Events in Novembro 2022

  • Solenidade de Todos os Santos - Ano C

    Solenidade de Todos os Santos - Ano C


    1 de Novembro, 2022

    ANO C
    SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

    Breves introduções às leituras: Primeira leitura: Como descrever a felicidade dos mártires e dos santos na sua condição celeste, invisível? Para isso, o profeta recorre a uma visão.
    Salmo responsorial: O salmo de hoje proclama as condições de entrada no Templo de Deus. Ele anuncia também a bem-aventurança dos corações puros. Nós somos este povo imenso que marcha ao encontro do Deus santo.
    Segunda leitura: Desde o nosso baptismo, somos chamados filhos de Deus e o nosso futuro tem a marcada da eternidade.
    Evangelho: Que futuro reserva Deus aos seus amigos, no seu Reino celeste? Ele próprio é fonte de alegria e de felicidade para eles.

    LEITURA I - Ap 7,2-4.9-14

    Leitura do Apocalipse de São João

    Eu, João, vi um Anjo que subia do Nascente,
    trazendo o selo do Deus vivo.
    Ele clamou em alta voz
    aos quatro Anjos a quem foi dado o poder
    de causar dano à terra e ao mar:
    «Não causeis dano à terra, nem ao mar, nem às árvores,
    até que tenhamos marcado na fronte
    os servos do nosso Deus».
    E ouvi o número dos que foram marcados:
    cento e quarenta e quatro mil,
    de todas as tribos dos filhos de Israel.
    Depois disto, vi uma multidão imensa,
    que ninguém podia contar,
    de todas as nações, tribos, povos e línguas.
    Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
    vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.
    E clamavam em alta voz:
    «A salvação ao nosso Deus, que está sentado no trono,
    e ao Cordeiro».
    Todos os Anjos formavam círculo
    em volta do trono, dos Anciãos e dos quatro Seres Vivos.
    Prostraram-se diante do trono, de rosto por terra,
    e adoraram a Deus, dizendo:
    «Amen! A bênção e a glória, a sabedoria e a acção de graças,
    a honra, o poder e a força
    ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amen!».
    Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me:
    «Esses que estão vestidos de túnicas brancas,
    quem são e de onde vieram?».
    Eu respondi-lhe:
    «Meu Senhor, vós é que o sabeis».
    Ele disse-me:
    «São os que vieram da grande tribulação,
    os que lavaram as túnicas
    e as branquearam no sangue do Cordeiro».

    Breve comentário

    As primeiras perseguições tinham feito cruéis destruições nas comunidades cristãs, ainda tão jovens. Iriam estas comunidades desaparecer, acabadas de fundar? As visões do profeta cristão trazem uma mensagem de esperança nesta provação. É uma linguagem codificada, que evoca Roma, perseguidora dos cristãos, sem a nomear directamente, aplicando-lhe o qualificativo de Babilónia. A revelação proclamada é a da vitória do Cordeiro. Que paradoxo! O próprio Cordeiro foi imolado. Mas é o Cordeiro da Páscoa definitiva, o Ressuscitado. Ele transformou o caminho de morte em caminho de vida para todos aqueles que O seguem, em particular pelo martírio, e eles são numerosos; participam doravante ao seu triunfo, numa festa eterna.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 23 (24)

    Refrão: Esta é a geração dos que procuram o Senhor.

    Do Senhor é a terra e o que nela existe,
    o mundo e quantos nele habitam.
    Ele a fundou sobre os mares
    e a consolidou sobre as águas.

    Quem poderá subir à montanha do Senhor?
    Quem habitará no seu santuário?
    O que tem as mãos inocentes e o coração puro,
    o que não invocou o seu nome em vão.

    Este será abençoado pelo Senhor
    e recompensado por Deus, seu Salvador.
    Esta é a geração dos que O procuram,
    que procuram a face de Deus.

     

    LEITURA II - 1Jo 3,1-3

    Leitura da Primeira Epístola de São João

    Caríssimos:
    Vede que admirável amor o Pai nos consagrou
    em nos chamar filhos de Deus.
    E somo-lo de facto.
    Se o mundo não nos conhece,
    é porque O não conheceu a Ele.
    Caríssimos, agora somos filhos de Deus
    e ainda não se manifestou o que havemos de ser.
    Mas sabemos que, na altura em que se manifestar,
    seremos semelhantes a Deus,
    porque O veremos tal como Ele é.
    Todo aquele que tem n’Ele esta esperança
    purifica-se a si mesmo,
    para ser puro, como ele é puro.

    Breve comentário

    Segunda mensagem de esperança. Ela responde às nossas interrogações sobre o destino dos defuntos. Que vieram a ser? Como sabê-lo, pois desapareceram dos nossos olhos? E nós próprios, que viremos a ser?
    A resposta é uma dedução absolutamente lógica: se Deus, no seu imenso amor, faz de nós seus filhos, não nos pode abandonar. Ora, em Jesus, vemos já a que futuro nos conduz a pertença à família divina: seremos semelhantes a Ele.

     

    ALELUIA - Mt 11,28

    Aleluia. Aleluia.

    Vinde a Mim, vós todos os que andais cansados e oprimidos
    e Eu vos aliviarei, diz o Senhor.

     

    EVANGELHO - Mt 5,1-12

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se.
    Rodearam-n’O os discípulos
    e Ele começou a ensiná-los, dizendo:
    «Bem-aventurados os pobres em espírito,
    porque deles é o reino dos Céus.
    Bem-aventurados os humildes,
    porque possuirão a terra.
    Bem-aventurados os que choram,
    porque serão consolados.
    Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
    porque serão saciados.
    Bem-aventurados os misericordiosos,
    porque alcançarão misericórdia.
    Bem-aventurados os puros de coração,
    porque verão a Deus.
    Bem-aventurados os que promovem a paz,
    porque serão chamados filhos de Deus.
    Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça,
    porque deles é o reino dos Céus.
    Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa,
    vos insultarem, vos perseguirem
    e, mentindo, disserem todo o mal contra vós.
    Alegrai-vos e exultai,
    porque é grande nos Céus a vossa recompensa».

    AMBIENTE

    Depois de dizer quem é Jesus (cf. Mt 1,1-2,23) e de definir a sua missão (cf. Mt 3,1-4,16), Mateus vai apresentar a concretização dessa missão: com palavras e com gestos, Jesus propõe aos discípulos e às multidões o "Reino". Neste enquadramento, Mateus propõe-nos hoje um discurso de Jesus sobre o "Reino" e a sua lógica.
    Uma característica importante do Evangelho segundo Mateus reside na importância dada pelo evangelista aos "ditos" de Jesus. Ao longo do Evangelho segundo Mateus aparecem cinco longos discursos (cf. Mt 5-7; 10; 13; 18; 24-25), nos quais Mateus junta "ditos" e ensinamentos provavelmente proferidos por Jesus em várias ocasiões e contextos. É provável que o autor do primeiro Evangelho visse nesses cinco discursos uma nova Lei, destinada a substituir a antiga Lei dada ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do Pentateuco.
    O primeiro discurso de Jesus - do qual o Evangelho que nos é hoje proposto é a primeira parte - é conhecido como o "sermão da montanha" (cf. Mt 5-7). Agrupa um conjunto de palavras de Jesus, que Mateus coleccionou com a evidente intenção de proporcionar à sua comunidade uma série de ensinamentos básicos para a vida cristã. O evangelista procurava, assim, oferecer à comunidade cristã um novo código ético, uma nova Lei, que superasse a antiga Lei que guiava o Povo de Deus.
    Mateus situa esta intervenção de Jesus no cimo de um monte. A indicação geográfica não é inocente: transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus a nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao "Reino".
    As "bem-aventuranças" que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na boca de Jesus, são consideravelmente diferentes das "bem-aventuranças" propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove "bem-aventuranças", enquanto que Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro "maldições", que estão ausentes do texto mateano; outras notas características da versão de Mateus são a espiritualização (os "pobres" de Lucas são, para Mateus, os "pobres em espírito") e a aplicação dos "ditos" originais de Jesus à vida da comunidade e ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado.

    MENSAGEM

    As "bem-aventuranças" são fórmulas relativamente frequentes na tradição bíblica e judaica. Aparecem, quer nos anúncios proféticos de alegria futura (cf. Is 30,18; 32,20; Dn 12,12), quer nas acções de graças pela alegria presente (cf. Sl 32,1-2; 33,12; 84,5.6.13), quer nas exortações a uma vida sábia, reflectida e prudente (cf. Prov 3,13; 8,32.34; Sir 14,1-2.20; 25,8-9; Sl 1,1; 2,12; 34,9). Contudo, elas definem sempre uma alegria oferecida por Deus.
    As "bem-aventuranças" evangélicas devem ser entendidas no contexto da pregação sobre o "Reino". Jesus proclama "bem-aventurados" aqueles que estão numa situação de debilidade, de pobreza, porque Deus está a ponto de instaurar o "Reino" e a situação destes "pobres" vai mudar radicalmente; além disso, são "bem-aventurados" porque, na sua fragilidade, debilidade e dependência, estão de espírito aberto e coração disponível para acolher a proposta de salvação e libertação que Deus lhes oferece em Jesus (a proposta do "Reino").
    As quatro primeiras "bem-aventuranças" referidas por Mateus (vers. 3-6) estão relacionadas entre si. Dirigem-se aos "pobres" (as segunda, terceira e quarta "bem-aventuranças" são apenas desenvolvimentos da primeira, que proclama: "bem-aventurados os pobres em espírito"). Saúdam a felicidade daqueles que se entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre a sua vontade; daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua confiança e a sua esperança nos bens, no poder, no êxito, nos homens, para esperar e confiar em Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que aceitam despojar-se de si próprios e estar disponíveis para Deus e para os outros.
    Os "pobres em espírito" são aqueles que aceitam renunciar, livremente, aos bens, ao próprio orgulho e auto-suficiência, para se colocarem, incondicionalmente, nas mãos de Deus, para servirem os irmãos e partilharem tudo com eles.
    Os "mansos" não são os fracos, os que suportam passivamente as injustiças, os que se conformam com as violências orquestradas pelos poderosos; mas são aqueles que recusam a violência, que são tolerantes e pacíficos, embora sejam, muitas vezes, vítimas dos abusos e prepotências dos injustos… A sua atitude pacífica e tolerante torná-los-á membros de pleno direito do "Reino".
    Os "que choram" são aqueles que vivem na aflição, na dor, no sofrimento provocados pela injustiça, pela miséria, pelo egoísmo; a chegada do "Reino" vai fazer com que a sua triste situação se mude em consolação e alegria…
    A quarta bem-aventurança proclama felizes "os que têm fome e sede de justiça". Provavelmente, a justiça deve entender-se, aqui, em sentido bíblico - isto é, no sentido da fidelidade total aos compromissos assumidos para com Deus e para com os irmãos. Jesus dá-lhes a esperança de verem essa sede de fidelidade saciada, no Reino que vai chegar.
    O segundo grupo de "bem-aventuranças" (vers. 7-11) está mais orientado para definir o comportamento cristão. Enquanto que no primeiro grupo se constatam situações, neste segundo grupo propõem-se atitudes que os discípulos devem assumir.
    Os "misericordiosos" são aqueles que têm um coração capaz de compadecer-se, de amar sem limites, que se deixam tocar pelos sofrimentos e alegrias dos outros homens e mulheres, que são capazes de ir ao encontro dos irmãos e estender-lhes a mão, mesmo quando eles falharam.
    Os "puros de coração" são aqueles que têm um coração honesto e leal, que não pactua com a duplicidade e o engano.
    Os "que constroem a paz" são aqueles que se recusam a aceitar que a violência e a lei do mais forte rejam as relações humanas; e são aqueles que procuram ser - às vezes com o risco da própria vida - instrumentos de reconciliação entre os homens.
    Os "que são perseguidos por causa da justiça" são aqueles que lutam pela instauração do "Reino" e são desautorizados, humilhados, agredidos, marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, que fomentam a opressão, que constroem a morte… Jesus garante-lhes: o mal não vos poderá vencer; e, no final do caminho, espera-vos o triunfo, a vida plena.
    Na última "bem-aventurança" (vers. 11), o evangelista dirige-se, em jeito de exortação, aos membros da sua comunidade que têm a experiência de ser perseguidos por causa de Jesus e convida-os a resistir ao sofrimento e à adversidade. Esta última exortação é, na prática, uma aplicação concreta da oitava "bem-aventurança".
    No seu conjunto, as "bem-aventuranças" deixam uma mensagem de esperança e de alento para os pobres e débeis. Anunciam que Deus os ama e que está do lado deles; confirmam que a libertação está a chegar e que a sua situação vai mudar; asseguram que eles vivem já na dinâmica desse "Reino" onde vão encontrar a felicidade e a vida plena.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a partilha podem fazer-se à volta dos seguintes elementos:

    • Jesus diz: "felizes os pobres em espírito"; o mundo diz: "felizes vós os que tendes dinheiro - muito dinheiro - e sabeis usá-lo para comprar influências, comodidade, poder, segurança, bem-estar, pois é o dinheiro que faz andar o mundo e nos torna mais poderosos, mais livres e mais felizes". Quem é, realmente, feliz?

    • Jesus diz: "felizes os mansos"; o mundo diz: "felizes vós os que respondeis na mesma moeda quando vos provocam, que respondeis à violência com uma violência ainda maior, pois só a linguagem da força é eficaz para lidar com a violência e a injustiça". Quem tem razão?

    • Jesus diz: "felizes os que choram"; o mundo diz: "felizes vós os que não tendes motivos para chorar, porque a vossa vida é sempre uma festa, porque vos moveis nas altas esferas da sociedade e tendes tudo para serdes felizes: casa com piscina, carro com telefone e ar condicionado, amigos poderosos, uma conta bancária interessante e um bom emprego arranjado pelo vosso amigo ministro". Onde está a verdadeira felicidade?

    • Jesus diz: "felizes os que têm ânsia de cumprir a vontade de Deus"; o mundo diz: "felizes vós os que não dependeis de preconceitos ultrapassados e não acreditais num deus que vos diz o que deveis e não deveis fazer, porque assim sois mais livres". Onde está a verdadeira liberdade, que enche de felicidade o coração?

    • Jesus diz: "felizes os que tratam os outros com misericórdia"; o mundo diz: "felizes vós quando desempenhais o vosso papel sem vos deixardes comover pela miséria e pelo sofrimento dos outros, pois quem se comove e tem misericórdia acabará por nunca ser eficaz neste mundo tão competitivo". Qual é o verdadeiro fundamento de uma sociedade mais justa e mais fraterna?

    • Jesus diz: "felizes os sinceros de coração"; o mundo diz: "felizes vós quando sabeis mentir e fingir para levar a água ao vosso moinho, pois a verdade e a sinceridade destroem muitas carreiras e esperanças de sucesso". Onde está a verdade?

    • Jesus diz: "felizes os que procuram construir a paz entre os homens"; o mundo diz: "felizes vós os que não tendes medo da guerra, da competição, que sois duros e insensíveis, que não tendes medo de lutar contra os outros e sois capazes de os vencer, pois só assim podereis ser homens e mulheres de sucesso". O que é que torna o mundo melhor: a paz ou a guerra?

    • Jesus diz: "felizes os que são perseguidos por cumprirem a vontade de Deus"; o mundo diz: "felizes vós os que já entendestes como é mais seguro e mais fácil fazer o jogo dos poderosos e estar sempre de acordo com eles, pois só assim podeis subir na vida e ter êxito na vossa carreira". O que é que nos eleva à vida plena?

    ALGUMAS REFLEXÕES À LUZ DO EVANGELHO
    (adaptadas de "Signes d’aujourd’hui")

    REFLEXÃO 1:
    CELEBRAR OS SANTOS NA RESSURREIÇÃO

    As Bem-aventuranças revelam a realidade misteriosa da vida em Deus, iniciada no Baptismo. Aos olhos do mundo, o que os servidores de Deus sofrem, são efectivamente formas de morte: ser pobre, suportar as provas (os que choram) ou as privações (ter fome e sede) de justiça, ser perseguido, ser partidário da paz, da reconciliação e da misericórdia, num mundo de violência e de lucro, tudo isso aparece como não rentável, votado ao fracasso, consequentemente, à morte.
    Mas que pensa Cristo? Ele, ao contrário, proclama felizes todos os seus amigos que o mundo despreza e considera como mortos, consola-os, alimenta-os, chama-os filhos de Deus, introdu-los no Reino e na Terra Prometida.
    A Solenidade de Todos os Santos abre-nos assim o espírito e o coração às consequências da Ressurreição. O que se passou em Jesus realizou-se também nos seus bem amados, os nossos antepassados na fé, e diz-nos igualmente respeito: sob as folhas mortas, sob a pedra do túmulo, a vida continua, misteriosa, para se revelar no Grande Dia, quando chegar o fim dos tempos. Para Jesus, foi o terceiro dia; para os seus amigos, isso será mais tarde.

    REFLEXÃO 2:
    O EVANGELHO NO PRESENTE

    Os membros de uma mesma família têm traços do rosto comuns…
    As pessoas que partilham toda uma vida juntos acabam por se parecerem…
    Esta festa anual de Todos os Santos reúne inúmeros rostos que trazem em si a imagem e a semelhança de Deus.

    Um rosto de humanidade transfigurada. Enquanto vivos, os santos não se consideravam como tais, longe disso! Eles não esculpiam a sua efígie num fundo de auto-satisfação… Contrariamente àquilo que geralmente aparece nas imagens ditas piedosas e nas biografias embelezadas, eles não foram perfeitos, nem à primeira, nem totalmente, nem sobretudo sem esforço. Eles tinham fraquezas e defeitos contra os quais se bateram toda a vida. Alguns, como S. Agostinho, vieram de longe, transfigurados pelo amor de Deus que acolheram na sua existência. Quanto mais se aproximaram da luz de Deus, tanto mais viram e reconheceram as sombras da sua existência.
    Peregrinos do quotidiano, a maior parte deles não realizaram feitos heróicos nem cumpriram prodígios. É certo que alguns têm à sua conta realizações espectaculares, no plano humanitário, no plano espiritual, ou ainda na história da Igreja. Mas muitos outros, a maioria, são os santos da simplicidade e do quotidiano! Canoniza-se muito pouco estas pessoas do quotidiano!

    Um rosto com traços de Cristo.
    Encontramos em cada um dos santos e das santas um mesmo perfil. Poderíamos mesmo desenhar o seu retrato-robô comum. Por muito frequentar Cristo, deixaram-se modelar pelos seus traços.
    Como Jesus, os santos tiveram que viver muitas vezes em sentido contrário às ideias recebidas e aos comportamentos do seu tempo. Viver as Bem-aventuranças não é evidente: ser pobre de coração num mundo que glorifica o poder e o ter; ser doce num mundo duro e violento; ter o coração puro face à corrupção; fazer a paz quando outros declaram a guerra…
    Os santos foram pessoas "em marcha" (segundo uma tradução hebraizante de "bem-aventurado"), isto é, pessoas activas, apaixonadas pelo Evangelho… Os santos foram homens e mulheres corajosos, capazes de reagir e de afirmar a todo o custo aquilo que os fazia viver. Eles mostram-nos o caminho da verdade e da liberdade.
    Aqueles que frequentaram os santos - aqueles que os frequentam hoje - afirmam que, junto deles, sentimos que nos tornamos melhores. O seu exemplo ilumina. A sua alegria é o seu testemunho mais belo. A sua felicidade é contagiosa.

    REFLEXÃO 3:
    TER UM CORAÇÃO DE POBRE (Gérard Naslin)

    Eram quatro casais amigos à volta da mesma mesa. Os copos estavam bem cheios e os pratos bem guarnecidos. No meio da refeição, a conversa centra-se nos acontecimentos da actualidade: Fala-se dos estrangeiros e imigrantes. O debate aquece e cada um proclama o slogan tantas vezes repetido, o cliché veiculado pelos media… Todos parecem em uníssono.
    Entretanto, um dos convivas, que estava em silêncio há alguns minutos, abrindo a boca, disse: "Não estou de acordo convosco, e vou dizer-vos porquê. Para mim, todo o homem é uma história sagrada, eu acredito nisso, deixai-me dizê-lo". Imaginai o tempo de silêncio que se seguiu, enquanto os olhares e os garfos mergulharam nos pratos.
    Naquela noite, ao longo de uma refeição entre amigos, passou-se qualquer coisa que nos faz ver o que é o Reino de Deus: um homem só, ousava deixar a multidão para dizer: "Não estou de acordo!" em nome da sua fé no homem e, no caso preciso, em nome da sua fé em Deus.
    Não foi o que se passou no cimo de uma montanha da Palestina, há 2000 anos, quando um homem, Jesus de Nazaré, tendo diante de si os seus discípulos que tinham deixado a multidão para o seguir, "abrindo a boca", se pôs a instrui-los e lhes falou de felicidade, mas de modo nenhum como o mundo fala dela?!
    São estes discípulos que ele declara "bem-aventurados". São Lucas, no seu Evangelho, será ainda mais preciso, pois escreverá: "erguendo os olhos para os discípulos…" E que lhes disse Ele? "Bem-aventurados vós, os pobres de coração, porque vosso é o Reino de Deus!".
    Eis a força contestatária de Jesus. E as outras seis bem-aventuranças estão lá para ilustrar a primeira, a da pobreza do coração. Quanto à última, ela aparece como a conclusão: "Sim, se vós viveis dessa vida, esperai ser perseguidos, porque isso impedirá as pessoas de dormir; isso inquietá-las-á, e como as pessoas não gostam de ser inquietadas, vós sereis perseguidos".
    As bem-aventuranças, se as queremos tomar a sério e sobretudo vivê-las, colocam-nos em situação de contestação e fazem-nos assumir riscos. Sim, em certos momentos, fazem-nos dizer, e sobretudo viver, um "Não estou de acordo" em nome da nossa fé.
    Porque é que Jesus declara "felizes" os seus discípulos? Porque eles são pobres de coração, porque eles estão libertos de tudo o que poderia entravar a sua liberdade. Com efeito, a alegria é o fruto da liberdade.
    Mas de que pobreza fala Jesus? Fala da pobreza que permite crer, esperar e amar.

    O pobre é aquele que "faz crédito" em Deus.
    "Fazer crédito" ou dizer "credo", é a mesma coisa. Quando se fala de noivos, fala-se de duas pessoas que confiam entre si, que se fiam uma na outra, que "fazem crédito". A desconfiança torna a pessoa infeliz. Confiar é aceitar um certo abandono: aquele que grita em direcção a Deus no meio do seu sofrimento ou da sua confusão, é aquele que confia sempre em Deus.

    O pobre é também aquele que espera.
    O rico não pode esperar, está plenamente satisfeito. O pobre, esse, está sempre virado para um futuro que espera que seja melhor; e, depois, ele procura, porque pensa nunca ter totalmente encontrado. A sua vida é uma procura, e todos os sinais que ele encontra enchem-no de alegria e fazem-no avançar. O pobre é aquele que aceita ser criticado pela Palavra de Deus. Com efeito, pôr-se em questão só é possível para aquele que espera tornar-se melhor.

    O pobre é aquele que ama.
    Por não estar plenamente satisfeito consigo mesmo, o pobre está disponível para servir os seus irmãos. Não centrado em si próprio, abre os olhos e vê aqueles que esperam os seus gestos de amor; ouve os gritos dos seus irmãos e abre as suas mãos vazias para as estender àquele que tem necessidade. A sua pobreza fá-lo receber e, ao mesmo tempo, dar o pouco que tem.
    Jesus conhecia o coração do homem, e soube reconhecer no coração dos seus discípulos esta aspiração a crer, a esperar e a amar; é a razão pela qual ele os escolheu e chamou.
    As bem-aventuranças vão, em tantas situações, contra a corrente, porque um homem, um dia, ousou abrir a boca para dizer aos seus discípulos: "Sois do mundo, e ao mesmo tempo não sois do mundo… Vós não sois do mundo do cada um para si, do consumo, da violência, da vingança, do comprometimento… E face a este mundo deveis dizer: não estou de acordo! É certo que sereis perseguidos ou, pelo menos, rir-se-ão de vós, ou procurarão fazer-vos calar. Felizes sereis, porque fareis ver onde está a verdadeira felicidade. Chamar-vos-ão santos".
    Festejamos neste dia todos aqueles que tomam de tal modo a sério as bem-aventuranças que são hoje plenamente felizes.
    Queremos experimentar ser já felizes? Basta-nos ter um coração de pobre.

