Week of Out 31st

  • 31° Domingo do Tempo Comum - Ano B

    31° Domingo do Tempo Comum - Ano B


    31 de Outubro, 2021

    Ano B
    31° Domingo do Tempo Comum

    TEMA

    A liturgia do 31° Domingo do Tempo Comum diz-nos que o amor está no centro da experiência cristã. O caminho da fé que, dia a dia, somos convidados a percorrer, resume-se no amor Deus e no amor aos irmãos - duas vertentes que não se excluem, antes se complementam mutuamente.
    A primeira leitura apresenta-nos o início do "Shema' Israel" - a solene proclamação de fé que todo o israelita devia fazer diariamente. É uma afirmação da unicidade de Deus e um convite a amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças.
    O Evangelho diz-nos, de forma clara e inquestionável, que toda a experiência de fé do discípulo de Jesus se resume no amor - amor a Deus e amor aos irmãos. Os dois mandamentos não podem separar-se: "amar a Deus" é cumprir a sua vontade e estabelecer com os irmãos relações de amor, de solidariedade, de partilha, de serviço, até ao dom total da vida. Tudo o resto é explicação, desenvolvimento, aplicação à vida prática dessas duas coordenadas fundamentais da vida cristã.
    A segunda leitura apresenta-nos Jesus Cristo como o sumo-sacerdote que veio ao mundo para cumprir o projecto salvador do Pai e para oferecer a sua vida em doação de amor aos homens. Cristo, com a sua obediência ao Pai e com a sua entrega em favor dos homens, diz-nos qual a melhor forma de expressarmos o nosso amor a Deus.

    LEITURA 1- Df 6,2-6

    Moisés dirigiu-se ao povo, dizendo: «Temerás o Senhor, teu Deus, todos os dias da tua vida,
    cumprindo todas as suas leis e preceitos que hoje te ordeno,
    para que tenhas longa vida,
    tu, os teus filhos e os teus netos. Escuta, Israel, e cuida de pôr em prática
    o que te vai tornar feliz e multiplicar sem medida na terra onde corre leite e mel,
    segundo a promessa que te fez o Senhor, Deus de teus pais. Escuta, Israel:
    o Senhor nosso Deus é o único Deus.
    Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças.
    As palavras que hoje te prescrevo
    ficarão gravadas no teu coração».

    AMBIENTE

    O Livro do Deuteronómio é aquele "livro da Lei" ou "livro da Aliança" descoberto no Templo de Jerusalém no 18° ano do reinado de Josias (622 a.C.) (cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas - originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios - apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com ele uma Aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
    Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de "testamento espiritual": lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
    O texto que hoje nos é proposto integra o segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44- 28,68). Tanto pelo lugar que ocupa no livro, como pela sua importância, este segundo discurso de Moisés constitui o centro do Livro do Deuteronómio. Em linhas gerais, este discurso apresenta-se em três peças principais: uma introdução (cf. Dt 4,44-11,32), um código legal (cf. Dt 12,1-25,19) e uma conclusão (cf. Dt 26,1-28,68).
    A primeira parte da introdução ao segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44-9,5) oferece-nos uma apresentação do Decálogo (cf. Dt 5,1-33) - a Lei fundamental da Aliança estabelecida entre Deus e Israel, no Horeb - e, na sequência, um conjunto de exortações ao Povo para que viva na fidelidade aos mandamentos (cf. Dt 6,1-9,5). O nosso texto é um extracto dessa exortação.

    MENSAGEM

    O texto começa com uma exortação a "temer" o Senhor e a cumprir todas as suas leis e mandamentos (vers. 2-3). A expressão "temer o Senhor" - muito frequente no Antigo Testamento - traduz, por um lado, a reverência e o respeito e, por outro lado, a pronta obediência à vontade divina, a confiança inamovível no Deus que não falha, a humilde renúncia aos próprios critérios, a adesão incondicional à vontade de Deus, a aceitação plena das propostas e dos mandamentos de Deus. Na perspectiva do catequista deuteronomista autor deste texto, o crente ideal (o que "teme o Senhor"), é aquele que está disposto a renunciar à auto-suficiência e não aceita procurar a felicidade à margem das propostas de Deus; é aquele que, com total confiança, é capaz de se entregar nas mãos de Deus, de aceitar as suas indicações, de assumir os mandamentos do Senhor como caminho seguro e verdadeiro para chegar à vida em plenitude. Àquele que aceita viver no "temor do Senhor", o autor promete vida em abundância.
    Na segunda parte do nosso texto (vers. 4-6), temos o conhecido "Shema' Israel" (assim denominado por causa da primeiras palavras hebraicas de Dt 6,4: "Escuta Israel"). É um texto central do judaísmo, que desde finais do séc. I é rezado diariamente, de manhã e de tarde, por todos os judeus piedosos. No universo religioso judaico, o verbo "escutar", aqui usado, define uma acção em três tempos: "ouvir" com os ouvidos, "acolher" no coração, "transformar em acção concreta" aquilo que se ouviu e que se acolheu.
    O "Shema' Israel" começa com a afirmação solene da unicidade de Deus (vers. 4: "o Senhor é único"). O crente israelita deve ouvir e interiorizar esta realidade e actuar em consequência. Do seu horizonte fica, portanto, afastada qualquer possibilidade de adesão a outros deuses ou a outras propostas de salvação que não venham de Jahwéh.
    Depois, vem a exigência de amar este Deus único com um amor sem divisão, um amor que implique a totalidade do homem (vers. 5: "amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças"). Esse amor, interiorizado no coração e na alma do homem, deve depois traduzir-se na observância fiel dos mandamentos e preceitos da Aliança.

    ACTUALIZAÇÃO

    • A afirmação da unicidade de Deus convida-nos, antes de mais, a equacionar a questão dos "outros deuses" a quem, tantas vezes, entregamos a condução da nossa vidacPor vezes, esquecemos que Deus é a coordenada fundamental à volta da qual deve construir-se toda a nossa existência e deixamos que o nosso coração se fixe em realidades efémeras, nas quais pomos a nossa confiança, a nossa segurança e a nossa esperança (o dinheiro, o poder, o êxito, a realização profissional, a posição social, os títulos, as honrasü Essas realidades, contudo, mesmo que sejam agradáveis e úteis, não podem servir de pedra angular na construção da nossa vida. Se as erigirmos em realidade fundamental e construirmos toda a nossa existência em função delas, tornamo-nos escravos. O verdadeiro crente, sem prescindir das realidades efémeras, tem consciência de que só "o Senhor é o nosso Deus; o Senhor é único".
    • Dizer que Deus é único, é dizer que Ele é o único e verdadeiro caminho para a vida em plenitude. Contudo, no nosso orgulho, convencemo-nos, por vezes, que a nossa realização e a nossa felicidade estão na concretização dos nossos projectos pessoais, dos nossos desejos egoístas, das nossas inclinações e paixões, à margem de Deus e das suas propostas. A isso, chama-se auto-suficiência. Prescindir de Deus e das suas indicações leva-nos, invariavelmente, a trilhar caminhos de egoísmo, de injustiça, de exploração, de sofrimento, de morte. Precisamos de interiorizar esta realidade: por nós próprios, sem Deus, contando apenas com as nossas frágeis forças, não conseguiremos encontrar o caminho da realização, da felicidade, da vida em plenitude.
    • O nosso texto convida o crente a amar a Deus com um amor que implique a totalidade da vida do homem; ou, por outras palavras, convida o crente a viver no "temor do Senhor". Como é que deve expressar-se, em termos práticos, esse amor ao Senhor que nos vai no coração? É através de declarações solenes e ocas de boas intenções? É através de fórmulas fixas de oração que papagueamos de cor? É através de solenes ritos litúrgicos? O nosso amor ao Senhor deve, sobretudo, manifestar-se em gestos concretos que manifestem a nossa obediência incondicional aos seus planos, a nossa entrega total nas suas mãos, a nossa aceitação dos seus mandamentos e preceitos.

    SAMO RESPONSORIAL - Salmo 17

    Refrão:
    Eu Vos amo, Senhor:
    Vós sois a minha força.
    Eu Vos amo, Senhor, minha força,
    minha fortaleza, meu refúgio e meu libertador,
    meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança, meu protector, minha defesa e meu salvador.
    Invoquei o Senhor - louvado seja Ele - e fiquei salvo dos meus inimigos.
    Viva o Senhor, bendito seja o meu protector; exaltado seja Deus, meu Salvador.
    Senhor, eu Vos louvarei entre os povos e cantarei salmos ao vosso nome.
    O Senhor dá ao seu Rei grandes vitórias
    e usa de bondade para com o seu Ungido.

    LEITURA 11- Heb 7,23-28

    Os sacerdotes da antiga aliança sucederam-se em grande número,
    porque a morte os impedia de durar sempre. Mas Jesus, que permanece eternamente, possui um sacerdócio eterno.
    Por isso pode salvar para sempre
    aqueles que por seu intermédio se aproximam de Deus, porque vive perpetuamente para interceder por eles.
    Tal era, na verdade, o sumo sacerdote que nos convinha: santo, inocente, sem mancha,
    separado dos pecadores e elevado acima dos céus, que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios,
    primeiro pelos seus próprios pecados,
    depois pelos pecados do povo,
    porque o fez de uma vez para sempre
    quando Se ofereceu a Si mesmo.
    A Lei constitui sumos sacerdotes
    homens revestidos de fraqueza,
    mas a palavra do juramento, posterior à Lei,
    estabeleceu o Filho sumo sacerdote perfeito para sempre.

