Eventos Junho 2025

  • Solenidade da Ascensão – Ano C [atualizado]

    Solenidade da Ascensão – Ano C [atualizado]

    1 de Junho, 2025

    ANO C

    7.º DOMINGO DA PÁSCOA

    SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR

    Tema da Solenidade da Ascensão do Senhor

    A Solenidade da Ascensão de Jesus mostra, antes de mais, qual é a meta final do nosso caminho: a comunhão com Deus, a Vida definitiva. Mas, além disso, lembra aos discípulos de Jesus que, enquanto caminham na terra, têm a responsabilidade de continuar a obra de Jesus e de dar testemunho da salvação de Deus.

    No Evangelho, Jesus ressuscitado despede-se dos discípulos e passa-lhes o testemunho. Os discípulos, formados na “escola” de Jesus, têm como missão levar o Evangelho a todas as nações, anunciar a todos os homens e mulheres o amor e a misericórdia de Deus. Não estarão sozinhos: Jesus vai enviar-lhes, como ajuda, o “prometido do Pai”, a “força do alto, o Espírito Santo. Esse Espírito dar-lhes-á a força necessária para enfrentar os obstáculos e ajudá-los-á a discernir os caminhos que devem percorrer.

    A primeira leitura, repete a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois de ter comunicado aos homens o projeto do Pai, entrou na Vida definitiva da comunhão com Deus, a mesma vida que espera todos os que percorrem o “caminho” que Jesus percorreu. Os discípulos, testemunhas da partida de Jesus, não podem ficar a olhar para o céu; mas têm de ir para o meio dos homens, seus irmãos, continuar o projeto de Jesus.

    A segunda leitura convida os discípulos a terem consciência da “esperança” a que foram chamados: a Vida plena de comunhão com Deus. É essa “esperança” que ilumina o horizonte daqueles que fazem parte da Igreja, o “corpo” do qual Cristo é a “cabeça”.

     

    LEITURA I – Atos dos Apóstolos 1,1-11

    No meu primeiro livro, ó Teófilo,
    narrei todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar,
    desde o princípio até ao dia em que foi elevado ao Céu,
    depois de ter dado, pelo Espírito Santo,
    as suas instruções aos Apóstolos que escolhera.
    Foi também a eles que, depois da sua paixão,
    Se apresentou vivo, com muitas provas,
    aparecendo-lhes durante quarenta dias
    e falando-lhes do reino de Deus.
    Um dia em que estava com eles à mesa,
    mandou-lhes que não se afastassem de Jerusalém,
    mas que esperassem a promessa do Pai,
    «da Qual – disse Ele – Me ouvistes falar.
    Na verdade, João batizou com água;
    vós, porém, sereis batizados no Espírito Santo,
    dentro de poucos dias».
    Aqueles que se tinham reunido começaram a perguntar:
    «Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?»
    Ele respondeu-lhes:
    «Não vos compete saber os tempos ou os momentos
    que o Pai determinou com a sua autoridade;
    mas recebereis a força do Espírito Santo,
    que descerá sobre vós,
    e sereis minhas testemunhas
    em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria
    e até aos confins da terra».
    Dito isto, elevou-Se à vista deles
    e uma nuvem escondeu-O a seus olhos.
    E estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava,
    apresentaram-se-lhes dois homens vestidos de branco,
    que disseram:
    «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu?
    Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu,
    virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».

     

    CONTEXTO

    O livro dos “Atos dos Apóstolos” constitui a segunda parte da obra de Lucas. Depois de ter apresentado, na primeira parte (o “Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas”), “o tempo de Jesus”, Lucas completa a sua obra apresentando “o tempo da Igreja”: é o “tempo” em que a proposta de salvação de Deus é levada ao encontro do mundo pela comunidade de Jesus (a “Igreja”), animada e conduzida pelo Espírito Santo.

    O livro dos Atos aparece algum tempo depois do terceiro Evangelho, nos últimos anos da década de 80 do primeiro século. Dirige-se a comunidades cristãs de língua grega, provavelmente comunidades que nasceram do trabalho missionário de Paulo de Tarso. São comunidades que, por essa altura, passam algumas dificuldades quanto ao compromisso com a fé: passou já a fase da expetativa pela vinda iminente do Cristo glorioso para instaurar o “Reino” e há uma certa desilusão porque essa vinda não se concretizou; as questões doutrinais causam confusões e conflitos internos; a monotonia favorece uma vida cristã pouco comprometida… Resultado: há já algum tempo que as comunidades cristãs se instalaram na mediocridade, falta-lhes o entusiasmo e o empenho na construção e no testemunho do Reino de Deus.

    Nos Atos dos Apóstolos, Lucas procura deixar claro que o projeto de salvação que Jesus veio apresentar não pode ficar parado. Enquanto Jesus não volta, são os seus discípulos que têm de continuar a propor ao mundo a salvação de Deus. Eles devem, com alegria e entusiasmo, ser testemunhas de Jesus e do seu Evangelho em todos os cantos da terra. Foi essa a tarefa de que Jesus os incumbiu quando voltou para o Pai.

    O texto que a liturgia do Domingo da Ascensão nos propõe como primeira leitura, é precisamente o início do livro dos Atos dos Apóstolos. Apresenta a despedida de Jesus, o seu regresso ao Pai, e a entrega da missão aos discípulos.

    A despedida de Jesus teria acontecido em Jerusalém, após uma refeição com os discípulos (cf. At 1,4.9). No Evangelho, Lucas é ainda mais explícito: foi em Betânia, uma localidade situada no cimo do Monte das Oliveiras, mesmo em frente da cidade de Jerusalém, que Jesus se despediu dos discípulos e, à vista deles, subiu ao céu (cf. Lc 24,50). De acordo com o esquema teológico de Lucas, Jerusalém é o lugar onde a salvação irrompe (de acordo com a mentalidade judaica, é em Jerusalém que o Messias deve manifestar-se e que a sua proposta libertadora se há de concretizar na vida de Israel), e também o lugar de onde a salvação de Jesus parte para ir ao encontro do mundo.

    Hoje, em Jerusalém, uma pequena capela em formato octogonal, situada no cimo do Monte das Oliveiras, faz memória da Ascensão de Jesus ao céu.

     

    MENSAGEM

    O nosso texto começa com um prólogo (vers. 1-2) que relaciona os “Atos” com o 3° Evangelho, quer na referência ao mesmo Teófilo a quem o Evangelho era dedicado, quer na alusão a Jesus, aos seus ensinamentos e à sua ação no mundo (tema central do 3.º Evangelho). Neste prólogo são também apresentados os protagonistas do livro dos Atos: o Espírito Santo e os apóstolos, vinculados com Jesus.

    O prólogo inclui, ainda, uma referência a diversas aparições de Jesus ressuscitado aos discípulos, durante quarenta dias, antes de subir ao céu. Nesse tempo, Jesus preparou os discípulos para o anúncio do Reino de Deus (vers. 3). Evidentemente, o número quarenta é simbólico: é o número que define o tempo necessário para que um discípulo possa aprender e repetir as lições do mestre. Aqui define, portanto, o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.

    Depois do prólogo, o autor dos Atos entra imediatamente no tema da despedida de Jesus dos seus discípulos e refere as últimas palavras de Jesus antes de partir para o Pai (vers. 4-8). Nessas palavras, há dois elementos que importa sublinhar: a referência à vinda do Espírito e a referência ao testemunho que os discípulos vão ser chamados a dar “em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo”. Estes dois elementos definem os traços fundamentais do tempo que se inicia com a partida de Jesus: será o tempo da Igreja, o tempo em que o testemunho da salvação será levado pelos discípulos, animados e orientados pelo Espírito, desde Jerusalém até Roma. Na realidade, trata-se do programa que Lucas vai apresentar ao longo do livro, posto na boca de Jesus ressuscitado. O autor quer mostrar com a sua obra que o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no próprio Jesus.

    O último tema é o da ascensão de Jesus ao céu (vers. 9-11). A descrição que o autor dos Atos faz da ascensão é bastante sóbria; mas, naturalmente, não é um relato factual de acontecimentos concretos. A passagem necessita de ser interpretada para que, através da roupagem dos símbolos, a mensagem apareça com toda a claridade.

    Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu (vers. 9a). Não estamos a falar de uma pessoa que, literalmente, descola da terra e começa a elevar-se em direção ao céu; estamos em contexto teológico (quem está a contar a história não é o “repórter”, mas sim o “teólogo”): a ascensão é uma forma de expressar simbolicamente que a exaltação de Jesus é total e atinge dimensões supraterrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma vida vivida para Deus, que agora reentra na glória da comunhão com o Pai.

    Temos, também, a nuvem (vers. 9b) que subtrai Jesus aos olhos dos discípulos. Pairando a meio caminho entre o céu e a terra, a nuvem é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do divino na vida dos humanos (cf. Ex 13,21.22; 14,19.24; 24,15b-18; 40,34-38). Ao mesmo tempo, a nuvem esconde e manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e presente, cujo rosto o Povo não pode ver, mas cuja presença adivinha nos acidentes da caminhada. Céu e terra, presença e ausência, luz e sombra, divino e humano, são dimensões aqui sugeridas a propósito de Cristo ressuscitado, elevado à glória do Pai, mas que continua a caminhar com os discípulos.

    Temos ainda os discípulos a olhar para o céu (vers. 10a). Significa a expetativa da comunidade de Jesus que, ao longo da sua peregrinação na terra, está sempre à espera que Cristo venha novamente para levar ao seu termo o projeto de libertação do Homem e do mundo.

    Temos, finalmente, os dois homens vestidos de branco que interpelam os discípulos de Jesus (vers. 10b). O branco sugere o mundo de Deus, o que indica que o seu testemunho vem de Deus. Eles convidam os discípulos a continuar no mundo, animados pelo Espírito, a obra libertadora de Jesus; agora, é a comunidade dos discípulos que tem de continuar, na história, a obra de Jesus, embora com a esperança posta na segunda e definitiva vinda do Senhor.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A ascensão de Jesus deve ser vista no contexto de toda a sua vida. Ele veio ao encontro dos homens, caminhou no meio deles, procurou viver na fidelidade ao projeto do Pai, pagou com a própria vida o seu compromisso com a construção do Reino de Deus. Mas Deus não aceitou que a maldade vencesse e libertou Jesus da escravidão da morte; e Jesus, glorificado por Deus, entrou definitivamente na glória do Pai. A ascensão de Jesus diz-nos qual é o destino final daqueles que, como Ele, vivem na fidelidade aos projetos de Deus: estão destinados à glorificação, à comunhão definitiva com Deus. Contemplando a ascensão de Jesus, percebemos qual é a meta do nosso caminho: a Vida plena junto do Pai. Isto dá um novo sentido à nossa vida, às nossas lutas, ao nosso compromisso, à nossa entrega à construção do Reino de Deus. Não caminhamos ao encontro do vazio, do nada, mas caminhamos ao encontro da Vida definitiva nos braços de Deus, como Jesus. Temos consciência disso? Essa consciência alimenta a nossa entrega, o nosso compromisso, a nossa fidelidade ao projeto de Deus?
    • É bem significativo que a “partida” de Jesus apareça associada ao envio dos discípulos. Jesus, terminada a sua missão, foi ter com o Pai; mas aquilo que Ele começou não está concluído. Agora a missão que o Pai tinha confiado a Jesus passa para as mãos dos seus discípulos. Como Jesus, eles têm a tarefa de ir pelo mundo curar, dar Vida, lutar contra o sofrimento e a morte, testemunhar com palavras e gestos a salvação de Deus. “Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo” – disse-lhes Jesus ao partir para o Pai. A comunidade dos discípulos é uma comunidade “missionária”: todos os discípulos são “enviados” a dar testemunho de Jesus e do seu projeto, em todo o tempo e em todos os lugares. Sentimo-nos “missionários” de Jesus no nosso mundo, mensageiros da salvação de Deus em todos os lugares onde a vida nos leva?
    • Jesus garantiu aos discípulos que iriam receber uma força, a do Espírito Santo, que os capacitaria para serem testemunhas da salvação de Deus em toda a terra. Trata-se de uma “promessa” decisiva. Não estamos sozinhos, entregues à nossa sorte, às nossas decisões falíveis, aos nossos medos e contradições. Através do Espírito é o próprio Jesus que nos acompanha, que nos orienta, que nos dá força para levar para a frente a missão. Estamos conscientes da presença do Espírito nas nossas vidas e na vida das nossas comunidades cristãs? Procuramos escutar o Espírito e discernir os desafios de Deus que Ele nos traz?
    • “Porque estais assim a olhar para o céu?” – perguntam os “dois homens vestidos de branco” aos discípulos de Jesus, após a ascensão. É frequente ouvirmos dizer que os seguidores de Jesus passam muito tempo a olhar para o céu e negligenciam o seu compromisso com a transformação do mundo. Estamos, efetivamente, atentos aos problemas e às angústias dos homens, ou vivemos de olhos postos no céu, num espiritualismo alienado? Sentimo-nos questionados pelas inquietações, pelas misérias, pelos sofrimentos, pelos sonhos, pelas esperanças que enchem o coração dos que nos rodeiam? Sentimo-nos solidários com todos os homens, particularmente com aqueles que sofrem?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 46 (47)

    Refrão 1:
    Por entre aclamações e ao som da trombeta,
    ergue-Se Deus, o Senhor.

    Refrão 2:
    Ergue-se, Deus, o Senhor,
    em júbilo e ao som da trombeta.

    Povos todos, batei palmas,
    aclamai a Deus com brados de alegria,
    porque o Senhor, o Altíssimo, é terrível,
    o Rei soberano de toda a terra.

    Deus subiu entre aclamações,
    o Senhor subiu ao som da trombeta.
    Cantai hinos a Deus, cantai,
    cantai hinos ao nosso Rei, cantai.

    Deus é Rei do universo:
    cantai os hinos mais belos.
    Deus reina sobre os povos,
    Deus está sentado no seu trono sagrado.

     

    LEITURA II – Efésios 1,17-23

    Irmãos:
    O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória,
    vos conceda um espírito de sabedoria e de luz
    para O conhecerdes plenamente
    e ilumine os olhos do vosso coração,
    para compreenderdes a esperança a que fostes chamados,
    os tesouros de glória da sua herança entre os santos
    e a incomensurável grandeza do seu poder
    para nós os crentes.
    Assim o mostra a eficácia da poderosa força
    que exerceu em Cristo,
    que Ele ressuscitou dos mortos
    e colocou à sua direita nos Céus,
    acima de todo o Principado, Poder, Virtude e Soberania,
    acima de todo o nome que é pronunciado,
    não só neste mundo,
    mas também no mundo que há de vir.
    Tudo submeteu aos seus pés
    e pô-l’O acima de todas as coisas
    como Cabeça de toda a Igreja, que é o seu Corpo,
    a plenitude d’Aquele que preenche tudo em todos.

     

    CONTEXTO

    Éfeso era uma cidade situada na costa da Jónia, a cerca de três quilómetros da moderna Selçuk, província de Esmirna, na atual Turquia. Durante o período romano chegou a ser a segunda cidade do império, logo a seguir a Roma. Era famosa pelo Templo de Ártemis, uma das sete maravilhas do mundo antigo, e pelo seu enorme teatro, com capacidade para cerca de 25.000 espetadores. Era também conhecida pela excelência das suas escolas filosóficas, pela sua vida cultural e por ser o principal centro comercial do Mediterrâneo.

    Paulo passou em Éfeso durante a sua terceira viagem missionária e permaneceu na cidade durante um longo período de tempo (mais de dois anos, segundo At 19,10). Reuniu à sua volta um número considerável de pessoas convertidas ao “Caminho” (At 19,9.23); e assim, à volta da sua pregação e do seu testemunho, desenvolveu-se uma comunidade cristã numerosa e entusiasta. Foi aos anciãos da Igreja de Éfeso que Paulo confiou, em Mileto (cf. At 20,17-38), o seu testamento espiritual, apostólico e pastoral antes de ir a Jerusalém, onde acabaria por ser preso. Tudo isto faz supor uma relação muito estreita entre Paulo e a comunidade cristã de Éfeso.  Estranhamente, a Carta aos Efésios não reflete essa relação.

    Na verdade, a carta está escrita num tom impessoal, sem referências a pessoas ou a circunstâncias concretas. Parece estranho que Paulo, depois de ter passado um tempo relativamente longo em Éfeso, escrevesse uma carta sem deixar transparecer a relação estreita que o unia aos Efésios. Alguns duvidam, por essa razão, da autenticidade paulina da Carta aos Efésios; mas outros consideram que o texto que chegou até nós com a designação de “Carta aos Efésios”, poderia ser um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor (também à Igreja de Éfeso), numa altura em que Paulo estava na prisão, talvez em Roma. Ora, uma carta desse tipo não poderia ser uma carta muito pessoal. Tíquico, o portador da carta, tê-la-ia distribuído pelas Igrejas da zona. Estaríamos, provavelmente, pelos anos 58/60.

    O tema central da Carta aos Efésios é o projeto salvador de Deus (aquilo a que Paulo chama “o mistério”): definido desde toda a eternidade, permaneceu oculto ao entendimento dos homens durante séculos, até que foi dado a conhecer em Jesus e revelado aos apóstolos. O projeto salvador de Deus concretiza-se, agora, na Igreja, Corpo de Cristo, sacramento de salvação, onde judeus e pagãos se encontram e vivem em unidade.

    O texto da Carta aos Efésios que nos é proposto como segunda leitura neste domingo da Ascensão, integra a primeira parte da carta, que reflete sobre o “Mistério” de Cristo e da Igreja (cf. Ef 1,3-3,21). Ao hino de louvor a Deus pelo seu plano de salvação, concretizado em Cristo (cf. Ef 1,3-14), segue-se uma ação de graças pela fé dos efésios e pela caridade que eles manifestam para com todos os irmãos na fé (cf. Ef 1,15-23).

     

    MENSAGEM

    Os efésios (bem como os outros crentes a quem esta “carta circular” é destinada) vivem de forma exemplar a sua fé em Cristo Jesus, bem como a caridade que resulta do mandamento do amor. Consciente disso, Paulo garante aos “santos” de Éfeso e das outras Igrejas que não cessa de agradecer a Deus os seus dons, pois é Ele, pelo seu Espírito, que alimenta a fé e a caridade dos seus fiéis (vers. 15-16).

    À sua ação de graças, Paulo une uma fervorosa oração a Deus, pedindo-Lhe que conceda aos destinatários da carta “um espírito de sabedoria” que os leve a conhecê-l’O e a apreciarem “a esperança a que foram chamados” (vers. 17-18). Que “esperança” é esta? É, evidentemente, a Vida eterna, a herança prometida aos que caminham com Jesus. A prova de que o Pai tem poder para realizar essa “esperança” é o que Ele fez com o Seu Filho Jesus: ressuscitou-O da morte e sentou-O à sua direita, exaltou-O e deu-Lhe a soberania sobre todos os poderes (vers. 19-21). Paulo acha que, se Deus fez isso com Cristo, também o fará connosco. A ressurreição/exaltação de Cristo foi o primeiro fruto da ação de Deus; seguir-se-á a nossa ressurreição, aliás já incluída na de Cristo.

    Chegado aqui, Paulo entende sublinhar que a “soberania” de Cristo (que Lhe foi dada pelo Pai) também se exerce sobre a Igreja; e retoma, para ilustrar o que pensa sobre esta questão, uma imagem que já utilizou anteriormente nos seus escritos: a da Igreja como “Corpo de Cristo”.

    A ideia de que a comunidade cristã é um “corpo” – o “corpo de Cristo” – formado por muitos membros, já havia aparecido nas “grandes cartas” paulinas (Romanos, Coríntios), acentuando-se aí, sobretudo, a relação dos vários membros do “corpo” entre si (cf. 1 Cor 6,12-20; 10,16-17; 12,12-27; Rm 12,3-8); mas, nas “cartas do cativeiro” (especialmente Efésios e Colossenses), Paulo retoma a noção de “corpo de Cristo” para refletir sobre a relação que existe entre a comunidade e Cristo (cf. Col 1,18; Ef 4,15-16). No nosso texto, em concreto (vers. 22-23), há dois conceitos muito significativos para definir o quadro da relação entre Cristo e a Igreja: o de “cabeça” e o de “plenitude” (em grego, “pleroma”).

    Dizer que Cristo é a “cabeça” da Igreja significa, antes de mais, que os dois formam uma unidade indissolúvel e que há entre os dois uma comunhão total de vida e de destino; significa também que Cristo é o centro à volta do qual o “corpo” se articula, a partir do qual e em direção ao qual o “corpo” cresce, se orienta e constrói, a origem e o fim desse “corpo”; significa ainda que a Igreja/corpo está submetida à obediência a Cristo/cabeça: só de Cristo a Igreja depende e só a Ele deve obediência.

    Dizer que a Igreja é a “plenitude” (“pleroma”) de Cristo significa dizer que nela reside a “totalidade” de Cristo. Ela é o recetáculo, a habitação, onde o Cristo total Se torna presente no mundo; é através desse “corpo” onde reside, que Cristo continua todos os dias a realizar o seu projeto de salvação em favor dos homens. Plenamente presente nesse “corpo”, Cristo enche o mundo e atrai a Si o universo inteiro, até que o próprio Cristo “seja tudo em todos”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • No dia em que celebramos a ascensão de Jesus ao céu, Paulo pede a Deus que “ilumine os olhos” do nosso coração para termos sempre presente “a esperança a que fomos chamados”. É um pedido que faz sentido. Curvados pelo cansaço do caminho, seduzidos pelos apelos de um mundo que vive “a prazo”, encandeados pelo brilho falso dos valores passageiros, podemos ceder à tentação de caminhar de olhos postos no chão, limitando-nos a seguir a corrente e a aproveitar algumas migalhas de felicidade efémera. Mas a ascensão de Jesus fala-nos de um projeto de vida com dimensão de eternidade e de plenitude. Qual o cenário de fundo que domina a nossa caminhada: o da terra, sempre muito rasteiro e limitado, ou o horizonte largo do mundo de Deus, de onde o nosso irmão Jesus nos chama?
    • É bela e sugestiva a imagem da Igreja como um “corpo” do qual Cristo é a “cabeça”. Todos nós, membros vivos desse “corpo”, estamos ligados a Cristo. É Ele o nosso “centro”, a nossa referência, a nossa fonte de Vida. A imagem também nos lembra a comunhão, a solidariedade, os laços fraternos que unem todos aqueles que integram esse “corpo”, apesar das diferenças e distâncias que possam existir entre nós. Estas duas coordenadas estão presentes na nossa experiência de fé? Procuramos manter permanentemente a nossa ligação a Jesus e fazer d’Ele o centro à volta do qual construímos toda a nossa existência? Sentimo-nos ligados aos nossos irmãos na fé e procuramos, com eles e junto deles, viver o mandamento do amor que Jesus nos deixou?
    • A Igreja é a “plenitude” de Cristo. Nela Cristo reside no mundo e nela Cristo continua a oferecer ao mundo a plenitude da salvação de Deus. Os homens e mulheres do nosso tempo, quando olham para a Igreja, encontram Cristo e a proposta de salvação que Cristo veio trazer? Nós, membros da Igreja, damos testemunho coerente e verdadeiro de Cristo e do Evangelho?

    (Nota: em vez desta leitura, pode-se escolher a seguinte leitura facultativa: Ef 4,1-13)

     

    ALELUIA – Mateus 28,19a.20b

    Aleluia. Aleluia.
    Ide e ensinai todos os povos, diz o Senhor:
    Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos.

     

    EVANGELHO – Lucas 24,46-53

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Está escrito que o Messias havia de sofrer
    e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia
    e que havia de ser pregado em seu nome
    o arrependimento e o perdão dos pecados
    a todas as nações, começando por Jerusalém.
    Vós sois testemunhas disso.
    Eu vos enviarei Aquele que foi prometido por meu Pai.
    Por isso, permanecei na cidade,
    até que sejais revestidos com a força do alto».
    Depois Jesus levou os discípulos até junto de Betânia
    e, erguendo as mãos, abençoou-os.
    Enquanto os abençoava,
    afastou-Se deles e foi elevado ao Céu.
    Eles prostraram-se diante de Jesus,
    e depois voltaram para Jerusalém com grande alegria.
    E estavam continuamente no templo, bendizendo a Deus.

     

    CONTEXTO

    Depois da prisão de Jesus (cf. Lc 22,4753), os discípulos tinham praticamente desaparecido de circulação. Pedro ainda tinha seguido os soldados do Templo que levavam Jesus para o palácio do sumo sacerdote, mas tinha negado qualquer ligação ao seu Mestre (cf. Lc 22,54-62). Quando Jesus morreu na cruz, “os seus conhecidos e as mulheres que o tinham acompanhado desde a Galileia mantinham-se à distância, observando estas coisas” (Lc 23,49).

    Depois, na manhã de Páscoa, as mulheres que tinham vindo com Jesus desde a Galileia e que tinham visto onde o corpo de Jesus fora depositado (cf. Lc 23,55-56), foram ao sepulcro, mas encontraram o túmulo vazio e receberam o anúncio de que Jesus estava vivo. Foram contar a novidades aos outros discípulos de Jesus, “mas as suas palavras pareceram-lhes um desvario, e eles não acreditaram nelas” (Lc 24,11). Contudo, nesse mesmo dia, Jesus fez-se companheiro de caminho de dois discípulos que iam a caminho de uma povoação chamada Emaús (cf. Lc 24,13-35); e, logo depois, apareceu aos Onze (cf. Lc 24,36-43). É a reentrada em cena do grupo dos discípulos.

    No texto evangélico que a liturgia do domingo da Ascensão nos convida a escutar, Jesus ressuscitado está com os discípulos e deixa-lhes as suas últimas instruções (cf. Lc 24,44-49). Depois sobe ao céu, ao encontro do Pai (cf. Lc 24,50-53). A cena da Ascensão de Jesus é colocada “junto de Betânia”. Betânia (a atual al-Azariye) é uma pequena aldeia situada no lado oriental do Monte das Oliveiras, a cerca de três quilómetros de Jerusalém. Era em Betânia que viviam Lázaro, Marta e Maria, amigos de Jesus (cf. Jo 11; Lc 10,38-42).

    No livro dos Atos dos Apóstolos, Lucas refere-se à ressurreição, aparições de Jesus ressuscitado aos discípulos e ascensão ao céu como acontecimentos separados no tempo, vivenciados ao longo de quarenta dias (cf. At 1,3). No Evangelho, porém, todos esses acontecimentos são colocados no espaço de um dia, o que parece mais correto do ponto de vista teológico: ressurreição e ascensão não se podem diferenciar; são apenas formas humanas de falar da passagem da morte à vida definitiva junto de Deus.

     

    MENSAGEM

    Ao despedir-se dos discípulos, Jesus começa por lembrar-lhes que os acontecimentos da sua paixão e morte se enquadravam no projeto de Deus (cf. Lc 24,44), enunciado na Escritura – na Lei, nos Profetas e nos Salmos, os três grandes “apartados” da Bíblia Hebraica. Sim, de acordo com as Escrituras, “o Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia” (vers. 46). Na verdade, não existem textos na Bíblia Hebraica que digam, preto no branco, que o Messias tinha que padecer, ser morto e ressuscitar ao terceiro dia; no entanto, alguns textos véterotestamentários (como por exemplo os cânticos do “Servo de Javé” – cf. Is 42,1-4; 49,1-6; 50,4-11; 52,13-53,12) poderiam servir de ponto de partida para uma reflexão deste tipo. Aliás o próprio Jesus, enquanto andava com os discípulos pelos caminhos da Palestina, tinha-lhes dito, repetidamente, que teria de sofrer, ser rejeitado pelas autoridades judaicas, ser morto e ressuscitar no terceiro dia (cf. Lc 9,21-22; 9,43-44; 18,31-33). Nessa altura os discípulos, obcecados com os seus próprios sonhos de triunfo e de glórias humanas, tinham-se recusado a escutar as palavras de Jesus. Agora, porém, o cenário era diferente. Eles estavam em condições de compreender que a morte de Jesus na cruz fazia parte do projeto salvador de Deus.

    Essa compreensão era fundamental para que os discípulos pudessem desempenhar a tarefa que Jesus queria confiar-lhes. Enviados por Jesus, eles deviam ir ao encontro de “todas as nações, começando por Jerusalém”, a pregar “a conversão e o perdão dos pecados” (vers. 47). Deviam anunciar, em nome de Jesus, que Deus ama os homens e os convida a deixar o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência, o pecado; deviam proclamar por todo o lado que Deus, pela cruz, concretizou o seu plano salvador em favor de todos os homens. Como poderiam ser “testemunhas” de tudo isso se não tivessem entendido o mistério de Jesus, o sentido da sua vida, da sua morte e da sua ressurreição?

    Por outro lado, o testemunho que os discípulos irão ser chamados a dar, tem um alcance universal: não ficará confinado às fronteiras de Israel, mas deve estender-se a todos os povos e nações. Lucas prepara aqui, desde logo, o desenvolvimento que irá apresentar no livro dos Atos dos Apóstolos, em que descreverá como os discípulos de Jesus, partindo de Jerusalém, levaram o Evangelho por todo o lado, até Roma, o coração do império.

    Jesus sabe, no entanto, que os discípulos vão necessitar de ajuda para assumirem esta exigente missão. Não lhes seria fácil, apenas com as suas frágeis forças, afrontarem o mundo e pregarem um crucificado através do qual Deus salvou o mundo e os homens. Por isso, Jesus promete aos discípulos uma ajuda especial: “Eu vos enviarei Aquele que foi prometido por meu Pai” (vers. 49). Nunca, até aqui, Lucas tinha falado desta “promessa” do Pai. Explicitá-la-á, contudo, no livro dos Atos dos Apóstolos, quando puser Jesus, no cenário da sua ascensão aos céus, a dizer aos discípulos que seriam “batizados no Espírito Santo” (At 1,5) e que iriam receber “uma força, a do Espírito Santo”, para serem testemunhas do próprio Jesus “por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo” (At 1,8). Esse “Espírito” será, na descrição que Lucas nos deixa nos Atos dos Apóstolos, aquele que conduzirá e animará os discípulos de Jesus na sua marcha pela história.

    Finalmente, Lucas descreve a ascensão de Jesus ao céu. Em Mateus, a partida de Jesus dá-se de “um monte” na Galileia (cf. Mt 28,16-20); em Lucas, contudo, a ascensão de Jesus situa-se nos arredores de Jerusalém, “junto de Betânia” (vers. 50). Num e noutro caso, as indicações geográficas estão ao serviço da “catequese” e das preocupações teológicas. Para Lucas, Jerusalém é o lugar onde irrompe no mundo a salvação de Deus e de onde essa salvação parte ao encontro do mundo. Por isso, a ascensão de Jesus e o envio dos discípulos tinham de ser situadas em Jerusalém.

    A descrição que Lucas faz da ascensão propriamente dita, é bastante sóbria, até mesmo vaga. Percebe-se que, para Lucas, o importante não é a reportagem fotográfica do acontecimento, mas sim a indicação teológica: depois de ter terminado a sua missão entre os homens, Jesus foi glorificado e reentrou na glória de Deus.

    Antes de ser elevado ao céu, Jesus “abençoou” os discípulos (vers. 50). Além de imprimir uma especial solenidade ao momento, o gesto de bênção que Jesus faz sugere um dom que vem de Deus e que afeta positivamente toda a ação dos discípulos, capacitados para a missão pela força de Deus. Os discípulos respondem à ação de Jesus com a adoração.

    A nota final é dada pela “alegria” dos discípulos (vers. 52). A alegria é um dos temas típicos do terceiro Evangelho. Aparece no anúncio a Zacarias do nascimento de João Batista (cf. Lc 1,14); aparece quando Maria, levando Jesus no seu seio, vai encontrar-se com Isabel (cf. Lc 1,44,47); ecoa nas palavras que o anjo dirige aos pastores quando lhes anuncia o nascimento de Jesus (cf. Lc 2,10); está presente no coração dos discípulos quando regressam da sua primeira experiência missionária (cf. Lc 10,17). A alegria é o grande sinal messiânico e escatológico; indica que o mundo novo já começou, pois o projeto salvador e libertador de Deus está em marcha. É natural que Lucas conclua o seu Evangelho com esta nota: o projeto salvador de Deus está definitivamente instalado no mundo, conduzindo os homens ao encontro da vida plena.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A partida de Jesus, a sua entrada definitiva no mistério do Pai, marca uma etapa nova na história da salvação. Nesse dia começa o tempo da Igreja, o tempo em que a responsabilidade de testemunhar a salvação de Deus fica nas mãos dos discípulos. Eles acolheram o convite de Jesus, dispuseram-se a segui-l’O, ouviram as suas palavras, viram os seus gestos, aprenderam as suas lições, foram formados na sua “escola”. Conhecem o projeto de Jesus e adotaram-no como projeto de vida. É altura de se mostrarem adultos e responsáveis na vivência da fé. Não podem continuar “á boleia” de Jesus, à espera que Jesus faça tudo. Compete-lhes agora continuarem no mundo, com alegria, criatividade e compromisso, a obra libertadora e salvadora de Jesus. Sentimos esta responsabilidade? Somos capazes de vencer os nossos medos e as nossas hesitações, a nossa preguiça e o nosso comodismo, para nos assumirmos como testemunhas coerentes e comprometidas de Jesus e do seu projeto?
    • No Evangelho segundo Lucas, Jesus envia os discípulos a pregar em seu nome “a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém”. A missão dos discípulos é a mesma que Jesus cumpriu, por mandato do Pai: libertar os homens das cadeias do egoísmo e do pecado e anunciar-lhes o amor, a bondade, a misericórdia, a ternura de Deus por todos os seus filhos. Desde o momento em que Jesus se despediu dos discípulos até hoje, passaram-se cerca de dois mil anos; mas a tarefa dos discípulos de Jesus continua a ser a mesma. O nosso anúncio é uma “boa notícia” que liberta do medo e que acende a esperança? Anunciamos e testemunhamos o amor misericordioso de Deus? Estamos empenhados em combater a injustiça, a violência, o egoísmo, a indiferença, tudo aquilo que gera escravidão e opressão? Os doentes, os prisioneiros, os que a todo o momento veem pisados os seus direitos e a sua dignidade, os que são “marcados” e excluídos por serem “diferentes”, podem contar com a nossa solidariedade ativa, com o nosso amor, com o nosso esforço para os libertar da opressão do “pecado” e para lhes levar Vida?
    • A missão que Jesus confiou aos discípulos é uma missão universal: as fronteiras, as raças, as diferenças culturais, as diferenças ideológicas, as diferenças de estatuto social, as marcas da vida, os “acidentes” pessoais que tornam cada pessoa única e diferente, não podem ser obstáculos para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo. Temos consciência de que Jesus nos envia a todas as pessoas, independentemente daquilo que as torna diferentes, “estranhas”, singulares? Nas nossas comunidades cristãs há lugar para todos, sejam quais forem as situações de vida ou as feridas que cada um carrega?
    • Ao chegar o momento da sua partida para o Pai, Jesus prometeu aos discípulos que iria enviar-lhes o prometido do Pai, o Espírito Santo, que os revestiria da “força do alto”. Portanto, os discípulos de Jesus não foram deixados sozinhos frente a uma obra colossal, que os esmaga pela sua dificuldade e amplitude. Os discípulos de Jesus são, em cada passo do caminho que percorrem, animados e guiados pelo Espírito de Deus, o mesmo Espírito que animava Jesus e lhe dava a força para cumprir o plano salvador do Pai em favor dos homens. Embora conscientes da nossa fragilidade, enfrentamos as dificuldades com a certeza da presença em nós do Espírito de Deus, que nos mostra o caminho a percorrer, que nos anima e que nos fortalece. Sentimos a presença reconfortante do Espírito nos momentos em que a dúvida, o medo e o desânimo nos batem à porta e ameaçam submergir-nos? Procuramos escutar a voz do Espírito e caminhar na direção que Ele nos aponta?
    • Depois de testemunharem a partida de Jesus, os discípulos “voltaram para Jerusalém com grande alegria”. A alegria que brilha nos olhos e nos corações desses discípulos que testemunham a entrada definitiva de Jesus na vida de Deus tem de ser uma realidade que transparece na nossa vida e que contagia o nosso testemunho. Os seguidores de Jesus, iluminados pela fé, são chamados a testemunhar, com a sua alegria, que Jesus venceu a morte e o pecado e foi glorificado por Deus; são convidados a testemunhar, com a sua alegria, a certeza de que os espera, no final do caminho, a vida em plenitude, essa mesma vida onde Jesus já está; são chamados a testemunhar, com a sua alegria, que o projeto salvador e libertador de Deus está a atuar no mundo, está a transformar os corações e as mentes, está a fazer nascer, dia a dia, o Homem Novo. Somos testemunhas jubilosas de tudo isto no meio dos nossos irmãos?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA ASCENSÃO

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Ascensão, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. ASCENSÃO… TRABALHAR A VERTICIALIDADE.

    Para dar um tom mais específico a esta Solenidade, pode-se utilizar elementos para acentuar a verticalidade. Exemplos: colocar um recipiente com incenso, em frente ao altar, com o fumo do incenso a subir para o céu; levar o círio pascal na procissão de entrada e mantê-lo erguido durante todo o cântico de entrada, antes de o colocar no respetivo suporte; utilizar lamparinas (ou pequenas velas) durante a liturgia da Palavra. Antes da primeira leitura, um grupo de jovens com lamparinas acompanha o leitor e fica à volta do círio pascal. No fim da leitura, o presidente da assembleia acende uma pequena vela no círio pascal e comunica a luz às lamparinas dos jovens. Ficam com as lamparinas acesas durante o restante tempo da liturgia da Palavra. No Evangelho, ficam à volta daquele que lê o Evangelho e erguem as lamparinas no momento do Aleluia.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Pai, que diriges o mundo na tua liberdade soberana, nós Te bendizemos pela presença do teu Filho Jesus nas nossas assembleias e nas nossas famílias, pelo ensinamento da tua Palavra, pelo banquete da Eucaristia e pelo dom do teu Espírito. Nós Te pedimos por todas as comunidades cristãs: abre os nossos corações ao teu Espírito, que os cristãos sejam testemunhas de Cristo até aos confins da terra.

    No final da segunda leitura:
    Cristo ressuscitado, nós Te aclamamos como o grande sacerdote por excelência.

    Nós Te pedimos pelos corações feridos e os espíritos abatidos pela culpabilidade e o remorso, que eles encontrem confiança no teu perdão.

    No final do Evangelho:
    Pai, nós Te damos graças por toda a obra cumprida pelo teu Filho Jesus no meio dos homens, segundo as Escrituras, a sua fé em Ti no meio dos sofrimentos, a sua ressurreição e a conversão proclamada em seu nome em todas as nações.

    Nós Te pedimos, ó Pai: envia sobre nós o teu Espírito Santo, força do alto, que nos prometeste e o teu Filho nos revelou. Envia-nos a testemunhar a tua obra de salvação.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    A tristeza torna o rosto sombrio e as lágrimas estorvam a vista. Os discípulos conheceram a tristeza e a deceção, não podem reconhecer o Ressuscitado que caminhava ao seu lado. Serão necessários os olhos da fé para nomear Aquele que está vivo, para se alegrar n’Ele, para O anunciar. A fé, assim, não mergulha na nostalgia. Se ela se volta para o passado, é para fazer memória. Orienta-se, sobretudo, para um futuro que já não será mais como antes. Qual é, então, o segredo dos discípulos para que estejam alegres depois da partida do seu Mestre? Muito simplesmente a sua presença, mas “de outro modo”. Doravante, Ele está sempre com eles; receberam a força do Espírito Santo, atualizam a sua mensagem, fazem memória dos seus gestos, tornando-O realmente presente no meio deles. Eles vivem na alegria porque sabem que Ele está com eles até ao fim dos tempos e que sem Ele nada podem fazer. Ele prometeu, Ele manterá as suas promessas!

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.

    “Enquanto Jesus os abençoava, afastou-Se deles e foi elevado ao Céu”. Mas é onde, o céu? Segundo o dicionário, é o espaço visível acima das nossas cabeças, que limita o horizonte. Hoje, os homens são capazes de ir ao espaço. O primeiro cosmonauta russo, em 1961, regressou à terra declarando que não tinha encontrado Deus! Manifestamente, Lucas não fala desse céu! Os astronautas vão para o espaço para melhor o explorar. Jesus, pela sua ressurreição, foi para lá do espaço, saiu do nosso espaço-tempo. Mas o que pode querer isso dizer? Reconheçamos que não temos qualquer experiência dessa realidade, pela simples razão de que continuamos fechados neste espaço-tempo. O que falamos, na Ascensão, tem a ver com a fé, com a confiança que podemos ter em Cristo e nas testemunhas que O viram separar-Se deles. Não há qualquer prova nem demonstração “científica” para esta subida ao céu de Jesus! Uma vez mais, somos convidados a situar-nos num outro registo, o do amor. É a nossa própria experiência: quando amamos, quando conhecemos momentos de intensa felicidade, gostaríamos que o tempo parasse, não para que tudo se acabe mas, ao contrário, para que esta felicidade que atinge todo o nosso ser seja como que eternizada. Gostaríamos de poder parar o tempo. Mas é o tempo para o amor. Ora – aí está a nossa fé – Jesus veio habitar este desejo de eternidade em nós, para o levar à sua plena realização. Vivendo a sua vida de homem, imergiu no amor que preenche os desejos humanos mais autênticos. Ressuscitando, fez entrar todos estes desejos no mundo do amor infinito. É desse céu que se trata hoje, para lá de tudo o que possamos imaginar ou desejar. Em cada Eucaristia, acolhemos em nós a presença de Jesus ressuscitado que vem alimentar e fazer crescer o germe da vida eterna. E, no dia da nossa morte, Jesus far-nos-á entrar no “além”, no “céu”, no mundo do amor sem qualquer limite…

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística I, onde se evoca a “gloriosa ascensão” do Senhor…

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    Testemunhas de Cristo hoje. “Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu?” A mesma palavra vem mexer com as nossas inércias e empurra-nos para fora de nós mesmos nos caminhos deste mundo. Este Messias morto e ressuscitado… vós sois suas testemunhas! Medimos o desafio e a força destas palavras? E como tomamos parte na grande rede das testemunhas de Cristo hoje, no nosso tempo?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • SS. Carlos Lwanga e Companheiros, Mártires

    SS. Carlos Lwanga e Companheiros, Mártires


    3 de Junho, 2025

    Carlos Luanga e os seus vinte e um companheiros, ugandeses, foram martirizados entre 1885 e 1886, por ordem do rei Mwanga. Tendo abraçado a fé, graças à pregação dos Padres Brancos, opuseram-se ao rei, esclavagista e pederasta. Uns foram decapitados e outros queimados vivos. Foram canonizados por Paulo VI, em 1964.

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Macabeus 7, 1-2.9-14

    Naqueles dias, foram presos sete irmãos com a mãe, aos quais o rei, por meio de golpes de azorrague e de nervos de boi, quis obrigar a comer carnes de porco, proibidas pela lei. 2Um deles, tomou a palavra e falou assim: «Que pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos a antes morrer do que violar as leis dos nossos pais.» 3O rei, irritado, ordenou que aquecessem ao fogo sertãs e caldeirões. 4Logo que ficaram em brasa, ordenou que cortassem a língua ao que primeiro falara, lhe arrancassem a pele da cabeça e lhe cortassem também as extremidades das mãos e dos pés, na presença dos irmãos e da mãe. 5Mutilado de todos os seus membros, o rei mandou aproximá-lo do fogo e, vivo ainda, assá-lo na sertã. Enquanto o cheiro da panela se espalhava ao longe, os outros, com a mãe, animavam-se a morrer corajosamente, dizendo: 6«Deus, o Senhor, nos vê e, na verdade, Ele terá compaixão de nós, como diz claramente Moisés no seu cântico de admoestação: Ele terá piedade dos seus servidores.» 7Morto, deste modo, o primeiro, conduziram o segundo ao suplício. Arrancaram-lhe a pele da cabeça com os cabelos e perguntaram-lhe: «Comes carne de porco, ou preferes que o teu corpo seja torturado, membro por membro?» 9Prestes a dar o último suspiro, disse: «Ó malvado, tu arrebatas-nos a vida presente, mas o rei do universo há-de ressuscitar-nos para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis.» 10Depois deste, torturaram o terceiro, o qual, mal lhe pediram a língua, deitou-a logo de fora e estendeu as mãos corajosamente. 11E disse, cheio de confiança: «Do Céu recebi estes membros, mas agora menosprezo-os por amor das leis de Deus, mas espero recebê-los dele, de novo, um dia.» 12O próprio rei e os que o rodeavam ficaram admirados com o heroísmo deste jovem, que nenhum caso fazia dos sofrimentos.13Morto também este, aplicaram os mesmos suplícios ao quarto, 14o qual, prestes a expirar, disse: «É uma felicidade perecer à mão dos homens, com a esperança de que Deus nos ressuscitará; mas a tua ressurreição não será para a vida.»

    Perante a perseguição de Antíoco IV, que pretendia impor a cultura e a religião gregas em todo o reino, também em Jerusalém, o autor do 2 Macabeus apresenta o testemunho heroico dos seus irmãos perseguidos. Os Macabeus lutam para evitar a normalização política e religiosa, que vai contra a identidade e a liberdade do povo de Deus. Hoje escutamos a impressionante narrativa do martírio dos sete irmãos e da sua mãe. Os Mártires de Uganda, em nome da fé cristã, e dos seus princípios morais, resistiram ao tirano Mwanga, pagando o seu atrevimento com a própria vida.

    Evangelho: Mateus 5, 1-12ª

    Naquele tempo, ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. 2Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo:3«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. 4Felizes os que choram, porque serão consolados. 5Felizes os mansos, porque possuirão a terra.  6Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. 9Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.  10Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. 11Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa.12Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu.

