Week of Jun 25th

  • 12º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    12º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    25 de Junho, 2023

    ANO A
    12º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 12º Domingo do Tempo Comum

    As leituras deste domingo põem em relevo a dificuldade em viver como discípulo, dando testemunho do projecto de Deus no mundo. Sugerem que a perseguição está sempre no horizonte do discípulo... Mas garantem também que a solicitude e o amor de Deus não abandonam o discípulo que dá testemunho da salvação.
    A primeira leitura apresenta-nos o exemplo de um profeta do Antigo Testamento - Jeremias. É o paradigma do profeta sofredor, que experimenta a perseguição, a solidão, o abandono por causa da Palavra; no entanto, não deixa de confiar em Deus e de anunciar - com coerência e fidelidade - as propostas de Deus para os homens.
    No Evangelho, é o próprio Jesus que, ao enviar os discípulos, os avisa para a inevitabilidade das perseguições e das incompreensões; mas acrescenta: "não temais". Jesus garante aos seus a presença contínua, a solicitude e o amor de Deus, ao longo de toda a sua caminhada pelo mundo.
    Na segunda leitura, Paulo demonstra aos cristãos de Roma como a fidelidade aos projectos de Deus gera vida e como uma vida organizada numa dinâmica de egoísmo e de auto-suficiência gera morte.

    LEITURA I - Jer 20,10-13

    Leitura do Livro de Jeremias

    Disse Jeremias:
    "Eu ouvia as invectivas da multidão:
    'Terror por toda a parte! Denunciai-o, vamos denunciá-lo!'
    Todos os meus amigos esperavam
    que eu desse um passo em falso:
    'Talvez ele se deixe enganar
    e assim poderemos dominar e nos vingaremos dele'.
    Mas o Senhor está comigo como herói poderoso
    e os meus perseguidores cairão vencidos.
    Ficarão cheios de vergonha pelo seu fracasso,
    ignomínia eterna que não será esquecida.
    Senhor do Universo,
    que sondais o justo e perscrutais os rins e o coração,
    possa eu ver o castigo que dareis a essa gente,
    pois a Vós confiei a minha causa.
    Cantai ao Senhor, louvai o Senhor,
    que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos".

    AMBIENTE

    Jeremias, o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a.C.). O cenário da actividade do profeta é, em geral, o reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
    A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei - preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus - leva a cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir do país os cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período, traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à aliança.
    No entanto, em 609 a.C., Josias é morto em combate contra os egípcios. Joaquim sucede-lhe no trono. A segunda fase da actividade profética de Jeremias abrange o tempo de reinado de Joaquim (609-597 a.C.).
    O reinado de Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado para o Povo, e de incompreensão e sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a criticar as injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e a infidelidade religiosa (traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas: procurar a ajuda dos egípcios significava não confiar em Deus e, em contrapartida, colocar a esperança do Povo em exércitos estrangeiros). Jeremias está convencido de que Judá já ultrapassou todas as medidas e que está iminente uma invasão babilónica que castigará os pecados do Povo de Deus. É sobretudo isso que ele diz aos habitantes de Jerusalém... As previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a Babilónia uma parte da população de Jerusalém.
    No trono de Judá, fica então Sedecias (597-586 a.C.). A terceira fase da missão profética de Jeremias desenrola-se precisamente durante este reinado.
    Após alguns anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias volta a experimentar a velha política das alianças com o Egipto. Jeremias não está de acordo que se confie em exércitos estrangeiros mais do que em Jahwéh. Mas nem o rei nem os notáveis lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado um amargo "profeta da desgraça", Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.
    Em 587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os babilónios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jer 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jer 37,11-16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jer 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de facto, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população para a Babilónia (586 a.C.).
    Jeremias é o paradigma dos profetas que sofrem por causa da Palavra. De natureza sensível e cordial, homem de paz, que anseia pelo sossego da família e pelo convívio com os amigos, Jeremias não foi feito para o confronto, a agressão, a violência das palavras ou dos gestos; mas Jahwéh chamou-o para "arrancar e destruir, para exterminar e demolir" (Jer 1,10), para predizer desgraças e anunciar, com violência, destruição e morte (cf. Jer 20,8). Como consequência, foi continuamente objecto de desprezo e de irrisão e todos o maldiziam. Os familiares, os amigos, os reis, os sacerdotes, os falsos profetas, o povo inteiro, todos se afastavam, mal ele abria a boca. E esse homem bom, sensível e delicado sofria terrivelmente pelo abandono e pela solidão a que a missão profética o condenava.
    Jeremias estava verdadeiramente apaixonado pela Palavra de Jahwéh e sabia que não teria descanso se não a proclamasse com fidelidade. Mas nos momentos mais negros de solidão e de frustração, o profeta deixou, algumas vezes, que a amargura que lhe ia no coração lhe subisse à boca e se transformasse em palavras. Dirigia-se a Deus e censurava-o asperamente por causa dos problemas que a missão lhe trazia. Chegou a comparar-se a uma jovem inocente e ingénua, de quem Deus se apoderou e a quem forçou a fazer algo que o profeta não queria (cf. Jer 20,7-9).
    No Livro de Jeremias aparecem, a par e passo, queixas e lamentos do profeta, condenado a essa vida de aparente fracasso. Alguns desses textos são conhecidos como "confissões de Jeremias" e são verdadeiros desabafos em que o profeta expõe a Jahwéh, com sinceridade e rebeldia, a sua desilusão, a sua amargura e a sua frustração (cf. Jer 11,18-23; 12,1-6; 15,10.15-20; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18). O texto que hoje nos é proposto faz parte de uma dessas "confissões&rdq
    uo;.

    MENSAGEM

    O profeta começa por descrever o quadro que o rodeia... A multidão, farta de escutar anúncios de castigos e de terrores, resolve pôr um ponto final no derrotismo de Jeremias e prepara-se para o calar. Jeremias, o "terror por toda a parte" (é dessa forma irónica que a multidão o designa, parodiando uma expressão de que o profeta se servia para anunciar as desgraças que estavam para chegar), vai ser preso, julgado e silenciado. Todo o ambiente faz pensar na montagem de um esquema de julgamento sumário e de linchamento popular. O profeta corre, portanto, sérios riscos de vida... No entanto, aquilo que mais dói a Jeremias é que até os seus amigos mais íntimos lhe voltaram as costas e juntaram-se aos que maquinavam a sua perda. O profeta - que nunca pretendeu magoar ninguém, mas somente anunciar com fidelidade a Palavra de Deus - sente-se só, abandonado, marginalizado, perdido na mais negra solidão (vers. 10).
    No entanto, o lamento de Jeremias é bruscamente cortado por um inesperado hino de louvor a Jahwéh, expressão extraordinária da confiança no Deus que não falha (vers. 11-13). É preciso dizer que estes versículos estão aqui um tanto ou quanto deslocados: provavelmente, eles foram pronunciados por Jeremias noutro contexto e aqui inseridos pelo editor final do livro (no texto original, aos vers. 7-10 seguir-se-iam os vers. 14-18). De qualquer forma, este hino reproduz a certeza de que, apesar do sofrimento e da incompreensão que tem de enfrentar, o profeta não está só: ele confia em Deus, no seu poder, na sua justiça, no seu amor; e sabe que Deus nunca abandona o pobre que n'Ele confia (aqui "pobre" não deve ser lido em sentido material, mas no sentido de desprotegido, perseguido injustamente pelos poderosos).

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, as seguintes questões:

    • Ser profeta não é um caminho fácil: o exemplo de Jeremias é elucidativo (como também o é o testemunho de Óscar Romero, Luther King, Gandhi e tantos outros profetas do nosso tempo). O "mundo" não gosta de ver ser posta em causa a sua "paz podre", não está disposto a aceitar que se questionem os esquemas de exploração e injustiça instituídos em favor dos poderosos, nem que se critiquem os "valores" de alguns "iluminados" fazedores da opinião pública. O "caminho do profeta" é, portanto, um caminho onde se lida permanentemente com a incompreensão, com a solidão, com o risco... É, no entanto, um caminho que Deus nos chama a percorrer, na fidelidade à sua Palavra. Temos a coragem de seguir esse caminho? As "bocas" dos outros, as críticas injustas, a solidão que dói mais do que tudo, alguma vez nos impediram de cumprir a missão que o nosso Deus nos confiou?

    • No baptismo, fomos ungidos como "profetas", à imagem de Cristo. Estamos conscientes dessa vocação a que Deus, a todos, nos convocou? Temos a noção de que somos a "boca" através da qual a Palavra de Deus ressoa no mundo e Se dirige aos homens?

    • A experiência profética é um caminho de luta, de sofrimento, muitas vezes de solidão e de abandono; mas é também um caminho onde Deus está. O testemunho de Jeremias confirma que Deus nunca abandona aqueles que procuram testemunhar no mundo, com coragem e verdade, as suas propostas. Esta certeza deve trazer ânimo e dar esperança a todos aqueles que assumem, com coerência, a sua missão profética.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 68 (69)

    Refrão: Pela vossa grande misericórdia, atendei-me, Senhor.

    Por Vós tenho suportado afrontas,
    cobrindo-se meu rosto de confusão.
    Tornei-me um estranho para os meus irmãos,
    um desconhecido para a minha família.
    Devorou-me o zelo pela vossa casa
    e recaíram sobre mim os insultos contra Vós.

    A Vós, Senhor, elevo a minha súplica,
    no momento propício, meu Deus.
    Pela vossa grande bondade, respondei-me,
    em prova da vossa salvação.
    Tirai-me do lamaçal, para que não me afunde,
    livrai-me dos que me odeiam e do abismo das águas.

    Vós, humildes, olhai e alegrai-vos,
    buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará.
    O Senhor ouve os pobres
    e não despreza os cativos.
    Louvem-n'O o céu e a terra,
    os mares e quanto neles se move.

    LEITURA II - Rom 5,12-15
    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo
    e pelo pecado a morte,
    assim também a morte atingiu todos os homens,
    porque todos pecaram.
    De facto, até à Lei, existia o pecado no mundo.
    Mas o pecado não é levado em conta, se não houver lei.
    Entretanto, a morte reinou desde Adão até Moisés,
    mesmo para aqueles que não tinham pecado
    por uma transgressão à semelhança de Adão,
    que é figura d'Aquele que havia de vir.
    Mas o dom gratuito não é como a falta.
    Se pelo pecado de um só pereceram muitos,
    com muito mais razão a graça de Deus,
    dom contido na graça de um só homem, Jesus Cristo,
    se concedeu com abundância a muitos homens.

    AMBIENTE

    No final da década de 50 (a carta aos Romanos apareceu por volta de 57/58), a "crise" entre os cristãos oriundos do mundo judaico e os cristãos oriundos do mundo pagão acentua-se. Os cristãos de origem judaica consideravam que, além da fé em Jesus Cristo, era necessário cumprir as obras da Lei de Moisés, a fim de ter acesso à salvação; mas os cristãos de origem pagã recusavam-se a aceitar a obrigatoriedade das práticas judaicas. Era uma questão "quente", que ameaçava a unidade da Igreja.
    Neste cenário, Paulo procura mostrar a todos os crentes a unidade da revelação e da história da salvação: judeus e não judeus são, de igual forma, chamados por Deus à salvação; o essencial não é cumprir a Lei de Moisés - que nunca assegurou a ninguém a salvação; o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a todos, por Jesus.
    O texto que nos é proposto faz parte da primeira parte da Carta aos Romanos (cf. Rom 1,18-11,36). Depois de demonstrar que todos (judeus e não judeus) vivem mergulhados no pecado (cf. Rom 1,18-3,20) e que é a justiça de Deus que a todos salva, sem distinção (cf. Rom 3,21-5,11), Paulo ensina que é através de Jesus Cristo que a vida de Deus chega aos homens e que se faz oferta de salvação para todos (cf. Rom 5,12-8,39).