    REFLEXÃO 4:
    A SANTIDADE DE MUITOS

    Fruto da conversão realizada pelo Evangelho é a santidade de muitos homens e mulheres do nosso tempo; não só daqueles que foram proclamados oficialmente santos pela Igreja, mas também dos que, com simplicidade e no dia a dia da existência, deram testemunho da sua fidelidade a Cristo. Como não pensar aos inumeráveis filhos da Igreja que, ao longo da história do continente europeu, viveram uma santidade generosa e autêntica no mais recôndito da vida familiar, profissional e social? «Todos eles, como "pedras vivas" aderentes a Cristo "pedra angular", construíram a Europa como edifício espiritual e moral, deixando aos vindouros a herança mais preciosa. O Senhor Jesus havia prometido: "Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai'' (Jo 14,12). Os santos são a prova viva da realização desta promessa, e ajudam a crer que isto é possível mesmo nos momentos mais difíceis da história». [nº 14 da Exortação Apostólica Ecclesia in Europa de João Paulo II]

    REFLEXÃO 5:
    ALGUMAS PALAVRAS DE BENTO XVI EM PORTUGAL SOBRE O DINAMISMO DA SANTIDADE

    • O horizonte para que deve tender todo o caminho pastoral é a santidade. Não era isso também o objectivo último da indulgência jubilar, enquanto graça especial oferecida por Cristo para que a vida de cada baptizado pudesse purificar-se e renovar-se profundamente? […]
    Na verdade, colocar a programação pastoral sob o signo da santidade é uma opção carregada de consequências. Significa exprimir a convicção de que, se o Baptismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus através da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria um contra-senso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista e uma religiosidade superficial.
    Perguntar a um catecúmeno: «Queres receber o Baptismo?» significa ao mesmo tempo pedir-lhe: «Queres fazer-te santo?» Significa colocar na sua estrada o radicalismo do Sermão da Montanha: «Sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste» (Mt 5,48).
    [João Paulo II, Novo Millennio Ineunte 30-31]

    • Decisivo é conseguir inculcar em todos os agentes evangelizadores um verdadeiro ardor de santidade, cientes de que o resultado provém sobretudo da união com Cristo e da acção do seu Espírito. […]
    A Igreja tem necessidade sobretudo de grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade entre os fiéis, porque é da santidade que nasce toda a autêntica renovação da Igreja, todo o enriquecimento da fé e do seguimento cristão, uma reactualização vital e fecunda do cristianismo com as necessidades dos homens, uma renovada forma de presença no coração da existência humana e da cultura das nações.
    [Bento XVI, Discurso aos Bispos em Fátima, 13 de Maio de 2010]

    • "É nos Santos que a Igreja reconhece os seus traços característicos e, precisamente neles, saboreia a sua alegria mais profunda. Irmana-os, a todos, a vontade de encarnar na sua existência o Evangelho, sob o impulso do eterno animador do Povo de Deus que é o Espírito Santo. […]
    É preciso voltar a anunciar com vigor e alegria o acontecimento da morte e ressurreição de Cristo, coração do cristianismo, fulcro e sustentáculo da nossa fé, alavanca poderosa das nossas certezas, vento impetuoso que varre qualquer medo e indecisão, qualquer dúvida e cálculo humano. A ressurreição de Cristo assegura-nos que nenhuma força adversa poderá jamais destruir a Igreja. Portanto a nossa fé tem fundamento, mas é preciso que esta fé se torne vida em cada um de nós. […]
    Queridos Irmãos e jovens amigos, Cristo está sempre connosco e caminha sempre com a sua Igreja, acompanha-a e guarda-a, como Ele nos disse: «Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Nunca duvideis da sua presença! Procurai sempre o Senhor Jesus, crescei na amizade com Ele, comungai-O. Aprendei a ouvir e a conhecer a sua palavra e também a reconhecê-Lo nos pobres. Vivei a vossa vida com alegria e entusiasmo, certos da sua presença e da sua amizade gratuita, generosa, fiel até à morte de cruz. Testemunhai a alegria desta sua presença forte e suave a todos, a começar pelos da vossa idade. Dizei-lhes que é belo ser amigo de Jesus e que vale a pena segui-Lo. Com o vosso entusiasmo, mostrai que, entre tantos modos de viver que hoje o mundo parece oferecer-nos - todos aparentemente do mesmo nível –, só seguindo Jesus é que se encontra o verdadeiro sentido da vida e, consequentemente, a alegria verdadeira e duradoura.
    Buscai diariamente a protecção de Maria, a Mãe do Senhor e espelho de toda a santidade. Ela, a Toda Santa, ajudar-vos-á a ser fiéis discípulos do seu Filho Jesus Cristo.
    [Bento XVI, Homilia em Lisboa, 11 de Maio de 2010]

    • A relação com Deus é constitutiva do ser humano: foi criado e ordenado para Deus, procura a verdade na sua estrutura cognitiva, tende ao bem na esfera volitiva, é atraído pela beleza na dimensão estética. A consciência é cristã na medida em que se abre à plenitude da vida e da sabedoria, que temos em Jesus Cristo. A visita, que agora inicio sob o signo da esperança, pretende ser uma proposta de sabedoria e de missão. […] Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos exige uma viagem ao centro de si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade, inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio.
    [Bento XVI, Discurso na chegada a Lisboa, 11 de Maio de 2010]

    • "Sim! O Senhor, a nossa grande esperança, está connosco; no seu amor misericordioso, oferece um futuro ao seu povo: um futuro de comunhão consigo. […] A nossa esperança tem fundamento real, apoia-se num acontecimento que se coloca na história e ao mesmo tempo excede-a: é Jesus de Nazaré. […] Mas quem tem tempo para escutar a sua palavra e deixar-se fascinar pelo seu amor? Quem vela, na noite da dúvida e da incerteza, com o coração acordado em oração? Quem espera a aurora do dia novo, tendo acesa a chama da fé? A fé em Deus abre ao homem o horizonte de uma esperança certa que não desilude; indica um sólido fundamento sobre o qual apoiar, sem medo, a própria vida; pede o abandono, cheio de confiança, nas mãos do Amor que sustenta o mundo.
    [Bento XVI, Homilia em Fátima, 13 de Maio de 2010]

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA

    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Comemoração de Todos os fiéis Defuntos

    Comemoração de Todos os fiéis Defuntos


    2 de Novembro, 2022

    A Igreja, acolhendo uma tradição monástica que vem do século XI, dedica o dia 2 de Novembro à memória dos fiéis defuntos. Depois de ter celebrado a glória e a felicidade dos Santos, no dia 1 de Novembro, a Igreja dedica o dia 2 à oração de sufrágio pelos "irmãos que adormeceram na esperança da ressurreição". Assim fica perfeita a comunhão de todos os crentes em Cristo.
    Lectio
    Primeira leitura: Job 19, 1.23-27ª

    Job respondeu, dizendo: 2«Até quando afligireis a minha alma e me atormentareis com vãs palavras? 23Quem me dera que as minhas palavras se escrevessem e se consignassem num livro, 24ou gravadas em chumbo com estilete de ferro, ou se esculpissem na pedra para sempre! 25Eu sei que o meu redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra; 26e depois de a minha pele se desprender da carne, na minha própria carne verei a Deus. 27Eu mesmo o verei, os meus olhos e não outros o hão-de contemplar! As minhas entranhas consomem-se dentro de mim.

    Os amigos de Job tentam consolá-lo, recorrendo a uma sabedoria superficial, expressa em frases feitas e lugares comuns. É o que tantas vezes acontece quando pretendemos confortar alguém que sofre. As palavras de Job são muito diferentes. No meio do sofrimento, vendo-se às portas da morte e trespassado pela solidão, compreende que Deus é o seu redentor, aquele parente próximo que, segundo os costumes hebreus, deve comprometer-se a resgatar, à sua própria custa, ou a vingar, o seu familiar em caso de escravidão, de pobreza, de assassínio. Job sente Deus como o seu último e definitivo defensor, como alguém que está vivo e se compromete em favor do homem que morre, porque entre Deus e o homem há uma espécie de parentesco, um vínculo indissolúvel. Job afirma-o com vigor: os seus olhos contemplarão a Deus com a familiaridade de quem não é estranho à sua vida.
    Segunda leitura: Romanos 5, 5-11

    Irmãos: A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. 6De facto, quando ainda éramos fracos é que Cristo morreu pelos ímpios. 7Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa boa talvez alguém se atreva a morrer. 8Mas é assim que Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós. 9E agora que fomos justificados pelo seu sangue, com muito mais razão havemos de ser salvos da ira, por meio dele. 10Se, de facto, quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua vida. 11Mais ainda, também nos gloriamos em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem agora recebemos a reconciliação.

    O homem pode ter esperança diante da morte. Como intuiu Job, Deus é, de verdade, o nosso Redentor, porque nos ama. Empenhou-se em resgatar-nos da escravidão do pecado e da morte com o preço do sangue do seu Filho (vv. 6-9) e de modo absolutamente gratuito. De facto, nós éramos pecadores, ímpios, inimigos; mas o Senhor reconheceu-nos como "seus", e morreu por nós arrancando-nos à morte eterna. Acolhemos esta graça por meio do batismo, participando no mistério pascal de Cristo. A sua morte reconciliou-nos com o Pai, e a sua ressurreição permite-nos viver como salvos. Quebrando os laços do pecado, e deixando-nos guiar pelo Espírito derramado em nossos corações, atualizamos cada dia a graça do nosso novo nascimento.
    Evangelho: João 6, 37-40

    Naquele tempo, Jesus disse à multidão: Todos os que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, 38porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 39E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. 40Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.»

    O centro desta perícopa é a vontade de Deus, para a qual está totalmente voltada a missão de Jesus (v. 38). Essa vontade é um desígnio de vida e de salvação oferecido a todos os homens, pela mediação de Cristo, para que nenhum se perda (v. 39). O desígnio de Deus manifesta, pois, a sua ilimitada gratuidade e, ao mesmo tempo, a sua caridade atenta e cuidadosa por cada um de nós. Para acolhê-la, é preciso o livre consentimento da fé: que acredita no Filho tem, desde já, a vida eterna, porque adere Àquele que é a ressurreição e a vida, o único que pode levar-nos para além do intransponível limite da morte.
    Meditatio

    O silêncio é a melhor atitude perante a morte. Introduzindo-nos no diálogo da eternidade e revelando-nos a linguagem do amor, põe-nos em comunhão profunda com esse mistério imperscrutável. Há um laço muito forte entre os que deixaram de viver no espaço e no tempo e aqueles que ainda vivem neles. É verdade que o desaparecimento físico dos nossos entes queridos nos causa grande sofrimento, devido à intransponível distância que se estabelece entre eles e nós. Mas, pela fé e pela oração, podemos experimentar uma íntima comunhão com eles. Quando parece que nos deixam, é o momento em que se instalam mais solidamente na nossa vida, permanecem presentes, fazem parte da nossa interioridade. Encontramo-los na pátria que já levamos no coração, lá onde habita a Santíssima Trindade. Escreveu o Pe. Dehon: "Vivo muito com os meus mortos: os meus pais, amigos, antigos diretores, antigos alunos. Uma centena dos meus religiosos já partiu para junto do Bom Deus, entre eles, homens que muito trabalharam e rezaram... Saúdo-os todas as manhãs e todas as noites, com os meus padroeiros celestes" (NQT XLIV, 139).
    Paulo encoraja-nos a vivermos positivamente o mistério da morte, confrontando-nos com ela todos os dias, aceitando-a como lei de natureza e de graça, para sermos progressivamente despojados do que deve perecer até nos vermos milagrosamente transformados no que devemos ser. Deste modo, a "morte quotidiana" revela-se um nascimento: o lento declínio e o pôr-do-sol tornam-se aurora luminosa. Todos os sofrimentos, canseiras e tribulações da vida fazem parte desta "morte quotidiana" que nos levará à vida imortal. Havemos de viver fixando os olhos na bem-aventurada esperança, confiando na fidelidade do Senhor, que nos prometeu a eternidade. Vivendo assim, quando chegar ao termo desta vida, não veremos descer as trevas da noite, mas veremos erguer-se a aurora da eternidade, onde teremos a alegria de nos sentir uma só coisa com o Senhor. Depois de muitas tribulações, seremos completamente seus, e essa pertença será plena bem-aventurança na visão do seu rosto.
    Para o cristão, o sofrimento é um tempo de "disponibilidade pura", de "pura oblação" e, ao mesmo tempo, uma forma eminente de apostolado, em união a Cristo vítima, na comunhão dos santos, para salvação do mundo. Vivendo assim, prepara-se, assim, para o supremo ato de oblação, para o último apostolado, o da morte: configurados "a Cristo na morte" (Fil 3, 10) (Cf. Cst n. 69).Se a morte de Cristo na Cruz é o ato de apostolado mais eficaz, que remiu o mundo, o mesmo se pode dizer da morte do cristão em união com a morte de Cristo. Não se quer com isto dizer que, sob o ponto de vista humano, a morte do cristão deva ser uma "morte bonita", tal como não foi bonita, com certeza, a morte de Cristo aos olhos dos homens. Foi, pelo contrário, uma "liturgia esquálida", de abandono e de desolação. O importante é que seja uma morte "para Cristo e em Cristo" (S. Inácio de Antioquia, SC 10, 132). Imolados com Ele, com Ele ressuscitaremos.
    Se, na humildade do dia a dia, vivemos a nossa oblação-imolação com Cristo, oblato e imolado pela salvação do mundo, estamos preparados para o último apostolado da nossa vida: a oblação-imolação da nossa morte, o extremo sacrifício, consumado pelo fogo do Espírito, como aconteceu na morte de Cristo na cruz: "Por um Espírito eterno ofereceu a Si mesmo sem mancha, a Deus" (Heb 9, 14). A morte é, então, a nossa última oferta, o momento da suprema, pura oblação: "Se morrermos com Ele, com Ele viveremos" (2 Tm 2, 11).
    Oratio

    Senhor, quero hoje rezar-te por aqueles que desapareceram no mistério da morte. Dá o descanso àqueles que expiam, luz aos que esperam, paz aos que anseiam pelo teu infinito amor. Descansem em paz: na paz do porto seguro, na paz da meta alcançada, na tua paz, Senhor. Vivam no teu amor aqueles que amaste, aqueles que me amaram. Não esqueças o bem que me fizeram, o bem que fizeram a outros. Esquece tudo o mal que praticaram, risca-o do teu livro. Aos que passaram pela dor, àqueles que parecem ter sido imolados por um iníquo destino, revela, com o teu rosto, os segredos da tua justiça, os mistérios do teu amor. Concede-me aquela vida interior que permite comunicar com o mundo invisível em que se encontram os nossos defuntos: esse mundo fora do tempo e do espaço, esse mundo que não é lugar, mas estado, e mundo que não está longe de mim, mas à minha volta, esse mundo que não é de mortos, mas de vivos. Ámen.
    Contemplatio

    O amor ultrapassa o temor e a esperança. O amor não destrói o temor nem a esperança, mas retira-lhes o que o amor-próprio lhe pode misturar de visões mercenárias. O amor não conhece habitualmente outro temor senão o temor filiar, isto é, o medo de desagradar a um Pai bem-amado. Sendo filho do amor, este temor é de uma atenção e delicadeza totalmente diferentes do medo da justiça divina e dos seus castigos. Leva a evitar as mínimas faltas, as mais pequenas imperfeições voluntárias. Em vez de comprimir e de gelar o coração, alarga-o e aquece-o. Não causa nenhuma perturbação, nenhum alarme; e mesmo quando escapa alguma falta, reconduz docemente a alma ao seu Deus através de um arrependimento tranquilo e sincero. Procura acalmar-se e reparar abundantemente da mágoa que se lhe pôde causar. De resto, não se inquieta nem perde a confiança. O amor tira também à esperança o que ela tem de demasiado pessoal. Aquele que ama não sabe outra coisa senão contar com Deus, nem fazer boas obras principalmente com o objetivo de acumular méritos; e por este nobre desinteresse, merece incomparavelmente mais. Esquecendo tudo o que fez por Deus, não pensa noutra coisa senão em fazer ainda mais. Não se apoia sobre si mesmo; visa a recompensa celeste menos sob o título de recompensa do que como uma garantia de amar o seu Deus com todas as suas forças e de ser por Ele amado durante a eternidade. Sem excluir a esperança, que lhe é natural, considera a felicidade mais do lado do bom agrado do seu Deus e da sua glória que lhe pertence do que do lado do seu próprio interesse. E quando o amor está no seu ponto mais elevado de perfeição, estaria disposto a sacrificar a sua felicidade própria à vontade divina, se exigisse dele este sacrifício. Coloca a sua felicidade no cumprimento desta vontade. O coração dos Santos atingiu mesmo sobre a terra este grau de pureza. É a disposição dos bem-aventurados no céu. É preciso, portanto, que o amor seja purificado a este grau neste mundo, ou no outro pelas penas do purgatório. Há, portanto, que deliberar sobre esta escolha? E quando a via do amor não tivesse outra vantagem senão a de nos isentar do purgatório ou de lhe abreviar consideravelmente a duração, poderíeis hesitar em abraçá-la? (Leão Dehon, OSP 2, p. 16s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive a palavra:
    «Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso,
    entres os esplendores da luz perpétua.
    Fazei que descansem em paz.
    Ámen»

     

    ----

    Comemoração de Todos os fiéis Defuntos (2 de Novembro)

  • 32º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    32º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    6 de Novembro, 2022

    ANO C
    32º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 32º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo propõe-nos uma reflexão sobre os horizontes últimos do homem e garante-nos a vida que não acaba.
    Na primeira leitura, temos o testemunho de sete irmãos que deram a vida pela sua fé, durante a perseguição movida contra os judeus por Antíoco IV Epifanes. Aquilo que motivou os sete irmãos mártires, que lhes deu força para enfrentar a tortura e a morte foi, precisamente, a certeza de que Deus reserva a vida eterna àqueles que, neste mundo, percorrem, com fidelidade, os seus caminhos.
    No Evangelho, Jesus garante que a ressurreição é a realidade que nos espera. No entanto, não vale a pena estar a julgar e a imaginar essa realidade à luz das categorias que marcam a nossa existência finita e limitada neste mundo; a nossa existência de ressuscitados será uma existência plena, total, nova. A forma como isso acontecerá é um mistério; mas a ressurreição é uma certeza absoluta no horizonte do crente.
    Na segunda leitura temos um convite a manter o diálogo e a comunhão com Deus, enquanto esperamos que chegue a segunda vinda de Cristo e a vida nova que Deus nos reserva. Só com a oração será possível mantermo-nos fiéis ao Evangelho e ter a coragem de anunciar a todos os homens a Boa Nova da salvação.

    LEITURA I - 2 Mac 7,1-2.9-14

    Leitura do Segundo Livro de Macabeus

    Naqueles dias,
    foram presos sete irmãos, juntamente com a mãe,
    e o rei da Síria quis obrigá-los,
    à força de golpes de azorrague e de nervos de boi,
    a comer carne de porco proibida pela Lei judaica.
    Um deles tomou a palavra em nome de todos
    e falou assim ao rei:
    «Que pretendes perguntar e saber de nós?
    Estamos prontos para morrer,
    antes que violar a lei de nossos pais».
    Prestes a soltar o último suspiro,
    o segundo irmão disse:
    «Tu, malvado, pretendes arrancar-nos a vida presente,
    mas o Rei do universo ressuscitar-nos-á para a vida eterna,
    se morrermos fiéis às suas leis».
    Depois deste começaram a torturar o terceiro.
    Intimado a pôr fora a língua,
    apresentou-a sem demora
    e estendeu as mãos resolutamente,
    dizendo com nobre coragem:
    «Do Céu recebi estes membros
    e é por causa das suas leis que os desprezo,
    pois do Céu espero recebê-los de novo».
    O próprio rei e quantos o acompanhavam
    estavam admirados com a força de ânimo do jovem,
    que não fazia nenhum caso das torturas.
    Depois de executado este último,
    sujeitaram o quarto ao mesmo suplício.
    Quando estava para morrer, falou assim:
    «Vale a pena morrermos às mãos dos homens,
    quando temos a esperança em Deus
    de que Ele nos ressuscitará;
    mas tu, ó rei, não ressuscitarás para a vida».

    AMBIENTE

    Em 323 a.C., Alexandre, o Grande, morreu e o império foi dividido pelos seus generais ("diadocos"). A Palestina (desde 333 a.C., integrada no império de Alexandre) ficou, inicialmente, nas mãos dos Ptolomeus (que dominavam ainda o Egipto e a Fenícia). No entanto, a partir do ano 200 (batalha das "fontes do Jordão"), a Palestina passou para as mãos dos Selêucidas (outra família de generais de Alexandre, que já dominava a Síria e a Mesopotâmia).
    Os Ptolomeus tiveram uma atitude relativamente tolerante para com o judaísmo e respeitaram, no geral, as tradições e a fé do Povo de Deus; mas, sob a autoridade dos Selêucidas, sobreveio uma fase em que a cultura helénica se tornou mais agressiva, ameaçando pôr em causa a sobrevivência do judaísmo. Foi, sobretudo, no reinado de Antíoco IV Epifanes (175-164 a.C.) que o helenismo foi imposto - inclusive pela força - ao Povo de Deus. Muitos judeus - apostados em manter vivas as suas tradições - foram perseguidos e mortos.
    O texto que nos é proposto coloca-nos neste ambiente. Conta-nos o martírio de uma mãe e dos seus sete filhos, que se recusaram a violar a fé e as tradições judaicas e foram mortos por isso. Trata-se, provavelmente, de uma tradição popular (embora com um substrato histórico), transmitida oralmente durante algum tempo, antes de ser integrada no segundo livro dos Macabeus. O autor não dá qualquer indicação acerca do lugar do martírio, nem do nome dos sete irmãos.

    MENSAGEM

    A história apresenta-nos, portanto, uma família de sete irmãos e da sua mãe, que o rei pretendia coagir (através da tortura) a abandonar a fé e a comer carne de porco (proibida pela Lei, por ser carne de um animal "impuro"). O nosso trecho apresenta as respostas corajosas de alguns destes irmãos, preocupados mais com a fidelidade aos valores judaicos e à fé dos pais, do que com as ameaças do rei.
    O que é que "faz correr" estes jovens? O que é que lhes dá a coragem para enfrentar as exigências dos seus algozes? De acordo com as explicações que o autor coloca na boca dos nossos heróis, é a fé na ressurreição ou, literalmente, na revivificação eterna de vida (vers. 9) que os motiva. Os sete irmãos tiveram a coragem de defender a sua fé até à morte, porque acreditavam que Deus lhes devolveria outra vez a vida, uma vida semelhante àquela que lhes ia ser tirada. O Deus criador tem, de acordo com a catequese aqui feita, o poder de ressuscitar os mártires para a vida eterna...
    Não é, ainda, a noção neo-testamentária de ressurreição (uma vida nova, uma vida plena, uma vida transformada e elevada à máxima potencialidade) que aqui aparece; é apenas a ideia de uma revivificação, de um readquirir no outro mundo uma vida semelhante àquela que aqui foi roubada ao homem (embora se admitisse que, nesse mundo de Deus, já não haveria pranto, nem sofrimento, nem morte). De qualquer forma, é a ideia de imortalidade que aqui é formulada. Repare-se, no entanto, que o nosso texto ainda não ensina a revivificação de todos os homens, mas apenas dos justos (vers. 14).
    É a primeira vez que a doutrina da ressurreição é explicitamente apresentada na Bíblia. A partir daqui, esta ideia vai desenvolver-se cada vez mais, até ser completamente iluminada pelo exemplo de Jesus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Reflectir a partir das seguintes linhas:

    • Como é que termina a nossa vida? Os sonhos que procuramos concretizar, as nossas realizações mais queridas, que é que valem se nos espera um dia, inevitavelmente, a morte? Estamos condenados a deixar e a perder tudo aquilo que amamos? A nossa morte é uma viagem fatal em direcção ao nada? Estas perguntas são eternas; e, há cerca de 2100 anos, um catequista de Israel já as colocava... A sua fé ditou-lhe, no entanto, a certeza de que a vida continua para além desta terra. É essa certeza que ele nos deixa, neste texto; e é essa experiência de fé que ele nos convida a fazer.