    Mateus apresenta a Jesus como o novo Moisés, que promulga a nova lei. O reino de Deus está presente e atuante no mundo. A situação do homem, tornado filho de Deus, é nova. Há que viver de acordo com ela, há que construir uma sociedade nova. Há que viver "segundo o espírito" e não "segundo a carne" (cf. Gl 5, 10ss.). O novo estilo de vida, pessoal e coletivo, - ser construtores de paz, misericordiosos, amigos da justiça, puros de coração, pobres em espírito, vai contra os princípios e hábitos do mundo. Por isso, há que contar com o sofrimento e a perseguição, tal como aconteceu com Cristo. Mas Cristo diz-lhes: "Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu. (v. 12).

    Meditatio

    Ao canonizar os mártires, que hoje celebramos, Paulo VI pronunciou estas palavras: "Estes Mártires Africanos acrescentam ao álbum dos vencedores, chamado Martirológio, uma página ao mesmo trágica e grandiosa, verdadeiramente digna de figurar ao lado das célebres narrações da África antiga, as quais, neste tempo em que vivemos, julgávamos, por causa da nossa pouca fé, que nunca mais viriam a ter semelhante continuação... Estes Mártires Africanos dão, sem dúvida, início a uma nova era... Com efeito, a África, orvalhada com o sangue destes mártires, que são os primeiros desta nova era, (e queira Deus que sejam os últimos - tão grande e precioso é o seu holocausto), a África renasce livre e resgatada".
    Nos Mártires de Uganda realizou-se a palavra de Jesus: "Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto." (Jo 12, 24). As novas comunidades cristã, no coração da África, nascem marcadas pelo seu martírio. O seu sangue é semente de novas comunidades, que floresceram e continuarão a florescer em África, comunidades jovens, dinâmicas e evangelizadoras.
    Os Mártires de Uganda são para nós um ícone vivo. São um desafio a construir, com clareza de identidade, a sociedade contemporânea e, como escreveu João Paulo II, a "não deixar faltar a este mundo o clarão da divina beleza que ilumine o caminho da existência humana".
    Como batizados, participamos no sacerdócio de Cristo, mas, com Ele e como Ele, somos também "vítimas" do seu e nosso sacerdócio: "Saiamos, então, ao seu encontro fora do acampamento, suportando a sua humilhação... ofereçamos continuamente a Deus um sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome." (Heb 13, 13.15). Os Mártires participam na oblação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, para glória e alegria de Deus, e para redenção da humanidade. Com efeito, comenta Cipriani, "O sacrifício de Cristo não pode permanecer isolado, não partilhável; o Seu martírio é um apelo ao nosso martírio". S. Paulo, ao escrever aos Romanos, diz-lhes: "Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos (isto é, vós mesmos) como sacrifício, vivo, santo e agradável a Deus; é este o vosso culto espiritual" (Rom 12, 1).

    Oratio

    Senhor nosso Deus, que fazeis do sangue dos mártires semente de cristãos, concedei que a seara da vossa Igreja, regada com o sangue de São Carlos Lwanga e seus companheiros, produza sempre abundante colheita para o vosso reino. Ámen. (Coleta da Missa).

    Contemplatio

    As ladainhas cantam a glória do nome de Jesus, o seu valor, a sua fecundidade... É um nome glorioso pelas suas origens celestes: Jesus, filho do Deus vivo; Jesus, esplendor do Pai; Jesus pureza da luz eterna; Jesus, rei de glória; Jesus, sol de justiça, tende piedade de nós. É um nome glorioso sobre a terra, pela sua beleza sobrenatural e pela sua grande missão: Jesus, filho da Virgem Maria; Jesus amável; Jesus admirável; Jesus, Deus forte; Jesus, Pai do século que há-de vir; Jesus, anjo do grande conselho; Jesus muito poderoso tende piedade de nós. É um nome glorioso pelas suas virtudes: Jesus, muito paciente; Jesus muito obediente; Jesus manso e humilde de coração; Jesus que amais a castidade; Jesus, que nos amastes; Jesus, Deus de paz; Jesus, autor da vida; Jesus, modelo de toda a virtude; Jesus zelador das almas, tende piedade de nós. É um nome glorioso pelos seus títulos mais amáveis: Jesus, nosso Deus; Jesus, nosso refúgio; Jesus, pai dos pobres; Jesus, tesouro dos fiéis; Jesus, bom Pastor; Jesus, verdadeira luz; Jesus, sabedoria eterna; Jesus, bondade infinita; Jesus, nosso caminho e nossa vida; tende piedade de nós. É um nome glorioso pela sua preeminência sobre todas as glórias: Jesus, alegria dos anjos; Jesus, rei dos patriarcas; Jesus, senhor dos apóstolos; Jesus, doutor dos evangelistas; Jesus, mártir e força dos mártires; Jesus, confessor e luz dos confessores; Jesus, virgem e pureza das virgens; Jesus, santo e coroa de todos os santos, tende piedade de nós. Verdadeiramente este nome está acima de todos os nomes. (Leão Dehon, OSP 3, p.59s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Felizes sereis quando vos perseguirem por minha causa." (cf. Mt 5, 12).
    ----

    SS. Carlos Lwanga e Companheiros, Mártires (03 Junho)

  • Solenidade do Pentecostes – Ano C [atualizado]

    Solenidade do Pentecostes – Ano C [atualizado]

    8 de Junho, 2025

    SOLENIDADE DE PENTECOSTES

    Tema da Solenidade de Pentecostes – Missa do Dia

    Na Solenidade de Pentecostes a liturgia convida-nos a olhar para o Espírito Santo e a tomar consciência da sua ação na Igreja e no mundo. Fonte inesgotável de Vida, o Espírito, transforma, renova, orienta, anima, fortalece, constrói comunidade, fomenta a unidade, transmite aos discípulos a força de se assumirem como arautos do Evangelho de Jesus.

    O Evangelho apresenta-nos a comunidade da Nova Aliança reunida à volta de Jesus ressuscitado. Para João, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva, recriada, renovada, a partir do dom do Espírito. Fortalecidos pelo Espírito que Jesus ressuscitado lhes transmite, os discípulos podem partir ao encontro do mundo para o transformar e renovar.

    Na primeira leitura, o autor dos Atos dos Apóstolos apresenta-nos o Espírito Santo como a Lei Nova que orienta e anima o Povo da Nova Aliança. O Espírito faz com que homens e mulheres de todas as raças e culturas acolham a Boa Nova de Jesus e formem uma comunidade unida e fraterna, que fala a mesma língua, a do amor.

    Na segunda leitura, Paulo apresenta o Espírito como fonte de Vida para a comunidade cristã. É o Espírito que concede os dons que enriquecem a comunidade e que fomenta a unidade de todos os membros. Por isso, os dons do Espírito não podem ser usados para benefício pessoal, mas devem ser postos ao serviço de todos.

     

    LEITURA I – Atos dos Apóstolos 2,1-11

    Quando chegou o dia de Pentecostes,
    os Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar.
    Subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu,
    um rumor semelhante a forte rajada de vento,
    que encheu toda a casa onde se encontravam.
    Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
    que se iam dividindo,
    e poisou uma sobre cada um deles.
    Todos ficaram cheios do Espírito Santo
    e começaram a falar outras línguas,
    conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem.
    Residiam em Jerusalém judeus piedosos,
    procedentes de todas as nações que há debaixo do céu.
    Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se
    e ficou muito admirada,
    pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua.
    Atónitos e maravilhados, diziam:
    «Não são todos galileus os que estão a falar?
    Então, como é que os ouve cada um de nós
    falar na sua própria língua?
    Partos, medos, elamitas,
    habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
    do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília,
    do Egipto e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene,
    colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos,
    cretenses e árabes,
    ouvimo-los proclamar nas nossas línguas
    as maravilhas de Deus».

     

    CONTEXTO

    A obra de Lucas abarca dois “tempos” diferentes, duas etapas da “história da salvação”: o “tempo de Jesus” (Evangelho), e o “tempo da Igreja” (Atos dos Apóstolos). O “tempo de Jesus” é o “tempo” em que Jesus estava fisicamente presente no meio dos seus discípulos e andava com eles pelas vilas e aldeias da Palestina a anunciar o Reino de Deus; o “tempo da Igreja” é o tempo em que Jesus já voltou para o Pai e são os discípulos que assumem a missão de dar testemunho da salvação de Deus.

    Os Atos dos Apóstolos situam-nos, portanto, no “tempo da Igreja”. O livro apresenta-nos os momentos principais dessa aventura missionária que leva a proposta de Jesus desde Jerusalém até aos confins do mundo (At 1,8). Os discípulos, no entanto, não percorrerão sozinhos este caminho: serão ajudados e orientados pelo Espírito Santo, conforme a promessa de Jesus (cf. At 1,5.8).

    O “tempo da Igreja” começa em Jerusalém, logo depois da ressurreição/ascensão de Jesus. De acordo com o plano teológico de Lucas, foi em Jerusalém que a salvação de Deus irrompeu na história dos homens; e será a partir de Jerusalém que essa salvação se vai espalhar pelo mundo inteiro. O “pontapé de saída” nessa aventura que vai levar o Evangelho de Jesus ao encontro do mundo foi dado com a receção, pelos discípulos, do Espírito Santo.

    No livro dos Atos, Lucas diz-nos que a comunidade de Jesus se encontrou com o Espírito Santo no dia em que os judeus celebravam a festa judaica do Pentecostes (em hebraico “Shavu’ot”). Essa festa (também chamada “festa das semanas” e “festa das primícias”) ocorria cinquenta dias após a Páscoa e era, antes de mais, uma festa agrícola: terminada a colheita dos cereais, os agricultores dirigiam-se ao Templo, ao som de música de flautas, para entregar a Deus os primeiros frutos da colheita (“bicurim”). Eram acolhidos com cânticos de boas vindas, entravam no templo e entregavam nas mãos dos sacerdotes os cestos com os frutos que tinham trazido. Mais tarde, contudo, a tradição rabínica ligou esta festa à celebração da “aliança” e ao dom da Lei, no Sinai; e, no séc. I, esta dimensão tinha um lugar importante na celebração do Pentecostes.

    No que diz respeito ao texto que nos é proposto neste domingo como primeira leitura e que descreve os acontecimentos do dia do Pentecostes, não existem dúvidas de que é uma construção artificial, criada por Lucas com uma clara intenção teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre a imagens, a símbolos, à linguagem poética das metáforas. Temos de descodificar os símbolos para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva, pela palavra de Lucas, quis deixar-nos. Uma interpretação literal deste relato seria, portanto, uma boa forma de passarmos ao lado do essencial da mensagem; far-nos-ia reparar na roupagem exterior, no folclore, e ignorar o fundamental. O interesse fundamental de Lucas, o nosso catequista, é apresentar a Igreja como a comunidade que nasce de Jesus, que é assistida pelo Espírito e que é chamada a testemunhar aos homens o projeto libertador do Pai.

     

    MENSAGEM

    O evangelista João conta que Jesus, no próprio dia em que ressuscitou, apareceu no meio dos discípulos reunidos e, soprando sobre eles, disse-lhes: “recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). Este enquadramento responde ao objetivo da catequese do autor do Quarto Evangelho: dizer que o Espírito é um dom que Jesus ressuscitado oferece aos seus, antes de os deixar, a fim de que eles, animados pela força de Deus, possam ir ao encontro do mundo e dar testemunho do Reino.

    Contudo Lucas, nos Atos dos Apóstolos, coloca o dom do Espírito no dia do Pentecostes (“quando chegou o dia do Pentecostes” – vers. 1), cinquenta dias depois da Páscoa. Porquê? Estamos diante de um dado histórico, ou de um dado teológico?

    Ao situar o dom do Espírito no dia em que a comunidade judaica celebrava a aliança e o dom da Lei, no Sinai, Lucas não está a situar cronologicamente um acontecimento; mas está a sugerir que a comunidade nascida de Jesus é a comunidade da Nova aliança e que o Espírito será a sua Lei. O caminho que essa comunidade vai percorrer não será balizado por uma Lei externa, escrita em tábuas de pedra (como a Lei do Sinai); mas será desenhado pelo Espírito Santo que reside no coração dos discípulos. A comunidade nascida de Jesus e dirigida pelo Espírito é o novo Povo de Deus. Cumpre-se assim a promessa feita por Deus através do profeta Ezequiel: “dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um Espírito novo, arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Dentro de vós porei o meu Espírito, fazendo com que sigais as minhas leis e obedeçais e pratiqueis os meus preceitos” (Ez 36,26-27).

    Lucas passa, depois, a narrar a manifestação do Espírito (vers. 2-4). O cenário dessa manifestação é enfeitado com dois símbolos bem expressivos: o “vento de tempestade” e o “fogo”. São os símbolos da revelação de Deus no Sinai, quando Deus propôs ao Povo uma aliança, deu-lhe uma Lei e constituiu-o como Povo de Deus (cf. Ex 19,16.18; Dt 4,36). Estes símbolos evocam a força de Deus que, de forma irresistível, entra na vida do seu Povo, transforma o coração do seu Povo, constitui a comunidade de Deus.

    O Espírito (força de Deus, presença ativa de Deus) que desce sobre os discípulos apresenta-se na forma de “língua de fogo”. Porque é que o Espírito é apresentado, pelo autor dos Atos, nessa forma particular? A “língua” evoca a capacidade de comunicar, de estabelecer laços, de construir comunidade. “Falar outras línguas” é criar relações, é superar o gueto, a divisão, o egoísmo, a marginalização. Na velha história da “torre de Babel” (cf. Gn 11,1-9), o orgulho, a ambição desmedida, a autossuficiência, o egoísmo, levaram os homens à separação, ao desentendimento, à confusão das línguas, à incapacidade de comunicar e de colaborar em projetos comuns. Agora chegou um novo tempo: o Espírito que Deus derrama sobre os discípulos, em forma de línguas de fogo, vai inverter a história de Babel e fazer nascer um Povo novo, capaz de comunicar, de dialogar, de viver em comunhão.

    É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do Espírito descritos pelo autor dos Atos dos Apóstolos (cf. At 2,5-13): os discípulos proclamavam o seu anúncio e cada uma das pessoas ali presentes os ouvia falar “na sua própria língua” (vers. 6). O elenco dos povos que, no dia de Pentecostes, escutaram os apóstolos e fizeram essa experiência de comunhão, inclui representantes de todo o mundo antigo, desde a Mesopotâmia, passando por Canaã, pela Ásia Menor, pelo norte de África, até Roma. Embora separados por barreiras de raça, de língua, de cultura, de geografia, todos esses povos vão poder escutar a proclamação “das maravilhas de Deus” (vers. 11). A expressão define o anúncio do Evangelho, fonte de Vida, de amor, de comunhão, de fraternidade e de salvação para todos. Os que se dispuserem a acolher esse anúncio, vão integrar a comunidade da salvação, onde se fala a mesma língua (a do amor). Sem deixarem a sua cultura, as suas diferenças, as suas realidades próprias, todos poderão experimentar essa comunhão que une por laços de família povos bem diferentes.

    Essa nova comunidade é a Igreja de Jesus, o Povo da Nova Aliança, a humanidade nova: nascida do anúncio do Evangelho, juntará numa mesma família homens e mulheres de todas as raças e culturas, vivificados pelo Espírito; e o Espírito será, para esta comunidade, fonte perene de união, de amor e de liberdade.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Hoje, para o bem e para o mal, toda a gente fala da “Igreja” e tem opinião sobre a vida da “Igreja”. O que é a “Igreja”? Qual é a essência, a “alma” dessa realidade a que chamamos “Igreja”? O que é que ela pretende? Qual o seu papel no mundo? Temos, nesta catequese sobre os acontecimentos do dia de Pentecostes, os elementos essenciais para responder a estas questões. Segundo o autor dos Atos, a Igreja é uma comunidade de homens e de mulheres convocados por Jesus, que aderiram a Jesus e à sua Boa Nova; são animados, sustentados e dirigidos pelo Espírito Santo ao longo de todo o caminho que percorrem na história; têm por missão continuar no mundo a obra de Jesus: anunciar o Reino de Deus, lutar contra o mal, curar os que sofrem, testemunhar em palavras e gestos o amor de Deus, levar a todos os cantos da terra a salvação de Deus. Da escuta e do acolhimento da proposta que, em nome de Jesus, a Igreja apresenta ao mundo, resulta a comunidade universal da salvação, que vive no amor e na partilha, apesar das diferenças culturais e étnicas. Sentimo-nos, efetivamente, membros desta família? Identificamo-nos com ela? A “Igreja” de que fazemos parte é uma comunidade de irmãos que se amam, apesar das diferenças? Está reunida por causa de Jesus e à volta de Jesus? Tem consciência de que o Espírito está presente e que a anima? Testemunha, de forma efetiva e coerente, a proposta libertadora que Jesus deixou?
    • O relato do autor dos Atos dos Apóstolos quer claramente afirmar que o Espírito Santo foi o responsável pela mudança de atitude dos discípulos em relação à tarefa que lhes foi confiada por Jesus. Antes do Pentecostes, o grupo dos discípulos estava fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de arriscar, sem iniciativa e sem a coragem de dar testemunho; depois do Pentecostes, aparece-nos uma comunidade unida, sem medo, que ultrapassa as suas limitações humanas e testemunha bem alto a sua fé em Jesus ressuscitado. O Espírito clarifica as coisas, varre o medo, abre as portas, limpa as teias de aranha que a passagem do tempo deixa acumular, aponta os caminhos que devem ser percorridos, esbate as diferenças e apresenta ao mundo uma Igreja com um rosto belo, renovado e corajoso. As nossas comunidades cristãs têm consciência do papel do Espírito na construção e na animação da Igreja? Damos suficiente espaço à ação do Espírito, em nós e nas nossas comunidades?
    • A Igreja reúne na sua “casa” gente muito diversa, vinda de realidades culturais, políticas e sociológicas muito diversas. Essa diversidade nunca deve ser vista como um problema, mas sim como uma imensa riqueza. Para se tornar cristão, ninguém deve ser espoliado da própria cultura ou da sua identidade: nem os africanos, nem os europeus, nem os sul-americanos, nem os negros, nem os brancos; mas todos são convidados, com as suas diferenças, a acolher esse projeto libertador de Deus, que faz os homens deixarem de viver de costas voltadas, para viverem no amor. A Igreja de que fazemos parte é esse espaço de liberdade e de fraternidade? Nela todos encontram lugar e são acolhidos com amor e com respeito – mesmo os de outras raças, mesmo aqueles de quem não gostamos, mesmo aqueles que não fazem parte do nosso círculo, mesmo aqueles que a sociedade marginaliza e afasta?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 103 (104)

    Refrão 1: Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e renovai a face da terra.

    Refrão 2: Mandai, Senhor, o vosso Espírito, e renovai a terra.

    Refrão 3: Aleluia.

    Bendiz, ó minha alma, o Senhor.
    Senhor, meu Deus, como sois grande!
    Como são grandes, Senhor, as vossas obras!
    A terra está cheia das vossas criaturas.

    Se lhes tirais o alento, morrem
    e voltam ao pó donde vieram.
    Se mandais o vosso espírito, retomam a vida
    e renovais a face da terra.

    Glória a Deus para sempre!
    Rejubile o Senhor nas suas obras.
    Grato Lhe seja o meu canto
    e eu terei alegria no Senhor.

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 12,3b-7.12-13

    Irmãos:
    Ninguém pode dizer: «Jesus é o Senhor»,
    a não ser pela ação do Espírito Santo.
    De facto, há diversidade de dons espirituais,
    mas o Espírito é o mesmo.
    Há diversidade de ministérios,
    mas o Senhor é o mesmo.
    Há diversas operações,
    mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.
    Em cada um se manifestam os dons do Espírito
    para o bem comum.
    Assim como o corpo é um só e tem muitos membros,
    e todos os membros, apesar de numerosos,
    constituem um só corpo,
    assim também sucede com Cristo.
    Na verdade, todos nós
    – judeus e gregos, escravos e homens livres –
    fomos batizados num só Espírito,
    para constituirmos um só Corpo.
    E a todos nos foi dado a beber um único Espírito.

     

    CONTEXTO

    O trabalho missionário de Paulo de Tarso, em meados do séc. I, levou o cristianismo ao encontro do mundo grego. Paulo, depois de um certo discernimento, tinha concluído que a proposta de Jesus era para todos os povos da terra e não exclusivamente para os judeus. No entanto, o contexto judaico – de onde o cristianismo era originário – e o contexto grego eram realidades culturais e religiosas bastante diferentes. Como é que a proposta cristã se aguentaria quando mergulhasse num mundo que funcionava com dinamismos que lhe eram estranhos? Iria a brilhante cultura grega absorver ou desvirtuar os valores cristãos? Como é que os cristãos de origem grega integrariam a sua fé na realidade cultural em que estavam inseridos? A comunidade cristã de Corinto sentiu toda esta problemática de forma especial. Na Primeira Carta aos Corintos, Paulo aborda diversas questões que lhe foram colocadas pelos cristãos de Corinto e onde, como “pano de fundo”, está a questão do encaixe dos valores cristãos nos valores da cultura grega.

    Uma das questões onde esta problemática, de alguma forma, está presente é a questão dos “carismas”. A palavra “carisma” tem a sua origem no campo religioso cristão, especialmente na teologia paulina. Designa dons especiais do Espírito, concedidos a determinado indivíduo – independentemente do posto que ocupa na instituição eclesial – para o bem das pessoas, para as necessidades do mundo e, em particular, para a edificação da Igreja. Nas cartas de Paulo fala-se insistentemente em “carismas” que animavam a vida e o dinamismo das comunidades cristãs.

    Alguns cristãos de Corinto, no entanto, influenciados por determinadas experiências religiosas que existiam na religião grega tradicional, entenderam os “carismas” de uma forma bem peculiar. Eles conheciam, por exemplo, os “oráculos”, através dos quais os deuses, servindo-se de intermediários humanos, transmitiam as suas indicações (santuário de Delfos, sacerdotisas de Dodona); conheciam também certos rituais em que os crentes, através do transe, de experiência orgiásticas, de excessos de vários tipos, se “fundiam” com o deus a quem prestavam culto (mistérios de Dionísio, culto de Cibele). Confundiram, portanto, os “carismas” cristãos com algumas dessas práticas pagãs; e, possivelmente, chegaram a fazer uso dos dons carismáticos em ambiente semelhante ao de certas cerimónias religiosas pagãs.

    Mais ainda: considerando-se a si próprios “escolhidos de Deus”, alguns destes carismáticos reivindicavam um protagonismo que danificava a comunhão fraterna. Apresentando-se como “iluminados”, mensageiros incontestados das coisas divinas, assumiam atitudes de autoritarismo e de prepotência que não favoreciam a fraternidade; desprezavam os que não tinham sido dotados destes dons, considerando-os como “cristãos de segunda”, limitados a um lugar subalterno no contexto comunitário.

    Tudo isto causou natural alarme na comunidade cristã de Corinto. Paulo, informado da situação, entendeu intervir para evitar abusos e mal-entendidos. Na Primeira Carta aos Coríntios, ele corrige, dá conselhos, mostra a incoerência destes comportamentos, incompatíveis com o Evangelho de Jesus. A sua intervenção neste campo aparece nos capítulos 12 a 14 da referida Carta. A nossa segunda leitura deste domingo insere-se neste contexto.

     

    MENSAGEM

    Paulo procura ajudar os coríntios a enquadrar os “carismas” de forma adequada, não apenas na dimensão da vida pessoal, mas também no contexto comunitário.

    A primeira questão que Paulo aborda é a do critério fundamental para ajuizar da validade dos dons carismáticos. Não se pode confundir um “carisma” com certas atitudes que resultam da busca de protagonismo ou da salvaguarda de interesses pessoais. Segundo Paulo, o verdadeiro “carisma”, o que vem do Espírito, é o que leva a confessar que “Jesus é o Senhor” (vers. 3b). Se alguém, nas suas palavras ou nas suas atitudes, nega Jesus ou a sua autoridade sobre o mundo e sobre a história, é evidente que não está a falar ou a agir iluminado pelo Espírito Santo. Não pode haver oposição entre Cristo e o Espírito; qualquer manifestação que ponha em causa o essencial da fé, não vem do Espírito e não resulta de um “carisma” autêntico.

    Depois, Paulo enumera os diversos carismas concedidos aos membros da comunidade; mas lembra que, apesar da diversidade de dons espirituais, é o mesmo Espírito que atua em todos; apesar da diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está presente em todos; apesar da diversidade de ações, é o mesmo Deus que age em todos. Todos os carismas, por diversos que sejam, unificam-se no mesmo Deus uno e trino (vers. 4-6). Os “carismas” não dividem nem podem ser usados para dividir a comunidade. Eles unem os membros da comunidade à volta do mesmo Deus, do mesmo Senhor Jesus, do mesmo Espírito, da mesma experiência de fé. Um “carisma” que não é fator de unidade é um “carisma” falso.

    Paulo garante também que os dons que o Espírito concede “a cada um” são “para o bem comum”, para benefício de todos (vers. 7). Estes dons não podem, portanto, ser usados para benefício próprio, para a promoção de si próprio, para melhorar a própria posição ou o próprio “ego”; eles são para o bem de toda a comunidade e só fazem sentido enquanto são postos ao serviço da comunidade.

    Paulo conclui a sua reflexão aplicando a metáfora do “corpo” à comunidade. Como um “corpo”, a comunidade é formada por diversos membros, cada um com funções diversas; mas todos constituem um único “corpo”. A Igreja, “corpo” de Cristo também é formada por membros muito diversos (vers. 12), cada um deles com a sua função e a sua riqueza; mas todos os membros desse “corpo” foram batizados num único Espírito e todos bebem da mesma vida que lhes vem desse único Espírito (vers. 13). É o mesmo Espírito, fonte de Vida para todo o “corpo” que distribui os seus dons, fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade dos diversos membros que formam a comunidade.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Todos aqueles que integram a comunidade cristã são membros de um único “corpo”, o “corpo de Cristo”; todos aqueles que são membros do “corpo de Cristo” vivem e alimentam-se do mesmo Espírito; todos aqueles que se alimentam do mesmo Espírito formam uma família de irmãos e de irmãs, iguais em dignidade. Podem, naturalmente, desempenhar funções diversas, como acontece com os membros de um corpo; mas todos eles são igualmente importantes enquanto membros do “corpo de Cristo”. Tudo isto parece incontestável, à luz da doutrina de Paulo. No entanto encontramos, com alguma frequência, cristãos com uma consciência viva da sua superioridade e da sua situação “à parte” na comunidade (seja em razão da função que desempenham, seja em razão das suas “qualidades” humanas), que gostam de se fazer notar e de afirmar a sua autoridade ou o seu “estatuto”. Às vezes, veem-se atitudes de prepotência e de autoritarismo por parte daqueles que se consideram depositários de dons especiais; por vezes, ficamos com a sensação de que a estrutura eclesial funciona em modelo piramidal, com uma elite que preside e toma as decisões instalada no topo, e um “rebanho” silencioso que obedece instalado na base. Isto faz algum sentido, à luz da doutrina que Paulo expõe? Como entendemos o nosso lugar e o nosso papel na comunidade cristã?
    • Os dons que o Espírito concede, por mais pessoais que sejam, são para servir o bem comum e para reforçar a vivência comunitária. Quem os recebe deve pô-los ao serviço de todos, com humildade e simplicidade. Não faz sentido escondermos os “dons” que recebemos, guardando-os só para nós e deixando que eles fiquem estéreis; também não faz sentido usar os “dons” que recebemos de tal forma que eles se tornem fator de conflitos ou de divisões. Os “dons” que nos foram concedidos são postos ao serviço da comunidade? São fonte de encontro, de comunhão, de partilha, de Vida, para a comunidade de que fazemos parte?
    • O Espírito Santo é uma presença imprescindível no caminho que a Igreja vai percorrendo todos os dias: é Ele que alimenta, que anima, que fortalece, que dá Vida ao Povo de Deus peregrino; é Ele que distribui os dons conforme as necessidades e que, com esses dons, continuamente recria a Igreja; é Ele que conduz a marcha, que indica os caminhos a percorrer, que ajuda a tomar as decisões que se impõem para que a “barca de Pedro” chegue a bom porto. Temos consciência da presença do Espírito, procuramos ouvir a sua voz e perceber as suas indicações?

    (Em vez desta leitura, pode escolher-se a leitura seguinte: Gálatas 5,16-15)

    SEQUÊNCIA DO PENTECOSTES

    Vinde, ó santo Espírito,
    vinde, Amor ardente,
    acendei na terra
    vossa luz fulgente.

    Vinde, Pai dos pobres:
    na dor e aflições,
    vinde encher de gozo
    nossos corações.

    Benfeitor supremo
    em todo o momento,
    habitando em nós
    sois o nosso alento.

    Descanso na luta
    e na paz encanto,
    no calor sois brisa,
    conforto no pranto.

    Luz de santidade,
    que no Céu ardeis,
    abrasai as almas
    dos vossos fiéis.

    Sem a vossa força
    e favor clemente,
    nada há no homem
    que seja inocente.

    Lavai nossas manchas,
    a aridez regai,
    sarai os enfermos
    e a todos salvai.

    Abrandai durezas
    para os caminhantes,
    animai os tristes,
    guiai os errantes.

    Vossos sete dons
    concedei à alma
    do que em Vós confia:

    Virtude na vida,
    amparo na morte,
    no Céu alegria.

     

    ALELUIA

    Aleluia. Aleluia.

    Vinde, Espírito Santo,
    enchei os corações dos vossos fiéis
    e acendei neles o fogo do vosso amor.

     

    EVANGELHO – João 20,19-23

    Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
    estando fechadas as portas da casa
    onde os discípulos se encontravam,
    com medo dos judeus,
    veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes:
    «A paz esteja convosco».
    Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
    Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
    Jesus disse-lhes de novo:
    «A paz esteja convosco.
    Assim como o Pai Me enviou,
    também Eu vos envio a vós».
    Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes:
    «Recebei o Espírito Santo:
    àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados;
    e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».

     

    CONTEXTO

    Jesus foi crucificado na manhã de uma sexta-feira – dia da “preparação” da Páscoa – e morreu pelas três horas da tarde desse dia. Já depois de morto, um soldado trespassou-lhe o coração com uma lança; e do coração aberto de Jesus saiu sangue e água (cf. Jo 19,31-37). O evangelista João vê no sangue que sai do lado aberto de Jesus o sinal do seu amor dado até ao extremo (cf. Jo 13,1); e vê na água que sai do coração trespassado de Jesus o sinal do Espírito (cf. Jo 3,5), desse Espírito que Jesus “entregou” aos seus e que é fonte de Vida nova. Da água e do sangue, do batismo e da eucaristia, nascerá a nova comunidade, a comunidade da Nova Aliança. Contudo, os discípulos que tinham subido com Jesus a Jerusalém e que seriam o embrião dessa comunidade da Nova Aliança, desapareceram sem deixar rasto. Estão escondidos, algures na cidade de Jerusalém, paralisados pelo medo. O projeto de Jesus falhou?

    No final da tarde dessa sexta-feira, o corpo morto de Jesus foi sepultado à pressa num túmulo novo, situado num horto ao lado do lugar onde se tinha dado a crucificação (cf. Jo 19,38-42). Depois veio o sábado, o último dia da semana, o dia da celebração da Páscoa judaica. Durante todo aquele sábado o túmulo de Jesus continuou cerrado.

    A partir daqui a narração de João muda de tempo e de registo. Chegamos ao “primeiro dia da semana”. É o primeiro dia de um tempo novo, o tempo da humanidade nova, nascida da ação criadora e vivificadora de Jesus. “No primeiro dia da semana”, Maria Madalena, a mulher que representa a nova comunidade, vai ao túmulo e vem de lá confusa e desorientada porque o túmulo está vazio (cf. Jo 20,1-2). Logo depois, ainda “no primeiro dia da semana”, Pedro e outro discípulo correm ao túmulo e constatam aquilo que Maria Madalena tinha afirmado: Jesus já não está encerrado no domínio da morte (cf. Jo 20,3-10). A comunidade de Jesus começa a despertar do seu letargo; começa a viver um tempo novo. Mas é preciso mais qualquer coisa para que os discípulos vençam o medo e assumam o seu papel enquanto comunidade da Nova Aliança. O que falta? Ao entardecer do “primeiro dia da semana” (ou seja, ao concluir-se este primeiro dia da nova criação) Jesus encontra-se com toda a comunidade reunida na casa onde se escondiam.

    O texto do evangelho que a liturgia da Solenidade do Pentecostes nos apresenta descreve esse encontro entre Jesus ressuscitado e a sua comunidade.

     

    MENSAGEM

    João começa por descrever a situação em que estavam os discípulos antes de Jesus lhes aparecer: o “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo”, traduzem a insegurança e o desamparo que eles sentem diante desse mundo hostil que condenou Jesus à morte.

    Mas de repente o próprio Jesus apresenta-se “no meio deles” (vers. 19b). O crucificado está vivo; a morte não o derrotou. Os discípulos já não estão órfãos, abandonados à hostilidade do mundo. Ao colocar-se “no meio deles”, Jesus ressuscitado assume-Se como ponto de referência, fator de unidade, fonte de Vida, videira à volta da qual se enxertam os ramos (cf. Jo 15,5). A comunidade está centrada em Jesus, apenas em Jesus. Ele é o centro onde todos vão beber a água que dá a Vida eterna.

    A esta comunidade que se reúne à sua volta, Jesus transmite duplamente a paz (vers. 19 e 21). Não é apenas o tradicional cumprimento hebraico (“shalom”); significa, para além disso, que Jesus venceu tudo aquilo que assustava os discípulos: a morte, a opressão, a mentira, a violência, a hostilidade do mundo. Doravante os discípulos de Jesus não têm qualquer razão para viverem paralisados pelo medo. Estão em paz.

    Depois (vers. 20a), Jesus mostra aos discípulos as mãos com a marca dos pregos e o lado que foi trespassado pela lança do soldado. Nesses “sinais” está, antes de mais, a prova da sua vitória sobre a morte e a maldade dos homens; mas também está a marca da sua entrega até à morte por obediência ao Pai e por amor aos homens. Neles está impressa, por assim dizer, a “identidade” de Jesus: é nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a permanência do amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que salva e do qual brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.

    A esta “apresentação” de Jesus, os discípulos respondem com a alegria (vers. 20b): eles estão alegres porque Jesus está vivo; mas também estão alegres porque sabem que começou um tempo novo, o tempo em que a morte já não assusta, o tempo do Homem Novo, do Homem livre, do Homem que se encontrou com a Vida definitiva.

    Em seguida, Jesus convoca os discípulos para a missão (vers. 21). Que missão? Precisamente a mesma que o Pai Lhe confiou a Ele: realizar no mundo a obra de Deus. Os discípulos concretizarão esta missão sempre em ligação com Jesus: eles são ramos ligados à videira/Jesus, pois só assim darão fruto (cf. Jo 15,1-8).

    Para que os discípulos possam concretizar a missão, Jesus realiza um gesto inesperado, mas bem significativo: “soprou” sobre eles (vers. 22). O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto grego de Gn 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida de Deus). Com o “sopro” de Gn 2,7, o homem tornou-se um ser vivente; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a Vida nova, o Espírito Santo, que fará deles Homens Novos e que os capacitará para viverem como testemunhas do Ressuscitado. Trata-se, em boa verdade, de uma nova Criação. Da atividade de Jesus, do seu testemunho, do seu amor, do seu dom nasceu uma nova humanidade, capaz de amar até ao extremo, de dar a vida, de realizar a obra de Deus.

    Poucas horas antes de morrer, naquela inesquecível ceia de despedida que fez com os discípulos na quinta-feira santa, Jesus tinha-lhes prometido que eles não ficariam sozinhos e que ia dar-lhes o Espírito Santo. Chamara-lhe, então, o “Espírito da Verdade”, o “Paráclito” (Jo 14,16.25; 15,26; 16,13); e garantira que esse Espírito ficaria sempre com eles (cf. Jo 14,16), lhes ensinaria tudo e lhes recordaria tudo o que o próprio Jesus lhes tinha dito (cf. Jo 14,26), os guiaria para a Verdade completa, lhes daria a conhecer tudo o que havia de vir (cf. 16,13). Agora, depois de ressuscitado, logo que se encontrou com os discípulos, Jesus cumpriu a sua promessa.

    Animada pelo Espírito recebido de Jesus, a comunidade da Nova Aliança poderá agora começar a percorrer o seu caminho pela história. O “sopro” de Vida que Jesus transmitiu aos seus discípulos recriá-los-á a cada passo, revitalizá-los-á e dar-lhes-á a coragem para serem testemunhas do Evangelho até aos confins da terra.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Nos relatos pascais aparece sempre, em pano de fundo, a convicção profunda de que a comunidade dos discípulos nunca estará sozinha, abandonada à sua sorte: Jesus ressuscitado, Aquele que venceu a morte, a injustiça, o egoísmo, o pecado, acompanhá-la-á em cada passo do seu caminho histórico. É verdade que os discípulos de Jesus não vivem num mundo à parte, onde a fragilidade e a debilidade dos humanos não os tocam. Como os outros homens e mulheres, eles experimentam o sofrimento, o desalento, a frustração, o desânimo; têm medo quando o mundo escolhe caminhos de guerra e de violência; sofrem quando são atingidos pela injustiça, pela opressão, pelo ódio do mundo; conhecem a perseguição, a incompreensão e a morte… Mas, apesar de tudo isso, não se deixam vencer pelo pessimismo e pelo desespero pois sabem que Jesus vai “no meio deles”, oferecendo-lhes a sua paz e apontando-lhes o horizonte da Vida definitiva. É com esta certeza que caminhamos e que enfrentamos as tempestades da vida? Os outros homens e mulheres que partilham o caminho connosco descobrem Jesus, vivo e ressuscitado, através do testemunho de esperança que damos?
    • O Espírito Santo é o grande dom que Jesus ressuscitado faz à comunidade dos discípulos. Ele é o sopro de Vida que nos recria e que nos transforma, a cada instante, em pessoas novas. Sem o Espírito, seremos barro inerte e não imagem viva de Deus; sem o Espírito, ficaremos paralisados pelos nossos medos e pelos nossos comodismos, incapazes de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem o Espírito, ficaremos instalados no ceticismo e na desilusão, sem a audácia profética que transforma o mundo; sem o Espírito, esconder-nos-emos atrás de leis, de rituais, de doutrinas, e não passaremos de funcionários medíocres de uma religião sem alma e sem amor; sem o Espírito recairemos continuamente nos esquemas velhos e nos hábitos velhos, incapazes de nos deixarmos questionar pelos desafios sempre novos de Deus; sem o Espírito, ficaremos cada vez mais fechados dentro das paredes dos nossos templos, incapazes de ir ao encontro do mundo e de lhe levar a proposta de Jesus… Sem o Espírito, nunca teremos a coragem para continuar no mundo a obra de Jesus. No entanto, o Espírito só atua em nós se estivermos disponíveis para o acolher. Ele não se impõe nem desrespeita a nossa liberdade. Estamos disponíveis para acolher o Espírito? O nosso coração está aberto aos desafios que o Espírito constantemente nos lança?
    • São bem sugestivos os nomes com que Jesus, na última ceia, designa o Espírito prometido: “Espírito da Verdade” e “Paráclito”. Ele é “Espírito da Verdade” porque nos traz, a cada passo a Verdade de Deus, uma Verdade que o mundo precisa escutar e que os discípulos de Jesus devem testemunhar sem tibiezas; Ele é “Paráclito” (“aquele que consola ou conforta”; “aquele que encoraja”; “aquele que intercede”; “aquele que defende”) porque nos dá a força e a coragem para enfrentar as tempestades e as incompreensões do mundo. Não caminhamos “sem rede” e sem rumo, entregues à nossa sorte, tropeçando a cada passo na obscuridade e na incerteza; caminhamos com o Espírito que nos aponta a Verdade, que nos mostra o caminho, que nos encoraja e fortalece a cada passo. Confiamos no Espírito da Verdade que Jesus nos deixou e deixamo-nos guiar por Ele? Sentimo-nos confiantes e serenos no caminho, certos de que o Paráclito nos defenderá e nos dará a força para vencer a maldade e a morte?
    • A ação do Espírito Santo não se circunscreve às fronteiras institucionais da Igreja. Ele está presente nos corações de todos os homens e mulheres de boa vontade, crentes ou não crentes, que se dispõem a lutar por um mundo mais belo, mais justo e mais humano. Podemos perceber a presença e a ação do Espírito em tantos e tantos gestos de bondade, de amor, de partilha, de serviço, de perdão, de cuidado, de acolhimento que vão acontecendo por todo o lado e são sementes de um mundo novo. A contemplação desses gestos, sinais vivos do Espírito, deve ser, para nós, fonte de alegria e de esperança. Temos reparado nos sinais de vida nova que vão brotando por todo o lado e que sinalizam a presença e a ação do Espírito no mundo? Sentimo-nos gratos a Deus por tudo o que Ele vai fazendo no mundo, mesmo quando a sua ação se concretiza através de homens e mulheres que têm uma posição diferente da nossa quanto à fé ou quanto à forma de encarar a vida?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DO PENTECOSTES

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo do Pentecostes, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

    2. EVIDENCIAR OS CARISMAS.

    O Pentecostes é a festa do nascimento da Igreja. Seria, pois, importante fazer uma liturgia em que aos variados carismas pudessem aparecer. Seria necessário pensar em fazer-se apelo aos talentos de leitores, de salmista, de músico, de diretor do canto, de decorador, etc… Importa que a assembleia apareça como una e diversa.

    3. NÃO OMITIR A SEQUÊNCIA.

    Não omitir a sequência de Pentecostes depois da segunda leitura e antes da aclamação ao Evangelho. Pode ser lida por duas pessoas (com um fundo musical) ou, melhor ainda, cantada.

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Deus de luz e de vida, sopro criador e fogo de amor. Nós Te louvamos pelo dom do teu Espírito, que chama todos os povos da terra a proclamar, cada um na sua língua, as maravilhas da tua bondade.

    Nós Te pedimos por todos os membros do teu Povo: torna-nos recetivos às múltiplas linguagens dos nossos irmãos e confiantes no teu espírito de unidade.

    No final da segunda leitura:
    Nós Te bendizemos, Pai, pelo novo corpo do teu Filho, que é a Igreja, e nós Te damos graças por nos teres permitido ser os seus membros, cada um na sua parte e na diversidade das funções confiadas.

    Nós Te pedimos, Espírito Santo, Tu que ages em nós para o bem de todos: nós acolhemos o teu sopro; manifesta em nós a tua presença.

    No final do Evangelho:
    Nós Te damos graças, Pai, pela maravilha realizada por Jesus ressuscitado, porque Ele deu nova força aos seus apóstolos, tirando-os do medo e da paralisia, comunicando-lhes o sopro da sua ressurreição.

    Nós Te suplicamos: que a tua Paz esteja connosco, por Jesus, vencedor de todas as formas de morte, e pelo teu Espírito, que é perdão e santificação.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, que contém uma oração própria para o Pentecostes e que evoca o Espírito…

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    Tempestade! Fogo! Portas arrombadas! O Pentecostes é a irrupção do Espírito Santo na vida dos discípulos que vão deixar-se transformar em todas as dimensões do seu ser. O Pentecostes continua! Mas não estamos muitas vezes, face a este Espírito Santo, como diante de uma ameaça nuclear? Ousamos, enfim, deixar-nos irradiar por Ele sem qualquer proteção?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Santo Anjo da Guarda de Portugal

    Santo Anjo da Guarda de Portugal


    10 de Junho, 2025

    A devoção ao Anjo da Guarda é muito antiga em Portugal. Tomou, porém, incremento especial com as Aparições do Anjo, em Fátima, aos Pastorinhos. Pio XII aprovou a comemoração do Anjo de Portugal no Calendário Litúrgico de Portugal.

    Mensageiros de Deus, em momentos decisivos da História da Salvação, os Anjos estão encarregados da guarda dos homens (Mt 18, 10; At 12, 13) e da proteção da Igreja (Ap 12, 1-9). A fé cristã crê também possuir cada nação em particular um Anjo encarregado de velar por ela.

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel, 10, 2a, 5-6.12-14b

    Naqueles dias, levantando os olhos, vi um homem vestido de linho. Tinha sobre os rins uma cinta de ouro de Ufaz. 6O corpo era como que de crisólito; a face brilhava como o relâmpago, os olhos como fachos ardentes, os braços e os pés tinham o aspecto do bronze polido e a sua voz ressoava como o rumor de uma multidão. 12Disse-me: «Não tenhas medo, Daniel, porque, desde o primeiro dia em que te aplicaste a compreender e te humilhaste diante do teu Deus, a tua oração foi atendida e é por causa de ti que eu aqui venho. 13O príncipe do reino da Pérsia resistiu-me durante vinte e um dias; mas Miguel, um dos primeiros príncipes, veio em meu socorro. Deixei-o a bater-se com os reis da Pérsia, 14e aqui estou para te fazer compreender o que deve acontecer ao teu povo nos últimos dias."

    Nos capítulos 7 a 12 de Daniel, encontramos uma série de apocalipses ou revelações relacionados entre si, apesar de serem unidades independentes e autónomas. Abundam os elementos simbólicos: o grande mar, os quatro ventos, os quatro animais, o pequeno chifre, o ancião e o filho do homem, para além de outros pormenores de números e colorido. Para compreender todos estes símbolos, teríamos de nos colocar no mundo do autor e na sua mentalidade, simultaneamente judaica, profética e apocalítica. Estão em jogo a história e a mitologia, a tradição e o futuro messiânico. A finalidade é conseguir suscitar a convicção de que no fim dos tempos, que está próximo, o reino de Deus será entregue ao povo dos santos de Deus, o resto profético. O anjo de Deus defende esse povo. De modo semelhante, todos os povos e nações têm um Anjo encarregado por Deus de os proteger e defender em todos os perigos, de modo que a vida temporal se oriente para a eterna e todos os povos possam vir a formar o único Povo de Deus.