    MENSAGEM

    Para deixar bem claro que a salvação foi oferecida por Deus aos homens através de Jesus Cristo, Paulo recorre aqui a uma figura literária que aparece, com alguma frequência, nos se
    us escritos: a antítese. Em concreto, Paulo vai expor o seu raciocínio através de um jogo de oposições entre duas figuras: Adão e Jesus.
    Adão é a figura de uma humanidade que prescinde de Deus e das suas propostas e que escolhe caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência. Ora, essa escolha produz injustiça, alienação, desarmonia, pecado. Porque a humanidade preferiu, tantas vezes, esse caminho, o mundo entrou numa economia de pecado; e o pecado gera morte. A morte deve ser entendida, neste contexto, em sentido global - quer dizer, não tanto como morte físico-biológica, mas sobretudo como morte espiritual e escatológica que é afastamento temporário ou definitivo de Deus (que é a fonte da vida autêntica).
    Cristo propôs um outro caminho. Ele viveu numa permanente escuta de Deus e das suas propostas, na obediência total aos projectos do Pai. Esse caminho leva à superação do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência e faz nascer um Homem Novo, plenamente livre, que vive em comunhão com o Deus que é fonte de vida autêntica (a vitória de Cristo sobre a morte é a prova provada de que a comunhão com Deus produz vida definitiva). Foi essa a grande proposta que Cristo fez à humanidade... Assim, Cristo libertou os homens da economia de pecado e introduziu no mundo uma dinâmica nova, uma economia de graça que gera vida plena (salvação).
    Não é claro que Paulo se esteja a referir aqui àquilo que a teologia posterior designou como "pecado original" (ou seja, um pecado histórico cometido pelo primeiro homem, que atinge e marca todos os homens que nascerem em qualquer tempo e lugar). O que é claro é que, para Paulo, a intervenção de Cristo na história humana se traduziu num dinamismo de esperança, de vida nova, de vida autêntica. Cristo veio propor à humanidade um caminho de comunhão com Deus e de obediência aos seus projectos; é esse caminho que conduz o homem em direcção à vida plena e definitiva, à salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    • A história do nosso tempo está cheia de exemplos de homens e mulheres que entregaram a vida para realizar o projecto libertador de Deus no mundo e que foram considerados pela cultura dominante gente vencida e fracassada (embora, com alguma frequência, depois de mortos sejam "recuperados" e apresentados como heróis). Jesus Cristo mostra, contudo, que fazer da vida um dom a Deus aos homens não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um caminho libertador, que introduz no mundo dinamismos de vida nova, de vida autêntica, de vida definitiva. Eu estou disposto a arriscar, a fazer da minha vida um dom, para que a vida plena atinja e liberte os meus irmãos?

    • Alguns acontecimentos que marcam o nosso tempo confirmam que uma história construída à margem de Deus e das suas propostas é uma história marcada pelo egoísmo, pela injustiça e, portanto, é uma história de sofrimento e de morte. Quando o homem deixa de dar ouvidos a Deus, dá ouvidos ao lucro fácil, destrói a natureza, explora os outros homens, torna-se injusto e prepotente, sacrifica em proveito próprio a vida dos seus irmãos. Qual o nosso papel de crentes neste processo? O que podemos fazer para que Deus volte a estar no centro da história e as suas propostas sejam acolhidas?

    • A modernidade ensinou-nos que a fonte da salvação não é Deus, mas o homem e as suas conquistas. Exaltou o individualismo e a auto-suficiência e ensinou-nos que só nos realizaremos totalmente se formos nós - orgulhosamente sós - a definir o nosso caminho e o nosso destino. No entanto, onde nos leva esta cultura que prescinde de Deus e das suas sugestões? A cultura moderna tem feito surgir um homem mais feliz, ou tem potenciado o aparecimento de homens perdidos e sem referências, que muitas vezes apostam tudo em propostas falsas de salvação e que saem dessa experiência de busca mais fragilizados, mais dependentes, mais alienados?

    ALELUIA - Jo 15,26b.27a

    Aleluia. Aleluia.

    O Espírito da verdade dará testemunho de Mim, diz o Senhor,
    e vós também dareis testemunho de Mim.

    EVANGELHO - Mt 10,26-33
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus apóstolos:
    "Não tenhais medo dos homens,
    pois nada há encoberto que não venha a descobrir-se,
    nada há oculto que não venha a conhecer-se.
    O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia;
    e o que escutais ao ouvido proclamai-o sobre os telhados.
    Não temais os que matam o corpo,
    mas não podem matar a alma.
    Temei antes Aquele que pode lançar na geena a alma e o corpo.
    Não se vendem dois passarinhos por uma moeda?
    E nem um deles cairá por terra
    sem consentimento do vosso Pai.
    Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados.
    Portanto, não temais:
    valeis muito mais do que os passarinhos.
    A todo aquele que se tiver declarado por Mim
    diante dos homens
    também Eu Me declararei por ele
    diante do meu Pai que está nos Céus.
    Mas àquele que me negar diante dos homens,
    também Eu o negarei
    diante do meu Pai que está nos Céus".

    AMBIENTE

    Continuamos no mesmo ambiente em que o Evangelho do passado domingo nos situava. Os discípulos - que Jesus chamou e que responderam positivamente a esse chamamento, que escutaram os ensinamentos e que testemunharam os sinais de Jesus - vão ser enviados ao mundo, a fim de continuarem a obra libertadora e salvadora de Jesus. Contudo, antes de partir, recebem as instruções de Jesus: é o "discurso da missão", que se prolonga de 9,36 a 11,1.
    Mateus escreve durante a década de 80. No império romano reina Domiciano (anos 81 a 96), um imperador que não está disposto a tolerar o cristianismo. No horizonte imediato das comunidades cristãs, está uma hostilidade crescente, que rapidamente se converterá em perseguição organizada contra o cristianismo (no ano 95, por iniciativa de Domiciano, começa uma terrível perseguição contra os cristãos em todos os territórios do império romano).
    A comunidade cristã a quem Mateus destina o seu Evangelho (possivelmente, a comunidade cristã de Antioquia da Síria) é uma comunidade com grande sensibilidade missionária, verdadeiramente empenhada em levar a Boa Nova de Jesus a todos os homens. No entanto, os missionários convivem, dia a dia, com as dificuldades e as perseguições e manifestam um certo desânimo e uma certa frustração. Os crentes não sabem que caminho percorrer e estão perturbados e confusos.
    Neste contexto, Mateus compôs uma espécie de "manual do missionário cristão", que é o nosso "discurso da missão". Para mostrar que a actividade missionária é um imperativo da vida cristã, Mateus apresenta a missão dos discípulos como a continua&c
    cedil;ão da obra libertadora de Jesus. Define também os conteúdos do anúncio e as atitudes fundamentais que os missionários devem assumir, enquanto testemunhas do "Reino".

    MENSAGEM

    O tema central da nossa leitura é sugerido pela expressão "não temais", que se repete por três vezes ao longo do texto (cf. Mt 10,26.28.31). Trata-se de uma expressão que aparece com alguma frequência no Antigo Testamento, dirigida a Israel (cf. Is 41,10.13; 43,1.5; 44,2; Jer 30,10) ou a um profeta (cf. Jer 1,8). O contexto é sempre o da eleição: Jahwéh elege alguém (um Povo ou uma pessoa) para o seu serviço; ao eleito, confia-lhe uma missão profética no mundo; e porque sabe que o "eleito" se vai confrontar com forças adversas, que se traduzirão em sofrimento e perseguição, assegura-lhe a sua presença, a sua ajuda e protecção.
    É precisamente neste contexto que o Evangelho deste domingo nos situa. Ao enviar os discípulos que elegeu, Jesus assegura-lhes a sua presença, a sua ajuda, a sua protecção, a fim de que os discípulos superem o medo e a angústia que resultam da perseguição. As palavras de Jesus correspondem à última bem-aventurança: "bem-aventurados sereis quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós" (Mt 5,12).
    Este convite à superação do medo vai acompanhado por três desenvolvimentos.
    No primeiro desenvolvimento (vers. 26.27), Jesus pede aos discípulos que não deixem o medo impedir a proclamação aberta da Boa Nova. A mensagem libertadora de Jesus não pode correr o risco de ficar - por causa do medo - circunscrita a um pequeno grupo, cobarde e comodamente fechado dentro de quatro paredes, sem correr riscos, nem incomodar a ordem injusta sobre a qual o mundo se constrói; mas é uma mensagem que deve ser proclamada com coragem, com convicção, com coerência, de cima dos telhados, a fim de mudar o mundo e tornar-se uma Boa Nova libertadora para todos os homens e mulheres.
    No segundo desenvolvimento (vers. 28), Jesus recomenda aos discípulos que não se deixem vencer pelo medo da morte física. O que é decisivo, para o discípulo, não é que os perseguidores o possam eliminar fisicamente; mas o que é decisivo, para o discípulo, é perder a possibilidade de chegar à vida plena, à vida definitiva... Ora, o cristão sabe que a vida definitiva é um dom, que Deus oferece àqueles acolheram a sua proposta e que aceitaram pôr a própria vida ao serviço do "Reino". Os discípulos que procuram percorrer com fidelidade o caminho de Jesus não precisam, portanto, de viver angustiados pelo medo da morte.
    No terceiro desenvolvimento (vers. 29-31), Jesus convida os discípulos a descobrirem a confiança absoluta em Deus. Para ilustrar a solicitude de Deus, Mateus recorre a duas imagens: a dos pássaros de que Deus cuida (que revela a tocante ternura e preocupação de Deus por todas as criaturas, mesmo as mais insignificantes e indefesas) e a dos cabelos que Deus conta (que revela a forma particular, única, profunda, como Deus conhece o homem, com a sua especificidade, os seus problemas, as suas dificuldades). Deus é aqui apresentado como um "Pai", cheio de amor e de ternura, sempre preocupado em cuidar dos seus "filhos", em entendê-los e em protegê-los. Ora, depois de terem descoberto este "rosto" de Deus, os discípulos têm alguma razão para ter medo? A certeza de ser filho de Deus é, sem dúvida, algo que alimenta a capacidade do discípulo em empenhar-se - sem medo, sem prevenções, sem preconceitos, sem condições - na missão. Nada - nem as dificuldades, nem as perseguições - conseguem calar esse discípulo que confia na solicitude, no cuidado e no amor de Deus Pai.
    As últimas palavras (vers. 32-33) da leitura que hoje nos é proposta contêm uma séria advertência de Jesus: a atitude do discípulo diante da perseguição condicionará o seu destino último... Aqueles que se mantiveram fiéis a Deus e aos seus projectos e que testemunharam com desassombro a Palavra encontrarão vida definitiva; mas aqueles que procuraram proteger-se, comodamente instalados numa vida morna, sem riscos, sem chatices, e também sem coerência, terão recusado a vida em plenitude: esses não poderão fazer parte da comunidade de Jesus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, podem considerar-se as seguintes questões:

    • O projecto de Jesus, vivido com radicalidade e coerência, não é um projecto "simpático", aclamado e aplaudido por aqueles que mandam no mundo ou que "fazem" a opinião pública; mas é um projecto radical, questionante, provocante, que exige a vitória sobre o egoísmo, o comodismo, a instalação, a opressão, a injustiça... É um projecto capaz de abalar os fundamentos dessa ordem injusta e alienante sobre a qual o mundo se constrói. Há um certo "mundo" que se sente ameaçado nos seus fundamentos e que procura, todos os dias, encontrar formas para subverter e domesticar o projecto de Jesus. A nossa época inventou formas (menos sangrentas, mas certamente mais refinadas do que as de Domiciano) de reduzir ao silêncio os discípulos: ridiculariza-os, desautoriza-os, calunia-os, corrompe-os, massacra-os com publicidade enganosa de valores efémeros... Como a comunidade de Mateus, também nós andamos assustados, confusos, desorientados, interrogando-nos se vale a pena continuar a remar contra a maré... A todos nós, Jesus diz: "não temais".

    • O medo - de parecer antiquado, de ficar desenquadrado em relação aos outros, de ser ridicularizado, de ser morto - não pode impedir-nos de dar testemunho. A Palavra libertadora de Jesus não pode ser calada, escondida, escamoteada; mas tem de ser vivamente afirmada com palavras, com gestos, com atitudes provocatórias e questionantes. Viver uma fé "morninha" (instalada, cómoda, que não faz ondas, que não muda nada, que aceita passivamente valores, esquemas, dinâmicas e estruturas desumanizantes), não chega para nos integrar plenamente na comunidade de Jesus.

    • De resto, o valor supremo da nossa vida não está no reconhecimento público, mas está nessa vida definitiva que nos espera no final de um caminho gasto na entrega ao Pai e no serviço aos homens; e Jesus demonstrou-nos que só esse caminho produz essa vida de felicidade sem fim que os donos do mundo não conseguem roubar.

    • A Palavra de Deus que nos foi hoje proposta convida-nos também a fazer a descoberta desse Deus que tem um coração cheio de ternura, de bondade, de solicitude. Se nos entregarmos confiadamente nas mãos desse Deus, que é um pai que nos dá confiança e protecção e é uma mãe que nos dá amor e que nos pega ao colo quando temos dificuldade em caminhar, não teremos qualquer receio de enfrentar os homens.
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 12º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PROLONGAR O CÂNTICO DE ENTRADA.
    Procure-se prolongar o cântico de entrada. A sua função é congregar a comunidade que se prepara para celebrar. Se for muito curto (muitas vezes termina antes de o presidente chegar ao altar), não exercerá essa função. Recordemos também que não é necessário que o início do cântico de entrada coincida com o início da procissão de entrada. O cântico pode começar bem antes da procissão.

    3. PREVENIR OS LEITORES.
    As leituras deste domingo têm géneros literários muito diferentes. Nenhuma é fácil de se ler em público. Onde tal não acontece, é bom adquirir o hábito de prevenir os leitores, com antecedência, para prepararem a proclamação das leituras. Melhor ainda, deveria haver um tempo durante a semana para meditarem e prepararem em conjunto os textos bíblicos que vão proclamar no domingo. Grupo de leitores é também para isso, não apenas para constarem de uma lista...

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Senhor do universo, que perscrutas os rins e os corações. Em todo o tempo livraste o pobre do poder dos maus: salvaste Isaac, Moisés e o teu Povo, vigiaste o teu Filho e os apóstolos.
    Nós Te confiamos a nossa causa e as de todos os infelizes. Nós Te pedimos: fica ao nosso lado, apoia-nos quando ajudamos os outros.

    No final da segunda leitura:
    Nós Te damos graças pelo primeiro Adão, de quem herdámos a vida terrestre. Mas nós Te bendizemos sobretudo pelo teu Filho Jesus, o segundo Adão, por quem nos deste a graça em abundância, para a vida eterna.
    Nós Te pedimos pela nossa humanidade votada à morte, e por tantos homens e mulheres que procuram desesperadamente fugir da morte. Mantém-nos confiantes na tua graça.

    No final do Evangelho:
    Pai, nós Te bendizemos pelo teu humor, quando nos asseguras com a tua protecção, mesmo até aos nossos cabelos! E quando nos dás mais valor do que a todos os passarinhos do mundo!
    Nós Te pedimos por todos os nossos irmãos e irmãs atingidos pela inquietude (e nós também). Que o teu Espírito nos fortaleça na confiança.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, que sublinha a liberdade de Cristo e a sua obra de vida tal como Paulo a descreve na segunda leitura.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    E as nossas convicções religiosas? Expor e defender as opiniões políticas reforça as convicções e torna-as mais incisivas. E as nossas convicções religiosas? Diante de certas relações, não somos por vezes tentados a deixar de lado os nossos compromissos de crentes? ...prontos a negar a fé para não nos comprometermos? ...prontos a todos os compromissos para salvar o nosso lugar? Por quem nos pronunciamos diante dos homens?

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Segunda-feira

    26 de Junho, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Génesis 12, 1-9

    Naqueles dias, o Senhor disse a Abrão: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa do teu pai, e vai para a terra que Eu te indicar. 2Farei de ti um grande povo, abençoar-te-ei, engrandecerei o teu nome e serás uma fonte de bênçãos. 3Abençoarei aqueles que te abençoarem, e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem. E todas as famílias da Terra serão em ti abençoadas.» 4Abrão partiu, como o Senhor lhe dissera, levando consigo Lot. Quando saiu de Haran, Abrão tinha setenta e cinco anos. 5Tomou Sarai, sua mulher, e Lot, filho do seu irmão, assim como todos os bens que possuíam e os escravos que tinham adquirido em Haran, e partiram todos para a terra de Canaã, e chegaram à terra de Canaã. 6Abrão percorreu-a até ao lugar de Siquém, até aos carvalhos de Moré. Os cananeus viviam, então, naquela terra. 7O Senhor apareceu a Abrão e disse-lhe: «Darei esta terra à tua descendência.» E Abrão construiu ali um altar ao Senhor, que lhe tinha aparecido. 8Deixando esta região, prosseguiu até ao monte situado ao oriente de Betel, e montou ali as suas tendas, ficando Betel ao ocidente e Ai ao oriente. Construiu também um altar ao Senhor e invocou o seu nome. 9Abrão continuou a sua viagem, acampando aqui e ali, em direcção ao Négueb.

    A figura de Abraão estabelece a ligação entre as origens da humanidade e as origens do povo bíblico. Abraão é uma chave na teologia da história: por um lado, encarna a promessa de bênção que desde o princípio se insinua no seio da humanidade pecadora; por outro lado, dá sentido e alcance universal à eleição particular do povo bíblico, que de outro modo seria sectário e não teria legitimação numa teologia monoteísta. Abraão é a chave onde a humanidade tem futuro e a eleição de Israel a sua etiologia.
    O imperativo divino suscita da parte de Abraão uma resposta livre. A Bíblia não diz a razão da sua eleição: ela é insondável tal como o desígnio de Deus. Israel reflectirá longamente sobre o mistério deste chamamento, que insere Abraão na linha dos grandes mediadores e profetas ou, mais ainda, o faz protótipo de todos os crentes, mas não encontra outra resposta senão a da sua própria eleição: «O Senhor ligou-se a vós e escolheu-vos... porque o Senhor vos ama» (cf. Dt 7, 7s.). Não se deve perguntar a razão desta eleição fundada no amor, mas responder com amor. É a perspectiva do autor sagrado que, apesar da "normalidade", para um povo nómada, da migração de Abraão, a vê com uma enorme carga simbólica, que faz do seu "êxodo" a chave de leitura de toda a experiência humana, no encontro com o Deus vivo que pede o abandono de toda a segurança humana. Abraão, confiante na palavra do Senhor, parte para uma terra ocupada por gente rica e poderosa, percorre-a de alto a baixo, acabando por se fixar no Négueb, zona árida e sem vida. A sua esperança está apenas no Senhor.

    Evangelho: Mateus 7, 1-5

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1«Não julgueis, para não serdes julgados; 2pois, conforme o juízo com que julgardes, assim sereis julgados; e, com a medida com que medirdes, assim sereis medidos. 3Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não vês a trave que está na tua vista? 4Como ousas dizer ao teu irmão: 'Deixa-me tirar o argueiro da tua vista', tendo tu uma trave na tua? 5Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista e, então, verás melhor para tirar o argueiro da vista do teu irmão.»»

    Na base dos provérbios que o evangelho hoje nos apresente, e noutros semelhantes, está o princípio da retribuição, que se apoia numa norma de paridade: o mesmo que fizeres aos outros, te farão a ti. Desperta-nos a atenção o passivo dos verbos: «sereis julgados», «sereis medidos». Estamos perante o chamado passivo divino. O sujeito destes verbos é Deus. Na forma activa, diríamos: Deus vos julgará, vos medirá. Sendo assim, trata-se de uma verdadeira ameaça. Quem pode resistir ao julgamento ou à medida de Deus?
    Se virmos bem, Jesus não nos proíbe julgar e medir os outros, mas ensina-nos como fazê-lo. A medida do juízo divino será igual à que usarmos nos nossos julgamentos humanos. Na antiguidade, a medida com que se media a cessação de um bem, era a mesma que assegurava a sua restituição. Os rabinos, por sua vez, ensinavam que Deus Se servia de um duplo critério de juízo: a justiça e a bondade.
    O convite a não julgar forma como que uma espécie de refrão no Novo Testamento. O próprio Cristo Se apresenta como aquele que não vem julgar, mas salvar (Jo 3, 7; cf. Jo 8, 11; Lc 23, 34). Paulo também nos previne contra o risco de fazermos julgamentos: «ao julgares o outro, a ti próprio te condenas» (Rm 2, 1).

    Meditatio

    Começamos, hoje, a ouvir a história de Abraão, modelo da caminhada de fé dos crentes. O amor de Deus por este homem revela-se, no mínimo, desconcertante: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa do teu pai, e vai» (v. 1). Para onde? «Para a terra que Eu te indicar» (v. 1). Tudo é obscuro para o Patriarca. Apenas brilha a luz de uma promessa de Deus: «Farei de ti um grande povo, abençoar-te-ei, engrandecerei o teu nome e serás uma fonte de bênçãos» (v. 2). Confiado na palavra do Senhor, Abraão partiu. Obedeceu na fé: «Abrão partiu, como o Senhor lhe dissera» (v. 4).
    Abraão chega com a família à terra de Canaã. Percorre-a, e conhece os seus habitantes. Talvez não lhe parecesse fácil tomar posse daquela terra. Mas Deus volta a falar-lhe: «Darei esta terra à tua descendência» (v. 7). O Patriarca vê delinear-se o projecto de Deus. É preciso que ele morra, para que as gerações futuras tenham vida. Então, «construiu ali um altar ao Senhor, que lhe tinha aparecido» (v. 7). E continuou a sua peregrinação: «Deixando esta região, prosseguiu até ao monte situado ao oriente de Betel, e montou ali as suas tendas... Construiu também um altar ao Senhor e invocou o seu nome... Continuou a sua viagem, acampando aqui e ali, em direcção ao Négueb». Basta-lhe estar em relação com Deus e cumprir a sua vontade.
    É assim que Deus educa Abraão, e cada um dos crentes, a sucessivos desapegos, que podem parecer exagerados, mas que conduzem à liberdade. Não há volta a dar: ou aceitamos o projecto de Deus que nos quer tornar dom para a sua glória e para o bem dos outros, ou nos fechamos no nosso egoísmo mesquinho que nos faz prisioneiros de nós mesmos. Abraão aceitou tornar-se dom incondicional, sem nada saber o que estava para acontecer. A fé é isto: é estar abertos, dispon&i
    acute;veis, aceitar caminhar nas trevas ao encontro de Alguém em quem confiamos, felizes por Lhe podermos dar o que nos pede, por O amarmos por Si mesmo, por pormos n´Ele a nossa alegria e o nosso amor, numa relação pessoal que Deus quer tornar cada vez melhor e mais bela. Tudo o resto é secundário. Deus repete-nos a sua palavra muitas vezes na vida, porque a nossa liberdade precisa de ser muitas vezes libertada.
    No evangelho, Jesus recomenda que não julguemos os outros. Ele também não julgou, mas entregou-Se para a todos salvar e justificar. Deu a vida para que todos tenhamos a vida. O seu juízo sobre o mundo é a cruz, um amor sem limites e misericordioso para com todos, sem qualquer excepção. Cada homem tem, para Jesus, o valor do amor que o Pai tem por Ele, seu Filho. Mas Deus amou tanto o mundo que entregou esse Filho para o salvar. Cada vez que não julgamos os outros, damos um grande passo rumo àquela terra prometida para onde nos levam as mais humildes manifestações de delicadeza, de amor e de respeito para com os irmãos. Não julgar, amar os irmãos, é partir de nós mesmos ao encontro do Senhor que, durante a peregrinação terrena apenas podemos ver nos ícones que são os nossos irmãos, particularmente o mais fracos e carenciados.
    A vida comunitária exige que cada um acolha os outros como realmente são, com a sua personalidade e funções, com as suas iniciativas e limitações... (Cst 66). Há que não julgar ninguém. Julgar é presumir que se conhecem as intenções profundas do coração. Mas só Deus as conhece. Ainda que não aprovemos, respeitamos a liberdade pessoal de cada um, as suas opiniões e convicções diferentes. «A vida comunitária exige que cada um acolha os outros como realmente são». É um acto de amor, que desejamos também para nós, tendo presente o ensinamento do Concílio Vaticano II: «Seja reconhecida aos fiéis, tanto eclesiásticos como leigos, a liberdade de investigar, de pensar, de manifestar com humildade e com coragem a sua opinião no campo em que são competentes» (GS 62).

    Oratio

    Senhor, Deus de Abraão, Tu também nos chamas pelo nome e mandas partir por caminhos desconhecidos, muitas vezes misteriosos e imprevisíveis. Faz-nos dóceis e obedientes, para que nos deixemos conduzir pela tua voz, e confiemos unicamente em Ti, que és Pai. Ensina-nos a amar todos quantos encontramos ao longo do caminho, porque também são teus filhos e nossos irmãos. Juntos chegaremos à terra prometida, que és Tu, com o Filho e o Espírito Santo. Amen.

    Contemplatio

    O nome de Jesus é mais glorioso que o de Adão. Adão foi o pai temporal de toda a raça humana. Devemos-lhe a vida, mas também as fraquezas que derivam do seu pecado. Jesus é o nosso Pai espiritual, a ele devemos-lhe a salvação. O nome de Jesus é mais glorioso que o de Abraão. Abraão foi o pai do povo hebreu, que foi o povo de Deus pelas promessas, pelas figuras, pela preparação do Messias. Jesus é o Pai do verdadeiro povo de Deus, de todas as almas unidas a Deus pela graça e pela glória. O nome de Jesus é maior que o de Moisés. Moisés tirou o seu povo da escravidão, do Egipto, e transmitiu-lhe a lei de Deus, conduziu-o até à entrada da Terra prometida. Jesus tirou-nos da escravidão do pecado, deu-nos a lei Evangélica, mais perfeita que a de Moisés; fez-nos entrar na Terra prometida da Igreja e da graça, aguardando a do céu. O nome de Jesus é maior que o de Josué, aquele que conduziu os Israelitas à Terra prometida, mas mais não era que a figura da Igreja e do céu. Um dia em que eram recitadas na epístola estas palavras: Deus deu-lhe um nome que está acima de todos os nomes, Santa Matilde conjurou Nosso Senhor a dar-lhe a conhecer este nome glorioso, que o seu Pai lhe deu; respondeu: «É o nome de Jesus ou de Salvador, porque eu sou o Salvador e o Redentor de todos os que existem, que existem e que devem existir na sucessão dos tempos... Sou o Salvador de todos os que obedeceram aos meus mandamentos ou que devem segui-los no futuro. Tal é o nome supremo e superior a todos os outros, que o meu Pai me reservou desde a origem» (Revelações, 16). Ó Jesus, adoro este nome que merece que em sua honra todo o joelho se dobre no céu, na terra e nos infernos. (Leão Dehon, OSP3, p. 23).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Deixa a tua terra e vai para a terra que Eu te indicar» (Gn 12, 1).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Terça-feira

    27 de Junho, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Génesis 13, 2.5-18

    Abrão era muito rico em rebanhos, prata e ouro. 5Lot, que acompanhava Abrão, possuía, igualmente, ovelhas, bois e tendas; 6a terra não era bastante grande para nela se estabelecerem os dois, porque os bens de ambos eram avultados. 7Houve questões entre os pastores dos rebanhos de Abrão e os pastores dos rebanhos de Lot. Os cananeus e os perizeus habitavam, então, aquela terra. 8Abrão disse a Lot: «Peço-te que entre nós e entre os nossos pastores não haja conflitos, pois somos irmãos. 9Aí tens essa região toda diante de ti. Separemo-nos. Se fores para a esquerda, irei para a direita; se fores para a direita, irei para a esquerda.» 10Lot ergueu os olhos e viu todo o vale do Jordão, que era inteiramente regado. Antes de o Senhor ter destruído Sodoma e Gomorra, estendendo-se até Soar, o vale era um maravilhoso jardim, como a terra do Egipto. 11Lot escolheu para si todo o vale do Jordão e dirigiu-se para o oriente, separando-se um do outro. 12Abrão fixou-se na terra de Canaã, e Lot nas cidades do vale, no qual ergueu as suas tendas até Sodoma. 13Ora, os habitantes de Sodoma eram perversos, e grandes pecadores diante do Senhor. 14Depois de Lot o ter deixado, Deus disse a Abrão: «Ergue os teus olhos e, do sítio em que estás, contempla o norte, o sul, o oriente e o ocidente. 15Toda a terra que estás a ver, dar-ta-ei, a ti e aos teus descendentes, para sempre. 16Farei que a tua descendência seja numerosa como o pó da terra, de modo que só se alguém puder contar o pó da terra é que a tua posteridade poderá ser contada. 17Levanta-te, percorre esta terra em todas as direcções, porque Eu ta darei.» 18Abrão desmontou as suas tendas e foi residir junto aos carvalhos de Mambré, próximo de Hebron; e ali construiu um altar ao Senhor.

    Abraão e o seu sobrinho Lot viram crescer a sua riqueza em rebanhos. Surgiram, então, problemas de espaço, de abastecimento de água e de pastagens, e foi preciso separar-se. Esta narrativa explica as relações entre os Israelitas e os Amonitas/Edomitas, na época da sedentarização. A memória do litígio entre os dois clãs é apresentada com uma nova profundidade teológica, cuja mensagem continua actual. A riqueza de Abraão e de Lot mostra os efeitos da bênção divina derramada sobre eles. Como chefe de clã, Abraão está preocupado que haja pastos abundantes e poços de água para todos. Quando escasseiam, oferece ao sobrinho a possibilidade de escolher. Assim revela um coração livre e desapegado das riquezas. Lot escolhe a melhor parte, que todavia se irá revelar sem futuro. A beleza do vale do Jordão antes da destruição de Gomorra, enfatizada na descrição, esconde o caruncho da corrupção dos seus habitantes. Abraão, sem descendentes, aceita a terra mais pobre, continuando a manifestar total confiança naquele Deus que o chamou e o mandou partir, mostrando-se capaz de ver para além do momento presente. Aceita Deus e a sua promessa. Então, o Senhor convida Abraão a erguer os olhos e a observar o país - todo o país - que será seu, e assegura-lhe uma descendência numerosa «como o pó da terra» (v. 16). Lot recebeu tudo imediatamente. Mas o presente revelou-se inconsistente para ele. Abraão, pelo contrário, acreditou no futuro de Deus e a sua esperança não foi desiludida.

    Evangelho: Mateus 7, 6.12-14

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 6«Não deis as coisas santas aos cães nem lanceis as vossas pérolas aos porcos, para não acontecer que as pisem aos pés e, acometendo-vos, vos despedacem.» 12«Portanto, o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Profetas.» 13«Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que seguem por ele. 14Como é estreita a porta e quão apertado é o caminho que conduz à vida, e como são poucos os que o encontram!».»

    Mateus apresenta-nos dois provérbios de difícil compreensão, por várias razões: vêm logo depois de Jesus nos ter proibido julgar os outros e nos ter mandado aplicar a medida com moderação, compreensão e perdão; não encontramos provérbios paralelos na literatura judaica que nos ajudem a compreender estes; apenas lemos no Talmud: «não entregueis a um pagão as palavras da Lei» e «não coloqueis coisas santas em lugares impuros», mas não ajudam muito no nosso caso. Os sacrifícios oferecidos no templo eram chamados «santos»; as pérolas, sob o ponto de vista comercial, eram preciosas. As palavras «santo» e «pérolas» provavelmente indicavam o Evangelho, a Boa Nova. Os «cães» e os «porcos», por sua vez, não eram os pagãos, como alguns dizem, mas todas aqueles que, pagãos ou não, desprezavam a Boa Nova, tal como os porcos desprezam as pérolas.
    O evangelista aponta, depois, a regra de ouro: «o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles» (v.12). Este princípio encontra-se noutras religiões, nomeadamente no judaísmo. Mas com uma diferença: no judaísmo é formulado negativamente: «Não faças aos outros o que não queres que te façam a Ti» É uma diferença importante, porque, «não fazer» é sempre algo negativo. Mas a maior diferença é que Jesus eleva essa regra a princípio universal.
    Depois, Jesus cita os provérbios das duas portas e dos dois caminhos, usados entre os moralistas da época para indicar o caminho da virtude, estreito e difícil, e o do vício, espaçoso e fácil. Mas Jesus introduz uma mudança: a porta e o caminho estreitos, da renúncia, do seguimento, da cruz, levam à vida; a porta e o caminho espaçosos, da satisfação dos apetites desordenados, levam à perdição. Há que escolher.

    Meditatio

    O desapego, a que a fé leva o crente, dá-lhe uma grande liberdade de espírito. Os ricos, muitas vezes, andam preocupados em conservar e aumentar as suas riquezas. Abraão, pelo contrário, está mais preocupado em ter boas relações com os seus vizinhos, do que em ter abundância de pastos, de água e de rebanhos. Quer evitar conflitos com o seu sobrinho Lot e, com grande liberdade de espírito, antecipa a regra de ouro proclamada por Jesus: «o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles» (v. 12). Abraão diz ao sobrinho: «Peço-te que entre nós e entre os nossos pastores não haja conflitos, pois somos irmãos. Aí tens essa região toda diante de ti. Separemo-nos. Se fores para a esquerda, irei para a direita; se fores para a direita, irei para a esquerda» (vv. 8-9). Deixar ao outro escolher é o melhor modo de evitar conflitos. Mas não é uma decisão fácil, porque vemos melhor os nossos direitos, e os deve
    res dos outros, do que os seus interesses. Lot escolhe o fértil vale do Jordão, enquanto Abraão se contenta com a parte montanhosa e árida de Canaã. Podemos ver neste episódio uma aplicação ante litteram do ensinamento de Jesus: «Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que seguem por ele. Como é estreita a porta e quão apertado é o caminho que conduz à vida» (vv. 13-14). Jesus é, como sabemos, o caminho, o caminho estreito, que passa pela Cruz, mas que chega à Vida, à vida divina que é Ele mesmo. Jesus é também a porta estreita do desapego, do abandono, da abnegação, que nos dá acesso à Felicidade, à Bem-aventurança, que, ao fim e ao cabo, é Ele mesmo, com o Pai e o Espírito Santo.
    Lot escolheu o «caminho espaçoso», o caminho fácil, que, no seu termo, conduzia a Sodoma e a Gomorra, símbolos da corrupção e da perdição. Abraão optou pelo «caminho estreito», que levava a Canaã, a Terra Prometida: «Ergue os teus olhos e, do sítio em que estás, contempla o norte, o sul, o oriente e o ocidente. Toda a terra que estás a ver, dar-ta-ei, a ti e aos teus descendentes, para sempre» (vv. 14-15).
    Esta página leva-nos, mais uma vez, a meditar sobre a nossa situação neste mundo. Há sempre dois caminhos diante de nós: o que leva à vida e o que leva à morte. Há que optar por um deles. Em termos actuais, diríamos que temos de escolher entre o que nos agrada, o que nos satisfaz imediatamente, sem nos interessarmos pelos outros, e o que é justo e recto, o que é conforme à vontade de Deus e ao bem dos irmãos. Esta segunda opção pode parecer-nos dura e exigente no começo. Mas alarga-nos o coração e os horizontes. Leva à felicidade. Assim, vemos antecipadamente realizadas em Abraão as palavras de Jesus: «A felicidade está mais em dar do que em receber» (Act 20, 35).
    A nossa vida de oblação exige a opção pelo caminho apertado e pela porta estreita, em união com Cristo, vivendo a oblação de Cristo. Mas, essa opção, antes de ser fruto do nosso esforço, da nossa generosidade e boa vontade, é fruto do amor de Deus, da graça, da oração: é dom do Coração de Cristo, é sustentada pela Espírito.

    Oratio

    Dai-nos, Senhor, o vosso Espírito de Amor, para sermos com Cristo e em Cristo profetas do Amor e servidores da reconciliação na Igreja e no mundo.
    Dai-nos, Senhor, o vosso Espírito de Amor, para continuarmos no mundo a presença libertadora de Cristo, pondo toda a nossa vida ao serviço dos vossos desígnios de salvação.
    Dai-nos, Senhor, o vosso Espírito de Amor, para darmos, hoje e sempre, um testemunho vivo de oblação e de serviço na caridade para com todos quantos nos procuram.
    Dai-nos, Senhor, o vosso Espírito de Amor, para vivermos este dia num alegre esforço de fraternidade com todos aqueles com quem estamos comunitariamente unidos na oração, na vida e no trabalho.
    Dai-nos, Senhor, o vosso Espírito de Amor, para que, através de toda a nossa vida, das nossas orações, trabalhos e sofrimentos, prestemos um culto de amor e reparação ao Coração do vosso Filho.

    Contemplatio

    O melhor meio de adquirir uma força superior à das tentações é unir-se e abandonar-se inteiramente a Nosso Senhor e ao seu divino Coração. - Os motivos sobrenaturais são as únicas armas nas quais uma alma cuidadosa dos seus interesses eternos possa colocar a sua confiança. E entre estes motivos, os mais poderosos são aqueles que mais levam Nosso Senhor a participar no combate e que nos trazem assim o socorro de uma graça mais abundante. Nosso Senhor oferece a sua graça a todos, mas embora a sua graça seja gratuita, ordinariamente não a distribui senão em proporção das garantias que recebe. É preciso, portanto, julgar os sentimentos que Ele experimenta para com as almas nesta distribuição das graças segundo os de um bom pai de família para com as pessoas da sua casa. Um bom pai de família ajuda e defende sempre todos os seus bens; mas nos perigos instantes, presta um socorro mais pronto e mais poderoso à sua esposa, aos seus filhos, do que aos seus servos. Entre estes, protege com mais diligência e mais eficácia os que se tornaram mais caros ao seu coração pela sua afectuosa dedicação e pelos seus cuidados. Em último lugar, virão os escravos, que não se mostram fiéis e exactos senão por medo do castigo. Em que categoria nos havemos de colocar? Não depende de ninguém tornar-se esposa, esta escolha é reservada ao Senhor. Mas depende de nós tornarmo-nos seus filhos afectuosos. A única condição a preencher, é a de nos abandonarmos totalmente a Nosso Senhor e nos confiarmos ao seu divino Coração, como uma criança se abandona à sua mãe, darmo-nos generosamente a Ele, com amor, com o único objectivo de lhe agradarmos, e de lhe provarmos o nosso amor como for do seu agrado pedi-lo. Quando a generosidade não vai até ao abandono, quando a preocupação pelos direitos que pretenda ter-se sobre o próprio senhor, faz que deixemos dominar em nós, apesar de uma real afeição, a preocupação pela recompensa ligada aos nossos serviços, colocamo-nos entre os servos. E se o interesse domina a afeição, descemos ao nível do mercenário e do escravo. (Leão Dehon, OSP3, p. 278).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Mostra-me, Senhor, os teus caminhos
    e ensina-me as tuas veredas.» (Sl 25, 4).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Quarta-feira

    28 de Junho, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Génesis 15, 1-12.17-18

    Naqueles dias, 1após estes acontecimentos, o Senhor disse a Abrão numa visão: «Nada temas, Abrão! Eu sou o teu escudo, a tua recompensa será muito grande.» 2Abrão respondeu: «Que me dareis, Senhor Deus? Vou-me sem filhos e o herdeiro da minha casa é Eliézer, de Damasco.» 3Acrescentou: «Não me concedeste descendência, e é um escravo, nascido na minha casa, que será o meu herdeiro.» 4Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida, nos seguintes termos: «Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que sairá das tuas entranhas.» 5E, conduzindo-o para fora, disse-lhe: «Levanta os olhos para o céu e conta as estrelas, se fores capaz de as contar.» E acrescentou: «Pois bem, será assim a tua descendência.» 6Abrão confiou no Senhor, e Ele considerou-lhe isso como mérito. 7O Senhor disse-lhe depois: «Eu sou o Senhor que te mandou sair de Ur, na Caldeia, para te dar esta terra.» 8Perguntou-lhe Abrão: «Senhor Deus, como saberei que tomarei posse dela?» 9Disse-lhe o Senhor: «Toma uma novilha de três anos, uma cabra de três anos, um carneiro de três anos, uma rola e um pombo ainda novo.» 10Abrão foi procurar todos estes animais, cortou-os ao meio e dispôs cada metade em frente uma da outra; não cortou, porém, as aves. 11As aves de rapina desciam sobre as carnes mortas, mas Abrão afugentava-as. 12Ao pôr do sol, apoderou-se dele um sono profundo; ao mesmo tempo, sentiu-se apavorado e foi envolvido por densa treva. 17Quando o Sol desapareceu, e sendo completa a escuridão, surgiu um braseiro fumegante e uma chama ardente, que passou entre as metades dos animais. 18Naquele dia, o Senhor concluiu uma aliança com Abrão, dizendo-lhe: «Dou esta terra à tua descendência, desde o rio do Egipto até ao grande rio, o Eufrates.

    No texto do Génesis, que hoje escutamos, onde confluem tradições muito antigas, é narrada a aliança entre Deus e Abraão. Esta aliança continuará em Moisés, atingirá a perfeição e tornar-se-á definitiva em Jesus Cristo.
    Abraão é apresentado como um profeta a quem Deus revela numa visão uma palavra. O oráculo de salvação («Nada temas»), encerra uma garantia de protecção divina («Eu sou o teu escudo») e uma promessa («a tua recompensa será muito grande») (cf. v. 1). Mas a situação de Abraão é paradoxal: é-lhe prometida uma descendência numerosa como as estrelas do céu e... não tem filhos. A sua fé é fortemente provada. Por isso, pergunta: «Que me dareis, Senhor Deus?» Deus responde, prometendo-lhe um filho. Abraão acredita no Senhor. Segue-se a promessa da terra. Mas a fé do Patriarca continua a ser fortemente provada. E, mais uma vez, interroga a Deus: «Como saberei que tomarei posse dela?» (v. 9). Deus responde-lhe no contexto de um arcaico rito de aliança: passando entre as vítimas, Deus invoca sobre si a maldição, caso venha a faltar ao juramento feito. E, enquanto o sol se põe, Abraão cai num profundo torpor. Nesse estado extraordinário, semelhante ao de Adão quando Eva foi criada, entra em contacto com o mistério inefável de Deus. As aves de rapina tentam perturbar a realização da aliança entre Deus e os homens. Mas é nesta situação que Deus proclama a sua imutável fidelidade.

    Evangelho: Mateus 7, 15-20

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 5«Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. 16Pelos seus frutos, os conhecereis. Porventura podem colher-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? 17Toda a árvore boa dá bons frutos e toda a árvore má dá maus frutos. 18A árvore boa não pode dar maus frutos nem a árvore má, dar bons frutos. 19Toda a árvore que não dá bons frutos é cortada e lançada ao fogo. 20Pelos frutos, pois, os conhecereis.»

    Jesus não impôs a selecção dos seus seguidores. O convite é para todos. Por isso, a Igreja, a comunidade dos discípulos de Jesus, compõe-se de «bons e de maus». Naturalmente, não tardaram a surgir dificuldades na comunidade, e impôs-se o discernimento ou distinção dos espíritos.
    Na Igreja, povo de Deus, surgiram profetas que gozaram de grande estima, mas também falsos profetas. Havia que saber distingui-los. O critério para essa distinção era o fruto que produziam. A imagem da árvore encontra-se noutros textos bíblicos, por exemplo, em Is 61, 3, Jr 2, 21, Mt 15, 3, Jo 15, 1-8. A árvore boa dá bons frutos; a árvore má dá maus frutos.

    Meditatio

    A página do Génesis, que escutamos, é profunda e suscitou cuidada reflexão de Paulo. Abraão é apresentado como exemplo de fé: «Abraão acreditou em Deus e isso foi-lhe atribuído à conta de justiça», escreve o Apóstolo (Gl 3, 6; Rm 4, 3). No nosso texto, em que já podemos entrever o mistério de Cristo e da vida cristã, também descobrimos a esperança de Abraão, e a sua adesão ao mistério da caridade de Deus. O Patriarca escuta a palavra do Senhor: «Nada temas, Abrão! Eu sou o teu escudo, a tua recompensa será muito grande» (v. 1). Com esta palavra, Deus reaviva a fé de Abraão, que tem de ultrapassar as circunstâncias imediatas, que não parecem oferecer perspectivas de futuro: «Vou-me sem filhos e o herdeiro da minha casa é Eliézer, de Damasco» (v. 2). Mas o Senhor insiste: «Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que sairá das tuas entranhas» (v. 4). Imediatamente Deus faz sair Abraão da sua tenda para contemplar o céu estrelado: «Levanta os olhos para o céu e conta as estrelas, se fores capaz de as contar.» E acrescentou: «Pois bem, será assim a tua descendência.» (v. 5). Abraão acreditou e a sua fé tornou-o justo.
    As palavras de Deus, que em sentido imediato se referem a Isaac, em última análise preanunciam Cristo, o herdeiro de Abraão por excelência, e a multidão de filhos de Abraão, que hão-de ser todos os que vierem a acreditar em Cristo. É o que diz Paulo na Carta aos Gálatas: «Os que dependem da fé é que são filhos de Abraão» (Gl 3, 7).
    Abraão acreditou em Deus. Nós havemos de escutar a palavra de Cristo para acreditarmos e encontrarmos a plenitude da vida. O texto do Génesis, que hoje escutamos, não só evoca a palavra do Senhor, mas também a sua acção, que conclui a aliança. O sacrifício misterioso, acompanhado simultaneamente por uma manifestação de terror e de esperança, é sinal profético do sacrifício de Cristo, que estabelecerá a nova e eterna Aliança. Assim Abraão é já misteriosamente introduzido no mistério de Cristo, e sê-lo-
    á ainda mais profundamente no momento do sacrifício de Isaac. Abraão escuta a Deus e, pela sua obediência, vê o dia de Cristo e enche-se de alegria, como dirá Jesus no evangelho de João.
    O exemplo de Abraão guia-nos na direcção certa, a da fé na palavra do Senhor e no fruto do Espírito, que transforma a vida em modo consequente à fé.
    A primeira e mais importante aliança, para nós, é a do Baptismo, que nos torna filhos de Deus e prontos a renunciar ao demónio e às suas seduções. O bom fruto que Deus espera de nós, e que testemunhemos a boa qualidade da árvore que somos, é a fidelidade constante aos nossos compromissos baptismais: «Com todos os nossos irmãos cristãos confessamos... que Cristo é o Senhor, no qual o Pai nos manifestou o seu amor e que continua presente no mundo para o salvar» (Cst 9). Esta confissão de fé em Jesus Cristo Senhor só é possível se permanecermos unidos a Ele e recebermos d´Ele a seiva divina, que é o seu Espírito.

    Oratio

    Nós te damos graças, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque no teu Filho Jesus revelaste o mistério do teu amor. Em união a Maria e a seu exemplo, acolhemos o dom da tua Aliança e a efusão do Espírito, dons esses provenientes do Coração trespassado de Cristo e simbolizados pelo sangue e pela água, para sermos servos fiéis e povo sacerdotal, no teu Reino de caridade. Unidos a Cristo Reparador, renovamos hoje a oferta de nós mesmos, para servirmos com amor o teu desígnio de salvação. Ámen.

    Contemplatio

    Os ouvintes de João são inumeráveis. «Jerusalém ia ter com ele, de todos os lugares das margens do Jordão» (Mt 3, 5). O povo, os grandes, e mesmo os soldados, sentem-se tocados. Todos têm boa vontade e pedem o baptismo de penitência. Só os Fariseus e os Saduceus, orgulhosos e sensuais, se abstêm e criticam, ou então vêm, mas sem convicção. S. João Baptista conhece-os, prevê a sua resistência ao Salvador. Fala-lhes com toda a severidade de um juiz e de um profeta, como faziam outrora Isaías e Jeremias: «Raça de víboras, diz-lhes, se quereis escapar à cólera divina, fazei penitência. Sois orgulhosos de serdes os filhos de Abraão, mas Deus não tem necessidade de vós, pode suscitar, quando quiser, filhos espirituais de Abraão, que vos substituirão. Quando uma árvore não dá bons frutos, é arrancada e lançada ao fogo. Vós sois esta árvore. O machado vai ferir. Eu por mim ofereço-vos o baptismo de penitência, depois de mim virá um maior e mais forte do que eu. Esse baptizará no Espírito Santo. Peneirará o seu grão e limpará a sua eira. Recolherá o grão nos seus granéis e queimará a palha». Os Fariseus não compreenderam e não se humilharam. A colheita de João foi mesmo assim muito bela. Todos os humildes confessavam os seus pecados e recebiam o baptismo de penitência. O nosso zelo dará grandes frutos como o de João, se formos como ele austeros e mortificados. (Leão Dehon, OSP 3, p. 208s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A tua aliança é admirável;
    por isso a minha alma a observa.» (Sl 118 (119), 129).

  • S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos

    S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos


    29 de Junho, 2023

    Desde o século III que a Liturgia une na mesma celebração as duas colunas da Igreja, Pedro e Paulo. Mestres inseparáveis de fé e de inspiração cristã pela sua autoridade, simbolizam todo o Colégio Apostólico. Pedro era natural de Betsaida, onde exercia a profissão de pescador. Jesus chamou-o e confiou-lhe a missão de guiar e confirmar os irmãos na fé. É uma das primeiras testemunhas de Jesus ressuscitado e, como arauto do Evangelho, toma consciência da necessidade de abrir a Igreja aos gentios (At 10-11). Paulo de Tarso, perseguidor acérrimo da Igreja, converte-se no caminho de Damasco. A partir daí, a sua vivacidade e brilhantismo são postos ao serviço do Evangelho. Fortemente apaixonado por Cristo, percorre o Mediterrâneo para anunciar o Evangelho da salvação, especialmente aos pagãos. Depois de terem sofrido toda a espécie de perseguições, ambos são martirizados em Roma. Regando com o seu sangue o mesmo terreno, "plantaram" a Igreja de Deus.

    Lectio

    Primeira leitura: Atos, 12, 1-11

    Naqueles dias, o rei Herodes maltratou alguns membros da Igreja. 2Mandou matar à espada Tiago, irmão de João, 3e, vendo que tal procedimento agradara aos judeus, mandou também prender Pedro. Decorriam os dias dos Ázimos. 4Depois de o mandar prender, meteu-o na prisão, entregando-o à guarda de quatro piquetes, de quatro soldados cada um, na intenção de o fazer comparecer perante o povo, a seguir à Páscoa. 5Enquanto Pedro estava encerrado na prisão, a Igreja orava a Deus, instantemente, por ele. 6Na noite anterior ao dia em que Herodes contava fazê-lo comparecer, Pedro estava a dormir entre dois soldados, bem preso por duas correntes, e diante da porta estavam sentinelas de guarda à prisão. 7De repente, apareceu o Anjo do Senhor e a masmorra foi inundada de luz. O anjo despertou Pedro, tocando-lhe no lado e disse-lhe: «Ergue-te depressa!» E as correntes caíram-lhe das mãos. 8O anjo prosseguiu: «Põe o cinto e calça as sandálias.» Pedro assim fez. Depois, disse-lhe: «Cobre-te com a capa e segue-me.» 9Pedro saiu e seguiu-o. Não se dava conta da realidade da intervenção do anjo, pois julgava que era uma visão. 10Depois de atravessarem o primeiro e o segundo posto da guarda, chegaram à porta de ferro que dá para a cidade, a qual se abriu por si mesma. Saíram, avançando por uma rua, e logo o anjo se retirou de junto dele. 11Pedro, voltando a si, exclamou: «Agora sei que o Senhor enviou o seu anjo e me arrancou das mãos de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava.»

    Pelos anos 41-44 da nossa era, reinava na Judeia Herodes Agripa, que moveu uma perseguição contra a Igreja. Foi por essa ocasião que Pedro foi preso, durante a páscoa hebraica, e teria a mesma sorte de Jesus, se Deus não tivesse intervindo com um milagre (vv. 1-4) : um anjo libertou Pedro da morte certa. Tal fato deixou os cristãos espantados e admirados com a benevolência de Deus. No evento foi importante a oração da Igreja, compenetrada da importância única da missão de Pedro. Mais tarde, também S. Paulo recuperará, de modo idêntico, a sua liberdade (At 16, 25-34).

    Segunda leitura: 2 Timóteo 4, 6

    Caríssimo, eu já estou pronto para oferecer-me como sacrifício; avizinha-se o tempo da minha libertação. 7Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel. 8A partir de agora, já me aguarda a merecida coroa, que me entregará, naquele dia, o Senhor, justo juiz, e não somente a mim, mas a todos os que anseiam pela sua vinda. 17O Senhor, porém, esteve comigo e deu-me forças, a fim de que, por meu intermédio, o anúncio fosse plenamente proclamado e todos os gentios o escutassem. Assim fui arrebatado da boca do leão. 18O Senhor me livrará de todo o mal e me levará a salvo para o seu Reino celeste. A Ele, a glória, pelos séculos dos séculos. Ámen!

    Este texto apresenta-nos o que podemos chamar o testamento de Paulo. O Apóstolo pressente próxima a sua morte e dá-nos a conhecer o seu estado de espírito: sente-se só e abandonado pelos irmãos, mas não vítima, porque a sua consciência está tranquila e o Senhor está com ele. Guardou a fé e cumpriu a sua vocação missionária com fidelidade. Compara-se à libação derramada sobre as vítimas nos sacrifícios antigos. Quer morrer como viveu, isto é, como verdadeiro lutador, uma vez que se entregou a Deus e aos irmãos. A vitória é certa! As suas palavras são já um cântico de vitória, porque está próximo o seu encontro com Cristo Ressuscitado.

    Evangelho: Mateus 16, 13-19

    Naquele tempo, Jesus ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?»  14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.» 15Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.»17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela.19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»

    O nosso texto evangélico de hoje consta de duas partes: a resposta de Pedro acerca da messianidade de Jesus, Filho de Deus (vv. 13-16) e a promessa do primado que Jesus confere a Pedro (vv. 17-19). O povo reconhecia Jesus como um profeta. Mas os Doze têm uma opinião muito própria, que é expressa por Pedro: Jesus é o Messias, o Filho de Deus (cf. v. 16). Essa opinião, mais do que baseada na experiência que tinham de Jesus, era fruto da ação do Espírito neles: "não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu." (v. 17). Por causa desta confissão, Pedro será a rocha sobre a qual Cristo edificará a sua Igreja. A Pedro e aos seus sucessores é confiada a missão de serem o fundamento visível da realidade invisível que é Cristo Ressuscitado. O poder de ligar e desligar, expresso na metáfora das chaves, indica a autoridade sobre a Igreja.

    Meditatio

    Celebrar os Apóstolos Pedro e Paulo é um testemunho de fé na Igreja "una, santa, católica, apostólica". Pedro é, efetivamente, a pedra que se apoia diretamente sobre a pedra angular que é Cristo. Pedro, e Paulo são os últimos elos de uma corrente que nos liga a Jesus. Celebrando Pedro e Paulo celebramos os "fundadores" da nossa fé, os genearcas do povo cristão. Ambos foram martirizados em Roma, na perseguição de Nero, por volta do ano 64 d. C.
    O Novo Testamento permite-nos reconstruir, o itinerário da vida dos dois apóstolos e dar-nos conta da gratuidade da escolha divina. Pedro era um pescador da Galileia. Passava os dias no lago de Tiberíade, com o seu pai Jonas e com o seu irmão André. O seu trabalho consistia em lançar as redes, esperar, retirá-las e, depois, à tarde, remendá-las, sentado na margem.
    Foi aí que, uma tarde, quando lançava as redes para uma última pescaria, ouviu, com o seu irmão, o chamamento de Jesus que passava: "Segui-me; farei de vós pescadores de homens" (Mc 1, 17). Começou, assim, a sua extraordinária aventura; seguiu o Mestre da Galileia para a Judeia; daí, depois da morte de Jesus, percorreu a Palestina, até se mudar para Antioquia e, daí, chegou finalmente a Roma.
    Em Roma animou a fé dos crentes, esteve preso, e foi morto no Vaticano, onde ficou para sempre, não só com o seu túmulo, mas também com o seu mandato: ficou naqueles que lhe sucederam naquela que os cristãos chamaram sempre "a cátedra de Pedro", até ao papa que hoje governa a Igreja. Nele, Pedro continua a ser "a rocha", sobre a qual Cristo continua a edificar a sua Igreja, o sinal da unidade para "aqueles que invocam o nome do Senhor". Não muito longe de Pedro, repousa Paulo que, de perseguidor, se tornou o Apóstolo dos Gentios, o missionário ardoroso do Evangelho. O seu martírio revelou a substância da sua fé. A evangelização das duas colunas da Igreja apoia-se, não sobre uma mensagem intelectual, mas sobre uma praxis profunda, sofrida e testemunhada com a palavra de Jesus.
    O lugar de Pedro e dos seus sucessores não é um cargo honorífico ou uma recompensa de méritos. É um serviço, o serviço de apascentar as ovelhas do Senhor: "Apascenta as minhas ovelhas", disse Jesus (Jo 21, 15ss). Com o dever de dar testemunho d´Ele, Jesus confiou a Pedro a sua própria missão de Servo e Pastor. Testemunha de Cristo, pastor e servo dos crentes são prerrogativas que, de Cristo passaram a Pedro e, de Pedro, aos seus sucessores, os bispos de Roma
    Rezemos pelo Santo Padre, sucessor de Pedro, para que Ele, que o confiou uma tal missão, o ilumine e o torne, cada vez mais, capaz de confirmar na fé os seus irmãos. Escreve o P. Dehon: "Para mim, o Papa é como Cristo na terra. Devo honrá-lo, amá-lo, obedecer-lhe... Os amigos do Coração de Jesus são amigos de Pedro." (Leão Dehon, OSP 3, p. 705).