    AMBIENTE

    Em Heb 6,20, o autor da Carta declara Jesus Cristo "sumo-sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec". Na sequência, vai dedicar todo o capítulo 7 da Carta (cf. Heb 7,1-28) a explicar a sua afirmação.
    Melquisedec é um personagem misterioso que aparece em Gn 14,18-20. Apresentado como rei e sacerdote de Salem (localidade desconhecida, que o Sal 76,3 identifica com Jerusalém), ele adora o Deus altíssimo, abençoa Abraão quando este regressa da guerra e oferece-lhe pão e vinho. Abraão, o antepassado dos sacerdotes levíticos, inclinar-se-á diante dele e pagar-Ihe-á o dízimo. O Salmo 110, por sua vez, apresenta um rei da casa de David como o continuador do prestigioso Melquisedec ("o Senhor jurou" ao rei "e não voltará atrás: tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec" - Sal 110,4). A partir daqui, a figura de Melquisedec adquirirá uma clara conotação rnesslànlca Após o Exílio na Babilónia, os judeus esperam ver surgir um salvador da descendência de David que reúna, como Melquisedec, o sacerdócio e a realeza. Os cristãos, inspirados por estas ideias, vão ler o mistério de Jesus a esta luzO
    O autor da Carta aos Hebreus vai nesta linha. Na sua perspectiva, Jesus exerce um sacerdócio perfeito e eterno, que não se vincula ao sacerdócio de Levi (que é um sacerdócio exercido por homens pecadores, mortais e que se sucedem de geração em geração), mas que realiza o sacerdócio real do Messias davídico, sucessor de Melquisedec.
    Na primeira parte do capítulo 7 da Carta, o autor resume a história de Melquisedec e afirma a superioridade do seu sacerdócio sobre o sacerdócio levítico (cf. Heb 7,11-10); na segunda, o autor demonstra que o sacerdócio novo de Cristo (na linha do sacerdócio de Melquisedec) é um sacerdócio perfeito e eterno, que veio substituir o sacerdócio levítico e abolir a antiga Lei (cf. Heb 7,11-28).

    MENSAGEM

    Uma das provas da superioridade do sacerdócio de Cristo é a sua duração eterna, que contrasta com a mudança contínua das gerações do sacerdócio levítico. Para o autor da Carta aos Hebreus, a multiplicidade e a alternância são sinónimos de imperfeição. Porque o sacerdócio de Cristo é eterno e a sua intercessão junto de Deus é contínua, ele assegura, de modo definitivo, a salvação do crente (vers. 23-25).
    O autor termina a sua reflexão com uma espécie de hino (vers. 26-28), que resume toda a exposição anterior e que exalta as características do sacerdócio de CristoaEle
    é o sumo-sacerdote "santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e elevado acima dos céus" (vers. 26), porque pertence à esfera do Deus santo.
    Além disso, Ele não tem necessidade de oferecer todos os dias sacrifícios pelos pecados próprios e alheios, porque se ofereceu a Si próprio, de uma vez por todas, em sacrifício perfeito (vers. 27).
    Em jeito de conclusão, o autor destaca, uma vez mais, o contraste entre a ordem imperfeita - que é a ordem da Lei e do sacerdócio levítico - e a ordem perfeita, prometida por Deus e realizada pelo sumo-sacerdote JesusoA.li, havia homens cheios de fragilidades e de debilidades; aqui, está o sumo-sacerdote eterno, que é Filho de Deus, que está junto de Deus e que intercede permanentemente pelos homens.

    ACTUALIZAÇÃO

    • Na Carta aos Hebreus, Jesus Cristo é o sacerdote por excelência, que o Pai enviou ao mundo com a missão de convidar todos os homens a integrar a comunidade do Povo sacerdotal. Ora, Jesus Cristo cumpriu integralmente a missão que o Pai lhe confiou ODesde o primeiro instante da sua incarnação, Ele fez da sua vida uma escuta atenta do Pai e uma entrega total aos homens. Na obediência e na entrega de Cristo - que foi até ao dom total da vida, na cruz - ficou bem expresso o seu amor ao Pai. Cristo, com o exemplo da sua vida, diz-nos qual a melhor forma de expressarmos o nosso amor a DeusCÉ na escuta atenta dos seus projectos e dos seus desafios, no acolhimento da sua Palavra e das suas propostas, na obediência aos seus mandamentos, no cumprimento incondicional da sua vontade, no dom da vida aos irmãos por amor, no testemunho corajoso dos seus valores e projectos, que nós expressamos, de forma privilegiada, esse amor a Deus que nos enche o coração.
    • O autor da Carta aos Hebreus insiste, com frequência, que o verdadeiro sacrifício, o sacrifício que Deus aprecia, o sacrifício que gera dinamismos de vida e de salvação, é aquele que Cristo ofereceu ao Pai: a sua própria vida, posta ao serviço do projecto de Deus e feita amor e serviço para os homens. Nós, os crentes, sempre preocupados em agradar a Deus e em render-Lhe o culto que Ele merece, esquecemos, por vezes, o óbvio: mais do que ritos majestosos, manifestações públicas de fé, solenes celebrações, Deus aprecia o dom de nós mesmos. O culto que Ele nos pede, o sacrifício que Ele aprecia e que há-de gerar vida nova para nós e para os que caminham ao nosso lado, é a obediência aos seus projectos e o amor aos irmãos.
    • Cristo é, efectivamente, o sumo-sacerdote que está junto do Pai e que intercede continuamente por nós, como não se cansa de repetir o autor da Carta aos Hebreus. A consciência desse facto deve encher o nosso coração de paz, de esperança e de confiança: se Cristo intercede por nós, podemos encarar a vida de forma serena, com a consciência de que as nossas debilidades e fragilidades nunca nos afastarão, de forma definitiva, da comunhão com Deus e da vida eterna.

    ALELUIA - Jo 14,23

    Aleluia. Aleluia.
    Se alguém Me ama, guardará a minha palavra, diz o Senhor; meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.

    EVANGELHO - Mc 12,28-34

    Naquele tempo,
    aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» Jesus respondeu:
    «O primeiro é este:
    'Escuta, Israel:
    O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus
    com todo o teu coração, com toda a tua alma,
    com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças'. O segundo é este:
    'Amarás o teu próximo como a ti mesmo'.
    Não há nenhum mandamento maior que estes». Disse-Lhe o escriba:
    «Muito bem, Mestre! Tens razão quando dizes:
    Deus é único e não há outro além d'Ele. Amá-l'O com todo o coração,
    com toda a inteligência e com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo,
    vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios». Ao ver que o escriba dera uma resposta inteligente, Jesus disse-lhe:
    «Não estás longe do reino de Deus».
    E ninguém mais se atrevia a interrogá-I'O.

    AMBIENTE

    O Evangelho deste domingo situa-nos já em Jerusalém, no centro da cidade onde vão dar-se os últimos passos desse caminho que Jesus vem percorrendo, com os discípulos, desde a Galileia.
    O ambiente é tenso. Algum tempo antes, Jesus expulsara os vendilhões do Templo (cf. Mc 11,15-18), acusando os líderes judaicos de terem feito da "casa de Deus um covil de ladrões"; logo de seguida, contara a parábola dos vinhateiros homicidas (cf. Mc 12,1-12), acusando os dirigentes de se oporem, de forma continuada, à realização do plano salvador de DeuseDs líderes judaicos, convencidos de que Jesus era irrecuperável, tinham tomado decisões drásticas: Ele devia ser preso, julgado, condenado e eliminado. Fariseus, Herodianos (cf. Mc 12,13) e até saduceus (cf. Mc 12,18), procuram estender armadilhas a Jesus, a fim de O surpreender em afirmações pouco ortodoxas, que pudessem ser usadas em tribunal para conseguir uma condenação. As controvérsias sobre o tributo a César (cf. Mc 12,13-17) e sobre a ressurreição dos mortos (cf. Mc 12,18-27) devem ser situadas e compreendidas neste contexto.
    Neste ambiente, aparece um escriba a perguntar a Jesus qual era o maior mandamento da Lei. Ao contrário de Mateus (cf. Mt 22,34-40), Marcos não considera, contudo, que a questão seja posta a Jesus para o embaraçar ou pôr à prova. O escriba que coloca a questão parece ser um homem sincero e bem intencionado, genuinamente preocupado em estabelecer a hierarquia correcta dos mandamentos da Lei.
    De facto, a questão do maior mandamento da Lei não era uma questão pacífica e tornou-se, no tempo de Jesus, objecto de debates intermináveis entre os fariseus e os doutores da Lei. A preocupação em actualizar a Lei, de forma a que ela respondesse a todas as questões que a vida do dia a dia punha, tinha levado os doutores da Lei a deduzir um conjunto de 613 preceitos, dos quais 365 eram proibições e 248 acções a pôr em prática. Esta "multiplicação" dos preceitos legais lançava, evidentemente, a questão das prioridades: todos os preceitos têm a mesma importância, ou há algum que é mais importante do que os outros?
    É esta a questão que é posta a Jesus.