    • Quem acredita na ressurreição não pode deixar-se paralisar pelo medo (muitas vezes é o medo que limita a nossa existência e nos impede de defender os valores em que acreditamos)... Pode comprometer-se na luta pela justiça e pela verdade, na certeza de que as forças da morte não o podem vencer ou destruir. É essa certeza que animou o testemunho de tantos mártires de ontem e de hoje... É essa certeza que anima a minha luta e que dá força ao meu compromisso?

    • É, sem dúvida, inspiradora a "teimosia" com que estes irmãos defendem os valores em que acreditam. Num mundo em que o que é verdade de manhã, deixou de ser verdade à tarde, em que o partido dos oportunistas tem cada vez mais simpatizantes e em que todos os meios são legítimos para alcançar certos fins, o testemunho destes mártires é uma poderosa interpelação... Somos capazes de defender, com verdade e verticalidade aquilo em que acreditamos? Somos capazes de lutar, ainda que contra a corrente, pelos valores que nos parecem mais significativos e duradouros?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 16 (17)

    Refrão: Senhor, ficarei saciado, quando surgir a vossa glória.

    Ouvi, Senhor, uma causa justa,
    atendei a minha súplica.
    Escutai a minha oração,
    feita com sinceridade.

    Firmai os meus passos nas vossas veredas,
    para que não vacilem os meus pés.
    Eu Vos invoco, ó Deus, respondei-me,
    ouvi e escutai as minhas palavras.

    Protegei-me à sombra das vossas asas,
    longe dos ímpios que me fazem violência.
    Senhor, mereça eu contemplar a vossa face
    e ao despertar saciar-me com a vossa imagem.

    LEITURA II - 2 Tes 2,16-3,5

    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses

    Irmãos:
    Jesus Cristo, nosso Senhor,
    e Deus, nosso Pai,
    que nos amou e nos deu, pela sua graça,
    eterna consolação e feliz esperança,
    confortem os vossos corações
    e os tornem firmes em toda a espécie de boas obras e palavras.
    Entretanto, irmãos, orai por nós,
    para que a palavra do Senhor
    se propague rapidamente e seja glorificada,
    como acontece no meio de vós.
    Orai também,
    para que sejamos livres dos homens perversos e maus,
    pois nem todos têm fé.
    Mas o Senhor é fiel:
    Ele vos dará firmeza e vos guardará do Maligno.
    Quanto a vós, confiamos inteiramente no Senhor
    que cumpris e cumprireis o que vos mandamos.
    O Senhor dirija os vossos corações,
    para que amem a Deus
    e aguardem a Cristo com perseverança.

    AMBIENTE

    Já vimos no passado domingo que a Segunda Carta aos Tessalonicenses (que alguns admitem não ser de Paulo) nos coloca frente a uma comunidade cristã fervorosa, que vive com empenho e generosidade o seu compromisso cristão apesar das provações, constituindo mesmo um modelo para as comunidades vizinhas (cf. 1 Tes 1,7-8); no entanto, a comunidade a que esta carta se destina é, também, uma comunidade com algumas dúvidas e inquietações em questões de doutrina - nomeadamente no que diz respeito ao "dia do Senhor" (isto é, à segunda vinda de Jesus). De resto, Paulo aproveita a ocasião para corrigir comportamentos, fazer alguns pedidos e exortar a uma fidelidade cada vez maior ao Evangelho de Jesus.

    MENSAGEM

    Depois de apresentar a doutrina sobre a segunda vinda do Senhor (2,1-12), o autor da carta convida os tessalonicenses a assumir a atitude correcta, enquanto esperam essa vinda. Em concreto, o autor da carta pede aos cristãos de Tessalónica que guardem as tradições recebidas de Paulo, "de viva voz ou por carta", isto é, pede-lhes que se mantenham fiéis ao Evangelho de Jesus que o apóstolo lhes transmitiu (2,13-15).
    O texto que hoje nos é proposto como segunda leitura começa precisamente neste ponto... O convite a permanecer fiéis às tradições recebidas vai acompanhado de uma súplica a Deus Pai e a Jesus Cristo, para que tornem possível essa fidelidade (2,16-17). Mais uma vez fica claro que, no processo de salvação do homem, há dois planos: o dom de Deus e o esforço de fidelidade do homem. É preciso, no entanto, deixar claro que, sem a graça de Deus, o esforço do homem seria inútil.
    Na segunda parte do nosso texto (3,1-5), temos um pedido de oração pelo apóstolo e pelo seu ministério. À súplica do autor em favor dos destinatários da carta (2,16-17), deve responder a súplica dos destinatários da carta em favor do apóstolo. A oração de uns pelos outros é uma forma preciosa de solidariedade cristã.
    De resto, os crentes que já receberam a Palavra transformadora e libertadora de Jesus devem solicitar a ajuda divina para que a proposta de salvação que Cristo veio trazer, e que a Igreja ficou encarregada de testemunhar, chegue a todos os homens; ainda mais se, como parece insinuar-se no presente caso, as circunstâncias são decididamente adversas à proclamação e vivência do Evangelho. Repare-se como, também aqui, o papel de Deus é central: o autor da carta sabe que, sem a ajuda de Deus, será impossível ao apóstolo dar testemunho.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão da Palavra pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:

    • Este texto obriga-me a tomar consciência de que é com a ajuda de Deus que o crente consegue viver na fidelidade ao Evangelho, enquanto espera a vinda do Senhor. Tenho consciência de que é d'Ele que brota a minha fidelidade ao Evangelho, ou considero que as minhas vitórias e conquistas, neste campo, se devem apenas a mim, aos meus méritos e qualidades?

    • É com a ajuda de Deus que o missionário tem a coragem de anunciar fielmente o Evangelho e de vencer as dificuldades, as injustiças, as incompreensões, as oposições que são obstáculo ao seu trabalho e ao seu testemunho. Tenho consciência de que é na oração - minha e dos meus irmãos - que encontro a força de Deus? Quando, como apóstolo, tenho de enfrentar a oposição e a incompreensão do mundo, confio em Deus, peço-Lhe ajuda, ou deixo que o medo e o desânimo tomem conta do meu coração e me levem a desistir da missão que Deus me confiou?

    • O pedido de rezar "uns pelos outros" convida-nos a tomar consciência da solidariedade que deve marcar a experiência comunitária. O cristão nunca é uma pessoa isolada, mas o membro de uma família de irmãos, chamados a viver no amor, na partilha, na entrega da vida, como membros de um único corpo - o corpo de Cristo. É preciso tomar consciência dos laços que nos unem, sentirmo-nos responsáveis pelos nossos irmãos, partilhar as suas dores e alegrias, fazer nossos os seus problemas e, no nosso diálogo com Deus, ter presente as necessidades de todos.

    ALELUIA - Ap 1,5a.6b

    Aleluia. Aleluia.

    Jesus Cristo é o Primogénito dos mortos.
    A Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos.

    EVANGELHO - Lc 20,27-38

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    aproximaram-se de Jesus alguns saduceus
    – que negam a ressurreição –
    e fizeram-Lhe a seguinte pergunta:
    «Mestre, Moisés deixou-nos escrito:
    'Se morrer a alguém um irmão,
    que deixe mulher, mas sem filhos,
    esse homem deve casar com a viúva,
    para dar descendência a seu irmão'.
    Ora havia sete irmãos.
    O primeiro casou-se e morreu sem filhos.
    O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva;
    e o mesmo sucedeu aos sete,
    que morreram e não deixaram filhos.
    Por fim, morreu também a mulher.
    De qual destes será ela esposa na ressurreição,
    uma vez que os sete a tiveram por mulher?»
    Disse-lhes Jesus:
    «Os filhos deste mundo
    casam-se e dão-se em casamento.
    Mas aqueles que forem dignos
    de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos,
    nem se casam nem se dão em casamento.
    Na verdade, já nem podem morrer,
    pois são como os Anjos,
    e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus.
    E que os mortos ressuscitam,
    até Moisés o deu a entender no episódio da sarça ardente,
    quando chama ao Senhor
    'o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob'.
    Não é um Deus de mortos, mas de vivos,
    porque para Ele todos estão vivos».

    AMBIENTE

    Este texto situa-nos já em Jerusalém, nos últimos dias antes da morte de Jesus. É a altura das grandes controvérsias com os líderes judaicos (essas controvérsias representam, para Lucas, a última oportunidade que Deus dá ao seu Povo, no sentido de acolher a salvação). Discussão após discussão, torna-se claro que os líderes judaicos rejeitam a proposta de Jesus: prepara-se, assim, o quadro da paixão e da morte na cruz.
    Os adversários de Jesus são, no contexto em que o Evangelho deste domingo nos coloca, os saduceus. No tempo de Jesus, os saduceus formavam um grupo aristocrático, recrutado sobretudo entre os sacerdotes da classe superior. Exerciam a sua autoridade à volta do Templo e dominavam o Sinédrio (no entanto, a sua autoridade nessa instituição não era absoluta desde que os fariseus aí haviam chegado). A sua importância política era real, ainda que muito limitada pela presença do procurador romano. Politicamente, eram conservadores e entendiam-se bem com o opressor romano... Pretendiam manter a situação, para não ver comprometidos os benefícios políticos, sociais e económicos de que desfrutavam.
    Para os saduceus, apenas interessava a Lei escrita - a "Torah". Negavam que a Lei oral (que era essencial para os fariseus) tivesse qualquer valor. Este apego conservador à Lei escrita explica que negassem algumas crenças e doutrinas admitidas nos ambientes populares frequentados pelos fariseus. Por isso, não aceitavam a ressurreição dos mortos: nenhum versículo da "Torah" apoiava essa crença.
    No seu conflito com os fariseus, estava em jogo uma certa visão da sociedade e do poder. Os fariseus não viam com agrado a "democratização" da Lei promovida pelos fariseus e pelos seus escribas. Esta "democratização" apresentava o inconveniente de fazer os sacerdotes perder a sua autoridade como intérpretes da Lei. Diante do povo, os saduceus mostravam-se distantes, severos, intocáveis.

    MENSAGEM

    A questão central do nosso texto gira à volta da ressurreição, um tema que não significava nada para os saduceus. Percebendo que, quanto a essa questão, a perspectiva de Jesus estava próxima da dos fariseus, os saduceus apresentaram uma hipótese académica, com o objectivo de ridicularizar a crença na ressurreição: uma mulher casou, sucessivamente, com sete irmãos, cumprindo a lei do levirato (segundo a qual, o irmão de um defunto que morreu sem filhos devia casar com a viúva, a fim de dar descendência ao falecido e impedir que os bens da família fossem parar a mãos estranhas, cf. Dt 25,5-10). Quando ressuscitarem, ela será mulher de qual dos irmãos?
    A primeira parte da resposta de Jesus (vers. 27-36) afirma que a ressurreição não é (como pensavam os fariseus do tempo) uma simples continuação da vida que vivemos neste mundo (na linha de uma revivificação - ideia apresentada na primeira leitura), mas uma vida nova e distinta, uma vida de plenitude que dificilmente podemos entender a partir das nossas realidades quotidianas. A questão do casamento não se porá, então (a expressão "são semelhantes aos anjos" do vers. 30 não é uma expressão de depreciação do matrimónio, mas a afirmação de que, nessa vida nova, a única preocupação será servir e louvar a Deus). O poder de Deus, que chama os homens da morte à vida, transforma e assume a totalidade do ser humano, de forma que nascemos para uma vida totalmente nova e em que as nossas potencialidades serão elevadas à plenitude. A nossa capacidade de compreensão deste mistério é limitada, pois estamos a contemplar as coisas e a classificá-las à luz das nossas realidades terrenas; no entanto, a ressurreição que nos espera ultrapassa totalmente a nossa realidade terrena.
    A segunda parte da resposta de Jesus (vers. 37-38) é uma afirmação da certeza da ressurreição. Como não podia apoiar-se nos textos recentes da Escritura (como Dn 12,2-3), que sugeriam a fé na ressurreição (pois esses textos não tinham qualquer valor para os saduceus), Jesus cita-lhes a "Torah" (cf. Ex 3,6): no episódio da sarça-ardente, Jahwéh revelou-Se a Moisés como "o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob"... Ora, se Deus Se apresenta dessa forma - muitos anos depois de Abraão, Isaac e Jacob terem desaparecido deste mundo - isso quer dizer que os patriarcas não estão mortos (um homem "morto" - ou seja, um homem reduzido ao estado de uma sombra inconsciente e privada de vida no "sheol", segundo a ideia semita corrente - tinha perdido a protecção de Deus, pois já não existia como homem vivo e consciente). Na perspectiva de Jesus, portanto, os patriarcas não estão reduzidos ao estado de sombras na obscuridade absoluta do "sheol", mas vivem actualmente em Deus. Conclusão: se Abraão, Isaac e Jacob estão vivos, podemos falar em ressurreição.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:

    • A questão da ressurreição não é uma questão pacífica e clara para a maioria dos homens do nosso tempo. Há quem veja na esperança da ressurreição apenas um "ópio do povo", destinado a adormecer a justa vontade de lutar pela construção de um mundo mais justo; há quem veja na ressurreição uma forma de evasão, face aos problemas que a vida apresenta; há quem veja na ressurreição uma ilusão onde o homem projecta os seus desejos insatisfeitos... Convencidos de que a vida se resume aos 70/80 anos que vivemos neste mundo, muitos dos nossos contemporâneos constroem a sua existência tendo apenas em conta os valores deste mundo, sem quaisquer horizontes futuros. Que sentido é que isto faz, na perspectiva da nossa fé?

    • A ressurreição é, no entanto, a esperança que dá sentido a toda a caminhada do cristão. A fé cristã torna a esperança da ressurreição uma certeza absoluta, pois Cristo ressuscitou e quem se identifica com Cristo nascerá com Ele para a vida nova e definitiva. A nossa vida presente deve ser, pois, uma caminhada tranquila, confiante, alegre - ainda quando feita no sofrimento e na dor - em direcção a essa nova realidade.

    • A ressurreição não é a revivificação dos nossos corpos e a continuação da vida que vivemos neste mundo; mas é a passagem para uma vida nova onde, sem deixarmos de ser nós próprios, seremos totalmente outros... É a plenitudização de todas as nossas capacidades, a meta final do nosso crescimento, a realização da utopia da vida plena. Sendo assim, há alguma razão para temermos a morte ou para vermos nela algo que nos priva de alguma coisa importante (nomeadamente a relação com aqueles que amamos)?

    • A certeza da ressurreição não deve ser, apenas, uma realidade que esperamos; mas deve ser uma realidade que influencia, desde já, a nossa existência terrena. É o horizonte da ressurreição que deve influenciar as nossas opções, os nossos valores, as nossas atitudes; é a certeza da ressurreição que nos dá a coragem de enfrentar as forças da morte que dominam o mundo, de forma a que o novo céu e a nova terra que nos esperam comecem a desenhar-se desde já.

    • Temos de ter muito cuidado com a forma como falamos da ressurreição aos homens do nosso tempo, pois podemos pensá-la, explicá-la e projectá-la à luz da nossa vida actual e corremos sérios riscos de nos tornarmos ridículos. O que podemos fazer é afirmar a nossa certeza na ressurreição; depois, temos de confessar a nossa incapacidade de conceber e de explicar esse mundo novo que nos espera (como a criança no seio da mãe não compreende nem sabe explicar a vida que a espera no mundo exterior).

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 32º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA CELEBRADA NA EUCARISTIA.
    A Palavra de Deus não se limita ao tempo da proclamação e da escuta da Palavra. Na preparação da celebração, procurar que algumas expressões da liturgia da Palavra estejam presentes no momento penitencial, nalguma intenção da oração dos fiéis, num momento de acção de graças...

    3. BILHETE DE EVANGELHO.
    Os saduceus, que não acreditam na ressurreição, procuram ridicularizar Jesus, que a defende. A mensagem de Jesus é uma mensagem de esperança. Ele quer ajudar os seus ouvintes a erguer os olhos, isto é, a não ficarem agarrados aos bens materiais e unicamente a esta vida na terra. Ele veio anunciar um Reino no qual a única filiação real e eterna é aquela que nos liga a Deus. Ele apresenta Deus como um ser de relação: relação do Pai com o Filho na comunhão realizada pelo Espírito. Mas relação também de Deus com a humanidade: o nosso Deus é sempre o Deus de alguém, Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob. E é numa relação de Aliança que Deus Se situa. A relação com Deus não conhece a morte: se o homem é chamado a ressuscitar, é porque Deus quer selar uma aliança eterna à qual Ele é sempre fiel.

    4. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Não nos riamos desta história ridícula, inventada pelos saduceus. É verdade que uma prescrição da Lei de Moisés dizia que uma mulher que não tinha tido filhos e que se tornara viúva devia casar com o irmão do defunto para ter um filho que seria considerado como o filho deste defunto. A história dos saduceus é rocambolesca. Mas estes últimos, contrariamente aos fariseus, não acreditavam na ressurreição, com o pretexto de que Jesus não lhes havia dito nada sobre isso. Então, querem apanhar Jesus em falta, Ele que acreditava na ressurreição. Com a sua história, eles ridicularizam Jesus e a crença na ressurreição. Ora, esta ideia da ressurreição não é hoje mais evidente do que há dois mil anos. Os gregos reencontrados por São Paulo não acreditavam nisso. E hoje, os cristãos, mesmo muito "praticantes", são cada vez mais numerosos a aderir à teoria da reincarnação. É verdade que nunca se viu ninguém voltar do além da morte, enquanto se fornecem quantidades de testemunhos de pessoas que dizem ter recordações de uma vida anterior. No fundo, os saduceus são seriam estranhos entre nós hoje! Reconheçamos que a ressurreição é uma realidade muito misteriosa para nós. Quando Jesus ressuscitado apareceu aos seus discípulos, teve que usar muita pedagogia, persuasão e repreensões para os convencer de que era verdadeiramente Ele. Eles não acreditaram imediatamente! Hoje, o cerne do ensinamento de Jesus é a sua palavra: "E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça-ardente, quando chama ao Senhor 'o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob'. Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos". Deus, o Criador, está para além do tempo. Se Ele ressuscita cada ser humano, é por um acto infinito e eterno de amor criador. Ele dá um nome único, pessoal a cada homem. Ele nunca poderá retomar nem suprimir este acto. Cada ser humano que vem ao mundo é verdadeiramente um "pedaço de eternidade". Cada ser humano será para sempre "ele" e não um outro. Cada ser humano viverá para sempre, enraizado no amor eterno de Deus. Pela sua ressurreição, Jesus abriu-nos o caminho da nossa própria vida em plenitude em Deus.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Sugere-se a escolha da Oração Eucarística III.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO DA VIDA...
     Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo... Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus: "Temos a esperança em Deus de que Ele nos ressuscitará"...; "Escutai, Senhor, a minha oração, feita com sinceridade"...; "O Senhor dirija os vossos corações, para que amem a Deus e aguardem a Cristo com perseverança"...; "Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos"... Procurar transformar as palavras de Deus em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida...
     Feitos para a vida... Anunciar que o nosso Deus não é o Deus dos mortos, mas dos vivos (Evangelho) não está reservado para os momentos dos funerais! Esta bela afirmação da nossa fé merece estar mais presente no nosso testemunho... Perguntemo-nos se já tivemos ocasião de o dizer... E se não, porquê?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

    S. Nuno de Santa Maria, Religioso

    S. Nuno de Santa Maria, Religioso


    6 de Novembro, 2022

    Nuno Álvares Pereira nasceu a 24 de Junho de 1360. Aos treze anos tornou-se pajem da rainha D. Leonor, sendo, pouco depois, armado cavaleiro. Por vontade de seu pai, casou-se aos 16 anos. Dos três filhos do seu matrimónio, dois faleceram ainda crianças, ficando apenas uma filha, Beatriz, que veio a casar com o filho do rei D. João I, D. Afonso, primeiro duque de Bragança. Quando, a 22 de Outubro de 1383, faleceu rei D. Fernando I, não deixou filhos varões, mas apenas uma filha casada com o rei de Castela, que pretendeu apoderar-se da coroa de Portugal. Opôs-se-lhe D. João, Mestre de Avis, irmão de D. Fernando, com o apoio de D. Nuno Alvares Pereira. Este, nomeado Condestável, conduziu o exército português a várias vitórias contra os castelhanos, até à vitória final, em Aljubarrota, a 14 de Agosto de 1385. O Condestável, aos dotes militares, aliava uma espiritualidade sincera e profunda, caraterizada pelo amor à Eucaristia e à Virgem Maria. Com a morte da sua esposa, em 1387, D. Nuno recusa contrair segundas núpcias e, quando a paz é definitivamente estabelecida, distribui grande parte dos bens pelos seus companheiros, antigos combatentes, e faz-se carmelita, com o nome de frei Nuno de Santa Maria. Logo após a sua morte, no dia 1 de Abril de 1431, Fre Nuno começou a ser chamado "santo" pelo povo. Beatificado por Bento XV beatificou-o, em 1918 e Bento XVI canonizou-o, em 2009.
    Lectio
    Primeira leitura: Ben Sirá 44, 1-3ab.4.6-7.10.13-14

    Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados,segundo as suas gerações. 2O Senhor deu-lhes grande glória e magnificência, desde o princípio do mundo. 3Eles governaram nos seus reinos, homens famosos pelo seu poder, conselheiros pela sua inteligência. 4Guias do povo, pelos seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade, sábios narradores, pelo seu ensino, 6Homens ricos, dotados de poder, vivendo em paz nas suas casas. 7Todos eles alcançaram glória entre os seus contemporâneos e foram honrados no seu tempo. 10Foram homens de misericórdia, cujas obras de piedade não foram esquecidas. 13A sua posteridade permanecerá para sempre, e a sua glória não terá fim. 14Os seus corpos foram sepultados em paz, e o seu nome vive de geração em geração.

    Ben Sirá evoca as figuras ilustres que marcaram o passado da história de Israel para, com o seu exemplo, infiltrar vida nova no presente e projetar a esperança do povo na direção do futuro. Se estes homens baseavam a sua esperança na perpetuidade da sua memória, nas homenagens que lhes prestariam as gerações futuras, uma vez que ainda não lhes era muita clara a vida para além da morte, a nossa esperança de cristãos baseia-se em motivações bem mais sólidas: Cristo morto e ressuscitado, nossa esperança. S. Nuno de Santa Maria, grande pelo heroísmo e generosidade com que serviu o povo e pelas benemerências que lhe prestou, é ainda maior pela sua fé, pela sua esperança e pela sua caridade. Animado por essas virtudes, serviu a Pátria e, sobretudo, serviu a Deus.
    Evangelho: Lucas 14, 25-33

    Naquele tempo, seguia Jesus uma grande multidão. Jesus voltou-se e disse-lhes: 26«Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. 27Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo. 28Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? 29Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, 30dizendo: 'Este homem começou a construir e não pôde acabar.' 31Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem contra ele com vinte mil? 32Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a pedir a paz. 33Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.

