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  • IV Semana - Quinta-feira -Tempo Comum - Anos Pares

    IV Semana - Quinta-feira -Tempo Comum - Anos Pares

    1 de Fevereiro, 2024

    IV Semana - Quinta-feira -Tempo Comum - Anos Pares

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 2, 1-4.10-12

    1Ao aproximar-se o dia da sua morte, David deu a seu filho Salomão as ordens seguintes: 2«Eu avanço pelo caminho por onde vai toda a gente; tem coragem e sê um homem! 3Observa os mandamentos do Senhor, teu Deus, andando nos seus caminhos, guardando as suas leis, seus preceitos, seus costumes e exigências, conforme está escrito na Lei de Moisés; assim terás êxito em todos os teus planos e acções. 4Assim o Senhor fará cumprir a sua palavra que me dirigiu quando disse: 'Se os teus filhos velarem pela sua conduta e andarem na minha presença com lealdade, com todo o seu coração e toda a sua alma, então sim, jamais algum dos teus filhos deixará de se sentar sobre o trono de Israel.'
    10David morreu, juntando-se a seus pais e foi sepultado na cidade de David. 11A duração do reinado de David sobre Israel foi de quarenta anos. Em Hebron reinou sete anos e em Jerusalém trinta e três. 12Salomão sentou-se no trono de David, seu pai, e o seu reinado consolidou-se enormemente.

    Tal como os patriarcas e os grandes chefes de Israel, David, ao ver aproximar-se a morte, reúne os seus filhos para lhes ditar as últimas vontades e pronunciar sobre eles a bênção final (Gn 49; Dt 33; Jos 23-34; 1 Sam 12). Apesar dos seus erros e pecados, David «seguiu os caminhos do Senhor» e pôde juntar-se aos seus pais, de acordo com as expressões do Deuteronómio de dos livros históricos (v. 10). A escola deuteronomista deu forma literária ao testamento de David e deixou nele sinais da sua teologia. A permanência de Salomão no trono fica condicionada à observância dos mandamentos e preceitos da Lei de Moisés, enquanto na formulação da profecia de Natan não havia quaisquer condições (cf. 2 Sam 7, 14-16). Deduz-se, por isso, que o nosso texto foi composto durante o exílio e constitui um chamamento implícito à conversão. Os desterrados deviam saber que a restauração da monarquia, e a continuidade dinástica estavam condicionadas ao cumprimento das cláusulas da Aliança.

    Evangelho: Mc 6, 7-13

    7Naquele Tempo, Jesus chamou os Doze e começou a enviá-los dois a dois e deu-lhes poder sobre os espíritos malignos. 8Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, a não ser um cajado: nem pão, nem alforge, nem dinheiro no cinto; 9que fossem calçados com sandálias e não levassem duas túnicas. 10E disse-lhes também: «Em qualquer casa em que entrardes, ficai nela até partirdes dali. 11E se não fordes recebidos numa localidade, se os seus habitantes não vos ouvirem, ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés, em testemunho contra eles.» 12Eles partiram e pregavam o arrependimento, 13expulsavam numerosos demónios, ungiam com óleo muitos doentes e curavam-nos.

    A proclamação do reino não se faz de modo ocasional. Jesus cria uma «instituição» que põe em movimento e planifica o anúncio da Boa Nova. São os Doze que, depois da visita a Nazaré, Jesus envia em missão, dando-lhes os seus próprios poderes (cf. v. 7).
    Distinguimos no texto três momentos: no primeiro, Jesus dá orientações quanto ao estilo de vida dos missionários: não devem levar provisões, mas confiar na generosidade daqueles a quem se dirigem; no segundo, define o método de pregação: deter-se em casa de quem os acolhe, mas abandonar sem lamentações as daqueles que os não recebam; o terceiro momento é o da execução: os discípulos partem, pregam a conversão, fazem exorcismos e curas com sucesso (vv. 12s.).
    Contentar-se com o essencial da vida, que se apoia na absoluta confiança no Senhor, é condição indispensável para estar ao serviço da Palavra. Isto tem a ver com cada um dos missionários, mas também com a própria Igreja que, não só há-de ser Igreja dos pobres, mas também Igreja pobre.

    Meditatio

    David, antes de dar ao filho Salomão orientações sobre o modo de tratar os inimigos do reino, recomenda-lhe a obediência fiel aos preceitos da Lei, única condição para o sucesso de qualquer empresa em que se venha a meter.
    Num mundo que pretende organizar-se como se Deus não existisse, os crentes hão-de fazer-se eco desta advertência de David a Salomão. Num mundo de abundância, é fácil, para os próprios crentes, esquecer-se do essencial. A pressão dos media também pode levar-nos a orientar a nossa vida pelos lugares comuns em voga, ou a deixar-nos guiar por sondagens televisivas, quando ordenamos a nossa escala de valores.
    Bem diferentes são os parâmetros propostos pelas leituras de hoje. Escutámos as recomendações de David a Salomão. Mas também Jesus, no evangelho, manda aos discípulos dispensar coisas que nos parecem indispensáveis. Nas suas viagens missionárias não hão-de levar «nem pão, nem alforge, nem dinheiro no cinto». Podem ir «calçados com sandálias» mas não devem levar «duas túnicas» (cf. Mc 6, 8-9).
    É verdade que precisamos de alimentação e de umas tantas coisas para sobrevivermos. É verdade que a saúde, a família e o trabalho são importantes. Mas nada disso se há-de sobrepor a Deus. Nada disso se há-de sobrepor ao Reino e à missão que nele nos é confiada. Nada disso é condição indispensável para ser discípulos do Senhor ou para O servir. Em vez de nos desculparmos com essas necessidades e com esses valores para não nos comprometermos no voluntariado, para não darmos o devido tempo à oração, para não nos dedicarmos o tempo ao serviço dos irmãos e ao apostolado, procuremos primeiro a palavra do Senhor, e tudo o resto virá por acréscimo.
    O valor do homem não está em "ter" muito, mas no "ser", e o "ser" do homem é tanto mais perfeito quanto mais experimenta que «só Deus basta» e vive na sua intimidade: "Procurai primeiro o Reino dos Céus e tudo o resto vos será dado por acréscimo" (Mt 6, 33).
    Este ensinamento de Jesus torna-se eficaz quando é testemunhado com a vida, quando um cristão demonstra, com a sua existência, que se torna cada vez mais pessoa humana, prescindindo de tantos bens, que os homens consideram indispensáveis. Se esse cristão for também religioso e missionário, o absoluto de Deus, o desapego dos bens e a confiança na Providência divina, não só devem ser realidades, mas também aparecer como tais aos olhos dos outros cristãos. Se assim não for, o religioso, o missionário, podem tornar-se contra-testemunho.
    E também não basta o testemunho pessoal deste ou daquele religioso, deste ou daquele missionário. É indispensável o testemunho comunitário, o testemunho das próprias comunidades eclesiais.

    Oratio

    Senhor, quando devo partir em missão, faço uma lista de muitas coisas a levar, porque as julgo nec
    essárias. Hoje, Tu confundes-me, apresentando-me uma lista... do que não devo levar. Eu sei que não me queres desmazelado, mas apenas ensinar-me que não devo preocupar-me com demasiadas coisas... para não esquecer a confiança em Ti. Além disso, se aqueles a quem me envias me vissem excessivamente preocupado comigo mesmo, a minha pregação seria um contra-testemunho. Se me vissem utilizar meios poderosos, poderia tornar-se menos visível o poder da tua graça. Por isso, Te peço: afasta de mim a tentação de pôr a segurança da minha vida e o êxito da minha missão nas coisas ou nos meios a utilizar. Que eu me abra a Ti com um coração cada vez mais livre. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor indica aos apóstolos três condições requeridas para o sucesso da sua missão. A primeira é o espírito de desinteresse. «Recebestes gratuitamente, dai gratuitamente». Que os vossos ouvintes vejam que não é por ganho, mas pela salvação das almas e pela felicidade dos homens que trabalhais.
    A segunda é o desapego das coisas da terra e o amor da santa pobreza: «Não leveis convosco nem ouro nem provisões».
    A terceira é a mais inteira confiança nos cuidados e na protecção da divina Providência: «O trabalhador tem direito ao seu alimento».
    Estas condições são ainda hoje as do sucesso.
    Nosso Senhor previne depois os seus discípulos contra as perseguições que virão, e é para o ministério apostólico do futuro que os instrui, porque as perseguições não deviam surgir para eles senão depois do Pentecostes. «Envio-vos, diz-lhes, como cordeiros para o meio de lobos. Sede simples como as pombas, pela vossa doçura e pela vossa caridade, mas também sede prudentes como serpentes para evitardes as armadilhas que vos serão armadas... Não vos inquieteis com o que tereis de responder, se vos conduzirem diante dos juízes, o Espírito Santo assistir-vos-á... Não enfrenteis temerariamente a perseguição, fugi antes para outra cidade... As perseguições não devem, aliás, assustar-vos, elas hão-de preparar-vos uma recompensa incomparável. Quem perseverar será salvo, e em recompensa de sofrimentos passageiros, receberá a eterna felicidade dos céus e um peso imenso de glória (Leão Dehon, OSP 4, p. 267s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Procurai primeiro o Reino dos Céus e tudo o resto vos será dado por acréscimo» (Mt 6, 33).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    IV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    3 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IV Semana - Sábado
    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 3, 4-13

    4Naqueles dias, o rei Salomão dirigiu-se a Guibeon, para aí oferecer um sacrifício, uma vez que esse era o principal lugar alto; e ali Salomão ofereceu em holocausto mil vítimas. 5Em Guibeon o Senhor apareceu a Salomão em sonhos, durante a noite, e disse-lhe: «Pede! Que posso Eu dar-te?» 6Salomão respondeu: «Tu trataste o teu servo David, meu pai, com grande misericórdia, porque ele andou sempre na tua presença com lealdade, justiça e rectidão de coração para contigo; conservaste para com ele essa grande misericórdia, concedendo-lhe um filho que hoje está sentado no seu trono. 7Agora, Senhor, meu Deus, és Tu também que fazes reinar o teu servo em lugar de David, meu pai; mas eu não passo de um jovem inexperiente que não sabe ainda como governar. O teu servo encontra-se agora no meio do teu povo escolhido, um povo tão numeroso que ninguém o pode contar nem enumerar, por causa da sua multidão. 9Terás, pois, de conceder ao teu servo um coração cheio de entendimento para governar o teu povo, para discernir entre o bem e o mal. De outro modo, quem seria capaz de julgar o teu povo, um povo tão importante?» 10Esta oração de Salomão agradou ao Senhor, 11que lhe disse: «Já que me pediste isso e não uma longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus inimigos, mas sim o discernimento para governar com rectidão, 12vou proceder conforme as tuas palavras: dou-te um coração sábio e perspicaz, tão hábil que nunca existiu nem existirá jamais alguém como tu. 13Dou-te também o que nem sequer pediste: riquezas e glória, de tal modo que, durante a tua vida, não existirá rei que te seja igual.

    O autor sagrado realça em Salomão três facetas: sábio (cc. 3-5), construtor (cc. 6-9), rico (c. 10). Mas a mais importante das três facetas é a sabedoria. Essa sabedoria abarca todos os campos: a governação (cf. 3, 16-28), as letras e as artes. Essa sabedoria é dom de Deus, fruto da oração. E a oração do rei é a melhor prova da sua sabedoria. A oração de Salomão, no santuário de Guibeon, é sábia e inteligente. Por isso, agradou ao Senhor. Não foi uma oração egoísta, mas uma oração em que pediu a Deus bons critérios para julgar e para discernir o bem e o mal, para governar com justiça.
    A narrativa do sonho de Salomão tem o estilo das lendas populares. O protagonista aparece como um herói positivo, que segue a lei de Deus e oferece sacrifícios ao Senhor, podendo, por essa razão, pedir o que quisesse (vv. 4s.). Na sua oração, o rei usa a linguagem sapiencial e profética: pede «um coração cheio de entendimento», para fazer justiça ao povo, e «para discernir entre o bem e o mal».
    Tal como nas lendas, o pedido do rei agrada a Deus e é atendido. Mas, com a sabedoria, Salomão recebe também a riqueza e a glória.

    Evangelho: Mc 6, 30-34

    30Naquele tempo, os Apóstolos reuniram-se a Jesus e contaram-lhe tudo o que tinham feito e ensinado. 31Disse-lhes, então: «Vinde, retiremo-nos para um lugar deserto e descansai um pouco.» Porque eram tantos os que iam e vinham, que nem tinham tempo para comer. 32Foram, pois, no barco, para um lugar isolado, sem mais ninguém. 33Ao vê-los afastar, muitos perceberam para onde iam; e de todas as cidades acorreram, a pé, àquele lugar, e chegaram primeiro que eles. 34Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão deles, porque eram como ove-lhas sem pastor. Começou, então, a ensinar-lhes muitas coisas.

    Na segunda parte do seu evangelho (6, 30-10), Marcos diz-nos que Jesus, apesar de galileu, é profundamente universal: dirige-se aos outros, aos afastados, aos gentios; mas não esquece os clássicos, os eleitos.
    O texto que escutamos lembra-nos uma visita «ad limina»: os Apóstolos vêm dos seus lugares de trabalho e contam a Jesus o que fizeram. Jesus escuta-os, mas não quer vê-los cair no triunfalismo do muito que fizeram e fazem, nem no activismo de quem se entrega às coisas do Senhor, esquecendo o próprio Senhor. Por isso, lhes diz: «Vinde, retiremo-nos para um lugar deserto e descansai um pouco». É um momento de intimidade entre Jesus e os seus, um convite ao repouso e ao recolhimento. A comunidade dos Doze, com Jesus no barco, recompõe-se e renova-se em vista da secção dos milagres e da dupla multiplicação dos pães. Estes milagres são preanunciado e introduzidos com a referência à necessidade de alimento, material e simbólico: os discípulos «não tinham tempo para comer» (v. 31); as multidões «eram como ovelhas sem pastor» (v. 34).
    É uma pena que a tradição os retiros e exercícios espirituais se tenham convertido em outras coisas que nem sempre contribuem para o bem dos homens e para o bem da Igreja.

    Meditatio

    Salomão não é grande por causa da sua riqueza, nem por causa da sua sabedoria. É grande porque soube dirigir a Deus a oração justa. Com verdadeira humildade, implorou de Deus a sabedoria como o mais elevado dom, que só Deus pode conceder. Soube também pedir o discernimento: «concede ao teu servo um coração cheio de entendimento... para discernir entre o bem e o mal» (1 Re 3, 8).
    Quanto precisamos da sabedoria para nos conduzirmos pelos critérios de Deus, e não pelos critérios do mundo em que vivemos! Se a obediência vale mais do que os sacrifícios (cf. 1 Sam 15, 22), quanto precisamos de nos habituar a discernir, sempre e em toda a parte, a vontade de Deus acerca de nós, das nossas comunidades e do mundo!
    Os discípulos de Jesus, ao regressarem, contam-lhe os êxitos da missão que lhes tinha confiado: expulsaram demónios, curaram doentes (cf. Mc 6, 13). Jesus, quase não lhes presta atenção, e aponta-lhes algo de mais importante: «Vinde, retiremo-nos para um lugar deserto e descansai um pouco» (Mc 6, 31).
    No mundo agitado em que vivemos, perdemos o sentido do repouso. Mergulhados em mil e uma tarefas, corremos desenfreadamente, sem reservarmos tempo para nós. Jesus lembra-nos que não podemos viver sem nos alimentarmos, sem repousarmos. São exigências da nossa condição humana que não podemos desprezar. A própria eficácia do nosso apostolado depende mais da graça do Senhor do que das nossas correrias e esforços. Precisamos de tempo para estarmos a sós com o Senhor, crescermos na intimidade com Ele, e apresentar-lhe as situações e as pessoas que encontramos no nosso apostolado. Sem nos alimentarmos na mesa da Palavra e da Eucaristia, a nossa vida definha e o nosso apostolado é estéril.
    O Vaticano II lembra aos sacerdotes a necessidade do descanso: "É bem... que se reúnam de boa vontade para passarem juntos, em alegria, alguns momentos de distensão e de repouso" (PO 8). Mas esta recomendação é válida também para os religiosos e mesmo para tantos cristãos que, com os sacerdotes e rel
    igiosos, se empenham denodadamente no apostolado.

    Oratio

    Senhor, dá-me um coração que saiba discernir a vontade do Pai, que saiba amá-la, que saiba cumpri-la pronta e generosamente. Peço-te esta graça por intercessão de Maria, a Virgem que sabia escutar, a Virgem do «Sim». Em cada momento, quer me convoques para a missão, quer me chames a descansar, direi como Tu e como Ela: «Ecce venio! Fiat!»: Eis-me aqui; faça-se!
    Ajuda-me a fazer silêncio, sobretudo dentro de mim. Dá-me o gosto da solidão preenchida pela tua presença. Liberta-me do frenesim da acção e da busca extenuante do barulho e da confusão.
    Que eu saiba escutar o silêncio. Que eu saiba ouvir a tua voz nas pequenas coisas de cada dia: no rosto do irmão, no encanto da natureza, nos trabalhos e na história, no repouso e no sono, quando tudo mergulha no silêncio e só Tu podes penetrar no íntimo dos corações. Amen.

    Contemplatio

    Jesus dedica-se à formação dos seus discípulos e dos seus apóstolos.
    Os seus primeiros encontros com André e João prolongam-se durante a noite (Jo 1, 38). Jesus não liga à fadiga.
    Leva-os a fazer um retiro de vez em quando: «Vinde até ao deserto, dizia-lhes, e repousai um pouco as vossas almas». É preciso às vezes deixar o excesso do ministério para se retemperar.
    Jesus é todo para os seus discípulos para os instruir. Consagra três anos à sua formação doutrinal. Muitas vezes toma-os à parte. No sermão da montanha, tem instruções especiais para os seus apóstolos e outras para as multidões. Fala aos seus apóstolos nas cumeadas e desce depois até ao povo, como para marcar que os padres devem fazer estudos mais elevados e mais difíceis.
    Depois de falar ao povo em parábolas, explica as suas parábolas aos seus apóstolos: «Quanto a vós, diz-lhes, tendes necessidade de compreender bem todos os mistérios do reino de Deus: A vós é dado a conhecer os mistérios do Reino do Céu» (Mt 13, 11).
    Era seu costume retomar os seus ensinamentos com os seus apóstolos e desenvolvê-los: explicava tudo aos discípulos, em particular (Mc 4, 34).
    Era como que os seus cursos de exegese e de teologia.
    E continuou assim até depois da sua ressurreição. Nas suas aparições, instruía-os sobre o reino de Deus, isto é, sobre a Igreja, a sua organização, o seu culto, os seus sacramentos: Apareceu-lhes durante quarenta dias e falava-lhes do Reino de Deus (Act 1, 4).
    Pensemos em perpetuar o nosso sacerdócio, em cultivar as vocações, em ajudá-las? Temos concorrido para desenvolver algumas? (Leão Dehon, OSP 2, p. 568s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vinde e descansai um pouco» (Mc 6, 31).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 05º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    05º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    4 de Fevereiro, 2024

    Ano B

    5.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 5.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 5.º Domingo do Tempo Comum coloca-nos face a questões que, desde sempre, inquietaram os seres humanos: qual o sentido do sofrimento e da dor que acompanham a caminhada do homem pela terra? Qual a “posição” de Deus face aos dramas que marcam a nossa existência? A Palavra de Deus que hoje escutamos não tem respostas absolutas para estas questões; mas deixa-nos uma certeza fundamental: o projeto que Deus tem para nós não é um projeto de morte, mas é um projeto de felicidade e de vida sem fim.

    Na primeira leitura, um crente chamado Job comenta, com amargura e desilusão, o facto de a sua vida estar marcada por um sofrimento atroz e de Deus parecer ausente e indiferente face ao desespero em que a sua existência decorre… Apesar disso, é a Deus que Job se dirige, pois sabe que Deus é a sua única esperança e que fora d’Ele não há possibilidade de salvação.

    No Evangelho manifesta-se a eterna preocupação de Deus com a felicidade dos seus filhos. Na ação libertadora de Jesus em favor dos homens, começa a manifestar-se esse mundo novo sem sofrimento, sem opressão, sem exclusão que Deus sonhou para os seus filhos e filhas. O texto sugere, ainda, que a ação de Jesus tem de ser continuada pelos seus discípulos.

    Na segunda leitura, Paulo de Tarso revela aos coríntios – e aos crentes de todas as épocas e lugares – que o amor é o princípio fundamental que guia cada um dos seus passos. Foi por amor que ele se fez servidor do Evangelho, sem exigir nada de ninguém. É de acordo com este princípio que os discípulos de Jesus devem viver.

     

    LEITURA I – Job 7,1-4.6-7

    Job tomou a palavra, dizendo:
    «Não vive o homem sobre a terra como um soldado?
    Não são os seus dias como os de um mercenário?
    Como o escravo que suspira pela sombra
    e o trabalhador que espera pelo seu salário,
    assim eu recebi em herança meses de desilusão
    e couberam-me em sorte noites de amargura.
    Se me deito, digo: ‘Quando é que me levanto?’
    Se me levanto: ‘Quando chegará a noite?’
    e agito-me angustiado até ao crepúsculo.
    Os meus dias passam mais velozes que uma lançadeira de tear
    e desvanecem-se sem esperança.
    – Recordai-Vos que a minha vida não passa de um sopro
    e que os meus olhos nunca mais verão a felicidade».

     

    CONTEXTO

    O Livro de Job, uma das pérolas da literatura universal, apresenta uma reflexão sobre algumas das grandes questões que se colocam aos seres humanos: qual o sentido da vida? Qual a situação do homem diante de Deus? Qual o papel de Deus na vida e nos dramas do ser humano? Qual o sentido do sofrimento?

    Job, a figura principal deste livro, é apresentado como um homem piedoso, bom, generoso e cheio de “temor de Deus”. Possuía muitos bens e uma família numerosa… Mas, repentinamente, viu-se privado de todos os seus bens, perdeu a família e foi atingido por uma grave doença.

    O drama de Job, apresentado em pormenor nos dois primeiros capítulos do livro, serve para introduzir uma reflexão sobre um dos grandes dogmas da fé israelita: o dogma da retribuição. Para a catequese tradicional de Israel, Javé recompensava os bons pelas suas boas obras e castigava os maus pelas injustiças e arbitrariedades que praticavam. A justiça de Deus era linear, lógica, imutável. De acordo com os teólogos de Israel, Javé é um Deus previsível, que Se limita a fazer a contabilidade das ações do homem e a pagar-lhe em consequência.

    No entanto, a vida nem sempre confirmava esta visão de Deus e da sua forma de atuar. Constatava-se, com frequência, que os maus possuíam bens em abundância e viviam vidas longas e felizes, enquanto que os justos eram pobres e sofriam por causa da injustiça e da violência dos poderosos. Mais ainda: o dogma não respondia ao problema do sofrimento do inocente. Se um homem bom, piedoso, que teme o Senhor e que vive na observância dos mandamentos sofre, como explicar esse sofrimento?

    Job discorda da teologia tradicional e, a partir da sua própria experiência, denuncia uma fé instalada em preconceitos e em teorias que não têm nada a ver com a vida. Ele não aceita as falsas imagens de Deus fabricadas pelos teólogos de Israel, para quem Deus não passa de um comerciante que paga conforme a qualidade da mercadoria que recebe.

    Como não pode aceitar esse deus falso, Job parte em demanda do verdadeiro rosto de Deus. Numa busca apaixonada, emotiva, dramática, temperada pelo sofrimento, marcada pela rebeldia e, às vezes, pela revolta, Job chega ao “face a face” com Deus. Descobre um Deus omnipotente, desconcertante, incompreensível, que ultrapassa infinitamente as lógicas humanas; mas que ama, com amor de Pai, cada uma das suas criaturas. A Job nada resta senão reconhecer a sua pequenez e finitude, a sua incapacidade para compreender os projetos de Deus, a vacuidade da sua pretensão de julgar Deus e de entendê-l’O à luz da lógica dos homens. Job decide, finalmente, trilhar o único caminho que faz sentido: vai entregar-se totalmente nas mãos desse Deus incompreensível mas cheio de amor, e vai confiar plenamente n’Ele.

    O texto que a liturgia deste dia nos propõe como primeira leitura integra o corpo central do livro (Jb 3,1 -31,40). Aí encontramos um diálogo entre Job (o crente inconformado, polémico, contestatário) e quatro “amigos” (os defensores da teologia tradicional). Nesse diálogo, Job vai desfazendo os argumentos da catequese oficial de Israel; e vai, também, derramando a sua insatisfação e revolta, num desafio a esse deus falso que os amigos lhe apresentam e que Job se recusa a aceitar. O primeiro dos “amigos” a falar é um tal Elifaz de Teman (Jb 4,1-5,27); Job responde-lhe com uma reflexão sobre o sentido da vida (Jb 6,1-7,21).

    MENSAGEM

    Para mostrar como a vida é dura, triste e dolorosa, Job utiliza três exemplos (vers. 1-2): o primeiro é o da vida do soldado, condenado a uma existência de luta, de risco e de sujeição; o segundo é o do escravo, condenado a uma vida de trabalho, de tortura e de maus tratos (só os breves momentos de descanso, à sombra, lhe dão algum alívio); o terceiro é o do trabalhador assalariado, condenado a trabalhar duramente de sol a sol (embora receba a recompensa de um salário). Estes são, na época, os três “estados” considerados mais penosos e miseráveis da vida do homem.

    No entanto, Job considera que a sua situação pessoal ainda é mais terrível. A dor que enche a sua existência cansa mais do que o trabalho do assalariado; a sua infelicidade é mais dolorosa do que a vida de luta e de risco do soldado; o seu desespero é mais pesado do que a sujeição do escravo. O sofrimento de Job não lhe dá descanso, nem de noite nem de dia, e a sua desilusão não é atenuada (como no caso do trabalhador) com a esperança de uma recompensa (vers. 3-4. 6).

    Depois de traçar o quadro da sua triste existência, Job dirige-se diretamente a Deus (vers. 7 e seguintes) e pede-lhe que “recorde” (isto é, que tenha em consideração) a triste situação do seu servo. O texto que a liturgia de hoje nos propõe termina no vers. 7; mas a oração de Job continua até ao final do capítulo (vers. 21).

    As palavras de Job estão carregadas de desespero, de amargura e de revolta contra esse Deus incompreensível e prepotente que Se recusa a pôr um fim ao drama do seu amigo Job. O grito de revolta de Job brota de um coração dolorido e é a expressão da angústia de um homem que, na sua miséria, se sente injustiçado e condenado pelo próprio Deus; mas é também o grito do crente que, sentindo-se completamente à deriva, sabe que só em Deus pode encontrar a esperança e o sentido para a sua existência.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O sofrimento – sobretudo o sofrimento do inocente – é o drama mais inexplicável que atinge o homem ao longo da sua caminhada pela história. Que razões há para o sofrimento de uma criança ou de uma pessoa boa e justa? Porque é que algumas vidas estão marcadas por um sofrimento atroz e sem esperança? Como é que um Deus bom, cheio de amor, preocupado com a felicidade dos seus filhos, Se situa face ao drama do sofrimento humano? A única resposta honesta é admitir que não temos explicações definitivas para realidades que nos ultrapassam absolutamente. O “sábio” autor do livro de Job lembra-nos, a este propósito, a nossa pequenez, os nossos limites, a nossa finitude, a nossa incapacidade para entender os mistérios e os caminhos de Deus; mas deixa-nos também uma certeza fundamental: dê a vida as voltas que der, Deus ama-nos com amor de pai e de mãe e quer conduzir-nos ao encontro da vida verdadeira e definitiva, da felicidade sem fim… O nosso mundo está cheio de dramas que nos deixam sem palavras… Talvez nem sempre sejamos capazes de entender os caminhos de Deus; mas, mesmo quando as coisas não fazem sentido do ponto de vista da nossa lógica humana, resta-nos confiar no amor e na bondade do nosso Deus e entregarmo-nos confiadamente nas suas mãos. Como é que lidamos com as questões que nos ultrapassam e põem em causa a nossa visão do mundo e da vida? Somos capazes de confiar em Deus, a fundo perdido, mesmo quando não compreendemos a lógica das suas decisões?
    • Ao longo do livro de Job, multiplicam-se os desabafos magoados de um homem a quem o sofrimento tornou duro, exigente, amargo, agressivo, inconformado, revoltado até. No entanto, Deus nunca condena o seu amigo Job pela violência das suas críticas e das suas exigências… Deus sabe que as vicissitudes da vida podem levar o homem ao desespero; por isso, entende o seu drama e não leva demasiado a sério as suas expressões menos próprias e menos respeitosas. A atitude compreensiva e tolerante de Deus convida-nos a uma atitude semelhante face aos lamentos de revolta e de incompreensão vindos do coração daqueles irmãos que a vida maltratou… Que ressonância tem no nosso coração o lamento sentido dos nossos irmãos, mesmo quando esse lamento assume expressões mais contundentes e mais chocantes?
    • Job é, também, o crente honesto e livre, que não aceita certas imagens pré-fabricadas de Deus, apresentadas pelos profissionais do sagrado. Recusa-se a acreditar num Deus construído à imagem dos esquemas mentais do ser humano, que funciona de acordo com a lógica humana da recompensa e do castigo, que Se limita a fazer a contabilidade do bem e do mal do ser humano e a responder com a mesma lógica. Com coragem, correndo o risco de não ser compreendido, Job recusa esse Deus e parte à procura do verdadeiro rosto de Deus – esse rosto que não se descobre nos livros ou nas discussões teológicas abstratas, mas apenas no encontro “face a face”, na aventura da procura arriscada, na novidade infinita do mistério. Estamos dispostos, também nós, a percorrer esse caminho de descoberta e de encontro com Deus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 146 (147)

    Refrão:  Louvai o Senhor, que salva os corações atribulados.

    Ou:        Aleluia.

     

    Louvai o Senhor, porque é bom cantar,
    é agradável e justo celebrar o seu louvor.
    O Senhor edificou Jerusalém,
    congregou os dispersos de Israel.

    Sarou os corações dilacerados
    e ligou as suas feridas.
    Fixou o número das estrelas
    e deu a cada uma o seu nome.

    Grande é o nosso Deus e todo-poderoso,
    é sem limites a sua sabedoria.
    O Senhor conforta os humildes
    e abate os ímpios até ao chão.

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 9,16-19.22-23

    Irmãos:
    Anunciar o Evangelho não é para mim um título de glória,
    é uma obrigação que me foi imposta.
    Ai de mim se não anunciar o Evangelho!
    Se o fizesse por minha iniciativa,
    teria direito a recompensa.
    Mas, como não o faço por minha iniciativa,
    desempenho apenas um cargo que me está confiado.
    Em que consiste, então, a minha recompensa?
    Em anunciar gratuitamente o Evangelho,
    sem fazer valer os direitos que o Evangelho me confere.
    Livre como sou em relação a todos,
    de todos me fiz escravo,
    para ganhar o maior número possível.
    Com os fracos tornei-me fraco,
    a fim de ganhar os fracos.
    Fiz-me tudo para todos,
    a fim de ganhar alguns a todo o custo.
    E tudo faço por causa do Evangelho,
    para me tornar participante dos seus bens.

     

    CONTEXTO

    No mundo grego, os templos eram os principais matadouros de gado. Os animais eram oferecidos aos deuses e imolados nos templos. Uma parte do animal era queimada e outra parte pertencia aos sacerdotes. Havia ainda sobras, que o pessoal do templo comercializava. Essas sobras encontravam-se à venda nas bancas dos mercados, eram compradas pela população e entravam na cadeia alimentar. No entanto, tal situação não deixava de suscitar algumas questões aos cristãos: comprar essas carnes e comê-las – como toda a gente fazia – não seria, de alguma forma, comprometer-se com os cultos idolátricos? E que fazer quando se recebia um convite para comer em casa de um amigo e eram servidas carnes que provinham dos templos pagãos?

    Paulo foi questionado pelos coríntios sobre estas questões; e respondeu-lhes em 1 Cor 8-10. Concretamente, a resposta de Paulo aparece em vinte versículos (cf. 1 Cor 8,1-13 e 10,22-29): dado que os ídolos não existem, comer dessa carne não tem qualquer problema; contudo, o mais importante é não escandalizar os mais débeis. Se houver esse perigo, evite-se comer a carne de animais imolados aos ídolos, a fim de não faltar à caridade.

    Contudo, Paulo vai mais além da questão concreta posta pelos coríntios e enuncia um princípio geral que vale para este caso e vale em qualquer outra situação: o que é fundamental não é o que eu tenho o direito de fazer (aqui, em concreto, comer da carne imolada aos ídolos), mas é que os meus comportamentos sejam guiados pelo amor. Ora, o amor pode, em certas circunstâncias, exigir que eu renuncie aos meus direitos e à minha liberdade, em benefício de um bem maior. Para ilustrar esta “doutrina”, Paulo dá o seu próprio exemplo: ele renunciou muitas vezes aos seus direitos, por causa do amor aos irmãos. Em concreto, Paulo foi escolhido por Deus para ser apóstolo e, como apóstolo, podia reivindicar viver à custa do Evangelho… Mas nunca exigiu nada porque o que o preocupa, mais do que tudo, é o benefício das comunidades e dos irmãos (cf. 1 Cor 9,1-15).

     

    MENSAGEM

    Na verdade, a tarefa de anunciar o Evangelho nunca foi, para Paulo, um emprego que lhe dava jeito ou uma carreira apetecível, mas foi sempre “uma obrigação” que lhe foi imposta (vers. 16). Trata-se de uma afirmação surpreendente… Então Paulo sente-se obrigado a anunciar o Evangelho? Assim é, de facto. Desde aquele dia em que, no caminho de Damasco, encontrou Cristo, Paulo apaixonou-se por Cristo e pelo seu projeto de libertação. É essa “paixão” que o obriga a dar testemunho da Boa Nova de Jesus. Paulo sente, inclusive, que se não tivesse agarrado essa missão com todas as suas forças e com todo o seu querer, a sua vida deixaria de fazer sentido. A expressão “ai de mim se não anunciar o Evangelho” traduz esse imperativo que Paulo sente e que brota do seu amor a Cristo, ao Evangelho e aos homens. Por amor, Paulo renunciou à sua própria liberdade e pôs a sua vida ao serviço de Cristo e do Evangelho.

    Mais ainda: ao dedicar toda a sua vida ao serviço do Evangelho, Paulo teria o direito a receber o seu sustento daqueles que beneficiam do seu trabalho missionário; mas nunca quis qualquer pagamento. Ele sempre agiu por amor: por amor a Cristo e por amor aos irmãos. Quando se ama, a recompensa deixa de ser importante. Por amor, Paulo renunciou aos seus direitos e fez-se “servo de todos” (vers. 19); por amor, ele renunciou aos seus próprios interesses e benefícios pessoais e identificou-se com os fracos, fez-se “tudo para todos” (vers. 22-23).

    Cá está a “lei” fundamental, a lei decisiva que orienta a vida de Paulo: o amor. O amor está acima da própria liberdade; o amor sobrepõe-se até aos mais legítimos direitos da pessoa. É de acordo com este princípio que os discípulos de Cristo devem viver.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Para Paulo, o valor realmente absoluto e ao qual tudo o resto se deve subordinar é o amor. Só assim seremos dignos filhos desse Deus que, por amor, desceu ao encontro dos homens, partilhou as suas dores, enfrentou as forças do ódio e da injustiça, e até sofreu morte maldita numa colina fora da cidade santa de Jerusalém. No concreto do nosso dia a dia, é o amor – vivido ao jeito de Jesus, como renúncia ao egoísmo, como entrega total, como serviço simples e humilde – que conduz as nossas opções? E isso traduz-se no respeito pela vida, pela dignidade, pelos direitos dos nossos irmãos e irmãs?
    • A nossa sociedade é muito sensível aos direitos individuais e valoriza muito a liberdade. Trata-se, sem dúvida, de uma das dimensões mais significativas e mais positivas da cultura do nosso tempo… Contudo, a afirmação intransigente dos próprios direitos e da própria liberdade pode, por vezes, traduzir-se em prejuízo para os outros irmãos… Quando está em jogo o bem dos meus irmãos, onde começa e onde acaba a nossa liberdade?
    • A expressão “ai de mim se não anunciar o Evangelho” traduz a atitude de quem descobriu Jesus Cristo e a sua proposta e sente a responsabilidade por passar essa proposta libertadora aos outros homens. Implica o dom de si, o esquecimento dos seus interesses e esquemas pessoais, para fazer da própria vida um dom a Cristo, ao Reino e aos outros irmãos. Que eco é que esta exigência encontra no nosso coração? O amor a Cristo e aos irmãos sobrepõe-se aos nossos esquemas e programas pessoais e obriga-nos a sentirmo-nos comprometidos com o Evangelho e com o testemunho do Reino?
    • O serviço do Evangelho e dos irmãos não pode ser, nunca, uma instalação numa vida fácil, descomprometida, cómoda, pouco exigente. Aquele que dedica a sua vida ao serviço do Reino não é um mero funcionário que resolve os problemas “burocráticos” que a “profissão” exige e que se retira comodamente para o seu mundo isolado, em paz com a sua consciência… Mas é alguém que põe o amor aos irmãos e à comunidade acima de tudo, que está sempre disponível para servir, que é capaz de renunciar até aos seus tempos de descanso para acompanhar os irmãos, para os escutar, para os acolher. Como discípulos de Jesus, o amor está sempre acima dos nossos próprios interesses e faz da nossa vida dom, serviço, entrega total?

     

    ALELUIA – Mateus 8,17

    Aleluia. Aleluia.

    Cristo suportou as nossas enfermidades
    e tomou sobre Si as nossas dores.

     

    EVANGELHO – Marcos 1,29-39

    Naquele tempo,
    Jesus saiu da sinagoga
    e foi, com Tiago e João, a casa de Simão e André.
    A sogra de Simão estava de cama com febre
    e logo Lhe falaram dela.
    Jesus aproximou-Se, tomou-a pela mão e levantou-a.
    A febre deixou-a e ela começou a servi-los.
    Ao cair da tarde, já depois do sol-posto,
    trouxeram-Lhe todos os doentes e possessos
    e a cidade inteira ficou reunida diante da porta.
    Jesus curou muitas pessoas,
    que eram atormentadas por várias doenças,
    e expulsou muitos demónios.
    Mas não deixava que os demónios falassem,
    porque sabiam qual Ele era.
    De manhã, muito cedo, levantou-Se e saiu.
    Retirou-Se para um sítio ermo
    e aí começou a orar.
    Simão e os companheiros foram à procura d’Ele
    e, quando O encontraram, disseram-Lhe:
    «Todos Te procuram».
    Ele respondeu-lhes:
    «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas,
    a fim de pregar aí também,
    porque foi para isso que Eu vim».
    E foi por toda a Galileia,
    pregando nas sinagogas e expulsando os demónios.

     

    CONTEXTO

    Estamos na primeira parte (cf. Mc 1,14-8,30) do Evangelho segundo Marcos. Nesta parte, Jesus é apresentado como o Messias que proclama o “Reino de Deus”.

    No texto do Evangelho que escutamos no passado domingo (Mc 1,21-28), Marcos tinha-nos levado até à sinagoga de Cafarnaum, num sábado de manhã, para testemunharmos como Jesus curou “um homem com um espírito impuro”, deixando as pessoas presentes a questionar-se sobre a origem da sua autoridade. Agora Marcos propõe-se descrever o seguimento desse dia (Mc 1,29-39). Convida-nos, antes de mais, a acompanhar Jesus até à casa de Pedro onde está preparada, para Ele, a refeição de sábado. A casa de Pedro ficava a uns 40 metros da sinagoga de Cafarnaum, segundo os dados arqueológicos. Mas, na “agenda” de Jesus para esse dia, ainda havia mais um “compromisso”: já ao anoitecer, Ele encontra-se com “a cidade inteira”, reunida “à porta” da “casa de Pedro”. Estes diversos quadros fazem parte do que se convencionou chamar “a jornada de Cafarnaum” (Mc 1,21-39): é a descrição de um dia típico de Jesus, no cumprimento da missão que o Pai lhe confiou.

     

    MENSAGEM

    Entremos com Jesus na “casa de Pedro e André. Connosco vão, também, Tiago e João. É, portanto, uma casa cheia de discípulos. Está lá, ainda, a sogra de Pedro: ela pertence àquela casa. É uma casa de família e aqueles que estão lá dentro são a família de Jesus (cf. Mc 3,35: “aquele que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”). Pedro ocupa, nesta casa, um lugar de referência.

    Ora, um dos membros daquela família – a sogra de Pedro – está numa situação de debilidade (vers. 30: “estava de cama com febre”); mas Jesus, que veio para dar vida, aproxima-se dela e cura-a (vers. 31). O episódio é descrito com simplicidade e sobriedade, sem gestos teatrais desnecessários. Três pormenores sobressaem na descrição (vers. 31). O primeiro é a indicação de que Jesus “aproximou-Se” da mulher doente. Naturalmente, a iniciativa de Se aproximar de quem está prisioneiro do sofrimento, da doença, da opressão, é sempre de Jesus. Ele toma a iniciativa, pois a missão que recebeu do Pai consiste em realizar a libertação do homem de tudo aquilo que o faz sofrer e lhe rouba a vida. O segundo é a indicação de que Jesus tomou a doente pela mão e “levantou-a”. O verbo utilizado pelo evangelista (o verbo grego “egueirô” – “levantar”) aparece frequentemente em contextos de “ressurreição” (cf. Mc 5,41;6,14.16;9,27;12,26;14,28;16,6). A mulher está prostrada pelo sofrimento que lhe limita a possibilidade de viver plenamente; mas o contacto com Jesus devolve-lhe a vida e equivale a uma ressurreição. O terceiro é a indicação de que a mulher “começou a servi-los”. O efeito imediato do contacto com Jesus e do dinamismo de vida que d’Ele brota é a atividade que se concretiza no serviço dos irmãos.

    No final desse dia, Marcos convida-nos a acompanhar Jesus até à porta da casa. Está ali reunida “a cidade inteira”. O sol já se pôs, as trevas mergulharam toda aquela gente numa escuridão sem esperança. Só Jesus, no seu papel de Messias libertador, é capaz de lhes devolver a luz. “Jesus” – diz Marcos – “curou muitas pessoas que eram atormentadas por várias doenças e expulsou muitos demónios” (vers. 32-34). Aqueles enfermos e os possessos do demónio representam, aqui, todos aqueles que estão privados de vida, que estão prisioneiros do sofrimento, da injustiça, do egoísmo, do pecado. O evangelista convida-nos a ver em Jesus Aquele que tem poder para libertar o homem das suas misérias mais profundas e para lhe oferecer uma vida nova, uma vida livre e feliz.

    A “casa de Simão Pedro” (onde Jesus atua e diante da qual se reúne “toda a cidade” à procura da libertação que Jesus veio oferecer) pode ser – nesta catequese que Marcos nos propõe – uma representação da Igreja. É aí que Jesus oferece à “família de Pedro” (isto é, à sua comunidade) vida em abundância. Nesse espaço familiar, Jesus aproxima-Se dos homens, liberta-os do sofrimento que escraviza e aliena, dá-lhes vida definitiva e capacita-os para o serviço dos irmãos. A multidão que se reúne à porta da casa de Pedro representa, provavelmente, essa humanidade que busca a libertação e a vida verdadeira e que, dia a dia, olha ansiosamente para a “casa de Pedro” (a Igreja) à procura de Jesus e da sua proposta libertadora.

    No quadro final (vers. 35-38), antes de dar por concluída esta jornada, Marcos ainda nos convida a olhar para Jesus, retirado num lugar solitário, em oração. A oração, o tempo para o encontro e para o diálogo com o Pai, não podia faltar num dia típico de Jesus. A oração é, para Jesus, o cume e a fonte da ação.

    Dessa forma, a oração aparece, também, como condição para o surgimento do “Reino”. É na oração que Jesus encontra a motivação para a sua ação em prol do “Reino”; é na oração que Jesus encontra a força para se libertar da tentação da popularidade fácil e para centrar, de novo, a sua atenção em Deus e no seu projeto. O encontro a sós com Deus não é uma alienação, uma fuga dos problemas do mundo, mas é um momento de comunhão com Deus que nos ajuda a perceber os projetos e planos que Deus tem para o mundo. A oração torna-se, assim, o ponto de partida para o nosso compromisso com a transformação do mundo.

