ANO C
15.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 15.º Domingo do Tempo Comum
Na palavra de Deus que nos é proposta neste décimo quinto domingo do tempo comum, ecoa uma questão fundamental para todos os homens e mulheres que se preocupam com o sentido da existência: o que devemos fazer para encontrar a vida eterna? As respostas que nos são oferecidas ajudam-nos a definir os caminhos que devemos percorrer ao longo da nossa peregrinação pela terra.
No Evangelho, Jesus ajuda um “mestre da Lei” a perceber que a vida deve ser construída à volta de dois eixos fundamentais: o amor a Deus e a compaixão pelo “próximo”. Para que as coisas fiquem perfeitamente claras, Jesus conta uma parábola que define claramente quem é esse “próximo”: é qualquer pessoa com quem nos cruzamos e que necessita do nosso cuidado, da nossa solicitude, do nosso amor. Quem vive guiado pelo amor caminha em direção à vida eterna.
Na primeira leitura, Moisés lembra aos hebreus prestes a entrar na Terra Prometida que devem, em cada passo da sua vida e da sua história, escutar a voz de Deus, cumprir os preceitos e mandamentos que Deus lhes propôs, converterem-se a Deus com todo o coração e com toda a alma. Se o povo perseverar nesse caminho, encontrará vida e felicidade.
Na segunda leitura, Paulo apresenta-nos um hino que celebra a grandeza universal de Cristo, aquele que tem soberania sobre toda a criação e que é a cabeça da Igreja. O hino exorta os crentes a fazerem de Cristo a sua referência e a viverem em comunhão com Ele. Por Cristo passa, indubitavelmente, o caminho que conduz à vida eterna.
LEITURA I – Deuteronómio 30,10-14
Moisés falou ao povo, dizendo:
«Escutarás a voz do Senhor teu Deus,
cumprindo os seus preceitos e mandamentos
que estão escritos no Livro da Lei,
e converter-te-ás ao Senhor teu Deus
com todo o teu coração e com toda a tua alma.
Este mandamento que hoje te imponho
não está acima das tuas forças nem fora do teu alcance.
Não está no céu, para que precises de dizer:
‘Quem irá por nós subir ao céu,
para no-lo buscar e fazer ouvir,
a fim de o pormos em prática?’.
Não está para além dos mares,
para que precises de dizer:
‘Quem irá por nós transpor os mares,
para no-lo buscar e fazer ouvir,
a fim de o pormos em prática?’.
Esta palavra está perto de ti,
está na tua boca e no teu coração,
para que a possas pôr em prática».
CONTEXTO
O berço do livro do Deuteronómio costuma ser colocado no Reino do Norte (Israel), alguns anos antes da conquista da Samaria por Sargão II (721 a.C.). Descontentes com a divisão do Povo de Deus (consumada após a morte de Salomão, em 732 a.C.) e com a política religiosa dos reis do Norte, alguns teólogos elaboraram um documento que recordava aos israelitas a Aliança e os compromissos assumidos pelo povo em relação a Deus. Pretendiam, com esse documento, reconduzir o povo à fidelidade ao Deus com o qual Israel se tinha comprometido no Sinai. As linhas fundamentais da teologia deuteronomista, apresentadas nesse escrito, são claras: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com ele uma Aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um povo único, uma família unida que tem Deus como a sua grande referência.
Pouco antes da queda da Samaria nas mãos de Sargão II, alguns teólogos deuteronomistas abandonaram Israel e procuraram refúgio a sul, no reino de Judá. Trouxeram consigo o livro que tinham elaborado e que resumia a sua visão teológica da Aliança. Em Jerusalém, as propostas religiosas desses teólogos do norte tiveram um êxito fulgurante; mas, durante os reinados dos ímpios Manassés (687-642 a.C.) e Amon (642-640 a.C.), a teologia deuteronomista tornou-se incómoda e teve de conservar-se escondida.
Foi por volta de 622 a.C., que o livro do Deuteronómio (designado como “livro da Lei, ou “livro da Aliança”) foi descoberto no Templo de Jerusalém (cf. 2 Re 22,3-13). Serviu de motor à grande reforma religiosa promovida por Josias (640-609 a.C.), o rei de Judá que se empenhou em purificar a fé do Povo de Deus.
Literariamente, o livro do Deuteronómio apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, pouco antes de o Povo libertado do Egito atravessar o Jordão para tomar posse da Terra Prometida (cf. Dt 1,6-4,43; 4,44-28,68; 28,69-30,20). Pressentindo a proximidade da morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua Aliança com Javé.
O texto que a liturgia do décimo quinto domingo do tempo comum nos propõe como primeira leitura faz parte do terceiro discurso de Moisés. Os biblistas pensam que esse discurso é, na realidade, uma homilia redigida na fase final do exílio da Babilónia, alertando a comunidade do Povo de Deus para as consequências da fidelidade ou da infidelidade face aos compromissos assumidos para com Deus.
MENSAGEM
O “pregador” desta homilia sobre a Aliança (os teólogos deuteronomistas identificam-no com Moisés) convida veementemente os israelitas a repensarem as suas opções e a recolocarem Deus no centro das suas vidas. Sim, Israel precisa de “converter-se” (vers. 10). O verbo hebraico “shub” (“voltar”), utilizado neste contexto, exprime bastante bem o que é necessário fazer: os israelitas que têm andado longe de Deus, devem “voltar para trás”, aproximando-se outra vez d’Ele; encontrando-O, devem escutar novamente a sua voz e dispor-se a seguir as indicações que Ele lhes dá (vers. 10). Só assim encontrarão vida em abundância e felicidade sem fim.