    Oratio

    Senhor, vós nos concedeis a alegria de celebrar hoje a festa dos santos apóstolos Pedro e Paulo: Pedro, que foi o primeiro a confessar a fé em Cristo, e Paulo, que a ilustrou com a sua doutrina; Pedro, que estabeleceu a Igreja nascente entre os filhos de Israel, e Paulo que anunciou o Evangelho a todos os povos; ambos trabalharam, cada um segundo a sua graça, para formar a única família de Cristo; agora, associados na mesma coroa de glória, recebem do povo fiel a mesma veneração. Por isso, vos damos graças e proclamamos a vossa glória. Ámen. (cf. Prefácio da Missa).

    Contemplatio

    Pedro é o continuador de Cristo, o substituto, o vigário de Cristo. É de certo modo o Cristo velado, como na Eucaristia. O seu ensino é o de Cristo. É o instrumento do Coração de Jesus... Nosso Senhor prometeu antecipadamente a Pedro a sua primazia, que é a continuação do poder de Cristo: «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as potências do inferno não prevalecerão contra ela» (Mt 16, 18). «Dar-te-ei as chaves do reino dos céus: tudo o que ligares será ligado e tudo o que desligares será desligado» (Mt 16, 19). «Quando fores convertido, confirmarás os teus irmãos» (Lc 22, 32). Quando chegou o dia, Nosso Senhor realizou a sua promessa. Transmitiu a Pedro a sua autoridade de pastor: «Pedro, porque me amas muito, porque me amas mais do que os outros, apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas». Pedro, pastor supremo da Igreja, é depositário e administrador de todos os dons do Coração de Jesus. Preside à administração dos sacramentos... Abre e fecha o tesouro do Coração de Jesus. Que respeito, que obediência devo a Pedro e aos seus sucessores! (Leão Dehon, OSP 3, p. 704s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O Senhor, porém, esteve comigo e deu-me forças" (2 Tm 4, 17).

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    S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos (29 Junho)

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Sexta-feira

    30 de Junho, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Génesis 17, 1.9-10.15-22

    1Abrão tinha noventa e nove anos, quando o Senhor lhe apareceu e lhe disse: «Eu sou o Deus supremo. Anda na minha presença e sê perfeito. 9Deus disse a Abraão: «Da tua parte, cumprirás a minha aliança, tu e a tua descendência, nas futuras gerações. 10Eis a aliança estabelecida entre mim e vós, que tereis de respeitar: todo o homem, entre vós, será circuncidado. 15Deus disse a Abraão: «Não chamarás mais à tua mulher, Sarai, mas o seu nome será Sara. 16Abençoá-la-ei e dar-te-ei um filho, por meio dela. Será por mim abençoada, e será mãe de nações, e dela sairão reis.» 17Abraão prostrou-se com o rosto por terra, e sorriu, dizendo para consigo: «Pode uma criança nascer de um homem de cem anos? E Sara, mulher de noventa anos, vai agora ter filhos?» 18Depois, disse a Deus: «Possa Ismael viver diante de ti!» 19Mas Deus respondeu-lhe: «Não! Sara, tua mulher, dar-te-á um filho, a quem hás-de chamar Isaac. Farei a minha aliança com ele, aliança que será perpétua para a sua descendência depois dele. 20Quanto a Ismael, também te escutei. Abençoá-lo-ei, torná-lo-ei fecundo e multiplicarei extremamente a sua descendência. Será pai de doze príncipes, e farei sair dele um grande povo. 21Porém, é com Isaac que Eu estabelecerei a minha aliança, Isaac que Sara te há-de dar, por esta mesma época do próximo ano.» 22E, tendo acabado de falar com ele, Deus desapareceu de junto de Abraão.

    Escutamos uma narrativa estruturada com o objectivo de dar um sentido próprio à circuncisão praticada em muitos povos. Deus apresenta-se a Abraão e pede-lhe para caminhar diante dele e a pertencer-Lhe totalmente. A aliança com Deus não obriga apenas ao cumprimento de certas leis. Obriga, sobretudo, a pertencer-Lhe, a ser povo de Deus. Abraão, prostrado diante de Deus, recebe a renovação da promessa de uma numerosa descendência. Deus muda-lhe também o nome, de Abrão para Abraão, o que significa que o Patriarca está completamente submetido a Deus. Dar nome a uma coisa ou a uma pessoa é tomar posse delas. O Senhor também muda o nome de Sarai para Sara: a partir de agora, ela é destinatária de uma bênção em referência à sua fecundidade.
    A reacção de Abraão, a partir do v. 17, é estranha, tendo em conta a solene prostração mencionada no v. 3. Mas testemunha o realismo da fé e da incredulidade que tantas vezes se alternam na caminhada do homem sobre a terra. O bom senso humano diz que Ismael pode ser o destinatário da bênção, dada a esterilidade de Sara e idade avançada tanto dela como do marido. Mas os caminhos de Deus não são os nossos caminhos. A aliança está reservada ao «filho do riso», Isaac, uma eloquente figura de Jesus, o verdadeiro filho da promessa de quem Abraão se alegrou (cf. Jo 8, 56), na esperança de o poder ver um dia. Mas a figura de Ismael, filho de Agar, é uma afirmação da acção salvadora universal. Também para ele Deus tem uma promessa de bênção, de fecundidade e de domínio real.

    Evangelho: Mateus 8, 1-4

    1Ao descer do monte, seguia-o uma enorme multidão. 2Foi, então, abordado por um leproso que se prostrou diante dele, dizendo-lhe: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me.» 3Jesus estendeu a mão e tocou-o, dizendo: «Quero, fica purificado!» No mesmo instante, ficou purificado da lepra. 4Jesus, porém, disse-lhe: «Vê, não o digas a ninguém; mas vai mostrar-te ao sacerdote e apresenta a oferta que Moisés preceituou, para que lhes sirva de testemunho.»

    Depois de apresentar Jesus como Messias da palavra, no Sermão da Montanha, Mateus dá início a uma nova secção, onde nos apresenta o Messias das obras, o taumaturgo que vai ao encontro daqueles que sofrem. Os milagres de Jesus são prova da verdade das suas palavras.
    O evangelho de hoje apresenta-nos três milagres, que aconteceram em Cafarnaúm, onde Cristo teve a sua primeira casa, durante a missão pelas povoações das margens do mar de Tiberíades. Jesus actua em favor de pessoas atingidas pela desgraça, sem se importar com as normas de precaução e defesa previstas na Lei: toca o leproso, entra em casa de um pagão, aperta a mão de uma mulher doente, pessoas marginalizadas pela sociedade hebraica do tempo.
    O leproso pede para ser «purificado», pois sabia que a sua doença era considerada fruto do pecado e expressão de impureza legal. É por isso que Jesus manda o leproso ao sacerdote, que tem de verificar a cura. O gesto do leproso, que chama a Jesus «Senhor» e se prostra diante dele, significa simultaneamente reconhecimento da divindade e beijo da sua imagem. Não esqueçamos que este texto foi escrito depois da ressurreição, e à luz do mistério pascal. Encontramo-lo noutras páginas de Mateus (2, 2.8; 9, 18; 15, 25; 20, 20; 28, 9.17).

    Meditatio

    «Toda a Sagrada Escritura nos fala do Coração de Jesus», escreveu o Pe. Dehon. Mas, já antes dele, Santo Agostinho dizia que toda a Escritura está cheia de Cristo. A Constituição Conciliar Dei Verbum garante: «Deus dispôs sabiamente que o Novo Testamento estivesse escondido no Antigo e que o Antigo se tornasse claro no novo... Os livros do Antigo Testamento, integralmente assumidos na pregação evangélica, adquirem e manifestam o seu significado pleno no Novo, que iluminam e explicam». Sendo assim, a primeira leitura de hoje fala da ressurreição do Senhor. Paulo, na Carta aos Romanos, explica que Abraão, ao acreditar no anúncio do nascimento de Isaac, acreditou sem saber na ressurreição de Cristo, porque, tanto ele como Sara, eram velhos, «quase mortos». Acreditou firmemente que Deus, de dois seres tão avançados na idade, podia suscitar um filho, Isaac, que é promessa e profecia da ressurreição.
    Também o milagre referido no evangelho é anúncio da ressurreição de Cristo: «Jesus estendeu a mão e tocou-o, dizendo: «Quero, fica purificado!» (v. 3). O «toque» de Jesus no leproso, considerado pecador, impuro, capaz de tornar impuro quem com ele contactasse, ainda que inadvertidamente, é símbolo da paixão de Cristo. Jesus, ao fazer-se homem, tocou a nossa lepra. Apresentou-se à paixão como um «leproso», como pecador; em troca, pela sua morte e ressurreição, fonte de vida, curou-nos, purificou-nos ontológica e radicalmente. De facto, Ele é o santo de Deus, que assumiu o nosso pecado e que, apenas pela sua força, realizou em nosso favor o que nos era impossível realizar.
    Se Jesus não interviesse em nosso favor, com a sua vontade de bem e de salvação, para nos tornar santos, participantes da sua filial pureza e beleza, ser-nos-ia absolutamente impossível caminhar em integridade diante de Deus. Mas foi para isso que Ele veio ao mundo e morreu por nós. Resta-nos querer ser
    realmente purificados. Só na liberdade podemos ser curados dos nossos males, escolher o que é bom e fazer o bem. Só na liberdade, podemos acolher os dons do Espírito, viver as bem-aventuranças, irradiar os frutos e os carismas do mesmo Espírito.

    Oratio

    Pai de benevolência, em Quem encontrou plena aceitação o teu amado Filho, levantado na cruz para redenção do mundo; concede que sejamos purificados pela Água e pelo Sangue que brotaram do seu lado aberto e do seu Coração trespassado. Sepultados com Cristo e com Ele ressuscitados, queremos caminhar em novidade de vida, numa fé inabalável e numa esperança feliz. Ajuda-nos a dar morte ao mal que ainda está em nós, ao egoísmo e ao medo de nos abandonarmos generosamente a Ti. Livra-nos de nós mesmos, para que possamos servir-Te, em liberdade de espírito, quais hóstias vivas. Ámen.

