Events in Agosto 2023

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Terça-feira

    1 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Êxodo 33, 7-11; 34, 5b-9.28

    Naqueles dias, 7Moisés pegou na tenda e foi colocá-la a certa distância do acampamento. Deu-lhe o nome de tenda da reunião. E todos aqueles que desejavam consultar o Senhor iam à tenda da reunião, fora do acampamento. 8Quando Moisés se dirigia para a tenda, todo o povo se levantava, permanecendo cada um à entrada da própria tenda, para o seguir com os olhos, até Moisés entrar na tenda. 9Logo que Moisés entrava na tenda, a coluna de nuvem descia e mantinha-se à entrada, e o Senhor falava com Moisés. 10E, ao ver a coluna de nuvem que permanecia à entrada da tenda, todo o povo se levantava e se prostrava, cada um à entrada da sua tenda. 11O Senhor falava com Moisés, frente a frente, como um homem fala com o seu amigo. Moisés voltava, em seguida, para o acampamento; mas Josué, filho de Nun, o seu servidor, homem ainda novo, não se afastava do interior da tenda. Moisés, passando junto dele, pronunciou o nome do Senhor. 6O Senhor passou em frente dele e exclamou: «Senhor! Senhor! Deus misericordioso e clemente, vagaroso na ira, cheio de bondade e de fidelidade, 7que mantém a sua graça até à milésima geração, que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado, mas não declara inocente o culpado e pune o crime dos pais nos filhos, e nos filhos dos seus filhos até à terceira e à quarta geração.» 8Moisés curvou-se imediatamente até ao chão e prostrou-se em adoração, 9dizendo: «Se, entretanto, alcancei graça aos teus olhos, ó Senhor, vem, por favor, caminhar no meio de nós, pois este é um povo de cerviz dura. Mas perdoa-nos as nossas iniquidades e os nossos pecados e aceita-nos como propriedade tua.» 28Moisés permaneceu junto do Senhor quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão nem beber água. E escreveu nas tábuas as palavras da aliança, os dez mandamentos.

    A leitura que hoje escutamos é composta por dois pequenos textos, o primeiro eloísta e o segundo javista, que nos referem a renovada aliança pelo Senhor, mediante um acto de renovação permanente do culto. O Senhor, apesar do pecado do povo, pela sua misericórdia e pelo seu amor, permanece junto do povo, graças a Moisés. Este, pegou «na tenda da reunião», isto é, no lugar do culto, e «foi colocá-la a certa distância do acampamento» (v. 7), como que a indicar que Deus não pode conviver harmoniosamente com homens pecadores, apesar de estar sempre disponível a perdoar-lhes. Todos os que reconheciam o seu pecado podiam dirigir-se à tenda e falar com Deus, tal como o intercessor Moisés, quando falava com o Senhor face a face, como amigo a amigo, e como Josué, que «não se afastava do interior da tenda» (v. 11). Em resumo, Deus, que se revela a Moisés como misericordioso, quer ensinar ao seu povo que o verdadeiro lugar da aliança não é o monte Sinai ou um qualquer outro lugar material, mas o reconhecer-se pecador e o estar disposto a acolher a sua misericórdia, que se manifesta nas situações concretas e por meio de homens e pessoas santas e amigas de Deus.

    Evangelho: Mateus 13, 36-43

    Naquele tempo, 36afastando-se das multidões, Jesus foi para casa. E os seus discípulos, aproximando-se dele, disseram-lhe: «Explica-nos a parábola do joio no campo.» 37Ele, respondendo, disse-lhes: «Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem; 38o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do Reino; o joio são os filhos do maligno; 39o inimigo que a semeou é o diabo; a ceifa é o fim do mundo e os ceifeiros são os anjos. 40Assim, pois, como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será no fim do mundo: 41o Filho do Homem enviará os seus anjos, que hão-de tirar do seu Reino todos os escandalosos e todos quantos praticam a iniquidade, 42e lançá-los na fornalha ardente; ali haverá choro e ranger de dentes. 43Então os justos resplandecerão como o Sol, no Reino de seu Pai. Aquele que tem ouvidos, oiça!»

    O Evangelho oferece-nos várias parábolas para nos ensinar como é que Deus faz chegar a sua Palavra aos homens. A parábola do joio no campo alerta-nos para a existência de outro semeador: o semeador do mal. Onde Deus semeia, também Satanás semeia. A acção do semeador do mal caracteriza-se por acontecer durante a noite, enquanto os criados dormem. Durante o dia, não seria possível uma tal acção. A separação entre o que é bom e o que é mau só terá lugar no momento da ceifa, isto é, no dia do juízo final (cf. Mt 9, 37; Mc 4, 29; Jo 4, 35). Quando chega o tempo da ceifa - não antes, para não arrancar também o trigo - o dono dirá aos ceifeiros que cortem o trigo e o joio, e que os separem: o joio vai para queimar e o trigo é guardado no celeiro. Esta parábola parece querer que responder a uma questão surgida nas primeiras comunidades: porque existem bons e maus cristãos na Igreja? A resposta é: tanto Deus como Satanás semeiam a sua semente. Deus tolera essa sementeira, e o crescimento e a maturação de ambas as sementes, para dar aos maus oportunidade de conversão.

    Meditatio

    O texto do Êxodo, que hoje escutamos, já nos faz antever o projecto de Deus de habitar no meio do seu povo, e de ter com cada um de nós uma relação pessoal profunda. Esta intenção divina começa a concretizar-se quando Moisés ergue a tenda e a chama «tenda da reunião». A tenda é o lugar do encontro. O texto sagrado diz que Moisés «foi colocá-la a certa distância do acampamento» (v. 7). Deus não podia habitar no meio do seu povo, porque esse povo tinha pecado, tinha-se afastado dele, tinha caído na idolatria. Portanto, a tenda estava distante. Mas era acessível: «todos aqueles que desejavam consultar o Senhor iam à tenda da reunião» (v. 7). Mesmo fora do acampamento, a tenda era o lugar do encontro de Deus com os homens e dos homens com Deus. Mas esse encontro será permanente quando, como nos diz João, no seu evangelho, o Verbo se fizer carne e habitar entre nós: «O Verbo fez-se homem e veio habitar connosco» (Jo 1, 14). Na Incarnação, o Verbo de Deus, o Filho de Deus, ergueu a sua tenda no meio das nossas tendas, tornou-se nosso vizinho e companheiro. Podemos, agora, falar com Ele, não apenas como um homem fala a outro homem, mas como um amigo fala ao seu amigo: «Já não vos chamo servos, ... mas chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (Jo 15, 15).
    Na nova aliança, cada homem, cada um de nós, é chamado a esta relação pessoal, profunda com Deus, uma relação, não só face a face, mas coração a coração. É um privilégio que havemos de acolher com respeito, admiração, reconhecimento. A Eucaristia oferece-nos a inaudita possibilidade de receber Jesus, o Filho de Deus feito nosso irmão, nosso amigo, não só no meio de nós, mas dentro de nós, para falarmos com Ele, escutá-l´O, deixar que guie to
    da a nossa vida e a encha do seu amor. Pela Incarnação, pela Eucaristia, o Filho do homem, semeou e semeia em nós essa «boa semente». Há que impedir que o joio a sufoque. Há que deixá-la germinar, crescer, frutificar.

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu viveste uma intensíssima intimidade com Deus, a Quem chamavas "Abbá", com a confiança familiar que esse nome comporta. Mas quiseste viver também em grande intimidade connosco. Pela Incarnação, tornaste-Te nosso vizinho, amigo, irmão. Pela Eucaristia, quiseste permanecer connosco até ao fim dos tempos. Assim continuas a partilhar a nossa vida e a nossa sorte. Assim queres ser nosso companheiro, nosso alimento de caminhada, nossa luz e nossa força. Obrigado, Senhor! Obrigado! Amen.

    Contemplatio

    A comunhão é uma extensão da Incarnação. Em que consiste propriamente este mistério inefável (da Incarnação)? É que o homem se torna Deus pela união hipostática da natureza divina à natureza humana. Ora, não convinha que o Verbo se incarnasse em cada um de nós. E todavia o Coração de Jesus, tão ávido de se dar, dizia para Si mesmo: Entre todos os meus tesouros, há um, o mais precioso de todos, a minha divindade, que se torna inacessível aos meus irmãos e aos meus amigos; não gozam como Eu da união hipostática. Ora bem! Eis o que farei; dar-lhes-ei a minha carne que é a vida do mundo, inebriá-los-ei com o meu sangue, no seu coração colocarei o meu Coração e então a minha divindade unir-se-á a eles de um modo muito especial, embora não hipostático, dado que não o é por natureza. É assim que a divina Eucaristia, por meio da santa comunhão, nos faz entrar no próprio mistério da Incarnação, e estende-o a todos os filhos de Adão que quiserem pôr-se em estado de dele aproveitar. Que há de maior? Que há de mais belo? Que há de mais terno e de mais generoso! Associar-nos à divindade unindo-nos à humanidade santa de Jesus, ao seu Coração divino; tal é então o fim da santa Comunhão, e é assim que este Coração amante não se contenta com a qualidade de irmão, de amigo, ou de pai, mas torna-se o esposo das nossas almas e do nosso coração mesmo. «A minha carne, diz, é verdadeiramente uma comida, e o meu sangue verdadeiramente uma bebida». Comer Deus, saciar-se de Deus, incorporar-se em Jesus Cristo, não fazer senão uma só coisa com Ele, oh! Que glorioso privilégio! E quanto a incarnação eucarística é um complemento maravilhoso da primeira Incarnação. Todos os autores místicos descrevem muito longamente os efeitos maravilhosos da santa Comunhão. Faltar-nos-ia o tempo para os analisar, mas nós encontramos tudo e muito mais nesta magnífica síntese: A divina Eucaristia não é outra coisa senão a Incarnação aplicada a cada um de nós (Leão Dehon, OSP 2, p. 421s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O Verbo fez-se homem e veio habitar connosco» (Jo 1, 14).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Quarta-feira

    2 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Êxodo 34, 29-35

    Naqueles dias, 29Moisés desceu do monte Sinai, trazendo na mão as duas tábuas do testemunho. Não sabia, enquanto descia o monte, que a pele do seu rosto resplandecia, depois de ter falado com Deus. 30Quando Aarão e todos os filhos de Israel o viram, notaram que a pele do seu rosto se tornara resplandecente e não se atreveram a aproximar-se dele. 31Moisés, porém, chamou-os; Aarão e todos os chefes da assembleia foram ter com ele, e ele falou-lhes. 32Em seguida, aproximaram-se todos os filhos de Israel, aos quais transmitiu todas as ordens que tinha recebido do Senhor, no monte Sinai. 33Depois de ter acabado de falar com eles, Moisés cobriu o rosto com um véu. 34Ao entrar para estar na presença do Senhor e falar com Ele, Moisés retirava o véu até sair. Então, depois de sair, comunicava aos filhos de Israel as ordens recebidas. 35Os filhos de Israel viam resplandecer a face de Moisés que, em seguida, tornava a colocar o véu sobre o rosto, até entrar novamente para falar com Deus.

    O tema predominante em Ex 32-34 é a distância e a proximidade de Deus. Foca particularmente e remodela o tema da tenda da reunião (Ex 33, 7-11), o lugar onde Deus vem para se comunicar com Moisés e com o povo. Essa tenda é agora como que posta de lado, para sobressair a figura de Moisés como lugar privilegiado da revelação de Deus aos homens. Trata-se de uma adição pós-exílica (séculos VI-V a. C.) pertencente ao documento sacerdotal. Moisés desce do Sinai, com o rosto radiante, e trazendo nas mãos as tábuas da lei. O povo não ousa aproximar-se dele, pois se sente tomado por um temor sagrado e por respeito (cf. v. 30). Moisés chama, então, Aarão e os representantes do povo para lhes transmitir as ordens de Deus. Enquanto se encontra entre o seu povo, cobre o rosto com um véu. Pelo contrário, quando entra na tenda para dialogar com Deus retira o véu (cf. Sir 45, 2.7s.; 50, 5-13). Moisés, o grande chefe, é aqui o revelador de Deus, através do resplendor do seu rosto e das tábuas da lei, que contêm a palavra de Deus. Aproximar-se de Moisés, e escutar os seus ensinamentos, é fazer experiência do divino (vv. 31-34), e entrar no mistério de Deus. Como figura carismática, Moisés encarna todas as mediações da revelação divina: a ele se atribui a promulgação da lei e a autoridade da palavra de Deus. Neste texto, entrevemos a figura de Cristo glorioso na transfiguração, verdadeira manifestação do Salvador dos homens e imagem viva e luminosa de Deus invisível (cf. Mc 9, 2-8; 2 Cor 4, 6; Heb 1, 3; Cl 1, 15).

    Evangelho: Mateus 13, 44-46

    Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 44«O Reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem encontra. Volta a escondê-lo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que possui e compra o campo. 45O Reino do Céu é também semelhante a um negociante que busca boas pérolas. 46Tendo encontrado uma pérola de grande valor, vende tudo quanto possui e compra a pérola.»

    As parábolas do tesouro casualmente encontrado no campo, e da pérola desejada e finalmente comprada, acentuam a alegria daquele que compreendeu o valor do reino de Deus. Ambos os protagonistas vendem tudo o que têm para adquirirem o tesouro e a pérola, respectivamente. Mas o ensinamento fundamental não é o da entrega incondicional que o Reino exige, com as respectivas renúncias. A palavra fundamental é «cheio de alegria» (v. 44), referida ao homem comovido diante do excepcional achado num campo, e da pérola de grande valor encontrada. Perante essas descobertas, tudo o resto perde valor. Daí que nenhum esforço, nenhuma renúncia, pareçam excessivos para obter tais bens.

    Meditatio

    A nossa meditação pode partir, hoje, de um pormenor que lemos logo no primeiro versículo da primeira leitura: «Moisés, enquanto descia o monte, não sabia, que a pele do seu rosto resplandecia, depois de ter falado com Deus (v. 29). A leitura de ontem dava a entender que todo o povo de Deus podia fazer uma experiência semelhante à de Moisés, frequentando a «tenda da reunião», que era acessível a: «todos aqueles que desejavam consultar o Senhor» (v. 7). E o encontro, a oração, o diálogo com Deus, pode produzir em todos efeitos semelhantes aos que produziu em Moisés. Mas pode dizer-se mais: a contemplação, tal como a santidade, não é privilégio de alguns, mas é vocação comum de todos os cristãos. Contemplar é fixar-nos intuitivamente sobre a realidade divina, que pode ser o próprio Deus, um seu atributo, ou um mistério da vida de Cristo. É fruir da sua presença, deixar-nos iluminar por Ele, tornar-nos resplandecentes. Para os cristãos, e para nós dehonianos, em particular, a Eucaristia, que celebramos e comungamos, é um excelente "objecto" de contemplação. Contemplar a Eucaristia é fixar-nos intuitivamente sobre aquilo que ela é para nós: presença do Senhor Ressuscitado, e fruir dessa presença. De facto, enquanto na meditação prevalece a busca da verdade, na contemplação prevalece o gozo da Verdade encontrada. A contemplação eucarística, feita na adoração, permite-nos ter em nós «os sentimentos que estavam em Cristo Jesus» (Fl 2, 5), permite-nos «pensar segundo Deus, e não segundo os homens» (cf. Mt 16, 23, e torna «puro» o nosso coração. O que, de facto, nos torna impuros é a busca de nós mesmos, da nossa glória. Mas o homem que contempla a Deus, volta as costas a si mesmo, esquece-se de si. Quem contempla, não se contempla.
    Assiste-se ao renascimento da adoração eucarística. Os cristãos voltam a gostar de estar diante de Jesus, como Maria de Betânia (Lc 10, 39). É à volta do "Corpo real", que é a Eucaristia, que redescobrimos e aprofundamos a realidade do Corpo Místico, que é a Igreja.
    Estando silenciosos e calmos diante do Senhor, presente na Eucaristia, percebemos os seus desejos a nosso respeito, depomos a seus pés os nossos projectos e aceitamos os d'Ele. A sua luz penetra o nosso coração e cura-o. As almas eucarísticas, contemplando o "sol da Justiça", Cristo Nosso Senhor, fixam o seu Espírito e transmitem-no a toda a grande árvore que é a Igreja, tornam-se servidores do Reino do «amor e da justiça» entre os homens, como foi Leão Dehon, e nos recomendou que fôssemos. Por isso é que a adoração eucarística, tempo de encontro, de presença e de contemplação, é a primeira opção apostólica da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus. É o grande apostolado que todos podem fazer, mesmo quando lhes faltarem as forças para outros serviços apostólicos, mesmo quando estiverem limitados pela doença ou pela idade. É o apostolado que todo o cristão pode fazer, mesmo sem grande preparação teológica e pastoral. &Ea
    cute; o apostolado que se pode fazer mesmo quando é mais prudente estar calado que falar...
    A contemplação eucarística é realização da profecia «Hão-de olhar para aquele que trespassaram» ou «n´Aquele que trespassaram» (Videbunt in quem transfixerunt) (Jo 19, 37). Mas é, por sua vez, profecia daquilo que, um dia faremos no Céu, quando nos juntarmos à grande liturgia celebrada pelos redimidos à volta do trono do Cordeiro, como nos descreve o Apocalipse (cf. Apoc 5).
    Quando descia do monte Sinai, Moisés trazia o rosto radiante de luz, porque tinha conversado com Deus, como com um amigo, frente a frente, "boca a boca" segundo a expressão do livro do Êxodo (cf. Ex 33, 11). Moisés não se dava conta desse brilho. Mas ele era real... Também nós, depois da adoração, talvez não nos demos conta, mas voltamos para junto dos irmãos com o rosto tornado brilhante, porque contemplámos o Senhor. E será esse o mais belo testemunho que podemos dar ao nosso mundo materialista e consumista, mas com uma enorme ânsia de encontrar a Deus.

    Oratio

    Senhor, obrigado por queres habitar no meio de nós, por quereres ficar connosco na Eucaristia. Na verdade, Tu és um Deus próximo, um Deus amigo. Ninguém tem tão próximo de si o seu deus, como nós temos próximo de nós o nosso Deus. Que a tua Presença nos torne presentes a Ti, para Te ouvirmos, Te falarmos, para sermos iluminados. Assim poderemos tornar-nos significativos para a Igreja e para o mundo, que precisam de pessoas competentes em diversas áreas do saber e da técnica, mas precisam principalmente de profetas em cujos rostos resplandeça a tua glória. Tu estás connosco! Que estejamos contigo, e sejamos iluminados! Amen.

    Contemplatio

    A adoração do Sagrado Coração de Jesus no seu Sacramento exposto é também um dos principais exercícios de reparação. No nosso tempo, o Espírito Santo impele com uma força toda divina a Igreja a tomar frequentemente como objecto de contemplação o Santíssimo Sacramento exposto sobre os nossos tabernáculos. As exposições do Santo Sacramento multiplicaram-se ao infinito. Vários institutos religiosos têm o Santíssimo Sacramento exposto todos os dias; outros, todas as semanas. A divina vítima é o objecto das suas contemplações mais frequentes. Os amigos do Sagrado Coração de Jesus, não se esquecem de O contemplar sobretudo na humanidade santa do Salvador, a fonte e o fundamento de todo o resto, o amor, o Coração mesmo de Jesus. Não há, depois da santa Missa, exercício que supere em mérito e em eficácia a adoração eucarística. No Santíssimo Sacramento, a oração do Coração de Jesus, esta oração que é toda amor, reparação, acção de graças, dura sempre, ardente, abrasadora, toda-poderosa, capaz de tudo reparar. Saibamos portanto unir-nos a ela, tomá-la, colocá-la no nosso coração, para que viva desta vida de amor e de imolação, e que nela se consuma como a lâmpada do santuário. Tais são os sentimentos que nos devem inspirar, quando nos apresentamos à adoração do Sagrado Coração de Jesus no Santíssimo Sacramento. A nossa adoração não reclama sempre muitas palavras; há também momentos de silêncio que são eloquentes por si mesmos. Nada de mais belo e de mais tocante do que a união a este Coração sempre silencioso e sempre actuante por nós. Santo Afonso de Ligório diz que esta oração do divino Sacramento produz às vezes graças sensíveis como própria sagrada Comunhão. Nesta adoração, é o amigo que fala ao seu amigo sobre os interesses do seu amor e da sua glória. Enfim, não nos podemos esquecer que esta devoção ao Sagrado Coração de Jesus nasceu no meio de uma adoração ao Santíssimo Sacramento. É por meio deste exercício que ela se espalhará, se fortificará e se tornará o órgão todo-poderoso do amor, da reparação e da acção de graças (Leão Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 487s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Hão-de olhar para aquele que trespassaram» (Jo 19, 37).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Quinta-feira

    3 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Êxodo 40, 16-21.34-38

    16Moisés obedeceu; fez tudo quanto o Senhor lhe ordenara. 17No primeiro dia do primeiro mês do segundo ano, foi erigido o santuário. 18Moisés erigiu o santuário: assentou as bases, as pranchas, as travessas e ergueu as colunas; 19estendeu a tenda sobre o santuário e, por cima, a cobertura da tenda, como o Senhor lhe tinha ordenado. 20Tomou o testemunho e depositou-o na Arca; meteu os varais na Arca, sobre a qual colocou o propiciatório. 21Transportou a Arca para o santuário, fixando o véu de protecção, para vedar o acesso à Arca do testemunho, como o Senhor lhe tinha ordenado. 34Então, a nuvem cobriu a tenda da reunião, e a majestade do Senhor encheu o santuário. 35Moisés já não pôde entrar na tenda da reunião, porque a nuvem pairava sobre ela, e a glória do Senhor enchia o santuário. 36Quando a nuvem se retirava de cima do santuário, os filhos de Israel partiam de viagem, 37e quando a nuvem não se retirava, não partiam, até ao instante em que ela se elevava. 38Porque uma nuvem do Senhor cobria o santuário durante o dia, e um fogo brilhava ali durante a noite, aos olhos de toda a casa de Israel, em todas as suas caminhadas.

    O nosso texto é claramente pós-exílico (séculos VI-V a. C.). Ele projecta sobre o santuário do deserto, objecto portátil, que tinha por função representar a condução divina do povo na marcha para a terra, a imagem do templo de Jerusalém. Assim procura o documento sacerdotal justificar o ordenamento do culto da comunidade do segundo templo. Moisés, em obediência a Deus, constrói a tenda, a "Morada" do Senhor (vv. 16-21, e Deus vem estabelecer-se no meio do seu povo escolhido (vv. 34-38). Depois do Sinai, é a tenda que constitui a comunidade da revelação de Deus com os homens. Ela é o lugar ideal onde cada homem pode entrar em contacto com o Senhor e dialogar com Ele. Deus opta por estabelecer morada no meio do seu povo e comunicar com Moisés, mediador carismático. O sinal visível do Deus invisível era a «nuvem», que regulava as etapas do caminho do povo no deserto rumo à terra prometida. A presença de Deus, que enchia a tenda do santuário, era chamada, pela tradição sacerdotal, «glória», manifestação do amor salvífico de Deus no seu poder e santidade. No judaísmo sucessivo, essa «presença» de Deus será chamada shekhînah, «a Presença» por excelência. Para João, a humanidade de Cristo será a nova tenda, o novo templo onde reside toda a plenitude de sabedoria, graça e verdade, em que se manifesta a presença perfeita do Emanuel, o Deus-connosco.

    Evangelho: Mateus 13, 47-53

    Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 47«O Reino do Céu é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, apanha toda a espécie de peixes. 48Logo que ela se enche, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e escolhem os bons para as canastras, e os ruins, deitam-nos fora. 49Assim será no fim do mundo: sairão os anjos e separarão os maus do meio dos justos, 50para os lançarem na fornalha ardente: ali haverá choro e ranger de dentes.» 51«Compreendestes tudo isto?» «Sim» - responderam eles. 52Jesus disse-lhes, então: «Por isso, todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro.» 53Depois de terminar estas parábolas, Jesus partiu dali.

    A parábola da rede que, lançada ao mar, «apanha toda a espécie de peixes» (v. 47), aprofunda o significado da parábola do trigo e do joio. É uma parábola eminentemente escatológica, pois se refere a realidades que terão lugar nos últimos dias, no último dia. Como na rede se encontram peixes bons e peixes ruins, assim também na Igreja há quem viva e acolha a palavra de Jesus, e há quem a recuse ou permaneça indiferente. A separação, de uns e de outros, acontecerá no fim dos tempos, e pertence a Deus fazê-la (vv. 47-50). Entretanto, como na parábola do trigo e do joio, bons e maus têm de conviver ou coexistir até ao fim. Só então se manifestará clara e definitivamente quem é bom e quem é mau, quem confessou Cristo com o coração e os lábios e quem o confessou só por palavras, quem pertence à comunidade dos filhos de Deus e quem não pertence. Estes últimos terão a sorte dos peixes ruins e do joio.

    Meditatio

    Quanto nos conforta saber que Deus mora no meio do seu povo e que a sua presença enche essa morada. Há uma presença geral de Deus em todas as coisas. Mas também há uma presença pessoal, que permite dialogar com Ele. Deus quis estar assim presente no meio de nós. A morada, de que nos fala a primeira leitura, é lugar de encontro e de segurança, antecipação e prelúdio de uma outra tenda, a do Verbo de Deus. De facto, a verdadeira morada de Deus no meio dos homens é Cristo. A Virgem Maria também se tornou morada de Deus na Incarnação, quando a sombra do Espírito a cobriu e ficou cheia da glória do Senhor. Agora, a verdadeira morada, onde havemos de permanecer, é Jesus. Nos "discursos de adeus", que lemos no evangelho de João, volta esta palavra como consolação, convite e promessa: «viremos a ele e nele faremos morada» (Jo 15, 23), «permanecei em mim, e eu permanecerei em vós» (15, 4) e ainda: «permanecei no meu amor» (15, 9).
    É esta a esperança, o desejo profundo de todos quantos O amam: permanecer n´Ele e ser sua morada, numa intimidade misteriosa mas muito real com Ele, com o Pai e com o Espírito. Esta realidade realiza-se, sobretudo, na Eucaristia. No sacrário, torna-se presente a nós «o Verbo feito carne» porque, de facto «habita entre nós» (cf. Jo 1, 14). No Antigo Testamento, Deus manifestava-se na nuvem que vinha e ia, sem se poder tocar. Na plenitude dos tempos, manifestou-se em carne visível, palpável, estável entre nós. Por isso, os apóstolos poderão dizer: «O que vimos, ouvimos, contemplámos, relativamente ao Verbo da vida, isso vos anunciamos...» (cf. 1Jo 1, 1-4). Depois da Ceia pascal, podiam acrescentar: «comemos»: De facto, Jesus diz-lhes: «Tomai e comei...»; «Quem come a minha carne e bebe o meu sangue...». Na Eucaristia, a presença de Deus torna-se pessoal, real, concreta, plenamente adaptada à nossa condição de seres incarnados. Como os antigos hebreus, podemos dizer: «Que grande nação tem a sua divindade tão próxima de si, como o Senhor está próximo de nós?» (Dt. 4, 7). Verdadeiramente, diante do sacrário, podemos exclamar, como João no Apocalipse: «Eis a morada de Deus entre os homens!» (Apoc 21, 3). A presença eucarística possibilita a dupla imanência de que acima falámos: Jesus em nós e nós n´Ele: «viremos a ele e nele faremos morada» (Jo 15, 23), «permanecei em mim, e eu
    permanecerei em vós» (15, 4), diz o Senhor. Tudo isto se realiza de modo muito concreto na comunhão eucarística, em que Cristo vem a nós e nos une a Ele, ao Pai e ao Espírito Santo.

    Oratio

    Senhor, Tu quiseste habitar no meio de nós. São muitos os modos como habitas. Hoje quero agradecer-Te, particularmente, pela tua presença na Eucaristia, verdadeira morada de Deus entre os homens. Aí podemos encontrar-Te de modo muito particular, de modo sacramental. Aí podemos falar Contigo, como falava o Francisco de Fátima, e como falam todos os que reconhecem a tua presença, escondida mas real, nas espécies eucarísticas. Aí podemos receber-Te para que, não só habites no meio de nós, mas habites em nós. Contigo, assim o cremos, recebemos o Pai e o Espírito Santo. Que maravilhosa é a Eucaristia. É, na verdade, o dom do teu Coração. Obrigado, Senhor! Amen.

    Contemplatio

    O Coração de Jesus soube tudo arranjar, e a fim de permanecer sempre connosco, inventou o sacramento do amor. Não vemos Jesus, mas Ele está lá; só as fracas aparências eucarísticas nos separam d'Ele, e temos a fé para as penetrar, e temos um coração que voa para o Coração de Jesus, tornado mais do que nunca o Coração do nosso irmão e do nosso amigo. É assim que o Coração de Jesus cumpre a sua promessa: «Não vos deixarei órfãos». É assim que a Eucaristia continua o mistério da Incarnação e multiplica por toda a parte Belém e Nazaré. A Eucaristia torna mesmo Nosso Senhor mais perto de nós do que o mistério da Incarnação, e quando reflectimos bem nisto vemos que Ele não se afastou do homem pela Ascensão senão para estar mais perto dele pela Eucaristia, porque as condições da vida mortal não permitiam ao Salvador tornar-se presente em todos os pontos do espaço, em todo o coração que o amasse e que desejasse a sua visita, mas a sua vida gloriosa permite-lhe a omnipresença do amor; o seu Coração está em toda a parte, encontramo-lo em todos os santuários, e se a nossa ligeireza e a nossa indiferença não impedissem as efusões deste amor insaciável no dom de si mesmo, ser-nos-ia permitido como aos primeiros crentes de o guardar nas nossas casas e de o levar sempre no nosso coração. Tal teria sido a condescendência deste Coração generoso, se a Igreja não tivesse tomado, de algum modo contra Ele mesmo, o cuidado do respeito que Lhe é devido. Mas se este privilégio não nos é concedido, nós podemos sem grande fadiga, e quando queremos, a toda a hora do dia e da noite, aproximar-nos do Coração eucarístico, falar-lhe, abrir-lhe todo o nosso coração, atraí-lo a nós e fazer d'Ele tudo o que quisermos... Pela santa Eucaristia, a Incarnação multiplica-se sobre todos os pontos da terra habitável; em toda a parte aonde nos é dado dirigir os nossos passos, encontramos o Coração do nosso irmão e do nosso amigo, sempre pronto a nos receber, sempre pronto a nos consolar, sempre pronto a nos cumular de graças, a nos iluminar, a nos levantar e a nos perdoar. Assim, nesta Incarnação nova, é sobretudo o Coração de Jesus que está presente; Ele esconde todo o resto, a sua divindade, a sua humanidade, a fim de melhor deixar ver o seu Coração; e se os olhos do corpo não podem ver, como o vêem os olhos do coração e como sabem penetrar os véus que o envolvem! Ah! Porque não nos é dado multiplicar também o nosso coração para o dar a este Coração que se multiplica por nós! Pelo menos, arranquemos os nossos pensamentos, as nossas afeições ao mundo, a nós mesmos, para os dar todos ao único Coração que nos ama, e se não podemos superá-lo nem mesmo igualá-lo em amor, ao menos que todo o nosso amor lhe pertença, todo, absolutamente todo; e ainda, depois disto, digamos que não somos senão servos inúteis (Pe. Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 4 e19s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Viremos a ele e nele faremos morada» (Jo 15, 23),

  • S. João Maria Vianey

    S. João Maria Vianey


    4 de Agosto, 2023

    S. João Maria Vianney nasceu perto da cidade de Lião, em França, a 8 de Maio de 1786. Cedo descobriu a sua vocação para o sacerdócio. Mas foi excluído do seminário pela sua dificuldade nos estudos. Foi, então, ajudado pelo pároco de Écully e, com quase trinta anos, foi ordenado sacerdote em Grenoble. Em 1819, foi nomeado pároco de Ars. Permaneceu quarenta e dois anos a paroquiar a pequena aldeia, que transformou, graças à sua bondade, à pregação da palavra de Deus, a sua mortificação e à sua caridade. A sua fama espalhou-se de tal forma que gente de toda a parte o procurava para se confessar e ouvir os seus conselhos. Faleceu a 4 de Agosto de 1859. Foi canonizado por Pio XI, em 1925, que também o declarou padroeiro de todos os párocos.

