Week of Ago 7th

  • XIX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    8 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 1, 2-5.24-28

    2No quinto dia do mês - era o quinto ano do cativeiro do rei Joiaquin - 3a palavra de Deus foi dirigida a Ezequiel, filho do sacerdote Buzi, na Caldeia, nas margens do rio Cabar, e a mão do Senhor estava sobre ele. 4Olhando vi que do norte soprava um vento fortíssimo: uma nuvem espessa acompanhada de um clarão e uma massa de fogo resplandecente à volta; no meio dela, via-se algo semelhante ao aspecto de um metal resplandecente. 5E ao centro, distinguia-se a imagem de quatro seres viventes, todos com aspecto humano. 24Eu escutava o ruído das asas como o barulho das grandes torrentes, como a voz do Omnipotente, quando eles avançavam, ou como o ruído do campo de batalha; quando paravam, as asas baixavam. 25E, por cima da abóbada, que ficava sobre as suas cabeças, fazia-se um grande ruído; quando paravam, as asas baixavam. 26Pela parte de cima da abóbada, que ficava sobre as suas cabeças, estava uma coisa semelhante a pedra de safira, em forma de trono, e sobre esta espécie de trono, no alto, pela parte de cima, um ser com aspecto humano. 27E verifiquei que, do que parecia ser da cintura para cima, tinha como que um brilho vermelho, algo como fogo, à sua volta; e da cintura para baixo, vi como que fogo, espalhando um clarão à sua volta. 28O esplendor à sua volta parecia o arco-íris que aparece nas nuvens nos dias de chuva. Era algo que tinha o aspecto da glória do Senhor. Contemplei e prostrei-me com o rosto por terra. E ouvi uma voz que falava.

    Ezequiel aparece entre os primeiros exilados para Babilónia, por Nabucodonosor, no ano 597 a. C. Aí vive e escuta o chamamento para a missão profética. O nosso texto apresenta-nos a teofania em que Deus se revela e manifesta a sua «glória» (v. 28) ao profeta. Com imagens espectaculares, muito fora do nosso modo de pensar e de dizer, Ezequiel refere a sua experiência de Deus, junto do rio Cabar. A «glória» de Deus transfere-se do templo de Jerusalém para junto dos desterrados. Deus não é propriedade de um povo, não está eternamente ligado nem ao templo nem à terra prometida, como provavelmente pensava o povo de Israel. Deus é força, é luz... Os «seres viventes» (vv 5ss.) significam algumas prerrogativas divinas: a inteligência, a força, o poder, a rapidez. A tradição cristã medieval verá essas imagens, retomados no Apocalipse, símbolos dos quatro evangelistas.
    Deus manifesta-se onde está o homem, onde está o povo, mesmo no exílio. Revela-se com «com aspecto humano» (v. 26), como que a dizer que está próximo dos homens, que tem um rosto, um coração... Ezequiel convida a ver a presença e a acção de Deus nas vicissitudes da história dos homens. Onde tudo parece ruína, Ele está presente para salvar, para libertar o homem.
    Ao ver a glória de Deus, Ezequiel cai «com o rosto por terra» (v. 28), manifestando consciência de estar na presença de Deus.

    Evangelho: Mateus 17, 22-27

    Naquele tempo, 22estando os discípulos reunidos na Galileia, Jesus disse-lhes: «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens, 23que o matarão; mas, ao terceiro dia, ressuscitará.» E eles ficaram profundamente consternados. 24Entrando em Cafarnaúm, aproximaram-se de Pedro os cobradores do imposto do templo e disseram-lhe: «O vosso Mestre não paga o imposto?» 25Ele respondeu: «Paga, sim». Quando chegou a casa, Jesus antecipou-se, dizendo: «Simão, que te parece? De quem recebem os reis da terra impostos e contribuições? Dos seus filhos, ou dos estranhos?» 26E como ele respondesse: «Dos estranhos», Jesus disse-lhe: «Então, os filhos estão isentos. 27No entanto, para não os escandalizarmos, vai ao mar, deita o anzol, apanha o primeiro peixe que nele cair, abre-lhe a boca e encontrarás lá um estáter. Toma-o e dá-lho por mim e por ti.»

    Na primeira parte do nosso texto, a paixão paira sobre Jesus como algo próximo e inevitável. Jesus vê agora, não com os olhos do «eu» pessoal, que tem de se inclinar perante uma vontade superior (cf Mt 16, 21-27), mas com os olhos do Filho do homem para quem nada está oculto. Um só dos verbos, utilizados nesta parte, está na voz activa: o matarão (v. 23). Todos os outros estão na voz passiva: «ser entregue» (v. 22) nas mãos dos homens (em geral), nas mãos «dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei» (16, 21), isto é, das instituições religiosas hebraicas; «será ressuscitado» (talvez seja melhor traduzir assim do que «ressuscitará»- v. 23), indica a esperança de Jesus na acção do Pai.
    Jesus sabe para onde caminha. O seu destino está anunciado nas antigas profecias. Fala de Si como «Filho do homem», representante do povo dos santos que, depois da perseguição, há-de receber todo o poder (Dn 7): «Todo o poder me foi dado no céu e na terra», dirá o Ressuscitado (Mt 28, 18). A paixão, entrega na mão de todos os homens, torna-se entrega nas mãos do Pai, manifestação da sua glorificação.
    A segunda parte do texto evangélico refere um episódio relacionado com a questão do pagamento do imposto do templo. Em Mt 22, 15-22 surgirá a questão do pagamento de impostos aos dominadores pagãos, problema que continuará a afligir a comunidade cristã (cf. Rm 13, 6s.). Tem de pagar imposto para o templo quem é «maior que o templo»? (cf. Mt 12, 6), quem é «o Filho de Deus vivo»? (16, 18). Paga para não escandalizar. A hora da reedificação do novo templo ainda não chegou.

    Meditatio

    Iniciamos a leitura do livro do profeta Ezequiel, um homem que teve impressionantes visões de Deus. Hoje, escutamos a primeira dessas visões, em que o profeta recebeu a vocação. Mais uma vez, verificamos que a vocação profética está ligada a uma forte experiência de Deus. Tudo acontece durante uma grandiosa teofania, junto ao rio Cabar, a sul de Babilónia. O profeta começa por ver quatro seres misteriosos e, depois, no firmamento, a «glória do Senhor» (v. 28). Tomado de um temor sagrado, cai por terra, e ouve «a palavra de Deus» (v. 3), que «tem a mão sobre ele» (v. 3).
    Se nos lembrarmos da narrativa da vocação de Isaías (Is 6), verificamos semelhanças e diferenças com a de Ezequiel. Isaías vê Javé sentado num trono, no interior do templo, casa de Deus, rodeado de serafins que O aclamam, dizendo: «Santo, santo, santo...» (v. 3). Deus revela-se a Isaías no templo, que é a sua casa, e em Jerusalém, que é a cidade santa. Mas, a Ezequiel, revela-se em terra pagã, mostrando que a sua presença não está condicionado a um lugar consagrado, à terra santa. Deus pode manifestar-se em qualquer lugar, onde estiver o homem, particularmente o que sofre, mesmo em terra pagã. Isto constitui uma grande novidade para a mentalidade hebraica. Mas há mais: enqu
    anto a visão de Isaías é estática - Deus está sentado num trono, no templo - a de Ezequiel é dinâmica: «Olhando vi que do norte soprava um vento fortíssimo: uma nuvem espessa acompanhada de um clarão e uma massa de fogo resplandecente à volta; no meio dela, via-se algo semelhante ao aspecto de um metal resplandecente» (v. 4). Que há de mais dinâmico que uma trovoada? Num resplendor de fogo, Ezequiel, além dos quatro animais, vê também rodas que podem mover-se em quatro direcções, isto é, para todo o lado (cf. Ez 1, 15-20). Mas a leitura de hoje ainda fala de mais movimentos: «Eu escutava o ruído das asas como o barulho das grandes torrentes, como a voz do Omnipotente, quando eles avançavam, ou como o ruído do campo de batalha; quando paravam, as asas baixavam.» (v. 24).
    A experiência do exílio não trouxe só desgraças. Trouxe também graças espirituais, particularmente uma revelação mais profunda de Deus. Os hebreus passaram a ver a Deus, não apenas como divindade da Terra santa, donde não se movia, que não se podia encontrar noutro lado, mas como Deus de todos os povos. Depois do exílio o universalismo bíblico cresceu notavelmente. Nas nossas provações, também não faltam graças, que havemos de acolher com gratidão e alegria. Quando vivemos os sofrimentos da vida unidos a Cristo, crescemos na confiança em Deus, na comunhão com Ele, e tornamo-nos mais solidários com os que sofrem. «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo: "Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja" (Col 1,24) (Cst 24).
    Hoje, pela segunda vez, Jesus anuncia a sua paixão «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens» (v. 22). Vai «ser entregue» por Judas, pelos chefes do povo, pelo Pai. Ele mesmo se entrega «nas mãos dos homens» (v. 22). Todos podem acolher o dom que Jesus faz de se Si mesmo. Jesus tem consciência do que está para acontecer, e não tenta escapar. Sabe que é o Filho isento e livre, mas aceita pagar o tributo do escravo. Sabe que, fazendo assim, nos liberta de sermos como que "estranhos" a Deus, nos faz filhos de Deus, e nos isenta de qualquer dívida a alguém, ainda que seja uma autoridade religiosa ou civil. Esta liberdade, que resulta da nova condição, de sermos filhos de Deus no Filho, não nos afasta da vida e das obrigações para com os outros. Se ainda devemos sentir-nos devedores, é da caridade e por causa da caridade, «para não os escandalizarmos» (v. 27).