    O seguimento de Jesus é exigente. Não se pode ser cristã a meias. É o que nos ensinam as duas parábolas (vv. 27-30 e 31-32) e as três sentenças (vv. 26.27.32) que escutamos no evangelho da memória de S. Nuno de Santa Maria. Se os projetos deste mundo impõem custos, planos, sacrifícios, o seguimento de Jesus não é menos exigente. Por isso, se alguém quer ser discípulo de Jesus, deve tomar a cruz para segui-lo (cf. v. 26). A nossa lei é Cristo, com a sua entrega aos pequenos, a sua mensagem de esperança, de perdão e o seu caminho de verdade/fidelidade até à morte. S. Nuno foi discípulo verdadeiro e fiel, como cristão leigo, como militar, como religioso.
    Meditatio

    "Sabei que o Senhor me fez maravilhas. Ele me ouve, quando eu o chamo" (Sl 4, 4). Estas palavras do Salmo Responsorial exprimem o segredo da vida do bem-aventurado Nuno de Santa Maria, herói e santo de Portugal. Os setenta anos da sua vida situam-se na segunda metade do século XIV e primeira do século XV, que viram aquela nação consolidar a sua independência de Castela e estender-se depois pelos Oceanos - não sem um desígnio particular de Deus - abrindo novas rotas que haviam de propiciar a chegada do Evangelho de Cristo até aos confins da terra. São Nuno sente-se instrumento deste desígnio superior e alistado na militia Christi, ou seja, no serviço de testemunho que cada cristão é chamado a dar no mundo. Características dele são uma intensa vida de oração e absoluta confiança no auxílio divino. Embora fosse um ótimo militar e um grande chefe, nunca deixou os dotes pessoais sobreporem-se à ação suprema que vem de Deus. São Nuno esforçava-se por não pôr obstáculos à ação de Deus na sua vida, imitando Nossa Senhora, de Quem era devotíssimo e a Quem atribuía publicamente as suas vitórias. No ocaso da sua vida, retirou-se para o Convento do Carmo por ele mandado construir. Sinto-me feliz por apontar à Igreja inteira esta figura exemplar nomeadamente pela presença duma vida de fé e oração em contextos aparentemente pouco favoráveis à mesma, sendo a prova de que em qualquer situação, mesmo de carácter militar e bélico, é possível atuar e realizar os valores e princípios da vida cristã, sobretudo se esta é colocada ao serviço do bem comum e da glória de Deus. (Bento XVI, Homilia da Canonização de S. Nuno de Santa Maria).
    Oratio

    Senhor nosso Deus, que destes a S. Nuno de Santa Maria a graça de combater o bom combate e o tornastes exímio vencedor de si mesmo, concedei aos vossos servos que, dominando como ele as sedições do mundo, com ele vivam para sempre na pátria celeste. Ámen.
    Contemplatio

    "A devoção a Maria, diz Santo Efrém, é "um salvo-conduto para o céu". "Maria é uma advogada que não perde as suas causas", diz S. Bernardo. Temos disso a prova no milagre de Caná. "Ela não se cansa de nos defender", diz S. Germano... Santo Anselmo aplica-lhe o que é dito da Sabedoria nos santos livros: "Ela antecipa-se às nossas orações para nos vir socorrer" (Sab 6, 14). O mesmo Sto. Anselmo vai até ao ponto de dizer que o socorro vem às vezes mais depressa pela invocação de Maria, enquanto Jesus é Mestre e Juiz. "Como Maria é terrível para o demónio", diz S. Boaventura! E o Santo doutor aplica a Maria o que Job diz da Aurora que faz fugir os ladrões: "O diabo tal como os ladrões atravessa as muralhas de noite, mas se a aurora aparece, foge como os ladrões"... Guardemos a castidade segundo a nossa própria condição... Recitemos o pequeno ofício ou a liturgia das horas". (Leão Dehon, OSP 4, p. 64s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "A suas obras de piedade não foram esquecidas" (Ben Sirá, 44, 12).

     

    ----

    S. Nuno de Santa Maria, Religioso (6 de Novembro)

  • Dedicação da Basílica de Latrão

    Dedicação da Basílica de Latrão


    9 de Novembro, 2022

    A Basílica do Santíssimo Salvador, ou de S. João de Latrão, foi fundada pelo Papa Melquíades (311-314) sobre a colina de Latrão. Aí se celebraram sessões de cinco Concílios Ecuménicos. Aí o Papa celebra a Missa da Ceia do Senhor, em quinta-feira santa. Aí multidões de presbíteros e bispos foram ordenados ao longo dos séculos. Daí partiram muitos missionários para os cinco continentes. Uma vez que o Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, tem a sua sede na Basílica de Latrão, essa igreja é justamente chamada "mãe e cabeça de todas as igrejas", como se lê no seu frontispício. O aniversário da sua Dedicação é celebrado como festa litúrgica, desde o século XII.

     

    Lectio
    Primeira leitura: Ezequiel 47, 1-2.8-9.12

    Naqueles dias, o Anjo conduziu-me para a entrada do templo, e eis que saía água da sua parte subterrânea, em direcção ao oriente, porque o templo estava voltado para oriente. A água brotava da parte de baixo do lado direito do templo, a sul do altar. 2Fez-me sair pelo pórtico setentrional e contornar o templo por fora, até ao pórtico exterior oriental; vi rebentar a água do lado direito. 8Ele disse-me: «Esta água corre para o território oriental, desce para a Arabá e dirige-se para o mar; quando chegar ao mar, as suas águas tornar-se-ão salubres. 9Por onde quer que a torrente passar, todo o ser vivo que se move viverá. O peixe será muito abundante, porque aonde quer que esta água chegar, tornar-se-á salubre; e a vida desenvolver-se-á por toda a parte aonde ela chegar. 12Ao longo da torrente, nas suas margens, crescerá toda a sorte de árvores frutíferas, cuja folhagem não murchará e cujos frutos nunca cessam: produzirão todos os meses frutos novos, porque esta água vem do santuário. Os frutos servirão de alimento e as folhas, de remédio.

    O tema da manifestação da Glória de Javé na terra de Israel, no meio do seu povo, no templo, como centro vivificante, atinge, a sua máxima expressão no texto de Ezequiel, que hoje escutamos. A presença da Glória de Deus no meio de Israel provocará transformações, que trarão ao povo as mesmas condições de vida do início, da criação. Os quatro rios paradisíacos são agora uma única torrente que irrompe da entrada do templo e desce até Arabá pelo lado direito do mesmo templo. Começando por ser um simples arroio, vai crescendo até se tornar uma torrente intransponível, que fertiliza os campos até ao Mar Morto. O próprio Mar Morto volta a encher-se de vida, porque as suas águas salgadas se tornam salubres. Na nova Jerusalém dos tempos escatológicos, a presença de Javé será uma bênção manifestada em poder vivificante e criador. Este simbolismo da água é retomado pelo Novo Testamento: do Lado aberto de Cristo, templo de Deus no meio dos homens, brotará o Espírito que tudo renova e recria, verdadeira fonte de águas vivas que jorram para a vida eterna.
    Segunda leitura: 1 Coríntios 3, 9c-11.16-17

    Irmãos: Vós sois o edifício de Deus. 10Segundo a graça de Deus que me foi dada, eu, como sábio arquitecto, assentei o alicerce, mas outro edifica sobre ele. Mas veja cada um como edifica, 11pois ninguém pode pôr um alicerce diferente do que já foi posto: Jesus Cristo. 16Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? 17Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós.

    A construção da Igreja é realizada por impulso da misteriosa dinâmica divina, sob o alicerce que é Jesus Cristo. O contributo humano necessário, por vontade de Deus, será avaliado, não segundo a dignidade da tarefa encomendada, mas segundo o esforço voluntário de cada um. Tanto faz ser arquiteto como pedreiro! Mas o templo de Deus é a própria comunidade humana. É aí que Deus quer habitar. Os outros templos, mais ou menos grandiosos, hão-de ajudar a que, todos e cada um, se tornem templo do Deus vivo.
    Evangelho: João 12, 13-22

    Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. 14Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas nos seus postos. 15Então, fazendo um chicote de cordas, expulsou-os a todos do templo com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas pelo chão e derrubou-lhes as mesas; 16e aos que vendiam pombas, disse-lhes: «Tirai isso daqui. Não façais da Casa de meu Pai uma feira.» 17Os seus discípulos lembraram-se do que está escrito: O zelo da tua casa me devora. 18Então os judeus intervieram e perguntaram-lhe: «Que sinal nos dás de poderes fazer isto?» 19Declarou-lhes Jesus, em resposta: «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei!» 20Replicaram então os judeus: «Quarenta e seis anos levou este templo a construir, e Tu vais levantá-lo em três dias?» 21Ele, porém, falava do templo que é o seu corpo. 22Por isso, quando Jesus ressuscitou dos mortos, os seus discípulos recordaram-se de que Ele o tinha dito e creram na Escritura e nas palavras que tinha proferido.

    Jesus entrara em Jerusalém como vencedor da morte e senhor da vida - ressuscitara Lázaro; entrara no ambiente próprio de um rei triunfante, como indicavam os ramos de palmeira associados ao triunfo dos Macabeus (cf. 1 Mac 13, 50-52; 2 Mac 10, 1-9). Mas é ele próprio que encontra um jumento e monta nele. Não é, pois, o Messias no sentido que o povo esperava, mas o Messias anunciado por Zacarias (cf. Zc 9, 9). Só a partir da sua morte e ressurreição, graças à presença do Espírito, é que tudo isto é entendido pelos próprios apóstolos. Ao contrário do que se pensava, não é o povo que dá autoridade a Jesus, mas o Pai. O seu reino também não é deste mundo. Por isso, os judeus nada tinham a temer, quando verificaram: "toda a gente vai atrás d´Ele."
    Meditatio

    Hoje a Igreja-Mãe chama-nos para Roma a fim de, ao menos em espírito, celebrarmos com ela o aniversário da Dedicação da Sé Catedral do Papa, que não é, como muitos julgam, a Basílica de S. Pedro do Vaticano, mas é exatamente a Basílica de S. João de Latrão.
    A liturgia hodierna sublinha claramente o significado da igreja-edifício, como sinal visível do único verdadeiro templo que é o corpo pessoal de Cristo e o seu corpo místico, que é a Igreja, que celebra num determinado lugar o culto em espírito e em verdade (cf. Jo 4, 23; At 2, 46s.). Para além da sacralização do espírito material, somos estimulados a colher em Cristo homem-Deus a verdadeira sacralidade que, a partir dele, se comunica a todo o povo santo e sacerdotal, batizado e crismado no Espírito, unido ao sumo e eterno sacerdote na única oblação (Heb 10, 14).
    A casa do povo de Deus, no que diz respeito à estrutura, ao decoro e à funcionalidade, deve ser tida a peito por todos os crentes, que nela renascem para a vida divina, e que nela serão abençoados para o último êxodo pascal, rumo à pátria. É casa de todos e, como tal, deve ser cuidada e guardada com amor também no seu aspeto exterior, que é sinal da nossa pureza interior" (CEI, Rito da Dedicação de uma igreja, Orientações Pastorais, Roma 1981, 12-14).
    Na festa da Dedicação da Catedral de Roma, sigamos um conselho do P. Dehon: "Renovemos a nossa devoção e a nossa confiança para com a Igreja romana. Sejamos dóceis a todos os seus ensinamentos, a todas as suas orientações. Amemo-la, veneremo-la tanto mais quanto mais ela for atacada e combatida. Rezemos pelo Soberano Pontífice e pela Igreja". (Leão Dehon, OSP 3, p. 70).
    Oratio

    Senhor, Pai santo, nós vos damos graças. Nesta casa visível, que nos destes a graça de construir, incessantemente concedeis os vossos favores à vossa família, que, neste lugar, peregrina para Vós. Aqui nos dais o sinal admirável da vossa comunhão connosco e nos fazeis participar no mistério da vossa aliança: aqui edificais o vosso templo, que somos nós, e fazeis crescer a Igreja, presente em toda a terra, na unidade do Corpo do Senhor, que, um dia, tornareis perfeita na visão da paz da celeste Jerusalém. Com os Anjos e os Santos, nós Vos louvamos, no templo da vossa glória. Ámen. (cf. Prefácio da Missa).
    Contemplatio
    As grandes ordenações em S. João de Latrão são realmente emocionantes. A cerimónia é feita no coro da Basílica, ao pé da mesa da Ceia, testemunha da primeira ordenação no Cenáculo, junto das sagradas cabeças de S. Pedro e de S. Paulo, que depois de Jesus, são a nascente do sacerdócio, e nesta igreja que é a cabeça e a mãe de todas as igrejas. Sobre estas lajes prostraram-se, depois de S. Silvestre e de Constantino, muitos milhares de padres que vinham receber a unção sacerdotal ou a consagração episcopal. Daí partiram os apóstolos de tantas nações. Aí renova-se cada ano a nascente do apostolado pelas ordenações de clérigos de todas as nações. Experimentei aí as mais profundas e as melhores emoções da minha vida. (Leão Dehon, Memórias (NHV), 65-66).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O templo de Deus é santo, e esse templo sois vós" (1 Cor 3, 17).

     

    ----

    Dedicação Da Basílica De Latrão (9 de Novembro)

  • S. Martinho de Tours, Bispo

    S. Martinho de Tours, Bispo


    11 de Novembro, 2022

    S. Martinho nasceu na Panónia, na atual Hungria, no ano 316. O pai orientou-o para a carreira militar. Ainda catecúmeno, deu prova de coerência e de amor cristão para com os pobres. Recebido o batismo, orientado por S. Hilário de Poitiers, deixou as armas e consagrou-se a Deus na vida monástica. Começou por viver como eremita. Depois, sempre aconselhado por S. Hilário, fundou em Ligugè o primeiro mosteiro cristão do Ocidente. Em 373 foi escolhido para bispo de Tours. Até à morte, ocorrida em 397, dedicou-se com incansável solicitude à formação do clero, à pacificação entre os povos e à evangelização. Foi um dos primeiros santos, não mártires, a ser honrado pela liturgia da Igreja.
    Lectio
    Primeira leitura: Da féria ou do Comum
    Evangelho: Mateus 25, 31-40

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 34O Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes".

    O discurso sobre o "juizo final", é o ponto final e culminante do ministério público de Jesus, segundo Mateus. Retomando o capítulo 7 de Daniel, Jesus fala do Filho do homem como juiz glorioso que introduz no reino de Deus. Todos passam por um discernimento inevitável (vv. 32s.), cujo critério surpreende. Nesse momento, de fato, fica-se a compreender que o Filho do homem vindo na glória "com todos os seus anjos" (v. 31), estava desde sempre presente em todos os pobres e fracos. O Filho do homem, agora sentado no trono de glória, identifica-se com todos os "irmãos mais pequeninos" (v. 40). Felizes o que neste mundo tiverem partilhado a sua porção dealegria com os aflitos. Com surpresa, irão herdar o reino para eles preparado pelo Pai "desde a criação do mundo" (v. 34).
    Meditatio

    Deus, misericordioso para com todos, particularmente para com os pobres, os famintos, os aflitos, revela o seu poder e a sua bem-aventurança realizando generosamente as obras de misericórdia. Os que, ensinados por Cristo, e com a graça do Espírito Santo, imitam a Deus Pai na sua misericórdia, são verdadeiramente bem-aventurados. S. Martinho de Tours é um desses bem-aventurados, porque sobre partilhar a sua capa, e tudo quanto era e quanto possuía, com os mais pobres e aflitos. O povo cristão admirou a sua generosidade e reconheceu a sua bem-aventurança, venerando-o, celebrando-o e criando sugestivas tradições ligadas à sua memória. A sua vida, escrita por Sulpício Severo, chegou bem depressa a todo o Império romano. Durante a Idade Média fizeram-se peregrinações ao seu sepulcro, quase tantas como aos sepulcros dos Apóstolos, em Roma. A sua fama de taumaturgo transportava toda a espécie de enfermos e necessitados, com a esperança de alcançarem cura das suas doenças e males.
    Nascido de pais pagãos, Martinho converteu-se ao cristianismo, recebendo o batismo. Cheio de Espírito Santo, amou a todos com o coração de Cristo, dando o que tinha recebido, sem fazer cálculos. A sua caridade era intuitiva e preveniente. Começou por dar a todos o que tinha de mais precioso: a vida da graça. Como monge, deu a sua oração perene de louvor, de ação de graças e de intercessão. Como bispo, prodigalizou-se em favor dos doentes e pobres, que o aguardavam à porta da igreja, esperando a cura, e a generosidade das suas esmolas. Chegou a dar a sua própria roupa, logo depois de endossar os paramentos litúrgicos. Descobriu a Cristo nos pobres quando ainda era militar e catecúmeno e, desde então, a sua vida tornou-se milícia em prol do evangelho.
    "É na disponibilidade e no amor para com todos, especialmente para com os pequenos e os que sofrem, que viveremos a nossa união a Cristo. Como poderíamos, efetivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, senão amando como Ele em obras e em verdade? Neste amor de Cristo encontramos a certeza de alcançar a fraternidade humana e a força de lutar por ela." (Cst 18). S. Martinho, amando como Cristo, compreendeu e experimentou o seu amor.
    Oratio

    S. Martinho, a piedade, o amor por Nosso Senhor, o zelo pela perfeição, a caridade para com o próximo são uma bela regra de vida. Todas estas virtudes estão interligadas. O desapego e a austeridade são a sua condição, mas é o amor que dá asas à alma para avançar rapidamente pela via da santidade. Grande santo, fazei-me participar no vosso grande amor por Nosso Senhor. Amén. (cf. Leão Dehon, OSP 4, p. 448s.).
    Contemplatio

    A caridade é a virtude caraterística de S. Martinho. É apresentado dando metade do seu manto a um pobre. Foi este grande ato de caridade que lhe ganhou o Coração de Nosso Senhor e que lhe preparou todas as suas graças. Foi um apóstolo infatigável. Percorreu a Gália, convertendo os pagãos pelas suas pregações e pelos seus milagres. Destruía os templos e mandava construir igrejas para os substituir. Na sua bondade, solicitava junto dos príncipes, em Tréveris, o perdão dos criminosos, a liberdade dos cativos, o regresso dos exilados ou o alívio dos pobres e dos infelizes. Sabia persuadir o imperador de que todas estas obras serviam para a sua glória. Ao cair doente, está pronto para retardar a alegria da sua recompensa, se Nosso Senhor ainda o quiser utilizar na terra. Quando os seus discípulos em lágrimas lhe suplicam que os não deixe, dirige a Nosso Senhor esta oração tão conhecida: «Senhor, se sou ainda necessário ao vosso povo, não me recuso a trabalhar. Seja feita a vossa vontade!» Este era o segredo dos seus sucessos apostólicos e dos seus progressos incessantes na virtude: a conformidade à vontade divina em todas as coisas. Esta admirável vida convida-nos ao louvor de Deus, ao reconhecimento e à imitação das virtudes deste amável santo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 449).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Senhor, se ainda sou necessário ao vosso povo, não me recuso a trabalhar. Seja feita a vossa vontade!" (S. Martinho de Tours).

     

    ----

    S. Martinho de Tours, bispo (11 de Novembro)

  • 33º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    33º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    13 de Novembro, 2022

    ANO C

    33º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 33º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo reflecte sobre o sentido da história da salvação e diz-nos que a meta final para onde Deus nos conduz é o novo céu e a nova terra da felicidade plena, da vida definitiva. Este quadro (que deve ser o horizonte que os nossos olhos contemplam em cada dia da nossa caminhada neste mundo) faz nascer em nós a esperança; e da esperança brota a coragem para enfrentar a adversidade e para lutar pelo advento do Reino.
    Na primeira leitura, um "mensageiro de Deus" anuncia a uma comunidade desanimada, céptica e apática que Jahwéh não abandonou o seu Povo. O Deus libertador vai intervir no mundo, vai derrotar o que oprime e rouba a vida e vai fazer com que nasça esse "sol da justiça" que traz a salvação.
    O Evangelho oferece-nos uma reflexão sobre o percurso que a Igreja é chamada a percorrer, até à segunda vinda de Jesus. A missão dos discípulos em caminhada na história é comprometer-se na transformação do mundo, de forma a que a velha realidade desapareça e nasça o Reino. Esse "caminho" será percorrido no meio de dificuldades e perseguições; mas os discípulos terão sempre a ajuda e a força de Deus.
    A segunda leitura reforça a ideia de que, enquanto esperamos a vida definitiva, não temos o direito de nos instalarmos na preguiça e no comodismo, alheando-nos das grandes questões do mundo e evitando dar o nosso contributo na construção do Reino.
    LEITURA I - Mal 4,1-2

    Leitura da Profecia de Malaquias

    Há-de vir o dia do Senhor,
    ardente como uma fornalha;
    e serão como a palha todos os soberbos e malfeitores.
    O dia que há-de vir os abrasará
    – diz o Senhor do Universo –
    e não lhes deixará raiz nem ramos.
    Mas para vós que temeis o meu nome,
    nascerá o sol de justiça,
    trazendo nos seus raios a salvação.

    AMBIENTE

    O nome "Malaquias" não é um nome próprio. Significa "o meu mensageiro"; é o título tomado por um profeta anónimo, sobre o qual praticamente nada sabemos e que se apresenta como "mensageiro" de Deus.
    É, de qualquer forma, um profeta do período pós-exílico. Na sua época, o Templo já havia sido reconstruído (cf. Mal 1,10) e o culto já funcionava - ainda que mal (cf. Mal 1,7-9.12-13)... No entanto, o entusiasmo pela reconstrução estava apagado; desanimado ao ver que as antigas promessas de Deus não se tinham cumprido, o Povo havia caído na apatia religiosa e na absoluta falta de confiança em Deus... Duvidava do amor de Deus, da sua justiça, do seu interesse por Judá. Todo este cepticismo tinha repercussões no culto (cada vez mais desleixado) e na ética (multiplicavam-se as falhas, as injustiças, as arbitrariedades). Este quadro, posterior à restauração do Templo, situa-nos na primeira metade do séc. V a.C. (entre 480 e 450 a.C.).
    Este "mensageiro de Deus" reage vigorosamente contra a situação em que o Povo de Judá está a cair. Coloca cada um diante das suas responsabilidades para com Jahwéh e para com o próximo, exige a conversão do Povo e a reforma da vida cultual. A sua lógica é a lógica deuteronomista: se o Povo se obstinar em percorrer caminhos de infidelidade à Aliança, voltará a conhecer a morte e a infelicidade; mas se o Povo se voltar para Deus e cumprir os mandamentos, voltará a gozar da vida e da felicidade que Deus oferece àqueles que seguem os seus caminhos.
    Uma nota de carácter prático: o texto que nos é hoje proposto aparece, nas edições mais recentes da Bíblia, numerado não como 4,1-2, mas como 3,19-20.

    MENSAGEM

    O nosso texto refere-se ao "dia do julgamento" - isto é, ao dia em que Jahwéh vai intervir na história, no sentido de destruir o mal, a injustiça, a opressão, o pecado e fazer triunfar o bem, a justiça, a verdade. Diante do fogo do Senhor que purifica e renova, "serão como palha os soberbos e malfeitores" e o Senhor "não lhes deixará nem raiz nem ramos"; em contrapartida, para os que se mantêm nos caminhos da aliança e dos mandamentos, "nascerá o sol da justiça, trazendo nos seus raios a salvação".
    De que é que o "mensageiro" de Deus está a falar? Está a falar do "fim do mundo"? Não. Está a referir-se ao "dia do Senhor" - um conceito que aparece com frequência na literatura profética (cf. Am 5,18; Sof 1,14-18; Jl 2,11) para designar o momento da intervenção de Deus na história, o momento em que Jahwéh vai oferecer ao seu Povo a salvação definitiva... O profeta está - utilizando uma linguagem e imagens tipicamente proféticas - a pedir aos seus concidadãos que não desanimem nem desesperem, pois Deus vai intervir no mundo para fazer aparecer um mundo novo. Trata-se, fundamentalmente, de um apelo à esperança: "apesar da situação caótica em que estamos, não desanimemos, mantenhamo-nos fiéis a Jahwéh, pois Deus vai fazer aparecer um mundo novo, de vida e de felicidade para todos". As imagens do "fogo" devorador e da "palha" que é integralmente queimada são imagens bíblicas muito comuns na época (sobretudo entre os autores apocalípticos) para significar a intervenção de Deus, a actuação libertadora de Deus no mundo. Como imagens que são, não devem ser tomadas à letra...
    Para os cristãos, esta profecia compreende-se à luz da intervenção libertadora de Jesus: Ele é o "sol de justiça" que brilha no mundo e que insere os homens na dinâmica de um mundo novo - a dinâmica do "Reino".

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir dos seguintes dados:

    • Muitas vezes temos a sensação de que o nosso mundo caminha para o abismo e que nada o pode deter. Olhamos para o mapa dos conflitos bélicos e vemos pintados de sangue o presente e o futuro de tantos povos; olhamos para a natureza e vemo-la devorada pelos interesses das multinacionais da indústria; olhamos para as pessoas e vemo-las fechadas no seu cantinho, desinteressadas das grandes questões (fala-se, até, de uma "geração rasca" e de "crise de valores" para descrever o quadro de desinteresse, de descomprometimento, de ausência de grandes ideais)... A questão é: a esperança ainda faz sentido? Este mundo tem saída? Um profeta anónimo de há 2450 anos dá voz à esperança e garante-nos: Deus não nos abandonou; Ele vai intervir - Ele está sempre a intervir - no mundo...

    • É preciso ter consciência de que a intervenção libertadora de Deus não deve ser projectada apenas para o "último dia" do mundo... Ela acontece a cada instante; e nós devemos estar numa espera vigilante e activa, a fim de sabermos reconhecer e acolher de braços abertos a intervenção salvadora e libertadora de Deus na nossa história e na nossa vida.