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 3, 16-21

    O Senhor dirigiu a palavra dizendo: 17«Filho de homem, nomeei-te sentinela da casa de Israel; se ouvires uma palavra saída da minha boca, tu lha dirigirás da minha parte. 18Se Eu digo ao pecador: 'Vais morrer', e tu não o exortas e não falas para o afastar do mau caminho, para que ele possa viver, é ele, o pecador, que perecerá por causa do seu pecado; mas, é a ti que Eu pedirei contas do seu sangue. 19Mas, se tu avisares o pecador e ele não se emendar da sua perversidade e má conduta, então ele morrerá por causa do seu pecado; mas tu terás salvo a tua vida. 20Quando o justo se desvia da sua justiça para fazer o mal, Eu lhe preparo uma armadilha, de modo que ele morra; porque tu não o avisaste, ele perecerá por causa do seu pecado e ninguém recordará a justiça que ele praticou; mas é a ti que Eu pedirei contas do seu sangue. 21Se, pelo contrário, tu preveniste um justo para que não pecasse e ele, de facto, não peca, ele viverá, porque foi advertido, e tu salvarás a tua vida.

    O profeta é colocado por Deus como sentinela do Seu povo para vigiar, velar e, se necessário, defendê-lo. O Senhor dá-lhe a graça de discernimento para o tornar capaz de advertir o perigo que incumbe sobre a consciência dos outros e de os alertar para a situação. A sua missão é ser a voz de Deus. E terá de dar contas sobre o modo como a exerceu. O profeta corajoso, que não tem medo de alertar, aqueles a quem é enviado, receberá a sua recompensa.

    Evangelho: Mateus 9, 35-10, 1

    Naquele tempo, 35Jesus percorria as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças.36Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. 37Disse, então, aos seus discípulos: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. 38Rogai, portanto, ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe.» 1Jesus chamou doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos malignos e de curar todas as enfermidades e doenças.

    No exercício do seu ministério, Jesus prega e faz milagres nas sinagogas, e nas cidades e aldeias por onde passa. Ele é o primeiro missionário, que todos os outros têm de imitar. No seu ministério, o Senhor tem em conta o homem todo. Por isso ensina, prega e cura doenças e enfermidades. A sua ação dirige-se a toda a humanidade cansada, desfalecida e desorientada. É a humanidade escravizada pelo mal. É a humanidade vítima de tantos opressores. É a humanidade desorientada à qual Deus continua a enviar pastores segundo o seu coração, como o Cura d´Ars.

    Meditatio
    Hoje, pretendo percorrer brevemente a vida do Santo Cura d'Ars, destacando alguns traços que possam servir de exemplo para os sacerdotes do nosso tempo, certamente uma época diferente daquela em que ele viveu, mas marcada, em muitos aspetos, pelos mesmos desafios fundamentais humanos e espirituais... O Santo Cura d'Ars sempre manifestou a mais alta consideração pelo dom recebido. Afirmava: "Que grandioso é o sacerdócio! Só se compreende bem no Céu... Mas, se o compreendesse sobre a terra, morrer-se-ia, não de temor, mas de amor". Além disso, quando criança, tinha confiado a sua mãe: "Se eu fosse padre, conquistaria muitas almas". E assim foi. No serviço pastoral, tão simples como extraordinariamente fecundo, este anónimo pároco de uma distante aldeia do sul da França conseguiu de tal modo identificar-se com o seu ministério que se tornou, de uma maneira visivelmente reconhecível,outro Cristo, imagem do Bom Pastor, que, ao contrário dos mercenários, dá a vida por suas ovelhas (cf. Jo 10:11). A exemplo do Bom Pastor, ele deu a vida durante as décadas do seu serviço pastoral. Sua existência foi uma catequese viva que adquiria uma eficácia particularíssima quando as pessoas o viam celebrar a missa, deter-se em adoração diante do sacrário ou passar muitas horas no confessionário... Atualmente, os desafios da sociedade moderna não são menos exigentes do que no tempo do Santo Cura d´Ars. Talvez até se tenham tornado mais complexos. Se naquele tempo havia a "ditadura do racionalismo", hoje verifica-se em muitos ambientes uma espécie de "ditadura do relativismo". Ambas oferecem respostas inadequadas à justa procura do homem... O racionalismo foi inadequado porque não teve em conta os limites humanos e aspirou a elevar apenas à razão a medida de todas as coisas, transformando-as numa ideia; o relativismo contemporâneo mortifica a razão, porque de fato chega a afirmar que o ser humano não pode conhecer nada com certeza além do campo científico positivo. Hoje, como então, o homem, "mendicante de significado e completude", sai em permanente busca de respostas exaustivas às questões de fundo, que não cessa de se colocar... O ensinamento que a este propósito continua a transmitir o Santo Cura d'Ars é que, na base de tal empenho pastoral, o sacerdote deve cultivar uma íntima união pessoal com Cristo, fazendo-a crescer dia após dia. Só se estiver apaixonado por Cristo, o sacerdote poderá ensinar a todos esta união, esta amizade íntima com o divino Mestre; poderá tocar os corações das pessoas e abri-las ao amor misericordioso do Senhor. Só assim poderá infundir entusiasmo e vitalidade espiritual à comunidade que o Senhor lhe confia... (Extratos de um discurso de Bento XVI, em 5 de Agosto de 2009).

    Oratio
    Senhor Jesus, em São João Maria Vianney, quiseste dar à Igreja uma comovente imagem da tua caridade pastoral. Que possamos, como ele, diante de tua Eucaristia, aprender como é simples e instrutiva a tua Palavra de cada dia, como é terno o amor com que acolhes os pecadores arrependidos, e como é consolador abandonar-nos confiantemente a tua Mãe Imaculada. Por intercessão do Santo Cura d'Ars, faz que as famílias cristãs se tornem "pequenas igrejas", nas quais todas as vocações e todos os carismas, infundidos pelo teu Santo Espírito, possam ser acolhidos e valorizados. Ámen.

    Contemplatio

    Depois que recebeu o batismo de João Baptista, e antes de se entregar à organização da sua Igreja, o bom Mestre mergulhou numa profunda oração durante quarenta dias no deserto. Queria acumular graças para os seus apóstolos e para os seus discípulos. Depois destes quarenta dias, começa a sua pregação. Ganha primeiro João e André que ficam apaixonados por Ele e passam todo um dia a escutá-lo (Jo 1, 35). Depois das suas primeiras pregações, passa ainda uma noite em oração. No dia seguinte faz o seu grande apelo a Pedro, a André, a Tiago, a João: segui-me. (Lc 6, 12). E, antes de completar o colégio dos seus apóstolos e dos seus discípulos, rezou ainda e mandou rezar. Percorreu a Galileia. Viu as multidões miseráveis e mal conduzidas pelos rabinos e pelos fariseus. "São como ovelhas sem pastores", diz com emoção! "Rezai, portanto, ao Mestre supremo para enviar trabalhadores para a sua vinha e pastores para o seu rebanho" (Mt 9, 38). Quantas lições para nós! Estimemos o elevado valor da vocação; peçamos a Deus que multiplique os santos sacerdotes. (Leão Dehon, OSP 4, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Que grandioso é o sacerdócio!
    Só se compreende bem no Céu!" (Santo Cura d´Ars).

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    S. João Maria Vianey (4 Agosto)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Sexta-feira

    4 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Levítico 23, 1.4-11.15-16.34b-37

    Naqueles dias, 1o Senhor falou assim a Moisés, dizendo. 4Eis aqui as festas do Senhor, as assembleias sagradas que proclamareis na devida data. 5No décimo quarto dia do primeiro mês, ao crepúsculo, é a Páscoa do Senhor. 6E no décimo quinto dia desse mês, terá lugar a festa do Pão Ázimo em honra do Senhor; durante sete dias comereis pão sem fermento. 7No primeiro dia, fareis uma assembleia sagrada. Não fareis nenhum trabalho servil. 8Oferecereis ao Senhor uma oferta queimada em cada um dos sete dias. No sétimo dia, haverá uma assembleia sagrada. Não fareis nenhum trabalho servil.' 9O Senhor falou assim a Moisés: 10«Fala aos filhos de Israel e diz-lhes: 'Quando chegardes à terra que vos concedo, e procederdes à ceifa, levareis ao sacerdote o primeiro molho da vossa colheita, 11e ele fará o ritual de apresentação diante do Senhor, para que vos seja aceite; o sacerdote fará essa apresentação no dia seguinte ao sábado. 15«Depois, contareis sete semanas completas, a partir do dia seguinte ao do sábado, isto é, do dia em que tiverdes feito o rito da apresentação do molho de espigas. 16Contareis até ao dia seguinte da sétima semana, isto é, cinquenta dias, e oferecereis ao Senhor uma nova oblação. 27«No décimo dia deste sétimo mês, que é o dia do perdão, fareis uma assembleia sagrada; fareis penitência, e apresentareis uma oferta queimada em honra do Senhor. 'No décimo quinto dia deste sétimo mês, celebrar-se-á a festa das Tendas, em honra do Senhor, durante sete dias. 35No primeiro dia haverá uma assembleia sagrada, não fareis nenhum trabalho servil. 36Em cada um dos sete dias, apresentareis uma oferta queimada ao Senhor. No oitavo dia, fareis ainda uma assembleia sagrada e apresentareis uma oferta queimada ao Senhor: é uma reunião festiva e não fareis nenhum trabalho servil. '» 37«São estas as festas em honra do Senhor, em que deveis convocar assembleias sagradas, apresentando uma oferta queimada ao Senhor, um holocausto e uma oblação, sacrifícios e libações, segundo o ritual de cada dia.

    O texto que escutamos refere-se ao ciclo litúrgico das diversas festas anuais, ligado ao ambiente de Jerusalém e enquadrado na «Lei de santidade». As festas hebraicas são vistas como assembleia do povo no lugar santo, na presença do Deus três vezes santo, e lembram a sua sequência no ciclo anual. A digna celebração das festas deve levar os indivíduos a sair da sua auto-suficiência, inserindo-os numa vida com dimensão comunitária. Cada homem pertence ao povo e é sua expressão e, por meio dele, pertence a Deus. Os elementos fundamentais das festas de Israel são especialmente dois: a convocação da santa assembleia do povo e o repouso do trabalho. O primeiro, cadencia a vida do povo e faz-lhe reviver, particularmente na celebração litúrgica, as maravilhas operadas por Deus na sua história; o segundo, afasta o povo das coisas materiais e quotidianas para o introduzir no tempo forte de Deus, onde toma conta do passar da vida e do seu significado de salvação. A páscoa ocupa um lugar especial entre as festas: o Senhor, que, todos os anos, oferece os frutos da terra e os animais, é o mesmo que manifestou o seu poder salvador para libertar Israel. A festa da páscoa funde-se com a dos ázimos para recordar a libertação da escravidão e a posse da terra fértil. A festa das semanas ou do Pentecostes celebra a colheita do trigo e o dom da Lei. A festa dos tabernáculos recorda a vindima e ao mesmo tempo a passagem de Israel pelo deserto. As festas cristãs inspiram-se nas festas hebraicas, mas enriquecidas com o novo conteúdo cristão.

    Evangelho: Mateus 13, 54-58

    Naquele tempo, 54tendo Jesus chegado à sua terra, ensinava os habitantes na sinagoga deles, de modo que todos se enchiam de assombro e diziam: «De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres? 55Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? 56Suas irmãs não estão todas entre nós? De onde lhe vem, pois, tudo isto?» 57E estavam escandalizados por causa dele. Mas Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa.» 58E não fez ali muitos milagres, por causa da falta de fé daquela gente.

    Acabado o discurso das parábolas, Mateus introduz, no seu evangelho, outro material narrativo que marca a progressiva separação entre Jesus e Israel, e evidencia a formação específica dada ao grupo dos discípulos (cf. Mt 13, 54-17,27). O episódio de hoje tem um paralelo em Mc 6, 1-6, do qual depende, e refere-se à rejeição de Jesus pelos seus conterrâneos. A apresentação "oficial" de Jesus na sinagoga da sua terra redunda em completo fracasso. Após o assombro inicial, os seus conterrâneos interrogam-se sobre a identidade de Jesus. A frase mais significativa de toda a perícopa é: «estavam escandalizados por causa dele» (v. 57). O evangelho introduz-nos, deste modo, no mistério de Jesus. A atitude dos nazarenos é significativa de todos aqueles que procuram compreender Jesus, partindo unicamente do que pode saber-se sobre Ele: é da nossa terra, filho do carpinteiro, conhecemos a sua família, estudou na nossa sinagoga... Jesus foi incompreendido e desprezado, tal como o foram os profetas... O mesmo sucederá com os seus discípulos. Paulo falará do escândalo da cruz (Mc 14, 27.29; 1 Cor 1, 23). A sorte dos profetas, de Jesus, dos discípulos é sempre a mesma: ser recusados, ser objecto de troça, de desprezo, de perseguição e, muitas vezes, de morte violenta.

    Meditatio

    A primeira leitura insiste em falar das «festas do Senhor». Fazer festa é importante para nós. Não fomos feitos para viver sempre de modo banal, rotineiro. Fomos feitos para gozar da alegria do Senhor. Também não fomos criados para ser escravos, mas livres. Mas devemos reconhecer que o trabalho, com frequência, assume um aspecto servil, isto é, de escravidão. Noutros tempos, havia escravos e homens livres. Infelizmente, ainda hoje, em alguns lugares e situações, continua a haver escravos e pessoas livres. Muitas «festas do Senhor» continuam subordinadas a certas necessidades escravizantes do nosso mundo contemporâneo. A muitos cristãos não é reconhecido o direito de praticar publicamente a sua religião, de celebrar as «festas do Senhor».
    Mas Deus quer que os seus filhos possam viver, em alegria e liberdade, dias de festa ao longo do ano. Já Moisés, a convite de Deus, ordenou ao povo que não fizesse qualquer trabalho servil nas solenidades do Senhor, para, na alegria, se encontrar com Ele e com os outros. No dia da festa do Senhor, da «santa assembleia», é possível acolher-nos reciprocamente, em relações abençoadas pelo Senhor e orientadas para a comunhão com Ele. Estas relações, que orientam para o Senhor, são profundas, sinceras,
    verdadeiras, e permitem amar-nos generosamente uns aos outros no Senhor.
    As festas tornam-nos livres para darmos tempo ao Senhor, para estarmos mais unidos a Ele na oração, no louvor, na exultação, e fazem-nos mais disponíveis para com os outros, mais atentos a todos, mais prontos a escutá-los, a partilhar na alegria, na liberdade e no amor.
    A Igreja assumiu este desejo de Deus, e instituiu muitas festas, para nos ajudar a criar um clima de alegria na novidade de vida que Cristo nos deu com a sua morte e ressurreição. Todas as solenidades da Igreja estão ligadas ao Mistério Pascal, para evidenciar que Cristo é centro, princípio e fim de toda a realidade.

    Oratio

    Senhor, faz-nos compreender a importância do trabalho como meio para a nossa subsistência, mas também como meio de realização pessoal, e de participação na tua obra da criação. Mas faz-nos também compreender a importância do descanso e da festa, para nos encontrarmos mais intimamente Contigo e com os nossos irmãos. Que jamais nos deixemos escravizar pelo trabalho, mas sempre vivamos na liberdade e na alegria, para estarmos em comunhão Contigo e construirmos relações fraternas com todos os homens. Amen.

    Contemplatio

    Amar Jesus, é tudo o que ele pede. Ele quer expandir a devoção ao seu Coração sagrado, para que vamos ter com ele com o coração. É preciso nesta devoção distinguir duas coisas: o culto público e o culto interior. As solenidades do culto público glorificam o Sagrado Coração e ele é muito sensível a isso. Deus Pai compraz-se nisso e responde com graças abundantes, mas é preciso mais e melhor para Nosso Senhor. É preciso que ele tenha adoradores em espírito e verdade, adoradores que lhe dêem o seu coração, que lhe dêem todos os seus batimentos, todas as suas aspirações, todos os afectos. (Leão Dehon, OSP 3, p. 665s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Que eu Te escute, Senhor, e me converta a Ti» (cf. Jr 26, 3).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVII Semana - Sábado

    5 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 26, 11-16.24

    Naqueles dias, 1o Senhor falou a Moisés, no monte Sinai, nestes termos: 8«Contarás sete semanas de anos, isto é, sete vezes sete anos; de forma que a duração de estas sete semanas de anos corresponderá a quarenta e nove anos. 9Depois, farás ressoar fortemente a trombeta, no décimo dia do sétimo mês. No dia do grande Perdão, fareis ressoar o som da trombeta através de toda a vossa terra. 10Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam. Este ano será para vós um Jubileu; cada um de vós voltará à sua propriedade, e à sua família. 11O quinquagésimo ano é o ano do Jubileu: não semeareis, não colhereis do que cresce espontaneamente, nem vindimareis as vinhas que não foram podadas. 12Porque é o Jubileu, deve ser uma coisa santa para vós e comereis o produto dos campos. 13Neste Jubileu, cada um de vós recobrará a sua propriedade. 14Quando fizeres uma venda ao teu próximo, ou se comprares alguma coisa, não vos prejudiqueis um ao outro. 15Farás essa compra ao próximo, tendo em conta os anos decorridos depois do Jubileu, e ele fará essa venda tendo em conta os anos das colheitas. 16Conforme os anos forem mais ou menos numerosos, assim tu pagarás mais ou menos pelo que adquirires, porque é um número de colheitas que ele te vende. 17Não vos prejudiqueis uns aos outros. Teme o teu Deus, porque Eu sou o Senhor, vosso Deus.»

    A "Lei de santidade", além das festas, elenca as normas de ordem social para os anos santos, seja o ano sabático todos os sete anos (uma semana de anos), seja o ano jubilar todos os cinquenta anos (sete semanas de anos), valorizando assim a santidade do dia de sábado e o esquema septenário da semana. Sob esta estrutura económico-social, descobrem-se elementos teológicos que realçam o desenvolvimento da revelação divina. Ao conceito de Deus criador e senhor da história e do mundo, ligam-se os temas do resgate e da remissão das dívidas.
    O ano jubilar, que tem carácter social, mas com fundamento religioso, amadureceu na experiência positiva do ano sabático. Fala-se dele neste texto e em Nm 36, 4 e em Ez 46, 17. O fundamento religioso destas leis sociais encontra-se na concepção hebraica segundo a qual os bens do mundo são iguais para todos: a terra pertence a Deus, que libertou o povo da escravidão do Egipto, os homens são irmãos, e a liberdade da pessoa é um bem inalienável.
    Tudo isto se realiza plenamente em Jesus, que liberta a humanidade do mal e concede o perdão dos pecados.

    Evangelho: Mateus 14, 1-12

    1Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos de Herodes, o tetrarca, 2e ele disse aos seus cortesãos: «Esse homem é João Baptista! Ressuscitou dos mortos e, por isso, se manifestam nele tais poderes miraculosos.» 3De facto, Herodes tinha prendido João, algemara-o e metera-o na prisão, por causa de Herodíade, mulher de seu irmão Filipe. 4Porque João dizia-lhe: «Não te é lícito possuí-la.» 5Quisera mesmo dar-lhe a morte, mas teve medo do povo, que o considerava um profeta. 6Ora, quando Herodes festejou o seu aniversário, a filha de Herodíade dançou perante os convidados e agradou a Herodes, 7pelo que ele se comprometeu, sob juramento, a dar-lhe o que ela lhe pedisse. 8Induzida pela mãe, respondeu: «Dá-me, aqui num prato, a cabeça de João Baptista.» 9O rei ficou triste, mas, devido ao juramento e aos convidados, ordenou que lha trouxessem 10e mandou decapitar João Baptista na prisão. 11Trouxeram, num prato, a cabeça de João e deram-na à jovem, que a levou à sua mãe. 12Os discípulos de João vieram buscar o corpo e sepultaram-no; depois, foram dar a notícia a Jesus.

    O relato de Mateus sobre o martírio de João Baptista, mais sóbrio que o de Marcos (6, 14), baseia-se na história, pois se trata de um acontecimento datado no tempo de Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, a quem os romanos reconheceram jurisdição sobre a Galileia e a Pereia, no norte da Palestina.
    A decapitação do Baptista é motivada pela sua intransigência moral e pela sua forte personalidade. O profeta não se amedrontava diante de nada nem de ninguém, quando se tratava de denunciar a imoralidade. Não se amedrontou sequer diante de Herodes, que tendo repudiado a consorte, tomou por esposa a mulher de seu irmão. Herodes continha a sua vontade de vingança, porque temia uma rebelião popular. Mas Herodíades não se preocupava com isso. Assim, quando Herodes jurou dar à filha de Herodíades o que quer que lhe pedisse, a adúltera não hesitou em sugerir a cabeça de João (vv. 6-11). E obteve-a! Com o seu martírio, João Baptista terminou a missão de precursor. E Jesus compreendeu que era chamado a percorrer o mesmo caminho.

    Meditatio

    A primeira leitura, com a instituição do jubileu, por meio do qual Deus põe limite à escravidão, à expropriação e aos trabalhos pesados dos campos, realça a intenção de Deus em libertar e redimir os escravos e os oprimidos da sociedade. Séculos depois, em Nazaré, Jesus lê o texto de Isaías em que se anuncia e proclama um ano de remissão, um ano de jubileu (cf. Lc 4, 16,19). Deus não quer prender, nem manter prisioneiro quem quer que seja: «O espírito do Senhor Deus está sobre mim,porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem, para curar os desesperados, para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos prisioneiros; para proclamar um ano da graça do Senhor» (Is 61, 1-2a). Deus quer a remissão: a remissão das dívidas, e a remissão dos pecados.
    O pecado, que até pode parecer um acto de libertação da lei de Deus, lança-nos na mais dura escravidão. Jesus disse-o claramente: «aquele que comete o pecado é servo do pecado» (Jo 8, 34), e comete pecados cada vez mais graves. Foi o que sucedeu com Herodes: começou por prender João Baptista e chegou a mandá-lo matar, pois era escravo de um juramento feito publicamente, e era sobretudo escravo do seu pecado.
    Deus quer libertar-nos, quer-nos livres. Que alegria nos dá esta certeza! Deus quer tirar da opressão as pessoas e as próprias coisas. Daí a lei do repouso jubilar da terra. A Igreja inspirou-se nesta lei do Levítico para instituir o Jubileu, que é um ano de remissão, um ano de graça, em que oferece a possibilidade de obter a remissão da pena merecida com o pecado. Para isso, propõe-nos um contacto mais fácil com o Senhor, convida-nos a aproximar-nos dele, com a certeza de que somos libertados e recebemos nova coragem para cumprir cada vez melhor o bem a que somos chamados.

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-nos tranquilidade diante do imenso campo de trabalho que nos espera. Faz-nos compreender e assumir a espiritualidade do jubileu, para defendermos a vida e a dignidade dos nossos irmãos e irmãs, sem qualquer excepção. Torna-nos solidários com os teus pobres, com aqueles cujo sangu
    e não é julgado precioso pelos tiranos e cobardes deste mundo, mas que é precioso aos teus olhos. Dá-nos a coragem de João Baptista para denunciarmos os abusos dos poderosos. Dá-nos a coragem da caridade na verdade, ainda que isso nos venha a custar caro, como custou a João Baptista, como custou a Ti. Amen.

    Contemplatio

    O Coração de Jesus é o lugar do nosso doce repouso. Desde os Padres da Igreja que a tradição interpreta neste sentido o nosso texto do Cântico dos Cânticos. Santo Agostinho diz no seu Manual (c. 2): «Longuinhos abriu-me com a sua lança o lado de Jesus, e eu entrei e repouso lá em segurança». - S. Bernardo tem páginas deliciosas no seu tratado da Paixão (c. 3): «O vosso coração foi ferido, diz a Nosso Senhor, para que eu possa nele e em vós habitar... como é bom habitar neste coração!...». S. Boaventura dizia: «Penetrando nas chagas de Jesus, chego até ao fundo do seu amor... entremos lá todo inteiros, aí encontraremos o nosso repouso e uma inefável doçura» (Stim. Div. Amoris, c.1). Nosso Senhor dizia a Santa Matilde: «Dar-te-ei o meu coração como um lugar de refúgio». S. Francisco de Sales escrevia a uma visitandina (Carta 64): «Não sei onde estareis nesta Quaresma segundo o corpo; segundo o espírito, espero que estareis na caverna da rola e no lado ferido de Nosso Senhor; quero esforçar-me por estar lá muitas vezes convosco; Deus, pela sua soberana bondade, nos faça essa graça!... Como este Senhor é bom, minha muito querida filha, como o seu coração é amável! Permaneçamos lá neste santo domicílio!» O P. Cláudio de la Colombière tem por tanto razão ao dizer que o Coração de Jesus é o retiro de todas as almas santas. (Leão Dehon, OSP 3, p. 676).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Enviou-me a proclamar um ano da graça do Senhor» (Is 61, 1-2a).

  • Festa da transfiguração do Senhor

    Festa da transfiguração do Senhor

    6 de Agosto, 2023

    ANO A
    18.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    FESTA DA TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

    Tema da Festa da Transfiguração do Senhor

    É de revelação que se trata neste domingo: somos convidados a contemplar a divindade de Cristo que se manifesta aos olhos dos homens.
    A primeira leitura fala da revelação em termos de “visão”: cena grandiosa do Filho do homem servido por todos os povos. A visão do profeta Daniel acontece quando o povo sofre a perseguição e a deportação. Nesta situação que parece desesperada para a fé, Deus anuncia o seu grande projeto de enviar, não um anjo ou qualquer outro mensageiro celeste, mas o Filho do homem.
    O Salmo 96 canta que o Senhor é rei e que os povos viram a sua glória!
    Na segunda leitura, Pedro dá testemunho da “glória resplandecente de Deus” vinda sobre Jesus. O seu comentário da Transfiguração é tão esclarecedor que não saberíamos dizer melhor: todo o mistério da Luz vinda nas nossas trevas é proclamado nestas poucas palavras. Esta mensagem é um motivo de esperança para nós, que estamos a caminho, e um incentivo a sustentar a nossa espera do regresso do nosso Mestre.
    O Evangelho relata o episódio da Transfiguração em que a voz do Pai designa Jesus como seu “Filho bem-amado”, Aquele que devemos escutar. Aqui está todo o sentido da festa de hoje: celebrar este instante de Luz pelo qual Jesus se faz conhecer, contemplar a visão do Senhor transfigurado, escutar a sua mensagem, descer do monte e espalhar a Luz à nossa volta.

    LEITURA I – Dan 7,9-10.13-14

    Leitura da Profecia de Daniel

    Estava eu a olhar,
    quando foram colocados tronos
    e um Ancião sentou-se.
    As suas vestes eram brancas como a neve
    e os cabelos como a lã pura.
    O seu trono eram chamas de fogo,
    com rodas de lume vivo.
    Um rio de fogo corria, irrompendo diante dele.
    Milhares de milhares o serviam
    e miríades de miríades o assistiam.
    O tribunal abriu a sessão
    e os livros foram abertos.
    Contemplava eu as visões da noite,
    quando, sobre as nuvens do céu,
    veio alguém semelhante a um filho do homem.
    Dirigiu-Se para o Ancião venerável
    e conduziram-no à sua presença.
    Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza,
    e todos os povos e nações O serviram.
    O seu poder é eterno, que nunca passará,
    e o seu reino jamais será destruído.

    AMBIENTE

    O Livro de Daniel aparece na primeira metade do século II a.C., numa época em que o rei selêucida Antíoco IV Epífanes procurava impor, pela força, a cultura grega ao Povo de Deus. As imposições de Antíoco IV Epífanes foram, contudo, mal acolhidas e depararam com uma tenaz resistência, sobretudo por parte dos sectores mais tradicionais do judaísmo. Uns judeus optaram abertamente pela insurreição armada (como foi o caso de Judas Macabeu e dos seus heroicos seguidores); outros, contudo, optaram por fazer frente à prepotência dos reis helénicos com a sua palavra e os seus escritos.
    O Livro de Daniel surge neste contexto. O seu autor é um judeu fiel à cultura e aos valores religiosos dos seus antepassados, interessado em defender a sua religião, apostado em mostrar aos seus concidadãos que a fidelidade aos valores tradicionais seria recompensada por Jahwéh com a vitória sobre os inimigos. Contando a história de um tal Daniel, um judeu exilado na Babilónia, que soube manter a sua fé num ambiente adverso de perseguição, o autor do Livro de Daniel pede aos seus concidadãos que não se deixem vencer pela perseguição e que se mantenham fiéis à religião e aos valores dos seus pais. Neste livro, o autor garante-lhes que Deus está do lado do seu Povo e que recompensará a sua fidelidade à Lei e aos mandamentos.
    O texto que nos é proposto integra a segunda parte do Livro de Daniel (Dan 7,1-12,13). Aí o autor, recorrendo à “figura” da “visão”, apresenta-nos uma leitura profética da história, cuja finalidade é transmitir a esperança aos crentes perseguidos por causa da sua fé e dos seus valores tradicionais.
    Na primeira das “visões” propostas (Dan 7,1-28), o autor do livro apresenta “quatro grandes animais” (o primeiro “era semelhante a um leão”; o segundo, era “semelhante a um urso”; o terceiro, era “parecido com uma pantera”; o quarto, era “horroroso, aterrador e de uma força excecional” e “tinha dez chifres”, embora lhe tivesse depois nascido um outro “chifre mais pequeno” que “tinha olhos como homem e uma boca que proferia palavras arrogantes” - Dan 7,4-8). Esses “quatro animais” evocam a sucessão dos impérios humanos… O primeiro seria o império neo-babilónico, o segundo representaria o império dos medos, o terceiro referir-se-ia ao império persa e o quarto seria o império grego de Alexandre, do qual os reis selêucidas eram os herdeiros diretos. Os “dez chifres” desse quarto animal referem-se a uma série de dez reis que se sucederam uns aos outros; e o décimo primeiro chifre, mais pequeno do que os outros, seria, seguramente, Antíoco IV Epífanes, o rei perseguidor do Povo de Deus.
    Em paralelo com o quadro histórico destes impérios – todos eles conotados com o mal, com o imperialismo, com a opressão, com a perseguição ao Povo de Deus – o autor coloca, numa outra cena, “um ancião” com os cabelos e as vestes brancos “como a neve; sentado num trono feito de chamas e servido “por milhares e dezenas de milhares”, esse “ancião” decretou a morte do décimo primeiro “chifre”, bem como o fim do poderio dos “quatro animais” (Dan 7,9-12). É precisamente, aqui, que começa a cena descrita pelo texto da nossa primeira leitura: a entronização do “Filho do Homem” (Dan 7,13-14).