    MENSAGEM

    Citando o primeiro versículo do "Shema' Israel", a grande profissão de fé que todo o judeu recitava no início e no fim do dia (cf. Dt 6,4-5), Jesus declara solenemente que o primeiro mandamento é o amor a Deus - um amor que deve ser total, sem divisões, feito de adesão plena aos projectos, à vontade, aos mandamentos de Deus (vers. 30: "com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças"). Como se achasse que a resposta não era suficiente, Jesus completa-a, imediatamente, com a apresentação de um segundo mandamento: "amarás o teu próximo como a ti mesmo" (trata-se de uma citação de Lv 19,18). Ou seja: o maior mandamento é o mandamento do amor; e esse mandamento fundamental concretiza-se em duas dimensões que se completam mutuamente - a do amor a Deus e a do amor ao próximo.
    A originalidade deste sumário evangélico da Lei não está nas ideia de amor a Deus e ao próximo, que são bem conhecidas do Antigo Testamentouv originalidade deste ensinamento está, por um lado, no facto de Jesus os aproximar um do outro, pondo-os em perfeito paralelo e, por outro, no facto de Jesus simplificar e concentrar toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos.
    A resposta de Jesus ao escriba não vai no sentido de estabelecer uma hierarquia rígida de mandamentos; mas superando o horizonte estreito da pergunta, situa-se ao nível das opções profundas que o homem deve fazer[]) importante, na perspectiva de Jesus, não é definir qual o mandamento mais importante, mas encontrar a raiz de todos os mandamentos. E, na perspectiva de Jesus, essa raiz gira à volta de duas coordenadas: o amor a Deus e o amor ao próximo.
    Portanto, o compromisso religioso (que é proposto aos crentes, quer do Antigo, quer do Novo Testamento) resume-se no amor a Deus e no amor ao próximo. Na perspectiva de Jesus, que é que isto quer dizer?
    De acordo com os relatos evangélicos, Jesus nunca se preocupou excessivamente com o cumprimento dos rituais litúrgicos que a religião judaica propunha, nem viveu obcecado com o oferecimento de dons materiais a Deus. A grande preocupação de Jesus foi, em contrapartida, discernir a vontade do Pai e cumpri-Ia com fidelidade e amor. "Amar a Deus" é pois, na perspectiva de Jesus, estar atento aos projectos do Pai e procurar concretizar, na vida do dia a dia, os seus planos. Ora, na vida de Jesus, o cumprimento da vontade do Pai passa por fazer da vida uma entrega de amor aos irmãos, se necessário até ao dom total de si mesmo.
    Assim, na perspectiva de Jesus, "amor a Deus" e "amor aos irmãos" estão intimamente associados. Não são dois mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda. "Amar a Deus" é cumprir o seu projecto de amor, que se concretiza na solidariedade, na partilha, no serviço, no dom da vida aos irmãos.
    Como é que deve ser esse "amor aos irmãos"? Este texto só explica que é preciso "amar o próximo como a si mesmo". As palavras "como a si mesmo" não significam qualquer espécie de condicionalismo, mas que é preciso amar totalmente, de todo o coração. Noutros textos neo-testamentários, porém, Jesus explica aos seus discípulos que é preciso amar os inimigos e orar pelos perseguidores (cf. Mt 5,43-48). Trata-se, portanto, de um amor sem limites, sem medida e que não distingue entre bons e maus, amigos e inimigos. Aliás, Lucas, ao contar este mesmo episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta, acrescenta-lhe a história do "bom samaritano", explicando que esse "amor aos irmãos" pedido por Jesus é incondicional e deve atingir todo o irmão que encontrarmos nos caminhos da vida, mesmo que ele seja um estrangeiro ou inimigo (cf. Lc 10,25-37).
    O escriba concorda plenamente com a resposta de Jesus. Para exprimir a sua aprovação, ele cita alguns passos da Bíblia Hebraica (cf. Dt 4,35 e Is 45,21; Dt 6,5; Lv 19,18; Os 6,6), que repetem, com palavras diversas, o que Jesus acabou de dizer. Diante do comentário inteligente do escriba, Jesus declara-lhe que não está "longe do Reino de Deus" (vers. 34). Este escriba é, sem dúvida, um homem justo, que observa a Lei, que estuda a Escritura e que procura lê-Ia e pô-Ia em prática; no entanto, para poder integrar a comunidade do Reino, falta-lhe acolher Jesus como o Messias libertador enviado por Deus com uma proposta de salvação e decidir-se a tornar-se seu discípulo (após a conversa com Jesus, este escriba continua no seu lugar; não há qualquer indicação de que ele se tivesse disposto a seguir Jesus).

    ACTUALIZAÇÃO

    • Mais de dois mil anos de cristianismo criaram uma pesada herança de mandamentos, de leis, de preceitos, de proibições, de exigências, de opiniões, de pecados e de virtudes, que arrastamos pesadamente pela história. Algures durante o caminho, deixámos que o inevitável pó dos séculos cobrisse o essencial e o acessório; depois, misturámos tudo, arrumámos tudo sem grande rigor de organização e de catalogação e perdemos a noção do que é verdadeiramente importante. Hoje, gastamos tempo e energias a discutir certas questões que têm a sua importância (como o casamento dos padres, o sacerdócio das mulheres, o uso dos meios anticonceptivos, o que é ou não litúrgico, os problemas do poder e da autoridade, os pormenores legais da organização ecleslalüe continuamos a ter dificuldade em discernir o essencial na proposta de Jesus. O Evangelho deste domingo põe as coisas de forma totalmente clara: o essencial é o amor a Deus e o amor aos irmãos. Nisto se resume toda a revelação de Deus e a sua proposta de vida plena e definitiva para os homens. Precisamos de rever tudo, de forma a que o lixo acumulado não nos impeça de compreender, de viver, de anunciar e de testemunhar o cerne da proposta de Jesus.
    • O que é "amar a Deus"? De acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor a Deus passa, antes de mais, pela escuta da sua Palavra, pelo acolhimento das suas propostas e pela obediência total dos seus projectos para mim próprio, para a Igreja, para a minha comunidade e para o mundo. Esforço-me, verdadeiramente, por tentar escutar as propostas de Deus, mantendo um diálogo pessoal com Ele, procurando reflectir e interiorizar a sua Palavra, tentando interpretar os sinais com que Ele me interpela na vida de cada dia? Tenho o coração aberto às suas propostas, ou fecho-me no meu egoísmo, nos meus preconceitos e na minha auto-suficiência, procurando construir uma vida à margem de Deus ou contra Deus? Procuro ser, em nome de Deus e dos seus planos, uma testemunha profética que interpela o mundo, ou instalo-me no meu cantinho cómodo e renuncio ao compromisso com Deus e com o Reino?
    • O que é "amar os irmãos"? De acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor aos irmãos passa por prestar atenção a cada homem ou mulher com quem me cruzo pelos caminhos da vida (seja ele branco ou negro, rico ou pobre, nacional ou estrangeiro, amigo ou inimigo), por sentir-me solidário com as alegrias e sofrimentos de cada pessoa, por partilhar as desilusões e esperanças do meu próximo, por fazer da minha vida um dom total a todos. O mundo em que vivemos precisa de redescobrir o amor, a solidariedade, o serviço, a partilha, o dom da vidaCNa realidade, a minha vida é posta ao serviço dos meus irmãos, sem distinção de raça, de cor, de estatuto social? Os pobres, os necessitados, os marginalizados, os que alguma vez me magoaram e ofenderam, encontram em mim um irmão que os ama, sem condições?
    • É fundamental que tenhamos consciência de que estas duas dimensões do amor - o amor a Deus e o amor aos irmãos - não se excluem nem estão em confronto uma com a outra. Amar a Deus é cumprir a sua vontade e os seus projectos; ora, a vontade de Deus é que façamos da nossa vida um dom de amor, de serviço, de entrega aos irmãos - a todos os irmãos com quem nos cruzamos nos caminhos da vida. Não se trata entre optar por rezar ou por trabalhar em favor dos outros, entre estar na igreja ou estar a ajudar os pobres; trata-se é de manter, dia a dia, um diálogo contínuo com Deus, a fim de percebermos os desafios que Deus tem para nós e de lhes respondermos convenientemente, no dom de nós próprios aos irmãos.
    • Como é que vivemos a nossa caminhada religiosa? Qual é, para nós, o elemento fundamental da nossa experiência de fé? Por vezes não estaremos a dar demasiada importância a elementos que não têm grande significado (as prescrições do culto e do calendário, os ritos exteriores, as regras do liturgicamente correcto, as doações de dinheiro para as festas do santo padroeiro, as leis canónicas, as questões disciplinaresü esquecendo o essencial, negligenciando o mandamento maior?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS
    PARA O 31° DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 31° Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-Ia pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemploaEscolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosaCAproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Deus nunca se apresenta como concorrente do homem. Seria assim se disséssemos que é preciso amar Deus ou o próximo. Ora, o escriba que encontra Jesus diz "amar Deus de todo o coração ce amar o seu próximo como a si mesmo vale mais que todas as oferendas e sacrifícios". Para não se ficar longe do reino de Deus, basta, pois, amar Deus e o seu próximo. Foi o testemunho deixado por Jesus: o seu amor pelo Pai levava-o a retirar-se para o monte para rezar, a erguer os olhos para o céu antes de fazer milagres, mas ao mesmo tempo ia ao encontro dos doentes, dos excluídos, dos pecadores, das multidões perdidas como ovelhas sem pastor. E depois, na cruz, vira-se para seu Pai, mas também para o ladrão crucificado ao seu lado, para Maria e João, para os verdugos que não sabiam o que faziam, dizia Ele. E não esqueçamos a palavra de João, que esclarece muito bem o duplo mandamento: aquele que diz "amo a Deus" e não ama o seu próximo é um mentiroso.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    À primeira vista, o vocabulário não pega! O amor não se impõe com golpes de leis! Porque dizer que o amor a Deus e ao próximo é o maior mandamento? Para os Judeus, a vontade de Deus exprime-se na Lei e tudo é visto a essa luz. A Lei é como que a incarnação da vontade de Deus. Então, Jesus respeita este escriba, que era um profissional da Lei, utilizando a mesma linguagem que ele. Mas começa por "escuta, Israeli'J É mais que um mandamento, é a afirmação fundamental da fé em Deus único. Mais ainda, este texto tornou-se a oração que os Judeus fiéis, ainda hoje, dizem três vezes por dia. É tão importante para os Judeus como o "Pai Nosso" para os cristãos. Deve ser, pois, meditada. Amar a Deus com todas as forças, com toda a mente, com toda a nossa forçarn.Jm amor verdadeiramente humano, o amor segundo
    a vontade de Deus. Jesus liga o amor a Deus e o amor ao próximo. O escriba compreendeu: este amor vale mais que todas as oferendas e sacrifícios, porque envolve todo o nosso ser. Ele é a vida.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUED
    Amar com todo o coraçãoDQue valem os nossos "amo-te"? Aproveitemos a interpelação deste domingo para reflectir, nesta semana, na sinceridade das nossas palavras e dos nossos sentimentos. Dizer a alguém "amo-te", é verdadeiramente amá¬lo com todo o seu coração, com todas a sua força, sem falhas?