    Contemplatio

    A humildade é o remédio para o orgulho. Mas para isso, não basta reconhecer o próprio nada nem aceitar humilhações merecidas. Ao aceitá-las, mais não fazemos que o nosso dever, não reparamos nada e podemos dizer: «Não passamos de servos inúteis». Nosso Senhor não aceitou senão humilhações merecidas? Foi ao contrário pelas suas humilhações imerecidas que nos testemunhou o seu amor reparando o nosso orgulho. Foi por isso que Ele amou os desprezos e que foi verdadeiramente humilde de coração. Queremos verdadeiramente curar o nosso orgulho, reparar as nossas faltas e ajudar à necessidade do nosso próximo pelas nossas reparações? Amemos a humildade, amemos os desprezos e as humilhações, como o orgulho afasta a graça, a humildade atrai-a. O Coração de Jesus ama os humildes. Procurarei a humildade de espírito e de coração. Não presumirei ser mais do que sou e isto será justiça. Aceitarei os desprezos e as humilhações. Desejo mesmo amá-los para me tornar semelhante a Nosso Senhor e unir o meu sacrifício ao seu. (Leão Dehon, OSP4, p. 557).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, se quiseres, podes purificar-me» (Mt 8, 2).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XII Semana - Sábado

    1 de Julho, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Génesis 18, 1-15

    Naqueles dias, o Senhor apareceu a Abraão junto dos carvalhos de Mambré, quando ele estava sentado à porta da sua tenda, durante as horas quentes do dia. 2Abraão ergueu os olhos e viu três homens de pé em frente dele. Imediatamente correu da entrada da tenda ao seu encontro, prostrou-se por terra 3e disse: «Meu Senhor, se mereci o teu favor, peço-te que não passes adiante, sem parar em casa do teu servo. 4Permite que se traga um pouco de água para vos lavar os pés; e descansai debaixo desta árvore. 5Vou buscar um bocado de pão e, quando as vossas forças estiverem restauradas, prosseguireis o vosso caminho, pois não deve ser em vão que passastes junto do vosso servo.» Eles responderam: «Faz como disseste.» 6Abraão foi, sem perda de tempo, à tenda onde se encontrava Sara e disse-lhe: «Depressa, amassa já três medidas de flor de farinha e coze uns pães no borralho.» 7Correu ao rebanho, escolheu um vitelo dos mais tenros e gordos e entregou-o ao servo, que imediatamente o preparou. 8Tomou manteiga, leite e o vitelo já pronto e colocou-o diante deles. E ficou de pé junto dos estranhos, debaixo da árvore, enquanto eles comiam. 9Então, disseram-lhe: «Onde está Sara, tua mulher?» Ele respondeu: «Está aqui na tenda.» 10Um deles disse: «Passarei novamente pela tua casa dentro de um ano, nesta mesma época; e Sara, tua mulher, terá já um filho.» Ora, Sara estava a escutar à entrada da tenda, mesmo por trás dele. 11Abraão e Sara eram já velhos, de idade muito avançada, e Sara já não estava em idade de ter filhos. 12Sara riu-se consigo mesma e pensou: «Velha como estou, poderei ainda ter esta alegria, sendo também velho o meu senhor?» 13O Senhor disse a Abraão: «Porque está Sara a rir e a dizer: 'Será verdade que eu hei-de ter um filho, velha como estou?' 14Haverá alguma coisa que seja impossível para o Senhor? Dentro de um ano, nesta mesma época, voltarei à tua casa, e Sara terá já um filho.» 15Cheia de medo, Sara negou, dizendo: «Não me ri.» Mas Ele disse-lhe: «Não! Tu riste-te mesmo.»

    No nosso texto fundem-se dois temas caros às literaturas extra-bíblicas: a visita de uma divindade e a promessa de um filho a um casal estéril (cf. Jz 13, 8ss.). O nascimento anunciado aparece como um dom pela hospitalidade gratuitamente oferecida aos três homens misteriosos que Abraão viu fora da sua tenda (v. 2). O mais difícil é definir a relação entre estas três figuras e Deus. Os intérpretes, judeus e cristãos, procuram compreender a razão pela qual o texto fala de «três homens» com os verbos, ora no plural, ora no singular, como se se tratasse de um só, isto é, de Deus. Para o narrador, os três homens são manifestação de Deus, que, lida em chave cristã, é uma velada antecipação do mistério trinitário.
    Os versículos 1 a 8 apresentam Abraão como modelo de hospitalidade, preparando o tema dos versículos seguintes (9 a 16), centrado no riso de Sara por causa da promessa dum filho. A mulher revela a sua incredulidade perante uma promessa humanamente irrealizável, e torna-se figura de todo o crente, quando se vê confrontado com misterioso modo de agir de Deus: «Haverá alguma coisa que seja impossível para o Senhor?», perguntam os estranhos. O "sim" de Deus choca com a mentira da criatura, que tantas vezes não só não acredita, mas teme assumir a responsabilidade dos seus actos diante de Deus e, como criança, mente.
    A narrativa começa com uma visita de Deus ao homem, procede com a mentira do mesmo homem, e termina com o riso argentino do pequeno Isaac, um ano depois. Deus mantém a sua fidelidade e sorri com a incredulidade do homem.

    Evangelho: Mateus 8, 5-17

    Naquele tempo, 5entrando Jesus em Cafarnaúm, aproximou-se dele um centurião, suplicando nestes termos: 6«Senhor, o meu servo jaz em casa paralítico, sofrendo horrivelmente.» 7Disse-lhe Jesus: «Eu irei curá-lo.» 8Respondeu-lhe o centurião:«Senhor, eu não sou digno de que entres debaixo do meu tecto; mas diz uma só palavra e o meu servo será curado. 9Porque eu, que não passo de um subordinado, tenho soldados às minhas ordens e digo a um: 'Vai', e ele vai; a outro: 'Vem', e ele vem; e ao meu servo: 'Faz isto', e ele faz.» 10Jesus, ao ouvi-lo, admirou-se e disse aos que o seguiam: «Em verdade vos digo: Não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé! 11Digo-vos que, do Oriente e do Ocidente, muitos virão sentar-se à mesa do banquete com Abraão, Isaac e Jacob, no Reino do Céu, 12ao passo que os filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes.» 13Disse, então, Jesus ao centurião: «Vai, que tudo se faça conforme a tua fé.» Naquela mesma hora, o servo ficou curado. 14Entrando em casa de Pedro, Jesus viu que a sogra dele jazia no leito com febre. 15Tocou-lhe na mão, e a febre deixou-a. E ela, levantando-se, pôs-se a servi-lo. 16Ao entardecer, apresentaram-lhe muitos possessos; e Ele, com a sua palavra, expulsou os espíritos e curou todos os que estavam doentes, 17para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta Isaías: Ele tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas dores.

    Este milagre, narrado por Mateus, também se encontra em Lucas e em João, com algumas diferenças. Enquanto Mateus fala da cura de um filho-servo (pais), Lucas da cura de um servo (dûlos) e João da cura de um filho (hyiós). Na realidade trata-se de um prodígio onde confluem o poder taumatúrgico de Cristo, que actua de modo imediato («naquela mesma hora»), mesmo à distância, e a fé do centurião elogiada pelo Mestre. Esta situação oferece a Cristo ocasião para estigmatizar a falta de fé dos seus conterrâneos e descrever as tristes consequências da mesma. As expressões «choro e ranger de dentes» são idiomáticas, indicando a enorme desespero daqueles que, no castigo, reconhecem as suas culpas. A cena do centurião é como que um prelúdio da missão ou anúncio do Evangelho aos pagãos.
    Jesus detém-se em Cafarnaúm, na casa de Pedro, cuja sogra estava doente com febre. E Jesus toma a iniciativa de a curar, - caso único em Mateus -, tocando-lhe, como fizera com o leproso. Uma vez curada, a mulher põe-se a servir, tornando-se a primeira «diaconisa» da história cristã.
    Os últimos versículos sintetizam a obra de Cristo em favor dos endemoninhados e dos doentes. Mateus aproveita para fazer uma releitura de Is 53, 4: enquanto o profeta fala de sofrimentos e dores, o evangelista fala de enfermidades e doenças. Trata-se de uma expiação libertadora, fruto da solidariedade de Cristo com os homens.

    Meditatio

    A primeira leitura mostra-nos como Deus tem em conta a hospitalidade. Abraão dá-nos uma boa lição da disponibilidade e generosidade com que deve ser praticada. «Durante as horas
    quentes do dia», repousava tranquilo à porta da tenda. Mas não se importou de ser incomodado pelos três misteriosos hóspedes que se aproximam: «Imediatamente correu da entrada da tenda ao seu encontro, prostrou-se por terra» (v. 2), pedindo-lhes que se detivessem em sua casa e comessem «um bocado de pão» (v. 5). Mais tarde, será o próprio Deus a oferecer aos homens o Pão descido do céu. Depois de lhes ter lavado os pés, tal como Jesus fará um dia aos Apóstolos, Abraão ordena a Sara, sua esposa, que prepare uma generosa refeição com o vitelo que, ele mesmo, vai buscar à manada. Assim fará o pai misericordioso ao ver regressar o filho pródigo. Abraão convida os seus hóspedes a repousar à sombra da árvore. Deus far-nos-á repousar à sombra da Cruz. A hospitalidade do Patriarca é solícita, modesta e generosa. A narrativa acaba por nos dizer que Abraão hospeda e alimenta o próprio Deus, que, antes de partir, lhe recompensa a generosidade com a promessa de um filho. Sara ri-se de tal promessa: tanto ela como o marido eram de avançada idade. Mas, um ano depois, ouvir-se o riso estridente do pequeno Isaac, filho do riso. Isaac, por sua vez, é figura de Jesus, nascido da Virgem Maria. Sobre Ele pesarão os pecados da humanidade. Maltratado, sofrerá sozinho o escárnio. Morto e ressuscitado, a todos salva: «Haverá alguma coisa que seja impossível para o Senhor» (v. 14).
    O autor da Carta aos Hebreus exorta os cristãos a não esquecerem a hospitalidade: «pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos» (13, 2). São Bento, com grande concisão, escreve na sua Regra: «Vem um hóspede, vem Cristo». Acolher os outros dá-nos a certeza de receber ao próprio Cristo: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). O melhor modo de acolher a Cristo é acolhê-lo como Ele quer ser acolhido. Marta afadigou-se para receber bem a Jesus. Mas a sua irmã, Maria, acolheu-O como Ele queria ser acolhido: «Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada», diz Jesus (Lc 10, 42). Mas há um modo ainda mais profundo de acolher a Cristo, que consiste em acolher na nossa própria carne os seus sofrimentos, em favor da Igreja, para completar a sua obra redentora: «alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja», escreve Paulo (Cl 1, 24). Não se trata, de evidentemente, de completar os sofrimentos expiatórios de Cristo, que já estão completos. Mas o Apóstolo vive as suas tribulações apostólicas, como Cristo, por primeiro, as experimentou. Em Cristo, Paulo, e todo o que quer ser apóstolo, particularmente o que é chamado a ser Oblato-Sacerdote do Coração de Jesus, tem o seu lugar na cruz, ao lado do seu Senhor e Salvador, em favor do Corpo místico de Cristo.

    Oratio

    Pai santo, acolhe o nosso hino de bênção e de louvor no começo deste dia. Escondeste-nos o dia e a hora, em que Jesus Cristo, teu Filho, Senhor e Juiz da história, aparecerá nas nuvens do céu revestido de poder e majestade. Mas sabemos que Ele vem ao nosso encontro em cada homem e em cada tempo, para que O recebamos na fé e na caridade e demos testemunho da gloriosa esperança do seu Reino. Por isso, novamente nos disponibilizamos para nos unirmos à sua oblação no serviço generoso para com todos, especialmente para com os pequenos e os que sofrem. Amen.

    Contemplatio

    Santa Gertrudes, ao meditar sobre a hospitalidade oferecida a Jesus por Marta e por Maria em Betânia, estava toda inflamada por também receber Jesus. Beijava a chaga do lado de Jesus sobre o seu crucifixo e suplicava ao Sagrado Coração, pelo desejo que tinha de ir ter com os seus amigos de Betânia, de se dignar descer à pobre hospedaria do seu indigníssimo coração. O Senhor, cheio de bondade, que gosta de escutar aqueles que o invocam, favoreceu-a com a sua presença e disse-lhe esta palavra doce e atractiva: «Aqui estou, que é que me vais dar?» - Pobre de mim, Senhor, disse ela, não preparei nada que seja digno da vossa magnificência, e peço-vos que sejais vós mesmo a preparar em mim o que possa agradar à vossa divina bondade». - «Neste caso, diz o Senhor, dá-me a chave da tua alma para me permitir tomar e substituir tudo o que me convier, tanto para estar a meu gosto como para me repousar». - «E qual é esta chave?», disse ela. - «A tua vontade própria», diz Jesus Cristo. Ela compreendeu que se alguém tiver que dar hospitalidade a Nosso Senhor, é preciso que lhe entregue a chave da própria vontade, que se abandone plenamente ao seu beneplácito, e que espere com plena confiança na sua bondade que em todas as coisas ele operará a nossa salvação. (Leão Dehon, OSP4, p. 446).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Não vos esqueçais da hospitalidade» (Heb 13, 2).

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