    Alimentado pelo diálogo com o Pai, Jesus pode agora retomar a missão e partir ao encontro das “povoações vizinhas” a propor, em palavras e em gestos libertadores, a Boa Notícia do Reino de Deus (vers. 38-39). Não irá sozinho (“vamos”): a missão de anunciar a libertação (vers. 38-39) também diz respeito a esses discípulos que estiveram com Jesus na “casa de Pedro”, aos de ontem, aos de hoje, aos de sempre.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A presença de Jesus na nossa história, as suas palavras e os seus gestos libertadores atestam, até ao infinito, a preocupação de Deus com a vida e a felicidade dos seus filhos. É verdade: os dias de Jesus foram preenchidos, de fio a pavio, com a luta contra tudo aquilo que destrói e desumaniza os filhos e filhas de Deus. Deus sonhou, para nós, um mundo de onde estão ausentes o sofrimento, a maldição e a exclusão, e onde cada pessoa tem acesso à vida verdadeira, à felicidade definitiva, à salvação. Talvez nem sempre entendamos o sentido do sofrimento que nos espera em cada esquina da vida; talvez nem sempre sejam claros, para nós, os caminhos por onde se desenrolam os projetos de Deus… Mas Jesus veio garantir-nos absolutamente o empenho de Deus na felicidade e na libertação do homem. Resta-nos confiar em Deus e entregarmo-nos ao seu amor. É essa a perspetiva que nós, discípulos de Jesus, temos de Deus e do seu projeto salvador?
    • O encontro com Jesus e com o “Reino” é sempre uma experiência libertadora. Pedro, André, Tiago e João fizeram essa experiência. Aceitar o convite de Jesus para O seguir e para se tornar “discípulo” significa a rutura com as cadeias de egoísmo, de orgulho, de comodismo, de autossuficiência, de injustiça, de pecado que impedem a nossa felicidade e que geram sofrimento, opressão e morte nas nossas vidas e nas vidas dos nossos irmãos. Quem se encontra com Jesus, escuta e acolhe a sua mensagem, assume o compromisso de conduzir a sua vida pelos valores do Evangelho e passa a viver no amor, no perdão, na tolerância, no serviço aos irmãos. Na perspetiva da catequese que o Evangelho de hoje nos apresenta, é um “levantar-se”, um ressuscitar para uma vida nova e eterna. Nós que nos encontramos com Jesus e decidimos segui-l’O, temos procurado viver e testemunhar os valores do Reino?
    • O exemplo da sogra de Pedro que, depois de ter sido curada da sua enfermidade, “começou a servir” os que estavam na casa, lembra-nos que do encontro libertador com Jesus deve resultar o compromisso com a libertação dos nossos irmãos. Quem encontra Jesus e aceita inserir-se na dinâmica do “Reino” compromete-se com a transformação do mundo: com generosidade, põe-se ao serviço dos irmãos frágeis, necessitados, abandonados, perseguidos e leva-lhes a ternura e a bondade de Deus em gestos concretos de amor e cuidado. Os nossos gestos são sinais da vida de Deus para os irmãos que caminham ao nosso lado?
    • Na multidão que se concentra à porta da “casa de Pedro”, podemos ver a imensa multidão de seres humanos que, à nossa volta, todos os dias grita a sua frustração pela guerra, pela violência, pela injustiça, pela miséria, pela exclusão, pela solidão, pela falta de amor… A Igreja de Jesus Cristo (a “casa de Pedro”) tem nas mãos a proposta libertadora que recebeu do próprio Jesus e que deve ser oferecida a todos estes irmãos que vivem prisioneiros de um sofrimento sem esperança. O que é que nós, discípulos de Jesus, temos feito no sentido de transformar as existências sofridas desses nossos irmãos e irmãs? Ao olhar para a Igreja de Jesus, os imigrantes clandestinos que chegam às nossas praias, os homens e as mulheres vítimas do preconceito e da condenação social ou religiosa encontram solidariedade, ajuda, fraternidade, preocupação real com os seus dramas e misérias, ou apenas discursos teológicos abstratos e virados para o céu? Os nossos irmãos idosos, doentes, esquecidos encontram nos nossos gestos o amor libertador de Jesus que dá esperança e que aponta no sentido de um mundo mais fraterno e mais humano, ou encontram egoísmo, indiferença, solidão, abandono?
    • O exemplo de Jesus mostra que o aparecimento do “Reino de Deus” está ligado a uma vida de comunhão e de diálogo com Deus. Rezar não é fugir do mundo ou alienar-se dos problemas do mundo e dos dramas dos homens… Mas é uma tomada de consciência dos projetos de Deus para o mundo e um ponto de partida para o compromisso com o “Reino”. Só na comunhão e no diálogo íntimo com Deus percebemos os seus projetos e recebemos a força de Deus para nos empenharmos na transformação do mundo. No meio da azáfama do dia a dia, conseguimos reservar momentos para o encontro e o diálogo com o Pai? Estamos conscientes da importância de escutar o Pai, de tentar entender e acolher os seus projetos para nós e para o mundo?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 5.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 5.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    O Evangelho de hoje resume a missão de Jesus: Ele veio para levantar os homens feridos no seu corpo e no seu espírito. Se pegou na mão da sogra de Pedro, quis atingir a mão de tantos estropiados da vida que se apressavam no seu caminho. Ele veio, com o seu exemplo, dizer-nos que somos chamados a entrar em relação com Deus: “A glória de Deus é o homem vivo, a vida do homem é a visão de Deus»”, dizia S. Ireneu. Se Jesus Se retira para um lugar deserto, não é para fugir do mundo, mas para falar do mundo a seu Pai. Ele proclama a Boa Nova. Ora, qual é esta Boa Nova senão a libertação da humanidade e a glória de Deus? Não é um exemplo que Jesus nos dá: estender as mãos aos nossos irmãos em humanidade e, ao mesmo tempo, erguer os olhos para Deus na oração? Missão e contemplação não se opõem, pelo contrário completam-se e enriquecem-se mutuamente.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Rezar não é perder tempo… “Todos Te procuram”. Há uma espécie de reprimenda nas palavras dos apóstolos. É verdade: há tantos doentes a curar, o sofrimento é um oceano inesgotável! Então, porque Se retira Jesus para um lugar deserto para rezar? Face às urgências do momento, não deveria ficar no meio dos pobres para os aliviar? Porém… As curas corporais, por mais importantes que sejam, têm apenas um tempo. Todos os miraculados de Jesus são mortos! Então Jesus quer fazer compreender que os seus milagres são sinais que apontam para outra realidade, infinitamente mais importante: a sua vitória sobre o único mal que pode verdadeiramente matar os homens, o pecado, a recusa do amor. É para isso que o seu Pai O enviou. Jesus deve, pois, alimentar-Se desta vontade do Pai, para a cumprir até ao fim. Passar tempo a rezar não é perder o seu tempo. Pelo contrário, é deixar a vontade do seu Pai invadi-l’O cada vez mais. É isso que Jesus quer fazer compreender aos discípulos de então e de hoje: é preciso que também eles se enraízem cada vez mais profundamente neste amor do Pai. Então poderemos tornar-nos testemunhas eficazes deste amor, que se transbordará, sem dúvida, no serviço muito concreto aos pobres e aos doentes, e que abrirá perspetivas sobre o nosso verdadeiro destino: a vida eterna junto do Pai.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Anunciar o Evangelho… “Ai de mim se não evangelizar!” Não nos é pedido o impossível, mas talvez, numa ou noutra ocasião, poderíamos testemunhar a nossa fé nesta “Boa Nova”: na nossa maneira de reagir face às preocupações da vida (preocupações materiais face à grave crise económica que estamos a passar em todo o mundo, problemas de saúde, incertezas nas nossas relações), na nossa maneira de misturar ou não Deus nos problemas dos homens, nas palavras de alívio que podemos dizer a todo aquele que procura, que duvida, que sofre, ou ainda nas palavras de esperança que podemos ousar dizer, com respeito, face a uma situação difícil… Anunciar o Evangelho é, talvez, deixar simplesmente transparecer a força do Evangelho que nos habita…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

     

     

  • V Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    5 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 8, 1-7.9-13

    Naqueles dias, 1o rei Salomão reuniu junto de si em Jerusalém os anciãos de Israel. Todos os chefes das tribos, os chefes das famílias dos filhos de Israel, para transladarem da cidade de David, em Sião, a Arca da aliança do Senhor. 2Todos os homens de Israel se reuniram na presença do rei Salomão no mês de Etanim, que é o sétimo mês, durante a festa solene. 3Quando todos os anciãos de Israel acabaram de chegar, os sacerdotes transportaram a Arca. 4Fizeram subir a Arca do Senhor, a tenda da reunião, com todos os utensílios sagrados que estavam na tenda; foram os sacerdotes e os levitas quem a transportou. 5O rei Salomão e toda a assembleia de Israel reunida junto dele caminhavam à frente da Arca e iam sacrificando tão grande quantidade de ovelhas e bois que não se podiam contar nem enumerar. 6Os sacerdotes levaram a Arca da aliança do Senhor para o seu lugar no santuário do templo, o Santo dos Santos, sob as asas dos querubins. 7Com efeito, os querubins estendiam as suas asas sobre o lugar da Arca, cobrindo-a e aos seus varais com suas asas. 9Na Arca não havia senão as duas tábuas de pedra que Moisés lá colocara no monte Horeb, quando o Senhor concluiu a Aliança com os filhos de Israel, ao saírem da terra do Egipto. 10Quando os sacerdotes saíram do santuário, a nuvem encheu o templo do Senhor. 11Deste modo, os sacerdotes não puderam ficar ali para exercerem o seu ministério, por causa da nuvem, já que a glória do Senhor enchia o templo do Senhor. 12Disse então Salomão: «O Senhor escolheu habitar em nuvem escura! 13Por isso é que eu te edifiquei um palácio, um lugar onde habitarás para sempre.»

    A inauguração do Templo de Jerusalém marca uma data importante da história bíblica. Completa-se a história começada com a promessa de Deus no Sinai: «Construir-me-eis um santuário, para que resida no meio deles.» (Ex. 5, 8). O povo de Israel constituiu-se à volta da Aliança, de que a arca é a memória itinerante. A arca peregrinou com o povo no deserto. Ao entrar na Terra Prometida, foi instalada sucessivamente em Guilgal, em Siquém e em Silo. Acompanhou o povo nas batalhas contra os seus inimigos e caiu nas mãos dos filisteus. David recuperou-a e levou-a para Jerusalém, instalando-a em casa de Obedom e, depois, na tenda. Hoje, finalmente, entra no templo. Daí sairá apenas para algumas procissões, até à destruição da cidade e do templo, em 587aC. Nessa altura, Deus seguirá os desterrados para Babilónia (Ez 11, 22-24). Ezequiel irá descrever o regresso da glória ou presença divina à sua morada em Jerusalém, como um novo êxodo (Ez 43, 1-12).
    O êxodo é a história de uma caminhada guiada por Deus-presente, que a nuvem esconde e revela, de uma relação entre Deus e o homem cada vez mais profunda e pessoal, de que a glória do Senhor é um sinal luminoso, resplendor consistente que brilha no rosto de quem Deus encontrou. É esta história que o templo encerra, no sinal da arca. O mistério da presença de Deus no meio dos homens atinge a sua máxima expressão na Encarnação, quando Deus vem viver pessoalmente no meio de nós (cf. Jo 1, 14).

    Evangelho: Marcos 6, 53-56

    Naquele tempo, 53Jesus e os seus discípulos fizeram a travessia do lago e vieram para a terra de Genesaré, onde aportaram. 54Assim que saíram do barco, reconheceram-no. 55Acorreram de toda aquela região e começaram a levar os doentes nos catres para o lugar onde sabiam que Ele se encontrava. 56Nas aldeias, cidades ou campos, onde quer que entrasse, colocavam os doentes nas praças e rogavam-lhe que os deixasse tocar pelo menos as franjas das suas vestes. E quantos o tocavam ficavam curados.

    Jesus acaba de atravessar o lago de Genesaré, unindo a margem leste, onde habitam os pagãos, com a margem oeste, onde habitam os hebreus. A descrição de Marcos lembra-nos as promessas messiânicas: «Acorrerão ao monte do Senhor todas as gentes, virão muitos povos e dirão... Ele nos ensinará os seus caminhos» (cf. Is 2, 2-3); «Virão povos e habitantes de grandes cidades. E os habitantes de uma cidade irão para outra, dizendo: 'Vamos implorar a face do Senhor!» (Zc 8, 21). Todos os que se reconhecem carecidos de salvação dirigem-se a Jesus. Diante dele são expostas todas as misérias humanas. As pessoas não se deixam dominar pela vergonha, mas agem com confiança: basta que os Senhor lhes toque apenas com «as franjas das suas vestes». Assim se cumpre a palavra do profeta: «Assim fala o Senhor do universo: Naqueles dias, dez homens de todas as línguas das nações tomarão um judeu pela dobra do seu manto e dirão: 'Nós queremos ir convosco, porque soubemos que Deus está convosco'» (Zc 8, 23). Não precisamos de nos esforçar para demonstrar que, no Evangelho, se tratava sempre de verdadeiros milagres, e não de casos idênticos àqueles de que fala hoje a parapsicologia. Uma correcta cristologia não exige que Jesus fosse um super-homem. Marcos não usa métodos racionalistas para demonstrar a divindade de Jesus. Aliás, para ele, a fé é um dom gratuito de Deus que geralmente precede os «milagres». O interessante é que as pessoas perceberam que a mensagem do Evangelho não era algo de abstracto de puramente filosófico, mas que implicava a melhoria da sua situação. Se, intuindo que Deus estava com Jesus, acorriam a Ele, depois de estarem com Ele, partiam gritando: Deus está connosco e a nossa favor... em Jesus.

    Meditatio

    A nuvem que enche o templo, onde foi colocada a Arca da Aliança, é sinal da presença de Deus, tal como o fora durante o êxodo. «A glória do Senhor enchia o templo do Senhor» (v. 11), infundindo o sentido da majestade de Deus e da adoração que Lhe é devida. O templo tinha enorme importância na religiosidade do povo hebreu. Mas era apenas símbolo do verdadeiro templo, que é o corpo de Jesus, como Ele mesmo disse certo dia: «Aqui está o verdadeiro templo»; «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei!» (Jo 2, 19); «falava do templo que é o seu corpo», explica João. Jesus é a Presença divina no meio dos homens. O seu corpo é o novo templo repleto da «glória do Senhor». É isso que perceberam os habitantes da margem ocidental do lago de Genesaré. Daí a corrida para se encontrarem com Ele, a ânsia em Lhe tocarem. Os galileus tinham-se apercebido daquilo que, um dia, também Paulo havia de perceber: «nele habita realmente toda a plenitude da divindade» (Col 2, 19). Jesus é o verdadeiro e definitivo templo, onde habita a plenitude de Deus «somatizada». E nós «participamos da sua plenitude». O corpo de Cristo, a sua humanidade, é a realidade que o templo prefigurava: Deus no meio do seu povo. Mas, em Jesus, a arca da Aliança não quer permanecer fechada no Santo dos Santos: anda pelos caminhos dos ho
    mens e vai-lhes ao encontro. Alguns morreram por terem tocado na arca (cf. 2 Sam 6, 7). Mas Jesus deixa-se encontrar e deixa-se tocar. O Santo dos Santos era inacessível ao povo, que devia permanecer fora dele. Em Cristo, nós entramos em Deus, unidos a Ele como varas à cepa, como membros do seu corpo.
    A Igreja é, hoje, para nós o corpo de Cristo. A Igreja prolonga-Lhe a humanidade na história e no espaço, para que toda a família humana se torne santuário do encontro entre Deus e os homens.
    Escutemos as nossas Constituições: «... o Pai enviou-nos o seu Filho... constituiu-O Senhor, Coração da humanidade e do mundo, esperança de salvação para quantos ouvem a sua voz» (n. 19; cf. n. 25). «Na nossa maneira de ser e de agir, pela participação na construção da cidade terrena e na edificação do Corpo de Cristo... empenhando-nos sem reserva, no advento da nova humanidade em Jesus Cristo» (nn. 38.39). É na Eucaristia que, de modo particular, se realiza a nossa união com Cristo, e se anuncia «a esperança para o mundo» (n. 81), e «acolhemos Aquele que nos reúne em comunidade, que nos consagra a Deus e nos lança, incessantemente, pelos caminhos do mundo ao serviço do Evangelho» (n. 82).

    Oratio

    Senhor Jesus, o teu corpo é o verdadeiro templo, onde Deus se encontra connosco e nós podemos encontrar-nos com Deus. Tu és a presença divina estabelecida para sempre no meio dos homens, Tu que és o Verbo de Deus, igual ao Pai e, simultaneamente, homem como nós, acessível, cheio de bondade. O novo templo, que és Tu, foi inaugurado, não com festas de triunfo, não com a imolação de inumeráveis ovelhas e bois, mas com o sacrifício que Te levou a morrer na cruz e que nos abriu de par em par a porta de acesso a Deus, e a uma vida de intimidade com Ele. Em Ti, entramos em Deus! Glória a Ti, Senhor Jesus! Glória a Ti para sempre! Amen.

    Contemplatio

    Não é somente pelos doentes que o Coração de Jesus é compassivo, é por todos os que sofrem e que se encontram em dificuldade.
    Como é bom para com as almas provadas pela perda daqueles que lhe são caros, com Jairo, cujo filho bem-amado acaba de morrer; com a pobre viúva de Naím que leva o seu filho único à sepultura, com Marta e Madalena que choram o seu irmão. Está emocionado até ao fundo da sua alma, chora. As suas lágrimas comovem os próprios judeus. Apela ao poder divino para ressuscitar os mortos.
    A sua compaixão sobre Jerusalém é imensa, chora sobre as tribulações futuras desta cidade ingrata e culpável.
    Num movimento de compaixão sem medida, abre os seus braços a todos os infortúnios: «Vinde a mim, diz, vós todos que sofreis e que sois esmagados sob o peso do trabalho e da dor; vinde e vos aliviarei».
    No caminho do calvário, esquece os seus próprios sofrimentos para se compadecer das filhas de Jerusalém e convidá-las a chorar pelos castigos que cairão em breve sobre a sua pátria (Leão Dehon, OSP4, p. 139s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Em Cristo habita toda a plenitude da divindade» (cf. Col 2, 19).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    6 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 8, 22-23.27-30

    Naqueles dias, 22o rei Salomão colocou-se diante do altar do Senhor, perante toda a assembleia de Israel; levantou as mãos para o céu 23e disse:«Senhor, Deus de Israel, não há Deus semelhante a ti, nem no mais alto dos céus nem cá em baixo, na terra, para guardar a misericordiosa Aliança para com os servos, que andam na tua presença, de todo o coração. 27Será que Deus poderia mesmo habitar sobre a terra? Pois se nem os céus em os céus dos céus te conseguem conter! Quanto menos este templo que eu edifiquei?
    28Mesmo assim, atende, Senhor, meu Deus, a oração e as súplicas do teu servo. Escuta o grito e a prece que o teu servo hoje te dirige. 29Estejam os teus olhos abertos dia e noite sobre este templo, sobre este lugar do qual disseste: 'Aqui estará o meu nome.' Ouve a oração que neste lugar te faz o teu servo. 30Escuta a súplica do teu servo e a do teu povo, Israel, quando aqui orarem. Ouve-os do alto da tua mansão, no céu; ouve-os e perdoa!

    Salomão, pelo carácter sagrado que lhe vem da unção, e como rei de um povo teocrático, preside à cerimónia da dedicação do templo. O centro da sua oração, onde brota o louvor e a invocação, é o espanto do homem diante de Deus-presente, diante de um Deus que quer habitar no meio dos homens: «Será que Deus poderia mesmo habitar sobre a terra?» (v. 27). Estas palavras revelam-nos a eterna tensão entre transcendência e imanência. Como é possível habitar num templo Aquele que nem os céus podem conter? Para Salomão, mais importante que o ouro que reveste o altar e as portas do templo, mais importante que as colunas de bronze e as alfaias sagradas, é a presença de Deus, no templo por ele edificado, é a Aliança com que Deus quis ligar-se ao seu povo. O templo é memória estável e silenciosa da Aliança. Não é uma morada para encerrar a Deus. Nenhuma morada construída pelos homens O pode conter. E está presente onde quer que se viva a Aliança.

    Evangelho: Marcos 7, 1-13

    Naquele tempo, 1reuniram-se à volta de Jesus os fariseus e alguns doutores da Lei vindos de Jerusalém, 2e viram que vários dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar. 3É que os fariseus e todos os judeus em geral não comem sem ter lavado e esfregado bem as mãos, conforme a tradição dos antigos; 4ao voltar da praça pública, não comem sem se lavar; e há muitos outros costumes que seguem, por tradição: lavagem das taças, dos jarros e das vasilhas de cobre. 5Perguntaram-lhe, pois, os fariseus e doutores da Lei: «Porque é que os teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as mãos impuras?» 6Respondeu: «Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, quando escreveu:Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 7Vazio é o culto que me prestam e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos. 8Descurais o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens.» 9E acrescentou: «Anulais a vosso bel-prazer o mandamento de Deus, para observardes a vossa tradição. 10Pois Moisés disse: Honra teu pai e tua mãe; e ainda: Quem amaldiçoar o pai ou a mãe seja punido de morte. 11Vós, porém, dizeis: "Se alguém afirmar ao pai ou à mãe: 'Declaro Qorban' - isto é, oferta ao Senhor - aquilo que poderias receber de mim...", 12nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, 13anulando a palavra de Deus com a tradição que tendes transmitido. E fazeis muitas outras coisas do mesmo género.»

    O texto que hoje escutamos parece dar-nos a perceber que Marcos escreve para uma comunidade judeo-cristã que procurava ultrapassar certos dados da sua origem. Provavelmente tratava-se de judeo-cristãos de cultura helenista, isto é, de judeus da dispersão, cujas formas e costumes tinham sido influenciados pela cultura grega. Marcos procura mostrar-lhes que a nova relação entre os discípulos e Jesus de Nazaré também implicava uma nova relação entre os eles e as regras estabelecidas pelos homens para o encontro com Deus, nomeadamente no que se refere à pureza ritual: «Porque é que os teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as mãos impuras?» (v. 5). Mais do que nas suas palavras, é na sua Pessoa que encontramos a resposta à questão que Lhe é posta. Ao revelar-se como o Filho de Deus, o Mediador entre Deus e os homens, Jesus relativiza as regras e preceitos humanos. Não os anula, mas mostra que são válidos se estiverem relacionados com Ele. Ele é a norma, Ele é a incarnação do mandamento de Deus, a Palavra viva.

    Meditatio

    Salomão está consciente da imensa distância que existe entre Deus e o homem. Por isso assume uma atitude de grande humildade e de sentido religioso diante de Deus. Não há proporção entre Deus e o homem. Por isso, havemos de fazer tudo para glorificar a Deus, e não a nós mesmos. Por muito que tenhamos feito por Deus, sempre havemos de recorrer à sua misericórdia, e contar com a sua bondade, e não com os nossos méritos. A nossa oração há-de assumir sempre a atitude do publicano e não a do fariseu convencido dos seus méritos.
    O que mais nos pode espantar na vida é dar-nos conta de que Deus, o totalmente Outro, o inacessível, está connosco, entrou na nossa história, que, por isso, decorre no quadro da Aliança, se desenrola na sua casa. O que dá sentido e dignidade à minha vida, não são as minhas obras, mais ou menos espectaculares, mas a Aliança, isto é, a ligação que Deus quis estabelecer connosco e realizou definitivamente em Jesus Cristo, quando ainda éramos pecadores (cf. Rm 5, 8). A oração nasce do espanto que nos causa saber que Deus nos amou por primeiro e, por isso, gratuitamente. Mas também nasce da experiência de liberdade que a redenção nos alcançou, uma liberdade que nos permite entreter-nos com Deus, num clima de amizade. Como acontece esta ligação? Como se vive a Aliança? Acolhendo a Palavra que desce ao coração e desmascara as poses de fachada, tornando-nos autênticos, verdadeiros. Esta relação nova dá vida à nossa vida. Os esquemas rígidos, não só não atraem a Deus, mas afastam-no. Não vale, pois, a pena agarrar-nos a esquemas, a praxes, a cerimónias, a tradições antigas... O importante é abrir-se a novas relações com Deus e com os homens inspiradas na sua Palavra sempre viva e actual.
    Jesus não quis mudar o homem a partir de fora. Quis mudá-lo a partir de dentro, transformando-lhe o coração, entendido biblicamente, como o eu profundo do homem, onde se dão as s
    uas decisões pelo bem ou pelo mal, por Deus ou contra Deus. Diz Jesus: «Do coração procedem os maus pensamentos, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfémias. Eis o que torna o homem impuro; mas comer com as mãos por lavar não torna o homem impuro» (Mt 15, 19-20). Por essa razão é que Jesus manda aprender d´Ele a mansidão e a humildade do "coração" (Mt 11, 29). «Bem-aventurados os puros de coração...» (Mt 5, 8), isto é, os homens genuínos, sinceros, coerentes com as convicções da sua consciência. Todos os cristãos, e particularmente os religiosos, «pelo seu estado» deveriam testemunhar «de modo esplêndido e singular que não se pode transfigurar o mundo e oferecê-lo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças», isto é, sem a autenticidade, sem a coerência, sem a pureza de coração (LG 31; Cst 29).

    Oratio

    Senhor, liberta-nos do formalismo, do legalismo mesquinho, que dá grande importância ao que a não tem, para que não transformemos a religião em algo de externo, sem valor diante de Ti. Ajuda-nos a pôr cada coisa no seu lugar, a dar-lhe apenas a importância que merece. Tu não queres que, diante de qualquer preceito, nos diminuamos a nós mesmos, mas permaneçamos conscientes, livres e amigos do bem. As tradições humanas podem mudar com os tempos. Mas o amor ao pai, à mãe, ao filho, ao próximo, está acima de todos os preceitos e tradições humanas. O que realmente nos pedes, e queres de nós, é a fidelidade à tua Palavra e à nossa vocação de homens. Que jamais o esqueçamos. Amen.

    Contemplatio

    Há orações de regra ou de costume geral. As orações da manhã e da tarde e alguns exercícios cada dia estavam já nos hábitos do povo de Deus. «Louvo a Deus sete vezes por dia», dizia David. Iam à sinagoga no dia de sábado e a Jerusalém nas grandes festas, pelo menos na Páscoa.
    A Sagrada Família observava todos os bons costumes e todas as regras do culto, não somente por rotina, como tantos outros, mas com um fervor sempre crescente. «Cumprem tudo segundo o costume e a lei», diz o Evangelho. Vão todos os anos a Jerusalém (Lc 2, 27). Nós vemos Nosso Senhor revelar o costume da Sagrada Família rezando antes e depois da refeição, indo à sinagoga, prolongando a sua oração durante a noite.
    No Templo, que recolhimento! Maria e José não olham para a multidão. Prostram-se, adoram, rezam, saem sem notar mesmo que Jesus ficou. Só pensam em Deus, não escutam senão Deus. Oh! Que contraste com o meu naturalismo!...
    Rezar exactamente, fielmente e rezar bem, tal deve ser a minha resolução (Leão Dehon, OSP3, p. 177).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    "Bem-aventurados os puros de coração..." (Mt 5, 8),

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    7 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 10, 1-10

    Naqueles dias, 1a rainha de Sabá, tendo ouvido falar da fama que Salomão alcançara para glória ao Senhor, veio pô-lo à prova por meio de enigmas. 2Chegou a Jerusalém com um séquito muito importante, com camelos carregados de aromas, enorme quantidade de ouro e pedras preciosas. Tendo-se apresentado a Salomão, falou-lhe de tudo quanto trazia na ideia. 3Salomão respondeu-lhe a tudo; nenhuma questão foi tão enredada que o rei lhe não desse solução. 4A rainha de Sabá viu toda a sabedoria de Salomão bem como a casa que ele tinha construído; 5viu as provisões da sua mesa e o alojamento dos seus criados, as habitações e os uniformes dos seus oficiais, os copeiros do rei e os holocaustos que imolava no templo do Senhor, e ficou deslumbrada. 6Disse então ao rei: «É realmente verdade o que tenho ouvido na minha terra acerca das tuas palavras e da tua sabedoria. 7Não quis acreditar nisso antes de vir aqui e ver com meus próprios olhos; ora o que me diziam não era sequer metade; tu ultrapassas em sabedoria e dignidade tudo quanto até mim tinha chegado. 8Felizes os teus homens, felizes os teus servos que estão sempre contigo e ouvem a tua sabedoria! 9Bendito seja o Senhor, teu Deus, a quem aprouve colocar-te sobre o trono de Israel. É porque o Senhor ama Israel com amor eterno que Ele te constituiu rei para exercer o direito e a justiça.» 10Depois ela deu ao rei cento e vinte talentos de ouro e grande quantidade de perfumes e pedras preciosas. Jamais se tinha acumulado tão grande quantidade de perfumes como os que a rainha de Sabá ofereceu ao rei Salomão.

    O texto que escutamos hoje conclui a primeira parte do Primeiro Livro dos Reis, onde se narra a história de Salomão. Na verdade, com a subida de Salomão ao trono, foi consolidada a dinastia de David (cf. 1 Re 2, 12). O Reino de Israel tornou-se esplendoroso, rico e estável. Floresceu o comércio com os povos vizinhos. O relato do encontro com a rainha de Sabá, com muitos pormenores legendários, reflecte a realidade histórica de Salomão, que estabeleceu relações comerciais com todo o Médio Oriente.
    Mais do que referência a um país concreto, Sabá simboliza os confins meridionais, tal como Társis simbolizava os extremos do Ocidente. Por isso, quando o Salmo 72, 10 diz: «Os reis de Társis e das ilhas oferecerão tributos;os reis de Sabá e de Seba trarão suas ofertas», o que se pretende indicar são as amplas fronteiras do reino de Israel e, portanto, do reino messiânico. Salomão é o rei sábio, isto é, justo desse reino. A sua sabedoria veio-lhe de Deus, a Quem a pediu (cf. 3, 5-15; 5, 9-14). Por isso, a rainha de Sabá pode exclamar: «Felizes os teus homens, felizes os teus servos que estão sempre contigo e ouvem a tua sabedoria!» (v. 8).

    Evangelho: Marcos 7, 14-23

    Naquele tempo, 14Jesus chamou de novo a multidão e disse-lhes: «Ouvi-me todos e procurai entender. 15Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. 16Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 17Quando, ao deixar a multidão, regressou a casa, os discípulos interrogaram-no acerca da parábola. 18Ele respondeu: «Também vós não compreendeis? Não percebeis que nada do que, de fora, entra no homem o pode tornar impuro, 19porque não penetra no coração mas sim no ventre, e depois é expelido em lugar próprio?» Assim, declarava puros todos os alimentos. 20E disse: «O que sai do homem, isso é que torna o homem impuro. 21Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, 22adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios. 23Todas estas maldades saem de dentro e tornam o homem impuro.»

    Jesus dirige-se agora ao povo simples e, num segundo momento, apenas aos discípulos. Enfrenta questões legais delicadas para a mentalidade dos judeus piedosos e observantes. Jesus difere dos profetas e dos judeus de cultura helenista. Não se pode distinguir a esfera religiosa, divina, e a vida, como esfera quotidiana, que não pertence a Deus. As coisas do mundo não são «impuras» em si mesmas. São os homens que as podem tornar impuras. A comunidade de Jesus acredita na bondade da criação.
    Podemos distinguir no texto três momentos: o ensinamento de Jesus à multidão (vv. 14-16); a sentença de Jesus (v. 15); o ensinamento aos discípulos (vv. 17-23); a verdadeira impureza, o coração, o catálogo dos vícios. Mas o mais importante é o comportamento dos homens diante das exigências do reino de Deus. A pureza ou a impureza das coisas depende do coração do homem. É a atitude do homem perante elas, é o uso que faz delas que as pode tornar impuras. Não há nada sagrado ou profano, puro ou impuro em si. A criação é «secular»: pode ser profana e pode ser sagrada. A sacralidade e a pureza vêm ao homem e ao mundo, não de modo automático pelo contacto com determinadas coisas, lugares ou pessoas, mas unicamente através do canal do diálogo entre Deus e o homem.

    Meditatio

    Como noutros textos do Evangelho, também hoje encontramos um enigma que não é fácil de interpretar: «Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro» (v. 15). Talvez por isso mesmo é que Jesus começou por dizer: «Ouvi-me todos e procurai entender» (v. 14).
    Na lei moisaica havia muitas impurezas rituais concernentes aos alimentos. Mas também aqueles que comiam sem lavar as mãos cometiam uma impureza ritual. Daí as observações dos fariseus e doutores da lei a Jesus por causa dos discípulos, que não lavavam as mãos antes de comer. Mas também havia impurezas legais motivadas pelo que saía do homem, por exemplo, perdas de sangue. Segundo a Lei de Moisés, tudo isso contaminava o homem.
    Mas a distinção de Jesus não se refere ao que o homem come ou bebe, nem àquilo que lhe sai do corpo. O que Jesus distinguia como externo ou interno tinha a ver com o físico e com o moral e espiritual no homem. No fundo, o que afirmava era que as coisas materiais são menos importantes para a pureza religiosa. Jesus dessacraliza coisas até aí consideradas sagradas. Para Jesus, tudo está relacionado com Deus, mas não deve ser sacralizado, nem ser tido em maior consideração do que a conveniente, seja um alimento, seja o gesto de lavar ou não lavar as mãos. Se quisermos, até podemos admitir que estamos perante um novo princípio da moral cristã: tudo o que faço é puro na medida em que está em relação com a pessoa do Senhor Jesus. S. Paulo dirá: «No que fizerdes, trabalhai de todo o coração, como quem o faz para o Senhor» (Cl 3, 23s.)
    O homem é posto diante de si mesmo e das inten&c
    cedil;ões profundas que motivam as suas opções e decisões. É colocado diante de Deus e sob o seu olhar. Por isso, não pode esconder-se. Só lhe resta deixar-se penetrar e transformar pela surpreendente novidade de Deus, quando entra na nossa vida e nos fala. Escutá-lo torna-se um critério de juízo e de discernimento.
    A voz de Deus chega-nos por mediações a que devemos estar atentos. Precisamos de ouvir o que nos diz a história contemporânea, a história da Igreja. Precisamos de escutar o grito dos pequenos e dos pobres, dos indefesos da sociedade e da comunidade, o clamor dos que sofrem, dos oprimidos. Não dar atenção a esses clamores, em nome de duns tantos ritos ou normas, podemos ser um modo de fechar os ouvidos à Palavra de Deus, a Cristo, presente e vivo no meio de nós. Escutá-lo nos explorados, nos pobres, nos indefesos, pode ser ocasião para ultrapassar esquemas, que habilmente construímos para justificar o nosso desinteresse e o nosso comodismo...
    «A Igreja dos pobres!», «opção fundamental pelos pobres!», são expressões que, desde o Concílio até aos nossos dias, aparecem em muitos documentos da Igreja, nos discursos dos papas, dos bispos, na boca dos sacerdotes, dos religiosos e dos cristãos comprometidos. As nossas Constituições dizem que somos «participantes da missão da Igreja» (p. II, A § 4); «Como todo o carisma na Igreja, o nosso carisma profético coloca-nos ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje (cf. LG 12).» (Cst 27); «tomamos consciência da miséria que aflige muitos homens de hoje: ouvimos o clamor dos pobres» (ET 17) Cst 50); «estaremos dispostos a pôr tudo em comum entre nós e a ir ao encontro dos pobres e necessitados» (Cst 51); tal como a Igreja, cada vez mais, se deu conta de que deve ser ela a ir ao mundo, também nós, «Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus» (Cst 6), devemos estar «atentos aos apelos do mundo» (p. II, A. § 5), devemos partilhar as «aspirações dos nossos contemporâneos» (Cst 37), ser «solidários com a sua vida» (Cst 38), participar «na construção da cidade terrestre e na edificação do corpo de Cristo» (Cst 38), «empenhando-nos sem reserva, no advento da nova humanidade em Jesus Cristo» (Cst 39).

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu propões um enigma e dás a sua explicação: «Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro» (v. 15). Assim redimensionas as prescrições da Lei, fazendo convergir a nossa atenção para o interior, para o coração. É o nosso coração que deve ser purificado, porque «o que sai do homem, é que o torna impuro» (v. 15). E Tu, que vês o nosso coração, sabes que ele é mau. Por isso nos queres dar um coração novo. Com esse objectivo, vieste ao mundo, nos deste a tua Palavra, morreste e ressuscitaste por nós. Glória a Ti para sempre. Ao renovares a tua oblação, na celebração eucarística, une os nossos corações à tua oferta, a fim de que sejam purificados e reconduzidos à sua correcta orientação. Na comunhão, quando vieres até nós, renova o nosso coração. Torna-o digno do Pai. Torna-o sensível às necessidades dos nossos irmãos. Amen.

    Contemplatio

    Muitas homenagens são prestadas hoje a Nosso Senhor, mas pode aplicar-se a um grande número a censura do profeta: O meu povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim...
    ... Segundo as aparências exteriores, faz-se muito, dispensa-se mesmo muito, mas muitas vezes, é pelo ídolo da vaidade e do amor-próprio. Antes de tudo, é o coração, a boa e pura intenção que tem um valor aos olhos de Nosso Senhor, mas não é raro que o coração não esteja lá, e, sem ele, todos os outros dons não têm valor. Quantos interesses mesquinhos ou satisfações pueris muitas vezes se tem em vista, mesmo nas coisas santas!... No entanto, há por aqui e por ali na multidão almas verdadeiramente amantes; são estas almas ignoradas e esquecidas que consolam o Sagrado Coração (Leão Dehon, OSP3, p. 637).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Fazei tudo pelo Senhor» (cf. Cl 3, 23s.)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    8 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 11, 4-13

    4Na idade senil de Salomão, as suas mulheres desviaram-lhe o coração para outros deuses; e assim o seu coração já não era inteiramente do Senhor, seu Deus, contrariamente ao que sucedeu com David, seu pai. 5Foi atrás de Astarté, deusa dos sidónios, e de Milcom, abominação dos amonitas. 6Salomão fez o mal aos olhos do Senhor e não seguiu inteiramente o Senhor, como David, seu pai. 7Por essa altura, ergueu Salomão um lugar alto a Camós, deus de Moab e a Moloc, ídolo dos amonitas, sobre o monte que fica mesmo em frente de Jerusalém. 8E fez o mesmo por todas as suas mulheres estrangeiras, que queimavam incenso e sacrificavam aos seus deuses. 9O Senhor irritou-se contra Salomão, pois o seu coração se afastara do Senhor, Deus de Israel, que se lhe tinha revelado por duas vezes, 10e lhe ordenou sobre estas coisas para não seguir os deuses estrangeiros. Ele, porém, não cumpriu o que o Senhor lhe prescrevera. 11Então o Senhor disse-lhe: «Já que procedeste assim e não guardaste a minha aliança nem as leis que te prescrevi, vou tirar-te o reino e vou dá-lo a um dos teus servos. 12Entretanto, não o farei durante a tua vida, por causa de David teu pai; é das mãos de teu filho que Eu o arrancarei.

    O reinado de Salomão, glorioso sob tantos aspectos, teve as suas sombras que se podem resumir numa só palavra: idolatria. Havia uma lei que proibia o casamento com mulheres estrangeiras, exactamente para evitar o pecado de idolatria. Salomão seguiu uma política de alianças em boa parte baseada em combinações matrimoniais. As suas mulheres pagãs exigiam templos onde prestar culto aos seus deuses. Salomão cedeu a esses pedidos e ele mesmo e alguns dignitários da corte, bem como populares, caíram na idolatria. Salomão afastou-se do Senhor, Deus de Israel. E o Senhor rejeitou-o. Em consequência dessa rejeição acontecerá o cisma do reino.
    Estes textos, escritos na época do exílio e do pós-exílio, tempos de grande sofrimento, fizeram Israel repensar a sua história em perspectiva teológica. Porquê o exílio, a dispersão, e tanto sofrimento e humilhação? Que fundamento tinha o anseio da restauração da unidade e da paz do reino de David, tão sentido por todos? Os autores sagrados tinham uma resposta: apesar da infidelidade do homem, Deus permanece fiel à sua aliança e à sua promessa de paz.

    Evangelho: Marcos 7, 24-30

    Naquele tempo, 24Jesus partindo dali, foi para a região de Tiro e de Sídon. Entrou numa casa e não queria que ninguém o soubesse, mas não pôde passar despercebido, 25porque logo uma mulher que tinha uma filha possessa de um espírito maligno, ouvindo falar dele, veio lançar-se a seus pés. 26Era gentia, siro-fenícia de origem, e pedia-lhe que expulsasse da filha o demónio. 27Ele respondeu: «Deixa que os filhos comam primeiro, pois não está bem tomar o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos.» 28Mas ela replicou: «Dizes bem, Senhor; mas até os cachorrinhos comem debaixo da mesa as migalhas dos filhos.» 29Jesus disse: «Em atenção a essa palavra, vai; o demónio saiu de tua filha.» 30Ela voltou para casa e encontrou a menina recostada na cama. O demónio tinha-a deixado.

    Depois de ter curado muitos doentes e discutido com os fariseus em Genesaré, Jesus prossegue a sua viagens por Tiro, Sídon e Decápole, terras pagãs. E também aí realiza milagres: a cura da filha da mulher cananeia, que escutamos hoje, e a do surdo-mudo, que escutaremos amanhã.
    No diálogo com a mulher cananeia emerge a tensão entre o papel proeminente de Israel na história da salvação e o universalismo da mesma salvação. Não só os «filhos», os judeus, mas também os «cães», os pagãos, segundo a metáfora, são chamados à salvação. A única condição é escutar a Boa Nova e acolher Jesus como Senhor: «Dizes bem, Senhor...», exclama a mulher. «Em atenção a essa palavra, - diz-lhe Jesus - vai; o demónio saiu de tua filha». A fé da cananeia dissolveu a tensão e alcançou-lhe o milagre. A filha foi libertada do demónio.
    No diálogo entre Jesus e a mulher aparecem as expressões «pão dos filhos» e «migalhas dos cachorrinhos». É já um anúncio do milagre da multiplicação dos pães, que Marcos narrará pouco depois (cf. Mc 8, 1-10).
    Jesus também continua a rebater, com palavras e acções, o legalismo dos judeus, dando atenção ao mundo e à cultura grega. Não esqueçamos que Marcos escreve para uma comunidade cristã grega.

    Meditatio

    A promessa de Deus a David foi cumprida: «Não serás tu que vais construir uma casa para eu habitar mas serei eu a construir uma casa para ti» «Um teu filho vai suceder-te e será ele a construir uma casa para o meu nome», (cf. 2 Sm 7, 5ss.). Salomão construiu efectivamente um templo para o Senhor. Mas, por influência das suas mulheres, acabou por cair na idolatria e também construiu templos para os deuses pagãos. O seu coração dividiu-se entre Deus e os seus interesses políticos: «o seu coração já não era inteiramente do Senhor, seu Deus» (v. 4).
    As tentações de Salomão continuam actuais, também para nós. É preciso grande fortaleza de alma para resistir e permanecer fiéis a Deus. Os deuses que, hoje, nos podem seduzir, talvez se chamem sucesso, ambição, dinheiro, sensualidade, paixões amorosas... Mas Deus não admite divisões e quer ser amado com todo o nosso coração: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (Dt 6, 5).
    O verdadeiro filho de David, que resistiu a todas as tentações, foi Jesus. Para permanecer dócil ao Pai, aceitou a humilhação e a morte. Foi ele quem construiu o verdadeiro Templo de Deus, ao morrer e ressuscitar. Como ensina S. Pedro, trata-se um templo feito de pedras vivas. E nós fazemos e faremos parte dele, se permacemos fiéis ao Senhor.
    Na mulher estrangeira, em terra estrangeira, de que nos fala o evangelho, identifica-se a igreja, missionária e católica, isto é, universal. A igreja, estrangeira no meio dos entrangeiros, pobre entre os pobres, continua a obra da Encarnação. Como Cristo assumiu toda a humanidade, também o cristão se insere e compromete no esforço da humanidade que tende para a sua plenitude, no movimento do espírito humano que tende para Cristo. Trata-se de um movimento de inclusão, de integração, de assimilação da humanidade na humanidade de Cristo. A «católica» é esta mulher estrangeira que, em terra estrangeira, procura Cristo, humilde entre os humildes, e que descobre ao mundo a verdade que Cristo lhe revela sobre si mesma
    : «Sim, Senhor» (v. 28). E suplica para todos que as migalhas, os elementos da humanidade, sua filha - ferida, doente, desorientada, confusa - sejam reorientados, recompostos, assumidos, integrados, curados, reentregues à plenitude de Cristo.
    Como dehonianos, queremos uma fraternidade cada vez mais universal que aproxime os povos de toda a terra. É uma utopia; mas agora, como dizia Paulo VI, a utopia é o nome da realidade. A fraternidade entre todos os povos é uma utopia pela qual trabalhamos, para que se torne realidade na civilização do amor, com a promoção humana integral (cf. Os Religiosos e a Promoção humana, SCRIS, 25 de Abril de 1978).