    Evangelho: Lucas 2, 8-14

    Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. 9Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. 10O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: 11Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. 12Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.» 13De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: 14«Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado.»

    Lucas leva-nos a Belém, cidade das promessas de Israel, para falar do nascimento de Jesus. Mas a verdade mais profunda do nascimento de Jesus é anunciada pelo anjo da força e da presença de Deus no meio dos homens, que quebra o silêncio da noite e proclama: "Nasceu-vos o Salvador" (2, 11). É a verdade da Boa Nova de um mundo novo, dirigida aos pastores, que vivem afastados e não têm lugar nas cidades dos homens, que não se ocupam das coisas da lei judaica (do cerimonial) e, por conseguinte, são impuros. A eles, e a todos os humildes da terra, é dirigida a mensagem da verdade salvadora: "Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor" (v. 11).

    Meditatio

    "A existência dos seres espirituais, não-corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé. P testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição" (Catecismo da Igreja Católica).
    Deus nunca deixa só o homem desorientado e desanimado. Do mesmo modo, protege os povos e nações, particularmente nos momentos de maiores dificuldades. Há uma criação visível que, pelo menos em parte, vemos com os olhos do corpo. Mas há também uma criação invisível que só podemos perceber através dos sentidos espirituais, através da fé, da oração, da iluminação interior que nos vem do Espírito Santo.
    Quem são, portanto, os anjos? São, em primeiro lugar, um sinal luminoso da Providência, da paterna bondade de Deus, que jamais deixa faltar aos filhos aquilo de que precisam. Intermediários entre a terra e o céu, os anjos são criaturas invisíveis postas à nossa disposição, e à disposição dos povos e nações, para nos guiar no caminho de regresso a casa do Pai. Vêm do Céu para nos reconduzir ao Céu. Fazem-nos, desde já, saborear algo das realidades celestes.
    O cuidado e a guarda dos nossos anjos podem, por vezes, experimentar-se de modo muito concreto e sensível, desde que saibamos reconhecê-los. Trata-se de encontros "casuais", que todavia se tornam fundamentais e determinantes na vida de uma pessoa ou de uma ajuda imprevista e inesperada em situações de perigo. Pode ser também uma intuição repentina que nos permite dar-nos conta de um erro, de um esquecimento. Como não sentir-nos guiados, protegidos e amavelmente socorridos? Os anjos protegem-nos de perigos de que nos damos conta, sobretudo, do perigo de nos tornarmos autossuficientes, surdos a Deus e desobedientes à sua palavra. Além disso, sugerem-nos pensamentos retos e humildes, bons sentimentos. Desde o seu começo até à morte, a vida humana é acompanha pela assistência e intercessão dos anjos: "Cada fiel tem a seu lado um anjo protetor e pastor para o guiar na vida" (S. Basílio Magno). De igual modo, "toda a vida da Igreja beneficia da ajuda misteriosa e poderosa dos anjos" (At 5, 18-20; 8, 26-29; 10, 3-8; 12, 6-11; 27, 23-25). Porque não pensar que acontece com os povos e nações o que acontece com cada homem e com a Igreja? Peçamos ao Anjo de Portugal que nos livre de todas as adversidades, nos defenda nas adversidades, dirija os nossos passos, como nação, no caminho da salvação e da paz.

    Oratio

    Senhor, Pai Santo, proclamamos a vossa imensa glória, que resplandece nos Anjos e nos Arcanjos, e, honrando estes mensageiros celestes, exaltamos a vossa infinita bondade, porque a veneração que eles merecem é sinal da vossa incomparável grandeza sobre as criaturas. Hoje, com a multidão dos Anjos, que celebram a vossa divina majestade, queremos adorar-vos e bendizer-vos. Ámen. (cf. Prefácio dos Anjos)

    Contemplatio

    Os Anjos louvam a Deus e servem-n'O. "Eles são milhares de milhares, diz Daniel, à volta do trono de Deus, ocupados em servi-l'O" (Dan 7, 10). "Anjos do céu, diz o salmo, bendizei o Senhor, vós que executais as suas ordens" (Sl 102). Deus envia-os junto das criaturas. O seu nome significa "mensageiros". "São os enviados de Deus, diz S. Paulo, vêm ajudar os homens a realizarem a sua salvação" (Heb 1, 14). Há os anjos das nações e os anjos de cada um de nós. Deus dizia ao seu povo por Moisés: "Enviarei o meu anjo diante de vós. Conduzir-vos-á, guardar-vos-á e dirigir-vos-á para a terra que vos prometi" (Ex 23). Deus acrescentava: "Honrai-o, escutai a sua voz quando vos fala por Moisés. Se lhe obedecerdes, sereis abençoados e triunfareis sobre os vossos inimigos. Se o desprezardes, sereis castigados" (Ibid.). "Deus ordenou aos seus anjos,para que te guardem em todos os teus caminhos. Eles hão-de elevar-te na palma das mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra." (Sl 90). Trata-se aqui dos anjos de cada um de nós. (Leão Dehon, OSP 4, p. 316).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Bendito seja o Senhor,
    que nos protege por meio do seu Anjo" (Judite 13, 20).

    ----
    Santo Anjo da Guarda de Portugal  (10 Junho)

  • S. Barnabé, Apóstolo

    S. Barnabé, Apóstolo


    11 de Junho, 2025

    José, cognominado Barnabé, isto é, filho da consolação, é chamado apóstolo embora não tenha pertencido ao grupo dos Doze. Era membro da comunidade judaica de Chipre, em Jerusalém. Não conheceu pessoalmente Jesus, mas converteu-se logo nos primeiros anos do Cristianismo, e teve um papel importante na expansão da Igreja. Daí ser chamado apóstolo. Foi ele que apresentou Paulo à comunidade de Jerusalém, garantindo-lhe a sua recente conversão. Conduziu Paulo a Antioquia, apresentando-o também lá à comunidade dos fiéis. Acompanhou o Apóstolo na sua primeira viagem missionária, cerca do ano 60. Depois, separou-se de Paulo, regressando a Chipre onde terá sido martirizado no ano 60.

    Lectio

    Primeira leitura: Atos 11, 21b-26; 13, 1-3.

    Naqueles dias, foi grande o número dos que abraçaram a fé e se converteram ao Senhor. 22A notícia chegou aos ouvidos da igreja de Jerusalém, e mandaram Barnabé a Antioquia. 23Assim que ele chegou e viu a graça concedida por Deus, regozijou-se com isso e exortou-os a todos a que se conservassem unidos ao Senhor, de coração firme; 24ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé. Assim, uma grande multidão aderiu ao Senhor. 25Então, Barnabé foi a Tarso procurar Saulo. 26Encontrou-o e levou-o para Antioquia. Durante um ano inteiro, mantiveram-se juntos nesta igreja e ensinaram muita gente. Foi em Antioquia que, pela primeira vez, os discípulos começaram a ser tratados pelo nome de «cristãos.» 1Havia na igreja, estabelecida em Antioquia, profetas e doutores: Barnabé, Simeão, chamado 'Níger', Lúcio de Cirene, Manaen, companheiro de infância do tetrarca Herodes, e Saulo. 2Estando eles a celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo: «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei.» 3Então, depois de terem jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir.

    O nosso texto mostra-nos o papel de Barnabé como elo de união entre a igreja mãe de Jerusalém e a comunidade de Antioquia. Assim, colaborou na evangelização e na edificação da Igreja.
    A sua relação com Paulo também foi importante. Apresentou-o às comunidades de Jerusalém e de Antioquia garantindo a conversão à fé cristã daquele que todos conheciam e temiam como terrível perseguidor. Fê-lo seu companheiro de missão, apesar de Paulo acabar por ultrapassá-lo no intento de inculturar a fé. Ambos foram missionários empreendedores e geniais a quem devem as comunidades de todos os tempos.

    Evangelho: Mateus 10, 7-13

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus Apóstolos: Ide e proclamai que o Reino do Céu está perto. 8Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça. 9Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; 10nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento. 11Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, procurai saber se há nela alguém que seja digno, e permanecei em sua casa até partirdes. 12Ao entrardes numa casa, saudai-a. 13Se essa casa for digna, a vossa paz desça sobre ela; se não for digna, volte para vós.

    Jesus percorre cidades e aldeias a anunciar o evangelho do Reino e a curar doentes, e verifica que as multidões andam desorientadas e abandonadas como ovelhas sem pastor. Então, chama Doze dos seus discípulos para estarem com Ele e partilharem a sua missão. Dá-lhes poder sobre os espíritos imundos e para curar os doentes. Segundo Mateus esta missão dirige-se exclusivamente às ovelhas perdidas da casa de Israel: como Jesus, também os seus apóstolos - por agora - devem concentrar os seus esforços num horizonte bem delimitado, enquanto esperam maiores aberturas, depois da Páscoa do Senhor. Os missionários devem proclamar o que Jesus disse e fez, e nada mais; devem exercer o seu ministério em absoluta gratuidade.

    Meditatio

    O discurso missionário de Jesus revela-nos a magnanimidade do seu coração. A pobreza de meios, na pregação do Evangelho, não é um limite mas abertura na confiança e na generosidade. A pobreza faz-nos livres e capazes de dar a todos, por causa do Reino de Deus, gratuitamente o que recebemos: "Recebestes de graça, dai de graça." (v. 8).
    S. Barnabé realizou esta página do Evangelho na sua vida. O livro dos Atos informa-nos que ele, possuindo um campo, o vendeu, entregando aos Apóstolos, o produto da venda. Fez o que o jovem rico não teve coragem de fazer (Mt 19, 21; Mc 10, 21). A confiança em Deus, com que faz este gesto, é acompanhada pela confiança nos outros. Ao chegar a Antioquia, em vez de se preocupar com aqueles "pagãos" recém-convertidos ao Evangelho, Barnabé reage com total confiança: "Assim que ele chegou e viu a graça concedida por Deus, regozijou-se com isso" (v. 23). Não é um apagador de entusiasmos, preocupado com a observância de minúcias. É "um homem de Deus, cheio de Espírito Santo e de fé" (At 2, 24), que "exorta a todos a que se conservem unidos ao Senhor" (cf. v. 23). O mais importante é aderir a Cristo. Deste modo, "uma grande multidão aderiu ao Senhor" (v. 24).
    Outro aspeto que nos revela a amplitude do seu coração é o seguinte: ao dar-se conta da fecundidade daquele campo de apostolado, não o reservou só para si, mas "foi a Tarso procurar Saulo" (At 10, 25). Quando Paulo se tornou mais importante do que ele no apostolado entre os pagãos, pode dizer-se de Barnabé o que dizem os Atos, quando da sua chegada a Antioquia: "regozijou-se com isso" (v. 23).
    Barnabé está completamente à disposição de Cristo. Por isso, o Espírito Santo pode reservá-lo para uma missão mais universal: a evangelização das nações.
    Em Barnabé, vemos resplandecer a confiança e generosidade, baseadas na pobreza do coração. Dizem as nossas Constituições: "A partilha dos bens no amor fraterno permite-nos verificar que, na Igreja e com a Igreja, somos sinal no meio dos nossos irmãos. Esta pobreza segundo o Evangelho convida-nos a libertar-nos da sede de posse e de prazer que sufoca o coração do homem. Estimula-nos a viver na confiança e na gratuidade do amor" (n. 46).

    Oratio

    Senhor, que belo modelo a imitar. S. Barnabé é um discípulo muito amável, bom, piedoso e caridoso para com o próximo. Possui, além disso, as virtudes mais austeras, pois se despojou dos seus bens, e desafiou todas as contradições. A seu exemplo, quero sacudir a minha tibieza, e viver a gratuidade que carateriza os verdadeiros missionários. Educai o meu coração, e fazei-o aproximar do ritmo do vosso Coração. Dai-me um coração manso e humilde como o vosso. Ámen.

    Contemplatio

    S. Barnabé não era do número dos doze apóstolos, mas foi-lhe acrescentado e trabalhou muito com S. Paulo. Levita e cipriota, estudava as santas Letras em Jerusalém sob a direção do Rabino Gamaliel, quando foi testemunha da cura do paralítico na piscina. Uniu-se então imediatamente aos discípulos de Nosso Senhor. Era um homem jovem, amável e bom. Era bom, dizem os Atos, e cheio de fé e ricamente dotado com os dons do Espírito Santo. Os apóstolos chamaram-no Barnabé, o que quer dizer «o Filho da consolação». Depois do Pentecostes, estava em Damasco quando aconteceu o milagre da conversão de S. Paulo. Fez-se o anjo da guarda de S. Paulo, conduziu-o a Jerusalém e apresentou-o aos apóstolos. Trabalharam juntos vários anos, e receberam a missão de pregar a fé aos gentios. Ganharam quase toda a cidade de Antioquia. Barnabé era de uma família abastada. Tinha uma bela propriedade na ilha de Chipre. Vendeu-a e apresentou o valor aos apóstolos. Dava assim o grande exemplo do desapego e da vida religiosa. Havia em Antioquia um grupo de padres, de profetas e de doutores. O Espírito Santo revelou-lhes positivamente a missão de Paulo e de Barnabé para a conversão dos gentios. Enviaram, portanto, estes dois apóstolos para os países do ocidente. Barnabé e Paulo passaram na ilha de Chipre onde fizeram maravilhas e ganharam para a fé o próprio procônsul, Sérgio Paulo. De lá foram para a Ásia Menor e pregaram na Pisídia, em Perga, em Antioquia, em Icónio, em Listra. Foi uma alternativa de sucessos e de perseguições. (L. Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Recebestes de graça, dai de graça". (Mt 10, 8).

    ----
    S. Barnabé, Apóstolo (11 Junho)

  • S. António de Lisboa, Presbítero e Doutor da Igreja

    S. António de Lisboa, Presbítero e Doutor da Igreja


    13 de Junho, 2025

    S. António nasceu em Lisboa, em 1195. No batismo, recebeu o nome de Fernando. Em 1210 entrou para os Cónegos Regulares de S. Agostinho, no mosteiro de S. Vicente de Fora, em Lisboa. Dois anos depois, desejando uma vida mais recolhida, transferiu-se para o Mosteiro de S. Cruz, em Coimbra. Ordenado sacerdote, em 1220, ao ver os restos mortais dos primeiros mártires franciscanos, mortos em Marrocos, sentiu um novo apelo vocacional e mudou-se para a Ordem dos Frades Menores, tomando o nome de António. Em 1221 participou no "Capítulo das Esteiras", junto à Porciúncula, e viu Francisco de Assis. Depois de alguns anos no escondimento e na oração, começou a pregar com grande sucesso e frutos. Converteu hereges em Itália e em França. Morreu aos 33 anos de idade, perto de Pádua, onde foi sepultado. No dia do Pentecostes de 1232, um ano depois da sua morte, foi canonizado pelo Papa Gregório IX.

    Lectio

    Primeira leitura: Sir 39, 8-14 (gr. 6-11)

    Aquele que medita na lei do Altíssimo, for a vontade do Soberano Senhor, ele será repleto do espírito de inteligência; então, ele derramará, como chuva, as palavras da sabedoria; e louvará o Senhor, na sua oração. 7Possuirá a rectidão do julgamento e da ciência e ele meditará nos mistérios de Deus. 8Ensinará ele próprio a doutrina que aprendeu e porá a sua glória na Lei da Aliança do Senhor. 9Muitos louvarão a sua sabedoria, que jamais ficará no esquecimento. A sua recordação não desaparecerá e o seu nome viverá de geração em geração. 10As nações proclamarão a sua sabedoria, a assembleia publicará o seu louvor.

    Segundo o Ben Sirá, o sábio adquire a sabedoria não apenas pelo estudo, pela tradição e pela experiência pessoal, mas sobretudo pelas súplicas e pela oração. Se o Altíssimo o quiser, o sábio ver-se-á gratuita e copiosamente cheio do dom da inteligência, de maneira que ele mesmo se possa converter em fonte de sabedoria para os outros. Isto levá-lo-á a dar graças a Deus. Graças à sabedoria recebida de Deus, o sábio saberá conduzir-se retamente e poderá aprofundar, na oração, os mistérios divinos. Ver-se-á capacitado para instruir os outros e a sua glória será a aliança do Senhor. Como recompensa do seu ministério, o sábio receberá o elogio dos seus contemporâneos, e das gerações sucessivas, incluindo os pagãos: nunca esquecerão a sua inteligência e a sua fama transmitir-se-á de geração em geração.

    Evangelho: Mateus 5, 13-19
    Naquele tempo, disse Jesusaos seus discípulos: "Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. 14Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; 15nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. 16Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.» 17«Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição. 18Porque em verdade vos digo: Até que passem o céu e a terra, não passará um só jota ou um só ápice da Lei, sem que tudo se cumpra. 19Portanto, se alguém violar um destes preceitos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será o menor no Reino do Céu. Mas aquele que os praticar e ensinar, esse será grande no Reino do Céu.

    Dois provérbios, em forma de parábolas definem, no nosso texto, a missão dos discípulos de Cristo: sal e luz. Temperamos os alimentos com o sal: os discípulos hão de ser, no mundo, como o sal que dá sabor, que preserva da corrução. No mundo judaico, a metáfora do sal significava também a sabedoria. Os discípulos possuem a sabedoria do Evangelho. Se, quimicamente falando, o sal não pode perder o sabor, à força de se usado, pode deixar de salgar. Se a Palavra de Deus perdeu a sua força no antigo Israel, tem de conservá-la no novo Israel, a Igreja.
    A metáfora da luz também se refere à Palavra. Jesus, que é a luz, tem a Palavra (Jo 8, 12.31s.; 14, 9-10). O mesmo se pode dizer dos discípulos de Cristo: são a luz do mundo (Fl 2, 15); são a cidade edificada sobre o monte (v. 14); têm a luz, a palavra de Deus (Mc4, 21; Lc 8, 16; 11, 33).

    Meditatio

    Ao fazer memória dos mártires e dos outros santos, a Igreja proclama o mistério pascal realizado naqueles homens e mulheres que sofreram com Cristo e com Ele foram glorificados, propondo aos fiéis os seus exemplos, que a todos atraem ao Pai por Cristo, e implora, pelos seus méritos, os benefícios de Deus (cf CIC, 1173).
    S. António de Lisboa, que hoje celebramos, foi dotado de extraordinária preparação intelectual e de grandes capacidades de comunicação. Com a sua sabedoria evangélica provocou admiração, confundiu os hereges, converteu os pecadores. Com as suas virtudes e milagres, fascinou o povo. Pregador itinerante, S. António incarnou o Evangelho de Cristo, levando de cidade em cidade a sua paz, no estilo de uma vida obediente à vontade de Deus, disponível para os incómodos e canseiras da missão, e compassivo para todas as realidades humanas provados pelo sofrimento em qualquer das suas muitas formas. Atribuía tudo ao poder da oração. O testemunho de vida de S. António reflete a envolvente beleza de quem vive permanentemente em íntima comunhão com Deus, unicamente impelido pelo desejo de cumprir a sua vontade e de manifestar o seu imenso amor por todas as criaturas. S. António, humilde e pobre, e, por isso mesmo, digno filho do Pobrezinho de Assis, deixa transparecer os grandes prodígios de Deus: os milagres físicos e espirituais que o Altíssimo realiza naqueles que confiam n´Ele, apoiados numa fé quotidiana, autêntica e inabalável.
    A luz e a criatividade da Palavra escutada, meditada e rezada, produzem em S. António os frutos de uma caridade incansável, paciente, sem preconceitos e tenaz diante das dificuldades. O que mais anseia é anunciar a ternura de Deus, a sua bondade e a infinita misericórdia com que nos revela o seu coração de Pai. S. António alerta-nos para o essencial, para a amizade com Deus, fonte de todo o bem, da paz e da alegria, que nada nem ninguém nos pode jamais tirar. Meditando na sua vida, descobrimos as maravilhas da fidelidade de Deus, que segue com amor o caminho de quem procura o seu rosto, tornando-o participante dos seus dons e colaborador do seu projeto de vida sobre a humanidade.

    Oratio

    Grande santo, éreis pelo vosso ardente amor a Nosso Senhor um santo do Sagrado Coração, ajudai-nos a fazer reinar o Coração de Jesus nos nossos corações e na sociedade. (Leão Dehon, OSP 3, p. 649).

    Contemplatio

    Santo António foi um apóstolo do Coração de Jesus. A Providência não quis que chegasse a Marrocos, foi lançado sobre as costas da Sicília. Vai aquecer ainda o seu coração junto do de S. Francisco de Assis. O seu talento revela-se, fazem-no professor, depois missionário. Ganha almas inumeráveis ao amor de Nosso Senhor. Foi, no séc. XIII, diz o P. Marie-Antoine, o doutor e o escritor do Coração de Jesus. Conduz sempre os seus ouvintes ao pensamento do amor, como objetivo final da vida cristã, e é no Coração do Salvador que mostra a fonte e o trono deste amor. Diz: «Sim, a ferida do lado de Jesus é um sol que ilumina todo o homem. Pela abertura do Sagrado Coração foi aberta a porta do paraíso donde nos vem toda a luz. É lá que está o asilo assegurado da arca da paz e da salvação. O Salvador abriu o seu lado e o seu Coração à pomba, isto é, à alma religiosa, a fim de que pudesse encontrar um lugar de refúgio. Sede como a pomba que estabelece o seu ninho no mais profundo da pedra. Se Jesus Cristo é a pedra, a cavidade da pedra é a chaga do lado de Jesus, que leva ao seu Coração. Havia na antiga lei dois altares, o altar de bronze ou dos holocaustos, que estava fora do santuário, e o altar de ouro do santuário mesmo. O altar de bronze da lei nova é o corpo sangrento de Cristo imolado em presença do povo; o altar de ouro é o seu Coração ardente de amor, e lá está o incenso que sobe para o céu». Os seus sucessos eram maravilhosos. Se queremos ganhar almas para Nosso Senhor, é preciso primeiro excitar-nos ao seu amor. O fervor do nosso coração comunicar-se-á facilmente àqueles que estiverem em relação connosco. (Leão Dehon, OSP 3, p. 649s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo" (Mt 5, 13-14).

    ----
    S. António de Lisboa, Presbítero e Doutor da Igreja (13 Junho)

  • Solenidade da Santíssima Trindade - Ano C [atualizado]

    Solenidade da Santíssima Trindade - Ano C [atualizado]

    15 de Junho, 2025

    ANO C

    SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE

    Tema da Solenidade da Santíssima Trindade

    Quem é Deus? Como é Ele? A liturgia da Solenidade da Santíssima Trindade convida-nos a mergulhar no mistério de Deus e a contemplar o Deus que, sendo unidade, é família de três Pessoas em perfeita comunhão de amor. Por isso, chamamos-Lhe “Santíssima Trindade”. Por amor, Ele criou os homens e as mulheres; e, por amor, Ele convida-os a vincularem-se com essa comunidade de amor que é a família trinitária.

    Na primeira leitura, uma “figura” que se identifica como a “Sabedoria de Deus”, fala-nos do Deus criador. Garante-nos, com a autoridade de quem “viu” nascer a criação, que Deus tudo fez com bondade, solicitude e amor. Convida-nos a descobrir, na beleza e na harmonia das obras criadas, a marca de Deus. A catequese neotestamentária falará de Jesus como a “Sabedoria de Deus”.

    Na segunda leitura Paulo, escrevendo aos cristãos de Roma, proclama-lhes o “Evangelho de Deus”. Diz-lhes que Deus, no seu amor gratuito e incondicional, “justifica” todos os seus filhos. O amor de Deus falará sempre mais alto do que o nosso pecado. Paulo lembra-nos também que é através de Jesus o que os dons de Deus se derramam sobre nós e nos oferecem a vida em plenitude.

    No Evangelho Jesus despede-se dos discípulos. Garante-lhes, o entanto, que eles não ficarão sozinhos no mundo. Irão receber o “Espírito da verdade”, que os conduzirá para a verdade. O Espírito lembrará constantemente aos discípulos os ensinamentos de Jesus e ajudá-los-á a encontrar as respostas para os desafios novos que a vida lhes trará. Através do Espírito, os discípulos continuarão ligados a Jesus e, através de Jesus, ligados ao Pai.

     

    LEITURA I – Provérbios 8,22-31

    Eis o que diz a Sabedoria de Deus:
    «O Senhor me criou como primícias da sua atividade,
    antes das suas obras mais antigas.
    Desde a eternidade fui formada,
    desde o princípio, antes das origens da terra.
    Antes de existirem os abismos e de brotarem as fontes das águas,
    já eu tinha sido concebida.
    Antes de se implantarem as montanhas e as colinas,
    já eu tinha nascido;
    ainda o Senhor não tinha feito a terra e os campos,
    nem os primeiros elementos do mundo.
    Quando Ele consolidava os céus,
    eu estava presente;
    Quando traçava sobre o abismo a linha do horizonte,
    quando condensava as nuvens nas alturas,
    quando fortalecia as fontes dos abismos,
    quando impunha ao mar os seus limites
    para que as águas não ultrapassassem o seu termo,
    quando lançava os fundamentos da terra,
    eu estava a seu lado como arquiteto,
    cheia de júbilo, dia após dia,
    deleitando-me continuamente na sua presença.
    Deleitava-me sobre a face da terra
    e as minhas delícias eram estar com os filhos dos homens».

     

    CONTEXTO

    O “Livro dos Provérbios” apresenta diversas coleções de ditos, de sentenças, de máximas, de provérbios (“mashal”) onde se cristaliza o resultado da reflexão e da experiência (“sabedoria”) de várias gerações de “sábios” antigos (israelitas e alguns não israelitas). O objetivo desses provérbios é definir uma espécie de “ordem” do mundo e da sociedade que, uma vez apreendida e aceite pelo indivíduo, o levará a uma integração plena no meio em que está inserido. Dessa forma, o indivíduo poderá viver sem traumas nem sobressaltos que destruam a sua harmonia interior e o incapacitem para dar o seu contributo à comunidade. Ficará, assim, de posse da chave para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros, e assegurará uma vida feliz, tranquila e próspera.

    O livro apresenta-se como tendo sido composto por Salomão (cf. Pr 1,1), o rei “sábio”, conhecido pelos seus dotes de governação, pelos seus dons literários, por numerosas sentenças sábias (cf. 1 Re 3,16-28; 5,7; 10,1-9.23), e que se tornou uma espécie de “padrão” da tradição sapiencial… Na realidade, não podemos aceitar, de forma acrítica, essa indicação: a leitura atenta do livro revela que estamos diante de coleções de proveniência diversa, compostas em épocas diversas. Alguns dos materiais apresentados no livro podem ser do séc. X a.C., a época de Salomão (embora isso não nos garanta que venham do próprio Salomão); outros, no entanto, são bem mais recentes.

    O texto que nos é proposto como primeira leitura neste domingo da Santíssima Trindade integra uma secção que poderíamos intitular, genericamente, “instruções e advertências” (cf. Pr 1,8-9,18). Trata-se de um conjunto de exortações e de instruções de um pai/educador, convidando o filho a adquirir a “sabedoria”.

    É neste contexto que o “sábio” autor deste livro, recorrendo a um artifício literário, põe a “sabedoria”, como se fosse uma pessoa, a fazer um discurso de apresentação de si própria. O discurso (cf. Pr 8) pretende convencer o candidato a “sábio” a amar e a abraçar a “sabedoria”. Na primeira parte desse discurso (cf. Pr 8,1-11), o autor apresenta o “púlpito” de onde a “sabedoria” vai discursar (o cume das montanhas, a encruzilhada dos caminhos, as entradas das cidades, os umbrais das casas), os destinatários da mensagem (todos os homens) e apela à escuta das palavras que vai pronunciar; na segunda parte (cf. Pr 8,12-21), o autor apresenta as “credenciais” da “sabedoria” (ela possui a ciência, a reflexão, o conselho, a equidade, a força) e o prémio reservado àqueles que a acolhem; na terceira parte (cf. Pr 8,22-31) – que é a que nos interessa diretamente – o autor reflete sobre a origem da sabedoria e a sua função no plano de Deus.

     

    MENSAGEM

    Este “hino” à sabedoria apresenta-se em duas estrofes. A primeira (vers. 22-26) trata da “origem” da sabedoria; a segunda (vers. 27-31), comenta a intervenção da sabedoria na obra da criação. O poema é muito belo e de uma grande densidade teológica.

    De onde vem a “sabedoria”? O que é que ela própria diz sobre a sua origem? O “sábio autor desta reflexão põe na boca da sabedoria a palavra hebraica “qânâny” (“gerou-me”) para expressar a responsabilidade de Deus na origem da “sabedoria” (vers. 22). A sabedoria foi gerada por Deus. Mais: ela é a primeira das obras de Deus, apareceu antes de qualquer outra coisa: antes da terra (vers. 23), dos abismos, das fontes das águas (vers. 24), das montanhas, dos outeiros (vers. 25), da terra, dos campos (vers. 26).

    O seguimento da reflexão assenta na conjunção “quando”, repetida por diversas vezes: “quando” Deus “consolidava os céus”, ela estava presente; “quando” Deus traçava sobre o abismo a linha do horizonte (vers. 27), ela admirava o desenho de Deus; “quando” Deus pendurava as nuvens nos céus e “fortalecia as fontes dos abismos” (vers. 28), ela presenciava o trabalho de Deus; “quando” Deus “impunha ao mar os seus limites” e “lançava os fundamentos da terra” (vers. 29), ela estava ao lado de Deus.

    Mas a sabedoria não se limitou a assistir passivamente à criação de Deus: ela colaborou na obra criadora de Deus. Como? Ela estava ao lado de Deus criador como “arquiteto” ou “artesão” (“amon” – vers. 30). Sugere-se, assim, uma colaboração ativa da sabedoria na criação (algumas versões antigas, no entanto, preferem a leitura “amun” – “criança” – o que leva à ideia da “sabedoria” como uma “criança” feliz que brinca e se deleita no meio da obra criada pelo seu “tutor”, que é Deus).

    Finalmente, a “sabedoria” afirma que o seu agrado é estar “junto dos filhos dos homens” (vers. 31). A obra criadora de Deus chega ao seu ponto mais alto com a criação do homem e da mulher; e a sabedoria, enquanto colaboradora de Deus na obra criadora, sente que o seu papel é ajudar os homens a chegarem à sua plena realização.

    De que modo poderá a sabedoria ajudar os homens a encherem as suas vidas de significado? Se olharmos bem para este hino, vemos que ele está delimitado por três palavras: “Javé” (vers. 22), “sabedoria” (“eu” – vers. 30) e “homens” (vers. 31). A sabedoria ocupa o espaço entre Deus e os homens. Ela tem origem em Javé, está em íntima relação com Deus, mas destina-se aos homens e gosta de estar com os homens. Ela intermedeia entre Deus e os homens. A partir da realidade criada que viu nascer, a sabedoria mostra aos homens como chegar a Deus. Ao apontar aos homens a criação, ela “obriga” os homens a olharem para o criador e a descobrirem o criador; espevita a inteligência dos homens, leva-os a Deus, atrai-os para Deus, põe-nos em contacto com Deus. A “sabedoria”, presente desde sempre na criação, revela aos homens a grandeza e o amor do Deus criador.

    A tradição judaica irá identificar esta “sabedoria” com a Tora (cf. Ba 3,38-4,1; Pirkê Rabbí Eliezer, III, 2). Mas os autores neotestamentários irão um pouco mais além. Paulo chama a Jesus “sabedoria de Deus” (1 Cor 1,24) e “sabedoria que vem de Deus” (1 Cor 1,30); considera também que Jesus, como a “sabedoria” de Pr 8, existe antes de todas as coisas e desempenhou um papel privilegiado na criação do mundo (cf. Cl 1,16-17). Paulo, contudo, não é o único a fazer esta leitura. O evangelista João, no “prólogo” do Quarto Evangelho, atribui ao “Lógos”/Palavra (Jesus) os traços da “sabedoria” criadora de Pr 8: Ele existia antes de todas as coisas criadas e estava com Deus (cf. Jo 1,1); e Ele teve um papel preponderante na criação, pois sem Ele “nada veio a existir” (Jo 1,3).

    Mais tarde, na linha da catequese cristã primitiva, os Padres da Igreja verão nesta “sabedoria”, pré-criada e anterior à restante obra de Deus, traços de Jesus Cristo ou do Espírito Santo.

     

    INTERPELAÇÕES

    • No dia em que a liturgia nos convida a contemplar o mistério insondável de Deus, o “sábio” autor desse maravilhoso poema de Pr 8 fala-nos da criação. Sugere, nas entrelinhas desse poema, que o Deus que tudo criou com sabedoria é um Pai providente, cuidadoso e solícito, com um projeto bem definido para os homens e para o mundo. Não, não fomos atirados ao acaso para um buraco aberto no universo, cheio de perigos e de desordenada confusão; fomos instalados por Deus num “jardim” belo e harmonioso, dom de Deus aos seus filhos muito amados. A contemplação da criação poderá ajudar-nos a descobrir, na beleza e na harmonia das obras criadas, esse Pai cheio de bondade e de amor, eternamente preocupado em proporcionar-nos uma vida com sentido, plenamente realizada. No meio da azáfama, das preocupações, das tensões que enchem os nossos dias, somos capazes de levantar os olhos do chão, de olhar à volta e de nos sentirmos questionados e provocados pelas coisas belas que Deus criou para nós? A contemplação da criação tem sido para nós o “passaporte” para descobrirmos Deus, a sua bondade, a sua ternura, o seu amor por nós?
    • Quando olhamos “com olhos de ver” a criação, na sua radiosa beleza, na sua espantosa simplicidade, na sua fantástica complexidade, percebemos o amor de Deus. Só quem ama muito pode oferecer aos seus filhos uma obra assim, feita com tal cuidado, com tal solicitude, com tal arte. Tudo isso diz-nos claramente que Deus não é um concorrente do homem ou um adversário do homem. Às vezes somos tentados a ver em Deus alguém que desconfia de nós, que limita a nossa liberdade, que tem como passatempo favorito apontar e castigar as nossas faltas… A criação, na sua estonteante beleza e na sua delicada harmonia, fala-nos de um Deus cuja felicidade suprema é oferecer-nos a possibilidade de vivermos felizes. A nós, filhos e filhas amados de Deus, compete reconhecer o poder, a grandeza e o amor de Deus e entregarmo-nos confiadamente nas suas mãos. Quem é Deus para nós? Um adversário que nos vigia e controla? Um juiz impiedoso que não deixa passar nenhuma das nossas falhas? Um pai bondoso e compreensivo, uma mãe cheia de ternura e de amor, que faz tudo por nós?
    • O Deus criador entregou-nos a sua obra e pediu-nos que cuidássemos dela. Nem sempre temos feito isso. Nos últimos decénios, o desenvolvimento desordenado, a exploração descontrolada dos recursos da natureza, a poluição, a perda da biodiversidade, têm causado feridas incuráveis nessa criação boa que Deus nos colocou nas mãos. O egoísmo e a ganância dos homens estão a destruir, a um ritmo acelerado, o equilíbrio da criação. Gastamos demasiados recursos com o nosso estilo de vida consumista; preocupamo-nos apenas com o nosso bem-estar, sem pensar nas nossas responsabilidades para com as gerações futuras; não nos preocupamos com a sustentabilidade dos recursos naturais; subvertemos o projeto criador de Deus. Temos consciência desta realidade? Fará sentido continuarmos neste caminho? Estamos conscientes da responsabilidade que assumimos de cuidar da “casa comum” onde o homem vive e caminha?
    • A contemplação da criação de Deus leva à admiração, a admiração expressa-se no louvor e no agradecimento. A contemplação faz-nos perceber o lugar que ocupamos no coração de Deus e convida-nos a uma resposta de amor. Mantemos, apesar de todas as preocupações que enchem a nossa vida, a capacidade de nos extasiarmos diante das obras de Deus? A nossa resposta traduz-se no agradecimento sentido diante da generosidade e da solicitude de Deus? Expressamos esse agradecimento louvando a Deus por tudo o que Ele faz em nosso favor?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 8

    Refrão: Como sois grande em toda a terra,
    Senhor, nosso Deus!

    Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos,
    a lua e as estrelas que lá colocastes,
    que é o homem para que Vos lembreis dele,
    o filho do homem para dele Vos ocupardes?

    Fizestes dele quase um ser divino,
    de honra e glória o coroastes;
    destes-lhes poder sobre a obra das vossas mãos,
    tudo submetestes a seus pés:

     

    Ovelhas e bois, todos os rebanhos,
    e até os animais selvagens,
    as aves do céu e os peixes do mar,
    tudo o que se move nos oceanos.

     

    LEITURA II – Romanos 5,1-5

    Irmãos:
    Tendo sido justificados pela fé,
    estamos em paz com Deus,
    por nosso Senhor Jesus Cristo,
    pelo qual temos acesso, na fé,
    a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos,
    apoiados na esperança da glória de Deus.
    Mais ainda, gloriamo-nos nas nossas tribulações,
    porque sabemos que a tribulação produz a constância,
    a constância a virtude sólida,
    a virtude sólida a esperança.
    Ora a esperança não engana,
    porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações
    pelo Espírito Santo que nos foi dado.

     

    CONTEXTO

    Quando Paulo escreve aos Romanos, está a terminar a sua terceira viagem missionária e prepara-se para partir para Jerusalém. Sentia que tinha terminado a sua missão no oriente e queria levar o Evangelho ao ocidente. Contava em breve passar por Roma, a caminho de Espanha (cf. Rm 15,23-24).

    Neste contexto, resolve escrever aos cristãos de Roma, estabelecer laços com eles e apresentar-lhes os principais problemas que o ocupavam, entre os quais sobressaía a questão da unidade (um problema bem presente na comunidade cristã de Roma, afetada por alguns problemas de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos). A Carta aos Romanos, escrita pelo ano 57 ou 58, é uma carta longa, serena, lúcida, onde Paulo apresenta uma espécie de resumo do “Evangelho” que tem anunciado.

    Na primeira parte da Carta (cf. Rm 1,18-11,36), Paulo vai fazer notar aos cristãos divididos que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Embora o pecado seja uma realidade universal, que afeta todos os homens (cf. Rm 1,18-3,20), a “justiça de Deus” dá vida a todos, sem distinção (cf. Rm 3,1-5,11); e é em Jesus Cristo que essa vida se comunica e que transforma o homem (cf. Rm 5,12-8,39). Batizados em Cristo, os cristãos morrem para o pecado e nascem para uma vida nova. Passam a ser conduzidos pelo Espírito e tornam-se filhos de Deus; libertados do pecado e da morte, produzem frutos de santificação e caminham para a Vida eterna.

    No texto que a liturgia da Solenidade da Santíssima Trindade nos propõe como segunda leitura, Paulo refere-se à ação de Deus, por Cristo e pelo Espírito, no sentido de “justificar” todo o homem. O conceito de “justificação” é um conceito fundamental na teologia paulina.

     

    MENSAGEM

    As tensões vividas pelos cristãos de Roma afetavam a unidade e a comunhão. Os cristãos de origem judaica viam-se como os “filhos da Lei”, os verdadeiros herdeiros das promessas de Deus e olhavam com alguma sobranceria para os cristãos de outras origens étnicas; os gregos, convencidos da excelência da sua cultura e da sua sabedoria, julgavam estar em vantagem sobre os outros no conhecimento de Deus e dos caminhos da salvação; os romanos, cidadãos de pleno direito de um império que dominava o mundo, sentiam-se mais importantes do que quaisquer outros. Paulo, ciente deste estado de coisas, entende dizer aos membros da comunidade que são totalmente descabidas quaisquer pretensões de superioridade pois, diante de Deus, não há nenhum grupo que possa reivindicar, no plano da salvação, uma posição mais favorável. Todos são pecadores, todos estão marcados pela fragilidade. O que vale, a judeus, gregos e romanos, é a “justiça de Deus”, derramada de forma igual sobre todos.

    Na linguagem bíblica, a “justiça” é, mais do que um conceito jurídico, um conceito relacional. Define a fidelidade de alguém a si próprio, à sua maneira de ser e aos compromissos assumidos no âmbito de uma relação. Ora, se Deus Se manifestou na história do seu Povo como bondade, misericórdia e amor, dizer que Deus é justo não significa dizer que Ele aplica os mecanismos legais quando o homem infringe as regras; significa, sim, que a bondade, a misericórdia, o amor, próprios do “ser” de Deus, se manifestam em todas as circunstâncias, mesmo quando o homem não foi correto no seu proceder. Paulo, ao falar do homem justificado, está a falar do homem pecador que, por exclusiva iniciativa do amor e da misericórdia de Deus, recebe um veredito de graça que o salva do pecado e lhe dá, de modo totalmente gratuito, acesso à salvação. Ao homem é pedido somente que acolha, com humildade e confiança, uma graça que não depende dos seus méritos e que se entregue completamente nas mãos de Deus (a “fé”). Este homem, objeto da graça de Deus, é uma nova criatura (cf. Gl 6,15): é o homem ressuscitado para a vida nova (cf. Rm 6,3-11), que vive do Espírito (cf. Rm 8,9.14), que é filho de Deus e co-herdeiro com Cristo (cf. Rm 8,17; Gl 4,6-7).

    Paulo reflete, depois, sobre os frutos que resultam de tudo isto. Antes de mais, o homem “justificado” por Deus e que acolheu o dom de Deus vive em paz (Rm 5,1). Sente que, apesar das suas falhas, Deus não o condena. Essa paz chegou-nos através de Jesus Cristo, que nos revelou o amor do Pai e nos reconciliou com o Pai (vers. 2).

    Reconciliados com Deus, vivemos na esperança (vers. 3-4). Enfrentamos as tribulações e as crises com a certeza de que caminhamos ao encontro de uma vida gloriosa e plena. A esperança permite-nos enfrentar a vida presente com a certeza de que as forças da morte não terão a última palavra e que as forças da vida acabarão por triunfar.

    A nossa esperança fortalece-se sempre mais enquanto caminhamos na terra porque o Espírito nos faz experimentar, em cada passo do caminho, o amor infalível de Deus (vers. 5). Aquilo que marca a nossa vida com um selo decisivo é o amor de Deus. Esse amor não é uma invenção dos teólogos ou dos catequistas: Jesus Cristo ofereceu a sua vida “quando ainda éramos pecadores” para nos mostrar e comprovar o amor de Deus por nós. A certeza desse amor enche a nossa vida, muda a nossa perspetiva das coisas e faz-nos caminhar pela vida com os olhos postos na eternidade.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Na Solenidade da Santíssima Trindade, Paulo fala-nos de um Deus que nos “justifica” sem condições, que nos oferece a salvação apesar do nosso egoísmo, do nosso orgulho, da nossa autossuficiência, da nossa fragilidade, do nosso pecado. Não somos nós que conquistamos a salvação a golpes de renúncia e de ações meritórias. É Deus que na sua bondade nos oferece incondicionalmente uma salvação que não merecemos, mas que Ele insiste em dar-nos. O nosso Deus é um Deus que funciona de acordo com uma lógica que ultrapassa absolutamente as nossas contas, as nossas matemáticas e as nossas gramáticas. A lógica que Deus usa para lidar connosco, é a lógica do amor; e o amor é assim: dá-se sem cálculos, a fundo perdido. Resta-nos acolher esse amor e entregarmos a nossa vida, com total confiança, nas mãos de Deus. Estamos conscientes disto? Sabemos que Deus não nos deve nada, mesmo que nós vamos fazendo aqui e ali, com a ajuda d’Ele, alguns gestos meritórios? Acreditamos que a salvação é um puro dom de Deus, oferecido sem condições? Aceitamos o amor de Deus, deixamo-nos abraçar pela misericórdia infinita de Deus?
    • Jesus Cristo, o Filho amado de Deus, veio ao nosso encontro, vestiu a nossa realidade precária e frágil, acompanhou-nos nos caminhos do mundo para nos mostrar, com palavras humanas, com gestos concretos de misericórdia e de perdão, com o dom de si próprio até ao extremo, o amor que o Pai nos tem. Ao voltar para o Pai, Jesus confiou aos discípulos que o seguiram até Jerusalém, a missão de serem testemunhas, no meio dos homens, do amor infinito do Pai. Somos efetivamente testemunhas do amor de Deus no meio dos nossos irmãos e irmãs? Os nossos gestos revelam o Deus que ama sem medida cada homem e cada mulher, independentemente das suas falhas, das suas “diferenças”, da sua “pobreza”?
    • Paulo refere-se também ao Espírito Santo: é aquele que, ao longo do caminho que percorremos todos os dias, nos faz experimentar o amor de Deus. O Espírito Santo torna palpável o amor de Deus nos vários passos e momentos do nosso caminho. Assim “acompanhados”, enfrentamos as vicissitudes da vida com o coração cheio de esperança. Acreditamos firmemente que o amor de Deus será sempre mais forte dos que os acidentes imprevistos, do que as nossas hesitações, do que as nossas escolhas estúpidas, do que os nossos passos mal dados. Caminhamos pela vida seguros do amor incondicional de Deus? A certeza do amor de Deus anima-nos e alimenta a nossa esperança, a nossa confiança, a nossa alegria?

     

    ALELUIA – cf. Apocalipse 1,8

    Aleluia. Aleluia.

    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    ao Deus que é, que era e que há de vir.

     

    EVANGELHO – João 16,12-15

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Tenho ainda muitas coisas para vos dizer,
    mas não as podeis compreender agora.
    Quando vier o Espírito da verdade,
    Ele vos guiará para a verdade plena;
    porque não falará de Si mesmo,
    mas dirá tudo o que tiver ouvido
    e vos anunciará o que está para vir.
    Ele Me glorificará,
    porque receberá do que é meu
    e vo-lo anunciará.
    Tudo o que o Pai tem é meu.
    Por isso vos disse
    que Ele receberá do que é meu
    e vo-lo anunciará».

