Sábado - 1ª Semana da Quaresma

24 de Fevereiro, 2024

Lectio

Primeira leitura: Deuteronómio 26, 16-19

Moisés falou ao seu povo dizendo: 16«Hoje, o SENHOR, teu Deus, ordena-te que cumpras estas leis e preceitos. Observa-os e cumpre-os com todo o teu coração e com toda a tua alma. 17Hoje, declaraste ao SENHOR que Ele seria o teu Deus e que andarias nos seus caminhos, observando as suas leis, os seus preceitos e os seus mandamentos. 18Por sua vez, o SENHOR declarou-te hoje que serias o seu povo particular, como te tinha dito, e que deverias observar todos os seus mandamentos; 19que te tornaria superior em honra, fama e esplendor a todos os povos que Ele tinha criado; que serias um povo consagrado ao SENHOR, teu Deus, como Ele tinha dito»

Este texto tem a forma de um tratado de aliança, e está colocado entre o corpo legislativo do Deuteronómio (capítulos 11-26) e as bênçãos e maldições que decorrem da observância ou da transgressão dos decretos do Senhor. Juridicamente, em Israel, o pacto representa a forma mais radical para construir a comunhão entre pessoas. Cria-se uma situação em que os contraentes trocam entre si o que têm de mais pessoal. Na presença de testemunhas, e com um documento público, cada uma das partes propõe e aceita um duplo compromisso recíproco.

Mas a liturgia de hoje apresenta-nos um tipo de «pacto» muito especial: não é um pacto entre dois homens, mas entre Deus e um povo, entre Deus fiel e Israel. É um pacto teológico, onde os dois contraentes não se colocam no mesmo nível.

A perícopa tem um claro significado didáctico e manifesta a experiência que Israel fez de Deus. Deus não é um ser longínquo, inacessível; Deus é comunhão, é vontade de salvação para o povo escolhido. É Ele que elege, por amor e gratuitamente o povo (cf Dt 4, 3-7). É Ele que dá a Israel leis e mandamentos, que são um caminho de vida e um modelo de sabedoria (cf. Bar 4, 1-4). Israel é chamado a corresponder a essa graça pela obediência e pela fidelidade a Deus.

Evangelho: Mateus 5, 43-48

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 43*«Ouvistes o que foi dito:

Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. 45*Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. 46Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? 47E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? 48Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.»

Mateus oferece-nos, neste texto, a última antítese com que Jesus revela o cumprimento dos ensinamentos da Lei. O Levítico ordenara o amor ao próximo e proibira a vingança e o rancor «contra os filhos do teu POV(]» (Lev 19, 18). Mas o ensino rabínico e outros contemporâneos de Jesus, como os essénios e os zelotas, admitiam o acrescento, que não é bíblico: «odiarás o teu inimigo». Jesus vai mais além: exige uma caridade sem limites, e que chegue mesmo aos inimigos. Porquê? Porque é assim que o Pai nos ama, e nos quer parecidos com Ele. A universalidade do amor cristão idealista. É concreta: propõe o amor a todos, também a quem não nos ama, não nos cumprimenta ... É esse amor que distingue os discípulos de Cristo dos pagãos e dos pecadores. É, pois um amor que ultrapassa o simplesmente humano e natural, e nos projecta para o horizonte infinitamente perfeito do Pai. A gratuidade do amor torna-se lei que regula a relação com Deus e com os homens. É essa a justiça superior que Jesus exige para se entrar no Reino.

Meditatio

A Aliança de que nos fala o Deuteronómio era um pacto de mútua fidelidade entre Deus e o Povo de Israel: «Hoje, o SENHOR, teu Deus, ordena-te que cumpras estas leis e preceitos ... o SENHOR declarou-te hoje que serias o seu povo particular. .. ». Jesus revela-nos que a obediência às leis e preceitos tinha como objectivo fazer dos membros do povo de Deus filhos do mesmo Deus, semelhantes ao Pai, perfeitos como Ele é perfeito, e que essa perfeição havia de se manifestar na misericórdia, na gratuidade, na bondade para com todos, e para além de qualquer medida. Buscar a perfeição consistirá em procurar uma cada vez maior conformidade com o coração de Deus, com o coração do seu Filho feito homem.