No entanto, como será possível ao homem frágil e limitado aproximar-se desse Deus transcendente, misterioso, inacessível e inalcançável, a fim de escutar as suas indicações? Como pode um ser humano frágil e limitado escutar a voz de Deus e compreender os projetos de Deus?
O teólogo deuteronomista responde: o homem pode conhecer perfeitamente os mandamentos e as prescrições de Deus através da Lei. A Lei mostra o caminho a seguir. Ora, a Lei não é inacessível ao homem; não está no céu (vers. 12), não está no mar (vers. 13), não está em qualquer lugar “impossível”. A Lei que Deus deu ao seu Povo pode ser escutada, proclamada, memorizada e guardada no coração do homem (vers. 14a). Se o homem a acolher no coração, terá sempre acesso a ela; e, através dela, terá acesso às indicações de Deus. A Lei, por sua vez, operando no interior do homem, transformá-lo-á. Levá-lo-á a um compromisso verdadeiro com Deus e ao cumprimento integral da vontade de Deus. Iluminado pela Lei, o coração do homem produzirá gestos bons, os frutos que Deus espera dos membros do Povo da Aliança (vers. 14b).
Neste texto começa a desabrochar um conceito teológico que irá fazer história: o conceito de uma Aliança nova, inscrita nos corações dos membros do Povo de Deus. Os profetas Jeremias e Ezequiel vão retomá-lo, amadurecê-la e aprofundá-lo (cf. Jr 31,31-34; 32,37-40; Ez 18,31; 36,26). Anunciarão que Deus, além de oferecer ao Povo a sua Lei, vai imprimi-la no coração de cada pessoa, transformando os corações de pedra (duros e insensíveis) em corações de carne (sensíveis e bons), capazes de aderir a Deus, de escutar as indicações de Deus e de viver de acordo com os mandamentos de Deus.
INTERPELAÇÕES
- A reflexão que o teólogo deuteronomista nos apresenta neste texto tem por detrás uma das convicções mais firmes do credo israelita: Deus está, desde sempre e para sempre, empenhado em mostrar ao seu povo os caminhos que o levam em direção à vida em abundância; e, nesse sentido, propõe-lhe uma Lei, um conjunto de indicações que devem balizar o caminho que os crentes vão percorrendo todos os dias. A “Lei” de Deus não é um empecilho, uma maneira de limitar a liberdade ou a autonomia do ser humano; mas é a indicação “interessada” de um Pai cheio de amor, cuja preocupação essencial é ver os seus filhos caminhar rumo a uma felicidade completa. É frequente, nos nossos dias, olharmos para os mandamentos de Deus como expressões de uma moral ultrapassada ou de valores obsoletos, que não correspondem à realidade do nosso tempo, da nossa cultura, da nossa visão do mundo e da vida. Será assim? O caminho que os mandamentos de Deus apontam já não fará sentido? Vemos os mandamentos de Deus como uma forma de Deus nos “controlar” e prender, ou como sinais válidos que indicam como podemos contruir uma vida com sentido?
- A nossa vida de todos os dias decorre no meio de muito ruído, de muita confusão, de uma infinidade de “vozes” divergentes que nos apontam caminhos contraditórios. Por vezes temos dificuldade em distinguir a voz de Deus de outras “vozes” que procuram captar a nossa atenção e tomar conta da nossa vida. Convém estarmos atentos: nem todas as “vozes” que soam à nossa volta, às vezes numa gritaria estridente e manipuladora, estão interessadas em apontar-nos caminhos com sentido; nem todas as indicações que nos são dadas têm como objetivo a nossa plena realização. Quais são as “vozes” que escutamos e que seguimos? Em que medida elas contribuem para definir o sentido essencial da nossa existência?
- O teólogo deuteronomista, pedindo emprestada a voz de Moisés, convida o povo a “converter-se” ao Senhor “com todo o coração e com toda a alma”. “Converter-se” é regressar ao encontro de Deus, dispor-se a escutar novamente as indicações de Deus, refazer a própria existência de forma a que Deus volte a ocupar o primeiro lugar nas prioridades e interesses do homem. É fácil, no meio de tantas preocupações e de tantas solicitações, perdermos o rumo e começarmos a caminhar por caminhos que não nos levam a lado nenhum. De vez em quando precisamos de parar e de repensar o sentido da nossa existência. “Converter-se” é ter a possibilidade de refazer a vida, de a encarreirar na direção certa, de lhe dar um sentido pleno. Estamos disponíveis para essa “conversão”, mesmo que ela implique abandonarmos a nossa acomodação, a nossa segurança, as nossas velhas apostas já consolidadas?
- Quando o crente escuta e acolhe as indicações de Deus, a Lei de Deus passa a residir no seu coração. Os pensamentos e as ações do homem passam a ser orientados pela Lei de Deus. O teólogo deuteronomista está plenamente convencido disso. Sendo assim, aquele que procura sinceramente o caminho que conduz à verdade e à vida plena, deve interrogar o seu coração. É lá que Deus lhe fala e lhe indica as opções corretas, os valores verdadeiros, as atitudes que fazem sentido. Quando nos confrontamos com aquilo que está no mais íntimo de nós mesmos, caem as nossas pequenas e grandes mentiras, as nossas inverdades, os nossos preconceitos, os nossos egoísmos, os nossos interesses rasteiros; ficamos apenas diante da verdade que Deus inscreveu na nossa consciência e na nossa alma. Procuramos escutar essa verdade, mesmo quando ela se apresenta como incómoda para os nossos interesses e projetos pessoais? Estamos decididos, para nos tornarmos melhores pessoas, a escutar o que Deus nos diz no coração?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 68 (69)
Refrão: Procurai, pobres, o Senhor e encontrareis a vida.
