Eventos Novembro 2024

  • Solenidade de todos os Santos - Ano B

    Solenidade de todos os Santos - Ano B


    1 de Novembro, 2024

    ANO B
    SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

    1 de Novembro

    Breves introduções às leituras:

    Primeira leitura: Como descrever a felicidade dos mártires e dos santos na sua condição celeste, invisível? Para isso, o profeta recorre a uma visão.
    Salmo responsorial: O salmo de hoje proclama as condições de entrada no Templo de Deus. Ele anuncia também a bem-aventurança dos corações puros. Nós somos este povo imenso que marcha ao encontro do Deus santo.
    Segunda leitura: Desde o nosso baptismo, somos chamados filhos de Deus e o nosso futuro tem a marcada da eternidade.
    Evangelho: Que futuro reserva Deus aos seus amigos, no seu Reino celeste? Ele próprio é fonte de alegria e de felicidade para eles.

    LEITURA I - Ap 7,2-4.9-14

    Leitura do Apocalipse de São João

    Eu, João, vi um Anjo que subia do Nascente,
    trazendo o selo do Deus vivo.
    Ele clamou em alta voz
    aos quatro Anjos a quem foi dado o poder
    de causar dano à terra e ao mar:
    «Não causeis dano à terra, nem ao mar, nem às árvores,
    até que tenhamos marcado na fronte
    os servos do nosso Deus».
    E ouvi o número dos que foram marcados:
    cento e quarenta e quatro mil,
    de todas as tribos dos filhos de Israel.
    Depois disto, vi uma multidão imensa,
    que ninguém podia contar,
    de todas as nações, tribos, povos e línguas.
    Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
    vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.
    E clamavam em alta voz:
    «A salvação ao nosso Deus, que está sentado no trono,
    e ao Cordeiro».
    Todos os Anjos formavam círculo
    em volta do trono, dos Anciãos e dos quatro Seres Vivos.
    Prostraram-se diante do trono, de rosto por terra,
    e adoraram a Deus, dizendo:
    «Amen! A bênção e a glória, a sabedoria e a acção de graças,
    a honra, o poder e a força
    ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amen!».
    Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me:
    «Esses que estão vestidos de túnicas brancas,
    quem são e de onde vieram?».
    Eu respondi-lhe:
    «Meu Senhor, vós é que o sabeis».
    Ele disse-me:
    «São os que vieram da grande tribulação,
    os que lavaram as túnicas
    e as branquearam no sangue do Cordeiro».

    Breve comentário

    As primeiras perseguições tinham feito cruéis destruições nas comunidades cristãs, ainda tão jovens. Iriam estas comunidades desaparecer, acabadas de fundar? As visões do profeta cristão trazem uma mensagem de esperança nesta provação. É uma linguagem codificada, que evoca Roma, perseguidora dos cristãos, sem a nomear directamente, aplicando-lhe o qualificativo de Babilónia. A revelação proclamada é a da vitória do Cordeiro. Que paradoxo! O próprio Cordeiro foi imolado. Mas é o Cordeiro da Páscoa definitiva, o Ressuscitado. Ele transformou o caminho de morte em caminho de vida para todos aqueles que O seguem, em particular pelo martírio, e eles são numerosos; participam doravante ao seu triunfo, numa festa eterna.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 23 (24)

    Refrão: Esta é a geração dos que procuram o Senhor.

    Do Senhor é a terra e o que nela existe,
    o mundo e quantos nele habitam.
    Ele a fundou sobre os mares
    e a consolidou sobre as águas.

    Quem poderá subir à montanha do Senhor?
    Quem habitará no seu santuário?
    O que tem as mãos inocentes e o coração puro,
    o que não invocou o seu nome em vão.

    Este será abençoado pelo Senhor
    e recompensado por Deus, seu Salvador.
    Esta é a geração dos que O procuram,
    que procuram a face de Deus.

    LEITURA II - 1Jo 3,1-3

    Leitura da Primeira Epístola de São João

    Caríssimos:
    Vede que admirável amor o Pai nos consagrou
    em nos chamar filhos de Deus.
    E somo-lo de facto.
    Se o mundo não nos conhece,
    é porque O não conheceu a Ele.
    Caríssimos, agora somos filhos de Deus
    e ainda não se manifestou o que havemos de ser.
    Mas sabemos que, na altura em que se manifestar,
    seremos semelhantes a Deus,
    porque O veremos tal como Ele é.
    Todo aquele que tem n'Ele esta esperança
    purifica-se a si mesmo,
    para ser puro, como ele é puro.

    Breve comentário

    Segunda mensagem de esperança. Ela responde às nossas interrogações sobre o destino dos defuntos. Que vieram a ser? Como sabê-lo, pois desapareceram dos nossos olhos? E nós próprios, que viremos a ser?
    A resposta é uma dedução absolutamente lógica: se Deus, no seu imenso amor, faz de nós seus filhos, não nos pode abandonar. Ora, em Jesus, vemos já a que futuro nos conduz a pertença à família divina: seremos semelhantes a Ele.

    ALELUIA - Mt 11,28

    Aleluia. Aleluia.

    Vinde a Mim, vós todos os que andais cansados e oprimidos
    e Eu vos aliviarei, diz o Senhor.

    EVANGELHO - Mt 5,1-12

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se.
    Rodearam-n'O os discípulos
    e Ele começou a ensiná-los, dizendo:
    «Bem-aventurados os pobres em espírito,
    porque deles é o reino dos Céus.
    Bem-aventurados os humildes,
    porque possuirão a terra.
    Bem-aventurados os que choram,
    porque serão consolados.
    Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
    porque serão saciados.
    Bem-aventurados os misericordiosos,
    porque alcançarão misericórdia.
    Bem-aventurados os puros de coração,
    porque verão a Deus.
    Bem-aventurados os que promovem a paz,
    porque serão chamados filhos de Deus.
    Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça,
    porque deles é o reino dos Céus.
    Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa,
    vos insultarem, vos perseguirem
    e, mentindo, disserem todo o mal contra vós.
    Alegrai-vos e exultai,
    porque é grande nos Céus a vossa recompensa».

    AMBIENTE

    Depois de dizer quem é Jesus (cf. Mt 1,1-2,23) e de definir a sua missão (cf. Mt 3,1-4,16), Mateus vai apresentar a concretização dessa missão: com palavras e com gestos, Jesus propõe aos discípulos e às multidões o "Reino". Neste enquadramento, Mateus propõe-nos hoje um discurso de Jesus sobre o "Reino" e a sua lógica.
    Uma característica importante do Evangelho segundo Mateus reside na importância dada pelo evangelista aos "ditos" de Jesus. Ao longo do Evangelho segundo Mateus aparecem cinco longos discursos (cf. Mt 5-7; 10; 13; 18; 24-25), nos quais Mateus junta "ditos" e ensinamentos provavelmente p
    roferidos por Jesus em várias ocasiões e contextos. É provável que o autor do primeiro Evangelho visse nesses cinco discursos uma nova Lei, destinada a substituir a antiga Lei dada ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do Pentateuco.
    O primeiro discurso de Jesus - do qual o Evangelho que nos é hoje proposto é a primeira parte - é conhecido como o "sermão da montanha" (cf. Mt 5-7). Agrupa um conjunto de palavras de Jesus, que Mateus coleccionou com a evidente intenção de proporcionar à sua comunidade uma série de ensinamentos básicos para a vida cristã. O evangelista procurava, assim, oferecer à comunidade cristã um novo código ético, uma nova Lei, que superasse a antiga Lei que guiava o Povo de Deus.
    Mateus situa esta intervenção de Jesus no cimo de um monte. A indicação geográfica não é inocente: transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus a nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao "Reino".
    As "bem-aventuranças" que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na boca de Jesus, são consideravelmente diferentes das "bem-aventuranças" propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove "bem-aventuranças", enquanto que Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro "maldições", que estão ausentes do texto mateano; outras notas características da versão de Mateus são a espiritualização (os "pobres" de Lucas são, para Mateus, os "pobres em espírito") e a aplicação dos "ditos" originais de Jesus à vida da comunidade e ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado.

    MENSAGEM

    As "bem-aventuranças" são fórmulas relativamente frequentes na tradição bíblica e judaica. Aparecem, quer nos anúncios proféticos de alegria futura (cf. Is 30,18; 32,20; Dn 12,12), quer nas acções de graças pela alegria presente (cf. Sl 32,1-2; 33,12; 84,5.6.13), quer nas exortações a uma vida sábia, reflectida e prudente (cf. Prov 3,13; 8,32.34; Sir 14,1-2.20; 25,8-9; Sl 1,1; 2,12; 34,9). Contudo, elas definem sempre uma alegria oferecida por Deus.
    As "bem-aventuranças" evangélicas devem ser entendidas no contexto da pregação sobre o "Reino". Jesus proclama "bem-aventurados" aqueles que estão numa situação de debilidade, de pobreza, porque Deus está a ponto de instaurar o "Reino" e a situação destes "pobres" vai mudar radicalmente; além disso, são "bem-aventurados" porque, na sua fragilidade, debilidade e dependência, estão de espírito aberto e coração disponível para acolher a proposta de salvação e libertação que Deus lhes oferece em Jesus (a proposta do "Reino").
    As quatro primeiras "bem-aventuranças" referidas por Mateus (vers. 3-6) estão relacionadas entre si. Dirigem-se aos "pobres" (as segunda, terceira e quarta "bem-aventuranças" são apenas desenvolvimentos da primeira, que proclama: "bem-aventurados os pobres em espírito"). Saúdam a felicidade daqueles que se entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre a sua vontade; daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua confiança e a sua esperança nos bens, no poder, no êxito, nos homens, para esperar e confiar em Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que aceitam despojar-se de si próprios e estar disponíveis para Deus e para os outros.
    Os "pobres em espírito" são aqueles que aceitam renunciar, livremente, aos bens, ao próprio orgulho e auto-suficiência, para se colocarem, incondicionalmente, nas mãos de Deus, para servirem os irmãos e partilharem tudo com eles.
    Os "mansos" não são os fracos, os que suportam passivamente as injustiças, os que se conformam com as violências orquestradas pelos poderosos; mas são aqueles que recusam a violência, que são tolerantes e pacíficos, embora sejam, muitas vezes, vítimas dos abusos e prepotências dos injustos... A sua atitude pacífica e tolerante torná-los-á membros de pleno direito do "Reino".
    Os "que choram" são aqueles que vivem na aflição, na dor, no sofrimento provocados pela injustiça, pela miséria, pelo egoísmo; a chegada do "Reino" vai fazer com que a sua triste situação se mude em consolação e alegria...
    A quarta bem-aventurança proclama felizes "os que têm fome e sede de justiça". Provavelmente, a justiça deve entender-se, aqui, em sentido bíblico - isto é, no sentido da fidelidade total aos compromissos assumidos para com Deus e para com os irmãos. Jesus dá-lhes a esperança de verem essa sede de fidelidade saciada, no Reino que vai chegar.
    O segundo grupo de "bem-aventuranças" (vers. 7-11) está mais orientado para definir o comportamento cristão. Enquanto que no primeiro grupo se constatam situações, neste segundo grupo propõem-se atitudes que os discípulos devem assumir.
    Os "misericordiosos" são aqueles que têm um coração capaz de compadecer-se, de amar sem limites, que se deixam tocar pelos sofrimentos e alegrias dos outros homens e mulheres, que são capazes de ir ao encontro dos irmãos e estender-lhes a mão, mesmo quando eles falharam.
    Os "puros de coração" são aqueles que têm um coração honesto e leal, que não pactua com a duplicidade e o engano.
    Os "que constroem a paz" são aqueles que se recusam a aceitar que a violência e a lei do mais forte rejam as relações humanas; e são aqueles que procuram ser - às vezes com o risco da própria vida - instrumentos de reconciliação entre os homens.
    Os "que são perseguidos por causa da justiça" são aqueles que lutam pela instauração do "Reino" e são desautorizados, humilhados, agredidos, marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, que fomentam a opressão, que constroem a morte... Jesus garante-lhes: o mal não vos poderá vencer; e, no final do caminho, espera-vos o triunfo, a vida plena.
    Na última "bem-aventurança" (vers. 11), o evangelista dirige-se, em jeito de exortação, aos membros da sua comunidade que têm a experiência de ser perseguidos por causa de Jesus e convida-os a resistir ao sofrimento e à adversidade. Esta última exortação é, na prática, uma aplicação concreta da oitava "bem-aventurança".
    No seu conjunto, as "bem-aventuranças" deixam uma mensagem de esperan&cced
    il;a e de alento para os pobres e débeis. Anunciam que Deus os ama e que está do lado deles; confirmam que a libertação está a chegar e que a sua situação vai mudar; asseguram que eles vivem já na dinâmica desse "Reino" onde vão encontrar a felicidade e a vida plena.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a partilha podem fazer-se à volta dos seguintes elementos:

    • Jesus diz: "felizes os pobres em espírito"; o mundo diz: "felizes vós os que tendes dinheiro - muito dinheiro - e sabeis usá-lo para comprar influências, comodidade, poder, segurança, bem-estar, pois é o dinheiro que faz andar o mundo e nos torna mais poderosos, mais livres e mais felizes". Quem é, realmente, feliz?

    • Jesus diz: "felizes os mansos"; o mundo diz: "felizes vós os que respondeis na mesma moeda quando vos provocam, que respondeis à violência com uma violência ainda maior, pois só a linguagem da força é eficaz para lidar com a violência e a injustiça". Quem tem razão?

    • Jesus diz: "felizes os que choram"; o mundo diz: "felizes vós os que não tendes motivos para chorar, porque a vossa vida é sempre uma festa, porque vos moveis nas altas esferas da sociedade e tendes tudo para serdes felizes: casa com piscina, carro com telefone e ar condicionado, amigos poderosos, uma conta bancária interessante e um bom emprego arranjado pelo vosso amigo ministro". Onde está a verdadeira felicidade?

    • Jesus diz: "felizes os que têm ânsia de cumprir a vontade de Deus"; o mundo diz: "felizes vós os que não dependeis de preconceitos ultrapassados e não acreditais num deus que vos diz o que deveis e não deveis fazer, porque assim sois mais livres". Onde está a verdadeira liberdade, que enche de felicidade o coração?

    • Jesus diz: "felizes os que tratam os outros com misericórdia"; o mundo diz: "felizes vós quando desempenhais o vosso papel sem vos deixardes comover pela miséria e pelo sofrimento dos outros, pois quem se comove e tem misericórdia acabará por nunca ser eficaz neste mundo tão competitivo". Qual é o verdadeiro fundamento de uma sociedade mais justa e mais fraterna?

    • Jesus diz: "felizes os sinceros de coração"; o mundo diz: "felizes vós quando sabeis mentir e fingir para levar a água ao vosso moinho, pois a verdade e a sinceridade destroem muitas carreiras e esperanças de sucesso". Onde está a verdade?

    • Jesus diz: "felizes os que procuram construir a paz entre os homens"; o mundo diz: "felizes vós os que não tendes medo da guerra, da competição, que sois duros e insensíveis, que não tendes medo de lutar contra os outros e sois capazes de os vencer, pois só assim podereis ser homens e mulheres de sucesso". O que é que torna o mundo melhor: a paz ou a guerra?

    • Jesus diz: "felizes os que são perseguidos por cumprirem a vontade de Deus"; o mundo diz: "felizes vós os que já entendestes como é mais seguro e mais fácil fazer o jogo dos poderosos e estar sempre de acordo com eles, pois só assim podeis subir na vida e ter êxito na vossa carreira". O que é que nos eleva à vida plena?

    ALGUMAS REFLEXÕES À LUZ DO EVANGELHO
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    REFLEXÃO 1 - CELEBRAR OS SANTOS NA RESSURREIÇÃO

    As Bem-aventuranças revelam a realidade misteriosa da vida em Deus, iniciada no Baptismo. Aos olhos do mundo, o que os servidores de Deus sofrem, são efectivamente formas de morte: ser pobre, suportar as provas (os que choram) ou as privações (ter fome e sede) de justiça, ser perseguido, ser partidário da paz, da reconciliação e da misericórdia, num mundo de violência e de lucro, tudo isso aparece como não rentável, votado ao fracasso, consequentemente, à morte.
    Mas que pensa Cristo? Ele, ao contrário, proclama felizes todos os seus amigos que o mundo despreza e considera como mortos, consola-os, alimenta-os, chama-os filhos de Deus, introdu-los no Reino e na Terra Prometida.
    A Solenidade de Todos os Santos abre-nos assim o espírito e o coração às consequências da Ressurreição. O que se passou em Jesus realizou-se também nos seus bem amados, os nossos antepassados na fé, e diz-nos igualmente respeito: sob as folhas mortas, sob a pedra do túmulo, a vida continua, misteriosa, para se revelar no Grande Dia, quando chegar o fim dos tempos. Para Jesus, foi o terceiro dia; para os seus amigos, isso será mais tarde.

    REFLEXÃO 2 - O EVANGELHO NO PRESENTE.

    Os membros de uma mesma família têm traços do rosto comuns...
    As pessoas que partilham toda uma vida juntos acabam por se parecerem...
    Esta festa anual de Todos os Santos reúne inúmeros rostos que trazem em si a imagem e a semelhança de Deus.

    Um rosto de humanidade transfigurada. Enquanto vivos, os santos não se consideravam como tais, longe disso! Eles não esculpiam a sua efígie num fundo de auto-satisfação... Contrariamente àquilo que geralmente aparece nas imagens ditas piedosas e nas biografias embelezadas, eles não foram perfeitos, nem à primeira, nem totalmente, nem sobretudo sem esforço. Eles tinham fraquezas e defeitos contra os quais se bateram toda a vida. Alguns, como S. Agostinho, vieram de longe, transfigurados pelo amor de Deus que acolheram na sua existência. Quanto mais se aproximaram da luz de Deus, tanto mais viram e reconheceram as sombras da sua existência.
    Peregrinos do quotidiano, a maior parte deles não realizaram feitos heróicos nem cumpriram prodígios. É certo que alguns têm à sua conta realizações espectaculares, no plano humanitário, no plano espiritual, ou ainda na história da Igreja. Mas muitos outros, a maioria, são os santos da simplicidade e do quotidiano! Canoniza-se muito pouco estas pessoas do quotidiano!

    Um rosto com traços de Cristo.
    Encontramos em cada um dos santos e das santas um mesmo perfil. Poderíamos mesmo desenhar o seu retrato-robô comum. Por muito frequentar Cristo, deixaram-se modelar pelos seus traços.
    Como Jesus, os santos tiveram que viver muitas vezes em sentido contrário às ideias recebidas e aos comportamentos do seu tempo. Viver as Bem-aventuranças não é evidente: ser pobre de coração num mundo que glorifica o poder e o ter; ser doce num mundo duro e violento; ter o coração puro face à corrupção; fazer a paz quando outros declaram a guerra...
    Os santos foram pessoas "em marcha" (segundo uma tradução hebraizante de "bem-aventurado"), isto é, pessoas activas, apaixonadas pelo Evangelho... Os santos foram homens e mulheres corajosos, capazes de reagir e de afirmar a todo o custo aquilo que os fazia viver. Eles mostram-nos o caminho da verdade e da liberdade.
    Aqueles que frequentaram os santos - aqueles que os frequentam hoje - afirmam que, junto deles, sentimos que nos tornamos melhores. O seu ex
    emplo ilumina. A sua alegria é o seu testemunho mais belo. A sua felicidade é contagiosa.

    REFLEXÃO 3 - TER UM CORAÇÃO DE POBRE (Gérard Naslin)

    Eram quatro casais amigos à volta da mesma mesa. Os copos estavam bem cheios e os pratos bem guarnecidos. No meio da refeição, a conversa centra-se nos acontecimentos da actualidade: Fala-se dos estrangeiros e imigrantes. O debate aquece e cada um proclama o slogan tantas vezes repetido, o cliché veiculado pelos media... Todos parecem em uníssono.
    Entretanto, um dos convivas, que estava em silêncio há alguns minutos, abrindo a boca, disse: "Não estou de acordo convosco, e vou dizer-vos porquê. Para mim, todo o homem é uma história sagrada, eu acredito nisso, deixai-me dizê-lo". Imaginai o tempo de silêncio que se seguiu, enquanto os olhares e os garfos mergulharam nos pratos.
    Naquela noite, ao longo de uma refeição entre amigos, passou-se qualquer coisa que nos faz ver o que é o Reino de Deus: um homem só, ousava deixar a multidão para dizer: "Não estou de acordo!" em nome da sua fé no homem e, no caso preciso, em nome da sua fé em Deus.
    Não foi o que se passou no cimo de uma montanha da Palestina, há 2000 anos, quando um homem, Jesus de Nazaré, tendo diante de si os seus discípulos que tinham deixado a multidão para o seguir, "abrindo a boca", se pôs a instrui-los e lhes falou de felicidade, mas de modo nenhum como o mundo fala dela?!
    São estes discípulos que ele declara "bem-aventurados". São Lucas, no seu Evangelho, será ainda mais preciso, pois escreverá: "erguendo os olhos para os discípulos..." E que lhes disse Ele? "Bem-aventurados vós, os pobres de coração, porque vosso é o Reino de Deus!".
    Eis a força contestatária de Jesus. E as outras seis bem-aventuranças estão lá para ilustrar a primeira, a da pobreza do coração. Quanto à última, ela aparece como a conclusão: "Sim, se vós viveis dessa vida, esperai ser perseguidos, porque isso impedirá as pessoas de dormir; isso inquietá-las-á, e como as pessoas não gostam de ser inquietadas, vós sereis perseguidos".
    As bem-aventuranças, se as queremos tomar a sério e sobretudo vivê-las, colocam-nos em situação de contestação e fazem-nos assumir riscos. Sim, em certos momentos, fazem-nos dizer, e sobretudo viver, um "Não estou de acordo" em nome da nossa fé.
    Porque é que Jesus declara "felizes" os seus discípulos? Porque eles são pobres de coração, porque eles estão libertos de tudo o que poderia entravar a sua liberdade. Com efeito, a alegria é o fruto da liberdade.
    Mas de que pobreza fala Jesus? Fala da pobreza que permite crer, esperar e amar.

    O pobre é aquele que "faz crédito" em Deus.
    "Fazer crédito" ou dizer "credo", é a mesma coisa. Quando se fala de noivos, fala-se de duas pessoas que confiam entre si, que se fiam uma na outra, que "fazem crédito". A desconfiança torna a pessoa infeliz. Confiar é aceitar um certo abandono: aquele que grita em direcção a Deus no meio do seu sofrimento ou da sua confusão, é aquele que confia sempre em Deus.

    O pobre é também aquele que espera.
    O rico não pode esperar, está plenamente satisfeito. O pobre, esse, está sempre virado para um futuro que espera que seja melhor; e, depois, ele procura, porque pensa nunca ter totalmente encontrado. A sua vida é uma procura, e todos os sinais que ele encontra enchem-no de alegria e fazem-no avançar. O pobre é aquele que aceita ser criticado pela Palavra de Deus. Com efeito, pôr-se em questão só é possível para aquele que espera tornar-se melhor.

    O pobre é aquele que ama.
    Por não estar plenamente satisfeito consigo mesmo, o pobre está disponível para servir os seus irmãos. Não centrado em si próprio, abre os olhos e vê aqueles que esperam os seus gestos de amor; ouve os gritos dos seus irmãos e abre as suas mãos vazias para as estender àquele que tem necessidade. A sua pobreza fá-lo receber e, ao mesmo tempo, dar o pouco que tem.
    Jesus conhecia o coração do homem, e soube reconhecer no coração dos seus discípulos esta aspiração a crer, a esperar e a amar; é a razão pela qual ele os escolheu e chamou.
    As bem-aventuranças vão, em tantas situações, contra a corrente, porque um homem, um dia, ousou abrir a boca para dizer aos seus discípulos: "Sois do mundo, e ao mesmo tempo não sois do mundo... Vós não sois do mundo do cada um para si, do consumo, da violência, da vingança, do comprometimento... E face a este mundo deveis dizer: não estou de acordo! É certo que sereis perseguidos ou, pelo menos, rir-se-ão de vós, ou procurarão fazer-vos calar. Felizes sereis, porque fareis ver onde está a verdadeira felicidade. Chamar-vos-ão santos".
    Festejamos neste dia todos aqueles que tomam de tal modo a sério as bem-aventuranças que são hoje plenamente felizes.
    Queremos experimentar ser já felizes? Basta-nos ter um coração de pobre.

    REFLEXÃO 4 - A SANTIDADE DE MUITOS

    Fruto da conversão realizada pelo Evangelho é a santidade de muitos homens e mulheres do nosso tempo; não só daqueles que foram proclamados oficialmente santos pela Igreja, mas também dos que, com simplicidade e no dia a dia da existência, deram testemunho da sua fidelidade a Cristo. Como não pensar aos inumeráveis filhos da Igreja que, ao longo da história do continente europeu, viveram uma santidade generosa e autêntica no mais recôndito da vida familiar, profissional e social? «Todos eles, como "pedras vivas" aderentes a Cristo "pedra angular", construíram a Europa como edifício espiritual e moral, deixando aos vindouros a herança mais preciosa. O Senhor Jesus havia prometido: "Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai" (Jo 14,12). Os santos são a prova viva da realização desta promessa, e ajudam a crer que isto é possível mesmo nos momentos mais difíceis da história». [nº 14 da Exortação Apostólica Ecclesia in Europa de João Paulo II]

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Comemoração de Todos os fiéis Defuntos

    Comemoração de Todos os fiéis Defuntos


    2 de Novembro, 2024

    A Igreja, acolhendo uma tradição monástica que vem do século XI, dedica o dia 2 de Novembro à memória dos fiéis defuntos. Depois de ter celebrado a glória e a felicidade dos Santos, no dia 1 de Novembro, a Igreja dedica o dia 2 à oração de sufrágio pelos "irmãos que adormeceram na esperança da ressurreição". Assim fica perfeita a comunhão de todos os crentes em Cristo.
    Lectio
    Primeira leitura: Job 19, 1.23-27ª

    Job respondeu, dizendo: 2«Até quando afligireis a minha alma e me atormentareis com vãs palavras? 23Quem me dera que as minhas palavras se escrevessem e se consignassem num livro, 24ou gravadas em chumbo com estilete de ferro, ou se esculpissem na pedra para sempre! 25Eu sei que o meu redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra; 26e depois de a minha pele se desprender da carne, na minha própria carne verei a Deus. 27Eu mesmo o verei, os meus olhos e não outros o hão-de contemplar! As minhas entranhas consomem-se dentro de mim.

    Os amigos de Job tentam consolá-lo, recorrendo a uma sabedoria superficial, expressa em frases feitas e lugares comuns. É o que tantas vezes acontece quando pretendemos confortar alguém que sofre. As palavras de Job são muito diferentes. No meio do sofrimento, vendo-se às portas da morte e trespassado pela solidão, compreende que Deus é o seu redentor, aquele parente próximo que, segundo os costumes hebreus, deve comprometer-se a resgatar, à sua própria custa, ou a vingar, o seu familiar em caso de escravidão, de pobreza, de assassínio. Job sente Deus como o seu último e definitivo defensor, como alguém que está vivo e se compromete em favor do homem que morre, porque entre Deus e o homem há uma espécie de parentesco, um vínculo indissolúvel. Job afirma-o com vigor: os seus olhos contemplarão a Deus com a familiaridade de quem não é estranho à sua vida.
    Segunda leitura: Romanos 5, 5-11

    Irmãos: A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. 6De facto, quando ainda éramos fracos é que Cristo morreu pelos ímpios. 7Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa boa talvez alguém se atreva a morrer. 8Mas é assim que Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós. 9E agora que fomos justificados pelo seu sangue, com muito mais razão havemos de ser salvos da ira, por meio dele. 10Se, de facto, quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua vida. 11Mais ainda, também nos gloriamos em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem agora recebemos a reconciliação.

    O homem pode ter esperança diante da morte. Como intuiu Job, Deus é, de verdade, o nosso Redentor, porque nos ama. Empenhou-se em resgatar-nos da escravidão do pecado e da morte com o preço do sangue do seu Filho (vv. 6-9) e de modo absolutamente gratuito. De facto, nós éramos pecadores, ímpios, inimigos; mas o Senhor reconheceu-nos como "seus", e morreu por nós arrancando-nos à morte eterna. Acolhemos esta graça por meio do batismo, participando no mistério pascal de Cristo. A sua morte reconciliou-nos com o Pai, e a sua ressurreição permite-nos viver como salvos. Quebrando os laços do pecado, e deixando-nos guiar pelo Espírito derramado em nossos corações, atualizamos cada dia a graça do nosso novo nascimento.
    Evangelho: João 6, 37-40

    Naquele tempo, Jesus disse à multidão: Todos os que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, 38porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 39E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. 40Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.»