    MENSAGEM

    A “visão” descrita por Daniel desde 7,1 amplia-se agora com o aparecimento de um “filho de homem”. Ao contrário dos “animais” apresentados nos versículos anteriores (que vêm do mar – na simbólica judaica, o reino do mal, da desordem, do caos, das forças que se opõe a Deus e à felicidade do homem), esse “filho de homem” aparece “sobre as nuvens do céu” (vers. 13) e tem, portanto, uma origem transcendente. Ele vem de Deus e pertence ao mundo de Deus.
    O “filho de homem” recebe de Deus um reino com as dimensões do universo (“todos os povos e nações O serviram” – vers. 14) e um poder que não é limitado pelo tempo, nem pela finitude que caracteriza os reinos humanos (“o seu poder é eterno, que nunca passará, e o seu reino jamais será destruído” – vers. 14).
    Com o anúncio do aparecimento “sobre as nuvens” desse “filho de homem”, o autor do Livro de Daniel anuncia aos crentes perseguidos por Antíoco IV Epífanes a chegada de um tempo em que Deus vai intervir no mundo, a fim de eliminar a crueza, a voracidade, a ferocidade, a violência (os reinos dos “quatro animais”) que oprimem os homens; em contrapartida, Deus vai devolver à história a sua dimensão de “humanidade”, possibilitando que os homens sejam livres e vivam na paz e na tranquilidade.
    Para a teologia judaica, esse “filho de homem” que há de chegar para instaurar o “reino de Deus” sobre a terra será o Messias (o “ungido”) de Deus. A sua intervenção irá pôr fim à perseguição dos justos e possibilitar a vitória dos santos sobre as forças da opressão e da morte. É esta esperança que anima os corações dos crentes na época imediatamente anterior à chegada de Jesus.
    De acordo com vários textos neotestamentários, Jesus aplicará esta imagem do “filho de homem que vem sobre as nuvens” à sua própria pessoa. Ao ser interrogado pelo sumo-sacerdote Caifás, Jesus assumirá claramente que é “o Messias, o Filho de Deus bendito”, o “Filho do Homem sentado à direita do Poder”, que virá “sobre as nuvens do céu” (Mc 14,61-62). A catequese cristã primitiva retomará esta imagem para sublinhar a glória de Cristo e o poder soberano de Cristo sobre a história humana (cf. Act 7,55-56). Para os cristãos, Cristo é, efetivamente, esse “filho de homem” anunciado em Dan 7, que irá libertar os santos das garras do poder opressor e instaurar o reino definitivo da felicidade e da paz.

    ATUALIZAÇÃO

    • O texto que nos é proposto como primeira leitura na Festa da Transfiguração do Senhor aparece inserido numa reflexão mais ampla sobre a história e sobre os valores sobre os quais são construídos os impérios humanos. Os reinos construídos pelos homens baseiam-se frequentemente num poder arrogante e são geradores de exploração, de miséria, de violência. Trata-se de uma realidade que os modernos impérios perpetuam e que, hoje como ontem, marca a história humana. A humanidade estará irremediavelmente condenada a viver sob o domínio da injustiça e da opressão? Nunca nos libertaremos desse ciclo de morte? Deus assiste, indiferente e de braços cruzados, a esta dinâmica de violência e de violação dos direitos mais elementares dos povos e das nações? O “profeta” autor do Livro de Daniel acredita que o reino do mal não será eterno e que Deus intervém na história para destruir essas forças de morte que impedem os homens de alcançar a liberdade, a paz, a vida plena. Numa época em que os imperialismos, os fundamentalismos, os colonialismos, a cegueira dos líderes das nações poderosas multiplica o sofrimento de tantos homens e mulheres, a profecia de Daniel convida-nos à esperança e à confiança: Deus não abandona o seu Povo em marcha pela história e saberá derrubar todos os poderes humanos que impedem a realização plena do homem.

    • O anúncio de um “filho de homem” que virá “sobre as nuvens” para instaurar um reino que “não será destruído” leva-nos a Jesus. Ele veio ao encontro dos homens para lhes propor uma nova ordem, em que os pobres, os débeis, os fracos, os marginalizados, aqueles que não podem fazer ouvir a sua voz nos grandes areópagos internacionais, não mais serão humilhados e espezinhados. Jesus introduziu na história uma nova lógica, substituindo a lógica do orgulho e do egoísmo, por uma lógica de amor, de serviço, de doação. É verdade que, mais de dois mil anos depois do nascimento de Jesus, esse reino ainda não se tornou uma realidade plena na nossa história; contudo, o reino proposto por Jesus está presente na vida do mundo, como uma semente a crescer ou como o fermento a levedar a massa. Compete-nos a nós, discípulos de Jesus, fazer com que esse reino seja, cada dia mais, uma realidade bem viva, presente e actuante no nosso mundo.

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 96 (97)

    Refrão: O Senhor é rei, o Altíssimo sobre toda a terra.

    O Senhor é rei: exulte a terra,
    rejubile a multidão das ilhas.
    Ao seu redor, nuvens e trevas;
    a justiça e o direito são a base do seu trono.

    Derretem-se os montes como cera
    diante do Senhor de toda a terra.
    Os céus proclamam a sua justiça
    e todos os povos contemplam a sua glória.

    Vós, Senhor, sois o Altíssimo sobre toda a terra,
    estais acima de todos os deuses.
    Alegrai-vos, ó justos, no Senhor
    e louvai o seu nome santo.

    LEITURA II – 2 Pedro 1,16-19

    Leitura da Segunda Epístola de São Pedro

    Caríssimos:
    Não foi seguindo fábulas ilusórias
    que vos fizemos conhecer o poder e a vinda
    de Nosso Senhor Jesus Cristo,
    mas por termos sido testemunhas oculares da sua majestade.
    Porque Ele recebeu de Deus Pai honra e glória,
    quando da sublime glória de Deus veio esta voz:
    «Este é o meu Filho muito amado,
    em quem pus toda a minha complacência».
    Nós ouvimos esta voz vinda do céu,
    quando estávamos com Ele no monte santo.
    Assim temos bem confirmada a palavra dos Profetas,
    à qual fazeis bem em prestar atenção,
    como a uma lâmpada que brilha em lugar escuro,
    até que desponte o dia
    e nasça em vossos corações a estrela da manhã.

    Breve comentário

    A literatura dos povos está cheia de legendas, contos, mitologias, narrações imaginárias e fantásticas, fazendo intervir seres superiores. Mas para a transfiguração, os apóstolos falam como testemunhas.
    O apóstolo Pedro opõe as fabulações das religiões pagãs, com as suas mitologias inverosímeis, ao seu testemunho pessoal: o que ele anuncia assenta numa experiência vivida em directo. O seu comentário da Transfiguração é tão esclarecedor que não saberíamos dizer melhor: todo o mistério da Luz vinda nas nossas trevas é proclamado nestas poucas palavras. Esta mensagem é um motivo de esperança para nós, que estamos a caminho, e um incentivo a sustentar a nossa espera do regresso do nosso Mestre através de sinais luminosos: o círio pascal ou qualquer outra chama viva que acendemos nas nossas igrejas e diante dos ícones.

    ALELUIA – Mt 17,5c

    Aleluia. Aleluia.

    Este é o meu Filho muito amado,
    no qual pus toda a minha complacência.
    Escutai-O.

    EVANGELHO – Mt 17, 1-9

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João seu irmão
    e levou-os, em particular, a um alto monte
    e transfigurou-Se diante deles:
    o seu rosto ficou resplandecente como o sol
    e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz.
    E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele.
    Pedro disse a Jesus:
    «Senhor, como é bom estarmos aqui!
    Se quiseres, farei aqui três tendas:
    uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
    Ainda ele falava,
    quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra
    e da nuvem uma voz dizia:
    «Este é o meu Filho muito amado,
    no qual pus toda a minha complacência.
    Escutai-O».
    Ao ouvirem estas palavras,
    os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito.
    Então Jesus aproximou-se e, tocando-os, disse:
    «Levantai-vos e não temais».
    Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus.
    Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem:
    «Não conteis a ninguém esta visão,
    até o Filho do homem ressuscitar dos mortos».

    AMBIENTE

    O relato da transfiguração de Jesus é antecedido pelo anúncio da paixão (cf. Mt 16,21-23) e de uma instrução sobre as atitudes próprias do discípulo (convidado a renunciar a si mesmo, a tomar a sua cruz e a seguir Jesus no seu caminho de amor e de entrega da vida – cf. Mt 16,24-26).
    Segue-se o episódio da transfiguração. A cena constitui uma palavra de ânimo para os discípulos (e para os crentes, em geral), pois nela manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que Ele é – apesar da cruz que se aproxima – o Filho amado de Deus. Os discípulos recebem, assim, a garantia de que o projeto que Jesus apresenta é um projeto que vem de Deus; e, apesar das suas próprias dúvidas, recebem um complemento de esperança que lhes permite “embarcar” e apostar nesse projeto.
    Literariamente, a narração da transfiguração é uma teofania – quer dizer, uma manifestação de Deus. Portanto, o autor do relato vai colocar no quadro todos os ingredientes que, no imaginário judaico, acompanham as manifestações de Deus (e que encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo Testamento): o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem e mesmo o medo e a perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino. Isto quer dizer o seguinte: não estamos diante de um relato fotográfico de acontecimentos, mas de uma catequese (construída de acordo com o imaginário judaico) destinada a ensinar que Jesus é o Filho amado de Deus, que traz aos homens um projecto que vem de Deus.

    MENSAGEM

    Esta página de catequese, destinada a ensinar que Jesus é o Filho de Deus e que o projeto que Ele propõe vem de Deus, está construída sobre elementos simbólicos tirados do Antigo Testamento. Que elementos são esses?
    O monte situa-nos num contexto de revelação: é sempre num monte que Deus se revela; e, em especial, é no cimo de um monte que Ele faz uma aliança com o seu Povo.
    A mudança do rosto e as vestes brilhantes, muitíssimo brancas, recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Sinai (cf. Ex 34,29), depois de se encontrar com Deus e de ter as tábuas da Lei.
    A nuvem, por sua vez, indica a presença de Deus: era na nuvem que Deus manifestava a sua presença, quando conduzia o seu Povo através do deserto (cf. Ex 40,35; Nm 9,18.22; 10,34).
    Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas (que anunciam Jesus e que permitem entender Jesus); além disso, são personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (cf. Dt 18,15-18; Mal 3,22-23).
    O temor e a perturbação dos discípulos são a reação lógica de qualquer homem ou mulher, diante da manifestação da grandeza, da omnipotência e da majestade de Deus (cf. Ex 19,16; 20,18-21).
    As tendas parecem aludir à “festa das tendas”, em que se celebrava o tempo do êxodo, quando o Povo de Deus habitou em “tendas”, no deserto.
    A mensagem fundamental, amassada com todos estes elementos, pretende dizer quem é Jesus. Recorrendo a simbologias do Antigo Testamento, o autor deixa claro que Jesus é o Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele é, também, esse Messias libertador e salvador esperado por Israel, anunciado pela Lei (Moisés) e pelos Profetas (Elias). Mais ainda: Ele é um novo Moisés – isto é, Aquele através de quem o próprio Deus dá ao seu Povo a nova lei e através de quem Deus propõe aos homens uma nova Aliança.
    Da ação libertadora de Jesus, o novo Moisés, irá nascer um novo Povo de Deus. Com esse novo Povo, Deus vai fazer uma nova Aliança; e vai percorrer com ele os caminhos da história, conduzindo-o através do “deserto” que leva da escravidão à liberdade.
    Esta apresentação tem como destinatários os discípulos de Jesus (esse grupo desanimado e frustrado porque no horizonte próximo do seu líder está a cruz e porque o mestre exige dos discípulos que aceitem percorrer um caminho semelhante). Aponta para a ressurreição, aqui anunciada pela glória de Deus que se manifesta em Jesus, pelas “vestes brilhantes, muitíssimo brancas” (que lembram a túnica branca do “jovem” sentado junto do túmulo de Jesus e que anuncia às mulheres a ressurreição) e pela recomendação final de Jesus que não contassem a ninguém o que tinham visto, enquanto o Filho do Homem não ressuscitasse dos mortos: diz-lhes que a cruz não será a palavra final, pois no fim do caminho de Jesus (e, consequentemente, dos discípulos que seguirem Jesus) está a ressurreição, a vida plena, a vitória sobre a morte.
    Uma palavra final para o desejo – manifestado por Pedro – de construir três tendas no cimo do monte, como se pretendesse “assentar arraiais” naquele quadro. O pormenor pode significar que os discípulos queriam deter-se nesse momento de revelação gloriosa, ignorando o destino de sofrimento de Jesus. Jesus nem responde à proposta: Ele sabe que o projeto de Deus – esse projeto de construir um novo Povo de Deus e levá-lo da escravidão para a liberdade – tem de passar pelo caminho do dom da vida, da entrega total, do amor até às últimas consequências.

    ATUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se partindo das seguintes questões:

    • A questão fundamental expressa no episódio da transfiguração está na revelação de Jesus como o Filho amado de Deus, que vai concretizar o projeto salvador e libertador do Pai em favor dos homens através do dom da vida, da entrega total de si próprio por amor. Pela transfiguração de Jesus, Deus demonstra aos crentes de todas as épocas e lugares que uma existência feita dom, não é fracassada – mesmo se termina na cruz. A vida plena e definitiva espera, no final do caminho, todos aqueles que, como Jesus, forem capazes de pôr a sua vida ao serviço dos irmãos.

    • Na verdade, os homens do nosso tempo têm alguma dificuldade em perceber esta lógica… Para muitos dos nossos irmãos, a vida plena não está no amor levado até às últimas consequências (até ao dom total da vida), mas sim na preocupação egoísta com os seus interesses pessoais, com o seu orgulho, com o seu pequeno mundo privado; não está no serviço simples e humilde em favor dos irmãos (sobretudo dos mais débeis, dos mais marginalizados, dos mais infelizes), mas no assegurar para si próprio uma dose generosa de poder, de influência, de autoridade, de domínio, que dê a sensação de pertencer à categoria dos vencedores; não está numa vida vivida como dom, com humildade e simplicidade, mas numa vida feita um jogo complicado de conquista de honras, de glórias, de êxitos. Na verdade, onde é que está a realização plena do homem? Quem tem razão: Deus, ou os esquemas humanos que hoje dominam o mundo e que nos impõem uma lógica diferente da lógica do Evangelho?

    • Por vezes somos tentados pelo desânimo, porque não percebemos o alcance dos esquemas de Deus; ou então, parece que seguindo a lógica de Deus, seremos sempre perdedores e fracassados, que nunca integraremos a elite dos senhores do mundo e que nunca chegaremos a conquistar o reconhecimento daqueles que caminham ao nosso lado… A transfiguração de Jesus grita-nos, do alto daquele monte: não desanimeis, pois a lógica de Deus não conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim.

    • Os três discípulos, testemunhas da transfiguração, parecem não ter muita vontade de “descer à terra” e enfrentar o mundo e os problemas dos homens. Representam todos aqueles que vivem de olhos postos no céu, alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar. No entanto, ser seguidor de Jesus obriga a “regressar ao mundo” para testemunhar aos homens – mesmo contra a corrente – que a realização autêntica está no dom da vida; obriga a atolarmo-nos no mundo, nos seus problemas e dramas, a fim de dar o nosso contributo para o aparecimento de um mundo mais justo e mais feliz. A religião não é um ópio que nos adormece, mas um compromisso com Deus, que se faz compromisso de amor com o mundo e com os homens.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A FESTA DA TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior à Festa da Transfiguração do Senhor, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. À ESCUTA DA PALAVRA.
    A interpretação tradicional desta cena da Transfiguração liga-a à agonia e à paixão de Jesus, em que os três discípulos verão o seu Mestre humilhado. Mas podemos descobrir aí uma outra dimensão. Com efeito, a luz que transfigura o rosto de Jesus não para no seu corpo. As suas vestes tornaram-se resplandecentes, de tal brancura que nenhum lavadeiro sobre a terra as poderia assim branquear». Cremos facilmente que o nosso corpo para na nossa pele. É certo que temos um corpo bem definido, com peso e medida… Mas esquecemos demasiado que, na realidade, o nosso corpo está organicamente ligado a toda a criação. Somos tirados do pó da terra e, dizem os sábios, somos moldados pelo pó das estrelas. O nosso corpo não pode viver independentemente do resto da criação. O Filho de Deus, ao tornar-Se homem, assume toda esta dimensão corporal e cósmica. Integra n’Ele a totalidade do cosmos. Não vem salvar apenas as “almas”! Faz entrar toda a criação no movimento de amor que O liga ao Pai. A luz da Transfiguração que irradia sobre as vestes do Senhor é uma espécie de sinal de que toda a criação será, um dia, transfigurada pela glória de Deus.

    3. BILHETE DE EVANGELHO.
    Há instantes que gostaríamos que durassem muito. Assim Pedro, Tiago e João teriam querido instalar-se nesta contemplação que deixava ver Deus: no alto do monte, lugar de revelação de Deus, a nuvem e a voz evocavam a sua presença e, depois, as testemunhas de ontem, Moisés e Elias, estavam lá para recordar a sua fidelidade. Mas aos apóstolos foi apenas permitido perceber no horizonte um sinal da ressurreição. Mas antes da ressurreição é preciso passar pela morte. Será a prova da fé para os discípulos, e então, mas então somente, eles poderão e deverão contar o que terão visto e ouvido com o risco de conhecerem também eles a morte, assinando assim com o seu sangue a mensagem do Ressuscitado.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
    O nosso pão deste dia
    Escutar o Filho, escutar a Palavra: porque não retomar o hábito de nos alimentarmos, em cada manhã, da Palavra de Deus? Do mesmo modo que pedimos ao Nosso Pai para nos dar “o pão nosso de cada dia”, podemos abrir o Evangelho do dia e levar connosco a Palavra que, durante todo o dia, será nosso alimento. Porque não?!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.prg – www.dehonianos.org

    Transfiguração do Senhor

    Transfiguração do Senhor


    6 de Agosto, 2023

    A festa da Transfiguração do Senhor, celebrada no Oriente desde o século V, celebra-se no Ocidente desde 1457. Situada antes do anúncio da Paixão e da Morte, a Transfiguração prepara os Apóstolos para a compreensão desse mistério. Quase com o mesmo objetivo, a Igreja celebra esta festa quarenta dias antes da Exaltação da Cruz, a 14 de Setembro. A Transfiguração, manifestação da vida divina, que está em Jesus, é uma antecipação do esplendor, que encherá a noite da Páscoa. Os Apóstolos, quando virem Jesus na sua condição de Servo, não poderão esquecer a sua condição divina.

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel 7, 9-10.13s.

    «Continuava eu a olhar, até que foram preparados uns tronos, e um Ancião sentou-se. Branco como a neve era o seu vestuário, e os cabelos da cabeça eram como de lã pura; o trono era feito de chamas, com rodas de fogo flamejante. 10Corria um rio de fogo que jorrava da parte da frente dele. Mil milhares o serviam, dez mil miríades lhe assistiam.O tribunal reuniu-se em sessão e foram abertos os livros. 13Contemplando sempre a visão nocturna, vi aproximar-se, sobre as nuvens do céu, um ser semelhante a um filho de homem. Avançou até ao Ancião, diante do qual o conduziram. 14Foram-lhe dadas as soberanias, a glória e a realeza. Todos os povos, todas as nações e as gentes de todas as línguas o serviram. O seu império é um império eterno que não passará jamais, e o seu reino nunca será destruído.»

    Daniel, em visão noturna, vê a história do ponto de vista de Deus. Sucedem-se os impérios e os opressores, mas o projeto de Deus não falha. Ele é o último juíz, que avaliará as ações dos homens e intervirá para resgatar o seu povo. Aos reinos terrenos contrapõe-se o Reino que o Ancião confia a um misterioso "filho de homem" que vem sobre as núvens. Trata-se de um verdadeiro homem, mas de origem divina.
    No nosso texto já não se trata do Messias davídico que havia de restaurar o Reino de Israel, mas da sua transfiguração sobrenatural: o Filho do homem vem inaugurar um reino que, embora se insira no tempo, "não é deste mundo" (Jo 18, 36). Ele triunfará sobre as potências terrenas, conduzindo a história à sua realização escatológica. Jesus irá identificar-se muitas vezes com esta figura bíblica na sua pregação e particularmente diante do Sinédrio, que o condenará à morte.

    Segunda leitura: 2 Pedro 1, 16-19

    Caríssimos: Demo-vos a conhecer o poder e a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, não por havermos ido atrás de fábulas engenhosas, mas por termos sido testemunhas oculares da sua majestade. 17Com efeito, Ele foi honrado e glorificado por Deus Pai, quando a excelsa Glória lhe dirigiu esta voz:Este é o meu Filho, o meu muito Amado,
    em quem Eu pus o meu encanto. 18E esta voz, vinda do Céu, nós mesmos a ouvimos quando estávamos com Ele na montanha santa. 19E temos assim mais confirmada a palavra dos profetas, à qual fazeis bem em prestar atenção como a uma lâmpada que brilha num lugar escuro, até que o dia desponte e a estrela da manhã nasça nos vossos corações.

    Pedro e os seus companheiros reconhecem-se portadores de uma graça maior que a dos profetas, porque ouviram a voz celeste que proclamava Filho muito amado do Pai, Jesus, seu mestre. Mas a Palavra do Antigo Testamento continua a ser "uma lâmpada que brilha num lugar escuro" (v. 19), até ao dia sem fim, quando Cristo vier na sua glória. Jesus transfigurado sustenta a nossa fé e acende em nós o desejo da esperança nesta caminhada. A "estrela da manhã" já brilha no coração de quem espera vigilante.

    Evangelho: Lucas 9, 28b-36

    Naquele tempo, Jesus, levando consigo Pedro, João e Tiago, subiu ao monte para orar.29Enquanto orava, o aspecto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma brancura fulgurante. 30E dois homens conversavam com Ele: Moisés e Elias, 31os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua morte, que ia acontecer em Jerusalém. 32Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. 33Quando eles iam separar-se de Jesus, Pedro disse-lhe: «Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Não sabia o que estava a dizer. 34Enquanto dizia isto, surgiu uma nuvem que os cobriu e, quando entraram na nuvem, ficaram atemorizados. 35E da nuvem veio uma voz que disse: «Este é o meu Filho predilecto. Escutai-o.» 36Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou só. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, nada contaram a ninguém do que tinham visto.

    A Transfiguração confirma a fé dos Apóstolos, manifestada por Pedro em Cesareia de Filipe, e ajuda-os a ultrapassar a sua oposição à perspetiva da paixão anunciada por Jesus. Quem quiser Seu discípulo, terá de participar nos seus sofrimentos (Mt 16, 21-27. A Transfiguração é um primeiro resplendor da glória divina do Filho, chamado a ser Servo sofredor para salvação dos homens. Na oração, Jesus transfigura-se e deixa entrever a sua identidade sobrenatural. Moisés e Elias são protagonistas de um êxodo muito diferente nas circunstâncias, mas idêntico na motivação: a fidelidade absoluta a Deus. A luz da Transfiguração clarifica interiormente o seu caminho terreno. Quando a visão parece estar a terminar, Pedro como que tenta parar o tempo. É, então, envolvido com os companheiros pela nuvem. É a nuvem da presença de Deus, do mistério que se revela permanecendo incognoscível. Mas Pedro, Tiago e João recebem dele a luz mais resplandecente: a voz divina proclama a identidade Jesus, Filho e Servo sofredor (cf Is 42, 1).

    Meditatio

    Jesus manda os seus discípulos rezar. Hoje, toma à parte os seus prediletos, Pedro, Tiago e João, para os fazer rezar mais longa e intimamente. Estes três representam particularmente os pontífices, os religiosos, as almas chamadas à perfeição. Para rezar Jesus gosta da solidão, a montanha onde reina a paz, a calma, onde pode ver-se a grandeza da obra divina sob o céu estrelado durante as belas noites do Oriente. A transfiguração é uma visão do céu. É uma graça extraordinária para os três apóstolos. Não nos devemos agarrar às graças extraordinárias que são por vezes o fruto da contemplação. Pedro agarra-se a isso. Engana-se. Queria ficar lá: «Façamos três tendas», diz. Não sabia o que dizia. A visão desaparece numa nuvem. Há aqui uma lição para nós. Entreguemo-nos à oração habitual, à contemplação. Não desejemos as graças extraordinárias. Se vierem, não nos agarremos a elas. Os frutos desta festa são, em primeiro lugar, o crescimento da fé. Os apóstolos testemunham-nos que viram a glória do Salvador. «Não são fábulas que vos contamos, diz S. Pedro (2Pd 1, 16), fomos testemunhas do poder e da glória do Redentor. Ouvimos a voz do céu sobre a montanha gritando-nos no meio dos esplendores da transfiguração: É o meu Filho bem-amado, escutai-o». S. Paulo encoraja a nossa esperança recordando a lembrança da glória do salvador manifestada na transfiguração e na ascensão: «Veremos a glória face a face, diz, e seremos transfigurados à sua semelhança» (2Cor 3, 18). - Esperamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo terrestre e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso» (Fil 3, 21). Mas este mistério é sobretudo próprio para aumentar o nosso amor por Jesus. Nosso Senhor manifestou-nos naquele dia toda a sua beleza. O seu rosto era resplandecente como o sol. Os apóstolos, testemunhas da transfiguração, estavam totalmente inebriados de amor e de alegria. «Que bom é estar aqui», dizia S. Pedro. «Façamos aqui a nossa tenda». A beleza de Cristo transfigurado, contemplada pelo pintor Rafael, inspirou-lhe a obra-prima da arte cristã. Nosso Senhor falava então da sua Paixão com Moisés e Elias: nova lição de amor por nós. O Coração de Jesus, mesmo na sua glória, não pensa senão em nós e nos sacrifícios que quer fazer por nós. Lições também de penitência, de reparação, de compaixão pelo Salvador. Porque teve de sofrer tanto para nos resgatar, choremos os nossos pecados, amemos o nosso Redentor, consolemo-lo.
    Este é o meu Filho muito amado: Escutai-o. - A voz do Pai celeste diz-nos: "Escutai-o", palavra cheia de sentido, como todas as palavras divinas. Deus dá-nos o seu divino Filho por guia, por chefe, por mestre. Escutai-o, fala-nos nas leis santas do Evangelho e nos conselhos de perfeição. Fala-vos nas vossas santas regras, se sois religiosos; no vosso regulamento de vida, se sois do mundo. Fala-vos pelos vossos superiores, pelo vosso diretor. Têm a missão para vos dizer a vontade divina. Fala-vos pela sua graça, na oração, na união habitual com ele. A palavra de Deus nunca vos falta, é a vossa docilidade que falta habitualmente. Esta palavra divina - «Escutai-o» - espera de vós uma resposta. Não basta apenas uma promessa vaga: «hei-de escutar». É preciso uma disposição habitual: «escuto, escuto sempre; falai, Senhor, o vosso servo escuta». Escutarei no começo de cada ação, para saber o que devo fazer e como devo fazê-lo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 132s.).

    Oratio

    Sim, Senhor, quero doravante escutar-vos. Falai, Senhor, que o vosso servo escuta. Senhor, que quereis que eu faça? A vossa vontade será a minha lei, como a vontade do vosso Pai era a lei do vosso coração. Para cada uma das minhas ações, farei o que vós quiserdes. Consultar-vos-ei antes de agir. Falai, Senhor. (Leão Dehon, OSP 4, p. 252).

    Contemplatio

    Pedro e os seus dois companheiros, fatigados da caminhada, tinham caído no sono, quando, acordando de repente, viram Jesus na sua glória, entre dois homens, Moisés e Elias, que conversavam com Ele. Moisés e Elias, representando a lei e os profetas, vinham prestar homenagem a Jesus Cristo, no qual se realizavam todas as figuras e todas as promessas do Antigo Testamento. Vinham reconhecer nele o Messias que tinham anunciado e esperado. E de que é que juntos conversavam? Falavam, diz S. Lucas, da sua saída do mundo, que devia cumprir-se em Jerusalém. Falavam do grande mistério da redenção dos homens pelo sacrifício de Jesus Cristo. Jesus explicava a Moisés e a Elias todo o sentido das figuras da antiga lei: a libertação do Egipto, símbolo da redenção; a imolação do cordeiro, figura da morte de Jesus; a salvação dos filhos de Israel pelo sangue do cordeiro, símbolo da redenção dos homens pelo sangue do Coração de Jesus. Jesus dizia aos dois profetas a sua alegria de ver chegar o dia do sacrifício. Oh! Como o seu amor por nós se manifesta sem cessar! Os apóstolos, à vista deste espetáculo, são mergulhados numa espécie de êxtase. Julgam-se transportados ao céu. S. Pedro, sempre ardente, é o primeiro que manifesta o seu sentimento: Senhor, diz, que bom é estar aqui; façamos aqui três tendas, uma para vós, uma para Moisés, uma para Elias. S. Pedro é humilde e desinteressado; esquece-se, e não pensa em montar uma tenda para si. Ele não quer ser senão o servidor de Jesus. Mas isso é ainda muito. Ele não compreendeu que é preciso comprar a recompensa através das provações. A glória definitiva não virá senão depois da cruz e do sacrifício. Trabalhemos, sejamos generosos. A recompensa virá quando agradar a Deus. S. Pedro reconheceu mais tarde que não sabia o que dizia naquele dia, e fê-lo notar pelo seu evangelista, S. Marcos. (Leão Dehon, OSP 3, p. 250s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Este é o meu Filho predilecto. Escutai-o." (Lc 9, 35).