    Oratio

    Senhor, no corpo do consagrado renova-se, de algum modo, o mistério da tua Encarnação. O teu corpo era o verdadeiro templo, o lugar de manifestação e do encontro com a tua divindade. Além disso, ofereceste-o como oblação santa ao Pai. Ao entrar no mundo rezaste: Pai, «não quiseste sacrifícios nem holocaustos, mas deste-Me um corpo... Então Eu disse: Eis-Me aqui para fazer a Tua vontade» (Hbr 10, 5.7). Em ti, o cristão é também templo de Deus e sacerdote chamado a oferecer sacrifícios, a começar pelo de si mesmo. O consagrado, de modo particular, faz do seu corpo uma oblação santa, realizando de modo permanente a exortação de Paulo «oferecei os vossos corpos, como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o vosso culto espiritual» (Rom 12, 1). Por isso, queremos, hoje, unir-nos a ti presente na vida do mundo e, em solidariedade contigo... oferecer-nos ao Pai como oblação viva, santa e agradável «como oferenda e sacrifício de agradável odor» (Ef 5,2). Amen.

    Contemplatio

    O patriarca Jacob promete à tribo de Aser um pão suculento e digno dos reis (Gen 49). O pão verdadeiramente real é o que nós possuímos. É o pão divino, é o pão do céu. É a Eucaristia. O povo de Israel teve o maná, mas não sustentava senão a vida terrestre. O nosso maná entretém a vida espiritual. «Eu sou o pão da vida, diz-nos o bom Mestre. Os vossos pais tiveram o maná, um pão terrestre, eu sou o pão da vida, descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente; o pão que eu hei-de dar é a minha carne para a vida do mundo» (Jo 6).
    Vós ofereceis este pão, Senhor, à minha pobre alma. Podíeis dizer-me como à Cananeia: não é bom tomar o pão dos filhos para o atirar aos cães. Mas o vosso coração é infinitamente compassivo e misericordioso.
    Dais-me este pão para me alimentar e para me fortificar contra todo o desfalecimento: o pão que fortalece o coração do homem (Sl 103). A minha acção de graças dirige-se ao vosso coração (Leão Dehon, OSP3, p. 634).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Sim, Senhor» (Mc 7, 28)».

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    9 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 11, 29-32; 12, 19

    Naqueles dias, 29quando Jeroboão saía de Jerusalém, o profeta Aías de Silo encontrou-o no caminho. Aías estava coberto com um manto novo, e estavam só os dois no campo. 30Então, Aías tomou o manto novo com que se cobria e rasgou-o em doze pedaços. 31E disse a Jeroboão: «Toma dez pedaços para ti, pois assim diz o Senhor, Deus de Israel: 'Eis que Eu vou tirar o reino das mãos de Salomão e dar-te-ei as dez tribos. 32Ficar-lhe-á, porém, uma tribo por causa do meu servo David e da cidade de Jerusalém, que Eu escolhi de entre todas as tribos de Israel. 19Israel esteve em revolta contra a casa de David até ao dia de hoje.

    O autor sagrado apresenta a divisão do reino como um castigo pela apostasia idolátrica de Salomão. No capítulo seguinte, Jeroboão, um dos funcionários de Salomão, pede a Reboão que reduza os impostos. Reboão recusa o pedido de um modo surpreendente: «já que meu pai vos carregou com um jugo pesado, eu vou torná-lo ainda mais pesado; meu pai castigou-vos com açoites; pois eu vos castigarei com azorragues!» (1 Rs 12, 11). E assim ficou aberta a porta ao cisma político. O profeta Aías anuncia simbolicamente esse facto ao rasgar o manto em doze pedaços. O seu gesto profético é uma advertência e uma denúncia motivada pelas injustiças sociais que Jeroboão herdou de seu pai. O profeta, e a sua acção, são sinal da presença de Deus e anúncio da sua intervenção na história do povo. Trata-se de uma intervenção salvífica, porque Deus não se diverte a rasgar «mantos novos», mas é Aquele que faz novas todas as coisas. Este texto mantém ainda hoje a sua actualidade por causa da nostalgia ecuménica que nele percebemos. A divisão do reino davídico tem paralelismo na divisão da Igreja cristã.

    Evangelho: Marcos 7, 31-37

    Naquele tempo, 31Jesus deixou de novo a região de Tiro, veio por Sídon para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. 32Trouxeram-lhe um surdo tartamudo e rogaram-lhe que impusesse as mãos sobre ele. 33Afastando-se com ele da multidão, Jesus meteu-lhe os dedos nos ouvidos e fez saliva com que lhe tocou a língua. 34Erguendo depois os olhos ao céu, suspirou dizendo: «Effathá», que quer dizer «abre-te.» 35Logo os ouvidos se lhe abriram, soltou-se a prisão da língua e falava correctamente. 36Jesus mandou-lhes que a ninguém revelassem o sucedido; mas quanto mais lho recomendava, mais eles o apregoavam. 37No auge do assombro, diziam: «Faz tudo bem feito: faz ouvir os surdos e falar os mudos.»

    Desta vez, Jesus cura um surdo tartamudo, cuja capacidade intelectual estava condicionada pela sua deficiência. Por isso, ao tocar-lhe os órgãos doentes com saliva, Jesus não quer fazer magia à maneira dos taumaturgos da época, mas apenas dirigir-se à consciência daquele que ia ser objecto do prodígio. Noutros casos bastavam as palavras. Aqui, tratando-se de um surdo tartamudo, são precisos gestos. E Jesus fá-los.
    É o segundo milagre que Jesus faz em território pagão e este texto, exclusivo de Marcos, pretende continuar a descrição da actividade missionária da primeira comunidade cristã e assinalar a abertura dos pagãos à fé em Jesus Cristo.
    O assombro dos que presenciam os milagres de Jesus lembra-nos Gn 1: «E Deus viu que tudo era bom», mas também Isaías: «O mudo gritará de alegria» (Is 35, 6). Em Jesus realizam-se as promessas de salvação. Não se trata, pois, de triunfalismo político-messiânico, mas de um reconhecimento gozoso da eficácia desalienante da presença do reino de Deus.

    Meditatio

    Onde chega Jesus, chega a salvação, que cria novas relações, finalmente libertadas, entre os homens e Deus, e entre os próprios homens. Jesus, em terra de pagãos, faz ouvir os surdos e falar os mudos. São milagres físicos que simbolizam milagres espirituais iniciados no baptismo, e que podem ser motivo de reflexão e de oração para nós. Sendo participantes da humanidade sofredora, não é difícil dar-nos conta de que as feridas mais graves das pessoas, hoje, dizem respeito sobretudo às relações. Daí o isolamento, o clima de suspeição e de medo em que tantas vivem.
    Jesus toca nos sentidos do surdo-mudo para lhe tocar no coração. Abrir o coração - effathá! - é a condição para re-ligar os pontos com a Vida. O homem precisa de se abrir a Deus, à sua Palavra, ao encontro com Ele, para se poder abrir ao encontro com os outros, ao diálogo, às relações com todos.
    A Igreja tem a missão de continuar, em certo sentido, este milagre de Jesus, fazendo ouvir a todos os povos que são amados por Deus e que, por isso, podem falar. Fazer «ouvir» e fazer «falar» é a missão da Igreja, para que todos os povos possam louvar a Deus. Mas também cada um de nós precisa de ouvidos abertos e língua solta para escutar o Senhor, que nos fala, e proclamar os seus louvores. Ouvir e falar são meios para viver a aliança: escutar a Deus para saber escutar os irmãos, e falar como Deus quer.
    Como dehonianos, queremos estar ao serviço das novas relações que Deus quer estabelecer com os homens e entre os homens: «Sensíveis a tudo aquilo que, no mundo de hoje, constitui obstáculo ao amor do Senhor, queremos testemunhar que o esforço humano, para chegar à plenitude do Reino, tem de se purificar e transfigurar constantemente pela Cruz e Ressurreição de Cristo» (Cst 29). «Verificamos que o mundo de hoje se agita num imenso esforço de libertação: libertação de tudo quanto lesa a dignidade do homem e ameaça a realização das suas mais profundas aspirações: a verdade, a justiça, o amor, a liberdade» (Cst 36). Estas novas relações passam pela escuta da Palavra e pela visão das maravilhas realizadas por Deus em Jesus Cristo. É nossa missão proclamar a Palavra e ajudar a todos a se tornarem sensíveis à contemplação do que Deus fez e continuar a fazer nós. No sinal da comunidade religiosa, manifesta-se eficazmente a Igreja-comunidade-comunhão, como realidade social, mas também como mistério divino, como sacramento de novas relações com Deus e com os irmãos. A comunidade religiosa, na Igreja, torna-se sinal de «que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo» (Cst 65), Aquele que faz ouvir os surdos e falar os mudos.

    Oratio

    Senhor Jesus, que fizeste ouvir os surdos e falar os mudos, dá-nos a graça de escutar o Pai e de saber falar com os irmãos e irmãs, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. Quantas vezes nos vemos dominados por reacções espontâneas, que dificultam falar como cristãos, e nos levam a falar como pagãos. Nã
    o é suficiente ter língua e ouvidos para comunicar como Tu queres que comuniquemos, para entrar em comunhão com os outros. Repete sobre nós a tua palavra: «Effathá!», para que o nosso coração se abra à generosidade para contigo e para com os irmãos e irmãs. Ajuda-nos a permanecer abertos à tua voz e a responder-te generosamente. Amen.

    Contemplatio

    «Vistes os meus milagres, diz Nosso Senhor, fareis os mesmos, se crerdes em mim. Em verdade vos digo, as obras que faço, aquele que acredita em mim as fará também e até ainda maiores. Curareis doentes, ressuscitareis os mortos, falareis as línguas e convertereis ao Evangelho o universo inteiro. A vossa fé será todo-poderosa».
    Tais são as promessas de Nosso Senhor. E eu, creio ter a fé, creio conhecer Nosso Senhor, trabalho pela sua glória, porque é que então as minhas obras são estéreis? É que a minha fé não é bastante viva.
    Nosso Senhor pode dizer-me: «Não acreditais em mim com a fé ardente dos santos. Não acreditais na santidade da minha vida, na perfeição dos meus sentimentos e dos meus actos, porque vos aplicais tão pouco a imitar-me; não acreditais com uma fé viva na Eucaristia, porque sois tão frios na minha presença; não acreditais no meu Coração, na sua bondade, na sua generosidade, na sua misericórdia, porque o invocais tão friamente. Daí vem a esterilidade da vossa vida e a inutilidade das vossas obras».
    Isto é verdade, Senhor, bem pouco vos conheço até ao presente. A minha fé em vós é quase irrisória. Falo-vos com distracção e negligência. E, por conseguinte, a minha confiança é hesitante e o meu amor tíbio. Mudai o meu coração, dai-me uma fé viva e ardente. (Leão Dehon, OSP3, p. 448s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Faz ouvir os surdos e falar os mudos» (Mc 7, 37).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • V Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    V Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    10 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    V Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 12, 26-32; 13, 33-34

    26Quando Jeroboão se tornou rei das dez tribos de Israel, pensou para consigo: «Como as coisas estão, pode muito bem o reino voltar para a casa David. 27Se este povo continua a subir à casa do Senhor que está em Jerusalém para aí oferecer sacrifícios, o coração deste povo é capaz de regressar a Roboão, seu senhor, rei de Judá! Hão-de trucidar-me e regressarão a Roboão, rei de Judá.» 28Então, o rei deliberou para consigo e mandou fazer dois bezerros de ouro e disse-lhes: «Vós tendes subido a Jerusalém com demasiada frequência. Aqui estão os vossos deuses, ó Israel, aqueles que vos fizeram sair da terra do Egipto.» 29E colocou um em Betel e o outro em Dan. 30Nisto consistiu o pecado: o povo pôs-se em marcha à frente de um dos bezerros até Dan. 31Jeroboão construiu templos nos lugares altos, nomeou sacerdotes de entre a massa do povo, que não eram filhos de Levi. 32Jeroboão instituiu ainda uma festa no oitavo mês, no décimo quinto dia do mês, como a festa que se celebrava em Judá; ele mesmo subiu ao altar. Assim fez também em Betel, para sacrificar aos bezerros que tinha mandado fazer. Estabeleceu em Betel sacerdotes dos lugares altos que tinha instituído. 33Não obstante estas palavras, Jeroboão não se converteu da sua conduta perversa. Mas continuou a fazer sacerdotes dos lugares altos a homens oriundos da massa do povo; a quem ele queria, consagrava-os e ficavam sacerdotes dos lugares altos. 34Nisto é que consistiu o pecado da casa de Jeroboão; por isso é que ela foi destruída e desapareceu da face da terra.

    Consumado o cisma político, Jeroboão reina sobre as 10 tribos do norte, enquanto Roboão reina sobre as tribos de Judá e de Benjamim. Mas o fosso entre o Reino do Norte e o Reino do Sul agrava-se com o cisma religioso, idealizado por Jeroboão para evitar as peregrinações a Jerusalém. Essas peregrinaçõs podiam levar o povo a voltar-se novamente para a casa de David e a dar maior poder económico ao Reino do Sul. Assim Jeroboão revitaliza o templo de Betel, onde Abraão construíra um altar ao Senhor, e onde Jacob tivera o sonho da escada que subia da terra ao céu, e o templo de Dan, cidade santuário desde o tempo dos Juízes. Em cada um dos santuários, coloca um vitelo de ouro, inspirando-se numa antiga tradição segundo a qual essa imagem era pedestal da divindade invisível, do mesmo modo que a arca era o trono de Javé no templo de Jerusalém. Jeroboão coloca nesses santuários sacerdotes que não eram oriundos da tribo de Levi. Assim procura, não só congregar as tribos isoladas do Norte, mas também desviar os peregrinos de Jerusalém. Para completar a sua obra, Jeroboão institui uma «festa dos Tabernáculos» para satisfazer a possível saudade do povo, que costumava peregrinar ao templo de Salomão, em Jerusalém, para a celebrar. Revela uma grande habilidade política para contrariar a forte atracção que exercia sobre o povo a cidade de David e o seu sumptuoso santuário. Mas também revela aquele egoísmo cego, que vicia desde o princípio o seu reino, conduzindo-o à destruição.

    Evangelho: Marcos 8, 1-10

    Naqueles dias, 1havia outra vez uma grande multidão e não tinham que comer. Jesus chamou os discípulos e disse: 2«Tenho compaixão desta multidão. Há já três dias que permanecem junto de mim e não têm que comer. 3Se os mandar embora em jejum para suas casas, desfalecerão no caminho, e alguns vieram de longe.» 4Os discípulos responderam-lhe: «Como poderá alguém saciá-los de pão, aqui no deserto?» 5Mas Ele perguntou: «Quantos pães tendes?» Disseram: «Sete.» 6Ordenou que a multidão se sentasse no chão e, tomando os sete pães, deu graças, partiu-os e dava-os aos seus discípulos para eles os distribuírem à multidão. 7Havia também alguns peixinhos. Jesus abençoou-os e mandou que os distribuíssem igualmente. 8Comeram até ficarem satisfeitos, e houve sete cestos de sobras. 9Ora, eram cerca de quatro mil. Despediu-os 10e, subindo logo para o barco com os discípulos, foi para os lados de Dalmanuta.

    A crítica interroga-se se esta multiplicação dos pães é, de facto, um novo milagre ou se é uma segunda versão do que foi narrado em Mc 6, 34-44. Mas, mais importante que saber se se trata de um ou de dois prodígios diferentes, é conhecer as intenções querigmáticas do evangelista.
    Toda esta secção parece orientada para realçar a finalidade da evangelização, incluindo o seu aspecto taumatúrgico, a saber: libertar o homem da alienação e de tudo o que ameaça a sua existência, não só no limite extremo entre a vida e a morte, mas também na sua acção de cada dia. Nos dois relatos facilmente se pode ver uma alusão à refeição eucarística, tal como era celebrada pela comunidade judeo-helenista de Cesareia, em cujo seio nasceu o evangelho de Marcos. O evangelista parece querer realçar a multiplicação dos pães como prefiguração da eucaristia cristã e das suas implicações a favor dos pagãos. De facto, anota: «alguns vieram de longe» (v. 3b). Além disso, a compaixão de Jesus é suscitada pela miséria física daquela gente que andava com Ele havia três dias. É este sentimento de compaixão que provoca o milagre. É esse mesmo sentimento que há-de levar à partilha na comunidade, em favor dos carenciados.

    Meditatio

    Jeroboão, preocupado consigo mesmo, e temendo a precariedade da sua posição, imagina uma série de intervenções que visam pôr o povo a seu favor, sem se importar que caia num pecado que lhe trará a destruição. Jeroboão vê o povo como um meio para fortalecer o seu poder real, sem se importar com a sorte do mesmo povo, porque o seu coração é perverso. Dos corações perversos nascem as «estruturas de pecado».
    Jesus, pelo contrário está preocupado com o homem e com o seu verdadeiro bem. O seu olhar de compaixão torna-se gesto em favor da multidão e da sua verdadeira vida. É este olhar de Jesus que inaugura «a civilização do amor», «a cidade de Deus». O milagre que Jesus faz não é apenas sinal da presença do Reino, mas é também um sinal do seu olhar e da sua atitude fundamental em relação à humanidade, a misericórdia. Jesus tem compaixão e alimenta abundantemente o povo: «Comeram até ficarem satisfeitos, e houve sete cestos de sobras. Ora, eram cerca de quatro mil» (vv. 8-9). Para além da fome física daquela gente, Jesus vê a fome da sua Palavra, a fome da verdadeira vida. E sacia duplamente a multidão: «Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome
    e quem crê em mim jamais terá sede» (Jo 6, 35).
    Cristo dá-Se a comer na Eucaristia, mas também se dá por meio do nosso amor, por meio do nosso serviço aos pequenos, àqueles que têm fome e sede, que estão doentes ou na prisão... É o mesmo Cristo que Se dá nestes dois "sacramentos" que reciprocamente se apelam (cf. Mt 25, 40).
    Por isso, S. João Crisóstomo recordava aos cristãos do seu tempo a necessidade de prolongar a celebração eucarística na assistência aos pobres: «Queres honrar o Corpo de Cristo? Não permitas que seja objecto de desprezo nos Seus membros, isto é, nos pobres, privados de roupa para se vestirem... Aquele que disse "isto é o Meu Corpo" também disse "vistes-Me com fome e não Me destes de comer" e "todas as vezes que fizestes isto a um dos mais pequenos dos Meus irmãos, foi a Mim que o fizestes...» (S. João Crisóstomo, Homilias sobre S. Mateus 50, 2-4).
    A nossa celebração eucarística abre-se às necessidades dos irmãos, abre-nos ao mundo que nos rodeia, leva-nos a olhar os outros com sentimentos semelhantes aos do Senhor e a agir como Ele agiu. O «Ide em paz» que o sacerdote nos dirige no fim da celebração eucarística equivale ao «Vai e faz tu também o mesmo», que o Senhor diz ao doutor da lei, depois de lhe contar parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 37). É assim que se colabora na construção da «civilização do amor».

    Oratio

    Senhora, Mãe de Jesus e minha Mãe, quero saudar-te especialmente neste dia de sábado. Tu és modelo de confiança e de abandono. Tu acolheste a palavra de Deus sem Te preocupar contigo mesma nem com os teus projectos. Aceitaste pacificamente que a tua vida fosse perturbada pela «invasão» de Deus... até ao Calvário. Por isso é que Deus Te encheu de alegria e todas as gerações Te proclamam bem-aventurada. Alcança-me de Jesus uma confiança e um abandono semelhantes aos teus em todas as situações. Que, mais do que olhar para mim mesmo, eu saiba olhar para Jesus, teu filho, e para o projecto em que Ele me quer como colaborador. Que eu saiba fazer da minha vida uma eucaristia para louvor do Pai e serviço dos irmãos, particularmente dos mais necessitados. Amen.

    Contemplatio

    A multiplicação dos pães é um acto de Providência, que tinha por finalidade encorajar-nos à confiança. Algum tempo depois deste milagre, Nosso Senhor retirava as suas consequências: Não vos deixeis cair na perturbação nem na inquietação, dizia; o vosso Pai celeste conhece as vossas necessidades. A sua providência estende-se a toda a natureza. Ele tem cuidado de quem seja muito mais pequeno do que vós. Vede as aves do céu, não semeiam nem colhem e, no entanto, nunca lhes falta alimento; e as flores dos campos? Não fiam nem tecem e, no entanto, estão mais brilhantemente vestidas do que Salomão no seu esplendor.
    Bossuet desenvolve eloquentemente este pensamento. «Abri os olhos, ó mortais! Contemplai o céu e a terra e a sábia economia deste universo: não há nada de mais bem concebido do que este edifício, nada mais bem governado do que este império...
    «Da maior das criaturas às mais pequenas, a Providência de Deus expande-se por toda a parte. Alimenta as avezinhas que a invocam desde a manhã com a melodia dos seus cânticos; e estas flores, cuja beleza tão depressa murcha, adorna-as tão soberbamente, durante este pequeno momento das suas vidas, que Salomão em toda a sua glória nada tem de comparável a este ornamento.
    Se os seus cuidados tão longe se estendem, vós homens que Ele fez à sua imagem, que iluminou com o seu conhecimento, que chamou ao seu reino, podeis acreditar que Ele vos esquece? Será que o seu poder não é suficiente? Mas o seu fundo é infinito e inesgotável: com cinco pães e dois peixes, alimentou cinco mil almas. Será que a sua bondade não pensa nelas? Mas as criaturas mais pequenas sentem os seus efeitos...
    Não vedes manifestamente que, não lhe faltando nem bondade nem poder, se Ele vos deixa algumas vezes sofrer, é por alguma razão mais elevada. É um pai que castiga os seus filhos, um capitão que exercita os seus soldados.
    Procurai, portanto, a sua verdade e a sua justiça, procurai o reino que Ele vos prepara, e estai seguros sobre a sua palavra que todo os resto vos será dado, se for necessário; e se não vos for dado, então é porque não era necessário (Leão Dehon, OSP3, p. 304s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Tenho compaixão desta multidão» (Mc 8, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 06º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    06º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    11 de Fevereiro, 2024

    Ano B

    6.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 6.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 6.º Domingo do Tempo Comum fala-nos de um Deus que ama e abraça, com ternura de pai e de mãe, todos os seus filhos e filhas, particularmente aqueles que os acidentes da vida magoaram e desfiguraram. Ele não exclui ninguém nem aceita que, em seu nome, se inventem sistemas de discriminação ou de marginalização dos irmãos.

    A primeira leitura apresenta-nos a legislação veterotestamentária que definia a forma de tratar com os leprosos. Em nome da saúde pública, mas também em nome de Deus e da santidade do Povo de Deus, as leis de Israel determinavam a exclusão do doente de qualquer contacto com a comunidade. O projeto de Deus para o mundo e para os homens passará por uma sociedade que deixa para trás os “diferentes”?

    O Evangelho mostra-nos como, em Jesus, Deus desce ao encontro dos seus filhos vítimas da rejeição e da exclusão, compadece-Se da sua miséria, estende-lhes a mão com amor, liberta-os dos seus sofrimentos, convida-os a integrar a comunidade do “Reino”. Deus não pactua com a discriminação e denuncia como contrários aos seus projetos todos os mecanismos de exclusão dos irmãos.

    A segunda leitura convida os cristãos a terem como prioridade a glória de Deus e o serviço dos irmãos. O exemplo supremo deve ser o de Cristo, que viveu na obediência incondicional aos projetos do Pai e fez da sua vida um dom de amor, ao serviço da libertação dos homens.

     

    LEITURA I – Levítico 13,1-2.44-46

    O Senhor falou a Moisés e a Aarão, dizendo:
    «Quando um homem tiver na sua pele
    algum tumor, impigem ou mancha esbranquiçada,
    que possa transformar-se em chaga de lepra,
    devem levá-lo ao sacerdote Aarão
    ou a algum dos sacerdotes, seus filhos.
    O leproso com a doença declarada
    usará vestuário andrajoso e o cabelo em desalinho,
    cobrirá o rosto até ao bigode e gritará:
    ‘Impuro, impuro!’
    Todo o tempo que lhe durar a lepra,
    deve considerar-se impuro
    e, sendo impuro, deverá morar à parte,
    fora do acampamento».

     

    CONTEXTO

    O Livro do Levítico trata, sobretudo, de questões relacionadas com o culto (que era incumbência dos sacerdotes, considerados membros da tribo de Levi). Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de discursos que Javé teria proferido diante de Moisés no Sinai e nos quais teria explicado ao Povo o que este deveria fazer para viver sempre em comunhão com Deus, no âmbito da Aliança.

    Na realidade, o livro apresenta um conjunto de leis, de preceitos, de ritos de épocas e proveniências diversas, reunidos ao longo de vários séculos e reelaborados pelos teólogos da “escola sacerdotal” (uma “escola” que, sobretudo a partir da época do Exílio na Babilónia, se empenhou em coligir e ordenar diversos materiais da tradição religiosa de Israel, particularmente os que diziam respeito à área de intervenção da classe sacerdotal). A grande maioria dessas leis, ritos e preceitos dizem respeito à vida cultual e pretendem ensinar os israelitas a viver como Povo de Deus e a responder, de forma adequada, ao amor e à solicitude do Deus da Aliança. Fundamentalmente, o Levítico preocupa-se em instilar na consciência dos fiéis que a comunhão com o Deus vivo é a verdadeira vocação do homem.

    O texto que nos é proposto pertence à terceira parte do Livro do Levítico (cf. Lv 11-16), conhecida como “lei da pureza”. Aí, apresentam-se os vários géneros de “impureza” que impedem o homem de se aproximar do santuário, bem como os ritos destinados a “purificar” o homem.

    A noção de “impureza” que aparece no Livro do Levítico está muito próxima da noção de “tabu” que os especialistas da história das religiões conhecem bem. Supõe-se que o homem deseja a sua vida balizada por regras bem definidas, que o protejam da angústia e do risco do desconhecido. Ora, nesta compreensão da existência, tudo o que é excecional, anormal, insólito, misterioso, é considerado como algo suscetível de libertar forças incontroláveis que o homem não domina e que podem destruir a harmonia e o equilíbrio pretendidos. Portanto, o mais seguro é erguer uma barreira que mantenha o homem afastado dessas realidades.

    Desde tempos imemoriais, certos “tabus” interditavam aos israelitas o contacto com determinadas realidades (o sangue, um cadáver, certos tipos de alimentos, etc.). Se o homem entrava em contacto com elas, ficava “impuro”. O contacto com a “impureza” não era pecado; mas o homem devia “limpar” a “impureza” contraída, logo que possível, a fim de reencontrar o equilíbrio e a harmonia. Só depois de purificado (isto é, de eliminado o estado de indignidade em que se encontrava), podia voltar a aproximar-se do Deus santo e a estabelecer comunhão com Ele.

    O caso mais grave de “impureza” era causado por uma doença – a lepra. É a essa realidade que o texto se refere.

    MENSAGEM

    O texto estabelece o procedimento a adotar, no caso de alguém contrair a “lepra”. A palavra “lepra” designa, aqui, um conjunto variado de afeções da pele, e não somente a doença que nós conhecemos, atualmente, com esse nome. No geral, utiliza-se a palavra “lepra” para designar vários tipos de enfermidade da pele, que deformam a aparência da pessoa afetada.

    Seja como for, a verdade é que esse leque de afeções aqui catalogado sob o nome geral de “lepra” é visto como um estado insólito e anormal, uma manifestação de forças misteriosas que ameaçam a harmonia e o equilíbrio da existência do homem. O “leproso” era, em consequência, segregado e afastado da convivência diária com as outras pessoas. Tal medida tinha, antes de mais, uma intenção higiénica e pretendia evitar o contágio. Significava, além disso, a dificuldade da comunidade em lidar com o insólito, o estranho, as forças misteriosas e inquietantes da doença (e, aqui, de uma doença particularmente repulsiva, que não podia ser tratada e que, potencialmente, levava à morte).

    No entanto, a segregação estabelecida pela legislação israelita para os “leprosos” tinha também um motivo religioso. Para a mentalidade tradicional do povo bíblico, Deus distribuía as suas recompensas e os seus castigos de acordo com o comportamento do ser humano. A doença era sempre um castigo de Deus para os pecados e infidelidades da pessoa. Ora, uma doença tão assustadora e repugnante como a “lepra” era tida como um castigo terrível para um pecado muito grave. O “leproso” era considerado, portanto, um pecador, especialmente amaldiçoado por Deus, indigno de pertencer à comunidade do Povo de Deus e que em nenhum caso podia ser admitido às assembleias onde Israel celebrava o culto na presença do Deus santo.

    Porque é que o “leproso” devia apresentar-se ao sacerdote? Quando alguém exteriorizava sinais de pecado e de indignidade, devia ser banido pelas autoridades competentes (os sacerdotes) da comunidade santa. O sacerdote não aplicava remédios nem tinha funções terapêuticas (embora a sua intervenção devesse ajudar a controlar o mal e a impedir o contágio). A sua ação destinava-se, sobretudo, a decidir da capacidade ou da incapacidade de alguém para integrar a comunidade do Povo de Deus e para ser admitido à presença do Deus santo.

    Não será difícil percebermos, do ponto de vista humano, a dificuldade da comunidade israelita em lidar com uma doença contagiosa especialmente grave e repugnante. Talvez nos seja mais difícil aceitar que, em nome de Deus e da santidade do Povo de Deus, se criem mecanismos de rejeição, de exclusão, de marginalização. Mas tudo isto irá ajudar-nos a entender melhor a revolução proposta por Jesus.

    INTERPELAÇÕES

    • A legislação levítica sobre os leprosos e a forma de lidar com eles mostra como o medo ou a repulsa podem gerar mecanismos de indiferença e de afastamento face a irmãos que, em contexto de doença e fragilidade, necessitam de amor e cuidado. Como lido com as pessoas doentes, idosas ou de qualquer outro modo feridas de fragilidade, que Deus colocou no meu caminho? Procuro que o amor que lhes devo fale mais alto do que o meu medo, a minha repugnância, o meu comodismo, o meu egoísmo, na hora de lhes prestar os cuidados de que necessitam?
    • A legislação religiosa de Israel determinou, em nome de Deus e da santidade de Deus, a exclusão e a marginalização de pessoas sem culpa especial. Marcou-as, cortou-lhes o acesso à comunidade, determinou que elas eram malditas à face de Deus, condenou-as à morte em vida. A nós, homens e mulheres do séc. XXI, formados na escola de Jesus, esse quadro deixa-nos inquietos. Mas talvez essa inquietação seja um bom ponto de partida para repensarmos algumas das nossas atitudes e comportamentos face aos nossos irmãos. Não será possível que os nossos preconceitos, a nossa preocupação com o legalismo, a nossa obsessão pelo politicamente correto estejam a criar marginalização e exclusão para alguns “diferentes” que se cruzam connosco? Não pode acontecer que, em nome de Deus, dos “sãos princípios”, da “verdadeira doutrina”, das exigências de radicalidade, estejamos a afastar as pessoas, a condená-las, a catalogá-las, a impedi-las de fazer uma verdadeira experiência de Deus e de comunidade?
    • Embora de forma indireta, o texto denuncia a atitude daqueles que, instalados nas suas certezas e seguranças, constroem um Deus à medida da pessoa e que atua segundo uma lógica humana, injusta, prepotente, criadora de exclusão e de marginalização. Não faz qualquer sentido criarmos um Deus que atue de acordo com os nossos esquemas mentais, com as nossas lógicas e preconceitos. Percebemos e acolhemos verdadeiramente a lógica de Deus na nossa vida?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 31 (32)

    Refrão:  Sois o meu refúgio, Senhor;
                  dai-me a alegria da vossa salvação.

    Feliz daquele a quem foi perdoada a culpa
    e absolvido o pecado.
    Feliz o homem a quem o Senhor não acusa de iniquidade
    e em cujo espírito não há engano.

    Confessei-vos o meu pecado
    e não escondi a minha culpa.
    Disse: Vou confessar ao Senhor a minha falta
    e logo me perdoastes a culpa do pecado.

    Vós sois o meu refúgio, defendei-me dos perigos,
    fazei que à minha volta só haja hinos de vitória.
    Alegrai-vos, justos, e regozijai-vos no Senhor,
    exultai, vós todos os que sois retos de coração.

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 10,31-11,1

    Irmãos:
    Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer coisa,
    fazei tudo para glória de Deus.
    Portai-vos de modo que não deis escândalo
    nem aos judeus, nem aos gregos, nem à Igreja de Deus.
    Fazei como eu, que em tudo procuro agradar a toda a gente,
    não buscando o próprio interesse, mas o de todos,
    para que possam salvar-se.
    Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo.

     

    CONTEXTO

    A segunda leitura que a liturgia deste 6.º domingo comum nos propõe é a conclusão do ensinamento de Paulo sobre o consumo da carne dos animais sacrificados nos santuários religiosos de Corinto (cf. 1 Cor 8-10).

    A propósito da segunda leitura do passado domingo, já vimos a definição da questão: uma parte da carne dos animais imolados em honra dos deuses, nos templos pagãos da cidade, era comercializada. Os cristãos, bem como os outros cidadãos de Corinto, compravam essa carne e usavam-na na alimentação do dia a dia. No entanto, alguns dos membros da comunidade cristã sentiam escrúpulos quanto a isto: comprar essas carnes e comê-las – como toda a gente fazia – não seria, de alguma forma, comprometer-se com os cultos idolátricos?

    Vimos também a resposta de Paulo: dado que os ídolos não são nada, comer dessa carne é indiferente; contudo, deve-se evitar escandalizar os mais débeis na fé. Se houver o perigo de ofender os sentimentos de algum irmão, evite-se comer da carne sacrificada nos santuários pagãos, a fim de não faltar à caridade.

    Na conclusão da sua reflexão sobre o tema, Paulo retoma e enuncia os elementos que apresentou anteriormente.

    MENSAGEM

    Paulo começa a sua exortação conclusiva com um primeiro imperativo: “fazei tudo para a glória de Deus” (10,31). Esse “tudo” é bem expressivo: já não se trata apenas do que se come, nem do que se bebe; mas trata-se da totalidade da vida: toda a ação do crente deve ter como finalidade a glorificação de Deus.

    Vem depois um segundo imperativo, desta vez em forma negativa: “não deis escândalo” (10,32). Antes, Paulo tinha-se referido a não causar escândalo junto dos mais débeis, como no caso do consumo das carnes imoladas aos ídolos; mas agora o olhar do apóstolo amplia-se às dimensões da cidade e do mundo. Abraça todos os homens e mulheres, de todas as raças e culturas e inclui naturalmente os irmãos na fé (da comunidade cristã de Corinto ou de qualquer outra Igreja). Não é lícito, ao crente, fazer mal seja a quem for. Os estudiosos de Paulo consideram que este segundo imperativo não é mais do que uma explicitação do primeiro: a glorificação de Deus passa pelo respeito absoluto por cada homem ou mulher com quem o crente se cruza no caminho. A este propósito Paulo refere – para ilustração dos coríntios – o seu próprio exemplo (10,33): ele, como os coríntios bem sabem, nunca procurou o seu próprio interesse, mas sim o bem de todos. O que sempre o moveu, na sua ação e missão, foi exclusivamente o amor aos irmãos a quem Deus o enviou a anunciar a Boa Notícia.

    O terceiro imperativo aparece logo a seguir (11,1): “sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo”. Explica porque é que, atrás, se tinha apresentado como exemplo: não é porque se ache melhor do que os outros, mas porque tem procurado, com toda a honestidade e coerência, imitar Cristo. Ora, Cristo não viveu ao sabor dos seus interesses próprios e dos seus projetos pessoais, mas deu a vida para que se concretizasse o projeto salvador do Pai em favor dos homens. Cristo tem sido, para Paulo, a fonte inspiradora. Com Cristo, Paulo aprendeu a viver para a glória de Deus, servindo os irmãos. É esse o caminho que Paulo aponta aos seus irmãos de Corinto.

     

    INTERPELAÇÕES

    • “Fazei tudo para a glória de Deus” – pede Paulo aos cristãos de Corinto; mas logo acrescenta que a “glória de Deus” exige que façamos tudo para o bem dos filhos e filhas de Deus que caminham ao nosso lado. Santo Ireneu de Lião resumia admiravelmente tudo isto quando dizia: “a glória de Deus é o homem vivo”. Estou consciente de que a minha resposta de amor ao Deus que me ama passa pelo respeito, pelo cuidado, pelo amor aos meus irmãos, particularmente aos mais desgraçados? Estou convicto de que o meu melhor ato de culto é “pôr em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, vestir os nus e não desprezar nenhum irmão” (Is 58,6-7)?
    • Paulo revela aos coríntios que aquele Jesus que lhe apareceu no caminho de Damasco é a sua referência suprema. A grande preocupação do apóstolo, na hora de decidir as suas prioridades, é imitar aquele que não viveu para si, mas fez da sua vida um dom de amor ao Pai e aos homens, até ao dom total da vida. Cristo é a minha referência? Na hora crítica das escolhas, para onde me inclino: para o exemplo de Cristo, ou para os meus interesses e projetos pessoais? Procuro ter sempre diante dos meus olhos aquilo que Jesus disse e fez, mesmo quando as suas propostas vão contra a corrente e são ridicularizadas pelos modernos “influencers”?

    ALELUIA – Lucas 7,16

    Aleluia. Aleluia.

    Apareceu entre nós um grande profeta:
    Deus visitou o seu povo.

     

    EVANGELHO – Marcos 1,40-45

    Naquele tempo,
    veio ter com Jesus um leproso.
    Prostrou-se de joelhos e suplicou-Lhe:
    «Se quiseres, podes curar-me».
    Jesus, compadecido, estendeu a mão, tocou-lhe e disse:
    «Quero: fica limpo».
    No mesmo instante o deixou a lepra
    e ele ficou limpo.
    Advertindo-o severamente, despediu-o com esta ordem:
    «Não digas nada a ninguém,
    mas vai mostrar-te ao sacerdote
    e oferece pela tua cura o que Moisés ordenou,
    para lhes servir de testemunho».
    Ele, porém, logo que partiu,
    começou a apregoar e a divulgar o que acontecera,
    e assim, Jesus já não podia entrar abertamente
    em nenhuma cidade.
    Ficava fora, em lugares desertos,
    e vinham ter com Ele de toda a parte.

     

    CONTEXTO

    Jesus anda a percorrer as vilas e aldeias da Galileia, a propor o Reino de Deus (cf. Mc 1,39). No seu vaivém cruza-se com todo o tipo de pessoas e conhece todo o tipo de homens e mulheres com vidas fragilizadas. Muitos vivem marginalizados e esquecidos, pelas razões mais diversas. Para esses, o anúncio da proximidade do Reino de Deus é uma “Boa Notícia” que acende a esperança numa vida mais humana e mais feliz.

    No episódio que o Evangelho deste domingo nos propõe, Jesus cruza-se com um leproso. Não se identifica o homem pelo nome, nem se diz o lugar onde se desenrola a cena. É como se aquele leproso sem nome e sem ligação geográfica fosse o protótipo de todos os marginalizados que Jesus encontrou ao percorrer os caminhos da Galileia.

    Pela primeira leitura deste domingo, já conhecemos a situação social e religiosa dos leprosos. Para a ideologia oficial, o leproso era um pecador e um maldito, vítima de um particularmente doloroso castigo de Deus. A sua condição excluía-o da comunidade e impedia-o de frequentar a assembleia do Povo de Deus. Tinha que viver isolado, apresentar-se andrajoso e avisar, aos gritos, o seu estado de impureza, a fim de que ninguém se aproximasse dele. Não tinha acesso ao Templo, nem sequer à cidade santa de Jerusalém, a fim de não conspurcar, com a sua impureza, o lugar sagrado. O leproso era o protótipo do marginalizado, do excluído, do segregado. A sua condição afastava-o, não só da comunidade dos homens, mas também do próprio Deus.

    MENSAGEM

    Um leproso – um homem doente, marginalizado da comunidade do Povo santo de Deus, considerado pecador e maldito – toma a iniciativa de vir ter com Jesus. Tinham-lhe chegado aos ouvidos os ecos do anúncio do “Reino” e ele sentira abrir-se uma janela de esperança. Resolve arriscar: o desejo de sair da situação de miséria e de marginalidade em que estava mergulhado obriga-o a vencer o medo de infringir a Lei; e ele aproxima-se de Jesus sem respeitar as distâncias que um leproso devia manter das pessoas sãs. É um ato desesperado de um homem que não se conforma em viver à margem de Deus e da comunidade.

    Uma vez diante de Jesus, o leproso é humilde, mas também insistente (“prostrou-se de joelhos e suplicou-lhe” – vers. 40), pois o encontro com Jesus é uma oportunidade de libertação que ele não pode desperdiçar. Não exige nada, mas coloca tudo nas mãos de Jesus: “se quiseres…”. A expressão parece revelar a sua absoluta confiança no poder de Jesus. Ele está convicto de que Jesus pode ajudá-lo a sair da sua triste situação.

    Curiosamente, aquele homem não pede para ser curado, mas sim para ser “purificado” (“podes purificar-me”: o verbo grego “katharizô”, aqui utilizado, significa “purificar” ou “limpar”). Não é tanto a doença que lhe pesa; o que ele não suporta mais é sentir-se sujo, pecador, em rutura com Deus. Deseja que o obstáculo que o priva da comunhão com Deus seja removido por Jesus.

    A reação de Jesus é absolutamente inacreditável, pelo menos de acordo com os padrões judaicos… Jesus não se indignou, não se afastou com repulsa, não acusou aquele homem de infringir a Lei e de pôr em causa a saúde pública; mas “compadeceu-se até às entranhas” (vers. 41). O verbo “splankhnízomai”, aqui utilizado, é aplicado, na literatura neotestamentária, só a Deus e a Jesus. Habitualmente, é usado em contextos onde se refere a ternura de Deus pelos homens, comparável à ternura que a mãe sente pelo seu filho querido. Jesus “comovido até às entranhas” diante do sofrimento intolerável daquele homem, revela que Deus tem coração de mãe, um coração que transborda de ternura face à miséria e sofrimento dos homens. Depois, o amor de Deus tornado presente em Jesus vai manifestar-se num gesto concreto para com o leproso: Jesus estende a mão e toca-o. É, evidentemente, um gesto “humano”, um gesto de afeto que manifesta a bondade e a solidariedade de Jesus para com aquele homem desfigurado pela doença e abandonado por todos; mas o gesto de estender a mão tem um profundo significado teológico, pois é o gesto que acompanha, na história do Êxodo, as ações libertadoras de Deus em favor do seu Povo (cf. Ex 3,20; 6,8; 8,1; 9,22; 10,12; 14,16.21.26-27; etc.). O amor de Deus manifesta-se como gesto libertador, que salva o homem leproso da escravidão em que a doença o havia lançado.

    Por outro lado, ao tocar o leproso, Jesus está, consciente e deliberadamente, a infringir a Lei. Dessa forma, Ele denuncia uma Lei que criava marginalização e exclusão. Jesus, com a autoridade que Lhe vem de Deus, mostra que a marginalização imposta pela Lei não expressa a vontade de Deus. O gesto de tocar o leproso diz, com toda a frontalidade, que a distinção entre puro e impuro consagrada pela Lei não vem de Deus e não transmite a lógica de Deus. Na verdade, Deus não discrimina ninguém; o que Ele quer é reunir todos os seus filhos e filhas numa grande família, a comunidade do Reino.

    A resposta verbal de Jesus (“quero: fica limpo” – vers. 41) não acrescenta mais nada. Apenas confirma, por palavras, que, do ponto de vista de Deus, o leproso não é um marginal, um pecador condenado, um homem indigno, mas um filho amado a quem Deus quer oferecer a salvação e a Vida em plenitude.