    O centro desta perícopa é a vontade de Deus, para a qual está totalmente voltada a missão de Jesus (v. 38). Essa vontade é um desígnio de vida e de salvação oferecido a todos os homens, pela mediação de Cristo, para que nenhum se perda (v. 39). O desígnio de Deus manifesta, pois, a sua ilimitada gratuidade e, ao mesmo tempo, a sua caridade atenta e cuidadosa por cada um de nós. Para acolhê-la, é preciso o livre consentimento da fé: que acredita no Filho tem, desde já, a vida eterna, porque adere Àquele que é a ressurreição e a vida, o único que pode levar-nos para além do intransponível limite da morte.
    Meditatio

    O silêncio é a melhor atitude perante a morte. Introduzindo-nos no diálogo da eternidade e revelando-nos a linguagem do amor, põe-nos em comunhão profunda com esse mistério imperscrutável. Há um laço muito forte entre os que deixaram de viver no espaço e no tempo e aqueles que ainda vivem neles. É verdade que o desaparecimento físico dos nossos entes queridos nos causa grande sofrimento, devido à intransponível distância que se estabelece entre eles e nós. Mas, pela fé e pela oração, podemos experimentar uma íntima comunhão com eles. Quando parece que nos deixam, é o momento em que se instalam mais solidamente na nossa vida, permanecem presentes, fazem parte da nossa interioridade. Encontramo-los na pátria que já levamos no coração, lá onde habita a Santíssima Trindade. Escreveu o Pe. Dehon: "Vivo muito com os meus mortos: os meus pais, amigos, antigos diretores, antigos alunos. Uma centena dos meus religiosos já partiu para junto do Bom Deus, entre eles, homens que muito trabalharam e rezaram... Saúdo-os todas as manhãs e todas as noites, com os meus padroeiros celestes" (NQT XLIV, 139).
    Paulo encoraja-nos a vivermos positivamente o mistério da morte, confrontando-nos com ela todos os dias, aceitando-a como lei de natureza e de graça, para sermos progressivamente despojados do que deve perecer até nos vermos milagrosamente transformados no que devemos ser. Deste modo, a "morte quotidiana" revela-se um nascimento: o lento declínio e o pôr-do-sol tornam-se aurora luminosa. Todos os sofrimentos, canseiras e tribulações da vida fazem parte desta "morte quotidiana" que nos levará à vida imortal. Havemos de viver fixando os olhos na bem-aventurada esperança, confiando na fidelidade do Senhor, que nos prometeu a eternidade. Vivendo assim, quando chegar ao termo desta vida, não veremos descer as trevas da noite, mas veremos erguer-se a aurora da eternidade, onde teremos a alegria de nos sentir uma só coisa com o Senhor. Depois de muitas tribulações, seremos completamente seus, e essa pertença será plena bem-aventurança na visão do seu rosto.
    Para o cristão, o sofrimento é um tempo de "disponibilidade pura", de "pura oblação" e, ao mesmo tempo, uma forma eminente de apostolado, em união a Cristo vítima, na comunhão dos santos, para salvação do mundo. Vivendo assim, prepara-se, assim, para o supremo ato de oblação, para o último apostolado, o da morte: configurados "a Cristo na morte" (Fil 3, 10) (Cf. Cst n. 69).Se a morte de Cristo na Cruz é o ato de apostolado mais eficaz, que remiu o mundo, o mesmo se pode dizer da morte do cristão em união com a morte de Cristo. Não se quer com isto dizer que, sob o ponto de vista humano, a morte do cristão deva ser uma "morte bonita", tal como não foi bonita, com certeza, a morte de Cristo aos olhos dos homens. Foi, pelo contrário, uma "liturgia esquálida", de abandono e de desolação. O importante é que seja uma morte "para Cristo e em Cristo" (S. Inácio de Antioquia, SC 10, 132). Imolados com Ele, com Ele ressuscitaremos.
    Se, na humildade do dia a dia, vivemos a nossa oblação-imolação com Cristo, oblato e imolado pela salvação do mundo, estamos preparados para o último apostolado da nossa vida: a oblação-imolação da nossa morte, o extremo sacrifício, consumado pelo fogo do Espírito, como aconteceu na morte de Cristo na cruz: "Por um Espírito eterno ofereceu a Si mesmo sem mancha, a Deus" (Heb 9, 14). A morte é, então, a nossa última oferta, o momento da suprema, pura oblação: "Se morrermos com Ele, com Ele viveremos" (2 Tm 2, 11).
    Oratio

    Senhor, quero hoje rezar-te por aqueles que desapareceram no mistério da morte. Dá o descanso àqueles que expiam, luz aos que esperam, paz aos que anseiam pelo teu infinito amor. Descansem em paz: na paz do porto seguro, na paz da meta alcançada, na tua paz, Senhor. Vivam no teu amor aqueles que amaste, aqueles que me amaram. Não esqueças o bem que me fizeram, o bem que fizeram a outros. Esquece tudo o mal que praticaram, risca-o do teu livro. Aos que passaram pela dor, àqueles que parecem ter sido imolados por um iníquo destino, revela, com o teu rosto, os segredos da tua justiça, os mistérios do teu amor. Concede-me aquela vida interior que permite comunicar com o mundo invisível em que se encontram os nossos defuntos: esse mundo fora do tempo e do espaço, esse mundo que não é lugar, mas estado, e mundo que não está longe de mim, mas à minha volta, esse mundo que não é de mortos, mas de vivos. Ámen.
    Contemplatio

    O amor ultrapassa o temor e a esperança. O amor não destrói o temor nem a esperança, mas retira-lhes o que o amor-próprio lhe pode misturar de visões mercenárias. O amor não conhece habitualmente outro temor senão o temor filiar, isto é, o medo de desagradar a um Pai bem-amado. Sendo filho do amor, este temor é de uma atenção e delicadeza totalmente diferentes do medo da justiça divina e dos seus castigos. Leva a evitar as mínimas faltas, as mais pequenas imperfeições voluntárias. Em vez de comprimir e de gelar o coração, alarga-o e aquece-o. Não causa nenhuma perturbação, nenhum alarme; e mesmo quando escapa alguma falta, reconduz docemente a alma ao seu Deus através de um arrependimento tranquilo e sincero. Procura acalmar-se e reparar abundantemente da mágoa que se lhe pôde causar. De resto, não se inquieta nem perde a confiança. O amor tira também à esperança o que ela tem de demasiado pessoal. Aquele que ama não sabe outra coisa senão contar com Deus, nem fazer boas obras principalmente com o objetivo de acumular méritos; e por este nobre desinteresse, merece incomparavelmente mais. Esquecendo tudo o que fez por Deus, não pensa noutra coisa senão em fazer ainda mais. Não se apoia sobre si mesmo; visa a recompensa celeste menos sob o título de recompensa do que como uma garantia de amar o seu Deus com todas as suas forças e de ser por Ele amado durante a eternidade. Sem excluir a esperança, que lhe é natural, considera a felicidade mais do lado do bom agrado do seu Deus e da sua glória que lhe pertence do que do lado do seu próprio interesse. E quando o amor está no seu ponto mais elevado de perfeição, estaria disposto a sacrificar a sua felicidade própria à vontade divina, se exigisse dele este sacrifício. Coloca a sua felicidade no cumprimento desta vontade. O coração dos Santos atingiu mesmo sobre a terra este grau de pureza. É a disposição dos bem-aventurados no céu. É preciso, portanto, que o amor seja purificado a este grau neste mundo, ou no outro pelas penas do purgatório. Há, portanto, que deliberar sobre esta escolha? E quando a via do amor não tivesse outra vantagem senão a de nos isentar do purgatório ou de lhe abreviar consideravelmente a duração, poderíeis hesitar em abraçá-la? (Leão Dehon, OSP 2, p. 16s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive a palavra:
    «Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso,
    entres os esplendores da luz perpétua.
    Fazei que descansem em paz.
    Ámen»

     

    ----

    Comemoração de Todos os fiéis Defuntos (2 de Novembro)

  • 31° Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    31° Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    3 de Novembro, 2024

    ANO B

    31.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 31.º Domingo Comum

    A liturgia do 31.º Domingo do Tempo Comum convida-nos a abrir o coração ao amor. O amor liberta-nos dos círculos fechados que nos impedem de crescer e de construir uma vida com sentido; o amor permite-nos viver em comunhão com Deus e com os irmãos que a vida coloca ao nosso lado.

    A primeira leitura apresenta-nos o início do “Shema’ Israel”, a grande afirmação de fé que todo o israelita piedoso fazia duas vezes por dia. Lembrava que Deus era o centro fundamental à volta do qual se articulava e construía toda a vida do crente; e convidava o israelita fiel a responder à ação salvadora desse Deus com uma entrega total, uma dedicação completa, um amor sem limites e sem condições.

    No Evangelho, Jesus define o princípio que deve orientar a vida e o compromisso dos seus discípulos: o amor. Esse princípio, raiz fundamental da existência cristã, concretiza-se em duas vertentes: como amor a Deus e como amor ao próximo. Quem ama Deus escuta as suas palavras, vive de acordo com as suas indicações, procura concretizar o seu projeto para o mundo e para os homens; e ao mesmo tempo, contagiado por Deus, acolhe e cuida, com solicitude e amor, dos irmãos que encontra no caminho. Essa é, segundo Jesus, a única forma de dar sentido à própria existência.

    Na segunda leitura, um catequista cristão fala de Cristo como o sumo-sacerdote perfeito, que ofereceu no altar da cruz o sacrifício da sua própria vida. Com a sua entrega, Cristo cumpriu o plano do Pai e mostrou o seu amor a Deus; apresentando-se diante de Deus com esse dom, tornou-se intercessor dos seus irmãos e mostrou também o seu amor aos homens.

     

    LEITURA I – Deuteronómio 6,2-6

    Moisés dirigiu-se ao povo, dizendo:
    «Temerás o Senhor, teu Deus, todos os dias da tua vida,
    cumprindo todas as suas leis e preceitos que hoje te ordeno,
    para que tenhas longa vida,
    tu, os teus filhos e os teus netos.
    Escuta, Israel, e cuida de pôr em prática
    o que te vai tornar feliz e multiplicar sem medida
    na terra onde corre leite e mel,
    segundo a promessa que te fez o Senhor, Deus de teus pais.
    Escuta, Israel:
    o Senhor nosso Deus é o único Deus.
    Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração,
    com toda a tua alma e com todas as tuas forças.
    As palavras que hoje te prescrevo
    ficarão gravadas no teu coração».

     

    CONTEXTO

    O Livro do Deuteronómio parece ser o “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém no 18° ano do reinado de Josias (622 a.C.) (cf. 2 Re 22,3-13) e que serviu de motor à grande reforma religiosa levada a cabo por este rei no sentido de reconduzir o Povo à fé em Javé. Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com ele uma Aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, uma família unida que tem Deus como a sua grande referência (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).

    Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, pouco antes de o Povo libertado do Egito atravessar o Jordão para tomar posse da Terra Prometida. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua Aliança com Javé.

    O texto que hoje nos é proposto integra o segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44-28,68). Tanto pelo lugar que ocupa no livro, como pela sua importância, este segundo discurso de Moisés constitui o centro do Livro do Deuteronómio. Em linhas gerais, este discurso apresenta-se em três peças principais: uma introdução (cf. Dt 4,44-11,32), um código legal (cf. Dt 12,1-25,19) e uma conclusão (cf. Dt 26,1-28,68).

    A primeira parte da introdução ao segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44-9,5) oferece-nos uma apresentação do Decálogo (cf. Dt 5,1-33) – a Lei fundamental da Aliança estabelecida entre Deus e Israel, no Horeb – e, na sequência, um conjunto de exortações ao Povo para que viva na fidelidade aos mandamentos (cf. Dt 6,1-9,5). O nosso texto é um extrato dessa exortação.

     

    MENSAGEM

    A primeira leitura deste trigésimo primeiro domingo comum começa com uma exortação a “temer” o Senhor e a cumprir todas as suas leis e mandamentos (vers. 2-3). A expressão “temer o Senhor” – muito frequente no Antigo Testamento – traduz, por um lado, a reverência e o respeito e, por outro lado, a pronta obediência à vontade divina, a confiança inamovível no Deus que não falha, a humilde renúncia aos próprios critérios, a adesão incondicional à vontade de Deus, a aceitação plena das propostas e dos mandamentos de Deus. Na perspetiva do autor deste texto, o crente ideal (o que “teme o Senhor”), é aquele que está disposto a renunciar à autossuficiência e não aceita procurar a felicidade à margem das propostas de Deus; é aquele que, com total confiança, é capaz de se entregar nas mãos de Deus, de aceitar as suas indicações, de assumir os mandamentos do Senhor como caminho seguro e verdadeiro para chegar à vida em plenitude. Àquele que aceita viver no “temor do Senhor”, o autor promete felicidade abundante “na terra onde corre leite e mel”, isto é, nessa Terra Prometida na qual o Povo se prepara para entrar.

    Na segunda parte do nosso texto (vers. 4-6), temos os primeiros versículos do “Shema’ Israel” (assim denominado por começar com as palavras hebraicas “Shema’ Israel” – “Escuta Israel”), a “profissão de fé” ainda hoje recitada duas vezes por dia por todos os judeus piedosos e que, além de Dt 6,4-9, inclui Dt 11,13-21 e Nm 15,37-41. No universo religioso judaico, o verbo “escutar”, aqui usado, define uma ação em três tempos: “ouvir” com os ouvidos, “acolher” no coração, “transformar em ação concreta” aquilo que se ouviu e que se acolheu.

    O “Shema’ Israel” começa com a afirmação solene da unicidade de Deus (vers. 4: “o Senhor nosso Deus é o único Deus”). O crente israelita deve ouvir e interiorizar esta realidade e atuar em consequência. Proclamar que Deus é único significa afastar da própria vida qualquer possibilidade de adesão a outros deuses ou a outras propostas de salvação que não venham de Javé. Com esta afirmação, o crente proclama a sua decisão de renunciar à opressão de outros deuses e de escolher a liberdade que Javé oferece.

    Ao Deus único, ao Senhor que liberta o seu Povo de todas as escravidões, responde-se com o amor: um amor exclusivo, forte, único, que implica todo o coração, todas as forças, toda a vida do homem (vers. 5: “amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças”). No livro do Deuteronómio Deus aparece como um pai que dá o ser, educa e cuida de Israel, o seu filho (cf. Dt 8,5; 14,1); o Povo deve responder ao amor paternal de Deus com o amor que o filho dedicado e respeitoso que o filho deve ao seu pai.

    Esse amor filial do crente por Javé não pode ficar numa simples declaração de boas intenções ou numa emoção fugaz, mas tem de traduzir-se no acolhimento das palavras, das indicações e das propostas do pai. Por isso, o crente israelita deve “gravar no coração” todas as palavras de Deus. Repetirá e testemunhará as palavras de Deus, refletirá sobre elas, guardá-las-á no coração, tê-las-á sempre diante dos olhos, de forma a guiar toda a sua vida por elas. Assim fará prova do seu amor por Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • “Temerás o Senhor, teu Deus, todos os dias da tua vida” – diz Moisés ao Povo que se prepara para entrar na Terra da Promessa. A expressão pode soar mal aos ouvidos dos crentes formados na escola de Jesus, que se habituaram a ver em Deus um Pai bom, que ama cada um dos seus filhos com um amor sem limites. A um Deus que ama como Pai, não se “teme”: aproximamo-nos d’Ele com a confiança de filhos, que se sentem queridos, acolhidos e profundamente amados. “Temer o Senhor” é, na realidade, responder ao amor desse Pai bom com a obediência incondicional, a confiança inamovível, a entrega confiada; é renunciar à própria autossuficiência para se entregar completamente nas mãos de Deus, acolhendo, com a confiança de filhos, as suas indicações, as suas propostas, os seus bons conselhos de Pai. Como é que nos situamos diante de Deus? Caminhamos pela vida carregando o fardo do medo de Deus, ou fazemos caminho sentindo que a ternura do nosso Pai do céu nos liberta, nos consola, nos dá confiança, nos abre em cada passo horizontes de esperança? A nossa resposta ao amor de Deus traduz-se no acolhimento das suas propostas e indicações?
    • “Escuta, Israel: o Senhor nosso Deus é o único Deus”. Esta “profissão de fé” que os crentes israelitas ainda hoje fazem duas vezes por dia, convida-nos a lembrar a centralidade única de Deus nas nossas vidas. Deus “é o único”: é Ele e só Ele que nos dá Vida e que enche de significado a nossa existência. É à volta d’Ele que podemos ancorar o nosso projeto de vida. Provavelmente todos nós, crentes, aceitamos isto… Mas, mesmo assim, podemos viver como “politeístas práticos”, que no dia a dia correm atrás de outros “deuses”, de “deuses” efémeros, nos quais pomos a nossa confiança, a nossa segurança e a nossa esperança: o dinheiro, o poder, o êxito, a posição social, os títulos, as honras, os aplausos e a admiração dos que nos rodeiam… Estamos conscientes de que esses “deuses”, mesmo trazendo algo de útil e de agradável à nossa existência, não podem servir de pedra angular na construção da nossa vida? Estamos conscientes de que algumas realidades que endeusamos poderão escravizar-nos e destruir-nos?
    • “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” – pede Moisés ao Povo de Deus. Como é que deve expressar-se, em termos práticos, esse amor a Deus? É através de declarações solenes e ocas de boas intenções? É através de fórmulas fixas de oração que papagueamos de cor? É através de solenes ritos litúrgicos, que nos enchem os olhos mas não nos tocam o coração? Não deverá antes ser na entrega total nas mãos de Deus, na escuta atenta da sua vontade, no cumprimento dos seus mandamentos e preceitos, no testemunho do amor junto dos nossos irmãos, no compromisso com a construção de um mundo que esteja de acordo com o projeto de Deus?

     

    SAMO RESPONSORIAL – Salmo 17

    Refrão: Eu Vos amo, Senhor: Vós sois a minha força.

    Eu Vos amo, Senhor, minha força,
    minha fortaleza, meu refúgio e meu libertador,
    meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança,
    meu protetor, minha defesa e meu salvador.

    Invoquei o Senhor – louvado seja Ele –
    e fiquei salvo dos meus inimigos.
    Viva o Senhor, bendito seja o meu protetor;
    exaltado seja Deus, meu Salvador.

    Senhor, eu Vos louvarei entre os povos
    e cantarei salmos ao vosso nome.
    O Senhor dá ao seu Rei grandes vitórias
    e usa de bondade para com o seu Ungido.

     

    LEITURA II – Hebreus 7,23-28

    Os sacerdotes da antiga aliança
    sucederam-se em grande número,
    porque a morte os impedia de durar sempre.
    Mas Jesus, que permanece eternamente,
    possui um sacerdócio eterno.
    Por isso pode salvar para sempre
    aqueles que por seu intermédio se aproximam de Deus,
    porque vive perpetuamente para interceder por eles.
    Tal era, na verdade, o sumo sacerdote que nos convinha:
    santo, inocente, sem mancha,
    separado dos pecadores e elevado acima dos céus,
    que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes,
    de oferecer cada dia sacrifícios,
    primeiro pelos seus próprios pecados,
    depois pelos pecados do povo,
    porque o fez de uma vez para sempre
    quando Se ofereceu a Si mesmo.
    A Lei constitui sumos sacerdotes
    homens revestidos de fraqueza,
    mas a palavra do juramento, posterior à Lei,
    estabeleceu o Filho sumo sacerdote perfeito para sempre.

     

    CONTEXTO

    A Carta aos Hebreus, mais do que uma “carta”, é um sermão de autor desconhecido, que alguns pensam ter sido um discípulo do apóstolo Paulo. Os destinatários desse sermão são cristãos que vivem a sua fé em contexto difícil e que, por isso, deixaram arrefecer o seu entusiasmo e o seu compromisso com Jesus e com o Evangelho. O uso abundante de citações e de figuras do Antigo Testamento poderá indiciar que esses cristãos são de origem judaica; mas isso não é totalmente claro, uma vez que o Antigo Testamento já era, na altura em que a Carta aos Hebreus apareceu, referência para todos os cristãos, quer os de origem judaica, quer os de origem greco-romana.

    Recorrendo à linguagem da catequese judaica, o autor da Carta aos Hebreus apresenta Cristo como o sumo-sacerdote fiel e misericordioso que estabelece a ligação entre Deus e os homens. Depois de ter incarnado e caminhado lado a lado com os homens, Jesus “atravessou os céus” e apresentou ao Pai a nossa humanidade, obtendo de Deus o perdão para as nossas falhas e inserindo-nos na família de Deus. Membros de Cristo, fazemos parte do Povo sacerdotal, que é a Igreja. De olhos postos em Cristo, procuramos viver de acordo com as suas indicações e, como Ele, fazemos da vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor.

    Referindo-se a Cristo como o sumo-sacerdote que nos dá acesso a Deus, o autor da Carta aos Hebreus coloca-o na linha de Melquisedec (cf. Heb 6,20), um personagem misterioso que se encontra com Abraão depois de este vencer o rei Cadorlaomer e seus aliados. Apresentado como rei e sacerdote de Salem (localidade desconhecida, que o Sl 76,3 identifica com Jerusalém), Melquisedec é “sacerdote do Deus Altíssimo”. Abençoa Abraão e oferece-lhe pão e vinho; e Abraão, o antepassado dos sacerdotes levíticos, inclinar-se-á diante dele e pagar-lhe-á o dízimo (cf. Gn 14,18-20). O Salmo 110, por sua vez, apresenta um rei da casa de David como o continuador do sacerdote Melquisedec (“o Senhor jurou” ao rei “e não voltará atrás: tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec” – Sl 110,4). A partir daqui a figura de Melquisedec adquirirá uma clara conotação messiânica. Após o Exílio na Babilónia, os judeus esperam ver surgir um salvador da descendência de David que reúna, como Melquisedec, o sacerdócio e a realeza.

    O autor da Carta aos Hebreus vê Cristo a esta luz. Na sua perspetiva, Jesus exerce um sacerdócio perfeito e eterno, que não se vincula ao sacerdócio de Levi (que é um sacerdócio exercido por homens pecadores, mortais e que se sucedem de geração em geração), mas que realiza o sacerdócio real do Messias davídico, sucessor de Melquisedec.

    Na primeira parte do capítulo 7 da Carta, o autor resume a história de Melquisedec e afirma a superioridade do seu sacerdócio sobre o sacerdócio levítico (cf. Heb 7,1-10); na segunda, o autor demonstra que o sacerdócio novo de Cristo (na linha do sacerdócio de Melquisedec) é um sacerdócio perfeito e eterno, que veio substituir o sacerdócio levítico e abolir a antiga Lei (cf. Heb 7,11-28).

     

    MENSAGEM

    Um dos sinais da superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio levítico é a sua duração eterna. Enquanto os sacerdotes da família de Levi estavam sujeitos à lei da morte e exerciam o sacerdócio apenas durante o tempo que a sua vida durava, Cristo exerce eternamente o seu sacerdócio em favor dos homens. Para o autor da Carta aos Hebreus, a multiplicidade e a alternância são sinónimos de imperfeição. Porque o sacerdócio de Cristo é eterno e a sua intercessão junto de Deus é contínua, ele assegura, de modo definitivo, a salvação dos homens (vers. 23-25). Pela sua intercessão perpétua, Cristo aproxima definitivamente os homens de Deus e integra-os eficazmente na família de Deus.

    Mas há mais: os sacerdotes da família de Levi eram homens pecadores, que ofereciam sacrifícios de expiação pelos pecados do povo e pelos seus próprios pecados. Mas Jesus não precisava de oferecer sacrifícios pelos seus próprios pecados; foi tentado, como os homens, mas rejeitou sempre o mal, manteve-se sempre fiel ao projeto do Pai. Ao contrário dos sacerdotes levíticos, Ele é um sumo-sacerdote “santo, inocente, sem mancha, separado dos pecadores e elevado acima dos céus” (vers. 26). A sua santidade e a sua pertença à esfera de Deus tornam plenamente eficaz a sua ação mediadora e salvadora em favor dos homens.

    Finalmente, refere-se a superior qualidade do sacrifício oferecido por Cristo, em relação aos sacrifícios oferecidos pelos sacerdotes levíticos. Os sacerdotes israelitas ofereciam sacrifícios diários de animais pelos seus próprios pecados e pelos pecados do Povo; mas Cristo ofereceu uma única vez o sacrifício da sua própria vida, no altar da cruz. Esse único e superior sacrifício – a sua obediência até à morte, o dom total de si próprio ao serviço do projeto do Pai – deu-lhe acesso total a Deus. Pelo sacrifício de si próprio, Cristo conseguiu-nos crédito ilimitado junto de Deus (vers. 27).

    Em jeito de conclusão, o autor destaca, uma vez mais, o contraste entre a ordem imperfeita – que é a ordem da Lei e do sacerdócio levítico – e a ordem perfeita, prometida por Deus e realizada pelo sumo-sacerdote Jesus (vers. 28). Sob o regime da Lei havia sacerdotes cheios de fragilidades e de debilidades, cuja ação sacerdotal não assegurava a salvação; em Jesus temos um sumo-sacerdote eterno e perfeito, que está junto de Deus e que nos obtém a salvação.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Dirigindo-se a cristãos que vivem num ambiente hostil e que, por isso, se sentem desanimados e desmotivados, o autor da Carta aos Hebreus convida-os a revitalizar o seu compromisso com Cristo. Ele, o sumo-sacerdote eterno que intercede por nós junto de Deus, é fonte inesgotável de Vida e de salvação. Por isso, não podemos fechar-lhe as portas da nossa vida, nem desistir do caminho que Ele nos indica. A recomendação do autor da Carta aos Hebreus continua a fazer sentido vinte séculos depois… O ambiente desfavorável à fé, a crise de valores, o cansaço, a acomodação, talvez mesmo a desilusão que sentimos diante das fragilidades da Igreja, podem levar-nos a negligenciar o nosso compromisso com Cristo e a “guardar na gaveta” os valores do Evangelho. Mas Cristo continua a ser a nossa melhor oportunidade para construirmos uma vida plena de sentido. Estamos conscientes disso? As suas palavras, as suas indicações, o seu evangelho, continuam a ser decisivos na definição da nossa vida, das nossas opções, do nosso caminho?
    • Uma das razões que leva o autor da Carta aos Hebreus a estabelecer a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio levítico prende-se com a “qualidade” do sacrifício que Cristo ofereceu a Deus. Ele não ofereceu, como os sacerdotes do Antigo Testamento, o sangue de animais imolados, mas ofereceu a sua própria vida. Ele pôs a sua vida ao serviço do projeto de Deus e deu tudo, até à última gota de sangue, para que esse projeto se concretizasse. Nós, os crentes, sempre preocupados em agradar a Deus e em render-Lhe o culto que Ele merece, esquecemos, por vezes, o óbvio: mais do que ritos majestosos, manifestações públicas de fé, solenes celebrações, Deus aprecia o dom de nós mesmos. O culto que Ele nos pede, o sacrifício que Ele aprecia e que há de gerar Vida nova para nós e para os que caminham ao nosso lado, é a obediência aos seus projetos, o acolhimento da sua vontade, a entrega completa da nossa vida nas suas mãos. Como é a nossa resposta ao amor de Deus? É uma resposta puramente externa, ou é a oblação a Deus de nós próprios, de tudo o que somos e fazemos?
    • Cristo é, efetivamente, o sumo-sacerdote que está junto do Pai e que intercede continuamente por nós, como repete até ao infinito o autor da Carta aos Hebreus. A consciência desse facto deve encher o nosso coração de paz, de esperança e de confiança: se Cristo intercede por nós, podemos encarar a vida de forma serena, com a consciência de que as nossas debilidades e fragilidades nunca nos afastarão, de forma definitiva, da comunhão com Deus e da vida eterna. Essa certeza é, para nós, fonte de paz, de harmonia e de esperança?

     

    ALELUIA – Jo 14,23

    Aleluia. Aleluia.

    Se alguém Me ama, guardará a minha palavra, diz o Senhor;
    meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.

     

    EVANGELHO – Marcos 12,28-34

    Naquele tempo,
    aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-Lhe:
    «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?»
    Jesus respondeu:
    «O primeiro é este:
    ‘Escuta, Israel:
    O Senhor nosso Deus é o único Senhor.
    Amarás o Senhor teu Deus
    com todo o teu coração, com toda a tua alma,
    com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças’.
    O segundo é este:
    ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’.
    Não há nenhum mandamento maior que estes».
    Disse-Lhe o escriba:
    «Muito bem, Mestre! Tens razão quando dizes:
    Deus é único e não há outro além d’Ele.
    Amá-l’O com todo o coração,
    com toda a inteligência e com todas as forças,
    e amar o próximo como a si mesmo,
    vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios».
    Ao ver que o escriba dera uma resposta inteligente,
    Jesus disse-lhe:
    «Não estás longe do reino de Deus».
    E ninguém mais se atrevia a interrogá-I’O.

     

    CONTEXTO

    Jesus e os discípulos já estão em Jerusalém. Chegaram há três dias. Durante a noite, têm ficado alojados em Betânia, a pequena povoação situada no lado oriental do Monte das Oliveiras; mas todos os dias descem o monte, entram na cidade de Jerusalém e dirigem-se ao templo.

    Esses dias têm sido marcados por duros confrontos entre Jesus e as autoridades religiosas de Jerusalém. Logo no segundo dia Jesus tinha realizado o gesto profético de expulsar do Templo os negociantes e tinha acusado os líderes judaicos de terem feito da “casa de Deus um covil de ladrões” (cf. Mc 11,15-18). Depois disso, tinha contado aos dirigentes judeus a parábola dos vinhateiros homicidas (cf. Mc 12,1-12), acusando-os de se oporem, de forma continuada, à realização do plano salvador de Deus. Os líderes judaicos, convencidos de que Jesus era irrecuperável, tinham tomado decisões drásticas: Ele devia ser preso, julgado, condenado e eliminado. Fariseus, partidários de Herodes (cf. Mc 12,13) e até saduceus (cf. Mc 12,18), procuravam estender armadilhas a Jesus, a fim de O surpreender em afirmações pouco ortodoxas, que pudessem ser usadas em tribunal para conseguir uma condenação. As controvérsias sobre o tributo a César (cf. Mc 12,13-17) e sobre a ressurreição dos mortos (cf. Mc 12,18-27) devem ser situadas e compreendidas neste contexto.

    É precisamente neste cenário que aparece um escriba a perguntar a Jesus qual era o maior mandamento da Lei. Ao contrário de Mateus (cf. Mt 22,34-40), Marcos não considera, contudo, que a questão seja posta a Jesus para o embaraçar ou para o pôr à prova. O escriba que coloca a questão parece ser um homem sincero e bem-intencionado, genuinamente preocupado em esclarecer uma questão para a qual ele ainda não tinha encontrado uma resposta convincente.

    De facto, a questão do maior mandamento da Lei não era uma questão pacífica e tornou-se, no tempo de Jesus, objeto de debates intermináveis entre os fariseus e os doutores da Lei. A preocupação em atualizar a Lei, de forma a que ela respondesse a todas as questões que a vida do dia a dia punha, tinha levado os doutores da Lei a deduzir um conjunto de 613 preceitos, dos quais 365 (o número dos dias do ano) eram proibições e 248 (o número dos membros do corpo humano, segundo a mentalidade judaica) ações a pôr em prática. Esta “multiplicação” dos preceitos legais lançava, no entanto, a questão da ordenação dos mandamentos: qual era o primeiro, o maior, o mais importante, aquele que devia aparecer à frente de todos os outros? Os “mestres” judaicos mantinham, sobre isto, discussões intermináveis; mas as suas respostas não eram coincidentes. É daqui que parte a pergunta que o escriba traz a Jesus.

     

    MENSAGEM

    Jesus escuta atentamente a pergunta que o escriba lhe coloca. Percebe que a intenção daquele homem de boa vontade não é polemizar, mas sim esclarecer uma questão que o preocupa; e responde-lhe de forma direta e amistosa. Citando o primeiro versículo do “Shema’ Israel”, a grande afirmação de fé que todo o judeu recitava no início e no final do dia (cf. Dt 6,4-5), Jesus estabelece que o primeiro mandamento é o amor a Deus – um amor que deve ser total, sem divisões, feito de adesão plena aos projetos, à vontade, aos preceitos de Deus (vers. 30: “com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças”). Mas Jesus não se detém aí; como se achasse que essa primeira resposta não era suficiente, completa-a com a apresentação de um segundo mandamento: “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (trata-se de uma citação de Lv 19,18). Jesus estabelece que o maior mandamento é o mandamento do amor; e esse mandamento fundamental concretiza-se em duas dimensões que se completam mutuamente – a do amor a Deus e a do amor ao próximo.

    A originalidade deste sumário evangélico da Lei não está na ideia de amor a Deus e ao próximo, que são bem conhecidas do Antigo Testamento. A originalidade deste ensinamento está, por um lado, no facto de Jesus os aproximar um do outro, pondo-os em perfeito paralelo; e, por outro, no facto de Jesus simplificar e concentrar toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos.

    A resposta de Jesus ao escriba não vai no sentido de estabelecer uma hierarquia de mandamentos. Superando o horizonte estreito da pergunta, Jesus refere-se, antes, às opções profundas que o homem deve fazer. Trata-se, na verdade, de encontrar a raiz de todos os mandamentos; e, segundo Jesus, essa raiz é o amor: o amor a Deus e o amor ao próximo. Portanto, o compromisso religioso (que é proposto aos crentes, quer do Antigo, quer do Novo Testamento) resume-se no amor a Deus e no amor ao próximo. Como é que Jesus vê e situa, em concreto, a vivência dessa dupla dimensão?

    Jesus nunca se preocupou excessivamente com o cumprimento dos rituais litúrgicos que a religião judaica propunha, nem viveu obcecado com o oferecimento de dons materiais a Deus. Mas, em contrapartida, Jesus vivia numa intimidade muito grande com o Pai. Chamava-lhe “abbá”, “paizinho”. Depois do seu programa diário de anúncio do Reino, retirava-se frequentemente para lugares isolados para falar com Deus. Sentia-se profundamente amado pelo Pai. Para responder ao amor do Pai, Jesus procurava discernir a Sua vontade e cumpri-Ia com fidelidade e amor. “Amar a Deus” é pois, na perspetiva de Jesus, procurar a proximidade do Pai, viver em diálogo com Ele, estar atento aos projetos do Pai e procurar concretizar, na vida do dia a dia, os seus planos, com obediência e disponibilidade.

    Mas Jesus sabia também que o cumprimento da vontade do Pai passa por fazer da vida uma entrega de amor aos outros filhos e filhas de Deus, se necessário até ao dom total de si próprio. Amar a Deus implica, portanto, amar e cuidar dos irmãos que caminham connosco. Assim, na perspetiva de Jesus, “amor a Deus” e o “amor aos irmãos” não são dois mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda. “Amar a Deus” passa por cumprir o seu projeto de amor, que se concretiza na solidariedade, na partilha, no serviço, no dom da própria vida aos irmãos.

    Como deve ser interpretada a expressão usada por Jesus para falar do amor aos irmãos (“amarás o teu próximo como a ti mesmo”)? A expressão “como a si mesmo” significa que se deve procurar o bem do irmão com o mesmo interesse que nos leva a procurar o nosso próprio bem. A palavra “próximo” não implica que coloquemos fronteiras ao amor, mas que olhemos com solicitude todos aqueles que se cruzam connosco nos caminhos da vida. Aliás, noutros textos neotestamentários Jesus explica aos seus discípulos que é preciso amar até os próprios inimigos e orar até pelos próprios perseguidores (cf. Mt 5,43-48). Trata-se, pois, de um amor sem limites, sem medida e que não distingue entre bons e maus, amigos e inimigos. O evangelista Lucas, ao contar este mesmo episódio, acrescenta-lhe a história do “bom samaritano”, explicando que esse “amor aos irmãos” pedido por Jesus é incondicional e deve atingir todo o irmão que encontrarmos nos caminhos da vida, mesmo que ele seja um estrangeiro ou um inimigo (cf. Lc 10,25-37).

    O escriba concorda plenamente com a resposta de Jesus. Para exprimir a sua aprovação, ele cita alguns passos da Bíblia Hebraica (cf. Dt 4,35 e Is 45,21; Dt 6,5; Lv 19,18; Os 6,6), que repetem, com palavras diversas, o que Jesus acabou de dizer. Diante do comentário inteligente do escriba, Jesus declara-lhe que não está “longe do Reino de Deus” (vers. 34). Este escriba é, sem dúvida, um homem justo, que observa a Lei, que estuda a Escritura e que procura compreender o seu alcance; mas fica no plano do raciocínio e não mostra sinais de pretender dar o passo que lhe falta: acolher Jesus como o Messias enviado por Deus com uma proposta de salvação, tornar-se discípulo, ir atrás de Jesus no caminho do amor a Deus e da entrega da vida aos irmãos. Só quem se torna discípulo de Jesus e o segue está apto a integrar a comunidade do Reino de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Dois mil anos de cristianismo significam um longo caminho. Ao longo desse caminho, a comunidade de Jesus – como todas as instituições que caminham pela história – foi acumulando um grande número de coisas: normas, preceitos, costumes, tradições, ritos, doutrinas, explicações, veneráveis opiniões, teorias mais ou menos discutíveis… Algum desse material é muito belo e continua a ajudar a comunidade cristã a caminhar na fidelidade a Jesus; outro é datado, perdeu o prazo de validade e pode tornar-se obstáculo para que os homens e mulheres do séc. XXI possam descobrir Jesus e a sua proposta. O pó que os séculos vão acumulando pode, a dada altura, ocultar-nos o essencial e fazer-nos perder a noção do que é realmente importante. Hoje, em âmbito eclesial, gastamos tempo e energias a discutir certas questões secundárias, puramente acidentais, enquanto deixamos em segundo plano o essencial da proposta de Jesus. As palavras de Jesus que escutamos no evangelho deste domingo poderão ajudar-nos a refazer as nossas prioridades: o essencial é o amor a Deus e o amor aos irmãos. Nisto se resume toda a revelação de Deus e a sua proposta de Vida plena e definitiva para os homens. O que é que consideramos essencial para nos mantermos fiéis e a Jesus e à sua proposta? A nossa avaliação do que é essencial está de acordo com as palavras de Jesus que hoje ouvimos?
    • O que é “amar a Deus”? Olhemos para Jesus… Ele sentia-se profundamente amado por Deus; Deus era o centro da sua vida. Por isso, procurava estar com o Pai, falar com o Pai, conhecer os planos do Pai para o mundo e para os homens. Jesus vivia o seu amor a Deus a partir desta realidade. Para Ele, o amor a Deus concretizava-se na procura de proximidade com o Pai, na escuta do Pai, na obediência incondicional à vontade do Pai, na entrega de toda a sua vida à realização do projeto do Pai. Esta forma de “amar a Deus” pode ser um bom modelo para nós. Deus é para nós, como era para Jesus, um Pai por quem nos sentimos profundamente amados? E esse amor que Deus nos dedica atrai-nos, faz-nos sentir necessidade de arranjar tempo para estar com Ele, para manter um diálogo com Ele? Faz-nos sentir vontade de acolher as indicações de Deus e de viver de acordo com elas? Motiva-nos para acolhermos os projetos de Deus e para nos comprometermos em torná-los realidade no mundo que estamos a construir?
    • O que é “amar os irmãos”? Olhemos outra vez para Jesus… Ele “passou pelo mundo fazendo o bem”. Curava as feridas dos que sofriam, sentava-se à mesa com aqueles que a sociedade e a religião condenavam, tocava os leprosos e devolvia-lhes a consciência da sua dignidade, defendia as mulheres vítimas de leis discriminatórias, saciava a fome das multidões e ensinava-as a partilhar, levava a esperança a todos aqueles cujas vidas estavam em becos sem saída. Nunca discriminou ninguém e morreu pedindo a Deus perdão para os seus assassinos. Os seus gestos testemunhavam a solicitude, a misericórdia de Deus por todos os seus filhos. De acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor aos irmãos passa por cuidarmos de cada homem e de cada mulher com quem nos cruzamos nos nossos caminhos de todos os dias, sem distinção de raça, de nacionalidade, de estatuto social, de religião ou de qualquer outra fronteira real ou imaginária. Como é que vemos e tratamos os irmãos e irmãs que caminham ao nosso lado? Sentimo-nos responsáveis por cada pessoa que sofre, que vive em condições indignas, que é vítima de injustiça, que é deixada para trás, que é maltratada e desrespeitada?
    • Muitos homens e mulheres, ao longo da história, viram no “amor a Deus” e no “amor ao próximo” duas realidades de difícil conciliação. Alguns dos que acentuavam a verticalidade – o “amor a Deus” – fecharam-se numa piedade que fugia do mundo e se refugiava em lugares solitários, de olhos postos na contemplação de Deus, à margem dos problemas e das dores dos homens e das mulheres; outros, que acentuavam a horizontalidade (o “amor ao próximo”) – apostaram tudo na dimensão humana, desvalorizando Deus, ou até mesmo considerando Deus um adversário da liberdade e da realização plena dos seres humanos. O evangelho deste domingo garante que não há qualquer contradição entre as duas realidades. “A glória de Deus é o homem vivo” (Santo Ireneu de Lião); quem mergulha no amor de Deus descobre que a grande preocupação de Deus é o bem dos seus queridos filhos e filhas que peregrinam na terra. A contemplação de Deus alguma vez nos afastou da luta por um mundo mais digno e mais humano para todos os filhos e filhas de Deus? A intervenção social alguma vez nos afastou de Deus ou nos levou a “fechar os ouvidos” às indicações de Deus?
    • Qual é, para nós, o elemento fundamental da nossa experiência de fé? Que lugar ocupa o amor – o amor a Deus e o amor ao próximo – no edifício da nossa vida religiosa? Por vezes não tenderemos a dar demasiada importância a elementos que não têm grande significado (as tradições religiosas que herdamos dos nossos antepassados, a devoção que nos inspira determinada imagem religiosa, as festas com um leve verniz religioso mas que são pretexto para manifestações pouco cristãs, os rituais pomposos e muitas vezes vazios de significado, as questões disciplinares laterais, as honrarias pouco evangélicas, os títulos “religiosos” que nada significam…), esquecendo o essencial, negligenciando o mandamento maior?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 31.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 31.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-Ia pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo. Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa. Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Deus nunca se apresenta como concorrente do homem. Seria assim se disséssemos que é preciso amar Deus ou o próximo. Ora, o escriba que encontra Jesus diz “amar Deus de todo o coração ce amar o seu próximo como a si mesmo vale mais que todas as oferendas e sacrifícios”. Para não se ficar longe do reino de Deus, basta, pois, amar Deus e o seu próximo. Foi o testemunho deixado por Jesus: o seu amor pelo Pai levava-o a retirar-se para o monte para rezar, a erguer os olhos para o céu antes de fazer milagres, mas ao mesmo tempo ia ao encontro dos doentes, dos excluídos, dos pecadores, das multidões perdidas como ovelhas sem pastor. E depois, na cruz, vira-se para seu Pai, mas também para o ladrão crucificado ao seu lado, para Maria e João, para os verdugos que não sabiam o que faziam, dizia Ele. E não esqueçamos a palavra de João, que esclarece muito bem o duplo mandamento: aquele que diz “amo a Deus” e não ama o seu próximo é um mentiroso.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    À primeira vista, o vocabulário não pega! O amor não se impõe com golpes de leis! Porque dizer que o amor a Deus e ao próximo é o maior mandamento? Para os Judeus, a vontade de Deus exprime-se na Lei e tudo é visto a essa luz. A Lei é como que a incarnação da vontade de Deus. Então, Jesus respeita este escriba, que era um profissional da Lei, utilizando a mesma linguagem que ele. Mas começa por “escuta, Israel”. É mais que um mandamento, é a afirmação fundamental da fé em Deus único. Mais ainda, este texto tornou-se a oração que os Judeus fiéis, ainda hoje, dizem três vezes por dia. É tão importante para os Judeus como o “Pai Nosso” para os cristãos. Deve ser, pois, meditada. Amar a Deus com todas as forças, com toda a mente, com toda a nossa força. Um amor verdadeiramente humano, o amor segundo a vontade de Deus. Jesus liga o amor a Deus e o amor ao próximo. O escriba compreendeu: este amor vale mais que todas as oferendas e sacrifícios, porque envolve todo o nosso ser. Ele é a vida.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE.

    Amar com todo o coração. Que valem os nossos “amo-te”? Aproveitemos a interpelação deste domingo para refletir, nesta semana, na sinceridade das nossas palavras e dos nossos sentimentos. Dizer a alguém “amo-te”, é verdadeiramente amá¬lo com todo o seu coração, com todas a sua força, sem falhas?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

  • S. Nuno de Santa Maria, Religioso

    S. Nuno de Santa Maria, Religioso


    6 de Novembro, 2024

    Nuno Álvares Pereira nasceu a 24 de Junho de 1360. Aos treze anos tornou-se pajem da rainha D. Leonor, sendo, pouco depois, armado cavaleiro. Por vontade de seu pai, casou-se aos 16 anos. Dos três filhos do seu matrimónio, dois faleceram ainda crianças, ficando apenas uma filha, Beatriz, que veio a casar com o filho do rei D. João I, D. Afonso, primeiro duque de Bragança. Quando, a 22 de Outubro de 1383, faleceu rei D. Fernando I, não deixou filhos varões, mas apenas uma filha casada com o rei de Castela, que pretendeu apoderar-se da coroa de Portugal. Opôs-se-lhe D. João, Mestre de Avis, irmão de D. Fernando, com o apoio de D. Nuno Alvares Pereira. Este, nomeado Condestável, conduziu o exército português a várias vitórias contra os castelhanos, até à vitória final, em Aljubarrota, a 14 de Agosto de 1385. O Condestável, aos dotes militares, aliava uma espiritualidade sincera e profunda, caraterizada pelo amor à Eucaristia e à Virgem Maria. Com a morte da sua esposa, em 1387, D. Nuno recusa contrair segundas núpcias e, quando a paz é definitivamente estabelecida, distribui grande parte dos bens pelos seus companheiros, antigos combatentes, e faz-se carmelita, com o nome de frei Nuno de Santa Maria. Logo após a sua morte, no dia 1 de Abril de 1431, Fre Nuno começou a ser chamado "santo" pelo povo. Beatificado por Bento XV beatificou-o, em 1918 e Bento XVI canonizou-o, em 2009.
    Lectio
    Primeira leitura: Ben Sirá 44, 1-3ab.4.6-7.10.13-14

    Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados,segundo as suas gerações. 2O Senhor deu-lhes grande glória e magnificência, desde o princípio do mundo. 3Eles governaram nos seus reinos, homens famosos pelo seu poder, conselheiros pela sua inteligência. 4Guias do povo, pelos seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade, sábios narradores, pelo seu ensino, 6Homens ricos, dotados de poder, vivendo em paz nas suas casas. 7Todos eles alcançaram glória entre os seus contemporâneos e foram honrados no seu tempo. 10Foram homens de misericórdia, cujas obras de piedade não foram esquecidas. 13A sua posteridade permanecerá para sempre, e a sua glória não terá fim. 14Os seus corpos foram sepultados em paz, e o seu nome vive de geração em geração.

    Ben Sirá evoca as figuras ilustres que marcaram o passado da história de Israel para, com o seu exemplo, infiltrar vida nova no presente e projetar a esperança do povo na direção do futuro. Se estes homens baseavam a sua esperança na perpetuidade da sua memória, nas homenagens que lhes prestariam as gerações futuras, uma vez que ainda não lhes era muita clara a vida para além da morte, a nossa esperança de cristãos baseia-se em motivações bem mais sólidas: Cristo morto e ressuscitado, nossa esperança. S. Nuno de Santa Maria, grande pelo heroísmo e generosidade com que serviu o povo e pelas benemerências que lhe prestou, é ainda maior pela sua fé, pela sua esperança e pela sua caridade. Animado por essas virtudes, serviu a Pátria e, sobretudo, serviu a Deus.
    Evangelho: Lucas 14, 25-33

    Naquele tempo, seguia Jesus uma grande multidão. Jesus voltou-se e disse-lhes: 26«Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. 27Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo. 28Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? 29Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, 30dizendo: 'Este homem começou a construir e não pôde acabar.' 31Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem contra ele com vinte mil? 32Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a pedir a paz. 33Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.

    O seguimento de Jesus é exigente. Não se pode ser cristã a meias. É o que nos ensinam as duas parábolas (vv. 27-30 e 31-32) e as três sentenças (vv. 26.27.32) que escutamos no evangelho da memória de S. Nuno de Santa Maria. Se os projetos deste mundo impõem custos, planos, sacrifícios, o seguimento de Jesus não é menos exigente. Por isso, se alguém quer ser discípulo de Jesus, deve tomar a cruz para segui-lo (cf. v. 26). A nossa lei é Cristo, com a sua entrega aos pequenos, a sua mensagem de esperança, de perdão e o seu caminho de verdade/fidelidade até à morte. S. Nuno foi discípulo verdadeiro e fiel, como cristão leigo, como militar, como religioso.
    Meditatio

    "Sabei que o Senhor me fez maravilhas. Ele me ouve, quando eu o chamo" (Sl 4, 4). Estas palavras do Salmo Responsorial exprimem o segredo da vida do bem-aventurado Nuno de Santa Maria, herói e santo de Portugal. Os setenta anos da sua vida situam-se na segunda metade do século XIV e primeira do século XV, que viram aquela nação consolidar a sua independência de Castela e estender-se depois pelos Oceanos - não sem um desígnio particular de Deus - abrindo novas rotas que haviam de propiciar a chegada do Evangelho de Cristo até aos confins da terra. São Nuno sente-se instrumento deste desígnio superior e alistado na militia Christi, ou seja, no serviço de testemunho que cada cristão é chamado a dar no mundo. Características dele são uma intensa vida de oração e absoluta confiança no auxílio divino. Embora fosse um ótimo militar e um grande chefe, nunca deixou os dotes pessoais sobreporem-se à ação suprema que vem de Deus. São Nuno esforçava-se por não pôr obstáculos à ação de Deus na sua vida, imitando Nossa Senhora, de Quem era devotíssimo e a Quem atribuía publicamente as suas vitórias. No ocaso da sua vida, retirou-se para o Convento do Carmo por ele mandado construir. Sinto-me feliz por apontar à Igreja inteira esta figura exemplar nomeadamente pela presença duma vida de fé e oração em contextos aparentemente pouco favoráveis à mesma, sendo a prova de que em qualquer situação, mesmo de carácter militar e bélico, é possível atuar e realizar os valores e princípios da vida cristã, sobretudo se esta é colocada ao serviço do bem comum e da glória de Deus. (Bento XVI, Homilia da Canonização de S. Nuno de Santa Maria).
    Oratio

    Senhor nosso Deus, que destes a S. Nuno de Santa Maria a graça de combater o bom combate e o tornastes exímio vencedor de si mesmo, concedei aos vossos servos que, dominando como ele as sedições do mundo, com ele vivam para sempre na pátria celeste. Ámen.
    Contemplatio

    "A devoção a Maria, diz Santo Efrém, é "um salvo-conduto para o céu". "Maria é uma advogada que não perde as suas causas", diz S. Bernardo. Temos disso a prova no milagre de Caná. "Ela não se cansa de nos defender", diz S. Germano... Santo Anselmo aplica-lhe o que é dito da Sabedoria nos santos livros: "Ela antecipa-se às nossas orações para nos vir socorrer" (Sab 6, 14). O mesmo Sto. Anselmo vai até ao ponto de dizer que o socorro vem às vezes mais depressa pela invocação de Maria, enquanto Jesus é Mestre e Juiz. "Como Maria é terrível para o demónio", diz S. Boaventura! E o Santo doutor aplica a Maria o que Job diz da Aurora que faz fugir os ladrões: "O diabo tal como os ladrões atravessa as muralhas de noite, mas se a aurora aparece, foge como os ladrões"... Guardemos a castidade segundo a nossa própria condição... Recitemos o pequeno ofício ou a liturgia das horas". (Leão Dehon, OSP 4, p. 64s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "A suas obras de piedade não foram esquecidas" (Ben Sirá, 44, 12).

     

    ----

    S. Nuno de Santa Maria, Religioso (6 de Novembro)

  • Dedicação da Basílica de Latrão

    Dedicação da Basílica de Latrão


    9 de Novembro, 2024

    A Basílica do Santíssimo Salvador, ou de S. João de Latrão, foi fundada pelo Papa Melquíades (311-314) sobre a colina de Latrão. Aí se celebraram sessões de cinco Concílios Ecuménicos. Aí o Papa celebra a Missa da Ceia do Senhor, em quinta-feira santa. Aí multidões de presbíteros e bispos foram ordenados ao longo dos séculos. Daí partiram muitos missionários para os cinco continentes. Uma vez que o Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, tem a sua sede na Basílica de Latrão, essa igreja é justamente chamada "mãe e cabeça de todas as igrejas", como se lê no seu frontispício. O aniversário da sua Dedicação é celebrado como festa litúrgica, desde o século XII.

     

    Lectio
    Primeira leitura: Ezequiel 47, 1-2.8-9.12

    Naqueles dias, o Anjo conduziu-me para a entrada do templo, e eis que saía água da sua parte subterrânea, em direcção ao oriente, porque o templo estava voltado para oriente. A água brotava da parte de baixo do lado direito do templo, a sul do altar. 2Fez-me sair pelo pórtico setentrional e contornar o templo por fora, até ao pórtico exterior oriental; vi rebentar a água do lado direito. 8Ele disse-me: «Esta água corre para o território oriental, desce para a Arabá e dirige-se para o mar; quando chegar ao mar, as suas águas tornar-se-ão salubres. 9Por onde quer que a torrente passar, todo o ser vivo que se move viverá. O peixe será muito abundante, porque aonde quer que esta água chegar, tornar-se-á salubre; e a vida desenvolver-se-á por toda a parte aonde ela chegar. 12Ao longo da torrente, nas suas margens, crescerá toda a sorte de árvores frutíferas, cuja folhagem não murchará e cujos frutos nunca cessam: produzirão todos os meses frutos novos, porque esta água vem do santuário. Os frutos servirão de alimento e as folhas, de remédio.

    O tema da manifestação da Glória de Javé na terra de Israel, no meio do seu povo, no templo, como centro vivificante, atinge, a sua máxima expressão no texto de Ezequiel, que hoje escutamos. A presença da Glória de Deus no meio de Israel provocará transformações, que trarão ao povo as mesmas condições de vida do início, da criação. Os quatro rios paradisíacos são agora uma única torrente que irrompe da entrada do templo e desce até Arabá pelo lado direito do mesmo templo. Começando por ser um simples arroio, vai crescendo até se tornar uma torrente intransponível, que fertiliza os campos até ao Mar Morto. O próprio Mar Morto volta a encher-se de vida, porque as suas águas salgadas se tornam salubres. Na nova Jerusalém dos tempos escatológicos, a presença de Javé será uma bênção manifestada em poder vivificante e criador. Este simbolismo da água é retomado pelo Novo Testamento: do Lado aberto de Cristo, templo de Deus no meio dos homens, brotará o Espírito que tudo renova e recria, verdadeira fonte de águas vivas que jorram para a vida eterna.
    Segunda leitura: 1 Coríntios 3, 9c-11.16-17

    Irmãos: Vós sois o edifício de Deus. 10Segundo a graça de Deus que me foi dada, eu, como sábio arquitecto, assentei o alicerce, mas outro edifica sobre ele. Mas veja cada um como edifica, 11pois ninguém pode pôr um alicerce diferente do que já foi posto: Jesus Cristo. 16Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? 17Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós.

    A construção da Igreja é realizada por impulso da misteriosa dinâmica divina, sob o alicerce que é Jesus Cristo. O contributo humano necessário, por vontade de Deus, será avaliado, não segundo a dignidade da tarefa encomendada, mas segundo o esforço voluntário de cada um. Tanto faz ser arquiteto como pedreiro! Mas o templo de Deus é a própria comunidade humana. É aí que Deus quer habitar. Os outros templos, mais ou menos grandiosos, hão-de ajudar a que, todos e cada um, se tornem templo do Deus vivo.
    Evangelho: João 12, 13-22

    Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. 14Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas nos seus postos. 15Então, fazendo um chicote de cordas, expulsou-os a todos do templo com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas pelo chão e derrubou-lhes as mesas; 16e aos que vendiam pombas, disse-lhes: «Tirai isso daqui. Não façais da Casa de meu Pai uma feira.» 17Os seus discípulos lembraram-se do que está escrito: O zelo da tua casa me devora. 18Então os judeus intervieram e perguntaram-lhe: «Que sinal nos dás de poderes fazer isto?» 19Declarou-lhes Jesus, em resposta: «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei!» 20Replicaram então os judeus: «Quarenta e seis anos levou este templo a construir, e Tu vais levantá-lo em três dias?» 21Ele, porém, falava do templo que é o seu corpo. 22Por isso, quando Jesus ressuscitou dos mortos, os seus discípulos recordaram-se de que Ele o tinha dito e creram na Escritura e nas palavras que tinha proferido.