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    Transfiguração do Senhor (6 Agosto)

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Segunda-feira

    7 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Números 11, 4b-15

    Naqueles dias, disseram os filhos de Israel: «Quem nos dará carne para comer? 5Lembramo-nos do peixe que comíamos de graça no Egipto, dos pepinos, dos melões, dos alhos porros, das cebolas e dos alhos. 6Agora, a nossa garganta está seca; não há nada diante de nós senão maná.» 7O maná era como a semente do coentro e o seu aspecto como o bdélio. O povo espalhava-se a apanhá-lo e moía-o em moinhos ou pisava-o em almofarizes; cozia-o em panelas e fazia bolos; tinha o sabor de tortas com gordura de azeite. 9Quando o orvalho caía de noite sobre o acampamento, o maná também caía. 10Moisés ouviu o povo chorar agrupado por famílias, cada uma à entrada da sua tenda. Mas a ira do Senhor inflamou-se muito e Moisés sentiu o mal perto de si. 11Então Moisés falou ao Senhor: «Porque atormentas o teu servo? Porque é que não encontrei graça diante de ti, a ponto de pores todo este povo como um peso sobre mim? 12Acaso fui eu que concebi todo este povo? Fui eu que o dei à luz, para me dizeres: 'Leva-o ao colo, como a ama leva a criança de peito, até à terra que prometeste a seus pais?' 13Onde arranjarei carne para dar a todo este povo que chora junto de mim, dizendo: 'Dá-nos carne para comer!' 14Eu sozinho não consigo suportar todo este povo, porque é demasiado pesado para mim! 15Se me queres tratar assim, dá-me antes a morte; se encontrei graça diante de ti, que eu não veja mais a minha desgraça!».

    A caminhada de Israel pelo deserto, narrada nos livros do Êxodo e dos Números, justapõe episódios relativos à carência de comida e bebida, a perigos próprios de uma região inóspita, a reacções de rebeldia e de murmuração, a intervenções de Deus diante das carências e das rebeliões. O povo, mais do que olhar para a salvação alcançada, para o dom gratuito de Deus, olha para trás com saudades do Egipto e dos bens de que lá dispunha, esquecendo os sofrimentos. Parecia-lhe melhor continuar escravo no Egipto que livre no deserto, a comer o maná, que não enchia os estômagos. Israel é um povo descontente, incapaz de reconhecer os dons de Deus: a liberdade e o pão descido do céu.
    Moisés, visceralmente ligado ao destino desse povo, entra em crise e barafusta com Deus. É a sorte do mediador, que deve identificar-se com o destino do povo, permanecendo fiel a Deus. A lamentação de Moisés, significativa no seu realismo, antecipa as lamentações dos salmos e dos Profetas. Moisés, amigo de Deus, pode barafustar com Ele, que é o verdadeiro Senhor do povo. A sua audácia leva-o a pôr em causa a fidelidade paterna e materna de Deus e a suplicá-la com arrojo.

    Evangelho: Mateus 14, 13-21

    Naquele tempo, 13quando Jesus ouviu dizer que João Baptista tinha sido morto, retirou-se dali sozinho num barco, para um lugar deserto; mas o povo, quando soube, seguiu-o a pé, desde as cidades. 14Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos. 15Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.» 16Mas Jesus disse-lhes: «Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.» 17Responderam: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.» 18«Trazei-mos cá» - disse Ele. 19E, depois de ordenar à multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e pronunciou a bênção; partiu, depois, os pães e deu-os aos discípulos, e estes distribuíram-nos pela multidão. 20Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou, encheram doze cestos. 21Ora, os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

    A notícia da morte de João Baptista leva Jesus a afastar-se da multidão, para escapar à presumível tentativa de O matarem, também a Ele, já alvo de conjura por parte dos fariseus. Mas, fiel à missão que o Pai Lhe confiou, responde com amor à multidão, que Lhe pede gestos de salvação (vv. 13-14): cura os doentes, que Lhe são apresentados, e sacia a fome dos que O seguem. Mas exige a participação dos discípulos, que são chamados a dar-se a si mesmos, e a pôr em comum o que têm (vv. 16s.).
    A narrativa deste milagre antecipa, na intenção do evangelista, o da instituição da Eucaristia (cf. Mt 26, 26). Os discípulos serão ministros, distribuindo aos outros o pão que Jesus lhes dá (v. 19). Do mesmo modo que sobrou pão, quando Eliseu, com vinte pães saciou cem pessoas (cf. 2 Rs 4, 42-44), assim também, e de modo ainda mais significativo, sobraram doze cestos, depois da refeição miraculosa oferecida por Jesus (v. 20). Tinham chegado os dias messiânicos. Jesus, o Messias, satisfazia todas as necessidades humanas, fazendo curas e saciando os que tinham fome. Na comunidade escatológica, fundada por Jesus, desaparecem toda a doença e toda a necessidade.

    Meditatio

    Entrevemos nas leituras de hoje uma unidade temática. No deserto, os Israelitas protestam e lamentam-se. A dura opressão, sofrida no Egipto, foi transformada na recordação de uma existência quase paradisíaca: «Lembramo-nos do peixe que comíamos de graça no Egipto, dos pepinos, dos melões, dos alhos-porros, das cebolas e dos alhos. Agora, a nossa garganta está seca; não há nada diante de nós senão maná» (vv. 5-6). Não estão satisfeitos com a porção de maná que, cada dia, Deus lhes envia. As lamentações do povo são «um peso» (v. 11) para Moisés, que, por sua vez, se lamenta com Deus: «Porque atormentas o teu servo» (v. 11). O grande chefe sente-se de tal modo abatido que chega a pedir a morte: «Se me queres tratar assim, dá-me antes a morte» (v. 15).
    É fácil ceder à saudade do passado, quando nos deixamos guiar, não pelo espírito de fidelidade à aliança com Deus, mas pelos nossos instintos fortes, como podem ser a fome e a sede. Os Padres da Igreja sempre viram na caminhada de Israel através do deserto um paradigma do itinerário do cristão e da Igreja. O futuro assusta. O alimento ligeiro do espírito não é suficiente, as saudades do passado atraiçoam, e as exigências de Deus nem sempre são bem compreendidas. Cada cristão passa pelas suas provações. Mas ai de quem se fixa no passado! Há que acolher, agradecidos, o alimento quotidiano, ainda que seja leve como a Palavra de Deus, e o pão e vinho eucarísticos.
    O evangelho apresenta-nos Jesus, qual novo Moisés no deserto, no meio de uma multidão cansada, faminta, doente. Esta multidão sente dificuldades em seguir o Messias. Mas é dele que espera tudo, incluindo a libertação política. Jesus corr
    esponde aos seus anseios de modo eficaz e milagroso. Mas os sinais realizados, tal como a sua pessoa, devem ser acolhidos na fé. De facto, Jesus vive em comunhão com o Pai, mas também com os discípulos, com quem partilha tudo. O maná quotidiano, da Palavra e da Eucaristia, é alimento para o caminho, o viático para a jornada.
    Lemos nas nossas Constituições: «Cristo rezou pelo advento do Reino, que já está em acção com a sua presença no meio de nós. Pela sua morte e ressurreição, abriu-nos ao dom do Espírito e à liberdade dos Filhos de Deus (cf. Rm 8,21). Ele é para nós o Primeiro e o Último, Aquele que vive (cf. Ap 1,17-18)». Para podermos chegar à pátria definitiva, Jesus não hesitou em dar tudo por nós. Ficou mesmo connosco, para ser nosso alimento e nossa bebida. Actua continuamente para que se realize plenamente o nosso êxodo do homem velho (cf. Rm 6, 6; Ef 4, 22; Cl 3, 9) para o homem novo (cf. Ef 4, 24; Cl 3, 10), a fim de nos tornarmos «um reino de sacerdotes»: «Fez deles para Deus um reino de sacerdotes que reinará sobre a terra» (Ap 5, 10); «Vós sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, a fim de anunciardes as virtudes d´Aquele que vos chamou das trevas para a Sua luz admirável» (1 Pe 2, 8).
    Deixemo-nos guiar por Jesus, novo Moisés, e acolhamos agradecidos os alimentos da Palavra e da Eucaristia que nos dá.

    Oratio

    Senhor Jesus, como me sinto semelhante ao teu povo, outrora peregrino no deserto. Todos os dias, me mandas o maná salvador da Palavra e da Eucaristia. Mas também, todos os dias, me deixo levar por saudades de outros alimentos e bebidas. A leveza do pão do céu, muitas vezes, não me satisfaz. Já experimentei a liberdade e a libertação com o êxodo do pecado. Mas, com frequência, olho para trás, sonho com o passado, e esqueço os teus dons. A minha vida assemelha-se, por vezes, ao deserto árido, e o meu caminho torna-se pesado e cheio de miragens enganadoras. Perdoa-me, Senhor! Tem paciência comigo. Renova as tuas maravilhas, para que não me esqueça de Ti e da tua Aliança. Sacia-me cada dia com o pão do céu, para que avance no deserto rumo à pátria que me preparaste. Amen.

    Contemplatio

    A Santíssima Eucaristia é o pão da vida, o pão dado pela salvação do mundo; e a vida, é Deus mesmo; mas este pão maravilhoso tem todos os gostos e todas as delícias, como o maná; sabe adaptar-se a todas as necessidades da nossa alma, e transforma-nos n'Ele em vez de ser transformado em nós; adapta-se a todas as nossas inclinações, tem a doçura do leite e a força do pão; numa palavra, o Sagrado Coração de Jesus é absolutamente ao mesmo tempo para nós um alimento que nos faz crescer e uma bebida generosa que nos enche de alegria. (Leão Dehon, A Eucaristia, OSP 2, p. 421).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Todos comeram e ficaram saciados» (Mt 14, 20).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Terça-feira

    8 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Números 12, 1-13

    Naqueles dias, Maria e Aarão falaram contra Moisés por causa da mulher etíope que ele tinha tomado, por ter desposado uma etíope; 2e disseram: «Acaso foi só a Moisés que o Senhor falou? Não falou também a nós?» Ora o Senhor ouviu. 3Na realidade, Moisés era um homem muito humilde, mais que todos os homens que há sobre a face da terra. 4Subitamente, o Senhor disse a Moisés, a Aarão e a Maria: «Ide vós três à tenda da reunião.» E foram os três. 5O Senhor desceu na coluna da nuvem, pôs-se à entrada da tenda e chamou Aarão e Maria. Aproximaram-se, 6e Ele disse: «Escutai bem as minhas palavras. Se existisse entre vós um profeta, Eu, o Senhor, manifestar-me-ia a ele numa visão. Eu me daria a conhecer em sonhos, falaria com ele. 7Não é assim com o meu servo Moisés? Eu estabeleci-o sobre toda a minha casa! 8Falo com ele frente a frente, à vista e não por enigmas; ele contempla a imagem do Senhor! Como é que não tivestes medo de falar contra o meu servo, contra Moisés?» 9A ira do Senhor inflamou-se contra eles e afastou-se. 10Retirou-se a nuvem de cima da tenda; e eis que Maria se encontrou coberta de lepra como neve. Aarão voltou-se para Maria e viu-a coberta de lepra. 11Disse Aarão a Moisés: «Por favor, meu senhor, não nos faças suportar esse pecado que cometemos e de que somos culpados. 12Que ela não seja como alguém que sai já morto do ventre de sua mãe e com a carne meio consumida.» 13Moisés suplicou ao Senhor: «Ó Deus, por favor, cura-a!»

    O tema das rebeliões repete-se nas tradições sobre a caminhada de Israel pelo deserto. O nosso texto refere-nos a contestação de Maria e de Aarão contra Moisés, por causa do seu casamento com uma etíope. A pretexto disto, o livro dos Números introduz as três personagens chave do Êxodo: Moisés, Aarão e Maria. Deus está no meio deles como amigo e protector de Moisés. Também entre os grandes homens há tropeços, mexericos e ciúmes. Aarão e Maria mostram-se incapazes de julgar Moisés na sua grandeza de eleito de Deus, pelo simples facto de se ter casado com uma etíope. Mas Deus defende Moisés. Com um juízo tão severo quanto sincero, Deus fala de Moisés, seu amigo e confidente, na tenda da reunião: «Falo com ele frente a frente, à vista e não por enigmas; ele contempla a imagem do Senhor! Como é que não tivestes medo de falar contra o meu servo, contra Moisés?» (v. 8).
    O castigo de Maria parece-nos excessivo. Mas trata-se de um sinal. Moisés não perde tempo e, com uma oração cheia de confiança e de atrevimento, pede a cura da irmã. Moisés é um amigo de Deus, que Lhe fala com a audácia própria dos amigos.

    Evangelho: Mateus 14, 22-36

    Depois de ter saciado a fome à multidão, Jesus obrigou os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto Ele despedia as multidões. 23Logo que as despediu, subiu a um monte para orar na solidão. E, chegada a noite, estava ali só. 24O barco encontrava-se já a várias centenas de metros da terra, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. 25De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. 26Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. 27No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» 28Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» 29«Vem» - disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. 30Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» 31Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» 32E, quando entraram no barco, o vento amainou. 33Os que se encontravam no barco prostraram-se diante de Jesus, dizendo: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!» 34Após a travessia, pisaram terra em Genesaré. 35Ao reconhecerem-no, os habitantes daquele lugar espalharam a notícia por toda a região. Trouxeram-lhe todos os doentes, e pediam que os deixasse tocar ao menos na orla do seu manto. E quantos lhe tocaram foram completamente curados.

    Mateus coloca a narrativa da tempestade acalmada no contexto dos episódios orientados para a formação do grupo dos discípulos (Mt 14, 13-16, 20) e antes do grande "Discurso sobre a comunidade" (c. 18). Este facto confere ao texto uma particular caracterização eclesiológica.
    O evangelista já tinha narrado uma tempestade que surpreendera os discípulos enquanto o Mestre dormia (8, 23-27). Nessa ocasião, Jesus revelou-se como "Senhor do mar", o que suscitou a pergunta sobre a sua identidade mais profunda. Jesus aproveitou para reafirmar a necessidade da fé para quem O queira seguir (cf. 9, 19s.). No episódio de hoje, a tempestade surge quando os discípulos avançam sozinhos pelo mar, enquanto Jesus tinha ficado a «orar na solidão» (v. 23). A sua chegada milagrosa gera nos discípulos perturbação e medo (v. 26). Mas a sua palavra serena-os e dá-lhes coragem (v. 27). Pedro até se atreve a imitar o Mestre, descendo ao mar e tentando caminhar sobre as ondas (vv. 28ss). Mas a sua fé hesita, e Jesus tem de lhe estender a mão, e mostrar-lhe que, só apoiado n´Ele, pode chegar à salvação (vv. 30ss.). A mesma experiência de salvação é feita por todos aqueles que contactam com Jesus, que assim reconhecem a sua verdadeira identidade, e podem dizer, como Pedro: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!» (v.32.

    Meditatio

    Os meios de comunicação social noticiam diariamente protestos contra governantes, contra líderes, contra autoridade religiosas, etc., etc. São comportamentos muito antigos na humanidade, ainda que hoje pareçam mais frequentes.
    A primeira leitura fala-nos da contestação de Maria e de Aarão contra Moisés. Não se trata de uma contestação qualquer, pois Maria e Aarão são irmãos de Moisés. Estes reclamam contra o privilégio de Moisés falar em nome de Deus, de comunicar os seus ensinamentos e mandamentos. O irmão até nem lhes parecia a pessoa mais adequada, pois tinha tomado por esposa uma mulher etíope (cf. v. 1). Deus reage violentamente contra esta contestação preconceituosa, reafirmando a autoridade de Moisés: «Eu estabeleci-o sobre toda a minha casa! Falo com ele frente a frente, à vista e não por enigmas; ele contempla a imagem do Senhor!» (v. 7). Depois interroga: «Como é que não tivestes medo de falar contra o meu servo, contra Moisés?» (v. 8). A ira de Deus revelou-se terrível: Maria ficou leprosa, e Moisés teve de interceder por ela diante do Senhor.
    A contestação é, pois, uma coisa grave, porque não respeita a ordem estabelecida por Deus, desestabiliza a so
    ciedade e a comunidade, põe confusão, destrói a harmonia. Mas nem todas as críticas são «contestação». Por vezes, a crítica é útil. Mas deve ser feita de modo construtivo, sem contestar a autoridade. Jetro, sogro de Moisés, também criticou o facto de Moisés exercer sozinho a justiça, sugerindo-lhe a partilha da autoridade com pessoas que o pudessem ajudar. Moisés aceitou a crítica e o conselho, porque os achou justos.
    Outro é o caso daqueles que contestam porque não querem aceitar qualquer autoridade. É uma contestação inaceitável.
    O cristão deve submeter-se sinceramente às autoridades, porque, como diz Paulo na carta aos Romanos, a autoridade vem de Deus, e só aceitando-a com humildade se pode contribuir para o bem comum. No caso de Moisés, a Escritura diz-nos que era manso mais do que qualquer outro homem sobre a terra, sugerindo que não havia razões para o contestar. Mas, se as autoridades forem opressoras e arbitrárias, se procurarem apenas os seus interesses, e não os do povo, então a contestação é lícita e até forçosa. Todavia, o cristão deve fazer um verdadeiro discernimento espiritual, antes de ir pela contestação das autoridades.
    Quanto a nós religiosos, escutemos as nossas Constituições, que nos dizem: «Comprometemo-nos a obedecer aos nossos Superiores, no exercício legítimo do seu serviço de autoridade conforme as Constituições, em tudo o que concerne à vida da Congregação e à observância dos votos. Devemos obedecer também ao Soberano Pontífice e à Santa Sé. No entanto, a nossa profissão não nos empenha apenas quando os Superiores o peçam em força do voto: insere toda a nossa vida no projecto de Deus» (Cst 54).
    O serviço do superior é "mediar", isto é, ser intermediário, a fim de que cada religioso e o conjunto da comunidade possam conhecer, com certeza moral, a vontade de Deus, para, depois, coordenar os respectivos carismas, ordená-los para o enriquecimento recíproco, para que se realize o carisma-missão do Instituto e a santidade dos seus membros

    Oratio

    Recebe-me, meu Deus, na tua intimidade, tal como recebeste Moisés, teu servo e amigo. Acolhe-me como acolheste Jesus, teu Filho muito amado. Que na oração, ainda que prolongada pela noite dentro, eu possa experimentar a tua viva participação na minha vida de cada dia, o teu estar atento para escutar e acolher as minhas preces. Dá-me a graça de falar Contigo, como um amigo fala ao seu amigo. Dá-me, ainda mais, a graça de, como Jesus, rezar imerso no teu coração de Pai. Amen.

    Contemplatio

    Duas palavras resumem vinte e cinco anos da vida de Nazaré: era submisso. Jesus era submisso e obediente, o seu divino Coração escolheu a obediência para reparar o orgulho do nosso. Obedecia ao seu Pai celeste em primeiro lugar, era a sua vida: Eis-me aqui para fazer a tua vontade. Era assim que o salmista o tinha caracterizado. E ele mesmo, ao longo da sua vida, repete muitas vezes esta afirmação: «Faço sempre o que agrada ao meu Pai, obedeço sempre ao meu Pai». Obedeceu aos desígnios do seu Pai até à morte da cruz. Mas não era somente a Deus seu Pai que Jesus obedecia: Era-lhes submisso, era submisso a Maria e a José... Jesus obedece à lei de Moisés. Ia ao Templo na época fixada, não somente durante a sua adolescência, mas mesmo durante a sua vida pública. «O Filho do homem, dizia, não veio ab-rogar a lei, mas aperfeiçoá-la». Obedecia às leis civis, para mostrar que toda a autoridade vem de Deus: «Dai a César o que é de César». Obedece a Pilatos, ao Sinédrio, aos seus carrascos!...Continua na Eucaristia a sua vida de perfeita obediência... (Leão Dehon, OSP 3, p. 186s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Era-lhes submisso» (Lc 2, 51).

  • S. Teresa Benedita de Cruz, Virgem e mártir, Padroeira da Europa

    S. Teresa Benedita de Cruz, Virgem e mártir, Padroeira da Europa


    9 de Agosto, 2023

    Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) é, com Santa Brígida e Santa Catarina de Sena, Padroeira da Europa. Filha de judeus, nasceu em Breslau (Alemanha), a 12 de Outubro de 1891. Procurando ansiosamente a verdade, dedicou-se ao estudo da Filosofia até que encontrou a fé católica e se converteu. Muito a ajudou a leitura da autobiografia de Santa Teresa de Jesus: "Esta é a verdade!", exclamou. Fez-se batizar em Janeiro de 1922. Prosseguiu o estudo e o ensino da Filosofia, procurando encontrar o modo de unir ciência e fé. Em 1933, entrou para o convento das Carmelitas de Colónia, passando a chamar-se Teresa Benedita da Cruz e servindo os seus irmãos judeus e alemães. Em 1938 foi transferida para a Holanda, por causa da perseguição nazi. Acabou por ser presa, a 2 de Agosto de 1942, pela Gestapo, em represália a um comunicado dos Bispos dos Países Baixos contra as deportações dos judeus. Foi morta nas câmaras de gás, em Auschwitz-Birkenau (Polónia), a 9 de Agosto do mesmo ano. Assim, recebeu a coroa do martírio. Foi canonizada pelo Papa João Paulo II, em 1998.

    Lectio

    Primeira leitura: Oseias 2, 16b.17b.21-22

    Eis o que diz o Senhor: Hei-de conduzir Israel ao deserto e falar-lhe ao coração. 17Aí, corresponderá como no tempo da sua juventude, como nos dias em que subiu da terra do Egipto.21"Então, - diz o Senhor - te desposarei para sempre; desposar-te-ei conforme a justiça e o direito, com amor e misericórdia. 22Desposar-te-ei com fidelidade, e tu conhecerás o Senhor".

    Oseias, em nome de Deus, proferiu as mais fortes diatribes contra o seu povo, que já não é sua mulher, nem Ele seu marido, anunciando-lhe os mais terríveis castigos. Mas, continuando a falar em nome de Deus, o profeta deixa vir ao de cima a sua ternura e o seu amor para afirmar que o Senhor não pode deixar de amar a esposa, novamente prostituída. Tal como o segundo casamento do profeta fora sua iniciativa, assim Deus livremente se dispõe a um novo casamento com o seu povo prostituído, a uma nova aliança. Uma nova experiência de deserto afastará o povo dos deuses cananeus, permitindo um novo encontro a sós com Deus, que pagará o respetivo dote. Israel poderá fiar-se de Deus e confiar nele. Mais ainda: poderá conhecê-lo, fazer experiência dele. É sobretudo esta graça de intimidade com Deus, que cumula de bens os que a aceitam, que a nossa leitura quer sublinhar na festa de S. Teresa Benedita da Cruz.

    Evangelho: Mateus 25, 1-13

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 1«O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: 'Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!' 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.' 9Mas as prudentes responderam: 'Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.' 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta. 11Mais tarde, chegaram as outras virgens e disseram: 'Senhor, senhor, abre-nos a porta!' 12Mas ele respondeu: 'Em verdade vos digo: Não vos conheço.' 13Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.

    Santa Teresa Benedita da Cruz foi uma das virgens que souberam esperar vigilantes a vinda do Esposo. Assim mereceu participar na boda onde só entram as jovens prudentes. As insensatas ficaram fora, não porque adormeceram: todas adormecem, todas são frágeis. Não entraram porque não estavam preparadas para a missão, não contaram com o eventual atraso do noivo. Ele não deixará de vir a qualquer momento. A seriedade desse momento exige uma preparação pessoal insubstituível.

    Meditatio

    Pensamos que a melhor proposta de meditação para hoje nos é oferecida pela santa que celebramos. Por isso, transcrevemos um texto recolhido nos seus escritos: "Para os que creem no Crucificado abre-se a porta da vida. Cristo tomou sobre Si o jugo da Lei, cumprindo plenamente a Lei e morrendo pela Lei e através da Lei. Assim libertou da Lei aqueles que querem receber d'Ele a vida. Mas eles sabem que só poderão recebê-la se ofereceram a sua própria vida. Porque os que foram batizados em Cristo foram batizados na sua morte. Submergiram-se na vida de Cristo, para se tornarem membros do seu Corpo, destinados a sofrer e a morrer com Ele, mas também a ressuscitar com Ele para a vida eterna, a vida divina. Para nós, evidentemente, esta vida atingirá a sua plenitude no Dia do Senhor. Contudo, já desde agora - «na carne» - participamos da sua vida quando acreditamos: acreditamos que Cristo morreu por nós para nos dar a sua vida. É esta fé que nos permite ser uma só realidade com Ele, como os membros com a cabeça, e nos abre a torrente da sua vida. Assim, esta fé no Crucificado - a fé viva, que está associada ao vínculo do amor - constitui para nós a entrada na vida e o princípio da futura glorificação. Por isso a cruz é o nosso único título de glória: Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Quem decidiu aderir a Cristo morreu para o mundo e o mundo para ele. Leva no seu corpo os estigmas do Senhor. É débil e desprezado perante os homens; mas por isso mesmo é forte, porque na fraqueza se manifesta o poder de Deus. Tendo consciência disto, o discípulo de Jesus aceita não somente a cruz que lhe é imposta, mas crucifica-se a si mesmo: Os que são de Cristo crucificaram a sua carne com as suas paixões e concupiscências. Suportaram um combate implacável contra a sua natureza, a fim de que morra neles a vida do pecado e dê lugar à vida do espírito. Porque é esta que importa. Contudo a cruz não é um fim em si mesma: ela eleva-nos para as alturas e revela-nos as realidades superiores. Por isso ela não é somente um símbolo; ela é a arma poderosa de Cristo; é o cajado de pastor com que o divino David sai ao encontro do David infernal e com o qual bate fortemente à porta do Céu e a abre. Então brotam as torrentes da luz divina que envolvem todos aqueles que seguem o Crucificado"

    Oratio

    Senhor, Deus dos nossos pais, que conduzistes a mártir Teresa Benedita ao conhecimento do vosso Filho crucificado e à sua imitação até à morte, concedei que, pela sua intercessão, todos os homens conheçam o Salvador, Jesus Cristo, e por Ele cheguem à perpétua visão do vosso rosto. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. Ámen (coleta da Missa).

    Contemplatio

    Também nós devemos levar a nossa cruz. Foi o próprio Senhor que nos deu esse preceito: «Quem não leva a sua cruz, não é digno de mim», diz-nos. Não devemos, acaso, conformar-nos com o nosso chefe? Se Nosso Senhor escolheu a cruz, é porque ela é boa, é porque é necessária. Ela repara e apaga o pecado. Adquire as graças; e em nós, ela comprime as paixões e enfraquece-as. É tão necessária, que Nosso Senhor fez dela a medida da nossa glória. Quando nos vier julgar, o sinal da redenção planará no céu. Os que se tiverem conformado com a cruz serão salvos. Aliás toda a vida está semeada de cruz, aí está a condição da nossa vida mortal desde a queda de Adão. Seria uma loucura não aproveitar destas ocasiões de reparação e de mérito. Como é que devemos levar a cruz? Primeiro com resignação,como Jesus, que dizia sem cessar: «Meu Pai, que a vossa vontade seja feita e não a minha!» - Com confiança na graça de Jesus Cristo que nos ajudará a levar a cruz. - Com alegria, porque a cruz é o caminho do céu. - Com amor sobretudo, porque a cruz nos torna semelhantes a Jesus Cristo, porque a nossa generosidade consola o Coração de Jesus e une-nos ao Salvador na sua obra redentora, porque as nossas cruzes, levadas com coragem são fontes de graças para todas as nossas obras, para todas as almas que nós recomendamos a Nosso Senhor. (Leão Dehon, OSP 3, p. 359s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Toda a minha glória está na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Gl 6, 14ª).
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    S. Teresa Benedita de Cruz, Virgem e mártir,  Padroeira da Europa (09 Agosto)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Quarta-feira

    9 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Números 13, 1-2 - 14, 1.26-29.34-35

    Naqueles dias, 1o Senhor falou a Moisés: 2«Manda homens para explorar a terra de Canaã, que Eu hei-de dar aos filhos de Israel; enviarás um homem por cada tribo da casa de seus pais, todos dentre os principais.» Ao fim de quarenta dias, regressaram de explorar a terra. 1Levantou-se toda a assembleia a gritar e o povo chorou toda essa noite. 26O Senhor disse a Moisés e a Aarão: 27«Até quando terei de ouvir esta assembleia má a murmurar contra mim? Ouvi as murmurações que os filhos de Israel fazem continuamente contra mim. 28Dir-lhes-ás: 'Como Eu sou vivo - oráculo do Senhor - segundo as palavras que vos ouvi dizer, assim mesmo vos farei. 29Neste deserto cairão os vossos cadáveres e todos os vossos recenseados de vinte anos para cima, que murmuraram contra mim. 34Conforme o número de dias em que explorastes a terra, quarenta dias, equivalendo cada dia a um ano, haveis de carregar durante quarenta anos as vossas iniquidades e reconhecereis o meu desagrado'. 35Eu, o Senhor, declaro: Hei-de fazer isto a toda esta assembleia má que se revoltou contra mim neste deserto. Aqui acabarão e morrerão!'»

    O melhor modo de entender este texto fragmentário da liturgia é ler as próprias páginas do livro dos Números. Estão aqui integradas várias tradições. Mas emergem quatro momentos: o envio por Moisés dos exploradores à terra prometida e a respectiva exploração, o regresso dos exploradores com os frutos e a narração do que viram; o medo entre o povo, provocado pelos exageros da narração; as lamentações do mesmo povo e o reacender das saudades do Egipto, indicativos da falta de confiança em Deus e nas suas promessas.
    Moisés, todavia, mantém-se fiel ao Senhor, aponta ao povo a terra prometida e os seus frutos, e pronuncia as palavras-chave desta narrativa: «Se a boa vontade do Senhor está connosco e nos fez sair para esta terra, Ele nos dará a terra onde corre leite e mel! ... O Senhor está connosco. Não temais!» (14, 8s.). Moisés confia na fidelidade de Deus, apesar do panorama obscuro descrito pelos exploradores, que todavia desejavam conquistar um território que produzia tais frutos, uma «terra onde corre leite e mel».

    Evangelho: Mateus 15, 21-28

    Naquele Tempo, 21Jesus partiu dali e retirou-se para os lados de Tiro e de Sídon. 22Então, uma cananeia, que viera daquela região, começou a gritar: «Senhor, Filho de David, tem misericórdia de mim! Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio.» 23Mas Ele não lhe respondeu nem uma palavra. Os discípulos aproximaram-se e pediram-lhe com insistência: «Despacha-a, porque ela persegue-nos com os seus gritos.» 24Jesus replicou: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.» 25Mas a mulher veio prostrar-se diante dele, dizendo: «Socorre-me, Senhor.» 26Ele respondeu-lhe: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorros.» 27Retorquiu ela: «É verdade, Senhor, mas até os cachorros comem as migalhas que caem da mesa de seus donos.» 28Então, Jesus respondeu-lhe: «Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas.» E, a partir desse instante, a filha dela achou-se curada.

    A mulher cananeia, de que nos fala o texto, é designada por «siro-fenícia» em Marcos (7, 24-30). O que ambos os evangelistas pretendem indicar é que se trata de uma mulher pagã, não judia. A cena, sob o ponto de vista literário, está construída no esquema pedido-recusa, num crescendo que, partindo do silêncio de Jesus à primeira interpelação da mulher, continua com a referência à sua missão, que teria por alvo unicamente o povo judeu, e culmina com a distinção brutal entre filhos e cachorrinhos. Tanto Mateus como Marcos coincidem em que a missão de Jesus, durante o seu ministério terreno, se limitou ao povo judeu. Mas também coincidem em que Jesus, neste caso, abriu uma excepção. Para Mateus, a razão da excepção foi a grande fé da mulher, o que é omitido por Marcos. O encontro entre Jesus e a mulher cananeia anuncia, e já realiza, o encontro entre a salvação e o paganismo. Sem negar a escolha preferencial de Israel, «filho primogénito» (v. 24; cf. Os 11, 1; Mt 10, 5ss.), a missão salvífica de Jesus é dirigida a todos os povos. Será, também essa, a característica da acção da Igreja, por mando específico do seu Senhor e Mestre (cf. Mt 28, 18-20).
    A luta que a mulher cananeia trava com Jesus, para alcançar o que pede, é um exemplo concreto do que Jesus mandou: «Pedi... procurai... batei...» (cf. Lc 11, 9).

    Meditatio

    As leituras de hoje levam-nos a meditar sobre a fidelidade de Deus e a confiança que havemos de ter n´Ele. Deus é fiel às suas promessas. Mas, na primeira leitura, vemos o povo com falta de fé e de confiança em Deus. Pouco depois de ter retirado Israel do Egipto, Deus convida-o a tomar posse da terra: «O Senhor falou a Moisés: «Manda homens para explorar a terra de Canaã, que Eu hei-de dar aos filhos de Israel» (vv. 1-2). Os exploradores partiram para Canaã e voltaram com um relatório cheio de contrastes: é uma terra maravilhosa, «uma terra onde corre leite e mel», mas «o povo que habita a terra é poderoso, as cidades são fortificadas e muito grandes». Perante estas notícias, a reacção poderia ser em dois sentidos: ir em frente, confiando no Senhor ou desanimar com as dificuldades. Mas, quando alguém se deixa vencer pelas dificuldades, elas agigantam-se ainda mais. Foi o que sucedeu com o povo de Israel: «Levantou-se toda a assembleia a gritar e o povo chorou toda essa noite» (v. 1).
    Deus não pode suportar uma tal falta de confiança n´Ele e nas suas promessas. A desconfiança atinge-lhe o coração. E toma uma resolução idêntica à dos Israelitas: não quereis entrar na terra? Pois não entrareis! «Hei-de fazer isto a toda esta assembleia má que se revoltou contra mim neste deserto. Aqui acabarão e morrerão!» (v. 35).
    Hoje está muito difundida esta falta de confiança em Deus. Muitos dos nossos jovens já não tem coragem para assumir compromissos duradouros, como é o matrimónio, a profissão religiosa, o sacerdócio, contando com a graça de Deus. É certo que, sem a graça divina, ninguém é capaz de manter um compromisso para toda a vida. Há tantas coisas que mudam, e nós próprios mudamos! Mas, com a ajuda de Deus, que não falta, podemos realizar com fidelidade os compromissos tomados em seu nome.
    A confiança ilimitada da mulher cananeia dá-lhe coragem, dá-lhe atrevimento para se dirigir ao Senhor e pedir o milagre. Deus apenas aguarda de nós a fé e a esperança, para nos dar tudo quanto precisamos. As provações da vida, em vez de nos desanimarem, devem acender em nós uma esperan&cce
    dil;a cada vez maior.
    "A nossa vida religiosa participa na evolução, nas provações e procuras do mundo e da Igreja. Também ela é constantemente interpelada. Somos obrigados a repensar e a reformular a sua missão e as suas formas de presença e de testemunho" (Cst 144). É preciso, sobretudo, manter bem vivas a fé e a esperança.

    Oratio

    Senhor, como é bom saborear, desde já, quanto nos prometes. Como é bom encontrar na vida os sinais da tua presença. Mas, como sabemos, a esperança não desilude, porque infundiste no nosso coração o Espírito Santo, penhor dos bens futuros.
    Que eu creia sempre no teu amor presente e providente. Que os meus desejos gerem em mim uma fé maior, uma fé como a da mulher cananeia. Que as provações sejam para mim motivos de esperança. Que a incompreensível recusa por ti das minhas orações, purifique e renove a audácia de acreditar no teu amor, e de continuar a suplicar-Te. Amen.

    Contemplatio

    «Quando Satanás suscitava contra o reino do Coração de Jesus contradições e oposições, diz a Bem-aventurada (Santa Margarida Maria), eu recorria à bondade deste amável Salvador, o qual sustinha a minha coragem dizendo-me: «Deixa-os fazer, não temas nada; reinarei apesar de Satanás e dos seus sequazes; aguardo na passagem todos que se quiserem opor» - «Esta palavra, que me repetia sem cessar, acrescenta, dava-me uma confiança e uma segurança inabaláveis» (Carta 106, etc.). «À medida que via os felizes progressos deste reino, disse ainda, ouvia estas palavras: Não te disse que podias acreditar, tu verias cumprir-se o efeito dos teus desejos? Mais depressa passarão o céu e a terra do que as minhas palavras ficarem sem efeito. - O adorável Coração de Jesus far-se-á, portanto, conhecer e estabelecerá o seu império apesar do inferno. Reinará apesar de todas as contradições...» «Felizes aqueles dos quais se há-de servir para estabelecer o seu reino!» O reino do Sagrado Coração será universal. «O adorável Coração de Jesus, diz a Bem-aventurada, quer estabelecer em todos os corações o reino do seu amor, arruinando e destruindo o império de Satanás... que tudo se dobre, portanto, diante dele! Que tudo seja submetido, que tudo obedeça ao seu divino amor». Foi pelo seu amor e pelo seu sangue que Jesus resgatou o mundo. O mundo pertence ao seu divino Coração, órgão do seu amor e fonte do seu sangue. É preciso dizer do Sagrado Coração o que o Salmo diz do Messias: Todas as nações foram-lhe dadas em herança. (Leão Dehon, OSP 3, p. 51s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Pedi e recebereis, batei e abrir-se-vos-á» (Mt 7, 7).

  • S. Lourenço, Diácono

    S. Lourenço, Diácono


    10 de Agosto, 2023

    Natural de Huesca, na Península Ibérica, onde nasceu por volta do ano 230, Lourenço foi acolhido em Roma pelo Papa Sixto II, que o fez arquidiácono. Serviu a igreja de Roma durante a perseguição. Quando o Papa foi martirizado, com quatro dos seus diáconos, a 6 de Agosto, recomendou-lhe a distribuição dos bens da igreja aos pobres e profetizou-lhe o martírio, que aconteceu no dia 10 do mesmo mês. O imperador Valeriano fê-lo queimar sobre uma grelha. Os seus restos mortais repousam na basílica que lhe foi dedicada, S. Lourenço Fora dos Muros.

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Coríntios 9, 6-10

    Irmãos: Lembrai-vos: Quem pouco semeia, também pouco colherá; mas quem semeia com generosidade, com generosidade também colherá.7Cada um dê como dispôs em seu coração, sem tristeza nem constrangimento, pois Deus ama quem dá com alegria. 8E Deus tem poder para vos cumular de toda a espécie de graça, para que, tendo sempre e em tudo quanto vos é necessário, ainda vos sobre para as boas obras de todo o género. 9Como está escrito: Distribuiu, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre. 10Aquele que dá a semente ao semeador e o pão em alimento, também vos dará a semente em abundância e multiplicará os frutos da vossa justiça.

    São muitas as formas de pobreza humana: a espiritual, a material, a cultural, a moral. Mas qualquer uma delas pode ser ultrapassada pela caridade. Deus é caridade e é o dador de todos os bens. As criaturas são apenas seus instrumentos. Quanto mais generosos forem com os outros, maiores favores receberão de Deus. Por isso, quem repartir com generosidade recolherá com generosidade.

    Evangelho: João 12, 24-26

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto. 25Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna. 26Se alguém me serve, que me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há-de honrá-lo.

    Quem vive em união com Cristo, entra no dinamismo do seu amor, e torna-se uma só coisa com o Pai. Servir o Filho é reinar com Ele no coração do Pai. Servir o Filho é associar-se a Ele na obra da redenção. O amor pelo Pai e pelo homem levaram Jesus a entregar-se até à morte, até ao dom da própria vida, para que todos tivéssemos vida. O grão de trigo, quando morre na terra, gera vida e torna-se fecundo. O discípulo de Jesus é chamado a viver o mesmo mistério de morte para gerar a vida e ser fecundo em favor dos seus irmãos.

    Meditatio

    S. Lourenço, arquidiácono da igreja de Roma, no tempo do Papa Sisto II (séc. III), era a segunda figura da hierarquia eclesiástica, logo após o Papa, e era natural que lhe viesse a suceder. Sendo os diáconos os conselheiros e colaboradores do Papa, num serviço idêntico ao que hoje prestam os cardeais da cúria romana, o arquidiácono administrava os bens da Igreja: dirigia a construção dos cemitérios, recebia as esmolas e conservava os arquivos. Em grande parte, dependiam dele o clero romano, os confessores da fé, as viúvas, os órfãos e os pobres. Quando o imperador o mandou entregar os bens da Igreja, Lourenço apresentou-se diante do juiz com os pobres de Roma, e declarou: "Aqui estão os tesouros da Igreja!". O juiz mandou-o imediatamente torturar e executar. A sua Passio (paixão) narra que, intimado a sacrificar aos deuses, respondeu: "Ofereço-me a Deus em sacrifício de suave odor, porque um espírito contrito é um sacrifício para Deus". O Papa S. Dâmaso (+ 384) escreveu na inscrição que mandou colocar na basílica que lhe é dedicada: "Só a fé de Lourenço conseguiu vencer os flagelos do algoz, as chamas, os tormentos, as cadeias. Dâmaso suplicante enche de dons estes altares, admirando os méritos do glorioso mártir".
    Ao fazer memória dos mártires do século XX, João Paulo II, ao comentar Jo 12, 25, dizia no Coliseu, a 7 de Maio do ano 2000: "Trata-se de uma verdade que o mundo contemporâneo muitas vezes recusa e despreza, fazendo do amor por si mesmos o critério supremo da existência. Mas as testemunhas da fé não consideravam a sua vantagem, o seu bem-estar, a sua sobrevivência como valores maiores que a fidelidade ao Evangelho. Apesar da sua fraqueza, opuseram corajosa resistência ao mal. Na sua debilidade refulgiu a força da fé e da graça do Senhor". É o tesouro da Igreja na caridade suprema.
    "Se nem todos são chamados ao estado de vítima mística - afirmava o P. Dehon -, todos podem e devem ser vítimas práticas, por meio da docilidade em seguir a graça, por meio da fidelidade no cumprimento do próprio dever, por meio da generosidade em aceitar o sacrifício" (DSP, parte III, c. V, § 3, p. 116).

    Oratio

    O Soberano e Senhor deu-te, ó mártir, como ajuda, o carvão em brasa: queimado por ele, tu rapidamente depuseste a tenda de barro e herdaste a vida e o reino imortais. Por isso, jubilosamente festejamos a tua memória, ó beatíssimo Lourenço coroado.
    Resplandecendo pelo Espírito divino, como carvão em brasa, queimaste a sarça do engano, Lourenço vitorioso, arquidiácono de Cristo: por isso, foste oferecido em holocausto como incenso racional Àquele que te exaltou, atingindo a perfeição pelo fogo. Protege, pois, de toda a ameaça quantos te honram, ó homem de mente divina. (De um antigo texto da Igreja bizantina).

    Contemplatio

    O imperador furioso mandou despojar o santo dos seus vestidos e ordenou que lhe dilacerassem o corpo com açoites e unhas de ferro. O mártir rezava, com o sorriso nos lábios... À noite, o imperador mandou estendê-lo sobre uma grelha de ferro sob a qual acenderam um fogo de carvões para o queimarem lentamente... O mártir virando-se para o tirano disse-lhe: «Estes fogos não são para mim senão refrigerantes, mas não será o mesmo daqueles que te atormentarão no inferno». Ao carrasco, dizia heroicamente: «Não vês que a minha carne está bastante grelhada deste lado, volta-me do outro». O santo, tendo rezado pela conversão de Roma e agradecido a Deus pela graça do martírio, expirou serenamente... O segredo desta coragem é o amor pelo Salvador. S. Lourenço desejava dar a Jesus amor por amor e sacrifício por sacrifício. Era feliz por se imolar pela conversão dos pagãos. Tinha pressa em ir para o céu encontrar o Salvador bem-amado. Deus não nos pedirá um semelhante martírio, mas o Sagrado Coração de Jesus espera de nós uma grande generosidade nos sacrifícios quotidianos. (Leão Dehon, OSP 4, p. 145s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Onde Eu estiver, aí estará também o meu servo" (Jo 12, 26)

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    S. Lourenço, Diácono (10 Agosto)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Quinta-feira

    10 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Números 20, 1-13

    Naqueles dias, 1toda a comunidade dos filhos de Israel chegou ao deserto de Cin, no primeiro mês, e o povo instalou-se em Cadés. Ali morreu Maria e ali foi sepultada. 2Como a comunidade não tinha água, amotinaram-se contra Moisés e Aarão. 3O povo começou a discutir com Moisés, dizendo: «Oxalá tivéssemos perecido com os nossos irmãos diante do Senhor! 4Porque conduzistes a comunidade do Senhor a este deserto? Foi para morrermos aqui com os nossos rebanhos? 5E porque nos tirastes do Egipto? Foi para nos fazer vir para este lugar mau, que não é lugar de sementeiras, nem de figueiras, nem de vinhas, nem de romãs, nem de água para beber?» 6Moisés e Aarão afastaram-se da comunidade, dirigiram-se à porta da tenda da reunião e inclinaram-se de rosto por terra. Apareceu-lhes então a glória do Senhor. 7E o Senhor disse a Moisés: 8«Toma a tua vara e convoca a assembleia. Tu e Aarão, teu irmão, falareis ao rochedo diante de todos, e ele dará as suas águas; farás jorrar para eles água do rochedo e darás de beber à assembleia e seus rebanhos.» 9Moisés tomou a vara que estava diante do Senhor, como Ele lhe tinha ordenado. 10Moisés e Aarão convocaram a comunidade para diante do rochedo, e ele falou-lhes: «Ouvi, rebeldes! Porventura, deste rochedo poderemos fazer jorrar água para vós?» 11Moisés levantou a mão e bateu com a sua vara duas vezes no rochedo. Jorrou, então, tanta água que a assembleia e seus rebanhos puderam beber. 12O Senhor disse a Moisés e a Aarão: «Porque vós não acreditastes em mim, para provardes a minha santidade diante dos filhos de Israel, por isso não introduzireis esta comunidade na terra que lhes vou dar.» 13Estas são as águas de Meribá, onde os filhos de Israel discutiram com o Senhor e Ele lhes mostrou a sua santidade.

    O episódio da água que brota do rochedo por meio do golpe da vara de Moisés, aparece-nos no livro dos Números em redacção sacerdotal. Mas também o encontramos em Êx 17, 1-7, em versão eloísta. Trata-se de um dos estilizados e paradigmáticos episódios da condução do povo através do deserto. Massa e Meribá significam literalmente lugar da murmuração e da prova. Moisés e Aarão, condutores de Israel, vêem-se, uma vez mais, envolvidos em murmurações por causa da falta de água. A acusação, no fundo, vai direita contra Deus. Por isso, também mais uma vez, Moisés e Aarão se voltam para o Senhor, na tenda da reunião, lugar visível da presença e proximidade de Deus. Mais uma vez, Deus se mostra condescendente e oferece uma solução miraculosa para a seca, ordenando a Moisés que percuta com a vara o rochedo, donde imediatamente brota água para saciar o povo e os seus rebanhos. Em relação a Ex 17, 7, o nosso autor acrescenta um pormenor, a dúvida de Moisés e de Aarão: «Porque vós não acreditastes em mim, para provardes a minha santidade diante dos filhos de Israel, por isso não introduzireis esta comunidade na terra que lhes vou dar.» (v. 12). Começa a desenhar-se a futura sorte de Moisés e Aarão.
    O texto termina com uma afirmação importante: «os filhos de Israel discutiram com o Senhor e Ele lhes mostrou a sua santidade» (v. 13). Paulo liga os episódios do maná e da água do rochedo, referindo-os à vida cristã, e apelando à fidelidade de todos: «Todos comeram do mesmo alimento espiritual e todos beberam da mesma bebida espiritual... Apesar disso, a maior parte deles não agradou a Deus, pois foram exterminados no deserto» (1 Cor 10, 3-5).

    Evangelho: Mateus 16, 13-23

    Naquele tempo, 13Jesus ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» 14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.» 15Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» 16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.» 17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. 19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.» 20Depois, ordenou aos discípulos que a ninguém dissessem que Ele era o Messias. 21A partir desse momento, Jesus Cristo começou a fazer ver aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar. 22Tomando-o de parte, Pedro começou a repreendê-lo, dizendo: «Deus te livre, Senhor! Isso nunca te há-de acontecer!» 23Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: «Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens!»

    Quem é este homem a quem o vento e o mar obedecem? Quem é Jesus? Quem dizem os homens que Ele é? E, vós, quem dizeis que Eu sou? Pedro toma a palavra e responde em nome da comunidade dos discípulos: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo» (v. 16). Verificada a compreensão que os discípulos têm de Jesus, o Evangelho de Mateus dá uma volta decisiva. Se as obras e as palavras de Jesus tinham revelado a sua missão messiânica, de modo que o povo acreditasse n´Ele (vv. 13ss.), à excepção dos nazarenos (cf. 13, 53-58), os discípulos pela boca de Pedro, reconhecem também a sua natureza divina (v. 16). Pedro assume grande relevo nesta cena: se, por um lado, professa a fé no Filho de Deus, por outro lado recusa que Ele seja o Servo Sofredor (v. 21); se primeiro recebe de Jesus plena autoridade sobre a comunidade dos discípulos (vv. 18ss.), logo depois é chamado «Satanás» porque o seu ponto de vista se opõe ao de Deus, e é obstáculo para Jesus cumprir a vontade do Pai (v. 23).
    As contradições que assinalam o discipulado de Pedro (cf. Mc 14, 26-31) evidenciam a obra da graça divina na fragilidade humana: é o mistério da Igreja, cujo chefe é tal, não por mérito próprio, mas porque Deus lhe confia o serviço que o faz referência para os irmãos. Só Deus é garantia de salvação da comunidade na luta do mal e da morte contra o bem e a vida (v. 18). A comunidade pode confiar em Pedro, porque as suas decisões serão assumidas por Deus (v. 19). Mas a salvação e a glória terão de passar pela cruz (v. 21).

    Meditatio

    Israel experimentou tantas vezes a fidelidade de Deus, e as maravilhas que Ele fez em favor do seu povo. A fé, a fidelidade e
    a confiança deste povo deviam estar preparadas para resistir a todas as provações. Mas o homem facilmente se esquece dos bens recebidos de Deus, especialmente quando não vê satisfeitas necessidades primárias como será a de comer e beber.
    O povo de Deus está em clara revolta contra Moisés e, ao fim e ao cabo, contra Deus, porque sofre a sede e não encontra água para se saciar. A provação e a murmuração, a tentação e a revolta atingem os sentimentos humanos mais profundos e alastram com um contágio, como uma peste entre a população. Deus, sempre paciente connosco, deixa que a tentação nos prove e provoque. É por isso que, no Pai nosso, pedimos para não cair em tentação e, no limite, para que Deus não nos submeta à prova que é também um momento de verdade.
    No deserto, como tantas vezes acontece connosco, Deus dá uma resposta válida, mas passageira. Deus nunca permite que sejamos tentados acima das nossas forças.
    O evangelho fala-nos da confissão de Pedro. Esta põe-nos na atitude certa da nossa adesão a Cristo, Filho de Deus vivo. À volta da fé de Pedro e dos seus sucessores tornamo-nos igreja, assembleia de Deus, fundada na fé em Cristo. Devemos crer a igreja e não só na igreja. Crer a igreja é acolhê-la como dom de Cristo, é amar a igreja. Sentir com a igreja é também senti-la como algo de nosso, de vivo. Poderá também suceder na nossa vida ter de sofrer pela igreja, e - quem sabe? - por causa da igreja. Que jamais percamos de vista o Senhor da igreja e não nos limitemos a indicar como prioridade a igreja do Senhor.
    Sabemos como o Pe. Dehon amava a Igreja e sofreu pela igreja. Mas também sofreu por causa de alguns homens da igreja. Mas nem por isso deixou de amá-la e de servi-la. A sua «experiência de fé», não foi uma experiência fechada no intimismo, mas aberta à Igreja, ao apostolado, ao serviço. O P. Dehon serviu a Igreja, não só com a sua santidade, mas também com o seu apostolado, com a sua «Obra», a Congregação. O Fundador amou a Igreja, ao serviço da qual se gastou e empenhou a Congregação.

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-nos a tua graça, para que Te confessemos como Messias e Filho de Deus vivo. No meio das tormentas e incertezas da vida, faz-nos recordar as promessas que fizeste à tua Igreja. Ela não pode ser uma barca batida pelas ondas, mas uma rocha firme que tem em Ti, Senhor da Igreja, o seu fundamento, a sua pedra angular. Dá-nos a graça de acreditar sempre, mesmo quando Te proclamas Messias Crucificado, e Te revelas como tal na nossa vida. Dá-nos a graça de sabermos esperar, com confiança nas tuas promessas, até àquele terceiro dia da vida onde sempre Tu, Senhor vitorioso, Te mostras fiel. Amen.

    Contemplatio

    Jesus ofereceu uma vez o seu sangue ao Pai ao entrar no céu (Heb 9, 12), e isto teria podido ser suficiente para a nossa salvação; mas quis que o seu sacrifício fosse renovado, todos os dias, na Eucaristia, e que os novos levitas o oferecessem num cálice de ouro. Mas o verdadeiro cálice é o Coração de Jesus sempre vivo no céu para apresentar o seu sangue por nós. E pelos méritos do seu sangue, Jesus conserva a sua Igreja e dá-lhe todos os dias graças de progresso e de vida. - Pelo seu sangue, dá às almas a graça dos sacramentos, as graças actuais, a perseverança final e a vida eterna. - Pelo seu sangue, purifica as almas do purgatório e condu-las à glória eterna. O sangue de Jesus é a minha salvação, o meu tesouro e a minha glória. É ao Coração de Jesus que o devo, é para lá que vai o meu reconhecimento. O sangue do Coração de Jesus é um tesouro inesgotável e sempre disponível. É como a fonte vivificante do paraíso terrestre. É a água miraculosa que sustém a vida do povo de Deus no deserto: «Eles beberam da água espiritual saída do rochedo, diz S. Paulo, e este rochedo era Cristo» (1Cor 10, 4). É a água vivificante das fontes do Salvador, anunciada por Isaías. A mim ir buscar, pelo meu acesso ao Coração de Jesus, à água da graça, merecida e simbolizada pelo sangue de Jesus. (Leão Dehon, OSP 4, p. 19s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Serei o seu Deus e eles serão o meu povo» (Jr 31, 33).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Sexta-feira

    11 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Deuteronómio 4, 32-40

    Moisés falou ao povo, dizendo: 32«Na verdade, interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Pergunta se jamais houve, de uma extremidade à outra do céu, coisa tão extraordinária como esta, ou se jamais se ouviu coisa semelhante. 33Sabes, porventura, de algum povo que tenha ouvido a voz de Deus falando do meio do fogo, como tu ouviste, e tenha continuado a viver? 34Algum experimentou Deus a escolher para si um povo dentre outros povos, por meio de milagres, sinais e prodígios, combatendo com mão forte e braço estendido, com terríveis portentos, conforme tudo o que fez por vós o Senhor, vosso Deus, no Egipto, diante dos teus olhos? 35Tu viste e ficaste a conhecer que Ele, o Senhor, é Deus e que não há outro além dele. 36Do céu, fez-te ouvir a sua voz para te instruir; sobre a terra, mostrou-te a grandeza do seu fogo, e tu ouviste as palavras vindas do meio do fogo. 37E, porque amou os teus antepassados e escolheu a sua descendência depois deles, tirou-te do Egipto com a força do seu grande poder: 38desalojou, à tua frente, povos mais numerosos e mais fortes do que tu para te introduzir nas suas terras e dar-tas em herança, como acontece hoje. 39Reconhece, agora, e medita no teu coração, que só o Senhor é Deus, tanto no alto do céu como em baixo, sobre a terra, e que não há outro. 40Cumprirás, pois, as suas leis e os seus mandamentos, que eu hoje te prescrevo, para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti, e para que se prolongue a tua existência sobre a terra que o Senhor, teu Deus, te dará para sempre».

    Terminámos, ontem a leitura do livro dos Números. Hoje já escutamos a conclusão do primeiro discurso de Moisés, que abre o livro do Deuteronómio. Trata-se de um texto teológico, repleto de palavras-chave da teologia do Antigo Testamento. É o discurso da memória. O povo deve recordar e transmitir tudo quanto viu e ouviu, deve ser testemunha viva de quanto Deus fez por ele. Moisés recorda as maravilhas da criação. O povo escutou a voz de Deus no fogo, viu com os seus próprios olhos a predilecção de Deus que o escolheu e o libertou do Egipto com braço forte, no meio de sinais e prodígios. Este Deus, poderoso e libertador, educa com a sua palavra, é um Deus cheio de amor de predilecção por Israel, é um Deus fiel à sua promessa. O povo deve corresponder com a sua fidelidade a Deus, que é único (cf. Dt 6, 4-9; 11, 13-21; Nm 15, 37-51); deve observar os seus mandamentos; deve transmitir a memória das maravilhas de Deus. A fidelidade ao Senhor pode, pois, resumir-se a recordar, celebrar, viver, três atitudes fundamentais na espiritualidade do Antigo Testamento.

    Evangelho: Mateus 16, 24-28

    Naquele tempo, então, 24Jesus disse aos discípulos: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. 25Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la. 26Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Ou que poderá dar o homem em troca da sua vida? 27Porque o Filho do Homem há-de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um conforme o seu procedimento. 28Em verdade vos digo: alguns dos que estão aqui presentes não hão-de experimentar a morte, antes de terem visto chegar o Filho do Homem com o seu Reino.»

    Depois da confissão de Pedro, Jesus confirmou a sua identidade de Messias e de Filho de Deus, e indicou o carácter doloroso do seu messianismo (cf. Mt 16, 16-17.21). Agora fala dos que O pretendem seguir. A sorte dos discípulos não será diferente da do Mestre (cf. 10, 24s.). E toda a atitude e toda a opção do discípulo terá sentido na sua relação com o Mestre. A escala de prioridades e valores é definida pela relação com Jesus, cujo percurso histórico marcado pelo sofrimento vivido no amor, será assumido pelo discípulo (v. 24). Este experimentará o paradoxo de «perder para encontrar», de «morrer para viver» (v. 25). As suas obras hão-de manifestar a opção por Jesus como centro da sua existência. Tal opção será recompensada no dia do juízo (v. 27). De facto, o Messias Sofredor é também o Juiz escatológico. O Messias humilhado é também o Rei glorioso.

    Meditatio

    «Interroga os tempos antigos que te precederam» (v. 32). Moisés convida o povo a fazer um exercício de memória, para se dar conta do amor pessoal com Deus o tem amado, e tem amado cada um dos seus membros. A história de Israel está gravada mais nos corações do que nos livros. A grata memória das maravilhas de Deus renova-se pela oração que acolhe a palavra e pelos salmos que, ruminados no íntimo de cada um, alimentam o louvor de Deus. Por cada um dos eventos se pode repetir: «É eterna a sua misericórdia». Em cada etapa progressiva se pode dizer, como na noite da Páscoa: «Dayenû!», isto teria sido suficiente!
    Para nós, homens e mulheres da pós-modernidade, de frágil e não convicta memória do passado, da experiência do efémero quotidiano, que parece cair constantemente no nada, a lição do "povo da memória" é preciosa: re-cor-dar, dar novamente ao coração, como necessária oxigenação teológica, a memória dos actos de Deus na nossa história pessoal e comunitária, é uma preciosa atitude espiritual. É o que dá consistência à nossa fé pessoal, que não pode limitar-se a repetir fórmulas aprendidas na catequese, mas que nasce da experiência viva do Deus vivo. Esta memória é também importante para a transmissão da fé às novas gerações. Outrora isso fazia-se à lareira, nas noites de Inverno, ou ao luar, nas noites de Verão. Hoje não é fácil fazê-lo nessas circunstâncias. Mas há que inventar outras. Há que fazer memória das obras de Deus já realizadas. Há que fazer memória daquelas que estão por realizar, e nos orientam para um futuro de glória: «Cumprirás, pois, as suas leis e os seus mandamentos, que eu hoje te prescrevo, para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti, e para que se prolongue a tua existência sobre a terra que o Senhor, teu Deus, te dará para sempre» (v. 40).
    Fazer memória das obras de Deus é um meio para viver em união com Ele, para permanecer numa relação pessoal e íntima com Ele, que nos levam a renunciar ao egoísmo. Quem se volta para Deus, não se volta para si!
    Em Jesus, o amor de Deus revelou-se de modo ainda mais generoso que no Antigo Testamento, pois se manifestou, não só por sinais e prodígios, mas também pagando pessoalmente, até ao cansaço, até ao sofrimento, até à morte e morte de cruz. Para permanecer no amor de Deus, revelado em Jesus Cristo, há que tomar a cruz e segui-l´O: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie
    a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me» (v. 24). Com este paradoxo, Jesus dá-nos uma revelação decisiva sobre a recta orientação da nossa vida. As suas palavras são chave de compreensão a guardar no coração e na memória para alcançar uma renovada esperança que se apoia no anúncio da sua definitiva vinda gloriosa.

    Oratio

    Senhor, as tuas obras são maravilhosas! A criação, a redenção, com certeza, mas também a minha pequena história de salvação, feita de pessoas, de palavras, de encontros, que forma e são marcas da tua presença amorosa na minha vida. Eu Te louvor, Senhor, pelo amor paterno e materno com que me tens amado, e por tudo quanto tens feito por mim! Infunde em mim o teu Espírito Santo para que na minha memória pesem mais do que qualquer outra coisas, as palavras de encorajamento, a confiança que nasce da recordação agradecida, para ser fiel nas provações e nas exigências que Tu me vais propondo. Quero levar Contigo a Cruz como um troféu glorioso, porque, perder a vida, é abrir o sepulcro à alegria e à glória da ressurreição. Amen.

    Contemplatio

    Os santos expandiam-se, sem cessar, em acções de graças. Temos disso prova na Sagrada Escritura. Diz-se de Tobias que dava graças ao Senhor todos os dias da sua vida (Tb 2, 14). David exclamava: «Que darei ao Senhor por todos os bens que dele recebi» (Sl 115). Ele mesmo se excitava ao reconhecimento: «Ó minha alma, bendiz o Senhor e não esqueças todos os seus benefícios» (Sl 102). E passava em revista os benefícios sem número de Deus: perdoa os nossos pecados, cura as nossas enfermidades, faz-nos uma coroa das suas misericórdias (cf. Sl 102). Os salmos são muitas vezes hinos de acção de graças a Deus sem interrupção (2Tes 2, 14); e ainda: Dai graças a Deus em todas as coisas, esta é a vontade de Deus em Cristo (Tês 5). O reconhecimento é uma dívida que nós contraímos desde que recebemos um benefício. Seria uma injustiça não pagarmos esta dívida, ou não a reconhecermos. A gratidão é uma virtude que nos leva para Deus por reconhecermos que todos os dons nos vêm d' Ele e para O louvarmos e Lhe agradecermos pelas nossas palavras e pelas nossas obras. É um sacrifício, é uma hóstia de louvor, que é agradável a Deus e nos atrai novos benefícios. Os motivos que nos impõem esta gratidão não são inumeráveis? O nosso Deus tirou-nos do nada, devemos-lhe o ser e a vida; devíamos consagrar ao reconhecimento esta vida inteira. E Nosso Senhor, não nos deu a vida da graça? Não se revestiu da nossa carne para sofrer e morrer a fim de nos merecer a vida da glória? Pensemos em Belém e nos seus aniquilamentos, em Nazaré e nos seus labores, na vida apostólica de Nosso Senhor, no Getsémani e no Calvário. Pensemos na Eucaristia, no baptismo, no sacramento da penitência. Cada um de nós não recebeu também graças especiais? Nosso Senhor suportou-nos nas nossas faltas, esperou pela nossa conversão, chamou-nos a uma vocação de eleição. E entretanto a nossa memória esquece-o, o nosso espírito não pensa nele, o nosso coração está frio e a nossa boca se cala, em vez de explodir em acção de graças. (Leão Dehon, OSP 4, p. 543s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Ó minha alma, bendiz o Senhor
    e não esqueças os seus benefícios» (Sl 102).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XVIII Semana - Sábado

    12 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Deuteronómio 6, 4-11

    Moisés falou ao povo, dizendo: 4Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único! 5Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. 6Estes mandamentos que hoje te imponho estarão no teu coração. 7Repeti-los-ás aos teus filhos e reflectirás sobre eles, tanto sentado em tua casa, como ao caminhar, ao deitar ou ao levantar. 8Atá-los-ás, como símbolo, no teu braço e usá-los-ás como filactérias entre os teus olhos. 9Escrevê-los-ás sobre as ombreiras da tua casa e nas tuas portas.» 10«Quando o Senhor, teu Deus, te introduzir na terra que vos há-de dar, como jurou a teus pais, Abraão, Isaac e Jacob, terra de grandes e belas cidades, que não edificaste, 11com casas repletas de bens que não juntaste, com cisternas abertas que não cavaste, com vinhas e oliveiras que não plantaste; então comerás e ficarás saciado.

    «Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único!» (v. 4). Este é, sem dúvida, um dos textos mais sagrados e conhecidos do Antigo Testamento. Trata-se da confissão de fé que o piedoso israelita deve repetir três vezes por dia, voltado para Jerusalém. Estas palavras acompanharam milhões de judeus a caminho dos fornos crematórios...
    Esta confissão de fé, que começa com a afirmação «O Senhor, nosso Deus, é único!», prossegue com uma consequência teológica, que faz todo o sentido: pôr Deus em primeiro lugar, amando-o «com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças». A força educativa e ética dos mandamentos verifica-se ainda mais nos versículos seguintes. Eles tornam-se projecto de vida para cada um, tornam-se projecto educativo. Por isso, devem ser recordados e transmitidos. Devem ser escritos «sobre as ombreiras da tua casa e nas tuas portas» (v. 9), atados no braço e usados como filactérias entre os olhos (cf. v. 8).
    Tudo termina com mais uma afirmação sobre dos dons da terra prometida. Deus é fiel. O povo deve também manter-se fiel, temendo a Deus, servindo-O, proclamando a aliança em seu nome, apesar de todas as dificuldades do caminho.

    Evangelho: Mateus 17, 14-20

    Naquele tempo, 14 aproximou-se de Jesus um homem, ajoelhou-se a seus pés e 15disse-lhe: «Senhor, tem piedade do meu filho. Ele tem ataques e está muito mal. Cai frequentemente no fogo e muitas vezes na água. 16Apresentei-o aos teus discípulos, mas eles não puderam curá-lo.» 17Disse Jesus: «Geração descrente e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando vos hei-de suportar? Trazei-mo cá.» 18Jesus falou severamente ao demónio, e este saiu do jovem que, a partir desse momento, ficou curado. 19Então, os discípulos aproximaram- se de Jesus e perguntaram-lhe em particular: «Porque é que nós não fomos capazes de expulsá-lo?» 20Disse-lhes Ele: «Pela vossa pouca fé. Em verdade vos digo: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: 'Muda-te daqui para acolá', e ele há-de mudar-se; e nada vos será impossível.

    Mateus está agora preocupado em transmitir os ensinamentos de Jesus aos seus discípulos. Mas não deixa de contar mais um milagre, inserindo aqui a narrativa da cura de um epiléptico. É mais um sinal do poder de Jesus. Mas as dificuldades, que, por vezes, encontravam os exorcistas da Igreja nascente, também podem explicar esta inclusão.
    O pedido do pai, para obter a cura do filho epiléptico, dá ocasião a Jesus para mais uns ensinamentos sobre a necessidade de acreditar n´Ele. Os discípulos não conseguem realizar o milagre porque o poder taumatúrgico não é deles. Pertence unicamente ao Mestre, que o concede àqueles que participam na sua missão (cf. 10, 1). Estes, que são os discípulos, devem aderir a Ele pela fé (cf. v. 20).
    «Geração descrente e perversa!» Esta expressão de Jesus manifesta a resistência que os seus contemporâneos, duros de coração, Lhe opõem. Em união com Ele, os discípulos podem fazer maravilhas e comunicar a salvação oferecida por Deus. Mas, a falta de fé, que os separa da união com Jesus, torna-lhes impossível essa missão.

    Meditatio

    Israel fez da confissão de fé no Deus vivo e único, que escutamos no início da primeira leitura, um compromisso que levava ao reconhecimento da exclusividade de Deus na vida de cada crente. Jesus citou este texto para responder ao escriba que o interrogou sobre o primeiro dos mandamentos: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças» (Mc 12, 29-30). Ao Deus vivo e único pertencem o coração, a alma e as forças. Trata-se de uma relação totalizante e pessoal que faz da vida de cada um uma experiência de aliança e de presença, que tudo envolve. A vida de fé não é o somatório de actos religiosos, mas uma relação viva e pessoal, uma adesão perene ao projecto de Deus.
    «Amarás o Senhor, teu Deus» (v. 29). Ele tornou-se verdadeiramente "meu Deus" e quer sê-lo cada vez mais, para me fazer viver plenamente na confiança, na alegria, na comunhão com Ele e com todos. «Amarás... com todo o teu coração»: só Deus pode ser amado com todo o coração, sem qualquer reserva, porque só Ele é todo bondade, bondade infinita. No mundo, todas as criaturas têm os seus limites e os seus defeitos, que tornam impossível amá-las sem reservas. Deus, pelo contrário, é digno de um amor ilimitado. Posso amá-lo com todo o meu ser porque esse ser me foi dado por Ele. De ninguém se pode dizer o mesmo. Muitas pessoas me deram muito, com todo o seu afecto. Mas ninguém me deu todo o meu ser, senão Deus.
    Todas estas realidades, que tanto espantavam Israel, nos devem espantar também a nós, cristãos. Os nossos «irmãos mais velhos» vivem um monoteísmo intenso e profundo. E nisto são exemplares para nós. O primeiro lugar só a Deus pertence. Por isso, a opção por Deus é tarefa prioritária, também para nós, no meio da sociedade em que vivemos.
    O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, de Moisés e dos profetas, é, para nós, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. No Filho, e na sua ressurreição, revela-se toda a força, toda a ternura, toda a paternidade do nosso Deus, e tudo quanto dele nos disse Jesus. Ele confirmou essa palavra do Antigo Testamento e viveu-a até às máximas consequências. É esta a fé que muda montanhas, a adesão total que começa com o afastamento das montanhas do coração, que se interpõem entre o nosso egoísmo e a
    realidade do Deus vivo.
    Amar a Deus, propriamente falando, não é tanto um mandamento quanto uma vocação, que corresponde à aspiração profunda do nosso ser. Por outro lado, amar a Deus com todo o coração é obra que exige tempo, porque pressupõe a eliminação das tais montanhas do nosso egoísmo. Mas todo o progresso nesta direcção é uma vitória, que enche de alegria o coração.

    Oratio

    Senhor, quando vejo tantas pessoas que não receberam uma adequada transmissão da fé, reconheço a força pedagógica da tua palavra para o povo da Aliança. Impressiona-me a indiferença generalizada e sinto o zelo dos apóstolos em dar-Te conhecer, em dar a conhecer o teu projecto de amor, a tua paixão pela humanidade carenciada de mais profundo sentido religioso da vida.
    Infunde em nós o teu Espírito, para que possamos amar-Te com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças. Tu és o Deus dos nossos Pais, o Deus da criação, da páscoa e da aliança. Tu és o Deus santo e único. Tu és o Pai de Nosso Senhor Jesus. A Ti a glória, a honra e o louvor para sempre. Amen.

    Contemplatio

    Durante o retiro que fez para a sua profissão, Margarida Maria escreveu: «Eis as resoluções que o meu bem amado me dita: Eis a chaga do meu lado para aqui fazeres a tua morada, actual e perpétua. É lá que hás-de poder viver da vida de um Homem-Deus, viver como já não vivendo, a fim de que eu viva perfeitamente em ti, não procurando nada fora de mim... Envolver-te-ei com o meu poder... Que amar e sofrer cegamente seja a tua divisa: um só coração, um só amor, um só Deus!» E ela escreve com o seu sangue: Tudo de Deus e nada de mim; tudo para Deus e nada para mim; tudo para Deus e nada para mim!» Meditemos estes conselhos de união. (Leão Dehon, OSP 4, p. 348).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único!» (Dt 6, 4).

  • 19º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    19º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    13 de Agosto, 2023

    ANO A
    19º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 19º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 19º Domingo do Tempo Comum tem como tema fundamental a revelação de Deus. Fala-nos de um Deus apostado em percorrer, de braço dado com os homens, os caminhos da história.
    A primeira leitura convida os crentes a regressarem às origens da sua fé e do seu compromisso, a fazerem uma peregrinação ao encontro do Deus da comunhão e da Aliança; e garante que o crente não encontra esse Deus nas manifestações espectaculares, mas na humildade, na simplicidade, na interioridade.
    O Evangelho apresenta-nos uma reflexão sobre a caminhada histórica dos discípulos, enviados à "outra margem" a propor aos homens o banquete do Reino. Nessa "viagem", a comunidade do Reino não está sozinha, à mercê das forças da morte: em Jesus, o Deus do amor e da comunhão vem ao encontro dos discípulos, estende-lhes a mão, dá-lhes a força para vencer a adversidade, a desilusão, a hostilidade do mundo. Os discípulos são convidados a reconhecê-l'O, a acolhê-l'O e a aceitá-l'O como "o Senhor".
    A segunda leitura sugere que esse Deus, apostado em vir ao encontro dos homens e em revelar-lhes o seu rosto de amor e de bondade, tem uma proposta de salvação que oferece a todos. Convida-nos a estarmos atentos às manifestações desse Deus e a não perdermos as oportunidades de salvação que Ele nos oferece.

    LEITURA I - 1 Reis 19,9a.11-13a

    Leitura do Primeiro Livro dos Reis

    Naqueles dias,
    o profeta Elias chegou ao monte de Deus, o Horeb,
    e passou a noite numa gruta.
    O Senhor dirigiu-lhe a palavra, dizendo:
    «Sai e permanece no monte à espera do Senhor».
    Então, o Senhor passou.
    Diante d'Ele, uma forte rajada de vento
    fendia as montanhas e quebrava os rochedos;
    mas o Senhor não estava no vento.
    Depois do vento, sentiu-se um terramoto;
    mas o Senhor não estava no terramoto.
    Depois do terramoto, acendeu-se um fogo;
    mas o Senhor não estava no fogo.
    Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa.
    Quando o ouviu, Elias cobriu o rosto com o manto,
    saiu e ficou à entrada da gruta.

    AMBIENTE

    A nossa leitura situa-nos no Reino do Norte (Israel), durante o reinado de Acab (873-853 a.C.). No país multiplicam-se os lugares sagrados onde se adoram deuses estrangeiros. De acordo com 1 Re 16,31-33, o próprio rei - influenciado por Jezabel, a sua esposa fenícia - erige altares a Baal e Asserá e presta culto a esses deuses. Por detrás deste quadro está, provavelmente, a tentativa de Acab em abrir Israel a outras nações, a fim de facilitar o intercâmbio cultural e comercial. Mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel.
    Contra estes desvios à fé tradicional, levanta-se o profeta Elias. Ele aparece como o representante desses israelitas fiéis, que recusam a substituição de Jahwéh por deuses estranhos ao universo religioso de Israel. Num episódio dramático cuja memória é conservada no primeiro Livro dos Reis, o próprio Elias desafia os profetas de Baal para um duelo religioso, que termina com o massacre de quatrocentos profetas de Baal, no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma representação teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre os fiéis a Jahwéh e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.
    O texto que nos é proposto como primeira leitura aparece, precisamente, na sequência do massacre do Carmelo. Jezabel, informada da morte dos profetas de Baal, promete matar Elias; e o profeta foge para o sul, a fim de salvar a vida. Atravessa o Reino do Sul (Judá), passa por Beer-Sheva e dirige-se para o deserto, em direcção ao monte Horeb/Sinai (cf. 1 Re 19,1-8). É aí que o nosso texto nos situa.

    MENSAGEM

    A peregrinação de Elias ao Sinai/Horeb é uma espécie de regresso aos inícios. Com Elias, é todo o Israel - esse Israel infiel à aliança, que se deixou seduzir pelos cultos cananeus - que regressa às suas origens, ao lugar do seu compromisso inicial com Deus. Israel precisa de se encontrar de novo com Jahwéh e redescobrir a sua vocação de Povo da Aliança.
    A cena descrita pelo texto que nos é proposto contém uma clara alusão à revelação de Deus a Moisés (cf. Ex 19,16-17; 33,18-23; 34,5-8): assim como Deus Se revelou a Moisés no Sinai/Horeb, assim também Se revela a Elias no mesmo lugar. Dessas revelações resulta, para um e para outro, um compromisso com a Aliança... Depois de receber a revelação de Jahwéh, Moisés torna-se o instrumento através do qual Deus propõe ao Povo uma Aliança; e Elias, depois de receber a revelação de Jahwéh, torna-se o instrumento através do qual Deus relança uma Aliança ameaçada de ruptura, devido à infidelidade do Povo.
    Há, no entanto, uma diferença significativa... A Moisés, Deus revelou-Se no meio de fenómenos naturais aterrorizadores ("trovões e relâmpagos", uma "pesada nuvem", o "fumo" que envolvia toda a montanha, o "fogo", o terramoto que fazia a montanha tremer - Ex 19,16-17). A Elias, Deus não Se revelou nos elementos típicos das manifestações teofânicas (o vento forte que "fendia as montanhas e quebrava os rochedos", o terramoto, o fogo); mas revelou-Se na "brisa ligeira". Diante da manifestação de Deus, Elias cumpriu o ritual adequado: "cobriu o rosto com o manto", já que o homem não pode contemplar face a face o mistério de Deus.
    A intenção dos autores deuteronomistas não parece ser polemizar contra a catequese tradicional das manifestações de Deus... Parece ser, antes, distanciar Jahwéh de Baal, considerado na mitologia cananeia o deus do trovão e da tempestade, que fazia a terra tremer com a sua voz poderosa. A intenção fundamental do autor seria mostrar que Jahwéh não Se manifesta em fenómenos assombrosos e espectaculares, mas sim na intimidade, na tranquilidade, no silêncio que ecoa no coração de quem procura a comunhão com Deus.
    O encontro com esse Deus que Se manifesta no silêncio, na intimidade, na simplicidade, na humildade, na interioridade do coração do homem leva à acção (num desenvolvimento que o texto que nos é hoje proposto pela liturgia não apresenta, Jahwéh confia a Elias uma missão profética - cf. 1 Re 19,15-18): o encontro com Deus conduz sempre o homem a um empenho concreto e a um compromisso com o mundo.
    Com Elias, Israel é convidado a voltar aos inícios, a redescobrir as suas raízes de Povo de Deus, a reencontrar o rosto de Jahwéh (que é muito diferente dos rostos desses deuses que, todos os dias, seduzem o Povo e o af
    astam dos seus compromissos), a renovar a sua Aliança com Ele, a escutar a voz de Deus que ecoa no coração de cada membro da comunidade, a aceitar dar testemunho de Deus e dos seus projectos no meio do mundo.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode ter em conta os seguintes dados:

    • Quem é Deus? Como é Deus? É possível provar, sem margem para dúvidas, a existência de Deus? Estas e outras perguntas já as fizemos, certamente, a nós próprios ou a alguém. Todos nós somos pessoas a quem Deus inquieta: há um "qualquer coisa" no coração do homem que o projecta para o transcendente, que o leva a interrogar-se sobre Deus e a tentar descobrir o seu rosto... No entanto, Deus não é evidente. Se confiarmos apenas nos nossos sentidos, Deus não existe: não conseguimos vê-l'O com os nossos olhos, sentir o seu cheiro ou tocá-l'O com as nossas mãos. Mais ainda: nenhum instrumento científico, nenhum microscópio electrónico, nenhum radar espacial detectou jamais qualquer sinal sensível de Deus. Talvez por isso o soviético Yuri Gagarin, o primeiro homem do espaço, mal pôs os pés na terra apressou-se a afirmar que não tinha encontrado na estratosfera qualquer marca de Deus... O texto que nos é proposto convida todos aqueles que estão interessados em Deus, a descobri-l'O no silêncio, na simplicidade, na intimidade... É preciso calar o ruído excessivo, moderar a actividade desenfreada, encontrar tempo e disponibilidade para consultar o coração, para interrogar a Palavra de Deus, para perceber a sua presença e as suas indicações nos sinais (quase sempre discretos) que Ele deixa na nossa história e na vida do mundo... Tenho consciência de que preciso encontrar tempo para "buscar Deus"? De acordo com a minha experiência de procura, onde é que eu O encontro mais facilmente: na agitação e nos gestos espectaculares, ou no silêncio, na humildade e na simplicidade?

    • Hoje como ontem, há outros deuses, outras propostas de felicidade, que nos procuram seduzir e atrair... Há deuses que gritam alto (em todos os canais de televisão?) a sua capacidade de nos oferecer uma felicidade imediata; há deuses que, como um terramoto, fazem tremer as nossas convicções e lançam por terra os valores que consideramos mais sagrados; há deuses que, com a força da tempestade, nos arrastam para atitudes de egoísmo, de prepotência, de injustiça, de comodismo, de ódio... O nosso texto convida-nos a uma peregrinação ao encontro das nossas raízes, dos nossos compromissos baptismais... Temos, permanentemente, de partir ao encontro do Deus que fez connosco uma Aliança e que nos chama todos os dias à comunhão com Ele... Aceito percorrer este caminho de conversão? Encontro tempo para redescobrir o Deus da Aliança com quem me comprometi no dia do meu Baptismo? Quais são os falsos deuses que, às vezes, me afastam da comunhão com o verdadeiro Deus?

    • Na história de Elias (e na história de qualquer profeta), a descoberta de Deus leva ao compromisso, à acção, ao testemunho... Depois de encontrar o Deus da Aliança, aceito comprometer-me com Ele? Estou disposto a cumprir a missão que Ele me confia no mundo? Estou disponível para O testemunhar no meio dos meus irmãos?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 84 (85)

    Refrão: Mostrai-nos, Senhor, o vosso amor
    e dai-nos a vossa salvação.

    Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis
    e a quantos de coração a Ele se convertem.
    A sua salvação está perto dos que O temem
    e a sua glória habitará na nossa terra.

    Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
    abraçaram-se a paz e a justiça.
    A fidelidade vai germinar da terra
    e a justiça descerá do Céu.

    O Senhor dará ainda o que é bom
    e a nossa terra produzirá os seus frutos.
    A justiça caminhará à sua frente
    e a paz seguirá os seus passos.

    LEITURA II - Rom 9,1-5

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Eu digo a verdade, não minto,
    e disso me dá testemunho a consciência no Espírito Santo:
    Sinto uma grande tristeza e uma dor contínua no meu coração.
    Quisera eu próprio ser separado de Cristo
    por amor dos meus irmãos,
    que são do mesmo sangue que eu, que são israelitas,
    a quem pertencem a adopção filial, a glória, as alianças,
    a legislação, o culto e as promessas,
    a quem pertencem os Patriarcas
    e de quem procede Cristo segundo a carne,
    Ele que está acima de todas as coisas,
    Deus bendito por todos os séculos. Amen.

    AMBIENTE

    Depois de apresentar, nos primeiros oito capítulos da Carta aos Romanos, uma catequese sobre a salvação (apesar do pecado que submerge todos os homens e desfeia o mundo Deus, na sua bondade, oferece gratuitamente a todos os homens, através de Jesus Cristo, a salvação), Paulo vai referir-se, agora, a um problema particular, mas que o preocupa a ele e a todos os cristãos: que acontecerá a Israel que, apesar de ser o Povo eleito de Deus e o Povo da Promessa, recusou essa salvação que Cristo veio oferecer? Israel ficará, devido a essa recusa, definitivamente à margem da salvação? Na verdade, Deus jurou ao seu Povo, em vários momentos da história, libertá-lo e salvá-lo; ora, se Israel ficar excluído da salvação, podemos dizer que Deus falhou? Podemos continuar a confiar na sua Palavra? É a estas questões que, genericamente, Paulo procura responder nos capítulos 9-11 da Carta aos Romanos.
    O texto que nos é proposto como segunda leitura deste domingo é a introdução a esta questão.

    MENSAGEM

    Pelo texto perpassa a grande tristeza e dor que a questão levanta no coração de Paulo. O problema da salvação de Israel incomoda-o tanto que ele até aceitaria tornar-se "anátema" (no Antigo Testamento, o que era "anátema" devia ser totalmente destruído; no Novo Testamento, "anátema" equivale a "maldito" e implicava, quer a exclusão da comunidade do Povo de Deus, quer a maldição divina) e ser separado de Cristo, se isso servisse para que o Povo judeu aceitasse a salvação que Deus lhe oferece. Trata-se de expressões que são para levar a sério? Digamos, apenas, que são afirmações excessivas, mas que dão bem a ideia do sofrimento de Paulo e da sua preocupação com a sorte do seu Povo.
    Na verdade, Israel foi adoptado por Deus, é o Povo da Aliança, da Lei, do culto, das Promessas, dos antepassados que escutaram Deus e viveram em comunhão com Ele... Israel é, até, o Povo do qual nasceu Cristo; ora, esse Cristo que "está acima de todas as coisas" deixará o seu Povo "se
    gundo a carne" entregue à morte?
    A leitura que nos é hoje proposta não vai mais além; mas, no conjunto da sua reflexão sobre esta questão (cf. Rom 9,1-11,36), Paulo mostrará que Deus é eternamente fiel às suas promessas e que nunca falha... Ele tem os seus planos; e a desobediência actual de Israel deverá fazer parte dos planos de Deus. Paulo acabará, no final da secção, por manifestar a sua convicção de que a misericórdia de Deus se derramará também sobre Israel.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, ter em conta os seguintes desenvolvimentos:

    • Uma das coisas que impressiona, neste texto, é a forma como Paulo sente a infelicidade do seu Povo. A obstinação de Israel em recusar a salvação fá-lo sentir "uma grande tristeza e uma dor contínua" no coração. Todos nós conhecemos irmãos - mesmo baptizados - que recusam a salvação que Deus oferece ou que, pelo menos, vivem numa absoluta indiferença face à vida plena que Deus lhes quer dar. Como nos sentimos diante deles? Ficamos indiferentes e achamos que não é nada connosco? Deixamo-nos contaminar por essa indiferença e escolhemos, como eles, caminhos de egoísmo e de auto-suficiência? Ou sentimos que é nossa responsabilidade continuar a testemunhar diante deles os valores em que acreditamos e que conduzem à vida plena e verdadeira?

    • Este texto propõe-nos também uma reflexão sobre as oportunidades perdidas... Israel, apesar de todas as manifestações da bondade e do amor de Deus que conheceu ao longo da sua caminhada pela história, acabou por se instalar numa auto-suficiência que não lhe permitiu acompanhar o ritmo de Deus, nem descobrir os novos desafios que o projecto da salvação de Deus faz, em cada fase, aos homens. O exemplo de Israel faz-nos pensar no nosso compromisso com Deus... Em primeiro lugar, mostra-nos a importância de não nos instalarmos num esquema de vivência medíocre da fé e sugere que o "sim" a Deus do dia do nosso baptismo precisa de ser renovado em cada dia da nossa vida... Em segundo lugar, sugere que o cristão não pode instalar-se nas suas certezas e auto-suficiências, mas tem de estar atento aos desafios, sempre renovados, de Deus... Em terceiro lugar, sugere que o ter o nome inscrito no livro de registos da nossa paróquia não é um certificado de garantia de salvação (a salvação passa sempre pela adesão sempre renovada aos dons de Deus).

    ALELUIA - Salmo 129,5

    Aleluia. Aleluia.

    Eu confio no Senhor,
    a minha alma espera na sua palavra.

    EVANGELHO - Mt 14,22-33

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Depois de ter saciado a fome à multidão,
    Jesus obrigou os discípulos a subir para o barco
    e a esperá-l'O na outra margem,
    enquanto Ele despedia a multidão.
    Logo que a despediu,
    subiu a um monte, para orar a sós.
    Ao cair da tarde, estava ali sozinho.
    O barco ia já no meio do mar,
    açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário.
    Na quarta vigília da noite,
    Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar.
    Os discípulos, vendo-O a caminhar sobre o mar,
    assustaram-se, pensando que fosse um fantasma.
    E gritaram cheios de medo.
    Mas logo Jesus lhes dirigiu a palavra, dizendo:
    «Tende confiança. Sou Eu. Não temais».
    Respondeu-Lhe Pedro: «Se és Tu, Senhor,
    manda-me ir ter contigo sobre as águas».
    «Vem!» - disse Jesus.
    Então, Pedro desceu do barco e caminhou sobre as águas,
    para ir ter com Jesus.
    Mas, sentindo a violência do vento e começando a afundar-se,
    gritou: «Salva-me, Senhor!»
    Jesus estendeu-lhe logo a mão e segurou-o.
    Depois disse-lhe:
    «Homem de pouca fé, porque duvidaste?»
    Logo que saíram para o barco, o ventou amainou.
    Então, os que estavam no barco prostraram-se diante de Jesus,
    e disseram-Lhe:
    «Tu és verdadeiramente o Filho de Deus».

    AMBIENTE

    No passado domingo, Jesus foi-nos apresentado como o novo Moisés, que conduz "ao deserto" um povo de coração escravo. Aí, liberta-o da opressão do egoísmo, ao mostrar-lhe que os bens são um dom de Deus, destinados a ser partilhados com todos os homens. Nasce, assim, a comunidade do Reino - isto é, essa comunidade fraterna de amor e de partilha, que se senta à mesa de Deus e que d'Ele recebe vida em abundância (cf. Mt 14,13-21).
    O texto do Evangelho que hoje nos é proposto vem na sequência desse episódio. Mateus começa por observar que, depois desses sucessos, Jesus "obrigou os discípulos a subir para o barco e a esperá-l'O na outra margem, enquanto Ele despedia a multidão" (Mt 14,22). Esta nota pode indicar que Jesus quis arrefecer o entusiasmo excessivo dos discípulos (o autor do quarto Evangelho, a propósito do mesmo episódio, refere que Jesus Se retirou sozinho para o monte, pois sabia que "viriam arrebatá-l'O para O fazerem rei" - Jo 6,15).
    O episódio situa-nos na área do lago de Tiberíades ou da Genesaré, esse lago de água doce com 21 quilómetros de comprimento e 12 de largura situado na Galileia e que é o grande reservatório de água doce da Palestina.
    Para os judeus, o mar - e o lago de Tiberíades ou de Genesaré é considerado, para todos os efeitos, um "mar" - era o lugar onde habitavam os monstros, os demónios e todas as forças que se opunham à vida e à felicidade do homem. Na perspectiva da teologia judaica, no mar o homem estava à mercê das forças demoníacas; e só o poder de Deus podia salvá-lo...
    Recordemos, ainda, que o nosso texto está incluído numa secção (cf. Mt 13,1-17,27) do Evangelho segundo Mateus, a que poderíamos chamar "instrução sobre o Reino". Aí, Mateus põe Jesus a dirigir-Se sobretudo aos discípulos e a instruí-los sobre os valores e os mistérios do Reino. É neste contexto de catequese sobre o Reino que devemos situar o episódio que hoje nos é proposto.
    Lembremos, finalmente, que o Evangelho segundo Mateus - escrito durante a década de 80 - se destina a uma comunidade cristã que já esqueceu o seu entusiasmo inicial por Jesus e pelo seu Evangelho e que vive uma fé cómoda, instalada, pouco exigente. Para os crentes, avizinham-se grandes contrariedades e perseguições... A comunidade só poderá subsistir se confiar em Jesus, na sua presença, na sua protecção.

    MENSAGEM

    Depois de despedir a multidão e de obrigar os discípulos a embarcar para a outra margem, Jesus "subiu a um monte para orar, a sós". Mateus só se refere à oração de Jesus por duas vezes: aqui e no episódio do Getsemani (cf. Mt 26,36): em ambos os casos, a oraç
    ão precede um momento de prova para os discípulos.
    Enquanto Jesus está em diálogo com o Pai, os discípulos estão sozinhos, em viagem pelo lago. Essa viagem, no entanto, não é fácil nem serena... É de noite; o barco é açoitado pelas ondas e navega dificilmente, com vento contrário. Os discípulos estão inquietos e preocupados, pois Jesus não está com eles...
    O quadro refere-se, certamente, à situação da comunidade a que Mateus destina o seu Evangelho (e que não será muito diferente da situação de qualquer comunidade cristã, em qualquer tempo e lugar). A "noite" representa as trevas, a escuridão, a confusão, a insegurança em que tantas vezes "navegam" através da história os discípulos de Jesus, sem saberem exactamente que caminhos percorrer nem para onde ir... As "ondas" que açoitam o barco representam a hostilidade do mundo, que bate continuamente contra o barco em que viajam os discípulos... Os "ventos contrários" representam a oposição, a resistência do mundo ao projecto de Jesus - esse projecto que os discípulos testemunham... Quantas vezes, na sua viagem pela história, os discípulos de Jesus se sentem perdidos, sozinhos, abandonados, desanimados, desiludidos, incapazes de enfrentar as tempestades que as forças da morte e da opressão (o "mar") lançam contra eles...
    É aí, precisamente, que Jesus manifesta a sua presença. Ele vai ao encontro dos discípulos "caminhando sobre o mar" (vers. 26). No contexto da catequese judaica, só Deus "caminha sobre o mar" (Job 9,8b; 38,16; Sal 77,20); só Ele faz "tremer as águas e agitarem-se os abismos" (Sal 77,17); só Ele acalma as ondas e as tempestades (cf. Sal 107,25-30). Jesus é, portanto, o Deus que vela pelo seu Povo e que não deixa que as forças da morte (o "mar") o destruam. A expressão "sou Eu" reproduz a fórmula de identificação com que Deus se apresenta aos homens no Antigo Testamento (cf. Ex 3,14; Is 43,3.10-11); e a exortação "tende confiança, não temais" transmite aos discípulos a certeza de que nada têm a temer porque Jesus, o Deus que vence as forças da morte e da opressão acompanha a par e passo a sua caminhada histórica e dá-lhes a força para vencer a adversidade, a solidão e a hostilidade do mundo.
    Depois, Mateus narra uma cena exclusiva, que não é apresentada por nenhum outro evangelista: a do diálogo entre Pedro e Jesus (vers. 28-33). Tudo começa com o pedido de Pedro: "se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas". Pedro sai do barco e vai, de facto, ao encontro de Jesus; mas, assustando-se com a violência do vento, começa a afundar-se e pede a Jesus que o salve. Assim acontece, embora Jesus censure a sua pouca fé e as suas dúvidas.
    Pedro é, aqui, o porta-voz e o representante dessa comunidade dos discípulos que vai no barco (a Igreja). O episódio reflecte a fragilidade da fé dos discípulos, sempre que têm de enfrentar as forças da opressão, do egoísmo, da injustiça. Jesus comunicou aos seus o poder de vencerem todos os poderes deste mundo que se opõem à vida, à libertação, à realização, à felicidade dos homens. No entanto, enquanto enfrentam as ondas do mundo hostil e os ventos soprados pelas forças da morte, os discípulos debatem-se entre a confiança em Jesus e o medo. Mateus refere-se, desta forma, à experiência de muitos discípulos (da sua comunidade e das comunidades cristãs de todos os tempos e lugares) que seguem a Jesus de forma decidida, mas que se deixam abalar quando chegam as perseguições, os sofrimentos, as dificuldades... Então, começam a afundar-se e a ser submergidos pelo "mar" da morte, da frustração, do desânimo, da desilusão... No entanto, Jesus lá está para lhes estender a mão e para os sustentar.
    Finalmente, a desconfiança dos discípulos transforma-se em fé firme: "Tu és verdadeiramente o Filho de Deus" (vers. 33). É para aqui que converge todo o relato. Esta confissão reflecte a fé dos verdadeiros discípulos, que vêem em Jesus o Deus que vence o "mar", o Senhor da vida e da história que acompanha a caminhada dos seus, que lhes dá a força para vencer as forças da opressão e da morte, que lhes estende a mão quando eles estão desanimados e com medo e que não os deixa afundar.
    Quando é que os discípulos fizeram a descoberta de que Jesus era o Deus vencedor do pecado e da morte? Naturalmente, após a Páscoa, quando perceberam plenamente o mistério de Jesus (perceberam que Ele não era "um fantasma"), sentiram a sua presença no meio da comunidade reunida, experimentaram a sua ajuda nos momentos difíceis da caminhada, sentiram que Ele lhes transmitia a força de enfrentar as adversidades e a hostilidade do mundo, sentiram que Ele estava lá, estendendo-lhes a mão, nos momentos de fraqueza, de dificuldade, de falta de fé. É esta mesma experiência que Mateus nos convida também a fazer.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir dos seguintes elementos:

    • O Evangelho deste domingo é, antes de mais, uma catequese sobre a caminhada histórica da comunidade de Jesus, enviada à "outra margem", a convidar todos os homens para o banquete do Reino e a oferecer-lhes o alimento com que Deus mata a fome de vida e de felicidade dos seus filhos. Estamos dispostos a embarcar na aventura de propor a todos os homens o banquete do Reino? Temos consciência de que nos foi confiada a missão de saciar a fome do mundo? Aqueles que são deixados à margem dessa mesa onde se jogam os interesses e os destinos do mundo, que têm fome e sede de vida, de amor, de esperança, encontram em nós uma proposta credível e coerente que aponta no sentido de uma realidade de plenitude, de realização, de vida plena?

    • A caminhada histórica dos discípulos e o seu testemunho do banquete do Reino não é um caminho fácil, feito no meio de aclamações das multidões e dos aplausos unânimes dos homens. A comunidade (o "barco") dos discípulos tem de abrir caminho através de um mar de dificuldades, continuamente batido pela hostilidade dos adversários do Reino e pela recusa do mundo em acolher os projectos de Jesus. Todos os dias o mundo nos mostra - com um sorriso irónico - que os valores em que acreditamos e que procuramos testemunhar estão ultrapassados. Todos os dias o mundo insiste em provar-nos - às vezes com agressividade, outras vezes com comiseração - que só seremos competitivos e vencedores quando usarmos as armas da arrogância, do poder, do orgulho, da prepotência, da ganância... Como nos colocamos face a isto? É possível desempenharmos o nosso papel no mundo, com rigor e competência, sem perdermos as nossas referências cristãs e sem trairmos o Reino?

    • Para que seja possível viver de forma coerente e corajosa na dinâmica do Reino, os discípulos têm de estar conscientes da presença de Jesus, o Senhor da vida e da história, que as forças do mal nunca conseguirão vencer nem domesticar. Ele diz aos discípulos, tantas vezes desanimados e assustados face às dificuldades e às perseguições: "tende confiança. Sou Eu. Não temais". Os discípulos sabem, assim, que não há qualquer razão para se deixarem afundar no desespero e na desilusão. Mesmo quando a sua fé vacila, eles sabem que a mão de Jesus está lá, estendida, para que eles não sejam submergidos pelas forças do egoísmo, da injustiça, da morte. Nada nem ninguém poderá roubar a vida àqueles que lutam para instaurar o Reino. Jesus, vivo e ressuscitado, não deixa nunca que sejamos vencidos.

    • A oração de Jesus (que em Mateus antecede os momentos de prova) convida-nos a manter um diálogo íntimo com o Pai. É nesse diálogo que os discípulos colherão o discernimento para perceberem os caminhos de Deus, a força para seguir Jesus, a coragem para enfrentar a hostilidade do mundo.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 19º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. O MISTÉRIO DO SILÊNCIO.
    Durante este período estival, são numerosos os que, pequenos e grandes, deixaram a cidade à procura de silêncio e calma. Em ligação com a primeira leitura, poder-se-ia chamar a atenção para o mistério deste silêncio. No silêncio, o cristão aprende a recolher-se para se abrir à presença de Deus. É a ocasião para verificar se o ritmo que anima a celebração da missa é um ritmo em que alternam de maneira harmoniosa o silêncio, a palavra, a música e o cântico.

    3. A PROFISSÃO DE FÉ.
    O fim do texto evangélico culmina na confissão de fé daqueles que estão no barco, isto é, a comunidade eclesial: "Verdadeiramente, Tu és o Filho de Deus!" Poder-se-á valorizar hoje a profissão de fé, com uma breve introdução ou escolhendo outra fórmula de profissão de fé prevista no missal (símbolo dos apóstolos, credo baptismal...).

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Deus todo-poderoso e Mestre do universo, porque nos convidas a reconhecer-Te no silêncio, como um sopro de vida, que renova a face da terra. Nós Te bendizemos, porque nos falas ao coração.
    Nós Te pedimos pelos pregadores e pelos catequistas, chamados a fazer conhecer o teu rosto e a preparar os encontros contigo. Guia-os!

    No final da segunda leitura:
    Nós Te damos graças, Pai dos homens. Preparaste longamente a vinda do teu Filho, adoptando um povo. Por Ele deste aos homens a Lei da vida, manifestaste as tuas promessas e ensinaste a rezar-Te. Bendito sejas.
    Com o apóstolo Paulo, nós Te pedimos pelo teu primeiro povo, no qual o teu Filho tomou rosto de homem, e por todos os povos da terra.

    No final do Evangelho:
    Cristo Jesus, mesmo quando somos ameaçados pelas tempestades da nossa terra e a barca da tua Igreja é sacudida pelas vagas, nós Te bendizemos, por causa da tua ressurreição: verdadeiramente, Tu és o Filho de Deus!
    Com Pedro, nós Te suplicamos: salva-nos! Dá-nos o teu Espírito de confiança, para nos conduzir contigo pelos caminhos da vida.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística II para a Reconciliação.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Fechar os olhos e escutar... Na invasão sonora que nos envolve - e por vezes nos agride - escutamos a voz do nosso Deus? Porque não? Entretanto, tomemos, de vez em quando, o risco do silêncio e da solidão. "Ao largo... para rezar". É aí, com Jesus, que poderemos ouvir a voz do nosso Pai.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum – Anos Ímpares – XIX Semana – Segunda-feira

    Tempo Comum – Anos Ímpares – XIX Semana – Segunda-feira

    14 de Agosto, 2023

    Tempo Comum – Anos Ímpares – XIX Semana – Segunda-feira

    Lectio

    Primeira Leitura: Deuteronómio 10, 12-22

    Naqueles dias, Moisés falou ao povo, dizendo: 12«Agora, Israel, o que o Senhor, teu Deus, exige de ti é que temas o Senhor, teu Deus, para seguires todos os seus caminhos, para o amares, para servires o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma, 13observando os mandamentos do Senhor e os preceitos que hoje te prescrevo, para teu bem. 14Ao Senhor, teu Deus, pertencem os céus e os céus dos céus, a terra e tudo o que nela existe. 15No entanto, foi só a teus pais que o Senhor se apegou com amor. Elegeu a sua descendência, que sois vós, dentre todos os povos, como ainda hoje. 16Circuncidai, portanto, a impureza do vosso coração e não endureçais mais a vossa cerviz, 17porque o Senhor, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus supremo, poderoso e temível, que não faz distinção de pessoas nem aceita presentes. 18Ele faz justiça ao órfão e à viúva, ama o estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário. 19Amarás o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egipto. 20Temerás o Senhor, teu Deus; a Ele só servirás! Apega-te a Ele e não jures senão pelo seu nome! 21Ele é a tua glória; Ele é o teu Deus, que fez por ti essas grandes e prodigiosas coisas, que teus olhos viram. 22Os teus antepassados eram em número de setenta, quando entraram no Egipto; mas agora o Senhor, teu Deus, tornou-vos tão numerosos como as estrelas do céu.».

    Começamos a semana a escutar o segundo discurso de Moisés aos Israelitas. Trata-se de um texto teológica e espiritualmente forte. Moisés incita o povo à fidelidade ao Senhor. Começa por resumir o essencial do discurso anterior: amar e servir a Deus com todo o coração e com toda a alma, observando os mandamentos. Mas ao primeiro mandamento, o do amor a Deus, acrescenta-se, agora, o segundo, o do amor ao próximo.
    Depois de uma série de títulos teológicos de Javé, «Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus supremo, poderoso e temível, que não faz distinção de pessoas nem aceita presente» (v. 17), afirma-se o seu amor universal, especialmente para com os humildes e carenciados: «Ele faz justiça ao órfão e à viúva, ama o estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário» (v. 18). Salientam-se três tipos de pobreza: a do órfão, a da viúva, a do estrangeiro. O modo de ser e de actuar de Deus indica o modo de ser e de actuar do seu povo, que deve ter sempre bem presente tudo quanto por ele fez o Senhor (cf. v. 19).
    No centro do discurso, aparece a expressão «circuncisão do coração» (v. 16), que tem o sabor da tradição profética, e que tem uma insinuação de grande valor teológico: não fazer da circuncisão, sinal da aliança, motivo de vaidade, nem uma simples praxe material que assegura a pertença ao Senhor e ao povo. O essencial é ter um coração dócil e sensível ao amor do Senhor, estar sempre pronto a louvá-lo e a usar de misericórdia para com os carenciados, como Ele a usa para connosco.

    Evangelho: Mateus 17, 22-27

    Naquele tempo, 22estando os discípulos reunidos na Galileia, Jesus disse-lhes: «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens, 23que o matarão; mas, ao terceiro dia, ressuscitará.» E eles ficaram profundamente consternados. 24Entrando em Cafarnaúm, aproximaram-se de Pedro os cobradores do imposto do templo e disseram-lhe: «O vosso Mestre não paga o imposto?» 25Ele respondeu: «Paga, sim». Quando chegou a casa, Jesus antecipou-se, dizendo: «Simão, que te parece? De quem recebem os reis da terra impostos e contribuições? Dos seus filhos, ou dos estranhos?» 26E como ele respondesse: «Dos estranhos», Jesus disse-lhe: «Então, os filhos estão isentos. 27No entanto, para não os escandalizarmos, vai ao mar, deita o anzol, apanha o primeiro peixe que nele cair, abre-lhe a boca e encontrarás lá um estáter. Toma-o e dá-lho por mim e por ti.»

    Na primeira parte do nosso texto, a paixão paira sobre Jesus como algo próximo e inevitável. Jesus vê agora, não com os olhos do «eu» pessoal, que tem de se inclinar perante uma vontade superior (cf Mt 16, 21-27), mas com os olhos do Filho do homem para quem nada está oculto. Um só dos verbos, utilizados nesta parte, está na voz activa: o matarão (v. 23). Todos os outros estão na voz passiva: «ser entregue» (v. 22) nas mãos dos homens (em geral), nas mãos «dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei» (16, 21), isto é, das instituições religiosas hebraicas; «será ressuscitado» (talvez seja melhor traduzir assim do que «ressuscitará»- v. 23), indica a esperança de Jesus na acção do Pai.
    Jesus sabe para onde caminha. O seu destino está anunciado nas antigas profecias. Fala de Si como «Filho do homem», representante do povo dos santos que, depois da perseguição, há-de receber todo o poder (Dn 7): «Todo o poder me foi dado no céu e na terra», dirá o Ressuscitado (Mt 28, 18). A paixão, entrega na mão de todos os homens, torna-se entrega nas mãos do Pai, manifestação da sua glorificação.
    A segunda parte do texto evangélico refere um episódio relacionado com a questão do pagamento do imposto do templo. Em Mt 22, 15-22 surgirá a questão do pagamento de impostos aos dominadores pagãos, problema que continuará a afligir a comunidade cristã (cf. Rm 13, 6s.). Tem de pagar imposto para o templo quem é «maior que o templo»? (cf. Mt 12, 6), quem é «o Filho de Deus vivo»? (16, 18). Paga para não escandalizar. A hora da reedificação do novo templo ainda não chegou.

    Meditatio

    A primeira leitura afirma: «O Senhor, vosso Deus é…poderoso e temível» (v. 17). O poder de Deus não o faz prepotente, como acontece, muitas vezes, entre os homens. Ao seu poder, Deus junta uma extrema delicadeza e atenção para com as pessoas, e uma grande preocupação pela justiça: «Não faz distinção de pessoas nem aceita presentes… faz justiça ao órfão e à viúva, ama o estrangeiro» (vv. 17-18). Este texto prepara a revelação do Deus generoso, do Deus que é justo e torna justos. É um texto rico de exortações à fidelidade, à docilidade, ao temor e ao amor de Deus, para estar sempre em relação com Ele: «Agora, Israel, o que o Senhor, teu Deus, exige de ti é que temas o Senhor, teu Deus, para seguires todos os seus caminhos, para o amares, para servires o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma» (v. 12).
    No meio de todas estas exortações, encontramos apenas um preceito: «Amarás o estrangeiro» (v. 19). Aqui se revela a generosidade divina, e se há-de revelar a nossa: não amar apenas a própria família, os ami
    gos, os vizinhos e conhecidos, mas também o forasteiro, o desconhecido. Um preceito de extrema actualidade para nós e para as nossas comunidades cristãs…
    O evangelho mostra-nos a força e a delicadeza de Jesus. Solicitado a pagar a taxa para o templo, sabe que não está obrigado a isso, pois é Filho de Deus: «De quem recebem os reis da terra impostos e contribuições? Dos seus filhos, ou dos estranhos?» (v. 25), pergunta o Senhor a Pedro. O Apóstolo não hesita na resposta: «Dos estranhos» (v. 26). Mas Jesus, com grande delicadeza, dispõe-se a pagar. Quer evitar escândalos. Mas usa o seu poder para obter o dinheiro necessário: «Vai ao mar, deita o anzol, apanha o primeiro peixe que nele cair, abre-lhe a boca e encontrarás lá um estáter. Toma-o e dá-lho por mim e por ti» (v. 27).
    As nossas capacidades hão-de servir, não para obtermos vantagens mais ou menos lícitas, mas para ajudar aqueles que precisam. A defesa dos nossos direitos não pode ser feita à custa de outras pessoas. Em tudo havemos de procurar que os outros possam descobrir a bondade e a generosidade de Deus. Lembremos que amar não é só partilhar os nossos bens, o nosso tempo, a nossa cultura, as nossas capacidades. É, sobretudo, revelação e partilha de nós mesmos.
    Na vida comunitária, é fundamental a delicadeza e a capacidade de nos darmos a nós mesmos, de não nos apegarmos aos nossos “direitos”. Daí a importância de promover a confiança, o respeito, a estima das pessoas na comunidade. Se as pessoas não se sentirem amadas, cercadas de confiança, de estima, de delicadeza, terão medo e vergonha. Fechar-se-ão em si mesmas, tornando-se estéreis.

    Oratio

    Senhor, que em todas as situações eu faça memória da tua presença, poderosa e delicada. Que a minha oração e a minha caridade seja louvor perene ao teu amor universal. Que em tudo eu proclame que Te amo com todo o coração e com todas as forças. Mas que, ao mesmo tempo, não esqueça os irmãos, que também são tua presença, que são caminho e meio para chegar à comunhão Contigo. Amen.

    Contemplatio

    Falar da caridade de S. Vicente de Paulo é um lugar comum. Ele foi o rei da caridade nestes últimos séculos, e a Igreja declarou-o patrono de todas as obras de caridade. Fundou as Irmãs da caridade, isso bastaria para o caracterizar. E este instituto tornou-se um modelo que muitos outros imitaram. Desde que visse uma miséria ou um sofrimento, era necessário que lhe levasse remédio; e se se tratasse de uma miséria habitual e espalhada procurava fundar um instituto ou uma obra que se dedicasse a socorrer este infortúnio. Os órfãos, as meninas abandonadas, os condenados às galés, os filhos dos camponeses atraíram uns atrás dos outros a sua solicitude. O seu coração transbordava de misericórdia. A Providência quis que este coração fosse honrado na primacial de Lyon, como uma fonte de caridade e uma cópia do Coração de Jesus. Todas as obras de hoje parecem ainda sair deste coração. As conferências de S. Vicente de Paulo não foram o ponto de partida de todo o movimento social cristão, que é uma nova expansão da caridade de Cristo? Amemos Nosso Senhor e o nosso próximo, e a Providência servir-se-á de nós para fundar obras ou desenvolvê-las. (Leão Dehon, OSP 4, p. 73).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Deus faz distinção de pessoas nem aceita presentes» (Dt 10, 17)

  • Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria


    15 de Agosto, 2023

    Tema da Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Bendita és tu, Maria! Hoje, Jesus ressuscitado acolhe a sua mãe na glória do céu... Hoje, Jesus vivo, glorificado à direita do Pai, põe sobre a cabeça da sua mãe a coroa de doze estrelas...
    Primeira leitura: Maria, imagem da Igreja. Como Maria, a Igreja gera na dor um mudo novo. E como Maria, participa na vitória de Cristo sobre o Mal.
    Salmo: Bendita és tu, Virgem Maria! A esposa do rei é Maria. Ela tem os favores de Deus e está associada para sempre à glória do seu Filho.
    Segunda leitura: Maria, nova Eva. Novo Adão, Jesus faz da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para todos os homens.
    Evangelho: Maria, Mãe dos crentes. Cheia do Espírito Santo, Maria, a primeira, encontra as palavras da fé e da esperança: doravante todas as gerações a chamarão bem-aventurada!

    LEITURA I - Ap 11,19a;12,1-6a.10ab

    Leitura do Apocalipse de São João

    O templo de Deus abriu-se no Céu
    e a arca da aliança foi vista no seu templo.
    Apareceu no Céu um sinal grandioso:
    uma mulher revestida de sol,
    com a lua debaixo dos pés
    e uma coroa de doze estrelas na cabeça.
    Estava para ser mãe
    e gritava com as dores e ânsias da maternidade.
    E apareceu no Céu outro sinal:
    um enorme dragão cor de fogo,
    com sete cabeças e dez chifres
    e nas cabeças sete diademas.
    A cauda arrastava um terço das estrelas do céu
    e lançou-as sobre a terra.
    O dragão colocou-se diante da mulher que estava para ser mãe,
    para lhe devorar o filho, logo que nascesse.
    Ela teve um filho varão,
    que há-de reger todas as nações com ceptro de ferro.
    O filho foi levado para junto de Deus e do seu trono
    e a mulher fugiu para o deserto,
    onde Deus lhe tinha preparado um lugar.
    E ouvi uma voz poderosa que clamava no Céu:
    «Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus
    e o domínio do seu Ungido».

    BREVE COMENTÁRIO

    As visões do Apocalipse exprimem-se numa linguagem codificada. Elas revelam que Deus arranca os seus fiéis de todas as formas de morte. Por transposição, a visão o sinal grandioso pode ser aplicada a Maria.
    O livro do Apocalipse foi composto no ambiente das perseguições que se abatiam sobre a jovem Igreja, ainda tão frágil. O profeta cristão evoca estes acontecimentos numa linguagem codificada, em que os animais terrificantes designam os perseguidores. A Mulher pode representar a Igreja, novo Israel, o que sugere o número doze (as estrelas). O seu nascimento é o do baptismo que deve dar à terra uma nova humanidade. O Dragão é o perseguidor, que põe tudo em acção para destruir este recém-nascido. Mas o destruidor não terá a última palavra, pois o poder de Deus está em acção para proteger o seu Filho.
    Proclamando esta mensagem na Assunção, reconhecemos que, no seguimento de Jesus e na pessoa de Maria, a nova humanidade já é acolhida junto de Deus.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 44 (45)

    Refrão 1: À vossa direita, Senhor, a Rainha do Céu,
    ornada do ouro mais fino.

    Refrão 2: À vossa direita, Senhor, está a Rainha do Céu.

    Ao vosso encontro vêm filhas de reis,
    à vossa direita está a rainha, ornada com ouro de Ofir.

    Ouve, minha filha, vê e presta atenção,
    esquece o teu povo e a casa de teu pai.

    Da tua beleza se enamora o Rei;
    Ele é o teu Senhor, presta-Lhe homenagem.

    Cheias de entusiasmo e alegria,
    entram no palácio do Rei.

    LEITURA II - 1 Cor 15,20-27

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Cristo ressuscitou dos mortos,
    como primícias dos que morreram.
    Uma vez que a morte veio por um homem,
    também por um homem veio a ressurreição dos mortos;
    porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram,
    assim também em Cristo serão todos restituídos à vida.
    Cada qual, porém, na sua ordem:
    primeiro, Cristo, como primícias;
    a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda.
    Depois será o fim,
    quando Cristo entregar o reino a Deus seu Pai
    depois de ter aniquilado toda a soberania, autoridade e poder.
    É necessário que Ele reine,
    até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés.
    E o último inimigo a ser aniquilado é a morte,
    porque Deus tudo colocou debaixo dos seus pés.
    Mas quando se diz que tudo Lhe está submetido
    é claro que se exceptua Aquele que Lhe submeteu todas as coisas.

    BREVE COMENTÁRIO

    A Assunção é uma forma privilegiada de Ressurreição. Tem a sua origem na Páscoa de Jesus e manifesta a emergência de uma nova humanidade, em que Cristo é a cabeça, como novo Adão.
    Todo o capítulo 15 desta epístola é uma longa demonstração da ressurreição. Na passagem escolhida para a festa da Assunção, o apóstolo apresenta uma espécie de genealogia da ressurreição e uma ordem de prioridade na participação neste grande mistério. O primeiro é Jesus, que é o princípio de uma nova humanidade. Eis porque o apóstolo o designa como um novo Adão, mas que se distingue absolutamente do primeiro Adão; este tinha levado a humanidade à morte, ao passo que o novo Adão conduz aqueles que o seguem para a vida.
    O apóstolo não evoca Maria, mas se proclamamos esta leitura na Assunção, é porque reconhecemos o lugar eminente da Mãe de Deus no grande movimento da ressurreição.

    ALELUIA
    Aleluia. Aleluia.

    Maria foi elevada ao Céu;
    alegra-se a multidão dos Anjos.

    EVANGELHO - Lc 1,39-56
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naqueles dias,
    Maria pôs-se a caminho
    e dirigiu-se apressadamente para a montanha,
    em direcção a uma cidade de Judá.
    Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
    Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
    o menino exultou-lhe no seio.
    Isabel ficou cheia do Espírito Santo
    e exclamou em alta voz:
    «Bendita és tu entre as mulheres
    e bendito é o fruto do teu ventre.
    Donde me é dado
    que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
    Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos
    a voz da tua saudação,
    o menino exultou de alegria no meu seio.
    Bem-aventurada aquela que acreditou
    no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito
    da parte do Senhor».
    Maria disse então:
    «A minha alma glorifica o Senhor
    e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
    porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
    de hoje em diante me chamarão bem-aventurada
    todas as gerações.
    O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas:
    Santo é o seu nome.
    A sua misericórdia se estende de geração em geração
    sobre aqueles que O temem.
    Manifestou o poder do seu braço
    e dispersou os soberbos.
    Derrubou os poderosos de seus tronos
    e exaltou os humildes.
    Aos famintos encheu de bens
    e aos ricos despediu de mãos vazias.
    Acolheu a Israel, seu servo,
    lembrado da sua misericórdia,
    como tinha prometido a nossos pais,
    a Abraão e à sua descendência para sempre».
    Maria ficou junto de Isabel cerca de três meses
    e depois regressou a sua casa.

    BREVE COMENTÁRIO

    O cântico de Maria descreve o programa que Deus tinha começado a realizar desde o começo, que ele prosseguiu em Maria e que cumpre agora na Igreja, para todos os tempos.
    Pela Visitação que teve lugar na Judeia, Maria levava Jesus pelos caminhos da terra. Pela Dormição e pela Assunção, é Jesus que leva a sua mãe pelos caminhos celestes, para o templo eterno, para uma Visitação definitiva. Nesta festa, com Maria, proclamamos a obra grandiosa de Deus, que chama a humanidade a se juntar a ele pelo caminho da ressurreição.
    Em Maria, Ele já realizou a sua obra na totalidade; com ela, nós proclamamos: "dispersou os soberbos, exaltou os humildes". Os humildes são aqueles que crêem no cumprimento das palavras de Deus e se põem a caminho, aqueles que acolhem até ao mais íntimo do seu ser a Vida nova, Cristo, para o levar ao nosso mundo. Deus debruça-se sobre eles e cumpre neles maravilhas.

    Rezar por Maria.
    Frequentemente, ouvimos a expressão: "rezar à Virgem Maria"... Esta maneira de falar não é absolutamente exacta, porque a oração cristã dirige-se a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os nossos irmãos protestantes que, contrariamente ao que se pretende, por vezes têm a mesma fé que os católicos e os ortodoxos na Virgem Maria Mãe de Deus, recordam-nos que Maria é e se diz ela própria a Serva do Senhor.
    Rezar por Maria é pedir que ela reze por nós: "Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte!" A sua intervenção maternal em Caná resume bem a sua intercessão em nosso favor. Ela é nossa "advogada" e diz-nos: "Fazei tudo o que Ele vos disser!"

    Rezar com Maria.
    Ela está ao nosso lado para nos levar na oração, como uma mãe sustenta a palavra balbuciante do seu filho. Na glória de Deus, na qual nós a honramos hoje, ela prossegue a missão que Jesus lhe confiou sobre a Cruz: "Eis o teu Filho!" Rezar com Maria, mais que nos ajoelharmos diante dela, é ajoelhar-se ao seu lado para nos juntarmos à sua oração. Ela acompanha-nos e guia-nos na nossa caminhada junto de Deus.

    Rezar como Maria.
    Aprendemos junto de Maria os caminhos da oração. Na escola daquela que "guardava e meditava no seu coração" os acontecimentos do nascimento e da infância de Jesus, nós meditamos o Evangelho e, à luz do Espírito Santo, avançamos nos caminhos da verdade. A nossa oração torna-se acção de graças no eco ao Magnificat. Pomos os nossos passos nos passos de Maria para dizer com ela na confiança: "que tudo seja feito segundo a tua Palavra, Senhor!"

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE MARIA
    (tópicos inspirados em "Signes d'aujourd'hui")

    1. A liturgia meditada ao longo da semana.
    Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade da Assunção de Maria, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. Confiar o Magnificat a uma voz de mulher.
    No Evangelho, excepcionalmente, porque não confiar o "Magnificat" a uma voz de mulher que poderia lê-lo ou cantá-lo?

    3. Pensar na participação das crianças.
    Uma festa é bem conseguida quando se consegue congregar todas as gerações. Seria bom pensar em particular na participação das crianças: ficarem à volta da estátua de Nossa Senhora durante a procissão do ofertório; fazerem uma oração a Nossa Senhora no final da celebração...

    4. Oração na lectio divina.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Pai do céu, juntamos as nossas vozes à que nos vem do céu para proclamar: Eis agora a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus e o poder do seu Cristo. Glória a Ti, Deus de vida.
    Nós Te pedimos pelas tuas Igrejas, ameaçadas pelos «dragões» da nossa época: a indiferença, as religiosidades desviadas e as perseguições".

    No final da segunda leitura:
    "Deus Pai, nós Te damos graças pela ressurreição que manifestaste pelo teu Filho Jesus, o novo Adão, e pela assunção na vida gloriosa que revelas em Maria, mãe do teu Filho.
    Nós Te confiamos os nossos defuntos e as famílias em luto. Releva-nos pela promessa da ressurreição. Transformas as nossas penas em esperança".

    No final do Evangelho:
    "Nós Te bendizemos, Deus do universo, porque pelo teu Filho ainda pequeno e pela sua mãe, Maria, visitaste o teu povo, vieste até nós. Felizes aqueles que acreditam no cumprimento da tua Palavra.
    Nós Te pedimos pelas nossas comunidades cristãs, encarregadas, como Maria, de levar Cristo ao mundo. Como fizeste por ela, guia-nos pelo teu Espírito Santo".

    5. Oração Eucarística.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, em que a primeira intercessão exprime bem o mistério deste dia.

    6. Palavra para o caminho.
    Um tríplice segredo... A meio do verão, eis uma festa para nos fazer parar junto de Maria e receber dela um tríplice segredo: o segredo da fé sem falha tão bem ajustada a Deus ("Eis a serva do Senhor"...); o segredo da sua esperança confiante em Deus ("nada é impossível a Deus"...); o segredo da sua caridade missionária ("Maria pôs-se a caminho apressadamente"...). E nós podemos pedir-lhe para nos acompanhar no caminho das nossas vidas...

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XIX Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XIX Semana - Quarta-feira

    16 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira Leitura: Deuteronómio 34, 1-12

    Naqueles dias, 1Moisés subiu das planícies de Moab ao monte Nebo, ao cimo do Pisga, que está em frente de Jericó. O Senhor mostrou-lhe toda a terra, desde Guilead até Dan, 2todo o Neftali, o território de Efraim e de Manassés, todo o território de Judá até ao mar ocidental, 3o Négueb, o Quicar, no vale de Jericó, cidade das Palmeiras, até Soar. 4O Senhor disse-lhe: «Esta é a terra que jurei dar a Abraão, Isaac e Jacob. Dá-la-ei à vossa descendência. Viste-a com os teus olhos, mas não entrarás nela.» 5E Moisés, o servo de Deus, morreu ali, na terra de Moab, por determinação do Senhor. 6Foi sepultado num vale da terra de Moab, defronte de Bet-Peor, mas ninguém até hoje soube do lugar da sua sepultura. 7Moisés tinha cento e vinte anos quando morreu; a sua vista nunca enfraqueceu e o seu vigor nunca se esgotou. 8Os filhos de Israel choraram Moisés, nas planícies de Moab, durante trinta dias até se completarem os dias de pranto por Moisés. 9Josué, filho de Nun, ficou cheio do espírito de sabedoria, porque Moisés lhe tinha imposto as mãos; os filhos de Israel obedeceram-lhe e procederam como o Senhor havia ordenado a Moisés. 10Nunca mais surgiu em Israel um profeta semelhante a Moisés, com quem o Senhor falava face a face. 11Ninguém se lhe assemelhou em todos os sinais e prodígios que o Senhor lhe mandou fazer na terra do Egipto contra o faraó, contra os seus servos e todo o país, 12nem em todas as acções da sua mão poderosa nem em todas as grandes maravilhas que Moisés realizou na presença de todo o Israel.

    Escutamos, hoje, o relato da morte de Moisés. Com ele, termina o Pentateuco, em que Moisés é grande protagonista. O relato é sucinto e sem dramatismos. Os sentimentos do povo e de Moisés já foram referidos noutro lugar (Dt 3, 23-26). O Senhor toma a palavra para apresentar a terra, prova da sua fidelidade a Moisés e ao povo, mas também aos patriarcas que receberam a promessa: Abraão, Isaac, Jacob... Deus é fiel às suas promessas. Depois, acontece a morte e a sepultura de Moisés, «servo do Senhor». Este título fica-lhe bem, porque foi eleito para executar os desígnios de Deus, e porque se entregou completamente a essa missão. A narrativa conclui com um elogio típico dos homens que deixaram marcas na história, mas com as características únicas de Moisés: «com quem o Senhor falava face a face» (v. 10). Ele é o homem dos sinais e prodígios, o homem do êxodo, da páscoa, da libertação e da liberdade. A sua memória fica unida à dos antigos patriarcas. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob é também o Deus de Moisés.

    Evangelho: Mateus 18, 15-20

    Naquele tempo, disse Jesus aos discípulos: 15«Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão. 16Se não te der ouvidos, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. 17Se ele se recusar a ouvi-las, comunica-o à Igreja; e, se ele se recusar a atender à própria Igreja, seja para ti como um pagão ou um cobrador de impostos. 18Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na Terra será desligado no Céu.» 19«Digo-vos ainda: Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedir qualquer coisa, hão-de obtê-la de meu Pai que está no Céu. 20Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles.»

    Jesus continua a tratar das relações dos discípulos com os irmãos, isto é, os pequenos, os pecadores, os colaboradores. A questão central, hoje, é a seguinte: como deve a comunidade cristã comportar-se perante o pecado e o escândalo (18, 3-11), e perante o pecador?
    Mateus já convidou à misericórdia, ao contar a parábola da ovelha tresmalhada. Agora, apresenta um itinerário que leva ao perdão: aproximar do pecador, a sós (v. 15); repreendê-lo diante de duas ou três testemunhas (v. 16); interpelá-lo na assembleia (v. 17). Jesus confere aos seus discípulos um poder especial, para realizar esta pedagogia (v. 18).
    O irmão só pode ser condenado quando teimar permanecer no mal, recusando a conversão e o perdão (vv. 15-17). Nesse caso, Deus ratifica o agir da Igreja.
    A correcção fraterna deve ser realizada, com extrema delicadeza e espírito fraterno, num ambiente de união e de oração, que garante a presença do Ressuscitado.

    Meditatio

    Moisés não pôde terminar a grande empresa divina começada com o êxodo do Egipto. Apesar das suas qualidades, e de todas as graças recebidas, não concluiu a missão. Fez a parte principal, deixando a conclusão a Josué. «Esta é a terra que jurei dar a Abraão, Isaac e Jacob. Dá-la-ei à vossa descendência. Viste-a com os teus olhos, mas não entrarás nela», diz-lhe o Senhor (v. 4). O grande condutor de Israel, pode observar a terra prometida, do alto do monte Nebo, mas morre antes de nela entrar. Nada no Antigo Testamento é perfeito, nada é pleno cumprimento do projecto de Deus. Há muitas prefigurações, mas nenhuma delas é perfeita. Moisés na libertação do Egipto e na marcha pelo deserto, e Josué na conclusão dessa marcha e na entrada na terra, prefiguraram, um e outro, um aspecto da obra de Cristo. O mistério de Cristo é tão rico que não pode ser prefigurado por uma só vida humana. Foi o que sucedeu com Abel. Prefigurou o mistério de Cristo porque, morto pelo seu irmão, Caim, manifestou-se vivo depois da morte: a voz do seu sangue clamava... É uma figura imperfeita da ressurreição de Cristo. Isaac, conduzido ao Moriá para ser sacrificado, sai vivo do sacrifício, prefigurando também parcialmente a ressurreição de Cristo, que saiu vivo do seu sacrifício, mas por ter vencido a morte... Na história de José, odiado pelo irmãos que queriam matá-lo, vemos uma prefiguração da paixão de Jesus. Mas José não é morto e, também aqui, estamos diante de uma prefiguração imperfeita. José foi reencontrado vivo no Egipto, sem ter passado pela morte. O mesmo sucede com todas as outras prefigurações do Antigo Testamento, onde vemos um aspecto do mistério de Cristo, mas não o mistério na sua totalidade. O reino de David prefigura o reino de Cristo. Mas David não estava em condições para edificar a casa de Deus. Salomão construiu o templo. Mas é apenas um edifício material, e não a verdadeira "casa" de Deus. O verdadeiro templo, como vemos no evangelho de João, é Cristo ressuscitado. Só Ele é plenitude. Cristo realiza todas as prefigurações, e realiza no seu mistério pascal uma extraordinária síntese de todos os aspectos do plano de Deus.

    Cristo é a plenitude da graça. Somos chamados a viver unidos a Ele, na fidelidade aos seus ensinamentos, na comunhão com a sua pessoa, na fidelidade ao seu exemplo, especialmente no que se refere ao amor recíproco. Procurando cada um de nós viver assim, criamos uma atmosfera espiritual cheia da presença de Cristo que une, cheia pela certeza de sermos um lugar habitado, ou um espaço teologal onde vive o Ressuscitado. Essa presença assegura a unidade entre o céu e a terra, a eficácia da oração, a alegria do Pai celeste.
    A unidade no nome de Cristo garante também a eficácia do nosso testemunha, a eficácia de missão.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, por teres ficado na tua Igreja. Como é bom viver na tua casa, e receber a ajuda dos irmãos para caminhar na tua presença, e a graça da correcção fraterna, quando caímos no erro. A tua Igreja é, na verdade, antecipação da vida celeste, uma terra prometida, que como Moisés, no monte Nebo, e mais do que ele, Tu mesmo nos mostras e fazes saborear. Que reine entre nós sempre entre nós o amor fraterno, que nos faça espaço onde habites. Amen.

    Contemplatio

    Recitemos o Rosário... Toda a Igreja o recita connosco. Nosso Senhor escutar-nos-á. Não foi Ele que disse: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt 18, 20)? No Cenáculo, os apóstolos e os discípulos rezavam com Maria, e obtiveram o milagre do Pentecostes. Rezemos com Maria, e obteremos grandes graças. (Leão Dehon, OSP 4, p. 310s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome,
    Eu estou no meio deles» (Mt 18, 20)

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XIX Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XIX Semana - Quinta-feira

    17 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira Leitura: Josué 3, 7-10ª.11.13-17

    Naqueles dias, 7o Senhor disse a Josué: «Hoje começarei a exaltar-te na presença de todo o Israel, para que se saiba que, assim como estive com Moisés, assim estarei também contigo. 8Hás-de mandar aos sacerdotes que levam a Arca da aliança: 'Quando chegardes ao Jordão, deter-vos-eis junto das suas águas.'» 9Então, Josué disse aos israelitas: «Aproximai-vos para ouvir as palavras do Senhor, vosso Deus.» 10E prosseguiu: «Com isto, sabereis que o Deus vivo está no meio de vós e não deixará de expulsar diante de vós os cananeus: 11Eis que a Arca da aliança do Senhor de toda a terra vai atravessar o Jordão diante de vós. 13Mal os sacerdotes que transportam a Arca do Senhor, o Senhor de toda a terra, tenham tocado com os pés as águas do Jordão, estas hão-de dividir-se, e as que correm de cima amontoar-se-ão, parando.» 14Então, o povo, dobrando as suas tendas, preparou-se para passar o Jordão com os sacerdotes que caminhavam diante dele, transportando a Arca. 15Quando chegaram ao Jordão, e os pés dos sacerdotes que transportavam a Arca entraram na água da margem do rio - de facto, o Jordão transborda e alaga as suas margens durante todo o tempo da ceifa - 16então, as águas que vinham de cima pararam e amontoaram-se numa grande extensão, até perto de Adam, localidade situada nas proximidades de Sartan; as águas que desciam para o mar da Arabá, o Mar Salgado, essas ficaram completamente separadas.E o povo atravessou o rio em frente de Jericó. 17Os sacerdotes que transportavam a Arca da aliança do Senhor conservaram-se de pé, sobre o leito seco do Jordão, e todo o Israel o atravessou sem se molhar. Permaneceram ali até todo o povo ter acabado de atravessar o Jordão.

    Desaparecido Moisés, Deus continua presente no meio do seu povo, prosseguindo a obra da salvação, agora com um novo líder, Josué, que introduz o povo na terra da promessa. O livro de Josué narra os acontecimentos, certamente mais lentos e trabalhosos do que o deuteronomista deixa entender. Estes autores sagrados, mais do que historiadores, eram teólogos, e a sua versão da conquista da terra é teológica e profética.
    A entrada de Israel na terra prometida é descrita no livro de Josué como uma solene procissão litúrgica, em que a Arca da Aliança, lugar da presença de Deus no meio do povo, ocupa o lugar principal. É sempre Deus fiel que precede e acompanha o seu povo. Ele fala a Josué como antes falava a Moisés. O novo chefe interpreta e transmite a voz de Deus.
    Diante da terra prometida repete-se o que aconteceu diante do Mar Vermelho. As águas detiveram-se, e o povo, que acompanha a Arca da Aliança, passa o rio Jordão a pé enxuto. A intervenção miraculosa de Deus marca os dois momentos: a saída do Egipto para a liberdade, e a saída do deserto para a terra onde «corre leite e mel». O Salmo 113, que hoje cantamos como salmo responsorial da liturgia da palavra, junta a memória do Mar Vermelho e do rio Jordão: «À vista disso, o mar afastou-se e o Jordão voltou atrás... Que tens, ó mar, para assim fugires, e tu, Jordão, para retrocederes?» Passando Deus, também passa o seu povo.

    Evangelho: Mateus 18, 21-19, 1

    Naquele tempo, 21Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» 22Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23Por isso, o Reino do Céu é comparável a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. 24Logo ao princípio, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. 25Não tendo com que pagar, o senhor ordenou que fosse vendido com a mulher, os filhos e todos os seus bens, a fim de pagar a dívida. 26O servo lançou-se, então, aos seus pés, dizendo: 'Concede-me um prazo e tudo te pagarei.' 27Levado pela compaixão, o senhor daquele servo mandou-o em liberdade e perdoou-lhe a dívida. 28Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários. Segurando-o, apertou-lhe o pescoço e sufocava-o, dizendo: 'Paga o que me deves!' 29O seu companheiro caiu a seus pés, suplicando: 'Concede-me um prazo que eu te pagarei.' 30Mas ele não concordou e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto lhe devia. 31Ao verem o que tinha acontecido, os outros companheiros, contristados, foram contá-lo ao seu senhor. 32O senhor mandou-o, então, chamar e disse-lhe: 'Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque assim mo suplicaste; 33não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?' 34E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos até que pagasse tudo o que devia. 35Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração.» 1Quando acabou de dizer estas palavras, Jesus partiu da Galileia e veio para a região da Judeia, na outra margem do Jordão.

    Depois de ter falado do modo como a comunidade há-de tratar os irmãos pecadores, e da necessidade de os voltar a ganhar, bem como da oração comum, trata agora do comportamento que há-de ter quem se sentir pessoalmente ofendido pelos outros. O judaísmo já conhecia o dever de perdoar as ofensas. Mas tinha elaborado uma espécie de "tarifário", que variava de escola para escola. Assim compreendemos a pergunta de Pedro a Jesus: queria saber qual era o seu tarifário, se era exigente como a escola que exigia o perdão até sete vezes (18, 21). A resposta de Jesus é dada em fórmula de parábola, que liberta o perdão de qualquer tarifa, para fazer dele o sinal da presença do Reino na terra. A parábola apresenta a figura de um rei e do seu devedor, que lhe devia dez mil talentos. Alguns pormenores evocam o juízo final: o rei, cair aos pés do rei, prostrar-se, ter piedade... A desproporção entre os dez mil talentos e os cem denários, realça as diferenças entre as concepções humanas e divinas da dívida e da justiça. Finalmente, também a pena aplicada ao servo, que durará até que tenha pago tudo, lembra o suplício eterno.
    A chave de leitura e de compreensão está no último versículo: «Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração» (v. 35). Deus perdoa-nos se também nós soubermos perdoar. Mas, enquanto a nossa capacidade de misericórdia é limitada, a de Deus é infinita. Há que aproximar da misericórdia de Deus a nossa misericórdia para com os irmãos, porque Deus é extremamente generoso connosco.

    Meditatio

    Na narrativa deuteronomista da passagem do rio Jordão, o protagonista não é Josué, nem o povo, mas a Arca da Aliança, também chamada "Arca de Deus", "Arca da Aliança do Senhor de toda a terra". Graças à Arca da Aliança, o povo consegue p
    assar o rio Jordão, em plena cheia, no tempo das ceifas, como ainda agora acontece. Essa Arca, levada em procissão, e que precede a entrada do povo na terra prometida, fala-nos da presença de Deus no meio do povo e do pacto de amor de Deus com o seu povo. Este pacto de amor, esta aliança, é iniciativa da superabundante caridade de Deus. Mas exige uma resposta de fidelidade da parte do povo. Essa fidelidade passa pela observância dos mandamentos do amor a Deus e ao próximo, com o mandamentos das tábuas da lei, encerrados na arca, que são como que a presença da fidelidade de Deus. É diante desta presença de Deus que se renovam os prodígios do êxodo.
    O elemento decisivo, para vencermos as dificuldades da vida, não são as nossas forças, a nossa boa vontade, mas esta presença de Deus, e a nossa união com Ele. As crises no cumprimento da aliança, por parte de Israel, aconteceu sobretudo pela negligência em observar, seja o amor de Deus seja o amor do próximo. Mesmo quando o povo permanece fiel a ritos que honram a Deus, os profetas censuram a falta de atenção ao próximo, ao órfão, à viúva, aos pequenos. Deus não pede sacrifícios, mas misericórdia.
    No Novo Testamento, as exigências de Deus tornam-se ainda maiores e mais positivas. Jesus resume a lei e os profetas no duplo mandamento: «Amarás o Senhor, teu Deus... Amarás o teu próximo» (cf. Mc 12, 30-31). Mais ainda: «amai-vos uns aos outros como eu vos amei» (Jo 15, 12). O amor é, de facto, exigente. Não se vive o amor sem aceitar sacrifícios, sem aceitar renúncias. Há circunstâncias em que não é fácil amar. Mas o amor é uma exigência e um dom de Deus. Jesus vem a nós para amar. O seu Coração palpita no nosso coração. Por isso, é possível amar. Santo Agostinho rezava: «Dá-me o que mandas, e mando o que quiseres». Se acolhermos o dom de Deus, não há dificuldades que o amor não ultrapasse. Mesmo perdoar até setenta vezes sete. Escrevem as nossas Constituições: «Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores» (Cst 65).

    Oratio

    Senhor, sentimos uma imensa necessidade de, cada dia, repetirmos o pedido do Pai-nosso: «perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido». Estamos feridos pelo pecado, temos o coração endurecido por causa dele, temos dificuldade em perdoar aos nossos irmãos. Infunde em nós a tua misericórdia, o teu Espírito Santo, que nos cura, nos redime do pecado, nos faz criaturas novas, capazes de perdoar, de amar e ser amados. Assim seremos profetas do amor e servidores da reconciliação. Amen.

    Contemplatio

    Chamamos Maria a Casa de ouro e a Arca da Aliança nas suas ladainhas. Estes nomes convêm sobretudo ao seu Santíssimo Coração. A Casa de ouro, era o rico palácio de David; a Arca da Aliança, era o cofrezinho misterioso, conservado no santuário do templo e que continha o maná miraculoso. Não é então Maria bem nomeada a Casa de ouro e a Arca da Aliança pela presença do Filho de David e do Filho de Deus no seu seio? Mas o Padre Eudes ensinou-nos a reconhecer no Coração de Maria a Arca da Aliança, o Tabernáculo e o Santo dos santos. O Sagrado Coração de Jesus, diz, é o santuário por excelência onde Deus é adorado, glorificado e amado de uma maneira digna das suas grandezas e das suas bondades infinitas. Mas o Santo Coração de Maria é o segundo santuário do amor divino, ornado da beleza refulgente de todas as virtudes; santuário que foi sempre a gloriosa morada do Santo dos santos, e no qual há mais honra, mais glória e mais amor pela santíssima Trindade do que em todos os santuários materiais e espirituais de todos os tempos, porque este Coração virginal está num exercício e num sacrifício perpétuo de amor, de louvor, de adoração e de acção de graças para com a Santíssima Trindade! (Leão Dehon, OSP 4, p. 117).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei» (Jo 15, 12)

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XIX Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XIX Semana - Sexta-feira

    18 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira Leitura: Josué 24, 1-13

    Naqueles dias, 1Josué reuniu todas as tribos de Israel em Siquém, e convocou os seus anciãos, chefes, juízes e oficiais; todos se apresentaram diante de Deus. 2Então, Josué disse a todo o povo: «Eis o que diz o Senhor, Deus de Israel: 'Vossos pais, Tera, pai de Abraão e de Naor, habitavam ao princípio do outro lado do rio e serviam outros deuses. 3Tomei o vosso pai Abraão do outro lado do Jordão, e conduzi-o à terra de Canaã. Multipliquei a sua posteridade, dando-lhe Isaac. 4A Isaac dei Jacob e Esaú e dei a Esaú a montanha de Seir; Jacob, porém, e os seus filhos foram para o Egipto. 5Depois, enviei Moisés e Aarão e feri o Egipto com tudo o que fiz no meio dele; por fim, tirei-vos de lá. 6Tirei os vossos pais do Egipto e chegastes ao mar. Os egípcios perseguiram os vossos pais com carros e cavaleiros até ao Mar dos Juncos. 7Eles, porém, clamaram ao Senhor, e o Senhor pôs trevas entre vós e os egípcios e fez avançar o mar sobre eles, cobrindo-os. Os vossos olhos viram o que fiz aos egípcios e, depois disto, passastes largo tempo no deserto. 8Levei-vos, em seguida, para a terra dos amorreus que habitavam do outro lado do Jordão. Eles combateram contra vós, mas Eu entreguei-os nas vossas mãos. Tomastes posse da sua terra, e Eu exterminei-os na vossa frente. 9Balac, filhode Cipor, rei de Moab, levantou-se para lutar contra Israel e mandou chamar Balaão, filho de Beor, para vos amaldiçoar. 10Eu, porém, não quis ouvir Balaão, e ele teve de vos abençoar repetidas vezes, e assim vos tirei das mãos de Balac. 11Atravessastes o Jordão e chegastes a Jericó. Combateram contra vós os homens de Jericó, os amorreus, os perizeus, os cananeus, os hititas, os guirgaseus, os heveus e os jebuseus; mas Eu entreguei-os nas vossas mãos. 12Mandei diante de vós insectos venenosos que expulsaram os dois reis dos amorreus. Não foi com a vossa espada, nem com o vosso arco. 13Dei-vos, pois, uma terra que não lavrastes, cidades que não edificastes e que agora habitais, vinhas e oliveiras que não plantastes e de cujos frutos vos alimentais'

    A jornada de Siquém, descrita em Js 24, é o acontecimento mais importante de todo o livro, e assinala uma das datas chave de toda a história bíblica, o nascimento de Israel como povo. A assembleia de Siquém, presidida por Josué, tem como objectivo a conclusão do pacto entre as tribos de Israel e Javé. Tudo acontece num clima de memória, reconhecimento e gratuidade. Josué traça as grandes linhas da história de Israel, sempre presidida por Deus. Transmite a memória das obras admiráveis realizadas pelo Senhor, em seu nome, como história feita pelo próprio Deus com os seus servos. Essa história começa com os antepassados, como Abraão, e chega ao momento presente, em que se vêem realizadas as promessas que foram feitas a ele, o amigo de Deus, o pai na fé. Com uma síntese vertiginosa, recordam os grandes pais e patriarcas na da história do povo: Abraão, Isaac, Jacob e os seus filhos que desceram ao Egipto. Depois lembra-se a libertação miraculosa do Egipto, como evento chave da história de Deus com o seu povo, a entrada na terra prometida e as dificuldades ultrapassadas contra os habitantes de Canaã. Em tudo, o povo deve dar-se conta do amor de predilecção gratuito por parte de Deus. E, com esses sentimentos, termina professando a sua fé, memória histórica das obras de Deus.

    Evangelho: Mateus 19, 3-12

    3Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns fariseus para O porem à prova e disseram-lhe: «É permitido a um homem divorciar-se da sua mulher por qualquer motivo?» 4Ele respondeu: «Não lestes que o Criador, desde o princípio, fê-los homem e mulher, 5e disse: Por isso, o homem deixará o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e serão os dois um só? 6Portanto, já não são dois, mas um só. Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem.» 7Eles, porém, objectaram: «Então, porque é que Moisés preceituou dar-lhe carta de divórcio, ao repudiá-la?» 8Respondeu Jesus: «Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assim. 9Ora Eu digo-vos: Se alguém se divorciar da sua mulher - excepto em caso de união ilegal - e casar com outra, comete adultério.» 10Os discípulos disseram-lhe: «Se é essa a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se!» 11Respondeu-lhes Jesus: «Nem todos compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado. 12Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos pela interferência dos homens e há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos, por amor do Reino do Céu. Quem puder compreender, compreenda.»

    As discussões sobre o divórcio são mais velhas que o Evangelho, e tão antigas como o homem. No tempo de Jesus, a questão era polarizada por duas escolas: a representada pelo rabino Hillel, permissiva, era do parecer que um homem, que encontrasse uma mulher mais atraente do que a sua esposa, e tivesse problemas por causa disso, podia repudiar esta para voltar a casar com aquela. Os rigoristas, representados pela escola do rabino Shammai, entendiam que a excepção do Deuteronómio se referia unicamente ao caso de adultério. A questão, posta a Jesus pelos fariseus, não é mais do que uma cilada: querem obrigá-lo a tomar posição por uma corrente. Mas Jesus esquiva-se declarando-se contrário ao divórcio. Justifica a sua posição com dois textos da Escritura: Gn 1, 27 e 2, 24. Deus quer que marido e mulher permaneçam unidos como «uma só carne» (Mt 19, 5s.). Não separe o homem o que Deus uniu, mesmo que seja Moisés (v. 6b). O matrimónio é um contrato entre duas pessoas, é verdade. Mas, esse contrato também implica a vontade de Deus inscrita na complementaridade dos sexos. O divórcio não tem em conta uma das partes do matrimónio, o próprio Criador.
    Na segunda parte do texto, os discípulos, a sós com Jesus, manifestam perplexidade e dificuldade em assumir tão graves responsabilidades do matrimónio. Mas Jesus afirma que só a responsabilidade pela difusão do Reino dos céus torna louvável a renúncia ao matrimónio. Nem todos compreenderão as palavras de Jesus. Hão-de compreendê-las «aqueles a quem isso é dado» (v. 11). Trata-se de uma inspiração interior dada aos apóstolos e àqueles que acreditam (Mt 11, 25 e 16, 17).

    Meditatio

    Talvez estejamos mais habituados a pedir graças ao Senhor do que a agradecer-lhas. Podemos prestar a Deus a homenagem de lhe apresentar os nossos pedidos. Mas também havemos de agradecer. A Sagrada Escritura apresenta-nos muitos exemplos de oração de acção de graças. A memória agradecida das obras maravilhosas de Deus, na história do seu povo, suscita a oração de louvor, bênção, de
    acção de graças. A oração de bênção (berahhah) dirigida a Deus é memória, ainda antes de ser súplica ou louvor.
    A oração dos hebreus começa por ser narração, conta a história de Deus na história dos homens. Pelo contrário, a oração dos pagãos aos seus deuses era súplica interessada, invocação para obter benefícios, porque pouco tinham para narrar sobre coisas feitas pelos seus deuses, em seu favor. Israel rezava narrando, pondo diante do Senhor e do povo as maravilhas de Deus, as grandes obras feita para Ele. É por isso que o "Credo" de Israel, que hoje escutamos na primeira leitura, é uma narração de obras de Deus. Reunida a assembleia em Siquém, é feita memória das maravilhas de Deus em favor do seu povo, desde Abraão até a tomada de posse da terra. Todas essas obras manifestam a acção de Deus, são sinais da sua fidelidade e do seu amor: «Não foi com a vossa espada, nem com o vosso arco. Dei-vos, pois, uma terra que não lavrastes, cidades que não edificastes e que agora habitais, vinhas e oliveiras que não plantastes e de cujos frutos vos alimentais'» (v. 12-13).
    As grandes celebrações da Igreja, são memória, louvor, bênção, acção de graças pelas maravilhas de Deus, sobretudo em Cristo e por Cristo, em nosso favor. Mesmo quando celebramos os santos, celebramos as obras admiráveis de que Deus realizou neles e por meio deles.
    As obras de Deus foram e são gratuitas. São fruto do seu amor oblativo. Só a partir do princípio da gratuidade de Deus podemos compreender os ensinamentos do evangelho sobre o matrimónio e sobre a virgindade. Ambos, no desígnio de Deus, são projectos de amor. Não são, em primeiro lugar, opções dos homens, mas projecto de Deus, um projecto complementar de duas vocações. Se fossem apenas resultado de escolhas humanas, estariam sujeitas a deformações e às suas veleidades. Assim, quem vive a graça do matrimónio, único e indissolúvel, aceita e respeita a vocação do próprio cônjuge. E, quem vive em virgindade pelo reino de Deus, não o faz por uma escolha egoísta ou por resignação perante a incapacidade de amar. Vive-a, tal como os que casam, a partir de Deus, como opção de amor e de serviço recíproco na comunidade que Jesus veio fundar.

    Oratio

    Obrigado, meu Deus, pela minha pequena história da salvação, feita de eventos, de encontros, de relações. Tudo nos indica que és Tu que teces connosco uma história de amor e que a levas à sua plena realização, pela força do teu Espírito. Como é grande o teu amor e a tua misericórdia! Que saibamos reconhecer em cada evento da nossa vida, e da vida do mundo, intervenções da tua graça. Assim, chegaremos à experiência de que "tudo é graça", que «é eterna a tua misericórdia». Amen

    Contemplatio

    Santo Agostinho contou-nos no oitavo livro das suas Confissões o grande combate que se travou entre as duas partes da sua alma, a inferior e a superior, e como sentiu enfim a poderosa intervenção divina que decidiu da vitória. «Ó Senhor, exclamou, olhastes para o vosso servo e o filho da vossa serva!». Pareceu-lhe que Nosso Senhor tinha olhado para ele como olhou para S. Pedro no átrio de Caifás, depois sentindo-se como que desligado dos seus apegos ao pecado, repetia as belas palavras de David: «Senhor, libertastes-me dos meus laços, que farei em reconhecimento de tal favor? Oferecerei um sacrifício incessante de louvor». - E eu, não tenho sentido muitas vezes o olhar de Nosso Senhor? Não tenho sido muitas vezes desligado dos meus pecados? Onde está o meu reconhecimento e o meu canto de louvor? Que milagre de bondade divina e que esforço de coragem pessoal foram necessários para operarem esta conversão? O próprio Santo Agostinho nos descreve a força dos seus laços. Estava encadeado pelos laços da volúpia, e a natureza dizia-lhe que não podia viver sem se entregar a estes detestáveis prazeres. - Estava ligado à vaidade pelos seus sucessos na eloquência pagã. - Estava submetido à avareza pelos ganhos consideráveis que lhe valiam as suas lições de retórica tão procuradas. