XVI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


23 de Julho, 2024

Tempo Comum - Anos Pares
XVI Semana - Terça-feira

Lectio

Primeira leitura: Miqueias 7, 14-15. 18-20

14Apascenta com o cajado o teu povo, o rebanho da tua herança, os que habitam isolados nas florestas no meio dos prados. Sejam eles apascentados em Basan e Guilead, como nos dias antigos. 15Mostra-nos os teus prodígios, como nos dias em que nos tiraste do Egipto. 18Qual é o Deus que, como Tu, apaga a iniquidade e perdoa o pecado do resto da sua herança? Não se obstina na sua cólera, porque prefere a bondade. 19Uma vez mais, terá compaixão de nós, apagará as nossas iniquidades e lançará os nossos pecados ao fundo do mar. 20Mostrarás a tua fidelidade a Jacob, e a tua bondade a Abraão, como juraste a nossos pais, desde os tempos antigos.

Miqueias viveu e pregou no século VIII a. C. O texto que concluiu o seu livro, segundo o parecer dos exegetas, é do período pós-exílico. O povo voltou a Canaã, mas a realidade é bem diferente da que fora anunciada pelos profetas, e lhe mantivera viva a esperança durante o exílio em Babilónia. Ao regressar, Israel reencontra as inimizades ancentrais, quer internas quer externas. Os povos vizinhos ocupavam as melhores terras, e Israel tem que contentar-se com zonas menos férteis e de mais difícil acesso. Então, volta-se para Javé, pastor de Israel, para que conduza o seu rebanho a melhores pastagens, como fizera outrora, quando o conduziu da escravidão do Egipto para a liberdade da Terra prometida, no meio de sinais e prodígios. A evocação das "maravilhas de Deus" durante o êxodo, reconduz ao evento da aliança, que fez Israel conhecer o amor de Deus, mas também tomar consciência da sua própria identidade como povo de Deus. Era o que o povo mais precisava naquele momento difícil.
A oração salmódica, que constitui este texto, termina louvando a misericórdia de Deus que perdoa as culpas (v. 18), porque é «lento para a ira e rico de misericórdia» (Ex 34, 6), não busca o castigo para os homens, mas a sua conversão, a fim de os cumular dos seus dons. Por essa razão, a oração torna-se explícita: «Mostrarás a tua fidelidade a Jacob, e a tua bondade a Abraão, como juraste a nossos pais, desde os tempos antigos» (v. 20).

Evangelho: Mateus 12, 46-50

Naquele tempo, 46estava Ele ainda a falar à multidão, quando apareceram sua mãe e seus irmãos, que, do lado de fora, procuravam falar-lhe. 47Disse-lhe alguém: «A tua mãe e os teus irmãos estão lá fora e querem falar-te.» 48Jesus respondeu ao que lhe falara: «Quem é a minha mãe e quem são os meus irmãos?» 49E, indicando com a mão os discípulos, acrescentou: «Aí estão minha mãe e meus irmãos; 50pois, todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está no Céu, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.»

Marcos informa que os familiares de Jesus não acreditavam nele. Até pensavam que tinha enlouquecido. Por isso, tentavam levá-lo para casa (Mc 3, 21). Mateus achou essas informações demasiado escandalosas para os seus leitores e, em vez delas, oferece-nos um tema que tem paralelo em Marcos (3, 31-35).
Jesus está a falar à multidão, quando chegam os seus familiares e manifestam vontade de falar com Ele. Jesus, ao levantar a questão sobre quem são os seus parentes, declara que essa condição não é fruto da carne e do sangue, mas da escuta e actuação da sua palavra. Os fariseus e os escribas, que não acreditam n´Ele, fecham-se na busca de um sinal, sem se darem conta de que estavam diante da própria realidade, superior a qualquer sinal (cf. Mt 12, 38-42). Os discípulos, que escutam a sua palavra, abrem-se à comunhão com Ele, superior à que decorre dos laços de consanguinidade.
Jesus é a Palavra. Quem a acolhe, torna-se, n´Ele, filho do Pai. O verdadeiro filho faz a vontade do Pai, tal como a fez Jesus, ao deixar-se enviar ao mundo (cf. Jo 6, 8). Com estas palavras, Jesus realça a grandeza de Maria, sua Mãe, que o gerou, segundo a carne, fazendo-se discípula, acolhendo a vontade do Pai: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38).