    Jesus entrara em Jerusalém como vencedor da morte e senhor da vida - ressuscitara Lázaro; entrara no ambiente próprio de um rei triunfante, como indicavam os ramos de palmeira associados ao triunfo dos Macabeus (cf. 1 Mac 13, 50-52; 2 Mac 10, 1-9). Mas é ele próprio que encontra um jumento e monta nele. Não é, pois, o Messias no sentido que o povo esperava, mas o Messias anunciado por Zacarias (cf. Zc 9, 9). Só a partir da sua morte e ressurreição, graças à presença do Espírito, é que tudo isto é entendido pelos próprios apóstolos. Ao contrário do que se pensava, não é o povo que dá autoridade a Jesus, mas o Pai. O seu reino também não é deste mundo. Por isso, os judeus nada tinham a temer, quando verificaram: "toda a gente vai atrás d´Ele."
    Meditatio

    Hoje a Igreja-Mãe chama-nos para Roma a fim de, ao menos em espírito, celebrarmos com ela o aniversário da Dedicação da Sé Catedral do Papa, que não é, como muitos julgam, a Basílica de S. Pedro do Vaticano, mas é exatamente a Basílica de S. João de Latrão.
    A liturgia hodierna sublinha claramente o significado da igreja-edifício, como sinal visível do único verdadeiro templo que é o corpo pessoal de Cristo e o seu corpo místico, que é a Igreja, que celebra num determinado lugar o culto em espírito e em verdade (cf. Jo 4, 23; At 2, 46s.). Para além da sacralização do espírito material, somos estimulados a colher em Cristo homem-Deus a verdadeira sacralidade que, a partir dele, se comunica a todo o povo santo e sacerdotal, batizado e crismado no Espírito, unido ao sumo e eterno sacerdote na única oblação (Heb 10, 14).
    A casa do povo de Deus, no que diz respeito à estrutura, ao decoro e à funcionalidade, deve ser tida a peito por todos os crentes, que nela renascem para a vida divina, e que nela serão abençoados para o último êxodo pascal, rumo à pátria. É casa de todos e, como tal, deve ser cuidada e guardada com amor também no seu aspeto exterior, que é sinal da nossa pureza interior" (CEI, Rito da Dedicação de uma igreja, Orientações Pastorais, Roma 1981, 12-14).
    Na festa da Dedicação da Catedral de Roma, sigamos um conselho do P. Dehon: "Renovemos a nossa devoção e a nossa confiança para com a Igreja romana. Sejamos dóceis a todos os seus ensinamentos, a todas as suas orientações. Amemo-la, veneremo-la tanto mais quanto mais ela for atacada e combatida. Rezemos pelo Soberano Pontífice e pela Igreja". (Leão Dehon, OSP 3, p. 70).
    Oratio

    Senhor, Pai santo, nós vos damos graças. Nesta casa visível, que nos destes a graça de construir, incessantemente concedeis os vossos favores à vossa família, que, neste lugar, peregrina para Vós. Aqui nos dais o sinal admirável da vossa comunhão connosco e nos fazeis participar no mistério da vossa aliança: aqui edificais o vosso templo, que somos nós, e fazeis crescer a Igreja, presente em toda a terra, na unidade do Corpo do Senhor, que, um dia, tornareis perfeita na visão da paz da celeste Jerusalém. Com os Anjos e os Santos, nós Vos louvamos, no templo da vossa glória. Ámen. (cf. Prefácio da Missa).
    Contemplatio
    As grandes ordenações em S. João de Latrão são realmente emocionantes. A cerimónia é feita no coro da Basílica, ao pé da mesa da Ceia, testemunha da primeira ordenação no Cenáculo, junto das sagradas cabeças de S. Pedro e de S. Paulo, que depois de Jesus, são a nascente do sacerdócio, e nesta igreja que é a cabeça e a mãe de todas as igrejas. Sobre estas lajes prostraram-se, depois de S. Silvestre e de Constantino, muitos milhares de padres que vinham receber a unção sacerdotal ou a consagração episcopal. Daí partiram os apóstolos de tantas nações. Aí renova-se cada ano a nascente do apostolado pelas ordenações de clérigos de todas as nações. Experimentei aí as mais profundas e as melhores emoções da minha vida. (Leão Dehon, Memórias (NHV), 65-66).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O templo de Deus é santo, e esse templo sois vós" (1 Cor 3, 17).

     

    ----

    Dedicação Da Basílica De Latrão (9 de Novembro)

  • 32º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizada]

    32º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizada]

    10 de Novembro, 2024

    ANO B

    32.º DOMINGO DO TEMPO COMUM 

    Tema do 32.º Domingo do Tempo Comum

     

    A liturgia do 32.º Domingo do Tempo Comum fala-nos do verdadeiro culto, do culto que agrada a Deus. Mais do que rituais litúrgicos solenes e majestosos, Deus espera de nós uma atitude permanente de entrega nas suas mãos, de disponibilidade para os seus projetos, de escuta atenta das suas indicações, de generosidade, de partilha, de solidariedade para com os nossos irmãos.

    A primeira leitura apresenta-nos o exemplo de uma viúva pobre de Sarepta que, apesar da sua pobreza e necessidade, ouviu o apelo de Deus e repartiu os poucos alimentos que lhe restavam com o profeta Elias. A história dessa mulher garante-nos que a generosidade, a partilha e a solidariedade não empobrecem, mas são geradoras de vida abundante.

    O Evangelho convida-nos a ver, pelos olhos de Jesus, duas formas diferentes de “dar culto” a Deus. De um lado estão os “escribas”, homens-modelo de uma religião solene e formal, mas também vazia, hipócrita, teatral, fomentadora da exploração dos mais pobres, usada para fins egoístas de promoção pessoal; do outro lado está uma viúva pobre e humilde, mas que tem um coração generoso, que confia plenamente em Deus, que aceita viver num despojamento total de si própria para “dar tudo” a Deus. Jesus propõe-na aos discípulos que estão com Ele no átrio do templo como modelo do culto que devem prestar a Deus.

    A segunda leitura oferece-nos o exemplo de Cristo, o sumo-sacerdote perfeito. Cumprindo o projeto do Pai, Ele deu aquilo que tinha de mais precioso: a sua própria vida. Mostrou-nos, com o seu sacrifício, qual é o dom perfeito que Deus quer e espera de cada um dos seus filhos: a entrega de nós próprios para que o seu projeto para o mundo e para o homem se concretize.

     

    LEITURA I – 1 Reis 17,10-16

    Naqueles dias,
    o profeta Elias pôs-se a caminho e foi a Sarepta.
    Ao chegar às portas da cidade,
    encontrou uma viúva a apanhar lenha.
    Chamou-a e disse-lhe:
    «Por favor, traz-me uma bilha de água para eu beber».
    Quando ela ia a buscar a água, Elias chamou-a e disse:
    «Por favor, traz-me também um pedaço de pão».
    Mas ela respondeu:
    «Tão certo como estar vivo o Senhor, teu Deus,
    eu não tenho pão cozido,
    mas somente um punhado de farinha na panela
    e um pouco de azeite na almotolia.
    Vim apanhar dois cavacos de lenha,
    a fim de preparar esse resto para mim e meu filho.
    Depois comeremos e esperaremos a morte».
    Elias disse-lhe:
    «Não temas; volta e faz como disseste.
    Mas primeiro coze um pãozinho e traz-mo aqui.
    Depois prepararás o resto para ti e teu filho.
    Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel:
    ‘Não se esgotará a panela da farinha,
    nem se esvaziará a almotolia do azeite,
    até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra’».
    A mulher foi e fez como Elias lhe mandara;
    e comeram ele, ela e seu filho.
    Desde aquele dia, nem a panela da farinha se esgotou,
    nem se esvaziou a almotolia do azeite,
    como o Senhor prometera pela boca de Elias.

     

    CONTEXTO

    Encontramos no Livro dos Reis um conjunto de tradições ligadas à vida e à ação de uma figura fundamental do profetismo bíblico: o profeta Elias. Essas tradições aparecem, de forma intermitente, entre 1 Re 17,1 e 2 Re 2,12.

    Elias (cujo nome significa “o meu Deus é o Senhor” – o que, por si só, constitui logo um programa de vida) atua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX a.C., num tempo em que a fé javista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros (especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de Israel. Os reis de Israel, apostados em promover o intercâmbio cultural e comercial com as nações da zona, facilitaram a entrada no país de outros deuses. Mas essas razões políticas não foram entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. Elias dá voz aos “fiéis a Javé” que contestam a política religiosa dos reis de Israel. O ministério profético de Elias desenvolve-se sobretudo durante o reinado de Acab (875-853 a.C.), embora a sua voz também se tenha feito ouvir no reinado de Acazias (853-852 a.C.), sucessor de Acab.

    Elias é, pois, o grande defensor da fidelidade a Javé. Ele aparece como o representante dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Javé e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma apresentação teológica da luta sem tréguas que nessa época se trava entre os fiéis a Javé e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.

    Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot): ele representa os pobres de Israel, a cada passo vítimas dos aristocratas e dos poderosos comerciantes que subvertem as leis e os mandamentos de Deus.

    O ciclo de Elias começa com o anúncio, diante do rei Acab, de uma seca que irá atingir Israel (cf. 1 Re 17,1). Essa seca é apresentada, não tanto como um castigo pelos pecados do rei, mas sobretudo como uma forma de mostrar que é Javé (e não Baal, o deus cananeu que enviava as chuvas e tornava possível a fertilidade dos campos e a abundância das colheitas, cujo culto era favorecido por Jezabel, a esposa fenícia de Acab) o verdadeiro senhor da vida que brota, cada ano, nos campos e nos rebanhos. Fugindo da ira de Acab, Elias dirige-se para norte e chega a Sarepta (hoje Sarafand), uma pequena cidade da costa fenícia, a cerca de 15 quilómetros a sul de Sídon. É aí que o nosso texto nos situa.

     

    MENSAGEM

    Chegado a Sarepta, Elias dirige-se, por ordem de Deus, a casa de uma viúva que residia na cidade (vers. 8-9). Pede-lhe água para beber e um pedaço de pão para comer (vers. 9). No entanto a viúva – que provavelmente vive de esmolas e, nesse tempo de seca está completamente desprovida de meios de subsistência – apenas tem em casa um punhado de farinha e um pouco de azeite (vers. 10-11). Aliás, quando Elias chegou ela preparava-se para comer com o filho esses parcos alimentos, para depois se deitar, à espera da morte (vers. 12). Elias insiste com a mulher. Pede-lhe que, antes de preparar a comida que tem em casa para ela e para o filho, lhe traga um pequeno pão, feito com a farinha que resta (vers. 13). Garante-lhe, em nome de Deus, que a farinha não se acabará nem o azeite faltará até que a chuva volte a cair sobre a terra (vers. 14). De facto, assim aconteceu: por ação de Deus, durante todo o tempo que Elias permaneceu em casa da viúva, nem a farinha se acabou na panela, nem o azeite faltou na almotolia (vers. 15-16).

    Esta bela e expressiva história, de cariz bem popular, serviu aos autores deuteronomistas para comporem alguns importantes ensinamentos catequéticos. Antes de mais, ela garante aos israelitas, tentados pela adesão a Baal, que o trigo, o azeite e todos os outros alimentos que vêm da terra e que servem de alimento aos homens são dom de Javé e não de Baal. Aliás Javé, o Deus de Israel, é infinitamente mais poderoso que Baal, pois o seu poder atua até em casa de Baal e entre os súbditos de Baal (Baal era o deus mais popular entre as gentes da Fenícia, a região onde se situava a cidade de Sarepta).

    Em segundo lugar, os catequistas de Israel pretendem chamar a atenção para a predileção de Deus pelos fracos, pelos pequenos, pelos pobres, pelos desprezados. Neste caso concreto, os beneficiários da ação de Deus são uma viúva e um órfão, os exemplos clássicos, na Bíblia, dos débeis, dos desfavorecidos, dos que não têm voz, dos que não têm quem os defenda e os salve. Deus está especialmente ao lado desses – garante a catequese de Israel – manifestando-lhes a sua misericórdia e o seu cuidado de Pai, oferecendo-lhes a sua salvação.

    Em terceiro lugar, os catequistas de Israel procuram demonstrar que a partilha nunca empobrece e nunca prejudica seja quem for. O pão e o azeite que aquela mulher partilha com o profeta multiplicam-se milagrosamente durante todo o tempo que a carestia durou. Quando alguém é capaz de sair do seu egoísmo e tem disponibilidade para partilhar com os irmãos os dons recebidos de Deus, esses dons chegam para todos e ainda sobram. A generosidade, a partilha e a solidariedade são sempre geradoras de vida e de vida em abundância.

    Finalmente, os catequistas de Israel garantem, com esta história “de salvação” que beneficia uma mulher fenícia, que a graça de Deus é universal e se destina a todos os povos, sem distinção de raças, de fronteiras ou de crenças religiosas.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A história da viúva de Sarepta é uma das muitas histórias bíblicas que dão conta da predileção de Deus pelos desfavorecidos, pelos débeis, pelos pobres, pelos explorados, por aqueles que são colocados à margem da vida. Essa “opção” de Deus é uma “opção” natural: resulta do seu amor. O coração paternal e maternal de Deus inclina-se de forma especial para os seus filhos e filhas que vivem numa situação dramática de necessidade e precisam especialmente da bondade, da misericórdia e da ajuda de Deus. Para além disso, também é verdade que os pobres, os que não têm outras seguranças além de Deus, estão geralmente mais atentos a Deus e mais disponíveis para acolher os apelos, os desafios e os dons de Deus. No lado oposto estão os “ricos”, sempre preocupados com os seus bens, com os seus interesses egoístas, com os seus projetos e preconceitos, que dificilmente têm espaço para acolher as propostas que Deus lhes faz. Como é a nossa atitude diante de Deus? Somos “pobres” que reconhecem o amor e a bondade de Deus, que entregam toda a vida nas suas mãos, que lhe obedecem incondicionalmente, que confiam n’Ele de olhos fechados? Somos “ricos”, com o coração atravancado de certezas, de bens materiais, de apostas humanas, de sonhos de grandeza, que não têm espaço para acolher as propostas e os desafios de Deus?
    • A viúva de Sarepta, a mulher fenícia que acolheu em sua casa o profeta estrangeiro perseguido, tinha apenas uma quantidade mínima de alimento. Destinava-o a si própria e ao filho; mas, desafiada a partilhar, viu esse escasso alimento ser multiplicado uma infinidade de vezes… Esta história convida-nos a não nos fecharmos em esquemas egoístas de acumulação e de açambarcamento, esquecendo os nossos irmãos necessitados. Garante-nos que, quando repartimos, com generosidade e amor, aquilo que Deus colocou à nossa disposição, não ficamos mais pobres; os bens repartidos multiplicam-se e tornam-se fonte de vida e de bênção para nós e para todos aqueles que deles beneficiam. O que significam para nós os bens que Deus pôs à nossa disposição? Um “capital privado” exclusivamente ao nosso serviço, ou bens que Deus me encarregou de administrar e que pertencem a todos os outros filhos e filhas de Deus? O que dirige a minha vida é a preocupação egoísta da posse dos bens, ou é a generosidade e o amor?
    • Numa altura em que os israelitas eram tentados a colocar a sua esperança de vida em falsos deuses, o catequista que nos contou a história da multiplicação miraculosa da farinha e do azeite em favor do profeta Elias, da viúva de Sarepta e do seu filho quis dizer-nos que só Javé, o Deus verdadeiro, pode dar-nos vida em abundância. É uma mensagem que não podemos dar-nos ao luxo de esquecer. Todos os dias somos desafiados a apostar a nossa vida em “deuses” e em propostas de felicidade que não saciam a nossa fome de vida. Os bens materiais que nos dão segurança e bem-estar, as honrarias com que somos distinguidos, os triunfos humanos que conquistamos, a popularidade de que disfrutamos, não saciam a nossa fome de vida. Esses “deuses” – ou outros do mesmo tipo – não podem ser a base à volta da qual construímos a nossa existência. Só Deus nos dá a vida plena e verdadeira. Há na nossa vida “deuses” em quem colocamos a nossa esperança de realização e de plenitude? Quais são? Eles enchem de sentido a nossa existência?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 145 (146)

    Refrão 1:  Ó minha alma, louva o Senhor.

    Refrão 2: Aleluia.

    O Senhor faz justiça aos oprimidos,
    dá pão aos que têm fome
    e a liberdade aos cativos.

    O Senhor ilumina os olhos do cego,
    o Senhor levanta os abatidos,
    o Senhor ama os justos.

    O Senhor protege os peregrinos,
    ampara o órfão e a viúva
    e entrava o caminho aos pecadores.

    O Senhor reina eternamente;
    o teu Deus, ó Sião,
    é rei por todas as gerações.

     

    LEITURA II – Hebreus 9,24-28

    Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas,
    figura do verdadeiro,
    mas no próprio Céu,
    para Se apresentar agora na presença de Deus em nosso favor.
    E não entrou para Se oferecer muitas vezes,
    como sumo sacerdote que entra cada ano no Santuário,
    como sangue alheio;
    nesse caso, Cristo deveria ter padecido muitas vezes,
    desde o princípio do mundo.
    Mas Ele manifestou-Se uma só vez, na plenitude dos tempos,
    para destruir o pecado pelo sacrifício de Si mesmo.
    E, como está determinado que os homens morram uma só vez
    e a seguir haja o julgamento,
    assim também Cristo, depois de Se ter oferecido uma só vez
    para tomar sobre Si os pecados da multidão,
    aparecerá segunda vez, sem a aparência do pecado,
    para dar a salvação àqueles que O esperam.

     

    AMBIENTE

    A reflexão que a tradição cristã intitulou “Carta aos Hebreus” é um sermão de um mestre cristão anónimo – talvez um discípulo do apóstolo Paulo – que, pouco antes do ano 70, o destinou a cristãos que viviam a sua fé em condições muito difíceis e que, por isso, começavam a fraquejar no seu compromisso cristão. Recorrendo a citações e imagens tiradas do Antigo Testamento, o autor apresenta o mistério de Cristo, através de quem os homens têm acesso a Deus e são inseridos na comunhão real e definitiva com Deus. Postos em relação com o Pai por Cristo, o sacerdote que oferece a sua vida em sacrifício pelos seus irmãos, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã. Espera-se que eles respondam à ação de Cristo fazendo das suas próprias vidas um sacrifício de louvor, de entrega e de amor. A fé morna, enfraquecida, desmotivada, nunca poderá ser a resposta adequada dos que são chamados a integrar o Povo sacerdotal. Portanto, é preciso que os cristãos despertem da letargia em que vivem e que tratem de revitalizar o seu compromisso com Cristo.

    Depois de estabelecer que o sacerdócio de Cristo não lhe vem da linha levítica (os sacerdotes do Antigo Testamento pertenciam à tribo sacerdotal de Levi), mas sim de uma ordem mais antiga, a “ordem de Melquisedec” (cf. Heb 7,1-28), o autor da Carta aos Hebreus apresenta Cristo como o sacerdote perfeito, que preside à liturgia da nova Aliança (cf. Heb 8,1-9,28). Explica em que consiste essa perfeição e quais as suas consequências para a vida dos fiéis.

    Cristo, o eterno sacerdote que atravessou os céus e se sentou à direita de Deus, oficia na “tenda verdadeira”, no “novo santuário”, construído por Deus e não pelos homens (cf. Heb 8,1-5). Tornou-se assim o mediador de uma nova Aliança (cf. Heb 8,6-13), de uma Aliança bem mais perfeita do que a antiga Aliança do Sinai. O culto antigo, oficiado pelos sacerdotes levíticos num santuário terrestre, não podia tornar perfeitos aqueles que nele participavam (cf. Heb 9,1-10); mas a entrega de Cristo no altar da cruz, feita uma única vez, purificou os homens das obras mortas do pecado, levando-os a reconciliarem-se com o Deus vivo e a prestarem-lhe culto (cf. Heb 9,11-14). Cristo, o verdadeiro sacerdote, com o sacrifício que ofereceu ao Pai, aproximou definitivamente os homens de Deus e tornou-se o mediador de uma nova Aliança entre Deus e os homens (cf. Heb 9,15-22). O trecho de Heb 9,23-28 (a segunda leitura deste trigésimo segundo domingo comum) conclui esta secção: recapitula vários temas expostos nos versículos anteriores e acrescenta-lhes o tema da parusia (a ação de Cristo no final dos tempos).

     

    MENSAGEM

    No final da sua caminhada terrena com os homens, Cristo, o sacerdote perfeito, entrou no verdadeiro santuário que é o céu – a própria realidade de Deus, a habitação de Deus. Vivendo na intimidade do Pai, em comunhão com o Pai, Ele intercede continuamente pelos homens e dispõe o coração do Pai em favor dos homens (vers. 24).

    O sumo-sacerdote da antiga Aliança entrava no santuário todos os anos (o autor refere-se ao Dia da Expiação – o “Yom Kippur” – o único dia do ano em que o sumo-sacerdote entrava no “Santo dos Santos” do Templo de Jerusalém, a fim de aspergir o “propiciatório” com o sangue de um animal imolado), a fim de obter o perdão de Deus para os pecados do Povo; mas Cristo, depois de caminhar na terra ao lado dos homens e de oferecer a sua vida em sacrifício por todos, entrou uma só vez no santuário perfeito, levando o seu próprio sangue, e obteve a redenção de toda a humanidade – desde a criação do mundo, até ao final dos tempos. A entrega de Cristo, o seu sacrifício consumado no dom da vida, teve uma eficácia total e universal; com ela, Cristo conseguiu a destruição da condição pecadora do homem. A humanidade ficou, a partir desse instante, definitivamente salva (vers. 25-26).

    Cristo, o nosso sumo-sacerdote, há de manifestar-se novamente no final dos tempos (parusia). Nessa altura, a sua manifestação não será nem para oferecer um novo sacrifício, nem para condenar o homem; mas será para oferecer a salvação definitiva àqueles que Ele, com o seu sacrifício único e perfeito, libertou do pecado.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O autor da Carta aos Hebreus utiliza, para explicar a vida e a missão de Cristo, uma chave que lhe é fornecida pela teologia sacrificial véterotestamentária: os sacrifícios expiatórios oferecidos no templo pelos sacerdotes obtinham de Deus o perdão para os pecados do Povo; do mesmo modo, o sacrifício que Cristo fez da sua vida, obteve de Deus o perdão do homem pecador e reconciliou o homem com Deus. Isto corresponde realmente à forma como Jesus entendeu e viveu a sua missão? Jesus mostrou-se sempre consciente de que a missão que o Pai lhe entregou passava por libertar o homem das cadeias de egoísmo e de pecado que o prendiam. Desde o primeiro instante da sua pregação, pediu aos que o escutavam uma “metanoia”, uma transformação radical do coração, da mente, dos valores, das atitudes do homem; propôs, a cada passo, com a sua palavra e com o seu exemplo, que o homem passasse a percorrer o caminho do amor, da partilha, do serviço, do perdão, do dom da vida; lutou objetivamente contra as estruturas religiosas, sociais e políticas que perpetuavam a injustiça e o pecado… A sua morte foi a consequência da sua luta contra as estruturas que oprimiam o homem e que geravam egoísmo e morte. Sim, Ele ofereceu, de facto, a sua vida em sacrifício para nos libertar do pecado. Que impacto tem em nós o sacrifício de Cristo? Aquilo que Jesus nos disse e nos ensinou tem-nos ajudado a superar o egoísmo e a construir uma vida segundo os valores de Deus? Como Jesus, estamos disponíveis para lutar contra todas as estruturas que perpetuam o pecado, que desfeiam o mundo e ferem os nossos irmãos?

     

    • A primeira leitura e o Evangelho deste domingo tocam a temática do desapego, da partilha, da capacidade para “dar tudo”. Ora Cristo, com a entrega total da sua vida a Deus e aos homens, realizou plenamente esta dimensão. Ele “deu tudo”, até à última gota de sangue. Não se limitou a partilhar alguns bens perecíveis, mas deu aquilo que tinha de mais precioso: a sua própria vida. Ele mostrou-nos, com o seu sacrifício, qual é o dom perfeito que Deus quer e espera de cada um dos seus filhos. Mais do que solenes rituais litúrgicos, orações prolongadas e perfeitas, ou ofertas em dinheiro para os projetos da Igreja, Deus espera de nós o dom da nossa vida, a entrega de nós próprios para que o seu projeto para o mundo e para o homem se concretize. Limitamo-nos a dar a Deus algumas “migalhas” que nos sobram, alguns minutos do nosso dia, ou somos capazes de “dar tudo”, de colocar toda a nossa existência ao serviço do projeto de Deus?

     

    • O autor da Carta aos Hebreus garante-nos que Jesus Cristo, o sacerdote perfeito, venceu o pecado e está agora junto de Deus, a interceder por nós. Mais: garante-nos também que, no final do nosso caminho, Cristo lá estará à nossa espera para nos oferecer a Vida definitiva. Ora, isto não pode ser uma simples informação que mastigamos e pomos de lado; mas tem de ser algo verdadeiramente impactante, que enche de significado o nosso caminho na terra e que muda o nosso olhar sobre a vida. Faz-nos olhar a vida com confiança e renova em cada passo a nossa esperança. Caminhamos serenamente, sem nos deixarmos derrubar pela nossa fragilidade e pelo nosso pecado, porque sabemos que Cristo está junto do Pai a interceder por nós? Caminhamos em paz, porque sabemos que Cristo, o nosso irmão, está à nossa espera para nos acolher e para nos dar vida?

     

    ALELUIA – Mateus 5,3

     

    Aleluia. Aleluia.

     

    Bem-aventurados os pobres em espírito,
    porque deles é o reino dos Céus.

     

    EVANGELHO – Marcos 12,38-44

     

    Naquele tempo,
    Jesus ensinava a multidão, dizendo:
    «Acautelai-vos dos escribas,
    que gostam de exibir longas vestes,
    de receber cumprimentos nas praças,
    de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas
    e os primeiros lugares nos banquetes.
    Devoram as casas das viúvas
    com pretexto de fazerem longas rezas.
    Estes receberão uma sentença mais severa».
    Jesus sentou-Se em frente da arca do tesouro
    a observar como a multidão deixava o dinheiro na caixa.
    Muitos ricos deitavam quantias avultadas.
    Veio uma pobre viúva
    e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante.
    Jesus chamou os discípulos e disse-lhes:
    «Em verdade vos digo:
    Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros.
    Eles deitaram do que lhes sobrava,
    mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha,
    tudo o que possuía para viver».

     

    CONTEXTO

     

    Jesus entrou em Jerusalém há três dias. No final de cada dia sai da cidade e vai até Betânia, a aldeia situada no lado oriental do Monte das Oliveiras, onde passa a noite. Mas todas as manhãs desce o monte, acompanhado dos discípulos, passa pelo vale do Cedron, entra novamente em Jerusalém e dirige-se ao Templo. Aí, nos átrios do templo, ensina, conversa, responde a perguntas, discute com todos aqueles que vêm ao seu encontro.

    Esses dias têm sido marcados por polémicas com as autoridades judaicas (cf. Mc 11,15-19: a expulsão dos vendilhões do templo; Mc 12,1-12: a parábola dos vinhateiros homicidas; Mc 12,13-17: a questão do pagamento do tributo a César; Mc 12,18-27: a discussão com os saduceus sobre a ressurreição dos mortos). A cada momento vai ficando mais claro que o projeto do Reino, proposto por Jesus, é incompatível com a visão religiosa dos líderes judaicos. Num ambiente carregado de dramatismo, adivinha-se o choque decisivo entre Jesus e a instituição judaica e prepara-se o cenário da Cruz.

    Os líderes religiosos judaicos, tinham transformado a religião de Moisés – com os seus ritos, exigências legais, proibições e obrigações – numa proposta vazia e estéril, que não aproximava os homens de Deus. Comodamente instalados nos seus privilégios de classe, empenhados em assegurar os seus proventos e o seu bem-estar, interessados no reconhecimento público e nos aplausos das multidões, os líderes religiosos de Israel tinham posto a religião ao seu serviço e usavam-na para manipular o Povo.

    Jesus tinha esse mundo bem à vista quando ensinava nos átrios do Templo, rodeado pelos discípulos. À sua volta desenrolava-se o folclore religioso habitual, feito de rituais externos e de grandes gestos teatrais, frequentemente vazios de conteúdo. Os escribas (ou “doutores da Lei”), com as vestes pomposas que os distinguiam e os “tiques” de quem se julgava com direito a todas as deferências, honras e privilégios, deambulavam por ali, dando o seu espetáculo especial neste quadro religioso de vaidade, de ambição e de mentira.

    Em contraponto, Jesus repara no “átrio das mulheres”, onde uma viúva deposita, no tesouro do Templo, a sua humilde oferta (dons voluntários eram feitos com frequência, tendo por finalidade, por exemplo, cumprir votos). As viúvas, no ambiente palestino de então, sobretudo quando não tinham filhos que as protegessem e alimentassem, eram o modelo clássico do pobre, do explorado, do débil.

     

    MENSAGEM

     

    Num primeiro momento, Jesus faz incidir a atenção dos seus discípulos sobre os numerosos escribas que circulavam pelo espaço do templo (vers. 38-40). Geralmente do partido dos fariseus, os escribas eram os especialistas da Lei, tanto da Lei escrita, como da Lei oral. Estudavam e memorizavam as Escrituras e ensinavam aos seus discípulos as regras – as “halakot” – que deviam dirigir cada passo da vida dos fiéis israelitas. Eram eles também que julgavam, nos tribunais religiosos, aqueles que eram acusados de não cumprir a Lei. O Povo estimava-os, admirava-os, adulava-os, tinha-os em alto conceito, respeitava humildemente aquilo que eles diziam.

    Jesus, no entanto, tinha uma opinião diferente sobre eles. O olhar de Jesus não se detinha nas aparências, mas chegava à verdade última que existe no coração de cada pessoa. Jesus criticava, antes de mais, o exibicionismo dos escribas, que gostavam de usar roupas que os distinguissem e que revelassem, aos olhos do povo simples, o seu alto estatuto religioso e social (vers. 38). Procuravam criar à sua volta uma aura de importância, que só revelava vaidade mesquinha. Jesus também não apreciava a apetência que os escribas tinham pelos lugares de honra (vers. 39), quer em ambientes religiosos (como nas sinagogas), quer em ambientes civis (como nos banquetes, onde o lugar definia o “estatuto” do convidado). Para eles era crucial verem reconhecida a sua “categoria” e a sua importância aos olhos de todos. Jesus criticava, também, que eles se aproveitassem da boa-fé das pessoas para as explorar. Indignava-se especialmente quando os escribas, aproveitando-se da sua posição proeminente e da confiança que inspiravam enquanto intérpretes autorizados da Lei de Deus, exploravam os pobres e aqueles que eram especialmente vulneráveis: extorquiam esmolas e outros donativos, faziam-se pagar bem pelos seus serviços, exploravam e roubavam as viúvas que lhes confiavam a administração dos seus bens. Finalmente, Jesus criticava-os por se exibirem em solenes práticas religiosas (faziam “longas orações” – vers. 40), que não resultavam de uma piedade sincera, mas se destinavam apenas a “vender” uma imagem de proximidade com Deus que os ajudava a imporem-se às pessoas simples do Povo.

    Os escribas corporizam a realidade de uma religião hipócrita, mentirosa, interesseira, vazia de conteúdos, que não aproximava o homem de Deus nem mudava os corações. Mais: eram o rosto de uma religião que usava Deus e a santidade de Deus para satisfazer os interesses egoístas de uma classe que, afinal, estava muito afastada de Deus. Deus, naturalmente, não podia aprovar essa religião de fachada. Ao pedir aos seus discípulos “acautelai-vos dos escribas” (vers. 38), Jesus está a deixar claro que esse não é o comportamento que agrada a Deus, não é essa a religião verdadeira que Deus espera dos seus filhos.

     

    Em absoluto contraste com o quadro dos escribas, Jesus aponta aos discípulos a figura de uma mulher, que se aproxima de um dos treze recipientes situados no átrio do Templo, onde se depositavam as ofertas para o tesouro do santuário. Não sabemos o nome daquela mulher nem conhecemos o seu rosto; apenas sabemos que era viúva e pobre. A mulher deposita aí duas simples moedas (dois “leptá”, diz o texto grego. O “leptá” era uma moeda de cobre, a mais pequena e insignificante das moedas judaicas); contudo, aquela quantia insignificante era tudo o que a mulher possuía. A mulher é discreta e não dá nas vistas. A sua oferta humilde passa despercebida a quase todos. Apenas Jesus – que lê os factos com os olhos de Deus e sabe ver para além das aparências – percebe naquelas duas insignificantes moedas oferecidas a marca de um dom total, de um completo despojamento, de uma entrega radical e sem medida.

    Algum tempo antes, enquanto caminhava para Jerusalém, Jesus tinha encontrado um homem rico que estava interessado em “alcançar a vida eterna” e que cumpria todos os mandamentos, mas que não quis vender os seus bens, repartir o seu dinheiro com os pobres e tornar-se discípulo (cf. Mc 10,17-22); agora Jesus tem à sua frente uma viúva pobre, sem meios de subsistência, que sem ninguém lhe pedir nada dá “tudo o que tem”. Não dá o que tem a mais, o supérfluo; dá aquilo de que ela própria necessita para viver. Fica sem nada. Com o seu dom a mulher manifesta, simultaneamente, a sua generosidade, o seu desprendimento e a sua confiança em Deus. O “dom total” da viúva de alguma forma anuncia o “dom total” que Jesus se prepara para fazer da sua vida.

    O gesto desta mulher tem a marca da religião autêntica. O encontro com Deus, o culto que Deus quer passa por gestos simples e humildes, gestos que talvez ninguém note mas que são sinceros, verdadeiros, e expressam a entrega generosa e o compromisso total. O verdadeiro crente não é o que cultiva gestos teatrais e espampanantes, que impressionam as multidões e que são aplaudidos pelos homens; mas é o que aceita despojar-se de tudo, prescindir dos seus interesses e projetos pessoais, para se entregar completa e gratuitamente nas mãos de Deus, com humildade, generosidade, total confiança, amor verdadeiro. É este o exemplo que os discípulos de Jesus devem imitar; é esse o culto verdadeiro que eles devem prestar a Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

     

    • Como nos relacionamos com Deus? O que devemos fazer para nos encontrarmos com Ele? Como respondemos ao seu amor e ao seu cuidado de Pai? Que é que Deus espera de nós? Jesus tinha, sobre isto, ideias bastante claras. Ele estava plenamente convicto de que não se chega ao encontro com Deus através de ritos externos mais ou menos solenes, ou de atos cultuais cuidadosamente encenados mas que não passam de atos formais determinados pelo calendário litúrgico… Jesus achava que a resposta do crente a Deus, a resposta que agrada a Deus e que Deus espera, passa por gestos simples e generosos que expressem a doação total da própria vida, a entrega confiada nas mãos de Deus, a renúncia ao próprio critério para acolher os desafios e indicações de Deus, a obediência incondicional a Deus. O verdadeiro crente é aquele que, no silêncio e na simplicidade dos gestos mais banais, com um coração desprendido e generoso, coloca toda a sua existência nas mãos de Deus. Qual é a nossa resposta ao Deus que nos ama com cuidados de Pai? A nossa “religião” é uma “religião” de gestos externos e de rituais balofos, ou é uma “religião” de escuta de Deus e de obediência incondicional à sua vontade?

     

    • Jesus, no átrio do templo de Jerusalém, chama a atenção dos discípulos para uma mulher, viúva e pobre, que apesar da sua pobreza deposita no recipiente das esmolas tudo o que tem. Os olhos de Jesus fixam-se muitas vezes em homens e mulheres simples, que são humildes, generosos e capazes de grandes gestos de amor. Na reflexão bíblica, os pobres, pela sua situação de carência, debilidade e necessidade, são considerados os preferidos de Deus, aqueles que são objeto de uma especial proteção e ternura por parte de Deus. Por isso, eles são olhados com simpatia e até, numa visão simplista e idealizada, são retratados como pessoas pacíficas, humildes, piedosas, cheias de “temor de Deus” (isto é, que se colocam diante de Deus com serena confiança, em total obediência e entrega). Este retrato, naturalmente um pouco estereotipado, não deixa de ter um sólido fundo de verdade: somente os “pobres – aqueles que têm um coração despojado, não apenas de bens materiais, mas também de orgulho, de vaidade, de autossuficiência – são capazes de estar disponíveis para acolher os desafios de Deus e para aceitar, com humildade e simplicidade, os valores do Reino. Os nossos corações são corações de “pobre”, sempre disponíveis para escutar Deus e para acolher com generosidade e amor os desafios de Deus?

     

    • Jesus aponta aos discípulos os escribas que passeiam pelos átrios do templo e diz: “acautelai-vos dos escribas”. É um aviso muito sério, que também nós precisamos de escutar. Na aparência, os escribas praticam ações religiosamente corretas e são pilares da comunidade religiosa israelita; na prática, são pessoas pretensiosas e arrogantes, dominadas por sentimentos de egoísmo, de ambição e de vaidade, que apostam tudo nos bens materiais, mesmo que isso implique explorar e roubar as viúvas e os pobres… Na verdade, nos corações desses pretensos “homens-modelo” da religião não há lugar para Deus e para os outros irmãos; só há lá lugar para os seus interesses mesquinhos e egoístas. Eles são a antítese daquilo que os discípulos de Jesus devem ser. Temos efetivamente de “acautelar-nos”, a fim de não cairmos neste modelo de vivência falsa da fé. Existem ainda hoje destes “escribas” nas nossas comunidades cristãs? Alguma vez nos sentimos, nós próprios, pessoas que vivem uma fé de fachada, com atitudes práticas que não estão em consonância com os valores do Reino de Deus?

     

    • Por vezes temos a tendência para olhar as pessoas de forma ligeira, fixarmo-nos nas aparências e tirarmos a partir daí as nossas conclusões. Não é um bom método, se estivermos interessados em apreender a realidade profunda das coisas. Jesus não julgava as pessoas pelas aparências. Ele diz-nos que muitas vezes é precisamente aquilo que consideramos insignificante, desprezível, pouco edificante, que é verdadeiramente importante e significativo. O caso da viúva do Evangelho deste dia é paradigmático. Com frequência, Deus chega até nós na humildade, na simplicidade, na debilidade, nos gestos silenciosos e simples de alguém em quem nem reparamos. Temos de aprender a ir ao fundo das coisas e a olhar para o mundo, para as situações, para a história e, sobretudo, para os homens e mulheres que caminham ao nosso lado, com o olhar de Deus. Como é que avaliamos os irmãos e irmãs que se cruzam connosco? Com o olhar ligeiro de quem só está interessado nas aparências, ou com o olhar profundo e verdadeiro de Jesus?

     

    • Uma das críticas que Jesus faz aos doutores da Lei é que eles se servem da religião, a partir da sua posição de intérpretes oficiais e autorizados da Lei, para obter honras e privilégios. Trata-se de uma tentação sempre presente, ontem como hoje… Em nenhum caso a nossa fé, o nosso lugar na comunidade, a consideração que as pessoas possam ter por nós ou pelas funções que desempenhamos podem ser utilizadas, de forma abusiva, para “levar a água ao nosso moinho” e para conseguir privilégios particulares ou honras que não nos são devidas. Temos consciência de que a utilização da religião para fins egoístas é um comércio ilícito e abominável, que pode constituir um enorme contratestemunho para os irmãos que nos rodeiam?

     

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 32.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

     

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 32.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    1. BILHETE DE EVANGELHO.

    Naquele dia, no templo, havia muitos ricos e uma pobre viúva. Só Jesus repara nesta mulher cuja pobreza é dupla, financeira e afetiva. Os ricos fazem barulho com as suas mãos que depositam no tronco grandes somas. A mulher é mais discreta, só Jesus consegue ouvir cair as duas pequenas peças. Uma vez mais, Jesus não se contenta em ver as aparências, procura ver o coração. Ele vê que aquilo que distingue a pobre viúva dos ricos é o seu coração que motiva a primeira a tomar sobre a sua indigência, os segundos sobre o seu supérfluo. Parece que a mulher não contou, não negociou com Deus, ela deu tudo, tudo o que tinha para viver. Os ricos dão com boa consciência, a mulher dá com bom coração. É por isso, diz Jesus, que ela deu mais do que toda a gente, não em quantidade, mas em generosidade.

     

    1. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Jesus discreto no templo… Vê os ricos, mas a sua atenção vira-se para a pobre viúva. Olhar curioso, inquiridor? Não! Como seu Pai, Jesus ultrapassa as aparências, vê o coração. A viúva deu toda a sua vida, tudo o que tinha. Não se questiona sobre como vai viver a seguir. Dá um salto no abandono total de si mesma ao Senhor. Ela é verdadeiramente filha de Abraão, o Pai da fé. Espera contra toda a esperança. Lança-se nos braços de Deus. Ao olhar esta pobre viúva, Jesus devia pensar certamente em si mesmo… Também nós somos reenviados a nós mesmos. Não se trata daquilo que damos no peditório, em cada domingo! Trata-se da nossa fé, da confiança que damos ao nosso Pai dos céus. Todos nós conhecemos momentos em que tudo escurece, em que não temos mais apoios, em que a nossa vida parece tremer. É então que se pode verificar a solidez da nossa fé, da nossa confiança. “Senhor, eu creio, mas vem em auxílio da minha pouca fé! Pai, entrego-me nas tuas mãos!”

     

    1. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    A oração silenciosa… Para nos colocarmos sob o olhar de Jesus, tomemos nesta semana tempo para a oração silenciosa. Esta não deve ser “vazia”. É um tempo em que nos pomos na presença do Senhor e em que, depois de algumas palavras de louvor, o silêncio nos ajuda a sentir o olhar amoroso de Cristo.

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • S. Martinho de Tours, Bispo

    S. Martinho de Tours, Bispo


    11 de Novembro, 2024

    S. Martinho nasceu na Panónia, na atual Hungria, no ano 316. O pai orientou-o para a carreira militar. Ainda catecúmeno, deu prova de coerência e de amor cristão para com os pobres. Recebido o batismo, orientado por S. Hilário de Poitiers, deixou as armas e consagrou-se a Deus na vida monástica. Começou por viver como eremita. Depois, sempre aconselhado por S. Hilário, fundou em Ligugè o primeiro mosteiro cristão do Ocidente. Em 373 foi escolhido para bispo de Tours. Até à morte, ocorrida em 397, dedicou-se com incansável solicitude à formação do clero, à pacificação entre os povos e à evangelização. Foi um dos primeiros santos, não mártires, a ser honrado pela liturgia da Igreja.
    Lectio
    Primeira leitura: Da féria ou do Comum
    Evangelho: Mateus 25, 31-40

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 34O Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes".

    O discurso sobre o "juizo final", é o ponto final e culminante do ministério público de Jesus, segundo Mateus. Retomando o capítulo 7 de Daniel, Jesus fala do Filho do homem como juiz glorioso que introduz no reino de Deus. Todos passam por um discernimento inevitável (vv. 32s.), cujo critério surpreende. Nesse momento, de fato, fica-se a compreender que o Filho do homem vindo na glória "com todos os seus anjos" (v. 31), estava desde sempre presente em todos os pobres e fracos. O Filho do homem, agora sentado no trono de glória, identifica-se com todos os "irmãos mais pequeninos" (v. 40). Felizes o que neste mundo tiverem partilhado a sua porção dealegria com os aflitos. Com surpresa, irão herdar o reino para eles preparado pelo Pai "desde a criação do mundo" (v. 34).
    Meditatio

    Deus, misericordioso para com todos, particularmente para com os pobres, os famintos, os aflitos, revela o seu poder e a sua bem-aventurança realizando generosamente as obras de misericórdia. Os que, ensinados por Cristo, e com a graça do Espírito Santo, imitam a Deus Pai na sua misericórdia, são verdadeiramente bem-aventurados. S. Martinho de Tours é um desses bem-aventurados, porque sobre partilhar a sua capa, e tudo quanto era e quanto possuía, com os mais pobres e aflitos. O povo cristão admirou a sua generosidade e reconheceu a sua bem-aventurança, venerando-o, celebrando-o e criando sugestivas tradições ligadas à sua memória. A sua vida, escrita por Sulpício Severo, chegou bem depressa a todo o Império romano. Durante a Idade Média fizeram-se peregrinações ao seu sepulcro, quase tantas como aos sepulcros dos Apóstolos, em Roma. A sua fama de taumaturgo transportava toda a espécie de enfermos e necessitados, com a esperança de alcançarem cura das suas doenças e males.
    Nascido de pais pagãos, Martinho converteu-se ao cristianismo, recebendo o batismo. Cheio de Espírito Santo, amou a todos com o coração de Cristo, dando o que tinha recebido, sem fazer cálculos. A sua caridade era intuitiva e preveniente. Começou por dar a todos o que tinha de mais precioso: a vida da graça. Como monge, deu a sua oração perene de louvor, de ação de graças e de intercessão. Como bispo, prodigalizou-se em favor dos doentes e pobres, que o aguardavam à porta da igreja, esperando a cura, e a generosidade das suas esmolas. Chegou a dar a sua própria roupa, logo depois de endossar os paramentos litúrgicos. Descobriu a Cristo nos pobres quando ainda era militar e catecúmeno e, desde então, a sua vida tornou-se milícia em prol do evangelho.
    "É na disponibilidade e no amor para com todos, especialmente para com os pequenos e os que sofrem, que viveremos a nossa união a Cristo. Como poderíamos, efetivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, senão amando como Ele em obras e em verdade? Neste amor de Cristo encontramos a certeza de alcançar a fraternidade humana e a força de lutar por ela." (Cst 18). S. Martinho, amando como Cristo, compreendeu e experimentou o seu amor.
    Oratio

    S. Martinho, a piedade, o amor por Nosso Senhor, o zelo pela perfeição, a caridade para com o próximo são uma bela regra de vida. Todas estas virtudes estão interligadas. O desapego e a austeridade são a sua condição, mas é o amor que dá asas à alma para avançar rapidamente pela via da santidade. Grande santo, fazei-me participar no vosso grande amor por Nosso Senhor. Amén. (cf. Leão Dehon, OSP 4, p. 448s.).
    Contemplatio

    A caridade é a virtude caraterística de S. Martinho. É apresentado dando metade do seu manto a um pobre. Foi este grande ato de caridade que lhe ganhou o Coração de Nosso Senhor e que lhe preparou todas as suas graças. Foi um apóstolo infatigável. Percorreu a Gália, convertendo os pagãos pelas suas pregações e pelos seus milagres. Destruía os templos e mandava construir igrejas para os substituir. Na sua bondade, solicitava junto dos príncipes, em Tréveris, o perdão dos criminosos, a liberdade dos cativos, o regresso dos exilados ou o alívio dos pobres e dos infelizes. Sabia persuadir o imperador de que todas estas obras serviam para a sua glória. Ao cair doente, está pronto para retardar a alegria da sua recompensa, se Nosso Senhor ainda o quiser utilizar na terra. Quando os seus discípulos em lágrimas lhe suplicam que os não deixe, dirige a Nosso Senhor esta oração tão conhecida: «Senhor, se sou ainda necessário ao vosso povo, não me recuso a trabalhar. Seja feita a vossa vontade!» Este era o segredo dos seus sucessos apostólicos e dos seus progressos incessantes na virtude: a conformidade à vontade divina em todas as coisas. Esta admirável vida convida-nos ao louvor de Deus, ao reconhecimento e à imitação das virtudes deste amável santo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 449).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Senhor, se ainda sou necessário ao vosso povo, não me recuso a trabalhar. Seja feita a vossa vontade!" (S. Martinho de Tours).

     

    ----

    S. Martinho de Tours, bispo (11 de Novembro)

  • S. Gertrudes, Virgem

    S. Gertrudes, Virgem


    16 de Novembro, 2024

    Santa Gertrudes nasceu no dia 6 de Janeiro de 1256, festa da Epifania, mas nada se sabe dos seus pais, nem do lugar do seu nascimento. Entrou no mosteiro com cinco anos, em 1261, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Ali transcorreu toda a sua existência. Adquiriu vasta cultura e entregou-se à vida contemplativa. Foi uma das maiores místicas da Idade Média. As suas obras estão na base da difusão do culto do Sagrado Coração de Jesus. É uma das padroeiras da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.
    Lectio
    Primeira leitura: Efésios 3, 14-19

    Irmãos: Eu dobro os joelhos diante do Pai, 15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.

    Depois de ter anunciado as maravilhas de Deus, Paulo irrompe numa oração vibrante de amor. Ajoelha diante do Pai, origem de toda a paternidade no céu e na terra (v. 15), e pede-lhe que os Efésios sejam fortificados interiormente pelo Espírito Santo (v. 16). No fundo, pede para eles uma fé robusta, para que Cristo habite nos seus corações e, desse modo, cresça neles o sinal típico de pertença a Cristo: a caridade. O Apóstolo sabe que, só quando estiverem «enraizados e alicerçados no amor» (v. 17), em comunhão com os outros crentes, serão capazes de compreender «a largura, o comprimento, a altura e a profundidade» daquele amor que ultrapassa todas as categorias humanas (v. 18). Assim é porque é de Deus e só com a força de Deus podemos realizar a nossa vocação: receber «a plenitude de Deus» (v. 19). Com entusiasmo, Paulo louva a Deus porque é capaz de realizar maravilhas muito maiores do que possamos pensar e desejar. Sentimos em todo o texto que o conhecimento do mistério de Deus não é fruto do nosso esforço intelectual, mas de amor admirado, que brota de uma atitude profundamente interior e contemplativa.
    Evangelho: da féria ou do Comum
    Meditatio

    Santa Gertrudes, a Grande, é uma das místicas mais famosas... Com a sua vida e pensamento, ela incidiu de modo singular sobre a espiritualidade cristã. É uma mulher extraordinária, dotada de particulares talentos naturais e de excecionais dons de graça, de humildade profundíssima e de zelo ardente pela salvação do próximo, de íntima comunhão com Deus na contemplação e de prontidão no socorro aos necessitados...
    Entra no mosteiro com cinco anos, em 1261, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Ali transcorre toda a sua existência... Gertrudes é uma estudante extraordinária... Fascinada pelo saber, dedica-se ao estudo profano com fervor e tenacidade, alcançando êxitos escolares para além de qualquer expectativa... A literatura, a música, o canto e a arte da miniatura conquistam-na; tem uma índole forte, decidida, imediata e impulsiva; diz com frequência que é negligente; reconhece os seus defeitos e pede humildemente perdão pelos mesmos. Com humildade, pede conselhos e orações pela sua conversão. Há características do seu temperamento e defeitos que a acompanham até ao fim, a ponto de causar admiração a certas pessoas que se interrogam como o Senhor a prefere tanto. Como estudante, passa a consagrar-se totalmente a Deus na vida monástica e, durante vinte anos, não acontece nada de extraordinário: o estudo e a oração são a sua atividade principal... A 27 de Janeiro de 1281, poucos dias antes da festa da Purificação da Virgem, por volta da hora das Completas, à noite, o Senhor ilumina as suas densas trevas. Com suavidade e docilidade, acalma a inquietação que a angustia. Gertrudes vê nessa inquietação como que um dom do próprio Deus, «para abater aquela torre de vaidade e de curiosidade que, apesar do nome e do hábito de religiosa, eu ia erguendo com a minha soberba, para assim encontrares o modo para me mostrar a tua salvação» (Ibid., II, 1, p. 87). Gertrudes tem a visão de um jovem que a leva a superar o enredo de espinhos que oprime a sua alma, guiando-a pela mão. Naquela mão, «o traço precioso daquelas chagas que ab-rogaram todos os atos de acusação dos nossos inimigos» (Ibid., II, 1, p. 89), reconhece Aquele que, na Cruz, nos salvou com o seu sangue, Jesus.
    A partir daquele momento, a sua vida de íntima comunhão com o Senhor intensifica-se... mesmo quando, doente, não podia ir ao coro...A sua biógrafa indica dois rumos daquela que poderíamos definir uma sua particular «conversão»: nos estudos, com a passagem radical dos estudos humanísticos profanos para os teológicos e, na observância monástica, com a passagem da vida que ela define negligente para a vida de oração intensa e mística, com um ardor missionário extraordinário. O Senhor, que a tinha escolhido desde o seio materno e desde criança a tinha levado a participar no banquete da vida monástica, chama-a com a sua graça «das coisas externas para a vida interior e das ocupações terrenas para o amor das realidades espirituais». Gertrudes compreende que está distante dele, na região da dissemelhança, como ela diz com Santo Agostinho; que se tinha dedicado com demasiada avidez aos estudos liberais, à sabedoria humana, descuidando a ciência espiritual, privando-se do gosto da verdadeira sabedoria; agora é conduzida para o monte da contemplação, onde deixa o homem velho para se revestir do novo. Gertrudes transforma tudo isto em apostolado: dedica-se a escrever e divulgar a verdade de fé com clareza e simplicidade, graça e persuasão, servindo a Igreja com amor e fidelidade, a ponto de ser útil e agradável aos teólogos e às pessoas piedosas. Resta-nos pouco desta sua intensa atividade, também por causa das vicissitudes que levaram à destruição do mosteiro de Helfta. Além do Arauto do amor divino ou das Revelações, dispomos ainda dos Exercícios espirituais, uma joia rara da literatura mística espiritual... Orientada para a comunhão sem fim, conclui a sua vicissitude terrena no dia 17 de Novembro de 1301, ou 1302, com cerca de 46 anos. (Extratos da catequese do Santo Padre Bento XVI, na Praça de S. Pedro, a 6 de Outubro de 2010).

    Oratio

    Rezemos com Santa Gertrudes: "Ó Jesus, Tu que me és imensamente querido, está sempre comigo, para que o meu coração permaneça contigo e o teu amor persevere comigo, sem possibilidade de separação, e o meu trânsito seja abençoado por ti, de tal modo que o meu espírito, livre dos vínculos da carne, possa encontrar repouso imediatamente em ti. Amém! (Exercícios Espirituais).
    Contemplatio

    «Eu vos adoro, vos saúdo e vos bendigo, ó doce Senhor Jesus Cristo, agradecendo-vos pelo amor com o qual vós quisestes, para nos resgatar, vós o Criador de todas as coisas, ser agarrado pelos homens, ligado, arrastado, pisado aos pés, batido, coberto de escarros, flagelado, coroado de espinhos, condenado, carregado com a cruz, despojado, crucificado, para morrer da mais amarga das mortes e ser traspassado com a lança. E em união com este mesmo amor, ofereço-vos as minhas indignas orações, suplicando-vos pelos méritos da vossa santíssima paixão e da vossa morte, que vos digneis lavar inteiramente e apagar todos os meus pecados com os quais as almas pelas quais eu rezo se macularam, por pensamentos, por palavras ou por ações. Conjuro-vos a oferecer a Deus Pai, por todas as penas nas quais estas almas incorreram perante a vossa justiça, todas as penas e as dores, os méritos e as ações do vosso corpo coberto de feridas e da vossa alma abismada de dores. Assim seja». (Oração de Santa Gertrudes citada pelo Leão Dehon, in OSP 4, p. 425s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Cristo, pela fé, habite nos vossos corações" (Ef 3, 17).

     

    ----

    S. Gertrudes, Virgem (16 de Novembro)

  • 33º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    33º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    17 de Novembro, 2024

    ANO B

    33.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 33.º Domingo do Tempo Comum

     

    A liturgia do 33.º Domingo do Tempo Comum convida-nos a ler a história dos homens numa perspetiva de esperança. Garante-nos que o egoísmo, a violência, a injustiça, o pecado, não têm a “última palavra” na história do mundo e dos homens; a “última palavra” será sempre de Deus, que vai, a seu tempo, mudar a noite do mundo numa aurora de vida sem fim. É com essa certeza que devemos enfrentar a vida e o caminho que temos à nossa frente.

    A primeira leitura anuncia aos crentes perseguidos pelo rei selêucida Antíoco IV Epífanes, que Deus se prepara para intervir e para lhes oferecer a salvação. A ação de Deus porá fim ao sofrimento intolerável em que estão e abrir-lhes-á as portas de uma vida nova, de uma vida eterna. Esta esperança deve sustentar os justos na sua aflição e animá-los a permanecerem fiéis a Deus.

    No Evangelho, Jesus assegura-nos que, num futuro sem data marcada, o mundo velho do egoísmo e do pecado vai cair e que, em seu lugar, Deus vai fazer surgir um mundo novo, de vida e de felicidade sem fim. Aos seus discípulos, Jesus pede que vivam atentos aos sinais que anunciam essa nova realidade; e que, com paciência e confiança, se disponham a acolher e a concretizar os projetos, os apelos e os desafios de Deus.

    A segunda leitura lembra que Jesus veio ao mundo para concretizar o projeto de Deus: libertar o homem do pecado e de inseri-lo numa dinâmica de vida eterna. Com a sua vida e com o seu testemunho, Cristo ensinou-nos a vencer o egoísmo e o pecado e a fazer da vida um dom de amor a Deus e aos irmãos. É esse o caminho do mundo novo, o caminho que conduz à vida definitiva.

     

    LEITURA I – Daniel 12,1-3

    Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande chefe dos Anjos,
    que protege os filhos do teu povo.
    Será um tempo de angústia,
    como não terá havido até então, desde que existem nações.
    Mas nesse tempo, virá a salvação para o teu povo,
    para aqueles que estiverem inscritos no livro de Deus.
    Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão,
    uns para a vida eterna,
    outros para a vergonha e o horror eterno.
    Os sábios resplandecerão como a luz do firmamento
    e os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça
    brilharão como estrelas por toda a eternidade.

     

    CONTEXTO

    Em 333 a.C., Alexandre da Macedónia derrotou Dario III, rei dos Persas, na batalha de Issos (Síria). A Palestina, até aí sob o domínio dos Persas, ficou integrada no império de Alexandre. Quando Alexandre morreu, em 323 a.C., os seus generais disputaram entre si a sucessão. A Palestina passou a ser pomo de discórdia entre a família dos Ptolomeus, que governava o Egito, e a família dos Selêucidas, que governava a Mesopotâmia e a Síria. Num primeiro momento, os Ptolomeus asseguraram o domínio da Palestina e da Síria; mas o selêucida Antíoco III, aliado com Filipe V da Macedónia, acabou por vencer os Ptolomeus (batalha das fontes do Jordão, no ano 200 a.C.) e por conquistar o domínio da Palestina.

    Se o período ptolomaico tinha sido uma época de relativa benevolência para com a cultura judaica, a situação mudou radicalmente durante o reinado do selêucida Antíoco IV Epífanes (174-164 a.C.). Este rei querendo impor a cultura helénica em todo o seu império, praticou uma política de intolerância para com a cultura e a religião judaicas. A perseguição foi dura e as marcas da intolerância selêucida provocaram feridas muito graves no universo social e religioso judaico. Se muitos judeus renegaram a sua fé e assumiram os valores helénicos, muitos outros resistiram, defenderam a sua identidade cultural e religiosa. Uns optaram abertamente pela insurreição armada (como foi o caso de Judas Macabeu e dos seus heroicos seguidores); outros, contudo, optaram por fazer frente à prepotência dos reis helénicos com a sua palavra e os seus escritos.

    O Livro de Daniel surge neste contexto. O seu autor é um judeu fiel à cultura e aos valores religiosos dos seus antepassados. A pretexto de contar a história de um tal Daniel, um judeu exilado na Babilónia, que soube manter a sua fé num ambiente adverso de perseguição, o autor do Livro de Daniel pede aos seus concidadãos que não se deixem vencer pela perseguição de Antíoco IV Epífanes e que se mantenham fiéis à religião e aos valores dos seus pais. O autor garante aos seus concidadãos que Deus não abandonará o seu Povo e que recompensará todos aqueles que se mantiveram fiéis à Lei e aos mandamentos. Estamos na primeira metade do séc. II a.C., pouco antes do desaparecimento de cena de Antíoco (que aconteceu em 164 a.C.).

    No livro de Daniel misturam-se géneros literários diversos. Os capítulos 7 a 12 (que incluem o breve texto que a liturgia nos propõe como primeira leitura neste trigésimo terceiro domingo comum) pertencem ao género apocalítico. “Apocalipse” significa “revelação”. Servindo-se de um género literário que recorre abundantemente a símbolos (números, cores, animais, plantas…) e a uma linguagem cifrada (que os destinatários da mensagem conhecem, mas que os perseguidores ignoram), o autor propõe-se comunicar “revelações” sobre o projeto de Deus, o protagonismo de Deus sobre a história, a luta de Deus contra o mal, a vitória final de Deus sobre os impérios humanos. Em tempo de perseguição e de crise, o objetivo do autor é restaurar a esperança e assegurar ao Povo a vitória de Deus e dos seus fiéis sobre os opressores.

     

    MENSAGEM

    Aos crentes perseguidos, o autor do livro anuncia a chegada do tempo em que Deus vai intervir para salvar o Povo fiel. Essa intervenção de Deus será levada a cabo por “Miguel”, o chefe do exército celestial, que tem como missão castigar os perseguidores e proteger os “santos”. No imaginário religioso judaico, “Miguel” é concebido como um espírito celeste (uma espécie de anjo protetor) que vela pelo Povo de Deus e que, por mandato divino, opera a libertação dos justos perseguidos. A ação de “Miguel”, trará a salvação aos membros fiéis do Povo de Deus, aqueles que estão inscritos “no livro de Deus” (vers. 1). A intervenção de Deus porá fim ao mundo velho da injustiça, da opressão, a prepotência, da morte, e iniciará um mundo novo de justiça, de felicidade, de paz, de vida verdadeira.

    Entretanto, o que acontecerá àqueles “santos” que, antes da intervenção salvadora de Deus, foram perseguidos e mortos por causa da sua fidelidade a Deus? Estão condenados, apesar de terem levado uma vida exemplar, a ficar eternamente no “sheol”, o reino das sombras onde erram os mortos? Não. É aqui que o autor do livro de Daniel abre as portas a uma nova e desconhecida esperança: todos aqueles que morreram antes da intervenção de Deus para inaugurar uma nova era, irão ressuscitar. Os maus (aqueles que conspiraram para destruir os “santos”), ressuscitarão para “a vergonha e o horror eterno”; os “santos” (os que se mantiveram fiéis a Deus), ressuscitarão para “a vida eterna” (vers. 2). Pela primeira vez aparece nos textos do Antigo Testamento claramente formulada a ideia da ressurreição dos mortos.

    Em que consistirá essa “vida eterna” que Deus irá oferecer aos “santos”? O autor deste texto não o explica; mas os símbolos que utiliza (“resplandecerão como a luz do firmamento”; “brilharão como estrelas por toda a eternidade” – vers. 3) evocam a transfiguração dos ressuscitados. Essa vida nova que os espera não será uma vida semelhante à do mundo presente, mas será uma vida absolutamente luminosa e transfigurada.

    É esta a esperança que deve sustentar os justos, chamados a permanecerem fiéis a Deus, apesar da perseguição e da prova. A sua vida não é – garante-nos o nosso autor – sem sentido e não está condenada ao fracasso; mas a sua constância e fidelidade serão recompensadas com a vida eterna. Embora sem dados muito concretos e sem definições muito claras, começa aqui a esboçar-se a teologia da ressurreição.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A mensagem de esperança que o autor do livro de Daniel procura transmitir dirige-se a judeus desanimados, que sofrem na pele a perseguição que lhes é movida pelo ímpio Antíoco IV Epífanes e que se sentem impotentes para romper a cadeia de sofrimento e de morte que lhes é imposta. Talvez a nossa situação não seja tão dramática; mas não é verdade que muitas vezes nos sentimos desanimados e impotentes perante o predomínio dos maus, dos violentos, dos opressores, daqueles que tomam as rédeas do mundo e impõem aos outros os seus esquemas injustos e egoístas? Não é verdade que por vezes nos apetece desistir dos nossos valores, pois o mundo parece funcionar segundo esquemas onde esses valores não cabem? A mensagem que o autor do livro de Daniel deixa poderá ser, também para nós, uma refrescante mensagem de esperança: Deus é o Senhor da história; Ele não desiste de lutar contra tudo aquilo que impede os seus queridos filhos de serem livres e felizes; a vitória final não será dos maus, dos injustos, dos opressores, mas será de Deus e de todos aqueles que se mantiverem fiéis a Deus. Acreditamos nisto? Confiamos em Deus e na sua intervenção salvadora, mesmo quando parece que os maus prevalecem e têm nas mãos o domínio da história dos homens?
    • A “perseguição” por causa da fidelidade aos valores em que acreditamos é uma realidade que todos conhecemos e que faz parte de qualquer existência verdadeiramente comprometida. Hoje, essa “perseguição” nem sempre é sangrenta; manifesta-se, muitas vezes, em atitudes de marginalização ou de rejeição, em ditos humilhantes, em atitudes provocatórias, na colagem de “rótulos” (“conservadores”, “atrasados”, “fora de moda”), em julgamentos apressados e injustos, em preconceitos ridículos… Ora, tudo isso pode não matar, mas mói e cansa: faz-nos sofrer e pode levar-nos ao desânimo. Como lidamos com a oposição, a rejeição, a condenação de que somos alvo quando insistimos em viver de acordo com os valores em que acreditamos? Mantemo-nos fiéis aos nossos princípios e aos valores sobre os quais assenta a nossa fé? Ou a incompreensão dos nossos contemporâneos é fator de enfraquecimento das nossas convicções e de quebra dos nossos compromissos com Deus?
    • A oposição e a incompreensão do “mundo” podem gerar, da nossa parte, uma resposta agressiva e levarem a um corte da nossa relação com o mundo. Será essa a melhor resposta à incompreensão que “o mundo” nos tributa? Poderemos continuar a ser “sal da terra e luz do mundo” se cortarmos as pontes que nos ligam ao mundo? Poderemos continuar a propor o Evangelho ao mundo se, magoados pelas críticas e incompreensões que temos de suportar, nos escondermos atrás dos muros dos nossos templos e nos limitarmos a condenar esse mundo fútil que não nos entende? Talvez o caminho seja continuarmos a afirmar, de forma humilde, mas convicta, os valores em que acreditamos, com a certeza que o nosso testemunho há de interpelar alguém e há de produzir frutos de renovação do mundo e das mentalidades. Como é que lidamos com a hostilidade do mundo?
    • O autor do livro de Daniel promete a vida eterna àqueles que procuraram viver na fidelidade aos valores de Deus. A certeza de que a vida não acaba na morte liberta-nos do medo e dá-nos a coragem do compromisso. Podemos, serenamente, enfrentar neste mundo as forças da opressão e da morte, porque sabemos que elas não conseguirão derrotar-nos: no final da nossa caminhada por este mundo, está sempre a vida eterna e verdadeira, que Deus reserva para os que estão “inscritos no livro da vida”. A certeza da ressurreição é, para nós, a fonte de onde brota a coragem para enfrentarmos a vida, as vicissitudes do caminho, a incompreensão dos homens?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 15 (16)

    Refrão 1: Defendei-me, Senhor: Vós sois o meu refúgio.

    Refrão 2: Guardai-me, Senhor, porque esperei em Vós.

    Senhor, porção da minha herança e do meu cálice,
    está nas vossas mãos o meu destino.
    O Senhor está sempre na minha presença,
    com Ele a meu lado não vacilarei.

    Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta
    e até o meu corpo descansa tranquilo.
    Vós não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos,
    nem deixareis o vosso fiel sofrer a corrupção.

    Dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida,
    alegria plena em vossa presença,
    delícias eternas à vossa direita.

     

    LEITURA II – Hebreus 10,11-14.18

    Todo o sacerdote da antiga aliança
    se apresenta cada dia para exercer o seu ministério
    e oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios,
    que nunca poderão perdoar os pecados.
    Cristo, ao contrário,
    tendo oferecido pelos pecados um único sacrifício,
    sentou-Se para sempre à direita de Deus,
    esperando desde então que os seus inimigos
    sejam postos como escabelo dos seus pés.
    Porque, com uma única oblação,
    Ele tornou perfeitos para sempre os que Ele santifica.
    Onde há remissão dos pecados,
    já não há necessidade de oblação pelo pecado.

     

    CONTEXTO

    A “Carta aos Hebreus” (mais do que uma “carta”, é uma “homilia”) destina-se a comunidades cristãs que vivem dias complicados… À falta de entusiasmo de muitos dos seus membros na vivência do compromisso cristão, junta-se a hostilidade dos inimigos e as confusões causadas à fé comunitária por certos pregadores pouco ortodoxos que ensinam doutrinas estranhas, que não são coerentes com as propostas de Jesus. São, portanto, comunidades fragilizadas, cansadas e desalentadas, que necessitam de redescobrir o seu entusiasmo inicial, de revitalizar o seu compromisso com Cristo e de apostar numa fé mais coerente e mais empenhada.

    Nesse sentido, um “mestre” cristão (talvez um discípulo do apóstolo Paulo) dispõe-se a apresenta-lhes o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência, cuja missão é pôr os crentes em relação com o Pai e inseri-los nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã. Uma vez comprometidos com Cristo, os crentes são chamados a fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar uma experiência de fé enfraquecida pela hostilidade do ambiente, pela acomodação, pela monotonia e pelo arrefecimento do entusiasmo inicial. As referências ao culto praticado no templo de Jerusalém como uma realidade ainda vigente parecem sugerir que esta “Carta” foi escrita antes de o templo ser destruído pelos romanos, no ano 70.

    O texto que nos é proposto é parte da conclusão da reflexão sobre o sacerdócio de Cristo (cf. Heb 10,1-18). Nessa perícope, o autor repete temas desenvolvidos nos capítulos precedentes, procurando, uma vez mais, pôr em relevo a dimensão salvadora da missão sacerdotal de Jesus. O objetivo é despertar no coração dos crentes uma resposta adequada ao amor de Deus, manifestado na ação de Jesus.

     

    MENSAGEM

    Os sumo-sacerdotes do Antigo Testamento ofereciam cada ano, no solene dia da Expiação (“Yom Kippur”), um sacrifício pelos seus próprios pecados e pelos pecados do Povo (cf. Lv 16). Além disso, todos os dias os sacerdotes véterotestamentários ofereciam, no templo, diversos sacrifícios de expiação (sacrifício “hattâ’t) e de reparação (sacrifício “‘âshâm”), destinados a manifestar o arrependimento do pecador e a obter de Deus o perdão para os pecados do oferente. A obra desses sacerdotes nunca estará terminada: dia após dia, eles devem repetir os mesmos rituais, num processo que não tem fim. Além disso, o autor da Carta aos Hebreus está convencido de que esses sacrifícios não são eficazes, uma vez que não conseguem, de forma duradoura, restabelecer a corrente de vida e de comunhão entre o Povo pecador e o Deus santo (vers. 11). Trata-se de ritos externos e superficiais, que nunca irão transformar os corações duros e egoístas dos homens em corações capazes de viverem no amor a Deus e aos irmãos.

    Cristo, no entanto, ofereceu a Deus um único sacrifício pelo pecado e “sentou-se para sempre à direita de Deus” (vers. 12). “Sentou-se” porque a sua obra estava terminada: não precisou de oferecer mais sacrifícios pois o seu sacrifício perfeito foi plenamente eficaz. Obedecendo ao plano do Pai, Cristo apresentou-se diante dos homens e mostrou-lhes – com as suas palavras e com os seus gestos – como é que eles deviam viver; com a entrega da sua vida na cruz, Ele mostrou aos homens o amor até ao extremo e convidou-os fazerem da própria vida um dom de amor a Deus e aos irmãos. Dessa forma, Jesus venceu a lógica do egoísmo e do pecado e colocou definitivamente os homens no caminho certo, preparados para integrarem a família de Deus. O sacrifício de Jesus, oferecido de uma só vez, libertou, efetivamente, os homens de uma dinâmica de egoísmo e de pecado e permitiu-lhes aproximarem-se de Deus com um coração renovado. Assim, Ele “tornou perfeitos para sempre os que são santificados” (vers. 14).

    Terminada a sua tarefa de reconciliação dos homens com Deus, Cristo foi entronizado à direita de Deus. Esta imagem de triunfo e de glória mostra, não apenas como o caminho percorrido por Cristo é um caminho que tem a aprovação de Deus, mas, sobretudo, qual é a “meta” final da caminhada do homem: a divinização, a comunhão com Deus, a pertença à família de Deus. Se o caminho da fidelidade aos projetos de Deus e da entrega por amor aos irmãos levou Jesus a sentar-Se à direita do Pai, também aqueles que seguem Jesus chegarão à mesma meta e sentar-se-ão, por sua vez, à direita de Deus.

    Desta forma, o autor da Carta aos Hebreus exorta os cristãos a viverem na fidelidade aos compromissos que assumiram com Cristo no dia do seu Batismo. Quem, apesar das dificuldades, percorre o mesmo caminho de Cristo, está destinado a sentar-se “à direita de Deus” e a viver, para sempre, em comunhão com Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O pecado é sempre um “não” a Deus, dito conscientemente por homens e mulheres que prescindem das indicações de Deus e decidem escolher caminhos de egoísmo e de autossuficiência. Não nos faz sentir bem, nem nos torna mais livres; pelo contrário, pesa intoleravelmente na nossa consciência, inquieta o nosso coração, altera o nosso equilíbrio, rouba-nos a paz, torna-nos escravos, leva-nos por caminhos que não nos realizam. Resulta da nossa fragilidade, do nosso egoísmo crónico, da nossa dificuldade em discernir o que nos torna felizes e o que nos torna infelizes. Será uma realidade inultrapassável, à qual estaremos fatalmente condenados? Afetará a nossa realização plena, o nosso encontro final com Deus? A segunda leitura deste trigésimo terceiro domingo comum garante-nos que Deus não abandona o homem que faz, mesmo conscientemente, opções erradas. O nosso egoísmo, o nosso orgulho, a nossa autossuficiência, o nosso comodismo, o nosso pecado, não têm a última palavra; a última palavra é sempre do amor de Deus e da sua vontade de salvar o homem. Deus está sempre disponível para nos justificar, para nos abraçar e para nos acolher. A consciência do amor e do perdão de Deus ajuda-nos a enfrentar e a superar a nossa fragilidade? A certeza da misericórdia de Deus liberta-nos da angústia com que o pecado nos carrega e oprime?
    • Jesus, o Filho amado de Deus, veio ao mundo para concretizar o projeto salvador de Deus: libertar-nos da escravidão do pecado e inserir-nos numa dinâmica de vida eterna. Com a sua vida, com os seus gestos, com as suas palavras, Ele ensinou-nos a vencer o egoísmo e a fazer da nossa vida um dom de amor a Deus e aos irmãos. No dia em que aderimos a Jesus – o dia do nosso Batismo –, renunciamos ao pecado, acolhemos o projeto de vida que Jesus nos apresentou e passámos a integrar a comunidade dos filhos de Deus. Trata-se de um compromisso sério e exigente, que necessita de ser continuamente renovado. O nosso compromisso com Jesus e com a sua proposta de vida exige que, como Ele, vivamos na escuta de Deus e na obediência ao seu projeto; exige que vivamos no amor, na partilha, no serviço, se necessário até ao dom total da vida; exige que lutemos, sem desanimar, contra tudo aquilo que rouba a vida do homem e o impede de chegar à vida plena; exige que sejamos, no meio do mundo, testemunhas de uma dinâmica nova – a dinâmica do amor. A nossa vida tem sido coerente com esse compromisso?
    • A sociedade que temos vindo a construir está armadilhada com “estruturas de pecado”, que ajudam a perpetuar as injustiças, a potenciar as violências sobre os mais débeis, a criar exclusão e marginalização, a destruir a dignidade de muitos homens e mulheres. São estruturas, mecanismos, práticas, instituições, ideologias, que banalizam a indiferença, desumanizam mais e mais o nosso mundo, multiplicam o sofrimento de milhões e milhões de irmãos nossos. São utilizadas pelos donos do mundo para favorecer projetos egoístas, interesses pessoais, planos ambiciosos de pessoas sem escrúpulos, preocupadas apenas consigo mesmas a não com o bem comum. Como nos situamos frente a essas “estruturas de pecado”? Aceitámo-las enquanto elas não nos afetam diretamente, ou lutamos contra elas com todas as nossas forças? Seremos alguma peça dessas máquinas de injustiça que contribuem para aumentar o pecado do mundo?

     

    ALELUIA – Lucas 21,36

    Aleluia. Aleluia.

    Vigiai e orai em todo o tempo,
    para poderdes comparecer diante do Filho do homem.

     

    EVANGELHO – Marcos 13,24-32

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Naqueles dias, depois de uma grande aflição,
    o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade;
    as estrelas cairão do céu
    e as forças que há nos céus serão abaladas.
    Então, hão de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens,
    com grande poder e glória.
    Ele mandará os Anjos,
    para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais,
    da extremidade da terra à extremidade do céu.
    Aprendei a parábola da figueira:
    quando os seus ramos ficam tenros e brotam as folhas,
    sabeis que o Verão está próximo.
    Assim também, quando virdes acontecer estas coisas,
    sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta.
    Em verdade vos digo:
    Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça.
    Passará o céu e a terra,
    mas as minhas palavras não passarão.
    Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém os conhece:
    nem os Anjos do Céu, nem o Filho;
    só o Pai».

     

    CONTEXTO

    Jesus tinha passado o dia no templo de Jerusalém. Tinha sido o dia dos “ensinamentos” e das polémicas com os líderes judaicos (cf. Mc 11,20-12,44). No final desse dia, Jesus dirigiu-se novamente para Betânia, rodeado pelos discípulos. Detiveram-se no “Jardim das Oliveiras”, a contemplar Jerusalém, que ficava defronte. Pouco antes, em resposta a uma observação de um dos discípulos sobre a grandiosidade do templo e das suas pedras, Jesus tinha dito que o templo seria destruído e que não ficaria pedra sobre pedra (cf. Mc 13,1-2). Agora, olhando a cidade, Pedro, André, Tiago e João (cf. Mc 13,3) pedem explicações mais concretas a Jesus acerca do que Ele tinha dito sobre a destruição do templo. Em resposta, Jesus oferece-lhes um amplo e enigmático ensinamento, que ficou conhecido como o “discurso escatológico” (cf. Mt 13,4-37).

    O “discurso escatológico” de Jesus é um texto difícil, uma vez que emprega imagens e linguagens marcadas por alusões enigmáticas, bem ao jeito do género literário “apocalipse”. Nele confluem elementos de caráter histórico – a anunciada destruição de Jerusalém e do templo ocorrerá quarenta anos depois, no ano 70, quando as tropas romanas de Tito tomarem a cidade e a incendiarem – com reflexões de caráter profético sobre o sentido da história humana no seu conjunto. O objetivo do discurso seria dar aos discípulos indicações acerca da atitude a tomar frente às vicissitudes que marcarão a caminhada histórica da comunidade, até ao momento em que Jesus vier para instaurar, em definitivo, o novo céu e a nova terra.

    Os quatro discípulos referenciados no início do “discurso escatológico” representam a comunidade cristã de todos os tempos. Os quatro são, precisamente, os primeiros discípulos chamados por Jesus (cf. Mc 1,16-20) e, como tal, convertem-se em representantes de todos os futuros discípulos. O discurso escatológico de Jesus não seria, assim, uma mensagem privada destinada a um grupo especial, mas uma mensagem destinada a toda a comunidade crente, chamada a caminhar na história com os olhos postos no encontro final com Jesus e com o Pai.

    A missão que Jesus (que está consciente de ter chegado a sua hora de partir ao encontro do Pai) confia à sua comunidade não é uma missão fácil… Jesus sabe que os seus discípulos terão que enfrentar as dificuldades, as perseguições, as tentações que “o mundo” vai colocar no seu caminho. Essa comunidade em marcha pela história necessitará, portanto, de estímulo e de alento. É por isso que surge este apelo à fidelidade, à coragem, à vigilância… No horizonte último da caminhada da comunidade, Jesus coloca o final da história humana e o reencontro definitivo dos discípulos com Ele.

    O “discurso escatológico” divide-se em três partes, antecedidas de uma introdução (cf. Mc 13,1-4). Na primeira parte (cf. Mc 13,5-23), o discurso anuncia uma série de vicissitudes que vão marcar a história e que requerem dos discípulos a atitude adequada: vigilância e lucidez. Na segunda parte, o discurso anuncia a vinda definitiva do Filho do Homem e o nascimento de um mundo novo a partir das ruínas do mundo velho (cf. Mc 13,24-27). Na terceira parte, o discurso anuncia a incerteza quanto ao “tempo” histórico dos eventos anunciados e insiste com os discípulos para que estejam sempre vigilantes e preparados para acolher o Senhor que vem (cf. Mc 13,28-37). O texto evangélico que a liturgia deste trigésimo terceiro domingo comum nos propõe apresenta, precisamente, a segunda parte e alguns versículos da terceira parte do “discurso escatológico”.

     

    MENSAGEM

    Depois de enumerar diversos acontecimentos que vão marcar o caminho histórico que a comunidade dos discípulos vai percorrer (guerras, conflitos, terramotos e confusões de todos os tipos – cf. Mc 13,5-8; perseguições, condenações e traições – cf. Mc 13,9-13; a destruição de Jerusalém – cf. Mc 14-20; o aparecimento de falsos messias e de falsos profetas que tentarão enganar os homens e levá-los por caminhos errados – cf. Mc 13,21-23), Jesus refere-se ao momento da sua segunda-vinda e ao surgimento de um mundo novo (cf. Mc 13,24-27).

    Jesus começa por descrever, recorrendo a imagens expressivas, tiradas da tradição profética e apocalíptica, a queda do mundo velho que se opõe a Deus e que persegue os crentes: “o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas” (vers. 24-25). Em Is 13,10, o obscurecimento do sol, da lua e das estrelas anuncia o dia da intervenção justiceira de Javé para destruir o império babilónico e para libertar o Povo de Deus exilado numa terra estrangeira; em Jl 2,10, as mesmas imagens são usadas para descrever os acontecimentos do “dia do Senhor”, o dia em que Javé vai intervir na história para castigar os opressores e para salvar os seus eleitos.

    Aliás essas velhas imagens, utilizadas pelos profetas para descrever a queda dos impérios que oprimiam o Povo de Deus, continuavam a manter uma grande atualidade na época de Jesus. No mundo grego, por exemplo, o sol e a lua (“Élios”, e “Selénê”) eram adorados como deuses; e, no mundo romano, o imperador identificava-se como “o sol” (o imperador Nero, o primeiro perseguidor dos cristãos de Roma, fez erigir no palácio imperial uma estátua de bronze com trinta metros de altura que o representava como o deus “sol”). Os leitores de Marcos entendiam perfeitamente que, quando Jesus falava do escurecimento do sol e da lua, ou da queda das estrelas, estava a referir-se à falência desses impérios que lutam contra Deus e contra os seus santos. Usando esta linguagem, Jesus está a garantir aos seus discípulos que, a certa altura, acontecerá uma viragem decisiva na história: a velha ordem religiosa e política, os poderes que se opõem a Deus e que perseguem os santos, irão ser derrubados, a fim de darem lugar a um mundo novo, construído de acordo com os critérios e os valores de Deus.

    A queda desse mundo velho aparece associada à vinda do Filho do Homem (vers. 26). A imagem leva-nos a Dn 7,13-14, onde se anuncia a vinda de um “Filho do Homem” sobre as nuvens do céu, para afirmar a sua soberania sobre “todos os povos, todas as nações e todas as línguas” e “para estabelecer um império eterno que não passará jamais”. Esse “Filho do Homem, cheio de poder e de glória, que virá “reunir os seus eleitos” (vers. 27), não pode ser outro senão Jesus. Com esta imagem, Marcos assegura aos crentes o triunfo definitivo de Cristo sobre os poderes opressores e a libertação daqueles que, apesar das perseguições, continuaram a percorrer com fidelidade os caminhos de Deus.

    A mensagem proposta neste “discurso escatológico” é clara: os discípulos de Jesus terão de percorrer um caminho histórico marcado pelo sofrimento e pela perseguição; no entanto, não se devem deixar afundar no desespero porque Jesus vem para os libertar e salvar. Com a sua vinda gloriosa (de ontem, de hoje, de amanhã), cessará a escravidão insuportável que os impede de conhecer a vida em plenitude, e nascerá um mundo novo, de alegria e de felicidade plenas.

    Na segunda parte do nosso texto (vers. 28-32), Jesus responde à questão posta pelos discípulos em Mc 13,4: “Diz-nos quando tudo isto acontecerá e qual o sinal de que tudo está para acabar”.

    Na perspetiva de Jesus, mais importante do que definir o tempo exato da queda do mundo velho é ter confiança na chegada do mundo novo e estar atento aos sinais que o anunciam. A figueira é a última árvore a ganhar folha; mas, quando finalmente os seus ramos ficam tenros e aparecem folhas novas, o agricultor percebe que chegou o Verão e o tempo das colheitas (vers. 28-29); da mesma forma, os crentes são convidados a esperar, com paciência e com confiança, a chegada do mundo novo e a perceber, nos sinais de desagregação do mundo velho, o anúncio de que o tempo da libertação está a chegar. Certos da vinda do Senhor, atentos aos sinais que O anunciam, os crentes podem preparar o seu coração para O acolher, para aceitar os desafios que Ele traz, para agarrar as oportunidades de vida nova que Ele oferece.

    Não há uma data marcada para o advento dessa nova realidade (vers. 32). De uma coisa, no entanto, os crentes podem estar certos: as palavras de Jesus não são uma bela teoria ou um piedoso desejo; mas são a garantia de que esse mundo novo, de vida plena e de felicidade sem fim, irá surgir (vers. 31). Essa garantia deve ser um capital de esperança que anima e fortalece os discípulos que caminham na história.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Ver os telejornais ou escutar os noticiários é, com frequência, uma experiência que nos desassossega e que nos deprime. Os dramas da “aldeia global” que é o mundo entram em nossa casa, sentam-se à nossa mesa, perturbam a nossa tranquilidade, escurecem os nossos horizontes. A guerra, a opressão, a injustiça, a miséria, a escravidão, o egoísmo, o desprezo pela dignidade dos seres humanos, atingem-nos, mesmo quando acontecem a milhares de quilómetros do pequeno mundo onde nos movemos todos os dias. As sombras que marcam a história atual da humanidade tornam-se realidades próximas, tangíveis, que nos inquietam e nos desanimam. Sentimo-nos impotentes, incapazes de mudar o rumo das coisas. O futuro parece-nos sombrio e sem saída. A Palavra de Deus que hoje nos é servida abre, contudo, a porta à esperança. Reafirma, uma vez mais, que Deus não abandona os seus filhos que caminham na história e está determinado a transformar o mundo velho do egoísmo e do pecado num mundo novo de vida e de felicidade para todos os homens. A humanidade não caminha para o caos, para a destruição, para o sem sentido, para o nada; mas caminha ao encontro desse mundo novo em que o homem, com a ajuda de Deus, alcançará a plenitude das suas possibilidades. Como é que vemos e avaliamos a história dos homens? Acreditamos que o mal não triunfará e que a última palavra será sempre de Deus? Acreditamos que Deus fará surgir, das ruínas do mundo velho, um mundo novo, de alegria e de felicidade plenas?
    • Os cristãos não leem a história atual da humanidade como um caminho sem saída; mas veem os momentos de tensão e de luta que hoje marcam a vida dos homens e das sociedades como sinais de que o mundo velho está a ser transformado e renovado, e que em seu lugar vai surgir um mundo novo e melhor. Isso faz dos discípulos de Jesus arautos e testemunhas da esperança. Certos de que Deus conduz a história de acordo com o seu projeto, os seguidores de Jesus não vivem dominados pelo medo, pelo pessimismo, pelo desespero, por discursos negativos, por angústias a propósito do fim do mundo… Os nossos contemporâneos têm de ver em nós pessoas a quem a fé dá uma visão otimista da vida e da história; pessoas que caminham, alegres e confiantes, ao encontro desse mundo novo que Deus nos prometeu. Sustentados pela fé, somos testemunhas da esperança? Os homens e mulheres com quem nos cruzamos são contaminados pelo nosso testemunho de confiança em Deus, pela nossa alegria serena, pela coragem com que enfrentamos as vicissitudes e as crises da vida?
    • Deus é o Senhor da história, Deus é o arquiteto do mundo novo que irá surgir. No entanto, Ele associa-nos à sua obra e convoca-nos para trabalharmos ao lado d’Ele na concretização desse projeto. Os filhos e filhas de Deus não podem ficar de braços cruzados à espera que o mundo novo caia do céu; mas, enquanto caminham pela vida e pela história, são chamados a anunciar e a construir, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, esse mundo que está nos projetos de Deus. Isso implica, antes de mais, um processo de conversão que nos leve a suprimir aquilo que em nós é egoísmo, orgulho, prepotência, exploração, injustiça (mundo velho); implica, também, testemunharmos objetivamente em gestos concretos, os valores do mundo novo: a partilha, o serviço, o perdão, o amor, a fraternidade, a solidariedade, a paz; implica, ainda, lutarmos sem desfalecer contra tudo aquilo que desfeia o mundo, que causa sofrimento e morte, que põe em causa a vida, a liberdade e a felicidade dos filhos e filhas de Deus. Aceitamos ser protagonistas, ao lado de Deus, na construção de um mundo mais justo, mais fraterno, mais humano, ou deixamo-nos arrastar passivamente, acomodados e instalados, aceitando que o mundo avance sem a nossa intervenção e sem o nosso testemunho de discípulos de Jesus?
    • Esse Deus que não abandona os homens na sua caminhada histórica vem continuamente ao nosso encontro para nos deixar os seus desafios, para nos fazer entender os seus projetos, para nos indicar os caminhos que Ele nos chama a percorrer. Da nossa parte, precisamos de estar atentos à sua proximidade e reconhecê-l’O nos sinais da história, no rosto dos irmãos, nos apelos dos que sofrem e que buscam a libertação. O cristão não vive de olhos postos no céu, à espera de uma comunicação especial de Deus; mas vive de olhos postos no mundo, para “ler” o que está a acontecer a cada instante e para escutar os apelos que Deus lhe deixa a cada momento nos acontecimentos da história e nos factos corriqueiros de que é feita a nossa vida de todos os dias. Procuramos detetar os apelos e sinais que Deus nos envia e através dos quais Ele nos indica o que espera de nós? Procuramos manter-nos íntimos de Deus, dialogar frequentemente com Ele, escutar a sua Palavra, a fim de percebermos o plano que Ele tem para o mundo e para nós?
    • Há uma realidade incontornável, que nunca podemos olvidar: apesar da ação de Deus e dos nossos próprios esforços para que o nosso mundo seja, a cada instante, transformado e humanizado, o mundo novo com que sonhamos e que está no projeto de Deus nunca será uma realidade plena nesta terra: a nossa caminhada neste mundo será sempre marcada pela nossa finitude, pelos nossos limites, pela nossa imperfeição, pelo nosso egoísmo, pelas nossas opções discutíveis. O mundo novo sonhado por Deus é uma realidade escatológica, cuja plenitude só acontecerá depois de Cristo, o Senhor, ter destruído definitivamente o mal que nos torna escravos. Estamos conscientes disso? Temos consciência de que caminhamos rodeados de debilidade e de finitude, mas que isso não pode enfraquecer o nosso compromisso, os nossos esforços, a nossa alegria, a nossa confiança em Deus?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 33.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 33.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Para Deus, não há passado nem futuro, há um eterno presente. Quando Jesus fala do seu regresso, coloca-o no hoje da sua Igreja. Eis porque, quando escreve o seu Evangelho, Marcos dirige-se a uma comunidade provada pelas perseguições, sem dúvida tentada pelo desespero, pela dúvida. Trata-se, pois, de redizer que Cristo, vitorioso da morte na manhã de Páscoa, é sempre vitorioso sobre todas as forças do mal. O seu regresso será, então, a manifestação do seu esplendor e do seu poder amoroso sobre as forças da morte. Para reavivar a sua esperança, os crentes são convidados a perscrutar os sinais que fazem ver que o Senhor voltará. A esperança dos cristãos manifesta-se em cada Eucaristia, quando afirmam que Cristo veio, vem e virá.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    “Naqueles dias, depois de uma grande aflição, o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas”. O fim do mundo? Qual o sentido destas palavras? É preciso olhar mais de perto… O nosso mundo está criado. Ele não existiu sempre como o conhecemos. A terra conheceu transformações profundas e conhecerá outras, certamente. Aparece a vida, a morte, o desconhecido que mete medo… À sua própria maneira e inspirado por um modo particular de falar, o género apocalíptico, Jesus exprime esta realidade muito concreta do fim de todas as coisas. Mas não fica por aí. Estes cataclismos precederão a sua vinda com grande poder e com grande glória. E dá a comparação da figueira… Não se trata de uma realidade que reenvia à destruição e à morte, mas à vida, no seu aspeto de nascimento, de alegria, de luz. As forças da morte não terão a última palavra. O exemplo de Cristo na cruz… onde se revela o poder do amor de seu Pai. Doravante, pela fé, podemos ver o mal misteriosamente habitado por este amor. Os sobressaltos do cosmos e da história são as primícias, dolorosas sem dúvida, de uma transformação, de um nascimento que desembocará na luz da Vida.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Virados para a vinda de Cristo… Os extratos da Escritura proclamados neste domingo recordam-nos que este momento virá e que nós não conhecemos nem o dia nem a hora… A convite destes textos, porque não suscitar diálogo e debate sobre este tema?

    Estou pronto? Estou pronta? À margem da dimensão escatológica da fé coloca-se a questão da vigilância, à qual o Advento nos interpelará de uma maneira forte. Cristo diz que ninguém conhece o momento do seu regresso… Perguntemo-nos, então, se estamos preparados para este encontro…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Apresentação da Virgem Santa Maria

    Apresentação da Virgem Santa Maria


    21 de Novembro, 2024

    A Apresentação de Maria ao templo de Jerusalém é descrita apenas nos evangelhos apócrifos. O imperador Justiniano mandou construir junto desse templo uma basílica, Santa Maria a Nova, que foi dedicada no dia 21 de Novembro de 543. A memória litúrgica da Apresentação de Maria começou a ser celebrada em Constantinopla, no século VIII, espalhando-se pouco a pouco no Oriente. No Ocidente, esta festa também se desenvolveu lentamente. Em 1472 foi alargada a algumas igrejas latinas, parecendo no Missal Romano apenas em 1505. É uma daquelas festas que, no dizer de Paulo VI, «para além do dado apócrifo, propõem conteúdos de alto valor exemplar e dão continuidade a veneráveis tradições» (Marialis cultus 8).
    Lectio
    Primeira leitura: Zacarias 2, 14-17

    Rejubila e alegra-te, filha de Sião, porque eis que Eu venho para morar no meio de ti - oráculo do Senhor. 15Naqueles dias, muitas nações se unirão ao Senhor e serão meu povo; habitarei no meio de ti, e saberás que o Senhor do universo me enviou a ti. 16O Senhor possuirá Judá como sua porção na Terra Santa e escolherá ainda Jerusalém. 17Cale-se toda a criatura diante do Senhor, porque Ele se eleva da sua morada santa.

    Este oráculo é provavelmente data da época da reconstrução do Templo de Jerusalém, quando alguns israelitas ainda estão longe da pátria e surgem fortes esperanças de renascimento.
    Os três versículos que escutamos são tirados da terceira das oito visões em que Zacarias escuta os oráculos do Senhor. Neles ecoa a convicção forte dos israelitas: Deus vive no meio do seu povo, a sua casa é o Templo de Jerusalém.
    O texto de Zacarias confirma a fé, dá esperança robustece a atitude, porque o Senhor está no Templo, garante nele a sua morada, e anuncia a sua disponibilidade para acolher todos, israelitas e gentios. Esta presença, que provoca júbilo, há-de levar também à contemplação silenciosa do mistério.

    Evangelho: Marcos 3, 31-35

    Naquele tempo, chegam sua mãe e seus irmãos que, ficando do lado de fora, o mandam chamar. 32A multidão estava sentada em volta dele, quando lhe disseram: «Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram.» 33Ele respondeu: «Quem são minha mãe e meus irmãos?» 34E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. 35Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.»

    Jesus ultrapassa a crise aberta com os seus familiares, particularmente com a Mãe e os irmãos, alargando os limites da familiaridade com Ele a quem quer que que cumpra a vontade de Deus. Os verdadeiros familiares do Senhor são aqueles que «fazem» a vontade de Deus: «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (v. 35). Na perspetiva de Jesus, a vontade de Deus não há-de feita com a atitude de um escravo que executa ordens do dono, mas com o dinamismo e a criatividade de alguém que sabe escutar e ser coerente com a Palavra escutada.
    Jesus é um verdadeiro mestre na arte de «fazer» a vontade do Pai. Maria é sua discípula fiel. Escuta, acredita e cumpre o que escuta e acredita «Feliz Aquela que acreditou».
    Meditatio

    A Apresentação de Maria ao Templo não tem qualquer fundamento bíblico. São os evangelhos apócrifos que falam desse presumível acontecimento. Mas é claramente improvável que uma rapariga tenha sido confiada ao clero de Jerusalém, num Templo inacessível a mulheres. Lemos no protoevangelho de Tiago: «Quando a menina completou três anos, Joaquim disse: «Chamai as meninas dos hebreus que não tenham qualquer mancha e tome cada uma delas uma lâmpada, uma lâmpada que não se apague. A menina não deverá voltar atrás e o seu coração não permanecerá fora do Templo do Senhor». Elas obedeceram àquela ordem e foram juntas ao Templo do Senhor. E o sacerdote acolheu a menina, tomou-a nos braços e abençoou-a dizendo: «O Senhor glorificou o teu nome em todas as gerações. Em ti, nos últimos dias, revelará a redenção que concede aos filhos de Israel». E mandou sentar a menina no terceiro degrau do altar. E o Senhor encheu-a de graça e ela dançou e tornou-se querida por toda a casa de Israel. Os seus pais deixaram o Templo cheios de admiração, louvando a Deus: a menina não procurou voltar atrás. E permaneceu no Templo do Senhor, semelhante a uma pomba, e a mão de um anjo oferecia-lhe o alimento» (Protoevangelho de Tiago 7, 2-8,1). É tudo muito bonito, mas é tudo muito «sobrenatural», bem pouco em sintonia com o realismo do mistério da Encarnação.
    A Santa Sé admitiu a festa somente em 1372, a pedido do embaixador do rei de Chipre "e de Jerusalém". Mas ela só aparece no Missal Romano a partir de 1505.
    O Lecionário litúrgico oferece-nos uma proposta unitária para tornar verosímil a interpretação do acontecimento: a tipologia da presença. As duas leituras detêm-se nessa modalidade relacional. O oráculo de Zacarias proclama a presença de Deus no Templo e transmite a palavra do próprio Deus que se apresenta, como que a explicar o sentido e o significado dessa decisão divina, que enche de alegria o povo e há-de levá-lo à contemplação. Se o mistério da presença de Deus no meio do seu povo era uma realidade no Antigo Testamento, mais o é no Novo Testamento. A Santíssima Humanidade de Cristo é o novo Templo, o novo ´lugar´ da Presença de Deus no meio de nós. Em Jesus, Deus torna-se presente ao homem, e o homem tem o caminho para se tornar presente a Deus. A primeira criatura que beneficiou dessa presença, e se apresentou a Deus, foi a Virgem Maria. Nela se realizou, como em ninguém jamais, a mútua presença e imanência: Deus apresentou-Se a Ela e Ela apresentou-se a Deus; Deus permaneceu nela, e Ela permaneceu em Deus. O evangelho refere a presença de Maria junto do seu Filho. Esta presença como que torna visível o mistério profundo que meditamos. As palavras de Jesus, sobre a identidade daqueles que Ele julga seus parentes, deixam clara a mensagem: o Senhor está presente junto da pessoa humana; sendo assim, a pessoa humana tem a porta aberta para se apresentar diante do Senhor. Se o Templo torna visível o encontro entre Deus e o homem, a Santíssima Humanidade de Cristo torna-o ainda mais visível.
    Tendo como pano de fundo o delicado símbolo da presença de uma menina na solenidade do Templo, isto é, a chamada «apresentação de Maria ao Templo», a liturgia hodierna leva-nos a meditar no sentido de uma apresentação de nós mesmos diante do Senhor. A própria presença diante do Senhor torna-se apresentação todas as vezes que é iluminada, explicada, motivada, cultivada pela consciência. O símbolo da apresentação de Maria ao Templo equivale, portanto, à consciência da identidade de Maria e da sua função junto do Messias, cada vez mais importante, primeiro por parte dos seus familiares e, depois, por parte da própria Virgem Maria e, finalmente, por parte dos outros crentes. O sentido fundamental é este: Maria está sempre na presença do Senhor, integralmente dedicada ao seu serviço, crescendo na consciência de si e da sua missão.
    Quando Deus se torna presente a nós em Jesus e na sua palavra, e nós nos tornamos presentes a Deus, em Jesus, e guardamos a sua palavra, também nos tornamos felizes, bem-aventurados, como Aquela que recebeu no seu ventre, transportou e deu à luz Jesus Cristo, nossa Bem-aventurança.
    Oratio

    Salve santa Maria, filha de Israel e guarda do Evangelho. Tu deste-te inteiramente ao Senhor. Para viveres na sua presença, escolheste uma vida de oração, de trabalho e de silêncio. A tua vida tornou-se um templo em que Deus veio habitar. A tua alegria e a tua felicidade eram servi-l´O dia e noite, vivendo na sua presença. «Bem-aventurados os que habitam na vossa casa, Senhor! Bem-aventurados os que só do Senhor esperam o seu apoio e o seu socorro. Os seus corações elevar-se-ão de grau em grau e avançarão sem cessar na virtude», diz o Salmo. Santa Maria, apresentada ao Templo, tu és para nós modelo da vida no Espírito, modelo do dom de nós mesmos a Deus. Faz-me compreender bem a vida de abandono e entrega ao Senhor. Por isso, me consagro a vós e ao Coração Jesus. Ámen.
    Contemplatio

    Maria não tinha senão três anos, mas já tinha a razão desenvolvida e estava avançada em graça. Unia-se à recitação e ao canto dos belos salmos que os seus pais Ana e Joaquim diziam com tanto fervor. E a graça divina falava ao mesmo tempo ao seu coração. Podemos pensar que impressão fazia sobre esta alma cândida o salmo 83: «Como são amáveis os vossos tabernáculos. Deus das virtudes! A minha alma suspira e desfalece para ir até aos átrios do Senhor... Bem-aventurados os que habitam na vossa casa, ó meu Deus...». - E enquanto ela recitava e saboreava estas aspirações, a graça solicitava a sua alma. O Verbo divino dizia-lhe como no salmo 44: «Escuta, minha filha, vê, presta atenção ao meu apelo: esquece o teu povo e a casa de teu pai...». E acrescentava baixinho: «O rei está encantado com a tua beleza e quer ter-te na sua casa e na sua intimidade». A santa criança escutava e compreendia o apelo divino. Nada a pode reter. Diz aos seus pais bem amados: «Tenho sede de habitar no templo para me consagrar inteiramente à oração e ao serviço de Deus». Ana e Joaquim acederam ao seu desejo, como outrora a mãe de Samuel. Foi uma explosão de alegria no coração da santa criança: «Alegrei-me quando me disseram que irei para a casa do Senhor». (Sl 121) (Leão Dehon, OSP 4, p. 477).
    Actio

    Repete hoje estas palavras:
    «Feliz aquele que faz a vontade do Senhor» (cf. Mc 3, 25).

     

    ----

    Apresentação da Virgem Santa Maria (21 de Novembro)

  • Solenidade de Cristo, Rei do Universo - Ano B [atualizado]

    Solenidade de Cristo, Rei do Universo - Ano B [atualizado]

    24 de Novembro, 2024

    ANO B

    34.º DOMINGO COMUM

    SOLENIDADE DE CRISTO, REI DO UNIVERSO

    Tema do 34.º Domingo do Tempo Comum

     

    No 34.º Domingo do Tempo Comum, celebramos a Solenidade de Jesus Cristo, Rei e Senhor do Universo. É o corolário do caminho que percorremos ao longo do ano litúrgico. Depois do percurso feito com Jesus, depois de termos escutado as suas palavras e de termos visto os seus gestos, concluímos, proclamamos e confessamos que Ele é o nosso guia, o nosso mestre, o nosso Senhor, a nossa referência fundamental.

    A primeira leitura anuncia que Deus vai intervir no mundo, a fim de eliminar a crueldade, a violência e a opressão que marcam a história dos reinos humanos. Através de “filho de homem” que vai aparecer “sobre as nuvens”, Deus vai devolver à história a sua dimensão de “humanidade” e fazer com que os seus filhos caminhem em paz. Os cristãos verão na figura desse “filho de homem”, um anúncio da realeza de Jesus.

    Na segunda leitura, o autor do Livro do Apocalipse apresenta Jesus como o Senhor do Tempo e da História, o princípio e o fim de todas as coisas, o “príncipe dos reis da terra”, Aquele que há de vir “por entre as nuvens” cheio de poder, de glória e de majestade para instaurar um reino definitivo de felicidade, de vida e de paz. É, precisamente, a interpretação cristã dessa figura de “filho de homem” de que falava a primeira leitura.

    No Evangelho, Jesus assume a sua realeza diante de Pilatos, o “prefeito” romano da Judeia. No entanto deixa claro que a sua realeza não assenta em lógicas de poder, de autoridade, de domínio, de ambição, como acontece com os reis da terra. A missão “real” de Jesus é dar “testemunho da verdade”; e concretiza-se no amor, no serviço, no perdão, na partilha, no dom da vida.

     

    LEITURA I – Daniel 7,13-14

    Contemplava eu as visões da noite,
    quando, sobre as nuvens do céu,
    veio alguém semelhante a um filho do homem.
    Dirigiu-Se para o Ancião venerável
    e conduziram-no à sua presença.
    Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza,
    e todos os povos e nações O serviram.
    O seu poder é eterno, não passará jamais,
    e o seu reino não será destruído.

     

    CONTEXTO

    O livro de Daniel tem este nome, não por causa do seu autor, mas sim do seu protagonista. Daniel é apresentado, no livro, como um jovem judeu exilado na Babilónia, levado para a corte de Nabucodonosor e preparado para aí desempenhar cargos de algum relevo. Apesar da pressão social e das exigências do rei, Daniel nunca renegou a sua fé e os seus princípios: soube manter-se fiel a Deus, à religião tradicional e aos valores dos seus antepassados.

    Na realidade, o livro de Daniel foi escrito na primeira metade do século II a.C., numa época em que o rei selêucida Antíoco IV Epífanes (reinou entre 174 e 164 a.C.) procurava impor, pela força, a cultura grega ao Povo de Deus. No entanto, as imposições de Antíoco IV Epífanes depararam-se com uma tenaz resistência, vinda sobretudo dos sectores mais tradicionais do judaísmo. Alguns judeus optaram abertamente pela insurreição armada (como foi o caso de Judas Macabeu e dos seus heroicos seguidores); outros, contudo, preferiram lutar contra a prepotência dos reis helénicos com a sua palavra e os seus escritos.

    O Livro de Daniel foi composto neste cenário. O seu autor é um judeu fiel à cultura e aos valores religiosos dos seus antepassados, interessado em defender a sua religião, apostado em mostrar aos seus concidadãos que é possível, mesmo em contexto de perseguição, manter a fidelidade aos valores tradicionais. Contando a história de Daniel, o jovem judeu exilado na Babilónia que soube manter a sua fé, o autor do Livro de Daniel pede aos seus concidadãos que não se deixem vencer pela perseguição e que se mantenham fiéis à religião e aos valores dos seus pais. O desconhecido autor do livro de Daniel garante aos seus conterrâneos que Deus está do lado do seu Povo e que não deixará de recompensar aqueles que se mantiverem fiéis à Lei e aos mandamentos.

    O texto que nos é proposto integra a segunda parte do Livro de Daniel (Dan 7,1-12,13). Aí o autor, recorrendo à “figura” da “visão”, apresenta-nos uma leitura profética da história, cuja finalidade é transmitir a esperança aos crentes perseguidos por causa da sua fé.

    Na primeira dessas “visões” (Dn 7,1-28), o autor do Livro apresenta “quatro grandes animais”, surgidos do mar: o primeiro “era semelhante a um leão” (Dn 7,4); o segundo era “semelhante a um urso” (Dn 7,5); o terceiro era “parecido com uma pantera” (Dn 7,6); o quarto era “horroroso, aterrador e de uma força excecional” e “tinha dez chifres”, embora lhe tivesse depois nascido um outro “chifre mais pequeno” que “tinha olhos como homem e uma boca que proferia palavras arrogantes” (Dn 7,7-8). Esses “quatro animais” evocam a sucessão dos impérios humanos… O primeiro seria o império neobabilónico, o segundo representaria o império dos medos, o terceiro referir-se-ia ao império persa e o quarto seria o império grego de Alexandre, do qual os reis selêucidas eram os herdeiros diretos. Os “dez chifres” desse quarto animal referem-se a dez reis selêucidas que herdaram parte do império de Alexandre; e o décimo primeiro chifre, mais pequeno do que os outros, seria, seguramente, Antíoco IV Epífanes, o rei perseguidor do Povo de Deus.

    Em paralelo com o quadro histórico destes impérios – todos eles conotados com o mal, com o imperialismo, com a opressão, com a violência, com a perseguição ao Povo de Deus – o autor apresenta o tribunal de Deus. O supremo juiz (Deus) é “um ancião” com os cabelos e as vestes brancas “como a neve” (símbolo de pureza e retidão); está sentado num trono feito de chamas e é servido “por milhares e dezenas de milhares”. O tribunal decretou a morte do décimo primeiro chifre (Antíoco IV Epífanes): o seu corpo foi desfeito e atirado às chamas. Os “quatro animais” (os impérios do mal) foram privados do seu poder (Dn 7,9-12).

    Derrotados os impérios que traziam sofrimento ao mundo e ao Povo de Deus, surge em cena uma nova figura. Os dois versículos que compõem a primeira leitura deste trigésimo quarto domingo comum (cf. Dn 7,13-14) descrevem precisamente a entrada em cena dessa figura que é “semelhante a um filho de homem”.

     

    MENSAGEM

    A “visão” descrita por Daniel desde 7,1 amplia-se, agora, com o aparecimento de um “filho de homem”. Ao contrário dos “quatro animais” referidos nos versículos anteriores (que vêm do mar – na simbólica judaica, o reino do mal, da desordem, do caos, das forças que se opõe a Deus e à felicidade do homem), esse “filho de homem” aparece “sobre as nuvens do céu” (vers. 13) e tem, portanto, uma origem transcendente: Ele vem de Deus e pertence ao mundo de Deus.

    O “filho de homem” recebe de Deus um reino com as dimensões do universo (“todos os povos e nações O serviram” – vers. 14) e um poder que não é limitado pelo tempo, nem pela finitude que caracteriza os reinos humanos (“o seu poder é eterno, não passará jamais, e o seu reino não será destruído” – vers. 14).

    Com o anúncio do aparecimento “sobre as nuvens” desse “filho de homem”, o autor do Livro de Daniel anuncia aos crentes perseguidos por Antíoco IV Epífanes a chegada de um tempo em que Deus vai intervir no mundo, a fim de eliminar a crueza, a voracidade, a ferocidade, a violência (os reinos dos “quatro animais”), que oprimem os homens; em contrapartida, Deus vai devolver à história a sua dimensão de “humanidade”, possibilitando que os homens sejam livres e vivam na paz e na tranquilidade.

    Para a teologia judaica, esse “filho de homem” que há de chegar para instaurar o “reino de Deus” sobre a terra será o Messias (o “ungido”) de Deus. A sua intervenção irá pôr fim à perseguição dos justos e possibilitar a vitória dos santos sobre as forças da opressão e da morte. É esta esperança que anima os corações dos crentes na época imediatamente anterior à chegada de Jesus.

    De acordo com diversos textos neotestamentários, Jesus aplicará esta imagem do “filho de homem que vem sobre as nuvens” à sua própria pessoa. Ao ser interrogado pelo sumo-sacerdote Caifás, Jesus assumirá claramente que é “o Messias, o Filho de Deus bendito”, o “Filho do Homem sentado à direita do Poder”, que virá “sobre as nuvens do céu” (Mc 14,61-62). A catequese cristã primitiva retomará esta imagem para sublinhar a glória de Cristo e o poder soberano de Cristo sobre a história humana (cf. At 7,55-56). Para os cristãos, Cristo é, efetivamente, esse “filho de homem” anunciado em Dn 7, que irá libertar os santos das garras do poder opressor e instaurar o reino definitivo da felicidade e da paz.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O texto que nos é proposto como primeira leitura na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, faz parte de uma reflexão mais ampla sobre a história e sobre a forma como os impérios humanos se têm implantado e exercido o seu poder. Os reinos construídos pelos homens baseiam-se, frequentemente, num poder arrogante e são geradores de exploração, de violência, de escravidão, de sofrimento. Em pleno séc. XXI, este quadro mantém-se: a cada hora as nações e os blocos políticos e militares desenvolvem as suas estratégias imperialistas de conquista e de domínio, condenando milhões e milhões de homens e mulheres a viverem mergulhados numa espiral insuportável de violência e de morte. A humanidade estará, irremediavelmente, condenada a viver sob o domínio da arrogância, da opressão, da prepotência, de crueldade? Nunca nos libertaremos desse ciclo de morte? Deus assiste, indiferente e de braços cruzados, a esta dinâmica de violência e de violação dos direitos mais elementares dos povos e das nações? O autor do Livro de Daniel acredita que o reino do mal não será eterno e que Deus, a seu tempo, há de interromper a cadeia de brutalidade que oprime os seus filhos e os impede de viver em paz. Acreditamos que Deus não abandona o seu Povo em marcha pela história e saberá derrubar todos os poderes humanos que impedem a realização plena do homem? Estamos dispostos a trabalhar, ao lado de Deus, para que os impérios do mal não tomem conta do mundo? O que podemos fazer nesse sentido?
    • O anúncio de um “filho de homem” que virá “sobre as nuvens” para instaurar um reino que “não será destruído” leva-nos a Jesus. Ele veio ao encontro dos homens para lhes propor uma nova ordem, em que os pobres, os débeis, os fracos, os marginalizados, aqueles que não podem fazer ouvir a sua voz nos grandes areópagos internacionais não mais serão humilhados e espezinhados. Jesus, vestindo a pele de um “filho de homem”, introduziu na história uma nova lógica, substituindo a lógica do da arrogância, da prepotência, da ambição e do egoísmo, por uma lógica de amor, de serviço, de doação, de humanidade. É verdade que, mais de dois mil anos depois, o “reino” proposto por Jesus ainda não baniu do mundo, de forma definitiva, a violência e a maldade; contudo, esse “reino” está presente na vida do mundo, como uma semente a crescer ou como o fermento a levedar a massa. Como discípulos de Jesus, assumimos a missão de fazer nascer no nosso mundo e na nossa história o reino da verdade, da justiça e da paz? Procuramos ser testemunhas e arautos do mundo novo, do Reino de Deus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 92 (93)

    Refrão: O Senhor é rei num trono de luz.

    O Senhor é rei,
    revestiu-Se de majestade,
    revestiu-Se e cingiu-Se de poder.

    Firmou o universo, que não vacilará.
    É firme o vosso trono desde sempre,
    Vós existis desde toda a eternidade.

    Os vossos testemunhos são dignos de toda a fé
    a santidade habita na vossa casa
    por todo o sempre.

     

    LEITURA II – Apocalipse 1,5-8

    Jesus Cristo é a Testemunha fiel,
    o Primogénito dos mortos, o Príncipe dos reis da terra.
    Àquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado
    e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus seu Pai,
    a Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amen.
    Ei-l’O que vem entre as nuvens,
    e todos os olhos O verão, mesmo aqueles que O trespassaram;
    e por sua causa hão de lamentar-se todas as tribos da terra.
    Sim. Amen.
    «Eu sou o Alfa e o Ómega», diz o Senhor Deus,
    «Aquele que é, que era e que há de vir,
    o Senhor do Universo».

     

    CONTEXTO

    “Apocalipse” é uma palavra de origem grega que significa “manifestação de algo que está oculto”. O nosso “Livro do Apocalipse” – do qual é retirado o trecho da segunda leitura deste domingo – é um livro que se apresenta como uma “revelação” sobre “as coisas que brevemente devem acontecer” (Ap 1,1) e que um tal João, exilado na ilha de Patmos (uma pequena ilha do Mar Egeu) por causa da sua fé, tem por missão comunicar aos seus irmãos na fé. Essa “revelação” é endereçada a “sete igrejas” da província romana da Ásia (atual Turquia), às quais o autor se sentia especialmente ligado e cuja problemática conhecia bem.

    Estamos na parte final do reinado do imperador Domiciano (à volta do ano 95). As comunidades cristãs da Ásia Menor vivem numa grave crise interna, resultante das heresias (como a dos nicolaítas, referida em Ap 2,6.15), da falta de entusiasmo, da tibieza, da indiferença, da acomodação. Por outro lado, a perseguição contra os cristãos, ordenada pelo imperador, tinha criado um clima de insegurança e de medo: muitos seguidores de Jesus eram condenados e assassinados e outros, temendo pelas suas vidas, abandonavam o Evangelho e passavam para o lado do império. Na comunidade dizia-se: “Jesus é o Senhor”; mas lá fora, quem mandava mesmo, como senhor todo-poderoso, era o imperador de Roma.

    É neste contexto de crise, de perseguição, de medo e de martírio que vai ser escrito o Apocalipse. O objetivo do autor é levar os crentes a revitalizarem o seu compromisso com Jesus e a não perderem a esperança. Nesse sentido, o autor do livro começa por fazer um convite à conversão (cf. Ap 1-3), convidando as “sete igrejas” a corrigirem as suas opções erradas e a revitalizarem a sua fé; passa, depois, a apresentar uma leitura profética da história humana, que promete a vitória final de Deus e dos seus fiéis sobre as forças do mal (cf. Ap 4-22). Estes conteúdos são apresentados com o recurso sistemático a símbolos e imagens (como é típico da literatura apocalíptica), o que torna este livro estranho e difícil, mas, ao mesmo tempo, muito belo e interpelante.

    O texto da segunda leitura de hoje faz parte da “introdução” ao livro do Apocalipse (cf. Ap 1,1-8). Numa espécie de diálogo litúrgico entre um leitor e a comunidade reunida para escutar uma proclamação, os crentes são convidados a glorificar o Senhor Jesus, a vê-lo como o centro da história humana, a considerá-lo como a coordenada fundamental à volta da qual se estrutura e organiza toda a vida cristã.