    • Muitas vezes esta profecia e outras semelhantes são usadas pelas seitas (e, às vezes, até por certos grupos que se dizem cristãos, mas que seguem o mesmo percurso das seitas) para incutir medo: "está a chegar o fim do mundo e quem, até lá, não ganhar juízo, irá sofrer castigos pavorosos e ser atirado para o inferno"... Interpretar estes textos desta forma é distorcer gravemente a Palavra de Deus: eles não pretendem amedrontar-nos, mas fortalecer a nossa esperança no Deus libertador e dar-nos a coragem necessária para enfrentar os dramas da vida e da história.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 97 (98)

    Refrão 1: O Senhor virá governar com justiça.

    Refrão 2: O Senhor julgará o mundo com justiça.

    Cantai ao Senhor ao som da cítara,
    ao som da cítara e da lira;
    ao som da tuba e da trombeta,
    aclamai o Senhor, nosso Rei.

    Ressoe o mar e tudo o que ele encerra,
    a terra inteira e tudo o que nela habita;
    aplaudam os rios
    e as montanhas exultem de alegria.

    Diante do Senhor que vem,
    que vem para julgar a terra;
    julgará o mundo com justiça
    e os povos com equidade.

    LEITURA II - 2Tes 3, 7-12

    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses

    Irmãos:
    Vós sabeis como deveis imitar-nos,
    pois não vivemos entre vós desordenadamente,
    nem comemos de graça o pão de ninguém.
    Trabalhámos dia e noite, com esforço e fadiga,
    para não sermos pesados a nenhum de vós.
    Não é que não tivéssemos esse direito,
    mas quisemos ser para vós exemplo a imitar.
    Quando ainda estávamos convosco,
    já vos dávamos esta ordem:
    quem não quer trabalhar, também não deve comer.
    Ouvimos dizer que alguns de vós vivem na ociosidade,
    sem fazerem trabalho algum,
    mas ocupados em futilidades.
    A esses ordenamos e recomendamos,
    em nome do Senhor Jesus Cristo,
    que trabalhem tranquilamente,
    para ganharem o pão que comem.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a Segunda Carta aos Tessalonicenses. O seu autor dirige-se - como já vimos nos domingos anteriores - a uma comunidade que vive com entusiasmo a sua fé e que dá um testemunho vigoroso e comprometido da sua adesão ao Evangelho de Jesus, mesmo no meio das dificuldades e das perseguições... No entanto, a partida precipitada de Paulo (que teve de deixar Tessalónica à pressa para fugir a uma cilada armada contra ele pelos judeus da cidade) não permitiu que a catequese ficasse completa e que certas questões de fé fossem suficientemente desenvolvidas e amadurecidas. Uma dessas questões - que inquietava grandemente os tessalonicenses - era a da segunda vinda do Senhor.
    Nesta carta percebe-se, claramente, que alguns cristãos de Tessalónica, persuadidos de que a vinda do Senhor estava muito próxima, viviam "nas nuvens", negligenciando os seus deveres de todos os dias (2 Tes 2,1-2). Agora, a única coisa que faz sentido - dizem eles - é ter os braços, os olhos e o coração voltados para o céu, esperando a vinda gloriosa do Senhor. Esta atitude compreende-se ainda melhor à luz da antropologia grega, segundo a qual o homem deve viver voltado para o mundo ideal e espiritual, fugindo o mais possível do terreno e material; o trabalho manual - de acordo com esta perspectiva - é degradante, sem valor algum para a construção da pessoa e deve ser evitado a todo o custo... É este o enquadramento da nossa leitura.

    MENSAGEM

    O autor da Segunda Carta aos Tessalonicenses rejeita totalmente esta concepção e a atitude daqueles que - com a desculpa da iminência da vinda do Senhor - vivem ocupados com futilidades e não fazem nada de útil. Nas entrelinhas percebemos a perspectiva de inspiração semita, segundo a qual a condição corporal do homem não é um castigo; portanto, o trabalho manual não envelhece, mas dignifica.
    De resto, o autor da carta dá como exemplo o próprio Paulo: ele nunca escolheu a ociosidade, nem viveu à custa de quem quer que fosse ("trabalhamos noite e dia com esforço e fadiga, para não sermos pesados a nenhum de vós" - vers. 8); até mesmo durante as suas viagens missionárias, Paulo nunca aceitou qualquer pagamento - o que mostra que o seu amor pelos cristãos e pelas comunidades é sincero e nunca teve qualquer interesse material.
    O tom desta passagem é exigente, solene, autoritário, pois está em jogo algo de fundamental - a harmonia da comunidade. É que, se numa comunidade houver parasitas que vivem à custa dos demais, rapidamente a comunidade chegará a uma situação insustentável: o equilíbrio romper-se-á, surgirão os conflitos, as acusações, as divisões e a fraternidade será uma miragem. Viver em comunidade exige a repartição equitativa dos recursos a que a comunidade tem acesso; mas exige, também, a responsabilização de todos os membros, a fim de que todos ponham ao serviço dos irmãos os próprios dons e contribuam para a construção, para o equilíbrio e para a harmonia comunitárias.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar os seguintes pontos:

    • Ao contrário do que dizem alguns "iluminados", o cristianismo não fomenta a evasão deste mundo, nem pretende fazer alienados que vivam de olhos postos no céu e passem ao lado das lutas dos outros homens... Pelo contrário, o cristianismo vivido com verdade, seriedade e coerência potencia um empenhamento sincero na construção de um mundo mais justo e mais fraterno, todos os dias, vinte e quatro horas por dia. O "Reino de Deus" é uma realidade que atingirá o ponto culminante na vida futura; mas começa a construir-se aqui e agora e exige o esforço e o empenho de todos. A minha atitude é a de quem se comprometeu com o "Reino" e procura construí-lo em cada instante da sua existência?

    • Nas comunidades cristãs encontramos, com frequência, pessoas que falam muito e mandam muito, mas fazem muito pouco e, muitas vezes, ainda se aproveitam dos trabalhos dos outros para se enfeitar de louros... Também encontramos aqueles que são apenas "consumidores passivos" daquilo que a comunidade constrói, mas não se esforçam minimamente por colaborar. Qual é a minha atitude face a isto? Dou o meu contributo na construção da comunidade? Ponho a render os meus dons?

    • A Palavra interpela também as comunidades religiosas... A vida religiosa pode ser apenas uma vida cómoda (com cama, mesa e roupa lavada garantidas) para pessoas que gostam de viver instaladas, arrumadas, sem ambições... É preciso cuidado para não nos tornarmos parasitas da sociedade (e, muitas vezes, de pessoas que vivem muito pior do que nós e que ainda partilham connosco o pouco que têm): a nossa missão é tornarmo-nos "sinais" que anunciam o mundo novo e trabalhar para que esse mundo novo seja uma realidade.

    ALELUIA - Lc 21,28

    Aleluia. Aleluia.

    Erguei-vos e levantai a cabeça,
    porque a vossa libertação está próxima.

    EVANGELHO - Lc 21,5-19

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    comentavam alguns que o templo estava ornado
    com belas pedras e piedosas ofertas.
    Jesus disse-lhes:
    «Dias virão em que, de tudo o que estais a ver,
    não ficará pedra sobre pedra:
    tudo será destruído».
    Eles perguntaram-lhe:
    «Mestre, quando sucederá isso?
    Que sinal haverá de que está para acontecer?»
    Jesus respondeu:
    «Tende cuidado; não vos deixeis enganar,
    pois muitos virão em meu nome
    e dirão: "sou eu"; e ainda: "O tempo está próximo".
    Não os sigais.
    Quando ouvirdes falar de guerras e revoltas,
    não vos alarmeis:
    é preciso que estas coisas aconteçam primeiro,
    mas não será logo o fim».
    Disse-lhes ainda:
    «Há-de erguer-se povo e reino contra reino.
    Haverá grandes terramotos
    e, em diversos lugares, fomes e epidemias.
    Haverá fenómenos espantosos e grandes sinais no céu.
    Mas antes de tudo isto,
    deitar-vos-ão as mãos e hão-de perseguir-vos,
    entregando-vos às sinagogas e às prisões,
    conduzindo-vos à presença de reis e governadores,
    por causa do meu nome.
    Assim tereis ocasião de dar testemunho.
    Tende presente em vossos corações
    que não deveis preparar a vossa defesa.
    Eu vos darei língua e sabedoria
    a que nenhum dos vossos adversários
    poderá resistir ou contradizer.
    Sereis entregues até pelos vossos pais,
    irmãos, parentes e amigos.
    Causarão a morte a alguns de vós
    e todos vos odiarão por causa do meu nome;
    mas nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá.
    Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas.

    AMBIENTE

    Estamos em Jerusalém, nos últimos dias antes da paixão. Como acontece com os outros sinópticos (cf. Mt 24-25; Mc 13), também Lucas conclui a pregação de Jesus com um discurso escatológico onde se misturam referências à queda de Jerusalém e ao "fim dos tempos". Na versão lucana, Jesus está nos átrios do Templo com os discípulos (na versão de Mateus e de Marcos, Jesus está no monte das Oliveiras); é a contemplação das belas pedras do Templo, que leva Jesus a esta catequese escatológica.

    MENSAGEM

    O discurso escatológico que Lucas nos traz é uma apresentação teológica onde aparecem, em pano de fundo, três momentos da história da salvação: a destruição de Jerusalém, o tempo da missão da Igreja e a vinda do Filho do Homem (que porá fim ao "tempo da Igreja" e trará a plenitude do "Reino de Deus").
    O texto começa com o anúncio da destruição de Jerusalém (vers. 5-6). Na perspectiva profética, Jerusalém é o lugar onde deve irromper a salvação de Deus (cf. Is 4,5-6; 54,12-17; 62; 65,18-25) e para onde convergirão todos os povos empenhados em ter acesso a essa salvação (cf. Is 2,2-3; 56,6-8; 60,3; 66,20-23). No entanto, Jerusalém recusou a oferta de salvação que Jesus veio trazer. A destruição da cidade e do Templo significa que Jerusalém deixou de ser o lugar exclusivo e definitivo da salvação. A Boa Nova de Jesus vai, portanto, deixar Jerusalém e partir ao encontro de todos os povos. Começa, assim, uma outra fase da história da salvação: começa o "tempo da Igreja" - o tempo em que a comunidade dos discípulos, caminhando na história, testemunhará a salvação a todos os povos da terra.
    Vem, depois, uma reflexão sobre o "tempo da Igreja", que culminará com a segunda vinda de Jesus (vers. 7-19). Como será esse tempo? Como vivê-lo?
    Em primeiro lugar, Lucas sugere que, após a destruição de Jerusalém, surgirão falsos messias e visionários que anunciarão o fim (o que é, aliás, vulgar em épocas de crise e de catástrofe). Lucas avisa: "não sigais atrás deles" (vers. 8); e esclarece: "não será logo o fim" (vers. 9). A destruição de Jerusalém no ano 70 pelas tropas de Tito deve ter parecido aos cristãos o prenúncio da segunda vinda de Jesus e alguns pregadores populares deviam alimentar essas ilusões... Mas Lucas (que escreve durante os anos 80) está apostado em eliminar essa febre escatológica que crescia em certos sectores cristãos: em lugar de viverem obcecados com o fim, os cristãos devem preocupar-se em viver uma vida cristã cada vez mais comprometida com a transformação "deste" mundo.
    Em segundo lugar, Lucas diz aos cristãos o que acontecerá nesse "tempo de espera": paulatinamente, irá surgindo um mundo novo. Para dizer isto, Lucas recorre a imagens apocalípticas ("há-de erguer-se povo contra povo e reino contra reino" - vers. 10, cf. Is 19,2; 2 Cr 15,6; "haverá grandes terramotos e, em diversos lugares, fome e epidemias; haverá fenómenos espantosos e grandes sinais no céu" - vers. 11), muito usadas pelos pregadores populares da época para falar da queda do mundo velho - o mundo do pecado, do egoísmo, da exploração - e do surgimento de um mundo novo... A questão é, portanto, esta: no tempo que medeia entre a queda de Jerusalém e a segunda vinda de Jesus, o "Reino de Deus" ir-se-á manifestando; o mundo velho desaparecerá e nascerá um mundo novo (recordemos que os discípulos não devem esperá-lo de braços cruzados, à espera que Deus faça tudo, mas devem empenhar-se na sua construção). É claro que a libertação plena e definitiva só acontecerá com a segunda vinda de Jesus.
    Em terceiro lugar, Lucas põe os cristãos de sobreaviso para as dificuldades e perseguições que marcarão a caminhada histórica da Igreja pelo tempo fora, até à segunda vinda de Jesus. Lucas lembra-lhes, contudo, que não estarão sós, pois Deus estará sempre presente; será com a força de Deus que eles enfrentarão os adversários e que resistirão à tortura, à prisão e à morte; será com a ajuda de Deus que eles poderão, até, resistir à dor de ser atraiçoados pelos próprios familiares e amigos... Quando Lucas escreve este texto, tem bem presente a experiência de uma Igreja que caminha e luta na história para tornar realidade o "Reino" e que, nessa luta, conhece os sofrimentos, as dificuldades, a perseguição e o martírio; as palavras de alento que ele aqui deixa - sobretudo a certeza de que Deus está presente e não abandona os seus filhos - devem ter constituído uma ajuda inestimável para esses cristãos a quem o Evangelho se destinava.
    O discurso escatológico define, portanto, a missão da Igreja na história (até à segunda vinda de Jesus): dar testemunho da Boa Nova e construir o Reino. Os discípulos nada deverão temer: haverá dificuldades, mas eles terão sempre a ajuda e a força de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar os seguintes desenvolvimentos:

    • O que parece, aqui, fundamental, não é o discurso sobre o "fim do mundo", mas sim o discurso sobre o percurso que devemos percorrer, até chegarmos à plenitude da história humana... Trata-se de uma caminhada que não nos leva ao aniquilamento, à destruição absoluta, ao fracasso total, mas à vida nova, à vida plena; por isso, deve ser uma caminhada que devemos percorrer de cabeça levantada, cheios de alegria e de esperança.

    • É, sem dúvida, uma caminhada eivada de dificuldades, de lutas, onde o bem e o mal se confrontarão sem cessar; mas é um percurso onde o mundo novo irá surgindo - embora com avanços e recuos - e onde a semente do "Reino" irá germinando. Aos crentes pede-se que reconheçam os "sinais" do "Reino", que se alegrem porque o "Reino" está presente e que se esforcem, todos os dias, por tornar possível essa nova realidade. A nossa vida não pode ser um ficar de braços cruzados a olhar para o céu, mas um compromisso sério e empenhado, de forma a que floresça o mundo novo da justiça, do amor e da paz. Quais são os sinais de esperança que eu contemplo e que me fazem acreditar na chegada iminente do "Reino"? O que posso fazer, no dia a dia, para apressar a chegada do "Reino"?

    • Nessa caminhada, os crentes sabem que não estão sós, mas que Deus vai com eles... É essa presença constante e amorosa de Deus que lhes permitirá enfrentar as forças da morte, apostadas em evitar que o mundo novo apareça; é essa força de Deus que permitirá aos discípulos de Jesus vencer o desânimo, a adversidade, o medo.

    • Alguns sinais de desagregação do mundo velho, que todos os dias contemplamos, não devem assustar-nos: eles são, apenas, sinais de que estamos a nascer para algo novo e melhor. O perder certas referências pode assustar-nos e baralhar os nossos esquemas e certezas; mas todos sabemos que é impossível construir algo mais bonito, sem a destruição do que é velho e caduco.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 33º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 33º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA CELEBRADA NA EUCARISTIA.
    A Palavra de Deus não se limita ao tempo da proclamação e da escuta da Palavra. Na preparação da celebração, procurar que algumas expressões da liturgia da Palavra estejam presentes no momento penitencial, nalguma intenção da oração dos fiéis, num momento de acção de graças...

    3. BILHETE DE EVANGELHO.
    Os homens têm sempre necessidade de se apoiar naquilo que é sólido. Compreende-se o olhar admirado dos discípulos contemplando o templo de Jerusalém. É então que Jesus escolhe o momento para lhes anunciar que tudo o que é terrestre é efémero e que virá um dia em que tudo de desmoronará para deixar chegar o Reino, que será eterno e nunca conhecerá a destruição. Mas, ao mesmo tempo, Jesus assegura-lhes: virá o momento em que eles deverão testemunhar no meio das perseguições, por causa do seu Nome. E para este testemunho ser-lhes-á dada a linguagem e a sabedoria à qual todos os adversários não poderão opor resistências nem contradições. E, depois, Aquele que está Vivo e que aparecerá no fim dos tempos como o grande vencedor sobre as forças do mal manterá vivos para sempre aqueles que souberem perseverar. Tal é a promessa de Jesus aos seus discípulos; e Jesus mantém sempre as suas promessas.

    4. À ESCUTA DA PALAVRA.
    O fim do mundo! Não podemos descobrir no nosso tempo todos estes sinais do fim do mundo tal como Jesus os dá? "Há-de erguer-se povo e reino contra reino. Haverá grandes terramotos e, em diversos lugares, fomes e epidemias". Diríamos hoje epidemias como a sida, a gripe das aves... Muitas coisas podem servir para manipular o medo e a angústia de muitas pessoas. Para mais, há toda uma panóplia de seitas. Mesmo no cristianismo vemos surgir regularmente aparições de várias espécies. O "regresso do religioso" toma muitas vezes a forma de uma procura de sinais milagrosos, de predições sobre tudo e sobre nada. Há mais magos, adivinhos, cartomantes, astrólogos e gurus de toda a espécie, do que padres. Quem nunca leu um horóscopo? E suma, o esoterismo está na moda. E, para tranquilizar a consciência, até nos apoiamos nas palavras de Jesus. Mas Jesus adverte-nos: "Tende cuidado; não vos deixeis enganar, pois muitos virão em meu nome e dirão: 'sou eu'; e ainda: 'O tempo está próximo'. Não os sigais". Em São Mateus, precisa mesmo: "surgirão falsos Cristos e falsos profetas, que produzirão grandes sinais e prodígios, a ponto de abusar, mesmo os eleitos". São Paulo diz mesmo que Satanás se disfarça em anjo de luz. Então, nós também, hoje, somos convidados a resistir a estas tentações de esoterismo. O nosso futuro não está inscrito nem nos astros, nem nas cartas, nem na marca do café, nem nas linhas da mão. O nosso futuro está em Jesus. Queremos sinais? Só temos um: a morte e a ressurreição de Jesus, que nos são dadas em cada Eucaristia e que são a prova última e definitiva do amor de Deus por nós. É verdade que este sinal só se pode reconhecer na fé e o próprio Jesus se questionou: "O Filho do Homem, quando vier, encontrará a fé sobre a terra?" Desde então, a nossa primeira preocupação deve ser vivificar a nossa fé, reencontrar uma intimidade com Jesus: "Jesus, eu creio, mas aumenta a minha fé!" Então, não teremos mais medo.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a oração eucarística para a reconciliação nº 1, que proclama o desejo de Deus salvar todos os homens.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO DA VIDA...
    Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo... Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus: «há-de vir o dia do Senhor... Nascerá o sol de justiça... trazendo a salvação..."; "trabalhem tranquilamente, para ganharem o pão que comem..."; "tereis ocasião de dar testemunho..."; "pela vossa perseverança salvareis as vossas almas...". Procurar transformar as palavras de Deus em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida...

    7. PALAVRA VIVIDA AO LONGO DANO LITÚRGICO.
    Termina mais um ano do ciclo litúrgico, com a Solenidade de Cristo Rei no próximo domingo. Durante a semana podemos meditar sobre o crescimento da nossa fé a partir do encontro dominical e quotidiano com a Palavra de Deus na Eucaristia. Transformou-nos? Fez-nos crescer? Ou ficámos na mesma, passivos e estagnados?


    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • S. Gertrudes, Virgem

    S. Gertrudes, Virgem


    16 de Novembro, 2022

    Santa Gertrudes nasceu no dia 6 de Janeiro de 1256, festa da Epifania, mas nada se sabe dos seus pais, nem do lugar do seu nascimento. Entrou no mosteiro com cinco anos, em 1261, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Ali transcorreu toda a sua existência. Adquiriu vasta cultura e entregou-se à vida contemplativa. Foi uma das maiores místicas da Idade Média. As suas obras estão na base da difusão do culto do Sagrado Coração de Jesus. É uma das padroeiras da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.
    Lectio
    Primeira leitura: Efésios 3, 14-19

    Irmãos: Eu dobro os joelhos diante do Pai, 15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.

    Depois de ter anunciado as maravilhas de Deus, Paulo irrompe numa oração vibrante de amor. Ajoelha diante do Pai, origem de toda a paternidade no céu e na terra (v. 15), e pede-lhe que os Efésios sejam fortificados interiormente pelo Espírito Santo (v. 16). No fundo, pede para eles uma fé robusta, para que Cristo habite nos seus corações e, desse modo, cresça neles o sinal típico de pertença a Cristo: a caridade. O Apóstolo sabe que, só quando estiverem «enraizados e alicerçados no amor» (v. 17), em comunhão com os outros crentes, serão capazes de compreender «a largura, o comprimento, a altura e a profundidade» daquele amor que ultrapassa todas as categorias humanas (v. 18). Assim é porque é de Deus e só com a força de Deus podemos realizar a nossa vocação: receber «a plenitude de Deus» (v. 19). Com entusiasmo, Paulo louva a Deus porque é capaz de realizar maravilhas muito maiores do que possamos pensar e desejar. Sentimos em todo o texto que o conhecimento do mistério de Deus não é fruto do nosso esforço intelectual, mas de amor admirado, que brota de uma atitude profundamente interior e contemplativa.
    Evangelho: da féria ou do Comum
    Meditatio

    Santa Gertrudes, a Grande, é uma das místicas mais famosas... Com a sua vida e pensamento, ela incidiu de modo singular sobre a espiritualidade cristã. É uma mulher extraordinária, dotada de particulares talentos naturais e de excecionais dons de graça, de humildade profundíssima e de zelo ardente pela salvação do próximo, de íntima comunhão com Deus na contemplação e de prontidão no socorro aos necessitados...
    Entra no mosteiro com cinco anos, em 1261, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Ali transcorre toda a sua existência... Gertrudes é uma estudante extraordinária... Fascinada pelo saber, dedica-se ao estudo profano com fervor e tenacidade, alcançando êxitos escolares para além de qualquer expectativa... A literatura, a música, o canto e a arte da miniatura conquistam-na; tem uma índole forte, decidida, imediata e impulsiva; diz com frequência que é negligente; reconhece os seus defeitos e pede humildemente perdão pelos mesmos. Com humildade, pede conselhos e orações pela sua conversão. Há características do seu temperamento e defeitos que a acompanham até ao fim, a ponto de causar admiração a certas pessoas que se interrogam como o Senhor a prefere tanto. Como estudante, passa a consagrar-se totalmente a Deus na vida monástica e, durante vinte anos, não acontece nada de extraordinário: o estudo e a oração são a sua atividade principal... A 27 de Janeiro de 1281, poucos dias antes da festa da Purificação da Virgem, por volta da hora das Completas, à noite, o Senhor ilumina as suas densas trevas. Com suavidade e docilidade, acalma a inquietação que a angustia. Gertrudes vê nessa inquietação como que um dom do próprio Deus, «para abater aquela torre de vaidade e de curiosidade que, apesar do nome e do hábito de religiosa, eu ia erguendo com a minha soberba, para assim encontrares o modo para me mostrar a tua salvação» (Ibid., II, 1, p. 87). Gertrudes tem a visão de um jovem que a leva a superar o enredo de espinhos que oprime a sua alma, guiando-a pela mão. Naquela mão, «o traço precioso daquelas chagas que ab-rogaram todos os atos de acusação dos nossos inimigos» (Ibid., II, 1, p. 89), reconhece Aquele que, na Cruz, nos salvou com o seu sangue, Jesus.
    A partir daquele momento, a sua vida de íntima comunhão com o Senhor intensifica-se... mesmo quando, doente, não podia ir ao coro...A sua biógrafa indica dois rumos daquela que poderíamos definir uma sua particular «conversão»: nos estudos, com a passagem radical dos estudos humanísticos profanos para os teológicos e, na observância monástica, com a passagem da vida que ela define negligente para a vida de oração intensa e mística, com um ardor missionário extraordinário. O Senhor, que a tinha escolhido desde o seio materno e desde criança a tinha levado a participar no banquete da vida monástica, chama-a com a sua graça «das coisas externas para a vida interior e das ocupações terrenas para o amor das realidades espirituais». Gertrudes compreende que está distante dele, na região da dissemelhança, como ela diz com Santo Agostinho; que se tinha dedicado com demasiada avidez aos estudos liberais, à sabedoria humana, descuidando a ciência espiritual, privando-se do gosto da verdadeira sabedoria; agora é conduzida para o monte da contemplação, onde deixa o homem velho para se revestir do novo. Gertrudes transforma tudo isto em apostolado: dedica-se a escrever e divulgar a verdade de fé com clareza e simplicidade, graça e persuasão, servindo a Igreja com amor e fidelidade, a ponto de ser útil e agradável aos teólogos e às pessoas piedosas. Resta-nos pouco desta sua intensa atividade, também por causa das vicissitudes que levaram à destruição do mosteiro de Helfta. Além do Arauto do amor divino ou das Revelações, dispomos ainda dos Exercícios espirituais, uma joia rara da literatura mística espiritual... Orientada para a comunhão sem fim, conclui a sua vicissitude terrena no dia 17 de Novembro de 1301, ou 1302, com cerca de 46 anos. (Extratos da catequese do Santo Padre Bento XVI, na Praça de S. Pedro, a 6 de Outubro de 2010).