    Oratio

    Senhor, meu Deus, como são complexos os teus caminhos! Revelas-Te onde, quando e como queres, porque estás em toda a parte, és desde sempre e para sempre, e sabes adaptar-te às capacidades de cada homem. Como são insondáveis os teus desígnios! No meio das maiores provações, estás connosco, e ofereces-nos os teus dons. Assim foi com o teu primeiro povo eleito, em Babilónia. Assim foi com os discípulos do teu Filho, quando se debatiam com a tempestade no mar da Galileia. Assim foi com o teu próprio Filho, quando O pescaste da morte. Assim tem sido com a tua Igreja, ao longo dos séculos, tantas vezes perseguida e massacrada.
    Faz-me compreender que queres fazer o mesmo comigo, desde que me mantenha unido a Jesus, teu Filho, Morto e Ressuscitado, vivo no meio de nós, até ao fim dos tempos. Nele, que entregámos à morte, encontramos o sentido para os nossos sofrimentos, e a liberdade, que nos permite clamar: «Abbá! Pai!». Obrigado, Senhor! Amen.

    Contemplatio

    S. Paulo dá-nos o amor de Nosso Senhor pela cruz como um exemplo e um encorajamento nas nossas provas: Nosso Senhor pegou na cruz com alegria (proposito sibi gaudio), desprezando as humilhações (Heb 12). Levava a cruz considerando os motivos que podiam autorizá-lo a encontrar nela alegria. Estes motivos eram, com a alegria que daí derivava para o seu Pai, o avanço da obra da nossa redenção. Cada passo que dava no caminho do Calvário, pagava uma parte da nossa dívida e quebrava um anel da nossa cadeia. Como é que não se teria alegrado, se nos amava? Era somente sobre a cruz que devia ter acabado de pagar a nossa dívida. Era lá que devia rasgar e pregar o documento dos nossos compromissos (Col 2,14).
    A cada passo que dava neste caminho, as potências das trevas recuavam. Avançava para a vitória definitiva do Calvário, como não teria estado alegre e triunfante? «Avança com confiança, diz S. Paulo, triunfando em si mesmo, porque despoja os principados e as potências do inferno» (Col 2,15).
    Se o amamos, se desejamos avançar o reino do seu Coração, se queremos fazer recuar o demónio, apagar os nossos pecados, enriquecer-nos com graças e contribuir para a salvação das almas, para a libertação dos defuntos que expiam, levemos generosamente a nossa cruz quotidiana. A nossa cruz, é a de Nosso Senhor da qual nos deixou uma pequena parte, para que possamos provar-lhe o nosso amor e participar na sua glória: «Completo o que falta à Paixão de Cristo», diz S. Paulo (Col 1,24).
    Regozijai-vos, portanto, no Senhor, mesmo no tempo da provação e do sofrimento. Porque estas são as verdadeiras causas de uma verdadeira e santa alegria. Os sacrifícios e os sofrimentos são outros tantos passos que nos conduzem ao nosso fim, que nos tornam semelhantes a Nosso Senhor e que nos aproximam do seu Coração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 248).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens; mas, ao
    terceiro dia, ressuscitará» (Mt 17, 22-23)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    9 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 2, 8-3,4

    Eis o que diz o Senhor: 8«Tu, filho de homem, escuta o que te digo. Não sejas rebelde como aquela gente rebelde. Abre a boca e come o que te vou dar.» 9Olhei e vi uma espécie de mão que se dirigia para mim, segurando um manuscrito enrolado. 10Abriu-o diante de mim: estava escrito nas duas faces; e lia-se: «Lamentações, gemidos e choros.»
    1Disse-me: «Filho de homem, come aquilo que te é apresentado, come este manuscrito e vai falar à casa de Israel.» 2Abri então a boca e Ele deu-me o manuscrito a comer. 3E disse-me: «Filho de homem, alimenta-te e sacia-te com este manuscrito que agora te dou.» Comi-o e ele foi, na minha boca, doce como o mel. 4Então, disse-me: «Filho de homem, dirige-te à casa de Israel, e leva-lhes as minhas palavras.

    O sacerdote Ezequiel, que caíra de rosto por terra, fulminado pela glória de Javé, ergue-se, agora, em virtude da força do Espírito que nele entrou. De pé, consciente das suas faculdades, escuta três palavras de Deus: «Filho de homem» (v. 8), «vai falar» (3, 1), «à casa de Israel» (3, 1). O apelativo «Filho de homem» está cheio de sentido da transcendência divina, que Ezequiel experimenta fortemente, na sua fragilidade. O carisma profético é um dom absolutamente gratuito de Deus. Jesus usará o mesmo apelativo, «Filho de homem», para indicar o modo de estar connosco e de estar diante de Deus.
    Como aconteceu com outros grandes profetas, uma acção simbólica mostra como a palavra de Deus está na boca de um homem. Enquanto os lábios de Isaías foram purificados com uma brasa (cf. Is 6, 3-7), enquanto Deus introduziu a sua linguagem na garganta de Jeremias (cf. Jr 1, 9), agora dá-a num livro a Ezequiel, que já vive na civilização da escrita. Ezequiel come essa palavra, digere-a, assimila a vontade divina. Essa vontade revela-se na palavra divina, mas também na visão que o profeta tem das realidades. Para comunicar a palavra de Deus é preciso, primeiro, alimentar-se dela (3, 3).
    Em Ezequiel, o profetismo dá um passo em frente: o profeta não é chamado a "repetir" a palavra de Deus, mas a "repropor" o que recebeu d´Ele, a "repensar" a "traduzir" por palavras suas, a palavra de Deus. Só assim a mensagem divina pode chegar aos homens numa linguagem que eles entendam.
    A mensagem divina, que Ezequiel é chamado a comunicar, é muito vasta (cf. 2, 9b) e dolorosa: «Lamentações, gemidos e choros» (v. 10). Tira todas as ilusões àqueles que pensavem que Jerusalém, apesar de enfraquecida, havia de resistir aos invasores caldeus. Mas, para além da cólera de Deus, há-de manifestar-se a sua imensa misericórdia.