     

    CONTEXTO

    Naquela noite de quinta-feira do mês de Nisan do ano 30, Jesus está à mesa com os discípulos na sala de uma casa de Jerusalém. Daí a pouco vai ser preso pelos soldados do templo e levado diante do Sinédrio para ser julgado e condenado. No dia seguinte será crucificado, no cimo de uma pequena colina situada fora das muralhas da cidade. Há já algum tempo que Jesus tinha adivinhado esse desfecho; no entanto, não fugiu, nem se escondeu. O que fez foi organizar uma ceia de despedida com os seus amigos mais próximos. Agora Jesus está à mesa, rodeado pelos discípulos, a comer e a conversar com eles. Procura aproveitar as poucas horas que lhe restam para lembrar aos discípulos as coisas mais importantes que lhes tinha ensinado. Tudo o que Ele diz e faz nessa noite soa a despedida, a testamento. Os discípulos nunca mais vão esquecer as palavras e os gestos de Jesus nesse momento solene e grave em que não havia tempo senão para as coisas verdadeiramente importantes.

    Jesus não parece muito preocupado com o que lhe vai acontecer. Nessa noite a sua grande preocupação parece ser aquele grupo de amigos que se ligaram a Ele e que o seguiram desde a Galileia a Jerusalém. Que vai ser deles? Serão capazes, quando Jesus lhes for tirado, de tomar aquele projeto nas mãos e de anunciar o Reino de Deus em todos os lados onde a vida os levar? Eles que são tão timoratos e descuidados, serão capazes de enfrentar sozinhos os poderes de morte que dominam o mundo e que se opõem ao projeto de Deus? Estarão os discípulos suficientemente preparados, suficientemente esclarecidos, para se tornarem testemunhas do Evangelho que escutaram de Jesus?

    Jesus quer que os discípulos entendam que não ficarão sozinhos no mundo, apenas entregues às suas frágeis forças. Reiteradamente (cf. Jo 14,15-17; 14,25-26; 15,26-27; 16,5-11; 16,12-15) fala-lhes do Espírito Santo, a força de Deus que vai ser derramada sobre eles e que lhes dará a capacidade e o discernimento para continuarem o projeto do Reino.

     

    MENSAGEM

    Por cinco vezes, no discurso de despedida que fez aos discípulos na véspera da sua morte, Jesus refere-se à vinda do Espírito Santo. Antes do trecho que o Evangelho deste dia nos convida a escutar, Jesus já lhes tinha falado do “Paráclito”, o “Espírito da verdade” que o Pai vai enviar (Jo 14,16-17), que lhes recordará e ensinará tudo o que tinham escutado (Jo 14,26), que dará testemunho em favor de Jesus (Jo 15,26) e que apresentará “ao mundo provas irrefutáveis de uma culpa, de uma inocência e de um julgamento” (Jo 16,7-8). Agora, retomando uma última vez o mesmo tema, Jesus reafirma o que já tinha dito sobre o Espírito nas quatro referências anteriores. A repetição, contudo, serve para tranquilizar os discípulos e funciona como uma garantia absoluta: aconteça o que acontecer eles não devem ter medo, pois caminharão pela vida e enfrentarão a história amparados pela força do Espírito.

    Nesta quinta alusão à vinda do Espírito, Jesus começa por afirmar que ainda tem muitas coisas para dizer aos discípulos, mas que eles, naquele momento, não são capazes de as entender (vers. 12). Contudo, o “Espírito da verdade” guiá-los-á para a verdade plena, comunicar-lhes-á tudo o que disser respeito a Jesus, e ajudá-los-á a interpretar tudo o que está para vir (vers. 13). O que é que isso quer significa?

    O “Espírito da verdade” não virá dizer aos discípulos coisas diferentes das que Jesus tinha dito. O que Ele comunicará aos discípulos é aquilo que ouviu de Jesus (Ele “não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido”). No entanto, houve coisas que Jesus propôs e que os discípulos sempre se recusaram a entender. Os discípulos de Jesus ainda não tinham assimilado a lógica de Deus: não tinham conseguido entender que a melhor maneira de triunfar era gastar a vida a servir os irmãos, de forma simples e humilde; não tinham conseguido aceitar que o projeto de salvação de Deus tivesse de passar pelo fracasso da cruz, pela entrega de Jesus a uma morte infame; não tinham conseguido perceber que fosse necessário dar a vida até ao extremo para chegar à vida verdadeira. Ora, o Espírito irá ajudá-los, gradualmente, a entender essas verdades aparentemente tão ilógicas que Jesus lhes tinha dito sobre o caminho que leva à vida nova.

    Além disso, o Espírito Santo irá também anunciar aos discípulos “o que está para vir”. Jesus refere-se aqui, certamente, ao caminho que os discípulos vão percorrer na história, até ao final dos tempos. Ao longo do caminho, eles irão enfrentar desafios exigentes, outras realidades, tempos que exigirão novas respostas. Como lhes será possível, no tempo da Igreja, continuar a captar, na fé, a Palavra de Jesus e a guiar a vida por ela? Segundo Jesus, o Espírito da verdade fará com que a proposta de Jesus continue a ecoar todos os dias na vida da comunidade e no coração de cada crente; ensinará os discípulos a entender a nova ordem que se segue à cruz e à ressurreição; ajudará os discípulos a perceber o que devem fazer para continuarem fiéis a Jesus e ao projeto do Reino de Deus. O Espírito, sempre presente na vida e no caminho dos discípulos, não apresentará uma doutrina nova, mas fará com que a Palavra de Jesus seja sempre a referência da comunidade em caminhada pelo mundo.

    Aonde irá o Espírito buscar essa verdade que vai transmitir continuamente aos discípulos? Naturalmente, ao próprio Jesus (“receberá do que é meu e vo-lo anunciará” – vers. 14). Assim, Jesus continuará em comunhão, em sintonia com os discípulos, comunicando-lhes a sua vida e o seu amor. Tal é a função do Espírito: realizar a comunhão entre Jesus e os discípulos em marcha pela história.

    A última expressão deste texto (vers. 15) sublinha a comunhão existente entre o Pai e o Filho. Essa comunhão atesta a unidade entre o plano salvador do Pai, proposto nas palavras de Jesus e tornado realidade na vida da Igreja, por ação do Espírito.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Está bem patente, neste texto, que o projeto de salvação que Deus tem para os homens e para o mundo veio ao nosso encontro e entrou na nossa história através de Jesus. Jesus “contou-nos” esse projeto em palavras simples, que escandalizavam os “letrados”, mas que a gente do campo entendia; mostrou-nos em gestos tocantes de ternura e de misericórdia, o imenso amor de Deus por nós; disse-nos, dando a vida até à última gota de sangue, como é que devíamos viver e amar. Apesar de a sua mensagem ser clara, não foi acolhida por todos. Os amigos mais queridos de Jesus acharam muitas vezes que Ele pedia coisas impossíveis; as autoridades religiosas judaicas receavam que Ele alterasse a ordem estabelecida e fizeram tudo para o calar. Jesus morreu só, abandonado por todos, exceto algumas amigas que quiseram ficar com Ele até ao seu último suspiro. Dois mil anos depois, o anúncio de Jesus continua a fazer-se ouvir. Mas, hoje como ontem, as suas palavras encontram resistência e o seu estilo de viver e de amar continua a contar pouco para muitos dos que se dizem seus discípulos. O projeto de salvação de Deus, revelado em Jesus, faz sentido para nós? Vamos atrás de Jesus, como discípulos, e moldamos a nossa vida e as nossas opções por aquilo que o ouvimos dizer e que o vemos fazer?
    • Jesus, quando se despediu dos seus discípulos, prometeu-lhes o Espírito Santo, o “Espírito da verdade”, aquele “sopro de Deus” que os ajudaria a vencer os medos, os preconceitos, as prevenções, o egoísmo, a autossuficiência, todas as resistências às indicações de Deus. Essa é, efetivamente, uma das funções do Espírito: ajudar-nos a dizer “não” a tudo aquilo que nos impede de caminhar com Jesus. Deparamo-nos a cada passo com “vozes” que nos propõem caminhos diversos dos que Jesus nos apontou; chocamos a cada instante com pessoas com “propostas irrecusáveis” para construirmos uma vida plena de êxitos; cruzamo-nos a cada momento com propostas que nos convidam a viver em circuito fechado, preocupados apenas com o nosso bem-estar, a nossa segurança, o nosso triunfo pessoal. Neste cenário, que importância damos ao “Espírito da verdade” que nos fala de Jesus, dos valores que Ele nos propôs, das opções que Ele fez, do estilo de vida que Ele levou?
    • Jesus também disse aos discípulos que o “Espírito da verdade” os ajudaria a situar-se no mundo, dando a resposta adequada, em cada tempo, aos desafios que forem surgindo. A comunidade de Jesus, ao longo do caminho, irá encontrar cenários novos, desafios novos, exigências novas. Terá de saber encontrar, em cada tempo, a maneira adequada de dialogar com o mundo, de responder às questões dos homens, de oferecer aos homens de cada época o testemunho da salvação de Deus. Para que a sua proposta seja escutada, a Igreja não pode ficar amarrada a fórmulas obsoletas, a ritos vazios, a linguagens datadas. Tem de saber encontrar em cada tempo histórico a maneira adequada de traduzir o Evangelho, numa fidelidade dinâmica a Jesus. Não se trata apenas de inovar para seguir os ditames da moda, cedendo à tentação do facilitismo e do vistoso; trata-se de, ajudados pelo Espírito, traduzirmos numa linguagem apropriada a cada tempo os valores eternos do Evangelho. Procuramos escutar atentamente o Espírito para sabermos como adequar a cada tempo e a cada cenário a mensagem de Jesus que somos convidados a testemunhar?
    • A celebração da Solenidade da Trindade convida-nos a mergulhar no mistério de Deus. Fala-nos de um Deus que é amor. Diz-nos que Deus não é um ente solitário, afastado dos homens, apenas ocupado em dirigir a máquina do universo; mas é uma família onde o amor está sempre presente. Em Deus coexistem a unidade e a comunhão de pessoas. Nós dizemos, na nossa linguagem imperfeita, que Deus é um em três pessoas. Mas Deus escapa a todas as fórmulas dos teólogos para ser, apenas, um mistério de amor, uma família de três Pessoas em perfeita comunhão. E, melhor que tudo, Deus convida-nos a integrar essa comunidade de amor que Ele forma com o Filho e com o Espírito: a família de Deus, a Trindade, está sempre aberta para acolher novos filhos. Muitas vezes dizemos, pessoal e comunitariamente, “eu creio em Deus”: qual é e como é o Deus em que acreditamos?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE
    (em parte adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Santíssima Trindade, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. DAR LUGAR AO SILÊNCIO.

    É sempre difícil falar da Trindade, de explicá-la, de descrevê-la… Daí a importância de prever algum (ou alguns) momento forte de interiorização e de adoração durante a celebração: depois da homilia… depois da comunhão… Dar espaço ao silêncio para que a Trindade ecoe em nós.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus eterno, Pai e criador de todo o universo, contemplamos o céu, a terra, os oceanos e todas as suas maravilhas, onde vemos a obra admirável da tua Sabedoria. Por todas as tuas obras, nós Te bendizemos.

    Nós Te confiamos as nossas inquietações quanto ao futuro da tua criação e ao equilíbrio da natureza, que as nossas técnicas violentas já muito perturbaram.

    No final da segunda leitura:
    Pai, nós Te damos graças pelos dons incomparáveis com que nos gratificaste: a justiça, a paz, a fé, a esperança e, sobretudo, o teu amor, que derramaste nos nossos corações pelo Espírito Santo que Tu nos deste.

    Nós Te pedimos pela unidade das Igrejas, outrora quebrada por diferentes compreensões da justificação. Ilumina-nos com o teu Espírito.

    No final do Evangelho:
    Deus fiel, Pai revelado pelo teu Filho no teu Espírito, nós Te damos graças, porque nos introduzes na comunhão da tua glória e na verdade do teu amor.

    Nós Te pedimos: Deus, Espírito de verdade, guia-nos para a verdade completa e dá-nos a força de levar as mensagens do Evangelho.

     

    4. BILHETE DE EVANGELHO.

    O pintor crente Roublev tentou mostrar, numa troca de olhares, a relação de amor que existe entre o Pai, o Filho e o Espírito: quando o Pai e o Filho se olham, cada um guarda a sua personalidade e revela ao mesmo tempo a personalidade do outro, e esta relação de amor faz existir o Espírito que olha o Pai e o Filho, eles próprios deixando-se olhar, olhando ao mesmo tempo o Espírito de Amor que faz a sua unidade. Muitas vezes basta um olhar para dizer muitas coisas, basta um olhar para dar de novo esperança, confiança e vida, basta um olhar para dizer “amo-te!” e ouvir dizer em eco: “amo-te!” A Trindade é um intercâmbio de “amo-te!” Há unidade e, ao mesmo tempo, personalidades diferentes: cada um diz “amo-te!” e pode acrescentar “eu sou amado!” Tal é o segredo da sua existência e da sua eternidade. Mistério! Não por ser incompreensível, mas por, sem cessar, merecer ser melhor compreendido. E a Trindade não é o único mistério, a humanidade também o é, porque criada à imagem de Deus, homens e mulheres capazes de dizer “amo-te!” e capazes de dizer “eu sou amado!”

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Esta passagem de São João retoma o que Jesus nos dizia domingo passado na Solenidade do Pentecostes sobre o Espírito de verdade que nos guiará para a verdade total… É o Espírito que nos dará a força para a compreender. Domingo passado, refletimos sobre a verdade que o Espírito Santo desvela progressivamente, ao longo da história da Igreja. Hoje, estamos atentos ao facto de a verdade do Evangelho nos atingir enquanto seres em crescimento de humanidade e de fé. Ora a fé, contrariamente ao que por vezes se imagina, não é uma luz que cega. Ela é uma espécie de luz obscura, uma confiança dada na noite. Ela implica um salto no desconhecido. Isto verifica-se particularmente a propósito do mistério da Santíssima Trindade. A palavra não se encontra na Bíblia, mas a realidade que quer exprimir está muito presente no ensino de Jesus. Assim, hoje, vemos com que insistência Jesus fala de seu Pai e do Espírito de verdade. Jesus diz, o mais explicitamente possível, que entre o Pai, o Espírito e Ele tudo é comum… Deus que é Pai, Filho e Espírito, Deus Único mas não solitário, Deus comunhão eterna de Amor infinito no mais profundo do seu mistério, é a pedra angular da fé cristã, a diferença, sem dúvida, fundamental em relação às outras conceções de Deus. O nosso ato de fé é aqui decisivo e determina se somos verdadeiramente “de Cristo”. “Senhor, eu creio, mas aumenta a minha fé”.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que traça todo o plano de salvação, da criação à vinda de Cristo, e situa-o sob o signo da Aliança que é comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    Mergulhar no coração do mistério… Uma festa para celebrar a relação de Amor que une o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Um mistério imenso que ultrapassa as nossas conceções humanas e no qual somos convidados a entrar. Durante a próxima semana podemos dedicar um tempo à oração, à contemplação, para nos deixarmos mergulhar no coração deste mistério de Amor da Trindade… e um tempo para recentrar de novo as nossas vidas de batizados: a vida, o amor, a paz, o serviço… passam livremente através de nós? Ou estamos desgarrados do conjunto?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo – Ano C [atualizado]

    Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo – Ano C [atualizado]


    19 de Junho, 2025

    ANO C

    SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO

    Tema da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

    Na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, a Palavra de Deus fala-nos da Eucaristia, o alimento que Jesus nos deixou como fonte de vida. Quando comungamos o pão e o vinho, corpo e sangue de Jesus, acolhemos em nós a vida e o amor de Jesus. Aprofundamos, além disso, os laços que nos ligam a Jesus e a todos os irmãos que se se sentam connosco à mesa da Eucaristia.

    A primeira leitura traz-nos um episódio das “tradições patriarcais”. Conta como Melquisedec, rei e sacerdote de Salém (Jerusalém), veio ao encontro de Abraão trazendo pão e vinho, se sentou com ele à mesa e o abençoou. A catequese cristã viu em Melquisedec uma prefiguração de Jesus, o sacerdote eterno que veio de Deus para oferecer no altar o pão e o vinho, seu corpo e seu sangue.

    No Evangelho Jesus divide cinco pães e dois peixes com uma multidão esfomeada. Os gestos feitos por Jesus nesse dia num “local deserto” perto de Betsaida, antecipam os gestos que Ele irá fazer na última ceia, na véspera da sua morte, quando partir e partilhar o pão e o vinho com os discípulos. “Partir”, “partilhar”, “dar” é uma bela forma de resumir toda a vida de Jesus. Assim vivem os que estão com Ele e se alimentam d’Ele.

    A segunda leitura oferece-nos o mais antigo relato dos gestos que Jesus fez na última ceia sobre o pão e sobre o vinho. Paulo de Tarso, o autor deste relato, avisa-nos que “comer o pão” e “beber o vinho” de Jesus significa compromisso com Jesus e com a sua maneira de viver e de amar. Comungar o corpo e o sangue de Jesus é, por isso, incompatível com tudo o que signifique divisão, conflito, discórdia, desprezo pelos irmãos mais pobres e mais pequenos.

     

    LEITURA I – Génesis 14,18-20

    Naqueles dias,
    Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho.
    Era sacerdote do Deus Altíssimo
    e abençoou Abraão, dizendo:
    «Abençoado seja Abraão pelo Deus Altíssimo,
    criador do céu e da terra.
    Bendito seja o Deus Altíssimo,
    que entregou nas tuas mãos os teus inimigos».
    E Abraão deu-lhe a dízima de tudo.

     

    CONTEXTO

    A primeira leitura de hoje faz parte de um bloco de textos a que se dá o nome genérico de “tradições patriarcais” (cf. Gn 12-36). Trata-se de um conjunto de relatos singulares, originalmente independentes uns dos outros, sem grande unidade e sem carácter de documento histórico. Nesses capítulos aparecem, de forma indiferenciada, “mitos de origem” (descreviam a “tomada de posse” de um lugar pelo patriarca do clã), “lendas cultuais” (narravam como um deus tinha aparecido nesse lugar ao patriarca do clã), histórias sobre as vicissitudes diárias dos clãs nómadas que circularam pela Palestina durante o segundo milénio, e ainda reflexões teológicas posteriores destinadas a apresentar aos crentes israelitas modelos de vida e de fé.

    Os clãs referidos nas “tradições patriarcais” – nomeadamente os de Abraão, de Isaac, de Jacob e de Lot, grupos vagamente aparentados que mais tarde, numa fase posterior da história, aparecem ligados por laços “familiares” – viajavam de lugar em lugar à procura de pastos para os seus rebanhos. Transportavam com eles diversos sonhos e expetativas. Sonhavam encontrar uma terra fértil e com água abundante, onde pudessem instalar-se e descansar, fugindo aos perigos e às incertezas da vida nómada.

    No relato que a liturgia deste dia nos apresenta como primeira leitura referem-se dois desses clãs: o de Abraão e o de Lot. São dois grupos oriundos da Mesopotâmia, que na primeira metade do 2º milénio a.C. emigraram para a terra de Canaã. As tradições patriarcais apresentam Lot como sobrinho de Abraão. Lot é o ancestral dos amonitas e moabitas, povos aparentados com os israelitas. Segundo as tradições patriarcais do livro do Génesis, o clã de Lot estabeleceu-se na zona do vale do Jordão, “erguendo as suas tendas até Sodoma” (cf. Gn 13,5-13). Supõe-se que, por essa altura, Sodoma e Gomorra eram ainda terras férteis (cf. Gn 13,10), que ainda não tinham sofrido o cataclismo que, mais tarde, as atingiu (cf. Gn 19).

    Conflitos entre reis locais fizeram com que, pouco depois de se ter estabelecido em Sodoma, Lot fosse feito prisioneiro por Cadorlaomer, rei de Elam, e seus aliados (cf. Gn 14,1-12). Mas Abraão correu em auxílio de Lot e libertou-o (cf. Gn 14,13-16). Quando regressava dessa campanha militar, Abraão encontrou-se com uma das figuras mais enigmáticas de todo o Antigo Testamento: Melquisedec, rei de Salém.

     

    MENSAGEM

    Este Melquisedec, que irrompe subitamente na história de Abraão, é apresentado como rei de Salém e sacerdote “do Deus Altíssimo” (no texto, “El ‘Elión”). O nome “Salém” deve ser identificado com “Jerusalém” (cf. Sl 76,3). Melquisedec seria, portanto, um rei pré-israelita da cidade de Jerusalém. Juntava à realeza funções sacerdotais: a acumulação na mesma pessoa da realeza e do sacerdócio não era rara no antigo Médio Oriente. Sabemos, inclusive por documentos extra-bíblicos, que “El ‘Elión” (o “Deus Altíssimo”) que Melquisedec servia, era a divindade adorada na região de Jerusalém na época pré-israelita. O Salmo 110 liga a tradição sobre Melquisedec com o trono de David, alguns séculos depois estabelecido em Jerusalém. Melquisedec é, ainda, referido na Carta aos Hebreus como um sacerdote “sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida, que permanece sacerdote para sempre” (Heb 7,3); e, para o pregador cristão que nos legou a bela “homilia” que é a Carta aos Hebreus, Jesus é um sacerdote à maneira de Melquisedec, “da ordem de Melquisedec” (Heb 7,11.17), que veio ocupar o trono do seu pai David.

    Ora, Melquisedec veio ao encontro de Abraão nos arredores de Jerusalém. Trouxe consigo pão e vinho para partilhar com Abraão (vers. 18). Esse pão e esse vinho serviram à gente de Abraão para retemperar as forças. Depois Melquisedec, assumindo as suas funções sacerdotais, abençoou Abraão: “abençoado seja Abraão pelo Deus Altíssimo, criador do céu e da terra. Bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou nas tuas mãos os teus inimigos” (vers. 19-20a). Abraão, abençoado pelo sacerdote-rei Melquisedec, é agora portador de uma força que lhe vem de Deus. O relato refere ainda que Abraão, após receber a “bênção”, deu a Melquisedec a “dízima” dos bens que trazia, o que implica o reconhecimento de um direito de propriedade e de supremacia.

    Porque é que a liturgia da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo nos propõe este estranho episódio das velhas tradições patriarcais? Antes de mais porque a catequese cristã sempre viu em Melquisedec uma prefiguração de Jesus, o sacerdote eterno que veio de Deus para oferecer no altar o pão e o vinho, seu corpo e seu sangue. Depois, porque a entrega do pão e do vinho para alimentar o grupo faminto de Abraão, de alguma forma prefigura a Eucaristia, a entrega que Cristo faz do seu corpo e do seu sangue para saciar a fome de vida que os homens sentem. Finalmente porque esse banquete de pão e de vinho que une à mesma mesa a gente de Salém e a gente de Abraão prefigura a mesa eucarística, à volta da qual se sentarão, em plena comunhão, pessoas de todas as raças e culturas.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Melquisedec, o sacerdote do Deus Altíssimo que abençoa Abraão, prefigura e anuncia Jesus, o sacerdote eterno, que veio ligar-nos a Deus e trazer-nos a vida de Deus. É através de Jesus que a vida de Deus nos atinge, nos alimenta, nos conforta e nos renova. Jesus é a nossa ponte para a vida eterna, para a vida verdadeira. Vivemos num tempo em que o projeto de Jesus parece, para muitos dos nossos contemporâneos, pouco praticável, de uma ingenuidade perigosa, sem resposta para os problemas que enfrentamos, desfasado da modernidade e dos seus desafios… E, sendo assim, não é fácil termos Jesus como a nossa grande referência, como aquele que nos aponta o caminho que leva à vida verdadeira. O que “vale” Jesus para nós, homens e mulheres do séc. XXI? Ele ainda é, para nós, o único e verdadeiro sacerdote, aquele que nos liga ao Pai e que nos faz chegar a vida de Deus? Consideramos que vale a pena continuar a olhar para Jesus, a escutar atentamente as suas palavras, a aprender com os seus gestos, a sonhar o seu sonho do Reino de Deus? Vale a pena continuarmos, todos os domingos, a sentarmo-nos com Ele à mesa da Eucaristia para recebermos o pão e o vinho com que Ele nos alimenta e nos dá vida?
    • Melquisedec, rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo, leva pão e vinho para o banquete com Abraão e a sua gente. Ele sabia que o pão que Deus põe à nossa disposição se destina a todos aqueles que têm fome e que se cruzam connosco nos caminhos da vida. Numa altura em que quase dois biliões e meio de irmãos nossos, em diversos lugares da terra, enfrentam situações de insegurança alimentar moderada ou grave, somos desafiados a pensar na fome do mundo e a sentirmo-nos responsáveis por aqueles que não têm acesso aos alimentos necessários para a sua subsistência diária. Poderemos sentar-nos à mesa da Eucaristia e repartir o pão que Jesus nos oferece, indiferentes à fome que ameaça a vida e a saúde de tantos dos nossos irmãos? A partilha do pão eucarístico não será uma mentira imperdoável se nos recusamos a partilhar com os nossos irmãos necessitados o pão que Deus põe à nossa disposição?
    • O banquete que juntou a gente de Melquisedec e a gente de Abraão foi o banquete da fraternidade: dois povos estranhos entre si que, apesar das diferenças que os separavam, se sentaram à mesma mesa, partilhando o mesmo pão e o mesmo vinho, unindo-se por laços fraternos. A imagem desse banquete é bem uma imagem da Eucaristia, o banquete onde irmãos e irmãs de origens diferentes, de culturas diferentes, de cores diferentes, com histórias de vida diferentes, se sentam à mesma mesa, partilham o pão de Jesus e formam uma comunidade unida e fraterna. Sentimos que a Eucaristia constrói comunidade, esbate as diferenças que nos separam e nos liga com todos os nossos irmãos, sejam eles quem forem, que se sentam connosco à mesa de Jesus? Entendemos a Eucaristia como anúncio e prefiguração de um mundo novo, de um mundo onde há lugar para todos os homens e mulheres, e onde todos se sentem família uns dos outros?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 109 (110)

    Refrão 1: O Senhor é sacerdote para sempre.

    Refrão 2: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.

    Disse o Senhor ao meu Senhor:
    «Senta-te à minha direita,
    até que Eu faça de teus inimigos escabelo de teus pés».

    O Senhor estenderá de Sião
    o cetro do teu poder
    e tu dominarás no meio dos teus inimigos.

    A ti pertence a realeza desde o dia em que nasceste
    nos esplendores da santidade,
    antes da aurora, como orvalho, Eu te gerei».

    O Senhor jurou e não Se arrependerá:
    «Tu és sacerdote para sempre,
    segundo a ordem de Melquisedec».

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 11,23-26

    Irmãos:
    Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti:
    o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue,
    tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse:
    «Isto é o meu Corpo, entregue por vós.
    Fazei isto em memória de Mim».
    Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse:
    «Este cálice á a nova aliança no meu Sangue.
    Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim».
    Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão
    e beberdes deste cálice,
    anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha».

     

    CONTEXTO

    Corinto, cidade nova e próspera, era a capital da Província romana da Acaia e a sede do procônsul romano. Servida por dois portos de mar, nela se cruzavam pessoas de todas as raças e religiões. Era a cidade do desregramento para os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo e que, após semanas de navegação, chegavam com vontade de se divertir. No centro da cidade, o templo de Afrodite, a deusa grega do amor, atraía os peregrinos e favorecia os desregramentos e a libertinagem sexual. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.

    No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca de 18 meses (anos 50-52). De acordo com At 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos. Ao sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; At 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho.

    Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maioria dos membros da comunidade era de origem grega, embora de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. At 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13). De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10). Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.

    O texto que a liturgia nos propõe como segunda leitura da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo integra uma secção da carta onde Paulo aborda diversas questões relacionadas com as assembleias litúrgicas (cf. 1 Cor 11,2-14,40). As celebrações litúrgicas eram momentos-chave na vida das primeiras comunidades cristãs. No entanto, os cristãos de Corinto tinham levado para as assembleias litúrgicas cristãs comportamentos a que se tinham habituado quando frequentavam as assembleias religiosas pagãs e que eram incompatíveis com os valores cristãos. Nas comunidades cristãs dos primeiros tempos, a celebração da Eucaristia era precedida habitualmente por uma refeição fraterna, tomada por todos os elementos da comunidade. Em Corinto, no entanto, as coisas não funcionavam bem. Os mais ricos, sem grandes ocupações, chegavam mais cedo às assembleias, colocavam na mesa comum os alimentos que traziam e apressavam-se a comer e a beber, muitas vezes cometendo excessos, sem esperar pelos que chegavam mais tarde. Os pobres que trabalhavam duramente e só podiam chegar à última hora, quando se apresentavam já não encontravam senão migalhas. Isto gerava mal-estar, discussões, divisões, conflitos, um ambiente geral de crispação e de desunião (cf. 1 Cor 11,17-22). Paulo acha tudo isto muito grave: é um atentado contra a comunhão fraterna, a união comunitária; subverte completamente aquilo que devia ser a “ceia do Senhor”.

     

    MENSAGEM

    Para que os cristãos de Corinto percebam o sem sentido da maneira como se comportam nas assembleias litúrgicas comunitárias, Paulo recorda-lhes como é que a Eucaristia foi instituída. É o relato mais antigo que nos chegou sobre a “ceia do Senhor”.

    Paulo começa por dizer que “recebeu do Senhor” o relato que vai fazer (vers. 23a). Na verdade, ele não esteve na “última ceia” de Jesus com os discípulos; mas recebeu esse relato da catequese cristã dos primeiros tempos, provavelmente em Damasco, depois de ter encontrado Jesus. Portanto, o seu testemunho é verdadeiro e deve ser levado a sério.

    Na noite da sua despedida, enquanto estava à mesa com os discípulos, Jesus quis fazer um gesto que, de alguma forma, resumisse toda a sua vida, todas as palavras que disse, tudo aquilo que tinha proposto àqueles que o acompanharam desde a Galileia a Jerusalém. Enquanto comia com os discípulos, tomou o pão, partiu-o e deu-o aos que estavam à mesa, dizendo: “Isto é o meu Corpo, entregue por vós” (vers. 23b-24). Depois, tomou um cálice, deu-o aos discípulos e disse: “Este cálice á a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim” (vers. 25). O que é que Jesus quis dizer com estes gestos?

    Toda a vida de Jesus, tudo o que Ele disse e fez, foi um dom de si próprio em favor dos homens. Ele deu-se completamente, por amor, sem pensar em si próprio, nas suas conveniências, nos seus interesses próprios, nos seus projetos pessoais. Deu-se todo, até ao último suspiro, até à última gota de sangue, “amou até ao extremo”. Aliás, Ele continua a dar-se “até ao extremo” sempre que a comunidade dos seus discípulos se senta à mesa com Ele e repete os gestos que Ele fez na última ceia. A Eucaristia cristã é um “memorial” de tudo isto, uma atualização da entrega de Jesus por todos e em favor de todos.

    Ora, sempre que os discípulos de Jesus repetem os gestos que Ele fez na última ceia, identificam-se com Ele, assimilam a Sua vida, a Sua entrega por amor; ao comerem o corpo e o sangue de Jesus, comprometem-se a viver como Ele, a doar a vida como Ele, a amar sem medida como Ele. São uma família de irmãos e de irmãs que se sentam à mesma mesa, que se alimentam do mesmo pão e do mesmo vinho, que recebem a mesma vida; a comunhão do corpo e do sangue de Jesus une-os cada vez mais a Ele e estreita os laços de comunhão que existem entre todos os que partilham o mesmo alimento que é Jesus.

    Como podem então os cristãos de Corinto celebrar tudo isto num ambiente de divisão, de conflito, de discórdia, de excessos egoístas, de desrespeito pelos mais pobres da comunidade? Faz sentido que num contexto onde se faz memória da vida de Jesus, do seu amor radical, da sua entrega por todos, haja manifestações e comportamentos de um egoísmo atroz? Quem se senta à mesa da Eucaristia para celebrar o amor de Jesus mas não quer saber dos seus irmãos para nada, não estará a viver uma mentira? A sua adesão a Jesus não será um monumental equívoco?

    Paulo acha que tudo isto é muito grave; e, num desenvolvimento que o texto da nossa leitura não apresenta, avisa: “aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor” (vers. 27); “aquele que come e bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação” (vers. 29).

     

    INTERPELAÇÕES

    • A Eucaristia é o memorial da vida de Jesus: das suas palavras, dos seus gestos, do seu amor, da sua vida dada até ao extremo, especialmente da sua paixão, morte e ressurreição. Concentra, resume e explicita tudo aquilo que Jesus viveu e propôs desde que entrou no mundo até que voltou para o Pai. Faz os discípulos regressarem àquela noite inolvidável em que Jesus se despediu deles e lhes deixou em testamento a sua vida e o seu amor. Não é um mero “recordar” algo que aconteceu há dois mil anos; é um reviver, um atualizar a doação de Jesus, a sua entrega por amor. É um verdadeiro encontro com Jesus, vivo e presente no pão e no vinho, que se dá aos seus como alimento de vida. A Eucaristia é, assim, o centro da vida da Igreja, o maior tesouro que Jesus deixou aos seus. Como é que sentimos e entendemos a Eucaristia? Vemo-la como uma “obrigação” que a Igreja impôs aos seus membros, como uma tradição que vem dos nossos antepassados e que temos de manter, como um ritual a despachar o mais depressa possível para podermos voltar de consciência tranquila a ocupar-nos dos nossos interesses corriqueiros, ou como o momento do encontro com Jesus, da escuta de Jesus, da comunhão com Jesus? Que lugar ocupa na nossa vida a celebração da Eucaristia?
    • Jesus, depois de ter percorrido com os discípulos os caminhos da Galileia e da Judeia, foi morto em Jerusalém, ressuscitou e entrou na glória do Pai. Contudo, antes de partir deste mundo, enviou os discípulos a dar testemunho do Evangelho em toda a terra e confiou-lhes a construção do Reino de Deus. Os discípulos ficaram sozinhos, entregues a si próprios e às suas iniciativas pessoais? Como poderão eles continuar ligados a esse “Mestre” pelo qual deixaram tudo e arriscaram tudo? Uma das formas de os discípulos manterem a ligação com Jesus é continuarem a sentar-se com Ele à mesa da Eucaristia. Aí fazem a experiência da presença de Jesus no meio deles: escutam a Palavra de Jesus, reconhecem-no quando Ele lhes reparte o pão, alimentam-se da Sua vida e do seu amor, aprofundam os laços de comunhão com Jesus. Nós, os discípulos de Jesus que caminhamos no mundo e na história, sentimos necessidade de nos mantermos ligados a Jesus, em comunhão com Jesus? Estamos conscientes de que a participação no banquete eucarístico é uma forma privilegiada de o fazer?
    • Sentarmo-nos à mesa do banquete eucarístico é, também, estreitarmos os laços que nos unem aos nossos irmãos. Ali, na “casa da comunidade”, somos uma família de irmãos e de irmãs que convivem à volta da mesma mesa, que escutam a mesma Palavra, que se alimentam do mesmo Pão, que têm Jesus como a referência fundamental das suas vidas. Ali, à volta da mesa da Eucaristia, todos escutam o convite de Jesus a viver no amor, na doação recíproca, no serviço aos irmãos; ali, reunidos em família, todos sentem o apelo de Jesus à fraternidade, à solidariedade, à responsabilidade pelo irmão que está ao lado, à participação na missão comum. Assim, a Eucaristia edifica a Igreja, cria comunidade verdadeira e fraterna. Se a Eucaristia não criar fraternidade, não nos levar a abraçar o irmão diferente que está connosco à mesa, não nos tornar mais solidários e mais atentos aos pequenos e aos pobres, não fará qualquer sentido; se a Eucaristia não nos levar a eliminar as dissensões, os conflitos, as críticas mesquinhas, as ruturas, as invejas, os ódios de estimação, a indiferença face à sorte dos irmãos, será uma mentira intolerável. As nossas comunidades cristãs que se alimentam da Eucaristia são comunidades fraternas, unidas, que dão testemunho do amor de Jesus? Nós que participamos no banquete eucarístico procuramos sempre dar testemunho de fraternidade, de misericórdia, de acolhimento, de verdadeira comunhão?
    • Talvez constatemos que na Igreja em geral e nas nossas comunidades cristãs em particular há muita incoerência, muitos comportamentos errados, muitas atitudes indignas, muito pecado; talvez vejamos nas nossas comunidades cristãs muito egoísmo, muita vaidade, muita ambição, muita tensão, muitos conflitos, muita indiferença face à sorte dos irmãos; talvez achemos que nas nossas comunidades há pouca misericórdia, pouca bondade, pouca gentileza, pouco acolhimento, pouca partilha, pouco serviço, pouco amor… Sendo assim, podemos continuar a celebrar a Eucaristia? Na verdade, o “pão partido” que Jesus distribuiu é um alimento para homens e mulheres pecadores, não é um prémio reservado exclusivamente a quem se porta sempre bem. O que temos de fazer não é alhear-nos da Eucaristia ou deixar de a celebrar; mas é precisamente descobrirmos na Eucaristia o apelo de Jesus a mudarmos as nossas vidas e as nossas comunidades cristãs. A Eucaristia dá-nos a força para vivermos de forma mais coerente e consequente a nossa fé. Sentimos realmente que o “pão partido” que Jesus nos oferece nos dá força para vivermos de forma mais verdadeira?

     

    SEQUÊNCIA

    Terra, exulta de alegria,
    Louva o teu pastor e guia,
    Com teus hinos, tua voz.

    Quanto possas tanto ouses,
    Em louvá-l’O não repouses:
    Sempre excede o teu louvor.

    Hoje a Igreja te convida:
    O pão vivo que dá vida
    Vem com ela celebrar.

    Este pão – que o mundo creia –
    Por Jesus na santa Ceia
    Foi entregue aos que escolheu.

    Eis o pão que os Anjos comem
    Transformado em pão do homem;
    Só os filhos o consomem:
    Não será lançado aos cães.

    Em sinais prefigurado,
    Por Abraão imolado,
    No cordeiro aos pais foi dado,
    No deserto foi maná.

    Bom pastor, pão da verdade,
    Tende de nós piedade,
    Conservai-nos na unidade,
    Extingui nossa orfandade
    E conduzi-nos ao Pai.

    Aos mortais dando comida,
    Dais também o pão da vida:
    Que a família assim nutrida
    Seja um dia reunida
    Aos convivas lá do Céu.

     

    ALELUIA – João 6,51

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o pão vivo descido do Céu, diz o Senhor.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.

     

    EVANGELHO – Lucas 9, 11b-17

    Naquele tempo,
    estava Jesus a falar à multidão sobre o reino de Deus
    e a curar aqueles que necessitavam.
    O dia começava a declinar.
    Então os Doze aproximaram-se e disseram-Lhe:
    «Manda embora a multidão
    para ir procurar pousada e alimento
    às aldeias e casais mais próximos,
    pois aqui estamos num local deserto».
    Disse-lhes Jesus:
    «Dai-lhes vós de comer».
    Mas eles responderam:
    «Não temos senão cinco pães e dois peixes…
    Só se formos nós mesmos
    comprar comida para todo este povo».
    Eram de facto uns cinco mil homens.
    Disse Jesus aos discípulos:
    «Mandai-os sentar por grupos de cinquenta».
    Assim fizeram e todos se sentaram.
    Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes,
    ergueu os olhos ao Céu
    e pronunciou sobre eles a bênção.
    Depois partiu-os e deu-os aos discípulos,
    para eles os distribuírem pela multidão.
    Todos comeram e ficaram saciados;
    e ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram.

     

    CONTEXTO

    O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes é o único que é contado em todos os Evangelhos (cf. Mt 14,13-21; Mc 6,32-44; Jo 6,1-15). Marcos é, provavelmente, a fonte comum onde Mateus e Lucas vão beber.

    Lucas coloca o episódio no mesmo seguimento de Marcos: os discípulos, depois de terem sido enviados em missão, tinham regressado ao encontro de Jesus (Lc 9,10a; cf. Mc 6,30). Jesus, recebendo-os, convida-os a dirigirem-se com Ele para outro lugar. Na versão de Marcos, Jesus e os discípulos vão de barco para um lugar deserto, a fim de poderem descansar (cf. Mc 6,31-32); na versão de Lucas, Jesus e os discípulos vão simplesmente para “um lugar afastado, na direção de uma cidade chamada Betsaida” (Lc 9,10). Betsaida, uma cidade situada a noroeste do mar da Galileia, pertencia à tetrarquia de Filipe e era o a terra natal de alguns discípulos, nomeadamente Filipe, André e Simão Pedro. Ficava a cerca de sete quilómetros de Cafarnaum. Alguns pensam que Jesus escolheu essa direção geográfica porque, após a morte de João Batista (cf. Mc 6,17-29), pretendia afastar-se dos territórios de Herodes Antipas.

    Seja como for, a retirada de Jesus e dos discípulos não passou despercebida. As multidões foram imediatamente atrás deles.

     

    MENSAGEM

    Quando Jesus chega com os discípulos ao “lugar deserto”, perto de Betsaida, para onde se dirigia, encontra uma grande multidão à sua espera. Jesus, no entanto, não se mostra incomodado pelo facto de a multidão lhe ter arruinado os planos, mas “acolhe” aquela gente. A palavra grega utilizada no relato (“apodexamenos” – “acolheu-os”) coloca-nos no contexto da hospitalidade e sugere a solicitude que se deve ter pelo hóspede que chega a nossa casa. Revela a preocupação de Jesus em ser para todos aqueles que O procuram um sinal vivo desse amor com que Deus ama os seus filhos. Depois do acolhimento, Jesus avança para a liturgia da Palavra: põe-se “a falar à multidão sobre o reino de Deus e a curar aqueles que necessitavam” (vers. 11b).

    Entusiasmado com o seu tema preferido – o Reino de Deus – Jesus nem se dá conta que o dia está a chegar ao fim. São os discípulos que lhe chamam a atenção e que definem o que Ele deve fazer: “manda embora a multidão para ir procurar pousada e alimento às aldeias e casais mais próximos, pois aqui estamos num local deserto” (vers. 12). Fundamentalmente, os discípulos declinam responsabilidades e propõem que cada um se arranje como puder. Dadas as circunstâncias, a proposta dos discípulos parece razoável; mas Jesus ignora a solução que eles apresentam e avança com uma proposta “impossível”: “dai-lhes vós de comer” (vers. 13a).

    Porque é que Jesus envolve os discípulos nesta busca de soluções para a fome da multidão? Porque eles, enquanto testemunhas do Reino de Deus, têm de envolver-se na procura de repostas para os problemas dos seus irmãos. Os discípulos de Jesus devem estar conscientes de que não podem passar ao lado das multidões esfomeadas como se isso não lhes dissesse respeito; mas devem sentir-se responsáveis pela “fome” dos homens e assumir plenamente a missão de saciar essa “fome”.

    Apesar do “lirismo” de Jesus, os discípulos estão conscientes de que as suas possibilidades de resolver o problema são nulas. Estão ali cinco mil homens (vers. 14a); e eles só têm cinco pães e dois peixes (vers. 13b). Parece-lhes impossível alimentar toda aquela gente com tão pouco. Quanto a ir comprar comida para aquela multidão, parece estar fora de causa (Marcos e João falam mesmo da necessidade de duzentos denários, uma quantia que corresponde a cerca de sete meses de salário base de um trabalhador – cf. Mc 6,37; Jo 6,7). De resto, mesmo que tivessem dinheiro suficiente, onde poderiam, assim de repente, encontrar comida para saciar a fome de tanta gente?

    Estamos perante uma situação sem saída? Não. Chegou a altura de Jesus mostrar aos discípulos a “Sua” solução – a solução de Deus – para a fome da humanidade. Jesus assume a condução do processo e, de forma precisa, dá as suas indicações: “mandai-os sentar por grupos de cinquenta” (vers. 14b). Alguns veem nisto uma evocação da organização de Israel durante a marcha pelo deserto (cf. Ex 18,21-25), em grupos de mil, cem, cinquenta e vinte (cf. Ex 18,21.25; Dt 1,15). Talvez se pretenda sugerir, desta forma, que aquelas pessoas que estão com Jesus são o novo povo de Deus. Assim como Deus, ao longo da marcha de Israel pelo deserto, alimentou o seu povo com o maná, assim Jesus irá proceder, naquele “local deserto”, com o novo povo de Deus.

    Depois de todos se terem instalado, “Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e pronunciou sobre eles a bênção. Depois partiu-os e deu-os aos discípulos, para eles os distribuírem pela multidão” (vers. 16). A fórmula aqui utilizada por Lucas para descrever a ação de Jesus é decalcada do relato eucarístico da “última ceia”: Jesus “tomou o pão, deu graças, partiu-o e distribuiu-o por eles” (Lc 22,19). Naturalmente, Lucas vê uma correspondência perfeita entre os dois momentos. Em ambos se refere o “tomar”, “dar graças”, “partir” e “distribuir”.

    A fórmula de Jesus para saciar a fome da multidão resultou? Sim. “Todos comeram e ficaram saciados”. Mais: “ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram” (vers. 17). Quando reconhecemos que tudo é dom de Deus (“dar graças”) e nos dispomos a partilhar e a distribuir o que Deus coloca à nossa disposição, o pouco faz-se muito, a “divisão” gera abundância, os dons de Deus chegam para todos e ainda sobram.

