar bem o diálogo, evitando a teatralidade, deixando lugar unicamente à Palavra de Deus.

     

    5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    No coração do quotidiano: a esperança. O nosso olhar sobre os outros e sobre o mundo pode ser transformado nesta semana: passar da contestação à bondade; procurar ter uma expressão de sorriso em cada encontro, saudar o outro como um irmão que Deus ama e desejar-lhe todo o bem que Deus quer para ele. A alegria cristã não está ao nível de um otimismo simplista, mas coloca no coração do quotidiano a esperança, possível e credível pela Palavra feita carne.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 04º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    04º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    24 de Dezembro, 2023

    ANO B - 4.º DOMINGO DO ADVENTO

    Tema do 4.º Domingo do Advento

    Neste último Domingo do Advento, a liturgia coloca-nos, uma vez mais, frente a frente com o projeto de salvação que Deus tem para oferecer a todos os seus filhos e filhas. Esse projeto, anunciado já no Antigo Testamento, torna-se uma realidade concreta, tangível e plena com a Encarnação de Jesus.

    A primeira leitura apresenta a “promessa” de Deus a David. Deus anuncia, pela boca do profeta Natã, que nunca abandonará o seu Povo nem desistirá de o conduzir pelos caminhos da história. A “promessa” de Deus irá concretizar-se num “filho” de David, através do qual Deus oferecerá ao seu Povo a estabilidade, a segurança, a paz, a abundância, a fecundidade, a felicidade sem fim.

    A segunda leitura chama ao projeto de salvação, preparado por Deus desde sempre, “o mistério”; e garante que, em Jesus, esse projeto se manifestou a todos os povos, a fim de que a humanidade inteira integre a família de Deus.

    O Evangelho refere-se ao momento em que Jesus encarna na história dos homens, a fim de lhes trazer a salvação e a vida definitivas… E mostra como a concretização do projeto de Deus só é possível quando os homens e as mulheres que Ele chama estão disponíveis para dizer “sim”, acolher Jesus e apresentá-l’O ao mundo.

     

    LEITURA I – 2 Samuel 7,1-5.8b-12.14a.16

     

    Quando David já morava em sua casa
    e o Senhor lhe deu tréguas de todos os inimigos que o rodeavam,
    o rei disse ao profeta Natã:
    «Como vês, eu moro numa casa de cedro,
    e a arca de Deus está debaixo de uma tenda».
    Natã respondeu ao rei:
    «Faz o que te pede o teu coração,
    porque o Senhor está contigo».
    Nessa mesma noite, o Senhor falou a Natã, dizendo:
    «Vai dizer ao meu servo David: Assim fala o Senhor:
    Pensas edificar um palácio para Eu habitar?
    Tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos,
    para seres o chefe do meu povo de Israel.
    Estive contigo em toda a parte por onde andaste
    e exterminei diante de ti todos os teus inimigos.
    Dar-te-ei um nome tão ilustre
    como o nome dos grandes da terra.
    Prepararei um lugar para o meu povo de Israel:
    e nele o instalarei para que habite nesse lugar,
    sem que jamais tenha receio
    e sem que os perversos tornem a oprimi-lo como outrora,
    quando Eu constituía juízes no meu povo de Israel.
    Farei que vivas seguro de todos os teus inimigos.
    O Senhor anuncia que te vai fazer uma casa.
    Quando chegares ao termo dos teus dias
    e fores repousar com teus pais
    estabelecerei em teu lugar um descendente que há de nascer de ti
    e consolidarei a tua realeza.
    Ele construirá um palácio ao meu nome
    e Eu consolidarei para sempre o teu trono real.
    Serei para ele um pai e ele será para Mim um filho.
    A tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente,
    e o teu trono será firme para sempre».

     

    CONTEXTO

    Os Livros de Samuel testemunham acontecimentos históricos centrais na vida do Povo de Deus. É durante a época a que os Livros de Samuel aludem que, pela primeira vez na sua história, as tribos do Norte (Israel) e do Sul (Judá) se reúnem em torno de um único rei (David) e em torno de uma capital comum (Jerusalém). Estamos nos finais do séc. XI e princípios do séc. X a.C.

    David tornou-se rei de Judá (Sul) por volta de 1012 a.C.; e, alguns anos depois, foi convidado pelas tribos de Israel (Norte) para reinar também sobre elas. Reuniu, portanto, sobre a sua cabeça as duas coroas – a de Israel (Norte) e a de Judá (Sul). Após a união de todas as tribos, David teve de eleger uma capital para o seu reino. Foi preciso encontrar, para sede desse reino unificado, uma cidade estrategicamente situada, neutra, que não despertasse rivalidades mútuas entre as distintas tribos. Ora Jerusalém, a cidade inexpugnável dos jebuseus, oferecia as condições exigidas… David reuniu, portanto, um comando de guerreiros profissionais, prescindindo intencionalmente do exército oficial de Israel e de Judá, a fim de que nenhum dos dois reinos reivindicasse o título de propriedade sobre a nova cidade. A cidade de Jerusalém foi conquistada aos jebuseus por volta do ano 1005 a.C. (cf. 2 Sm 5,6-12) e tornou-se, desde então, a “cidade de David”. Mais tarde, David fez transportar para Jerusalém a “Arca da Aliança” (o sinal visível da presença de Deus no meio do seu Povo), convertendo assim a nova capital do reino em cidade santa para todas as tribos (cf. 2 Sm 6,1-23).

    Ora, uma vez em Jerusalém, a “Arca” pedia um Templo adequado para lhe dar abrigo. David pensou em construir esse Templo; mas o profeta Natã, inspirado por Javé, segundo o teólogo deuteronomista, opôs-se. Encontramos aqui o eco de uma disputa que dividirá durante muito tempo o Povo de Deus… Para alguns ambientes proféticos, o Templo era uma ofensa a Deus, uma tentativa de encerrá-l’O, em vez de deixar-se guiar por Ele. Javé é visto pelos teólogos do Povo de Deus como um Deus “nómada”, que acompanha o seu Povo pelos caminhos da vida e da história e que não tem um lugar fixo, limitado, fechado, para se encontrar com os homens.

    MENSAGEM

    David não irá construir um Templo para Deus habitar. Mas se David não pode dar “estabilidade” ao Senhor, este pode dar estabilidade a David e ao Povo de Deus. Jogando com o duplo significado da palavra hebraica “bait” (“casa”), que pode usar-se para definir a casa de pedra (“Templo”) e a casa real (“família”, “dinastia”), o teólogo deuteronomista explica que, se David não vai construir uma “casa” (Templo) para Deus, Deus vai construir uma “casa” (família) para David (“o Senhor anuncia que te vai fazer uma casa” – vers. 11). Trata-se da “Aliança davídica”, que constitui a família de David como depositária das promessas divinas e garantia de um futuro de estabilidade, de segurança, de paz para o Povo de Deus.

    Esta “Aliança” garante – quer a David, quer a todo o Povo de Deus – quatro elementos fundamentais: em primeiro lugar, garante uma relação especial entre Javé e a descendência de David, expressa em termos de filiação (“serei para ele um pai e ele será para mim um filho” – 2 Sm 7,14a); em segundo lugar, garante que, através dos reis descendentes de David, o próprio Javé cuidará do seu Povo e o conduzirá pelos caminhos da vida e da história (cf. 2 Sm 7,8.12.16; em terceiro lugar, garante a prosperidade, a paz e a justiça para o Povo de Deus (cf. 2 Sm 7,10); em quarto lugar, garante a eternidade da dinastia e da nação (cf. 2 Sm 7,16). Trata-se de uma “promessa” que põe em relevo a fidelidade de Deus ao seu Povo, o seu amor nunca desmentido e mil vezes provado na história, a sua vontade de cuidar do seu Povo, de o libertar e de o conduzir ao encontro da salvação e da vida. Nesta “promessa”, Javé revela-se como esse Deus peregrino, permanentemente a caminho com o seu Povo e que, ao longo dessa caminhada, se vai revelando como a rocha segura e firme na qual o Povo de Deus encontra a salvação.

    A profecia de Natã constitui o ponto de partida do chamado “messianismo régio”: a promessa de Deus rapidamente extravasa o filho e sucessor de David (Salomão), para se dirigir a uma figura de rei “ideal”, que dará cumprimento a todas as aspirações e esperanças que o Povo depositava na dinastia davídica.

    Esta “profecia/promessa” tornar-se-á, com o passar do tempo, um dos artigos fundamentais da fé de Israel. Sobretudo em épocas dramáticas de crise e de angústia nacional, a “Aliança davídica” será um “capital de esperança” que ajudará o Povo a enfrentar as vicissitudes da história. O Povo de Deus passará, então, a sonhar com um Messias, da descendência de David, que oferecerá ao Povo de Deus um futuro de liberdade, de abundância, de fecundidade, de paz e de bem-estar sem fim.

    INTERPELAÇÕES

    • A questão fundamental que o texto coloca é a da atitude de Deus diante dos seres humanos e do mundo. O autor deste texto está seguro de que Javé, o Senhor da história, se preocupa com o caminho que os homens percorrem e encontra sempre forma de derramar o seu amor e a sua bondade sobre o Povo que ele próprio elegeu. Numa época em que a cultura dominante parece apostada em decretar a “morte” de Deus, ou em torná-lo uma inofensiva figura de cera arrumada no velho museu das experiências pré-racionais, é importante para nós, crentes, não esquecermos esta certeza que a Palavra de Deus nos deixa: o nosso Deus preside à história humana, vem continuamente ao encontro dos homens, faz com eles uma Aliança, oferece-lhes a paz e a justiça e aponta-lhes o caminho para a verdadeira vida, a verdadeira liberdade, a verdadeira salvação.
    • Se é Deus quem conduz a história humana, não temos razões para vivermos paralisados pelo medo e pela angústia. Mesmo que a humanidade insista em inventar mecanismos de violência, de injustiça, de opressão, de exploração, Deus saberá conduzir a história dos homens e do mundo a bom porto, de acordo com o seu projeto de amor e de salvação. Conscientes do amor e da solicitude de Deus, temos de encarar a vida com otimismo, com esperança e com confiança, mesmo quando as forças da morte parecerem controlar a nossa história e levantar obstáculos no nosso caminho.
    • Nestes dias que antecedem o Natal, é preciso ter consciência de que a promessa de Deus a David se concretiza em Jesus. Ele é esse “rei” da descendência de David que Deus enviou ao nosso encontro para nos apontar o caminho para o reino da justiça, da paz, do amor e da felicidade sem fim. Que acolhimento é que esse “rei” encontra no nosso coração e na nossa vida? Na nossa vida, sempre tão cheia e tão ocupada, há espaço para Jesus?
    • Mais uma vez, a Palavra deixa claro que Deus intervém no mundo e concretiza os seus projetos de salvação através de homens a quem Ele confia determinada missão (“tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos, para seres o chefe do meu povo de Israel”). Estou disponível para que Deus, através de mim, possa continuar a oferecer a salvação aos meus irmãos, particularmente aos pobres, aos humildes, aos marginalizados, aos excluídos do mundo?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 88 (89)

    Refrão 1:  Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor.

    Refrão 2:  Senhor, cantarei eternamente a vossa bondade.

     

    Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor
    e para sempre proclamarei a sua fidelidade.
    Vós dissestes: «A bondade está estabelecida para sempre»,
    no céu permanece firme a vossa fidelidade.

     

    «Concluí uma aliança com o meu eleito,
    fiz um juramento a David meu servo:
    ‘Conservarei a tua descendência para sempre,
    estabelecerei o teu trono por todas as gerações’».

     

    «Ele Me invocará: ‘Vós sois meu Pai,
    meu Deus, meu Salvador’.
    Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor,
    a minha aliança com ele será irrevogável».

     

    LEITURA II – Rom 16,25-27

     

    Irmãos:
    Seja dada glória a Deus,
    que tem o poder de vos confirmar,
    segundo o Evangelho que eu proclamo,
    anunciando Jesus Cristo.
    Esta é a revelação do mistério
    que estava encoberto desde os tempos eternos,
    mas agora foi manifestado
    e dado a conhecer a todos os povos
    pelas escrituras dos Profetas,
    segundo a ordem do Deus eterno,
    dado a conhecer a todos os gentios
    para que eles sejam conduzidos à obediência da fé.
    A Deus, o único sábio,
    por Jesus Cristo,
    seja dada glória pelos séculos dos séculos. Amen.

     

    CONTEXTO

    No final da década de 50 (a Carta aos Romanos apareceu por volta de 57/58), multiplicavam-se as “crises” entre os cristãos oriundos do mundo judaico e os cristãos oriundos do mundo pagão. Uns e outros tinham perspetivas diferentes da salvação e da forma de viver o compromisso com Jesus Cristo e com o seu Evangelho. Os cristãos de origem judaica consideravam que, além da fé em Jesus Cristo, era necessário cumprir as obras da Lei (nomeadamente a prática da circuncisão) para ter acesso à salvação; mas os cristãos de origem pagã recusavam-se a aceitar a obrigatoriedade das práticas judaicas. Era uma questão “quente”, que ameaçava a unidade da Igreja. Este problema também era sentido pela comunidade cristã de Roma.

    Neste cenário, Paulo vai mostrar a todos os crentes (a Carta aos Romanos, mais do que uma carta para a comunidade cristã de Roma, é uma carta para as comunidades cristãs, em geral) a unidade da revelação e da história da salvação: judeus e não judeus são, de igual forma, chamados por Deus à salvação; o essencial não é cumprir a Lei de Moisés – que nunca assegurou a ninguém a salvação; o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a todos, por Jesus Cristo.