    Grupo Dinamizador
    Pe. Joaquim Garrido - Pe. Manuel Barbosa - Pe. Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (dehonianos) Rua Cidade de Tete, 10 :: 1800-129 Lisboa - Portugal
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  • Solenidade de todos os Santos - Ano B

    Solenidade de todos os Santos - Ano B


    1 de Novembro, 2021

    ANO B
    SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

    1 de Novembro

    Breves introduções às leituras:

    Primeira leitura: Como descrever a felicidade dos mártires e dos santos na sua condição celeste, invisível? Para isso, o profeta recorre a uma visão.
    Salmo responsorial: O salmo de hoje proclama as condições de entrada no Templo de Deus. Ele anuncia também a bem-aventurança dos corações puros. Nós somos este povo imenso que marcha ao encontro do Deus santo.
    Segunda leitura: Desde o nosso baptismo, somos chamados filhos de Deus e o nosso futuro tem a marcada da eternidade.
    Evangelho: Que futuro reserva Deus aos seus amigos, no seu Reino celeste? Ele próprio é fonte de alegria e de felicidade para eles.

    LEITURA I - Ap 7,2-4.9-14

    Leitura do Apocalipse de São João

    Eu, João, vi um Anjo que subia do Nascente,
    trazendo o selo do Deus vivo.
    Ele clamou em alta voz
    aos quatro Anjos a quem foi dado o poder
    de causar dano à terra e ao mar:
    «Não causeis dano à terra, nem ao mar, nem às árvores,
    até que tenhamos marcado na fronte
    os servos do nosso Deus».
    E ouvi o número dos que foram marcados:
    cento e quarenta e quatro mil,
    de todas as tribos dos filhos de Israel.
    Depois disto, vi uma multidão imensa,
    que ninguém podia contar,
    de todas as nações, tribos, povos e línguas.
    Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
    vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.
    E clamavam em alta voz:
    «A salvação ao nosso Deus, que está sentado no trono,
    e ao Cordeiro».
    Todos os Anjos formavam círculo
    em volta do trono, dos Anciãos e dos quatro Seres Vivos.
    Prostraram-se diante do trono, de rosto por terra,
    e adoraram a Deus, dizendo:
    «Amen! A bênção e a glória, a sabedoria e a acção de graças,
    a honra, o poder e a força
    ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amen!».
    Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me:
    «Esses que estão vestidos de túnicas brancas,
    quem são e de onde vieram?».
    Eu respondi-lhe:
    «Meu Senhor, vós é que o sabeis».
    Ele disse-me:
    «São os que vieram da grande tribulação,
    os que lavaram as túnicas
    e as branquearam no sangue do Cordeiro».

    Breve comentário

    As primeiras perseguições tinham feito cruéis destruições nas comunidades cristãs, ainda tão jovens. Iriam estas comunidades desaparecer, acabadas de fundar? As visões do profeta cristão trazem uma mensagem de esperança nesta provação. É uma linguagem codificada, que evoca Roma, perseguidora dos cristãos, sem a nomear directamente, aplicando-lhe o qualificativo de Babilónia. A revelação proclamada é a da vitória do Cordeiro. Que paradoxo! O próprio Cordeiro foi imolado. Mas é o Cordeiro da Páscoa definitiva, o Ressuscitado. Ele transformou o caminho de morte em caminho de vida para todos aqueles que O seguem, em particular pelo martírio, e eles são numerosos; participam doravante ao seu triunfo, numa festa eterna.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 23 (24)

    Refrão: Esta é a geração dos que procuram o Senhor.

    Do Senhor é a terra e o que nela existe,
    o mundo e quantos nele habitam.
    Ele a fundou sobre os mares
    e a consolidou sobre as águas.

    Quem poderá subir à montanha do Senhor?
    Quem habitará no seu santuário?
    O que tem as mãos inocentes e o coração puro,
    o que não invocou o seu nome em vão.

    Este será abençoado pelo Senhor
    e recompensado por Deus, seu Salvador.
    Esta é a geração dos que O procuram,
    que procuram a face de Deus.

    LEITURA II - 1Jo 3,1-3

    Leitura da Primeira Epístola de São João

    Caríssimos:
    Vede que admirável amor o Pai nos consagrou
    em nos chamar filhos de Deus.
    E somo-lo de facto.
    Se o mundo não nos conhece,
    é porque O não conheceu a Ele.
    Caríssimos, agora somos filhos de Deus
    e ainda não se manifestou o que havemos de ser.
    Mas sabemos que, na altura em que se manifestar,
    seremos semelhantes a Deus,
    porque O veremos tal como Ele é.
    Todo aquele que tem n'Ele esta esperança
    purifica-se a si mesmo,
    para ser puro, como ele é puro.

    Breve comentário

    Segunda mensagem de esperança. Ela responde às nossas interrogações sobre o destino dos defuntos. Que vieram a ser? Como sabê-lo, pois desapareceram dos nossos olhos? E nós próprios, que viremos a ser?
    A resposta é uma dedução absolutamente lógica: se Deus, no seu imenso amor, faz de nós seus filhos, não nos pode abandonar. Ora, em Jesus, vemos já a que futuro nos conduz a pertença à família divina: seremos semelhantes a Ele.

    ALELUIA - Mt 11,28

    Aleluia. Aleluia.

    Vinde a Mim, vós todos os que andais cansados e oprimidos
    e Eu vos aliviarei, diz o Senhor.

    EVANGELHO - Mt 5,1-12

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se.
    Rodearam-n'O os discípulos
    e Ele começou a ensiná-los, dizendo:
    «Bem-aventurados os pobres em espírito,
    porque deles é o reino dos Céus.
    Bem-aventurados os humildes,
    porque possuirão a terra.
    Bem-aventurados os que choram,
    porque serão consolados.
    Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
    porque serão saciados.
    Bem-aventurados os misericordiosos,
    porque alcançarão misericórdia.
    Bem-aventurados os puros de coração,
    porque verão a Deus.
    Bem-aventurados os que promovem a paz,
    porque serão chamados filhos de Deus.
    Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça,
    porque deles é o reino dos Céus.
    Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa,
    vos insultarem, vos perseguirem
    e, mentindo, disserem todo o mal contra vós.
    Alegrai-vos e exultai,
    porque é grande nos Céus a vossa recompensa».

    AMBIENTE

    Depois de dizer quem é Jesus (cf. Mt 1,1-2,23) e de definir a sua missão (cf. Mt 3,1-4,16), Mateus vai apresentar a concretização dessa missão: com palavras e com gestos, Jesus propõe aos discípulos e às multidões o "Reino". Neste enquadramento, Mateus propõe-nos hoje um discurso de Jesus sobre o "Reino" e a sua lógica.
    Uma característica importante do Evangelho segundo Mateus reside na importância dada pelo evangelista aos "ditos" de Jesus. Ao longo do Evangelho segundo Mateus aparecem cinco longos discursos (cf. Mt 5-7; 10; 13; 18; 24-25), nos quais Mateus junta "ditos" e ensinamentos provavelmente p
    roferidos por Jesus em várias ocasiões e contextos. É provável que o autor do primeiro Evangelho visse nesses cinco discursos uma nova Lei, destinada a substituir a antiga Lei dada ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do Pentateuco.
    O primeiro discurso de Jesus - do qual o Evangelho que nos é hoje proposto é a primeira parte - é conhecido como o "sermão da montanha" (cf. Mt 5-7). Agrupa um conjunto de palavras de Jesus, que Mateus coleccionou com a evidente intenção de proporcionar à sua comunidade uma série de ensinamentos básicos para a vida cristã. O evangelista procurava, assim, oferecer à comunidade cristã um novo código ético, uma nova Lei, que superasse a antiga Lei que guiava o Povo de Deus.
    Mateus situa esta intervenção de Jesus no cimo de um monte. A indicação geográfica não é inocente: transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus a nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao "Reino".
    As "bem-aventuranças" que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na boca de Jesus, são consideravelmente diferentes das "bem-aventuranças" propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove "bem-aventuranças", enquanto que Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro "maldições", que estão ausentes do texto mateano; outras notas características da versão de Mateus são a espiritualização (os "pobres" de Lucas são, para Mateus, os "pobres em espírito") e a aplicação dos "ditos" originais de Jesus à vida da comunidade e ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado.