    Detenhamo-nos um pouco mais na fórmula que Jesus usou para saciar a multidão. Segundo o relato de Lucas, o que Jesus fez não foi exatamente uma “multiplicação”; mas foi a “divisão” e a “partilha” de cinco pães e dois peixes. O grande “milagre” de Jesus não foi fazer aparecer do nada uma montanha de pães e de peixes, suficiente para saciar a fome de cinco mil homens; mas foi mostrar aos seus discípulos que o pouco, quando partilhado com amor, chega para todos e permite saciar todas as fomes. Guiados por Jesus, os discípulos descobriram que a solução para a “fome” dos homens não está no sistema de compra e de venda, que apenas produz exploração, injustiça e desigualdade; mas está na adoção de uma forma de viver que privilegie a partilha, a gratuidade, o dom. Só a partir desta lógica – a lógica de Deus – será possível saciar uma humanidade atormentada pela fome de pão e pela fome de tantas outras coisas necessárias para ter vida em abundância.

    Porque é que a liturgia nos propõe, na Solenidade do Corpo e do Sangue do Senhor, um Evangelho que fala de partilha, de gratuidade, de entrega de tudo o que se tem para saciar a fome de todos? Porque isso “explica” muito bem toda a vida de Jesus. Naquela inolvidável ceia de despedida cumprida em Jerusalém na véspera da sua morte, quando deixou aos discípulos o seu “testamento”, Jesus resumiu a sua vida – partida, partilhada, dada em benefício de todos – desta forma: “Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós” (Lc 22,19); “este cálice é a nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós” (Lc 22,20). São os mesmos gestos, é a mesma mensagem, é o mesmo cenário daquela doação/divisão/partilha dos pães e dos peixes para saciar a fome da multidão. Jesus mostrou claramente – em cada um dos seus gestos, mas especialmente na doação da sua vida até ao extremo – como se faz para saciar a fome do mundo.

    Num “local deserto” perto de Betsaida, Jesus quis que os discípulos distribuíssem pela multidão o pão e os peixes repartidos; na última ceia, Jesus pediu aos discípulos que repetissem em sua memória os gestos de entrega e de doação que Ele tinha feito (“fazei isto em minha memória” – Lc 22,19b). Os discípulos são testemunhas e arautos daquilo que viram Jesus fazer. Devem dizer ao mundo, com palavras e com gestos, que a partilha/doação/entrega é fonte de vida para todos e sacia todas as fomes.

    O que Jesus fez quando repartiu o pão e os peixes e saciou a fome da multidão torna-se, portanto, numa antecipação da Eucaristia. Revela a preocupação de Deus em dar a todos os seus filhos vida em abundância; mostra que essa vida que Deus oferece chega ao mundo através do dom, da partilha; anuncia e antecipa o banquete escatológico, quando todos os homens e mulheres se sentarem com Jesus à mesa de Deus para participarem no banquete do Reino.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A solicitude de Jesus com aquela multidão que O segue, sinaliza a preocupação de Deus em dar a todos os seus filhos e filhas vida em abundância. É uma boa e bela notícia: Deus preocupa-se connosco, com as nossas carências e dificuldades, e está verdadeiramente empenhado em proporcionar-nos o “alimento” de que necessitamos para construirmos vidas com sentido. Estamos e estaremos sempre no coração de Deus; Ele encontrará sempre forma de vir ao nosso encontro para nos oferecer a sua vida. Sabemos isto? Sentimo-nos acompanhados por Deus, mesmo quando nos parece que caminhamos de mãos e de coração vazio? Confiamos na bondade, no cuidado e no amor de Deus?
    • Porque é que o “pão” que Deus oferece aos seus filhos não chega à mesa e à vida de todos? Porque alguns apropriam-se dos bens que Deus oferece e usam-nos exclusivamente em benefício próprio; porque muitos vivem numa perfeita indiferença face à sorte dos seus irmãos; porque há quem esteja mais preocupado em açambarcar do que em repartir; porque muitos ainda não entenderam que somos todos responsáveis por cada pessoa que partilha connosco a “casa comum” que é o mundo. Jesus não concebe que os seus discípulos fiquem indiferentes à sorte dos seus irmãos que não têm pão nem acesso a outros bens essenciais; por isso, coloca diante deles as multidões famintas e diz-lhes: “dai-lhes vós de comer”. Poderemos permitir a “globalização da indiferença”, que condena à miséria e à morte uma parte significativa do nosso mundo? Poderemos ficar, de consciência tranquila, a gozar o nosso bem-estar, enquanto milhões e milhões de irmãos nossos procuram o pão de cada dia no lixo que os ricos atiram fora? Que nos dirá Jesus, esse mesmo Jesus que mandou os discípulos “dar de comer” à multidão esfomeada?
    • Em cada palavra que disse, em cada gesto que fez, Jesus desvelou-nos a “solução” de Deus para saciar a fome dos homens. Revelou-a naquele gesto de dividir e partilhar o pão e os peixes pela multidão; mostrou-a de forma sublime quando, na última ceia, dividiu o pão (a sua vida) com os discípulos e lhes deu a beber o cálice (o seu amor). Os gestos feitos por Jesus são extremamente eloquentes. A sua vida dada até ao extremo por todos é uma lição que está sempre diante dos nossos olhos. Porque é que, dois mil anos depois, ainda não assimilamos isto? Porque é que continuamos a querer a posse egoísta dos bens, a acumular em benefício pessoal os dons que pertencem a todos, a viver em circuito fechado, a ignorar a fome e as necessidades dos irmãos que caminham ao nosso lado? Porque é que vivemos comodamente instalados numa sociedade de bem-estar, esbanjando os bens que Deus nos deu para administrar, indiferentes à sorte de tantos homens e mulheres que não têm o necessário para viver dignamente?
    • Todos os domingos sentamo-nos piedosamente à mesa da Eucaristia e fazemos memória da vida doada/partida/oferecida de Jesus; todos os domingos recuperamos o testamento que Jesus nos deixou e somos enviados a testemunhá-lo no meio dos nossos irmãos. A nossa vida do dia a dia testemunha aquilo que celebramos na Eucaristia? Depois de acolhermos a vida dada/oferecida de Jesus, ela deve aparecer nos gestos que fazemos, no amor que partilhamos, na solicitude que oferecemos a cada pessoa “com fome” que se cruza connosco nos caminhos onde a vida nos leva. Se isso não acontecer, aquilo que celebramos na Eucaristia não passa de uma mentira, de um gesto vazio, de um fingimento sem sentido. As nossas “comunhões” são verdadeiras? As nossas “comunhões” têm consequências e traduzem-se em gestos fraternos, em gestos de amor e partilha? Quando recebemos o pão partido e oferecido de Jesus temos consciência do compromisso que assumimos no sentido de saciar a fome dos nossos irmãos?
    • O “pão” que Jesus faz distribuir à multidão faminta refere-se a algo mais do que o pão material que mata a nossa fome física. Aquelas pessoas que correm atrás de Jesus para saciar a sua “fome” são aqueles homens e mulheres que todos os dias encontramos e que, de alguma forma, estão privados daquilo de que necessitam para viver dignamente… Os “que têm fome” são os que são explorados e injustiçados e que não conseguem libertar-se; são os que vivem na solidão, sem família, sem amigos e sem amor; são os que têm que deixar a sua terra e enfrentar uma cultura, uma língua, um ambiente estranho para poderem oferecer condições de subsistência à sua família; são os marginalizados, abandonados, segregados por causa da cor da sua pele, por causa do seu estatuto social ou económico, ou por não terem acesso à educação e aos bens culturais de que a maioria desfruta; são as crianças que sofrem violência; são as vítimas da economia global, cuja vida dança ao sabor dos interesses das multinacionais; são os que são espezinhados pelos interesses dos grandes do mundo… Que outras “fomes” conhecemos e que poderíamos acrescentar a esta lista?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DO CORPO E SANGUE DE CRISTO

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. VALORIZAR ESPAÇOS E GESTOS EUCARÍSTICOS.

    Valorizar os espaços e gestos eucarísticos, assim como os que se relacionam com a Palavra, é atitude de sempre. Mas isso pode ser relevado em particular neste domingo: cuidar com mais atenção da preparação do altar e seus elementos, podendo prever-se uma procissão das oferendas; valorizar o momento penitencial em ligação com o Batismo que nos conduz à Eucaristia; proclamar a oração eucarística n.º 4, que evoca as alianças sucessivas até à Nova Aliança; dar realce aos grandes gestos da oração eucarística, como a elevação do Corpo de Cristo e do cálice, a doxologia final, assim como a fração do pão; preparar hoje a distribuição da comunhão sob as duas espécies; prever, no momento de ação de graças, uma oração em que alguém possa testemunhar de que modo concreto a Eucaristia o faz viver no quotidiano; proclamar a bênção solene e o envio final, recordando a nossa missão de «dar de comer» a todos os que têm necessidade.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    A fé da Igreja na presença do seu Senhor ressuscitado no mistério da Eucaristia remonta à origem da comunidade cristã. São Paulo transmite o que recebeu da tradição, cerca de 25 anos depois da morte de Jesus. É a narração mais antiga da Eucaristia. A Igreja nunca abandonou esta centralidade.

    A Solenidade do Corpo e do Sangue de Cristo foi instituída em meados do século XIII, numa época em que se comungava muito pouco e onde se levantavam dúvidas sobre a «presença real» de Jesus na hóstia consagrada depois da celebração da Eucaristia. A Igreja respondeu, não com longos discursos, mas com um ato: Sim, Jesus está verdadeiramente presente mesmo depois do fim da missa. E para provar esta fé, criou-se o hábito de organizar procissões com a hóstia consagrada pelas ruas, fora das igrejas.

    Hoje, não é raro encontrar católicos que põem em dúvida esta permanência da presença Jesus no pão eucarístico. As palavras de Jesus esclarecem-nos: «Este é o meu Corpo… Este cálice é a nova

    Aliança no meu sangue». Estas afirmações de Jesus, na noite de Quinta-Feira Santa, não dependiam nem da fé nem da compreensão dos apóstolos. É Jesus que se compromete, que dá o pão como sendo o seu corpo, o cálice de vinho como sendo o cálice da nova Aliança no seu sangue. Só Ele pode ter influência neste pão e neste vinho.

    Hoje, é o sacerdote ordenado que pronuncia as palavras de Jesus, mas não é ele que lhes dá sentido e realidade. É sempre Jesus ressuscitado que se compromete, exatamente como na noite de Quinta-Feira Santa. O sacerdote e toda a comunidade com ele são convidados a aderir na fé a esta ação de Jesus. Mas não têm o poder de retirar a eficácia das palavras que não lhes pertencem. A Igreja tem razão em celebrar esta permanência da presença de Jesus. Que esta seja para nós fonte de maravilhamento e de ação de graças!

    4. PALAVRA PARA O CAMINHO: COMER PARA VIVER.

    É a lei biológica da nossa condição humana: é preciso comer para viver. A nossa vida espiritual exige também ser alimentada e cuidada, para crescer e ser fecunda. Ao multiplicar os pães e os peixes para a multidão que tinha vindo escutar o seu ensinamento, Jesus respondia, certamente, a uma necessidade física imediata. Mas revelava já todo o seu amor pelos homens e o seu desejo de os saciar com o verdadeiro alimento: a sua própria vida, o seu corpo entregue como Pão da Vida, o seu sangue derramado como sangue da Aliança.

    Assim, comungar é ser alimentado pela vida de Jesus, enriquecido pelas suas próprias forças, ser capaz do seu amor. Do mesmo modo que comemos para viver, comungamos na Eucaristia para viver como discípulos de Jesus… Que fazemos das nossas comunhões? Que vidas fazem elas crescer em nós?

    Para meditar estas interrogações, perguntemo-nos verdadeiramente sobre o que nos faltaria se não tivéssemos Eucaristia …

    A Eucaristia é verdadeiramente «vital» para nós? Se assim não for, um período de «jejum eucarístico», um tempo de retiro espiritual para lhe descobrir o sentido, podem ajudar a reencontrar a grandeza deste sacramento. Se assim for, procuremos rezar por aqueles que são privados da Eucaristia e sofrem, e peçamos ao Senhor para lhes dar de novo a graça do seu amor.

    E como andamos de adoração? Com a Festa do Corpo de Deus vem também a questão das procissões e da adoração eucarísticas. Se a ocasião se proporcionar, vivamos este tempo de adoração em ligação com a própria celebração, como prolongamento desta e para melhor nos prepararmos ao serviço dos nossos irmãos.

    Na próxima sexta-feira celebramos a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Mais uma relevante coincidência que nos impele a recentrar o nosso coração no Coração de Jesus, de modo essencial na Eucaristia celebrada e adorada!

     

    Anexo 1.

    MEDITAÇÃO: O PÃO DA VIDA

    O dia começava a declinar.
    Os Doze aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe:
    Manda embora esta multidão…
    Aqui estamos num local deserto…

    Manda embora esta multidão…
    Durante todo o dia, a multidão escutou-Te longamente.
    Alimentou-se da tua Palavra
    a ponto de esquecer o alimento corporal…
    Felizmente que estamos aí, pensam talvez os teus Apóstolos.
    Porque a noite chega: é preciso encontrar uma solução!
    Eles têm uma:
    Manda embora esta multidão…
    É a solução humana bem indicada:
    nas aldeias dos arredores, as pessoas poderão alojar-se e alimentar-se.

    É a solução de facilidade. Mas não é o teu ponto de vista.
    Dai-lhes vós mesmos de comer!
    É demasiado fácil dar conselhos aos outros
    sem se comprometer a si mesmo!
    O teu discípulo Tiago retomará o teu pensamento, Senhor, escrevendo:
    «Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano,
    e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”,
    mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará?» (Tg 2,15-16)
    Tu pedes-nos para fazer qualquer coisa
    para ir em ajuda aos outros.

    Por vezes a nossa ação não será muito grande,
    mas tu queres ter necessidade dela.
    A ação dos apóstolos, nesse dia, foi simplesmente
    de Te trazer os cinco pães
    e de convidar as pessoas a instalarem-se na erva.

    Todos comeram…
    e ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram.
    Os apóstolos terão cada um cesto cheio do «dom de Deus»
    para levar aos famintos o alimento essencial, o Pão de vida…
    E isso até ao fim dos tempos, até ao teu regresso!

    Pelo alimento eucarístico, obrigado, Senhor!
    Os homens têm fome, sabe-lo bem,
    e Tu queres que ninguém caia no caminho…
    Mas muitos já não sentem mais esta fome…
    Tem piedade deles, Senhor!
    Tu queres também ter necessidade de ajuda para partilha o teu Pão
    a todas as multidões de todos os lugares…
    Dá à tua Igreja, Senhor,
    os sacerdotes que continuarão a missão
    e o trabalho dos Apóstolos em favor dos famintos de hoje.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

  • 12º Domingo do Tempo Comum – Ano C [atualizado]

    12º Domingo do Tempo Comum – Ano C [atualizado]

    22 de Junho, 2025

    ANO C

    12.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 12.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do décimo segundo domingo comum convida-nos a mergulhar um pouco mais no mistério de Jesus. O objetivo não é ampliarmos conhecimentos sobre uma figura histórica ou cunharmos fórmulas abstratas de fé; mas é “acreditarmos” em Jesus, tornarmo-nos discípulos, caminharmos atrás d’Ele no caminho que leva à vida verdadeira.

    No Evangelho Jesus confronta os discípulos com uma questão decisiva: “quem dizeis que Eu sou, que lugar ocupo eu no vosso projeto de vida?” Depois, convida-os a ir com Ele até Jerusalém, até à cruz, até ao dom total da vida por amor. Jesus garante aos discípulos que uma vida vivida em chave de amor, de serviço, de entrega, de dom, não é uma vida desperdiçada; mas é uma vida plenamente realizada.

    Na primeira leitura o profeta Zacarias desafia os habitantes de Jerusalém a olharem para um misterioso profeta “trespassado”, cuja entrega se transformou em fonte de vida nova para os seus irmãos. João, o autor do Quarto Evangelho, identificará essa misteriosa figura profética com o próprio Cristo.

    Na segunda leitura Paulo convida os cristãos das comunidades da Galácia a “revestirem-se” de Cristo. “Revestir-se de Cristo” é fazer de Cristo a sua referência, viver em comunhão com Ele, caminhar ao ritmo d’Ele, abraçar o projeto que Ele veio propor. Os que fazem essa opção entram numa grande família de irmãos, iguais em dignidade e herdeiros da vida em plenitude.

     

    LEITURA I – Zacarias 12,10-11;13,1

    Eis o que diz o Senhor:
    «Sobre a casa de David e os habitantes de Jerusalém
    derramarei um espírito de piedade e de súplica.
    Ao olhar para Mim, a quem trespassaram,
    lamentar-se-ão como se lamenta um filho único,
    chorarão como se chora o primogénito.
    Naquele dia, haverá grande pranto em Jerusalém,
    como houve em Hadad-Rimon, na planície de Megido.
    Naquele dia, jorrará uma nascente para a casa de David
    e para os habitantes de Jerusalém,
    a fim de lavar o pecado e a impureza.

     

    CONTEXTO

    Pelos dados que nos é possível apurar, a partir do livro que a tradição lhe atribui, o profeta Zacarias, filho de Baraquias (cf. Zc 1,1.7), exerceu a sua missão profética em Jerusalém, no pós-exílio, na época do rei persa Dario. A missão de Zacarias prolongou-se por cerca de dois anos (entre 520 e 518 a.C.). Foi contemporâneo do profeta Ageu. Teve um papel preponderante na reconstrução do Templo de Jerusalém, juntamente com Ageu (cf. Esd 5,1; 6,14). Na linha dos grandes profetas, prega a conversão, formula exigência éticas, critica o culto vazio e injusto. Refere-se à vinda de um enviado, a que chama “Gérmen” (cf. Zc 3,8), através do qual Deus afastará a iniquidade do país “num único dia”. O Templo irá ser reconstruído (cf. Zc 1,16-17), a Terra será purificada e Jerusalém voltará a ser a cidade onde Deus reside no meio do seu Povo.

    No entanto, a mensagem “deste” Zacarias apareceria apenas nos cap. 1 a 8. Os cap. 9 a 14 parecem ser uma outra coleção de textos, que provêm de um ou, mais provavelmente, de vários autores tardios. Costuma falar-se deste conjunto de textos usando a designação “Deutero-Zacarias”.

    Alguns situam este bloco na época de Alexandre Magno (332-300 a. C.).

    O texto que nos é proposto como primeira leitura neste décimo segundo domingo comum integra o bloco do Deutero-Zacarias (cf. Zc 9,1-14,21). Mais especificamente, faz parte de um conjunto de oráculos (cf. Zc 12,1-14,21) que se referem à salvação e glória de Jerusalém.

     

    MENSAGEM

    O profeta começa por anunciar que Deus vai derramar, sobre a casa de David e sobre os habitantes de Jerusalém, “um espírito de piedade e de súplica” (Zc 12,10a). Esse espírito irá provocar uma transformação interior que levará à conversão e recolocará a comunidade israelita na órbita de Deus, numa atitude de abertura às indicações de Deus.

    A transformação operada levará o povo a olhar para aquele que trespassaram lamentando-o “como se lamenta um filho único” e chorando-o “como se chora o primogénito” (Zc 10b). Quem é este “trespassado”? O texto parece inicialmente identificá-lo com o próprio Deus (“ao olhar para Mim, a quem trespassaram”); mas, logo a seguir, a frase distingue de novo Deus e o misterioso personagem evocado. O “para mim” significa, provavelmente, que o próprio Deus Se sente atingido pela morte infligida ao seu enviado.

    Alguns identificam este mártir inocente aqui referido com o rei Josias, morto em Megido em combate contra os egípcios no ano 609 a.C. (cf. 2 Re 23,29-30); outros consideram que a figura se inspira no sumo sacerdote Onias III, assassinado por causa da sua fidelidade à Aliança, ao Templo e aos valores do povo judaico (cf. 2 Mac 4,34). O mais provável, contudo, é que esse “trespassado” seja um qualquer profeta anónimo da época de Zacarias por cuja morte os habitantes de Jerusalém se tornaram responsáveis. A figura que melhor ilumina esta passagem ainda é a do “servo sofredor” do Deutero-Isaías, mesmo se os termos aqui utilizados são bastante diferentes dos que aparecem no quarto cântico do Servo de Javé (cf. Is 52,13-53,12). Como acontece com o “servo de Javé”, o sacrifício deste mártir inocente é fonte de transformação e de purificação dos corações (cf. Zc 12,10; 13,1).

    Note-se ainda que, nestes breves versículos, a “casa de David” é repetidamente evocada (cf. Zc 12,7.8.10.12; 13,1). Provavelmente haverá aqui a sugestão de uma ligação entre a figura do “trespassado” e a promessa messiânica. João, o autor do Quarto Evangelho, verá em Jesus, morto na cruz com o coração trespassado pela lança do soldado, a concretização da figura aqui evocada (cf. Jo 19,37).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Não é fácil determinar, a partir do texto de Zacarias, quem é esse misterioso “trespassado” de cuja morte o povo de Judá é responsável. No entanto, essa figura faz-nos pensar em tantos e tantos “profetas” que, ao longo dos séculos, têm dado testemunho da verdade de Deus no mundo e que, por causa do seu testemunho incómodo, são incompreendidos, contestados, ridicularizados, condenados e até mesmo assassinados. Em muitos casos, só tarde de mais os homens conseguem perceber a verdade das palavras e do testemunho desses arautos de Deus. Até na comunidade cristã temos por vezes dificuldade em perceber que essas figuras incómodas que abalam a nossa “ordem”, que põem em causa as nossas certezas e seguranças, que mexem com a nossa “fé” certinha e morna, muitas vezes são-nos enviados por Deus para nos pedir uma maior fidelidade ao Evangelho. Conhecemos figuras destas? Como as tratamos e como acolhemos as suas interpelações? Deixamo-nos questionar pelos desafios que elas nos trazem, mesmo quando isso põe em causa o estilo de vida que levamos e os valores sobre os quais assentamos a nossa existência?
    • No texto de Zacarias, Deus parece identificar-se com este “trespassado” (“ao olhar para Mim, a quem trespassaram”). Os que trataram mal o “profeta” trataram mal a Deus; os que ignoraram o “profeta” ignoraram o próprio Deus; os que rejeitaram o “profeta” rejeitaram o próprio Deus. Temos consciência de que recusar os desafios que o “profeta” nos traz é recusar as propostas e as indicações do próprio Deus? Por outro lado, a identificação de Deus com o “profeta” significa que este nunca estará só face ao ódio do mundo. Deus está do lado dele e fará com que a maldade, a mentira e a morte não tenham a última palavra. Acreditamos que o testemunho profético, mesmo quando cumprido na dor e na incompreensão, não é um fracasso, mas é fonte de vida nova para os homens e para o mundo?
    • Quem, é chamado a ser “profeta”? Todos os homens e mulheres a quem Deus pede que sejam no mundo testemunhas do Bem e da Verdade. Isto inclui naturalmente todos aqueles que, no dia do seu batismo, foram ungidos com o óleo do Crisma e constituídos “profetas” à imagem de Jesus. Eles receberam, nesse dia, a missão de serem no mundo sinais de Deus, da verdade de Deus, da luz de Deus. Como temos “cumprido” e vivido a nossa missão profética? Na fidelidade e no compromisso, ou na preguiça e no comodismo? No medo que paralisa, ou na inquebrantável confiança no Deus que está ao nosso lado?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 62 (63)

    Refrão: A minha alma tem sede de Vós, meu Deus.

    Senhor, sois o meu Deus: desde a autora Vos procuro.
    A minha alma tem sede de Vós.
    Por Vós suspiro,
    como terra árida, sequiosa, sem água.

    Quero contemplar-Vos no santuário,
    para ver o vosso poder e a vossa glória.
    A vossa graça vale mais que a vida:
    por isso os meus lábios hão de cantar-Vos louvores.

    Assim Vos bendirei toda a minha vida
    e em vosso louvor levantarei as mãos.
    Serei saciado com saborosos manjares
    e com vozes de júbilo Vos louvarei.

    Porque Vos tornastes o meu refúgio,
    exulto à sombra das vossas asas.
    Unido a Vós estou, Senhor,
    a vossa mão me serve de amparo.

     

    LEITURA II – Gálatas 3,26-29

    Irmãos:

    Todos vós sois filhos de Deus
    pela fé em Jesus Cristo,
    porque todos vós, que fostes batizados em Cristo,
    fostes revestidos de Cristo.
    Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre,
    não há homem nem mulher;
    todos vós sois um só em Cristo Jesus.
    Mas, se pertenceis a Cristo,
    sois então descendência de Abraão,
    herdeiros segundo a promessa.

     

    CONTEXTO

    Os gálatas eram um povo de origem céltica que, nos começos do séc. III a.C., se dirigiu para oriente, atravessou a Macedónia e chegou à Ásia Menor (atual Turquia). Depois de algumas vicissitudes, os gálatas fixaram-se nos planaltos da Anatólia, no coração da Ásia Menor, na região de Ancira (atual Ancara), que se tornou a capital do reino gálata. Em 189 a.C., os gálatas instalados nessa região foram derrotados pelos romanos; mas foi-lhes concedida ampla autonomia. O rei gálata Amintas, ao morrer (ano 25 a.C.), legou a Roma os seus territórios. Desde então, a Galácia ficou sendo província romana.

    O livro dos Atos dos Apóstolos refere-se a mais do que uma passagem de Paulo na região da Galácia. No decurso da sua primeira viagem apostólica, Paulo evangelizara já o sul da província romana da Galácia: Pisídia, Licaónia, Frígia (cf. At 13,14-25); mas foi nas suas segunda e terceira viagem missionária que ele passou pelo norte da região da Galácia (cf. At 16,6; 18,23).

    A Carta aos Gálatas sugere que o apóstolo, ao atravessar a Galácia, se deteve algum tempo na região, afetado por um problema de saúde (cf. Gl 4,13). Acolhido pela generosa hospitalidade das gentes da região, Paulo anunciou-lhes o Evangelho. Do anúncio de Paulo nasceram diversas comunidades cristãs. No entanto, Paulo não teve então oportunidade de ficar entre os gálatas muito tempo, deixando-lhes uma preparação cristã incipiente. Teria sido no decurso da sua terceira viagem missionária que Paulo escreveu aos gálatas, instruindo-os sobre diversas questões da fé. Estaríamos aí pelos anos 56-57, pouco antes da redação da Carta aos Romanos.

    O que é que motivou Paulo a escrever esta carta? O apóstolo soube, a dada altura, que alguns pregadores cristãos tinham passado nas comunidades cristãs da Galácia e deixado um rasto de confusão. Por aquilo que Paulo diz na Carta, percebe-se perfeitamente que se trata de “judaizantes”: cristãos de origem judaica que procuravam impor a prática da Lei de Moisés (cf. Gl 3,2; 4,21; 5,4) e, em particular, a circuncisão (cf. Gl 2,3-4; 5,2; 6,12). Esses “judaizantes” condenavam Paulo e afirmavam que ele não estava em comunhão com os outros apóstolos.

    Paulo estava convencido de que a circuncisão não era importante para a adesão a Cristo. A Lei moisaica tinha sido superada pela novidade de Jesus Cristo. Os gálatas não deviam deixar-se enganar por aqueles que queriam impor-lhes a observância da Lei de Moisés. Paulo avisa que, tanto os ritos judaizantes, como os rituais laxistas do paganismo, apenas prenderão os gálatas numa escravatura da qual Cristo já os tinha libertado. O tom de Paulo é firme e veemente: era a liberdade dos gálatas que estava em causa.

    O texto que a liturgia deste domingo nos propõe como segunda leitura integra a segunda parte da Carta aos Gálatas (cf. Gl 2,15-4,31). Nesta secção, Paulo desenvolve o tema central da carta: a salvação chega-nos por Jesus Cristo, que deu a sua vida para libertar os homens do pecado. Quem salva é Cristo e não a Lei.

    Nos versículos que antecedem o nosso texto, Paulo comparara a Lei a um “carcereiro” (cf. Gl 3,23) e a um “pedagogo” greco-romano (cf. Gl 3,24). Estas duas imagens são bem elucidativas: o carcereiro da época era, com muita frequência, exemplo de crueldade; o pedagogo (geralmente um escravo pouco instruído que acompanhava a criança à escola e a mantinha disciplinada) também não era muito apreciado e evocava a imagem de reprimendas e castigos. É verdade, considera Paulo (cf. Gl 3,25), que é melhor ser conduzido pela mão do que perder-se no caminho; mas seria uma estupidez aspirar a viver sempre no cárcere ou considerar como um ideal ser sempre conduzido pela mão de um tutor, sem experimentar a liberdade.

     

    MENSAGEM

    Ao aderirem a Cristo, os gálatas encontraram a vida plena. Já não precisam do “pedagogo” – que é a lei de Moisés – para os conduzir. Quando encontraram Cristo, atingiram a “maioridade” e ficaram da posse de todos os seus direitos, enquanto filhos e enquanto herdeiros.

    A adesão plena a Cristo deu-se no momento do batismo. Ao receberem o batismo, os crentes foram “revestidos de Cristo” e tornaram-se “filhos de Deus” (vers. 27). Ser “revestido de Cristo” significa que, entre a pessoa batizada e Cristo se estabeleceu uma relação que não é apenas exterior, mas que toca o âmago da existência. Paulo, noutra passagem, expressa essa identificação entre o batizado e Cristo de uma forma muito bela: “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Pelo batismo, o cristão assume a existência do próprio Cristo e torna-se, como Ele, uma pessoa que acolhe plenamente a vontade de Deus, servindo os irmãos. O batizado identifica-se plenamente com Cristo, escuta-O, vive ao seu estilo, em plena comunhão com Ele. Na pessoa que é batizada, circula a vida de Cristo: é como uma veste que cobre o crente da cabeça aos pés e que ele nunca deve tirar.

    A primeira consequência que resulta desta nova condição é que o cristão é livre: se a vida que circula nele é a vida que recebeu do próprio Cristo, o crente já não está sujeito à escravatura do egoísmo, do pecado e da morte. Caminha, conduzido pelo próprio Cristo, ao encontro de uma vida plena e total.

    Por outro lado, a identificação plena com Cristo elimina toda e qualquer discriminação entre os batizados. É a mesma vida, a de Cristo, que circula em todos. Não há fronteiras de raças (“não há judeu nem grego”), não há barreiras sociais (“não há escravo nem livre”), não há diferenças de condição sexual (“não há homem nem mulher”) porque todos são um só em Cristo (vers. 28). Todos são “filhos”, com igual direito quanto à herança, pois é o mesmo Deus que é Pai de todos e que oferece a todos a mesma vida em plenitude.

    Para os gálatas e para os crentes de todas as épocas, fica no ar a questão: depois de conhecermos tudo isto, estamos dispostos e voltar à escravidão?

     

    INTERPELAÇÕES

    • O que é um “cristão”? É alguém cujo nome consta do livro de registos de batismo de uma determinada paróquia? É alguém que, uma vez por semana, no “dia do Senhor”, “assiste” à eucaristia e depois considera a sua vivência cristã “arrumada” por toda a semana? É alguém que “cumpre” regularmente os mandamentos da Igreja? É alguém com ligação direta a alguns “santinhos” que são a grande referência da sua fé? Para Paulo, o “cristão” é simplesmente aquele que, no dia do seu batismo, se “revestiu” de Cristo e nunca mais despiu essa “veste”; é aquele que faz de Cristo a sua referência: vive de Cristo e em comunhão com Cristo, escuta as palavras de Cristo, caminha ao ritmo de Cristo, cultiva os valores de Cristo, faz da vida um dom de amor a Deus e aos homens, como Cristo fez. Como é que eu sou “cristão”? Que lugar ocupa Jesus Cristo no quadro da minha fé?
    • “Revestir-se de Cristo” é libertar-se de tudo aquilo que nos torna escravos: o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência, a ganância, o comodismo, a ambição desmedida, a violência, o ódio, as más ações… Numa das suas cartas, Paulo convida os cristãos a despirem-se “do homem velho, com as suas ações”, e a revestirem-se “do Homem novo”, isto é, o homem que vive revestido “de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência” (Cl 3,9-12). De que estamos vestidos? Aqueles que caminham ao nosso lado e que lidam connosco a cada instante, que dizem de nós? Reconhecem Cristo em nós, no que fazemos, no que dizemos, no que sentimos, no que testemunhamos?
    • A identificação com Cristo faz de todos os batizados iguais em dignidade. Na comunidade de Jesus, portanto, não faz sentido qualquer tipo de discriminação. “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem ou mulher”; todos são “um só em Cristo Jesus”. Nós cristãos temos sabido tirar as consequências deste facto? Como acolhemos os mais humildes, os estrangeiros, os divorciados recasados, os desprezados, os sem voz e sem vez na sociedade ou nas Igrejas? Como acolhemos e como integramos os “diferentes”, aqueles que têm vidas consideradas “irregulares”, aqueles que a sociedade condena? A nossa comunidade cristã é uma casa “de todos” e “para todos”?
    • Paulo, por diversas vezes, entrou em polémica com os cristãos de origem judaica que viviam agarrados a práticas herdadas da lei de Moisés e que consideravam que, sem elas, ninguém podia ter acesso à salvação. Para Paulo, a salvação era um puro dom de Deus, oferecido aos homens através de Jesus Cristo; e, na vivência da fé, ficar agarrado a hábitos enraizados, a preconceitos descabidos, a tradições datadas, a rituais obsoletos, era algo que não fazia sentido nem ajudava a viver a fé como uma experiência de liberdade e de vida plena. Como é que Paulo consideraria hoje algumas das nossas formas de viver a fé, algumas das nossas práticas de piedade, algumas das nossas tradições religiosas?

     

    ALELUIA – João 10,27

    Aleluia. Aleluia.

    As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor;
    Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.

     

    EVANGELHO – Lucas 9,18-24

    Um dia, Jesus orava sozinho,
    estando com Ele apenas os discípulos.
    Então perguntou-lhes:
    «Quem dizem as multidões que Eu sou?»
    Eles responderam:
    «Uns, João Baptista; outros, que és Elias;
    e outros, que és um dos antigos
    profetas que ressuscitou».
    Disse-lhes Jesus:
    «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
    Pedro tomou a palavra e respondeu:
    «És o Messias de Deus».
    Ele, porém, proibiu-lhes severamente
    de o dizerem fosse a quem fosse
    e acrescentou:
    «O Filho do homem tem de sofrer muito,
    ser rejeitado pelos anciãos,
    pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas;
    tem de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia».
    Depois, dirigindo-Se a todos, disse:
    «Se alguém quiser vir comigo,
    renuncie a si mesmo,
    tome a sua cruz todos os dias e siga-Me.
    Pois quem quiser salvar a sua vida, há de perdê-la;
    mas quem perder a sua vida por minha causa,
    salvá-la-á».

     

    CONTEXTO

    O episódio que o Evangelho deste domingo nos apresenta é comum aos três Sinóticos. Mateus e Marcos situam-no na região de Cesareia de Filipe (cf. Mt 16,13-20; Mc 8,27-30), a cidade construída por Herodes Filipe no início da era cristã, localizada no Norte da Galileia, no sopé do Monte Hermon, junto de uma das nascentes do rio Jordão (na zona da atual Bânias); Lucas, contudo, não se preocupa em indicar o lugar geográfico onde decorreu este diálogo entre Jesus e os discípulos. Refere somente que Jesus tinha ido orar e que os discípulos estavam com Ele.

    Estamos na fase final da etapa da Galileia. Até agora Jesus tinha andado pelas vilas e aldeias da Galileia a cumprir o seu programa e a levar a Boa Nova aos pobres, aos marginalizados, aos oprimidos (cf. Lc 4,16-21). Rodeavam-no alguns discípulos, gente que se tinha encontrado com Ele, que tinha escutado o seu anúncio do Reino de Deus e que tinha decidido embarcar nessa aventura.

    Cumprida a etapa da Galileia, o projeto devia avançar para uma nova fase. Jesus tinha agora a intenção de se dirigir a Jerusalém e de enfrentar as autoridades judaicas. Era em Jerusalém que tudo se ia decidir; era lá que se consumaria o êxito ou o fracasso do Reino.

    Antes de começar a caminhar para Jerusalém, Jesus questiona os discípulos. Depois de tudo o que tinham testemunhado, que pensavam eles de Jesus e do seu projeto? Como é que eles viam Jesus? Estariam disponíveis para O seguir até Jerusalém e para ficar ao lado d’Ele quando chegasse o momento de enfrentar a cruz?

     

    MENSAGEM

    A narração lucana começa com uma referência à oração de Jesus (vers. 18). Lucas, com frequência, põe Jesus a rezar antes de acontecimentos decisivos (cf. Lc 5,16; 6,12; 9,28-29; 10,21; 11,1; 22,32.40-46; 23,34). A oração é o lugar do reencontro de Jesus com o Pai; depois de rezar, Jesus tem sempre uma mensagem importante – uma mensagem que vem do Pai – para comunicar aos discípulos. Devemos, portanto, encarar o diálogo que vai seguir-se como um momento importante da revelação de Jesus.

    O diálogo de Jesus com os discípulos consta de três momentos. No primeiro, o diálogo centra-se na resposta à questão: “quem é Jesus?” (vers. 18-20); no segundo, Jesus anuncia aos discípulos a sua Paixão e morte, em Jerusalém (vers. 21-22); no terceiro, Jesus define as condições que os discípulos devem assumir para seguirem Jesus (vers. 23-24).

     

    Para início da conversa, Jesus lança aos discípulos uma dupla questão (vers. 18-20): o que é que as pessoas dizem d’Ele e o que é que os próprios discípulos pensam d’Ele?

    A opinião dos “homens” sobre Jesus reflete entendimentos e visões diversas. Os contemporâneos de Jesus veem-nO em continuidade com o passado (“é João Baptista”, “Elias”, ou “algum dos profetas” – vers. 19). Eles não captam a condição única de Jesus, a sua novidade, a sua originalidade. Reconhecem apenas que Jesus é um homem convocado por Deus e enviado ao mundo com uma missão – como os profetas do Antigo Testamento… Mas não vão além disso. Na perspetiva dos “homens”, Jesus é apenas alguém bom, justo, generoso, que escutou os apelos de Deus e que Se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens antes d’Ele. É muito, mas não é o suficiente: significa que os “homens” não entenderam a novidade de Jesus, nem a profundidade do seu mistério.

    A opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião comum. Eles acompanharam Jesus por toda a Galileia, conviveram com Ele noite e dia, escutaram as suas palavras e testemunharam os seus gestos… É natural que tenham visto em Jesus uma dimensão que as outras pessoas ainda não captaram. Pedro, porta-voz do grupo dos discípulos, resume o sentir da comunidade do Reino na expressão: “(És) o Messias de Deus” (vers. 20). Dizer que Jesus é o “Messias” (o Cristo, o “ungido de Deus”) significa dizer que Ele é esse libertador que Israel esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva.

    A resposta de Pedro estava correta. No entanto, a compreensão de Jesus como Messias podia prestar-se a graves equívocos, numa altura em que o título de Messias estava conotado com esperanças político-nacionalistas. Por isso, os discípulos recebem ordens para não falarem disso a ninguém (vers. 21). Era preciso evitar equívocos que poderiam ter consequências nefastas.

    Aliás, Jesus está consciente de que os próprios discípulos tinham ideias erradas acerca do Messias e da sua missão. Por isso, apressa-se a explicar-lhes que o seu messianismo não passa pelos triunfos políticos ou militares, mas pela cruz e pelo dom da vida. Depois dos confrontos que teve, por toda a Galileia, com os líderes religiosos judaicos, Jesus está bem consciente daquilo que o espera, se continuar a ser fiel ao projeto que o Pai lhe confiou. As lideranças recusam o Reino de Deus e irão fazer tudo para eliminar a proposta que Jesus traz. Por isso, para que tudo fique claro, fala aos discípulos do destino que o espera em Jerusalém. Mas deixa também claro que a sua entrega na cruz não é o ponto final da sua vida: Ele ressuscitará “ao terceiro dia”, porque a entrega da própria vida por amor é fonte de Vida definitiva (vers. 22).

    Depois de anunciar o seu destino (que será cumprido, em obediência ao plano do Pai, no dom da própria vida em favor dos homens), Jesus convida os seus discípulos a seguir um percurso semelhante: se quiserem ser seus discípulos, têm de “renunciar a si mesmo”, de “tomar a cruz” e de segui-l’O no caminho do amor, da entrega e do dom da vida (vers. 23). Jesus não obriga ninguém, apenas apresenta a proposta; cada um, sabendo o que uma decisão desse tipo implica, tem de fazer a sua escolha.

    O que é que significa, exatamente, renunciar a si mesmo? Significa renunciar ao seu egoísmo e autossuficiência, para fazer da vida um dom a Deus e aos outros. O discípulo de Jesus não pode viver fechado em si próprio, prisioneiro dos seus interesses e critérios pessoais, preocupado apenas em concretizar os seus projetos de riqueza, de segurança, de bem-estar, de domínio, de êxito, de triunfo… Aquele que opta pelo seguimento de Jesus passa a viver como Ele, colocando toda a sua existência ao serviço do projeto de Deus e do bem dos irmãos.

    O que é que significa “tomar a sua cruz” e seguir Jesus? “Tomar a cruz” é estar disponível para fazer da própria vida, até às últimas consequências, um dom de amor. Foi isso que Jesus fez. Mas Jesus não viveu essa entrega por amor apenas no calvário; Ele gastou toda a sua vida, desde o seu nascimento até à sua morte, a fazer o bem. Tomar a própria cruz e seguir Jesus é fazer de toda a vida – diariamente, vinte e quatro horas por dia e não apenas pontualmente – um dom de amor, ao serviço de Deus e dos irmãos.

    No final desta instrução, Jesus explica aos discípulos as razões pelas quais eles devem abraçar a “lógica da cruz”. Convida-os a entender que oferecer a vida por amor não é perdê-la, mas ganhá-la. Quem é capaz de dar a vida a Deus e aos irmãos, não fracassou; mas ganhou a Vida eterna, a Vida verdadeira que Deus oferece a quem caminha acordo com as suas propostas (vers. 24).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Quem é Jesus? Como é que os homens do séc. XXI o veem? Muitos dos nossos contemporâneos – crentes, agnósticos ou mesmo ateus – veem em Jesus um homem bom, generoso, atento aos sofrimentos dos outros, que sonhou com um mundo diferente; outros veem em Jesus um admirável “mestre” de moral, que tinha uma proposta de vida “interessante”, mas que não conseguiu impor os seus valores; alguns veem em Jesus um admirável condutor de massas, que acendeu a esperança nos corações das multidões carentes e órfãs, mas que passou de moda quando as multidões deixaram de se interessar pelo fenómeno; outros, ainda, veem em Jesus um revolucionário, ingénuo e inconsequente, preocupado em construir uma sociedade mais justa e mais livre, que procurou promover os pobres e os marginais e que foi eliminado pelos poderosos, preocupados em manter o “status quo”. Que achamos destas “visões” sobre Jesus? Consideramo-las redutoras, ou exatas? Jesus terá sido apenas um “homem” que deixou a sua pegada na história humana, como tantos outros que a história absorveu e digeriu?
    • “E vós, quem dizeis que Eu sou?” – perguntou Jesus diretamente aos seus discípulos nos arredores de Cesareia de Filipe. É uma pergunta decisiva, que deve ecoar, de forma constante, nos ouvidos e no coração dos discípulos de Jesus de todas as épocas. A nossa resposta a esta questão não pode ficar-se pela repetição papagueada de velhas fórmulas que aprendemos na catequese, ou pela reprodução impessoal de uma definição tirada de um qualquer tratado de teologia. A questão vai dirigida ao âmago do nosso ser e exige uma tomada de posição pessoal, um pronunciamento sincero, sobre a forma como Jesus toca a nossa vida. A resposta a esta questão é o passo mais importante e decisivo na vida de cada cristão. Quem é Jesus para nós? Que lugar ocupa Ele na nossa existência? Que valor damos às suas propostas? Que importância assumem os seus valores nas nossas opções de vida? Jesus é, para nós, a grande referência, o vetor à volta do qual o nosso mundo se constrói? Ele é para nós, de facto, “caminho, verdade e vida”?
    • Jesus veio ter connosco para concretizar os planos do Pai e propor aos homens – através do amor, do serviço, do dom da vida – o caminho da salvação. Plenamente identificado e conformado com o projeto do Pai, Jesus não dá mostras de querer fugir ao seu destino de cruz; dispõe-se, com consciência plena do que O espera, a caminhar para Jerusalém, a enfrentar as autoridades civis e religiosas, a dar a própria vida para que seja possível o nascimento do Reino de Deus. Que significado e que lugar ocupam na nossa vida os projetos de Deus? Esforçamo-nos, como Jesus, por descobrir a vontade de Deus a nosso respeito e a respeito do mundo? Mantemo-nos atentos, em cada passo do nosso caminho, a esses “sinais dos tempos” através dos quais Deus nos interpela? Somos capazes de acolher e de viver com fidelidade e radicalidade as propostas de Deus, mesmo quando elas são exigentes e vão contra os nossos interesses e projetos pessoais?
    • O que é que faz de nós verdadeiros discípulos de Jesus? Muitos de nós receberam uma catequese que insistia em ritos, em fórmulas, em práticas de piedade, em determinadas obrigações legais, mas que nem sempre punha em relevo o essencial do cristianismo: o seguimento de Jesus. No entanto, a identidade cristã constrói-se à volta de Jesus, do seu Evangelho, da sua proposta de vida. Sentimo-nos verdadeiramente discípulos de Jesus? Estamos disponíveis, de alma e coração, para ir atrás d’Ele no caminho da doação da vida e do amor até às últimas consequências?
    • Jesus convida os seus discípulos a renunciarem a si mesmos… O que é “renunciar a si mesmo”? É não deixar que o egoísmo, o orgulho, o comodismo, a autossuficiência, a ambição, a mentira, dominem a nossa vida. O seguidor de Jesus não vive fechado na sua zona de segurança, a olhar para si mesmo, indiferente aos dramas que se passam à sua volta, insensível às necessidades dos irmãos, alheado das lutas e reivindicações dos outros homens; mas vive para Deus e na solidariedade, na partilha e no serviço aos irmãos. Até que ponto estamos disponíveis para renunciar a nós mesmos e para colocar a nossa vida ao serviço do projeto de Deus?
    • Jesus também convida os seus discípulos a tomarem a cruz… O que é “tomar a cruz”? É amar até às últimas consequências, até à morte, se for necessário; é gastar cada instante da vida a servir, a amar, a cuidar, a fazer o bem… O seguidor de Jesus é aquele que está disposto a dar a vida para que os seus irmãos sejam mais livres e mais felizes. Por isso, o cristão não tem medo de lutar contra a injustiça, a exploração, a miséria, o pecado, mesmo que isso signifique enfrentar a morte, a tortura, as represálias dos poderosos. Aceitamos tomar cada dia a nossa cruz e a viver para os outros, como Jesus?
    • De acordo com o testemunho de Lucas, Jesus mantinha um diálogo frequente e próximo com o Pai. Era nesses momentos de oração que Ele sentia especialmente o amor do Pai, tomava consciência do projeto do Pai e adquiria a força para obedecer incondicionalmente ao Pai. É na oração que nós procuramos perceber a vontade de Deus e encontrar o caminho do amor e do dom da vida? Nos momentos das decisões importantes da nossa vida, sentimos a necessidade de dialogar com Deus e de escutar o que Ele tem para nos dizer?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 12.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    (em parte adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 12.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. A CRUZ EM DESTAQUE E A FÉ EM DIÁLOGO.