    O texto que nos é proposto apresenta-nos os últimos versículos da Carta aos Romanos. Trata-se de uma solene doxologia final que não parece, contudo, ser de Paulo (ainda que os conceitos sejam paulinos, a terminologia é diferente). Provavelmente, constituía o remate final do epistolário paulino, numa antiga edição do mesmo. Trata-se de um texto maduramente refletido e trabalhado, sem dúvida fruto de uma profunda reflexão teológica levada a cabo no seio da comunidade cristã. O seu autor foi, certamente, um cristão dos finais do século I ou dos princípios do séc. II. Profundo conhecedor da teologia paulina e absolutamente comprometido com a Igreja a que pertencia, este cristão procurou sintetizar nestes versículos toda a doutrina do apóstolo Paulo.

    MENSAGEM

    Paulo termina a Carta aos Romanos dando glória a Deus. A palavra “mistério” (mystêrion”) é central não só nesta doxologia, mas em toda a teologia paulina, referindo-se ao plano de salvação que Deus tem para o para o mundo e para os seres humanos. Oculto durante muitos séculos, o “mistério” foi plenamente manifestado em Cristo, nas suas palavras, nos seus gestos, sobretudo na sua morte e na sua ressurreição; revelado aos apóstolos e aos profetas pelo Espírito Santo, o “mistério” foi depois transmitido a todos os povos – nomeadamente aos pagãos – para fazer deles membros de um único corpo (o “Corpo de Cristo”) e para associá-los à herança de Cristo (cf. 1 Cor 2,1.7; Ef 1,9;3,3-10;6,19; Col 1,26-27;2,2;4,3).

    Diante da iniciativa salvadora de Deus concretizada através dos tempos e agora desvelada, como é que o crente deve reagir? Reconhecendo o amor e a solicitude de Deus, bem evidentes na sua ação salvadora, o crente agradece, louva, honra e adora. E a comunidade acolhe e apoia esta sugestão, respondendo: “amen” (vers. 27).

    INTERPELAÇÕES

    • A segunda leitura reitera a mensagem fundamental da primeira: Deus tem um projeto de salvação em nosso favor. O facto de esse projeto existir “desde os tempos eternos” mostra que a preocupação e o amor de Deus pelos seus filhos não são um facto acidental ou uma moda passageira, mas algo que faz parte do ser de Deus e que está desde sempre no plano de Deus. Não esqueçamos isto: não somos seres abandonados à nossa sorte, perdidos e à deriva num universo sem fim; mas somos seres amados por Deus, pessoas únicas e irrepetíveis que Deus ama, cuida e guia pela história. A meta final para onde Ele nos conduz é a vida plena, a felicidade sem fim, a salvação. Esta convicção deve encher os nossos corações de alegria, de esperança e de gratidão.
    • A leitura deixa ainda claro que esse projeto de salvação foi totalmente revelado em Jesus Cristo, no seu amor até ao extremo, nos seus gestos de bondade e de misericórdia, na sua atitude de doação e de serviço, no seu anúncio do Reino de Deus. Prepararmo-nos para o Natal significa preparar o nosso coração para acolher Jesus, para aceitar os seus valores, para compreender o seu jeito de viver, para aderir ao projeto de salvação que, através d’Ele, Deus Pai nos oferece.

    ALELUIA – Lucas 1,38

     

    Aleluia. Aleluia.

    Eis a escrava do Senhor:
    faça-se em mim segundo a vossa palavra.

     

    EVANGELHO – Lucas 1,26-38

    Naquele tempo,
    o Anjo Gabriel foi enviado por Deus
    a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,
    a uma Virgem desposada com um homem chamado José,
    que era descendente de David.
    O nome da Virgem era Maria.
    Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo:
    «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
    Ela ficou perturbada com estas palavras
    e pensava que saudação seria aquela.
    Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria,
    porque encontraste graça diante de Deus.
    Conceberás e darás à luz um Filho,
    a quem porás o nome de Jesus.
    Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
    O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
    reinará eternamente sobre a casa de Jacob,
    e o seu reinado não terá fim».
    Maria disse ao Anjo:
    «Como será isto, se eu não conheço homem?»
    O Anjo respondeu-lhe:
    «O Espírito Santo virá sobre ti
    e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
    Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
    E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice,
    e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril;
    porque a Deus nada é impossível».
    Maria disse então:
    «Eis a escrava do Senhor;
    faça-se em mim segundo a tua palavra».
    E o anjo retirou-se de junto dela.

     

    CONTEXTO

    O texto de Lucas que nos é proposto neste quarto domingo do advento pertence ao chamado “Evangelho da Infância”. Ora, os “Evangelhos da Infância de Jesus” (quer o de Mateus, quer o de Lucas) enquadram-se num género literário próprio, que recorre às técnicas do midrash haggádico (uma técnica de leitura e de interpretação do texto sagrado usada pelos rabis judeus) para nos apresentar o mistério de Jesus. A preocupação dos evangelistas que nos legaram os “Evangelhos da Infância” não é apresentar um relato factual dos acontecimentos dos primeiros anos de Jesus, mas sim oferecer às suas comunidades uma catequese que proclame determinadas realidades salvíficas (que Jesus é o Messias, que Ele vem de Deus, que Ele é o “Deus connosco”). Com recurso a tipologias (correspondência entre certos factos e pessoas do Antigo Testamento e outros factos e pessoas do Novo Testamento), a manifestações apocalípticas (anjos, aparições, sonhos) e a outros recursos literários, Mateus e Lucas tecem as suas catequeses sobre Jesus, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens. O Evangelho que nos é hoje proposto deve ser entendido a esta luz e neste enquadramento.

    A cena situa-nos numa aldeia da Galileia, chamada Nazaré. A Galileia, região a norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, era considerada pelos judeus uma terra longínqua e estranha, em permanente contacto com as populações pagãs e onde se praticava uma religião heterodoxa, influenciada pelos costumes e pelas tradições pagãs. Daí a convicção dos mestres judeus de Jerusalém de que “da Galileia não pode vir nada de bom”. Quanto a Nazaré, era uma aldeia pobre e ignorada, nunca nomeada na história religiosa judaica e, portanto (de acordo com a mentalidade judaica), completamente à margem dos caminhos de Deus e da salvação.

    Maria, a jovem de Nazaré que está no centro deste episódio, era “uma virgem desposada com um homem chamado José”. O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro (os “esponsais”); só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo (as cerimónias do matrimónio propriamente dito). Entre os “esponsais” e o rito do matrimónio, passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes podia voltar atrás, ainda que sofrendo uma penalidade. Durante os “esponsais”, os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um carácter estável, de tal forma que, se surgia um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da “prometida” como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (cf. Dt 22,23-27). E a união entre os dois “prometidos” só podia dissolver-se com a fórmula jurídica do divórcio. José e Maria estavam, portanto, na situação de “prometidos”: ainda não tinham celebrado o matrimónio, mas já tinham celebrado os “esponsais”.

     

    MENSAGEM

    Depois da apresentação do “ambiente” do quadro, Lucas apresenta o diálogo entre Maria e o anjo.

    A conversa começa com a saudação do anjo. Na boca deste, são colocados termos e expressões com ressonância vétero-testamentária, ligados a contextos de eleição, de vocação e de missão. Assim, o termo “ave” (em grego, “kaire”) com que o anjo se dirige a Maria é mais do que uma saudação: é o eco dos anúncios de salvação à “filha de Sião” – uma figura fraca e delicada que personifica o Povo de Israel, em cuja fraqueza se apresenta e representa essa salvação oferecida por Deus e que Israel deve testemunhar diante dos outros povos (cf. 2 Re 19,21-28; Is 1,8;12,6; Jer 4,31; Sof 3,14-17). A expressão “cheia de graça” significa que Maria é objeto da predileção e do amor de Deus. A outra expressão, “o Senhor está contigo”, é uma expressão que aparece com frequência ligada aos relatos de vocação no Antigo Testamento (cf. Ex 3,12 – vocação de Moisés; Jz 6,12 – vocação de Gedeão; Jer 1,8.19 – vocação de Jeremias) e que serve para assegurar ao “chamado” a assistência de Deus na missão que lhe é pedida. Estamos, portanto, diante do “relato de vocação” de Maria: a visita do anjo destina-se a apresentar à jovem de Nazaré uma proposta de Deus. Essa proposta vai exigir uma resposta clara de Maria.

    Qual é, então, o papel proposto a Maria no projeto de Deus?

    A Maria, Deus propõe que aceite ser a mãe de um “filho” especial… Desse “filho” diz-se, em primeiro lugar, que Ele se chamará “Jesus”, nome que significa “Deus salva”. Além disso, esse “filho” é apresentado pelo anjo como o “Filho do Altíssimo”, que herdará “o trono de seu pai David” e cujo reinado “não terá fim”. As palavras do anjo levam-nos a 2 Sm 7 e à promessa feita por Deus ao rei David através das palavras do profeta Natã. Esse “filho” é descrito nos mesmos termos em que a teologia de Israel descrevia o “Messias” libertador. O que é proposto a Maria é, pois, que ela aceite ser a mãe desse “Messias” que Israel esperava, o libertador enviado por Deus ao seu Povo para lhe oferecer a vida e a salvação definitivas.

    Como é que Maria responde ao projeto de Deus?

    A resposta de Maria começa com uma objeção… A objeção faz sempre parte dos relatos de vocação do Antigo Testamento (cf. Ex 3,11;6,30; Is 6,5; Jer 1,6). É uma reação natural de um “chamado”, assustado com a perspetiva do compromisso com algo que o ultrapassa; mas é, sobretudo, uma forma de evidenciar a grandeza e o poder de Deus que, apesar da fragilidade e das limitações dos “chamados”, faz deles instrumentos da sua salvação no meio dos homens e do mundo.

    Diante da “objeção”, o anjo garante a Maria que o Espírito Santo virá sobre ela e a cobrirá com a sua sombra. Este Espírito é o mesmo que foi derramado sobre os juízes (Oteniel – cf. Jz 3,10; Gedeão – cf. Jz 6,34; Jefté – cf. Jz 11,29; Sansão – cf. Jz 14,6), sobre os reis (Saul – cf. 1 Sm 11,6; David – cf. 1 Sm 16,13), sobre os profetas (cf. Maria, a profetisa irmã de Aarão – cf. Ex 15,20; os anciãos de Israel – cf. Nm 11,25-26; Ezequiel – cf. Ez 2,1; 3,12; o Trito-Isaías – cf. Is 61,1), a fim de que eles pudessem ser uma presença eficaz da salvação de Deus no meio do mundo. A “sombra” ou “nuvem” leva-nos também à “coluna de nuvem” (cf. Ex 13,21) que acompanhava a caminhada do Povo de Deus em marcha pelo deserto, indicando o caminho para a Terra Prometida da liberdade e da vida nova. O mesmo Deus que outrora acompanhou o seu Povo ao longo do caminho pelo deserto, vai estar com Maria e, através dela, fazer-se presente no caminho dos homens para os conduzir à salvação.

    O relato termina com a resposta final de Maria: “eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”. Afirmar-se como “serva” significa, mais do que humildade, reconhecer que se é um eleito de Deus e aceitar essa eleição, com tudo o que ela implica; no Antigo Testamento, ser “servo do Senhor” é um título de glória, reservado àqueles que Deus escolheu, que Ele reservou para o seu serviço e que Ele enviou ao mundo com uma missão (essa designação aparece, por exemplo, no Deutero-Isaías – cf. Is 42,1;49,3;50,10;52,13;53,2.11 – em referência à figura enigmática do “servo de Javé”). Desta forma, Maria reconhece que Deus a escolheu, aceita com disponibilidade essa escolha e manifesta a sua disposição de cumprir, com fidelidade, o projeto de Deus.

    INTERPELAÇÕES

    • Também o Evangelho deste domingo, na linha das outras duas leituras, afirma, de forma clara e insofismável, que Deus ama os homens e, na sua solicitude de Pai, tem um projeto de vida plena para lhes oferecer. Esta certeza tem de servir de âncora a toda a nossa vida e acompanhar cada passo que damos. Esta certeza muda a nossa perspetiva das coisas e permite-nos ver a vida com as cores da alegria, da confiança e da esperança.
    • Como é que esse Deus cheio de amor pelos seus filhos intervém na história humana e concretiza, dia a dia, a sua oferta de salvação? A história de Maria de Nazaré, bem como a de tantos outros “chamados”, responde, de forma clara, a esta questão: é através de homens e mulheres atentos aos projetos de Deus e de coração disponível para o serviço dos irmãos, que Deus atua no mundo, que Ele manifesta aos homens o seu amor, que Ele convida cada pessoa a percorrer os caminhos da felicidade e da realização plena. Já pensámos que é através dos nossos gestos de amor, de partilha e de serviço que Deus Se torna presente no mundo e transforma o mundo?
    • Neste domingo que precede o Natal de Jesus, a história de Maria mostra como é possível fazer Jesus nascer no mundo: através de um “sim” incondicional aos projetos de Deus. É preciso que, através dos nossos “sins” de cada instante, da nossa disponibilidade e entrega, Jesus possa vir ao mundo e oferecer aos nossos irmãos – particularmente aos pobres, aos humildes, aos infelizes, aos marginalizados – a salvação e a vida de Deus.
    • Outra questão é a dos instrumentos de que Deus se serve para realizar os seus planos… Maria era uma jovem mulher de uma aldeia obscura dessa “Galileia dos pagãos” de onde não podia “vir nada de bom”. Não consta que tivesse uma significativa preparação intelectual, extraordinários conhecimentos teológicos, ou amigos poderosos nos círculos de poder e de influência da Palestina de então. Apesar disso, foi escolhida por Deus para desempenhar um papel primordial na etapa mais significativa na história da salvação. A história vocacional de Maria deixa claro que, na perspetiva de Deus, não são o poder, a riqueza, a importância ou a visibilidade social que determinam a capacidade para levar a cabo uma missão. Deus age através de homens e mulheres, independentemente das suas qualidades humanas. O que é decisivo é a disponibilidade e o amor com que se acolhem e testemunham as propostas de Deus.

     

    • Diante dos apelos de Deus ao compromisso, qual deve ser a resposta do homem? É aí que somos colocados diante do exemplo de Maria… Confrontada com os planos de Deus, Maria responde com um “sim” total e incondicional. Naturalmente, ela tinha o seu programa de vida e os seus projetos pessoais; mas, diante do apelo de Deus, esses projetos pessoais passaram naturalmente e sem dramas a um plano secundário. Na atitude de Maria não há qualquer sinal de egoísmo, de comodismo, de orgulho, mas há uma entrega total nas mãos de Deus e um acolhimento radical dos caminhos de Deus. O testemunho de Maria é um testemunho que questiona e que nos interpela… Que atitude assumimos diante dos projetos de Deus: acolhemo-los sem reservas, com amor e disponibilidade, numa atitude de entrega total a Deus, ou assumimos uma atitude egoísta de defesa intransigente dos nossos projetos pessoais e dos nossos interesses particulares?
    • É possível alguém entregar-se tão cegamente a Deus, sem reservas, sem medir os prós e os contras? Como é que se chega a esta confiança incondicional em Deus e nos seus projetos? Naturalmente, não se chega a esta confiança cega em Deus e nos seus planos sem uma vida de diálogo, de comunhão, de intimidade com Deus. Maria de Nazaré foi certamente uma mulher para quem Deus ocupava o primeiro lugar e era a prioridade fundamental. Maria de Nazaré foi seguramente uma pessoa de oração e de fé, que fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a confiar totalmente n’Ele. No meio da agitação de todos os dias, encontro tempo e disponibilidade para ouvir Deus, para viver em comunhão com Ele, para tentar perceber os seus sinais nas indicações que Ele me dá?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4.º DOMINGO DO ADVENTO
    (adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

     

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 4.º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.

    - DAVID. Estamos habituados a viver o 4.º Domingo do Advento, bem próximo do Natal, com Maria. Este ano, a grande narração da Anunciação (Evangelho) pode centrar a nossa atenção na preparação da liturgia… Mas talvez possamos entrar neste domingo com outra chave de leitura, perguntando se Deus sempre quis ter necessidade dos homens. De facto, segundo a primeira leitura, é Ele que finalmente fará uma casa para David; mas David e o profeta Natã são homens que Deus escolheu entre o seu povo para O ajudar na sua missão de salvação.

    - MARIA. Esta escolha de Deus culmina em Maria, a humilde serva. Deus quer ter necessidade de uma mulher para trazer ao mundo o seu Filho bem-amado. Do mesmo modo que escolheu, desde sempre, homens para cumprir em seu nome missões particulares, Ele escolhe agora uma mulher para a missão suprema de trazer o corpo do seu Filho único. Este domingo celebra ao mesmo tempo a humildade de Deus e a humildade de Maria. Mais do que nunca, a sobriedade da liturgia deverá ser tida em conta. A narração da Anunciação é um dos relatos alegres do Evangelho… bem expressos pelos pintores ao longo dos tempos…

    - E NÓS? Celebrar este domingo, meditar a importantíssima missão confiada a Maria e a resposta tão generosa que não hesitou em dar ao Senhor convida-nos também a nos interrogarmos sobre a nossa própria missão: o que é que Deus, na nossa humilde medida, nos confia? Em quê, por quê, conta Ele com cada um de nós? Para que seja verdadeiramente Natal, dentro de alguns dias, na nossa terra, Ele tem sem dúvida necessidade dos discípulos do seu Filho… Professamos hoje a nossa fé num Deus que, diz São Paulo, tem o poder de nos confirmar (segunda leitura): acendendo a nossa quarta vela do Advento, que esta força seja verdadeiramente reavivada nos nossos corações.

     

    3. PALAVRA DE VIDA.

    Maria, humilde jovem de Nazaré, fervorosa crente judia, esperava a realização da promessa de Deus. Ela entra em diálogo com Deus, é a sua Anunciação. Deus, como sempre, toma a iniciativa: Ele vem, de improviso, ao encontro daquela que encheu de graças e com a qual Ele já está. Maria está perturbada porque Deus surpreende sempre. Deus tranquiliza-a, lembrando-lhe que é Ele que toma a iniciativa. Ele quer associar uma das suas criaturas ao seu projeto de salvação: o filho chamar-se-á “Jesus”, “Deus salva”. Maria interroga antes de dar a sua resposta: “Como será isso?” Ela procura esclarecer a sua fé. Deus responde-lhe, assegurando-lhe a sua presença pelo seu Espírito, e Ele dá-lhe um sinal, porque sabe que as suas criaturas precisam de sinais para crer: a sua prima conceberá na sua velhice. E Ele recorda-lhe que nada Lhe é impossível. Maria dá a sua resposta: a Palavra de Deus é segura, ela pode ter confiança. E esta Palavra torna-se carne na sua carne.

     

    4. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Fazer ressoar o Evangelho da Anunciação… Bem perto do Natal, a Anunciação dá o verdadeiro sentido da festa: vamos celebrar o mistério da Encarnação do Filho de Deus. Portanto, o Evangelho deverá ter um lugar central. Aliás, a oração da coleta, a primeira leitura e a oração sobre as oferendas evocam também o mesmo mistério. O Evangeliário pode ser trazido em procissão com solenidade e apresentado à assembleia, acompanhado de um cântico. Uma possibilidade de acolher o Evangelho pela oração será introduzir a “Ave-Maria” durante o Evangelho: lê-se o Evangelho até “o Senhor está contigo”; a assembleia reza a primeira parte da “Ave-Maria”; o leitor continua a leitura do Evangelho até ao fim e a assembleia reza a segunda parte da “Ave-Maria”. A homilia/meditação ajudará os fiéis a descobrir o papel de Maria no mistério do Natal.

     

    5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Tomar uma decisão que comprometa… Maria ajuda-nos a dar o salto da fé, ela é o nosso modelo, mas ao mesmo tempo é nossa Mãe: podemos, pois, ter confiança e encontrar junto dela todo o reconforto de que precisamos. Bem perto do Natal, com Maria, procuremos tomar uma decisão que comprometa a nossa fé, de encontrar um ritmo mais regular para a oração, de prever uma paragem espiritual (tempo de retiro, por breve que seja…) antes do Natal para fazer o ponto da situação da nossa vida com o Senhor.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

    Natal do Senhor - Missa da Meia-noite - Ano B [ATUALIZADO]

    Natal do Senhor - Missa da Meia-noite - Ano B [ATUALIZADO]

    24 de Dezembro, 2023

    ANO B

    NATAL DO SENHOR – MISSA DA MEIA-NOITE

     

    Tema da “Missa da Meia-noite”

    A liturgia desta noite envolve-nos nessa incrível história de amor que Deus quis viver com os homens. Fala-nos de um Deus que não hesita em vir ao encontro dos seus filhos peregrinos na terra para os abraçar, para fazer caminho com eles e para lhes dar Vida. Nesta noite, Deus apresenta-Se aos homens na figura de uma criança, frágil e indefesa, e pede-nos que o acolhamos no nosso coração e na nossa vida.

    Na primeira leitura, um profeta anuncia a chegada de “um menino”, da descendência de David, dom de Deus ao seu Povo; esse “menino” eliminará a guerra, o ódio, o sofrimento e inaugurará uma era de alegria, de felicidade e de paz sem fim.

    O Evangelho apresenta a realização da promessa profética: Jesus, o “Menino de Belém”, é o Deus que vem ao encontro dos homens para lhes oferecer – sobretudo aos pobres e marginalizados – a sua salvação. A oferta da salvação que, através desse “Menino” nos é feita, vem embrulhada com ternura e amor. Tem, portanto, o selo de Deus.

    A segunda leitura convida-nos a reconhecer a graça de Deus que nos foi manifestada com a vinda de Jesus; e propõe que respondamos a esse dom com uma vida autêntica e comprometida, que nos leve a identificar-nos com Cristo e a realizar as suas obras.

     

    LEITURA I – Isaías 9,1-6

     

    O povo que andava nas trevas viu uma grande luz;
    para aqueles que habitavam nas sombras da morte
    uma luz começou a brilhar.
    Multiplicastes a sua alegria,
    aumentastes o seu contentamento.
    Rejubilam na vossa presença,
    como os que se alegram no tempo da colheita,
    como exultam os que repartem despojos.
    Vós quebrastes, como no dia de Madiã,
    o jugo que pesava sobre o povo,
    o madeiro que ele tinha sobre os ombros
    e o bastão do opressor.
    Todo o calçado ruidoso da guerra
    e toda a veste manchada de sangue
    serão lançados ao fogo e tornar-se-ão pasto das chamas.
    Porque um menino nasceu para nós,
    um filho nos foi dado.
    Tem o poder sobre os ombros
    e será chamado «Conselheiro Admirável, Deus forte,
    Pai eterno, Príncipe da paz».
    O seu poder será engrandecido numa paz sem fim,
    sobre o trono de David e sobre o seu reino,
    para o estabelecer e consolidar por meio do direito e da justiça,
    agora e para sempre.
    Assim o fará o Senhor do Universo.

     

    CONTEXTO

    No Livro do profeta Isaías aparece um conjunto de oráculos ditos “messiânicos”, que falam desse mundo de justiça e de paz que Deus, num futuro sem data marcada, vai oferecer ao seu Povo. No entanto, não é seguro se esses textos provêm do profeta, ou se são oráculos posteriores, que o editor final da obra de Isaías enxertou no texto original do profeta… É o caso deste texto que nos é proposto.

    Se for de Isaías, o nosso texto pertence, provavelmente, à fase final da vida do profeta… Estamos na época do rei Ezequias, no final do séc. VIII a.C.; o rei, desdenhando as indicações do profeta (para quem as alianças políticas são sintoma de grave infidelidade para com Javé, pois significam colocar a confiança e a esperança nos homens), envia embaixadas ao Egipto, à Fenícia e à Babilónia, procurando consolidar uma frente contra a grande potência daquela época – a Assíria. A resposta de Senaquerib, rei da Assíria, não tarda: tendo vencido, sucessivamente, os membros da coligação, volta-se contra Judá, devasta o país e põe cerco a Jerusalém (701 a.C.). Ezequias tem de submeter-se e fica a pagar um pesado tributo aos assírios.

    Desiludido com os reis e com a política, o profeta teria, então, começado a sonhar com um tempo novo onde a justiça, o direito e o “temor de Deus” se sobreporão à guerra, à injustiça, à prepotência dos poderosos. Este texto pode ser dessa época.

    O “menino” aqui referenciado, da descendência de David, pode também estar relacionado com o “Emanuel” de Is 7,14-17. Trata-se, em qualquer caso, de um texto que vai alimentar a esperança messiânica e que vai potenciar o sonho de um futuro novo, de paz e de felicidade para o Povo de Deus.

     

    MENSAGEM

    Para descrever a situação de opressão, de frustração, de desespero, de falta de perspetivas, de desconfiança em relação ao futuro em que a comunidade nacional estava mergulhada, o profeta fala de um “povo que andava nas trevas” e que habitava “nas sombras da morte”. O panorama é sombrio e parece não haver saída, pois os reis de Judá já provaram ser incapazes de conduzir o seu Povo em direção à felicidade e à paz.

    Mas, de repente, aparece uma “luz”. Essa luz acende outra vez a esperança e provoca uma explosão de alegria. Para descrever essa alegria, o profeta utiliza duas imagens extremamente sugestivas: é como quando, no fim das colheitas, toda a gente dança feliz celebrando a abundância dos alimentos; é como quando, após a caçada, os caçadores dividem a presa abundante.

    Mas porquê essa alegria e essa felicidade? Porque o jugo da opressão que pesava sobre o Povo foi quebrado e a paz deixou de ser uma miragem para se tornar uma realidade. No quadro que representa a vitória da paz, vemos os símbolos da guerra (o pesado calçado dos guerreiros e as roupas ensanguentadas) a serem destruídos pelo fogo. Quem é que provocou a alegria do Povo, derrotou a opressão, venceu a guerra, restaurou a paz? O autor não o diz claramente; mas ninguém duvida que tudo isso resulta da ação do Deus libertador.

    Como foi que Deus instaurou essa nova ordem? Foi através de “um menino”, enviado para restaurar o trono de David e para reinar no direito e na justiça (as palavras “mishpat” e “zedaqa”, utilizadas neste contexto, evocam uma sociedade onde as decisões dos tribunais fundamentam uma reta ordem social, onde os direitos dos pobres e dos oprimidos são respeitados e onde, enfim, há paz). O quádruplo nome desse “menino” evoca títulos de Deus ou qualidades divinas: o título “conselheiro maravilhoso” celebra a capacidade de conceber desígnios prodigiosos e é um atributo de Deus (cf. Is 25,1; 28,29); o título “Deus forte” é um nome do próprio Javé (cf. Dt 10,17; Jr 32,18; Sl 24,8); o título “príncipe da paz” leva também a Javé aquele que é “a paz” (cf. Is 11,6-9; Mi 5,4; Zac 9,10; Sl 72,3.7). Quanto ao título “Pai eterno”, é um título do rei (cf. 1 Sm 24,12 – e é um título dado ao faraó nas cartas de Tell el-Amarna). Fica, assim, claro que esse “menino” é um dom de Deus ao seu Povo e que, com Ele, Deus residirá no meio do seu Povo, oferecendo-lhe cada dia a justiça, o direito, a paz sem fim.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, o “Menino que nasceu para nós”, é quem dá sentido pleno a esta profecia messiânica de Isaías. Ele veio de Deus para nos ensinar a maneira de vencer as trevas e as sombras da morte; Ele fez-se nosso irmão para nos dizer, com linguagem dos homens, o que precisamos de fazer para que surja o mundo novo da justiça, da paz e da felicidade. O nascimento de Jesus significa que, efetivamente, este “Reino” chegou e encarnou no meio dos homens. Essa certeza deve iluminar esta noite e todas as noites que temos de atravessar no decurso da nossa peregrinação pela vida. Compete-nos, a cada momento e a cada passo, sermos arautos desta Boa Notícia.
    • Acolher Jesus, celebrar o seu nascimento, é aceitar esse projeto de justiça e de paz que Ele veio propor aos homens. Esforçamo-nos por tornar realidade o “Reino de Deus”? Como lidamos com a injustiça, a opressão, a guerra, a violência, o sofrimento que desfeia o mundo: com a indiferença de quem se acomodou e nada quer arriscar, ou com a inquietude profética que obriga ao compromisso com o “Reino de Deus”?
    • Em quê, ou em quem coloco eu a minha esperança e a minha segurança? Nesses líderes com pés de barro que me prometem tudo e se servem da minha ingenuidade para fins próprios? No dinheiro que me oferece bem estar material, mas não serve para comprar a paz do meu coração? Na satisfação que me dão os meus êxitos pessoais ou sociais, tantas vezes à custa de cedências aos valores em que acredito? Isaías diz que só podemos confiar em Deus e nesse “menino” que Ele mandou ao nosso encontro, se quisermos encontrar a “luz” e a paz.