    Evangelho: Mateus 18, 1-5.10.12-14

    1Naquela hora, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: «Quem é o maior no Reino do Céu?» 2Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles 3e disse: «Em verdade vos digo: Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. 4Quem, pois, se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu. 5Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe.» 10«Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus anjos, no Céu, vêem constantemente a face de meu Pai que está no Céu. 12Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? 13E, se chegar a encontrá-la, em verdade vos digo: alegra-se mais com ela do que com as noventa e nove que não se tresmalharam. 14Assim também é da vontade de vosso Pai que está no Céu que não se perca um só destes pequeninos.»

    O c. 18 contém o quarto discurso, dos cinco à volta dos quais gira o evangelho de Mateus. É o "Discurso eclesial", no qual Jesus traça as características fundamentais da comunidade dos discípulos. Estes revelam a mentalidade comum, a daqueles que vêem a vida em sociedade como uma permanente tentativa de subir, mesmo à custa dos outros, para ocupar os lugares cimeiros, os postos de comando. É nesse contesto que interrogam Jesus: «Quem é o maior no Reino do Céu?» (v. 1). Jesus mostra-lhes o que realmente tem mais valor diante de Deus e ensina uma nova forma de vivência em comunidade. Como os antigos profetas, faz um gesto (o de colocar no centro uma criança), cujo sentido depois revela. Jesus recolhe a ideia da inversão das sortes no reino futuro, já amadurecida no rabinismo: põe no centro, não um adulto, ou uma pessoa tida por importante, mas uma criança. A criança precisa de tudo, depende dos grandes; é a «ovelhinha tresmalhada», que o pastor procura e cuida «mais do que as noventa e nove que não se tresmalharam» (v. 13). O discípulo deve ser como a criança, isto é, converter-se mudar de mentalidade e de comportamento. Deve saber "abaixar-se" e não tentar empoleirar-se nos primeiros lugares. O discípulo deve também acolher os pequeninos e não os desprezar, porque têm a dignidade do Senhor, são seu sacramento (v. 5). Há que procurá-los, para que nenhum se perca.

    Meditatio

    A primeira leitura sugere que, se queremos ser válidas testemunhas de Deus, precisamos de nos alimentar da sua Palavra. Ezequiel transmite-nos esta mensagem com uma espécie de parábola: Deus «disse-me: «... come aquilo que te é apresentado, come este manuscrito e vai falar à casa de Israel.» ... Deu-me o manuscrito a comer... Comi-o...Então, disse-me: «... dirige-te à casa de Israel, e leva-lhes as minhas palavras» (cf. 3, 1-4). Para levar a mensagem divina ao coração das pessoas, não é suficiente conhecê-la só com a inteligência. Precisamos de nos alimentar com ela, de a meditar, de a rezar. Precisamos de mastigar, de ruminar, a Palavra de Deus. Precisamos que ela passe da mente e do coração à nossa vida. Só então, está plenamente assimilada. Só então podemos pregá-la, testemunhá-la com eficácia.
    É um privilégio, uma graça, poder meditar a palavra, saboreá-la, contemplar a sua beleza, a sua profundidade: «na minha boca, foi doce como o mel», escreve o profeta (v. 3). O Apocalipse acrescente que a Palavra, doce como o mel na boca, se torna amarga nas entranhas (10, 9), pois leva consigo exigências nem sempre fáceis de cumprir, especialmente o testemunho, que exige esforço e, muitas vezes, sofrimento. No rolo oferecido ao profeta, estavam escritos «Lamentações, gemidos e choros» (v. 10). A Palavra de Deus, doce na boca, e amarga nas entranhas, transmite a plenitude da alegria e da vida.
    Na comunidade, o testemunho da Palavra há-de passar, sobretudo, pelo testemunho de uma vida sem pretensões, uma vida semelhante à das crianças, que aceitam a sua pequenez, a sua impotência perante a vida, a necessidade que t&eci
    rc;m dos outros, particularmente dos pais. O melhor testemunho é o da simplicidade e o do serviço humilde. Mas ambos são fruto da alegria de sermos, e nos sentirmos, filhos de Deus (Mt 5, 3s.; 11, 25). A missão pode e deve ser realizada já pela simples presença e pelo testemunho vivo da vida cristã, isto é, de uma vida à imagem da de Cristo que sendo «o Primeiro» (Cl 1, 18), se fez o último, o servo de todos.

    Oratio

    Senhor, como estou longe da simplicidade e da humildade que recomendas aos teus discípulos! Gosto de mandar, de submeter os outros à minha vontade, de ser o primeiro. Toma-me nos teus braços, no teu Coração, para que aprenda a ser como as crianças na minha relação Contigo e com os meus irmãos. Que eu saiba abandonar-me, entregar-me confiantemente a Ti; que eu saiba colocar-me no meu lugar, para servir com simplicidade e com amor os meus irmãos. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor amava também a simplicidade dos seus discípulos. Não era eu próprio, pode Jesus dizer-nos, de uma grande simplicidade com os meus apóstolos, para os encorajar a fazerem o mesmo. Vivia com eles familiarmente, tomando parte em todos os pormenores da sua vida: orações, refeições, conversas, repouso; interessando-me pelas suas alegrias e pelas suas mágoas. Chamei-os meus amigos, e disse-lhes o motivo, é que um amigo diz tudo aos seus amigos.
    O que eu fui com eles, quero sê-lo com os meus discípulos de todos os tempos, quero sê-lo convosco.
    Examinai-vos agora sobre a vossa maneira de agir comigo. Viestes a mim habitualmente com simplicidade? Tendes sido para mim o que um amigo é pelo seu amigo?
    Vós, sobretudo, que sois consagrados ao meu Coração, não deveis imitar mais particularmente a simplicidade confiante dos meus amigos, de Madalena, que se conservava sentada aos meus pés, de João que repousava a sua cabeça sobre o meu peito? (Leão Dehon, OSP 3, p. 46).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Come este manuscrito e vai falar à casa de Israel» (Ez 3, 1).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    10 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Quarta-feira
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 9, 1-7; 10, 18-22

    1O Senhor gritou com voz forte aos meus ouvidos, nestes termos: «Aproximai-vos, vós que guardais a cidade, cada um com o seu instrumento de destruição na mão.» 2Eis que seis homens avançaram da porta superior que dá para norte; cada um tinha na mão o seu instrumento de destruição. No meio deles havia um homem vestido de branco que tinha à cintura os apetrechos de escriba. Entraram e colocaram-se junto ao altar de bronze. 3A glória do Deus de Israel tinha-se levantado dos querubins, sobre os quais se encontrava, e dirigiu-se para a entrada do templo. Então, chamou o homem que estava vestido de branco e tinha à cintura os apetrechos de escriba. 4O Senhor disse-lhe: «Vai pela cidade, atravessa Jerusalém e marca uma cruz na fronte dos homens que gemem e se lamentam por causa das abominações que nela se praticam.» 5E aos outros ouvi-o dizer: «Ide pela cidade atrás dele e feri os seus habitantes. Que o vosso olhar não poupe ninguém nem tenha piedade. 6Velhos, jovens, virgens, meninos e mulheres, matai-os a todos e exterminai toda a gente; mas não toqueis naqueles que foram marcados na fronte. Começai pelo meu santuário.» E começaram, então, pelos velhos que estavam diante do templo. 7Depois disse-lhes: «Profanai o templo, enchei de mortos o vestíbulo e saí.» Depois, eles saíram e feriram os que estavam na cidade. 18Saiu, então, da soleira do templo a glória do Senhor e colocou-se sobre os querubins. 19Os querubins estenderam as asas e elevaram-se da terra, à minha vista, quando saíram, e as rodas juntamente com eles.Pararam à entrada da porta oriental do templo do Senhor, e a glória do Deus de Israel estava sobre eles, pelo lado de cima. 20Eram os seres viventes que eu tinha visto sob o Deus de Israel, junto ao rio Cabar, e reconheci que eram querubins. 21Cada um tinha quatro faces e cada um tinha quatro asas; e havia sob as suas asas algo como mãos humanas. 22Quanto ao aspecto das suas faces, eram semelhantes às que eu tinha visto junto do rio Cabar. Cada um seguia direito diante de si.