A Vós, Senhor, elevo a minha súplica,
pela vossa imensa bondade respondei-me.
Ouvi-me, Senhor, pela bondade da vossa graça,
voltai-Vos para mim pela vossa grande misericórdia.
Eu sou pobre e miserável:
defendei-me com a vossa proteção.
Louvarei com cânticos o nome de Deus
e em ação de graças O glorificarei.
Vós, humildes, olhai e alegrai-vos,
buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará.
O Senhor ouve os pobres
e não despreza os cativos.
Deus protegerá Sião,
reconstruirá as cidades de Judá.
Os seus servos a receberão em herança
e nela hão de morar os que amam o seu nome.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 18B,8-11
(em alternativa ao anterior)
Refrão: Os preceitos do Senhor alegram o coração.
A lei do Senhor é perfeita,
ela reconforta a alma.
As ordens do Senhor são firmes
e dão sabedoria aos simples.
Os preceitos do Senhor são retos
e alegram o coração.
Os mandamentos do Senhor são claros
e iluminam os olhos.
O temor do Senhor é puro
e permanece eternamente.
Os juízos do Senhor são verdadeiros,
todos eles são retos.
São mais preciosos que o ouro,
o ouro mais fino;
são mais doces que o mel,
o puro mel dos favos.
LEITURA II – Colossenses 1,15-20
Cristo Jesus é a imagem de Deus invisível,
o Primogénito de toda a criatura;
porque n’Ele foram criadas todas as coisas
no céu e na terra, visíveis e invisíveis,
Tronos e Dominações, Principados e Potestades:
por Ele e para Ele tudo foi criado.
Ele é anterior a todas as coisas
e n’Ele tudo subsiste.
Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo.
Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos;
em tudo Ele tem o primeiro lugar.
Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude
e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas,
estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz,
com todas as criaturas na terra e nos céus.
CONTEXTO
Colossos era uma cidade da Frígia (Ásia Menor), situada a cerca de 180 quilómetros a Este de Éfeso, no vale do rio Lico. Tinha sido, em tempos mais recuados, uma cidade rica e populosa; mas, no tempo de Paulo, tinha perdido a sua antiga importância e estava reduzida a uma pequena povoação.
A comunidade cristã dessa cidade não foi fundada por Paulo mas por Epafras, discípulo de Paulo e colossense de origem (cf. Cl 4,12). A maior parte dos membros da comunidade eram de origem pagã; mas havia também alguns de origem judaica.
A carta aos Colossenses terá sido escrita numa altura em que Paulo estava na prisão (provavelmente em Roma). Estaríamos entre os anos 61 e 63. Epafras visitou Paulo e levou-lhe notícias pouco satisfatórias sobre a comunidade cristã de Colossos. Alguns “doutores” locais (talvez membros de um movimento de índole sincretista, que misturava cristianismo com elementos de religiões mistéricas em voga no mundo helenista) propunham aos Colossenses um sistema religioso que incluía, além do Evangelho de Jesus, práticas ascéticas rigorosas, prescrições sobre os alimentos (cf. Cl 2,16.21), doutrinas especulativas sobre os anjos (cf. Cl 2,18), celebrações que não faziam parte do universo cristão (cf. Cl 2,16). Na opinião desses “doutores”, tudo isto devia comunicar aos crentes um conhecimento superior dos mistérios e uma maior perfeição. Paulo desmonta toda esta confusão doutrinal e afirma que nenhum destes elementos tem qualquer importância para a salvação: Cristo basta.
O texto que hoje nos é proposto é um hino de duas estrofes, que provavelmente Paulo tomou da liturgia cristã primitiva, mas que está perfeitamente integrado no conteúdo geral da carta. Este hino cristão de inspiração sapiencial celebra a grandeza universal de Cristo.
MENSAGEM
A primeira estrofe deste hino (vers. 15-17), refere a soberania de Cristo sobre toda a criação. Começa por afirmar que Cristo é, para todos os homens e mulheres, a “imagem de Deus invisível”. Dizer que Cristo é “imagem de Deus” significa aqui que Ele é em tudo igual ao Pai, no ser e no agir, e que n’Ele reside a plenitude da divindade. Significa também que Deus, espiritual e transcendente, Se revela aos homens e Se faz visível através da humanidade de Cristo. Quem encontra Cristo, encontra Deus; quem escuta Cristo, escuta Deus; quem experimenta o amor de Cristo, experimenta o amor de Deus; quem está em comunhão com Cristo, está em comunhão com Deus. Cristo, feito homem, torna-se para os homens uma manifestação de Deus.
Depois, o hino afirma que Cristo é o “primogénito de toda a criatura”. No contexto familiar judaico, o “primogénito” era o herdeiro principal, que tinha a primazia em dignidade e em autoridade sobre os seus irmãos. Aplicado a Cristo, significa a supremacia e a autoridade de Cristo sobre toda a criação. Dizer que Cristo é o “primogénito de toda a criatura” significa incluí-lo na classe das criaturas (apesar da sua primazia em dignidade sobre as outras criaturas)? Não. Para deixar as coisas claras, o hino afirma que “n’Ele foram criadas todas as coisas” e que “por Ele e para Ele tudo foi criado” (vers. 16). Ele colaborou com Deus na obra da criação.