    Consumada a purificação do leproso, Jesus recomenda-lhe veementemente que não diga nada a ninguém (vers. 44). Esta recomendação de Jesus aparece várias vezes no Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,34;5,43;7,36;7,36; etc.). Provavelmente, é um dado histórico, que resulta do facto de Jesus não querer alimentar equívocos ou ser aceite pelas razões erradas. De acordo com Mt 11,5, a cura dos leprosos era uma obra do Messias; assim, o gesto de Jesus define-O como o Messias que Israel esperava. No entanto, numa Palestina em plena febre messiânica, Jesus pretende evitar um título que tem algo de ambíguo, por estar ligado a perspetivas nacionalistas e a sonhos de luta política contra o ocupante romano. Jesus não quer deitar mais lenha para a fogueira da esperança messiânica, pois tem consciência de que o seu messianismo não passa por um trono político (como sonhavam as multidões), mas pela cruz.

    Ao leproso purificado, Jesus diz ainda para ir mostrar-se aos sacerdotes (vers. 44). Segundo a Lei, o leproso só podia ser reintegrado na comunidade religiosa depois de a sua cura ter sido homologada pelo sacerdote em funções no Templo. No entanto, Jesus acrescenta: “para lhes servir de testemunho”. Dado que a cura de um leproso só podia ser operada por Deus e era, por isso, um sinal messiânico, o facto devia servir aos líderes do Povo para concluírem que o Messias tinha chegado e que o “Reino de Deus” estava já presente no mundo. O leproso purificado devia, portanto, ser um “testemunho” da presença de Deus no meio do seu Povo e um sinal de que os novos tempos tinham chegado. Mas, apesar das evidências, os líderes judaicos estavam demasiado entrincheirados nas suas certezas, preconceitos e privilégios e recusaram-se sempre a acolher a novidade de Deus, a novidade do Reino.

    O texto termina com a indicação de que o leproso purificado “começou a apregoar e a divulgar o que acontecera”, apesar do silêncio que Jesus lhe impusera. Marcos quer, provavelmente, sugerir que quem experimenta o poder integrador e salvador de Jesus converte-se necessariamente em profeta e em testemunha entusiasta do amor e da bondade de Deus.

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, profundamente comovido diante daquele leproso abandonado pela sociedade e pela religião, revela-nos que Deus tem um coração de mãe, um coração que transborda de amor pelos seus filhos magoados e esmagados pelos acidentes da vida. O amor maternal de Deus não exclui, não condena, não sente repulsa; o amor de Deus purifica, cura as feridas, humaniza, salva. O Deus que Jesus revela nas suas palavras e nos seus gestos, não é o Deus intolerante, severo, distante, incapaz de compreender os limites e as fragilidades dos seres humanos; é o Deus do amor nunca desmentido, do amor que ultrapassa todos os limites, do amor excessivo que tudo cura e tudo purifica. Qual é o Deus em que acreditamos: o Deus de Jesus que é amor e misericórdia, ou o Deus intransigente e severo que alguns teimam em propor?
    • A atitude de Jesus em relação ao leproso (bem como a outros excluídos da sociedade do seu tempo) é uma atitude de proximidade, de solidariedade, de aceitação, de acolhimento. Jesus não está preocupado com o que é política ou religiosamente correto, ou com a indignidade da pessoa, ou com o perigo que ela representa para uma certa ordem social… Ele apenas vê em cada pessoa um irmão que Deus ama e a quem é preciso estender a mão e amar, também. Como é que lidamos com os excluídos da sociedade ou da Igreja? Procuramos integrar e acolher os estrangeiros, os marginais, os pecadores, os “diferentes” ou, com a nossa intransigência, ajudamos a perpetuar os mecanismos de exclusão e de discriminação?
    • O gesto de Jesus de estender a mão e tocar o leproso é um gesto provocador, verdadeiramente profético, que denuncia uma Lei iníqua, geradora de discriminação, de exclusão e de sofrimento. Com a autoridade de Deus, Ele retira qualquer valor a essa Lei e garante que Deus não discrimina ninguém. Apesar de todos os nossos progressos civilizacionais, continuamos a ter leis (umas escritas nos nossos códigos legais civis ou religiosos, outras que não estão escritas mas que são consagradas pela moda, pelo politicamente correto ou até por uma ideia deturpada da santidade de Deus) que são geradoras de marginalização, de exclusão e de sofrimento. Como discípulos de Jesus, temos feito tudo o que está ao nosso alcance para construir, a nível da legislação e dos comportamentos, a civilização do amor e não a civilização do egoísmo, da exclusão, da condenação dos “diferentes”?
    • Mais uma vez, o Evangelho deste domingo propõe à nossa consideração a atitude dos líderes judaicos. Comodamente instalados no alto das suas certezas e preconceitos, eles perpetuam, em nome de Deus, um sistema religioso que gera sofrimento e miséria e não se deixam questionar nem desafiar pela novidade de Deus. Estão tão seguros e convictos das suas verdades particulares que fecham totalmente o coração a Jesus e não se reveem nas suas propostas. Estamos sempre em alerta para a necessidade de nos desinstalarmos e de abrirmos o coração aos desafios de Deus?
    • O leproso, apesar da proibição de Jesus, “começou a apregoar e a divulgar o que acontecera”. Marcos sugere, desta forma, que o encontro com Jesus transforma de tal forma a vida da pessoa que ela não pode calar a alegria pela novidade que Cristo introduziu na sua vida e tem de dar testemunho. Somos capazes de testemunhar, no meio dos nossos irmãos, a libertação que Cristo nos trouxe?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 6.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 6.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    “A Deus nada é impossível”, diz o anjo a Maria. É verdade, Deus pode criar, pode salvar, pode santificar… Jesus pode curar os doentes que encontra, mas espera uma palavra de confiança: “Se queres!” O homem submete-se, então, à sua vontade. Diante desta confiança do doente, Jesus tem piedade, porque vê que ele se abandona nas suas mãos para ser recriado, levantado, salvo, purificado. Deus deixa-Se tocar pelo ser humano, sua criatura, quando esta se deixa remodelar por Ele, do mesmo modo que se deixa modelar na manhã da criação. Jesus recomenda para não dizer nada a ninguém, porque não quer aparecer como um taumaturgo que manifesta o sensacional, mas como Aquele que é sinal da parte de Deus. Um único grito toca-O: “Se Tu queres, podes!” Oxalá que as nossas orações de pedido começassem todas com a expressão da nossa submissão à vontade de Deus!…

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Ele toma o nosso lugar… A maldição que atingia os leprosos era total: mortos vivos, excluídos dos lugares habitados, proibidos do Templo e da sinagoga, impuros aos olhos dos homens mas, sobretudo, de Deus. Um deles quebra os interditos e aproxima-se de Jesus que, perturbado até às entranhas, ousa um gesto impensável: estende a mão e toca o infeliz, tornando-se Ele mesmo, imediatamente, impuro. Passa-se, então, algo de extraordinário. Realiza-se a palavra do salmista: “Senhor, viste o mal e o sofrimento, toma-os na tua mão”. Jesus toma nas suas mãos o mal e o sofrimento deste homem. Tira-o da sua lepra, liberta-o da sua exclusão, de toda a impureza. O leproso pode reencontrar a companhia dos outros e de Deus. Mas então, é Jesus que “não podia entrar abertamente numa cidade. Era obrigado a evitar os lugares habitados”. Certamente que era para se proteger da multidão… Mas, de facto, é como se Jesus tivesse tomado o lugar do leproso. Jesus, o bem amado do Pai, toma sobre Ele as nossas faltas e os nossos sofrimentos, Ele toma o nosso lugar para absorver na sua pessoa e no amor do Pai todas as nossas misérias. E, ao mesmo tempo, encontramos toda a nossa dignidade de homens e de mulheres livres, de pé, capazes de entrar de novo em relação uns com os outros e, sobretudo, de nos aproximarmos de novo de Deus, sem qualquer medo.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Para a glória de Deus… em família. Que tudo sirva para a glória de Deus! E se, em família, tirássemos tempo para dar glória a Deus? Por exemplo, sobretudo se há filhos jovens, pode-se fazer um “poster para a glória de Deus”: um poster bonito (desenhos, fotos…) que mostre tudo o que, juntos em família, vemos de belo e que é motivo para dar glória a Deus.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • VI Semana – Segunda-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Segunda-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    12 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 1, 1-11

    1Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, saúda as doze tribos da Dispersão. 2Meus irmãos, considerai como uma enorme alegria o estardes rodeados de provações de toda a ordem, 3tendo em conta que a prova a que é submetida a vossa fé produz a constância. 4Mas a constância tem de se exercitar até ao fim, de modo a serdes perfeitos e irrepreensíveis, sem falhar em nada. 5Se algum de vós tem falta de sabedoria, que a peça a Deus, que a todos dá generosamente e sem recriminações, e ser-lhe-á dada. 6Mas peça-a com fé e sem hesitar, porque aquele que hesita assemelha-se às ondas do mar sacudidas e agitadas pelo vento. 7Não pense, pois, tal homem que receberá qualquer coisa do Senhor, 8sendo de espírito indeciso e inconstante em tudo. 9Que o irmão de condição humilde se glorie na sua exaltação, 10e o rico na sua humilhação, pois ele passará como a flor da erva. 11Com efeito, ao despontar o Sol com ardor, a erva seca e a sua flor cai, perdendo toda a beleza; assim murchará também o rico nos seus empreendimentos.

    A carta que hoje começamos a ler, atribuía a Tiago, irmão do Senhor e bispo de Jerusalém, é dirigida às Doze tribos da diáspora, tal como a Primeira Carta de Pedro. A diáspora era formada pelos judeus que viviam fora da Palestina. Aqui o termo é usado metaforicamente, para indicar a Igreja, novo Israel, dispersa entre os povos.
    A carta de Tiago, para além da introdução, apresenta-se como uma homilia onde o seu autor oferece normas práticas de vida cristã. É uma carta «católica» porque contém verdades universalmente válidas, isto é, aplicáveis à vida de todos os crentes. Resumidamente, podemos indicar algumas: a devoção e a piedade só são verdadeiras quando se reflectem na vida dos crentes. As aparências de devoção não agradam a Deus. A verdadeira devoção não é simples aspiração da alma, nem palavreado fácil. São as obras que revelam a autenticidade da fé proclamada.
    Para além de alertar a todos para a necessidade de uma fé que se traduza em obras, a carta de Tiago quer também responder a duas preocupações: por um lado, revelar aos pobres o valor da provação, das suas angústias; por outro lado, revelar aos ricos o perigo que as riquezas encerram. O clima de sabedoria vetero-testamentária é iluminado, ainda que não muito directamente, pela luz de Cristo.
    Hoje escutamos a introdução e parte da exortação inicial, cujos temas serão retomados ao longo da carta: a providencialidade da provação, a necessidade de rezar para adquirir a sabedoria e saber orientar-se no meio das dificuldades da vida, o carácter ilusório das riquezas.

    Evangelho: Marcos 8, 11-13

    Naquele tempo, 11apareceram alguns fariseus e começaram a discutir com Ele, pedindo-lhe um sinal do céu para o pôr à prova. 12Jesus, suspirando profundamente, disse: «Porque pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo: sinal algum será concedido a esta geração.» 13E, deixando-os, embarcou de novo e foi para a outra margem.

    A perícopa que hoje escutamos situa-se na no contexto da «secção dos pães» (Mc 6, 30-8,26) e mais precisamente na reacção dos fariseus (8, 11-13) e dos discípulos (8, 14-21) à revelação cristológica. Os fariseus não reconhecem o valor do milagre da multiplicação dos pães realizado por Jesus. Daí a provocação: dá-nos «um sinal do céu» (v. 11). Jesus apercebe-se imediatamente da intenção dos fariseus e responde-lhes categoricamente: «sinal algum será concedido a esta geração» (v. 12). Não há prodígio (dýnamis) nem sinal (semêion), – aqui Marcos usa o termo sinal -, capaz de convencer quem não quer deixar-se convencer.
    A expressão «esta geração» (v. 12), na literatura profética, indica o povo de Israel infiel à Aliança, que exige sempre de Deus novas manifestações do seu poder. A expressão aparece por vezes seguida de adjectivos como «adúltera e pecadora» (8, 38; Mt 12, 39.45;16,4) ou «infiel e perversa» (9, 19; cf. Mt 17, 17). Nesta perícopa a expressão «esta geração» parece indicar, não só os fariseus, mas também todos aqueles que procuram sempre novos sinais para acreditar.

    Meditatio

    Bento XVI, na encíclica Spe salvi, lembra-nos que o sofrimento é um lugar para aprender a esperança. Devemos certamente fazer tudo para diminuir o sofrimento; todavia «não é a fuga diante da dor que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e amadurecer nela, e encontrar sentido para ela na união com Cristo, que sofreu com infinito amor». O Papa refere os exemplos de Santa Josefina Bakhita e o do mártir vietnamita Paulo Le-Bao-Thin, verdadeiras testemunhas da esperança no meio dos seus sofrimentos (cf. nn. 36-39).
    A primeira leitura lembra-nos que as dificuldades e sofrimentos, põem à prova a nossa fé e revelam em quem pomos a nossa esperança: se em Deus ou em nós mesmos. O mesmo texto afirma que só a sabedoria, que vem de Deus, permite considerar as provações como perfeita alegria. A sabedoria do mundo considera-a loucura. Há que pedir a sabedoria da cruz, na certeza de que no-la dará. E essa certeza vem-nos da fé que não hesita e se manifesta nas obras.
    O evangelho mostra-nos os fariseus que, em tom polémico, se dirigem a Jesus que tinha acabado de multiplicar os pães, «pedindo-lhe um sinal do céu» (v. 11). Trata-se de uma provocação. Jesus apercebe-se das suas intenções e recusa-lhes o sinal, porque não há sinal que convença quem está dominado por preconceitos, quem não se quer deixar convencer. Os fariseus dão continuidade à incredulidade e à dureza de coração do Povo de Deus tantas vezes verberada pelos profetas. Não há sinais nem provas do amor de Deus que os satisfaçam.
    Qual é a nossa posição? Talvez também nós sejamos vítimas da miopia religiosa que afectava os fariseus. Jesus é o sinal dado aos homens para que acreditem. Como é a nossa fé, a nossa adesão, a nossa confiança em Jesus? Como reagimos perante os sofrimentos da vida? Somos homens e mulheres de esperança?
    Para o Pe. Dehon, o Lado aberto e o Coração trespassado do Salvador, são o sinal por excelência do amor de Deus por nós e do amor do Filho de Deus, que aceita a morte para nos salvar. Contemplando esse sinal, chega à fé-adesão e à confiança inabalável que as provações não fazem esmorecer. Consegue até lê-las de modo positivo: são ocasiões para se unir à Paixão do Senhor, em espírito de am
    or e de reparação, na esperança segura de igualmente participar na glória da Ressurreição.

    Oratio

    Senhor Jesus, ensina-me a considerar perfeita alegria toda a provação, todo o sofrimento. Tu sabes que prefiro a tranquilidade, e que vejo as dificuldades como tropeços no caminho para Ti. Mas também elas são perfeita alegria porque, como ensina teu apóstolo Paulo, as provações da fé produzem a paciência e a paciência completa em nós a obra, para nos tornarmos perfeitos e íntegros, sem qualquer falta.
    Senhor, faz-me compreender que é nas provações que produzes em mim a virtude, que não é derrota, mas progresso no amor; faz-me compreender que é nas provações que me unes à tua Paixão gloriosa e à tua vitória sobre o mal e sobre a morte. Amen.

    Contemplatio

    A cruz devia ser o sinal do cristão. Devia ser honrada sobre todos os nossos altares e marcar com o seu sinal salutar todas as cerimónias do culto. Nosso Senhor conduz-nos como quer pela sua doce providência. A cruz mal aparece nas catacumbas, torna-se o sinal universal de todo o acto cristão no tempo de Constantino. É ela que nos pregará o amor de Nosso Senhor, aguardando a revelação do Sagrado Coração (Leão Dehon, OSP3, p. 511).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A provação produz a constância» (Tg 1, 3).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VI Semana – Terça-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Terça-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    13 de Fevereiro, 2024

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 1, 12-18

    12Feliz o homem que resiste à tentação, porque, depois de ter sido provado, receberá a coroa da vida que o Senhor prometeu aos que o amam. 13Ninguém diga, quando for tentado para o mal: «É Deus que me tenta.» Porque Deus não é tentado pelo mal, nem tenta ninguém. 14Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e seduz. 15E a concupiscência, depois de ter concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. 16Não vos enganeis, meus amados irmãos. 17Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, no qual não há mudanças nem períodos de sombra. 18Por sua livre decisão, nos gerou com a palavra da verdade, para sermos como que as primícias das suas criaturas.

    A provação não é mais do que isso mesmo, provação. Mas pode tornar-se tentação, quando nos leva a inclinar-nos para o mal. Pode-se então concluir que, se a provação vem de Deus, também a tentação vem dele? Não, porque esse pensamento leva ao fatalismo, contrário à fé judaica e à fé cristã. A própria natureza de Deus exclui esse modo de pensar: «porque Deus não é tentado pelo mal, nem tenta ninguém» (v. 13). A origem das nossas tentações está na concupiscência que nos leva ao pecado. Por sua vez, o pecado leva-nos à morte, não tanto física, mas espiritual. Ora, Deus é «o Pai das luzes» (cf. Job 38, 7.28), isto é, o Transcendente, que está acima de tudo, também dos astros e que, por isso, não está sujeito às mudanças que neles observamos. O v. 18 alude ao novo nascimento que está na origem do ser cristão (cf. Jo 3, 3-5) e que é possível, não com o nosso esforço, mas por dom de Deus, graças à «palavra da verdade», isto é, ao Evangelho. Os que renascem pelo baptismo são primícias da nova humanidade porque, aos cristãos, há-de seguir-se a colheita para Deus de todos os povos, de toda a humanidade.

    Evangelho: Marcos 8, 14-21

    Naquele tempo, 14os discípulos tinham-se esquecido de levar pães e só traziam um pão no barco. 15Jesus começou a avisá-los, dizendo: «Olhai: tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes.» 16E eles discorriam entre si: «Não temos pão.» 17Mas Ele, percebendo-o, disse: «Porque estais a discorrer que não tendes pão? Ainda não entendestes nem compreendestes? Tendes o vosso coração endurecido? 18Tendes olhos e não vedes, tendes ouvidos e não ouvis? E não vos lembrais 19de quantos cestos cheios de pedaços recolhestes, quando parti os cinco pães para aqueles cinco mil?» Responderam: «Doze.» 20«E quando parti os sete pães para os quatro mil, quantos cestos cheios de bocados recolhestes?» Responderam: «Sete.» 21Disse-lhes então: «Ainda não compreendeis?»

    Continuamos na mesma «secção dos pães» e, agora, mais concretamente, no contexto da reacção dos discípulos à revelação cristológica (8, 14-21)
    Jesus pergunta aos discípulos: «Tendes o vosso coração endurecido?» (v. 17). O tema do coração endurecido, tão dramático e complexo nos Profetas e, de modo geral, no Antigo Testamento, aparece nos Evangelhos a propósito da compreensão e da aceitação do mistério do Reino proposto em parábolas (Mc 4, 10-12; Mt 13, 10-14; Lc 8, 9s.; cf. Jo 12, 37-41). O Reino era novidade com que Deus surpreendia a todos. Só os corações simples, abertos e disponíveis o podiam acolher. Por isso, era necessário não se deixar contaminar «com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes» (v. 15), isto é, com o orgulho e com a soberba dos fariseus e de Herodes. Os fariseus provavelmente esperavam um Messias triunfador que, com prodígios grandiosos, submetesse o mundo ao poder de Israel. Mas não era essa a lógica de Jesus. A salvação que nos oferece será realizada na partilha que multiplica o pão, e na carne «mastigada», que se torna fonte de vida eterna, isto é, na sua passagem pela morte. Será também esse o caminho dos discípulos e da Igreja, se quiserem ser fiéis aos ensinamentos e ao exemplo de Jesus.

    Meditatio

    Tiago afirma categoricamente que «Deus não é tentado pelo mal, nem tenta ninguém» (v. 13). Sendo assim, devemos fixar a nossa atenção sobre outro ponto: o homem-criatura. Nele está a concupiscência que, satisfeita, leva à morte: «Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e seduz. E a concupiscência, depois de ter concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte» (v. 14-15). Felizmente, o homem pode resistir à concupiscência e ser «como que as primícias das criaturas de Deus» (v. 18), geradas por sua vontade «com a palavra da verdade» (v. 18). Deus é bondade, e dele só provêm pensamentos bons e generosos: «Todo o dom perfeito vem do alto» (v. 17). De coração agradecido, acolhamos todos os seus dons para vencermos o mal e caminharmos na esperança ao seu encontro, com todos os nossos irmãos.
    No evangelho, Jesus como que martela os discípulos, fixados em preocupações materiais, com uma série de perguntas para os levar a fazer anamnese dos prodígios a que já tinham assistido para os animar na fé e na esperança: «Porque estais a discorrer que não tendes pão? Ainda não entendestes nem compreendestes? Tendes o vosso coração endurecido? Tendes olhos e não vedes, tendes ouvidos e não ouvis? E não vos lembrais de quantos cestos cheios de pedaços recolhestes, quando parti os cinco pães para aqueles cinco mil?» (vv. 17-19). Assim os leva a reler o «sinal» da multiplicação dos pães.
    A utilização da terminologia dos antigos profetas por Jesus é provocatória, não só porque revela a indisponibilidade dos fariseus e de Herodes para acolherem o que tinham visto, mas também porque manifesta a mesma indisponibilidade nos discípulos, que ficaram amarrados ao «pão» e não chegaram a Ele, «palavra de verdade».
    Uma anamnese semelhante também é útil para cada um de nós, pois pode abrir-nos os olhos e os ouvidos para chegarmos a conhecer que: «Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes» (v. 17).
    A comunidade cristã e, de modo particular, a comunidade religiosa são bons lugares para fazermos anamnese dos dons de Deus, nos animarmos na fé-adesão a Jesus Cristo, confirmarmos a nossa esperança e vivermos a caridade. A comunidade é “um lugar teológico”, onde todos havemos de chegar, s
    ob o influxo do Espírito, a uma profunda exigência de amor filial para com o Pai, fonte de “toda a boa dádiva e do dom perfeito” (Tg 1, 17) e do amor nupcial para com Cristo, em cujo nome a comunidade está reunida” (cf. Cst 67), e que é o verdadeiro centro de atracção da comunidade e de cada religioso. A mesma comunidade, e cada um dos seus membros, há-de esforçar-se por “testemunhar a Cristo” (Cst. 67), reservando todos os dias um tempo ou tempos particulares de intimidade com Ele, que é a «palavra de verdade».

    Oratio

    Senhor, meu Deus, não permitas que as preocupações desta vida se tornem empecilho na caminhada para Ti. Mantém-me longe das coisas pelas quais anseia a vaidade do mundo. Liberta-me também das misérias que dolorosamente pesam sobre mim. Guarda-me dos maus pensamentos que falsificam a tua imagem, e podem levar-me a dizer: «Estou a ser tentado por Deus». Faz-me compreender e integrar na minha vida o ensinamento do teu apóstolo Tiago, que diz: «Deus não é tentado pelo mal, nem tenta ninguém; Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e seduz». Tu és bondade. De Ti só vêm pensamentos bons e generosos. Tu és o Pai maravilhoso, que «nos gerastes com a palavra da verdade, para sermos como que as primícias das tuas criaturas». A Ti o louvor e a glória para sempre! Amen.

    Contemplatio

    Deus é amor, ama a sua bondade infinita, compraze-se nela, é a sua vida. – Em relação a nós, Deus Pai é amor, amor de clemência; Deus Espírito Santo é amor, amor de santificação. Neste sentido, a redenção é obra da santa Trindade. Deus amou-nos e quis salvar-nos.
    Num sentido mais preciso, o amor pessoal em Deus é o Espírito Santo. Deus Pai e Deus Filho amam-se infinitamente e o seu amor infinito é o princípio do Espírito Santo.
    Deus compraze-se no Espírito Santo, que é o amor de seu Filho. Mas quis alargar esse amor. Quis ser amado por muitos corações, dos quais um seria ainda um Coração divino, o Coração divino de Jesus e os outros corações criados à imagem e à semelhança do Coração divino.
    O objecto principal da criação no plano divino era, portanto, o Coração de Jesus, que devia ser o corifeu do louvor divino e do amor divino. Deus disse para Si mesmo: «Façamos o Coração de Jesus, como extensão do Coração divino, e façamos corações humanos como extensão do Coração de Jesus».
    Estes pensamentos são bem desenvolvidos pelo venerável Padre Eudes, no seu livro sobre o coração admirável de Maria (Leão Dehon, OSP4, p. 513).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Todo o dom perfeito vêm do alto» (Tg 1, 17).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • Quarta-feira de Cinzas

    Quarta-feira de Cinzas

    14 de Fevereiro, 2024

    Lectio
    Primeira leitura: Joel 2, 12-18

    12*Diz agora o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração com jejuns, com lágrimas, com gemidos. 13*Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes, convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia. 14*Quem sabe? Talvez Ele mude de ideia e volte atrás, deixando, ao passar, alguma bênção, para oferenda e libação ao SENHOR vosso Deus! 15Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada.16Reuni o povo, purificai a assembleia, juntai os anciãos, congregai os pequeninos e os meninos de peito. Saia o esposo dos seus aposentos e a esposa do seu tálamo nupcial.17*Entre o pórtico e o altar chorem os sacerdotes, e digam os ministros do SENHOR: «Tem piedade do teu povo, SENHOR, não transformes em ignomínia a tua herança, para que ela não se torne o escárnio dos povos! Por que diriam: 'Onde está o seu Deus? '» 18*0 SENHOR encheu-se de zelo pelo seu país e teve compaixão do seu povo.

    Joel é provavelmente um sacerdote-profeta, que vive no Templo, depois do exílio. Fiel ao serviço da Casa de Deus, exorta o povo, que passa por uma grave carestia provocada por uma invasão de gafanhotos (1, 2-2, 10), à oração e à conversão .. O próprio culto, no templo, tinha cessado (1, 13.16). O profeta, que sabe ler os sinais dos tempos, anuncia a proximidade do «dia do sennot», e convida o povo ao jejum, à súplica e à penitência (2, 12.15-17). «Convertei-vos», grita o profeta. O termo hebraico subjacente é schOb que significa arrepiar caminho, regressar ... O povo que virara costas a Deus, devia voltar novamente o coração para Ele, e retomar o culto no templo, um culto autêntico, que manifestasse a conversão interior. O povo pode voltar novamente para Deus, porque Ele é misericordioso (v. 13), e também pode mudar de ideia e voltar atrás (v. 14).

    Um amor sincero a Deus, uma fé consistente, e uma esperança que se torna oração coral e penitente, darão ao profeta e aos sacerdotes as devidas condições para implorarem a compaixão de Deus para com o seu povo.

    Segunda leitura: 2 Coríntios 5, 20 - 6,2

    Irmãos: 20é em nome de Cristo, portanto, que exercemos as funções de embaixadores e é Deus quem, por nosso intermédio, vos exorta. Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus. 21Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos, nele, justiça de Deus.

    1 *E como seus colaboradores, exortamo-vos a não receber em vão a graça de Deus. 2Pois Ele diz: No tempo favorável ouvi-te e, no dia da salvação, vim em teu auxílio. É este o tempo favorável, é este o dia da salvação.

    «Reconciliai-vos com Deus», é o apelo de Paulo. A reconciliação é possível, porque essa é a vontade do Pai, manifestada na obra redentora do Filho e no poder do Espírito que apoia o serviço dos apóstolos. O v. 21 é o ponto alto do texto, pois proclama o juízo de Deus sobre o pecado e o seu incomensurável amor pelos pecadores, pelos quais não poupou o seu próprio Filho (cf. Rm 5, 8; 8, 32). Cristo carregou sobre si o pecado do mundo e expiou-o na sua própria carne. Assim, podemos apropriar-nos da sua justiça-santidade. O Inocente tornou-se pecado para nos pudéssemos tornar justiça de Deus. E, agora, o tempo favorável para aproveitar essa graça: deixemo-nos reconciliar (katallássein) com Deus. O termo grego indica a transformação da nossa relação com Deus e, por consequência, da nossa relação com os outros homens. Acolhendo o amor de Deus, que nos leva a vivermos, não já para nós mesmos, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por nós (w. 14s.), podemos tornar-nos nova criação em Cristo (5, 18).

    Evangelho: Mateus 6, 1-6.16-18

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos. 1 *«Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. 2*Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 3Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, 4a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» 5«Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 6Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te.

    16*«E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está pre­sente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te.»

    Jesus pede aos seus discípulos uma justiça superior à dos escribas e fariseus, mesmo quando praticam as mesmas obras que eles.: «Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles». Agora aplica esse princípio a algumas práticas religiosas do seu tempo: a esmola, o jejum e a oração. Há que estar atentos às motivações que nos levam a dar esmola, a orar, a jejuar, porque o Pai vê o que está oculto, os sentimentos profundos do coração. Se buscamos o aplauso dos homens, a vanglória, Deus nada tem para nos dar. Mas se buscamos a relação íntima e pessoal com Ele, a comunhão com Ele, seremos recompensados. Se não fizermos as boas obras com recta intenção somos hypokritoi, isto é, comediantes, e mesmo ímpios, de acordo com o uso hebraico do termo.

    Meditatio

    A Liturgia da Palavra dá-nos, hoje, a orientação correcta para vivermos frutuosa mente a Quaresma, tempo favorável de graça, dia de salvação. Penitência e arrependimento não são caminho de tristeza, de depressão, mas caminho de luz e de alegria, porque, se nos levam a reconhecer a nossa verdade de pecadores, também nos abrem ao amor e à misericórdia de Deus.

    a profeta, em nome de Deus, convida o povo a percorrer o caminho da esperança, fazendo penitência; os apóstolos recebem de Deus o ministério da reconciliação; a Igreja repete a boa nova: «É este o tempo favorável~ é este o dia da salvação» (2 Cor 6, 2). Com todo o povo de Deus, somos convidados a arrepiar caminho, a voltar-nos para o Senhor, a deixar-nos reconciliar, a d
    ar a Cristo ocasião de tomar sobre Si o nosso pecado, porque só Ele o conhece e pode expiar.

    Renovados pelo amor, podemos viver alegre e confiadamente na presença de Deus, nosso Pai, cumprindo humildemente tudo quanto Lhe agrada e é útil para os irmãos. E a presença do Pai, no mais íntimo de nós mesmos, garante-nos a verdadeira alegria.

    Jesus, no evangelho, mostra-nos qual deve ser a nossa atitude quando praticamos obras de penitência (tais como a esmola, a oração, o jejum), e insiste na rectidão interior, garantida pela intimidade com o Pai. Era essa a atitude e a orientação do próprio Jesus em todas as suas palavras e obras. Nada fazia para ser admirado pelos homens. Nós podemos ser tentados a fazer o bem para obtermos a admiração dos outros. Mas essa atitude, por um lado, fecha-nos em nós mesmos, por outro lado projecta-nos para fora de nós, tornando-nos dependentes da opinião dos outros.

    Há, pois, que fazer o bem porque é bem, e porque Deus é Deus, e nos dá oportunidade de vivermos em intimidade e solidariedade com Ele, para bem dos nossos irmãos. Estar cheios de Deus, viver na sua presença, é a máxima alegria neste mundo, e garante-nos essa mesma situação, levada à perfeição, no outro.

    Nós, dehonianos, fizemos "a nossa opção pela vida religiosa" (Cst 144) uma vez para sempre, não de modo estático, mas dinâmico. Por isso, "para que se mantenha viva" (Cst 144), deve ser permanentemente renovada no "encontro frequente com o Senhor na oração" (Cst 144), especialmente no encontro eucarístico pessoal da oração de intimidade e comunitário da celebração e da adoração eucarística, na "conversão permanente ao Evangelho", para que tenhamos "a disponibilidade de coração e de atitude para acolher o hoje de Deus' (Cst 144).

    Converter-se "ao Evangelho"! O Evangelho para nós, mais do que um livro, é uma pessoa, Jesus Cristo. É necessária a "conversão" ao verdadeiro conhecimento de Cristo. Não um conhecimento intelectual, como aquele que se obtém nas aulas de teologia. É preciso um conhecimento de fé, uma experiência viva, como aquela de fala S. Paulo: "Na verdade, em tudo isso só vejo dano, comparado com o supremo conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Põe Ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo ... Assim poderei conhecê-I' o, a Ele, à força da Sua Ressurreição e à comunhão nos seus sofrimentos, configurando-me à Sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição. Não que eu já tenha alcançado a meta, ou que já seja perfeito, mas prossigo a minha carreira para ver se de algum modo a poderei alcançar, visto quejá fui alcançado por Jesus Cristd' (Fil 3, 8.10-13).

    Façamos nesta Quaresma as obras de penitência que pudermos. Mas façamo-Ias na intimidade e na presença do Senhor, que havemos de procurar na oração, na Eucaristia, na comunidade... Não esqueçamos a ascese, especialmente a que nos é exigida pelo fiel cumprimento dos nossos compromissos com Deus e com os irmãos.

    Oratio

    Senhor, que, mais uma vez, me ofereces a graça da Quaresma, tempo favorável, dia de salvação, ajuda-me a vivê-lo no segredo onde me vês, me amas e me esperas. Sei que as coisas exteriores têm a sua importância. Mas quero vivê-Ias na tua presença. Gostaria de fazer muitas obras de penitência durante este tempo. Mas, se fizer poucas, que sejam no teu amor, o que é mais importante do que fazer muitas para atrair a admiração e a estima dos outros. Quero fazer o que puder na oração, na mortificação, na caridade fraterna; mas quero fazê-lo na humildade e na sinceridade diante de Ti. Infunde em mim o teu Espírito Santo que me conduza e guie pelo deserto da penitência, durante esta Quaresma. Amen.

    Contemplatio

    Que sou eu? Cinza e pó. O pó é levado pelo vento. Assim acontece com a minha pobre natureza. Sou acessível a todo o vento da tentação. A minha vontade é tão móvel como o pó. Em que é então que me posso orgulhar? Que lição de humildade!

    Porque é que o barro e a cinza se orgulham, pergunta o Sábio (Eccli 10, 8). Todos os homens, diz ainda, são apenas terra e cinza (17, 31). Os povos, depois de um rápido brilho, são como um amontoado de cinza depois do incêndio, diz Isaías (33, 12).

    A nossa vida desaparecerá como se extingue uma faúlha, diz o Sábio, e o nosso corpo cairá feito em cinzas (Sab 2, 3).

    Abraão dizia: «Ousarei falar a Deus, eu que não sou senão cinza e pó?» (Gen 18, 27).

    No entanto, falou a Deus com humildade e confiança.

    Tal deve ser o fruto desta cerimónia. Devo recordar-me, todos os dias, do meu nada e da minha fragilidade. O sinal material apagar-se-á da minha fronte, mas o pensamento que exprime deve permanecer gravado na minha memória.

    Sou apenas nada, no entanto irei ter com Deus, mas irei com humildade. Irei lamentando as minhas faltas, irei fazendo reparação e confissão pública pelos meus pecados e pelos dos meus irmãos.

    Irei com a consciência da minha fraqueza, mas mesmo assim confiante, porque Deus é bom, porque o Filho de Deus tomou um coração para me amar e partir este coração para deixar escorrer sobre a minha alma o perfume da sua misericórdia (Leão Dehon, OSP 3, p. 196).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «E este o tempo favorável é este o dia da salvação» (2 Cor 6,2)

  • Quinta-feira depois das Cinzas

    Quinta-feira depois das Cinzas

    15 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Deuteronómio 30,15-20

    Moisés falou ao povo, dizendo: 15«Repara que coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal. 16Assim, ordeno-te hoje que ames o SENHOR, teu Deus, que andes nos seus caminhos, que guardes os seus mandamentos, preceitos e sentenças. Assim viverás, multiplicar-te-ás e o SENHOR, teu Deus, te abençoará na terra em que vais entrar para dela tomar posse. 17Mas se o teu coração se desviar e não escutares, se te deixares arrastar e adorares deuses estranhos e os servires, 18declaro-vos hoje que, sem dúvida, morrereis; os vossos dias não se prolongarão na terra na qual ides entrar, passando o Jordão, para dela tomar posse» 19«Tomo hoje por testemunhas contra vós o céu e a terra; ponho diante de vós a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, 20amando o SENHOR, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele, porque Ele é a tua vida e prolongará os teus dias para habitares na terra, que o SENHOR jurou que havia de dar a teus pais, Abraão, Isaac e Jacob.»

    Os desterrados de Israel são convidados a reflectir sobre as causas da sua sorte, a acolher novamente a aliança do Senhor com todas as suas exigências e a abrir-se à esperança. Para ser mais incisivo, o autor sagrado recorre à contraposição dizendo que se trata de uma escolha entre a vida e a morte, entre o bem e o mal, entre a bênção e a maldição. Há que fazer uma opção responsável, com todas as suas consequências. O céu e a terra são testemunhas dessa opção (v. 19).

    A vida é um dom de Deus, mas também é participação no seu ser (c. 20). Deus é Aquele que vive e faz viver. Há que estar unidos a Ele no amor e na obediência aos seus preceitos. Esses preceitos não têm outra finalidade que não seja a de nos ajudar a percorrer os seus caminhos (v. 16) e a alcançar a sua promessa (v. 20) de vida e de bênção.

    Evangelho: Lucas 9, 22-25

    22Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «O Filho do Homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos-sacerdotes e pelos doutores da Lei, tem de ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar.» 23*Depois, dirigindo-se a todos, disse: «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me. 24Pois, quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-Ia; mas, quem perder a sua vida por minha causa há-de salvá-Ia. 25Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, perdendo-se ou condenando-se a si mesmo?

    Jesus anuncia, pela primeira vez, a necessidade da sua paixão aos discípulos, que acabavam de Lhe referir a opinião do povo sobre Ele e de proclamar a sua fé. Jesus reserva este ensinamento a um pequeno grupo de discípulos, os mais íntimos. Mas a todos ensina o caminho a seguir por quem pretende tornar-se seu discípulo. De acordo com os costumes de então, quem decidia tornar-se discípulo de um rabi, caminhava seguindo os seus passos.

    Àqueles que o querem seguir, Jesus apresenta o caminho da abnegação, do sofrimento e da morte, o caminho da cruz. Era frequente, sob a dominação romana, que um condenado carregasse o braço transversal da cruz desde o lugar da condenação ao lugar da execução. Tratava-se, pois, de uma imagem tremendamente realista: seguir a Cristo era viver como condenados à morte pelo mundo, prontos a enfrentar o desprezo de todos. Mas é a morte de Jesus, a sua cruz, que nos dá a vida verdadeira. Por isso, há que estar prontos a perder tudo, que de nada serve, se não alcançarmos a vida.

    Meditatio

    A primeira leitura apresenta-nos Deus que, com afecto paterno, respeitando-nos e querendo o nosso bem, nos apresenta dois caminhos, aconselhando-nos a escolher o bom: «Coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal... Ordeno-te hoje que ames o SENHOR... que andes nos seus caminhos, que guardes os seus mandamentos, preceitos e sentenças. Assim viverás, multiplicar-te-ás e o SENHOR, teu Deus, te abençoará na terra em que vais entrar para dela tomar posse» (w. 15-16). A vida consiste em amar o Senhor, em observar os seus preceitos, em ser dócil à sua palavra. O mal consiste em seguir os caprichos do coração ... E leva à morte: «Se o teu coração se desviar e não escutares, se te deixares arrastar e adorares deuses estranhos e os servires, declaro-vos hoje que morrereis ... » (VII. 16- 17). Deus avisa-nos, mas não nos obriga a obedecer-lhe. Ninguém, como Ele, respeita a liberdade que nos deu. Quero que O sirvamos, mas por amor e, por isso, livremente: «Escolhe» (v. 19). Mas, como deseja o nosso bem, quase nos suplica: «Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, 20amando o SENHOR, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele» (v. 19).

    A escolha da vida não é óbvia, porque encerra um paradoxo: Jesus diz que se alcança a vida segundo Deus, que é Deus, renunciando a nós mesmos, carregando a cruz de cada dia, aceitando perder a vida presente por causa d ' Ele. É seguindo Cristo, de modo radical, até ao fim, que se chega à vida. O seguimento de Cristo implica passar pelo Calvário, pela cruz. Mas é por aí que se chega à ressurreição, que se salva a vida.

    O ensinamento de Jesus deita por terra os modelos das velhas religiões. A grandeza do homem não consiste em transcender a finitude da matéria, subindo à altura do ser do divino (mística oriental), nem consiste em identificar-nos sacramentalmente com as forças da vida latentes na profundidade radical do cosmos (religião dos mistérios), nem é perfeito quem cumpre a lei até ao fim (farisaísmo), nem o que pretende escapar da miséria do mundo, na esperança da meta que se aproxima (apocalíptica) ... Diante de todos os possíveis caminhos da história do homens, Jesus apresenta-nos o seu caminho: «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me».

    A vida de oblação, no concreto, no humilde dia a dia, consiste em aceitar com serenidade, dando graças, as cruzes e canseiras; consiste em irradiar com espontaneidade simples os frutos do Espírito. Assim realizamos o convite de Jesus: Quem quiser ser Meu discípulo "tome a sua cruz, dia a dia, e siga-Mé' (Lc 9, 23). Sequi-lO na mansidão e na humildade do coração: "Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29). Irradiar alegria, paz, bondade, para alívio, não só nosso, mas também dos nossos irmãos. Assim, como "Sacerdotes do Coração de Jesus, vivemos hoje no nosso Instituto a herança do Padre Dehon" (Cst. 26).

    Oratio

    Senhor Jesus, o teu desafio é tremendamente claro, deixando-me sem escapatória possível: ou a salvação imediata, que me levará a perder a vida; ou renúncia a mim mesmo, que me conduzirá à vida. E desafias-me, não só com palavras, mas também com o te
    u exemplo, pois quiseste percorrer, antes de mim, o caminho que leva à salvação. Como Tu mesmo declaraste, trata-se de um caminho muito difícil: «O Filho do homem tem de sofrer muito, tem de ser condenado à morte», mas «ao terceiro dia, ressuscitar», Seguindo as tuas pegadas sangrentas, não errarei o caminho, e estarei seguro da tua graça, que me conduzirá até ao fim. Infunde em mim o teu Espírito Santo para que, unido a Ti durante a caminhada, e até ao sacrifício, Contigo continue unido na glória da Ressurreição. Amen.

    Contemplatio

    Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque o reino dos céus lhes pertence.

    Nosso Senhor no-lo dirá muitas vezes: no seu seguimento, na sua companhia, a gente leva a cruz. Ele dá a sua força, mesmo o gosto dela. Esta paciência é o sinal da união com Nosso Senhor.

    a esposo divino quer que a sua esposa lhe seja semelhante. «Se alguém quiser vir atrás de mim, que tome a sua cruz e siga-me».

    a maior sinal do amor é sofrer pelo objecto amado.

    Como são admiráveis os vossos ensinamentos, ó meu Salvador! E como sabeis em poucas palavras traçar-nos todo o caminho que conduz a vós! (Leão Dehon, asp 3, p. 31s).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Se alguém quer seguir-me, tome a sua cruz e siga-me» (cf. Lc 9,23).

    https://www.youtube.com/watch?v=wkx1MTEBYZo&feature=emb_logo

  • Sexta-feira depois das Cinzas

    Sexta-feira depois das Cinzas

    16 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 58, 1-9a

    Eis o que diz o Senhor Deus: 1 Grita em voz alta, sem te cansares. Levanta a tua voz como uma trombeta. Denuncia ao meu povo as suas faltas, aos descendentes de Jacob, os seus pecados.2*Consultam-me dia após dia, mostram desejos em conhecer o meu caminho, como se fosse um povo que praticasse a justiça, e não abandonasse a lei de Deus. Pedem-me sentenças justas, querem aproximar-se de Deus.3Dizem­me: «Para quê jejuar, se vós não fazeis caso? Para quê humilhar-nos, se não prestais atenção?» É porque no dia do vosso jejum só cuidais dos vossos negócios, e oprimis todos os vossos empregados.4Jejuais entre rixas e disputas, dando bofetadas sem dó nem piedade. Não jejueis como tendes feito até hoje, se quereis que a vossa voz seja ouvida no alto.5Acaso é esse o jejum que me agrada, no dia em que o homem se mortifica? Curvar a cabeça como um junco, deitar-se sobre saco e cinza? Podeis chamar a isto jejum e dia agradável ao Senhor? 60 jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, 7*repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão.8*Então, a tua luz surgirá como a aurora, e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá à tua frente, e a glória do Senhor atrás de ti.9Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá, pedirás auxílio e te dirá: «Aqui estou!»

    Neste discurso, o profeta pretende alertar o povo para a falta de autenticidade com que vive (vv. 1-3a), proclamar o verdadeiro jejum (vv. 3b-7) e indicar as consequências positivas da ligação do jejum à prática da justiça (vv. 8-12).

    O povo tinha regressado do exílio cheio de entusiasmo e de esperança. Mas as dificuldades eram grandes. Deus parecia surdo e indiferente às súplicas e ao culto do seu povo. Mas o profeta alerta para a prática de um jejum misturado com injustiças sociais, e condena-o. O culto deve estar unido à solidariedade com os pobres. Caso contrário, não agrada a Deus e é estéril. As manifestações exteriores de conversão têm a sua prova real na caridade e na misericórdia para com os pobres e oprimidos. Isaías parece já ter ouvido as palavras de Jesus: «Tinha fome e destes-me de comer ... (cf. Mt 25, 31-46). Mas afirmar que o verdadeiro jejum e o verdadeiro culto consistem na caridade, não significa negar o valor dessas práticas, mas afirmar que elas têm sentido e valor em vista da mesma caridade. O jejum tem sentido e valor quando se torna expressão de amor a Deus e ao próximo. Por sua vez, o verdadeiro culto é relação com Deus, sem individualismo e falsidade.

    Evangelho: Mateus 9, 14-15

    14*Naquele tempo, os discípulos de João Baptista foram ter com Jesus e perguntaram-lhe: «Por que é que nós e os fariseus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» 15*Jesus respondeu-lhes: «Porventura podem os convidados para as núpcias estar tristes, enquanto o esposo está com eles? Porém, hão-de vir dias em que lhes será tirado o esposo e, então, vão jejuar.»

    Os discípulos de Jesus são acusados de não Jejuarem. Jesus responde dando a entender que, com Ele, começaram os tempos messiânicos, o tempo das núpcias, o tempo escatológico anunciado pelos profetas, tempo de alegria durante o qual não se jejua, pois o Esposo está presente. Mas muitos não conseguem ver em Jesus o Messias esperado, e não reconhecem que o Reino de Deus é festa, é pérola pela qual se está disposto a deixar tudo com alegria. A renúncia, por Deus, não é um peso. Não há que ter medo do rosto alegre do Senhor. O jejum cristão não consiste apenas em abster-se de alimentos. Consiste, sobretudo, em desejar o encontro com Jesus salvador.

    O contexto deste evangelho ajuda-nos a compreendê-lo. Nos versículos seguintes Jesus recorre a duas comparações: «Ninguém põe um remendo de pano novo em roupa velha.. 17Nem se deita vinho novo em odres velhos. »(vv. 16.17), que oferecem outra motivação em favor do comportamento dos discípulos de Jesus. Com a vinda de Jesus, começou o tempo novo do Reino em que já não se sentem prisioneiros do jejum ou de outras práticas da Antiga Aliança. A novidade de Cristo não se limita a adaptar as velhas formas: arranca o pano velho, rebenta os velhos odres. Há um novo começo.

    Meditatio

    O jejum começa a reentrar na nossa cultura actual por razões de dieta e de estética, ou aconselhado por certas formas de religiosidade, com origem no Oriente. A Igreja, como sempre, também recomenda o jejum, particularmente na Quaresma. Mas podemos entender mal as suas motivações ou até cair no egoísmo e do orgulho. Por isso, a mesma Igreja, nos alerta para duas dimensões essenciais do jejum: a sua referência a Cristo e a sua dimensão de solidariedade.

    Expliquemos: jejua-se porque Cristo, o Esposo, ainda não está totalmente presente em cada um de nós nem na sociedade em que vivemos. O Esposo está pronto. Mas nós não estamos prontos. Ainda não nos deixamos invadir completamente pelo seu amor. Jejuamos para Lhe dar lugar em nós, para que possa ocupar toda a nossa existência. Jejuamos para nos unirmos à sua Paixão. Já no século II era recomendado aos fiéis que não jejuassem nos mesmos dias em que jejuavam os judeus, mas sim na sexta-feira, em memória da paixão de Jesus.

    Mas também jejuamos para nos tornarmos sensíveis à fome e à sede de tantos irmãos e para assumirmos a nossa responsabilidade na resolução dos problemas dos pobres e carenciados. A memória da paixão de Jesus não é um simples ritual, mas um acto de misericórdia, no sentido da palavra do Senhor: «Prefiro a misericórdia ao sacrifício» (cf. Mt 9, 13). A sua paixão é obediência ao Pai, mas também um gesto de extrema caridade, de
    solidariedade com todos nós.

    Tendo bem presentes estas dimensões, entendemos melhor o sentido do jejum que nos é recomendado e pedido pela Igreja, e mais facilmente evitamos cair na busca de uma perfeição individualista e fechada, sem nos preocuparmos com os outros.

    Deixemo-nos conduzir pelo Espírito nas formas de ascese a escolher para vivermos proveitosamente a nossa Quaresma. E sucederá connosco o que sucedeu com Jesus: "O Espírito do Senhor está sobre Mim - diz Jesus na sinagoga de Nazaré - ... enviou-Me a anunciar a boa nova aos pobres ... e a pregar um ano de graça do Senhor' (Lc 4,18-19; Cf. Cst 28). Amar um pequeno, um pobre, é amar Jesus: "Todas as vezes que fizeste isto (as obras de misericórdia) a um só destes meus irmãos mais pequenos, foi a Mim que o fizestes" (Mt 25, 40; cf. Cst 28).

    o tempo da Quaresma é propício a percorrermos os diversos graus da caridade evangélica: "Ama o próximo como a ti mesmo" (Mt 19, 19). É a regra de ouro que já foi proclamada no Antigo Testamento e que Jesus faz Sua: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti (Cf. Mt 7,12); Lc 6,11; Lv 19,18; Tob 4,15). Este é o primeiro grau da caridade. O segundo grau é: ama o próximo como amas a Jesus (Cf. Mt 25, 40; cf. n. 28). O terceiro grau é amar o próximo como Jesus nos ama: "Este é o Meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amel' (Jo 15,12). O quarto grau, o mais perfeito, é revelado por Jesus em forma de oração: pede que os seus discípulos se amem uns aos outros como as Três Pessoas da SS. Trindade se amam: "Não rogo só por estes, mas também por aqueles que, graças à sua palavra, hão-de acreditar em Mim, para que todos sejam um. Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, sejam também eles uma só coisa, para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (Jo 17,20-21).

    O fruto da caridade é Jesus presente no meio de nós: "Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, Eu estarei no meio deles" (Mt 18, 20). Mas o preço da caridade é sempre a cruz, a negação de nós mesmos, a superação do nosso egoísmo: "Se alguém quiser vir após Mim, renegue a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-Me" (Lc 9, 23).

    Oratio

    Senhor Jesus, infunde em mim o teu Espírito, que seja o meu guia neste tempo da Quaresma. Quero comungar no teu jejum para estar unido a Ti, para Te experimentar como o Esposo desejado. Aumenta em mim o sentido esponsal da vida cristã. Ensina­me a jejuar de quanto me faz esquecer de Ti, de quanto me afasta da meditação da tua Palavra, de quanto me leva a procurar outros «amantes» e a correr o perigo de Te ser infiel.

    Que o meu jejum me abra também ao amor dos irmãos e me faça percorrer o caminho da caridade até amar como Tu amas, até que o meu amor pelos irmãos seja reflexo daquele amor que reina entre Ti, o Pai e o Espírito. Amen.

    Contemplatio

    Jesus quis jejuar quarenta dias e quarenta noites. Moisés e Elias tinham feito o mesmo antes de empreenderem a sua grande missão perante o povo de Deus.

    Nosso Senhor quis que este jejum absoluto e miraculoso fosse algumas vezes reproduzido na Igreja. É atribuído a S. Simão, o estilita, a Santa Catarina de Sena, etc.

    O primeiro Adão tinha pecado por gula, o novo Adão quis reparar pelo jejum.

    Havia também a expiar toda a nossa sensualidade, que é infinita.

    Nosso Senhor quis também mostrar-nos como é preciso combater as nossas más paixões. O nosso corpo é um inimigo que é preciso enfraquecer e dominar, se não queremos que nos domine e que sujeite a nossa alma.

    «O jejum, diz S. Basílio, serve de asas à oração para se elevar em altura e penetrar até aos céust.é também o guardião da castidade».

    O período de quarenta dias tem as suas oportunidades misteriosas. É preciso sem dúvida este lapso de tempo para que a penitência actue fortemente sobre a natureza. A Igreja pede-nos também quarenta dias de um jejum relativo, para imitarmos o jejum absoluto de Nosso Senhor.

    O jejum é o guardião da castidade para nós, sobretudo neste período da primavera em que os sentidos estão mais excitados.

    Dá asas à oração que a abundância de alimentos torna pesada e sonolenta. Tenho aproveitado do exemplo de Nosso Senhor? Tenho obedecido ao preceito da Igreja, na medida das minhas forças e da minha saúde? Tenho feito durante quarenta dias uma penitência suficiente e verdadeiramente eficaz? Tenho substituído por alguma outra mortificação o que não podia fazer?

    Não desperdicei tantas graças que se me ofereciam? (Leão Dehon, OSP 3, p. 223).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Prefiro a misericórdia ao sacrifício» (cf. Mt 9, 13)

  • Sábado depois das Cinzas

    Sábado depois das Cinzas

    17 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 58, 9b-14

    Eis o que diz o Senhor: 9Se retirares da tua vida toda a opressão, o gesto ameaçador e o falar ofensivo, 10se repartires o teu pão com o faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na tua escuridão, e as tuas trevas tomar-se-ão como o meio dia.110 Senhor te guiará constantemente, saciará a tua alma no árido deserto, dará vigor aos teus ossos. Serás como um jardim bem regado, como uma fonte de águas inesgotáveis 12Reconstruirás ruínas antigas, levantarás sobre antigas fundações. Serás chamado: «Reparador de brechas, restaurador de casas em ruínas.»13Se te abstiveres de trabalhar ao sábado, de te ocupares dos teus negócios no meu dia santo, se chamares ao sábado a tua delícia, consagrando-o à glória do Senhor; se o solenizares, abstendo-te de viagens, de procurares os teus interesses, e de tratares os teus negócios 14então, encontrarás a tua felicidade no Senhor. Far-te­ei desfilar sobre as alturas da terra, alimentar-te-ei com a herança do teu pai Jacob. É o próprio Senhor quem o diz!

    Depois da forte denúncia dos pecados do povo (Is 58, 1), a pedido de Deus, o profeta passa à exortação. Exorta àquilo que hoje se poderia chamar a caridade fraterna (vv. 9- 10a), motivada pela promessa da comunhão com Deus e da restauração do país (vv. 10b-12). Vem, depois, a exortação ao respeito pelo sábado, agora visto a partir dos direitos de Deus (v. 13) e a consequente promessa de felicidade no Senhor (v. 14). Por outras palavras: primeiro Deus pede que seja afastado tudo o que divide o povo em si mesmo (opressão, falsas acusações em tribunal, difamação). Em consequência, Deus promete a comunhão Consigo e a prosperidade. A reconstrução da justiça social é condição para que também sejam restauradas as antigas ruínas. Depois, vem a exigência de abandonar o eficientismo e retomar o sentido do repouso sabático, com a consequente promessa de saborear a alegria do Senhor e dos seus bens.

    Evangelho: Lucas 5, 27-32

    27*Naquele tempo, Jesus viu um cobrador de impostos, chamado Levi, sentado no posto de cobrança. Disse-lhe: «Segue-me.» 28*E ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-o. 29Levi ofereceu-lhe, em sua casa, um grande banquete; e encontravam-se com eles, à mesa, grande número de cobradores de impostos e de outras pessoas. 30*Os fariseus e os doutores da Lei murmuravam, dizendo aos discípulos: «Por que comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores?» 31*Jesus tomou a palavra e disse-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. 32Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores.»

    A conversão de Levi concretiza a afirmação de Jesus: «Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecedores.» (v. 32) e sintetiza toda a anterior acção de Jesus: a chamada dos primeiros discípulos, homens simples e rudes; a cura do leproso, sem medo da impureza legal. O perdão dos pecados e a cura do paralítico. Agora, Jesus convida ao seguimento um homem duplamente desprezível porque é um explorador profissional e um colaboracionista do ocupante romano.

    Jesus revela a liberdade total das suas escolhas. Trata-se de uma liberdade que liberta, porque nasce do amor. Levi, «deixando tudo», pesos, amarras, «levantou-se» (anastás = o mesmo verbo que é usado para indicar a ressurreição de Jesus) e seguiu-o». A libertação e a vida nova estão orientadas para o seguimento de Jesus, para o discipulado.

    Levi, libertado e tornado discípulo, quer fazer da sua experiência um acontecimento de graça para outros. Por isso, organiza um banquete em sua casa (v. 29).

    Meditatio

    «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores» (vv. 32-33).

    Jesus veio ao mundo para chamar o homem pecador à conversão e à comunhão com Deus. Mas, para experimentarmos a Misericórdia, devemos reconhecer-nos doentes e pecadores. Mas, por vezes, não é fácil colocar-nos entre os pecadores, porque, temos consciência de, por graça de Deus, não ter cometido faltas graves. Mas esta resistência em nos considerarmos pecadores, já é sinal de orgulho e de egoísmo.

    Cada um de nós há-de reconhecer-se nos doentes a quem Jesus cura e em Levi a quem Jesus perdoa. Só então poderemos experimentar a felicidade da Misericórdia que cura e perdoa.

    Há que sentir-nos pecadores, solidários com os outros pecadores e dispostos a carregar os seus pesos, tal como Jesus se fez solidário connosco e se dispôs a carregar sobre Si o nosso pecado.

    Pela boca de Isaías, Deus exorta-nos à solidariedade e à partilha com os irmãos. Jesus é, para nós, o exemplo perfeito dessa solidariedade e dessa partilha. Ele partilhou a nossa vida e a nossa condição. Assumiu as nossas limitações e o nosso pecado. Passou fazendo o bem a todos e acolhendo a todos. Reconhecendo a misericórdia que usou para connosco, só a Ele havemos de procurar, solidarizando­nos com Ele na obra da redenção do mundo.

    O Evangelho é realmente Boa Nova para todos quantos nos sentimos carecidos da misericórdia de Deus que nos cura e nos perdoa. É também Boa Nova para toda e qualquer pessoa humana, cuja dignidade defende de modo intransigente, especialmente quando se trata de gente espezinhada pelos outros, os pobres, os marginalizados (os leprosos), as pessoas desprezadas (os pecadores, publicanos, prostitutas). "O sábado foi feito para o homem - diz Jesus - e não o homem para o sábado" (Mc 2, 27). Para realçar a dignidade da pessoa humana, Jesus realiza muitos milagres ao sábado (cf. Mc 3, 1-6; Lc 14, 1-6; Jo 5, 1-14). Para Jesus, fazer bem ao homem é o melhor modo de santificar o sábado. &quot
    ;Não são os que têm saúde que precisam do médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mc 2, 17). "Em verdade vos digo: os publicanos e as meretrizes preceder­vos-ão no reino de Deus" (Mt 21,31).

    Oratio

    Senhor, Tu podias separar-Te dos pecadores, porque não precisavas de penitência, nem de experimentar o sofrimento. Mas quiseste misturar-te com os pecadores e com os doentes para sobre todos derramares a tua misericórdia que salva e cura. Como Tu, quero colocar-me entre os pecadores, para sofrer e reparar pelos meus pecados, para sofrer e reparar pelos deles. Quero sentar-me à mesa dos pecadores para os ajudar a converter-se. Quero sentar-me à cabeceira dos doentes para os confortar. Quero estar junto de uns e de outros para ser sinal do teu amor e da tua misericórdia.

    Perdoa-me se, tantas vezes, fechei as mãos e o coração à indigência material e espiritual de quem me rodeia, por me julgar melhor que os outros. Quero abandonar as minhas falsas seguranças, e seguir-Te no caminho novo que abriste aos indigentes e pecadores, para, com eles, participar na festa da tua Misericórdia. Amen.

    Contemplatio

    Mateus/Levi era publicano ou colector de impostos. Os homens desta profissão eram muito desprezados entre os Judeus, abusavam muito das suas funções para oprimirem as populações! Nosso Senhor quis, no entanto, escolher um dos seus apóstolos de entre eles.

    Levi estava no seu escritório, junto do lago de Genesaré, quando Jesus dele se apercebeu e lhe disse para o seguir. O publicano abandonou imediatamente o posto lucrativo que ocupava, para se ligar a Nosso Senhor. Todo feliz e reconhecido pela sua vocação, convidou o divino Salvador e os seus discípulos para virem tomar uma refeição em sua casa. Convidou ao mesmo tempo vários publicanos seus amigos para os atrair a Jesus. Os fariseus ficaram escandalizados e disseram aos discípulos do Salvador: «Porque é que o vosso mestre come com os publicanos e os pecadores?». Jesus, ouvindo as suas murmurações, deu esta bela resposta: «Os médicos são para os doentes, e não para aqueles que estão de boa saúde. Eu vim chamar, não os justos, mas os pecadores». Palavra encorajadora caída do Coração de Jesus! Não percamos confiança, embora sejamos pecadores (Leão Dehon, OSP 4, p. 275).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Eu não vim chamar os justos ao arrependimento, mas os pecadores» (Mt 5, 32).

    https://youtu.be/6qxZ1snEUv0

  • 01º Domingo do Tempo da Quaresma - Ano B [atualizado]

    01º Domingo do Tempo da Quaresma - Ano B [atualizado]

    18 de Fevereiro, 2024

    ANO B

    1.º DOMINGO DO TEMPO DA QUARESMA

    Tema do 1.º Domingo do Tempo da Quaresma

    No primeiro Domingo da Quaresma, a liturgia diz-nos que Deus nunca desiste de recriar o nosso mundo, tantas vezes ferido pelo egoísmo e pela maldade dos homens; e desafia-nos a colaborar com Deus na construção de um mundo novo, de harmonia e de paz, que é o projeto original do Criador.

    A primeira leitura é um extrato de uma velha lenda sobre um cataclismo que lavou o mundo do pecado. Ensina que Deus, depois de eliminar o mal, não está interessado em fazer guerra aos homens; por isso, depõe o seu “arco de guerra” e oferece aos homens uma Aliança incondicional de paz. Deus espera que, da sua iniciativa, nasça uma humanidade nova, capaz de concretizar o sonho de Deus para o mundo.

    O Evangelho mostra-nos Jesus a recusar o mal e a optar pelo caminho que lhe foi indicado pelo Pai. Essa opção está na origem de um mundo novo, ao qual Jesus chamava “o Reino de Deus”. Ele conta com os seus discípulos para serem, em todos os momentos da história humana, construtores e arautos do “Reino de Deus”.

    Na segunda leitura, o autor da primeira Carta de Pedro recorda que, pelo Batismo, os cristãos aderiram a Cristo e à salvação que Ele trouxe. Comprometeram-se, portanto, a seguir Jesus no caminho do amor, do serviço, do dom da vida. Envolvidos nesse dinamismo de vida e de salvação que brota de Jesus, os cristãos são semente de uma nova humanidade.

     

    LEITURA I – Génesis 9,8-15

    Deus disse a Noé e a seus filhos:
    «Estabelecerei a minha aliança convosco,
    com a vossa descendência
    e com todos os seres vivos que vos acompanham:
    as aves, os animais domésticos,
    os animais selvagens que estão convosco,
    todos quantos saíram da arca e agora vivem na terra.
    Estabelecerei convosco a minha aliança:
    de hoje em diante
    nenhuma criatura será exterminada pelas águas do dilúvio
    e nunca mais um dilúvio devastará a terra».
    Deus disse ainda:
    «Este é o sinal da aliança que estabeleço convosco
    e com todos os animais que vivem entre vós,
    por todas as gerações futuras:
    farei aparecer o meu arco sobre as nuvens
    e aparecer nas nuvens o arco,
    recordarei a minha aliança convosco
    e com todos os seres vivos
    e nunca mais as águas formarão um dilúvio
    para destruir todas as criaturas».

     

    CONTEXTO

    Os primeiros onze capítulos do Livro do Génesis apresentam um conjunto de tradições sobre as origens do mundo e dos homens. A intenção dos autores destes textos (os teólogos de Israel) nunca foi apresentar factos históricos concretos ocorridos na aurora da humanidade, mas sim expor as suas convicções e descobertas sobre Deus, sobre o mundo e sobre os seres humanos. Recorreram, para o efeito, a uma linguagem própria, comum aos povos da região do denominado “Crescente Fértil” (a zona geográfica que se estende desde a planície Mesopotâmia até ao Egipto, tornada fértil pelos rios Tigre e Eufrates a norte, e o Nilo a sul). É por isso que estes relatos bíblicos apresentam notáveis semelhanças literárias com certas lendas e mitos de outros povos da zona, nomeadamente os da Mesopotâmia.

    O texto que a liturgia deste domingo da Quaresma nos apresenta como primeira leitura faz parte de uma secção que abrange Gn 6,1-9,17. É a história de um cataclismo de águas, que teria eliminado toda a humanidade, exceto Noé e a sua família. Como terá aparecido esta história?

    Alguns estudiosos consideram que o dilúvio bíblico poderia estar relacionado com o fim da era glaciar, quando a fusão dos gelos provocou notáveis avalanchas de água que invadiram as terras habitadas e deixaram profundos sinais na memória coletiva dos povos. Mas o mais provável é que o dilúvio descrito no livro do Génesis (e que é contado em moldes semelhantes em certos textos mesopotâmicos) se refira a uma das inúmeras inundações dos rios Tigre e Eufrates… A arqueologia dá, aliás, conta de várias inundações especialmente catastróficas nessa parte do mundo entre 4000 e 2800 a.C.. É provável que o texto bíblico evoque essa realidade. Não se tratou, evidentemente, de um dilúvio que submergiu a terra inteira; mas a fantasia popular, a partir de uma das inúmeras inundações registadas na planície mesopotâmica, expandiu as dimensões do acontecimento e apresentou-o como um “castigo” que atingiu toda a humanidade.

    Os catequistas de Israel quiseram dizer ao seu Povo que Deus não fica de braços cruzados quando os homens se lançam por caminhos de corrupção e de pecado… Com esse propósito, lançaram mão da velha lenda mesopotâmica do dilúvio, apresentando essa catástrofe como um castigo enviado por Deus para punir o pecado dos homens… Mas, porque Deus não castiga às cegas bons e maus, justos e injustos, os autores vão propor a história do justo Noé e da sua família, salvos por Deus da catástrofe.

    O texto que hoje nos é proposto situa-nos na fase imediatamente posterior ao dilúvio, quando já tinha deixado de chover e quando Noé e a sua família já tinham desembarcado em terra seca. Os sobreviventes construíram um altar e ofereceram holocaustos sobre o altar. Por sua vez, Deus comprometeu-Se a não mais castigar os seres vivos de forma tão radical (cf. Gn 8,13-22), abençoou Noé e a sua família e entregou-lhes o cuidado da criação (cf. Gn 9,1-7). Noé e a sua família são a nova humanidade, nascida da água purificadora do dilúvio.

     

    MENSAGEM

    Javé, depois de declarar solenemente que não mais voltará a amaldiçoar a terra e a castigar os seres vivos (cf. 8,21-22), oferece a Noé, aos seus descendentes e a todos os seres vivos que saíram da Arca uma Aliança de paz. É a primeira Aliança entre Deus e os homens (a segunda será entre Deus e Abraão – cf. Gn 17,1-14; a terceira será a Aliança do Sinai, entre Deus e Israel – cf. Ex 19,3-25).

    No entanto, esta Aliança é completamente diferente das Alianças que, mais tarde, vão ser feitas com Abraão e com Israel. Nas Alianças posteriores, um indivíduo ou um Povo eram chamados a uma relação de comunhão com Deus e aceitavam ou não esse desafio; se o indivíduo ou o Povo em causa não aceitassem, não haveria relação e, portanto, não haveria Aliança… Ao contrário, a Aliança de Javé com Noé e seus descendentes não implica nenhuma adesão ou reconhecimento da parte do homem, nem implica qualquer promessa, por parte do homem, no sentido de não voltar a percorrer caminhos de corrupção e de pecado. Deus sabe que o homem é frágil e pecador; mas, exclusivamente por sua própria iniciativa e sem contrapartidas, decidiu que nunca mais voltará a entrar em guerra com os seres que criou. Esta Aliança é uma decisão unilateral de Deus que decide viver em paz com a sua criação.

    Porque é que Deus tomou esta decisão? Só se vislumbra uma resposta: porque o seu amor é infinitamente maior do que a sua vontade de castigar. Porque ama, Deus decidiu viver em paz com os homens; e garante isso através de um compromisso solene. Doravante, o ser humano não precisará de viver com medo de Deus.

    O sinal desta decisão de Deus será o arco-íris. Em hebraico, a mesma palavra (“qeshet”) designa o “arco-íris” e o “arco de guerra”. Jogando com esta duplicidade, o teólogo sacerdotal, autor deste texto, sugere que Javé pendurou na parede do horizonte o seu “arco de guerra”, a fim de demonstrar ao homem as suas intenções pacíficas. O “arco-íris”, sinal belo e misterioso que toca o céu e a terra, é o “arco” de Javé, através do qual o desígnio de paz de Deus abraça o mundo e os homens.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Todos os dias vemos a maldade que desfeia o mundo… E esta não é uma realidade só deste nosso tempo, mas é uma realidade de sempre. Deus fica indiferente diante do egoísmo, do ódio, da violência, da injustiça, do orgulho, da prepotência que destroem a vida dos seus filhos e que estragam esse mundo bom e belo que Ele nos encarregou de continuamente recriar? Deus finge que não vê tudo aquilo que atenta contra o seu projeto de um mundo onde os homens e as mulheres podem viver felizes e em paz? Há 2600 anos os catequistas de Israel, recorrendo a velhas mas expressivas linguagens, quiseram dizer que o pecado é algo incompatível com Deus e com os projetos de Deus para o mundo e para o homem. Fizeram-no através da história de um dilúvio purificador, que limpou o mundo de toda a maldade. Esta catequese recorda-nos, no início da nossa caminhada quaresmal, que o pecado não é uma realidade que possa coexistir com essa vida nova que Deus nos quer oferecer e que é a nossa vocação fundamental. O pecado, nas suas mil e uma formas, destrói a vida e arruína a felicidade do homem; por isso, tem de ser combatido em cada passo. Estamos disponíveis para lutar contra tudo aquilo que, dentro ou fora de nós, potencia o domínio do pecado?
    • Deus odeia o pecado, mas não odeia os seus filhos pecadores. Conscientes disso, os catequistas de Israel falaram-nos de um Deus que vem ao encontro dos homens, abençoa-os e abraça-os, mesmo quando eles, no seu egoísmo e autossuficiência, teimam em trilhar caminhos de pecado e de infidelidade. Nesta Quaresma, procuramos fazer esta experiência de um Deus que nos ama apesar das nossas infidelidades e deixar que o amor de Deus nos transforme e nos faça renascer para a vida nova?
    • A lógica do amor de Deus – amor incondicional, total, universal, que se derrama até sobre os que o não merecem – convida-nos a repensar a nossa forma de abordar a vida e de tratar os nossos irmãos. Podemos sentir-nos filhos deste Deus quando utilizamos uma lógica de vingança, de intolerância, de incompreensão perante as fragilidades e limitações dos irmãos? Podemos sentir-nos filhos deste Deus quando respondemos com uma violência maior àqueles que consideramos maus e violentos? Procuramos viver este tempo de Quaresma como tempo propício para repensarmos as nossas atitudes e para nos convertermos à lógica do amor incondicional, à lógica de Deus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 24 (25)

    Refrão:  Todos os vossos caminhos, Senhor, são amor e verdade
                  para os que são fiéis à vossa aliança.

    Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,
    ensinai-me as vossas veredas.
    Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,
    porque Vós sois Deus, meu Salvador.

    Lembrai-Vos, Senhor, das vossas misericórdias
    e das vossas graças que são eternas.
    Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência,
    por causa da vossa bondade, Senhor.

    O Senhor é bom e reto,
    ensina o caminho aos pecadores.
    Orienta os humildes na justiça
    e dá-lhes a conhecer a sua aliança.

     

    LEITURA II – 1 Pedro 3,18-22

    Caríssimos:
    Cristo morreu uma só vez pelos pecados
    – o Justo pelos injustos –
    para vos conduzir a Deus.
    Morreu segundo a carne,
    mas voltou à vida pelo Espírito.
    Foi por este Espírito que Ele foi pregar
    aos espíritos que estavam na prisão da morte
    e tinham sido outrora rebeldes,
    quando, nos dias de Noé, Deus esperava com paciência,
    enquanto se construía a arca,
    na qual poucas pessoas, oito apenas,
    se salvaram através da água.
    Esta água é figura do Batismo que agora vos salva,
    que não é uma purificação da imundície corporal,
    mas o compromisso para com Deus de uma boa consciência;
    ele vos salva pela ressurreição de Jesus Cristo,
    que subiu ao céu e está à direita de Deus,
    tendo sob o seu domínio os Anjos,
    as Dominações e as Potestades.

     

    CONTEXTO

    A Primeira Carta de Pedro é uma carta dirigida aos cristãos de cinco províncias romanas da Ásia Menor (a carta cita explicitamente a Bitínia, o Ponto, a Galácia, a Ásia e a Capadócia – cf. 1 Pe 1,1). O seu autor apresenta-se com o nome do apóstolo Pedro; no entanto, a análise literária e teológica não confirma que Pedro seja o autor deste texto: em termos literários, a qualidade literária da carta não corresponde à maneira de escrever de um pescador pouco instruído, como seria o caso de Pedro; a teologia apresentada demonstra uma reflexão e uma catequese bem posteriores à época de Pedro; e o “ambiente” descrito na carta corresponde, claramente, à situação da comunidade cristã no final do séc. I, quando Pedro já tinha desaparecido (Pedro, muito provavelmente, foi morto em Roma durante a perseguição de Nero, por volta do ano 67). O autor da carta será, portanto, um cristão anónimo – provavelmente um responsável de alguma comunidade cristã –, culto e que conhece profundamente a situação das comunidades cristãs da Ásia Menor. Ele escreve em finais do séc. I (nunca antes dos anos 80), provavelmente a partir de uma comunidade cristã não identificada da Ásia Menor.

    As comunidades a que esta carta se destina são comunidades rurais que vivem à margem das grandes cidades. A maioria dos seus membros são pastores ou camponeses que trabalham propriedades que não lhes pertencem; mas também há entre eles alguns pequenos proprietários de terras. Trata-se, em geral, de gente economicamente débil, vulnerável a um ambiente que começa a manifestar uma crescente hostilidade para com o cristianismo.

    O autor da carta conhece as provações que estes cristãos sofrem todos os dias. Exorta-os, no entanto, a manterem-se fiéis à sua fé, apesar das dificuldades. Convida-os a olharem para Cristo, que passou pela experiência da paixão e da cruz, antes de chegar à ressurreição; e exorta-os a manterem a esperança, o amor, a solidariedade, vivendo com alegria, coerência e fidelidade a sua opção cristã.

    O texto que nos é proposto é a parte final de uma perícope (cf. 1 Pe 3,13-4,11) na qual o autor da carta explica qual deve ser a atitude dos crentes, confrontados com as provocações, as injustiças e a hostilidade do mundo. Depois de pedir aos crentes que mesmo no meio do sofrimento não se cansem de fazer o bem (cf. 1 Pe 3,13-17), o autor da carta apresenta a razão fundamental pela qual os crentes devem agir desta forma tão “ilógica”: esse foi o exemplo que Cristo deixou.

     

    MENSAGEM

    Cristo, que era justo e bom e não tinha feito nada de mal, aceitou morrer para conduzir todos os homens – mesmo os maus e os injustos – ao encontro da vida verdadeira, da felicidade plena. A sua morte não foi um fracasso, pois a sua existência não terminou no sepulcro; vivificado pelo Espírito, Ele alcançou de novo a Vida e a glória (vers. 18).

    Mais ainda: depois de ser vivificado pelo Espírito, Ele “foi pregar aos espíritos que estavam na prisão da morte e tinham sido outrora rebeldes” (vers. 19-20). O autor deste texto refere-se a quê? Provavelmente, refere-se à velha verdade proclamada no credo cristão de que Jesus ressuscitado teria descido “à mansão dos mortos” para libertar todos aqueles que eram prisioneiros da morte. A morte e a ressurreição de Cristo tiveram uma dimensão salvadora que atingiu toda a humanidade, inclusive essa humanidade pecadora que tinha perecido nas águas do dilúvio, no tempo de Noé.

    Na sequência, o autor deste texto aproveita a imagem do dilúvio para fazer avançar a sua reflexão… Com o dilúvio, Deus afogou o mal e fez surgir da água uma humanidade nova. A água purificadora do dilúvio pode ser, para os seguidores de Cristo, uma figura do Batismo. Ora, ao sermos batizados, aderimos a Cristo e participamos da salvação que Ele nos trouxe. Pelos méritos da entrega de Cristo, o nosso pecado ficou sepultado na água do Batismo; morremos para o pecado, ressuscitamos com Ele para uma Vida nova e fomos vivificados pelo Espírito. Animados agora pelo mesmo Espírito, comprometemo-nos a seguir Jesus nessa vida de dom, de entrega, de amor que Ele viveu; pelo batismo, nascemos para a vida do bem, da justiça, da verdade (cf. vers. 21); pelo Batismo tornamo-nos pessoas novas.

    Nós, batizados em Cristo, temos por missão dar testemunho dessa Vida nova que recebemos. Cristo é o nosso modelo de vida. Se vivermos de forma coerente com a nossa opção por Cristo, seremos a semente de um mundo novo.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, “o justo”, depois de uma vida cumprida em modo de dom e entrega ao Pai e aos homens, foi preso, julgado, torturado, condenado e morto na cruz. Talvez aqueles que o viram atravessar as ruas de Jerusalém com a cruz às costas a caminho do calvário, tenham pensado que Ele tinha fracassado e que toda a sua luta tinha sido em vão. No entanto, Deus ressuscitou-O; e, ao ressuscitá-l’O, deu-lhe razão. Ao ressuscitar Jesus, Deus garantiu-nos que uma vida feita dom e serviço, mesmo que termine numa morte injusta, não é uma vida fracassada ou sem sentido. Empenhamo-nos na luta pela justiça, pela verdade e pela paz, quando somos confrontados com a incompreensão, a maledicência, a crítica, a provocação, talvez até o ódio de alguns dos nossos irmãos?
    • Diante dos ataques – às vezes incoerentes e irracionais – daqueles que não se reveem nos valores de Jesus, como reagimos? Com a mesma agressividade com que nos tratam? Com a mesma intolerância dos nossos adversários? Fechando janelas de diálogo e de entendimento com o mundo que nos rodeia e ao qual devemos anunciar o Evangelho?
    • Quando fomos batizados, escolhemos Jesus e fomos vivificados pelo Espírito. Assumimos a responsabilidade de caminhar com Jesus e de sermos semente de uma humanidade nova. Temos vivido com coerência esse compromisso? As nossas palavras e os nossos gestos são anúncio e testemunho, ao vivo e a cores, daquilo que aprendemos com Jesus?

     

    ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mateus 4,4b
    (escolher um dos 7 refrães)

    1. Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
    2. Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
    3. Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
    4. Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
    5. Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
    6. Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
    7. A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

    Nem só de pão vive o homem,
    mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.

     

    EVANGELHO – Marcos 1,12-15

    Naquele tempo,
    o Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto.
    Jesus esteve no deserto quarenta dias
    e era tentado por Satanás.
    Vivia com os animais selvagens
    e os Anjos serviam-n’O.
    Depois de João ter sido preso,
    Jesus partiu para a Galileia
    e começou a pregar o Evangelho, dizendo:
    «Cumpriu-se o tempo
    e está próximo o reino de Deus.
    Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».

     

    CONTEXTO

    O Evangelho de Marcos começa com uma introdução (cf. Mc 1,2-13) destinada a apresentar Jesus. Essa introdução aparece em forma de tríptico. No primeiro quadro (cf. Mc 1,2-8), João Batista, “a voz que clama no deserto”, testemunha que Jesus é Aquele que vem “batizar no Espírito Santo” (cf. Mc 1,2-8); no segundo quadro (cf. Mc 1,9-11), é Deus que apresenta Jesus como o Seu “Filho amado”, sobre quem repousa o Espírito; no terceiro quadro, é Marcos, o nosso catequista, que nos fala de Jesus como o Messias que enfrenta e vence o mal, criando as condições para o nascimento de um mundo novo (cf. Mc 1,12-13).

    A primeira parte do Evangelho deste primeiro domingo da Quaresma apresenta-nos, precisamente, o terceiro destes quadros. Situa-nos num “deserto” não identificado, mas não longe do lugar onde Jesus foi batizado por João Batista. É o momento em que Jesus faz a sua opção fundamental.

    Mas o texto evangélico deste dia tem uma segunda parte. Aí Marcos apresenta-nos um “sumário-anúncio” da pregação inaugural de Jesus sobre o “Reino” (cf. Mc 1,14-15). Agora já não estamos “no deserto”, mas sim na Galileia, região setentrional da Palestina, terra em permanente contato com o mundo pagão e, portanto, considerada à margem da história da salvação. Mas é precisamente aí que a proposta de Deus ecoa no mundo dos homens.

     

    MENSAGEM

    De acordo com a catequese de Marcos, o Espírito que ungiu Jesus, no momento do seu batismo no rio Jordão, impeliu-o logo depois para o deserto (vers. 13). A partir daqui – e não apenas neste quadro – Jesus é constantemente impelido pelo Espírito em ordem à concretização da missão que o Pai lhe confiou.

    Orientados por Marcos, acompanhamos Jesus ao “deserto”. O deserto é, na teologia de Israel, o lugar privilegiado do encontro com Deus: foi no deserto que o Povo experimentou o amor e a solicitude de Javé e foi no deserto que Javé propôs a Israel uma Aliança. Contudo, o deserto é também o lugar da “prova”, da “tentação”: foi no deserto que Israel foi confrontado com opções e foi no deserto, também, que Israel sentiu, várias vezes, a tentação de escolher caminhos contrários aos propostos por Deus… O “deserto” para onde Jesus “vai” é, portanto, o “lugar” do encontro com Deus e do discernimento dos seus projetos; e é o “lugar” da prova, onde se é confrontado com a tentação de abandonar Deus e de seguir outros caminhos.

    Nesse “deserto”, Jesus ficou “quarenta dias” (vers. 13a). O número “quarenta” é frequente no Antigo Testamento. Refere-se, numerosas vezes, ao tempo da caminhada do Povo de Israel pelo deserto, desde que deixou a terra da escravidão, até entrar na terra da liberdade (quarenta anos – cf. Ex 16,35; Dt 8,2-4); mas também é usado para definir o tempo que Moisés ficou no “monte”, junto de Deus (cf. Ex 34,28), e o tempo que demorou a caminhada de Elias em direção ao Horeb, o “monte de Deus” (cf. 1 Re 19,8). Evoca um tempo de prova que é, simultaneamente, um tempo em que se manifesta a ação salvífica de Deus.

    Durante esse tempo, Jesus foi “tentado por Satanás” (vers. 13b). A palavra “satanás” designava, originalmente, o adversário que, no contexto do julgamento, apresentava a acusação (cf. Sl 109,6). Mais tarde, a palavra vai passar a designar uma personagem que integrava a corte celeste e que acusava o homem diante de Deus (cf. Jb 1,6-12). Na época de Jesus, a figura de “satanás” tinha registado uma evolução e evocava um espírito mau, inimigo do homem, que procurava destruir o homem e frustrar os planos de Deus. É certamente neste sentido que ele aparece aqui… “Satanás” vai tentar levar Jesus a esquecer os planos de Deus e a fazer escolhas pessoais que estejam em contradição com os projetos do Pai.

    Marcos (ao contrário de Mateus e Lucas) não especifica as tentações que Jesus teve de enfrentar; mas é natural que estivesse a pensar, em concreto, em tentações de poder e de messianismo político. O deserto era, tradicionalmente, o lugar de refúgio dos agitadores e dos rebeldes com pretensões messiânicas. A tentação pretenderia, portanto, induzir Jesus a enveredar por um caminho de poder, de autoridade, de violência, de messianismo político, frustrando os projetos de Deus que passavam por um messianismo marcado pelo amor incondicional, pelo serviço simples e humilde, pelo dom da vida.

    A referência às “feras” que rodeavam Jesus e aos “anjos” que O serviam (vers. 13c) deve aludir a certas interpretações de Gn 2-3, muito em voga nos ambientes rabínicos, no século I. Alguns “mestres” de Israel ensinavam que Adão, o primeiro homem, vivia no paraíso em paz completa com todos os animais e que os anjos estavam à sua volta para o servir; mas, quando Adão escolheu o caminho da autossuficiência e se revoltou contra Deus, rompeu-se a harmonia original, os animais tornaram-se inimigos do homem e até os anjos deixaram de o servir. A catequese dos “rabis” adiantava ainda que, quando o Messias chegasse, nasceria um mundo harmonioso, sem violência e sem conflito, onde até os animais ferozes viveriam em paz com o homem. Seria o regresso à harmonia original, ao plano original de Deus para os homens e para o mundo. Muito provavelmente é isso que Marcos está aqui a sugerir: com Jesus, chegou esse tempo messiânico de paz sem fim, chegou o tempo de o mundo regressar a essa harmonia que era o plano inicial de Deus. Marcos terá, ainda, a intenção de estabelecer um paralelo entre Adão e Jesus: Adão cedeu à tentação de escolher caminhos contrários aos de Deus e criou inimizade, violência, conflito, escravidão, sofrimento; Jesus escolheu viver na mais completa fidelidade aos projetos de Deus e fez nascer um mundo novo, de harmonia, de paz, de amor, de felicidade sem fim.

    Na segunda parte do Evangelho deste domingo (vers. 14-15), Marcos convida-nos a acompanhar Jesus à Galileia e a testemunhar como Ele, sempre impelido pelo Espírito, começa a concretizar a missão que o Pai lhe confiou.

    Ora, as primeiras palavras de Jesus são, precisamente, para anunciar que “chegou o tempo”. Que “tempo” é esse? É o “tempo” do “Reino de Deus”. A expressão – tão frequente no Evangelho segundo Marcos – leva-nos a um dos grandes sonhos do Povo de Deus…

    A catequese de Israel referia-se, com frequência, a Javé como a um rei que governa o seu Povo. Mesmo quando Israel passou a ter reis terrenos, esses eram considerados, apenas, como “servos” de Deus, escolhidos e ungidos por Javé para governar o Povo, em lugar do verdadeiro rei que era Deus. O exemplo mais típico de um rei/servo, que governa Israel em nome de Javé, submetendo-se em tudo à vontade de Deus, foi David. A saudade deste rei ideal e do tempo ideal de paz e de felicidade em que Javé reinava (através de David) sobre o seu povo vai marcar toda a história futura de Israel. Nas épocas de crise e de frustração nacional, quando reis medíocres conduziam a nação por caminhos de morte e de desgraça, o Povo sonhava com o regresso aos tempos gloriosos de David. Os profetas, por sua vez, vão alimentar a esperança do Povo anunciando a chegada de um tempo, no futuro, em que Javé vai voltar a reinar sobre Israel e vai restabelecer a situação ideal da época de David. Essa tarefa, na perspetiva profética, será confiada a um “ungido” que Deus vai enviar ao seu Povo. Esse “ungido” (em hebraico “messias”, em grego “cristo”) estabelecerá, então, de forma definitiva, um reino de paz, de justiça, de abundância, de felicidade.

    O “Reino de Deus” é, portanto, uma noção que resume a esperança de Israel num mundo novo, preparado por Deus para o seu Povo. Esta esperança está bem viva no coração de Israel na época em que Jesus aparece a dizer: “cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus”. Certas afirmações de Jesus, registadas nos Evangelhos sinóticos, mostram que Ele tinha consciência de estar pessoalmente ligado ao Reino e de que a chegada do Reino dependia da sua ação.

    Jesus começa, precisamente, a construção desse “Reino” pedindo aos seus conterrâneos a conversão (“metanoia”) e o acolhimento da Boa Nova (“evangelho”). “Converter-se” significa transformar a mentalidade e os comportamentos, reformular os valores que orientam a própria vida; é reequacionar a vida, de modo que Deus passe a estar no centro da existência do homem e ocupe sempre o primeiro lugar. Na perspetiva de Jesus, não é possível que esse mundo novo de amor e de paz se torne uma realidade, sem que o homem renuncie ao egoísmo, ao orgulho, à autossuficiência e passe a escutar, de novo, Deus e as suas propostas. “Acreditar” é, sobretudo, aderir à pessoa de Jesus, escutar a sua proposta, acolhê-la no coração, fazer dela o guia da própria vida; é escutar essa “Boa Notícia” de salvação (“evangelho”) que Jesus propõe e fazer dela o centro à volta do qual se constrói toda a existência.

    “Conversão” e “adesão ao projeto de Jesus” são duas faces de uma mesma moeda: a construção de um Homem Novo, com uma nova mentalidade, com novos valores, com uma postura vital inteiramente nova. Então, sim teremos um mundo novo – o “Reino de Deus”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, ao longo do caminho que percorreu entre nós, foi confrontado com opções. Ele desceu ao terreno movediço onde a vida de cada dia acontece e teve de escolher entre viver na fidelidade aos projetos do Pai, ou frustrar os planos de Deus e enveredar por um caminho de egoísmo, de poder, de autossuficiência. Mas Jesus escolheu viver – de forma total, absoluta – na obediência às propostas do Pai. Nem o espectro da cruz lhe tirou o ânimo para percorrer o caminho que Deus lhe apontava. Nós, discípulos de Jesus, somos confrontados a todos os instantes com as mesmas opções. Qual tem sido a nossa resposta? Na hora crítica de optar, têm prevalecido os nossos interesses pessoais, o nosso desejo de uma vida cómoda e instalada, a nossa vontade de realização e de triunfos, os nossos medos paralisantes, ou a vontade de Deus a nosso respeito?
    • Ao dispor-se a cumprir integralmente o projeto de salvação que o Pai tinha para os homens, Jesus começou a construir um mundo novo, de harmonia, de justiça, de reconciliação, de amor e de paz. A esse mundo novo, Jesus chamava “Reino de Deus”. Nós aderimos a esse projeto e comprometemo-nos com ele no dia em que escolhemos ser seguidores de Jesus. O nosso empenho na construção do “Reino de Deus” tem sido coerente e consequente? Mesmo contra a corrente, temos procurado ser profetas do amor, testemunhas da justiça, servidores da reconciliação, construtores da paz?
    • Para que o “Reino de Deus” se torne uma realidade, o que é necessário fazer? Na perspetiva de Jesus, o “Reino de Deus” exige, antes de mais, a “conversão”. “Converter-se” é renunciar a caminhos de egoísmo e de autossuficiência e recentrar a própria vida em Deus, de forma a que Deus e os seus projetos sejam sempre a nossa prioridade máxima. Implica, naturalmente, modificar a nossa mentalidade, os nossos valores, as nossas atitudes, a nossa forma de encarar Deus, o mundo e os outros; exige que sejamos capazes de renunciar ao egoísmo, ao orgulho, à autossuficiência, ao comodismo e que voltemos a escutar Deus e as suas propostas. O que é que temos de “converter” – quer em termos pessoais, quer em termos institucionais – para que aconteça, realmente, esse mundo novo tão esperado?
    • A construção do “Reino de Deus” exige, também, o “acreditar” no Evangelho. “Acreditar” não é, na linguagem neotestamentária, a aceitação de certas verdades afirmadas pelo discurso teológico ou a concordância com um conjunto de definições a propósito de Deus, de Jesus ou da Igreja; mas é, sobretudo, uma adesão total à pessoa de Jesus e ao seu projeto de vida. Com a sua pessoa, com as suas palavras, com os seus gestos e atitudes, Jesus propôs aos homens – a todos os homens – uma vida de amor total, de doação incondicional, de serviço simples e humilde, de perdão sem limites. Nós “acreditamos” em Jesus, incondicionalmente, e estamos dispostos a ir atrás dele no “caminho do discípulo”?
    • O chamamento a integrar a comunidade do “Reino” não é algo reservado a uma elite privilegiada, a pessoas que têm uma missão especial no mundo e na Igreja; mas é algo que Deus dirige a cada homem e a cada mulher, sem exceção. Todos os batizados são chamados a ser discípulos de Jesus, a “converter-se”, a “acreditar no Evangelho”, a seguir Jesus nesse caminho de amor e de dom da vida. Aceitamos que o “Reino” se torne o valor fundamental, a grande prioridade, o principal objetivo da nossa vida?
    • O “Reino” é uma realidade que Jesus começou e que já está, decisivamente, implantada na nossa história. Não tem fronteiras materiais e definidas; mas está a acontecer e a concretizar-se através dos gestos de bondade, de serviço, de doação, de amor gratuito que acontecem à nossa volta (muitas vezes, até fora das fronteiras institucionais da “Igreja”) e que são um sinal visível do amor de Deus nas nossas vidas. Sabemos olhar para o mundo com olhos de ver e conseguimos reconhecer, nos gestos de bondade e de amor que não cessam de acontecer, os sinais da presença do “Reino” na vida e na história dos homens? A presença do “Reino” neste mundo onde a nossa vida se cumpre é para nós fonte de alegria e de esperança?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 1.º DOMINGO DA QUARESMA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 1.º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    São Marcos inicia o seu Evangelho proclamando a encarnação do Filho de Deus. Jesus é plenamente homem, pois é tentado, e plenamente Deus, ao manifestar a vitória do Amor sobre o Mal, a vitória de Deus sobre o Maligno. Ele faz uma declaração: os tempos cumpriram-se. Dirige-Se a um povo à espera de um Messias que estabelecerá um Reino novo. Ora, este Reino está bem próximo, afirma Jesus, que vem precisamente trazer a esperança a todo o povo. Mas Deus não impõe a sua vinda, Ele faz-Se desejar. Então, duas atitudes do coração são necessárias: a conversão, mudando de vida e voltando a Deus; e a fé, aderindo plenamente com todo o ser à mensagem que Jesus vem anunciar. Se Jesus começa a sua pregação por estas duas recomendações, isso significa a sua urgência e a sua importância.

    3. À ECUTA DA PALAVRA.

    A verdadeira conversão… Quaresma, tempo de penitência, de sacrifícios de toda a espécie, de resistência às tentações, à imitação de Jesus no deserto… Tempo não muito entusiasmante! Porém, na breve passagem do Evangelho, S. Marcos fala duas vezes da Boa Nova. Uma Boa Nova dilata o coração, traz alegria. Então, porque não falar de alegria durante a Quaresma? Será que isso desvirtua o seu sentido? Trata-se de conversão. Mas isso não quer dizer, em primeiro lugar, como pensamos muitas vezes, parar de cometer pecados, voltar a uma vida moralmente pura e reta. A verdadeira conversão é, antes de mais, “acreditar na Boa Nova”. E esta Boa Nova é a manifestação do verdadeiro rosto de Deus em Jesus: um Pai no qual só há amor, porque Ele é Amor em estado puro, a fonte absoluta do Amor. Às vezes, a primeira tentação, a mais terrível, consiste em transpor para Deus as nossas maneiras de amar, de compreender a justiça, o poder. Ora, não é Deus que é à nossa imagem, nós é que somos à sua imagem. A verdadeira conversão consiste em mudar todas as nossas conceções de Deus para acolher um Pai que nunca pára de nos amar, que nunca nos rejeita. E quando recusamos o seu amor, Ele só tem um desejo: manifestar-nos ainda mais o seu amor, até nos dar o seu Filho, para que, enfim, nós nos deixemos amar. A Quaresma não é demasiado tempo para descobrir este Deus!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Rezar em cada manhã o Salmo 24… Ao longo da semana, rezar em cada manhã, lentamente, este Salmo 24. Pode ser meditado, “ruminado”. Esforçar-se também por memorizar um versículo para cada dia (“Tu és o Deus que me salva”; “lembra-te, Senhor, da tua ternura”); repeti-lo várias vezes ao longo do dia, como uma caminhada com o Senhor. Será uma maneira possível de viver a exortação à oração em segredo, a exortação que ouvimos na Quarta-feira de Cinzas. Procurar também recorrer a esta oração quando temos uma decisão a tomar, uma escolha a fazer, cada vez que um discernimento se nos impõe (“guiai-me na verdade”, “ensinai-me”…).

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

  • Segunda-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Segunda-feira - 1ª Semana da Quaresma

    19 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Levítico 19, 1-2.11-18

    o Senhor dirigiu-se a Moisés, dizendo: 2*«Fala a toda a comunidade dos filhos de Israel e diz-lhes: sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo.

    11Não furtareis, não mentireis, nem enganareis em detrimento de um compatriota. 12Não jurareis falso, em meu nome; desse modo profanareis o nome do vosso Deus. Eu sou o Senhor. 13Não roubarás nem furtarás nada ao teu próximo; o salário do jornaleiro não passará a noite em teu poder até à manhã seguinte. 14Não insultarás um surdo, não colocarás tropeços diante de um cego. Teme o teu Deus. Eu sou o Senhor: 15Não cometerás injustiças nos julgamentos. Não prejudicarás o pobre, nem serás complacente para com o poderoso. Julgarás o teu compatriota com imparcialidade. 16Não semearás o mal no meio do teu povo. Não peças o sangue do teu próximo. Eu sou o Senhor.17*Não odiarás o teu próximo no teu coração; mas repreende o teu compatriota para não caíres em pecado por causa dele. 18Não te vingarás nem guardarás rancor aos filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor

    A primeira leitura, que pertence ao chamado «Código de Santidade» que encontramos no Levítico, apresenta a toda a comunidade de Israel o mandamento da santidade. Mandamento motivado pela santidade de Deus (v. 2). Deus é o Totalmente Outro, radicalmente diferente do que é o homem. Mas quere-o participante da sua santidade. Depois deste mandamento, seguem algumas normas de moral pessoal e social. O respeito pela santidade de Deus deve inspirar o respeito pelo próximo, particularmente pelos mais fracos e os deficientes (v. 14). Às exortações negativas: «Não fareis isto ou aquilo ... », seguem exortações prepositivas destinadas a construir uma sociedade humana mais fraterna: «amarás o teu próximo como a ti mesmos (v. 18b). O amor pelos outros, fundamentado em Deus, edifica a comunidade humana na santidade.

    Evangelho: Mateus 25, 31-46

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 31 *«Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32*Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33,,4 sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 340 Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40*E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.' 41Em seguida dirá aos da esquerda: 'Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! 42porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, 43era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me.' 44Por sua ve-4 eles perguntarão: 'Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?' 45E1e responderá, então: 'Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.' 46*Estes irão para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.»

    o texto de Mateus está na linha da tradição apocalíptica bíblica e judaica (cf. Daniel .. ). Trata-se de uma revelação relativa às coisas últimas, ao juízo universal. Nela aparece o Filho de homem, figura simultaneamente humana e celeste e que tem um papel fundamental na instauração do reino de Deus e na recondução dos eleitos para Deus. Jesus identifica-se com esta personagem gloriosa. Ele virá encerrar a história, e assumir a realeza que foi escondida no tempo.

    Tal como os pastores reuniam, ao cair da noite, o rebanho e separavam os animais segundo a espécie, assim fará o Rei-Pastor com a humanidade reunida à sua volta Esta separação inclui um juízo. O critério da divisão será a caridade. Jesus mostra como esta figura real quer identificar-se com cada um dos irmãos mais pequenos. É no encontro com cada um dos homens que se joga o nosso destino eterno: usámos ou não usámos de misericórdia com eles. Será essa a única matéria em exame no juízo final.

    Meditatio

    Ao pronunciar o discurso que escutámos no evangelho, Jesus não quer descrever os acontecimentos finais em si mesmos. Quer, sim realçar o significado central da sua pessoa. Os homens serão julgados pela sua atitude diante da pessoa de Jesus, que Se identifica com os carenciados: Mas essa atitude verifica-se pela atitude diante dos outros, especialmente dos mais carenciados: foi «a mim mesmo o fizestes» ou «foi a mim que o deixastes de fazer». Por isso, nos incita à misericórdia, à caridade, para com eles. Esta identificação surpreende-nos. Esperávamos, talvez, que Deus ordenasse a caridade fraterna em nome da sua vontade, que quer o bem e a felicidade de todos. Mas esse era o modo de falar do Antigo Testamento: «Eu sou o SENHOR. Não odiarás ... Não te vingarás nem guardarás rancor aos filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHO/?» (Cf. Lev 19, 16-18). Apelando para a sua autoridade divina, manda afastar de nós todo o mal, manda praticar a justiça. É já caminho para a caridade. Trata-se de não fazer o mal a ninguém por respeito a Deus. No evangelho, Jesus já não fala da sua autoridade, mas da sua pessoa. Identifica-se com os pobres. Já não estamos diante da simples justiça. Estamos diante da caridade. Já não é suficiente não fazer o mal. É preciso fazer o bem, ir ao encontro dos carenciados. Os pecados de omissão também serão objecto de juízo.

    No n. 28 das nossas Constituições, lemos: «Sequiosos de intimidade com o Senhor, procuramos os sinais da sua presença na vida dos homens, onde actua o seu amor salvador. Partilhando as nossas alegrias e sofrimentos, Cristo identificou-Se com os pequenos e com os pobres, aos quais anuncia a Boa Nova». No mesmo número, as Constituições lembram as palavras do Senhor: "Em verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim que o fizestes" (Mt 25,40). "O Espírito do Senhor está sobre Mim ... enviou-Me para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação a
    os cativos, a vista aos cegos, a liberdade aos oprimidos, a proclamar um ano de graça do Senhor"(lc 4,18-19).

    Ao orientar-nos para o apostolado dos "pequenos" e dos "pobres", as Constituições começam com uma experiência contemplativa: "Sequiosos de intimidade com Senhor". Haurindo o amor oblativo na sua fonte, que é Cristo, por meio da "oração de intimidade", reconhecemos (isto é, fazemos experiência de vida) e cremos (isto é, aderimos com todo o nosso ser) "ao amor que Deus tem por nós" (1 Jo 4, 16) e, se a experiência contemplativa for autêntica, sentimos a necessidade de irradiar este amor entre os irmãos, isto é, de viver "a oração perene" (ou caridade perene), de acordo com a exortação de Jesus: é preciso "rezar(= amar) sempre, sem desfalecer" (Lc 18, 1). É a passagem espontânea da contemplação à acção e o regresso da acção à contemplação, naquele único amor oblativo, que anima tanto a acção como a contemplação. É, pois, um desejo espontâneo de amor, que procura "os sinais da presença" do Senhor "na vida dos homens, onde actua o seu amor" (Cst 28).

    Nas "alegrias" e nas "angústias" de cada homem, por bom ou mau que seja, voltamos a ouvir a pergunta de Jesus: "A quem procurais?' (Jo 1, 38); "Quem procurais?" (Jo 18, 4.7), "A quem procuras?' (Jo 21, 15). Consciente ou inconscientemente a resposta é: "Queremos ver Jesus' (Jo 12, 21), porque é Ele o nosso amor, a nossa alegria, a nossa paz e também porque todo o anseio de redenção, de libertação, de bondade, de misericórdia, de perdão, de ajuda ... , até mesmo de remorso, é um querer ver Jesus. É Ele a redenção, a libertação, a bondade, a misericórdia, o perdão personificados.

    Onde esta Jesus, onde actua o seu "amor que salva", também nós queremos estar presentes, unidos "no seu amor pelo Pai e pelos homens" (Cst 17), especialmente pelos "pequenos" e pelos "pobres" (Cst 28), porque "Cristo se identificou" com eles (Cst 28; Cf. Mt 25, 40).

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me a dimensão divina da tua caridade. Quero ajudar-Te, ajudando todos os irmãos carenciados de bens materiais, de atenção, de conforto e de compreensão. Tu disseste: «O que fizestes a um destes pequeninos, foi a Mim que o fizestes». No caminho de Damasco, disseste a Saulo que perseguia os cristãos; «Eu sou Jesus a quem tu persegues-. A Martinho, que dividiu o manto com um pobre, também disseste: «Hoje, Martinho catecúmeno revestiu-Me com o seu manto». Estes exemplos iluminam o evangelho e dão-me força para percorrer o mesmo caminho, certo de que, na atenção generosa para com todos os carenciados, começo desde já a viver a vida eterna, porque Te amo como a mim mesmo, irmão em Cristo, irmão­ Cristo. Amen.

    Contemplatio

    «O meu Pai e eu, diz o Senhor, somos assim glorificados». É, de facto, o amor divino pelos homens que é imitado e continuado. A nossa união fraterna faz a alegria de Deus nosso Pai. Ela faz também a nossa força e a nossa consolação. As obras da caridade fraterna são também um poderoso meio de apostolado e o instrumento da conversão dos povos. O mundo vê que nos amamos e fica emocionado.

    Esta caridade tem tido os seus inumeráveis mártires, que têm fecundado a Igreja e enchido o céu. Todos aqueles que sacrificaram a sua vida nos trabalhos e nos perigos do apostolado sob todas as suas formas são mártires da caridade. Enfrentaram as fadigas, as doenças, as dificuldades do clima, a hostilidade dos infiéis para irem em socorro dos que sofrem ou que estão nas trevas da idolatria. Era o espírito da caridade que os conduzia.

    Dando-nos o seu preceito novo, Nosso Senhor dá-nos, no Espírito Santo, a graça de o cumprirmos.

    Se correspondermos a este espírito de caridade, havemos de praticar entre nós a doçura, a paciência, a benevolência. As obras de misericórdia ser-nos-ão caras e fáceis. Teremos gosto em tomar conta dos pequenos, dos pobres, dos ignorantes, daqueles que sofrem. Havemos de nos recordar da palavra do bom Mestre: «O que fazeis aos pequenos e aos deserdados, tenho como feito por mim».

    Se tivermos uma caridade ardente e abundante, levá-la-emos até ao sacrifício. Despojar-nos-emos, afadigar-nos-emos para socorrer o nosso próximo, e, se for preciso, daremos a nossa vida por ele como Nosso Senhor a deu por nós (Leão Dehon, OSP 3, p. 419s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Foi a Mim que o fizestes» (Mt 25, 40).

     

    https://youtu.be/i6gINUmw4gw

  • Terça-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Terça-feira - 1ª Semana da Quaresma

    20 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 55, 10-11

    Assim fala o Senhor: 10Assim como a chuva e a neve descem do céu, e não voltam mais para lá, senão depois de empapar a terra, de a fecundar e fazer germinar, para que dê semente ao semeador e pão para comer, 11 o mesmo sucede à palavra que sai da minha boca não voltará para mim vazia, sem ter realizado a minha vontade e sem cumprir a sua missão.

    A secção do Deutero-Isaías, conclui (Is 55) com o retomar de temas como o perdão, o regresso à pátria, a participação na natureza divina, o poder da palavra de Deus. A palavra é a mediação através da qual o homem sente a Deus como próximo e, ao mesmo tempo, como ausente, uma vez que «os seus caminhos não são os nossos cemmhos- (v. 9).

    A Palavra é uma realidade viva, enviada do céu para realizar a salvação. É «etiau», pois é capaz de realizar o seu objectivo, tal como a chuva e a neve, que fecundam a terra e lhe dão capacidade de produzir frutos.

    Esta imagem enchia certamente de consolação o povo cativo em Babilónia, cuja esperança de regressar à terra encontrava seguro apoio na Palavra de Deus.

    A mesma Palavra nos enche de consolação e esperança, pois Cristo é a Palavra omnipotente feita carne, enviada do céu para que a nossa terra dê o seu fruto. Ele, que por nós morreu e ressuscitou, abriu-nos um caminho inesperado para a casa de Deus.

    Evangelho: Mateus 6, 7-15

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 7*Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. 8Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» 9*«Rezai, pois, assim: 'Pai nosso, que estás no Céu, santificado seja o teu nome, 10*venha o teu Reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no Céu. 11*Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia, 12*perdoa-nos as nossas ofensas, como nós perdoamos aos que nos ofenderam 13*e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. ' 14Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. 15Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.»

    Mateus introduz o «Pai-nosso» no «Sermão da Montanha», precedido por alguns ensinamentos de Jesus sobre o modo de rezar: não rezar como os pagãos, que julgam dever usar muitas palavras para atrair a atenção ou a benevolência das suas divindades (v. 7); Deus, nosso Pai, está sempre atento a cada um de nós e conhece aquilo de que precisamos (v. 8). Mais do que falar muito, há que ter, diante d ' Ele, uma atitude de filhos. Jesus ensina-nos a chamá-Lo abbá, isto é, papá, paizinho, introduzindo-nos na intimidade da comunhão que existe entre Ele e o Pai.

    «Santificado seja o vosso nome-. Não se trata de nós santificarmos a Deus, que é O Santo, mas de que, pelas nossas palavras e pela nossa vida, todos os homens e mulheres do mundo O louvem, O adorem, O reconheçam como Senhor e se tornem e vivam como seus filhos.

    «Venha a nós o vosso reino». O reino já está no meio de nós. Mas é preciso reconhecê-lo e acolhê-lo, aceitando a senhoria de Deus.

    «Seja feita a vossa vontade», A vontade de Deus cumpre-se no céu e na terra.

    Mas é preciso que se cumpra em cada um de nós. Por isso, quer que a acolhamos e adiramos a ela com amor, como Jesus.

    «O pão nosso ... ». Este pão é tudo aquilo que o homem precisa para viver dignamente como criatura e filho de Deus, desde o alimento, à casa, às condições de vida, até ao Pão, que é o próprio Jesus (cf. Jo 6).

    «Perdoai-nos ... ». Precisamos do perdão de Deus para entrarmos no Reino; mas não podemos pedir para nós o que recusamos aos outros ...

    «Não nos deixeis cair em tentação ... ». Pedimos que, diante das provações da vida, jamais deixemos de acreditar na bondade de Deus, nosso Pai, e jamais reneguemos a fé em Jesus Cristo, cedendo ao Maligno.

    «Livrai-nos do ma!...». É um pedido que reforça o anterior, pois o Maligno é o instigador do mal, o tentador.

    Meditatio

    A palavra realmente eficaz sobre o nosso coração, e sobre o coração de Deus, é aquela que, como a chuva e como a neve, vem do céu, é aquela que sai da boca do próprio Deus. Por isso, Jesus nos oferece um enorme dom, quando partilha connosco a sua oração, e nos ensina a rezar. Na primitiva igreja, o «Pai nosso» fazia parte das coisas secretas da fé cristã, protegidas pela lei do arcano. Os catecúmenos recebiam-­no na vigília do baptismo, quando também lhes era apresentada a Eucaristia. Quem recebiam o «Pai nosso» guardavam-no como uma relíquia, e esperavam ansiosamente pelo momento em que, saindo da fonte baptismal, rodeados pelos irmãos e apresentados pela Mãe Igreja, diziam, pela primeira vez, «Pai», dando-se a conhecer como filhos de Deus.

    É bom recordarmos estas coisas, que nos são referidas, entre outros, por Tertuliano, porque talvez tenhamos banalizado a «oração do Senhor», dizendo-a sem pensar, ou dizendo-a como se diz qualquer outra oração em momento de necessidade ou de medo. Deixámos talvez perder o sentido tremendo que se esconde naquelas palavras saídas da boca de Deus e dirigidas aos ouvidos do mesmo Deus! Precisamos de recuperar o «Pai nosso» da rotina que o cobre como um qualquer material isolante, ou como uma camada de pó que o não deixa brilhar dentro de nós, que nos impede de nos emocionarmos quando escutamos as suas primeiras palavras: «Pai nosso». Há que voltar a recebê-lo do Coração de Jesus, tal como o receberam os Apóstolos no dia em que disseram: «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1-4) e o ouviram pela primeira vez.

    Peçamos a Cristo que nos ensina a repetir o «Pai nosso» com o seu próprio Coração, para que cresça em nós, dia após dia, o amor filial e confiante para com o nosso Pai celeste e, com a oração, cresça em nós a caridade, que se torne perdão para todos os irmãos. Então, a nossa terra será fecunda, dará novos frutos, dará o pão da misericórdia para saciar a fome de todos os homens. Com Cristo, a nossa invocação sobe até Deus e torna-se a Sua própria invocação: "Abbá, Pai!' (cf. Mc 14, 36; Rom 8, 15; Gal 4, 6). Esta oração ao Pai é fortalecida pelo Espírito (cf. Gal 4, 6; Rom 8, 26- 27), que nos anima a rezar: «seja feita a vossa vontade», É a nossa reparação, o nosso "sim" de amor à vontade do Pai, unido ao Sim filial de Cristo (cf. Jo 4, 34; Lc 22, 42).

    Oratio

    Ó Jesus, Tu és a Palavra feita carne, a palavra eficaz, enviada pelo Pai à terra e que a Ele voltas depois de teres realizado o seu projecto de amor e salvação em favor da humanidade. Por isso, as tuas palavras estão carregadas de extraordinário poder.

    Tu ensinas-nos a dizer: «Psi-nosso». Infunde em nós o teu Espírito Santo, para que o digamos com os sentimentos e as disposições que tinhas no teu próprio Coração. Aumenta em nós o amor filial e confiante no Pai, e o amor generoso e cheio de compreensão e misericórdia para com os irmãos.

    Que a tua palavra fecunde o nosso árido coração e o faça produzir frutos de vida nova, e pão de amor, compaixão e perdão que sacie todos quantos encontrarmos nos caminhos da vida. Amen.

    Contemplatio

    o amor do Coração de Jesus por nós não se extinguiu com a sua vida mortal.

    As necessidades não terminaram, a sua oração devia, portanto, continuar a subir até ao trono de Deus. Jesus-Eucaristia presta ao seu Pai as mesmas homenagens que lhe prestava na terra. Dirige-lhe as mesmas orações por nós: «Semper vivens ad interpellandum pro nobis» (Heb 7) ( «Vivo a interceder por nós»),

    Está sobre o altar em estado de suplicante. O seu coração sente intensamente todas as nossas necessidades, a sua boca é o intérprete de todos os homens, os seus suspiros falam por todas as nossas misérias.

    No meio de nós, como outrora junto dos seus apóstolos, dirige ainda ao seu Pai esta bela oração: «Pai-nosso que estais nos céus ... »

    Algumas almas rezam com Ele, mas quantas são tíbias, indiferentes ou mudas!

    Somente Ele é que não tem necessidade de rezar, e somente Ele é que não se cansa de rezar. Reza na Eucaristia e reza ainda no céu: «Nós temos, diz S. João, um advogado junto de Deus Pai» (Jo 2).

    Ah! Rezemos com Jesus, levemos uma vida de oração, para louvar a Deus e para solicitar a nossa salvação e a dos nossos irmãos (Leão Dehon, OSP 3, p.12).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Pai nosso» (Mt 6, 9).

    https://youtu.be/mKZxBe2A1NY

     

  • Quarta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Quarta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    21 de Fevereiro, 2024

    Lectio
    Primeira leitura: Jonas 3, 1-10

    lA palavra do SENHOR foi dirigida pela segunda vez a Jonas, nestes termos: 2«Levanta-te e vai a Nínive, à grande cidade e apregoa nela o que Eu te ordenar.» 3*Jonas levantou-se e foi a Nínive, segundo a ordem do SENHOR. Nínive era uma cidade imensamente grande, e eram precisos três dias para a percorrer. 4Jonas entrou na cidade e andou um dia inteiro a apregoar: «Dentro de quarenta dias Nínive será destruída.» 5*Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus, ordenaram um jejum e vestiram-se de saco desde o maior ao menor. 6*A notícia chegou ao conhecimento do rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou o seu manto, cobriu-se de saco e sentou-se sobre a cinza. 7*Em seguida, foi publicado na cidade, por ordem do rei e dos príncipes, este decreto: «Os homens e os animais, os bois e as ovelhas não comam nada, não sejam levados a pastar nem bebam água. 80s homens e animais cubram-se de roupas grosseiras, e clamem a Deus com força; converta-se cada um do seu mau caminho e da violência que há nas suas mãos. 9Quem sabe se Deus não se arrependerá, e acalmará o ardor da sua ira, de sorte que não pereçamos?» 10*Deus viu as suas obras, como se convertiam do seu mau caminho, e, arrependendo-se do mal que tinha resolvido fazer-lhes, não lho fez

    o livro de Jonas ensina-nos que a misericórdia de Deus não se limita ao povo eleito, mas atinge todos os homens. O profeta é, pela segunda vez, enviado a Nínive, capital da Assíria. Vai anunciar a destruição dessa enorme cidade, destruição motivada pela maldade dos seus habitantes. Na primeira vez, Jonas tentou esquivar-se à missão, demasiado grande para alguém tão pequeno e frágil. Como poderia anunciar a destruição de uma superpotência, no seu próprio território? Mas Deus não o deixou escapar. Agora, obediente, vai cumprir a missão que lhe foi confiada.

    Em nome de Deus, dirige aos ninivitas palavras de ameaça de repreensão. A sua pregação toca os corações, incluindo o do rei: «acreditaram em Deus», diz o texto, usando o mesmo verbo com que Gen 15, 6 fala da fé de Abraão. Todos, na cidade, fizeram penitência, com oração, em atitude de verdadeira conversão.

    Os versículos 9ss. São muito importantes: a mudança de vida é apoiada pela esperança de que os decretos de Deus não sejam irrevogáveis, de que Deus não deixará de perdoar a quem se mostra arrependido. Os ninivitas, pagãos, revelam conhecer o verdadeiro rosto do Deus de Israel, lento para a ira e rico de misericórdia.

    Evangelho: Lucas 11, 29-32

    29*Naquele tempo, aglomerava-se uma grande multidão à volta de Jesus e Ele começou a dizer: «Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas não lhe será dado sinal algum, a não ser o de Jonas. 30*Pois, assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas, assim o será também o Filho do Homem para esta geração. 31 *A rainha do Sul há-de levantar-se, na altura do juízo, contra os homens desta geração e há-de condená-los, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão; ora, aqui está quem é maior do que Salomão! 320s ninivitas hão-de levantar-se, na altura do juízo, contra esta geração e hão-de condená-la, porque fizeram penitência ao ouvir a pregação de Jonas; ora, aqui está quem é maior do que Jonas.»

    Jesus recusa um sinal que satisfaça a curiosidade e a sede do maravilhoso e, na sua resposta, deixa intuir a sua verdadeira identidade: «aqui está quem é maior do que Jonas» (v. 32). É ele o Sinal que Deus lhes envia. É Ele o Messias desejado, mas não reconhecido, porque se apresenta de modo diferente àquele que Israel esperava.

    «Para esta çereção. (v. 31), o Filho do homem é um apelo à conversão, tal como Jonas o foi para os ninivitas. Como o profeta, Jesus não oferece sinais espectaculares, mas simplesmente a Palavra e a misericórdia de Deus. A referência a Nínive a à rainha de Sabá sublinha a universalidade do chamamento à salvação. Mas, enquanto alguns povos pagãos souberam escutar os enviados de Deus, e se converteram, a geração a quem Jesus se dirige, não O escuta, permanece na cegueira e na dureza de coração. Há-de ser condenada pelos ninivitas e pela rainha de Sabá, no dia do juízo (w. 31ss), porque não soube reconhecer a Cristo, nas humildes aparências de Jesus de Nazaré.

    Meditatio

    Os apelos à conversão repetem-se durante este tempo da Quaresma. Há que escutá-los e acolhê-los deixando-nos tocar e iluminar pela Palavra. Jonas dirigiu esse apelo aos ninivitas. A nós é o próprio Jesus, bem «maior do que Jonas» que o dirige. Por isso, devemos perguntar-nos se já começámos a converter-nos, a lutar decididamente contra o mal que está em nós e fora de nós, no nosso mundo, com as armas da oração e do sacrifício. Não podemos estar à espera de uma graça «barata» e «e de efeito fácil», ou estar à espera de confirmações extraordinárias, de milagres ou de sinais convincentes.

    O grande sinal que o Pai nos envia é Jesus, que carrega sobre si as nossas culpas, para nos salvar. Sinal do céu é o Crucificado. Voltar-nos para Ele e contemplá­Lo, contemplar as suas chagas e, particularmente, o seu Lado aberto e o seu Coração trespassado é o início e o caminho da conversão. Diante d ' Ele, ninguém pode ficar indiferente, nem os pagãos, como os ninivitas, nem os crentes, como os contemporâneos de Jesus. Muitos virão de longe - do pecado, de mentalidades e culturas remotas - para tomar consciência da sabedoria do Crucificado. Muitos hão-de converter-se, acreditando no Profeta feito Servo sofredor por amor. E nós? Rezemos mais. Será a oração a dar-nos maior disponibilidade para acolher o dom da misericórdia, que o Pai nos faz em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, a dar-nos maior disponibilidade para nos tornarmos, nós mesmos, dom para Deus e dom para os irmãos.

    As nossas Constituições recomendam-nos "o encontro frequente com o Senhor na oração» em ordem à «conversão permanente ao Evangelho» e à «disponibilidade de coração e de atitudes, para acolher o Hoje de Deus» (Cst 144). Esta recomendação vale para todos os tempos, pois, tal como a Igreja, também cada um de nós, e a Congregação, precisa de uma "contínua reforma" (UR 6), purificação, conversão. Precisamos de uma "conversão permanente ao Evangelho" (Cst 144).

    Oratio

    Pai santo, justo e misericordioso, que nunca Te cansas de me chamar à conversão, para que possa experimentar a alegria da comunhão Contigo, perdoa-me se teimo em não me abrir ao teu apelo. Perdoa-me se hesito em abandonar-me a Ti, pedindo sinais extraordinários e garantias seguras, a Ti que, para me salvar, perdeste tudo na cruz.

    Purifica-me, purifica o meu medo, a minha mesquinhez, a dureza do meu coração. Infunde em mim o teu Espírito, que me faça ver a medida infinita da tua misericórdia, a profundidade insondável da tua sabedoria. Então, alegre e sereno, caminharei mais expeditamente ao teu encontro, na caridade. Amen.

    Contemplatio

    Para nos convertermos, façamos duas curtas estações: uma junto ao inferno, a outra no Calvário.

    Detenhamo-nos um instante junto ao inferno. Eis estes abismos terríveis criados para receberem os demónios e todos os condenados, lugares de sofrimentos onde seviciam o fogo e o desespero.

    Vejamos lá almas que seguiram o caminho que nós seguimos hoje, com os nossos defeitos, com a nossa moleza, com a nossa tibiez. Eis onde elas acabaram. Pensemos nisto alguns instantes. Pesemos todos os nossos lados fracos ...

    Vamos depois ao Calvário. Eis as consequências dos nossos pecados: a longa agonia do Salvador, as suas humilhações, os seus sofrimentos, a flagelação, a coroa de espinhos, as dilacerações do seu Coração, os cravos, a cruz, a morte.

    Contemos as suas chagas, as das suas mãos e dos seus pés, as da flagelação sobre os seus ombros e sobre todo o seu corpo, as que os seus espinhos fizeram à sua cabeça, à sua nobre fronte, aos seus olhos. Contemos as suas lágrimas. Vejamos sair do seu lado a última gota do seu sangue.

    Seremos nós insensíveis como pedras? Perdemos todo o sentimento? Lancemo-nos aos pés de Jesus como Madalena.

    Permaneçamos lá um bom momento.

    Recebamos sobre a nossa cabeça as últimas gotas do sangue do seu Coração. Choremos e peçamos o nosso perdão (Leão Dehon, OSP 3, p. 114s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15b).

    https://youtu.be/hIL1PJOaI4Q

  • Quinta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Quinta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    22 de Fevereiro, 2024

    Lectio
    Primeira leitura: Ester 4, 17 n.p-r.aa-bb.gg-hh

    Naqueles dias, a rainha Ester, tomada de angústia mortal, procurou refúgio no Senhor e fez esta súplica ao Senhor, Deus de Israel: «Meu Deus, meu único rei, assiste-me no meu desamparo, pois não tenho outro socorro senão a ti, 15porque vou pôr a minha vida em risco. 16*No seio da família, ouvi desde criança, Senhor, que escolheste Israel entre todos os povos, e os nossos pais entre todos os seus antepassados, para fazer deles a tua herança perpétua, e que cumpriste todas as promessas. 23Lembra-te de nós, Senhor. Manifesta-te no dia da nossa tribulação e dá­me coragem, Senhor, rei dos deuses, dominador de todos os poderes! 24Coloca nos meus lábios, quando estiver na presença do leão, palavras apropriadas e muda o seu coração em ódio contra aquele que nos é hostil, a fim de que pereça com todos os seus partidários. 25Livra-nos com a tua mão e assiste-me no meu abandono, a mim, que não tenho senão a ti, Senhor.

    A jovem esposa do rei da Pérsia, Ester, toma conhecimento de que, devido a intrigas palacianas, fora decretado o extermínio dos hebreus deportados no reino. A rainha, na tentativa de salvar o povo a que pertencia, decide expor-se ao perigo, intercedendo por ele junto do marido. Mas, antes de se apresentar ao rei, apresenta-se ao Senhor, numa atitude de penitência e de oração.

    Assim reconhece que o verdadeiro rei é Deus e professa que Ele é o Único. Só Ele pode salvar o seu povo.

    Apresenta-se diante de Deus na sua pequenez e fragilidade e fala-lhe da sua solidão. E Deus escuta a sua súplica angustiada: o Só é o único auxílio daquela que está só. O «Só», a «só». A distância torna-se proximidade. Ester lembra a Deus as suas promessas em favor de Israel (v. 17) e, por outro lado, confessa o pecado do seu povo. As promessas de Deus, e o arrependimento do seu povo, levam-na a pedir ao Senhor a salvação da sua gente e a pedir, para si mesma, a coragem, a sabedoria e a ajuda necessárias para cumprir com êxito a sua missão de intercessora.

    Evangelho: Mateus 7, 7-12

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 7«Pedi, e ser-vos-é dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos. 8Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão-de abrir. 9Qual de vós, se o seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? 100u, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente? 110ra bem, se vós, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está no Céu dará coisas boas àqueles que lhas pedirem.» 12*«Portanto, o que quiseraes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Profetas.»

    Jesus ensina, de modo semelhante aos rabinos, a necessidade da oração de súplica e que a mesma é seguramente escutada. Haverá contradição com o que ensinou pouco antes (cf. Mt 6, 7s.)? Não, certamente, porque na oração não é preciso desperdiçar muitas palavras. O Pai «sabe», mas é preciso assumir a atitude do mendigo, isto é, reconhecer a própria condição de fraqueza e dependência de Deus.

    E Deus dá a quem pede e abre a quem bate: «Será dedos, «será sberto-, por Deus, entenda-se! Se um pai dá pão ao filho que lhe pede pão, e não outra coisa parecida, também Deus dará «coisas boes- a quem Lhas pedir. O Pai escuta sempre os pedidos dos filhos e dá-lhes o que é melhor para eles.

    O modo de agir de Deus, leva-nos a agir de modo semelhante com os irmãos. É preciso estar atentos às suas necessidades. O verdadeiro discípulo põe no centro o Pai e os outros, e não a si mesmo: «O que qútserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Protetes» (v. 12).

    Meditatio

    A palavra de Deus leva-nos, hoje, a meditar sobre a oração. A primeira leitura apresenta-nos a oração de Ester, numa situação de extrema angústia, não por causa dela própria, mas por causa do seu povo ameaçado de morte. A rainha, de raça judaica, apresenta-se só diante de Deus para Lhe recordar a vocação do seu povo e a história passada semeada de benefícios divinos. Ester não confia em si mesma, nos seus méritos, mas na bondade e na misericórdia de Deus tantas vezes demonstrada. E alcança o que pede.

    Jesus ensina-nos a rezar de modo confiante e perseverante, porque Deus é nosso Pai e nos ama com um amor eterno, de que não se arrepende. Ouvimos tantas vezes estas afirmações que talvez já não nos impressionem. Mas são a pura verdade, que nos hão-de encher de confiança, e mesmo de atrevimento, na nossa oração.

    A comunhão com Deus, a que Jesus nos convida, é uma experiência que nos renova interiormente: «Pedi, e ser-vos-e dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão­de abrir-vos. Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão­de abrir» (vv. 7-8). A oração confiante e perseverante não desilude, porque Deus só pode dar coisas boas a quem lhas pede. Ele sabe do que precisamos. Na oração, mais do que apresentar os nossos desejos, há que abandonar-nos aos que Ele tem sobre nós.

    A nossa oração há-de começar, pois, com um acto de contemplação gratuita, fixando o nosso olhar no rosto do Pai misericordioso. Então deixaremos cair os nossos muitos pedidos, deixando crescer em nós um só pedido: que se cumpra em nós a sua vontade. É que, contemplando o rosto de Deus, experimentamos a certeza de que somos seus filhos muito amados e que, portanto, nada nos faltará daquilo que realmente precisamos.

    Se precisamos de rezar demorada mente, não é para convencer a Deus das nossas necessidades, mas para transformarmos os nossos desejos e fazê-los coincidir com a vontade divina que quer o nosso bem.

    Ser "féis à oraçãd' (Act 2, 42) é ser fiéis ao "nosso carisma profético" (Cst 27), é realizar a primeira união da nossa "vida religiosa e apostólica à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst 6). Só realizando com a ajuda do Espírito, dos seus dons, dos seus frutos, dos seus carismas, o nosso carisma de oblação, damos um conteúdo de vida, de realismo à "fidelidade" que nos recomenda o n. 76 das nossas Constituições.

    É pouco ser fiéis às certamente necessárias práticas de piedade pessoais e comunitárias. As orações devem levar-nos à oração e ajudar-nos a descobrir o seu núcleo vital: rezar é amar. A caridade é a oração que dá valor a todas as orações e práticas de piedade e torna fecundo o "nosso apostolado".

    Cristo convida-nos, como Seus discípulos e, sobretudo, como Seus "amigos" à "assid
    uidade" na oração-caridade, e "nós queremos corresponder a esse convite": é preciso "rezar incessantemente ... " (1 Tes 5, 17; cf. Ef 5, 20).

    Oratio

    Senhor, hoje, quero aprender a apresentar-Te os meus pedidos sem condicionar as tuas respostas, porque sei que só dás coisas boas a quem Te pede. Tu não és um distribuidor automático, que dás necessariamente aquilo que Te é pedido, nem a oração é magia para obter um qualquer efeito pretendido. Quero pedir-Te confiadamente e com perseverança aquilo que julgo importante pata mim, para a Igreja, para o mundo. Mas deixo-te o cuidado de encontrar a melhor solução, de escolheres o dom que me queres fazer. E estou certo que sempre o farás com uma criatividade que em muito ultrapassará os meus pedidos. E, quando me deres o que Te peço, aproveitarei essa graça para crescer na união Contigo, transformando o teu dom em instrumento de progresso espiritual, abrindo-me ao teu amor e ao amor dos irmãos. Amen.

    Contemplatio

    «Até aqui, diz-nos Nosso Senhor, não pedistes nada ao meu Pai em meu nome com uma fé viva; pedi e recebereis, e a vossa alegria será ptens».

    «Pedi em meu nome, e não tenho necessidade de vos dizer que rezarei a meu Pai por vós e que serei o vosso poderoso intercessor, podeis pensá-lo. Aliás, o meu Pai ama-vos ternamente e está todo pronto para vos atender, porque me amastes, a mim seu Filho, porque me seguistes. Prendestes-vos a mim, acreditastes na minha divindade, pedi a meu Pai e recebereis».

    Nosso Senhor teve de acrescentar, todavia, que estas promessas consoladoras não se realizariam senão depois da grande prova da sua morte. «Antes destes belos dias, acrescentou, em que a vossa oração será todo-poderosa, sereis desencorajados e dispersos, mas preveni-vos a fim de que a vossa fé seja fortalecida para a perseguição».

    Para nós, a ressurreição do Salvador e as maravilhas da acção do Espírito Santo são factos adquiridos, tenhamos, portanto, uma confiança invencível na bondade de Deus e no valor dos méritos de Nosso Senhor, tenhamos confiança no Coração de Jesus o qual nos foi aberto simbolicamente pela lança do centurião (Leão Dehon, OSP 3, p. 467s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Pedi, e ser-vos-é dado» (Mt 7, 7).

    https://youtu.be/lgmNT1qHbyk

  • Sexta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Sexta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    23 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 18, 21-28

    Assim fala o Senhor. 21 *«Se o pecador renuncia a todos os pecados que cometeu, se observa todas as minhas leis e pratica o direito e a justiça, ele deve viver, não morrerá. 22Não serão lembradas as faltas que cometeu, viverá por causa da justiça que praticou. 23Porventura me hei-de comprazer com a morte do pecador õráculo do Senhor DEUS- e não com o facto de ele se converter e viver? 24Mas se o justo se desvia da sua justiça e pratica o mal, imitando os crimes abomináveis a que se entrega o pecador, porventura viverá? A justiça que praticou não será recordada; por causa da infidelidade a que se entregou e do pecado que cometeu, morrerá. 25Porém, vós dizeis: 'O modo de proceder do Senhor não é justo. ' Escutai, pois, casa de Israel:

    Então é o meu modo de agir que não é justo? Ou é o vosso que o não é ? 26Se o justo se afasta da sua justiça para praticar o mal e morre por causa disto, é por causa do mal que praticou que ele morrerá. 27Se o pecador se afasta do pecado que cometeu para praticar o direito e a justiça, ele merece viver. 28Se ele se afasta dos pecados que cometeu, viverá certamente, não morrerá.

    o capítulo 18 de Ezequiel assinala um notável progresso da revelação. Israel já compreendera que a sua dignidade derivava da sua eleição, de ser «povo eteni». Também já tinha tomado consciência da responsabilidade colectiva do pecado (cf. Dt 5, 9s.). Mas Jeremias alertara também para o «pecado pessoa!», isto é, para o facto de que cada um é o primeiro responsável pelas suas acções (cf. Jer 31, 29ss). Ezequiel retoma estas afirmações e vai mais longe.

    Os exilados estavam convencidos de que sofriam pelos pecados dos pais.

    Ezequiel diz-lhes que é cada um que decide o seu destino, com o seu modo de agir, e acrescenta que, também o destino pessoal, não é imutável. Deus é Deus de vida e não encontra felicidade na morte do pecador. Espera e suscita a conversão de cada um, para que viva.

    Por isso, a vida nova é uma possibilidade ao alcance do pecador, que pode converter-se. Mas também o justo deve continuar atento e perseverante no cumprimento da vontade de Deus. Ninguém é justo de uma vez por todas. Mas é aderindo a Deus e à sua vontade, cada dia, que vivemos na justiça.

    Evangelho: Mateus 5, 20-26

    20Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu.» 21 *«Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. 22*Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar 'imbecil' será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar 'louco' será réu da Geena do fogo. 23Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. 25*Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. 26Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo.»

    Jesus exige aos seus discípulos, para entrarem no reino dos céus, uma justiça superabundante, em comparação com a dos escribas e fariseus. Mas pede ainda mais, porque dá aquilo que pede. E é esta a grande novidade que tudo muda. Não se trata apenas de observar as prescrições e proibições da Lei. É preciso partir do coração, donde brotam as motivações profundas do nosso agir.

    A partir do v. 21, o texto que escutámos, oferece várias explicitações sobre essa justiça superior, introduzidas por: «foi dito», expressão no chamado passivo divino que, portanto, significa: «Deus disse». O homicídio, que é um crime que é levado a juízo, começa no coração de quem o comete. Por isso, quem se ira contra o irmão merece igual castigo. Uma injúria exige maior pena: o juízo do sinédrio. Um insulto ofensivo merece a condenação pelo supremo Juiz, com o fogo eterno (v. 22). Também o culto, mais do que uma purificação exterior, exige um coração pacificado e construtor de paz. Por isso, não tolera divisões entre os irmãos, e sabe dar o primeiro passo em ordem à reconciliação, condição essencial para ter comunhão com o Senhor (vv. 23ss.).

    O v. 25 sublinha a urgência da reconciliação em perspectiva escatológica: o outro já não é o irmão, mas o adversário, o acusador. É preciso reconciliar-se também com ele, porque no fim do caminho está à nossa espera o justo Juiz. É preciso estar preparado para enfrentar o seu juízo.

    Meditatio

    A conversão do pecador, enquanto vive neste mundo, é possível. Deus promete a vida a quem se converter: «não morrerá. .. viverá por causa da justiça que prsticoo» (cf. vv. 21.22). É um recurso da misericórdia divina para nos motivar à conversão.

    No evangelho, Jesus aconselha a pôr-nos de acordo com o nosso adversário, enquanto vamos a caminho. Esse adversário, em certo sentido, pode ser o próprio Deus, quando estamos em pecado. Mas, como nos diz a primeira leitura, também podemos pôr-nos de acordo com Ele: «Se o pecador renuncia a todos os pecados ... se observa todas as minhas leis e pratica o direito e a justiça, ele deve viver, não morrerá. Não serão lembradas as faltas que cometeu ... viverá. .. » (vv. 21-22). O maior pecado consiste em desesperar da salvação. Pensar que é impossível mudar, é uma terrível tentação, que pode encerrar-nos definitivamente nos nossos defeitos e pecados. Deus, pela boca do profeta, diz-nos que é possível mudar e incita-nos à mudança, porque prefere dar-nos a vida do que o castigo eterno: «Porventura me hei­de comprazer com a morte do pecador õráculo do Senhor DEUS - e não com o facto de ele se converter e viver?» (v. 23). Tal como o pai do filho pródigo, o que Deus mais quer é ver-nos voltar para Ele.

    A atitude de Deus, deve iluminar a nossa relação com todos os irmãos, também com aqueles que julgamos pecadores ou cheios de defeitos. Quem somos nós para julgar o nosso próximo. Há mesmo que evitar classificá-los em compartimentos estanques de bons e de maus. Com efeito, se o bom se pode tornar mau, o mau também se pode tornar bom, pode converter-se, mudar de vida. A caridade sabe esperar a hora da mudança, a conversão, a melhoria de vida e de atitudes dos outros. As nossas Constituições lembram-nos: «A caridade deve ser uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno» (Cst 64).

    Mais do que classificar os irmãos, há que ajudá-los a mudar, a converter-se. Mas será bom lembrar todo o n. 64 das Constituições: «Certamente imperfeitos, como todo o cristão, queremos, no entanto, criar um ambiente que promova o progresso espiritual de cada um. Como consegui-lo, a não ser aprofundando no Senhor as nossas relações, mesmo as mais normais, com cada um dos nossos irmãos? A caridade deve ser uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno. O sinal da sua autenticidade será a simplicidade com que todos se esforçam por compreender o que cada um tem a peito (cf. ET 39)>>.

    Quando se aproximavam de Jesus, os pecadores tornavam-se mais justos do que os fariseus. Estes limitavam a sua justiça ao conhecimento da Lei e à prática escrupulosa dos preceitos. O pecador que é tocado pelo amor de Jesus muda interiormente, ao nível do próprio ser.

    Na relação com o Senhor, e aprofundando n ' Ele as nossas relações fraternas, podemos mudar para melhor e ajudar os outros a melhor também.

    A caridade é também "uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno. O sinal da sua autenticidade será a simplicidade com que todos se esforçam por compreender aquilo que cada um tem a peito (cf. ET 39" (n. 64). Cada um tem a peito a sua dignidade e liberdade, porque, sem estes valores, não são criaturas humanas, nem filhos de Deus, nem religiosos.

    Oratio

    Jesus misericordioso, faz-me compreender que posso mudar para melhor, que posso converter-me e que estás disposto a ajudar-me a transformar-me com a tua graça. Afasta de mim a tentação do desespero ou da acomodação nos meus defeitos. Aproximando-me de Ti, posso converter-me, transformar-me interiormente, conformando-me cada vez mais à tua imagem e semelhança.

    Faz-me acreditar que também os meus irmãos podem mudar e tornar-se, cada vez mais, tua imagem e semelhança, também com a minha ajuda.

    Eis-me aqui, Senhor: converte-me e converter-me-ei! Uma vez convertido, faz de mim instrumento e servidor da reconciliação dos homens Contigo e entre si. Para que tenha a vida, e a tenham em abundância! Amen.

    Contemplatio

    Esta parábola (do filho pródigo) é fecunda em ensinamentos. Os publica nos e os pecadores vinham ter com Nosso Senhor. Ele recebia-os com bondade. Os fariseus e os escribas estavam escandalizados. Com esta parábola Nosso Senhor encoraja os pecadores arrependidos e generosos, mostra-lhes a sua ternura com a qual acolhe as ovelhas desgarradas. E assim, responde indirectamente aos fariseus.

    Quando uma alma se separa de Nosso Senhor para se entregar às suas paixões, Ele não faz um milagre para a reter contra a sua vontade. Lamenta que façamos um mau uso dos seus dons, mas não atenta contra a nossa liberdade, não pode. Deplora o mau uso que fazemos de um privilégio que deu aos homens para lhes permitir darem ao seu Pai e a Ele um amor livre, e de servirem a Deus não como escravos, mas como servos afeiçoados, voluntária e livremente agarrados ao seu mestre. Como o pai desta parábola, deixa o pobre coração abusar em todo a liberdade dos dons que recebeu.

    Deixa o pecador esgotar o primeiro furor da paixão; depois quando vem o período da fadiga e do tédio, vem com as suas primeiras inspirações salutares (Leão Dehon, OSP 4, p. 123).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Se o pecador renuncia aos seus pecados ... viverá» (cf. Ez 18, 21-22)

    https://youtu.be/jw7Ou8N5sDg

  • Sábado - 1ª Semana da Quaresma

    Sábado - 1ª Semana da Quaresma

    24 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Deuteronómio 26, 16-19

    Moisés falou ao seu povo dizendo: 16«Hoje, o SENHOR, teu Deus, ordena-te que cumpras estas leis e preceitos. Observa-os e cumpre-os com todo o teu coração e com toda a tua alma. 17Hoje, declaraste ao SENHOR que Ele seria o teu Deus e que andarias nos seus caminhos, observando as suas leis, os seus preceitos e os seus mandamentos. 18Por sua vez, o SENHOR declarou-te hoje que serias o seu povo particular, como te tinha dito, e que deverias observar todos os seus mandamentos; 19que te tornaria superior em honra, fama e esplendor a todos os povos que Ele tinha criado; que serias um povo consagrado ao SENHOR, teu Deus, como Ele tinha dito»

    Este texto tem a forma de um tratado de aliança, e está colocado entre o corpo legislativo do Deuteronómio (capítulos 11-26) e as bênçãos e maldições que decorrem da observância ou da transgressão dos decretos do Senhor. Juridicamente, em Israel, o pacto representa a forma mais radical para construir a comunhão entre pessoas. Cria-se uma situação em que os contraentes trocam entre si o que têm de mais pessoal. Na presença de testemunhas, e com um documento público, cada uma das partes propõe e aceita um duplo compromisso recíproco.

    Mas a liturgia de hoje apresenta-nos um tipo de «pacto» muito especial: não é um pacto entre dois homens, mas entre Deus e um povo, entre Deus fiel e Israel. É um pacto teológico, onde os dois contraentes não se colocam no mesmo nível.

    A perícopa tem um claro significado didáctico e manifesta a experiência que Israel fez de Deus. Deus não é um ser longínquo, inacessível; Deus é comunhão, é vontade de salvação para o povo escolhido. É Ele que elege, por amor e gratuitamente o povo (cf Dt 4, 3-7). É Ele que dá a Israel leis e mandamentos, que são um caminho de vida e um modelo de sabedoria (cf. Bar 4, 1-4). Israel é chamado a corresponder a essa graça pela obediência e pela fidelidade a Deus.

    Evangelho: Mateus 5, 43-48

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 43*«Ouvistes o que foi dito:

    Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. 45*Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. 46Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? 47E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? 48Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.»

    Mateus oferece-nos, neste texto, a última antítese com que Jesus revela o cumprimento dos ensinamentos da Lei. O Levítico ordenara o amor ao próximo e proibira a vingança e o rancor «contra os filhos do teu POV(]» (Lev 19, 18). Mas o ensino rabínico e outros contemporâneos de Jesus, como os essénios e os zelotas, admitiam o acrescento, que não é bíblico: «odiarás o teu inimigo». Jesus vai mais além: exige uma caridade sem limites, e que chegue mesmo aos inimigos. Porquê? Porque é assim que o Pai nos ama, e nos quer parecidos com Ele. A universalidade do amor cristão idealista. É concreta: propõe o amor a todos, também a quem não nos ama, não nos cumprimenta ... É esse amor que distingue os discípulos de Cristo dos pagãos e dos pecadores. É, pois um amor que ultrapassa o simplesmente humano e natural, e nos projecta para o horizonte infinitamente perfeito do Pai. A gratuidade do amor torna-se lei que regula a relação com Deus e com os homens. É essa a justiça superior que Jesus exige para se entrar no Reino.

    Meditatio

    A Aliança de que nos fala o Deuteronómio era um pacto de mútua fidelidade entre Deus e o Povo de Israel: «Hoje, o SENHOR, teu Deus, ordena-te que cumpras estas leis e preceitos ... o SENHOR declarou-te hoje que serias o seu povo particular. .. ». Jesus revela-nos que a obediência às leis e preceitos tinha como objectivo fazer dos membros do povo de Deus filhos do mesmo Deus, semelhantes ao Pai, perfeitos como Ele é perfeito, e que essa perfeição havia de se manifestar na misericórdia, na gratuidade, na bondade para com todos, e para além de qualquer medida. Buscar a perfeição consistirá em procurar uma cada vez maior conformidade com o coração de Deus, com o coração do seu Filho feito homem.

    A aliança com Deus deve transformar toda a nossa vida, em profundidade, e não apenas no que se refere à observância exterior das leis e preceitos do Senhor. Jesus vai até mais longe falando, não de aliança, mas de filiação: «Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no CéLP> (vv. 44-45). O nosso comportamento deve ser inspirado pelo desejo de nos tornarmos cada vez mais semelhantes ao nosso Pai do céu. É nisto que consiste o amor perfeito. Trata-se de oferecer o dom maior, o perdão. Foi desse modo que Cristo nos amou na cruz, deixando-nos o exemplo e a graça necessária para nos conformarmos a Ele. Amando os inimigos, rezando por quem nos quer mal, tornamo-­nos filhos de Deus. Já o somos pelo baptismo. Mas tornamo-nos cada vez mais filhos do Pai misericordioso que está no céu. E a nossa maior recompensa será o amor do Pai derramado nos nossos corações.

    Para viver a fraternidade na comunidade pomos em prática os ensinamentos de Jesus: "Sede misericordiosos, como é misericordioso o vosso Pai. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e ser-vos-é perdoado; dai e ser-vos-é dado; uma boa medida ... , porque a medida que empregardes com os outros será usada convosco' (Lc 6, 36-38). Não leiamos superficialmente estas palavras de Jesus. Reflictamos bem sobre elas. Se as pusermos em prática, com a ajuda do Espírito Santo, experimentaremos uma profunda serenidade interior, seremos criaturas de paz, de alegria, de bondade e de mansidão.

    "Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst 65). O condicional é utilizado muito oportunamente, porque a construção de uma comunidade fraterna, da comunhão, não é fácil. Infelizmente na comunidade religiosa, como na comunidade cristã, também nascem inimizades, pequenas, mesquinhas, porque causadas, geralmente, por corações tacanhos, feridos pelo ciúme e pela inveja. São, porém, inimizades que provocam muito sofrimento em quem deles é objecto, sem culpa. Valem, então, as palavras de Jesus: "Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam (ou que, sem um verdadeiro ódio, são invejosos, ciumentos), bendizei aqueles que vos amaldiçoam (no sentido de que falam mal de vós), rezai por aqueles que vos maltratam (não fisicamente, mas moralmente) (Lc 6, 27-28). "Para que sejais filhos do vosso Pai celeste, que faz nascer o sol para os bons e para os maus, e manda a chuva para os justos e os injustos ... Sede, portanto, perfeitos como é perfeito o Pai celeste' (Mt 5, 45-46).

    Oratio

    Senhor Jesus, que no teu rosto humano nos revelaste o rosto do Pai, faz que, olhando para Ti, que não Te envergonhaste de ser nosso irmão, aprendamos a viver como filhos obedientes à vontade de Deus. Ele derramou o seu amor gratuito e generoso nos nossos corações, renovando-os, fazendo de nós seus filhos e teus irmãos. Infunde, agora, em nossos corações, o teu Espírito Santo, que faça crescer em nós o homem interior, à tua imagem e semelhança, para vivermos, cada vez mais, como verdadeiros filhos do Pai e como bons irmãos de todos os homens, também daqueles de quem não gostamos, ou que nos fazem sofrer. Acolhendo a graça divina, que repara em nós a imagem do Pai, e a aperfeiçoa, seremos servidores da paz e da reconciliação na Igreja e no mundo. Amen.

    Contemplatio

    Sede misericordiosos, diz-nos Nosso Senhor, como o vosso Pai é misericordioso (Lc 6, 36). Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5, 48). E S. Paulo acrescentou: «Sede os imitadores de Deus, como seus filhos bem amados, e caminhai no amor, assim como Jesus Cristo nos amou, e se entregou a si mesmo por nós oferecendo-se a Deus como vítima de agradável dom (Ef 5, 1).

    Caminhemos no amor, na caridade fraterna, como convém a filhos de Deus. - Sois todos irmãos, dír-nos-á muitas vezes Nosso Senhor. Omnes enim fratres estis (Mt 23).

    Éramos irmãos pela criação, tornámo-nos irmãos pela graça e pela adopção divina. O Evangelho acentuou e enobreceu a fraternidade. Assim os nossos sentimentos devem ser inspirados por esta fraternidade delicada. Haveis de evitar, diz Nosso Senhor, irritar-vos contra os vossos irmãos. - Haveis de procurar o seu bem como o vosso próprio bem. - Mesmo se são vossos inimigos, permanecem vossos irmãos e não os haveis de odiar. - Haveis de rezar por eles, haveis de vos consumir pela sua salvação. - Não os julgareis nos vossos corações, não tendes missão para isso, seria uma falta (Lc 6, 37) (leão Dehon, OSP 4, p. 66).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Sede misericordiosos, como é misericordioso o vosso Pai» (Lc 6,36).

    https://youtu.be/p262yjE67qo

  • 02º Domingo do Tempo da Quaresma - Ano B [atualizado]

    02º Domingo do Tempo da Quaresma - Ano B [atualizado]

    25 de Fevereiro, 2024

    ANO B

    2.º DOMINGO DO TEMPO DA QUARESMA

    Tema do 2.º Domingo do Tempo da Quaresma

    No segundo Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus convida-nos a dar mais um passo em direção à Páscoa (à de Jesus e à nossa). Diz-nos que é na obediência radical a Deus e na escuta atenta de Jesus que descobrimos o caminho que nos permite encontrar a Vida em abundância.

    O Evangelho relata a transfiguração de Jesus. Marcos, o evangelista, apresenta-nos uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que vai concretizar o seu projeto libertador em favor dos homens através do dom da vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à Vida plena e definitiva. Segui-o, vós também.

    Na primeira leitura apresenta-se a figura de Abraão como paradigma do crente. Abraão é o homem de fé inabalável, que vive numa constante escuta de Deus, que aceita os apelos de Deus e que lhes responde com a obediência total. Essa “entrega” a Deus é fonte de Vida e de bênção.

    A segunda leitura lembra aos crentes que Deus os ama com um amor imenso e eterno. A melhor prova desse amor é Jesus Cristo, o Filho amado de Deus que morreu para ensinar ao homem o caminho da vida verdadeira. Sendo assim, o cristão nada tem a temer e deve enfrentar a vida com serenidade e esperança.

     

    LEITURA I – Génesis 22,1-2.9a.10-13.15-18

    Naqueles dias,
    Deus quis pôr à prova Abraão e chamou-o:
    «Abraão!»
    Ele respondeu: «Aqui estou».
    Deus disse: «Toma o teu filho,
    o teu único filho, a quem tanto amas, Isaac,
    e vai à terra de Moriá,
    onde o oferecerás em holocausto,
    num dos montes que Eu te indicar.
    Quando chegaram ao local designado por Deus,
    Abraão levantou um altar e colocou a lenha sobre ele.
    Depois, estendendo a mão, puxou do cutelo para degolar o filho.
    Mas o Anjo do Senhor gritou-lhe do alto do Céu:
    «Abraão, Abraão!»
    «Aqui estou, Senhor», respondeu ele.
    O Anjo prosseguiu:
    «Não levantes a mão contra o menino,
    não lhe faças mal algum.
    Agora sei que na verdade temes a Deus,
    uma vez que não Me recusaste o teu filho, o teu único filho».
    Abraão ergueu os olhos
    e viu atrás de si um carneiro, preso pelos chifres num silvado.
    Foi buscá-lo e ofereceu-o em holocausto, em vez do filho.
    O Anjo do Senhor chamou Abraão do Céu pela segunda vez
    e disse-lhe:
    «Por Mim próprio te juro – oráculo do Senhor –
    já que assim procedeste
    e não Me recusaste o teu filho, o teu único filho,
    abençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência
    como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar,
    e a tua descendência conquistará as portas das cidades inimigas.
    Porque obedeceste à minha voz,
    na tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra».

     

    CONTEXTO

    A primeira leitura de hoje faz parte de um bloco de textos a que se dá o nome genérico de “tradições patriarcais” (cf. Gn 12-36). Trata-se de um conjunto de relatos singulares, originalmente independentes uns dos outros, sem grande unidade e sem carácter de documento histórico. Nesses capítulos aparecem, de forma indiferenciada, “mitos de origem” (descreviam a “tomada de posse” de um lugar pelo patriarca do clã), “lendas cultuais” (narravam como um deus tinha aparecido nesse lugar ao patriarca do clã), indicações mais ou menos concretas sobre a vida dos clãs nómadas que circularam pela Palestina durante o segundo milénio e reflexões teológicas posteriores destinadas a apresentar aos crentes israelitas modelos de vida e de fé.

    O relato do sacrifício de Isaac (Gn 22) é aquilo a que os biblistas chamam uma “lenda cultual”. Nasceu, provavelmente, num santuário do sul do país, muito antes de os patriarcas bíblicos se terem instalado na zona. A lenda primitiva contava como num lugar sagrado o deus aí adorado tinha salvo uma criança destinada a ser oferecida em sacrifício (no mundo dos cananeus, os sacrifícios humanos eram frequentes). A partir daí, nesse lugar, os sacrifícios de crianças tinham sido substituídos por sacrifícios de animais. Foi essa a primeira etapa da tradição.

    Numa segunda fase, esta história primitiva foi aplicada à figura de Abraão, quando o clã de Abraão se instalou na zona. O pai cananeu da primitiva história, que levava o filho para ser oferecido em sacrifício, foi identificado com o patriarca Abraão. A tradição acabou por englobar um clã ligado ao de Abraão, o clã de Isaac. Isaac tornou-se, assim, o filho destinado ao sacrifício de que falava a velha lenda pré-israelita.

    Numa terceira fase (talvez por volta do séc. VIII a.C.), os teólogos de Israel pegaram na antiga lenda cultual e utilizaram-na para ilustrar a catequese que queriam apresentar. Serviu para dizer que o crente ideal é aquele que, como Abraão, não hesita em acolher a vontade e os desafios de Deus.

    Por fim, um redator posterior acrescentou ao texto outros elementos de carácter teológico. Foi ele que ligou a lenda do sacrifício de Isaac com o monte santo dos sacrifícios do Templo de Jerusalém; foi ele, também, que acrescentou à história a ideia de que o comportamento de Abraão para com Deus mereceu uma recompensa e que essa recompensa iria, no futuro, derramar-se sobre todos os descendentes de Abraão.

     

    MENSAGEM

    No início da narração (vers. 1), aparece um verbo que vai presidir a todo o relato e definir o sentido que os catequistas de Israel atribuíram a esta história: o verbo “pôr à prova” (em hebraico “nassah”). No Antigo Testamento, este verbo apresenta, com frequência, as “nuances” de “examinar”, “experimentar”, “testar”. À partida, define-se logo o que está em jogo: Deus vai “submeter Abraão a um teste”. A ideia de que Deus submete o seu Povo ou indivíduos particulares a “provas” é relativamente frequente no Antigo Testamento. Estas “provas” servem, normalmente, para que Deus possa conhecer o coração do seu Povo e experimentar a sua fidelidade (cf. Dt 8,2). São uma forma de Deus confirmar que tal comunidade ou tal pessoa é capaz de viver uma relação de especial comunhão e intimidade com Ele. Abraão, contudo, não sabe que está a ser “testado”.

    A “prova” a que Abraão é submetido é especialmente dramática: Deus pede-lhe que tome Isaac, o seu único filho, e o ofereça em holocausto sobre um monte (vers. 2). Contudo, Isaac não é, apenas, o filho único e amado de Abraão, embora só isso já fosse suficiente para tornar esta “prova” tremendamente dura; mas Isaac é, também, o herdeiro dessa promessa que Deus, continuamente, renovou a Abraão… Isaac é a garantia de um futuro, de uma descendência numerosa que irá tomar posse da terra; é a garantia dessas promessas que deram sentido à peregrinação de Abraão desde que Deus o mandou deixar a sua terra, a sua família e a casa de seus pais. Abraão encontra-se diante de um Deus que parece retomar o que havia dado e cuja palavra de hoje parece desmentir a de ontem. Porquê essa mudança de planos? Quais são, na realidade, os desígnios de Deus? Pode-se confiar num Deus que muda de ideias desta forma? A aposta de Abraão em deixar tudo (cf. Gn 12) para apostar nos desafios de Deus terá sido uma boa opção? A verdadeira “prova” é esta… É o absurdo de uma exigência que nega a própria história da salvação; é o continuar a esperar num Deus que, num instante, parece querer destruir os sonhos que Ele próprio ajudou a criar; é o continuar a confiar num Deus que Se contradiz e que parece, de repente, esquecer tudo o que tinha prometido; é o impasse, a obscuridade, o sofrimento em que Abraão de repente se acha; é o ser convidado a atirar-se às cegas para um caminho escuro e incompreensível.

    Como é que Abraão vai reagir a esta tremenda “prova”? Do princípio ao fim, Abraão não abre a boca a não ser para dizer “aqui estou” (vers. 1. 11) – expressão de disponibilidade total diante de Deus. De resto, Abraão não discute, não argumenta, não procura obter respostas para esse drama incompreensível que parece hipotecar tudo o que Deus lhe havia prometido. Abraão age, apenas. Levanta-se de madrugada, prepara as coisas para o holocausto, põe-se a caminho. Já no “monte do sacrifício”, Abraão constrói o altar, amarra a vítima e puxa do cutelo para matar o filho. O silêncio de Abraão, a imediatez da resposta e a forma determinada como age mostram a entrega, a confiança absoluta em Deus, a obediência levada até às últimas consequências.

    Percorrido o longo e angustiante caminho da “prova”, chega finalmente o momento em que Deus, pela voz do seu mensageiro, faz o balanço e constata o resultado: todo o comportamento de Abraão ao longo desta “crise” testemunha que ele “teme o Senhor” (vers. 12). A expressão – frequente no Antigo Testamento – traduz, por um lado, a reverência e o respeito e, por outro lado, a pronta obediência à vontade divina, a confiança inamovível no Deus que não falha, a humilde renúncia aos próprios critérios, a adesão incondicional à vontade de Deus, a aceitação plena das propostas e mandamentos de Deus.

    A nossa história termina com uma referência à “recompensa” oferecida por Deus. A obediência de Abraão irá gerar plenitude de vida e de dons divinos (bênção), uma descendência numerosa “como as estrelas do céu ou como a areia que está na margem do mar” e a posse da terra (vers. 17). O mais interessante é a indicação de que a obediência do “justo” Abraão terá um alcance universal e resultará em bênção para “todas as nações da terra”.

    Nesta “catequese”, a intenção fundamental do autor não é dizer-nos quem é Deus e como é que Ele age (por isso, não adianta estarmos a “perguntar” ao texto se, na realidade, os métodos de Deus passam por submeter o homem a provas desumanas a fim de o “testar”). A história do sacrifício de Isaac destina-se, sobretudo, a propor-nos a atitude que o crente deve assumir diante de Deus. Abraão é apresentado como o protótipo do crente ideal, que sabe escutar Deus e acolher os seus projetos com obediência incondicional, com confiança total… Mesmo que as propostas de Deus resultem incompreensíveis ou que os desafios de Deus interfiram com os projetos do homem, o crente ideal deve acolher os planos de Deus e realizá-los com fidelidade. Foi para deixar esta lição aos seus concidadãos – lição que serve, naturalmente, para os crentes de todos os tempos – que os teólogos de Israel foram buscar esta velha lenda.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O comportamento de Abraão nesta “crise” revela, antes de mais, o lugar absolutamente central que Deus ocupa na sua existência. Deus é, para Abraão, o valor máximo, a prioridade fundamental; por isso, Abraão mostra-se disposto a fazer a Deus um dom total de si próprio, da sua família, do seu futuro, dos seus sonhos, das suas aspirações, dos seus projetos, dos seus interesses. Para Abraão, nada mais conta quando estão em jogo os planos de Deus… Na vida do homem do séc. XXI, contudo, nem sempre Deus ocupa o lugar que Lhe é devido. Com frequência, o dinheiro, o poder, a carreira profissional, o reconhecimento social, o sucesso, a influência dos líderes de opinião, ocupam o lugar de Deus e determinam as nossas opções, os nossos interesses, os valores que priorizamos. À luz da figura de Abraão, procuramos, nesta Quaresma, rever as nossas prioridades e a dar a Deus, no cenário da nossa vida, o lugar que Ele merece?
    • Na sua relação com Deus, o crente Abraão manifesta uma vasta gama de “qualidades” – a reverência, o respeito, a humildade, a disponibilidade, a obediência, a confiança, o amor, a fé – que o definem como o crente “ideal”, o modelo para os crentes de todas as épocas. Neste tempo de preparação para a Páscoa (para a Vida nova), são estas “qualidades” que nos são propostas, também. Estamos disponíveis para concretizar um processo de conversão que nos torne cada vez mais atentos e disponíveis para acolher e para viver na fidelidade aos planos de Deus?
    • O crente Abraão ensina-nos, ainda, a confiar em Deus, mesmo quando tudo parece cair à nossa volta e quando os caminhos de Deus se revelam estranhos e incompreensíveis. Quando os nossos projetos se desmoronam, quando as nuvens negras da guerra, da violência, da opressão, se acastelam no horizonte da nossa existência, quando o sofrimento nos leva ao desespero, é preciso continuar a caminhar serenamente, confiando nesse Deus que é a nossa esperança e que tem um projeto de Vida plena para nós e para o mundo. Deus é, para nós, esse rochedo firme que nos suporta nas crises e vicissitudes com que a vida, tantas vezes, nos surpreende?
    • Quando os catequistas de Israel põem Deus a dizer que a obediência de Abraão é fonte de vida para ele, para a sua família e para “todas as nações da terra”, estão a afirmar a validade do caminho que Abraão escolheu. Fazemos de Deus o centro da própria existência e renunciamos aos próprios critérios e interesses para cumprir os planos de Deus, não como uma escravidão que coarta a liberdade do homem, mas como uma opção que nos abre novas e que nos proporciona o acesso à Vida plena e verdadeira?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 115 (116)

    Refrão 1:  Andarei na presença do Senhor sobre a terra dos vivos.

    Refrão 2: Caminharei na terra dos vivos na presença do Senhor.

    Confiei no Senhor, mesmo quando disse:
    «Sou um homem de todo infeliz».
    É preciosa aos olhos do Senhor
    a morte dos seus fiéis.

    Senhor, sou vosso servo, filho da vossa serva:
    quebrastes as minhas cadeias.
    Oferecer-Vos-ei um sacrifício de louvor,
    invocando, Senhor, o vosso nome.

    Cumprirei as minhas promessas ao Senhor
    na presença de todo o povo,
    nos átrios da casa do Senhor,
    dentro dos teus muros, Jerusalém.

     

    LEITURA II – Romanos 8,31b-34

    Irmãos:
    Se Deus está por nós, quem estará contra nós?
    Deus, que não poupou o seu próprio Filho,
    mas O entregou à morte por todos nós,
    como não havia de nos dar, com Ele, todas as coisas?
    Quem acusará os eleitos de Deus?
    Deus, que os justifica?
    E quem os condenará?
    Cristo Jesus, que morreu, e mais ainda, que ressuscitou
    e que está à direita de Deus e intercede por nós?

     

    CONTEXTO

    Quando Paulo escreve aos Romanos, está a terminar a sua terceira viagem missionária e prepara-se para partir para Jerusalém. Tinha terminado a sua missão no oriente (cf. Rm 15,19-20) e queria levar o Evangelho ao ocidente. Dirigindo-se por carta aos cristãos de Roma, Paulo aproveita para estabelecer laços com eles e para lhes apresentar os principais problemas que o ocupavam (entre os quais sobressaía a questão da unidade, um problema bem presente na comunidade cristã de Roma, afetada por alguns problemas de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos). Estamos no ano 57 ou 58.

    Na primeira parte da Carta (cf. Rm 1,18-11,36), Paulo vai fazer notar aos cristãos divididos que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Embora o pecado seja uma realidade universal, que afeta todos os homens (cf. Rm 1,18-3,20), a “justiça de Deus” dá vida a todos, sem distinção (cf. Rm 3,1-5,11); e é em Jesus Cristo que essa vida se comunica e que transforma o homem (cf. Rm 5,12-8,39). Batizados em Cristo, os cristãos morrem para o pecado e nascem para uma vida nova. Passam a ser conduzidos pelo Espírito e tornam-se filhos de Deus; libertados do pecado e da morte, produzem frutos de santificação e caminham para a Vida eterna.

    É depois de desenvolver esta reflexão que Paulo entende celebrar o amor salvador de Deus com um hino (cf. Rm 8,31-39): é nesse amor que os filhos e filhas de Deus podem fundamentar a sua esperança no triunfo final.

    A segunda leitura deste dia é parte desse hino (Rm 8,31b-34).

     

    MENSAGEM

    A razão para a esperança dos cristãos está na certeza que Deus ama todos os seus filhos com um amor imenso e eterno. O envio ao mundo de Jesus Cristo, o Filho único de Deus, que nos mostrou o caminho da vida plena e da felicidade sem fim, que lutou até à morte contra tudo o que oprimia e escravizava o homem, é a “prova provada” do imenso amor de Deus por nós (vers. 32).

    Ora, se Deus nos ama dessa forma tão intensa e tão total, temos medo de quê? Quem se atreverá a acusar-nos, a condenar-nos, ou a fazer-nos mal? O próprio Deus, com o coração inundado de amor, “justifica-nos” (vers. 33) – quer dizer pronuncia sobre nós um veredicto de graça e de perdão, apesar das nossas faltas e infidelidades. Ele escolheu salvar-nos, apesar de o não merecermos!

    E Jesus? Ele condena-nos? Claro que não! Ele morreu para nos libertar e está agora ao lado de Deus a interceder por nós. O amor que Ele nos dedica iguala o amor do Pai!

    Sendo assim, podemos enfrentar a vida com serenidade e esperança, confiando totalmente no amor de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Para Paulo, há uma constatação incrível, que não cessa de o espantar: Deus ama-nos com um amor profundo, total, radical, que nada nem ninguém consegue apagar ou eliminar. Esse amor veio ao nosso encontro em Jesus Cristo, atingiu a nossa existência e transformou-a, capacitando-nos para caminharmos ao encontro da vida eterna. Ora, antes de mais, é esta descoberta que Paulo nos convida a fazer… Nos momentos de crise, de desilusão, de perseguição, de orfandade, quando parece que todo o mundo está contra nós e que não entende a nossa luta e o nosso compromisso, a Palavra de Deus grita: “não tenhais medo; Deus ama-vos”. Esta certeza reside no nosso coração e anima todos os nossos passos?
    • Descobrir o amor de Deus por nós dá-nos a coragem necessária para enfrentar a vida com serenidade, com tranquilidade e com o coração cheio de paz. O crente é aquele homem ou mulher que não tem medo de nada porque está consciente de que Deus o ama e que lhe oferece, aconteça o que acontecer, a vida em plenitude. Procuramos entregar a nossa vida como dom, correr riscos na luta pela paz e pela justiça, enfrentar os poderes da opressão e da morte, porque confiamos no Deus que nos ama e nos salva?

     

    ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO
    (escolher um dos 7 refrães)

    1. Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
    2. Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
    3. Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
    4. Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
    5. Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
    6. Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
    7. A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

    No meio da nuvem luminosa, ouviu-se a voz do Pai:
    «Este é o meu Filho muito amado: escutai-O».

     

    EVANGELHO – Marcos 9,2-10

    Naquele tempo,
    Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João
    e subiu só com eles
    para um lugar retirado num alto monte
    e transfigurou-Se diante deles.
    As suas vestes tornaram-se resplandecentes,
    de tal brancura que nenhum lavadeiro sobre a terra
    as poderia assim branquear.
    Apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus.
    Pedro tomou a palavra e disse a Jesus:
    «Mestre, como é bom estarmos aqui!
    Façamos três tendas:
    uma para Ti, outra para Moisés, outra para Elias».
    Não sabia o que dizia, pois estavam atemorizados.
    Veio então uma nuvem que os cobriu com a sua sombra
    e da nuvem fez-se ouvir uma voz:
    «Este é o meu Filho muito amado: escutai-O».
    De repente, olhando em redor,
    não viram mais ninguém,
    a não ser Jesus, sozinho com eles.
    Ao descerem do monte,
    Jesus ordenou-lhes que não contassem a ninguém
    o que tinham visto,
    enquanto o Filho do homem não ressuscitasse dos mortos.
    Eles guardaram a recomendação,
    mas perguntavam entre si o que seria ressuscitar dos mortos.

     

    CONTEXTO

    Marcos situa o episódio da transfiguração num momento charneira da atividade de Jesus. Estamos na fase final da etapa da Galileia, antes de Jesus se dirigir para Jerusalém. É um momento decisivo para o projeto do Reino.

    Depois do êxito inicial da sua pregação, Jesus vinha sentindo cada vez mais resistência, por parte dos líderes religiosos locais, ao seu anúncio. Pouco antes do episódio da transfiguração, os fariseus e alguns doutores da Lei tinham criticado a liberdade de Jesus face às tradições religiosas judaicas; e, em resposta, Jesus tinha-os acusado de se preocuparem com ritos externos e de não terem em conta o essencial (cf. Mc 7,1-23). Depois, os fariseus tinham exigido que Jesus lhes desse um sinal de que atuava em nome de Deus; e Jesus tinha recusado (cf. Mc 8,11-13). Parecia cada vez mais claro que o judaísmo oficial nunca iria aceitar Jesus e o seu projeto.

    Para os discípulos de Jesus, isto levantava questões inquietantes… Eles viam Jesus como “o Messias” que Israel esperava ansiosamente (cf. Mc 8,29-30); mas as autoridades judaicas estavam contra Ele e não lhe davam crédito. Teriam os discípulos feito um erro de cálculo quando acreditaram em Jesus e se dispuseram a andar com Ele?

    As coisas ficaram ainda mais complicadas quando Jesus comunicou aos discípulos a sua decisão de se dirigir para Jerusalém e os avisou de que lá iria sofrer muito e ser morto pelas autoridades (Ele tinha acrescentado que iria ressuscitar depois de três dias; mas, nessa altura, os discípulos não sabiam bem o que é que isso queria dizer – cf. Mc 8,31). Pedro atreveu-se a contestar a decisão de Jesus; e Jesus convidou-o a pôr-se no seu lugar de discípulo e a não ser obstáculo ao projeto de Deus (cf. Mc 8,32-33). Mais ainda: antes de começar a caminhar para Jerusalém, Jesus convidou os discípulos a renegar-se a si mesmos, a “tomar a cruz” e a segui-l’O no caminho do dom da vida até à morte (cf. Mc 8,34-38). Valeria a pena seguir um Mestre que só tinha a cruz para oferecer?

    Face a este estado de coisas, Jesus achou que tinha chegado a hora de revitalizar o ânimo dos discípulos. Chamou, então, Pedro, Tiago e João – o “núcleo duro” daquele grupo – e convidou-os a subir com Ele a um monte. Nesse dia e nesse monte eles iriam ser confrontados com o princípio e o fundamento do caminho proposto por Jesus.

    O texto não identifica o “monte elevado” para onde Jesus, Pedro, Tiago e João se dirigiram. Contudo, a tradição fala do Monte Tabor, uma montanha com 588 metros de altura, situada no meio da planície de Jezreel, coberta de carvalhos, pinheiros, ciprestes, aroeiras e plantas silvestres. O Tabor tinha sido, nos tempos antigos, um lugar sagrado para os povos cananeus.

    Literariamente, a narração da transfiguração é uma teofania – quer dizer, uma manifestação de Deus. Portanto, o autor do relato vai colocar no quadro todos os ingredientes que, no imaginário judaico, acompanham as manifestações de Deus (e que encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo Testamento): o monte, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem, a voz que vem do céu e mesmo o medo e a perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino. Isto quer dizer o seguinte: não estamos diante de um relato exato de acontecimentos, mas de uma catequese (construída de acordo com o imaginário judaico) destinada a confirmar a verdade da proposta de Jesus.

     

    MENSAGEM

    Esta página de catequese está construída sobre elementos simbólicos tirados do Antigo Testamento. Que elementos são esses?

    O monte situa-nos num contexto de revelação: é sempre num monte que Deus Se revela; e, em especial, é num monte (o Sinai) que Ele faz uma aliança com o seu Povo e dá a Moisés as tábuas da Lei.

    A mudança do rosto e as vestes brilhantes, muitíssimo brancas, recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Sinai (cf. Ex 34,29), depois de se encontrar com Deus e de receber as tábuas da Lei. Além disso, o branco é a cor de Deus: indica que estamos no âmbito do divino.

    A nuvem, por sua vez, indica a presença de Deus: era na nuvem que Deus se ocultava e era a partir da nuvem que Deus conduzia o seu Povo ao longo da caminhada pelo deserto, em direção à Terra Prometida (cf. Ex 40,34-35; Nm 9,18.22; 10,34).

    Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas (que anunciam Jesus e que permitem entender Jesus); além disso, são personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (cf. Dt 18,15-18; Mal 3,22-23).

    O temor e a perturbação dos discípulos são a reação lógica de qualquer homem ou mulher, diante da manifestação da grandeza, da omnipotência e da majestade de Deus (cf. Ex 19,16; 20,18-21).

    Mas o elemento mais significativo é, sem dúvida, “a voz” que vem da “nuvem” (o espaço onde Deus se oculta). Essa “voz” dirige-se aos discípulos e declara solenemente: “Este é o meu Filho muito amado”. O próprio Deus “apresenta” Jesus e garante que Ele é “o Filho amado” que veio ao encontro dos homens com um mandato do Pai. E o testemunho de Deus sobre Jesus completa-se com um imperativo: “escutai-o”. Os discípulos ficam assim prevenidos de que devem escutar e acolher as indicações de Jesus, sem mais hesitações e medos, em cada passo do caminho.

    Marcos, o nosso catequista, pegou em todos estes elementos, amassou-os e com eles construiu a sua catequese. Nela, Jesus é apresentado, antes de mais, como o Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele não é um visionário que vive iludido e que não tem os pés assentes na terra; nem é um revolucionário com sede de protagonismo que se aproveita, em benefício do seu projeto político, de um grupo de discípulos ingénuos… Jesus é o Filho amado de Deus, enviado aos homens para lhes propor a salvação e a Vida verdadeira. Tudo o que Ele diz e propõe está de acordo com o projeto salvador de Deus. Os discípulos devem escutá-lo, levar a sério as suas indicações, mesmo quando Ele propõe um caminho difícil de dom da vida até às últimas consequências (cf. Mc 8,34-37).

    Jesus é, também, de acordo com esta catequese, o Messias libertador e salvador esperado por Israel, anunciado pela Lei (Moisés) e pelos Profetas (Elias). Ele veio concretizar as promessas que, ao longo da história da salvação, Deus fez ao seu Povo.

    Finalmente, Jesus é o novo Moisés, Aquele através de quem Deus dá ao seu Povo a nova lei e através de quem propõe aos homens uma nova Aliança. Da ação libertadora de Jesus, o novo Moisés, irá nascer um novo Povo de Deus. Guiado por Jesus, esse Povo caminhará pelo deserto da cruz e da morte até chegar à Terra Prometida, onde encontrará Vida em abundância.

    Por cima deste quadro paira a luz gloriosa da ressurreição. A glória de Deus que se manifesta em Jesus, as “vestes brilhantes, muitíssimo brancas” (que lembram a túnica branca do “jovem” sentado junto do túmulo de Jesus e que anuncia às mulheres a ressurreição – cf. Mc 16,5) e a recomendação final de Jesus (“que não contassem a ninguém o que tinham visto, enquanto o Filho do Homem não ressuscitasse dos mortos” – Mc 9,9) apontam nesse sentido. Os discípulos são, assim, convidados a olhar para lá da cruz e a descobrir que, no final do caminho de Jesus, não está o fracasso, mas está a ressurreição, a vida plena, a vitória sobre a morte. No entanto, eles ainda não estão preparados para entender o alcance de tudo isto (enquanto desciam do monte, discutiam “uns com os outros o que seria ressuscitar de entre os mortos” – Mc 9,10). Só o compreenderão mais tarde, à luz da ressurreição de Jesus.