    Oratio

    Rezemos com Santa Gertrudes: "Ó Jesus, Tu que me és imensamente querido, está sempre comigo, para que o meu coração permaneça contigo e o teu amor persevere comigo, sem possibilidade de separação, e o meu trânsito seja abençoado por ti, de tal modo que o meu espírito, livre dos vínculos da carne, possa encontrar repouso imediatamente em ti. Amém! (Exercícios Espirituais).
    Contemplatio

    «Eu vos adoro, vos saúdo e vos bendigo, ó doce Senhor Jesus Cristo, agradecendo-vos pelo amor com o qual vós quisestes, para nos resgatar, vós o Criador de todas as coisas, ser agarrado pelos homens, ligado, arrastado, pisado aos pés, batido, coberto de escarros, flagelado, coroado de espinhos, condenado, carregado com a cruz, despojado, crucificado, para morrer da mais amarga das mortes e ser traspassado com a lança. E em união com este mesmo amor, ofereço-vos as minhas indignas orações, suplicando-vos pelos méritos da vossa santíssima paixão e da vossa morte, que vos digneis lavar inteiramente e apagar todos os meus pecados com os quais as almas pelas quais eu rezo se macularam, por pensamentos, por palavras ou por ações. Conjuro-vos a oferecer a Deus Pai, por todas as penas nas quais estas almas incorreram perante a vossa justiça, todas as penas e as dores, os méritos e as ações do vosso corpo coberto de feridas e da vossa alma abismada de dores. Assim seja». (Oração de Santa Gertrudes citada pelo Leão Dehon, in OSP 4, p. 425s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Cristo, pela fé, habite nos vossos corações" (Ef 3, 17).

     

    ----

    S. Gertrudes, Virgem (16 de Novembro)

  • Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo - Ano C

    Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo - Ano C


    20 de Novembro, 2022

    ANO C

    34º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    SOLENIDADE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO

    Tema da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo

    A Palavra de Deus, neste último domingo do ano litúrgico, convida-nos a tomar consciência da realeza de Jesus. Deixa claro, no entanto, que essa realeza não pode ser entendida à maneira dos reis deste mundo: é uma realeza que se exerce no amor, no serviço, no perdão, no dom da vida.
    A primeira leitura apresenta-nos o momento em que David se tornou rei de todo o Israel. Com ele, iniciou-se um tempo de felicidade, de abundância, de paz, que ficou na memória de todo o Povo de Deus. Nos séculos seguintes, o Povo sonhava com o regresso a essa era de felicidade e com a restauração do reino de David; e os profetas prometeram a chegada de um descendente de David que iria realizar esse sonho.
    O Evangelho apresenta-nos a realização dessa promessa: Jesus é o Messias/Rei enviado por Deus, que veio tornar realidade o velho sonho do Povo de Deus e apresentar aos homens o "Reino"; no entanto, o "Reino" que Jesus propôs não é um Reino construído sobre a força, a violência, a imposição, mas sobre o amor, o perdão, o dom da vida.
    A segunda leitura apresenta um hino que celebra a realeza e a soberania de Cristo sobre toda a criação; além disso, põe em relevo o seu papel fundamental como fonte de vida para o homem.

    LEITURA I - 2 Sam 5,1-3

    Leitura do Segundo Livro de Samuel

    Naqueles dias,
    todas as tribos de Israel
    foram ter com David a Hebron e disseram-lhe:
    «Nós somos dos teus ossos e da tua carne.
    Já antes, quando Saul era o nosso rei,
    eras tu quem dirigia as entradas e saídas de Israel.
    E o Senhor disse-te:
    "Tu apascentarás o meu povo de Israel,
    tu serás rei de Israel"».
    Todos os anciãos de Israel foram à presença do rei, a Hebron.
    O rei David concluiu com eles uma aliança diante do Senhor
    e eles ungiram David como rei de Israel.

    AMBIENTE

    Por volta do ano 1007 a.C., o reino de Saul (que agrupava as tribos do norte e do centro) sofreu um rude golpe, com a morte do rei e de Jónatas (filho e natural sucessor de Saul) às mãos dos filisteus, numa batalha travada junto do monte Guilboá (cf. 1 Sm 31). Por esta altura, em contrapartida, David reinava (desde 1012 a.C.) sobre as tribos do sul (cf. 2 Sm 2,1-4).
    Ishboshet, filho de Saul, foi escolhido para suceder a seu pai e ainda reinou dois anos sobre as tribos do norte e do centro (cf. 2 Sm 2,8-11); mas acabou por ter a oposição de Abner, chefe dos exércitos do norte, que ofereceu a David a autoridade sobre as tribos que formavam o reino de Saul (cf. 2 Sm 3,12-21). Abner foi, entretanto, assassinado por Joab, general de David (cf. 2 Sm 3,26-27); e, pouco depois, também Ishboshet foi, muito convenientemente, assassinado - embora o segundo livro de Samuel se esforce por mostrar que David não teve nada a ver com esses assassínios (cf. 2 Sm 3,28-39; 4,1-12). Finalmente, os anciãos do norte - preocupados em encontrar uma liderança forte que lhes permitisse resistir aos inimigos tradicionais, os filisteus - pediram a David que aceitasse dirigir também os destinos das tribos do norte e do centro.
    É diante deste quadro que a leitura de hoje nos coloca. David está em Hebron - a capital das tribos do sul - e é lá que recebe os enviados das tribos norte e do centro que lhe propõem a realeza. Estamos por volta do ano 1005 a.C..

    MENSAGEM

    Temos, portanto, os anciãos de Israel diante de David a propor-lhe a realeza sobre as tribos do norte e do centro. David aceita... É a primeira vez que se consegue a união das tribos do norte, do centro e do sul sob a autoridade de um único rei (as "doze tribos" que a tradição teológica designará como o "Povo de Deus").
    Os catequistas deuteronomistas, autores deste texto, preocupam-se, no entanto, em fazer uma leitura teológica da história... Assim, colocam na boca dos anciãos de Israel a seguinte frase: "o Senhor disse-te: «tu apascentarás o meu Povo de Israel, tu serás rei de Israel»" (vers. 2). A realeza de David aparecerá, assim, como algo querido por Deus, decidido por Deus - uma espécie de extensão da realeza de Deus: doravante, o rei David será considerado o instrumento através do qual Deus apascenta o seu Povo.
    David foi o rei mais importante da história do Povo de Deus. O seu reinado foi marcado - como acontece com todos os reinados "humanos" - por conflitos internos, guerras civis, injustiças, mortes... Mas, apesar de tudo, David manifestou-se como um homem com uma grande estatura política e moral. Em termos políticos, o reinado de David fez de Israel e de Judá um reino de razoáveis dimensões, que se sobrepôs aos seus inimigos tradicionais (os filisteus, os amonitas, os moabitas) e que ficou na memória do Povo de Deus como um tempo ideal de paz e de abundância. Em termos religiosos, foi o tempo em que Jahwéh era considerado, efectivamente, o Deus de Israel e de Judá e em que o rei potenciava o encontro de todo o Povo à volta do seu Deus, na fidelidade à aliança.
    No futuro - sobretudo em épocas de crise, de frustração nacional, de instabilidade social, de infidelidade religiosa - o reinado de David vai constituir como que uma miragem ideal; e, nas alturas mais dramáticas da sua história, o Povo de Deus sonha com um descendente de David que venha restaurar o reino ideal de seu pai.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar os seguintes desenvolvimentos:

    • O que é que a história de David tem a ver com a Festa de Jesus Cristo, Rei do Universo? Jesus Cristo, o Messias, Rei de Israel, descendente de David, é considerado no Novo Testamento a resposta de Jahwéh aos sonhos e expectativas do Povo de Deus. Ele veio para restaurar, ao jeito de Deus e na lógica de Deus, o reino de David. Jesus é, portanto, o Rei que, à imagem do que David fez com Israel, apascenta o novo Povo de Deus (veremos, mais à frente, como deve ser entendida a realeza de Jesus). Que significa, para mim, dizer que Jesus é Rei?

    • O reinado de David é apresentado com um tempo ideal de unidade, de paz e de felicidade; no entanto, conheceu, também, tudo aquilo que costuma caracterizar os reinados humanos: tronos, riquezas, exércitos, batalhas, injustiças, intrigas de corte, lutas pelo poder, assassínios, corrupção... Falar do "Reino" de Jesus terá algo a ver com isto? Estes esquemas caberão, de alguma forma, na lógica de Deus?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 121 (122)

    Refrão: Vamos com alegria para a casa do Senhor.

    Alegrei-me quando me disseram:
    «Vamos para a casa do Senhor».
    Detiveram-se os nossos passos
    às tuas portas, Jerusalém.

    Jerusalém, cidade bem edificada,
    que forma tão belo conjunto!
    Para lá sobem as tribos,
    as tribos do Senhor.

    Para celebrar o nome do Senhor,
    segundo o costume de Israel;
    ali estão os tribunais da justiça,
    os tribunais da casa de David.

    LEITURA II - Col 1,12-20

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses

    Irmão:
    Damos graças a Deus Pai,
    que nos fez dignos de tomar parte
    na herança dos santos, na luz divina.
    Ele nos libertou do poder das trevas
    e nos transferiu para o reino do seu Filho muito amado,
    no qual temos a redenção, o perdão dos pecados.
    Cristo é a imagem de Deus invisível,
    o Primogénito de toda a criatura;
    Porque n'Ele foram criadas todas as coisas
    no céu e na terra, visíveis e invisíveis,
    Tronos e Dominações, Principados e Potestades:
    Ele é anterior a todas as coisas
    e n'Ele tudo subsiste.
    Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo.
    Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos;
    em tudo Ele tem o primeiro lugar.
    Aprouve a Deus que n'Ele residisse toda a plenitude
    e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas,
    estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz,
    com todas as criaturas na terra e nos céus.

    AMBIENTE

    A comunidade cristã de Colossos (situada na Ásia Menor, a cerca de 200 quilómetros a Este de Éfeso) não foi fundada por Paulo, mas sim por Epafras, discípulo de Paulo e colossense de origem. Como é que Paulo aparece envolvido com esta comunidade?
    Daquilo que podemos perceber da carta, Paulo estava na prisão (em Roma?) quando recebeu a visita do seu amigo Epafras. Epafras contou a Paulo que a Igreja de Colossos estava em crise, pois alguns "doutores" cristãos ensinavam que a adesão a Jesus devia ser completada por outras práticas religiosas, fundamentais para a salvação e para um conhecimento mais profundo do mistério de Deus. Assim, esses "doutores" exigiam dos crentes de Colossos o cumprimento de práticas ascéticas, de certos ritos legalistas, de algumas prescrições sobre os alimentos; exigiam, também, a observância de determinadas festas e a crença nos anjos e nos seus poderes. É possível que este quadro tivesse a ver com doutrinas orientais que começavam a circular nesta época e que iriam, mais tarde, desembocar no movimento "gnóstico".
    Contra esta confusão religiosa, Paulo afirma a absoluta suficiência de Cristo: a adesão a Cristo é o fundamental para quem quer ter acesso à proposta de salvação que Deus faz aos homens; tudo o resto é dispensável e não deve ser imposto aos cristãos.

    MENSAGEM

    O texto que nos é proposto começa com um convite à acção de graças, porque Deus livrou os colossenses "do poder das trevas" e transferiu-os "para o Reino do seu filho muito amado" (vers. 12-14); em seguida, Paulo apresenta um hino no qual celebra a supremacia absoluta de Cristo na criação e na redenção (vers. 15-20): trata-se de um hino que Paulo, provavelmente, tomou da liturgia cristã, mas que aparece perfeitamente integrado no discurso e na mensagem desta carta. É nas duas estrofes deste hino que está a mensagem fundamental que nos interessa reflectir.
    A primeira estrofe do hino (vers. 15-17) afirma e celebra a soberania de Cristo sobre toda a criação; e fá-lo, recorrendo a três afirmações importantes.
    A primeira diz que Cristo é a "imagem de Deus invisível". Dizer que é "imagem" significa dizer que Ele é, em tudo, igual ao Pai, no ser e no agir, e que n'Ele reside a plenitude da divindade. Significa que Deus, espiritual e transcendente, revela-Se aos homens e faz-Se visível através da humanidade de Cristo.
    A segunda afirma que Ele é "o primogénito de toda a criatura". No contexto familiar judaico, o "primogénito" era o herdeiro principal, que tinha a primazia em dignidade e em autoridade sobre os seus irmãos. Aplicado a Cristo, significa que Ele tem a supremacia e a autoridade sobre toda a criação.
    A terceira assegura que "n'Ele, por Ele e para Ele foram criadas todas as coisas". Tal significa que todas as coisas têm n'Ele o seu centro supremo de unidade, de coesão, de harmonia ("n'Ele"); que é Ele que comunica a vida do Pai ("por Ele"); e que Cristo é o termo e a finalidade de toda a criação ("para Ele").
    Ao mencionar expressamente que os "tronos, dominações, principados e potestades" estão incluídos na soberania de Cristo, Paulo desmonta as especulações dos "doutores" de Colossos acerca dos poderes angélicos, considerados em paralelo com o poder de Cristo.
    A segunda estrofe (vers. 18-20) afirma e celebra a soberania e o poder de Cristo na redenção. Também aqui temos três afirmações fundamentais...
    A primeira diz que Cristo é a "cabeça da Igreja, que é o seu corpo". A expressão significa, em primeiro lugar, que Cristo tem a primazia e a soberania sobre a comunidade cristã; mas significa, também, que é Ele quem comunica a vida aos membros do corpo e que os une num conjunto vital e harmónico.
    A segunda afirma que Cristo é o "princípio, o primogénito de entre os mortos". Significa, não só que Ele foi o primeiro a ressuscitar, mas também que Ele é a fonte de vida que vai provocar a nossa própria ressurreição.
    A terceira assegura que em Cristo reside "toda a plenitude". Significa que n'Ele e só n'Ele habita, efectiva e essencialmente, a divindade: tudo o que Deus nos quer comunicar, a fim de nos inserir na sua família, está em Cristo. Por isso, o autor do hino pode concluir que, por Cristo, foram reconciliadas com Deus todas as criaturas na terra e nos céus: por Cristo, a criação inteira, marcada pelo pecado, recebeu a oferta da salvação e pôde voltar a inserir-se na família de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes desenvolvimentos:

    • A festa de Cristo Rei, que encerra o ano litúrgico, celebra, antes de mais, a soberania e o poder de Cristo sobre toda a criação. A leitura que acabámos de ver diz, a este propósito, que em Cristo, Deus revela-Se; que Ele tem a supremacia e autoridade sobre todos os seres criados; que Ele é o centro de todo o universo e que tudo tende e converge para Ele... Isto equivale a definir Cristo como o centro da vida e da história, a coordenada fundamental à volta da qual tudo se constrói. Cristo tem, de facto, esta centralidade na vida dos homens e mulheres do nosso tempo, ou há outros deuses e referências que usurparam o seu lugar? Quais são esses outros "reis" que ocuparam o "trono" que pertence a Cristo? Esses "reis" trouxeram alguma "mais valia" à vida dos homens, ou apenas criaram escravidão e desumanização? O que podemos fazer para que a nossa sociedade reconheça em Cristo o seu "rei"?

    • Em termos pessoais, Cristo é o centro, referência fundamental à volta da qual a minha vida se articula e se constrói? O que é que Ele significa para mim, não em termos de definição teórica, mas em termos existenciais?

    • A Festa de Cristo Rei é, também, a festa da soberania de Cristo sobre a comunidade cristã. A Igreja é um corpo, do qual Cristo é a cabeça; é Cristo que reúne os vários membros numa comunidade de irmãos que vivem no amor; é Cristo que a todos alimenta e dá vida; é Cristo o termo dessa caminhada que os crentes fazem ao encontro da vida em plenitude. Esta centralidade de Cristo tem estado sempre presente na reflexão, na catequese e na vida da Igreja? É que muitas vezes falamos mais de autoridade e de obediência do que de Cristo; de castidade, de celibato e de leis canónicas, do que do Evangelho; de dinheiro, de poder e de direitos da Igreja, do que do "Reino"... Cristo é - não em teoria, mas de facto - o centro de referência da Igreja no seu todo e de cada uma das nossas comunidades cristãs em particular? Não damos, às vezes, mais importância às leis feitas pelos homens do que a Cristo? Não há, tantas vezes, "santos", "santinhos" e "santões" que assumem um valor exagerado na vivência de certos cristãos, e que ocultam ou fazem esquecer o essencial?

    ALELUIA - Mc 11,9.10

    Aleluia. Aleluia.

    Bendito O que vem em nome do Senhor!
    Bendito o reino do nosso pai David!

    EVANGELHO - Lc 23,35-43

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    os chefes dos judeus zombavam de Jesus, dizendo:
    «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo,
    se é o Messias de Deus, o Eleito».
    Também os soldados troçavam d'Ele;
    aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
    «Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo».
    Por cima d'Ele havia um letreiro:
    «Este é o Rei dos judeus».
    Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados
    insultava-O, dizendo:
    «Não és Tu o Messias?
    Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
    Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
    «Não temes a Deus,
    tu que sofres o mesmo suplício?
    Quanto a nós, fez-se justiça,
    pois recebemos o castigo das nossas más acções.
    Mas Ele nada praticou de condenável».
    E acrescentou:
    «Jesus, lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza».
    Jesus respondeu-lhe:
    «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».

    AMBIENTE

    O Evangelho situa-nos "lugar do Crânio" (alusão provável à forma da rocha que dominava o lugar e que lembrava um crânio), diante de uma cruz. É o final da "caminhada" terrena de Jesus: estamos perante o último quadro de uma vida gasta ao serviço da construção do "Reino". As bases do "Reino" já estão lançadas e Jesus é apresentado como "o Rei" que preside a esse "Reino" que Ele veio propor aos homens. A cena apresenta-nos Jesus crucificado, dois "malfeitores" crucificados também, os chefes dos judeus que "zombavam de Jesus", os soldados que troçavam dos condenados e o povo silencioso, perplexo e expectante. Por cima da cruz de Jesus, havia uma inscrição: "o basileus tôn Ioudaiôn outos" ("este é o rei dos judeus").

    MENSAGEM

    O quadro que Lucas nos apresenta é, portanto, dominado pelo tema da realeza de Jesus... Como é que se define e apresenta essa realeza?
    Presidindo à cena, dominando-a de alto a baixo, está a famosa inscrição que define Jesus como "rei dos judeus". É uma indicação que, face à situação em que Jesus Se encontra, parece irónica: Ele não está sentado num trono, mas pregado numa cruz; não aparece rodeado de súbditos fiéis que O incensam e adulam, mas dos chefes dos judeus que O insultam e dos soldados que O escarnecem; Ele não exerce autoridade de vida ou de morte sobre milhões de homens, mas está pregado numa cruz, indefeso, condenado a uma morte infamante... Não há aqui qualquer sinal que identifique Jesus com poder, com autoridade, com realeza terrena.
    Contudo, a inscrição da cruz - irónica aos olhos dos homens - descreve com precisão a situação de Jesus, na perspectiva de Deus: Ele é o "rei" que preside, da cruz, a um "Reino" de serviço, de amor, de entrega, de dom da vida. Neste quadro, explica-se a lógica desse "Reino de Deus" que Jesus veio propor aos homens.
    O quadro é completado por uma cena bem significativa para entender o sentido da realeza de Jesus... Ao lado de Jesus estão dois "malfeitores", crucificados como Ele. Enquanto um O insulta (este representa aqueles que recusam a proposta do "Reino"), o outro pede: "Jesus, lembra-Te de mim quando vieres com a tua realeza". A resposta de Jesus a este pedido é: "hoje mesmo estarás comigo no paraíso". Jesus é o Rei que apresenta aos homens uma proposta de salvação e que, da cruz, oferece a vida. O "estar hoje no paraíso" não expressa um dado cronológico, mas indica que a salvação definitiva (o "Reino") começa a fazer-se realidade a partir da cruz. Na cruz manifesta-se plenamente a realeza de Jesus que é perdão, renovação do homem, vida plena; e essa realeza abarca todos os homens - mesmo os condenados - que acolhem a salvação.
    Toda a vida de Jesus foi dominada pelo tema do "Reino". Ele começou o seu ministério anunciando que "o Reino chegou" (cf. Mc 1,15; Mt 4,17). As suas palavras e os seus gestos sempre mostraram que Ele tinha consciência de ter sido enviado pelo Pai para anunciar o "Reino" e para trazer aos homens uma era nova de felicidade e de paz. Os discípulos depressa perceberam que Jesus era o "Messias" (cf. Mc 8,29; Mt 16,16; Lc 9,20) - um título que O ligava às promessas proféticas e a esse reino ideal de David com que o Povo sonhava. Contudo, Jesus nunca assumiu com clareza o título de "Messias", a fim de evitar equívocos: numa Palestina em ebulição, o título de "Messias" tinha algo de ambíguo, por estar ligado a perspectivas nacionalistas e a sonhos de luta política contra o ocupante romano. Jesus não quis deitar mais lenha para a fogueira da esperança messiânica, pois o seu messianismo não passava por um trono, nem por esquemas de autoridade, de poder, de violência. Jesus é o Messias/rei, sim; mas é rei na lógica de Deus - isto é, veio para presidir a um "Reino" cuja lei é o serviço, o amor, o dom da vida. A afirmação da sua dignidade real passa pelo sofrimento, pela morte, pela entrega de Si próprio. O seu trono é a cruz, expressão máxima de uma vida feita amor e entrega. É neste sentido que o Evangelho de hoje nos convida a entender a realeza de Jesus.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes dados:

    • Celebrar a Festa de Cristo Rei do Universo não é celebrar um Deus forte, dominador que Se impõe aos homens do alto da sua omnipotência e que os assusta com gestos espectaculares; mas é celebrar um Deus que serve, que acolhe e que reina nos corações com a força desarmada do amor. A cruz - ponto de chegada de uma vida gasta a construir o "Reino de Deus" - é o trono de um Deus que recusa qualquer poder e escolhe reinar no coração dos homens através do amor e do dom da vida.

    • À Igreja de Jesus ainda falta alguma coisa para interiorizar a lógica da realeza de Jesus. Depois dos exércitos para impor a cruz, das conversões forçadas e das fogueiras para combater as heresias, continuamos a manter estruturas que nos equiparam aos reinos deste mundo... A Igreja, corpo de Cristo e seu sinal no mundo, necessita que o seu Estado com território (ainda que simbólico) seja equiparado a outros Estados políticos? A Igreja, esposa de Cristo, necessita de servidores que se comportam como se fossem funcionários superiores do império? A Igreja, serva de Cristo e dos homens, necessita de estruturas que funcionam, muitas vezes, apenas segundo a lógica do mercado e da política? Que sentido é que tudo isto faz?

    • Em termos pessoais, a Festa de Cristo Rei convida-nos, também, a repensar a nossa existência e os nossos valores. Diante deste "rei" despojado de tudo e pregado numa cruz, não nos parecem completamente ridículas as nossas pretensões de honras, de glórias, de títulos, de aplausos, de reconhecimentos? Diante deste "rei" que dá a vida por amor, não nos parecem completamente sem sentido as nossas manias de grandeza, as lutas para conseguirmos mais poder, as invejas mesquinhas, as rivalidades que nos magoam e separam dos irmãos? Diante deste "rei" que se dá sem guardar nada para si, não nos sentimos convidados a fazer da vida um dom?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 34º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 34º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA CELEBRADA NA EUCARISTIA.
    A Palavra de Deus não se limita ao tempo da proclamação e da escuta da Palavra. Na preparação da celebração, procurar que algumas expressões da liturgia da Palavra estejam presentes no momento penitencial, nalguma intenção da oração dos fiéis, num momento de acção de graças...