Dizer que “n’Ele, por Ele e para Ele foram criadas todas as coisas”, significa que todas as coisas têm em Cristo o seu centro supremo de unidade, de coesão, de harmonia (“n’Ele”); que é Ele que comunica a vida do Pai (“por Ele”); e que Cristo é o termo e a finalidade de toda a criação (“para Ele”). Ao mencionar expressamente que os “tronos, dominações, principados e potestades” estão incluídos na soberania de Cristo, Paulo desmonta as especulações dos “doutores” Colossenses acerca dos poderes angélicos, considerados em paralelo com o poder de Cristo. Cristo é único; Ele tem verdadeiramente a primazia sobre toda a criação.
A segunda estrofe do hino (vers. 18-20) celebra a soberania e o poder de Cristo na redenção. Apresenta Cristo, antes de mais, como a “cabeça do corpo” que é a Igreja. A expressão, tipicamente paulina (cf. Ef 4,15-16; 5,23), significa, em primeiro lugar, que Cristo tem a primazia e a soberania sobre a comunidade cristã; mas significa, também, que é Ele quem comunica a vida aos membros desse “corpo” e que os une num conjunto vital e harmónico. Cristo é, portanto, a referência absoluta para todos aqueles que fazem parte da comunidade cristã. Não há outra referência.
Depois, afirma-se que Cristo é o “princípio, o primogénito de entre os mortos”. Significa que Ele, não só foi o primeiro que ressuscitou, mas também que Ele é a fonte de graça e de glória para aqueles que vivem em comunhão com Ele e que fazem parte do “corpo” do qual Ele é a cabeça. Na sua ressurreição, está incluída a nossa ressurreição; a sua vitória sobre a morte tornou-se para nós fonte perene de vida.
Finalmente, o hino afirma que em Cristo reside “toda a plenitude”. O termo grego “pleroma”, aqui utilizado, refere-se à totalidade de Deus. Significa que em Cristo e só n’Ele habita, efetiva e essencialmente, a divindade: tudo o que Deus nos quer comunicar, a fim de nos inserir na sua família, está em Cristo. Por isso, o autor deste hino pode dizer que por Cristo foram reconciliadas com Deus todas as criaturas na terra e nos céus: por Cristo a criação inteira, marcada pelo pecado, recebeu a oferta da salvação e pôde voltar a inserir-se na família de Deus.
INTERPELAÇÕES
- Existem questões decisivas que, mais tarde ou mais cedo, se nos colocam: como dar significado pleno à nossa existência? Como construir uma vida que valha a pena? Por que caminhos devemos andar, na viagem da vida, para não ficarmos atolados em becos sem saída? O que é que é essencial e o que é que é secundário, quando se trata de definir o eixo fundamental da nossa existência? Os cristãos de Colossos também se debatiam com estas questões; e, na sua ânsia de encontrar respostas, abriam portas a doutrinas estranhas e a propostas incompatíveis com o Evangelho de Jesus. Hoje, em pleno séc. XXI, numa altura em que vivemos “em rede” e somos confrontados a cada instante com mil e uma propostas e sugestões, esta questão adquire uma particular relevância. Confundidos e baralhados por tanta informação, tornamo-nos permeáveis a propostas mais ou menos excêntricas, mais ou menos esotéricas, mais ou menos ecléticas, por vezes pouco condizentes com a pureza e a autenticidade da proposta cristã. Por outro lado, muitos cristãos continuam a colocar a sua esperança de realização em “poderes”, em figuras, em superstições, em instituições, em rituais “mágicos”, que não libertam e que não ajudam a encontrar caminhos de plena realização. Como nos situamos face a isto? Procuramos definir claramente, em coerência com a nossa fé, o caminho que devemos seguir?
- Paulo lembra aos cristãos de Colossos (e aos cristãos de todos os tempos e lugares) que só Cristo é capaz de lhes fornecer as pistas certas para que possam construir vidas repletas de sentido. Rosto visível de Deus no mundo, Palavra eterna do Pai, “primogénito” de todos os homens, “cabeça” da Igreja, “Caminho, Verdade e Vida”, Cristo é o eixo à volta do qual podemos construir e articular toda a nossa existência. Cristo está bem vivo nas nossas comunidades cristãs? Ele é o centro à volta do qual se organiza e estrutura toda a vida da Igreja? Cristo é a referência fundamental à volta da qual construímos as nossas vidas? As palavras e os gestos de Jesus são “verdades” que dão forma às nossas opções e que procuramos concretizar no nosso dia a dia?
ALELUIA – cf. João 6,63c.68c
Aleluia. Aleluia.
As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida:
Vós tendes palavras de vida eterna.
EVANGELHO – Lucas 10,25-37
Naquele tempo,
levantou-se um doutor da lei
e perguntou a Jesus para O experimentar:
«Mestre,
que hei de fazer para receber como herança a vida eterna?»
Jesus disse-lhe:
«Que está escrito na lei? Como lês tu?»
Ele respondeu:
«Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração e com toda a tua alma,
com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento;
e ao próximo como a ti mesmo».
Disse-lhe Jesus:
«Respondeste bem. Faz isso e viverás».
Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus:
«E quem é o meu próximo?»
Jesus, tomando a palavra, disse:
«Um homem descia de Jerusalém para Jericó
e caiu nas mãos dos salteadores.
Roubaram-lhe tudo o que levava, espancaram-no
e foram-se embora, deixando-o meio morto.
Por coincidência, descia pelo mesmo caminho um sacerdote;
viu-o e passou adiante.