     

    • Este texto de Isaías diz-nos algo de fundamental sobre Deus e o seu jeito de ser e de intervir na nossa história… Deus não se serve da força e do poder para mudar o mundo e para corrigir as nossas opções erradas; mas é através de um “menino” – símbolo máximo da fragilidade e da dependência – que Ele nos propõe o seu projeto de salvação. Temos consciência de que é na simplicidade e na humildade que Deus age no mundo? E nós seguimos os passos de Deus e respeitamos a sua lógica quando queremos propor algo aos nossos irmãos?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 95 (96)

    Refrão: Hoje nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor.

    Cantai ao Senhor um cântico novo,
    cantai ao Senhor, terra inteira,
    cantai ao Senhor, bendizei o seu nome.

    Anunciai dia a dia a sua salvação,
    publicai entre as nações a sua glória,
    em todos os povos as suas maravilhas.

    Alegrem-se os céus, exulte a terra,
    ressoe o mar e tudo o que ele contém,
    exultem os campos e quanto neles existe,
    alegrem-se as árvores das florestas.

    Diante do Senhor que vem,
    que vem para julgar a terra:
    Julgará o mundo com justiça
    e os povos com fidelidade.

     

    LEITURA II – Tito 2,1-14 

    Caríssimo:
    Manifestou-se a graça de Deus,
    fonte de salvação para todos os homens.
    Ele nos ensina a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos,
    para vivermos, no tempo presente,
    com temperança, justiça e piedade,
    aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória
    do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo,
    que Se entregou por nós,
    para nos resgatar de toda a iniquidade
    e preparar para Si mesmo um povo purificado,
    zeloso das boas obras.

     

    CONTEXTO

    Tito, o destinatário desta carta, é um cristão convertido por Paulo (cf. Tt 1,4), que acompanhou o apóstolo nalgumas missões importantes: participou com Paulo no Concílio de Jerusalém – cf. Ga 2,1-2; esteve com ele em Éfeso; por duas vezes, foi enviado a Corinto, a fim de resolver conflitos entre Paulo e essa comunidade – cf. 2 Cor 7,6-7; 8,16-17; e foi animador da Igreja de Creta (cf. Tt 1,5).

    No entanto, esta carta não parece ser de Paulo; parece, antes, ser um texto tardio, surgido quando a preocupação fundamental das comunidades cristãs já não se centrava na vinda iminente do Senhor, mas em definir a conduta dos cristãos no tempo presente. Estamos numa época de certo marasmo, em que muitos cristãos tinham perdido o entusiasmo inicial e estavam instalados numa fé morna e sem grandes exigências. Era preciso recordar os fundamentos da fé e exortar a uma vida cristã exigente e comprometida.

    Neste contexto, a preocupação fundamental do autor desta carta será reavivar o entusiasmo dos cristãos e apresentar-lhes conselhos práticos que os ajudem a viver, com coerência e com verdade, a sua fé.

     

    MENSAGEM

    Neste fragmento, verdadeiro centro e coração de toda a carta, o autor tenta dar aos cristãos razões válidas para viver uma vida cristã autêntica e comprometida. Quais são essas razões?

    A primeira é o amor (“kharis”) de Deus, que foi oferecido a todos os homens. A vinda de Jesus ao mundo – que nesta noite celebramos de forma especial – é a expressão por excelência desse amor. E é esse amor que possibilita, por um lado, a renúncia à impiedade e aos desejos deste mundo e, por outro lado, a vivência da temperança, da justiça e da piedade. Os discípulos de Jesus, destinatários desse amor renovador e transformador, devem estar sempre disponíveis para acolher o desafio de uma vida nova e comprometida com o Evangelho.

    A segunda é a esperança na manifestação gloriosa de Cristo, que convida os homens a perceber que a terra não é a sua pátria definitiva. Quem espera a segunda vinda de Cristo, percebe que só faz sentido olhar para os bens essenciais; consequentemente, desprezará os bens materiais, que só interessam a este mundo.

    A terceira é a obra redentora levada a cabo por Cristo. Cristo entregou-Se totalmente, até à morte, para nos salvar do egoísmo, do orgulho, do pecado e para fazer de nós homens novos. Ligados a Ele pelo batismo, tornamo-nos um com Ele e recebemos vida d’Ele… Se estamos ligados a Cristo e se recebemos d’Ele vida, essa vida tem de manifestar-se na nossa existência diária.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Temos consciência do amor de Deus e que a encarnação de Jesus é o sinal mais expressivo desse amor por nós? Sendo os destinatários de um tal amor, amamos Deus da mesma maneira? A nossa vida é uma resposta coerente ao amor de Deus – isto é, um compromisso autêntico com Deus, com os seus valores, com a sua forma de olhar para o mundo e para os outros homens e mulheres?
    • A nossa civilização ocidental institucionalizou e sacralizou uma série de valores efémeros (dinheiro, poder, êxito profissional, “status” social, bens de consumo…) e montou uma máquina de publicidade eficaz para os apresentar como a chave da verdadeira felicidade. No entanto, com frequência esses valores estão em absoluta contradição com os valores do Evangelho… Aprendemos, com Jesus, a ter um olhar crítico sobre os valores que o mundo nos propõe e a confrontar, dia a dia, a nossa vida com os valores do Evangelho?
    • É Cristo a nossa referência? É d’Ele que recebemos vida? O seu “jeito” de viver (no amor, na entrega, no dom da vida) foi assumido na nossa vida de todos os dias e na nossa relação com os irmãos que nos rodeiam?

     

    ALELUIA – Lucas 2,10-11

    Aleluia. Aleluia.

    Anuncio-vos uma grande alegria:
    Hoje nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor.

     

    EVANGELHO – Lucas 2,1-14 

    Naqueles dias,
    saiu um decreto de César Augusto,
    para ser recenseada toda a terra.
    Este primeiro recenseamento efetuou-se
    quando Quirino era governador da Síria.
    Todos se foram recensear, cada um à sua cidade.
    José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré,
    à Judeia, à cidade de David, chamada Belém,
    por ser da casa e da descendência de David,
    a fim de se recensear com Maria, sua esposa,
    que estava para ser mãe.
    Enquanto ali se encontravam,
    chegou o dia de ela dar à luz
    e teve o seu Filho primogénito.
    Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura,
    porque não havia lugar para eles na hospedaria.
    Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos
    e guardavam de noite os rebanhos.
    O Anjo do Senhor aproximou-se deles,
    e a glória do Senhor cercou-os de luz;
    e eles tiveram grande medo.
    Disse-lhes o Anjo: «Não temais,
    porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo:
    nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador,
    que é Cristo Senhor.
    Isto vos servirá de sinal:
    encontrareis um Menino recém-nascido,
    envolto em panos e deitado numa manjedoura».
    Imediatamente juntou-se ao Anjo
    uma multidão do exército celeste,
    que louvava a Deus, dizendo:
    «Glória a Deus nas alturas
    e paz na terra aos homens por Ele amados».

     

    CONTEXTO

    Nas primeiras linhas do evangelho que nos legou, Lucas avisa que investigou “cuidadosamente desde a origem” os factos relativos a Jesus, a fim de que os discípulos reconheçam “a solidez da doutrina” em que foram instruídos (Lc 1,3-4). Talvez isso explique a preocupação do evangelista em enquadrar, numa época e num espaço concreto, os acontecimentos que descreve: assim todos entenderão que os factos narrados não são lendas que se esfumam no nevoeiro dos séculos, mas sim acontecimentos reais, que podem situar-se num determinado momento da história dos homens.

    Há, no entanto, um problema… Lucas é um cristão de origem grega, que não conhece a Palestina e que tem noções muito básicas da história do Povo de Deus… Por isso, as suas indicações históricas e geográficas são, com alguma frequência, imprecisas e inexatas. Pode ser o caso das indicações fornecidas a propósito do cenário do nascimento de Jesus.

    De acordo com Lucas, Jesus nasceu em Belém de Judá, por altura de um recenseamento decretado por César Augusto (reinou entre 27 a.C. e 14 d.C.), quando Pôncio Sulpício Quirino era governador da Síria. Mas Quirino só assumiu o governo da Síria por volta do ano 6 d.C., isto é, vários anos após o nascimento de Jesus. É possível, contudo, que se trate do recenseamento ordenado por Sêncio Saturnino, prefeito da Síria entre os anos 9 e 6 a. C. (o que nos situa no arco de tempo em que podemos situar o nascimento de Jesus), e que se concluiu vários anos mais tarde, quando o governador da Síria era já Pôncio Sulpício Quirino.

    De qualquer forma, convém não esquecermos que o objetivo de Lucas não é escrever história, mas sim apresentar uma catequese sobre Jesus, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.

     

    MENSAGEM

    Uma primeira indicação importante vem da referência a Belém como o lugar do nascimento de Jesus… É uma indicação mais teológica do que geográfica: o objetivo do autor é sugerir que este Jesus é o Messias, da descendência de David (a família de David era natural de Belém), anunciado pelos profetas (cf. Miq 5,1). Fica, desta forma, claro que o nascimento de Jesus se integra no plano de salvação que Deus tem para os homens – plano que os profetas anunciaram e cuja realização o Povo de Deus aguardava ansiosamente.

    Uma segunda indicação importante resulta do “quadro” do nascimento. Lucas descreve com algum pormenor a pobreza e a simplicidade que rodeiam a vinda ao mundo do libertador dos homens: a falta de lugar na “sala” (o termo grego usado por Lucas pode designar uma “sala”, ou mesmo uma área de repouso das caravanas), a manjedoira dos animais a fazer de berço, os panos improvisados que envolvem o bebé, a visita dos pastores… É assim que Deus entra na nossa história. Esse Deus que vem ao nosso encontro para nos oferecer a salvação não se impõe pela força das armas, pelo poder do dinheiro ou pela eficácia de uma boa campanha publicitária; Ele apresenta-se aos homens na fragilidade de um recém-nascido e num cenário de simplicidade e de total despojamento. Um Deus assim, que se veste de simplicidade, de fragilidade e de ternura, nunca poderá ser uma ameaça para o homem. Ele não vem ao nosso encontro para nos submeter e dominar, mas sim para nos dizer o imenso amor que tem por nós.

    Uma terceira indicação é dada pela referência às “testemunhas” do nascimento: os pastores. Trata-se de gente considerada rude, violenta, marginal, que invadiam com os rebanhos as propriedades alheias e que tinham fama de se apropriar da lã, do leite e das crias do rebanho em benefício próprio. Eram, com frequência, colocados ao lado dos publicanos e dos cobradores de impostos pela rígida moral dos fariseus: uns e outros eram pecadores públicos, incapazes de reparar o mal que tinham feito, tantas eram as pessoas a quem tinham prejudicado. Ora, Lucas coloca, precisamente, esses marginais como as “testemunhas” que acolhem Jesus. O evangelista sugere, desta forma, que é para estes pecadores e marginalizados que Jesus vem; por isso, a chegada de um tal “salvador” é uma “boa notícia”: a partir de agora, os pobres, os débeis, os marginalizados, os pecadores são convidados a integrar a comunidade dos filhos amados de Deus. Eles vêm ao encontro dessa salvação que Deus lhes oferece, em Jesus, e são convidados a integrar a comunidade da nova aliança, a comunidade do “Reino”.