     

    MENSAGEM

    O leitor começa por apresentar Jesus à comunidade reunida para celebrar o seu Senhor, recorrendo a três títulos cristológicos (vers. 5a) que, provavelmente, faziam parte da catequese da comunidade joânica: “testemunha fiel”, “primogénito dos mortos”, “príncipe dos reis da terra”. Jesus é a “testemunha fiel” porque, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos de serviço, de amor e de doação, com a sua entrega até à morte, testemunhou, de forma perfeita, o que Deus queria revelar aos homens e mostrou aos homens o rosto do Deus-amor. Jesus é o “primogénito dos mortos”, porque foi o primeiro a vencer a morte e o pecado e demonstrou-nos, com essa vitória, que quem vive nos caminhos de Deus não será vencido pela morte, mas está destinado à vida eterna. Jesus é o “príncipe dos reis da terra”, porque anunciou e inaugurou um reino novo, de vida e de felicidade sem fim.

    Depois de escutar esta proclamação, a comunidade, reconhecida, aclama o seu Senhor e declara a sua concordância com o que foi afirmado sobre Jesus: “àquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus seu Pai, a Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amen” (vers. 5b-6). Os membros da comunidade cristã têm consciência de que a entrega de Jesus na cruz é expressão do amor sem medida com que Ele ama todos os homens… Porque ama, Jesus libertou os homens do egoísmo e do pecado; porque ama, Jesus convidou os homens a integrar um reino novo, de amor e de paz; porque ama, Jesus associou os homens à sua missão, tornando-os sacerdotes que oferecem a Deus o culto das suas próprias vidas. Jesus inseriu os homens numa dinâmica de vida nova, aproximou-os de Deus, convidou-os a integrar a família de Deus. A comunidade cristã, consciente desta realidade, manifesta no culto o seu reconhecimento.

    A “liturgia” prossegue com o leitor a recordar à comunidade reunida que Jesus há de vir ao encontro dos seus, cheio de poder e majestade, a fim de inaugurar uma nova era de vida e de paz sem fim (“ei-l’O que vem entre as nuvens” – vers. 7). A imagem é tirada do texto de Daniel que hoje escutamos como primeira leitura, onde o “filho de homem” que aparece sobre as nuvens está associado à vitória de Deus sobre os reinos e os poderes do mundo (cf. Dn 7,13). Declara-se assim que Jesus é o verdadeiro Senhor da história e que as forças do mal – inclusive as de Domiciano, o imperador que persegue os cristãos – não terão a última palavra. Por outro lado, todos os homens poderão ver o coração trespassado de Cristo (vers. 7a.b) e tomarão consciência de quanto Ele ama os homens. A vitória de Cristo concretizar-se-á através do seu amor, feito dom a todos os homens, sem exceção. A comunidade manifesta a sua adesão a Cristo e às verdades proclamadas respondendo novamente: “sim. Amen” (vers. 7c).

    O leitor que dirige a liturgia conclui a sua apresentação de Jesus, definindo-O como o princípio e o fim de todas as coisas (o “alfa” e o “ómega”, a primeira e a última letra do alfabeto grego), Aquele que é Senhor da História e que abarca a totalidade do tempo (“Aquele que é, que era e que há-de vir” – vers. 8). Os cristãos que participam nesta “liturgia” percebem, assim, que podem confiar incondicionalmente nesse Jesus que é a referência fundamental da história humana; e percebem, também, que são convidados a fazer de Jesus o centro das suas vidas.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Quase no final do séc. I, as comunidades cristãs do mundo greco-romano caminhavam sufocadas pelo medo. Domiciano, o imperador de Roma, tinha atribuído a si próprio o estatuto de dono do mundo e ordenara uma violenta perseguição contra a Igreja de Jesus. Os cristãos sentiam-se impotentes diante desse poder arrogante que nada parecia poder deter. É neste contexto que um “profeta”, exilado na ilha de Patmos por causa da sua fé, proclama corajosamente aos cristãos da Ásia Menor: “o senhor da História não é o imperador de Roma, mas sim Jesus, o nosso Salvador. Confiai n’Ele e no seu poder. Ele vem sobre as nuvens do céu para nos livrar da opressão e da violência dos líderes humanos que se arrogam o direito de definir os destinos do mundo e de determinar o sentido da História”. E os cristãos, destinatários desta mensagem libertadora, respondem: “Sim, confiamos incondicionalmente em Jesus; que Ele seja louvado pelos séculos dos séculos”. A mensagem do “profeta” de Patmos continua a ecoar hoje, num tempo em que os nossos líderes humanos, titubeantes e pouco esclarecidos, mas com uma arrogância semelhante à de Domiciano, nos arrastam para becos sem saída e deixam que a maldade, a violência, a injustiça, a exploração encham de sombras o caminho dos homens… Acreditamos nós também, neste tempo difícil que nos toca viver, que Jesus é o verdadeiro Senhor da História, o Salvador que há de aparecer sobre as nuvens do céu para derrotar os poderes arrogantes e para instaurar um reino de felicidade, de vida e de paz sem fim? Essa convicção dá-nos forças para avançar e para enfrentar as vicissitudes que a vida nos traz?
    • O “profeta” de Patmos refere-se a Jesus como “o Alfa e o Ómega”, “aquele que é, que era e que há de vir”, “o Senhor do Universo”. Convida-nos a vê-lo como o centro do Tempo e da História dos homens, aquele de quem tudo parte e para quem tudo converge, a referência fundamental à volta da qual toda a nossa vida se constrói. Como os cristãos das comunidades joânicas, talvez nós sejamos capazes de dizer, nas nossas assembleias litúrgicas: “sim. Amen. Aceitamos tudo isso como verdade”. No entanto, no dia a dia da nossa vida, Cristo está efetivamente no centro dos nossos interesses, das nossas opções, do nosso caminho? As nossas vidas alimentam-se das suas propostas, das suas palavras, dos seus gestos? Vivemos ao seu estilo, amamos como Ele amava, pensamos como Ele pensava, perdoamos como Ele perdoava, servimos como Ele servia? Jesus Cristo é, de verdade, o nosso “rei”, a nossa referência fundamental, aquele a quem seguimos de olhos fechados?
    • O “profeta” exilado na ilha de Patmos por causa da sua fé lembra-nos tantos e tantos homens e mulheres que, em contextos adversos, insistem em dar testemunho de Jesus e do seu Evangelho. Incompreendidos, maltratados, caluniados, mantêm-se coerentes com o Evangelho de Jesus; com coragem profética, procuram ser sal que dá sabor ao mundo e luz que brilha no meio das trevas; mesmo contra a corrente, são testemunhas corajosas dos valores de Deus e sinais que apontam para um mundo novo. Também nós, discípulos de Jesus e arautos do seu projeto, temos a coragem do testemunho, da coerência, do compromisso com os valores do Reino de Deus?

     

    ALELUIA – Marcos 11,9.10

    Aleluia. Aleluia.

    Bendito o que vem em nome do Senhor,
    bendito o reino do nosso pai David.

     

    EVANGELHO – João 18,33b-37

    Naquele tempo,
    disse Pilatos a Jesus:
    «Tu és o Rei dos judeus?»
    Jesus respondeu-lhe:
    «É por ti que o dizes,
    ou foram outros que to disseram de Mim?»
    Disse-Lhe Pilatos:
    «Porventura eu sou judeu?
    O teu povo e os sumos sacerdotes é que Te entregaram a mim.
    Que fizeste?»
    Jesus respondeu:
    «O meu reino não é deste mundo.
    Se o meu reino fosse deste mundo,
    os meus guardas lutariam
    para que Eu não fosse entregue aos judeus.
    Mas o meu reino não é daqui».
    Disse-Lhe Pilatos:
    «Então, Tu és Rei?»
    Jesus respondeu-lhe:
    «É como dizes: sou Rei.
    Para isso nasci e vim ao mundo,
    a fim de dar testemunho da verdade.
    Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz».

     

    CONTEXTO

    O Evangelho da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo leva-nos até ao “pretório”, situado em Jerusalém, na fortaleza chamada “Antónia” (em homenagem ao triúnviro romano Marco António), que albergava a guarnição romana de Jerusalém. Jesus tinha sido para aí levado depois de, na madrugada desse dia, ter sido considerado “réu de morte” pelas autoridades religiosas judaicas reunidas no palácio do sumo-sacerdote.

    É de manhã cedo. Pôncio Pilatos, o “prefeito” romano que administrou a Judeia e a Samaria entre os anos 26 e 36, está sentado na sua cadeira do poder. Jesus está diante dele, manietado como um delinquente. Pôncio Pilatos vivia habitualmente no seu palácio de Cesareia Marítima, junto do mar, a cerca de cem quilómetros de Jerusalém; mas, por altura das grandes festas, dirigia-se a Jerusalém com tropas de reforço, a fim de manter a ordem na cidade. Nesta altura Pilatos está em Jerusalém por causa das festas da Páscoa.

    As informações de Flávio Josefo e de Fílon apresentam Pôncio Pilatos como um governante duro e violento, obstinado e severo, culpado de ordenar execuções de opositores sem um processo legal. As queixas de excessiva crueldade apresentadas contra ele pelos samaritanos no ano 35 levaram Vitélio, o legado romano na Síria, a tomar posição e a enviá-lo a Roma para se explicar diante do imperador. Pôncio Pilatos foi deposto do seu cargo de governador da Judeia logo a seguir.

    Curiosamente, o autor do Quarto Evangelho, no seu relato do julgamento de Jesus, apresenta Pôncio Pilatos como um homem fraco, indeciso e volúvel, uma espécie de marioneta habilmente manobrada pelos líderes judaicos. Esta apresentação – que contradiz aquilo que os historiadores da época dizem sobre Pilatos – não deve ter grandes bases históricas: deve ser, apenas, uma tentativa de lançar a culpa e a responsabilidade da condenação de Jesus para cima das autoridades judaicas: foram elas que promoveram e insistiram na condenação de Jesus, enquanto que Pilatos tentou, por todos os meios, libertá-lo. Na altura em que o autor do Quarto Evangelho escreve (por volta do ano 100), os cristãos tratavam de evitar quaisquer polémicas com o poder imperial, que poderiam ter consequências nefastas na vida da Igreja.

     

    MENSAGEM

    O interrogatório de Jesus começa com uma pergunta direta, lançada por Pôncio Pilatos (vers. 33b): “Tu és o Rei dos judeus?” Este início de interrogatório revela qual era a acusação apresentada pelas autoridades judaicas contra Jesus: Ele tinha pretensões messiânicas; pretendia restaurar o reino ideal de David e libertar Israel dos opressores. Esta linha de acusação vê em Jesus um agitador político empenhado em mudar o mundo pela força, que fundamenta as suas pretensões e a sua ação no poder das armas e na autoridade dos exércitos. Esta acusação tem fundamento? Jesus aceita-a?

    A resposta de Jesus situa as coisas na perspetiva correta. Ele assume-se como o messias que Israel esperava e confirma a sua qualidade de “rei”; no entanto, descarta qualquer identificação com os reis que Pôncio Pilatos conhece e com a forma como eles exercem a realeza (vers. 36). Os reis deste mundo apoiam-se na força das armas e impõem aos outros homens o seu domínio e a sua autoridade; a sua realeza baseia-se no poderio, no autoritarismo, na prepotência, e gera opressão, injustiça e sofrimento… Jesus, em contrapartida, é um prisioneiro indefeso, abandonado pelos amigos, ridicularizado pelos líderes judaicos, desprezado pelo povo; não procurou ter poder, mas disponibilizou-se para servir todos, especialmente os pobres e os humildes; não se interessou por defender os seus próprios interesses, mas por obedecer à vontade de Deus, seu Pai; não pensou em acumular riquezas, mas em amar os homens até ao dom da própria vida… A sua realeza é de uma outra ordem, da ordem de Deus. É uma realeza que contrapõe o amor ao poder; é uma realeza que toca os corações e que, em vez de produzir morte, produz vida. Jesus é rei e messias, mas não vai impor a ninguém o seu reinado; vai apenas propor aos homens um mundo novo, assente numa lógica de amor, de doação, de entrega, de serviço.

    A declaração de Jesus causa estranheza ao “prefeito” romano da Judeia. Pilatos não consegue entender que um rei renuncie ao poder e à força e fundamente a sua realeza no amor e na doação da própria vida. O comentário posto na boca de Pôncio Pilatos – “então, Tu és Rei” (vers. 37a) – parece uma “deixa” de alguém para quem as declarações do seu interlocutor não são claras e que conserva a porta aberta a ulteriores explicações… Na sequência, Jesus confirma a sua realeza e o sentido e do seu reinado.

    A realeza de que Jesus Se considera investido por Deus consiste em “dar testemunho da verdade” (vers. 37b). Para o autor do Quarto Evangelho, a “verdade” é a realidade de Deus. Essa “verdade” manifesta-se nos gestos de Jesus, nas suas palavras, nas suas atitudes e, de forma especial, no seu amor vivido até ao extremo do dom da vida. A “verdade” (isto é, a realidade de Deus) é o amor incondicional e sem medida que Deus derrama sobre o homem, e que, uma vez acolhido, conduz à vida verdadeira e definitiva. Essa “verdade” opõe-se à “mentira”, que é o egoísmo, o pecado, a opressão, a injustiça, tudo aquilo que desfeia a vida do homem e o impede de alcançar a vida plena. A “realeza” de Jesus concretiza-se, por um lado, na luta contra o egoísmo e o pecado que escravizam o homem e que o impedem de ser livre e feliz; e, por outro lado, na proposição de uma vida feita amor e entrega a Deus e aos irmãos. Esta meta não se alcança através de uma lógica de poder e de força (que só multiplicam as cadeias de mentira, de injustiça, de violência); mas alcança-se através do amor, da partilha, do serviço simples e humilde em favor dos irmãos. É esse “reino” que Jesus veio propor; é a esse “reino” de amor que Ele preside.

    A proposta de Jesus tende a provocar uma resposta do homem. Quem é de Deus e pretende viver de acordo com a realidade de Deus, escuta a voz de Jesus; compromete-se a segui-l’O, renuncia ao egoísmo e faz da sua vida um dom de amor a Deus e aos irmãos (vers. 37c). Passa, então, a integrar a comunidade do “Reino de Deus”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O que significa concluirmos o ano litúrgico celebrando a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, rei do universo? Significa que, depois de termos caminhado com Jesus ao longo de um ano inteiro, sentimos que Ele é o nosso verdadeiro guia, o nosso verdadeiro mestre, o nosso verdadeiro Senhor; significa que, depois de termos andado com Ele por tantos caminhos e de termos enfrentado com Ele tantos desafios, confiamos incondicionalmente nas suas orientações e propostas; significa que, depois de termos experimentado a sua amizade e o seu amor, queremos apostar n’Ele toda a nossa vida; significa que, depois de termos caminhado ao ritmo das suas palavras e de termos sido alimentados com o seu Pão, nos sentimos mais fortes, mais livres, mais próximos da vida verdadeira que buscamos; significa que, tendo constatado a centralidade e a importância de Jesus na nossa vida, queremos construir à volta d’Ele toda a nossa existência. Aceitamos a “autoridade” de Jesus, não porque Ele nos impõe o seu poder, mas porque Ele nos toca com o seu amor. Como é que entendemos a realeza de Cristo? Reconhecemos Jesus como o nosso rei?
    • Diante de Pôncio Pilatos, o “prefeito” romano da Judeia, Jesus admite a sua realeza; mas deixa claro que essa realeza não assenta em poder, em autoridade, em riqueza, em domínio, em mordomias, em distinções humanas. Diante daquele funcionário do império que o questiona, Jesus está só, indefeso, prisioneiro, armado apenas com a força do amor e da verdade. A sua atitude, naquela hora decisiva, corresponde àquilo que foi toda a sua vida: obediência a Deus, serviço aos homens, solidariedade com as vítimas, doação total de si, testemunho da verdade. É com estas “armas” que Ele vai combater o egoísmo, a autossuficiência, a injustiça, a exploração, tudo o que gera sofrimento e morte. A lógica da vida de Jesus é uma lógica desconcertante e incompreensível, à luz dos critérios que o mundo avaliza e enaltece. Consideramos que a opção de Jesus faz sentido? O mundo novo, de vida e de felicidade plena para todos os homens nascerá de uma lógica de força, de autoridade e de imposição, ou de uma lógica de amor, de serviço e de dom da vida?
    • Se acolhemos o convite de Jesus e decidimos ir atrás d’Ele, como discípulos, é porque acreditamos que a proposta d’Ele é a receita certa para a construção de um mundo novo, de um mundo mais humano, mais feliz, mais pacífico, mais harmonioso, mais cheio de amor; se aceitamos Jesus como rei, é porque estamos dispostos a seguir as suas orientações e a viver, como Ele viveu, numa atitude de serviço humilde, de dom gratuito, de respeito, de partilha, de amor; se estamos seguros de que Jesus é a nossa grande referência, é porque nos dispomos a lutar ao lado d’Ele, não com a força do ódio e das armas, mas com a força do amor, contra todas as formas de exploração, de injustiça, de alienação e de morte… Estamos disponíveis para testemunhar e fazer aparecer o Reino de Cristo no nosso mundo e nos corações dos homens?
    • No seu diálogo com Pôncio Pilatos, Jesus define, de forma muito bela, o seu programa de vida: “nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade”. O seu grande objetivo é que o projeto de Deus – aquilo a que Jesus chama “a verdade” – seja assumido e concretizado pelos homens. Para dar testemunho da verdade, Jesus mostrou-nos o rosto misericordioso de Deus; para dar testemunho da verdade, Jesus disse-nos que Deus queria ver todos os seus filhos queridos caminharem livres e felizes; para dar testemunho da verdade, Jesus lutou contra o egoísmo, a injustiça, a discriminação, a intolerância, a violência, a mentira nas suas mil e uma formas; para dar testemunho da verdade, Jesus acolheu e abraçou os pecadores, os malditos, os que não tinham voz nem direitos; para dar testemunho da verdade, Jesus denunciou os mecanismos obscuros que os “donos do mundo” utilizavam para perpetuar os seus privilégios e para defender os seus interesses egoístas; para dar testemunho da verdade, Jesus amou até ao extremo e deu a própria vida para nos ensinar a viver… Aceitamos nós também fazer do “testemunho da verdade” o nosso programa de vida? Como Jesus, dispomo-nos a combater objetivamente todas as formas de mentira que tornam mais feio o nosso mundo?
    • A forma simples e despretensiosa como Jesus, o nosso Rei, Se apresenta diante dos poderes do mundo, convida-nos a repensar certas atitudes, certas formas de organização e certas estruturas que criamos para enfrentar a história… A comunidade de Jesus (a Igreja) não pode estruturar-se e organizar-se com os mesmos critérios dos reinos da terra… Deve interessar-se mais em dar um testemunho de amor e de solidariedade para com os pobres e marginalizados, do que em agradar às autoridades políticas e aos chefes das nações; deve preocupar-se mais com o serviço simples e humilde aos homens, do que com os títulos, as honras, as mordomias, os privilégios; deve apostar mais na partilha e no dom da vida, do que na posse de bens materiais ou na eficiência das estruturas. Se a Igreja não testemunhar, no meio dos homens, essa lógica de realeza que Jesus apresentou diante de Pôncio Pilatos, está a ser gravemente infiel à sua missão. Como é que a Igreja de Jesus entende e vive hoje, no séc. XXI, o seu serviço ao mundo e aos homens? Ao estilo de Jesus, o “rei” sem trono e sem poder, que se apresenta diante do mundo apenas “armado” com a humildade, o serviço, o amor?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 34.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 34.º Domingo do Tempo Comum (Solenidade de Cristo Rei), procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Dois homens presentes para um processo: Pilatos e Jesus. O primeiro tem uma autoridade que vem dos homens, tem um poder sobre eles, é ele, em último grau, que decide sobre a vida de Jesus, libertação ou condenação à morte. Mas Pilatos exerce o seu poder sob o medo, a verdade mete-lhe medo. Face a este homem, Jesus apresenta-Se com a fraqueza de um condenado, a sua única força é o testemunho que presta à verdade. Jesus desarma Pilatos que pergunta: «que é a Verdade?». Este rei sem exército, com uma coroa de espinhos na cabeça, revestido de um manto vermelho, só pede uma coisa: que se escute a sua voz a fim de se pertencer como Ele à verdade. O drama que se desenrola no palácio de Pilatos é o drama da humanidade que procura onde está a verdade. Por vezes, ela vira-se para os poderosos deste mundo, que não sabem que só um pôde dizer «Eu sou a Verdade!» e que só a verdade nos pode tornar livres.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    «Eu vim ao mundo para dar testemunho da verdade». E que é a verdade? – pergunta Pilatos. E nós também… Tantas formas de ver a verdade, mesmo nas religiões… Cada um procura fabricar a sua pequena verdade pessoal… Porém, a verdade só se pode encontrar em Jesus. Ele veio para olhar os homens à luz do olhar de seu Pai, para testemunhar esse olhar. Jesus pôde dizer “Eu sou a Verdade”, porque seu Pai encarregou-O de chegar a cada ser humano na última profundidade do ser. Só o olhar do Pai pode dizer a última verdade de cada ser. Este olhar só pode ser amor infinito. Eis porque Jesus não pode condenar ninguém, nem sequer Pilatos, nem os seus carrascos. Cristo Rei do universo? Sim, sob a condição de não se esquecer que o seu Reino não é somente o amor da verdade. É primeiramente a Verdade do Amor.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Balanço anual… Acabar um ano é também dar graças por tudo aquilo que pudemos viver. Individualmente, em família e em comunidade, fazer o balanço do ano que passou… Recordar alguns momentos concretos do ano litúrgico que marcaram o dinamismo do crescimento da fé, a nível pessoal e comunitário…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • S. André, Apóstolo

    S. André, Apóstolo


    30 de Novembro, 2024

    André era discípulo de João Batista, e companheiro de João Evangelista. Quando o Precursor apontou Jesus que passava, dizendo: "Eis o cordeiro de Deus" (cf. Jo 1, 35-40) tornou-se imediatamente discípulo do Senhor. Logo a seguir, comunicou a Pedro, seu irmão a descoberta do Messias (cf. Jo 1, 41s.). Jesus chamou a ambos para se tornarem "pescadores de homens" (Mt 4, 18s.). É André que, na multiplicação dos pães indica a Jesus o rapaz que tem cinco pães e dois peixes (Jo 6, 8s.). Com Filipe, André refere a Jesus que alguns gregos O querem ver (Jo 12, 20s.). A tradição reconhece em Santo André o evangelizador da Acaia (Grécia) e em Patras o lugar onde morreu após dois dias de suplício na Cruz, donde anunciou Cristo até ao último momento.
    Lectio
    Primeira leitura: Romanos 10,9-18

    Irmãos: Se confessares com a tua boca: «Jesus é o Senhor», e acreditares no teu coração que Deus o ressuscitou de entre os mortos, serás salvo. 10É que acreditar de coração leva a obter a justiça, e confessar com a boca leva a obter a salvação. 11É a Escritura que o diz: Todo o que nele acreditar não ficará frustrado. 12Assim, não há diferença entre judeu e grego, pois todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam. 13De facto, todo o que invocar o nome do Senhor será salvo. 14Ora, como hão-de invocar aquele em quem não acreditaram? E como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão-de ouvir falar, sem alguém que o anuncie? 15E como hão-de anunciar, se não forem enviados? Por isso está escrito: Que bem-vindos são os pés dos que anunciam as boas-novas! 16Porém, nem todos obedeceram à Boa-Nova. É Isaías quem o diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? 17Portanto, a fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo. 18Mas, pergunto eu, será que não a ouviram? Pelo contrário: A voz deles ressoou por toda a terra e até aos confins do mundo as suas palavras.

    A fé leva à salvação quando nos abandonamos a Deus, reconhecendo-O como único Salvador. Mas a fé pressupõe a escuta da Palavra, pela pregação dos missionários. A pregação e a fé têm o mesmo objeto: o mistério de Jesus-Senhor, morto e ressuscitado pelo poder de Deus Pai. Por isso, quando alguém acredita, expropria-se de si mesmo e torna-se propriedade de Deus, garante e fundamento de toda a confiança dos homens n´Ele. Mas também a pregação pressupõe um evento histórico absolutamente necessário: ter sido enviado. Por outras palavras, a pregação pressupõe a missão. A mensagem evangélica, destinada a todos os povos, passa pela escolha que Jesus faz das suas testemunha e pelo seu envio em missão: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura." (Mc 16, 15).
    Evangelho: Mateus 4, 18-22

    Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. 19Disse-lhes: «Vinde comigo e Eu farei de vós pescadores de homens.» 20E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no. 21Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com seu pai, Zebedeu, consertavam as redes, dentro do barco. Chamou-os, e 22eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-no.

    Jesus reúne à sua volta alguns discípulos aos quais dirige um especial ensinamento, porque os quer como discípulos e como testemunhas. Depois da Ressurreição, enviá-los-á ao mundo inteiro. Os Doze, de pescadores de peixes, tornam-se pescadores de homens. É o que Jesus lhes garante: "farei de vós pescadores de homens" (v. 19). André, com o seu irmão Simão, é um dos primeiros a ouvir o chamamento de Jesus e a segui-l´O. Mateus realça a prontidão com que o fizeram: "E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (v. 20). O seguimento de Jesus não admite hesitações ou demoras. Exige radicalidade!
    Meditatio

    A adesão pronta de André, e dos outros apóstolos, ao seguimento de Jesus e à missão que lhes confiava, permitiram-lhes levar a "Boa Notícia" da salvação aos confins da terra. A fé, adesão a Cristo e ao projeto de salvação que nos propõe, vem da escuta da Palavra, isto é, de Cristo, Palavra definitiva de Deus aos homens. Pregar essa Palavra, para que todos possam conhecê-la e aderir-lhe é, ainda hoje, a missão da Igreja.
    Somos, pois, convidados a escutar a Palavra, a acolhê-la no coração. É, sem dúvida, uma palavra exigente. Mas é Palavra salutar. Por isso, não podemos cair na tentação de lhe fechar os nossos ouvidos. Tal como certos remédios, a Palavra pode fazer-nos momentaneamente sofrer. Mas é a nossa salvação.
    A palavra é também alimento. Os profetas dizem que Deus promoverá no mundo uma fome, não de pão, mas da sua Palavra. Precisamos de experimentar essa fome, sabendo que a Palavra de Deus nos pode saciar para além de todas as realidades terrestres, e muito mais do que podemos imaginar.
    A palavra de Deus é exigência. Jesus fala de uma semente que deve crescer e espalhar-se por todo o lado. É a Palavra que torna fecundo o apostolado. Não pregamos palavras nossas, mas a Palavra que escutamos e acolhemos, e nos impele a proclamá-la, para pôr os homens em comunhão com Deus.
    S. João ensina-nos que não é fácil escutar a palavra, porque não é fácil ser dóceis a Deus. Mas só quem dócil ao Pai, escuta a sua Palavra: "Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim" (Jo 6, 45).
    A Palavra é a nossa felicidade. A palavra, meio de comunicação humana por excelência, permite-nos comunicar com Deus. Para entrar em comunicação e em comunhão com Deus, havemos de acolher a sua Palavra em nós.
    Que Santo André nos ensine a escutar e a acolher a Palavra de Deus, para estarmos em comunhão com Ele e uns com os outros.
    Oratio

    Senhor, abre-nos os ouvidos e o coração à tua Palavra para que estejamos dispostos a seguir-te em radicalidade evangélica e a ser tuas testemunhas onde e como dispuseres. Que a tua Palavra ecoe, hoje, mais eficazmente do que nunca. Que nos demos conta da tua presença e a reconheçamos, hoje, mais do que nunca, sobretudo os que somos jovens. Abandonados à tua solicitude de pastor, não faltarão vocações à tua Igreja. Ámen.
    Contemplatio

    Santo André foi um dos apóstolos que melhor compreendeu e saboreou o mistério da cruz. O seu bom coração foi penetrado pela graça do Calvário. Pregou a cruz na Cítia, no Ponto e noutras regiões. Desejava morrer sobre a cruz, para dar a Nosso Senhor amor por amor. Teve esta graça em Patras. Censurava ao juiz as suas perseguições contra a verdade. O juiz irritado ordenou-lhe que sacrificasse aos deuses. - «É ao Deus todo-poderoso, o único e verdadeiro, respondeu André, que imolo todos os dias, não a carne dos animais, mas o Cordeiro sem mancha, inteiro e cheio de vida sobre o altar, depois de ter sido imolado e dado em alimento aos cristãos». Mostrava assim sobretudo o seu amor pela Eucaristia. Contam que, vendo de longe a cruz sobre a qual devia ser ligado, exclamou: «Eu vos amo, cruz preciosa, que fostes consagrada pelo corpo do meu Deus, e ornada com os seus membros como com ricas pedrarias... Aproximo-me de vós com alegria, recebei-me nos vossos braços... Há muito tempo que vos desejo e que vos procuro. Os meus votos cumpriram-se. Que aquele, que de vós se serviu para me resgatar, se digne receber-me apresentado por vós». Na prática, unamos todas as nossas cruzes quotidianas à cruz de Jesus Cristo. Elas unir-nos-ão aos seus méritos. (Leão Dehon, OSP 4, p.505s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (Jo 3, 20)."

     

    ----

    S. André, Apóstolo (30 de Novembro)