    MENSAGEM

    As "bem-aventuranças" são fórmulas relativamente frequentes na tradição bíblica e judaica. Aparecem, quer nos anúncios proféticos de alegria futura (cf. Is 30,18; 32,20; Dn 12,12), quer nas acções de graças pela alegria presente (cf. Sl 32,1-2; 33,12; 84,5.6.13), quer nas exortações a uma vida sábia, reflectida e prudente (cf. Prov 3,13; 8,32.34; Sir 14,1-2.20; 25,8-9; Sl 1,1; 2,12; 34,9). Contudo, elas definem sempre uma alegria oferecida por Deus.
    As "bem-aventuranças" evangélicas devem ser entendidas no contexto da pregação sobre o "Reino". Jesus proclama "bem-aventurados" aqueles que estão numa situação de debilidade, de pobreza, porque Deus está a ponto de instaurar o "Reino" e a situação destes "pobres" vai mudar radicalmente; além disso, são "bem-aventurados" porque, na sua fragilidade, debilidade e dependência, estão de espírito aberto e coração disponível para acolher a proposta de salvação e libertação que Deus lhes oferece em Jesus (a proposta do "Reino").
    As quatro primeiras "bem-aventuranças" referidas por Mateus (vers. 3-6) estão relacionadas entre si. Dirigem-se aos "pobres" (as segunda, terceira e quarta "bem-aventuranças" são apenas desenvolvimentos da primeira, que proclama: "bem-aventurados os pobres em espírito"). Saúdam a felicidade daqueles que se entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre a sua vontade; daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua confiança e a sua esperança nos bens, no poder, no êxito, nos homens, para esperar e confiar em Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que aceitam despojar-se de si próprios e estar disponíveis para Deus e para os outros.
    Os "pobres em espírito" são aqueles que aceitam renunciar, livremente, aos bens, ao próprio orgulho e auto-suficiência, para se colocarem, incondicionalmente, nas mãos de Deus, para servirem os irmãos e partilharem tudo com eles.
    Os "mansos" não são os fracos, os que suportam passivamente as injustiças, os que se conformam com as violências orquestradas pelos poderosos; mas são aqueles que recusam a violência, que são tolerantes e pacíficos, embora sejam, muitas vezes, vítimas dos abusos e prepotências dos injustos... A sua atitude pacífica e tolerante torná-los-á membros de pleno direito do "Reino".
    Os "que choram" são aqueles que vivem na aflição, na dor, no sofrimento provocados pela injustiça, pela miséria, pelo egoísmo; a chegada do "Reino" vai fazer com que a sua triste situação se mude em consolação e alegria...
    A quarta bem-aventurança proclama felizes "os que têm fome e sede de justiça". Provavelmente, a justiça deve entender-se, aqui, em sentido bíblico - isto é, no sentido da fidelidade total aos compromissos assumidos para com Deus e para com os irmãos. Jesus dá-lhes a esperança de verem essa sede de fidelidade saciada, no Reino que vai chegar.
    O segundo grupo de "bem-aventuranças" (vers. 7-11) está mais orientado para definir o comportamento cristão. Enquanto que no primeiro grupo se constatam situações, neste segundo grupo propõem-se atitudes que os discípulos devem assumir.
    Os "misericordiosos" são aqueles que têm um coração capaz de compadecer-se, de amar sem limites, que se deixam tocar pelos sofrimentos e alegrias dos outros homens e mulheres, que são capazes de ir ao encontro dos irmãos e estender-lhes a mão, mesmo quando eles falharam.
    Os "puros de coração" são aqueles que têm um coração honesto e leal, que não pactua com a duplicidade e o engano.
    Os "que constroem a paz" são aqueles que se recusam a aceitar que a violência e a lei do mais forte rejam as relações humanas; e são aqueles que procuram ser - às vezes com o risco da própria vida - instrumentos de reconciliação entre os homens.
    Os "que são perseguidos por causa da justiça" são aqueles que lutam pela instauração do "Reino" e são desautorizados, humilhados, agredidos, marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, que fomentam a opressão, que constroem a morte... Jesus garante-lhes: o mal não vos poderá vencer; e, no final do caminho, espera-vos o triunfo, a vida plena.
    Na última "bem-aventurança" (vers. 11), o evangelista dirige-se, em jeito de exortação, aos membros da sua comunidade que têm a experiência de ser perseguidos por causa de Jesus e convida-os a resistir ao sofrimento e à adversidade. Esta última exortação é, na prática, uma aplicação concreta da oitava "bem-aventurança".
    No seu conjunto, as "bem-aventuranças" deixam uma mensagem de esperan&cced
    il;a e de alento para os pobres e débeis. Anunciam que Deus os ama e que está do lado deles; confirmam que a libertação está a chegar e que a sua situação vai mudar; asseguram que eles vivem já na dinâmica desse "Reino" onde vão encontrar a felicidade e a vida plena.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a partilha podem fazer-se à volta dos seguintes elementos:

    • Jesus diz: "felizes os pobres em espírito"; o mundo diz: "felizes vós os que tendes dinheiro - muito dinheiro - e sabeis usá-lo para comprar influências, comodidade, poder, segurança, bem-estar, pois é o dinheiro que faz andar o mundo e nos torna mais poderosos, mais livres e mais felizes". Quem é, realmente, feliz?

    • Jesus diz: "felizes os mansos"; o mundo diz: "felizes vós os que respondeis na mesma moeda quando vos provocam, que respondeis à violência com uma violência ainda maior, pois só a linguagem da força é eficaz para lidar com a violência e a injustiça". Quem tem razão?

    • Jesus diz: "felizes os que choram"; o mundo diz: "felizes vós os que não tendes motivos para chorar, porque a vossa vida é sempre uma festa, porque vos moveis nas altas esferas da sociedade e tendes tudo para serdes felizes: casa com piscina, carro com telefone e ar condicionado, amigos poderosos, uma conta bancária interessante e um bom emprego arranjado pelo vosso amigo ministro". Onde está a verdadeira felicidade?

    • Jesus diz: "felizes os que têm ânsia de cumprir a vontade de Deus"; o mundo diz: "felizes vós os que não dependeis de preconceitos ultrapassados e não acreditais num deus que vos diz o que deveis e não deveis fazer, porque assim sois mais livres". Onde está a verdadeira liberdade, que enche de felicidade o coração?

    • Jesus diz: "felizes os que tratam os outros com misericórdia"; o mundo diz: "felizes vós quando desempenhais o vosso papel sem vos deixardes comover pela miséria e pelo sofrimento dos outros, pois quem se comove e tem misericórdia acabará por nunca ser eficaz neste mundo tão competitivo". Qual é o verdadeiro fundamento de uma sociedade mais justa e mais fraterna?

    • Jesus diz: "felizes os sinceros de coração"; o mundo diz: "felizes vós quando sabeis mentir e fingir para levar a água ao vosso moinho, pois a verdade e a sinceridade destroem muitas carreiras e esperanças de sucesso". Onde está a verdade?

    • Jesus diz: "felizes os que procuram construir a paz entre os homens"; o mundo diz: "felizes vós os que não tendes medo da guerra, da competição, que sois duros e insensíveis, que não tendes medo de lutar contra os outros e sois capazes de os vencer, pois só assim podereis ser homens e mulheres de sucesso". O que é que torna o mundo melhor: a paz ou a guerra?

    • Jesus diz: "felizes os que são perseguidos por cumprirem a vontade de Deus"; o mundo diz: "felizes vós os que já entendestes como é mais seguro e mais fácil fazer o jogo dos poderosos e estar sempre de acordo com eles, pois só assim podeis subir na vida e ter êxito na vossa carreira". O que é que nos eleva à vida plena?

    ALGUMAS REFLEXÕES À LUZ DO EVANGELHO
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    REFLEXÃO 1 - CELEBRAR OS SANTOS NA RESSURREIÇÃO

    As Bem-aventuranças revelam a realidade misteriosa da vida em Deus, iniciada no Baptismo. Aos olhos do mundo, o que os servidores de Deus sofrem, são efectivamente formas de morte: ser pobre, suportar as provas (os que choram) ou as privações (ter fome e sede) de justiça, ser perseguido, ser partidário da paz, da reconciliação e da misericórdia, num mundo de violência e de lucro, tudo isso aparece como não rentável, votado ao fracasso, consequentemente, à morte.
    Mas que pensa Cristo? Ele, ao contrário, proclama felizes todos os seus amigos que o mundo despreza e considera como mortos, consola-os, alimenta-os, chama-os filhos de Deus, introdu-los no Reino e na Terra Prometida.
    A Solenidade de Todos os Santos abre-nos assim o espírito e o coração às consequências da Ressurreição. O que se passou em Jesus realizou-se também nos seus bem amados, os nossos antepassados na fé, e diz-nos igualmente respeito: sob as folhas mortas, sob a pedra do túmulo, a vida continua, misteriosa, para se revelar no Grande Dia, quando chegar o fim dos tempos. Para Jesus, foi o terceiro dia; para os seus amigos, isso será mais tarde.