    Uma quarta indicação aparece nos títulos dados a Jesus pelos anjos que anunciam o nascimento: Ele é “o salvador, Cristo Senhor”. O título “salvador” era usado, na época de Lucas, para designar o imperador ou os deuses pagãos; Lucas, ao chamar Jesus desta forma, apresenta-O como a única alternativa possível a todos os absolutos que o homem cria… O título “Cristo” equivale a “Messias”: aplicava-se, no judaísmo palestinense do séc. I, a um rei, da descendência de David, que viria restaurar o reino ideal de justiça e de paz da época davídica; dessa forma, Lucas sugere que o “Menino de Belém” é esse rei esperado. O título “Senhor” expressa o carácter transcendente da pessoa de Jesus e o seu domínio sobre a humanidade. Com estes três títulos, a catequese lucana apresenta Jesus aos homens e define o seu papel e a sua missão.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O Menino de Belém leva-nos a contemplar o incrível amor de um Deus que Se preocupa até ao extremo com a vida e a felicidade dos homens e que envia o próprio Filho ao mundo para apresentar aos homens um projeto de salvação/libertação. Nesse Menino de Belém, Deus grita-nos a radicalidade do seu amor por nós. Nesta noite, deixemos que esta Boa Notícia invada o nosso coração e ilumine com as cores da esperança todo o horizonte onde nos movemos e existimos.
    • O presépio apresenta-nos a lógica de Deus que não é, tantas vezes, igual à lógica dos homens: a salvação de Deus não se manifesta nos encontros internacionais onde os donos do mundo decidem o destino dos homens, nem nos gabinetes ministeriais, nem nos conselhos de administração das multinacionais, nem nos salões onde se concentram as estrelas do jet-set, mas numa gruta de pastores onde brilha a fragilidade, a dependência, a ternura, a simplicidade de um bebé recém-nascido. Qual é a lógica com que abordamos o mundo: a lógica de Deus, ou a lógica dos homens?
    • A presença libertadora de Jesus neste mundo é uma “boa notícia” que devia encher de felicidade os pobres, os débeis, os marginalizados e dizer-lhes que Deus os ama, que quer caminhar com eles e que quer oferecer-lhes a salvação. É essa proposta que nós, os seguidores de Jesus, passamos ao mundo? Nós, Igreja, não estaremos demasiado ocupados a discutir questões laterais, esquecendo o essencial – o anúncio libertador aos pobres?
    • Jesus – o Jesus da justiça, do amor, da fraternidade e da paz – já nasceu, de forma efetiva, na vida de cada um de nós, nos nossos lares, nas nossas casas religiosas, nas nossas comunidades cristãs, no nosso mundo?
    • Nós, os que acolhemos Jesus e a proposta que Ele veio trazer, que fazemos para calar o ruído das armas e o derramamento de sangue, o choro das crianças vítimas da violência e da exploração, o silêncio ensurdecedor dos idosos condenados à solidão, o grito dos oprimidos e dos pobres que todos os dias são abandonados na berma do caminho que a humanidade vai percorrendo?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Natal do Senhor - Missa do Dia - Ano B [ATUALIZADO]

    Natal do Senhor - Missa do Dia - Ano B [ATUALIZADO]

    25 de Dezembro, 2023

    ANO B - NATAL DO SENHOR – MISSA DO DIA

    Tema da “Missa do Dia”

    A liturgia deste dia é, toda ela, um hino ao amor de Deus. Canta a iniciativa desse Deus que, por amor, se vestiu da nossa humanidade e “estabeleceu a sua tenda entre nós”. Em Jesus, o menino nascido em Belém, Deus veio ter connosco e falou-nos, com palavras e gestos humanos, para nos oferecer a Vida plena e para nos elevar à dignidade de “filhos de Deus”.

    Na primeira leitura, Isaías anuncia a chegada do Deus libertador. Ele é o rei que traz a paz e a salvação, proporcionando ao seu Povo uma era de felicidade sem fim. O profeta convida, pois, a substituir a tristeza pela alegria, o desalento pela esperança.

    A segunda leitura apresenta, em traços largos, o plano salvador de Deus. Insiste, sobretudo, que esse projeto alcança o seu ponto mais alto com o envio de Jesus, a “Palavra” de Deus que os homens devem escutar e acolher.

    O Evangelho desenvolve o tema esboçado na segunda leitura e apresenta a “Palavra” viva de Deus, tornada pessoa em Jesus. Sugere que a missão do Filho, “Palavra” viva de Deus, é completar a criação primeira, eliminando tudo aquilo que se opõe à vida e criando condições para que nasça o Homem Novo, o homem da vida em plenitude, o homem que vive uma relação filial com Deus.

     

    LEITURA II – Isaías 52,7-10

    Como são belos sobre os montes
    os pés do mensageiro que anuncia a paz,
    que traz a boa nova, que proclama a salvação
    e diz a Sião: «O teu Deus é Rei».
    Eis o grito das tuas sentinelas que levantam a voz.
    Todas juntam soltam brados de alegria,
    porque veem com os próprios olhos
    o Senhor que volta para Sião.
    Rompei todas em brados de alegria, ruínas de Jerusalém,
    porque o Senhor consola o seu povo,
    resgata Jerusalém.
    O Senhor descobre o seu santo braço à vista de todas as nações,
    e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.

     

    CONTEXTO

    Entre 586 e 539 a.C., o Povo de Deus experimenta a dura prova do Exílio na Babilónia. À frustração pela derrota e pela humilhação nacional, juntam-se as saudades de Jerusalém e o desespero por saber a cidade de Deus – orgulho de todo o israelita – reduzida a cinzas. Aos exilados, parece que Deus os abandonou definitivamente e que desistiu de Judá; alguns perguntam mesmo se Javé será o Deus libertador – como anunciava a teologia de Israel – ou será um “bluff”, incapaz de proteger o seu Povo e de salvar Judá. Rodeado de inimigos, perdido numa terra estranha, ameaçado na sua identidade, sem perspetivas de futuro, com a fé abalada, Judá está desolado e abandonado e não vê saída para a sua triste situação. Quando, já na fase final do Exílio, as vitórias de Ciro, rei dos Persas, anunciam o fim da Babilónia, os exilados começam a ver uma pequenina luz ao fundo do túnel; mas, então, a libertação aparece-lhes como o resultado da ação de um rei estrangeiro e não como resultado da intervenção libertadora de Deus… Ora, isso agrava ainda mais a crise de confiança em Javé por parte dos exilados.

    É neste contexto que aparece o testemunho profético do Deutero-Isaías. A sua mensagem nunca abandona o tom da consolação e da esperança (os capítulos que recolhem a palavra do Deutero-Isaías são, precisamente, conhecidos como “Livro da Consolação” – cf. Is 40-55); garante aos exilados que a libertação está próxima e é obra de Javé.

    O texto integra a segunda parte do “Livro da Consolação” (Is 49-55). Aí, o profeta, que na primeira parte (Is 40-48) havia, sobretudo, anunciado a libertação do cativeiro e um “novo êxodo” do Povo de Deus rumo à Terra Prometida, fala da reconstrução e da restauração de Jerusalém. O profeta garante que Deus não Se esqueceu da sua cidade em ruínas e vai voltar a fazer dela uma cidade bela e cheia de vida, como uma noiva em dia de casamento.

     

    MENSAGEM

    Para revitalizar a esperança dos exilados, o profeta põe-nos a contemplar um quadro, fictício, mas sugestivo quanto ao significado: à Jerusalém desolada e em ruínas, chega um mensageiro com uma “boa notícia”. Qual é essa “boa notícia”? Ele anuncia “a paz” (“shalom”: paz, bem-estar, harmonia, felicidade), proclama a “salvação” e promete o “reinado de Deus”. Deus assume-Se, portanto, como “rei” de Judá… Ele não reinará à maneira daqueles reis que conduziram o Povo por caminhos de egoísmo e de morte, de desgraça em desgraça até à catástrofe final do Exílio; mas Javé exercerá a realeza de forma a proporcionar a “salvação” ao seu Povo, isto é, inaugurando uma era de paz, de bem-estar, de felicidade sem fim.

    Num desenvolvimento muito belo, o profeta/poeta põe as sentinelas da cidade (alertadas pelo anúncio do “mensageiro”) a olhar na direção em que deve chegar o Senhor. De repente, soa o grito dessas sentinelas… Não é um grito de alarme, mas de alegria contagiante: elas veem o próprio Javé chegar e apresentar-se às portas da cidade, preparado para entrar. Com Deus, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, cheia de alegria e de festa. Finalmente, o profeta/poeta convida as próprias pedras da cidade em ruínas a cantar em coro, porque a libertação chegou. E a salvação que Deus oferece à sua cidade e ao seu Povo será testemunhada por toda a terra, como se o mundo estivesse de olhos postos na ação vitoriosa de Deus em favor de Judá.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A alegria pela libertação do cativeiro da Babilónia e pela “salvação” que Deus oferece ao seu Povo anuncia essa outra libertação, plena e total, que Deus vai oferecer ao seu Povo através de Jesus. É isso que celebramos hoje: o nascimento de Jesus significa que a opressão terminou, que chegou a paz definitiva, que o “reinado de Deus” alcançou a nossa história. Para que essa “boa notícia” se cumpra é, no entanto, necessário que nos disponibilizemos para acolher Jesus e para aderir ao “Reino” que Ele veio propor.
    • A alegria contagiante das sentinelas e os brados de contentamento das próprias pedras da cidade convidam-nos a acolher em festa o Deus que veio libertar-nos… Se temos consciência da opressão que, dia a dia, nos rouba a vida e nos impede de ser livres e felizes, certamente sentiremos um grande contentamento ao deparar com essa proposta de liberdade e de vida nova que Jesus veio trazer. Neste dia de Natal, a alegria que me enche o coração resulta da presença de Jesus na minha vida, ou resulta de valores mais efémeros e mais fúteis, ligados à vertigem consumista que alguns colam a esta festa?

     

    • As sentinelas atentas que, nas montanhas em redor de Jerusalém, identificam a chegada do Deus libertador são um modelo para nós: convidam-nos a ler atentamente os sinais da presença libertadora de Deus no mundo e a anunciar a todos os homens que Deus aí está, para reinar sobre nós e para nos oferecer a salvação e a paz. Somos sentinelas atentas que descobrem os sinais do Senhor nos caminhos da história e anunciam o seu “reinado”, ou somos sentinelas negligentes que não vigiam nem alertam e que, com a sua “demissão”, deixam que o Deus libertador seja acolhido com indiferença pelo povo da “cidade”?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)

    Refrão: Todos os confins da terra
                  viram a salvação do nosso Deus.

    Cantai ao Senhor um cântico novo
    pelas maravilhas que Ele operou.
    A sua mão e o seu santo braço
    Lhe deram a vitória.

    O Senhor deu a conhecer a salvação,
    revelou aos olhos das nações a sua justiça.
    Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
    em favor da casa de Israel.

    Os confins da terra puderam ver
    a salvação do nosso Deus.
    Aclamai o Senhor, terra inteira,
    exultai de alegria e cantai.

    Cantai ao Senhor ao som da cítara,
    ao som da cítara e da lira;
    ao som da tuba e da trombeta,
    aclamai o Senhor, nosso Rei.

     

    LEITURA II – Hebreus 1,1-6 

    Muitas vezes e de muitos modos
    falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas.
    Nestes dias, que são os últimos,
    falou-nos por seu Filho,
    a quem fez herdeiro de todas as coisas
    e pelo qual também criou o universo.
    Sendo o Filho esplendor da sua glória
    e imagem da sua substância,
    tudo sustenta com a sua palavra poderosa.
    Depois de ter realizado a purificação dos pecados,
    sentou-Se à direita da Majestade no alto dos Céus
    e ficou tanto acima dos Anjos
    quanto mais sublime que o deles
    é o nome que recebeu em herança.
    A qual dos Anjos, com efeito, disse Deus alguma vez:
    «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei»?
    E ainda: «Eu serei para Ele um Pai
    e Ele será para Mim um Filho»?
    E de novo,
    quando introduziu no mundo o seu Primogénito, disse:
    «Adorem-n’O todos os Anjos de Deus».

     

    CONTEXTO

    A Carta aos Hebreus é um escrito de autor anónimo e cujos destinatários, em concreto, desconhecemos (o título “aos hebreus” provém das múltiplas referências ao Antigo Testamento e ao ritual dos “sacrifícios” que a obra apresenta). É possível que se dirija a uma comunidade cristã constituída maioritariamente por cristãos vindos do judaísmo; mas nem isso é totalmente seguro, uma vez que o Antigo Testamento era um património comum, assumido por todos os cristãos – quer os vindos do judaísmo, quer os vindos do paganismo. Trata-se, em qualquer caso, de cristãos em situação difícil, expostos a perseguições e que vivem num ambiente hostil à fé… São também cristãos que facilmente se deixam vencer pelo desalento, que perderam o fervor inicial e que cedem às seduções de doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos… O objetivo do autor é estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a crescer na fé. Para isso, expõe o mistério de Cristo (apresentado, sobretudo, como “o sacerdote” da Nova Aliança) e recorda a fé tradicional da Igreja.

    O texto que nos é hoje proposto pertence ao prólogo do sermão. Nesse prólogo, o pregador apresenta a visão global e as coordenadas fundamentais que ele vai, depois, desenvolver ao longo da obra.

     

    MENSAGEM

    Temos aqui esboçadas, em traços largos, as coordenadas fundamentais da história da salvação. Deus é o protagonista principal dessa história…

    O texto alude ao projeto salvador de Deus. Esse projeto manifestou-se, numa primeira fase, através dos porta-vozes de Deus – os profetas; eles transmitiram aos homens a proposta salvadora e libertadora de Deus.

    Veio, depois, uma segunda etapa da história da salvação: “nestes dias que são os últimos”, Deus manifestou-Se através do próprio “Filho” – Jesus Cristo, o “menino de Belém”, a Palavra plena, definitiva, perfeita, através da qual Deus vem ao nosso encontro para nos “dizer” o caminho da salvação e da vida nova. O nosso texto reflete então – sem, contudo, desenvolver uma lógica muito ordenada – sobre a relação de Jesus com o Pai, com os homens e com os anjos (o que nos situa no ambiente de uma comunidade que dava importância significativa ao culto dos “anjos” e que lhes concedia um papel preponderante na salvação do homem).

    Como é que se define a relação de Jesus com o Pai? Para o autor da Carta aos Hebreus, Jesus, o “Filho”, identifica-Se plenamente com o Pai. Ele é o esplendor da glória do Pai, a imagem do ser do Pai, a reprodução exata e perfeita da substância do Pai: desta forma, o autor da carta afirma que Jesus procede do Pai e é igual ao Pai. N’Ele manifesta-Se o Pai; quem olha para Ele, encontra o Pai.