    3. BILHETE DE EVANGELHO.
    Na colina do Gólgota, os chefes zombam... os soldados troçam... um soldado injuria Jesus... Até ao fim Jesus encontrará a oposição e a incompreensão. A sua mensagem era perturbadora, o seu testemunho provocador, o seu rosto desfigurado, mesmo Deus parecia tê-l'O abandonado... É um malfeitor que reconhece no seu companheiro de infelicidade, também perto de morrer, o Rei de um outro Reino em que a única defesa é a do Amor. Então, vira-se para Jesus, de quem deve ter ouvido falar do seu Reino, e pede-Lhe somente para Se recordar dele quando vier inaugurar este Reino. Ora, a hora chegou, é hoje que estará com Ele no Paraíso. Aquele que foi malfeitor sobre a terra torna-se benfeitor no Reino, é isso a salvação. Isso passou-se na colina do Gólgota, numa certa sexta-feira da história...

    4. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Na oração do Pai Nosso, Jesus faz-nos pedir, e reza connosco: "Não nos deixeis cair em tentação". De facto, Jesus foi submetido à tentação e resistiu. A este propósito, Lucas dá uma estranha precisão, dizendo que o diabo afastou-se de Jesus até ao momento fixado. Este momento é quando Jesus é pregado na cruz. No deserto, o diabo tinha dito: "Se és o Filho de Deus..." Agora Jesus ouve: "Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também". É a mesma tentação: se Jesus é verdadeiramente o Messias, o Filho de Deus, deve dispor de toda a omnipotência de Deus. Então, que utilize este mesmo poder para cumprir um último milagre e despegar-Se da cruz. Até os seus inimigos ficariam confundidos. Mas Jesus resistiu. É porque algo de sumamente importante está aqui em jogo. Trata-se, uma vez mais, do verdadeiro rosto de Deus que Jesus veio revelar. Não um Deus todo-poderoso à maneira dos homens, mas um Deus Pai que só pode fazer uma coisa: amar, amar os seus inimigos, ainda e sempre, mesmo quando eles O rejeitam e crucificam o seu Filho bem-amado. Ora, se esta tentação acompanhou Jesus até à cruz, não é de admirar que ela acompanhe sempre os seus discípulos, que a própria Igreja não lhe escape! Na cruz, Jesus, o Rei, exerce outro poder, outra realeza. Não utiliza um poder à maneira do mundo. O segundo malfeitor, que chamamos de "bom ladrão", só pede uma coisa a Jesus: que Se lembre dele no seu Reino. O que ele pede não é que o livre da morte iminente, a mesma de Jesus! É que, depois da morte, Jesus Se lembre dele. Simplesmente, diz: "Jesus, preciso de ti". É um grito de pobreza. Então Jesus diz-lhe: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso". E o assassino tornou-se o primeiro homem a entrar com Jesus no Reino do Pai. Aí está o verdadeiro, o único poder de Jesus.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística para a Reconciliação nº IV, que recorda de modo mais explícito a história da salvação.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO DA VIDA...
    Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo... Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus: "Vamos com alegria para a casa do Senhor"...; "Deus Pai libertou-nos do poder das trevas... transferiu-nos para o reino do seu Filho muito amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados"...; "Jesus, lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza"... Procurar transformar as palavras de Deus em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida...

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

     

  • Apresentação da Virgem Santa Maria

    Apresentação da Virgem Santa Maria


    21 de Novembro, 2022

    A Apresentação de Maria ao templo de Jerusalém é descrita apenas nos evangelhos apócrifos. O imperador Justiniano mandou construir junto desse templo uma basílica, Santa Maria a Nova, que foi dedicada no dia 21 de Novembro de 543. A memória litúrgica da Apresentação de Maria começou a ser celebrada em Constantinopla, no século VIII, espalhando-se pouco a pouco no Oriente. No Ocidente, esta festa também se desenvolveu lentamente. Em 1472 foi alargada a algumas igrejas latinas, parecendo no Missal Romano apenas em 1505. É uma daquelas festas que, no dizer de Paulo VI, «para além do dado apócrifo, propõem conteúdos de alto valor exemplar e dão continuidade a veneráveis tradições» (Marialis cultus 8).
    Lectio
    Primeira leitura: Zacarias 2, 14-17

    Rejubila e alegra-te, filha de Sião, porque eis que Eu venho para morar no meio de ti - oráculo do Senhor. 15Naqueles dias, muitas nações se unirão ao Senhor e serão meu povo; habitarei no meio de ti, e saberás que o Senhor do universo me enviou a ti. 16O Senhor possuirá Judá como sua porção na Terra Santa e escolherá ainda Jerusalém. 17Cale-se toda a criatura diante do Senhor, porque Ele se eleva da sua morada santa.

    Este oráculo é provavelmente data da época da reconstrução do Templo de Jerusalém, quando alguns israelitas ainda estão longe da pátria e surgem fortes esperanças de renascimento.
    Os três versículos que escutamos são tirados da terceira das oito visões em que Zacarias escuta os oráculos do Senhor. Neles ecoa a convicção forte dos israelitas: Deus vive no meio do seu povo, a sua casa é o Templo de Jerusalém.
    O texto de Zacarias confirma a fé, dá esperança robustece a atitude, porque o Senhor está no Templo, garante nele a sua morada, e anuncia a sua disponibilidade para acolher todos, israelitas e gentios. Esta presença, que provoca júbilo, há-de levar também à contemplação silenciosa do mistério.

    Evangelho: Marcos 3, 31-35

    Naquele tempo, chegam sua mãe e seus irmãos que, ficando do lado de fora, o mandam chamar. 32A multidão estava sentada em volta dele, quando lhe disseram: «Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram.» 33Ele respondeu: «Quem são minha mãe e meus irmãos?» 34E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. 35Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.»

    Jesus ultrapassa a crise aberta com os seus familiares, particularmente com a Mãe e os irmãos, alargando os limites da familiaridade com Ele a quem quer que que cumpra a vontade de Deus. Os verdadeiros familiares do Senhor são aqueles que «fazem» a vontade de Deus: «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (v. 35). Na perspetiva de Jesus, a vontade de Deus não há-de feita com a atitude de um escravo que executa ordens do dono, mas com o dinamismo e a criatividade de alguém que sabe escutar e ser coerente com a Palavra escutada.
    Jesus é um verdadeiro mestre na arte de «fazer» a vontade do Pai. Maria é sua discípula fiel. Escuta, acredita e cumpre o que escuta e acredita «Feliz Aquela que acreditou».
    Meditatio

    A Apresentação de Maria ao Templo não tem qualquer fundamento bíblico. São os evangelhos apócrifos que falam desse presumível acontecimento. Mas é claramente improvável que uma rapariga tenha sido confiada ao clero de Jerusalém, num Templo inacessível a mulheres. Lemos no protoevangelho de Tiago: «Quando a menina completou três anos, Joaquim disse: «Chamai as meninas dos hebreus que não tenham qualquer mancha e tome cada uma delas uma lâmpada, uma lâmpada que não se apague. A menina não deverá voltar atrás e o seu coração não permanecerá fora do Templo do Senhor». Elas obedeceram àquela ordem e foram juntas ao Templo do Senhor. E o sacerdote acolheu a menina, tomou-a nos braços e abençoou-a dizendo: «O Senhor glorificou o teu nome em todas as gerações. Em ti, nos últimos dias, revelará a redenção que concede aos filhos de Israel». E mandou sentar a menina no terceiro degrau do altar. E o Senhor encheu-a de graça e ela dançou e tornou-se querida por toda a casa de Israel. Os seus pais deixaram o Templo cheios de admiração, louvando a Deus: a menina não procurou voltar atrás. E permaneceu no Templo do Senhor, semelhante a uma pomba, e a mão de um anjo oferecia-lhe o alimento» (Protoevangelho de Tiago 7, 2-8,1). É tudo muito bonito, mas é tudo muito «sobrenatural», bem pouco em sintonia com o realismo do mistério da Encarnação.
    A Santa Sé admitiu a festa somente em 1372, a pedido do embaixador do rei de Chipre "e de Jerusalém". Mas ela só aparece no Missal Romano a partir de 1505.
    O Lecionário litúrgico oferece-nos uma proposta unitária para tornar verosímil a interpretação do acontecimento: a tipologia da presença. As duas leituras detêm-se nessa modalidade relacional. O oráculo de Zacarias proclama a presença de Deus no Templo e transmite a palavra do próprio Deus que se apresenta, como que a explicar o sentido e o significado dessa decisão divina, que enche de alegria o povo e há-de levá-lo à contemplação. Se o mistério da presença de Deus no meio do seu povo era uma realidade no Antigo Testamento, mais o é no Novo Testamento. A Santíssima Humanidade de Cristo é o novo Templo, o novo ´lugar´ da Presença de Deus no meio de nós. Em Jesus, Deus torna-se presente ao homem, e o homem tem o caminho para se tornar presente a Deus. A primeira criatura que beneficiou dessa presença, e se apresentou a Deus, foi a Virgem Maria. Nela se realizou, como em ninguém jamais, a mútua presença e imanência: Deus apresentou-Se a Ela e Ela apresentou-se a Deus; Deus permaneceu nela, e Ela permaneceu em Deus. O evangelho refere a presença de Maria junto do seu Filho. Esta presença como que torna visível o mistério profundo que meditamos. As palavras de Jesus, sobre a identidade daqueles que Ele julga seus parentes, deixam clara a mensagem: o Senhor está presente junto da pessoa humana; sendo assim, a pessoa humana tem a porta aberta para se apresentar diante do Senhor. Se o Templo torna visível o encontro entre Deus e o homem, a Santíssima Humanidade de Cristo torna-o ainda mais visível.
    Tendo como pano de fundo o delicado símbolo da presença de uma menina na solenidade do Templo, isto é, a chamada «apresentação de Maria ao Templo», a liturgia hodierna leva-nos a meditar no sentido de uma apresentação de nós mesmos diante do Senhor. A própria presença diante do Senhor torna-se apresentação todas as vezes que é iluminada, explicada, motivada, cultivada pela consciência. O símbolo da apresentação de Maria ao Templo equivale, portanto, à consciência da identidade de Maria e da sua função junto do Messias, cada vez mais importante, primeiro por parte dos seus familiares e, depois, por parte da própria Virgem Maria e, finalmente, por parte dos outros crentes. O sentido fundamental é este: Maria está sempre na presença do Senhor, integralmente dedicada ao seu serviço, crescendo na consciência de si e da sua missão.
    Quando Deus se torna presente a nós em Jesus e na sua palavra, e nós nos tornamos presentes a Deus, em Jesus, e guardamos a sua palavra, também nos tornamos felizes, bem-aventurados, como Aquela que recebeu no seu ventre, transportou e deu à luz Jesus Cristo, nossa Bem-aventurança.
    Oratio

    Salve santa Maria, filha de Israel e guarda do Evangelho. Tu deste-te inteiramente ao Senhor. Para viveres na sua presença, escolheste uma vida de oração, de trabalho e de silêncio. A tua vida tornou-se um templo em que Deus veio habitar. A tua alegria e a tua felicidade eram servi-l´O dia e noite, vivendo na sua presença. «Bem-aventurados os que habitam na vossa casa, Senhor! Bem-aventurados os que só do Senhor esperam o seu apoio e o seu socorro. Os seus corações elevar-se-ão de grau em grau e avançarão sem cessar na virtude», diz o Salmo. Santa Maria, apresentada ao Templo, tu és para nós modelo da vida no Espírito, modelo do dom de nós mesmos a Deus. Faz-me compreender bem a vida de abandono e entrega ao Senhor. Por isso, me consagro a vós e ao Coração Jesus. Ámen.
    Contemplatio

    Maria não tinha senão três anos, mas já tinha a razão desenvolvida e estava avançada em graça. Unia-se à recitação e ao canto dos belos salmos que os seus pais Ana e Joaquim diziam com tanto fervor. E a graça divina falava ao mesmo tempo ao seu coração. Podemos pensar que impressão fazia sobre esta alma cândida o salmo 83: «Como são amáveis os vossos tabernáculos. Deus das virtudes! A minha alma suspira e desfalece para ir até aos átrios do Senhor... Bem-aventurados os que habitam na vossa casa, ó meu Deus...». - E enquanto ela recitava e saboreava estas aspirações, a graça solicitava a sua alma. O Verbo divino dizia-lhe como no salmo 44: «Escuta, minha filha, vê, presta atenção ao meu apelo: esquece o teu povo e a casa de teu pai...». E acrescentava baixinho: «O rei está encantado com a tua beleza e quer ter-te na sua casa e na sua intimidade». A santa criança escutava e compreendia o apelo divino. Nada a pode reter. Diz aos seus pais bem amados: «Tenho sede de habitar no templo para me consagrar inteiramente à oração e ao serviço de Deus». Ana e Joaquim acederam ao seu desejo, como outrora a mãe de Samuel. Foi uma explosão de alegria no coração da santa criança: «Alegrei-me quando me disseram que irei para a casa do Senhor». (Sl 121) (Leão Dehon, OSP 4, p. 477).
    Actio

    Repete hoje estas palavras:
    «Feliz aquele que faz a vontade do Senhor» (cf. Mc 3, 25).

     

    ----

    Apresentação da Virgem Santa Maria (21 de Novembro)

  • 01º Domingo do Advento - Ano A

    01º Domingo do Advento - Ano A


    27 de Novembro, 2022

    ANO A
    1.º DOMINGO DO ADVENTO
    Tema do 1.º Domingo do Advento

    A liturgia deste domingo apresenta um apelo veemente à vigilância. O cristão não deve instalar-se no comodismo, na passividade, no desleixo, na rotina, na indiferença; mas deve caminhar, sempre atento e vigilante, preparado para acolher o Senhor que vem e para responder aos seus desafios.

    A primeira leitura convida os homens - todos os homens, de todas as raças e nações - a dirigirem-se à montanha onde reside o Senhor. É do encontro com o Senhor e com a sua Palavra que resultará um mundo de concórdia, de harmonia, de paz sem fim.

    A segunda leitura recomenda aos crentes que despertem da letargia que os mantém presos ao mundo das trevas (o mundo do egoísmo, da injustiça, da mentira, do pecado), que se vistam da luz (a vida de Deus, que Cristo ofereceu a todos) e que caminhem, com alegria e esperança, ao encontro de Jesus, ao encontro da salvação.

    O Evangelho apela à vigilância. O crente ideal não vive mergulhado nos prazeres que alienam, nem se deixa sufocar pelo trabalho excessivo, nem adormece numa passividade que lhe rouba as oportunidades; o crente ideal está, em cada minuto que passa, atento e vigilante, acolhendo o Senhor que vem, respondendo aos seus desafios, cumprindo o seu papel, empenhando-se na construção do "Reino".

     

    LEITURA I - Is 2, 1-5
    Leitura do Livro de Isaías

    Visão de Isaías, filho de Amós,
    acerca de Judá e de Jerusalém:
    Sucederá, nos dias que hão de vir,
    que o monte do templo do Senhor
    se há de erguer no cimo das montanhas
    e se elevará no alto das colinas.
    Ali afluirão todas as nações
    e muitos povos ocorrerão, dizendo:
    «Vinde, subamos ao monte do Senhor,
    ao templo do Deus de Jacob.
    Ele nos ensinará os seus caminhos
    e nós andaremos pelas suas veredas.
    De Sião há de vir a lei
    e de Jerusalém a palavra do Senhor».
    Ele será juiz no meio das nações
    e árbitro de povos sem número.
    Converterão as espadas em relhas de arado
    e as lanças em foices.
    Não levantará a espada nação contra nação,
    nem mais se hão de preparar para a guerra.
    Vinde, ó casa de Jacob,
    caminhemos à luz do Senhor.

     

    AMBIENTE

    O texto de Is 2,2-4 encontra-se - com algumas variantes e uma adição - em Mi 4,1-3, o que parece favorecer a hipótese de uma fonte comum, anterior a Isaías e a Miqueias, na qual os redatores dos dois livros se teriam inspirado (embora haja quem defenda, mais simplesmente, que o texto original é de Isaías e que Miqueias apenas o reproduziu com variantes).

    Pelo conteúdo estamos, provavelmente, diante de um oráculo inspirado nas grandes movimentações de peregrinos que, por alturas das festas, sobem para Jerusalém. Imaginemos, como hipótese, que o poeta contempla desde o monte Sião a chegada das caravanas israelitas que acorrem em peregrinação para celebrar uma festa popular - por exemplo, a festa das Tendas... Ele nota que essas caravanas procedem de todas as partes do território habitado pelo Povo de Deus; vê-las convergir para a cidade santa, subir pela colina em direção ao Templo onde reside Deus; à medida que se aproximam, o poeta ouve distintamente os "cânticos de ascensão" com que os peregrinos saúdam o Senhor e pedem a paz para Jerusalém e para toda a nação... Subitamente, na fantasia do poeta, a cena transforma-se: ele vê, num futuro sem data definida, uma multidão de povos de todas as raças e nações que, atraídas por Jahwéh, se dirigem ao encontro da salvação de Deus. É, provavelmente, um "sonho" destes que dá origem a este oráculo escatológico. Estamos diante de um dos oráculos mais inspirados, mais profundos e mais bonitos de todo o Antigo Testamento.

    MENSAGEM

    O nosso oráculo é o poema da paz universal e da convergência de todos os povos à volta de Deus.

    Na visão do profeta, o "monte do Senhor" (o monte do Templo) eleva-se e transforma-se no centro do mundo, sobressaindo entre todos os montes, não por ser o mais alto, mas por ser a morada de Jahwéh (vers. 2a.b). De todas as partes do mundo vêem-se convergir caravanas de povos e de nações que avançam, confluem e sobem montanha acima, ao encontro do Senhor (vers. 2c-3a)... Quem foi que os convocou, que força os atrai?

    A resposta está no próprio cântico que acompanha a caminhada de toda esta gente: eles vêm atraídos pela força irresistível da Palavra de Deus; querem conhecer o ensinamento (Torah) e ser instruídos nos caminhos de Jahwéh (vers. 3b.c.d.e). A Palavra salvadora e libertadora de Jahwéh atrai e agarra todos os povos que percorrem os caminhos do mundo, lança-os num movimento único e universal, reúne-os à volta de Deus.

    À medida que todos se juntam à volta de Deus, escutam a sua Palavra e aprendem os seus caminhos, as divisões, as hostilidades, os conflitos da humanidade vão-se desvanecendo. Primeiro, eles aceitam a arbitragem justa e pacífica de Deus (vers. 4a); depois, compreendem que não são necessárias armas: as máquinas de guerra transformam-se em instrumentos pacíficos de trabalho e de vida (vers. 4b.c.d). Do encontro com Deus e com a sua Palavra, resulta a harmonia, o progresso, o entendimento entre os povos, a vida em abundância, a paz universal.

    Este quadro é o reverso de Babel... Na história da torre de Babel (cf. Gn 11,1-9), os homens escolheram o confronto com Deus, o orgulho e a autossuficiência; e isso conduziu à divisão, ao conflito, à confusão, à falta de entendimento, à dispersão... Agora, os homens escolheram escutar Deus e seguir os caminhos indicados por Ele; o resultado é a reunião de todos os povos, o entendimento, a harmonia, o progresso, a paz universal. Quando se realizará esta profecia?

     

    ATUALIZAÇÃO

    Para a reflexão pessoal, considerar os seguintes elementos:

    • O sonho do profeta começa a realizar-se em Jesus. Ele é a Palavra viva de Deus, que Se fez carne e veio habitar no meio de nós, a fim de trazer a "paz aos homens" amados por Deus (cf. Lc 2,14); da escuta dessa Palavra, nasce a comunidade universal da salvação, aberta a todos os povos da terra (cf. At 2,5-11), de que fala a leitura que nos é proposta. Se é verdade que todo o processo tem a marca da iniciativa divina, também é verdade que o homem tem de responder positivamente à ação de Deus: tem de escutar essa proposta, acolhê-la no coração e na vida, partir ao encontro de Deus (a leitura fala de uma peregrinação à montanha sagrada). Estamos a começar o tempo de preparação para acolher Jesus (Advento) e a proposta de salvação que, através d'Ele, o Pai quer fazer aos homens: estamos dispostos a ir ao seu encontro, a acolhê-l'O, a escutar a sua Palavra, a aderir a essa proposta de vida que Ele veio fazer?
    • Um olhar, ainda que desatento, ao mundo que nos rodeia, revela que estamos muito longe dessa terra ideal de justiça e de paz, construída à volta de Deus e da sua Palavra - apesar de Jesus, a Palavra viva de Deus, ter vindo ao nosso encontro há já dois mil anos... O que é que está a impedir ou, pelo menos, a atrapalhar a chegada desse mundo de justiça e de paz? Nisso, eu não terei a minha parte de responsabilidade? Que posso eu fazer para que o sonho de Isaías - o sonho de todos os homens de boa vontade - se concretize?

     

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 121 (122)
    Refrão: Vamos com alegria para a casa do Senhor.

     

    Alegrei-me quando me disseram:
    «Vamos para a casa do Senhor».
    Detiveram-se os nossos passos
    às tuas portas, Jerusalém.

    Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor,
    segundo costume de Israel, para celebrar o nome do Senhor;
    ali estão os tribunais da justiça,
    os tribunais da casa de David.

    Pedi a paz para Jerusalém:
    «Vivam seguros quantos te amam.
    Haja paz dentro dos teus muros,
    tranquilidade em teus palácios».

    Por amor de meus irmãos e amigos,
    pedirei a paz para ti.
    Por amor da casa do Senhor,
    pedirei para ti todos os bens.

    LEITURA II - Rom 13, 11-14
    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Vós sabeis em que tempo estamos:
    Chegou a hora de nos levantarmos do sono,
    porque a salvação está agora mais perto de nós
    do que quando abraçámos a fé.
    A noite vai adiantada e o dia está próximo.
    Abandonemos as obras das trevas
    e revistamo-nos das armas da luz.
    Andemos dignamente, como em pleno dia,
    evitando comezainas e excessos de bebida,
    as devassidões e libertinagens, as discórdias e os ciúmes;
    não vos preocupeis com a natureza carnal,
    para satisfazer os seus apetites,
    mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.

    AMBIENTE

    Quando Paulo redige a Carta aos Romanos, está em Corinto, no termo da sua terceira viagem missionária... Prepara-se para partir para Jerusalém com o produto da coleta que organizou na Macedónia e na Acaia em benefício dos "santos de Jerusalém que estão na pobreza" (1 Cor 16,1; cf. Rom 15,25-26). Paulo acha que terminou a sua missão no oriente (cf. Rom 15,19-20) e quer, agora, levar o Evangelho ao ocidente. Estamos no ano 57 ou 58.

    O pretexto da carta é preparar a ida de Paulo a Espanha (cf. Rom 15,24)... Na realidade, Paulo aproveita para contactar a comunidade de Roma e para apresentar aos romanos (e aos crentes, em geral) os principais problemas que o preocupam... Estamos numa altura em que o perigo da divisão ameaça a Igreja: de um lado, estão as comunidades de origem judeo-cristã e, de outro, as comunidades pagano-cristãs; uns e outros têm algumas dificuldades de entendimento e há um perigo real de cisão. Paulo escreve, então, sublinhando a unidade da fé e chamando a atenção para a igualdade fundamental de todos - judeo-cristãos e pagano-cristãos - no processo da salvação.

    A primeira parte da Carta aos Romanos (cf. Rom 1,18-11,36) é de carácter dogmático e procura mostrar que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente; a segunda parte (cf. Rom 12,1-15,13) é de carácter prático e exorta judeo-cristãos e pagano-cristãos a viver no amor.

    O texto que hoje nos é proposto pertence à segunda parte da carta. Depois de exortar os cristãos que pertencem à comunidade de Roma ao amor mútuo (cf. Rom 13,8-10), Paulo pede-lhes que estejam vigilantes e preparados, a fim de acolher o Senhor que vem.

    MENSAGEM

    Referindo-se à "hora" que os cristãos estão a viver, Paulo pede-lhes que se levantem "do sono, porque a salvação está agora mais perto". Ao dizer que a salvação está perto, o que é que Paulo está a sugerir?