    Ezequiel dirige-se aos exilados, pintando, com tons dramáticos, a destruição de Jerusalém e do templo, que eles julgavam salvaguardados pela presença do Senhor. Assim acaba também com as suas vãs esperanças de regresso. O profeta testemunha os desacatos e as profanações realizadas no templo e, depois, a condenação da cidade, mas também a salvação dos que permaneceram fiéis.
    O castigo da cidade pecadora começa com a acção dos sete seres misteriosos, que percorrem a cidade para exterminar os pecadores, a começar pelos ansiãos do templo. Segundo o princípio da retribuição pessoal (cf. c. 18), cada um é tratado pelo que é e pelo que faz. Mas não é Deus que pune! São os acontecimentos humanos que recaiem sobre quem os provoca. Deus salva quem permaneceu fiel à Lei (Torah), apesar dos sofrimentos por que passam, devidos à maldade e à violência. São assinalados pela letra "T" (Tau), a primeira de "Torah", e preservados da desgraça. São tantos os mortos, que chegam a contaminar o interior do templo, obrigando a «glória de Deus» a afastar-se de um lugar tornado impuro, e a sair porta oriental, a mesma por onde sairam os exilados. Mas, Deus acaba por se revelar como salvador dos que escutam a sua palavra e levam impresso no corpo o sinal de a terem escutado, isto é, o "T" de "Torah", mesmo em terra estrangeira.

    Evangelho: Mateus 18, 15-20

    Naquele tempo, disse Jesus aos discípulos: 15«Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão. 16Se não te der ouvidos, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. 17Se ele se recusar a ouvi-las, comunica-o à Igreja; e, se ele se recusar a atender à própria Igreja, seja para ti como um pagão ou um cobrador de impostos. 18Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na Terra será desligado no Céu.» 19«Digo-vos ainda: Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedir qualquer coisa, hão-de obtê-la de meu Pai que está no Céu. 20Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles.»

    Jesus continua a tratar das relações dos discípulos com os irmãos, isto é, os pequenos, os pecadores, os colaboradores. A questão central, hoje, é a seguinte: como deve a comunidade cristã comportar-se perante o pecado e o escândalo (18, 3-11), e perante o pecador?
    Mateus já convidou à misericórdia, ao contar a parábola da ovelha tresmalhada. Agora, apresenta um itinerário que leva ao perdão: aproximar do pecador, a sós (v. 15); repreendê-lo diante de duas ou três testemunhas (v. 16); interpelá-lo na assembleia (v. 17). Jesus confere aos seus discípulos um poder especial, para realizar esta pedagogia (v. 18).
    O irmão só pode ser condenado quando teimar permanecer no mal, recusando a conversão e o perdão (vv. 15-17). Nesse caso, Deus ractifica o agir da Igreja.
    A correcção fraterna deve ser realizada, com extrema delicada e espírito fraterno, num ambiente de união e de oração, que garante a presença do Ressuscitado.

    Meditatio

    Mais uma vez, Ezequiel contempla a «glória de Deus», como acontecera no dia do seu chamamento à vida profética (Ez 1). O cenário da teofania, desta vez, é o templo de Jerusalém. Mas a «glória de Deus» está de partida: «A glória do Deus de Israel tinha-se levantado dos querubins, sobre os quais se encontrava, e dirigiu-se para a entrada do templo» (v. 3). Quem teria pensado que Deus podia deixar o templo? Tal foi possível, diz o profeta, porque «o pecado da casa de Israel e de Judá é enorme; a terra está cheia de sangue e a cidade, de violência» (Ez 9, 9). Deus não pode mais tolerar tanta iniquidade, até para não parecer conivente com ela. Por isso, prepara-se para abandonar o templo. E vai fazê-lo pela porta que dá para o oriente, para o exílio. Vendo bem, os exilados até estão em melhor situação que os que ainda ficaram em Jerusalém e em Judá, porque têm Deus com eles. De facto, Deus é Aquele que está sempre em relação com as pessoas, onde quer que se encontrem. Não se deixa encerrar num determinado espaço, e só não pode estar com aqueles que O recusam.
    O evangelho mostra-nos uma importante condição para a presença de Deus, junto de nós: «onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (v. 20). Não está obrigatoriamente nos edifícios ou templos edificados em seu nome. Mas está onde estiverem dois ou três dos seus discípulos, reunidos em seu nome. A morada de Deus, no Novo Testamento, é, sobretudo,
    a comunidade dos crentes reunida na caridade. O edifício material é secundário.
    A comunidade, lugar da presença e da acção de Deus, deve viver reconciliada e em fraternidade. Se irmão ofende outro irmão, é preciso fazer tudo para restabelecer a comunhão. Jesus recomenda que se proceda com descrição, para «ganhar o irmão». Se o irmão resiste, deve-se procurar outra solução, a presença de algumas testemunhas. Se continuar a resistir, envolva-se a comunidade, para tentar encontrar juntos o remédio. Só quando o irmão culpado recusa toda a comunidade, pode ser abandonado à sua sorte.
    João Crisóstomo escreveu: «Sejamos muito solícitos para com os nossos irmãos. Será a maior prova da nossa fé: «Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos:se vos amardes uns aos outros» (Mt13, 35).
    «Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores» (Cst 65).

    Oratio

    «Onde estiverem dois ou três... Eu estou». Obrigado, Senhor, pela tua presença na minha comunidade. Ajuda-nos a permanecer unidos no teu amor. Ajuda-nos a ter e a conservar «um só coração e uma só alma», partilhando as alegrias e os sofrimentos, tendo particular atenção e cuidado para com os doentes, os idosos, os que estão sós, os carenciados. Que cada um de nós se torne um evangelho vivido, onde todos possam ler o teu amor, e a beleza da vida cristã. Amen.

    Contemplatio

    Deus dizia ao seu povo, em Isaías: «Não te esquecerei, inscrevi o teu nome nas minhas mãos, para o ter sempre presente» (Is 49, 16). Nosso Senhor não pode dizer também: «Marquei as minhas mãos com um sinal que me recorda sempre o vosso nome, as vossas necessidades e o meu afecto por vós?».
    Disse a Margarida Maria: «Aqueles que forem consagrados ao meu Sagrado Coração terão o seu nome escrito na própria chaga deste divino Coração e nunca mais dele será apagado».
    Afeição e confiança, eis o que nos ensinam as divinas chagas. Amemos aquele que quis guardar nas suas mãos e no seu Coração os sinais do seu amor por nós. Remetamo-nos com confiança nas mãos daquele que marcou as suas mãos com este sinal de amor.
    Podemos também inspirar-nos numa passagem do profeta Zacarias. «Que chagas são essas que tendes nas mãos?», pergunta o profeta ao Salvador, e responde: «Recebi-as na casa dos meus amigos». O Salvador é ferido espiritualmente por aqueles mesmos que deviam ser seus amigos. Disse-o muitas vezes a Margarida Maria, mostrando-se a ela coberto de chagas e pedindo-lhe reparação.
    As chagas do bom Mestre pedem-nos reparação pelos pecados do mundo e pela ingratidão do povo escolhido. Beijemos as suas chagas, façamos-lhe pública retractação e reparação, e pelas nossas orações mudemos as suas chagas em fontes de graças para estas almas ingratas. (Leão Dehon, OSP 3, p. 389).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome,
    Eu estou no meio deles» (Mt 18, 20)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    11 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Quinta-feira
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 12, 1-12

    1O Senhor dirigiu-me a palavra nestes termos: 2«Filho de homem, tu moras no meio desta raça de gente rebelde que tem olhos para ver e não vê, ouvidos para ouvir e não ouve; porque são gente rebelde. 3Tu, filho de homem, prepara a tua bagagem de emigrante e sai de dia, à vista deles. Sai do lugar onde te encontras, para outro lugar à vista deles. Talvez eles vejam; porque são gente rebelde. 4Prepararás as tuas coisas como bagagem de exilado, de dia, à vista deles; e sairás à tarde, à vista deles, como saem os exilados. 5Faz um buraco na parede, à vista deles, e sai através dele. 6À vista deles, põe a bagagem aos ombros e sai na obscuridade. Cobre o rosto para não poderes ver o país, porque Eu faço de ti um símbolo para a casa de Israel.» 7Procedi conforme me foi ordenado; preparei as minhas coisas como bagagem de exilado e, à tarde, fiz um buraco na parede com a mão. Saí na obscuridade e carreguei a bagagem, à vista deles. 8Foi-me dirigida a palavra do Senhor, de manhã, nestes termos: 9«Filho de homem, não te perguntou a casa de Israel, a gente rebelde: 'Que fazes?' 10Responde-lhes: Assim fala o Senhor Deus: 'Este oráculo de ameaça é dirigido ao chefe de Jerusalém e a toda a casa de Israel que nela habita.' 11Diz: 'Eu sou para vós um sinal. Como eu fiz, assim vos será feito.' Eles irão para o exílio, para o cativeiro. 12O príncipe que se encontra no meio deles carregará a bagagem ao ombro, na obscuridade, e sairá pelo muro, no qual será feito um buraco. Ele cobrirá o rosto para não ser visto por ninguém nem poder contemplar o país.

    A visão do êxodo da glória do Senhor tinha tranquilizado o povo cativo em Babilónia que, todavia, continuava dominado pela ideia de uma especial presença de Javé no templo e, por conseguinte, da sua imunidade. Ainda que os tivesse acompanhado para o exílio, não tinha deixado Jerusalém e, em breve, os acompanharia de volta à pátria. Mas, Ezequiel, com uma acção simbólica, volta a anunciar o próximo fim de Jerusalém, e a deportação do resto do povo para a Mesopotâmia. Realiza a sua acção diante dos seus olhos, mas eles não vêem, porque são uma «raça de gente rebelde» (v. 2). Então, o profeta, carregando a bagagem de exilado, sai, na obscuridade do entardecer, de rosto coberto para não ver nada, através de um buraco aberta na muralha da cidade. É uma acção-mensagem para o rei e para os seus concidadãos. Os versículos 11 e seguintes, talvez acrescentados mais tarde, aludem claramente aos factos históricos. Durante o último cerco a Jerusalém, o rei Sedecias tenta fugir de noite com alguns combatentes. Mas é apanhado e, depois de assistir à morte dos seus filhos, um a um, são-lhe furados os olhos. Deportado para Babilónia, lá ficou prisioneiro (2 Rs 25, 4-7). A realeza "bateu no fundo". É para aí que leva a cegueira religiosa, a presunção diante das mensagens divinas, a rebeldia contra o senhorio de Deus. Com estas palavras, Ezequiel afunda por completo as ilusões dos exilados, convidando-os a confiar, não em deuses construídos pelas mãos dos homens, mas no Deus vivo.

    Evangelho: Mateus 18, 21-19, 1

    Naquele tempo, 21Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» 22Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23Por isso, o Reino do Céu é comparável a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. 24Logo ao princípio, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. 25Não tendo com que pagar, o senhor ordenou que fosse vendido com a mulher, os filhos e todos os seus bens, a fim de pagar a dívida. 26O servo lançou-se, então, aos seus pés, dizendo: 'Concede-me um prazo e tudo te pagarei.' 27Levado pela compaixão, o senhor daquele servo mandou-o em liberdade e perdoou-lhe a dívida. 28Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários. Segurando-o, apertou-lhe o pescoço e sufocava-o, dizendo: 'Paga o que me deves!' 29O seu companheiro caiu a seus pés, suplicando: 'Concede-me um prazo que eu te pagarei.' 30Mas ele não concordou e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto lhe devia. 31Ao verem o que tinha acontecido, os outros companheiros, contristados, foram contá-lo ao seu senhor. 32O senhor mandou-o, então, chamar e disse-lhe: 'Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque assim mo suplicaste; 33não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?' 34E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos até que pagasse tudo o que devia. 35Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração.» 1Quando acabou de dizer estas palavras, Jesus partiu da Galileia e veio para a região da Judeia, na outra margem do Jordão.

    Depois de ter falado do modo como a comunidade há-de tratar os irmãos pecadores, e da necessidade de os voltar a ganhar, bem como da oração comum, trata agora do comportamento que há-de ter quem se sentir pessoalmente ofendido pelos outros. O judaísmo já conhecia o dever de perdoar as ofensas. Mas tinha elaborado uma espécie de "tarifário", que variava de escola para escola. Assim compreendemos a pergunta de Pedro a Jesus: queria saber qual era o seu tarifário, se era exigente como a escola que exigia o perdão até sete vezes (18, 21). A resposta de Jesus é dada em fórmula de parábola, que liberta o perdão de qualquer tarifa, para fazer dele o sinal da presença do Reino na terra. A parábola apresenta a figura de um rei e do seu devedor, que lhe devia dez mil talentos. Alguns pormenores evocam o juízo final: o rei, cair aos pés do rei, prostrar-se, ter piedade... A desproporção entre os dez mil talentos e os cem denários, realça as diferenças entre as concepções humanas e divinas da dívida e da justiça. Finalmente, também a pena aplicada ao servo, que durará até que tenha pago tudo, lembra o suplício eterno.
    A chave de leitura e de compreensão está no último versículo: «Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração» (v. 35). Deus perdoa-nos se também nós soubermos perdoar. Mas, enquanto a nossa capacidade de misericórdia é limitada, a de Deus é infinita. Há que aproximar da misericórdia de Deus a nossa misericórdia para com os irmãos, porque Deus é extremamente generoso connosco.

    Meditatio

    Ezequiel realiza mais uma acção simbólica, uma parábola em acção, para indicar a próxima queda de Jerusalém às mãos dos caldeus, retirando as esperanças de regre
    sso aos que já se encontram cativos em Babilónia. A pedagogia de Deus, em ordem à conversão do povo, e ao seu futuro feliz, passa pelo castigo. Mas triunfará a misericórdia.
    O evangelho também nos apresenta uma parábola narrada por Jesus, para tratar um tema que tinha muito a peito: o perdão do irmão pecador. Deus é Aquele que perdoa generosamente. A vinda de Jesus tornou claramente perceptível esse perdão. Para Mateus, toda a obra de Jesus é caracterizada pela remissão dos pecados: cura do paralítico (9, 2-7); o seu sangue é «entregue para a remissão dos pecados» (26, 28). Na cruz, Jesus reza pelos seus algozes: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34).
    O perdão de Deus, dado com toda a generosidade e misericórdia, torna-se normativo para as relações entre os discípulos: «não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?» (v. 33). A experiência do perdão de Deus há-de levar-nos a perdoar aos irmãos. O nosso comportamento com os outros deve reflectir o modo como Deus se comporta connosco. O que Ele fez por nós ensina-nos o que havemos de fazer pelos outros.
    Na doutrina de Jesus, há alguns «como» a que nem sempre damos a devida atenção: «Ama o teu próximo como a ti mesmo» (Mt 22, 39; Gl 5, 14), «como Eu vos amei» (Jo 15, 12), «como amo o Pai» (Jo 14, 31) ... O mesmo Jesus nos ensina a rezar: «perdoa as nossas ofensas,como nós perdoámos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12). Jesus não ensina que o preço para sermos perdoados é perdoar, que esse perdão é a única coisa a fazer para sermos perdoados, ou que, uma vez que perdoámos, temos direito ao perdão. O perdão de Deus não é simples eco do nosso espírito de perdão. Pelo contrário: o pensamento da grandeza do perdão de Deus deve sensibilizar o nosso coração, para agirmos de modo semelhante, e sabermos perdoar aos nossos irmãos.
    As nossas relações fraternas hão-de ser marcadas pelo amor, pela confiança e pela estima. Mas, se nos irmãos nem tudo merece estima e confiança, o amor jamais há-de faltar sob a forma de tolerância do irmão, de aceitação, de compreensão, de misericórdia e de perdão: na comunhão fraterna, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco, queremos e devemos mostrar que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus Cristo, e dela queremos ser fiéis servidores (cf. Cst 65).