    Definida a relação de Jesus com Deus, o autor reflete sobre a relação de Jesus com o mundo… O Filho está na origem do universo e, portanto, também do homem; por isso, Ele tem um senhorio pleno sobre toda a criação. Essa soberania expressa-se, inclusive, na incarnação e redenção: Ele veio ao encontro do homem e purificou-o do pecado: dessa forma, completou a obra começada pela Palavra criadora de Deus, no início. É como “o Senhor” – isto é, Aquele que possui soberania sobre os homens e sobre o mundo – que os homens O devem ver e acolher.

    A igualdade fundamental do “Filho” com o Pai fá-lo muito superior aos anjos: os anjos não são “filhos”; mas Jesus é “o Filho” e o próprio Deus proclamou essa relação de filiação plena, real, perfeita. Não são os anjos que salvam, mas sim “o Filho”.

    Sendo a Palavra última e definitiva de Deus, Ele deve ser escutado pelos homens como o caminho mais seguro para chegar a essa Vida nova que o Pai nos quer propor. É tendo consciência desse facto que devemos acolher o “menino de Belém”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • No dia de Natal faz todo o sentido revisitarmos a história da salvação… Ao mergulhar nessa extraordinária história percebemos que, desde os primeiros passos da humanidade, Deus Se mostrou interessado em romper as distâncias, em aproximar-Se dos homens, em estabelecer com eles um diálogo, em mostrar-lhes o caminho que conduz à Vida verdadeira. Só o amor – o amor infinito que dedica aos seus filhos e filhas – explica esse envolvimento de Deus. É bom saber que não andamos sozinhos e sem rumo neste caminho nem sempre linear por onde peregrinamos. Deus vai connosco; Deus, com a criatividade do amor, está sempre a inventar formas de vir ao nosso encontro e de nos abraçar. Hoje é dia de nos sentirmos profundamente agradecidos pela sua presença amorosa de Deus nas nossas vidas.
    • Jesus Cristo é a Palavra viva e definitiva de Deus, que revela aos homens o verdadeiro caminho para chegar à salvação. Celebrar o seu nascimento é acolher essa Palavra viva de Deus… “Escutar” essa Palavra é acolher o projeto que Jesus veio apresentar e fazer dele a nossa referência, o critério fundamental que orienta as nossas atitudes e as nossas opções. A Palavra viva de Deus (Jesus) é, de facto, a nossa referência? O que Ele diz orienta e condiciona as minhas atitudes, os meus valores, as minhas tomadas de posição? Os valores do Evangelho são os meus valores? Vejo no Evangelho de Jesus a Palavra viva de Deus, a Palavra plena e definitiva através da qual Deus me diz como chegar à salvação, à vida definitiva?

     

    ALELUIA – João 1,1-18

    Aleluia. Aleluia.

    Santo é o dia que nos trouxe a luz.
    Vinde adorar o Senhor.
    Hoje, uma grande luz desceu sobre a terra.

     

    EVANGELHO – João 1,1-18 

    No princípio era o Verbo
    e o Verbo estava com Deus
    e o Verbo era Deus.
    No princípio, Ele estava com Deus.
    Tudo se fez por meio d’Ele
    e sem Ele nada foi feito.
    N’Ele estava a vida
    e a vida era a luz dos homens.
    A luz brilha nas trevas,
    e as trevas não a receberam.
    Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João.
    Veio como testemunha,
    para dar testemunho da luz,
    a fim de que todos acreditassem por meio dele.
    Ele não era a luz,
    mas veio para dar testemunho da luz.
    O Verbo era a luz verdadeira,
    que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem.
    Estava no mundo,
    e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu.
    Veio para o que era seu,
    e os seus não O receberam.
    Mas, àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome,
    deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.
    Estes não nasceram do sangue,
    nem da vontade da carne, nem da vontade do homem,
    mas de Deus.
    E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós.
    Nós vimos a sua glória,
    glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito,
    cheio de graça e de verdade.
    João dá testemunho d’Ele, exclamando:
    «Era deste que eu dizia:
    ‘O que vem depois de mim passou à minha frente,
    porque existia antes de mim’».
    Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos
    graça sobre graça.
    Porque, se a Lei foi dada por meio de Moisés,
    a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
    A Deus, nunca ninguém O viu.
    O Filho Unigénito, que está no seio do Pai,
    é que O deu a conhecer.

     

    CONTEXTO

    A Igreja primitiva recorreu, com frequência, a hinos para celebrar, expressar e anunciar a sua fé. O prólogo ao Evangelho segundo João é um desses hinos.

    Não sabemos ao certo se este hino foi composto por João, ou se o autor do Quarto Evangelho usou um primitivo hino cristão conhecido da comunidade joânica, adaptando-o de forma a que ele pudesse servir de prólogo à sua obra. O que é certo é que o hino cristológico que chegou até nós expressa, em forma de confissão, a fé da comunidade joânica em Cristo enquanto Palavra viva de Deus, a sua origem eterna, a sua procedência divina, a sua influência no mundo e na história, possibilitando aos homens que O acolhem e escutam tornarem-se “filhos de Deus”. Essas grandes linhas, enunciadas neste prólogo, vão depois ser desenvolvidas pelo evangelista ao longo da sua obra.

     

    MENSAGEM

    O prólogo ao Quarto Evangelho começa com a expressão “no princípio”: dessa forma, João enlaça o seu Evangelho com o relato da criação (cf. Gn 1,1), oferecendo-nos assim, desde logo, uma chave de interpretação para o seu escrito… Aquilo que ele vai narrar sobre Jesus está em relação com a obra criadora de Deus: em Jesus vai acontecer a definitiva intervenção criadora de Deus no sentido de dar vida ao homem e ao mundo… A atividade de Jesus, enviado do Pai, consiste em fazer nascer um homem novo; a sua ação coroa a obra criadora iniciada por Deus “no princípio”.

    João apresenta, logo a seguir, a “Palavra” (“Lógos”). A “Palavra” é, de acordo com o autor do Quarto Evangelho, uma realidade anterior ao céu e à terra, implicada já na primeira criação. Esta “Palavra” apresenta-se com as caraterísticas que o “Livro dos Provérbios” atribuía à “sabedoria”: pré-existência (cf. Pr 8,22-24) e colaboração com Deus na obra da criação (cf. Pr 8,24-30). No entanto, essa “Palavra” não só estava junto de Deus e colaborava com Deus, mas “era Deus”. Identifica-se totalmente com Deus, com o ser de Deus, com a obra criadora de Deus. É como que o projeto íntimo de Deus, que se expressa e se comunica como “Palavra”. Deus faz-Se inteligível através da “Palavra”. Essa “Palavra” é geradora de vida para o homem e para o mundo, concretizando o projeto de Deus.

    Essa “Palavra” veio ao encontro dos homens e fez-se “carne” (pessoa). João identifica claramente a “Palavra” com Jesus, o “Filho único cheio de amor e de verdade”, que veio ao encontro do homem. Nessa pessoa (Jesus), podemos contemplar o projeto ideal de homem, o homem que nos é proposto como modelo, a meta final da criação de Deus.

    Essa “Palavra” “estabeleceu a sua tenda entre nós”. O verbo “skênéô” (“montar a tenda”) aqui utilizado alude à “tenda do encontro” que, na caminhada pelo deserto, os israelitas montavam no meio ou ao lado do acampamento e que era o local onde Deus residia no meio do seu Povo (cf. Ex 27,21; 28,43; 29,4…). Agora, a “tenda de Deus”, o local onde Ele habita no meio dos homens é o Homem/Jesus. Quem quiser encontrar Deus e receber d’Ele vida em plenitude (“salvação”), é para Jesus que se tem de voltar.

    A função dessa “Palavra” está ligada ao binómio “vida/luz”: comunicar ao homem a vida em plenitude; ou, por outras palavras, trata-se de acender a luz que ilumina o caminho do homem, possibilitando-lhe encontrar a vida verdadeira, a vida plena.

    Jesus Cristo vai, no entanto, deparar-Se com a oposição à “vida/luz” que Ele traz. Ao longo do Evangelho, João irá contando essa história do confronto da “vida/luz” com o sistema injusto e opressor que pretende manter os homens prisioneiros do egoísmo e do pecado e que João identifica com a Lei; os dirigentes judeus que enfrentam Jesus e o condenam à morte são o rosto visível dessa Lei. Recusar a “vida/luz” significa preferir continuar a caminhar nas trevas, que se identificam com a mentira, a escravidão e a opressão, à margem de Deus; significa recusar chegar a ser homem pleno, livre, criação acabada e elevada à sua máxima potencialidade.

    Em contrapartida, o acolhimento da “Palavra” implica a participação na vida de Deus. João diz mesmo que acolher a “Palavra” significa tornar-se “filho de Deus”. Começa, para quem acolhe a “Palavra”/Jesus, uma nova relação entre o homem e Deus, aqui expressa em termos de filiação: Deus dá vida em plenitude ao homem, oferecendo-lhe, assim, uma qualidade de vida que potencia o seu ser e lhe permite crescer até à dimensão do homem novo, do homem acabado e perfeito. Isto é uma “nova criação”, um novo nascimento, que não provém da carne e do sangue, mas sim de Deus.

    A encarnação de Jesus significa, portanto, que Deus oferece à humanidade a possibilidade de se realizar plenamente, de chegar à Vida em plenitude. Sempre existiu no homem o anseio da vida plena, conforme o projeto original de Deus; mas, na prática, esse anseio fica, muitas vezes, frustrado pelo domínio que o egoísmo, a injustiça, a mentira – numa palavra, o “pecado” – exercem sobre o homem. Toda a obra de Jesus consistirá em capacitar o homem para a Vida nova, para a Vida plena, a fim de que ele possa realizar em si mesmo o projeto de Deus: a semelhança com o Pai.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A transformação da “Palavra” em “carne”, em “menino” do presépio de Belém, é a espantosa aventura de um Deus que ama até ao inimaginável e que, por amor, aceita revestir-Se da nossa fragilidade, a fim de nos dar Vida em plenitude. Deus desceu até nós e revestiu-se da nossa fragilidade para ficar ao nosso lado: neste dia, somos convidados a contemplar, numa atitude de serena adoração, esse incrível passo de Deus, expressão extrema de um amor sem limites. E essa adoração deve depois expressar-se em louvor e ação de graças. Que o dia de Natal seja o dia por excelência de agradecermos a Deus o seu amor.
    • Acolher a “Palavra” é deixar que Jesus nos transforme, nos dê a vida plena, a fim de nos tornarmos, verdadeiramente, “filhos de Deus”. O presépio que hoje contemplamos é apenas um quadro bonito e terno, ou uma interpelação a acolher a “Palavra”, de forma a crescermos até à dimensão do Homem Novo?
    • Hoje, como ontem, a “Palavra” continua a confrontar-se com os sistemas geradores de morte e a procurar eliminar, na origem, tudo o que rouba a vida e a felicidade da pessoa. Sensíveis à “Palavra”, embarcados na mesma aventura de Jesus – a “Palavra” viva de Deus – como nos situamos diante de tudo aquilo que rouba a vida da pessoa? Podemos pactuar com a mentira, o oportunismo, a violência, a exploração dos pobres, as limitações aos direitos e à dignidade do homem?
    • Jesus é para nós a “Palavra” suprema que dá sentido à nossa vida, ou deixamos que outras “palavras” nos condicionem e nos induzam a procurar a felicidade em caminhos de egoísmo, de alienação, de comodismo, de pecado? Quais são essas “palavras” que às vezes nos seduzem e nos afastam da “Palavra” eterna de Deus que ecoa no Evangelho que Jesus veio propor?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DIA DE NATAL
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Dia de Natal, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    É na noite que é belo acreditar na luz… Era a noite para este casal em viagem e, para mais, no momento em que a mulher devia dar à luz. Nunca há lugar para aqueles que incomodam. É então, na obscuridade de um estábulo, que a luz aparece para iluminar não somente este lugar bem sombrio, mas o mundo inteiro tantas vezes tão mergulhado na noite da dúvida e da violência. Era a noite para estes pastores em cuja palavra havia tanta dificuldade em acreditar, por estar muitas vezes longe da verdade. Ora, é a eles que a boa nova é anunciada para que ela não cesse de seguida de se transmitir de geração em geração. Uma luz rasga então a noite da Judeia, é a luz da glória do Senhor e o anúncio da paz sobre a terra aos homens que Deus ama. Não espanta que esta criança acabada de nascer proclame mais tarde: «Eu sou a luz do mundo». Esperar é levantar os olhos quando ainda é noite, para descobrir a luz mais forte que a noite.

    3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Valorizar o Glória a Deus. Pôr em realce o hino de Natal, o Glória a Deus, tomando tempo para cantá-lo com uma melodia que seja bem conhecida da assembleia. Outros elementos poderão intervir para dar à celebração um ar de festa: por exemplo, um acolhimento mais caloroso que o habitual, uma bonita decoração floral, a iluminação do presépio, um gesto de paz afetuoso, intenções de oração plenas de esperança, uma oração de louvor mais desenvolvida, etc. Esta pode ser feita quando os fiéis estiverem reagrupados à volta do presépio. Convém ter em atenção que, na missa da manhã de Natal, muitos não participaram na missa da noite. É, pois, a celebração do nascimento de Jesus que os reúne. Pode-se escolher, entre todos os textos que as três missas de Natal propõem, aqueles que são mais acessíveis e evocadores. Por exemplo, o Evangelho da noite, completado com o da aurora, pode convir mais que o Evangelho do dia.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    A presença de Deus diz-se e mostra-se. A presença de Deus mostra-se através de sinais de tolerância, de acolhimento, de partilha, que podemos facilmente ter à nossa volta. A presença de Deus fala através da ternura para com os mais pobres, os excluídos, os doentes, todos os que sofrem, as pessoas sós, em particular nestes dias de festa. A presença de Deus traduzir-se-á ainda através de toda a solicitude concedida gratuitamente àqueles que procuram, que duvidam, que têm necessidade de ser acompanhados na sua procura. A presença de Deus exprimir-se-á muitas vezes através do humilde testemunho da nossa vida habitada pelo seu amor: se Ele me enche com a sua alegria, se Ele me faz viver, se Ele me leva a ajudar os outros, é porque Ele está bem vivo!

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Festa da Sagrada Família - Ano B [ATUALIZADO]

    Festa da Sagrada Família - Ano B [ATUALIZADO]

    31 de Dezembro, 2023

    ANO B - FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ

    Tema da Festa da Sagrada Família

    O Deus que se vestiu de menino frágil e se apresentou aos homens no presépio de Belém encontrou abrigo numa família humana, a família de José e de Maria, dois jovens esposos de Nazaré, uma aldeia situada nas colinas da Galileia. Neste domingo, ainda em contexto de celebração do Natal do Senhor, a liturgia convida-nos a olhar para essa Sagrada Família; e propõe-nos que a vejamos como exemplo e modelo das nossas comunidades familiares.

    O Evangelho leva-nos, com a Sagrada Família, até ao Templo de Jerusalém, onde Jesus vai ser apresentado a Deus, conforme a Lei judaica determinava (cf. Nm 18,15-16). O quadro, profundamente interpelador, mostra uma família fiel e crente, que escuta a Palavra de Deus, que procura concretizá-la na vida e que consagra a Deus os seus membros.

    A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos dos que vivem “em Cristo” e aceitaram o convite para ser “Homem Novo”. Esse amor deve atingir, de forma muito especial, todos os que connosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.

    A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais… É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.

     

    LEITURA I – Ben-Sirá 3,3-7.14-17a [versão grega: 3,2-6.12-14] 

    Deus quis honrar os pais nos filhos

    e firmou sobre eles a autoridade da mãe.

    Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados,

    e acumula um tesouro quem honra sua mãe.

    Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos

    e será atendido na sua oração.

    Quem honra seu pai terá longa vida,

    e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe.

    Filho, ampara a velhice do teu pai

    e não o desgostes durante a sua vida.

    Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele

    e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida,

    porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida

    e converter-se-á em desconto dos teus pecados.

     

    CONTEXTO

     

    O Livro de Ben Sirá (chamado, na sua versão grega, “Eclesiástico”) é um livro de carácter sapiencial que, como todos os livros sapienciais, tem por objetivo deixar aos aspirantes a “sábios” indicações práticas sobre a arte de bem viver e de ser feliz. O seu autor é um tal Jesus Ben Sirá, um “sábio” israelita que viveu na primeira metade do séc. II a.C.

    A época de Jesus Ben Sirá é uma época conturbada para o Povo de Deus. Os selêucidas (uma família descendente de Seleuco Nicator, general de Alexandre Magno, que herdou parte do império de Alexandre, o Grande, quando este morreu, em 323 a.C.) dominavam a Palestina e procuravam impor aos judeus, mesmo pela força, a cultura helénica. Muitos judeus, seduzidos pelo brilho da cultura grega, abandonavam os valores tradicionais e a fé dos pais e assumiam comportamentos mais consentâneos com a “modernidade”. A identidade cultural e religiosa do Povo de Deus corria, assim, sérios riscos… Neste contexto, Jesus Ben Sirá, um “sábio” judeu apegado às tradições dos seus antepassados, escreve para preservar as raízes do seu Povo. No seu livro, apresenta uma síntese da religião tradicional e da “sabedoria” de Israel e procura demonstrar que é no respeito pela sua fé, pelos seus valores, pela sua identidade que os judeus podem descobrir o caminho seguro para serem um Povo livre e feliz.

     

    MENSAGEM

     

    O texto apresenta uma série de indicações práticas que os filhos devem ter em conta nas relações com os pais.

    A palavra que preside a este conjunto de conselhos do “sábio” Ben Sirá é a palavra “honrar” (repete-se cinco vezes, nestes poucos versículos). O que é que significa, exatamente, “honrar os pais”?

    A expressão leva-nos ao Decálogo do Sinai (“honra teu pai e tua mãe” – Ex 20,12). Aí, o verbo utilizado é o verbo “kabad”, que costuma traduzir-se como “dar glória”, “dar peso”, “dar importância”. Assim, “honrar os pais” é dar-lhes o devido valor e reconhecer a sua importância; é que eles são os instrumentos de Deus, fonte de vida.

    Ora, reconhecer que os pais são os instrumentos através dos quais Deus concede a vida deve conduzir os filhos à gratidão; e a gratidão não é apenas uma declaração de intenções, mas um sentimento que implica certas atitudes práticas. Jesus Ben Sirá aponta algumas: “honrar os pais” significa ampará-los na velhice e não os desprezar nem abandonar; assisti-los materialmente – sem inventar qualquer desculpa – quando já não podem trabalhar (cf. Mc 7,10-11); não fazer nada que os desgoste; escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; ser indulgente para com as limitações que a idade ou a doença trazem…

    Dado o contexto da época em que Ben Sirá escreve, é natural que, por detrás destas indicações aos filhos, esteja também a preocupação com o manter bem vivos os valores tradicionais, esses valores que os mais antigos preservam cuidadosamente e que os mais jovens por vezes, com alguma ligeireza, negligenciam.

    Como recompensa desta atitude de “honrar os pais”, Jesus Ben Sirá promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus. Numa altura em que a noção de “vida eterna” ainda não entrou na catequese de Israel, a referida recompensa é vista como a forma de Deus gratificar o comportamento do homem justo, enquanto filho que cumpre os seus deveres para com os pais.

     

    INTERPELAÇÕES

     

    • Os nossos pais foram, em nosso favor, instrumentos do Deus criador. Através deles, Deus chamou-nos à vida. Sentimo-nos gratos aos nossos pais por eles terem aceitado colaborar com Deus, dando-nos vida e cuidando de nós ao longo do caminho que temos vindo a percorrer? Lembramo-nos de lhes demonstrar, com ternura e amor, a nossa gratidão?

     

    • Apesar da sensibilidade moderna aos direitos humanos e à dignidade das pessoas, a nossa civilização cria, com frequência, situações de abandono, de marginalização, de solidão, cujas vítimas são, muitas vezes, aqueles que já não têm uma vida considerada produtiva, ou aqueles a quem a idade ou a doença trouxeram limitações. No entanto, do ponto de vista de Deus, nenhum ser humano é “descartável”, ou estará alguma vez fora do prazo de validade. Não podemos admitir – com a nossa indiferença ou com o nosso silêncio cúmplice – que as pessoas em situação de fragilidade sejam abandonadas na berma da estrada, sempre que o mundo caminha a um ritmo que elas não podem acompanhar. Tenho consciência disto?

     

    • É verdade que a vida de hoje é muito exigente a nível profissional e que nem sempre é possível a um filho estar presente ao lado de um pai que precisa de cuidados continuados ou de acompanhamento especializado. No entanto, se alguma vez as circunstâncias impuserem a necessidade de afastamento de um pai idoso ou descapacitado do ambiente familiar, isso não pode significar abandono e condenação à solidão. Seremos sempre responsáveis por aqueles que cativamos, e ainda mais por aqueles que foram, para nós, instrumentos do Deus criador e fonte de vida.

     

    • O capital de maturidade e de sabedoria de vida que os mais idosos possuem é considerado por nós uma riqueza ou um desafio ridículo à nossa modernidade e às nossas certezas?

     

    • Face à invasão contínua de valores estranhos que, tantas vezes, põem em causa a nossa identidade cultural e religiosa (quando não a nossa humanidade), o que significam os valores que recebemos dos nossos pais? Avaliamos com maturidade a perenidade desses valores, ou estamos dispostos a renegá-los ao primeiro aceno dos “valores da moda”?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)

     

    Refrão 1:    Felizes os que esperam no Senhor,

                       e seguem os seus caminhos.

     

    Refrão 2:    Ditosos os que temem o Senhor,

                       ditosos os que seguem os seus caminhos.

     

    Feliz de ti, que temes o Senhor

    e andas nos seus caminhos.

    Comerás do trabalho das tuas mãos,

    serás feliz e tudo te correrá bem.

     

    Tua esposa será como videira fecunda

    no íntimo do teu lar;

    teus filhos serão como ramos de oliveira

    ao redor da tua mesa.

     

    Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.

    De Sião te abençoe o Senhor:

    vejas a prosperidade de Jerusalém

    todos os dias da tua vida.

     

    LEITURA II – Colossenses 3, 12-21

     

    Irmãos:

    Como eleitos de Deus, santos e prediletos,

    revesti-vos de sentimentos de misericórdia,

    de bondade, humildade, mansidão e paciência.

    Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente,

    se algum tiver razão de queixa contra outro.

    Tal como o Senhor vos perdoou,

    assim deveis fazer vós também.

    Acima de tudo, revesti-vos da caridade,

    que é o vínculo da perfeição.

    Reine em vossos corações a paz de Cristo,

    à qual fostes chamados para formar um só corpo.

    E vivei em ação de graças.

    Habite em vós com abundância a palavra de Cristo,

    para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros

    com toda a sabedoria;

    e com salmos, hinos e cânticos inspirados,

    cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão.

    E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras,

    seja tudo em nome do Senhor Jesus,

    dando graças, por Ele, a Deus Pai.

    Esposas, sede submissas aos vossos maridos,

    como convém no Senhor.

    Maridos, amai as vossas esposas

    e não as trateis com aspereza.

    Filhos, obedecei em tudo a vossos pais,

    porque isto agrada ao Senhor.

    Pais, não exaspereis os vossos filhos,

    para que não caiam em desânimo.

     

    CONTEXTO

     

    A Igreja de Colossos, destinatária desta carta, foi fundada por Epafras, um amigo de Paulo, pelos anos 56/57. Tanto quanto sabemos, Paulo nunca visitou a comunidade…

    Hoje, não é claro para todos que Paulo tenha escrito esta carta (o vocabulário utilizado e o estilo do autor estão longe das cartas indiscutivelmente paulinas; também a teologia apresenta elementos novos, nunca usados nas outras cartas atribuídas a Paulo); por isso, é um pouco difícil definirmos o ambiente em que este texto apareceu…

    Para os defensores da autoria paulina, contudo, a carta foi escrita quando Paulo estava prisioneiro, possivelmente em Roma (anos 61/63). Epafras teria visitado o apóstolo na prisão e deixado notícias alarmantes: os Colossenses corriam o risco de se afastar da verdade do Evangelho, por causa das doutrinas ensinadas por certos doutores de Colossos. Essas doutrinas misturavam práticas legalistas (o que parece indicar tendências judaizantes) com especulações acerca do culto dos anjos e do seu papel na salvação; exigiam um ascetismo rígido e o cumprimento de certos ritos de iniciação, destinados a comunicar aos crentes um conhecimento mais adequado dos mistérios ocultos e levá-los, através dos vários graus de iniciação, à vivência de uma vida religiosa mais autêntica.

    Sem refutar essas doutrinas de modo direto, o autor da carta afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar proeminente na criação e na redenção dos homens.

    O texto que nos é hoje proposto pertence à segunda parte da carta. Depois de constatar a supremacia de Cristo na criação e na redenção (primeira parte), o autor avisa os Colossenses de que a união com Cristo traz consequências a nível de vivência prática (segunda parte): implica a renúncia ao “homem velho” do egoísmo e do pecado e o “revestir-se do Homem Novo” (Cl 3,9-11).

     

    MENSAGEM

     

    Os filhos e filhas amados de Deus devem imitar o ser de Deus, que lhes foi revelado em Cristo. Cristo, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens, é a referência fundamental à volta da qual se desenrola e se constrói a vida dos discípulos. Quem adere a Cristo e se dispõe a segui-l’O, deve vestir a mesma “roupa” que Cristo vestia – quer dizer, deve apresentar-se no mundo como Ele apresentava, dispor-se a viver ao jeito d’Ele, realizar as obras que Ele realizava.

    O estilo de vida do seguidor de Cristo deve, portanto, estar marcado por atitudes de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência; deve privilegiar, na relação com os irmãos, o perdão, a compreensão, a indulgência… Aquele que está unido a Cristo, que vive “em Cristo”, deve ser capaz de, em todas as circunstâncias, amar sem medida, amar a fundo perdido, amar até ao dom total de si, como Cristo fez.

    Catálogos de exigências semelhantes apareciam também nos discursos éticos dos gregos… O que é novo aqui é a fundamentação: tais exigências resultam da íntima relação do cristão com Cristo; viver “em Cristo” implica viver, como Ele, no amor total, no serviço, na disponibilidade, no dom da vida.

    Uma vez apresentado o ideal da vida cristã nas suas linhas gerais, o autor da carta aplica o que acabou de dizer ao âmbito mais concreto da vida familiar. Às mulheres, recomenda o respeito para com os maridos (a referência à submissão das esposas deve ser vista tendo em conta o contexto e a prática da época); aos maridos, convida a amar as esposas, excluindo qualquer atitude de domínio tirânico sobre elas; aos filhos, recomenda a obediência aos pais; aos pais, com intuição pedagógica, pede que não sejam excessivamente severos para com os filhos, pois isso pode impedir o normal desenvolvimento das suas capacidades e da sua autonomia… Numa palavra, é a “caridade” (“agapê”) – entendida como amor de doação, de entrega, a exemplo de Jesus que amou até ao dom da vida – que deve presidir às relações entre os membros de uma família. Também no espaço familiar se deve manifestar o Homem Novo, o homem transformado por Cristo e que vive segundo Cristo.