    “…Tome a sua cruz todos os dias e siga-Me…” Durante a celebração, pode-se pôr em destaque a cruz. Se houver cruz processional, pode ser colocada no espaço de entrada da igreja; assim, ao chegarem, os fiéis olharão logo de início para cruz. De seguida, como habitualmente, a cruz irá à frente na procissão de entrada; ou, como alternativa, pode permanecer na entrada e ser levada após o Evangelho.

    “…E vós, quem dizeis que Eu sou?…” Como eco à questão de Jesus, a profissão de fé pode ser a mesma do ritual da Confirmação, dialogada sob a forma de pergunta/resposta.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    “Pai, erguemos os olhos para a imagem do teu Filho na cruz e, no seu lado trespassado, descobrimos a relação vital entre a sua Páscoa e o nosso batismo. Nós Te damos graças pela salvação que assim Ele nos concedeu.

    Nós Te pedimos pelas vítimas inocentes de todas as violências da nossa terra. Venha sobre nós e em nós o teu Espírito de paz”.

    No final da segunda leitura:
    “Pai, nós Te damos graças pelo nosso batismo e confirmação: pela água e pela unção fomos revestidos de Cristo, pertencemos-Lhe e n’Ele formamos um só povo.

    Nós Te pedimos pelas nossas comunidades, que as classes sociais e as clivagens de toda a espécie podem levar à divisão. Que o teu Espírito nos mantenha sempre unidos”.

    No final do Evangelho:
    “Cristo Jesus, benditas sejas. Com o Apóstolo Pedro nós confessamos: Tu és o Messias de Deus. Nós Te damos graças pelo caminho que tomaste.

    Nós Te pedimos: que o teu Espírito sustente a nossa fé, no meio das dúvidas que tantas vezes nos assaltam”.

    4. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    A Oração Eucarística II sublinha bem a liberdade de Cristo face à Paixão, anunciada no Evangelho de hoje: “no momento em que ia ser entregue e entrar livremente na sua paixão…”

    5. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    “E vós, quem dizeis que Eu sou?” Jesus põe-nos esta questão a nós, hoje. Que dizemos nós d’Ele, diante de Deus, no mais secreto do nosso ser? Que dizemos nós d’Ele, em família, aos nossos filhos, aos nossos amigos, aos nossos irmãos…? Quando a ocasião se apresenta (no nosso trabalho, nas nossas relações sociais…), ousamos anunciar claramente quem somos ou temos receio de dizer que somos de Cristo?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

  • S. João Baptista

    S. João Baptista

    24 de Junho, 2025

    João Batista, além da Virgem Maria, é o único santo de quem a Liturgia celebra o nascimento para a terra. João, como "Precursor" de Jesus teve, de fato, um papel único na História da Salvação. Filho de Zacarias e de Isabel, a sua vida não desabrochou por iniciativa humana, mas por dom de Deus a dois pais de idade avançada e, por isso, já sem possibilidade de gerar filhos. Situado na charneira entre o Antigo e o Novo Testamento, como Precursor, João é considerado profeta de um e outro Testamento. O paralelismo estabelecido por Lucas entre a infância de Jesus e de João Batista levou a Liturgia a celebrar o nascimento de ambos: o de Jesus no solstício de Inverno e o de João no solstício de Verão.

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 49, 1-6

    Povos de Além-Mar, escutai-me: povos de longe, prestai atenção. Quando ainda estava no ventre materno, o Senhor chamou-me, quando ainda estava no seio da minha mãe, pronunciou o meu nome.2Fez da minha palavra uma espada afiada, escondeu-me na concha da sua mão. Fez da minha mensagem uma seta penetrante, guardou-me na sua aljava.3Disse-me: «Israel, tu és o meu servo, em ti serei glorificado. 4Eu dizia a mim mesmo: "Em vão me cansei, em vento e em nada gastei as minhas forças." Porém, o meu direito está nas mãos do Senhor, e no meu Deus a minha recompensa. 5E agora o Senhor declara-me que me formou desde o ventre materno, para ser o seu servo, para lhe reconduzir Jacob, e para lhe congregar Israel. Assim me honrou o Senhor. O meu Deus tornou-se a minha força. 6Disse-me: «Não basta que sejas meu servo, só para restaurares as tribos de Jacob, e reunires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra.

    Como o Servo de Javé, João Baptista foi chamado a uma especial missão, desde que foi concebido o seio de sua mãe. Como Ele, recebeu um nome, um chamamento e uma revelação. Como Ele, teve que enfrentar a dureza e o sofrimento no desempenho da missão. Por isso, o nosso texto, retirado dos "Cânticos do Servo de Javé" adequa-se a João Baptista. O verdadeiro profeta realiza a missão, confiando unicamente n´Aquele que o escolheu, chamou e enviou. E só d´Ele espera recompensa.

    Segunda leitura: Atos 13, 22-26

    Naqueles dias, Paulo falou deste modo: Deus concedeu aos filhos de Israel David como rei, e a seu respeito deu este testemunho: 'Encontrei David, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará todas as minhas vontades.' 23Da sua descendência, segundo a sua promessa, Deus proporcionou a Israel um Salvador, que é Jesus. 24João preparou a sua vinda, anunciando um baptismo de penitência a todo o povo de Israel. 25Quase a terminar a sua carreira, João dizia: 'Eu não sou quem julgais; mas vem, depois de mim, alguém cujas sandálias não sou digno de desatar.' 26Irmãos, filhos da estirpe de Abraão, e os que de entre vós são tementes a Deus, a nós é que foi dirigida a palavra de salvação.

    O discurso de Paulo em Antioquia, com explícita referência a João Batista, mostra a importância que o profeta tinha na primitiva comunidade cristã. Paulo refere-se também a David. David e João foram dois profetas que, de modo diferente, e em tempos distintos, prepararam a vinda do Messias: David recebeu a promessa do Messias; João preparou a vinda do mesmo, pregando um batismo de penitência.
    Impressiona, nesta página, a clareza com que João identifica Jesus, e se define a si mesmo. É este o primeiro dever do verdadeiro profeta.

    Evangelho: Lucas 1, 57-66.80

    Naquele tempo, chegou o dia em que Isabel devia dar à luz e teve um filho. 58Os seus vizinhos e parentes, sabendo que o Senhor manifestara nela a sua misericórdia, rejubilaram com ela.59Ao oitavo dia, foram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. 60Mas, tomando a palavra, a mãe disse: «Não; há-de chamar-se João.» 61Disseram-lhe: «Não há ninguém na tua família que tenha esse nome.» 62Então, por sinais, perguntaram ao pai como queria que ele se chamasse. 63Pedindo uma placa, o pai escreveu: «O seu nome é João.»E todos se admiraram. 64Imediatamente a sua boca abriu-se, a língua desprendeu-se-lhe e começou a falar, bendizendo a Deus. 65O temor apoderou-se de todos os seus vizinhos, e por toda a montanha da Judeia se divulgaram aqueles factos. 66Quantos os ouviam retinham-nos na memória e diziam para si próprios: «Quem virá a ser este menino?» Na verdade, a mão do Senhor estava com ele.80Entretanto, o menino crescia, o seu espírito robustecia-se, e vivia em lugares desertos, até ao dia da sua apresentação a Israel.

    O paralelismo estabelecido por Lucas, ao narrar a infância do Batista e a de Jesus é rico sob os pontos de vista literário e teológico. O nascimento de João preanuncia o de Jesus. João, ainda no ventre materno, anuncia um outro Menino. O nome de João é prelúdio do de Jesus. O extraordinário evento da maternidade de Isabel prepara outro, o da maternidade de Maria. A missão de João faz-nos pregustar a de Jesus. Trata-se de uma única missão, em dois tempos; dois tempos de uma única história que se desenrola em ritmos alternos mas sincronizados. Não devemos contrapor a missão do Batista e a de Jesus.

    Meditatio

    A festa do nascimento de João Batista leva-nos a pensar no amor preveniente de Deus e na importância das suas preparações para o acolhermos devidamente e com fruto. Deus prepara o nascimento de João: um anjo anuncia a Zacarias que a sua mulher, idosa e estéril, vai ter um filho, cujo nascimento alegrará a muitos; inesperadamente, o nome da criança não é Zacarias, mas João, cujo significado é: "Deus faz graça"; João é enviado a preparar os caminhos do Senhor, o "ano de graça" do Senhor, a vinda de Jesus. Como o agricultor prepara o terreno antes de lhe lançar a semente, assim Deus prepara os tempos e os corações para receberem os seus dons. É por isso que havemos de viver vigilantes, de estar atentos à ação de Deus em nós e nos outros, para a sabermos discernir no meio dos acontecimentos humanos e nas mais variadas situações da nossa vida. João ajuda-nos a estarmos atentos a Jesus e ao que Ele quer fazer em nós e no nosso mundo. João acreditou e indicou Jesus aos que o seguiam: "depois de mim, virá alguém maior do que eu... Eis o Cordeiro de Deus!"
    Por todas estas razões, a festa de hoje é um dia de alegria para a Igreja. E, todavia, João foi um profeta austero, que pregou a penitência com uma linguagem pouco amável: "Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera que está para vir? Produzi, pois, frutos dignos de conversão e não vos iludais a vós mesmos, dizendo: 'Temos por pai a Abraão!'" (Mt 3, 7-8). O profeta exortava a uma penitência que se torna alegria, alegria da purificação, alegria da vinda do Senhor.
    A missão de João Batista é, de certo modo, a missão de todo o crente: preparar a vinda do Senhor, o que é mais do que simplesmente anunciar. É preciso por ao serviço de Jesus não só as nossas palavras, mas também a nossa vida toda.

    Oratio

    S. João Batista, glorioso Precursor de Jesus, verdadeiro amigo do Esposo, ensinai-me o espírito de penitência e o amor da pureza para alcançar uma união, cada vez maior, com Jesus, o Salvador, e com Maria, sua Mãe. Ensinai-me a viver essa união em todos os momentos da minha vida, incluindo o meu apostolado em que procuro preparar, como vós, os caminhos do Senhor. Que a minha ternura por Jesus se torne, cada vez mais, semelhante à vossa. Ámen.

    Contemplatio

    João ainda não nascera quando Jesus e Maria vão visitá-lo à Judeia. Estremece no seio de sua mãe. É abençoado e santificado pela presença de Jesus e pela visita de Maria. É um amigo para Jesus, di-lo ele mesmo: «O amigo do esposo, diz, alegra-se quando escuta a voz do seu amigo, é por isso que hoje estou alegre» (Jo 3, 29). Quando Jesus menino volta do Egipto, visita o seu pequeno amigo passando pela Judeia. Cada ano, nos dias de Páscoa, estão juntos em Jerusalém. Reencontram-se no Jordão. S. João conhece a missão do seu amigo e parente, proclama a sua missão: «Eis, diz, o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira os pecados do mundo». Pregam um ao outro, mas S. João envia os seus discípulos a Cristo. Recebe as suas graças de Jesus e conduz as almas a Jesus. Tal deve ser a nossa união com Jesus e Maria. Maria dar-nos-á Jesus. Sede amigos para Jesus pela vossa assiduidade, pelo vosso afeto, pela vossa confiança. Conduzamos-lhe as almas, não procuremos em nada reter a sua afeição por nós, admiremos nisto o desapego de S. João. Ide a Jesus, diz a todos, nada sou senão uma voz que prega no deserto, não sou digno de desatar os seus sapatos. (Leão Dehon, OSP 3, p. 689).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Profeta do Altíssimo,
    irás à sua frente a preparar os seus caminhos" (Lc 1, 76).

    ----
    S. João Baptista (24 Junho)

  • Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – Ano C [atualizado]

    Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – Ano C [atualizado]

    27 de Junho, 2025

    ANO C

    SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

    Tema da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

    Na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, a liturgia convida-nos a contemplar e a celebrar a bondade, a ternura e a misericórdia de Deus pelos homens – por todos os homens, sem exceção. Para expressar a atitude de Deus para com os seus filhos, os textos recorrem a uma imagem importada do passado nómada de Israel: Deus é o “Pastor bom” que, com amor infinito e dedicação total, cuida do seu rebanho.

    Na primeira leitura Deus anuncia aos exilados na Babilónia que vai, Ele próprio, tomar conta do seu povo, do seu “rebanho”. Os habitantes de Judá foram, durante muito tempo, conduzidos por “pastores maus”, que se aproveitaram das “ovelhas” e as levaram por caminhos errados. Mas agora Deus, o “Pastor bom”, vai reunir as suas “ovelhas” dispersas, conduzi-las de volta à terra da liberdade, dar-lhes pastagens excelentes, cuidar amorosamente de todas. A parábola é um magnífico hino ao amor de Deus.

    No Evangelho Jesus, acusado pelos fariseus e doutores da Lei de se dar com gente pouco recomendável, conta a história de um pastor que deixa tudo o que tem em mãos para ir à procura de uma ovelha tresmalhada. Segundo Jesus, esse “pastor” é Deus. Deus ama cada um dos seus filhos com um amor absoluto e não deixa nenhum para trás; o coração de Deus enche-se de alegria quando encontra a sua “ovelha” perdida e a reintegra no seu “rebanho”.

    Na segunda leitura Paulo de Tarso lembra a todos os crentes que são filhos queridos e amados de Deus. Foi por nos amar tanto que Deus enviou Jesus, o seu Filho Unigénito, ao nosso encontro. Enfrentando a injustiça, a mentira, a violência, até mesmo a morte, Jesus mostrou-nos o caminho que conduz à vida verdadeira. Salvos por Jesus, passamos a integrar a família de Deus.

     

    LEITURA I – Ezequiel 34,11-16

    Eis o que diz o Senhor Deus:
    «Eu próprio irei em busca das minhas ovelhas
    e hei de encontrá-las.
    Como o pastor que vigia o rebanho,
    quando estiver no meio das ovelhas que andavam tresmalhadas,
    assim Eu cuidarei das minhas ovelhas,
    para as tirar de todos os sítios em que se desgarraram
    num dia de nevoeiro e de trevas.
    Arrancá-las-ei de entre os povos
    e as reunirei dos vários países,
    para as reconduzir à sua própria terra.
    Apascentá-las-ei nos montes de Israel,
    nas ribeiras e em todos os lugares habitados do país.
    Eu as apascentarei em boas pastagens
    e terão as suas devesas nos altos montes de Israel.
    Descansarão em férteis devesas
    e encontrarão pasto suculento sobre as montanhas de Israel.
    Eu apascentarei o meu rebanho,
    Eu o farei repousar, diz o Senhor Deus.
    Hei de procurar a ovelha que anda perdida
    e reconduzir a que anda tresmalhada.
    Tratarei a que estiver ferida,
    darei vigor à que andar enfraquecida
    e velarei pela gorda e vigorosa.
    Hei de apascentar com justiça».

     

    CONTEXTO

    Em 598 a.C. Nabucodonosor, rei da Babilónia, põe cerco a Jerusalém. O rei de Judá, Joaquim, desaparece de circulação, talvez morto nos combates, ou então aprisionado e deportado para a Babilónia. Jeconias sucede a Joaquim no trono de Judá; mas, depois de três meses de resistência, rende-se às tropas de Nabucodonosor. Os notáveis de Jerusalém são aprisionados e enviados para o cativeiro, na Babilónia (597 a.C.). Entre os deportados está um jovem chamado Ezequiel, de família sacerdotal.

    Nabucodonosor coloca no trono de Judá um homem da sua confiança, um tal Sedecias. Durante algum tempo, Sedecias manteve-se tranquilo, pagando pontualmente os tributos devidos aos babilónios; mas, ao fim de algum tempo, aproveitando a conjuntura política favorável, Sedecias aliou-se com os egípcios e deixou de cumprir os compromissos que tinha com os babilónios. Nabucodonosor enviou imediatamente um exército que cercou novamente Jerusalém. Apesar do socorro de um exército egípcio, Jerusalém teve de se render aos babilónios (586 a.C.). A cidade foi destruída; Sedecias foi levado prisioneiro para a Babilónia, juntamente com a maior parte da população de Judá. Jerusalém ficou para trás, transformada num montão de ruínas.

    Ezequiel, chamado “o profeta da esperança”, exerceu a sua missão profética junto dos exilados judeus na Babilónia. A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (o ano em que Jerusalém foi conquistada pela segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor). Nesta fase, o profeta preocupou-se em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das infidelidades a Javé por parte dos judeus que tinham escapado ao primeiro exílio e que tinham permanecido em Jerusalém. A segunda fase do ministério profético de Ezequiel decorre a partir de 586 a.C., data em que Jerusalém foi destruída e uma nova vaga de deportados judeus chega à Babilónia. Nesta nova fase, a mensagem de Ezequiel vai ser, sobretudo, uma mensagem de salvação, destinada a consolar os exilados e a alimentar a esperança num futuro novo de felicidade e de paz.

    O texto que a liturgia da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus nos propõe como primeira leitura pertence a esta segunda fase. O profeta, falando em nome de Deus, reconhece que os líderes de Judá foram pastores indignos, que não cuidaram do Povo que lhes foi confiado por Deus. Olharam apenas para os seus próprios interesses e deixaram o “rebanho de Deus” indefeso, à mercê de “animais selvagens”. A catástrofe nacional que atingiu Judá e que levou os seus habitantes para o cativeiro na Babilónia resultou da negligência e do egoísmo desses pastores indignos (cf. Ez 34,1-10). Ora Deus, não pode ficar indiferente diante de tudo isto.

    Na tradição dos povos do Antigo Médio Oriente, nomeadamente os sumérios, os babilónios, os egípcios e os cananeus, a imagem do “pastor” era frequentemente associada aos deuses e aos reis. Também a catequese de Israel usava a mesma imagem para falar de Deus (cf. Sl 23; 80; Jr 23,1-8).

     

    MENSAGEM

    Ezequiel, o profeta convocado por Deus para animar os exilados de Judá, anuncia àquela comunidade desiludida, sem esperança e sem futuro, que, doravante, será o próprio Deus a pastorear o seu Povo.

    O primeiro gesto de Deus, o “Pastor bom”, será ir à procura das suas ovelhas perdidas (“Eu próprio irei em busca das minhas ovelhas e hei de encontrá-las” – vers. 11). É Deus que toma a iniciativa. O “Bom Pastor” não ficará comodamente instalado, à espera que as suas ovelhas se decidam a procurá-l’O para lhe pedir perdão pelas opções erradas que tomaram; irá, Ele próprio, ao encontro delas. Quem ama a sério dispõe-se sempre a dar o primeiro passo; e Deus ama o seu Povo.

    Depois, o “Bom Pastor” vai reunir as ovelhas tresmalhadas, que andam por aqui e por ali, sem rumo e sem objetivo. Não as deixará sozinhas, indefesas diante dos perigos e das ameaças. Juntá-las-á à sua volta, reuni-las-á num rebanho, colocá-las-á sob a sua proteção. Aquele povo que, abandonado pelos seus líderes, se dispersou e perdeu o norte, sob a direção de Deus recuperará a sua identidade, voltará a ter objetivos saberá para onde caminhar.

    Depois, o “Bom Pastor” conduzirá as ovelhas de regresso a casa, à terra boa onde há pastagens abundantes (vers. 12-13b). Será um novo Êxodo, que trará o “rebanho” de Deus da terra da escravidão para a terra da liberdade. Já aconteceu outrora, quando Deus conduziu o seu Povo do Egito para a Terra Prometida; acontecerá agora outra vez. Conduzido pelo seu “Pastor”, o “rebanho de Deus” reencontrará a liberdade e a vida em abundância.

    Com a chegada dos exilados à terra da liberdade, estará concluída a ação de Deus em favor do seu Povo? Não. Mesmo depois de as “ovelhas” terem reencontrado a sua terra e as suas raízes, o “Pastor” (Deus) continuará a dispensar-lhes os seus cuidados… As imagens utilizadas (vers. 13c-15) sublinham, por um lado, a abundância de vida (“Eu as apascentarei em boas pastagens”; “terão suas devesas nos altos montes”; “encontrarão pasto suculento”), por outro lado, a tranquilidade e a paz (“descansarão em férteis devesas”; “eu os farei repousar”) que Deus Se propõe proporcionar ao seu Povo.

    A ação salvadora e amorosa de Deus concretizar-se-á, ainda, na solicitude com que Ele tratará as ovelhas perdidas, desgarradas, feridas, enfermas (vers. 16). Aí manifestar-se-á a “justiça” de Deus que é amor, solicitude, ternura, misericórdia para com os mais pobres, marginalizados e débeis.

    Esta parábola é um magnífico hino ao amor de Deus. Estamos diante de um dos pontos mais altos da revelação de Deus aos homens.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Quem é Deus? Como é Ele? Como é que Ele se relaciona com a humanidade que criou? Para responder a estas questões, os teólogos de Israel, olharam para a história do seu povo e tiraram conclusões a partir de alguns acontecimentos “improváveis”, que pareciam sem explicação racional. Notaram como um grupo de escravos maltratados no Egito, contra todas as probabilidades, conseguiu salvar-se; notaram que esse grupo de homens e mulheres libertados da escravidão caminhou através do deserto em direção à liberdade e que, ao longo do caminho, encontrou miraculosamente água e comida; constataram como essa gente, no sopé de uma montanha, se encontrou com o Deus que os tinha tirado da escravidão e recebeu d’Ele indicações para construir um projeto de vida com sentido; viram como esse povo chegou a uma terra boa e nela se estabeleceu, apesar da oposição de outros povos; verificaram como, ao longo do tempo, Deus continuou a falar a esse povo, através dos profetas, para lhes indicar o caminho que conduz à vida… Os catequistas de Israel recorreram a uma imagem tomada do seu passado nómada para descrever esta experiência: Deus é o nosso “pastor”; Ele ama o seu povo como um “pastor bom” ama as suas ovelhas; Ele tem conduzido o seu povo como um “pastor bom” conduz as suas ovelhas. Como é a nossa experiência de Deus? Somos capazes de olhar para a nossa história de vida e de descobrir nela as marcas da presença desse Deus/Pastor bom que nos ama com um amor sem igual?
    • O profeta Ezequiel sublinha especialmente a preocupação de Deus com as “ovelhas” perdidas, tresmalhadas, feridas, enfraquecidas. Sim, Deus tem um “fraco” pelos seus filhos e filhas que perderam o rumo, que foram feridos pelos acidentes da vida ou pela maldade dos homens; Deus tem um carinho particular pelos rejeitados, pelos abandonados, pelos que ninguém quer e ninguém ama; Deus preocupa-se especialmente com os “diferentes”, com os que se sentem abandonados e esquecidos pelos políticos e pelas igrejas; Deus ama incondicionalmente os pequenos, os simples, aqueles que todos esquecem, os que nunca entram nas estatísticas, os que a sociedade considera descartáveis e abandona nas bermas das estradas da vida… Ora, que lugar têm esses nossos irmãos e irmãs no nosso coração? Esses irmãos e irmãs são prioridade nos projetos pastorais que desenhamos e que aplicamos nas nossas comunidades cristãs?
    • A imagem do “bom pastor” é apresentada, neste texto do livro do profeta Ezequiel, em contraste com os “maus pastores” (os líderes de Judá). Esses “maus pastores” não cuidam nem amam as suas ovelhas. Exploram-nas, maltratam-nas e não querem saber delas. Só estão preocupados com os seus próprios projetos e usam as ovelhas para os concretizar. O que os move não é o bem das ovelhas que lhes foram confiadas. Isto pode servir-nos de aviso. Ao longo do caminho da nossa vida deparar-nos-emos, certamente, com líderes, com mestres, com “chefes”, com pessoas que erigimos como nossa referência e nosso modelo. Muitos deles poderão, genuinamente, ajudar-nos a fazer opções certas, indicar-nos objetivos a atingir, orientar-nos na direção a imprimir à nossa vida; alguns far-nos-ão, simplesmente, perder tempo; outros tentarão aproveitar-se de nós e levar-nos para caminhos sem saída. Temos de ser prudentes na avaliação dos “líderes” humanos que reclamam a nossa atenção. Não devemos passar-lhes “cheques em branco” e segui-los sem critério. Temos de manter um certo sentido crítico e avaliar a cada passo, quer os comportamentos que assumem, quer as indicações que nos dão. É assim que procedemos?
    • A imagem de um Deus que é como um “Pastor bom”, constitui uma interpelação e um desafio para todos aqueles que têm responsabilidades na sociedade, na Igreja, na comunidade. Exige que o serviço da autoridade seja exercido com solicitude e amor; lembra a todos aqueles que exercem o serviço da autoridade que a prioridade é cuidar dos homens e mulheres que Deus lhes confiou; requer que a autoridade seja exercida sem autoritarismo, prepotência ou arrogância; pede que nos gestos dos que exercem a autoridade se manifeste o amor e a misericórdia de Deus. É assim que procedemos e que tratamos os irmãos que Deus nos confia, incluindo os mais pobres e os mais humildes?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)

    Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.

    O Senhor é meu pastor: nada me falta.
    Leva-me a descansar em verdes prados,
    conduz-me às águas refrescantes
    e reconforta a minha alma.

    Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
    Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
    não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
    o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.

    Para mim preparais a mesa
    à vista dos meus adversários;
    com óleo me perfumais a cabeça
    e meu cálice transborda.

    A bondade e a graça hão de acompanhar-me
    todos os dias da minha vida
    e habitarei na casa do Senhor
    para todo o sempre.

     

    LEITURA II – Romanos 5,5b-11

    Irmãos:
    O amor de Deus foi derramado em nossos corações
    pelo Espírito Santo que nos foi dado.
    Quando ainda éramos fracos,
    Cristo morreu pelos ímpios no tempo determinado.
    Dificilmente alguém morrerá por um justo;
    por um homem bom,
    talvez alguém tivesse a coragem de morrer.
    Mas Deus prova assim o seu amor para connosco:
    Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.
    E agora, que fomos justificados pelo seu sangue,
    com muito maior razão
    seremos por Ele salvos da ira divina.
    Se, na verdade, quando éramos inimigos,
    fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho,
    com muito maior razão, depois de reconciliados,
    seremos salvos pela sua vida.
    Mais ainda: também nos gloriamos em Deus,
    por Nosso Senhor Jesus Cristo,
    por quem alcançámos agora a reconciliação.

     

    CONTEXTO

    Roma, a capital do império, era, na época de Paulo, uma cidade com cerca de um milhão de habitantes. Neste número estavam incluídos cerca de 50.000 judeus.

    Não se conhece, com pormenor, a origem da comunidade cristã de Roma. Provavelmente, o cristianismo chegou a Roma levado por judeus palestinos convertidos a Cristo. Uma antiga tradição diz que foi Pedro quem anunciou o Evangelho em Roma, por volta do ano 42, e que da sua pregação resultou uma florescente comunidade cristã. No entanto, essa informação não é certa. Paulo, na carta que escreve aos cristãos de Roma, não lhe faz qualquer referência.

    Paulo decide escrever aos cristãos da comunidade de Roma quando está prestes a terminar a sua terceira viagem missionária. Prepara-se para retornar à Palestina, onde vai entregar os donativos recolhidos em diversas igrejas do oriente, destinados a ajudar financeiramente os cristãos de Jerusalém. Sente, contudo, que terminou a sua missão no Mediterrâneo oriental, pois as igrejas que fundou e acompanhou estão organizadas e já podem caminhar sozinhas. Tem planos para se dirigir para ocidente, pensando inclusive em ir até à Espanha para aí anunciar o Evangelho (cf. Rm 15,24-28).

    Dirigindo-se por carta aos cristãos de Roma, Paulo aproveita para estabelecer laços com eles e para lhes apresentar os principais problemas que o preocupam, entre os quais sobressai a questão da unidade (um problema que a comunidade cristã de Roma, afetada por dificuldades de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos, conhecia bem). Com serenidade e lucidez, evitando qualquer polémica, expõe-lhes as linhas mestras do Evangelho que anuncia. A Carta aos Romanos é uma espécie de resumo da teologia paulina. Estamos no ano 57 ou 58.

    Na primeira parte da Carta (cf. Rm 1,18-11,36), Paulo vai fazer notar aos cristãos divididos que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Embora o pecado seja uma realidade universal, que afeta todos os homens (cf. Rm 1,18-3,20), a “justiça de Deus” dá vida a todos, sem distinção (cf. Rm 3,1-5,11); e é em Jesus Cristo que essa vida se comunica e que transforma o homem (cf. Rm 5,12-8,39). Batizado em Cristo, o cristão morre para o pecado e nasce para uma vida nova. Passa a ser conduzido pelo Espírito e torna-se filho de Deus; libertado do pecado e da morte, produz frutos de santificação e caminha para a Vida eterna. Na segunda parte da carta (cf. Rm 12,1-15,13) Paulo, de uma forma bastante prática, exorta os cristãos a viverem de acordo com o Evangelho de Jesus.

    O texto que nos é proposto integra a parte dogmática da carta (cf. Rm 1,18-11,36). O facto de alguém ser de origem judaica ou de origem pagã não significa que tenha mais méritos ou que esteja em vantagem em relação a outros – considera Paulo. Na verdade, todos são pecadores e todos estão em igualdade diante de Deus (cf. Rm 1,18-3,20). É Deus que, por Jesus Cristo, a todos salva, sem distinção (cf. Rm 3,21-5,11). As divisões e tensões entre cristãos oriundos do judaísmo e cristãos oriundos do paganismo são, portanto, completamente incongruentes.

     

    MENSAGEM

    Essa salvação que Deus oferece a todos os seus filhos e filhas, sem distinção, que consequências tem para a vida do crente? Em primeiro lugar, é fonte de paz. Garante-nos que Deus não nos condena por causa das nossas faltas; mas assegura-nos, além disso, o acesso a Deus e aos bens que Deus nos quer oferecer (cf. Rm 5,1-2). Agraciados e renovados por esses dons, sentimo-nos totalmente em paz com Deus.

    A salvação que Deus nos oferece também é fonte de esperança. Com o coração cheio dessa esperança, temos forças para enfrentar e superar as adversidades que a vida nos colocar à frente (cf. Rm 5,3-4); mas, de forma especial, tornamo-nos capazes de atravessar a vida presente de olhos postos nas realidades futuras. Isso não significa que nos alheemos do mundo e dos problemas da vida; significa, sim, que enfrentamos a vida e todas as suas vicissitudes com a certeza de que as forças da morte nunca terão a última palavra.

    Finalmente, a salvação que Deus nos oferece é fonte de confiança, de uma confiança ilimitada em Deus. Na base dessa confiança está a certeza de que Deus nos ama com um amor sem igual (cf. Rm 5,5). Como chegamos a essa certeza? Basta olhar para aquilo que Deus nos ofereceu através de Jesus: sendo nós pecadores, Deus enviou o seu Filho ao mundo para nos dar vida. Paulo convida-nos a reparar neste facto espantoso: Deus, o Pai, não passou a amar-nos quando nos convertemos; amou-nos desde sempre e, por isso, enviou o Filho ao nosso encontro “quando éramos ainda pecadores”. Deus não se preocupou em contabilizar os nossos pobres méritos, ou em tomar nota da nossa fragilidade e do nosso pecado; Deus interessou-se apenas em enviar-nos Jesus para nos conduzir à vida, mesmo que isso significasse, para o Filho de Deus, enfrentar o suplício da cruz (cf. Rm 5,6-8). Diante disto, como não ter a certeza do amor de Deus por nós?

    Para Paulo, a conclusão é óbvia: se Deus nos amou assim quando ainda éramos pecadores, quanto mais nos amará agora, depois que fomos justificados pelo sangue do seu Filho e nos tornamos, também nós, seus filhos (cf. Rm 5,9-11)!

     

    INTERPELAÇÕES

    • Quem sou eu? Um insignificante grão de pó perdido na imensidão do universo? Um ser frágil, “de barro”, marcado pela debilidade e pela finitude, que hoje existe e que amanhã deixou de respirar? Uma pessoa com uma história de fracasso, que falha uma e outra e outra vez, que não consegue concretizar os seus melhores sonhos e projetos? Alguém ridículo, insignificante, que ninguém leva a sério e que quando desaparecer não terá deixado no mundo e na memória dos homens qualquer marca? Paulo de Tarso, apóstolo de Jesus, vê em cada homem ou em cada mulher alguém que é profundamente amada por Deus, independentemente da sua fragilidade, da sua pequenez, da sua miséria, do seu pecado, da sua indignidade. Não, não somos seres miseráveis, que vivem uma vida efémera até desaparecerem no nada; somos seres que Deus ama absolutamente; seres que Deus quer salvar e integrar na sua família. Somos pessoas que Deus criou com amor e com quem Deus quer escrever uma história de amor. O amor de Deus valoriza o nosso “barro”, dignifica-nos, enobrece-nos, eleva-nos, salva-nos, dá pleno significado à nossa vida. Temos consciência disso? O que sentimos ao saber que temos um lugar especial, absolutamente único, no coração e no projeto de Deus?
    • O amor de Deus faz com que cada pessoa seja única, especial, insubstituível. A consciência desse facto deve levar-nos a olhar com respeito e consideração cada homem e cada mulher que encontramos no caminho da vida, independentemente do seu aspeto físico, da cor da sua pele, da sua idade, da sua ideologia política, das suas convicções religiosas, da sua orientação sexual, da sua importância social, do seu dinheiro ou do seu poder. Como vemos e como tratamos cada pessoa que passa na nossa vida? Respeitamos a dignidade de cada irmão, defendemos os direitos de todos, lutamos objetivamente contra todos os mecanismos que trazem discriminação, exploração, injustiça, sofrimento a esses homens e mulheres que Deus tanto ama? Somos, junto dos nossos irmãos magoados pela doença, pela solidão, pelo abandono, testemunhas e sinais do amor que Deus lhes tem?
    • Paulo de Tarso lembra-nos que Jesus, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens, nos apontou o caminho que leva à salvação. Ele ofereceu a própria vida até à última gota de sangue para que nós tivéssemos vida em abundância. Deixou-nos, na cruz, a lição do amor que se dá até às últimas consequências, até ao último alento. Ensinou-nos a amar, sem cálculo e sem medida. Que impacto têm as lições de Jesus na nossa vida? O que Ele nos disse, o que Ele nos propôs, com as suas palavras e com os seus gestos, entra no nosso projeto de vida? A forma como Jesus amou é o modelo que temos sempre presente diante dos olhos quando se trata de acolher, de cuidar, de ajudar, se curar os nossos irmãos?

     

    ALELUIA – Mateus 11,291b

    Aleluia. Aleluia.

    Tomai o meu jugo sobre vós, diz o senhor,
    e aprendei de Mim,
    que sou manso e humilde de coração.

    (ou João 10,14):

    Eu sou o bom pastor, diz o Senhor:
    conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-Me.

     

    EVANGELHO – Lucas 15,3-7

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos fariseus e aos escribas a seguinte parábola:
    «Quem de vós, que possua cem ovelhas
    e tenha perdido uma delas,
    não deixa as outras noventa e nove no deserto,
    para ir à procura da que anda perdida, até a encontrar?
    Quando a encontra, põe-na alegremente aos ombros
    e, ao chegar a casa,
    chama os amigos e vizinhos e diz-lhes:
    ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’.
    Eu vos digo:
    Assim haverá mais alegria no Céu
    por um só pecador que se arrependa,
    do que por noventa e nove justos,
    que não precisam de arrependimento».

     

    CONTEXTO

    Dentro da grande secção em que Lucas descreve a viagem de Jesus com os discípulos da Galileia para Jerusalém (cf. Lc 9,51-19,28), o cap. 15 ocupa um lugar especial. Alguns consideram este capítulo o centro do Evangelho de Lucas. As três parábolas que o integram (a “parábola da ovelha tresmalhada” – Lc 15,3-7; a “parábola da moeda perdida” – cf. Lc 15,8-10; e a “parábola do pai misericordioso” – cf. Lc 15,11-32) são conhecidas como “as parábolas sobre a misericórdia de Deus”. O tema da bondade de Deus para com todos os seus filhos, nomeadamente para com os pecadores e os marginais, é um tema muito caro ao evangelista Lucas.

    Neste ano, o Evangelho da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus traz-nos a primeira dessas parábolas: a “parábola da ovelha tresmalhada”. Não é uma parábola exclusiva de Lucas, pois também aparece no Evangelho de Mateus (cf. Mt 18,12-14); mas, enquanto que em Mateus ela é aplicada à responsabilidade dos chefes da Igreja para com os mais “pequenos” e débeis, em Lucas a parábola serve para ilustrar a misericórdia de Deus para com os pecadores. Os biblistas consideram que o enquadramento de Lucas estará mais próximo da intenção original de Jesus quando contou esta parábola.

    No cenário proposto por Lucas, as “parábolas sobre a misericórdia de Deus” são a resposta de Jesus àqueles que O criticavam por acolher os publicanos e os pecadores que vinham escutá-l’O: “Este homem acolhe os pecadores e come com eles” (vers. 2). Os cobradores de impostos (“publicanos”) eram considerados exploradores do povo, ao serviço dos romanos, e tinham fama de explorar os seus concidadãos, exigindo-lhes mais do que o imposto estipulado pelas autoridades. Na época, um cobrador de impostos não podia fazer parte da comunidade farisaica; não podia ser juiz, nem prestar testemunho em tribunal sendo, para efeitos judiciais, equiparado ao escravo; estava também privado de diversos direitos cívicos, políticos e religiosos. Os “pecadores” eram todos aqueles que não cumpriam a Lei, não frequentavam a sinagoga ao sábado, não jejuavam, não rezavam três vezes ao dia, não pagavam o tributo ao tempo nem os dízimos, não observavam as leis da pureza.

    Ora, Jesus não evitava esta gente. Chegava a sentar-se com eles à mesa, o que significava que os aceitava como amigos e iguais e que tolerava o seu estilo de vida. Isso era absolutamente inaceitável para os fariseus e os doutores da Lei.

     

    MENSAGEM

    Chamamos-lhe a “parábola da ovelha tresmalhada”; contudo, não é uma ovelha, mas sim um pastor o protagonista da história. A atenção dos que escutam esta história deve dirigir-se para o pastor.

    Na Palestina do tempo de Jesus, os pastores não estavam muito bem vistos. Antes de mais, porque levavam sempre consigo, no corpo e nas vestes, o cheiro das ovelhas. Mas, além disso, eram considerados gente violenta, dura e má, que vivia afastada da comunidade, não frequentava a sinagoga, não cumpria a Lei, deixava que os rebanhos destruíssem as colheitas, entrava facilmente em conflito com qualquer um que se lhe atravessasse no caminho. Contudo, nada disso entra nesta parábola. O pastor da história de Jesus é, simplesmente, um pastor que gosta de cada uma das suas ovelhas e que, portanto, não se conforma com a perda de qualquer uma delas. Quando percebe que uma das ovelhas do seu rebanho se perdeu, “perde a cabeça”: deixa as outras noventa e nove para ir à procura da ovelha perdida. A decisão de deixar as outras noventa e nove ovelhas no deserto (não se diz que ele as deixou no curral, ou que confiou a outro pastor o cuidado do seu rebanho) para ir procurar apenas uma, parece ilógica, irrefletida, quase irracional; mas expressa bem a importância que o pastor dá àquela ovelha.

    Depois de caminhar pelo deserto sob o sol inclemente, enfrentando perigos e canseiras, o pastor encontrou a ovelha perdida. Não a censurou, não lhe bateu, não a trouxe arrastada por uma corda para que ela não fugisse outra vez. Cheio de alegria, pô-la aos ombros e trouxe-a assim, como se ela não lhe pesasse. Pôr a ovelha aos ombros é um gesto de solicitude, de ternura. Aquela pobre ovelha, depois do tempo que passou sozinha, num ambiente hostil, está cansada e assustada; precisa de carinho, precisa de recuperar as forças. O gesto de pô-la aos ombros é, portanto, um gesto de amor.

    Finalmente, o pastor chega a casa com a sua ovelha aos ombros. Está muitíssimo feliz. “Chama os amigos e vizinhos e diz-lhes: ‘alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’” (vers. 6). Não é excessivo? O facto de perder e de reencontrar uma ovelha é bem banal; merecerá tanto espalhafato? Para o pastor, aquela é “a sua” ovelha. Não a pode perder. Por isso, o reencontro com “a sua” ovelha encheu-o de alegria; e, na perspetiva do pastor, essa alegria tem de ser partilhada.

    Chegados aqui, o cenário da parábola muda totalmente. Somos transportados da aldeia onde o pastor está a celebrar com os amigos e vizinhos, para o céu, para o espaço de Deus. Segundo Jesus, “haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converta, do que por noventa e nove justos, que não precisam de conversão” (vers. 7). O coração de Deus enche-se de alegria quando reencontra, quando recupera e traz para casa, um dos seus filhos “perdidos”.

    Era aqui que Jesus queria chegar. Ele tinha sido acusado de se dar com gente reprovável, apontada a dedo pela sociedade, como os cobradores de impostos e as mulheres de má vida. Era verdade. Ele convivia com gente duvidosa, com pessoas a quem os “justos” preferiam evitar, com pessoas que eram anatematizadas e marginalizadas por causa dos seus comportamentos escandalosos. Certamente não foram os discípulos a inventar para Jesus o injurioso apelativo de “comilão e bêbedo, amigo de publicanos e de pecadores (Mt 11,19; cf. 15,1-2). Porque é que Jesus se dava com essas pessoas?

    Porque Ele conhecia o coração do Seu Pai. Sabia que o coração de Deus é um coração de Pai e de Mãe, um coração cheio de amor pelos seus filhos. E Jesus veio, enviado pelo Pai, para dizer isso aos homens. A solicitude de Jesus para com os pecadores mostra-lhes que Deus não os rejeita, que Deus os convida a fazer parte da sua família. O projeto de salvação de Deus não é um condomínio fechado, com seguranças armados ao portão, que têm por missão evitar a entrada de indesejáveis; mas é uma proposta universal, onde todos os homens e mulheres têm lugar, porque todos, todos, todos – maus e bons – são filhos queridos e amados do Pai/Deus.

    A “parábola da ovelha perdida” pretende, dar conta desta realidade. A atitude desproporcionada de “deixar as noventa e nove ovelhas no deserto para ir ao encontro da que estava perdida” sublinha a imensa preocupação de Deus por cada homem que se afasta da comunidade da salvação e o singular amor de Deus por todos os homens que necessitam de libertação. O “pôr a ovelha aos ombros” significa o cuidado e a solicitude de Deus, que trata com amor e com cuidados de Pai os filhos feridos e magoados; a alegria desmesurada do “pastor” significa a felicidade imensa de Deus sempre que o homem reentra no caminho da felicidade e da vida plena.

    Jesus anuncia, aqui, a salvação de Deus oferecida aos pecadores, não porque estes se tornaram dignos dela mediante as suas boas obras, mas porque o próprio Deus Se solidariza com os excluídos e lhes oferece a salvação. Cumpre-se assim a profecia de Ezequiel que nos foi apresentada na primeira leitura: Deus vai assumir-Se (através de Jesus) como o “Bom Pastor”, que cuidará com amor de todas as ovelhas e, de forma especial, das desencaminhadas e perdidas.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A parábola do pastor que deixa tudo o que tem em mãos para procurar a sua ovelha perdida, que manifesta o seu carinho à ovelha reencontrada trazendo-a aos ombros no regresso a casa, que faz festa com os amigos e vizinhos porque no seu coração há uma alegria incomensurável, fala-nos de um Deus que tem coração, de um Deus que ama sem medida, de um Deus que nunca deixará para trás os seus queridos filhos, façam eles o que fizerem. Podemos, em determinados momentos da nossa vida, sentirmo-nos abandonados, desanimados, esquecidos, perdidos; mas Deus anda sempre à nossa procura e, mais tarde ou mais cedo, encontra-nos. A certeza do amor de Deus fortalece cada um dos nossos passos, alimenta a nossa esperança, enche de significado os nossos esforços, aponta ao futuro de felicidade e de vida plena que nos espera quando o nosso caminho na terra chegar ao fim. Jesus quis que conhecêssemos o amor de Deus. Mostrou-o nas suas palavras, nos seus gestos, na sua entrega até ao extremo na cruz. Celebrar a Solenidade do Coração de Jesus é contemplar o amor de Deus e deixar-se tocar por esse amor. Sentimos verdadeiramente que, a cada passo, caminhamos envolvidos pelo amor de Deus?
    • Jesus experimentava a cada instante o amor de Deus, vivia mergulhado no amor de Deus. “Tocado” por esse amor, testemunhava-o nas suas palavras e nos seus gestos. Quando alguém se sente tão profundamente amado como Jesus se sentia, percebe que tem de dar testemunho do amor. Por isso, Jesus curava os doentes, abraçava as crianças, defendia as mulheres privadas dos seus direitos e da sua dignidade, sentava-se à mesa com os publicanos e pecadores… Jesus era autenticamente um “profeta do amor”. Ora, nós frequentamos a “escola” de Jesus. Através d’Ele conhecemos e experimentamos o amor de Deus. Vimos como Jesus, na cruz, amou até ao extremo, até ao dom total de si mesmo. Comprometemo-nos a segui-l’O, a viver ao seu estilo. Aceitamos ser “profetas do amor”, obreiros da paz, servidores da reconciliação junto dos irmãos que “viajam” ao nosso lado pelos caminhos da vida? Somos, pelos gestos que fazemos, pela misericórdia que manifestamos para com todos, pela maneira bondosa como acolhemos cada pessoa, sinais vivos do amor que Deus tem por todos os seus filhos?
    • A proximidade de Jesus com os mais frágeis, os mais pequenos, os doentes, as crianças, as mulheres, os marginalizados, os que eram considerados “malditos” pela religião do Templo, sugere o especial carinho de Deus pelos seus filhos e filhas mais necessitados de salvação. Sim, Deus ama todos os seus filhos, sem exceção; mas olha com uma ternura especial para aqueles e aquelas que ninguém quer, que ninguém ama, que não têm espaço na mesa onde a sociedade todos os dias se alimenta. Como olhamos para as pessoas mais simples e mais humildes, as mais abandonadas, as mais esquecidas, as que a sociedade rejeita, as que nunca contam para nada, as que são invisíveis mesmo quando estão presentes, as que todos desprezam, as que nunca ninguém escuta, as que nunca se impõem nem defendem os seus direitos, as que nos inspiram repulsa? Conseguimos olhar para elas com o mesmo olhar de Jesus e amá-las como Jesus amava?
    • Tornar o amor de Deus uma realidade viva no mundo significa também lutar objetivamente contra tudo o que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento. Foi exatamente isso que Jesus fez. Ele nunca se conformou com uma sociedade construída sobre o egoísmo, a violência, a maldade, a exploração dos mais fracos. Para Jesus, uma sociedade que não se construísse sobre o amor e a misericórdia era uma sociedade iníqua, que subvertia o projeto de Deus para os homens. Combatemos tudo aquilo que desfeia o nosso mundo e destrói o amor, a justiça e a paz? O nosso silêncio, a nossa indiferença, a nossa cobardia diante da injustiça e da maldade não nos tornará cúmplices daqueles que desumanizam o mundo e matam o amor?
    • O grande projeto de Jesus era construir o Reino de Deus, isto é, um mundo onde o amor fosse o valor supremo. Foi para construir a civilização do amor, que Ele deu a sua vida até ao extremo, até à última gota de sangue. Estamos realmente a construir um mundo humanizado pelo amor? As nossas comunidades cristãs e religiosas, os nossos cartórios paroquiais e as receções das nossas igrejas, as nossas obras sociais, os nossos serviços de acolhimento e de hospitalidade, os nossos infantários, os nossos colégios para a educação da juventude, os nossos centros de dia, os nossos lares de idosos, os nossos hospitais, são espaços onde se constrói a civilização do amor?

     

    ANEXO: LEITURA PARA MEDITAÇÃO

    “Meus caríssimos filhos! Deixo-vos o mais maravilhoso de todos os tesouros: o Coração de Jesus!”

    Com estas palavras, o Padre João Leão Dehon inicia o testamento espiritual que legou aos Sacerdotes do Coração de Jesus e a todos os que querem centrar a sua vida no Coração de Jesus.

    A Igreja mergulha as suas raízes em Cristo, no seu Coração, no Amor que transforma os corações e as sociedades. A Igreja deve lutar pela partilha, pelo amor, pelas condições justas de trabalho, pela habitação para todos… A Igreja aponta para o reino do Coração de Jesus que deve começar nos indivíduos, penetrar nas famílias e envolver toda a sociedade.

    “É necessário que o culto do Coração de Jesus, começado na vida mística nas almas, desça e penetre na vida social dos povos. Ele trará o soberano remédio para os males cruéis do nosso mundo moral” (Padre Dehon, Obras Sociais I, 3).

    O Coração de Jesus foi a força interior que moveu continuamente o Padre Dehon. Como homem de Igreja no seu tempo, contribuiu para que o Coração de Jesus reinasse nas almas e nas sociedades. Sonhou com isso, lutou por esse projeto, tentou que ele se tornasse realidade. Fê-lo pela contemplação, pelo silêncio interior, pela intensa vida contemplativa. Fê-lo também pela ação apostólica, pela luta social.

    Aponta o Coração de Jesus como caminho do homem, como caminho da Igreja, como caminho da sociedade.

    O Padre Dehon torna-se arauto do reino do Coração de Jesus, como resposta às interrogações do coração humano. Conversão pessoal e justiça social: os alicerces do reino assentam na prática destas dimensões.

    Bebendo da fonte que é o Coração de Jesus, o Padre Dehon pratica a contemplação na ação e a ação na contemplação. Só assim faz sentido o ser e o agir da Igreja, na atenção constante ao homem. Como diz um dos seus discípulos hoje:

    “O que faltava era arregaçar as mangas. O problema da sua Igreja não eram ideias ou diretivas; era fé na pessoa humana e coragem de mudar o que devia ser mudado… Era preciso mergulhar na política para mudar a Sociedade, mas antes disso era urgente tornar o coração humano semelhante ao de Jesus!” (Padre Zezinho, Por causa de um certo reino, 26).

    O amor de Deus vivo torna-se presente no amor do Coração de Cristo: o Coração de Jesus como aquele que nos chama e nos congrega em Igreja. Nas palavras iluminadas do Padre Dehon:

    “O Coração de Jesus é o sol que nos ilumina através da sua Igreja, esta Igreja que Jesus concebeu na atenção do seu Coração por nós, que ele adquiriu e fundou pelo sangue do seu Coração. O Coração de Jesus aparece no seio da Igreja como o astro que tudo ilumina, tudo anima e tudo vivifica” (Padre Dehon, Obras Espirituais I, 504).

    A Igreja é gerada no Coração de Jesus, a Igreja procura espalhar o reino do Coração de Jesus nas almas e na sociedade, a Igreja luta pela promoção dos valores do Reino, como a vida, a dignidade, o bem, a verdade, a justiça, o amor, a paz…, a Igreja constrói a civilização do Amor!

    O Padre Dehon não é único nesta luta, é certo. Mas, no seu tempo, a grande novidade da sua proposta está na insistência, sem cessar e sem se cansar, da reflexão e das ações tendentes a construir o reino do Coração de Jesus na sociedade. Está convicto da fidelidade ao Coração de Jesus, como autêntico profeta que tem a coragem de ir contra a corrente. Isto num mundo que se regulava quase exclusivamente (tal como hoje!) pelas leis da economia e da finança. O Padre Dehon anuncia o caminho radical do Evangelho e do Coração de Jesus:

    “Só o Coração de Jesus pode dar à terra a caridade perdida. Só ele reconquistará o coração das massas, o coração dos operários, o coração da juventude. Esta nova conquista dos corações começou manifestamente com o Sagrado Coração” (Padre Dehon, Obras Sociais I, 5).

    O Venerável Padre Dehon termina o seu testamento espiritual, escrito em 1914, com uma oração centrada no Coração de Jesus:

    “Ofereço uma vez mais e consagro a minha vida e a minha morte ao Sagrado Coração de Jesus, por seu amor e segundo todas as suas intenções. Tudo por vosso amor, ó Coração de Jesus!”

    [Construir a civilização do amor. Espiritualidade dehoniana para os tempos atuais. Col. Estudos Dehonianos 1, Lisboa 2007, 27-29]

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 13º Domingo do Tempo Comum - Ano C [atualizado]

    13º Domingo do Tempo Comum - Ano C [atualizado]

    29 de Junho, 2025

    ANO C

    13.º DOMINGO COMUM

    Tema do 13º Domingo comum

    A liturgia do décimo terceiro domingo comum lembra-nos que Deus conta connosco para intervir no mundo, para transformar o mundo, para salvar o mundo. Como respondemos ao Deus que chama? Com disponibilidade, com generosidade, com radicalidade, com entrega total? Estamos realmente disponíveis para abraçar os desafios de Deus?

    A primeira leitura conta-nos a história da “vocação” de um homem chamado Eliseu. O apelo de Deus chega-lhe através da voz do profeta Elias. Confrontado com o desafio de Deus, Eliseu corta completamente com o passado e caminha decidido ao encontro do projeto que Deus lhe quer confiar. A resposta do profeta Eliseu pode ser modelo para as nossas respostas ao Deus que nos chama e que nos envia a “curar” o mundo.

    O Evangelho apresenta-nos os primeiros passos do “caminho” que Jesus percorre com os discípulos em direção a Jerusalém.  Mais do que um caminho geográfico, é um caminho espiritual. Enquanto caminham atrás de Jesus, os discípulos vão aprendendo o que significa seguir comprometer-se com o Reino de Deus. Jesus pede-lhes radicalidade, entrega generosa, compromisso total com a construção do Reino de Deus.

    Na segunda leitura, Paulo convida os “discípulos” a percorrerem sem hesitações o caminho apontado por Jesus: o caminho do amor, da entrega, do dom da vida. Paulo garante aos cristãos da Galácia – e a nós também – que esse “caminho” leva ao encontro da verdadeira liberdade. Quem aceita percorrê-lo vive animado pelo dinamismo do Espírito; e encontra a vida eterna, a plena realização.

     

    LEITURA I – 1 Reis 19,16b.19-21

    Naqueles dias, disse o Senhor a Elias:
    «Ungirás Eliseu, filho de Safat, de Abel-Meola,
    como profeta em teu lugar».
    Elias pôs-se a caminho e encontrou Eliseu, filho de Safat,
    que andava a lavrar com doze juntas de bois
    e guiava a décima segunda.
    Elias passou junto dele e lançou sobre ele a sua capa.
    Então Eliseu abandonou os bois,
    correu atrás de Elias e disse-lhe:
    «Deixa-me ir abraçar meu pai e minha mãe;
    depois irei contigo».
    Elias respondeu:
    «Vai e volta, porque eu já fiz o que devia».
    Eliseu afastou-se, tomou uma junta de bois e matou-a;
    com a madeira do arado assou a carne,
    que deu a comer à sua gente.
    Depois levantou-se e seguiu Elias,
    ficando ao seu serviço.

     

    CONTEXTO

    A voz profética de Elias faz-se ouvir no Reino do Norte (Israel), no século IX a.C., durante os reinados de Acab (873-853 a.C.) e de Ocozias (853-852 a.C.). Eliseu, discípulo e sucessor de Elias, dá o seu testemunho profético logo a seguir, nos reinados de Jorão (853-842 a.C.) e Jehú (842-814 a.C.).

    Por essa época, a preocupação dos reis do Norte (Israel) em facilitar o intercâmbio cultural, comercial e político com os países da zona abriu o país à influência estrangeira. Essa realidade sentiu-se de forma especial no campo religioso. De facto, diversos deuses dos povos da zona (especialmente Baal) entraram no radar religioso de Israel e assumiram uma certa preponderância, em detrimento da fé tradicional em Javé. É, portanto, uma época de sincretismo religioso, em que a fé em Javé e a fé em Baal se misturavam no entendimento popular, dando lugar a um conjunto de práticas religiosas que estavam muito distantes da pureza da fé javista.

    Neste contexto, Elias aparece como grande defensor da fidelidade a Javé. Ele é o representante dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Javé e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, mais do que um facto histórico, é uma apresentação teológica da luta sem tréguas que nessa época se trava entre os fiéis a Javé e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos. Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação da vinha de Nabot): ele representa os pobres de Israel, na sua luta contra a aristocracia e os comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Deus.

    A luta de Elias no sentido de preservar os valores fundamentais da fé javista, será continuada nos reinados seguintes por um dos seus discípulos – Eliseu. A primeira leitura do décimo terceiro domingo comum apresenta-nos, precisamente, o relato do chamamento de Eliseu.

     

    MENSAGEM

    Na sequência da vitória de Elias contra os profetas de Baal, no Monte Carmelo (cf. 1 Re 18), o profeta teve que fugir, pois a rainha Jezabel, a esposa estrangeira do rei Acab, queria matá-lo. Elias dirigiu-se para o sul e chegou ao monte Horeb (cf. 1 Re 19,1-7), a montanha onde Deus se revelou aos hebreus libertados do Egito e onde o povo se comprometeu na Aliança com Deus (cf. Ex 19,1-8).

    A cena que nos é narrada pela primeira leitura deste domingo passa-se no Horeb. Elias, desanimado porque o seu testemunho profético parece votado ao fracasso, apresenta a Deus o seu relatório: os filhos de Israel abandonaram a Aliança e não querem mais saber do seu Deus; além disso, o profeta corre risco de vida, pois é perseguido pela rainha e pelo rei de Israel. Elias sente-se velho e cansado. Que poderá ainda fazer para que os israelitas voltem a Deus e vivam na fidelidade à Aliança?

    Deus pede a Elias que volte e que unja Eliseu, um homem de Abel-Meola, para ser o seu sucessor na missão de reconduzir Israel aos caminhos da Aliança. Eliseu será (juntamente com Jehú, futuro rei de Israel e de Hazael, futuro rei de Damasco) o instrumento de Deus na aniquilação de Acab, o rei infiel a Javé e à Aliança.

    O autor do relato passa então a narrar o “chamamento” de Eliseu… O camponês Eliseu está no campo, com os bois, a lavrar a terra quando Elias o encontra e lhe apresenta o convite de Deus para ser profeta. O “profeta” não é um ser extraordinário que, de forma inopinada, cai no mundo dos homens; mas é uma pessoa normal, que tem o seu trabalho, a sua família, a sua vida. É com pessoas “normais” que Deus conta para concretizar o seu projeto no mundo.

    O desafio profético é apresentado a Eliseu através de um gesto: Elias lança sobre os ombros de Eliseu a sua capa. Este gesto tem de ser entendido à luz da crença de que as roupas ou os objetos pertencentes a uma pessoa, representavam essa pessoa e continham qualquer coisa do seu poder. Ao lançar sobre Eliseu a sua capa, Elias comunica-lhe o seu poder e o seu espírito profético (cf. 2 Re 2,13-14; 4,29-31; Lc 8,44; At 19,12).

    Como é que Eliseu responde ao desafio que Deus lhe lança através do gesto de Elias? Aceita-o, simplesmente, sem objeções ou pedidos de explicação. Pede apenas a Elias que o deixe ir despedir-se da sua família. Segundo o relato, Eliseu imolou uma junta de bois, queimou o arado, assou a carne dos bois e deu-a a comer à sua família; depois, seguiu Elias e ficou ao seu serviço. O gesto de Eliseu de imolar os bois e queimar o arado significa o abandono da vida antiga, a renúncia à antiga profissão; o banquete oferecido “à sua gente” significa, provavelmente, a rutura com a própria família e a entrega total à missão profética. Eliseu está agora completamente livre para levar até ao fim a missão profética que Deus quer confiar-lhe.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Diante da injustiça, da violência, da maldade que ferem o mundo, muitos homens e mulheres perguntam porque é que Deus não atua e não impõe a justiça, a harmonia, o bem. A história da salvação, no entanto, fala das reiteradas intervenções de Deus para “curar” as feridas abertas pelo egoísmo dos homens. A verdade é que Deus não intervém no mundo e na vida dos homens de forma espalhafatosa, prepotente, dominadora, impositiva; mas Deus vem ao encontro dos homens de forma discreta, sem se impor, no respeito absoluto pela nossa liberdade. Fá-lo através de homens e mulheres que escolhe e que envia ao mundo para serem no meio dos seus irmãos arautos e testemunhas do projeto de Deus. Deus não nos obriga a nada; mas não cessa de nos fazer ouvir a sua voz. Talvez antes de criticarmos Deus por “não fazer nada” devamos escutar os profetas que Ele nos envia e acolher as indicações que eles, em nome de Deus, nos deixam. Estamos dispostos a acolher os desafios de Deus que os profetas nos trazem?
    • A história da “vocação” de Eliseu não é uma história excecional, que só acontece a alguns privilegiados; mas é a história de todos aqueles que, pelo batismo, aceitaram fazer parte da família de Deus. No dia em que fomos batizados fomos ungidos com o óleo do crisma e fomos constituídos “profetas”, testemunhas e arautos de Deus no mundo. Cada um de nós é chamado a desempenhar a sua missão profética de forma diferente; mas cada um de nós, na realidade dos seus limites e das suas qualidades, da sua “pobreza” e da sua “riqueza”, tem como missão fazer ouvir a voz de Deus em qualquer lugar onde a vida nos leve. Sentimo-nos “profetas”, arautos e testemunhas da vida de Deus?
    • Elias descobre que Deus o chama à missão profética através da mediação de Elias. A resposta ao Deus que nos chama é pessoal; mas, no nosso caminho vocacional temos, frequentemente, de contar com pessoas que nos fazem chegar os apelos de Deus e nos ajudam a discernir os passos a dar até chegarmos à definição total da nossa resposta. Nos momentos de dúvida, de incerteza, de perplexidade, dispomo-nos a escutar alguém que possa ajudar-nos a tomar as decisões corretas para responder a Deus?
    • A resposta de Eliseu ao chamamento de Deus é exemplar. Sem pedir explicações, sem apresentar condições, abraça o desafio que Deus lhe apresenta. O texto descreve de uma forma muito sugestiva essa opção radical de Eliseu por Deus: ele desfaz-se da junta de bois e do arado que eram, até então, os seus instrumentos de trabalho; oferece um banquete de despedida à sua gente, marcando assim a sua libertação dos laços afetivos que o sujeitavam… Eliseu corta todas as amarras com o passado e fica completamente disponível para o serviço de Deus. A nossa resposta ao Deus que nos chama é assim radical, total, sem hesitações, com total compromisso?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 15 (16), 1-2a.5.7-8.9-10.11

    Refrão: O Senhor é a minha herança.

    Defendei-me, Senhor: Vós sois o meu refúgio.
    Digo ao Senhor: «Vós sois o meu Deus».
    Senhor, porção da minha herança e do meu cálice,
    está nas vossas mãos o meu destino.

    Bendigo o Senhor por me ter aconselhado,
    até de noite me inspira interiormente.
    O Senhor está sempre na minha presença,
    com Ele a meu lado não vacilarei.

    Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta,
    e até o meu corpo descansa tranquilo.
    Vós não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos,
    nem deixareis o vosso fiel sofrer a corrupção.

    Dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida,
    alegria plena na vossa presença,
    delícias eternas à vossa direita.

     

    LEITURA II – Gálatas 5,1.13-18

    Irmãos:

    Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou.
    Portanto, permanecei firmes
    e não torneis a sujeitar-vos ao jugo da escravidão.
    Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade.
    Contudo, não abuseis da liberdade
    como pretexto para viverdes segundo a carne;
    mas, pela caridade,
    colocai-vos ao serviço uns dos outros,
    porque toda a Lei se resume nesta palavra:
    «Amarás o teu próximo como a ti mesmo».
    Se vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente,
    tende cuidado, que acabareis por destruir-vos uns aos outros.
    Por isso vos digo:
    Deixai-vos conduzir pelo Espírito
    e não satisfareis os desejos da carne.
    Na verdade, a carne tem desejos contrários aos do Espírito,
    e o Espírito desejos contrários aos da carne.
    São dois princípios antagónicos
    e por isso não fazeis o que quereis.
    Mas se vos deixais guiar pelo Espírito,
    não estais sujeitos à Lei de Moisés.

     

    CONTEXTO

    A Galácia situava-se na Ásia Menor, na região da Anatólia central (atual Turquia). A região recebeu o nome de Galácia por causa de algumas tribos de origem gálica que ali se estabeleceram no séc. III a.C., depois de terem atravessado a Macedónia. A principal cidade da região era Ancira (atual Ancara), que se tornou a capital do reino gálata. O rei gálata Amintas, ao morrer (ano 25 a.C.), legou a Roma os seus territórios. Desde então, a Galácia ficou a ser uma província romana. Era esse o cenário na época neotestamentária.

    Paulo de Tarso, o “apóstolo das gentes”, teve diversos contatos com os povos da Galácia. Na sua primeira viagem apostólica, Paulo evangelizou a parte sul da província romana da Galácia: Pisídia, Licaónia, Frígia (cf. At 13,14-25); mais tarde, nas suas segunda e terceira viagens missionárias Paulo voltou a cruzar, desta vez mais a norte, as terras da Galácia (cf. At 16,6; 18,23).

    A Carta aos Gálatas sugere que o apóstolo, ao atravessar a Galácia, se deteve algum tempo na região, afetado por um problema de saúde (cf. Gl 4,13). Acolhido pelos hospitaleiros gálatas, Paulo anunciou-lhes o Evangelho. Do anúncio de Paulo nasceram diversas comunidades cristãs. No entanto, a formação cristã dos gálatas ficou incompleta porque Paulo não pode ficar mais tempo com eles.

    Pensa-se que terá sido durante a sua terceira viagem missionária que Paulo escreveu a Carta aos Gálatas. Estaríamos aí pelos anos 56-57, pouco antes da redação da Carta aos Romanos. O que é que motivou esta carta?

    Paulo soube que alguns pregadores cristãos tinham deixado um rasto de confusão nas comunidades cristãs da Galácia. Por aquilo que Paulo diz na Carta, percebe-se claramente que se trata de “judaizantes”: cristãos de origem judaica que procuravam impor nas comunidades a prática da Lei de Moisés (cf. Gl 3,2; 4,21; 5,4) e, em particular, a circuncisão (cf. Gl 2,3-4; 5,2; 6,12). Esses “judaizantes” condenavam Paulo e o Evangelho que ele anunciava; diziam mesmo que Paulo não tinha qualquer autoridade e não estava em comunhão com os outros apóstolos.

    Paulo defendia que a circuncisão não era importante para a adesão a Cristo. Na sua opinião, a Lei de Moisés tinha sido superada pela novidade de Jesus Cristo. Portanto, os gálatas não deviam deixar-se enganar por aqueles que queriam impor-lhes a observância das leis religiosas judaicas. Será que os gálatas, depois de terem experimentado a liberdade que Cristo traz, estavam dispostos a acolher as indicações dos “judaizantes” e a tornarem-se escravos da Lei de Moisés?

    O texto que a liturgia deste domingo nos propõe como segunda leitura integra a terceira parte da Carta (cf. Gl 5,1-6,10). Aí Paulo ensina que a salvação oferecida por Jesus faz de nós pessoas livres, “homens novos” que vivem à imagem de Jesus, animados pelo Espírito. É assim, segundo Paulo, que os cristãos devem viver.

     

    MENSAGEM

    Paulo, para não deixar qualquer dúvida, oferece aos gálatas, logo no início da perícope, uma afirmação categórica: “Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou” (vers. 1a). Cristo derrotou tudo aquilo que podia manter-nos escravos, incluindo o pecado e a morte; e tornou livres todos aqueles que aceitam caminhar com Ele. A liberdade que Cristo nos conquistou é verdadeira, total e definitiva. Depois de tal “conquista”, compete-nos mantermo-nos na senda da liberdade. Quem recebeu de Cristo a possibilidade de ser livre não pode deixar-se apanhar de novo por qualquer esquema que signifique um regresso à escravidão (vers. 1b). Logo a seguir, num desenvolvimento que a nossa leitura não conservou, Paulo identifica a escravidão com a submissão à Lei de Moisés e à circuncisão (vers. 2-4).

    O nosso texto salta depois para o vers. 13. Paulo passa aí a explicar aos gálatas em que consiste a liberdade para o cristão. Tratar-se-á da faculdade de escolher entre duas coisas distintas e opostas? Não. Tratar-se-á de uma espécie de independência ético-moral, em virtude da qual cada um pode fazer o que lhe apetece, sem barreiras de qualquer espécie? Também não. Para Paulo, a verdadeira liberdade consiste em viver no amor (vers. 13-14). O que nos escraviza, nos limita e nos impede de alcançar a vida em plenitude (“salvação”) é o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência; mas, superar esse fechamento em nós próprios e fazer da nossa vida um dom de amor, torna-nos verdadeiramente livres. Só é autenticamente livre aquele que se libertou de si próprio, aquele vive para amar a Deus e para dar-se aos outros.

    Como é que esta “liberdade” (a capacidade de amar, de dar a vida) nasce em nós? Adquirimos essa liberdade quando aderimos a Cristo e passamos a viver d’Ele. A adesão a Cristo gera na pessoa um dinamismo interior que a identifica com Cristo e lhe dá uma capacidade infinita de amar, de superar o egoísmo, o orgulho e os limites – ou seja, com uma capacidade infinita de viver em liberdade. É o Espírito que alimenta a cada instante essa vida de liberdade (ou de amor) que se gerou em nós a partir da nossa adesão a Cristo (vers. 16).

    Quem vive do Espírito é livre e não faz as obras do “escravo” (Paulo enumera, mais à frente, as obras de quem é escravo: “fornicação, impureza, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, contenda, ciúme, fúrias, ambições, discórdias, partidarismos, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas” – cf. Gl 5,19-21); viver na liberdade, “segundo o Espírito”, é fazer obras que testemunham a realidade de Deus (Paulo enumera, mais à frente, os valores em que assenta a vida daquele que é livre e vive no Espírito: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio – cf. Gl 5,22-23).

     

    INTERPEÇAÇÕES

    • A liberdade é uma das mais belas invenções de Deus. Nós, seres humanos, estamos conscientes disso e prezamos muito a liberdade: fazemos todo o tipo de sacrifícios para assegurar o direito de sermos livres. É no exercício da liberdade que nos realizamos plenamente como pessoas: tomamos decisões, descobrimos os nossos limites, percebemos as nossas infinitas possibilidades, traçamos o nosso caminho. Pode acontecer, no entanto, que encaremos o exercício da nossa liberdade de uma forma exclusivamente centrada em nós: no nosso “eu”, nos nossos interesses pessoais, nas nossas ambições, na nossa forma pessoal de ver as coisas. Nesse caso, a liberdade toca as fronteiras do egoísmo, fecha-nos em nós, manifesta-se em “tiques” de autoritarismo, de orgulho, de autossuficiência… Ora, a liberdade vivida assim, deixa de ser liberdade e conduz à escravidão: à nossa e à dos irmãos que procuramos submeter à nossa vontade ou aos nossos interesses. Como é que entendemos e vivemos a liberdade que Deus nos ofereceu?
    • Paulo lembra-nos que Cristo, dando a sua vida por todos e amando-nos “até ao extremo”, derrotou tudo aquilo que nos mantinha na escravidão: o egoísmo, a maldade, a violência, o orgulho, a autossuficiência, a ambição, até a própria morte. Quem adere a Cristo e se identifica com Ele, quem ama como Cristo e é capaz de fazer da sua vida um serviço a Deus e aos irmãos, vive livre de todas essas escravidões. Por isso, Paulo considera que só somos verdadeiramente livres quando amamos. Quando a nossa vida se cumpre em registo de amor, deixamos de viver obcecados connosco, deixamos de cuidar exclusivamente dos nossos interesses, projetos e ambições, deixamos de viver apenas centrados em nós próprios, passamos a ver o outro, a cuidar do outro, a preocuparmo-nos em promover o outro. Tornamo-nos livres, verdadeiramente livres. É esta experiência de liberdade que fazem hoje tantas pessoas que não guardam a própria vida para si próprias, mas fazem dela uma oferta de amor aos irmãos mais necessitados. Como dar este testemunho e passar esta mensagem aos homens do nosso tempo, sempre obcecados com a verdadeira liberdade? Como explicar que só o amor nos faz totalmente livres?
    • Falar da Igreja formada por pessoas livres em Cristo, implica falar de uma comunidade cristã voltada para o amor, para a partilha, para as necessidades e carências dos irmãos que estão à sua volta. É isso que realmente acontece com as nossas comunidades? Damos este testemunho de liberdade no dom da vida aos irmãos que nos rodeiam? As nossas comunidades são comunidades de homens e mulheres livres que vivem no amor e na doação, ou comunidades de homens e mulheres escravos, presos aos seus interesses pessoais e egoístas, que se magoam e ofendem por coisas sem importância, dominados por interesses mesquinhos e capazes de gestos sem sentido de orgulho e de prepotência?

     

    ALELUIA

    Refrão: Aleluia.

    Falai, Senhor, que o vosso servo escuta.
    Vós tendes palavras de vida eterna.

     

    EVANGELHO – Lucas 9,51-62

    Aproximando-se os dias de Jesus ser levado deste mundo,
    Ele tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém
    e mandou mensageiros à sua frente.
    Estes puseram-se a caminho
    e entraram numa povoação de samaritanos,
    a fim de Lhe prepararem hospedagem.
    Mas aquela gente não O quis receber,
    porque ia a caminho de Jerusalém.
    Vendo isto, os discípulos Tiago e João disseram a Jesus:
    «Senhor,
    queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?».
    Mas Jesus voltou-Se e repreendeu-os.
    E seguiram para outra povoação.
    Pelo caminho, alguém disse a Jesus:
    «Seguir-Te-ei para onde quer que fores».
    Jesus respondeu-lhe:
    «As raposas têm as suas tocas,
    e as aves do céu os seus ninhos;
    mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça».
    Depois disse a outro: «Segue-Me».
    Ele respondeu:
    «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai».
    Disse-lhe Jesus:
    «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos;
    tu, vai anunciar o reino de Deus».
    Disse-Lhe ainda outro:
    «Seguir-Te-ei, Senhor;
    mas deixa-me ir primeiro despedir-me da minha família».
    Jesus respondeu-lhe:
    «Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás
    não serve para o reino de Deus».

     

    CONTEXTO

    Lucas, seguindo o esquema do Evangelho de Marcos, situou a primeira parte do ministério de Jesus na região geográfica da Galileia (cf. Lc 4,14-9,50): é na Galileia (na sinagoga de Nazaré) que Ele apresenta o “programa” que se propõe concretizar (cf. Lc 4,16-30); é nas aldeias e cidades da Galileia que Ele anuncia o Reino de Deus, com palavras e com gestos poderosos; é na Galileia que Ele começa a reunir à sua volta um grupo de discípulos dispostos a viver a aventura do Reino de Deus… No final da etapa da Galileia, os discípulos, tocados por tudo o que viram e escutaram, já não têm dúvidas: esse Jesus que os convidou a segui-l’O é “o Messias de Deus” (Lc 9,20) que veio trazer ao mundo a salvação.

    Depois disso, Jesus decidiu dar um passo em frente e dirigir-se para Jerusalém, a capital religiosa de Israel. Ele sentia que era necessário confrontar as autoridades religiosas judaicas e desafiá-las a acolher o Reino de Deus. A partir de 9,51, Lucas narra precisamente esse “caminho” que Jesus vai percorrer com os discípulos, até Jerusalém.

    A narração do “caminho” para Jerusalém é a parte mais original do Evangelho de Lucas. Enquanto Marcos (cf. Mc 10) e Mateus (cf. Mt 19-20) contam esta “viagem” em breves linhas, Lucas dedica-lhe dez capítulos (cf. Lc 9,51-19,28). O “caminho para Jerusalém” tem, na reflexão teológica apresentada por Lucas, uma importância particular.

    Essa importância tem, antes de mais, a ver com a centralidade de Jerusalém na conceção teológica de Lucas. No Antigo Testamento, Jerusalém é o lugar onde acontece a salvação, porque é lá que estão as instituições mediadoras da salvação (o rei, a lei, o templo, o sacerdócio). Mas Jerusalém é também, na catequese judaica, o lugar onde o Messias se vai manifestar e apresentar a Israel a sua proposta libertadora. Por isso Jesus, “o Messias de Deus”, deve dirigir-se para Jerusalém. Lá irá irromper a salvação de Deus; e, segundo Lucas, é de lá que a proposta de salvação apresentada em Jesus sairá para ir ao encontro do mundo.

    Os discípulos acompanham Jesus no caminho para Jerusalém. Esse caminho, mais do que um caminho geográfico, é um caminho espiritual e teológico. À medida que caminham, os discípulos vão sendo confrontados com a lógica do Reino e vão sendo desafiados a acolher os valores do Reino. Por vezes manifestam grandes dificuldades em “acompanhar” Jesus e em entender as suas propostas (cf. Lc 9,54-56; 18,31-34); mas a cada passo vão crescendo na fé e consolidando a sua adesão a Jesus. O caminho para Jerusalém torna-se, para os discípulos, uma verdadeira escola de seguimento de Jesus, de identificação com Jesus, de plena adesão a Jesus. Quando chegam a Jerusalém, na conclusão da viagem, os discípulos estão mais preparados para serem, no futuro, as testemunhas de Jesus em todos os cantos da terra.

     

    MENSAGEM

    Jesus e os discípulos começam a caminhar para Jerusalém. Para sublinhar a determinação de Jesus, Lucas diz que Ele “endureceu o rosto” (vers. 51). A expressão leva-nos a Is 50,7, onde define a decisão irrevogável do “Servo de Javé” em cumprir a vontade de Deus. Aqui, serve para descrever a absoluta disponibilidade de Jesus para concretizar o projeto do Pai.

    Os primeiros passos do caminho para Jerusalém levam Jesus e os discípulos a aproximarem-se de uma povoação samaritana não identificada. Não foram bem acolhidos. Por detrás da hostilidade com que foram recebidos está, certamente, a dificuldade de convivência entre judeus e samaritanos, que tem fundas raízes históricas. Aliás, era por isso que os peregrinos que iam da Galileia para Jerusalém para participar nas grandes festas de Israel evitavam passar pelo interior da Samaria, utilizando preferencialmente o “caminho do mar” (junto da orla costeira), ou o caminho que percorria o vale do rio Jordão, a oriente.

    Tiago e João, os “filhos do trovão” (Mc 3,17), estão indignados (vers. 54) com a forma como foram recebidos. Sugerem até uma resposta agressiva, “musculada”, à hostilidade dos samaritanos. Recordando um episódio em que o profeta Elias invocou o fogo do céu sobre os soldados de Acazias, o rei de Israel que residia na Samaria (cf. 1 Re 1,10-12), Tiago e João sugerem que se peça, outra vez, que o “fogo do céu” castigue todos os habitantes daquela povoação samaritana.

    Jesus irrita-se e repreende os discípulos (vers. 55). Percebe com tristeza que eles ainda não interiorizaram os valores do Reino de Deus. Ao reprender os discípulos, Jesus oferece-lhes o seu primeiro ensinamento nessa escola que é o caminho para Jerusalém: a implementação do Reino de Deus não passa pela força, pela imposição, pela prepotência, pela violência, pelo castigo, pela vingança; mas passa pelo amor, pelo serviço simples e humilde, pelo dom da vida. Deus não quer a destruição do pecador; o que Deus quer é a mudança dos corações. Se aqueles samaritanos ainda não estão preparados para acolher a proposta de Deus, é preciso respeitar a sua decisão e seguir em frente. É isso que Jesus e os discípulos fazem: dirigem-se para “outra povoação” (vers. 56), ao encontro de outros que estejam disponíveis para acolher a salvação de Deus.

    Lucas leva-nos depois para outro momento do caminho para Jerusalém. Diante de Jesus desfilam agora três pessoas interessadas em segui-lo. São pessoas que Lucas não identifica pelo nome. A falta de especificação faz com que cada um dos leitores de Lucas possa identificar-se com o personagem que dialoga com Jesus.

    O primeiro personagem propõe-se ser discípulo de Jesus (“seguir-Te-ei para onde quer que fores” – vers. 57). Pretende seguir atrás de Jesus, escutá-l’O, aprender as suas lições até ser capaz de repeti-las. Jesus não se opõe. Mas avisa que ser seu discípulo supõe um compromisso total, uma doação plena, um “deixar tudo”, um prescindir de todas as seguranças, de todas as certezas, de todas as comodidades, de todo o bem-estar, para estar totalmente ao serviço do Reino de Deus.

    O segundo personagem recebeu um convite direto de Jesus: “Segue-Me” (vers. 59). O visado, contudo, impõe condições: “Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai”. O pedido do homem parece razoável: na cultura judaica, o dar sepultura a um familiar era uma obrigação fundamental.  A resposta de Jesus ao pedido é “escandalosa”: “deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu, vai anunciar o reino de Deus” (vers. 60). Ao dá-la, Jesus pretende dizer que o compromisso com o Reino é a prioridade fundamental da vida dos discípulos: deve estar à frente de outros deveres e de outras obrigações fundamentais.

    O terceiro personagem promete seguir Jesus, mas pede autorização para se despedir primeiro da sua família (vers. 61). O seu pedido é semelhante ao que o Eliseu, chamado a ser profeta, fez a Elias (cf. 1 Re 19,20). Elias, nessa circunstância, contemporizou com o pedido de Eliseu. Jesus, contudo, assume uma posição mais exigente do que Eliseu. Cita um conhecido provérbio que diz que não é boa atitude ir arar o campo tendo o olhar naquilo que ficou atrás, especialmente nos lugares onde há pedras espalhadas pelo terreno. A mensagem é clara: quem embarca na aventura do Reino de Deus deve fazê-lo de forma totalmente comprometida, sem se deixar condicionar por laços de qualquer espécie.

    Talvez não devamos ver estas exigências como normativas: noutras circunstâncias, Jesus mandou cuidar dos pais (cf. Mt 15,3-9); e os discípulos – nomeadamente Pedro – fizeram-se acompanhar das esposas durante as viagens missionárias (cf. 1 Cor 9,5). Mas, de acordo com Jesus, o discípulo não pode deixar-se distrair por obstáculos que o impeçam de colocar-se integralmente ao serviço do Reino de Deus. Quem decide seguir Jesus não pode estar constantemente a olhar para trás, para aquilo que deixou; mas deve olhar para a missão, para o Reino, decidido a abraçar sem reticências o projeto que Deus quer confiar-lhe.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A imagem do “caminho” pode ser uma boa metáfora para representar a nossa vida. Desde que nascemos somos “peregrinos” que avançam passo a passo em direção a uma meta. Essa meta é a vida definitiva, a nossa realização plena. Contudo, ao longo do “caminho” deparamo-nos com uma infinidade de encruzilhadas e de desvios que nos podem fazer perder o rumo. O “mapa” de que nos servimos para avançar, nem sempre é claro; algumas vezes deixamo-nos seduzir por miragens e escolhemos veredas que não levam a lado nenhum. Necessitamos de quem nos oriente e nos ajude a encontrar o caminho certo. Poderemos confiar em todas as indicações que nos dão sobre o “caminho” mais adequado para chegar à meta que nos propusemos? No Evangelho deste domingo Jesus convida os seus discípulos – os de ontem, de hoje e de amanhã – a irem com Ele no “caminho” que leva ao encontro da vida verdadeira. O “caminho” que Jesus aponta pode não ser um “caminho” fácil e tranquilo: por vezes exige renúncias, leva-nos por mares revoltos, atira-nos para longe dos nossos sonhos pessoais, faz-nos passar pela cruz… Mas é, garantidamente, um caminho que leva à vida nova, à ressurreição. Confiamos em Jesus e estamos dispostos, apesar de tudo, a caminhar pelo “caminho” que Ele nos aponta?
    • A primeira lição que Jesus deixa aos discípulos no caminho para Jerusalém é sobre a forma de lidar com a oposição e a hostilidade do mundo. Os discípulos de Jesus, mal recebidos pelos habitantes de uma povoação samaritana, queriam “tratar” do problema com violência e castigos. Jesus não o permite. A missão dos discípulos de Jesus não é lutar contra seja quem for, nem sequer contra aqueles que se opõem ao Evangelho. As “guerras santas”, as “cruzadas contra os infiéis”, a destruição dos “hereges”, as conversões forçadas, o desrespeito pela liberdade de consciência, não se coadunam com a lógica de Deus; o fanatismo, a intolerância, as condenações, a imposição do Evangelho pela força, não são métodos aprovados por Deus. Respeitamos as opiniões diferentes dos irmãos que nos rodeiam, mesmo que elas sejam contrárias às nossas? Respeitamos o caminho e o ritmo de caminhada daqueles com quem nos cruzamos?
    • Quem seguir Jesus pode contar com “condições mínimas” de bem estar e de conforto? Os que vão com Ele viver a aventura do Reino de Deus poderão contar, garantidamente, com “casa, mesa e roupa lavada”? Não. Aliás, Jesus faz questão de deixar tudo claro: “as raposas têm as suas tocas, e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Quem aceitar ir com Jesus poderá ter de “viver sem rede”, confiando apenas na providência de Deus. Ir com Jesus não é para gente que não prescinde do conforto, da segurança, do bem-estar. Ir com Jesus é para gente livre, que não tenha medo da pobreza, da simplicidade, da precariedade, do despojamento. Ir com Jesus é para gente que esteja disposta a prescindir de tudo para fazer do Reino de Deus a grande prioridade da sua vida. Como nos situamos em relação a isto? A preocupação com o bem-estar, com o conforto, com a segurança, com os bens materiais alguma vez nos impediram de responder ao convite que Jesus nos faz?
    • Parece chocante, para a nossa sensibilidade, a resposta de Jesus ao homem que lhe pediu para, antes de O seguir, ir primeiro sepultar o pai: “deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu, vai anunciar o reino de Deus”. Jesus será tão intransigente que não entenda o sagrado dever de um filho de dar sepultura ao seu pai? Provavelmente devemos entender a resposta de Jesus como uma indicação para não nos deixarmos ficar a olhar para o passado, para as coisas e situações “mortas”, para as “carruagens” que já partiram, para as oportunidades perdidas, para os dias que já não voltam, para as tradições velhas e gastas de que não queremos prescindir. Quando ficamos agarrados ao passado, ficamos paralisados e sem disponibilidade para encarar os desafios sempre novos de Deus. Vivemos ancorados no passado, ou atentos àquilo que está a acontecer à nossa volta e que exige de nós respostas decididas, comprometidas, inovadoras, proféticas?
    • Um dos homens que Jesus encontrou no caminho disponibilizou-se para segui-l’O, mas quis primeiro despedir-se da sua família. Jesus parece não ter encarado bem essa pretensão. Disse ao homem: “quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus”. Tal rigor parece-nos excessivo… Não temos deveres para com a nossa família, para com aqueles que mais amamos? Jesus exige que façamos “tábua rasa” dos afetos e dos amores que enchem as nossas vidas de sentido? Não. Mas está a sugerir que os nossos afetos, as nossas ligações, os nossos amores não podem impedir-nos de seguir a vontade de Deus e de abraçar os desafios de Deus. Quando Deus nos confia uma determinada missão, não podemos deixar que nada nem ninguém nos impeça de a concretizar. Temos as nossas prioridades bem definidas? Que lugar, na nossa lista de prioridades, damos a Deus e aos seus projetos?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

    S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos

    S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos


    29 de Junho, 2025

    Desde o século III que a Liturgia une na mesma celebração as duas colunas da Igreja, Pedro e Paulo. Mestres inseparáveis de fé e de inspiração cristã pela sua autoridade, simbolizam todo o Colégio Apostólico. Pedro era natural de Betsaida, onde exercia a profissão de pescador. Jesus chamou-o e confiou-lhe a missão de guiar e confirmar os irmãos na fé. É uma das primeiras testemunhas de Jesus ressuscitado e, como arauto do Evangelho, toma consciência da necessidade de abrir a Igreja aos gentios (At 10-11). Paulo de Tarso, perseguidor acérrimo da Igreja, converte-se no caminho de Damasco. A partir daí, a sua vivacidade e brilhantismo são postos ao serviço do Evangelho. Fortemente apaixonado por Cristo, percorre o Mediterrâneo para anunciar o Evangelho da salvação, especialmente aos pagãos. Depois de terem sofrido toda a espécie de perseguições, ambos são martirizados em Roma. Regando com o seu sangue o mesmo terreno, "plantaram" a Igreja de Deus.

    Lectio

    Primeira leitura: Atos, 12, 1-11

    Naqueles dias, o rei Herodes maltratou alguns membros da Igreja. 2Mandou matar à espada Tiago, irmão de João, 3e, vendo que tal procedimento agradara aos judeus, mandou também prender Pedro. Decorriam os dias dos Ázimos. 4Depois de o mandar prender, meteu-o na prisão, entregando-o à guarda de quatro piquetes, de quatro soldados cada um, na intenção de o fazer comparecer perante o povo, a seguir à Páscoa. 5Enquanto Pedro estava encerrado na prisão, a Igreja orava a Deus, instantemente, por ele. 6Na noite anterior ao dia em que Herodes contava fazê-lo comparecer, Pedro estava a dormir entre dois soldados, bem preso por duas correntes, e diante da porta estavam sentinelas de guarda à prisão. 7De repente, apareceu o Anjo do Senhor e a masmorra foi inundada de luz. O anjo despertou Pedro, tocando-lhe no lado e disse-lhe: «Ergue-te depressa!» E as correntes caíram-lhe das mãos. 8O anjo prosseguiu: «Põe o cinto e calça as sandálias.» Pedro assim fez. Depois, disse-lhe: «Cobre-te com a capa e segue-me.» 9Pedro saiu e seguiu-o. Não se dava conta da realidade da intervenção do anjo, pois julgava que era uma visão. 10Depois de atravessarem o primeiro e o segundo posto da guarda, chegaram à porta de ferro que dá para a cidade, a qual se abriu por si mesma. Saíram, avançando por uma rua, e logo o anjo se retirou de junto dele. 11Pedro, voltando a si, exclamou: «Agora sei que o Senhor enviou o seu anjo e me arrancou das mãos de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava.»