    REFLEXÃO 2 - O EVANGELHO NO PRESENTE.

    Os membros de uma mesma família têm traços do rosto comuns...
    As pessoas que partilham toda uma vida juntos acabam por se parecerem...
    Esta festa anual de Todos os Santos reúne inúmeros rostos que trazem em si a imagem e a semelhança de Deus.

    Um rosto de humanidade transfigurada. Enquanto vivos, os santos não se consideravam como tais, longe disso! Eles não esculpiam a sua efígie num fundo de auto-satisfação... Contrariamente àquilo que geralmente aparece nas imagens ditas piedosas e nas biografias embelezadas, eles não foram perfeitos, nem à primeira, nem totalmente, nem sobretudo sem esforço. Eles tinham fraquezas e defeitos contra os quais se bateram toda a vida. Alguns, como S. Agostinho, vieram de longe, transfigurados pelo amor de Deus que acolheram na sua existência. Quanto mais se aproximaram da luz de Deus, tanto mais viram e reconheceram as sombras da sua existência.
    Peregrinos do quotidiano, a maior parte deles não realizaram feitos heróicos nem cumpriram prodígios. É certo que alguns têm à sua conta realizações espectaculares, no plano humanitário, no plano espiritual, ou ainda na história da Igreja. Mas muitos outros, a maioria, são os santos da simplicidade e do quotidiano! Canoniza-se muito pouco estas pessoas do quotidiano!

    Um rosto com traços de Cristo.
    Encontramos em cada um dos santos e das santas um mesmo perfil. Poderíamos mesmo desenhar o seu retrato-robô comum. Por muito frequentar Cristo, deixaram-se modelar pelos seus traços.
    Como Jesus, os santos tiveram que viver muitas vezes em sentido contrário às ideias recebidas e aos comportamentos do seu tempo. Viver as Bem-aventuranças não é evidente: ser pobre de coração num mundo que glorifica o poder e o ter; ser doce num mundo duro e violento; ter o coração puro face à corrupção; fazer a paz quando outros declaram a guerra...
    Os santos foram pessoas "em marcha" (segundo uma tradução hebraizante de "bem-aventurado"), isto é, pessoas activas, apaixonadas pelo Evangelho... Os santos foram homens e mulheres corajosos, capazes de reagir e de afirmar a todo o custo aquilo que os fazia viver. Eles mostram-nos o caminho da verdade e da liberdade.
    Aqueles que frequentaram os santos - aqueles que os frequentam hoje - afirmam que, junto deles, sentimos que nos tornamos melhores. O seu ex
    emplo ilumina. A sua alegria é o seu testemunho mais belo. A sua felicidade é contagiosa.

    REFLEXÃO 3 - TER UM CORAÇÃO DE POBRE (Gérard Naslin)

    Eram quatro casais amigos à volta da mesma mesa. Os copos estavam bem cheios e os pratos bem guarnecidos. No meio da refeição, a conversa centra-se nos acontecimentos da actualidade: Fala-se dos estrangeiros e imigrantes. O debate aquece e cada um proclama o slogan tantas vezes repetido, o cliché veiculado pelos media... Todos parecem em uníssono.
    Entretanto, um dos convivas, que estava em silêncio há alguns minutos, abrindo a boca, disse: "Não estou de acordo convosco, e vou dizer-vos porquê. Para mim, todo o homem é uma história sagrada, eu acredito nisso, deixai-me dizê-lo". Imaginai o tempo de silêncio que se seguiu, enquanto os olhares e os garfos mergulharam nos pratos.
    Naquela noite, ao longo de uma refeição entre amigos, passou-se qualquer coisa que nos faz ver o que é o Reino de Deus: um homem só, ousava deixar a multidão para dizer: "Não estou de acordo!" em nome da sua fé no homem e, no caso preciso, em nome da sua fé em Deus.
    Não foi o que se passou no cimo de uma montanha da Palestina, há 2000 anos, quando um homem, Jesus de Nazaré, tendo diante de si os seus discípulos que tinham deixado a multidão para o seguir, "abrindo a boca", se pôs a instrui-los e lhes falou de felicidade, mas de modo nenhum como o mundo fala dela?!
    São estes discípulos que ele declara "bem-aventurados". São Lucas, no seu Evangelho, será ainda mais preciso, pois escreverá: "erguendo os olhos para os discípulos..." E que lhes disse Ele? "Bem-aventurados vós, os pobres de coração, porque vosso é o Reino de Deus!".
    Eis a força contestatária de Jesus. E as outras seis bem-aventuranças estão lá para ilustrar a primeira, a da pobreza do coração. Quanto à última, ela aparece como a conclusão: "Sim, se vós viveis dessa vida, esperai ser perseguidos, porque isso impedirá as pessoas de dormir; isso inquietá-las-á, e como as pessoas não gostam de ser inquietadas, vós sereis perseguidos".
    As bem-aventuranças, se as queremos tomar a sério e sobretudo vivê-las, colocam-nos em situação de contestação e fazem-nos assumir riscos. Sim, em certos momentos, fazem-nos dizer, e sobretudo viver, um "Não estou de acordo" em nome da nossa fé.
    Porque é que Jesus declara "felizes" os seus discípulos? Porque eles são pobres de coração, porque eles estão libertos de tudo o que poderia entravar a sua liberdade. Com efeito, a alegria é o fruto da liberdade.
    Mas de que pobreza fala Jesus? Fala da pobreza que permite crer, esperar e amar.

    O pobre é aquele que "faz crédito" em Deus.
    "Fazer crédito" ou dizer "credo", é a mesma coisa. Quando se fala de noivos, fala-se de duas pessoas que confiam entre si, que se fiam uma na outra, que "fazem crédito". A desconfiança torna a pessoa infeliz. Confiar é aceitar um certo abandono: aquele que grita em direcção a Deus no meio do seu sofrimento ou da sua confusão, é aquele que confia sempre em Deus.

    O pobre é também aquele que espera.
    O rico não pode esperar, está plenamente satisfeito. O pobre, esse, está sempre virado para um futuro que espera que seja melhor; e, depois, ele procura, porque pensa nunca ter totalmente encontrado. A sua vida é uma procura, e todos os sinais que ele encontra enchem-no de alegria e fazem-no avançar. O pobre é aquele que aceita ser criticado pela Palavra de Deus. Com efeito, pôr-se em questão só é possível para aquele que espera tornar-se melhor.

    O pobre é aquele que ama.
    Por não estar plenamente satisfeito consigo mesmo, o pobre está disponível para servir os seus irmãos. Não centrado em si próprio, abre os olhos e vê aqueles que esperam os seus gestos de amor; ouve os gritos dos seus irmãos e abre as suas mãos vazias para as estender àquele que tem necessidade. A sua pobreza fá-lo receber e, ao mesmo tempo, dar o pouco que tem.
    Jesus conhecia o coração do homem, e soube reconhecer no coração dos seus discípulos esta aspiração a crer, a esperar e a amar; é a razão pela qual ele os escolheu e chamou.
    As bem-aventuranças vão, em tantas situações, contra a corrente, porque um homem, um dia, ousou abrir a boca para dizer aos seus discípulos: "Sois do mundo, e ao mesmo tempo não sois do mundo... Vós não sois do mundo do cada um para si, do consumo, da violência, da vingança, do comprometimento... E face a este mundo deveis dizer: não estou de acordo! É certo que sereis perseguidos ou, pelo menos, rir-se-ão de vós, ou procurarão fazer-vos calar. Felizes sereis, porque fareis ver onde está a verdadeira felicidade. Chamar-vos-ão santos".
    Festejamos neste dia todos aqueles que tomam de tal modo a sério as bem-aventuranças que são hoje plenamente felizes.
    Queremos experimentar ser já felizes? Basta-nos ter um coração de pobre.

    REFLEXÃO 4 - A SANTIDADE DE MUITOS

    Fruto da conversão realizada pelo Evangelho é a santidade de muitos homens e mulheres do nosso tempo; não só daqueles que foram proclamados oficialmente santos pela Igreja, mas também dos que, com simplicidade e no dia a dia da existência, deram testemunho da sua fidelidade a Cristo. Como não pensar aos inumeráveis filhos da Igreja que, ao longo da história do continente europeu, viveram uma santidade generosa e autêntica no mais recôndito da vida familiar, profissional e social? «Todos eles, como "pedras vivas" aderentes a Cristo "pedra angular", construíram a Europa como edifício espiritual e moral, deixando aos vindouros a herança mais preciosa. O Senhor Jesus havia prometido: "Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai" (Jo 14,12). Os santos são a prova viva da realização desta promessa, e ajudam a crer que isto é possível mesmo nos momentos mais difíceis da história». [nº 14 da Exortação Apostólica Ecclesia in Europa de João Paulo II]

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
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    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
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  • Comemoração de Todos os fiéis Defuntos

    Comemoração de Todos os fiéis Defuntos


    2 de Novembro, 2021

    A Igreja, acolhendo uma tradição monástica que vem do século XI, dedica o dia 2 de Novembro à memória dos fiéis defuntos. Depois de ter celebrado a glória e a felicidade dos Santos, no dia 1 de Novembro, a Igreja dedica o dia 2 à oração de sufrágio pelos "irmãos que adormeceram na esperança da ressurreição". Assim fica perfeita a comunhão de todos os crentes em Cristo.
    Lectio
    Primeira leitura: Job 19, 1.23-27ª

    Job respondeu, dizendo: 2«Até quando afligireis a minha alma e me atormentareis com vãs palavras? 23Quem me dera que as minhas palavras se escrevessem e se consignassem num livro, 24ou gravadas em chumbo com estilete de ferro, ou se esculpissem na pedra para sempre! 25Eu sei que o meu redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra; 26e depois de a minha pele se desprender da carne, na minha própria carne verei a Deus. 27Eu mesmo o verei, os meus olhos e não outros o hão-de contemplar! As minhas entranhas consomem-se dentro de mim.

    Os amigos de Job tentam consolá-lo, recorrendo a uma sabedoria superficial, expressa em frases feitas e lugares comuns. É o que tantas vezes acontece quando pretendemos confortar alguém que sofre. As palavras de Job são muito diferentes. No meio do sofrimento, vendo-se às portas da morte e trespassado pela solidão, compreende que Deus é o seu redentor, aquele parente próximo que, segundo os costumes hebreus, deve comprometer-se a resgatar, à sua própria custa, ou a vingar, o seu familiar em caso de escravidão, de pobreza, de assassínio. Job sente Deus como o seu último e definitivo defensor, como alguém que está vivo e se compromete em favor do homem que morre, porque entre Deus e o homem há uma espécie de parentesco, um vínculo indissolúvel. Job afirma-o com vigor: os seus olhos contemplarão a Deus com a familiaridade de quem não é estranho à sua vida.
    Segunda leitura: Romanos 5, 5-11

    Irmãos: A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. 6De facto, quando ainda éramos fracos é que Cristo morreu pelos ímpios. 7Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa boa talvez alguém se atreva a morrer. 8Mas é assim que Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós. 9E agora que fomos justificados pelo seu sangue, com muito mais razão havemos de ser salvos da ira, por meio dele. 10Se, de facto, quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua vida. 11Mais ainda, também nos gloriamos em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem agora recebemos a reconciliação.

    O homem pode ter esperança diante da morte. Como intuiu Job, Deus é, de verdade, o nosso Redentor, porque nos ama. Empenhou-se em resgatar-nos da escravidão do pecado e da morte com o preço do sangue do seu Filho (vv. 6-9) e de modo absolutamente gratuito. De facto, nós éramos pecadores, ímpios, inimigos; mas o Senhor reconheceu-nos como "seus", e morreu por nós arrancando-nos à morte eterna. Acolhemos esta graça por meio do batismo, participando no mistério pascal de Cristo. A sua morte reconciliou-nos com o Pai, e a sua ressurreição permite-nos viver como salvos. Quebrando os laços do pecado, e deixando-nos guiar pelo Espírito derramado em nossos corações, atualizamos cada dia a graça do nosso novo nascimento.
    Evangelho: João 6, 37-40

    Naquele tempo, Jesus disse à multidão: Todos os que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, 38porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 39E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. 40Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.»

    O centro desta perícopa é a vontade de Deus, para a qual está totalmente voltada a missão de Jesus (v. 38). Essa vontade é um desígnio de vida e de salvação oferecido a todos os homens, pela mediação de Cristo, para que nenhum se perda (v. 39). O desígnio de Deus manifesta, pois, a sua ilimitada gratuidade e, ao mesmo tempo, a sua caridade atenta e cuidadosa por cada um de nós. Para acolhê-la, é preciso o livre consentimento da fé: que acredita no Filho tem, desde já, a vida eterna, porque adere Àquele que é a ressurreição e a vida, o único que pode levar-nos para além do intransponível limite da morte.
    Meditatio

    O silêncio é a melhor atitude perante a morte. Introduzindo-nos no diálogo da eternidade e revelando-nos a linguagem do amor, põe-nos em comunhão profunda com esse mistério imperscrutável. Há um laço muito forte entre os que deixaram de viver no espaço e no tempo e aqueles que ainda vivem neles. É verdade que o desaparecimento físico dos nossos entes queridos nos causa grande sofrimento, devido à intransponível distância que se estabelece entre eles e nós. Mas, pela fé e pela oração, podemos experimentar uma íntima comunhão com eles. Quando parece que nos deixam, é o momento em que se instalam mais solidamente na nossa vida, permanecem presentes, fazem parte da nossa interioridade. Encontramo-los na pátria que já levamos no coração, lá onde habita a Santíssima Trindade. Escreveu o Pe. Dehon: "Vivo muito com os meus mortos: os meus pais, amigos, antigos diretores, antigos alunos. Uma centena dos meus religiosos já partiu para junto do Bom Deus, entre eles, homens que muito trabalharam e rezaram... Saúdo-os todas as manhãs e todas as noites, com os meus padroeiros celestes" (NQT XLIV, 139).
    Paulo encoraja-nos a vivermos positivamente o mistério da morte, confrontando-nos com ela todos os dias, aceitando-a como lei de natureza e de graça, para sermos progressivamente despojados do que deve perecer até nos vermos milagrosamente transformados no que devemos ser. Deste modo, a "morte quotidiana" revela-se um nascimento: o lento declínio e o pôr-do-sol tornam-se aurora luminosa. Todos os sofrimentos, canseiras e tribulações da vida fazem parte desta "morte quotidiana" que nos levará à vida imortal. Havemos de viver fixando os olhos na bem-aventurada esperança, confiando na fidelidade do Senhor, que nos prometeu a eternidade. Vivendo assim, quando chegar ao termo desta vida, não veremos descer as trevas da noite, mas veremos erguer-se a aurora da eternidade, onde teremos a alegria de nos sentir uma só coisa com o Senhor. Depois de muitas tribulações, seremos completamente seus, e essa pertença será plena bem-aventurança na visão do seu rosto.
    Para o cristão, o sofrimento é um tempo de "disponibilidade pura", de "pura oblação" e, ao mesmo tempo, uma forma eminente de apostolado, em união a Cristo vítima, na comunhão dos santos, para salvação do mundo. Vivendo assim, prepara-se, assim, para o supremo ato de oblação, para o último apostolado, o da morte: configurados "a Cristo na morte" (Fil 3, 10) (Cf. Cst n. 69).Se a morte de Cristo na Cruz é o ato de apostolado mais eficaz, que remiu o mundo, o mesmo se pode dizer da morte do cristão em união com a morte de Cristo. Não se quer com isto dizer que, sob o ponto de vista humano, a morte do cristão deva ser uma "morte bonita", tal como não foi bonita, com certeza, a morte de Cristo aos olhos dos homens. Foi, pelo contrário, uma "liturgia esquálida", de abandono e de desolação. O importante é que seja uma morte "para Cristo e em Cristo" (S. Inácio de Antioquia, SC 10, 132). Imolados com Ele, com Ele ressuscitaremos.
    Se, na humildade do dia a dia, vivemos a nossa oblação-imolação com Cristo, oblato e imolado pela salvação do mundo, estamos preparados para o último apostolado da nossa vida: a oblação-imolação da nossa morte, o extremo sacrifício, consumado pelo fogo do Espírito, como aconteceu na morte de Cristo na cruz: "Por um Espírito eterno ofereceu a Si mesmo sem mancha, a Deus" (Heb 9, 14). A morte é, então, a nossa última oferta, o momento da suprema, pura oblação: "Se morrermos com Ele, com Ele viveremos" (2 Tm 2, 11).
    Oratio

    Senhor, quero hoje rezar-te por aqueles que desapareceram no mistério da morte. Dá o descanso àqueles que expiam, luz aos que esperam, paz aos que anseiam pelo teu infinito amor. Descansem em paz: na paz do porto seguro, na paz da meta alcançada, na tua paz, Senhor. Vivam no teu amor aqueles que amaste, aqueles que me amaram. Não esqueças o bem que me fizeram, o bem que fizeram a outros. Esquece tudo o mal que praticaram, risca-o do teu livro. Aos que passaram pela dor, àqueles que parecem ter sido imolados por um iníquo destino, revela, com o teu rosto, os segredos da tua justiça, os mistérios do teu amor. Concede-me aquela vida interior que permite comunicar com o mundo invisível em que se encontram os nossos defuntos: esse mundo fora do tempo e do espaço, esse mundo que não é lugar, mas estado, e mundo que não está longe de mim, mas à minha volta, esse mundo que não é de mortos, mas de vivos. Ámen.
    Contemplatio

    O amor ultrapassa o temor e a esperança. O amor não destrói o temor nem a esperança, mas retira-lhes o que o amor-próprio lhe pode misturar de visões mercenárias. O amor não conhece habitualmente outro temor senão o temor filiar, isto é, o medo de desagradar a um Pai bem-amado. Sendo filho do amor, este temor é de uma atenção e delicadeza totalmente diferentes do medo da justiça divina e dos seus castigos. Leva a evitar as mínimas faltas, as mais pequenas imperfeições voluntárias. Em vez de comprimir e de gelar o coração, alarga-o e aquece-o. Não causa nenhuma perturbação, nenhum alarme; e mesmo quando escapa alguma falta, reconduz docemente a alma ao seu Deus através de um arrependimento tranquilo e sincero. Procura acalmar-se e reparar abundantemente da mágoa que se lhe pôde causar. De resto, não se inquieta nem perde a confiança. O amor tira também à esperança o que ela tem de demasiado pessoal. Aquele que ama não sabe outra coisa senão contar com Deus, nem fazer boas obras principalmente com o objetivo de acumular méritos; e por este nobre desinteresse, merece incomparavelmente mais. Esquecendo tudo o que fez por Deus, não pensa noutra coisa senão em fazer ainda mais. Não se apoia sobre si mesmo; visa a recompensa celeste menos sob o título de recompensa do que como uma garantia de amar o seu Deus com todas as suas forças e de ser por Ele amado durante a eternidade. Sem excluir a esperança, que lhe é natural, considera a felicidade mais do lado do bom agrado do seu Deus e da sua glória que lhe pertence do que do lado do seu próprio interesse. E quando o amor está no seu ponto mais elevado de perfeição, estaria disposto a sacrificar a sua felicidade própria à vontade divina, se exigisse dele este sacrifício. Coloca a sua felicidade no cumprimento desta vontade. O coração dos Santos atingiu mesmo sobre a terra este grau de pureza. É a disposição dos bem-aventurados no céu. É preciso, portanto, que o amor seja purificado a este grau neste mundo, ou no outro pelas penas do purgatório. Há, portanto, que deliberar sobre esta escolha? E quando a via do amor não tivesse outra vantagem senão a de nos isentar do purgatório ou de lhe abreviar consideravelmente a duração, poderíeis hesitar em abraçá-la? (Leão Dehon, OSP 2, p. 16s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive a palavra:
    «Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso,
    entres os esplendores da luz perpétua.
    Fazei que descansem em paz.
    Ámen»

     

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    Comemoração de Todos os fiéis Defuntos (2 de Novembro)

  • S. Nuno de Santa Maria, Religioso

    S. Nuno de Santa Maria, Religioso


    6 de Novembro, 2021

    Nuno Álvares Pereira nasceu a 24 de Junho de 1360. Aos treze anos tornou-se pajem da rainha D. Leonor, sendo, pouco depois, armado cavaleiro. Por vontade de seu pai, casou-se aos 16 anos. Dos três filhos do seu matrimónio, dois faleceram ainda crianças, ficando apenas uma filha, Beatriz, que veio a casar com o filho do rei D. João I, D. Afonso, primeiro duque de Bragança. Quando, a 22 de Outubro de 1383, faleceu rei D. Fernando I, não deixou filhos varões, mas apenas uma filha casada com o rei de Castela, que pretendeu apoderar-se da coroa de Portugal. Opôs-se-lhe D. João, Mestre de Avis, irmão de D. Fernando, com o apoio de D. Nuno Alvares Pereira. Este, nomeado Condestável, conduziu o exército português a várias vitórias contra os castelhanos, até à vitória final, em Aljubarrota, a 14 de Agosto de 1385. O Condestável, aos dotes militares, aliava uma espiritualidade sincera e profunda, caraterizada pelo amor à Eucaristia e à Virgem Maria. Com a morte da sua esposa, em 1387, D. Nuno recusa contrair segundas núpcias e, quando a paz é definitivamente estabelecida, distribui grande parte dos bens pelos seus companheiros, antigos combatentes, e faz-se carmelita, com o nome de frei Nuno de Santa Maria. Logo após a sua morte, no dia 1 de Abril de 1431, Fre Nuno começou a ser chamado "santo" pelo povo. Beatificado por Bento XV beatificou-o, em 1918 e Bento XVI canonizou-o, em 2009.
    Lectio
    Primeira leitura: Ben Sirá 44, 1-3ab.4.6-7.10.13-14

    Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados,segundo as suas gerações. 2O Senhor deu-lhes grande glória e magnificência, desde o princípio do mundo. 3Eles governaram nos seus reinos, homens famosos pelo seu poder, conselheiros pela sua inteligência. 4Guias do povo, pelos seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade, sábios narradores, pelo seu ensino, 6Homens ricos, dotados de poder, vivendo em paz nas suas casas. 7Todos eles alcançaram glória entre os seus contemporâneos e foram honrados no seu tempo. 10Foram homens de misericórdia, cujas obras de piedade não foram esquecidas. 13A sua posteridade permanecerá para sempre, e a sua glória não terá fim. 14Os seus corpos foram sepultados em paz, e o seu nome vive de geração em geração.

    Ben Sirá evoca as figuras ilustres que marcaram o passado da história de Israel para, com o seu exemplo, infiltrar vida nova no presente e projetar a esperança do povo na direção do futuro. Se estes homens baseavam a sua esperança na perpetuidade da sua memória, nas homenagens que lhes prestariam as gerações futuras, uma vez que ainda não lhes era muita clara a vida para além da morte, a nossa esperança de cristãos baseia-se em motivações bem mais sólidas: Cristo morto e ressuscitado, nossa esperança. S. Nuno de Santa Maria, grande pelo heroísmo e generosidade com que serviu o povo e pelas benemerências que lhe prestou, é ainda maior pela sua fé, pela sua esperança e pela sua caridade. Animado por essas virtudes, serviu a Pátria e, sobretudo, serviu a Deus.
    Evangelho: Lucas 14, 25-33

    Naquele tempo, seguia Jesus uma grande multidão. Jesus voltou-se e disse-lhes: 26«Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. 27Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo. 28Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? 29Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, 30dizendo: 'Este homem começou a construir e não pôde acabar.' 31Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem contra ele com vinte mil? 32Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a pedir a paz. 33Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.

    O seguimento de Jesus é exigente. Não se pode ser cristã a meias. É o que nos ensinam as duas parábolas (vv. 27-30 e 31-32) e as três sentenças (vv. 26.27.32) que escutamos no evangelho da memória de S. Nuno de Santa Maria. Se os projetos deste mundo impõem custos, planos, sacrifícios, o seguimento de Jesus não é menos exigente. Por isso, se alguém quer ser discípulo de Jesus, deve tomar a cruz para segui-lo (cf. v. 26). A nossa lei é Cristo, com a sua entrega aos pequenos, a sua mensagem de esperança, de perdão e o seu caminho de verdade/fidelidade até à morte. S. Nuno foi discípulo verdadeiro e fiel, como cristão leigo, como militar, como religioso.
    Meditatio

    "Sabei que o Senhor me fez maravilhas. Ele me ouve, quando eu o chamo" (Sl 4, 4). Estas palavras do Salmo Responsorial exprimem o segredo da vida do bem-aventurado Nuno de Santa Maria, herói e santo de Portugal. Os setenta anos da sua vida situam-se na segunda metade do século XIV e primeira do século XV, que viram aquela nação consolidar a sua independência de Castela e estender-se depois pelos Oceanos - não sem um desígnio particular de Deus - abrindo novas rotas que haviam de propiciar a chegada do Evangelho de Cristo até aos confins da terra. São Nuno sente-se instrumento deste desígnio superior e alistado na militia Christi, ou seja, no serviço de testemunho que cada cristão é chamado a dar no mundo. Características dele são uma intensa vida de oração e absoluta confiança no auxílio divino. Embora fosse um ótimo militar e um grande chefe, nunca deixou os dotes pessoais sobreporem-se à ação suprema que vem de Deus. São Nuno esforçava-se por não pôr obstáculos à ação de Deus na sua vida, imitando Nossa Senhora, de Quem era devotíssimo e a Quem atribuía publicamente as suas vitórias. No ocaso da sua vida, retirou-se para o Convento do Carmo por ele mandado construir. Sinto-me feliz por apontar à Igreja inteira esta figura exemplar nomeadamente pela presença duma vida de fé e oração em contextos aparentemente pouco favoráveis à mesma, sendo a prova de que em qualquer situação, mesmo de carácter militar e bélico, é possível atuar e realizar os valores e princípios da vida cristã, sobretudo se esta é colocada ao serviço do bem comum e da glória de Deus. (Bento XVI, Homilia da Canonização de S. Nuno de Santa Maria).
    Oratio

    Senhor nosso Deus, que destes a S. Nuno de Santa Maria a graça de combater o bom combate e o tornastes exímio vencedor de si mesmo, concedei aos vossos servos que, dominando como ele as sedições do mundo, com ele vivam para sempre na pátria celeste. Ámen.
    Contemplatio

    "A devoção a Maria, diz Santo Efrém, é "um salvo-conduto para o céu". "Maria é uma advogada que não perde as suas causas", diz S. Bernardo. Temos disso a prova no milagre de Caná. "Ela não se cansa de nos defender", diz S. Germano... Santo Anselmo aplica-lhe o que é dito da Sabedoria nos santos livros: "Ela antecipa-se às nossas orações para nos vir socorrer" (Sab 6, 14). O mesmo Sto. Anselmo vai até ao ponto de dizer que o socorro vem às vezes mais depressa pela invocação de Maria, enquanto Jesus é Mestre e Juiz. "Como Maria é terrível para o demónio", diz S. Boaventura! E o Santo doutor aplica a Maria o que Job diz da Aurora que faz fugir os ladrões: "O diabo tal como os ladrões atravessa as muralhas de noite, mas se a aurora aparece, foge como os ladrões"... Guardemos a castidade segundo a nossa própria condição... Recitemos o pequeno ofício ou a liturgia das horas". (Leão Dehon, OSP 4, p. 64s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "A suas obras de piedade não foram esquecidas" (Ben Sirá, 44, 12).

     

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    S. Nuno de Santa Maria, Religioso (6 de Novembro)

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