Do mesmo modo, um levita que vinha por aquele lugar,
viu-o e passou adiante.
Mas um samaritano, que ia de viagem,
passou junto dele e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão.
Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho,
colocou-o sobre a sua própria montada,
levou-o para uma estalagem e cuidou dele.
No dia seguinte, tirou duas moedas,
deu-as ao estalajadeiro e disse:
‘Trata bem dele; e o que gastares a mais
eu to pagarei quando voltar’.
Qual destes três te parece ter sido o próximo
daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?»
O doutor da lei respondeu:
«O que teve compaixão dele».
Disse-lhe Jesus:
«Então vai e faz o mesmo».
CONTEXTO
Jesus e os discípulos caminham para Jerusalém. Ao longo desse percurso, mais espiritual do que geográfico, Jesus prepara os discípulos para serem, pelos tempos fora, testemunhas e arautos do Reino de Deus. A “parábola do bom samaritano” deve ser enquadrada neste contexto “pedagógico”.
O interlocutor de Jesus, nesta cena, é um “doutor da Lei”. Lucas sugere que, ao interrogar Jesus, esse “doutor da Lei” não é movido por boas intenções: pretendia experimentá-lo, talvez arrancar-lhe alguma afirmação polémica, ou apanhá-lo nalguma contradição.
A figura central da parábola que Jesus vai contar é um samaritano. Para percebermos o alcance real da parábola, convém também ter presente o quadro da relação entre judeus e samaritanos. Trata-se de dois grupos que as vicissitudes históricas tinham separado e cujas relações eram, no tempo de Jesus, bastante conflituosas.
Em 932 a.C., as tribos do povo de Deus instaladas no norte e centro da Palestina recusaram-se a aceitar como rei Roboão, filho de Salomão, e separaram-se da dinastia davídica. Constituíram um reino (Israel) que, durante algum tempo viveu em conflito com as tribos do sul (Judá). Mais tarde, após um longo período de instabilidade política, o reino de Israel foi derrotado pelos assírios: em 721 a.C., a Samaria caiu nas mãos dos invasores e uma parte da sua população foi deportada para a Assíria. O reino de Israel, enquanto entidade política, deixou de existir.
Na Samaria instalaram-se, então, colonos assírios que se misturaram com a população local. Para os judeus, os habitantes da Samaria começaram, então, a paganizar-se (cf. 2 Re 17,29-41): viam-nos como gente contaminada com sangue estrangeiro, que vivia completamente à margem da fé javista. A relação entre as duas comunidades deteriorou-se ainda mais quando, após o regresso do exílio, os judeus recusaram a ajuda dos samaritanos (cf. Esd 4,1-5) para a reconstrução do templo de Jerusalém (ano 437) e denunciaram os casamentos mistos. Os samaritanos, em resposta, procuraram por todos os meios dificultar a reconstrução da cidade de Jerusalém pelos judeus retornados da Babilónia (cf. Ne 3,33-4,17). Por volta de 333 a.C., os samaritanos construíram um templo no monte Garizim. Os judeus consideraram essa construção um desvio intolerável da fé javista. Mais tarde, no ano 128 a.C., as tropas de João Hircano destruíram o templo do Monte Garizim; no entanto, o lugar continuou a ser um local de culto para os samaritanos. As picardias entre os dois grupos continuaram: a mais famosa aconteceu no ano 19 d.C., quando os samaritanos profanaram o templo de Jerusalém espalhando ossos humanos sobre o altar. Este ato causou revolta e uma profunda indignação entre os judeus. Na época de Jesus, as orações na sinagoga incluíam quase sempre uma maldição contra os samaritanos.
MENSAGEM
Um mestre da Lei lança a Jesus uma questão: “que hei de fazer para receber como herança a vida eterna?” (vers. 25). Alguns grupos judaicos contemporâneos de Jesus não acreditavam que existisse um “mundo futuro”, para além do “mundo dos mortos” (o “sheol”) de que falava a catequese tradicional de Israel; mas outros grupos, como era o caso dos fariseus, acreditavam numa vida para além da morte, inspirados por textos como o de Dn 12,2: “Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a ignomínia, a reprovação eterna”. A pergunta do mestre da Lei que se aproximou de Jesus ia no sentido de perceber como devia viver para, no mundo futuro, ter garantida a vida eterna? É provável.
Jesus não lhe responde diretamente. Com um toque de fina ironia, convida o homem a responder ele próprio à questão, uma vez que é “mestre da Lei”: “Que está escrito na lei? Como lês tu?” (vers. 26). Se o mestre da Lei procurava apanhar Jesus em falso, equivocou-se; Jesus mostra-lhe que não está contra a Lei e que todas as suas propostas estão em consonância com a Lei.
Seja como for, o homem que veio interpelar Jesus mostra que, efetivamente, conhece a Lei. A sua resposta combina habilmente dois textos do Antigo Testamento: Dt 6,5 (“amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças”) e Lv 19,18b (“amarás o teu próximo como a ti mesmo”). Abrange as duas grandes dimensões da vida do homem: a dimensão vertical (a relação com Deus) e a dimensão horizontal (a preocupação com os irmãos). Jesus parece plenamente de acordo com o homem. Convida-o, simplesmente, a pôr em prática os princípios que acabou de formular. Diz-lhe que, vivendo assim, terá acesso à vida eterna (“respondeste bem. Faz isso e viverás” – vers. 28). Parece que a questão está encerrada.