    Pelos anos 41-44 da nossa era, reinava na Judeia Herodes Agripa, que moveu uma perseguição contra a Igreja. Foi por essa ocasião que Pedro foi preso, durante a páscoa hebraica, e teria a mesma sorte de Jesus, se Deus não tivesse intervindo com um milagre (vv. 1-4) : um anjo libertou Pedro da morte certa. Tal fato deixou os cristãos espantados e admirados com a benevolência de Deus. No evento foi importante a oração da Igreja, compenetrada da importância única da missão de Pedro. Mais tarde, também S. Paulo recuperará, de modo idêntico, a sua liberdade (At 16, 25-34).

    Segunda leitura: 2 Timóteo 4, 6

    Caríssimo, eu já estou pronto para oferecer-me como sacrifício; avizinha-se o tempo da minha libertação. 7Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel. 8A partir de agora, já me aguarda a merecida coroa, que me entregará, naquele dia, o Senhor, justo juiz, e não somente a mim, mas a todos os que anseiam pela sua vinda. 17O Senhor, porém, esteve comigo e deu-me forças, a fim de que, por meu intermédio, o anúncio fosse plenamente proclamado e todos os gentios o escutassem. Assim fui arrebatado da boca do leão. 18O Senhor me livrará de todo o mal e me levará a salvo para o seu Reino celeste. A Ele, a glória, pelos séculos dos séculos. Ámen!

    Este texto apresenta-nos o que podemos chamar o testamento de Paulo. O Apóstolo pressente próxima a sua morte e dá-nos a conhecer o seu estado de espírito: sente-se só e abandonado pelos irmãos, mas não vítima, porque a sua consciência está tranquila e o Senhor está com ele. Guardou a fé e cumpriu a sua vocação missionária com fidelidade. Compara-se à libação derramada sobre as vítimas nos sacrifícios antigos. Quer morrer como viveu, isto é, como verdadeiro lutador, uma vez que se entregou a Deus e aos irmãos. A vitória é certa! As suas palavras são já um cântico de vitória, porque está próximo o seu encontro com Cristo Ressuscitado.

    Evangelho: Mateus 16, 13-19

    Naquele tempo, Jesus ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?»  14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.» 15Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.»17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela.19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»

    O nosso texto evangélico de hoje consta de duas partes: a resposta de Pedro acerca da messianidade de Jesus, Filho de Deus (vv. 13-16) e a promessa do primado que Jesus confere a Pedro (vv. 17-19). O povo reconhecia Jesus como um profeta. Mas os Doze têm uma opinião muito própria, que é expressa por Pedro: Jesus é o Messias, o Filho de Deus (cf. v. 16). Essa opinião, mais do que baseada na experiência que tinham de Jesus, era fruto da ação do Espírito neles: "não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu." (v. 17). Por causa desta confissão, Pedro será a rocha sobre a qual Cristo edificará a sua Igreja. A Pedro e aos seus sucessores é confiada a missão de serem o fundamento visível da realidade invisível que é Cristo Ressuscitado. O poder de ligar e desligar, expresso na metáfora das chaves, indica a autoridade sobre a Igreja.

    Meditatio

    Celebrar os Apóstolos Pedro e Paulo é um testemunho de fé na Igreja "una, santa, católica, apostólica". Pedro é, efetivamente, a pedra que se apoia diretamente sobre a pedra angular que é Cristo. Pedro, e Paulo são os últimos elos de uma corrente que nos liga a Jesus. Celebrando Pedro e Paulo celebramos os "fundadores" da nossa fé, os genearcas do povo cristão. Ambos foram martirizados em Roma, na perseguição de Nero, por volta do ano 64 d. C.
    O Novo Testamento permite-nos reconstruir, o itinerário da vida dos dois apóstolos e dar-nos conta da gratuidade da escolha divina. Pedro era um pescador da Galileia. Passava os dias no lago de Tiberíade, com o seu pai Jonas e com o seu irmão André. O seu trabalho consistia em lançar as redes, esperar, retirá-las e, depois, à tarde, remendá-las, sentado na margem.
    Foi aí que, uma tarde, quando lançava as redes para uma última pescaria, ouviu, com o seu irmão, o chamamento de Jesus que passava: "Segui-me; farei de vós pescadores de homens" (Mc 1, 17). Começou, assim, a sua extraordinária aventura; seguiu o Mestre da Galileia para a Judeia; daí, depois da morte de Jesus, percorreu a Palestina, até se mudar para Antioquia e, daí, chegou finalmente a Roma.
    Em Roma animou a fé dos crentes, esteve preso, e foi morto no Vaticano, onde ficou para sempre, não só com o seu túmulo, mas também com o seu mandato: ficou naqueles que lhe sucederam naquela que os cristãos chamaram sempre "a cátedra de Pedro", até ao papa que hoje governa a Igreja. Nele, Pedro continua a ser "a rocha", sobre a qual Cristo continua a edificar a sua Igreja, o sinal da unidade para "aqueles que invocam o nome do Senhor". Não muito longe de Pedro, repousa Paulo que, de perseguidor, se tornou o Apóstolo dos Gentios, o missionário ardoroso do Evangelho. O seu martírio revelou a substância da sua fé. A evangelização das duas colunas da Igreja apoia-se, não sobre uma mensagem intelectual, mas sobre uma praxis profunda, sofrida e testemunhada com a palavra de Jesus.
    O lugar de Pedro e dos seus sucessores não é um cargo honorífico ou uma recompensa de méritos. É um serviço, o serviço de apascentar as ovelhas do Senhor: "Apascenta as minhas ovelhas", disse Jesus (Jo 21, 15ss). Com o dever de dar testemunho d´Ele, Jesus confiou a Pedro a sua própria missão de Servo e Pastor. Testemunha de Cristo, pastor e servo dos crentes são prerrogativas que, de Cristo passaram a Pedro e, de Pedro, aos seus sucessores, os bispos de Roma
    Rezemos pelo Santo Padre, sucessor de Pedro, para que Ele, que o confiou uma tal missão, o ilumine e o torne, cada vez mais, capaz de confirmar na fé os seus irmãos. Escreve o P. Dehon: "Para mim, o Papa é como Cristo na terra. Devo honrá-lo, amá-lo, obedecer-lhe... Os amigos do Coração de Jesus são amigos de Pedro." (Leão Dehon, OSP 3, p. 705).

    Oratio

    Senhor, vós nos concedeis a alegria de celebrar hoje a festa dos santos apóstolos Pedro e Paulo: Pedro, que foi o primeiro a confessar a fé em Cristo, e Paulo, que a ilustrou com a sua doutrina; Pedro, que estabeleceu a Igreja nascente entre os filhos de Israel, e Paulo que anunciou o Evangelho a todos os povos; ambos trabalharam, cada um segundo a sua graça, para formar a única família de Cristo; agora, associados na mesma coroa de glória, recebem do povo fiel a mesma veneração. Por isso, vos damos graças e proclamamos a vossa glória. Ámen. (cf. Prefácio da Missa).

    Contemplatio

    Pedro é o continuador de Cristo, o substituto, o vigário de Cristo. É de certo modo o Cristo velado, como na Eucaristia. O seu ensino é o de Cristo. É o instrumento do Coração de Jesus... Nosso Senhor prometeu antecipadamente a Pedro a sua primazia, que é a continuação do poder de Cristo: «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as potências do inferno não prevalecerão contra ela» (Mt 16, 18). «Dar-te-ei as chaves do reino dos céus: tudo o que ligares será ligado e tudo o que desligares será desligado» (Mt 16, 19). «Quando fores convertido, confirmarás os teus irmãos» (Lc 22, 32). Quando chegou o dia, Nosso Senhor realizou a sua promessa. Transmitiu a Pedro a sua autoridade de pastor: «Pedro, porque me amas muito, porque me amas mais do que os outros, apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas». Pedro, pastor supremo da Igreja, é depositário e administrador de todos os dons do Coração de Jesus. Preside à administração dos sacramentos... Abre e fecha o tesouro do Coração de Jesus. Que respeito, que obediência devo a Pedro e aos seus sucessores! (Leão Dehon, OSP 3, p. 704s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O Senhor, porém, esteve comigo e deu-me forças" (2 Tm 4, 17).

    ----
    S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos (29 Junho)

    Solenidade de S. Pedro e S. Paulo - Ano C [atualizado]

    Solenidade de S. Pedro e S. Paulo - Ano C [atualizado]

    Todo o dia
    29 de Junho, 2025

    ANO C

    SOLENIDADE DE S. PEDRO E S. PAULO

    Tema da Solenidade de S. Pedro e S. Paulo

    A Igreja celebra, no dia 29 de junho, a Solenidade dos apóstolos São Pedro e São Paulo. Eles chegaram a Jesus por caminhos diferentes. Pedro, o pescador, ouviu o chamamento de Jesus nas margens do Mar da Galileia; Paulo, o rabi judeu, encontrou-se com Jesus no caminho de Damasco. Ambos apostaram tudo em Jesus e seguiram-no até ao martírio (os dois foram mortos em Roma, durante a perseguição ordenada pelo imperador Nero). São Pedro e São Paulo, cada um à sua maneira, são duas grandes referências para os cristãos de todas as épocas. As leituras deste dia desafiam-nos a seguir o seu exemplo de fidelidade a Jesus e ao Evangelho.

    O Evangelho convida os discípulos a aderirem a Jesus e a verem-no como “o Messias, o Filho de Deus vivo”. Dessa adesão, nasce a Igreja – a comunidade dos discípulos de Jesus, convocada e organizada à volta de Pedro, que tem como missão dar testemunho da proposta de salvação que Jesus veio trazer. À Igreja e a Pedro é confiado o poder das chaves – isto é, de interpretar as palavras de Jesus, de adaptar os ensinamentos de Jesus aos desafios do mundo e de acolher na comunidade todos aqueles que aderem à proposta de salvação que Jesus oferece.

    A primeira leitura mostra como Deus cauciona o testemunho dos discípulos e como cuida deles quando o mundo os condena. A maravilhosa libertação de Pedro da prisão onde estava encerrado mostra a solicitude de Deus pela sua Igreja e pelos discípulos que testemunham no mundo a Boa Nova da salvação.

    A segunda leitura apresenta-se como o “testamento” de Paulo. Numa espécie de “balanço final” da vida do apóstolo, o autor deste texto recorda a resposta generosa de Paulo ao chamamento que Jesus lhe fez e o seu compromisso total com o Evangelho. É um texto comovente e desafiante, que convida os discípulos de todas as épocas a percorrerem o caminho cristão com entusiasmo, com entrega, com ânimo, a exemplo de Paulo.

     

    LEITURA I – Atos 12,1-11

    Naqueles dias,
    o rei Herodes começou a perseguir alguns membros da Igreja.
    Mandou matar à espada Tiago, irmão de João,
    e, vendo que tal procedimento agradava aos Judeus,
    mandou prender também Pedro.
    Era nos dias dos Ázimos.
    Mandou-o prender e meter na cadeia,
    entregando-o à guarda
    de quatro piquetes de quatro soldados cada um,
    com a intenção de o fazer comparecer perante o povo,
    depois das festas da Páscoa.
    Enquanto Pedro era guardado na prisão,
    a Igreja orava instantemente a Deus por ele.
    Na noite anterior ao dia em que Herodes
    pensava fazê-lo comparecer,
    Pedro dormia entre dois soldados,
    preso a duas correntes,
    enquanto as sentinelas, à porta, guardavam a prisão.
    De repente, apareceu o Anjo do Senhor,
    e uma luz iluminou a cela da cadeia.
    O Anjo acordou Pedro, tocando-lhe no ombro, e disse-lhe:
    «Levanta-te depressa».
    E as correntes caíram-lhe das mãos.
    Então, o Anjo disse-lhe:
    «Põe o cinto e calça as sandálias».
    Ele assim fez.
    Depois, acrescentou:
    «Envolve-te no teu manto e segue-me».
    Pedro saiu e foi-o seguindo,
    sem perceber a realidade do que estava a acontecer
    por meio do Anjo;
    julgava que era uma visão.
    Depois de atravessarem o primeiro e o segundo posto da guarda,
    chegaram à porta de ferro, que dá para a cidade,
    e a porta abriu-se por si mesma diante deles.
    Saíram, avançando por uma rua,
    e subitamente o Anjo desapareceu.
    Então, Pedro, voltando a si, exclamou:
    «Agora sei realmente que o Senhor enviou o Seu Anjo
    e me libertou das mãos de Herodes
    e de toda a expetativa do povo judeu».

     

    CONTEXTO

    No livro dos Atos dos Apóstolos Lucas propôs-se narrar-nos a maravilhosa aventura missionária que levou o Evangelho desde Jerusalém até Roma, o coração do império. Nesta fase são os discípulos que, guiados pelo Espírito Santo, são as testemunhas de Jesus e do seu projeto.

    O texto que a liturgia nos propõe como primeira leitura na Solenidade de São Pedro e São Paulo, praticamente encerra a primeira parte do Livro dos Atos dos Apóstolos – a história da expansão do cristianismo dentro das fronteiras palestinas (cf. At 1-12). O Evangelho de Jesus, levado pelos missionários cristãos já tinha chegado à Samaria e a toda a faixa costeira palestina, incluindo Ashdod, Cesareia Marítima (cf. At 8,4-40), Lida e Jope (cf. At 9,31-35).

    Por esta altura (por volta do ano 42) Herodes Agripa I, neto de Herodes, o Grande, refizera praticamente o reino do seu avô. No ano 37, o imperador Calígula deu-lhe o título de rei e confiou-lhe os antigos territórios da tetrarquia de Herodes Filipe (a Itureia, a Traconítide, a Bataneia, a Gaulanítide e a Auranítide); mais tarde, no ano 40, o mesmo Calígula acrescentou ao reino de Herodes Agripa os territórios da antiga tetrarquia de Herodes Antipas (a Galileia e a Pereia); finalmente, no ano 41, o imperador Cláudio (que sucedeu a Calígula) colocou sob a autoridade de Herodes Agripa a Samaria e a Judeia. Herodes Agripa reinou sobre este vasto território até ao ano 44, altura em que morreu repentinamente em Cesareia, durante uma cerimónia pública (cf. At 12,20-23).

    Herodes Agripa I procurou sempre estar em boas relações com os líderes judaicos. Observava as prescrições da Lei de Moisés, cumpria os rituais de purificação dos judeus e diariamente oferecia os sacrifícios prescritos no templo de Jerusalém. Fazia-o, no entanto, mais por cálculo político do que por convicção pessoal, pois quando estava fora do território judaico vivia à maneira helénica. Foi certamente para agradar aos líderes judaicos que Herodes Antipas mandou matar à espada o apóstolo Tiago, filho de Zebedeu, irmão de João. Este Tiago era uma figura proeminente da comunidade cristã de Jerusalém. Jesus tinha-lhe predito, certa vez, que ele iria beber o mesmo cálice que Jesus ia beber – quer dizer, iria partilhar do destino do próprio Jesus (cf. Mc 10,38-39).

     

    MENSAGEM

    Depois da morte/ressurreição/exaltação de Jesus, os discípulos passaram a ser, no mundo, os arautos desse projeto de salvação que Deus ofereceu aos homens através do seu Filho. Como é que o mundo – esse mundo que rejeitou Jesus e o crucificou numa colina situada fora das muralhas de Jerusalém – irá acolher o testemunho dos discípulos?

    O autor dos Atos dos Apóstolos responde à questão com factos concretos. Depois de contar, de passagem, a morte de Tiago, refere que o próprio Pedro foi preso por ordem de Herodes Agripa I (vers. 2-3). O plano de Herodes Agripa era, provavelmente, condenar Pedro à morte, assegurando assim os aplausos e a admiração dos líderes judaicos; mas, uma vez que estavam a decorrer as festas pascais, o julgamento foi adiado para depois da celebração da Páscoa (vers. 4).

    Enquanto Pedro estava na prisão, “a Igreja orava instantemente a Deus por ele” (vers. 5). A comunidade primitiva era uma comunidade unida e solidária, uma família que se preocupava com a sorte de cada um dos seus membros. Por isso, no momento em que Pedro corria perigo, a comunidade pedia para ele a ajuda de Deus.

    Na véspera do julgamento, Pedro escapou da prisão, durante a noite (vers. 6-11). O que terá acontecido? Não sabemos exatamente; mas a libertação de Pedro foi vista pela comunidade como o resultado da intervenção de Deus. A narração de Lucas fala da intervenção de um “anjo do Senhor” (vers. 7), que teria tirado Pedro da prisão sem que Pedro tivesse qualquer papel ativo em todo o processo (vers. 8-10). Provavelmente devemos ver nos pormenores maravilhosos narrados (o aparecimento do “anjo do Senhor”, a luz que iluminou a cela da cadeia, a passagem pelos guardas sem que nenhum deles se tivesse apercebido da fuga do prisioneiro, a abertura milagrosa da porta da prisão), não tanto uma descrição factual de acontecimentos concretos, mas sim uma catequese sobre a solicitude de Deus pelos apóstolos que envia ao mundo a dar testemunho da salvação. Seja como for que as coisas se passaram, a verdade é que os cristãos de Jerusalém viram o dedo de Deus naquela história extraordinária da fuga de Pedro da prisão.

    A catequese de Lucas dirige-se aos cristãos de todas as épocas, frequentemente incompreendidos e perseguidos por causa da sua fidelidade a Jesus e ao Evangelho. Garante-lhes que não estão sozinhos diante da hostilidade do mundo. Deus acompanha-os em cada passo, dá-lhes a força para serem testemunhas, cuida deles, livra-os dos perigos, fá-los vencer as ciladas dos seus inimigos. Os enviados de Jesus sabem, assim, que “viajam” e enfrentam o mundo sob o olhar atento e paterno de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A proposta de salvação que Deus fez aos homens através de Jesus continua válida? Como é que ela chega ao mundo em cada época e em cada passo da turbulenta história dos homens? O livro dos Atos dos Apóstolos tem uma resposta clara para estas questões: sim, Deus continua a oferecer aos homens e mulheres de cada época a sua salvação; e são os discípulos que Jesus deixou no mundo que têm a missão de tornar realidade, em cada tempo, em cada “hoje”, a proposta libertadora de Deus. A Igreja nascida de Jesus não é uma comunidade de homens e mulheres que vivem apenas de olhos postos no céu, a murmurar orações e a contemplar a majestade de Deus; nem é uma comunidade de teólogos que gasta o tempo a discutir doutrinas elevadas e transcendentes… Mas é uma comunidade de discípulos de Jesus que, com gestos concretos de amor, de misericórdia, de partilha, de serviço, de perdão, leva ao mundo – inclusive às periferias, aos sítios onde ninguém vai, aos lugares do choro e do desespero – a Boa notícia da salvação de Deus. Pedro e Paulo, os apóstolos que a liturgia de hoje nos convida a celebrar, fizeram-no. Seremos capazes de o fazer também nós, neste tempo histórico tão exigente e tão desafiante que nos tocou viver?
    • A história que o autor dos Atos dos Apóstolos nos conta sobre a prisão do apóstolo Pedro, lembra-nos uma realidade incontornável: o testemunho do projeto de Jesus gera sempre incompreensão e oposição. O Evangelho de Jesus incomoda, ainda hoje. Incomoda especialmente aqueles que estão apostados em perpetuar mecanismos de exploração, de injustiça, de morte; mas também incomoda aqueles que estão comodamente instalados na escravidão e não têm a coragem de questionar as cadeias que os prendem. A reação de quem se sente incomodado com o anúncio da Boa nova de Jesus traduz-se muitas vezes na oposição, nas calúnias, nos sarcasmos, nas piadas estúpidas que tanto custam a aceitar. É necessário, contudo, que a incompreensão e a perseguição não nos desanimem e não nos impeçam de dar testemunho dos valores em que acreditamos. Não temos diante de nós o exemplo de Jesus, morto na cruz por ser fiel ao projeto do Pai? E não temos também o exemplo de Pedro e de Paulo, mortos em Roma, por causa do Evangelho de Jesus durante a perseguição ordenada pelo imperador Nero? Estamos dispostos a dar testemunho dos valores do Reino, com sinceridade e verticalidade, independentemente da forma como o nosso testemunho é acolhido?
    • A forma como o autor dos Atos dos Apóstolos descreve a libertação de Pedro da prisão onde Herodes Agripa o tinha mandado encerrar, pretende sugerir que Deus sempre fará tudo para salvar os seus enviados das mãos daqueles que os perseguem e ameaçam. É uma mensagem consoladora, que fortalece o ânimo daqueles que aceitam o risco de dar testemunho da salvação de Deus no meio dos seus irmãos. Os enviados de Deus não são imunes ao sofrimento, à adversidade, à contestação, à maledicência, ao escárnio, à perseguição; mas são, como os outros homens e mulheres, pessoas frágeis, que no decurso da sua missão experimentam a cada passo a solidão, o abandono, o desânimo, a desilusão, a angústia. A história do apóstolo Pedro diz-lhes, contudo, que podem confiar no amor e na solicitude de Deus, pois Deus nunca dececiona aqueles que n’Ele põem a sua confiança. Temos feito esta experiência? Quando caminhamos “sem rede”, ameaçados por todo o tipo de perigos, conscientes da nossa fragilidade, sentimo-nos tranquilos nas mãos de Deus? Acreditamos mesmo que Deus nunca nos abandona, aconteça o que acontecer?
    • É muito sugestiva, na história que o autor dos Atos dos Apóstolos hoje nos conta, a indicação de que a comunidade cristã “orava insistentemente a Deus” por Pedro, prisioneiro por causa do Evangelho. Mostra uma comunidade solidária, fraterna, unida, atenta, que se coloca ao lado dos irmãos que sofrem e que são injustiçados por causa do seu testemunho, da sua coerência, do seu compromisso com a verdade. As nossas comunidades cristãs são comunidades onde cada um sente as dores e os sofrimentos dos seus irmãos? Sentimos que é nossa responsabilidade fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para “consolar” e para “libertar” os irmãos que são vítimas da injustiça, da maldade, da prepotência? Lembramo-nos de pedir a Deus que cuide dos nossos irmãos que, por qualquer razão, estão prisioneiros do sofrimento?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)

    Refrão: O Senhor libertou-me de toda a ansiedade.

    A toda a hora bendirei o Senhor,
    o Seu louvor estará sempre na minha boca.
    A minha alma gloria-se no Senhor;
    escutem e alegrem-se os humildes.

    Enaltecei comigo ao Senhor,
    e exaltemos juntos o Seu nome.
    Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
    libertou-me de toda a ansiedade.

    Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes:
    o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
    Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
    salvou-o de todas as angústias.

    O anjo do Senhor protege os que O temem
    e defende-os dos perigos.
    Saboreai e vede como o Senhor é bom:
    feliz o homem que n’Ele se refugia.

     

    LEITURA II – 2 Timóteo 4,6-8.17-18

    Caríssimo:
    Eu já estou oferecido em libação
    e o tempo da minha partida está iminente.
    Combati o bom combate,
    terminei a minha carreira,
    guardei a fé.
    E agora já me está preparada a coroa da justiça,
    que o Senhor, justo Juiz, me há de dar naquele dia;
    e não só a mim, mas a todos aqueles
    que tiverem esperado com amor a Sua vinda.
    O Senhor esteve a meu lado e deu-me força,
    para que, por meu intermédio,
    a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada
    e todos os pagãos a ouvissem;
    e eu fui libertado da boca do leão.
    O Senhor me livrará de todo o mal
    e me dará a salvação no Seu Reino celeste.
    Glória a Ele pelos séculos dos séculos. Amen.

     

    CONTEXTO

    O Timóteo cujo nome aparece no endereço desta carta (cf. 2Tm 1,2) é um cristão nascido em Listra (Ásia Menor), de pai grego e de mãe judeo-cristã (cf. At 16,1-3). Paulo encontrou-o no decurso da sua segunda viagem missionária (cf. At 16,2) e associou-o à aventura do anúncio do Evangelho. Timóteo tornou-se, a partir de então, companheiro inseparável de Paulo. Aparece ao lado de Paulo em Atenas (cf. At 17,14-15), em Corinto (cf. At 18,5), em Éfeso (cf. At 19,22), colaborando no esforço missionário. Paulo confiava plenamente nele e encarregou-o de algumas missões delicadas junto das igrejas (cf. 1 Cor 4,17; 16,10-11; Fil 2,19-24; 1 Ts 3,2-3). Segundo a tradição, foi o primeiro bispo da comunidade cristã de Éfeso.

    É problemático que Paulo seja o autor das duas cartas “a Timóteo”: a linguagem, o estilo e mesmo a doutrina apresentam diferenças consideráveis em relação a outras cartas paulinas. Além disso, o contexto eclesial em que estas cartas nos situam – a estrutura das comunidades cristãs, os problemas que as comunidades têm de enfrentar – parece mais do final do séc. I, ou até mesmo de princípios do séc. II, do que da época de Paulo. Enquanto na época de Paulo a preocupação essencial era anunciar o Evangelho, na época em que estas cartas foram escritas a grande preocupação parece ser “conservar a fé”, uma vez que o tesouro da fé cristã estava ameaçado pela acomodação dos crentes e pelas falsas doutrinas que alguns “mestres” difundiam nas comunidades cristãs. É possível que um discípulo de Paulo, inspirando-se na teologia paulina, tenha composto estas cartas para responder às novas problemáticas que, no final do séc. I, a Igreja tinha de enfrentar.

    Mais concretamente, a segunda Carta a Timóteo apresenta diversos conselhos pastorais que Paulo destina ao seu grande colaborador (Timóteo) na obra da evangelização. O autor da carta estaria, pretensamente, na prisão. Numa espécie de “testamento final”, recorda a Timóteo o ministério que recebeu (2 Tm 2,1-7), convida-o a manter-se fiel à graça recebida (cf. 2 Tm 1,6-18), alerta-o para os perigos dos novos tempos (cf. 2 Tm 3,1-17) e deixa-lhe as suas últimas recomendações (cf. 2 Tm 4,9-18).

     

    MENSAGEM

    O autor da carta apresenta-se na pele de Paulo, prisioneiro em Roma. Sentindo que a sua vida está a chegar ao fim, avalia a forma como viveu (vers. 6-8). O objetivo é levar os crentes a fazerem, como Paulo, o dom total das suas vidas a Deus.

    A vida de Paulo sofreu uma transformação radical quando ele se encontrou com Cristo na estrada de Damasco (cf. At 9,1-9; 22,4-11; 26,9-18). A partir desse momento, deixou para trás todas as certezas e seguranças em que, até então, tinha apostado e começou a viver para Cristo: enfrentou todas as oposições, contornou todos os obstáculos, suportou todos os cansaços, deu tudo para levar a Boa nova da salvação a todas as nações, desde Jerusalém a Roma.

    Para definir a sua vida de compromisso total com o projeto de Deus, Paulo recorre a três imagens. A primeira vem do culto judaico (vers. 6): a vida de Paulo foi como uma oferta sacrificial entregue a Deus. A sua vida foi derramada sobre o altar de Deus, à imagem dos ritos de libação que se faziam no santuário e que consistiam no derramamento de um pouco de vinho sobre o altar onde, depois, se queimava a oferenda destinada à divindade. A segunda imagem é tirada do mundo militar (vers. 7a). A vida de Paulo foi como que um combate, no qual o apóstolo se empenhou totalmente, até ao dom de si próprio. Paulo combateu bravamente e deu tudo pela vitória de Deus. A terceira imagem é a do atleta que corre em direção à meta para alcançar a vitória (vers. 7b). Paulo, qual atleta de eleição, correu sempre, com empenho total, com dedicação absoluta, pondo todas as suas forças ao serviço do projeto de Deus.

    Agora, depois de uma vida gasta ao serviço de Deus, Paulo pressente que chegou ao fim do seu caminho. Está satisfeito com a sua prestação, pois manteve-se focado, foi fiel, fez tudo o que estava ao seu alcance para corresponder ao chamamento que recebeu de Jesus. Resta-lhe receber a “coroa da justiça” reservada aos vencedores. Paulo aproveita até para avisar que o mesmo prémio está reservado a todos aqueles que lutam com o mesmo denodo e o mesmo entusiasmo pela causa do Reino. Os discípulos de Jesus de todas as épocas devem ter isso em conta.

    No final da carta, nuns versículos que a segunda leitura deste dia não conservou (vers. 9-16), o autor põe na boca de Paulo o lamento desiludido de um homem cansado que, apesar de tudo o que fez pelo Evangelho, se sente abandonado por alguns irmãos na fé. Apesar disso (e aqui voltamos ao texto que a nossa leitura nos apresenta) não se sente sozinho, pois tem experimentado, nestes dias de cativeiro, o apoio e o conforto de Deus. Está convicto de que Deus o livrará de todo o mal e lhe dará, no final da caminhada, a vida definitiva. Por isso, termina a sua partilha com um grito de louvor: “glória a Ele pelos séculos dos séculos. Amen”.

    Ao apresentar aos crentes do final do séc. I o “testemunho” de Paulo, o autor desta carta pede-lhes que tenham uma atitude semelhante à do apóstolo: que não se deixem vencer pelo desânimo, pelo sofrimento, pelo medo, pela tribulação; que se mantenham fiéis a Jesus e ao Evangelho; que confiem no prémio que espera todos aqueles que combateram o bom combate e mantiveram a fé.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Paulo de Tarso marcou de forma decisiva a história do cristianismo pela sua visão larga do projeto de Deus e pela forma como abriu ao Evangelho as portas do mundo greco-romano. Mas, para além disso, deixou aos cristãos de todas as épocas um impressionante testemunho pessoal de compromisso total com Jesus e com o Evangelho. O seu encontro com Jesus no caminho de Damasco marcou a sua vida de uma forma tão decisiva que ele dizia: “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Passou a viver para Cristo, apenas para Cristo. A sua paixão por Cristo levou-o a dar testemunho do Evangelho em todo o mundo antigo, sem vacilar perante as dificuldades, os perigos, o cansaço, a contestação, a tortura, a prisão e até mesmo a morte. Nós, cristãos, encontramo-nos frequentemente com Jesus no caminho da nossa vida: escutamos a sua Palavra, conversamos com Ele, sentamo-nos com Ele à mesa e comemos do Pão que Ele oferece, dizemos que somos seus discípulos e que estamos em comunhão com Ele… O nosso compromisso com Cristo é tão profundo e tão decisivo como o de Paulo? Cristo é para nós – como foi para Paulo – a referência decisiva à volta da qual se constrói a nossa existência?
    • Paulo experimentou, no seu caminho de testemunho missionário, o abandono, a solidão, a traição, a incompreensão de muita gente, inclusive de alguns irmãos na fé. Por outro lado, sentiu sempre que o Senhor estava com ele, o animava e lhe dava forças para que “a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada e todos os pagãos a ouvissem”. A experiência de Paulo é, afinal, a experiência de todos os “profetas” que Deus envia ao mundo para serem arautos da sua salvação no meio dos homens: de um lado está o ódio do mundo, que desgasta e traz desânimo; do outro está a solicitude de Deus que conforta, sustenta, defende, anima e renova as forças dos seus enviados. É esta também a nossa experiência? A certeza da presença de Deus ao nosso lado dá-nos a força necessária para cumprirmos fielmente a missão que nos foi confiada?
    • Quase a chegar ao fim da sua vida, Paulo avalia desta forma a maneira como viveu: “combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé”. Pelo que sabemos da vida de Paulo, esta avaliação é honesta e verdadeira. É muito bom chegar ao fim da vida e concluir que a vida valeu a pena e que se deixou uma marca positiva no mundo e na vida dos outros homens e mulheres. Se tivéssemos, neste preciso instante, de avaliar o sentido da nossa vida, o que diríamos? A nossa vida tem feito sentido? Há alguma coisa que possamos mudar ou acrescentar para sentirmos que a nossa vida está a valer a pena?

     

    ALELUIA – Mateus 16,18

    Aleluia. Aleluia.

    Tu é Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja
    e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

     

    EVANGELHO – Mateus 16,13-19

    Naquele tempo,
    Jesus foi para os lados de Cesareia de Filipe
    e perguntou aos seus discípulos:
    «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?»
    Eles responderam:
    «Uns dizem que é João Baptista,
    outros que é Elias,
    outros que é Jeremias ou algum dos profetas».
    Jesus perguntou:
    «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
    Então, Simão Pedro tomou a palavra e disse:
    «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo!».
    Jesus respondeu-lhe:
    «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas,
    porque não foram a carne e o sangue que to revelaram,
    mas sim meu Pai que está nos Céus.
    Também Eu te te digo: Tu és Pedro;
    sobre esta pedra edificarei a minha Igreja
    e as forças do inferno não prevalecerão contra ela.
    Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus:
    tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus,
    e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».

     

    CONTEXTO

    O episódio que o texto evangélico da Solenidade de São Pedro e São Paulo nos propõe ocupa um lugar central no Evangelho de Mateus. Marca um momento de viragem no caminho de Jesus. A partir daqui começa a perfilar-se no horizonte de Jesus um destino de cruz.

    Nos primeiros tempos do seu ministério, Jesus conhece um sucesso fulgurante. A sua fama espalha-se e reúnem-se à volta d’Ele “grandes multidões vindas da Galileia, da Decápole, da Judeia e de além Jordão” (Mt 4,25). Mas, passado o entusiasmo inicial, Jesus começa a encontrar sinais crescentes de resistência à proposta que traz: os fariseus e os doutores da Lei contestam-no abertamente (cf. Mt 9,3-6; 9,34; 12,1-8; 12,9-14; 12,24-32; 15,1-9; 16,1-12); e em muitas povoações da Galileia há gente que não acredita n’Ele e que recusa a sua mensagem (cf. Mt 8,34; 11,16-19; 11,20-24; 13,53-58). O anúncio que Jesus propõe sobre o Reino de Deus só encontra um acolhimento incondicional por parte daquele pequeno grupo de discípulos que o seguem passo a passo.

    Jesus tem consciência de que está a aproximar-se a passos largos a altura de se dirigir a Jerusalém para enfrentar as autoridades judaicas. Ele sabe que, em Jerusalém, vai ser condenado e vai ser morto na cruz. Mas o sonho do Reino não pode morrer nessa cruz que vai ser erguida fora das muralhas da cidade santa: os discípulos ficarão no mundo e terão a missão de levar a todos os homens a Boa notícia do Reino. Antes, é necessário prepará-los: eles devem entender e acolher os valores do Reino, devem comprometer-se totalmente no seguimento de Jesus, devem manifestar a sua disponibilidade para integrar a comunidade do Reino. A conversa que Jesus um dia teve com os discípulos, nas proximidades de Cesareia de Filipe, aponta nesse sentido.

    Cesareia de Filipe, o cenário geográfico onde a narração de Mateus nos coloca, era uma cidade situada no Norte da Galileia, no sopé do Monte Hermon, junto de uma das nascentes do rio Jordão, na zona da atual Bânias. Durante o período helenístico, a cidade tinha tomado o nome de Panion, em virtude de haver lá um santuário dedicado ao deus grego Pan; mas, no ano 2 ou 3 a.C., Herodes Filipe (filho de Herodes o Grande) reconstruiu-a e deu-lhe o nome de Cesareia, em honra de César Augusto, imperador de Roma. Era, portanto, uma cidade marcada pelo paganismo e pelo culto ao imperador.

     

    MENSAGEM

    O nosso texto pode dividir-se em duas partes. A primeira, de carácter cristológico, centra-se em Jesus e na definição da sua identidade. A segunda, de carácter eclesiológico, centra-se na Igreja, que Jesus convoca à volta de Pedro.

    Na primeira parte (vers. 13-16), Jesus interroga duplamente os discípulos: acerca do que as pessoas dizem d’Ele e acerca do que os próprios discípulos pensam.

    A opinião dos “homens” sobre Jesus reflete entendimentos e visões diversas. Os contemporâneos de Jesus veem-no em continuidade com o passado (“é João Baptista”, “Elias”, “Jeremias” ou “algum dos profetas”). Eles não captam a condição única de Jesus, a sua novidade, a sua originalidade. Reconhecem, apenas, que Jesus é um homem convocado por Deus e enviado ao mundo com uma missão – como os profetas do Antigo Testamento… Mas não vão além disso. Na perspetiva dos “homens”, Jesus é apenas, um homem bom, justo, generoso, que escutou os apelos de Deus e que Se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens antes d’Ele (vers. 13-14). É muito, mas não é o suficiente: significa que os “homens” não entenderam a novidade do Messias, nem a profundidade do seu mistério.

    A opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião comum. Eles acompanharam Jesus por toda a Galileia, conviveram com Ele noite e dia, escutaram as suas palavras e testemunharam os seus gestos… É natural que tenham visto em Jesus uma dimensão que as outras pessoas ainda não captaram. Pedro, porta-voz do grupo dos discípulos, resume o sentir da comunidade do Reino na expressão: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo” (vers. 16). Nestes dois títulos resume-se a fé da Igreja de Mateus e a catequese aí feita sobre Jesus. Dizer que Jesus é “o Cristo” (Messias) significa dizer que Ele é esse libertador que Israel esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva. No entanto, para os membros da comunidade do Reino, Jesus não é, apenas, o Messias: é, também, o “Filho de Deus”. No Antigo Testamento, a expressão “Filho de Deus” é aplicada aos anjos (cf. Sl 29,1; Job 1,6), ao Povo eleito (cf. Ex 4,22; Os 11,1; Jr 3,19), aos vários membros do Povo de Deus (cf. Dt 14,1; Is 1,2; 30,1.9; Jr 3,14) ao rei (cf. 2 Sm 7,14) e ao Messias-rei da linhagem de David (cf. Sl 2,7; 89,27). Designa a condição de alguém que tem uma relação particular com Deus, a quem Deus elegeu e a quem Deus confiou uma missão. Definir Jesus como o “Filho de Deus” significa, não só que Ele recebe vida de Deus, mas que vive em total comunhão com Deus, que desenvolve com Deus uma relação de profunda intimidade e que Deus Lhe confiou uma missão única para a salvação dos homens; significa reconhecer a profunda unidade e intimidade entre Jesus e o Pai e que Jesus conhece e realiza os projetos do Pai no meio dos homens. Os discípulos são convidados a entender dessa forma o mistério de Jesus.

    Na segunda parte (vers. 17-19), temos a resposta de Jesus à confissão de fé de Pedro. É um texto exclusivo de Mateus, pois não aparece nos outros sinóticos. Jesus começa por felicitar Pedro pela fé que o anima e que ele testemunha com a sua resposta. No entanto, essa fé não é mérito de Pedro, mas um dom de Deus (“não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim o meu Pai que está nos céus” – vers. 17). Pedro pertence a essa categoria dos “pobres”, dos “simples”, abertos à novidade de Deus, que têm um coração disponível para acolher os dons e as propostas de Deus (esses “pobres” e “simples” estão em contraposição com os líderes – os fariseus, os doutores da Lei, os escribas – instalados nas suas certezas, seguranças e preconceitos, incapazes de abrir o coração aos desafios de Deus).

    A fé proclamada por Pedro (que encara Jesus como “o Messias”, “o Filho de Deus”) é a base sobre a qual deve assentar a comunidade do Reino. A Pedro (o nome é a tradução grega do aramaico “Kephâ”, que significa “rocha”), é confiada a missão de ser a “rocha” sobre a qual assentará a Igreja nascida de Jesus (vers. 18).

    Para que seja possível a Pedro testemunhar que Jesus é o Messias Filho de Deus e edificar a comunidade do Reino, Jesus promete-lhe “as chaves do Reino dos céus” e o poder de “ligar e desligar” (vers. 19). No mundo bíblico, aquele que detém as chaves é o “administrador do palácio”. Era ele que, entre outras coisas, administrava os bens do soberano, fixava o horário da abertura e do fechamento das portas do palácio e definia quais os visitantes a introduzir junto do soberano. Por outro lado, a expressão “atar e desatar” designava, entre os judeus da época, o poder para interpretar a Lei com autoridade, para declarar o que era ou não permitido, para excluir ou reintroduzir alguém na comunidade do Povo de Deus. Assim, Jesus nomeia Pedro para “administrador” e supervisor da Igreja, com autoridade para interpretar as palavras de Jesus, para adaptar os ensinamentos de Jesus a novas necessidades e situações, e para acolher ou não novos membros na comunidade dos discípulos do Reino. Quer isto dizer que a Igreja é um condomínio fechado ao qual só alguns têm acesso? Não. O que quer dizer é que todos são chamados por Deus a integrar a comunidade do Reino, mas só entram nela aqueles que aceitam Jesus como o Messias, o Filho de Deus, e se dispõem a acolher a sua proposta.

    Trata-se, aqui, de confiar a um homem (Pedro) um primado, um papel de liderança absoluta (o poder das chaves, o poder de ligar e desligar) da comunidade dos discípulos? Ou Pedro é, aqui, um discípulo que dá voz a todos aqueles que acreditam em Jesus e que representa a comunidade dos discípulos? É difícil, a partir deste texto, fazer afirmações definitivas. O poder de “ligar e desligar”, por exemplo, aparece noutro contexto, confiado à totalidade da comunidade e não a Pedro em exclusivo (cf. Mt 18,18). Provavelmente, o mais correto é ver em Pedro o protótipo do discípulo; nele, está representada essa comunidade que se reúne em volta de Jesus e que proclama a sua fé em Jesus como o “Messias” e o “Filho de Deus”. É a essa comunidade, representada por Pedro, que Jesus confia as chaves do Reino e o poder de acolher ou excluir. Isso não invalida que Pedro fosse uma figura de referência para os primeiros cristãos e que desempenhasse um papel de primeiríssimo plano na animação da Igreja nascente, sobretudo nas comunidades cristãs da Síria (as comunidades a que o Evangelho de Mateus parece dirigir-se).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Quem é Jesus? Como é que os homens do séc. XXI o veem? Muitos dos nossos contemporâneos – crentes, agnósticos ou mesmo ateus – veem em Jesus um homem bom, generoso, atento aos sofrimentos dos outros, que sonhou com um mundo diferente; outros veem em Jesus um admirável “mestre” de moral, que tinha uma proposta de vida “interessante”, mas que não conseguiu impor os seus valores; alguns veem em Jesus um admirável condutor de massas, que acendeu a esperança nos corações das multidões carentes e órfãs, mas que passou de moda quando as multidões deixaram de se interessar pelo fenómeno; outros, ainda, veem em Jesus um revolucionário, ingénuo e inconsequente, preocupado em construir uma sociedade mais justa e mais livre, que procurou promover os pobres e os marginais e que foi eliminado pelos poderosos, preocupados em manter o “status quo”. Que achamos destas “visões” sobre Jesus? Consideramo-las redutoras, ou exatas? Jesus terá sido apenas um “homem” que deixou a sua pegada na história humana, como tantos outros que a história absorveu e digeriu?
    • “E vós, quem dizeis que Eu sou?” – perguntou Jesus diretamente aos seus discípulos nos arredores de Cesareia de Filipe. É uma pergunta decisiva, que deve ecoar, de forma constante, nos ouvidos e no coração dos discípulos de Jesus de todas as épocas. A nossa resposta a esta questão não pode ficar-se pela repetição papagueada de velhas fórmulas que aprendemos na catequese, ou pela reprodução impessoal de uma definição tirada de um qualquer tratado de teologia. A questão vai dirigida ao âmago do nosso ser e exige uma tomada de posição pessoal, um pronunciamento sincero, sobre a forma como Jesus toca a nossa vida. A resposta a esta questão é o passo mais importante e decisivo na vida de cada crente. Quem é Jesus para nós? Que lugar ocupa Ele na nossa existência? Que valor damos às suas propostas? Que importância assumem os seus valores nas nossas opções de vida? Jesus é, para nós, a grande referência, o vetor à volta do qual o nosso mundo se constrói? Ele é para nós, de facto, “caminho, verdade e vida”?
    • Pedro, em nome da comunidade dos discípulos, proclama a fé de todos em Jesus, Messias e salvador, o Filho que Deus enviou ao mundo para apresentar aos homens uma proposta de vida eterna e verdadeira. A Igreja assenta nesta fé e constrói-se a partir desta fé. A Igreja de Jesus é uma comunidade de discípulos reunida à volta de Jesus (“o Messias, o Filho de Deus vivo”), que vive da escuta de Jesus, que se alimenta de Jesus, que caminha incondicionalmente atrás de Jesus e que dá testemunho no mundo da proposta que Jesus deixou. Jesus é a grande referência das nossas vidas e ocupa o centro da nossa comunidade cristã? É n’Ele que assenta a nossa fé? Estamos completamente disponíveis para o escutar, para acolher as suas indicações, para o seguir no caminho que Ele nos aponta?
    • Não esqueçamos, no entanto, que a Igreja de Jesus não existe para ficar a olhar para o céu, numa contemplação estéril e inconsequente do “Messias, Filho de Deus vivo”; mas existe para dar testemunho de Jesus, para continuar a obra de Jesus e para oferecer a cada homem e a cada mulher a proposta de salvação que Jesus veio trazer. Paulo, o grande missionário, estava plenamente consciente disto. Por isso, desde o momento em que se encontrou com Jesus, tornou-se arauto do Evangelho. Temos consciência desta dimensão “profética” e missionária da Igreja? Os homens e as mulheres com quem contactamos no dia a dia – no nosso espaço familiar, no emprego, na escola, na rua, no prédio, nos acontecimentos sociais – são contagiados pelo nosso entusiasmo por Jesus e recebem de nós o convite para integrar a comunidade da salvação?
    • A comunidade dos discípulos é uma comunidade organizada e estruturada, onde existem pessoas a quem foi confiada a missão de presidir, de coordenar e de desempenhar o serviço da autoridade. Essa autoridade que lhes é confiada não é, no entanto, absoluta e inquestionável; é uma autoridade que deve ser exercida em benefício da comunidade, como amor e serviço. O modelo dessa autoridade é o bom pastor, que orienta o rebanho, que cuida das suas ovelhas, que as defende dos perigos e que dá a vida por elas. Como vemos e entendemos, na Igreja de Jesus, o serviço da autoridade?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org