     

    INTERPELAÇÕES

     

    • A nossa vida de todos os dias é, a cada instante, marcada por tensões, ansiedades, conflitos e problemas que mexem com o nosso equilíbrio e a nossa harmonia. Perdemos o controlo, tornamo-nos quezilentos e conflituosos, criticamos os outros com palavras que magoam, assumimos poses de arrogância e de superioridade, enchemos as redes sociais com comentários infelizes… Talvez nos faça bem cada dia, em jeito de exame de consciência, reservar um momento para olhar para Jesus e para confrontar os nossos gestos, as nossas palavras, as nossas escolhas com os gestos, as palavras e as suas opções. Esse “confronto” pode ajudar-nos a situar as perspetivas e a recentrar a nossa vida nesse viver “em Cristo” que é a vocação do cristão.

     

    • A nossa primeira responsabilidade vai, evidentemente, para aqueles que connosco partilham, de forma mais chegada, a vida do dia a dia (a nossa família). Esse amor, que deve revestir-nos sempre, traduz-se numa atenção contínua àquele que está ao nosso lado, às suas necessidades e preocupações, às suas alegrias e tristezas, aos seus sorrisos e às suas lágrimas? Traduz-se em gestos sentidos e partilhados de carinho e de ternura? Traduz-se num respeito absoluto pela liberdade e pelo espaço do outro, por deixar o outro crescer sem o sufocar? Traduz-se na vontade de servir o outro, sem nos servirmos dele?

     

    • A expressão “esposas, sede submissas aos vossos maridos” é, evidentemente, uma expressão anacrónica, que deve ser devidamente contextualizada no universo cultural e social do séc. I, mas que hoje não faz sentido. Para os que vivem “em Cristo”, o valor que preside às relações é o amor… E o amor não comporta submissão ou superioridade, mas igualdade fundamental em dignidade e direitos. O mesmo Paulo dirá, noutras circunstâncias, que para os que vivem “em Cristo” “não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher”, porque todos são um só em Cristo Jesus (Gl 3,28). É este o horizonte que deve estar sempre diante dos nossos olhos.

     

    ALELUIA – Colossenses 3,15a.16a

     

    Aleluia. Aleluia.

     

    Reine em vossos corações a paz de Cristo,

    habite em vós a sua palavra.

     

    EVANGELHO – Lucas 2,22-40

     

    Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés,

    Maria e José levaram Jesus a Jerusalém,

    para O apresentarem ao Senhor,

    como está escrito na Lei do Senhor:

    «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor»,

    e para oferecerem em sacrifício

    um par de rolas ou duas pombinhas,

    como se diz na Lei do Senhor.

    Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão,

    homem justo e piedoso,

    que esperava a consolação de Israel;

    e o Espírito Santo estava nele.

    O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria

    antes de ver o Messias do Senhor;

    e veio ao templo, movido pelo Espírito.

    Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino,

    para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito,

    Simeão recebeu-O em seus braços

    e bendisse a Deus, exclamando:

    «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra,

    deixareis ir em paz o vosso servo,

    porque os meus olhos viram a vossa salvação,

    que pusestes ao alcance de todos os povos:

    luz para se revelar às nações

    e glória de Israel, vosso povo».

    O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados

    com o que d’Ele se dizia.

    Simeão abençoou-os

    e disse a Maria, sua Mãe:

    «Este Menino foi estabelecido

    para que muitos caiam ou se levantem em Israel

    e para ser sinal de contradição;

    – e uma espada trespassará a tua alma –

    assim se revelarão os pensamentos de todos os corações».

    Havia também uma profetisa,

    Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser.

    Era de idade muito avançada

    e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela

    e viúva até aos oitenta e quatro.

    Não se afastava do templo,

    servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações.

    Estando presente na mesma ocasião,

    começou também a louvar a Deus

    e a falar acerca do Menino

    a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.

    Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor,

    voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré.

    Entretanto, o Menino crescia,

    tornava-Se robusto e enchia-Se de sabedoria.

    E a graça de Deus estava com Ele.

     

    CONTEXTO

     

    O interesse fundamental dos primeiros cristãos não se centrou na infância de Jesus, mas na sua mensagem e proposta; por isso, a catequese cristã dos primeiros tempos interessou-se, de forma especial, por conservar as memórias da vida pública e da paixão do Senhor.

    Só num estádio posterior houve uma certa curiosidade acerca dos primeiros anos da vida de Jesus. Coligiram-se, então, algumas informações históricas sobre a infância de Jesus; e esse material foi, depois, amassado e trabalhado, de forma a transmitir aquilo que a catequese primitiva ensinava sobre Jesus e o seu mistério. O chamado “Evangelho da Infância” (de que faz parte o texto que nos é hoje proposto) assenta nessa base; parte de algumas indicações históricas e desenvolve uma reflexão teológica para explicar quem é Jesus. Nesta secção do Evangelho, Lucas está muito mais interessado em dizer quem é Jesus, do que em contar-nos factos memoráveis da sua infância.

    Lucas propõe-nos, hoje, o quadro da apresentação de Jesus no Templo. Segundo a Lei de Moisés, todos os primogénitos (tanto dos homens como dos animais) pertenciam a Javé e deviam ser oferecidos a Javé (cf. Ex 13,1-2.11-16). O costume de oferecer aos deuses os primogénitos é um costume cananeu que, no entanto, Israel transformou no que dizia respeito aos primogénitos humanos: estes não deviam ser oferecidos em sacrifício, mas resgatados por um animal, que seria imolado ao Senhor.

    De acordo com Lv 12,6-8, quarenta dias após o nascimento de uma criança, esta devia ser apresentada no Templo, onde a mãe oferecia um ritual de purificação. Nessa cerimónia, devia ser oferecido um cordeiro de um ano (para as famílias mais abastadas) ou então duas pombas ou duas rolas (para as famílias de menores recursos). É precisamente neste cenário que o Evangelho de hoje nos situa.

     

    MENSAGEM

     

    A cena da apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém apresenta uma catequese bem amadurecida e bem refletida, que procura dizer quem é Jesus e qual a sua missão no mundo.

    Antes de mais, o autor sublinha repetidamente a fidelidade da família de Jesus à Lei do Senhor (vers. 22.23.24), como se quisesse deixar claro que Jesus, desde o início da sua caminhada entre os homens, viveu na escrupulosa fidelidade aos mandamentos e aos projetos do Pai. A missão de Jesus no mundo passa por aí – pelo cumprimento rigoroso da vontade e do projeto do Pai.

    No Templo, duas personagens acolhem Jesus: Simeão e Ana. Eles representam esse Israel fiel que espera ansiosamente a sua libertação e a restauração do reinado de Deus sobre o seu Povo.

    De Simeão diz-se que era um homem “justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel” (vers. 25). As palavras e os gestos de Simeão são particularmente sugestivos… Simeão toma Jesus nos braços e apresenta-O ao mundo, definindo-O como “a salvação” que Deus quer oferecer “a todos os povos”, “luz para se revelar às nações e glória de Israel” (vers. 28-32). Jesus é, assim, reconhecido pelo Israel fiel como esse Messias libertador e salvador, a quem Deus enviou – não só ao seu povo, mas a todos os povos da terra. Aqui desponta um tema muito querido a Lucas: o da universalidade da salvação de Deus… Deus não tem já um Povo eleito, mas a sua salvação é para todos os povos, independentemente da sua raça, da sua cultura, das suas fronteiras, dos seus esquemas religiosos. As palavras que Simeão dirige a Maria (“este menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; e uma espada trespassará a tua alma” – vers. 34-35) aludem, provavelmente, à divisão que a proposta de Jesus provocará em Israel e ao resultado dessa divisão – o drama da cruz.

    Ana é também uma figura do Israel pobre e sofredor (“viúva”), que se manteve fiel a Javé (não se voltou a casar, após a morte do marido – vers. 37), que espera a salvação de Deus. Depois de reconhecer em Jesus a salvação anunciada por Deus, ela “falava do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (vers. 38). A palavra utilizada por Lucas para falar de libertação é a palavra grega “lustrosis” (“resgate”), utilizada no Êxodo para falar da libertação da escravidão do Egipto (cf. Ex 13,13-15; 34,20; Nm 18,15-16). Jesus é, assim, apresentado por Lucas como o Messias libertador, que vai conduzir o seu Povo do domínio da escravidão para o domínio da liberdade. A apresentação no Templo de um primogénito celebrava precisamente a libertação do Egipto e a passagem da escravidão para a liberdade (cf. Ex 13,11-16).

    O texto termina com uma referência ao resto da infância de Jesus e ao crescimento do menino em “sabedoria” e “graça”. Trata-se de atributos que lhe vêm do Pai e que atestam, portanto, a sua divindade (vers. 40).

     

    INTERPELAÇÕES

     

    • Lucas apresenta-nos uma família – a Sagrada Família – em que Deus é a referência fundamental. Por quatro vezes (vers. 22.23.24.27), Lucas refere, a propósito da família de Jesus, o cumprimento da Lei de Moisés, da Lei do Senhor ou da Palavra do Senhor. A família de Jesus, Maria e José é, portanto, uma família que escuta a Palavra de Deus e que constrói a sua existência ao ritmo da Palavra de Deus e dos desafios de Deus. Maria e José sabiam que uma família que escuta a Palavra de Deus e que procura responder aos desafios postos por essa Palavra é uma família com um projeto de vida com sentido; e sabiam que uma família que se deixa guiar pela Palavra de Deus é uma família que se constrói sobre a rocha firme dos valores eternos. Que importância é que Deus assume na vida das nossas famílias? Procuramos que cada membro das nossas famílias cresça numa progressiva sensibilidade à Palavra de Deus e aos desafios de Deus? Encontramos tempo para reunir a família à volta da Palavra de Deus e para partilhar, em família, a Palavra de Deus?

     

    • Quando numa família Deus “conta”, os valores de Deus passam a ser, para todos os membros daquela comunidade familiar, as marcas que definem o sentido da existência. O espaço familiar torna-se, então, a escola onde se aprende o amor, a solidariedade, a partilha, o serviço, o diálogo, o respeito, o cuidado, o perdão, a fraternidade universal, o cuidado da criação, a atenção aos mais frágeis, o sentido do compromisso, do sacrifício, da entrega e da doação… São esses valores – os valores de Deus – que procuramos cultivar na nossa comunidade familiar?

     

    • Segundo a Lei judaica, todo o primogénito devia ser consagrado e dedicado ao Senhor. Também Jesus é apresentado no Templo e consagrado ao Senhor. Nas nossas famílias cristãs há normalmente uma legítima preocupação com o proporcionar a cada criança condições ótimas de vida, de educação, de acesso à instrução e aos cuidados essenciais… Haverá sempre uma preocupação semelhante no que diz respeito à formação para a fé e em proporcionar aos filhos uma verdadeira educação para a vida cristã e para os valores de Jesus Cristo? Os pais cristãos preocupam-se sempre em proporcionar aos seus filhos um exemplo de coerência com os compromissos assumidos no dia do Batismo? Preocupam-se em ser os primeiros catequistas dos próprios filhos, transmitindo-lhes os valores do Evangelho? Preocupam-se em acompanhar e em potenciar a formação e a caminhada catequética dos próprios filhos, em inseri-los numa comunidade de fé, em integrá-los na família de Jesus, em consagrá-los ao serviço de Deus?

     

    • Simeão e Ana, os dois anciãos que acolhem Jesus no Templo de Jerusalém, não são pessoas desiludidas da vida, que vivem voltadas para o passado sonhando com um tempo ideal que já não volta; mas são pessoas voltadas para o futuro, atentas ao Deus libertador que vem ao seu encontro, que sabem ler os sinais de Deus naquele menino que chega e que testemunham diante dos seus conterrâneos a presença salvadora e redentora de Deus no meio do seu Povo. Os anciãos – quer pela sua maturidade, sabedoria e equilíbrio, quer pelo tempo de que normalmente dispõem – podem ser testemunhas privilegiadas dos valores de Deus, intérpretes dos sinais de Deus, profetas credíveis que obrigam o mundo a confrontar-se com os desafios de Deus. É preciso que não vivam voltados para o passado, refugiados numa realidade que aliena, transformados em “estátuas de sal”, mas que vivam de olhos postos no futuro, de espírito aberto e livre, pondo a sua sabedoria e experiência ao serviço da comunidade humana e cristã, ensinando os mais jovens a distinguir entre o que é eterno e importante e o que é passageiro e acessório.

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA SAGRADA FAMÍLIA

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

     

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Sagrada Família, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    1. PALAVRA DE VIDA.

    Rosto de Deus, de Cristo e da Igreja… Filhos da Aliança, do Deus da promessa e da fidelidade, José e Maria acreditam, apresentam o seu Filho ao Senhor: mistério de glória e de dor, na profecia do velho Simeão; acreditam que só na fé total e forte podem reconhecer a luz do mundo. Com Simeão, a Igreja anuncia Cristo àqueles que lhe são próximos. Com Ana, a profetisa, a Igreja anuncia a libertação aos que esperam, àqueles que estão longe; ela desperta neles o desejo de conhecer Cristo. É neste desejo que a nossa fé ganha raiz…

     

    1. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    No ambiente do tempo de Natal, este domingo será uma ocasião para preparar uma celebração simples e sóbria, em ligação com o maior número possível de famílias. Pode-se implicar mais ativamente as crianças na participação: começar o hino de Glória com vozes e instrumentos de percussão; acompanhar algumas estrofes do Salmo através de gestos preparados; ficar junto ao ambão durante a leitura do Evangelho; preparar e ler algumas intenções da oração dos fiéis; participar na procissão das oferendas; ficar à volta do altar durante o Pai Nosso até à comunhão… Pela atenção às crianças nalguns momentos da celebração, valorizar o sentido de família onde todos têm papel ativo, seja qual for a idade…

     

    1. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Nas palavras de envio ou de despedida da celebração, retomar as palavras do velho Simeão: “Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos…” Iluminadas pela Palavra de Deus e alimentadas pelo seu Pão, as famílias humanas são convidadas a retomar o caminho do quotidiano…

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

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