No entanto, o homem que interpelou Jesus não parece sentir-se cómodo. Talvez se sinta um pouco ridículo por ter trazido uma pergunta para a qual, afinal, sabia a resposta. Lucas diz-nos que o homem quis justificar-se. A forma que encontrou de se justificar foi fazer uma pergunta sincera, para a qual ainda não tinha encontrado uma resposta óbvia: “e quem é o meu próximo?” (vers. 29).
A questão faz sentido. Na época de Jesus, os mestres de Israel discutiam, precisamente, quem era o “próximo”. Nos círculos judaicos, excluía-se da classificação de “próximo” os estrangeiros e os samaritanos. Em geral, considerava-se “próximo” todo aquele que fazia parte do povo de Deus. No entanto os fariseus, por exemplo, excluíam da categoria “próximo” a gente do povo que não cumpria a Lei, os essénios de Kûmran e os publicanos que trabalhavam para os opressores romanos. Como é que Jesus se situa em relação a tudo isto? Na sua perspetiva, haverá alguma barreira, algum limite, quando se trata de acolher os outros homens e mulheres que se cruzam connosco nos caminhos da vida?
Jesus responde ao mestre da Lei contando uma das suas mais desafiantes parábolas. Situa-a no cenário do caminho de Jericó, uma estrada que se estendia por cerca de 28 quilómetros entre a cidade santa de Jerusalém (situada a oitocentos metros acima do nível do mar) e o oásis de Jericó (situado trezentos metros abaixo do nível do mar). Era a estrada percorrida pelos peregrinos de vinham da Galileia em peregrinação a Jerusalém. Na época de Jesus, era uma estrada perigosa, infestada de salteadores que atacavam os viajantes. Ora “um homem” não identificado (não se diz quem é, de que raça é, qual a sua religião, mas apenas que é “um homem”) foi assaltado pelos bandidos e deixado caído na berma da estrada. Trata-se, portanto (e isso é que é preponderante), de “um homem” ferido, abandonado, necessitado de ajuda.
Pela estrada onde jazia o homem inanimado passaram sucessivamente um sacerdote e um levita. Eram pessoas consagradas ao serviço de Deus, que exerciam funções litúrgicas no Templo de Jerusalém. Viram o homem ferido, abandonado na berma da estrada e reagiram exatamente da mesma maneira: passaram ao largo. Jesus não explica porquê. Talvez tivessem medo de enfrentar a mesma sorte, se parassem naquele caminho perigoso; talvez tivessem afazeres urgentes e não quisessem perder tempo; talvez pensassem que o homem estava morto, ou às portas da morte, e quisessem evitar ficar contaminados pelo contacto com um cadáver. Fosse qual fosse a razão, o sacerdote primeiro e o levita depois ignoraram aquele homem necessitado de ajuda. A misericórdia, a compaixão, a bondade, o amor, eram realidades que eles não cultivavam. O sacerdote e o levita eram homens da religião; mas a religião que praticavam era uma religião oca, de ritos estéreis, de gestos vazios e sem sentido, de cerimónias faustosas e solenes que, contudo, não atingiam o coração e não conduziam ao amor.
Pela estrada onde estava o homem ferido passou, finalmente, um samaritano. Trata-se de um desses “malditos” que a religião tradicional de Israel classificava como herege, impuro, igual a um endemoninhado (cf. Jo 8,48). No entanto, foi ele que parou para prestar auxílio ao homem ferido. Aquele samaritano não pensou se aquele homem caído na berma da estrada era “próximo” ou não. Também não pensou nos riscos que ia correr, nem se preocupou com o inevitável adiamento dos seus negócios. À vista do homem ferido, simplesmente “encheu-se de compaixão” (a palavra grega aqui usada por Lucas – o verbo splagknídzomai – é usada para falar do amor que uma mãe sente pelo seu filho que se magoou e que corre para os braços da mãe para ser consolado). Aquela “compaixão”, fruto do amor, irá depois traduzir-se em gestos concretos de cuidado: o samaritano ligou as feridas do homem, curou-as com os “remédios” que tinha à mão (azeite e vinho), deitou o homem no seu próprio cavalo, levou-o para uma estalagem onde ele podia ser tratado, pagou ao estalajadeiro para que cuidasse do ferido até ele se restabelecer. Afinal, aquele herege samaritano condenado pela religião do Templo parece ter o coração mais cheio de Deus do que os profissionais da religião. A parábola contada por Jesus não podia ser mais desafiante e provocadora.
Depois de concluir a parábola, Jesus perguntou ao mestre da Lei qual daqueles três que desciam de Jerusalém para Jericó terá sido “o próximo” do homem que caiu nas mãos dos salteadores. O mestre da Lei não teve qualquer dúvida: o que teve compaixão do homem ferido e caído na berma da estrada. Jesus está de acordo com a resposta. O mestre da Lei pretendia saber quem era o seu “próximo”; Jesus, com subtileza, ajuda-o a perceber que a grande questão não é a definição de quem é o nosso “próximo”, mas é se estamos dispostos a aproximar-nos (a fazermo-nos “próximos”) de todas as pessoas, sejam elas quem forem, que necessitem da nossa ajuda, do nosso cuidado, do nosso amor.
As palavras finais de Jesus ao mestre da Lei propõem todo um programa de vida: “vai e faz o mesmo” que aquele samaritano fez. Quer dizer: “aproxima-te de cada pessoa que precisa de ti, sem te preocupares com a sua raça, a sua história de vida, o seu estatuto social, as razões que tens contra ele, as coisas que te incomodam nele, os seus bons ou maus hábitos, as suas atitudes corretas ou incorretas; aquele homem ou aquela mulher que jaz ferido na berma da estrada da vida é teu irmão ou tua irmã”.