    Paulo pensava, certamente, na vinda mais ou menos iminente de Jesus Cristo, a fim de concluir a história da salvação; no entanto, a ausência de especulações apocalípticas mostra claramente que o interesse de Paulo não é no "quando" e no "como", mas no significado e nas consequências dessa vinda. O facto que aqui interessa é, portanto, que os cristãos estão a viver os "últimos tempos" (que começaram quando Jesus deixou o mundo e encarregou os discípulos de serem testemunhas da salvação diante dos homens) antes da vinda de Jesus... Quais as consequências disso?

    Antes de serem batizados, os cristãos viviam nas trevas e a sua vida estava pontuada pelo egoísmo (excessos de comida e de bebida, devassidões, libertinagens, discórdias e ciúmes); mas, com o Batismo, eles nasceram para uma nova realidade... É para essa realidade de uma vida nova, liberta do egoísmo e do pecado, que eles devem acordar definitivamente, enquanto esperam o Senhor que vem: quando o Senhor chegar, deve encontrá-los despidos do velho mundo das trevas; e deve encontrá-los atentos e preparados, revestidos dessa vida nova que Cristo lhes ofereceu, vivendo na fé, no amor, no serviço.

    Fundamentalmente, há aqui um convite a que os crentes vivam este "tempo" como um tempo último e definitivo, que tem de ser um tempo de caminhada ao encontro de Jesus Cristo e ao encontro da salvação.

    ATUALIZAÇÃO

    Considerar as seguintes questões:

    • A questão fundamental que está em jogo neste texto é a da conversão: os crentes são convidados a deixar a vida das trevas e embarcar, decididamente, na vida da luz... As "trevas" caracterizam essa realidade negativa que produz mentira, injustiça, opressão, medo, cobardia, materialismo (e que é uma realidade que toca tantas vezes, direta ou indiretamente, a nossa existência); a "luz" é a realidade de quem vive na dinâmica de Deus... Falar de "conversão" implica falar de uma transformação profunda das estruturas e dos corações... Quais são, na sociedade, as estruturas que são responsáveis pelas "trevas" que envolvem a vida de tantos homens? O que é que na Igreja é menos "luminoso" e necessita de conversão? O que é que em mim próprio é necessário transformar com urgência?
    • Quase todos nós somos pessoas razoáveis e sérias e não andamos todos os dias em bebedeiras, devassidões, libertinagens e discórdias; mas, apesar da nossa bondade e seriedade, é possível que o cansaço, a monotonia, a preguiça nos adormeçam, que caiamos na indiferença, na inércia, na passividade, no comodismo; é possível que deixemos correr as coisas e que esqueçamos os compromissos que um dia assumimos com Jesus e com o "Reino"... É para nós que Paulo grita: "acordai!; renovai o vosso entusiasmo pelos valores do Evangelho; é preciso estar preparado - sempre preparado - para acolher o Senhor que vem".
    • Há também, neste texto, um convite à esperança: "o Senhor vem! A noite vai adiantada e o dia está próximo". Deus não nos abandona; Ele continua a vir ao nosso encontro e a construir connosco esse mundo novo de justiça e de paz... Por muito que nos assustem as trevas que envolvem o mundo, a presença de Deus garante-nos que a injustiça, a exploração, a morte não são o final inevitável: a última palavra que a história vai ouvir é a Palavra libertadora e salvadora de Deus.

     

    ALELUIA - Salmo 84, 8
    Aleluia. Aleluia.
    Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia
    e dai-nos a vossa salvação.

     

    EVANGELHO - Mt 24, 37-44
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Como aconteceu nos dias de Noé,
    assim sucederá na vinda do Filho do homem.
    Nos dias que precederam o dilúvio,
    comiam e bebiam, casavam e davam em casamento,
    até ao dia em que Noé entrou na arca;
    e não deram por nada,
    até que veio o dilúvio, que a todos levou.
    Assim será também na vinda do Filho do homem.
    Então, de dois que estiverem no campo,
    um será tomado e outro deixado;
    de duas mulheres que estiverem a moer com a mó,
    uma será tomada e outra deixada.
    Portanto, vigiai,
    porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor.
    Compreendei isto:
    se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão,
    estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa.
    Por isso, estai vós também preparados,
    porque na hora em que menos pensais,
    virá o Filho do homem.

    AMBIENTE

    Os capítulos 24 e 25 do Evangelho segundo Mateus apresentam o último grande discurso de Jesus antes da sua paixão e morte. Para compô-lo, Mateus reelaborou o chamado "discurso escatológico" de Marcos (cf. Mc 13), ampliando-o e mudando substancialmente o tema central: se no discurso transmitido por Marcos a questão principal é a dos sinais que precederão a destruição de Jerusalém e do Templo, no discurso reelaborado por Mateus a questão central é a da vinda do Filho do homem e das atitudes com que os discípulos devem preparar a dita vinda.

    Esta mudança de perspetiva pode explicar-se a partir da situação em que vivia a comunidade de Mateus e com as suas necessidades. Estamos na década de 80. Passaram dez anos sobre a destruição de Jerusalém e ainda não aconteceu a segunda vinda de Jesus. Os crentes estão desanimados e desiludidos... O evangelista contempla com preocupação os sinais de abandono, de desleixo, de rotina, de esfriamento que começam a aparecer na comunidade e sente que é preciso renovar a esperança e levar os crentes a comprometer-se na história, construindo o "Reino". Nesta situação, Mateus descobre que as palavras de Jesus encerram um profundo ensinamento e compõe com elas uma exortação dirigida aos cristãos. Esta exortação fundamenta-se numa profunda convicção: a vinda do "Filho do homem" é um facto certo, ainda que não aconteça em breve; enquanto não chega o momento, é preciso preparar este grande acontecimento, vivendo de acordo com os ensinamentos de Jesus.

    A linguagem destes capítulos é estranha e enigmática... Trata-se, no entanto, de um género usado com alguma frequência por alguns grupos judeus e cristãos da época de Jesus. É a linguagem "apocalíptica", porque o seu objetivo é "revelar algo escondido" ("apocaliptô"). Em muitas ocasiões, esta revelação é dirigida a comunidades que vivem numa situação de sofrimento, de desespero, de perseguição; o objetivo é animá-las, dar-lhes esperança, mostrar-lhes que a vitória final será de Deus e dos que lhe forem fiéis.

    MENSAGEM

    Para Mateus, a vinda do Senhor é certa, embora ninguém saiba o dia nem a hora (cf. Mt 24,36); aos crentes resta estar vigilantes, preparados e ativos... Para transmitir esta mensagem, Mateus usa três quadros...

    O primeiro (vers. 37-39) é o quadro da humanidade na época de Noé: os homens viviam, então, numa alegre inconsciência, preocupados apenas em gozar a sua "vidinha" descomprometida; quando o dilúvio chegou, apanhou-os de surpresa e impreparados... Se o "gozar" a vida ao máximo for para o homem a prioridade fundamental, ele arrisca-se a passar ao lado do que é importante e a não cumprir o seu papel no mundo.

    O segundo (vers. 40-41) coloca-nos diante de duas situações da vida quotidiana: o trabalho agrícola e a moagem do trigo... Os compromissos e trabalhos necessários à subsistência do homem também não podem ocupá-lo de tal forma que o levem a negligenciar o essencial: a preparação da vinda do Senhor.

    O terceiro (vers. 43-44) coloca-nos frente ao exemplo do dono de uma casa que adormece e deixa que a sua casa seja saqueada pelo ladrão... Os crentes não podem, nunca, deixar-se adormecer, pois o seu adormecimento pode levá-los a perder a oportunidade de encontrar o Senhor que vem.

    A questão fundamental é, portanto, esta: o crente ideal é aquele que está sempre vigilante, atento, preparado, para acolher o Senhor que vem. Não perde oportunidades, porque não se deixa distrair com os bens deste mundo, não vive obcecado com eles e não faz deles a sua prioridade fundamental... Mas, dia a dia, cumpre o papel que Deus lhe confiou, com empenho e com sentido de responsabilidade.

    ATUALIZAÇÃO

    A reflexão deste texto pode partir dos seguintes dados:

    • O que é que significa para nós "estar vigilantes", "estar atentos", "estar preparados" para acolher o Senhor? Significa ter a "alminha" na "graça de Deus" para que, se a morte chegar de repente, Deus não consiga encontrar em nós qualquer pecado não confessado e não tenha qualquer razão para nos mandar para o inferno? Significa, fundamentalmente, acolher todas as oportunidades de salvação que Deus nos oferece continuamente... Se Ele vem ao meu encontro, me desafia a cumprir uma determinada missão e eu prefiro continuar a viver a minha "vidinha" fácil e sem compromisso, estou a perder uma oportunidade de dar sentido à minha vida; se Ele vem ao meu encontro, me convida a partilhar algo com os meus irmãos mais pobres e eu escolho a avareza e o egoísmo, estou a perder uma oportunidade de abrir o meu coração ao amor, à alegria, à felicidade...
    • O Evangelho que nos é proposto apresenta alguns dos motivos que impedem o homem de "acolher o Senhor que vem"... Fala da opção por "gozar a vida", sem ter tempo nem espaço para compromissos sérios; quanta gente, ao domingo, tem todo o tempo do mundo para dormir até ao meio dia, mas não para celebrar a fé com a sua comunidade cristã... Fala do viver obcecado com o trabalho, esquecendo tudo o mais; quanta gente trabalha quinze horas por dia e esquece que tem uma família e que os filhos precisam de amor... Fala do adormecer, do instalar-se, não prestando atenção às realidades mais essenciais; quanta gente encolhe os ombros diante do sofrimento dos irmãos e diz que não tem nada com isso, pois é o governo ou o Papa que têm que resolver a situação... E eu: o que é que na minha vida me distrai do essencial e me impede, tantas vezes, de estar atento ao Senhor que vem?
    • Neste tempo de preparação para a celebração do nascimento de Jesus, sou convidado a recentrar a minha vida no essencial, a redescobrir aquilo que é importante, a estar atento às oportunidades que o Senhor, dia a dia, me oferece, a acordar para os compromissos que assumi para com Deus e para com os irmãos, a empenhar-me na construção do "Reino"... É essa a melhor forma - ou melhor, a única forma - de preparar a vinda do Senhor.

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 1.º DOMINGO DO ADVENTO
    (em parte adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 1º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    1. GESTO DE RECOLHIMENTO E DE ACOLHIMENTO:

    O gesto-símbolo para este primeiro domingo poderia ser: começar por nos sentarmos em silêncio, depois do presidente da assembleia ter dito, por exemplo: "Irmãos e irmãs, façamos silêncio, é preciso vigiar, o Senhor vem...". Depois, após um bom momento de recolhimento, entoa-se o cântico de entrada seguido da palavra de acolhimento; ou o presidente profere umas palavras de acolhimento, seguindo-se o cântico de entrada.

    1. FAZER A PROCISSÃO DO LIVRO DA PALAVRA.

    Depois da oração de coleta, que conclui o rito de abertura da celebração, o lecionário é trazido do fundo da igreja por um leigo, rodeado de quatro crianças com velas acesas ou lamparinas. Depois da leitura do Evangelho, o lecionário é colocado, aberto, num lugar preparado e visível para toda a assembleia.

    1. BILHETE DE EVANGELHO.

    Aos homens sem armas, Deus promete a vitória da Paz. Um homem desarmado é um homem vulnerável... mas ele pode também desarmar os violentos que lhe fazem face. Jesus veio precisamente desarmar os homens. Apresenta-Se como "Príncipe da Paz". Proclama felizes os construtores de Paz, porque a Paz é uma obra: faz-se a Paz, infelizmente também se faz a guerra. Neste período da nossa história marcado pela violência, apresentemo-nos sem armas: apenas com a da reconciliação, dando um passo; a do diálogo, escutando e falando; a do respeito, olhando e ousando falar; a da solidariedade, estendendo a mão... Os desarmados não são pessoas que baixam os braços dizendo: "nunca se conseguirá!" A vitória é-lhes assegurada pelo próprio Deus: "Glória a Deus e paz na terra aos homens por Ele amados!"

    1. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Deus nosso Pai! Numa humanidade ferida pelas espadas e pelas lanças das querelas e das guerras, Tu revelaste o caminho da paz, comunicando a Palavra e instruindo o teu povo.
    Nós Te pedimos pelas Igrejas espalhadas por todo o universo: que elas irradiem a tua luz para traçar no mundo o caminho da paz.

    No final da segunda leitura:
    Deus Nosso Pai, nós Te bendizemos pelo tempo da salvação: Tu nos anuncias o fim da noite e a vinda do dia, e em cada domingo se torna presente a ressurreição do teu Filho, Jesus, nosso irmão.
    Nós Te pedimos por nós mesmos: guarda-nos das atividades das trevas, reveste-nos para o combate da luz, reveste-nos do Senhor Jesus.

    No final do Evangelho:
    Nós Te damos graças, ó Pai, pela tua vigilância e pela tua solicitude: mesmo nas infelicidades da nossa terra, Tu vigias os teus fiéis, com atenção e bondade.
    Nós Te pedimos ainda: que o teu Espírito nos torne atentos e preparados, que o teu Filho Jesus nos encontre em situação de vigilância, na oração e na atenção ao próximo.

    1. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, por se relacionar mais explicitamente com os textos da liturgia da Palavra de hoje...

    1. PALAVRA EXPLICADA 1: SIÃO.

    SIÃO. É a antiga denominação do lugar de Jerusalém, antes da instalação dos Hebreus. Em sentido estrito, este nome designa a colina sul da cidade, mas foi estendido em seguida a toda a cidade (2Re 19,31). É aplicado, em particular, ao lugar do templo (Is 2,3, primeira leitura deste domingo), como lugar da presença de Deus (Am 1,2). A população da cidade era chamada "Filha de Sião", como é indicado pelos Evangelhos para a entrada de Jesus em Jerusalém (Mt 21,5 e Jo 12,15, que citam Zac 9,9 e Is 62,11). Nas visões cristãs do mundo que virá, o monte Sião é transposto para o céu, para a grande reunião da multidão dos eleitos (os 144.000 segundo Ap 14,1), na cidade celeste do Deus vivo (Heb 12,22). Antigas tradições cristãs situavam igualmente, nesta mesma colina de Sião, o local (chamado cenáculo) no qual Jesus tinha celebrado a Ceia, considerando também como o lugar onde se encontravam os apóstolos no Pentecostes (At 2,1). Nesta compreensão, Sião era, pois, o lugar de nascimento da Igreja. Na liturgia, isso orientou a compreensão dos salmos, que evocam Sião e a sua aplicação à Igreja.

    1. PALAVRA EXPLICADA 2: VIGÍLIA.

    VIGÍLIA. A oração na noite é uma originalidade cristã, como testemunham já os Atos a propósito da prisão de Pedro (12,12), depois de Paulo e de Silas (16,25), e a propósito do encontro de Troas (20,7). Por volta do ano 250, um regulamento de comunidade ("Tradição Apostólica" 41) justificava a vigília pela parábola do cortejo nupcial e o convite de Cristo a vigiar (Mt 25,6.13), para acrescentar: "os antigos que transmitiram a tradição ensinaram-nos assim que a esta hora toda a criação repousa um momento para louvar o Senhor: os astros, as árvores, as águas e todos os anjos, com as almas dos justos. Eis a razão pela qual aqueles que creem devem apressar-se em rezar a esta hora". Do século IV veio-nos o testemunho de São Basílio de Cesareia: "Entre nós, durante a noite, o povo levanta-se para se dirigir à casa de oração. Depois de passar a noite numa salmodia repartida em vários coros e na qual intercalam orações, quando o dia começa já a aparecer, todos juntos, numa só voz e num só coração, fazem subir para o Senhor o salmo da confissão".

    1. ATENÇÃO ÀS CRIANÇAS: Pensar em Jesus!

    Durante a celebração, se houver a coroa de Advento com as quatro velas, pode-se pedir às crianças para acender a primeira vela, com uma palavra de introdução. Mas pode-se também pensar em algo relacionado com as palavras de Jesus no Evangelho: "na hora em que menos pensais..." No fundo, ao longo dos dias, pensamos regularmente em Jesus? Um modo de fazer as crianças pensar em Jesus é entregar a cada uma, no final da celebração, uma pequena carta, com o título: "Advento 2016 - Eu penso em ti, Jesus!" E, por baixo, as crianças anotarão, durante a semana, os momentos em que terão pensado em Jesus.

    1. PALAVRA PARA O CAMINHO.

    Vigiai! Para esperar o quê? Ou quem? Que esperamos concretamente? Vigiai! Como no tempo de Noé ou de Jesus, estamos absorvidos por tantos interesses! Vigiai! A vida é curta! Paulo indica-nos alguns meios muito práticos para ficar vigilantes e reorientar a nossa espera. Vigiai! Em tempo de Advento, em cada dia da semana que nos é dada para viver!

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org  – www.dehonianos.org

  • S. André, Apóstolo

    S. André, Apóstolo


    30 de Novembro, 2022

    André era discípulo de João Batista, e companheiro de João Evangelista. Quando o Precursor apontou Jesus que passava, dizendo: "Eis o cordeiro de Deus" (cf. Jo 1, 35-40) tornou-se imediatamente discípulo do Senhor. Logo a seguir, comunicou a Pedro, seu irmão a descoberta do Messias (cf. Jo 1, 41s.). Jesus chamou a ambos para se tornarem "pescadores de homens" (Mt 4, 18s.). É André que, na multiplicação dos pães indica a Jesus o rapaz que tem cinco pães e dois peixes (Jo 6, 8s.). Com Filipe, André refere a Jesus que alguns gregos O querem ver (Jo 12, 20s.). A tradição reconhece em Santo André o evangelizador da Acaia (Grécia) e em Patras o lugar onde morreu após dois dias de suplício na Cruz, donde anunciou Cristo até ao último momento.
    Lectio
    Primeira leitura: Romanos 10,9-18

    Irmãos: Se confessares com a tua boca: «Jesus é o Senhor», e acreditares no teu coração que Deus o ressuscitou de entre os mortos, serás salvo. 10É que acreditar de coração leva a obter a justiça, e confessar com a boca leva a obter a salvação. 11É a Escritura que o diz: Todo o que nele acreditar não ficará frustrado. 12Assim, não há diferença entre judeu e grego, pois todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam. 13De facto, todo o que invocar o nome do Senhor será salvo. 14Ora, como hão-de invocar aquele em quem não acreditaram? E como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão-de ouvir falar, sem alguém que o anuncie? 15E como hão-de anunciar, se não forem enviados? Por isso está escrito: Que bem-vindos são os pés dos que anunciam as boas-novas! 16Porém, nem todos obedeceram à Boa-Nova. É Isaías quem o diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? 17Portanto, a fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo. 18Mas, pergunto eu, será que não a ouviram? Pelo contrário: A voz deles ressoou por toda a terra e até aos confins do mundo as suas palavras.

    A fé leva à salvação quando nos abandonamos a Deus, reconhecendo-O como único Salvador. Mas a fé pressupõe a escuta da Palavra, pela pregação dos missionários. A pregação e a fé têm o mesmo objeto: o mistério de Jesus-Senhor, morto e ressuscitado pelo poder de Deus Pai. Por isso, quando alguém acredita, expropria-se de si mesmo e torna-se propriedade de Deus, garante e fundamento de toda a confiança dos homens n´Ele. Mas também a pregação pressupõe um evento histórico absolutamente necessário: ter sido enviado. Por outras palavras, a pregação pressupõe a missão. A mensagem evangélica, destinada a todos os povos, passa pela escolha que Jesus faz das suas testemunha e pelo seu envio em missão: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura." (Mc 16, 15).
    Evangelho: Mateus 4, 18-22

    Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. 19Disse-lhes: «Vinde comigo e Eu farei de vós pescadores de homens.» 20E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no. 21Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com seu pai, Zebedeu, consertavam as redes, dentro do barco. Chamou-os, e 22eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-no.

    Jesus reúne à sua volta alguns discípulos aos quais dirige um especial ensinamento, porque os quer como discípulos e como testemunhas. Depois da Ressurreição, enviá-los-á ao mundo inteiro. Os Doze, de pescadores de peixes, tornam-se pescadores de homens. É o que Jesus lhes garante: "farei de vós pescadores de homens" (v. 19). André, com o seu irmão Simão, é um dos primeiros a ouvir o chamamento de Jesus e a segui-l´O. Mateus realça a prontidão com que o fizeram: "E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (v. 20). O seguimento de Jesus não admite hesitações ou demoras. Exige radicalidade!
    Meditatio

    A adesão pronta de André, e dos outros apóstolos, ao seguimento de Jesus e à missão que lhes confiava, permitiram-lhes levar a "Boa Notícia" da salvação aos confins da terra. A fé, adesão a Cristo e ao projeto de salvação que nos propõe, vem da escuta da Palavra, isto é, de Cristo, Palavra definitiva de Deus aos homens. Pregar essa Palavra, para que todos possam conhecê-la e aderir-lhe é, ainda hoje, a missão da Igreja.
    Somos, pois, convidados a escutar a Palavra, a acolhê-la no coração. É, sem dúvida, uma palavra exigente. Mas é Palavra salutar. Por isso, não podemos cair na tentação de lhe fechar os nossos ouvidos. Tal como certos remédios, a Palavra pode fazer-nos momentaneamente sofrer. Mas é a nossa salvação.
    A palavra é também alimento. Os profetas dizem que Deus promoverá no mundo uma fome, não de pão, mas da sua Palavra. Precisamos de experimentar essa fome, sabendo que a Palavra de Deus nos pode saciar para além de todas as realidades terrestres, e muito mais do que podemos imaginar.
    A palavra de Deus é exigência. Jesus fala de uma semente que deve crescer e espalhar-se por todo o lado. É a Palavra que torna fecundo o apostolado. Não pregamos palavras nossas, mas a Palavra que escutamos e acolhemos, e nos impele a proclamá-la, para pôr os homens em comunhão com Deus.
    S. João ensina-nos que não é fácil escutar a palavra, porque não é fácil ser dóceis a Deus. Mas só quem dócil ao Pai, escuta a sua Palavra: "Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim" (Jo 6, 45).
    A Palavra é a nossa felicidade. A palavra, meio de comunicação humana por excelência, permite-nos comunicar com Deus. Para entrar em comunicação e em comunhão com Deus, havemos de acolher a sua Palavra em nós.
    Que Santo André nos ensine a escutar e a acolher a Palavra de Deus, para estarmos em comunhão com Ele e uns com os outros.
    Oratio

    Senhor, abre-nos os ouvidos e o coração à tua Palavra para que estejamos dispostos a seguir-te em radicalidade evangélica e a ser tuas testemunhas onde e como dispuseres. Que a tua Palavra ecoe, hoje, mais eficazmente do que nunca. Que nos demos conta da tua presença e a reconheçamos, hoje, mais do que nunca, sobretudo os que somos jovens. Abandonados à tua solicitude de pastor, não faltarão vocações à tua Igreja. Ámen.
    Contemplatio

    Santo André foi um dos apóstolos que melhor compreendeu e saboreou o mistério da cruz. O seu bom coração foi penetrado pela graça do Calvário. Pregou a cruz na Cítia, no Ponto e noutras regiões. Desejava morrer sobre a cruz, para dar a Nosso Senhor amor por amor. Teve esta graça em Patras. Censurava ao juiz as suas perseguições contra a verdade. O juiz irritado ordenou-lhe que sacrificasse aos deuses. - «É ao Deus todo-poderoso, o único e verdadeiro, respondeu André, que imolo todos os dias, não a carne dos animais, mas o Cordeiro sem mancha, inteiro e cheio de vida sobre o altar, depois de ter sido imolado e dado em alimento aos cristãos». Mostrava assim sobretudo o seu amor pela Eucaristia. Contam que, vendo de longe a cruz sobre a qual devia ser ligado, exclamou: «Eu vos amo, cruz preciosa, que fostes consagrada pelo corpo do meu Deus, e ornada com os seus membros como com ricas pedrarias... Aproximo-me de vós com alegria, recebei-me nos vossos braços... Há muito tempo que vos desejo e que vos procuro. Os meus votos cumpriram-se. Que aquele, que de vós se serviu para me resgatar, se digne receber-me apresentado por vós». Na prática, unamos todas as nossas cruzes quotidianas à cruz de Jesus Cristo. Elas unir-nos-ão aos seus méritos. (Leão Dehon, OSP 4, p.505s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (Jo 3, 20)."

     

    ----

    S. André, Apóstolo (30 de Novembro)

plugins premium WordPress