    Oratio

    Senhor, nós somos os servos da parábola generosamente perdoados por Ti, mas nem sempre igualmente generosos com os irmãos que nos ofendem. Temos memória curta, e depressa esquecemos que nos perdoaste, tornando-nos credores exigentes, que querem pagamento imediato, até ao último cêntimo. Livra-nos, Pai misericordioso, de tanta arrogância e esquecimento, Tu que tanto nos perdoaste. Dá-nos um coração semelhante ao teu. Amen.

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Perdoa as nossas ofensas,
    como nós perdoámos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    12 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Sexta-feira
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 16, 1-15.60.63

    1O Senhor dirigiu-me a palavra, dizendo: 2«Filho de homem, dá a conhecer a Jerusalém as suas abominações e diz: 3Assim fala o Senhor Deus a Jerusalém: Pelas tuas origens e pelo teu nascimento, és da terra do cananeu. O teu pai era amorreu e a tua mãe hitita. 4No dia em que nasceste, não te cortaram o cordão umbilical, não foste lavada em água para seres purificada, não te friccionaram com sal nem te envolveram em faixas. 5Nenhum olhar teve piedade de ti, para te fazer uma só destas coisas, por compaixão por ti; mas deitaram-te em campo aberto, por repugnância de ti, no dia em que nasceste.» 6«Passei, então, junto de ti e vi que te agitavas em teu sangue. E disse-te: 'Vive em teu sangue.' 7Fiz-te crescer como a erva dos campos; e ficaste grande; e cresceste, adquiriste uma beleza perfeita; os teus seios formaram-se e chegaste à puberdade; mas tu estavas nua, completamente nua. 8Então, passei de novo perto de ti e vi-te; e eis que o teu tempo era o tempo dos amores. Estendi sobre ti a ponta do meu manto e cobri a tua nudez. Fiz, então, um juramento e estabeleci contigo uma aliança - oráculo do Senhor Deus. E ficaste a ser minha. 9Banhei-te em água, lavei o sangue que te cobria e ungi-te com azeite. 10Vesti-te com vestes bordadas, calcei-te sandálias de cabedal fino, cingi-te a cabeça com um véu de linho e cobri-te de seda. 11Ornei-te de jóias, pus-te braceletes nos pulsos e um colar ao pescoço. 12Coloquei-te um anel no nariz, brincos nas orelhas e uma coroa de ouro na cabeça. 13Ficaste, assim, ornada de ouro e prata; o teu vestido era de linho fino, de seda e recamado de bordados. Como alimento, tinhas a flor de farinha, o mel e o azeite. Tornaste-te extraordinariamente bela e chegaste à dignidade real. 14O teu nome espalhou-se entre as nações, graças à tua beleza; porque ela era perfeita, por causa do esplendor de que Eu te havia adornado» - oráculo do Senhor Deus. 15«Mas tu confiaste na tua beleza; serviste-te da tua fama para te prostituíres com os que passavam. 60Eu, pelo contrário, lembrar-me-ei da aliança que fiz contigo, no tempo da tua juventude e estabelecerei contigo uma aliança eterna, 63a fim de que te lembres de mim e sintas vergonha, e não abras mais a boca no meio da tua confusão, quando Eu te perdoar tudo o que fizeste» - oráculo do Senhor Deus.

    Ezequiel, com pormenores e com um realismo que ultrapassam o bom gosto, e dando mostras de um sadismo quase mórbido, relata, alegoricamente, a história de Jerusalém na qual tinham posto todas as esperanças, quer os seus habitantes, quer os exilados. É uma sintética e profunda meditação sobre a história da cidade e da sua visão da instauração do reino de Deus no mundo, em estilo midráshico. Serve-se do simbolismo do matrimónio, tão ao gosto dos profetas, para falar da relação entre Deus e o seu povo.
    Na sua origem, Jerusalém era como uma menina abandonada pelos pais e privada de tudo. Quando os hebreus ocupam a Palestina, não se interessam por Jerusalém. Só com David o Senhor entrou na cidade, fazendo dela sua esposa (vv. 8-13) e beneficiária da glória inaudita do reino de Salomão (cf. v. 14).
    Mas, encantada consigo mesma, Jerusalém quebra o pacto de amor com Deus, tornando-se como uma prostituta: «serviste-te da tua fama para te prostituíres com os que passavam» (v. 59). Nenhuma outra cidade conhecera o amor de Deus como Jerusalém o conheceu. Por isso, será castigada como se castiga uma adúltera, e de modo mais pesado do que foi castigada Sodoma e outras cidades pagãs (vv. 35-52, que não foram incluídos no texto litúrgico). Mas Deus continua a amar a esposa infiel, e prepara-lhe um futuro de conversão e de regresso a Ele. Uma nova aliança será selada por Deus em favor do seu povo.

    Evangelho: Mateus 19, 3-12

    3Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns fariseus para O porem à prova e disseram-lhe: «É permitido a um homem divorciar-se da sua mulher por qualquer motivo?» 4Ele respondeu: «Não lestes que o Criador, desde o princípio, fê-los homem e mulher, 5e disse: Por isso, o homem deixará o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e serão os dois um só? 6Portanto, já não são dois, mas um só. Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem.» 7Eles, porém, objectaram: «Então, porque é que Moisés preceituou dar-lhe carta de divórcio, ao repudiá-la?» 8Respondeu Jesus: «Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assim. 9Ora Eu digo-vos: Se alguém se divorciar da sua mulher - excepto em caso de união ilegal - e casar com outra, comete adultério.» 10Os discípulos disseram-lhe: «Se é essa a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se!» 11Respondeu-lhes Jesus: «Nem todos compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado. 12Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos pela interferência dos homens e há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos, por amor do Reino do Céu. Quem puder compreender, compreenda.»

    As discussões sobre o divórcio são mais velhas que o Evangelho, e tão antigas como o homem. No tempo de Jesus, a questão era polarizada por duas escolas: a representada pelo rabino Hillel, permissiva, era do parecer que um homem, que encontrasse uma mulher mais atraente do que a sua esposa, e tivesse problemas por causa disso, podia repudiar esta para voltar a casar com aquela. Os rigoristas, representados pela escola do rabino Shammai, entendiam que a excepção do Deuteronómio se referia unicamente ao caso de adultério. A questão, posta a Jesus pelos fariseus, não é mais do que uma cilada: querem obrigá-lo a tomar posição por uma corrente. Mas Jesus esquiva-se declarando-se contrário ao divórcio. Justifica a sua posição com dois textos da Escritura: Gn 1, 27 e 2, 24. Deus quer que marido e mulher permaneçam unidos como «uma só carne» (Mt 19, 5s.). Não separe o homem o que Deus uniu, mesmo que seja Moisés (v. 6b). O matrimónio é um contrato entre duas pessoas, é verdade. Mas, esse contrato também implica a vontade de Deus inscrita na complementaridade dos sexos. O divórcio não tem em conta uma das partes do matrimónio, o próprio Criador.
    Na segunda parte do texto, os discípulos, a sós com Jesus, manifestam perplexidade e dificuldade em assumir tão graves responsabilidades do matrimónio. Mas Jesus afirma que só a responsabilidade pela difusão do Reino dos céus torna louvável a renúncia ao matrimónio. Nem todos compreenderão as palavras de Jesus. Hão-de compreendê-las «aqueles a quem isso é dado» (v. 11). Trata-se de uma inspiração interior dada aos apóstolos e àqueles que acreditam (Mt 11, 25 e 16, 17).

    Meditatio

    Amor &
    eacute; fidelidade. Porque Deus nos ama, quer que o amemos e, portanto, vivamos na fidelidade.
    Deus ama Jerusalém gratuitamente, com um amor de compaixão. A cidade santa era como uma menina abandonada, que Deus encontrou: «Nenhum olhar teve piedade de ti» (v. 5), - diz o Senhor - «Passei, então, junto de ti e vi que te agitavas em teu sangue. E disse-te: 'Vive!'» (v. 6). Deus teve compaixão de Jerusalém, e foi generoso com ela. Ezequiel descreve os dons com que o Senhor a cumulou e, sobretudo, como a fez sua esposa: «Fiz, então, um juramento e estabeleci contigo uma aliança... E ficaste a ser minha» (v. 8). Depois, purificou-a e adornou-a: «Banhei-te em água... Vesti-te com vestes bordadas... Ornei-te de jóias» (cf. vv. 9-11). A um amor tão terno e generoso, Jerusalém respondeu com a infidelidade. Aproveita os dons do seu esposo para Lhe ser infiel, volta-se para outros deuses e viola a aliança nupcial. Deus protesta. Não pode aceitar tal ofensa. Mas promete trazer, Ele mesmo, remédio para a escandalosa situação: «Eu lembrar-me-ei da aliança que fiz contigo... e estabelecerei contigo uma aliança eterna» (v. 60). O fruto de tanta generosidade há-de ser a conversão de Jerusalém. Depois de experimentar as consequências da sua infidelidade, estará pronta para ser libertada do mal, e poderá viver um amor reconhecido.
    Jesus, interrogado sobre os motivos que podiam tornar lícito o repúdio da esposa, coloca-se acima das controvérsias dos teólogos, e, pondo em causa a autoridade de Moisés, apela para a lei da Criação: «Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assim» (v. 8). No princípio, Deus criou o homem e a mulher, e disse: «Serão os dois uma só carne» (Gn 2, 24). E Jesus acrescentou: «Não separe o homem o que Deus uniu» (Mt 19, 6). A fidelidade é essencial para o nosso bem, pois permite o crescimento permanente no amor generoso, semelhante ao do Criador. O verdadeiro remédio para as dificuldades está no amor capaz de as superar. A nossa dignidade revela-se no facto de termos sido criados para viver como Deus e com Deus, no amor fiel.
    Jesus exalta a castidade voluntária, os «eunucos» que se fizeram tais, livremente «por causa do Reino dos Céus» (Mt 19, 12), tal como Ele também Se fizera. «Pelo voto de celibato consagrado, dom de Deus para quem o compreende (cf. Mt 19,11), comprometemo-nos diante de Deus a viver a castidade perfeita no celibato pelo Reino e a seguir a Cristo no seu amor a Deus e aos irmãos e em seu modo de estar presente no meio dos homens» (Cst 41).

    Oratio

    É difícil, Senhor, compreender o que significa casar ou viver no celibato, sobretudo neste tempo em que somos bombardeados com tantos projectos e acossados por tantos "intelectuais" que pretendem ter a última palavra sobre os temas. A tua palavra, hoje, faz-nos compreender que tudo está sob o sinal da tua graça, e que precisamos da luz do teu Espírito. Manda-nos, Senhor o teu Espírito de amor generoso, de unidade e de fidelidade. Manda-O iluminar e purificar os nossos corações, os nossos sentimentos, as nossas mentes, as nossas fantasias, os nossos pequenos e grandes projectos. Manda-nos o teu Espírito, que é força para arriscar, para confiar, para realizar aquele projecto que é teu, antes de ser nosso. Amen.

    Contemplatio

    Jesus está prostrado, com o rosto por terra. Abaixa a sua majestade diante do seu Pai. Tem os olhos banhados de choros. Está tomado de uma terrível angústia, dos apertos da agonia: experimenta, uns após outros, o medo, o desgosto, o abatimento. Nunca alma humana suportou semelhante opressão. É o martírio do Coração.
    Tomou a responsabilidade de todos os crimes da terra: os sacrilégios, as blasfémias, o orgulho, a impureza, a injustiça sob todas as suas formas; as ingratidões também, a cobardia, a tibiez dos seus preferidos. A vergonha penetra-o, que repugnância a sua alma santa sente por todos estes horrores! Está na iminência de perder a vida... O sangue, acumulado à volta do seu coração divino pela violência das suas emoções, rompe as veias inchadas e inunda a terra.
    Escutemos as suas palavras: A minha alma está numa tristeza de morte, a ponto de morrer de tristeza. Permanecei aqui e vigiai comigo. Vigiai e rezai. Mas os apóstolos dormem. Que ingratidão, depois do dom da Eucaristia! Que indelicadeza! Que crueldade! Infelizmente, temos nós um coração melhor? Jesus é ainda traído na Eucaristia; é abandonado; repara; tem uma tristeza mística. Onde estamos? Que fazemos? Não somos discípulos, apóstolos, preferidos do Salvador? Onde estão o nosso reconhecimento e a nossa fidelidade? (Leão Dehon, OSP 3, p. 138).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Estabelecerei contigo uma aliança eterna» (Ez 16, 60).

     

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    13 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Sábado
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 18, 1-10.13.30-32

    1O Senhor dirigiu-me a palavra, dizendo: 2«Porque proferis este provérbio à casa de Israel: 'Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que ficaram embotados'? 3Pela minha vida, diz o Senhor Deus, não deveis repetir este provérbio em Israel. 4Todas as vidas me pertencem, tanto a vida do pai como a do filho, todas me pertencem. O que pecou é que morrerá.» 5«Se alguém é justo, observa o direito e a justiça, 6não come nos lugares altos, não levanta os olhos para os ídolos da casa de Israel, não desonra a mulher do seu próximo, não se aproxima de uma mulher durante o tempo da sua impureza; 7não oprime ninguém, restitui o que recebeu em fiança, não comete furtos, distribui pão aos famintos, cobre o nu; 8não empresta com usura e não recebe juros, afasta a mão do mal, e julga entre os homens segundo a verdade; 9se segue as minhas leis e observa os meus preceitos, tal homem é verdadeiramente justo e viverá» - oráculo do Senhor Deus. 10«Mas, se ele gera um filho violento e sanguinário e que faz alguma destas coisas que o pai não fazia. 13Empresta com usura e recebe juros, este, seguramente, não viverá. Depois de ter cometido todos estes crimes abomináveis, deverá morrer e o seu sangue cairá sobre ele.» 30«Por isso, Eu vos julgarei a cada um segundo a sua maneira de agir, casa de Israel - oráculo do Senhor Deus. Convertei-vos e afastai-vos dos vossos pecados; que não haja mais entre vós ocasião de pecado. 31Rejeitai todos os pecados que cometestes contra mim e criai um coração novo e um espírito novo. Porque quereis morrer, casa de Israel? 32Pois Eu não me comprazo com a morte de quem quer que seja - oráculo do Senhor Deus. Convertei-vos e vivei.»

    O grande tema de Ez.18 é o da «responsabilidade pessoal». Ezequiel mostra-se pastor, teólogo, sacerdote e profeta. Como que recapitula as leis do culto, as leis morais, os ensinamentos e cerimónias do templo, as reflexões deuteronómicas e as proclamações proféticas. Ezequiel mostra-se filho da tradição judaica. Para compreendê-lo melhor, temos de nos situar nos anos de exílio, após a queda de Jerusalém. Não há que procurar desculpas para os pecados próprios, nem que atribuir culpas a outros, como alguns faziam, apoiando-se em textos da Escritura (Dt 5, 9; 29, 18-21; Ex 20, 5), ou em provérbios como os que o profeta cita (18, 2): cada um é responsável pelos seus actos, e receberá, por eles, a devida retribuição.
    Ainda que, desde o princípio se conhecesse uma responsabilidade individual (cf. Gn 18, 25), predominava o conceito da responsabilidade colectiva (Js 7). Ezequiel torna-se o teórico da responsabilidade individual, contra o fatalismo dos que diziam: de que vale converter-nos, se pagamos as culpas dos nossos antepassados? O profeta mostra como a Lei apela à responsabilidade pessoal. A salvação de cada um não depende dos seus antepassados, nem dos seus vizinhos (18, 10-18), nem do próprio passado (vv. 21-23). Quem foi mau, pode converter-se e alcançar a vida (vv. 30-32).

    Evangelho: Mateus 19, 13-15

    Naquele tempo, 13Apresentaram a Jesus umas crianças, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas, mas os discípulos repreenderam-nos. 14Jesus disse-lhes: «Deixai as crianças e não as impeçais de vir ter comigo, pois delas é o Reino do Céu.» 15E, depois de lhes ter imposto as mãos, prosseguiu o seu caminho.

    Na época de Jesus, o rito da imposição das mãos e da bênção das crianças era frequentemente usado. Faziam-no os pais, mas também os rabinos famosos, a quem se pedia a bênção. É nesse contexto que se deve entender o episódio narrado hoje por Mateus, e que não deve ser confundido com o que ouvimos na terça-feira passada. Aí tratava-se do apelo à conversão, que exige tornar-se como crianças. Aqui fala-se de Jesus. Perante o "zelo" dos discípulos, Ele manifesta a intenção de não afastar ninguém do Reino. Quando diz «delas» (v. 14b), não se refere à idade, mas quer evidenciar «os que se assemelham a elas». Na antiguidade, as crianças não eram consideradas significativas na sociedade. Mas Jesus faz delas privilegiadas no reino de Deus, admite-as com agrado na comunidade cristã.
    A atitude dos discípulos em querer afastar as crianças revela a sua falta de compreensão pelo ministério de Cristo. Jesus é Aquele que acolhe os pequenos para lhes oferecer o Reino. A imposição das mãos sobre as crianças e a oração é um gesto de bênção (vv. 13.15). Mas é também um sinal de que a salvação é comunicada a todos os que podem identificar com elas: os pequenos, os pobres, os humildes...

    Meditatio

    A Bíblia apresenta-nos uma forte solidariedade na família, na tribo, no povo. Deus declara a Moisés que o seu favor, sobre aqueles que observam os mandamentos, se estende por mil, enquanto castiga a culpa dos pais nos filhos, e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração (cf. Ex 20, 5-6; 34, 7). As nossas acções incidem sobre a vida do próximo. Mas Deus faz que prevaleça a incidência do bem sobre a do mal. Mas, esta última não deixa de impressionar. Os hebreus exprimiam-na com o provérbio citado por Ezequiel: «Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que ficaram embotados» (v. 2). Por isso, achavam que não valia a pena converter-se e viver na justiça, porque tinham de sofrer os castigos merecidos pelas culpas de outros.
    Ezequiel combate essa mentalidade, afirmando claramente o princípio da responsabilidade individual: «Eu vos julgarei a cada um - diz o Senhor - segundo a sua maneira de agir, casa de Israel - oráculo do Senhor Deus» (v. 30). E o profeta explica que o justo, aquele que observa os mandamentos, viverá: «Mas se ele gera um filho violento e sanguinário e que faz alguma destas coisas que o pai não fazia... esse filho não viverá» (vv. 10.13), apesar dos méritos do pai. De modo inverso, se um pai praticar o mal, será ele o castigado, e não o filho, se for bom. E Ezequiel conclui: «Convertei-vos e afastai-vos dos vossos pecados; que não haja mais entre vós ocasião de pecado» (v. 30). Vale a pena converter-se, porque Deus é justo, e não castiga quem não cometeu o mal. Esta certeza, porém, não nos há-de levar ao isolamento individualista. Jesus lutou contra essa atitude e ensinou-nos a solidariedade com todos, também com os pecadores. Cristo assumiu a dor, o pecado, a desolação dos homens, na solidariedade do sacerdócio universal (cf. Heb 5, 9.10.14). Ser solidário com os pecadores, como Cristo, é procurar reparar o pecado e as suas consequências na Igreja e no mundo... com toda a nossa vida, orações, trabalhos, sofrimentos e alegrias; é prestar a Jesus
    o culto de amor e de reparação que o seu Coração deseja (Leão Dehon, NQ XXV, 5) (Cst 7).

    Oratio

    Pai santo, nós Te damos graças porque a nossa vida, unida à oblação de Cristo, é já por si mesma apostolado. Esta manhã, em comunhão com o teu Filho Jesus, a exemplo do Pe. Dehon, queremos oferecer-Te a nossa solidariedade, afectiva e efectiva, em favor de todos os nossos irmãos, particularmente dos mais desfavorecidos. Sabemos que a causa mais profunda dos males da sociedade está na recusa do amor de Cristo. Possuídos por esse amor, queremos corresponder-lhe com uma íntima união ao seu Coração e com a instauração do seu Reino nas almas e nas sociedades. Amen.

    Contemplatio

    Jesus foi verdadeiramente um cordeiro pacífico. Na sua paixão, permaneceu mudo e doce no meio das torturas, «semelhante a um cordeiro diante daquele que o tosquia» (Is 53, 7). Exerceu o seu ministério apostólico na paz e na doçura, como o profeta o tinha anunciado, «sem contenção, sem gritos, sem lutas, sem partir a cana inclinada» (Is 42, 1 e Mt 12, 18).
    S. Paulo ensina a prática da paz: «Adverte os nossos irmãos, diz a Tito, que não difamem ninguém, que fujam dos processos e das querelas, que sejam equitativos, testemunhando a maior doçura por todos os homens; /55 porque nós mesmos éramos outrora insensatos, incrédulos, perdidos, submetidos a todas as espécies de paixões e de volúpias, dignos de sermos odiados e odiando-nos uns aos outros» (Tit 3, 1).
    A alma na qual reside a paz sabe perdoar uma ofensa, não rebater uma palavra que fere, deixar passar um procedimento que choca, sacrificar-se em silêncio.
    Esta alma é, na sua família ou na sua comunidade, um anjo de paz, de reconciliação e de união.
    «Como estão afastados deste espírito aqueles que se comprazem em confundir os outros, diz Bossuet; aqueles que, por más relações, muitas vezes falsas em tudo, muitas vezes aumentadas nas suas circunstâncias, dizendo o que seria preciso calar, despertando a recordação daquilo que era preciso deixar esquecer, ou por palavras picantes e desdenhosas, azedam os seus irmãos, já emocionados e enfermos, pela sua cólera».
    Conselhos de paz: «Não vos deixeis levar à tristeza» (Eccli. 38, 21). Senti-vos com mau humor? Sorri, se puderdes. - Sentis-vos tentados a vos zangardes? Por amor de Jesus, sede doces e pacientes. - Estais para vos vingardes? Dai o bem pelo mal. - Estais para dizer mal de alguém? Dizei bem ou então calai-vos. - Estais para lhe falardes duramente? Falai-lhe docemente, cordialmente. (Leão Dehon, OSP 4, p. 55).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Dai-me, Senhor, um coração puro».

    | Fernando Fonseca, scj |

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