A aliança com Deus deve transformar toda a nossa vida, em profundidade, e não apenas no que se refere à observância exterior das leis e preceitos do Senhor. Jesus vai até mais longe falando, não de aliança, mas de filiação: «Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no CéLP> (vv. 44-45). O nosso comportamento deve ser inspirado pelo desejo de nos tornarmos cada vez mais semelhantes ao nosso Pai do céu. É nisto que consiste o amor perfeito. Trata-se de oferecer o dom maior, o perdão. Foi desse modo que Cristo nos amou na cruz, deixando-nos o exemplo e a graça necessária para nos conformarmos a Ele. Amando os inimigos, rezando por quem nos quer mal, tornamo-­nos filhos de Deus. Já o somos pelo baptismo. Mas tornamo-nos cada vez mais filhos do Pai misericordioso que está no céu. E a nossa maior recompensa será o amor do Pai derramado nos nossos corações.

Para viver a fraternidade na comunidade pomos em prática os ensinamentos de Jesus: "Sede misericordiosos, como é misericordioso o vosso Pai. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e ser-vos-é perdoado; dai e ser-vos-é dado; uma boa medida ... , porque a medida que empregardes com os outros será usada convosco' (Lc 6, 36-38). Não leiamos superficialmente estas palavras de Jesus. Reflictamos bem sobre elas. Se as pusermos em prática, com a ajuda do Espírito Santo, experimentaremos uma profunda serenidade interior, seremos criaturas de paz, de alegria, de bondade e de mansidão.

"Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst 65). O condicional é utilizado muito oportunamente, porque a construção de uma comunidade fraterna, da comunhão, não é fácil. Infelizmente na comunidade religiosa, como na comunidade cristã, também nascem inimizades, pequenas, mesquinhas, porque causadas, geralmente, por corações tacanhos, feridos pelo ciúme e pela inveja. São, porém, inimizades que provocam muito sofrimento em quem deles é objecto, sem culpa. Valem, então, as palavras de Jesus: "Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam (ou que, sem um verdadeiro ódio, são invejosos, ciumentos), bendizei aqueles que vos amaldiçoam (no sentido de que falam mal de vós), rezai por aqueles que vos maltratam (não fisicamente, mas moralmente) (Lc 6, 27-28). "Para que sejais filhos do vosso Pai celeste, que faz nascer o sol para os bons e para os maus, e manda a chuva para os justos e os injustos ... Sede, portanto, perfeitos como é perfeito o Pai celeste' (Mt 5, 45-46).

Oratio

Senhor Jesus, que no teu rosto humano nos revelaste o rosto do Pai, faz que, olhando para Ti, que não Te envergonhaste de ser nosso irmão, aprendamos a viver como filhos obedientes à vontade de Deus. Ele derramou o seu amor gratuito e generoso nos nossos corações, renovando-os, fazendo de nós seus filhos e teus irmãos. Infunde, agora, em nossos corações, o teu Espírito Santo, que faça crescer em nós o homem interior, à tua imagem e semelhança, para vivermos, cada vez mais, como verdadeiros filhos do Pai e como bons irmãos de todos os homens, também daqueles de quem não gostamos, ou que nos fazem sofrer. Acolhendo a graça divina, que repara em nós a imagem do Pai, e a aperfeiçoa, seremos servidores da paz e da reconciliação na Igreja e no mundo. Amen.

Contemplatio

Sede misericordiosos, diz-nos Nosso Senhor, como o vosso Pai é misericordioso (Lc 6, 36). Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5, 48). E S. Paulo acrescentou: «Sede os imitadores de Deus, como seus filhos bem amados, e caminhai no amor, assim como Jesus Cristo nos amou, e se entregou a si mesmo por nós oferecendo-se a Deus como vítima de agradável dom (Ef 5, 1).

Caminhemos no amor, na caridade fraterna, como convém a filhos de Deus. - Sois todos irmãos, dír-nos-á muitas vezes Nosso Senhor. Omnes enim fratres estis (Mt 23).

Éramos irmãos pela criação, tornámo-nos irmãos pela graça e pela adopção divina. O Evangelho acentuou e enobreceu a fraternidade. Assim os nossos sentimentos devem ser inspirados por esta fraternidade delicada. Haveis de evitar, diz Nosso Senhor, irritar-vos contra os vossos irmãos. - Haveis de procurar o seu bem como o vosso próprio bem. - Mesmo se são vossos inimigos, permanecem vossos irmãos e não os haveis de odiar. - Haveis de rezar por eles, haveis de vos consumir pela sua salvação. - Não os julgareis nos vossos corações, não tendes missão para isso, seria uma falta (Lc 6, 37) (leão Dehon, OSP 4, p. 66).

Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

«Sede misericordiosos, como é misericordioso o vosso Pai» (Lc 6,36).

https://youtu.be/p262yjE67qo

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