Meditatio

Na primeira leitura, um grupo de exilados, que regressou cheio de esperanças a Canaã, mas que se deparou com muitas dificuldades, continua a olhar o futuro com esperança, porque confia em Deus. Por isso, dirige-lhe uma ardente prece: «Apascenta com o cajado o teu povo, o rebanho da tua herança, os que habitam isolados nas florestas no meio dos prados... Mostra-nos os teus prodígios, como nos dias em que nos tiraste do Egipto» (vv. 14-15). Um povo atribulado procura refazer a sua vida e a sua história pela oração humilde e confiante. Deseja os territórios férteis do Carmelo, de Basan e de Guilead, mas sabe que não dispõe de forças para os ocupar. Então, volta-se para Deus. Não fizera Ele maravilhas quando tirou Israel do Egipto? Não exigia o novo êxodo prodígios semelhantes? É certo que Israel pecara e sofria as consequências do seu pecado. Mas Javé é Aquele Deus que «perdoa o pecado e absolve a culpa», pela sua misericórdia e fidelidade.
A misericórdia e a fidelidade de Deus, que os regressados de Babilónia invocavam, manifestou-se plenamente em Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Na Cruz, o Senhor matou a morte e o mal, redimindo-nos e possibilitando-nos uma vida nova e feliz, na comunhão com Deus e com os irmãos. É essa a grande maravilha realizada por Deus: fazer-nos seus «familiares», participantes da sua vida divina. Talvez estejamos muito habituados a estas verdades, e elas já não nos impressionem, nem delas tiremos as devidas consequências. Portamo-nos como crianças mimadas, que se julgam credoras de tudo o que os pais lhes dão, e só sabem fazer novas exigências. Deus é, na verdade, fiel, e oferece-nos sempre o seu amor, o seu perdão. E nós, como nos relacionamos com Ele? Jesus diz-nos que entra em comunhão com Ele quem faz a sua vontade. Interessa-nos a vontade de Jesus, que é também a vontade do Pai? Que fazemos para procurá-la? A vontade de Deus nem sempre coincide com o nosso ponto de vista, com os nossos sentimentos. Deus manifesta-nos a sua vontade, antes de mais, pela sua Palavra. Em Jesus, disse-nos tudo o que queria dizer-nos. Conhecemos a Sagrada Escritura? Como procuramos conhecer, cada vez mais, essa «carta de Deus aos homens»? Conhecer implica «fazer». Vivemos em coerência com a Palavra escutada?
Não é suficiente escutar a Palavra, é preciso guardá-la e pô-la em prática, como fez a Virgem Maria: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a Tua palavra» (Lc 1, 38). «Sede daqueles que põem em prática a palavra - exorta Tiago - e não apenas ouvintes, enganando-vos a vós mesmos» (1, 22). «Escutar», em sentido bíblico, é «compreender», «acolher» na vida, «ir a Jesus»; é «acreditar», «guarda
r no coração»; é «obedecer» e «fazer». A verdadeira «escuta da Palavra» realiza-se quando se ama, não por palavras, mas «com obras e em verdade» (1 Jo 3, 18).
Encontramos esta «escuta da Palavra» no Pe. Dehon, desde seminarista, como testemunham os dois primeiros cadernos do seu "Diário". Quase todos os conteúdos das suas notas têm raiz na Escritura. As citações são tomadas sem qualquer diferença tanto do Antigo como do Novo Testamento.

Oratio

Senhor, o teu gesto e a tua palavra, no evangelho de hoje, impressionam-me vivamente. Com uma expressão paradoxal, sem negares a tua família carnal, ou menosprezares a tua Mãe, ensinas-me que a verdadeira união Contigo se realiza, não pelos laços do sangue, mas pela adesão à vontade do Pai. Assim, fico a saber que a vontade do Pai é um tesouro inestimável. Mas, quantas vezes, me encontro afastado e mesmo em contradição com ela! Queria uma vida diferente, sem lutas, sem sofrimentos; queria ser diferente do que sou fisicamente, psicologicamente, espiritualmente... Faz-me compreender que a vontade do Pai é o melhor para mim e ajuda-me a cumpri-la fielmente, em todas as situações, cada dia da minha vida. Amen.

Contemplatio

A Sagrada Família refaz a longa rota do deserto. Jesus tinha seis anos desta vez, percorre a pé estas longas jornadas da rota, e sabemos como o deserto é fatigante.
Depois chegou para Maria e José a prova da dúvida e da incerteza. O anjo tinha dito: «Regressai à terra de Israel». Mas o país de Israel é vasto. Devia fixar-se em Belém onde a família tinha ainda alguns contactos, onde as recordações do nascimento de Jesus teriam um encanto particular? Deviam escolher Jerusalém onde parecia que deviam desenrolar-se os acontecimentos relativos ao Messias? Compete a S. José, chefe da família, tomar uma decisão. Que responsabilidade! Deus apraz-se muitas vezes a deixar assim as almas tomarem uma decisão por elas mesmas, segundo as circunstâncias. Foi assim que os Magos, em Jerusalém, perderam a estrela e tiveram de consultar Herodes e os escribas.
José estava em angústia. Em Heliópolis, tinha ignorado os acontecimentos políticos, mas ao aproximar-se de Jerusalém, é informado que foi Arquelau, filho de Herodes, quem sucedeu ao seu pai. Não se dão os mesmos perigos para a vida de Jesus que há seis anos? A atenção de Arquelau pode ser atraída para este menino, que tinha fugido e que agora regressava. Que fazer? S. José reza. Deus não o deixará na dúvida. Inclina-se a retirar-se para a Galileia, onde a pequena casa de Nazaré os espera, e o anjo vem confirmá-lo na sua resolução. Assim os Magos reencontraram a estrela, depois que fizeram o possível para a suprirem. Rezemos, e Deus nunca nos deixará ignorar a sua vontade (Leão Dehon, OSP 3, p. 141s.).

Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Quem fizer a vontade de meu Pai, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe»
(Mt 12, 50).

| Fernando Fonseca, scj |

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