    Mas, mesmo sem tudo compreender, a verdade é que os discípulos desceram daquele monte com uma outra perspetiva de Jesus e do seu projeto… E, sem mais hesitações, seguiram atrás de Jesus no caminho para Jerusalém.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Neste segundo domingo da Quaresma façamos, também nós, a experiência de subir com Jesus ao monte… Enquanto subimos, podemos conversar com Ele e, com toda a sinceridade, dizer-Lhe as nossas dúvidas e inquietações. Podemos dizer-Lhe que, por vezes, nos sentimos perdidos e desanimados diante da forma como o nosso mundo se constrói; podemos dizer-lhe que o caminho que Ele aponta é duro e exigente e que não sabemos se teremos a coragem de o percorrer até ao fim; podemos até dizer-lhe, talvez com alguma vergonha, que às vezes duvidamos dele e corremos atrás de outras apostas, mais cómodas, mais atraentes e menos arriscadas… E, depois de lhe dizermos isso tudo, deixemos que Jesus nos fale, nos explique o seu projeto, nos renove o seu desafio… E vamos, também, prestar atenção à voz de Deus que nos garante: “olhem que esse Jesus que Eu enviei ao vosso encontro é o meu Filho amado, aquele a quem Eu entreguei o projeto de um mundo mais humano e mais fraterno… Confirmo a verdade do caminho que Ele vos propõe. Escutai-O, ide com Ele, acolhei as suas propostas e indicações, mesmo que tenhais de remar contra a maré. O caminho que Ele vos aponta pode passar pela cruz, mas conduz à Vida verdadeira, à ressurreição”. É com estas atitudes que somos seguidores de Jesus Cristo?
    • “Este é o meu Filho amado. Escutai-o”. É verdade: precisamos de escutar Jesus mais e melhor. Quando o “escutamos” – quer dizer, quando ouvimos o que Ele nos diz, quando acolhemos no coração as suas indicações e quando procuramos concretizá-las na vida – começamos a ver tudo com uma luz mais clara. Começamos a perceber qual é a maneira mais humana de enfrentar os problemas da vida e os males do nosso mundo; damos conta dos grandes erros que os seres humanos podem cometer e descobrimos as soluções que Deus nos aponta… Escutar Jesus pode curar-nos das nossas cegueiras seculares, dos preconceitos que nos impedem de acolher a novidade de Deus, dos medos que nos paralisam; escutar Jesus pode libertar-nos de desalentos e cobardias, e abrir o nosso coração à esperança. A escuta de Jesus está no centro da nossa experiência de fé? Nas nossas comunidades cristãs damos espaço suficiente à escuta de Jesus?
    • O tempo de Quaresma é um tempo favorável de conversão, de transformação, de renovação. Traz-nos um convite a questionarmos a nossa forma de encarar a vida, os valores que priorizamos, as opções que vamos fazendo, as nossas certezas e apostas, os nossos interesses e projetos… O que é que eu, pessoalmente, necessito de mudar, na minha forma de pensar e de agir, a fim de me tornar um discípulo coerente e comprometido, que segue Jesus no caminho do amor levado até às últimas consequências, até ao dom total de si próprio?
    • É verdade que, para muitos dos nossos contemporâneos, o caminho proposto por Jesus não parece muito entusiasmante… Não assegura bem-estar, nem bens materiais, nem triunfos, nem reconhecimento, nem fama, nem poder, nem tranquilidade, nem qualquer outro valor que muitos dos homens e mulheres do nosso tempo consideram fundamentais para que as suas vidas tenham algum sentido. Contudo, nós, discípulos de Jesus, acreditamos que só o amor – o amor vivido como serviço, como dom de si próprio, ao estilo de Jesus – dá sentido à vida; acreditamos que a construção de um mundo novo – mais humano, mais são, mais verdadeiro – depende de acolhermos e vivermos as propostas de Jesus. O que poderemos fazer para contagiar os nossos irmãos e irmãs com o nosso entusiasmo por Jesus e pelo seu projeto de um mundo novo?
    • Pedro, Tiago e João, testemunhas da transfiguração de Jesus, parecem não ter muita vontade de “descer à terra” e de enfrentar o mundo e os problemas dos homens. Propõem fazer três tendas e ficar no cimo daquele monte, onde tudo parece tão fácil e tão indolor. Representam aqueles que vivem de olhos postos no céu, alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar. No entanto, ser seguidor de Jesus obriga-nos a “regressar ao mundo” para testemunhar aos homens, mesmo contra a corrente, que a realização autêntica está no dom da vida; obriga a atolarmo-nos no mundo, nos seus problemas e dramas, a fim de dar o nosso contributo para o aparecimento de um mundo mais justo e mais feliz. Assumimos a nossa ligação a Deus, não como uma droga que nos adormece, mas como compromisso com Deus que se concretiza no esforço de construirmos um mundo mais justo, mais humano, mais cheio de amor?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2.º DOMINGO DA QUARESMA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 2.º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    Jesus encontra-Se com o seu Pai. O monte é o lugar de encontro com Deus: Moisés e Elias encontram Deus no monte Horeb, Jesus retira-Se muitas vezes para o monte para rezar. Naquele dia, Deus toma a palavra para reconhecer Jesus como seu Filho bem-amado, e pede para O escutar. Jesus encontra-Se com Moisés e Elias, estes porta-vozes cheios do poder de Deus libertador junto do seu povo. A sua presença no monte da transfiguração revela que Jesus veio cumprir tudo o que os profetas tinham anunciado. Enfim, Jesus encontra-Se no monte das Oliveiras com as testemunhas adormecidas da Paixão. E se Jesus Se transfigura a seus olhos, é para lhes fazer ver a glória que Lhe vem de seu Pai. Mas para conhecer esta glória, é preciso passar pelo sofrimento e pela morte. Ainda não chegou o momento para nos sentarmos, é preciso retomar o caminho para “passar” com o Mestre.

    3. À ECUTA DA PALAVRA.

    A sua Palavra como uma semente de vida… “Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, outra para Elias”. Dito de outro modo: instalemo-nos, fiquemos aqui para sempre, estamos tão bem a contemplar a tua glória! Como seria tão bom se nós tivéssemos podido guardar Jesus glorioso no meio de nós! Ele manifestaria desde agora a sua vitória sobre todas as forças do mal e sobre a própria morte. Ele curaria todas as doenças, Ele estabeleceria a justiça, Ele apaziguaria todas as tempestades, Ele suprimiria todas as violências. Jesus estaria sempre ao nosso serviço, à nossa disposição! Seria verdadeiramente o paraíso na terra! Mas Jesus não se deixou apanhar na armadilha. “Olhando em redor, não viram mais ninguém, a não ser Jesus, sozinho com eles”. Foi necessário retomar o caminho quotidiano. Será preciso que atravessem a noite do Gólgota, depois os seus próprios sofrimentos e a sua própria morte. Jesus não veio tirar-nos da nossa condição humana com uma varinha mágica. Mas Ele vem juntar-se a nós nos nossos caminhos pedregosos, dando-nos o seu Espírito para que nos tornemos capazes de O escutar, no mais íntimo de nós mesmos. Então a sua Palavra pode enraizar-se cada vez mais profundamente em nós, como uma semente de vida. Não a percebemos sempre… mas ela rebentará na plenitude da luz, na Ressurreição com Jesus.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    A nossa fé na ressurreição… Concretamente, como fazer, que fazer? Alguns meios podem ajudar-nos: a oração, para pedir a Deus a fé (que é graça) e a sua luz; a meditação da Palavra de Deus; leituras, livros de teologia ou de espiritualidade, testemunhos de crentes; ou ainda a ajuda de um conselheiro espiritual, que nos permita debater questões mais actuais (incompatibilidade entre fé na ressurreição e crença na reincarnação, por exemplo).

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Segunda-feira - 2ª Semana da Quaresma

    Segunda-feira - 2ª Semana da Quaresma

    26 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel 9, 4b-10

    Senhor, Deus grande e temível, que és fiel à Aliança e que manténs o teu favor para com os que te amam e guardam os teus mandamentos. 5*Todos nós pecámos, prevaricámos, praticámos a iniquidade, fomos revoltosos, afastámo-nos dos teus mandamentos e das tuas leis. 6*Não escutámos os teus servos, os profetas, que falaram em teu nome aos nossos reis, aos nossos chefes, aos nossos pais e a todo o povo da nação. 7*Para ti, Senhor, a justiça; para nós, a infâmia, como é hoje para as gentes de Judá, para os habitantes de Jerusalém e para todo o Israel, para aqueles que estão perto e aqueles que estão longe, em todos os países por onde os espalhaste, em consequência das iniquidades que cometeram contra ti. 8Sim, ó SENHOR, para nós a vergonha, para os nossos reis, para os nossos chefes, para os nossos pais, porque pecámos contra ti. 9No Senhor, nosso Deus, a misericórdia e o perdão, pois nos revoltámos contra Ele. 10Recusámos escutar a voz do SENHOR, nosso Deus; não seguimos as leis que nos propunha pela boca dos seus servos, os profetas.

    A oração de Daniel, colocada no capítulo 9, explica um oráculo de Jeremias sobre a duração do exílio em Babilónia e sobre a restauração de Jerusalém (cf. Jer 25, 11ss; 29, 10). De acordo com alguns exegetas, os 70 anos preditos por Jeremias devem interpretar-se como 70 semanas de anos, isto é, 490 anos. Trata-se de uma longa Quaresma entre o começo do exílio e a restauração e consagração do templo, em Jerusalém (164 a.c.),

    Daniel volta-se para Deus relendo a história à luz da tradição deuteronomista: à infidelidade do povo segue o castigo. Mas, até quando terá Deus que castigar o seu povo? Só Ele sabe. Por isso é que o profeta faz a pergunta a Deus (v. 3). Por seu lado, Daniel limita-se a reconhecer que o castigo é merecido.

    Mas a confissão e o arrependimento do profeta não o levam ao desesperar, mas a esperar confiadamente o perdão divino (v. 9). Com efeito, o Deus de Israel é fiel e benevolente, lento para a ira e rico de misericórdia.

    Evangelho: Lucas 6, 36-38

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 36*Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso. 37*Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. 38Dai e ser-vos-é dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.»

    Lucas, depois de anotar a proclamação das Bem-aventuranças, anota o mandamento do amor universal e da misericórdia. Redige como que um pequeno poema didáctico com três estrofes. Enunciação do mandamento (vv. 27-31), as suas motivações (vv. 32-35) e a sua prática (vv. 36-38). Verificamos uma clara analogia com o «Sermão da Montanha» de Mateus. Mas Lucas tem uma particularidade. Fala da imitação do Pai em termos de "misericórdia", enquanto Mateus fala de "perfeição".

    Como praticar esta misericórdia. É o que nos indicam os versículos que hoje escutamos.

    Cinco verbos passivos revelam que o sujeito é o Pai: « ... Não sereis julgados; não sereis condenados; ... sereis perdoados. 38 ... ser-vos-é dado: uma boa medida...será lançada no vosso regaço,

    Quando nos arrependemos dos nossos pecados, nos dispomos a arrepiar caminho, e nos abrimos ao amor misericordioso do Pai, o seu perdão é mesmo "per­dão:", um dom superabundante: «uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço (Lc 6, 38). Por isso, também nos convém ser generosos no perdão aos nossos irmãos.

    Meditatio

    Depois da enorme catástrofe que culminou no exílio em Babilónia, o povo de Israel caiu em si e deu-se conta do seu pecado. Então, dirigiu-se ao Senhor, confessando, confuso e humilhado, as suas culpas e implorando misericórdia: «Sim, Ó SENHOR, para nós a vergonha, ... porque pecámos contra ti. No Senhor, nosso Deus, a misericórdia e o perdão, pois nos revoltámos contra Ele (!» (cf. vv. 8-9).

    A humildade e a confiança em Deus permitem-nos receber a sua graça e compreender a imensidão do seu amor por nós. Foi essa humildade e confiança que levou S. Paulo a exclamar: «Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós (Rm 5,8). O perdão recebido centuplica o amor, como vemos em Santo Agostinho e em tantos outros santos. A experiência do amor misericordioso de Deus suscita um forte desejo de correspondência.

    Quantas vezes também nós caímos na conta de termos pecado e ofendido a Deus! Quantas vezes experimentamos as situações de morte e de ódio, que dominam o nosso mundo! Corremos o risco de perder a confiança e a esperança. Por isso, precisamos de purificar o nosso olhar com o arrependimento sincero e a oração. Então, dar-nos-ernos conta da misteriosa e paradoxal transcendência de Deus, tão grande e tão próximo de nós, sempre benévolo e paciente. Mas também nos daremos conta da verdade acerca de nós mesmos e dos outros, e os nossos juízos de condenação transformar-se-ão em pedidos de perdão para todos, porque todos somos corresponsáveis pelo mal que nos rodeia. Veremos a nossa vida e a vida do mundo com outros olhos. Dar-nos-emos conta dos sinais da presença de Deus, das sementes de bem, escondidas mas reais. Na fé e na paciência, aguardaremos que cresçam e dêem frutos.

    «Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós (Rm 5, 8). Este pensamento leva-nos a aceitar-nos a nós mesmos e a nossa história, qualquer que tenha sido. Sentimo-nos felizes por sermos quem somos, pela nossa história pessoal. Deus amou-nos quando "éramos (Seus) inimigos!' (Rm 5, 10). Quanta gratidão havemos de sentir por Deus-Pai e por Cristo! Como, Paulo, podemos exclamar: "Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores e eu sou o primeird' (Tm 1, 15).

    Aceitar-nos a nós mesmos, e à nossa história, é caminho para também aceitarmos os outros, com a sua história. Já S. Tomás de Aquino escrevia que não podemos entrar em relação de amizade com os outros, se não estivermos em relação de amizade connosco mesmos. Não podemos aceitar os outros se não nos aceitamos a nós mesmos. Se estamos descontentes e em conflito connosco mesmos, tristes e desanimados, também o estaremos com os outros. Cada um dá o que tem. Damos amor, paz e alegria, se tivermos amor, paz e alegria. Damos amargura e conflito, se estivermos na amargura e em conflito.

    A alegria de ser amados é o fundamento da nossa dignidade de pessoas humanas, de filhos de Deus, é fonte da aceitação e da confiança em nós mesmos. É a libertaç&
    atilde;o de toda a tristeza e medo. Faz-nos aceitar os outros com uma justa confiança neles.

    Oratio

    Senhor, quão grande é o amor com que misericordiosamente nos reconcilias Contigo, nos transformas e nos dás uma vida nova, uma vida de humildade, de compreensão, de generosidade para com todos! Dá-nos a graça de permanecermos no teu amor, abrindo-nos à misericórdia para com os outros. Tendo sido gratuitamente perdoados por Ti, queremos ser instrumentos humildes da tua misericórdia para com os outros.

    Nós Te agradecemos a confiança que Jesus, teu Filho, demonstra para connosco, ao afirmar: «A medida que usardes com os outros será usada convosa». Com a tua graça queremos ser largamente generosos uns com os outros, aguardando confiadamente a tua transbordante recompensa. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor amou-nos com um amor eterno e pede o amor em troca. - Era assim que Nosso Senhor dispunha os seus discípulos para receberem o seu espírito de amor. Para nos dispormos nós mesmos, recordemo-nos do seu amor por nós. É semelhante àquele que o uniu ao seu Pai: Sicut di/exit me Pater, et ego di/exi vos. Amou-nos desde toda a eternidade, não teve em vista senão a nossa felicidade. O seu amor por nós foi desinteressado até ao sacrifício absoluto de si mesmo. Consagrou a sua vida inteira à nossa salvação. Morreu por nós sobre a cruz: Majorem hac di/ectionem nemo habet

    O que nos pede é um amor recíproco pelo seu Pai e por ele, que foram os primeiros a nos amar e que querem chamar-nos seus amigos: Vos autem dixi amicos.

    O nosso amor deve modelar-se sobre o seu. O seu foi obediente à vontade do seu Pai, o nosso deve manifestar-se por uma obediência inteira, absoluta, filial à lei divina. Amou-nos até morrer por nós, devemos amá-lo até morrer, se for preciso, por ele ou pelos nossos irmãos que são os seus. O nosso amor deve ser infatigável, dedicado e pronto a todos os sacrifícios.

    O espírito de amor que nos dá hoje deve estabelecer-nos numa intimidade plena de confiança com ele, e numa união poderosa e fecunda. Nada nos escondeu do que o seu Pai lhe confiou. Iniciou-nos no conhecimento dos seus desígnios que têm todos por fim a felicidade dos homens (leão Dehon, OSP 3, p. 589s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36).

  • Terça-feira - 2ª Semana da Quaresma

    Terça-feira - 2ª Semana da Quaresma

    27 de Fevereiro, 2024

    Lectio
    Primeira leitura: Isaías 1, 10.16-20

    10*Ouvi a palavra do Senhor, ó príncipes de Sodoma; escuta a lição do nosso Deus, povo de Gomorra: 16 Lavai-vos, purificai-vos, tirai da frente dos meus olhos a malícia das vossas acções. Cessai de fazer o mal, 17*aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo, socorrei os oprimidos, fazei justiça aos órfãos, defendei as viúvas. 18 Vinde agora, entendamo-nos -diz o Senhor. Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tomer-se-ão brancos como a neve. Mesmo que sejam vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a lã. 19Se fordes dóceis e obedientes, comereis os bens da terra; 20 se recusardes, se vos revoltardes, sereis devorados pela espada. É o Senhor quem o declara.»

    o capítulo primeiro de Isaías anuncia, de certo modo, a temática que irá ser desenvolvida nos seguintes capítulos: o amor fiel de Deus a que o povo responde com a infidelidade (w. 2-9); essa infidelidade atrai o castigo divino; mas não há culpa que a misericórdia de Deus não possa perdoar; um pequeno "resto" será salvo, e será raiz de vida nova.

    Hoje escutamos um ensinamento profético contra o ritualismo, no quadro de uma demanda judicial (w. 10.19s.). A referência a Sodoma e Gomorra estabelece a ligação ao oráculo sobre a infidelidade dos chefes de Judá e de Jerusalém (w. 4-9), e de todo o povo de Israel, que atrai um castigo semelhante ao das duas cidades tristemente célebres (cf. Gen 19; Dt 29, 22; 32,32).

    Sem fidelidade à Lei divina, a oração é ineficaz e o culto é inútil, e mesmo perverso. Mas, apesar da sua infidelidade, Israel continua a ser o destinatário da Palavra de vida, e dons de Deus são irrevogáveis. Por isso, o profeta insiste na necessidade de mudança, para acolher o perdão oferecido por Deus. Ainda é possível escolher entre a bênção e a maldição (w. 19.20).

    Evangelho: Mateus 23, 1-12

    Naquele tempo, 1Jesus falou assim à multidão e aos seus discípulos: 2*«Os doutores da Lei e os fariseus instalaram-se na cátedra de Moisés. 3Fazei, pois, e observai tudo o que eles disserem, mas não imiteis as suas obras, pois eles dizem e não fazem. 4*Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar. 5*Tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens. Por isso, alargam as filactérias e alongam as orlas dos seus mantos. 6Gostam de ocupar o primeiro lugar nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. 7Gostam das saudações nas praças públicas e de serem chamados 'Mestres' pelos homens. 8*Quanto a vós, não vos deixeis tratar por 'Mestres; pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai; porque um só é o vosso 'Pai; aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores; porque um só é o vosso 'Doutor; Cristo. 11 *0 maior de entre vós será o vosso servo. 12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

    Jesus, depois dos debates no templo, dirige-se à multidão e aos discípulos para continuar a diatribe com os escribas e fariseus. Desmascara-lhes a incoerência (vv. 2- 4), a ostentação e vanglória (vv. 5-7), e dirige-lhes os sete «Ai de vós» (vv. 13-36) que desembocarão no sentido lamento sobre Jerusalém (vv. 37-39). Por outro lado, põe de sobreaviso os discípulos contra o vício da ambição (vv. 8-10), gangrena da comunidade já nos tempos em que foram redigidos os evangelhos. O formalismo, a busca de prestígio pessoal, profanam a religião e tornam-na idolátrica.

    A conclusão não pode ser deixar de escutar a Palavra proclamada por chefes incoerentes, mas usar o discernimento para fazer o que eles dizem, e não fazer o que fazem. Acima de tudo, há que ter o olhar bem fixo em Jesus, o verdadeiro Mestre, o fiel intérprete do Pai.

    Meditatio

    A Igreja faz-nos escutar, hoje, palavras fortes e reconfortantes: «Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tomar-se-ão brancos como a neve. (Is 1, 18). Estas palavras caiem como bálsamo sobre a nossa ingratidão, superficialidade e malícia. Deus, na sua paciente misericórdia continua disposto a perdoar-nos.

    Disse que estas palavras caiem como bálsamo sobre o nosso coração ferido pelo pecado. A palavra de Deus fala-nos de neve. Como se torna bela uma paisagem coberta de neve! Mas a palavra de Deus vai mais longe. Os nossos pecados não são apenas cobertos, do modo que a neve cobre a terra. A sua misericórdia transforma-os em ocasião de graça, em fonte de amor. Isaías diz-nos que os nossos pecados, ainda que sejam escarlate, tornar-se-ão brancos como a neve. É essa a extraordinária maravilha que Deus quer operar em nós, apagando todas as nossas manchas, mesmo as mais horríveis, com um «detergente» muito especial, o sangue de Cristo, como nos diz o Apocalipse: «lavaram as suas vestes no sangue do comem» (7, 14).

    O sangue de Cristo, derramado por nosso amor, é a nossa única garantia de purificação e de salvação. Não é a simples observância exterior dos preceitos, com que, por vezes, nos gloriamos, em vez de darmos glória ao Senhor. A nossa vida, o nosso culto, como nos recomenda Isaías, hão-de ser expressão de que conhecemos o amor de Deus e queremos corresponder de modo generoso e total à sua fidelidade para connosco. Os sacrifícios e as ofertas nada valem, se o ouvido e o coração, seduzidos pelo pecado, estão endurecidos e não reconhecem o amor misericordioso e fiel de Deus para connosco. Só a Palavra de Deus, escutada pelo ouvido, descida ao coração, guardada com amor, e praticada com simplicidade, nos torna sensíveis ao amor de Deus e nos leva a corresponder-lhe com sinceridade de coração.

    "De acordo com o apelo premente do Senhor à conversão, procuramos discernir atentamente o pecado nas nossas vidas; teremos a peito celebrar frequentemente o seu perdão no sacramento da reconciliação" (Cst. 79). O sacramento da Reconciliação permite-nos um muito particular acesso ao precioso sangue de Cristo, que nos lava de todo o pecado, nos renova interiormente e nos torna capazes de corresponder adequadamente ao amor fiel e misericordioso do nosso Deus.

    Oratio

    Senhor Jesus, Cordeiro imolado, eis-nos aqui, manchados pelas nossas culpas.

    Derrama sobre nós o teu sangue imaculado, para que nos purifique, renove e torne capazes de correspondermos ao teu amor fiel e misericordioso. Tu que amas a santidade e queres realizá-Ia em nós, lava-nos no teu sangue precioso e transforma­nos interiormente. Faz-nos mais brancos do que a neve. Então, tendo experimentado o teu amor, havemos de corresponder-lhe com uma vida de oblação generosa e total, no louvor, na acção de graças, no testemunho, para que todos possam escutar as maravilhas da tua misericórdia e dispor-se a acolhê-Ias, para também serem transformados. Amen.

    Contemplatio

    Já no Antigo Testamento, Deus pedia ao seu povo a prática das obras de misericórdia, como condição do perdão e da salvação. «Corrigi-vos, dizia em Isaías, purificai os vossos pensamentos e os vossos corações, deixai de me ofender, mas também aprendei a fazer o bem, sede justos, socorrei os oprimidos, fazei justiça às viúvas e aos órfãos, e então podeis vir interpelar-me e reclamar de mim o vosso perdão, e então, mesmo que as vossas almas fossem amarelas como o açafrão, tornar­se-iam brancas como a neve; e se fossem vermelhas como a púrpura, tornar-se-iam brancas como a lã do cordeiro» (Is 1, 17).

    Em que ponto me encontro nesta virtude fecunda e redentora? Quais são os meus sentimentos a respeito daqueles que me ofendem ou me ferem, daqueles que me criticam ou me fazem sofrer? Que piedade tenho no coração por aqueles que penam e que sofrem? - Quero fazer para mim uma lei da clemência e da misericórdia. A beneficência é o sinal da aliança com Deus: Elemosyna viri quasi signaculum cum ipso (Eccli. 17,18).

    Ajuda os pequenos e os pobres, diz o sábio, e a tua esmola rezará por ti diante de Deus e afastará de ti todos os perigos (Eccli 29, 15). /47

    Foi com um Coração enternecido de misericórdia que o Salvador nos visitou: Per viscera misericordiae in qulbus visitavit nos oriens ex alto (Lc 1, 77). Sejamos bons para com todos, como Ele foi bom para connosco.

    Resoluções. - Senhor, quero ser bom e benevolente, e perdoar a todos para que também vós me perdoeis: em que ponto me encontro neste caminho?

    Quero revestir-me de misericórdia a vosso exemplo como S. Paulo me convida (Col 3, 12). Misericórdia divina, incarnada no Sagrado Coração de Jesus, cobri o mundo, expandi-vos sobre nós e fazei reinar a misericórdia no meu coração (leão Dehon, OSP 4, p. 66s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Os vossos pecados tomer-se-ão brancos como a neve» (Is 1, 18).

     

    https://youtu.be/wS1D8-EbCBM

  • Quarta-feira - 2ª Semana da Quaresma

    Quarta-feira - 2ª Semana da Quaresma

    28 de Fevereiro, 2024

    Lectio
    Primeira leitura: Jeremias 18, 18-20

    18*Eles disseram: «Vinde e tramemos uma conspiração conta Jeremias, porque não nos faltará a lei se faltar um sacerdote, nem o conselho se faltar um sábio, nem a palavra divina por falta de um profeta! Vinde, vamos difamá-lo, e não prestemos atenção às suas palavras!» 19SENHOR, ouve-me! Escuta o que dizem os meus adversários. 20É assim que se paga o bem com o mal? Abriram uma cova para me tirarem a vida. Lembra-te de que me apresentei diante de ti, a fim de interceder por eles e afastar deles a tua cólera.

    o versículo 18 situa o texto que hoje escutamos. Jeremias está novamente sob ameaça de morte (cf. Jer 11, 18s.). Agora são os próprios chefes de Israel que tentam reduzi-lo ao silêncio. Daí a dureza da invocação de vingança que, de acordo com a lei vetero-testamentária de Talião, sai da boca do profeta. Mas o nosso texto omite esses versículos, orientando-nos, sim, para a escuta do evangelho.

    Jeremias é tipo do Servo sofredor (cf. Is 53, 8-10) e é perseguido por causa da fidelidade à sua vocação e do seu amor ao povo. Jeremias abandona-se confiadamente a Deus, de quem espera a salvação.

    Tudo aquilo que o profeta faz por amor do seu povo, e diz na sua oração, irá realizar-se de modo perfeito no verdadeiro Servo sofredor, Jesus. Ele será morto pelos chefes do povo. Mas não pedirá vingança a Deus; pedirá perdão para os seus inimigos, e oferecerá livremente a vida em favor daqueles que O crucificam.

    Evangelho: Mateus 20, 17-28

    Naquele tempo, 17*ao subir a Jerusalém, pelo caminho, Jesus chamou à parte os Doze e disse-lhes: 18«Vamos subir a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos-sacerdotes e aos doutores da Lei, que o vão condenar à morte. 19Hão-de entregá-lo aos pagãos, que o vão escarnecer, açoitar e crucificar. Mas Ele ressuscitará ao terceiro dia.»

    20Aproximou-se então de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu, com os seus filhos, e prostrou-se diante dele para lhe fazer um pedido. 21 *«Que queres?» perguntou-lhe Ele. Ela respondeu: «Ordena que estes meus dois filhos se sentem um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu Reino.» 22*Jesus retorquiu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu estou para beber?» Eles responderam: «Podemos.» 23Jesus replicou-lhes: «Na verdade, bebereis o meu cálice; mas, o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence a mim concedê-lo: é para quem meu Pai o tem reservado.»

    240uvindo isto, os outros dez ficaram indignados com os dois irmãos. 25*Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. 26Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e 27quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo. 28Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão.»

    Jesus sobe a Jerusalém consciente daquilo que lá O espera. Pela terceira, vez fala aos discípulos da sua paixão. Fala claramente. Para espanto e confusão dos seus contemporâneos, identifica-se com o Filho do homem, figura celeste e gloriosa esperada para instaurar o reino escatológico de Deus, mas também se identifica com outra figura, de sinal aparentemente oposto, a do Servo sofredor. Os discípulos não conseguem compreender e aceitar tais perspectivas e preferem cultivar as de sucesso e poder (vv. 20-23). Jesus explica-lhes, mais uma vez, o sentido da sua missão e o sentido do seguimento que lhes propõe: Ele veio para «beber o cálice» (v. 22), termo que, na linguagem dos profetas, indica a punição divina a reservada aos pecadores. Quem aspira aos lugares mais elevados no Reino, terá que, como Ele, estar pronto a expiar o pecado do mundo. É mesmo o único privilégio que pode oferecer, porque não Lhe compete distribuir lugares no Reino. Ele é o Filho de Deus, mas não veio para dominar. Veio para servir como o Servo de Javé, oferecendo a sua vida em resgate para que os homens, escravos do pecado e sujeitos à morte, sejam libertados.

    Meditatio

    À mãe dos filhos de Zebedeu, que pensava que a vida vale pelos lugares que se ocupam na sociedade, pelo poder de que se dispõe, o profeta Jeremias e, sobretudo, Jesus oferecem o exemplo de uma vida gasta no serviço, por amor. Não é fácil compreender uma tal perspectiva. Jesus vê-se na necessidade de, por três vezes, preparar e anunciar aos discípulos a sua paixão, dizendo-lhes que será preso, condenado, escarnecido, crucificado. Mas eles continuam a procurar satisfazer as suas ambições. Hoje, são os filhos de Zebedeu que, por meio da mãe, tentam a sua sorte. Jesus tinha falado de humilhações. Eles pedem honras, lugares de privilégio: sentar-se «um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu Reino. (v. 21).

    Isto mostra-nos a necessidade da paixão. Só ela poderia mudar o coração do homem. Não eram suficientes palavras, mesmo que fossem as de Jesus. A paixão de Jesus revela-nos onde se encontra a verdadeira alegria, a verdadeira glória, a verdadeira vida: servir, amar como Ele, até ao sacrifício da própria vida pelos outros vistos como mais importantes do que nós mesmos. Isto pressupõe a humildade, virtude que torna verdadeiro todo o gesto de amor e o liberta de equívocos, da busca dos interesses. Foi o caminho do profeta Jeremias. Só depois de o percorrer, descobriu o seu verdadeiro significado. Por isso, gritava a Deus: «É assim que se paga o bem com o met;» (v. 20).

    Também no caminho espiritual de cada um de nós, a provação é importante para nos transformar interiormente. Depois, dela já não ambicionamos a satisfação terrena que antes procurávamos. E, se a vivemos unidos a Cristo, d ' Ele recebemos a força para realizar o bem incondicionalmente, sabendo que não se perderá, mas que, a seu tempo, dará fruto: depois da paixão e da morte, vem a ressurreição (cf. Mt 20, 18ss.). O serviço humilde, até ao fim, motivado pelo amor, conduz à vida, a glória eterna.

    O Espírito faz-nos superar o nosso egoísmo ou amor de exigência e impele-nos para o amor oblativo; faz-nos ultrapassar a busca dos interesses e comodidades pessoais, para actuar conforme a justiça em relação a cada uma das pessoas e em relação à comunidade, para não violarmos os seus direitos. O Espírito impele-nos a dar-nos aos outros, especialmente aos mais pobres e marginalizados, não só com aquilo que temos, mas também com aquilo que somos: tempo, capacidades, cultura, etc. O Espírito leva-nos à vida de amor e serviço desinteressado, mas também universal, porque deita por terra todas as barreiras de raça, de cultura, de sexo:

    "Todos os que fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Não há judeu nem grego; não há servo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo' (Gal 3, 27-28).

    Oratio

    Obrigado Senhor Jesus, porque, com doçura e firmeza nos conduziste pelo caminho da cruz. Quando nos apontas o Calvário, talvez nos escandalizemos como Pedro, talvez discutamos entre nós sobre quem é o maior, talvez Te apresentemos pedidos de privilégio e de poder. Tem paciência connosco, diz-nos e repete-nos que a verdadeira grandeza está em servir e em dar a vida pelos amigos e inimigos. Como bom pedagogo, conduz-nos pela mão pelas várias etapas, rumo à vida, à alegria eterna. Contigo saberemos passar pelas provações, beber o cálice e aguardar a recompensa que só o Pai nos destina e quer dar. O importante é aprendermos Contigo a amar e a servir até dar a vida para que todos experimentem a graça da para redenção. Amen.

    Contemplatio

    Tiago e João, filhos de Zebedeu e de Salomé, eram de Betsaida, como S. Pedro, e pescadores como ele. João tinha conhecido o Salvador junto de João Baptista no Jordão. Tinha conversado com Ele, tinha comunicado a Tiago, seu irmão. E alguns dias depois, quando estavam ocupados a consertar as suas redes, Jesus chamou um e outro, dizendo-lhes: «Vinde comigo, farei de vós pescadores de homens». Nosso Senhor já tinha chamado Pedro e André. Estes quatro ficaram os seus preferidos, os seus privilegiados.

    Tiago e João tinham um ardor exuberante. Nosso Senhor formou-os. Para os advertir dos seus defeitos, tratava-os como Boanerges, filhos do trovão. Um dia propõem a Jesus que faça cair um raio sobre toda uma cidade de Samaritanos que não tinha querido receber o Salvador e os seus. «Não sabeis de que espírito sois, diz Nosso Senhor; Deus é paciente, espera os pecadores e trata-os com misericórdia». Noutro dia os dois irmãos vêm com sua mãe pedir a Nosso Senhor o primeiro lugar no reino de Deus. «Estas honras, diz Nosso Senhor, dependem dos desígnios da Providência; mas em todo o caso, para ter um bom lugar no reino de Deus é preciso beber o cálice do sacrifício».

    Deixemo-nos formar por Nosso Senhor, como Tiago e João, os seus discípulos bem amados (Leão Dehon, OSP 3, p. 90).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «O Filho do homem veio para servir e dar a vide» (cf. Mt 20, 28).

    https://youtu.be/E34VCSkW0Lg

  • Quinta-feira - 2ª Semana da Quaresma

    Quinta-feira - 2ª Semana da Quaresma

    29 de Fevereiro, 2024

    Lectio
    Primeira leitura: Jeremias 17, 5-10

    5Isto diz o SENHOR: Maldito aquele que confia no homem e conta somente com a força humana, afastando o seu coração do SENHOR. 6Assemelha-se ao cardo do deserto; mesmo que lhe venha algum bem, não o sente, pois habita na secura do deserto, numa terra salobra, onde ninguém mora. 7Bendito o homem que confia no SENHOR, que tem no SENHOR a sua esperança. BÉ como a árvore plantada perto da água, a qual estende as raízes para a corrente; não teme quando vem o calor, e a sua folhagem fica sempre verdejante. Não a inquieta a seca de um ano e não deixará de dar fruto. 9Nada mais enganador que o coração, tantas vezes perverso: quem o pode conhecer? 10 Eu, o SENHOR, penetro os corações e sondo as entranhas, a fim de recompensar cada um pela sua conduta e pelos frutos das suas acções.

    Jeremias oferece-nos duas sentenças sapienciais. Servindo-se da contraposição, aponta claramente onde está, para o homem, a maldição cujo resultado é a morte (w. 5- 8), e onde está a bênção cujo resultado é a vida. O ímpio é aquele que, ainda antes de praticar o mal, apenas confia no que é humano e se afasta interiormente do Senhor. O resultado só pode ser a prática do mal. Aquilo em que o homem põe a sua confiança é como o terreno donde uma árvore retira o alimento. Por isso, o ímpio é comparado a um cardo do deserto que não pode dar fruto nem durar muito (v. 6). O homem piedoso também se caracteriza, em primeiro lugar, pela sua atitude de confiança diante de Deus. Por isso, é comparado a uma árvore plantada junto de um rio: não há-de morrer de sede, nem será estéril (w. 9ss.).

    Na segunda sentença, o profeta insiste na importância do «coração», centro das decisões e da afectividade do homem. Só Deus experimenta e avalia com justiça os comportamentos e os frutos de cada um dos homens, porque, só Ele conhece de verdade o coração do homem e o pode curar.

    Evangelho: Lucas 16,19-31

    19*«Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e fazia todos os dias esplêndidos banquetes. 2D*Um pobre, chamado Lázaro, jazia ao seu portão, coberto de chagas. 21Bem desejava ele saciar-se com o que caía da mesa do rico; mas eram os cães que vinham lamber-lhe as chagas. 22*Ora, o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. 23*Na morada dos mortos, achando-se em tormentos, ergueu os olhos e viu, de longe, Abraão e também Lázaro no seu seio. 24Então, ergueu a voz e disse: 'Pai Abraão, tem misericórdia de mim e envia Lázaro para molhar em água a ponta de um dedo e refrescar-me a língua, porque estou atormentado nestas chamas. ' 25Abraão respondeu-lhe: 'Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em vida, enquanto Lázaro recebeu somente males. Agora, ele é consolado, enquanto tu és atormentado. 26Além disso, entre nós e vós há um grande abismo, de modo que, se alguém pretendesse passar daqui para junto de vós, não poderia fazê-lo, nem tão-pouco vir daí para junto de nós.' 270 rico insistiu: 'Peço-te, pai, que envies Lázaro à casa do meu pai, pois tenho cinco irmãos; 28que os previna, a fim de que não venham tembém para este lugar de tormento. ' 29Disse-Ihe Abraão: 'Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam!' 30Replicou-Ihe ele: 'Não, pai Abraão; se algum dos mortos for ter com eles, hão-de arrepender-se. ' 31 *Abraão respondeu-lhe: 'Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos.

    S. Lucas recolhe, no capítulo 16 do seu evangelho, os ensinamentos de Jesus sobre as riquezas. A parábola, que hoje escutamos, ensina-nos a considerar a nossa condição actual à luz da condição eterna. A sorte pode inverter-se. E seguem algumas aplicações práticas (v. 25). Jesus fala-nos de um homem rico que «fazia todos os dias esplêndidos benquete» e de um pobre significativamente chamado Lázaro (termo que significa Deus ajuda). Atormentado pela fome e pela doença, permanece à porta do rico, à espera de alguma migalha. Os cães comovem-se com Lázaro; mas o rico permanece indiferente.

    Chega porém o dia da morte, a que ninguém escapa. E inverte-se a situação.

    Jesus levanta um pouco o véu do tempo para nos fazer entrever o banquete eterno, anunciado pelos profetas. Lázaro é conduzido pelos anjos a um lugar de honra, nesse banquete, enquanto o rico é sepultado no inferno. Do lugar dos tormentos, o rico vê Lázaro e atreve-se a pedir, por meio dele, um mínimo gesto de conforto (v. 24). Mas as opções desta vida tornam definitiva e imutável a condição eterna (v. 26). Nem o milagre da ressurreição de um morto, diz Jesus, aludindo a Si mesmo, podem sacudir um coração endurecido que se recusa a escutar o que o Senhor permanentemente ensina por meio das Escrituras (w. 27-31).

    Meditatio

    Hoje, tanto a primeira leitura como o evangelho, com imagens muito simples mas pintadas a cores fortes, nos colocam perante o facto de que é nesta vida que decidimos o nosso destino eterno, a vida ou a morte, sem outras possibilidades. Aquele que, nesta vida, põe a sua confiança nos meios humanos e nas coisas materiais e, sobretudo, aquele que se afasta do Senhor, e organiza a própria existência independentemente de Deus, é «metdlti». O apego a uma felicidade egoísta leva à cegueira, que não permite ver para além do imediato, do material. Não permite ver a Deus, nem a caducidade da nossa actual condição, como não permite ver as necessidades dos pobres que jazem à nossa porta. Aquele que confia no Senhor, reconhecendo a sua condição de criatura, dependente e amada por Ele, é «bendito», Leva no coração uma semente de eternidade que florescerá em felicidade e paz eternas. Por outro lado, a verdadeira confiança em Deus é sempre acompanhada pela solidariedade com os pobres, com pobres que o são materialmente, com os que o são espiritualmente, mas também com os doentes, com vítimas de contrariedades e opressões de qualquer espécie. Tanto Jeremias como Jesus nos ensinam tudo isto, não de modo abstracto, mas com imagens expressivas como a da árvore plantada no deserto ou junto de um rio ou como o pobre Lázaro.

    O pobre Lázaro caracteriza-se pelo silêncio, tanto diante das provações da vida como diante da falta de atenção daqueles de quem esperava ajuda. Não grita contra Deus nem contra os homens. Permanece silencioso e paciente no seu sofrimento físico, psicológico e espiritual, confiando em Deus. Finalmente surge a morte e tudo se transforma. Levado pelos anjos para o seio de Abraão, continua em silêncio. No seu rosto, primeiro sereno e confiante, e agora glorioso, transparece outro Rosto, o de Jesus, que se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza. Sendo de condição divina, por nosso amor, assumiu a condição humana, para que pudéssemos participar da sua condição divina. Sendo rico fez-Se pobre, homem pobre, para que todos pudéssemos participar da sua riqueza.

    A nossa confiança em Deus leva-nos a solidarizar-nos com o amor de Jesus por todos os homens, um "amor que salva". Como Ele, queremos estar presentes e actuantes junto de todos os lázaros desta humanidade de que somos parte. Queremos viver e actuar unidos "no seu amor pelo Pai e pelos homens" (Cst 17), especialmente pelos "pequenos" e pelos "pobres" (Cst 28), porque "Cristo se identificou" com eles (Cst 28; cf. Mt 25, 40). Esta é a primeira, boa nova (cf. lc 4, 19) porque os quer libertar da sua opressão, sofrimento, pobreza. Porque os quer felizes, é para eles a primeira bem-aventurança: "Bem-aventurados os pobres, porque deles é o Reino de Deus' (Lc 6, 20) e o Reino de Deus é, antes de mais, Jesus pequeno e pobre, que quer elevar todos "os pequenos ... os pobres" (Cst. 28) a "pobres em espírito' (Mt 5, 3), onde a pobreza nem sequer já é uma desgraça, onde, mais do que a carência de bens materiais, é realçada a mansidão e a humildade de coração, a confiança, o abandono à vontade de Deus, dando espaço a Jesus, para que viva a Sua pobreza na nossa pobreza.

    Oratio

    Senhor Jesus, que sendo rico Te fizeste pobre por nosso amor, para nos tornar participantes da tua riqueza, dá-nos um coração de pobre que confie apenas em Ti e saiba ser solidário com todos os lázaros desta pobre humanidade. Que jamais caiamos na tentação de cortar relações com eles nesta vida terrena, para que possamos tê-Ias, com eles e Contigo, na vida eterna.

    Durante esta Quaresma, queremos colocar-nos entre os pobres e pecadores, não para sermos coniventes e cúmplices no pecado, mas para sentirmos verdadeira necessidade da tua graça, e caminharmos para Ti certos de que seremos libertados das nossas culpas. Confiamos em Ti, Senhor, jamais seremos confundidos. Amen.

    Contemplatio

    Quem vem? É o rico herdeiro de seu Pai, que vem despojar-se para nos enriquecer. - «Vós sabeis, diz S. Paulo, qual é a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que sendo rico, se fez pobre por amor de nós, para que nos tornássemos ricos pela sua pobreza» (2Cor 8).

    Senhor, sou um pobre mendigo todo coberto de úlceras, como este Lázaro que descrevestes no Evangelho (Lc 16). Esperava à porta do mau rico e teria sido feliz por receber os restos ou as migalhas do festim.

    Mas eu sou mais feliz do que Lázaro, porque me dirijo a um bom rico, a um rico, cujo Coração está repleto de misericórdia e de generosidade. Vós sois este rico. Diante do tabernáculo, estou à vossa porta. Não são apenas as migalhas que me dareis. Ofereceis-me todo o tesouro dos vossos méritos. Despojastes-vos para me enriquecerdes, tudo sacrificastes por mim. Desposastes a pobreza, a humildade, os desprezos, os sofrimentos, para pagardes todas as minhas dívidas e para me enriquecerdes com os vossos sacrifícios.

    Que vos darei, Senhor, por esta infinita bondade do vosso Coração? Irei ter convosco com toda a confiança, é o que pedis de mim. Esperais-me para me cumulardes com os vossos benefícios (leão Dehon, OSP 3, p. 647).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Bendito o homem que confia no SENHOR,

    que tem no SENHOR a sua esperança (Jer 17, 7).

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