Recordemos que a pergunta inicial do mestre da Lei era: “o que fazer para alcançar a vida eterna?” A parábola contada por Jesus garante que quem tem o segredo da vida eterna é quem, como aquele samaritano, sente compaixão por cada pessoa necessitada e se aproxima dela com amor.
INTERPELAÇÕES
- Há perguntas que fazemos e que resultam do desejo indiscreto de nos metermos na vida dos outros. Há perguntas que colocamos e que se destinam apenas a satisfazer a nossa curiosidade mórbida. Há perguntas que nos inquietam e que correspondem à nossa legítima sede de saber, mas que não afetam o sentido geral da nossa vida. Mas há perguntas absolutamente decisivas, que determinam a forma como vivemos e como nos situamos no mundo. A pergunta que o mestre da Lei do relato evangélico faz a Jesus pertence à categoria das perguntas fundamentais, que nos ajudam a determinar o sentido da nossa existência: que hei de fazer para receber como herança a vida eterna? Ou: como devo viver para que a minha vida não fracasse e eu tenha acesso à vida verdadeira? Para um crente, há uma resposta óbvia (tão óbvia que o tal mestre da Lei não tem qualquer dificuldade em encontrá-la): “faz de Deus o centro da tua vida, ama-O e ama também os teus irmãos”. Notemos, no entanto, que não basta saber responder acertadamente a esta pergunta. Jesus diz ao mestre da Lei: “faz isso e viverás”. É preciso “fazer”; é preciso escutar Deus e viver de acordo com as suas indicações; é preciso acolher os projetos de Deus e viver em comunhão com Ele; é preciso ver em cada “próximo” um irmão ou uma irmã de quem devemos cuidar e a quem devemos amar. Quem vive pondo em prática estas indicações dá sentido pleno à sua existência e encontra a vida eterna. Estamos também nós interessados na vida eterna? Estamos dispostos a construir desta forma a nossa existência?
- O mestre da Lei que interpelou Jesus não sabia bem identificar esse “próximo” que deveria amar como a si mesmo. Seriam os membros do seu Povo, ou os da sua classe social? Seriam aqueles por quem tinha alguma simpatia, ou os amigos que com ele se sentavam à mesa? Jesus oferece-lhe uma resposta muito simples, que não contempla barreiras ou limites de qualquer espécie: aproxima-te de todo todo aquele que necessita da tua ajuda, da tua solicitude, do teu amor; detém-te junto daquele que a vida magoou, daquele que encontras na estrada da vida caído, abandonado, carente, com dores, com fome, com sede; cuida daquele que precisa de ti, mesmo que ele seja maçador, conte sempre as mesmas histórias insuportáveis, seja desagradável ou antipático, nunca concorde contigo, tenha valores diferentes dos teus, tenha comportamentos que consideras incorretos… Como é que vivemos isto? Procuramos “aproximar-nos” de todos aqueles que precisam do nosso cuidado e do nosso amor?
- Na parábola que contou, Jesus põe duas pessoas com responsabilidades na estrutura religiosa judaica (um sacerdote e um levita) a ignorarem o homem ferido caído na berma da estrada. A escolha destes dois personagens para descrever uma atitude de indiferença face ao sofrimento de um homem não acontece por acaso. Jesus conhecia bem o culto que se praticava no Templo de Jerusalém; e, como os antigos profetas de Israel, sentia que era sua missão denunciar esse culto feito de gestos vazios, de rituais estéreis, de formalismos sem conteúdo, de celebrações majestosas mas inconsequentes. Ele sentia que uma religião que não levava a um compromisso com a construção de um mundo mais humano e mais fraterno, era uma religião que não servia para nada. Deus não estava interessado num sistema religioso que olhava com indiferença para o sofrimento dos pobres, dos infelizes, daqueles que eram abandonados na estrada da vida. Para que serve uma religião se não é capaz de gerar sentimentos e atitudes de compaixão para com o ser humano que sofre? A religião que vivemos e praticamos é a religião dos ritos e das manifestações piedosas, ou é a religião do amor e da compaixão?
- Nas atitudes daquele “bom samaritano” a Igreja de todos os tempos (a comunidade dos que caminham ao encontro da salvação, da vida plena) reconhece o programa que Jesus lhe pediu que concretizasse: cuidar, tratar, curar todos os homens e mulheres que a vida maltrata ou que a sociedade rejeita e que se encontram caídos nas bermas da estrada que a humanidade percorre. A nossa comunidade cristã revê-se nesta missão? A Igreja de Jesus esforça-se realmente por ser um “hospital de campanha” onde são acolhidos e tratados os “feridos” que a marcha inexorável da história vai deixando para trás? Os homens e mulheres que a vida magoou encontram lugar à mesa da nossa comunidade paroquial ou religiosa, mesmo que tenham histórias de vida que não estão exatamente de acordo com as leis canónicas?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 15.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(em parte adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 15.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. “ESCUTA A VOZ DO TEU SENHOR!”
Para exprimir a atenção à primeira leitura, pode-se pôr em relevo a Palavra de Deus por um gesto, um sinal: levar solenemente o lecionário aquando da procissão de entrada; ou fazer uma procissão do lecionário no início da liturgia da Palavra.
3. EXPLICAR O SENTIDO DOS TRÊS SINAIS DA CRUZ.
Antes da proclamação do Evangelho, o presidente pode explicitar o sentido dos três sinais da cruz (na fronte, na boca, no peito) e o seu relacionamento com a primeira leitura…
4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
“Senhor nosso Deus, que não ficas inatingível mas que Te tornas tão próximo de nós, nós Te damos graças pela tua Palavra. Ela está totalmente perto de nós. Tu nos fazes entendê-la e comentá-la nas nossas assembleias.
Nós Te pedimos: faz-nos voltar para Ti, que o teu Espírito nos impregne com a tua Palavra, que ela esteja na nossa boca e no nosso coração, para que nós a ponhamos em prática”.
No final da segunda leitura:
“Cristo Jesus, imagem do Deus invisível, tudo é criado por Ti e para Ti, Tu existes antes de todos os seres e tudo subsiste em Ti, Tu és a cabeça da Igreja e nós somos o teu corpo, Tu tens o primado em tudo, na vida e na ressurreição, nós Te bendizemos.
Nós Te pedimos: que a paz adquirida pelo teu sangue se estenda às nossas comunidades e a todo o universo”.
No final do Evangelho:
“Deus de ternura, nós Te damos graças pelo teu Filho Jesus, que enviaste como um bom Samaritano à nossa humanidade ferida pelos ódios e pelas injustiças. Ele toma conta de nós, levanta-nos e cura-nos.
Nós Te pedimos por todos os feridos da vida e por nós próprios, porque Tu nos envias junto do nosso próximo, aqui e ao longe, para prosseguir a obra de teu Filho”.
5. BILHETE DE EVANGELHO.
O doutor da Lei compreendeu tudo. Para ele, o próximo é o que se aproxima do seu irmão, e que tem bondade para com ele. A diferença entre o sacerdote e o levita, e o samaritano, é que os dois primeiros se contentam em ver e passar ao lado, sem dúvida para não se sujarem ao tocar o sangue, enquanto o terceiro aproxima-se, vê e enche-se de compaixão. O sacerdote e o levita conhecem a Lei, conhecem o duplo mandamento do amor: passando ao lado do caminho, respeitam a Lei que proíbe tocar no sangue… Eles sabem. Ora, é o samaritano que talvez não saiba a Lei, mas faz prova de bondade, é ele que põe em prática a Lei de Deus. Então, é o samaritano que terá a vida, como promete Jesus, na medida em que faz o que Deus quer, mesmo se ele não sabe. E Jesus, o Mestre, do mesmo modo que convida o doutor da Lei, convida também este a fazer o mesmo, para ter a Vida, observando verdadeiramente a Lei divina.
6. À ESCUTA DA PALAVRA.
A parábola do Bom Samaritano é tão conhecida que podemos perder o sabor e o sentido que dela podemos tirar para a nossa vida. Sabemos bem que Jesus muda a ordem das coisas: não se trata de saber quem é o meu próximo, mas de me fazer, eu, o próximo de qualquer homem. Assim, para o discípulo de Jesus, não há mais estrangeiro. Todo o homem torna-se próximo para mim, na medida em que eu o considero como um irmão. Sem dúvida, temos ainda muito trabalho para concretizar nas nossas vidas o ensinamento do Senhor! Mas Jesus vai ainda mais longe. Reparemos, em primeiro lugar, que é um doutor da Lei que se dirige a Jesus, um conhecedor e, seguramente, um fiel observante da Lei. Ora, na parábola, Jesus não escolhe os protagonistas da história por acaso. Trata-se, primeiro, de um sacerdote e de um levita, dois especialistas do culto celebrado no Templo de Jerusalém. A Lei dá prescrições muito estritas aos membros do “clero” da época. Deviam respeitar escrupulosamente as leis da pureza e, em particular, evitar a qualquer preço o menor contacto com os mortos, com exceção dos mais próximos da sua família. Sabendo isso, compreendemos melhor porque o sacerdote e o levita se afastaram do ferido “meio morto”. Eles obedecem à Lei, não podiam aproximar-se do infeliz. Então, Jesus coloca em cena um samaritano. São João precisa: “os judeus não tinham relações com os samaritanos”. Este estrangeiro, este pária aos olhos dos judeus fiéis, não está encerrado no sistema da Lei. Pode encontrar a liberdade do amor sem fronteira. Eis a grande lição de Jesus. A Lei é boa, sem dúvida, mas com a condição de estar ao serviço do crescimento do amor. “O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado”. A Igreja promulgou numerosas leis. É bom respeitá-las. Por exemplo, é bom não faltar à missa ao domingo. Mas se, no resto da minha vida, esqueço as exigências evangélicas do amor, arrisco passar ao lado do meu irmão ferido. Estou do lado do sacerdote e do levita, ou do lado do samaritano? Também a mim, Jesus diz-me: “Então vai e faz o mesmo”.
7. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
A Oração Eucarística V/D “para as circunstâncias particulares” situa-se na tonalidade do Evangelho do dia.
8. PALAVRA PARA O CAMINHO…
“E quem é o meu próximo?” Excelente questão a deste doutor da lei à procura de precisão e de uma boa receita “para ter a vida eterna”. Porém, não há resposta pré-estabelecida, nem nos lábios de Jesus, nem na Internet… “Amarás!” Resposta vasta como o mundo! No caminho da nossa semana procuremos inventar a nossa relação com os irmãos reencontrados: evitar? ignorar? aproximar-se? Quem será o nosso próximo? Mas sobretudo, de quem nos tornaremos nós próximos? De quem nos vamos aproximar concretamente para pôr em ação este convite a amar? “Então, vai e faz o mesmo!”, diz-nos Jesus.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA
Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org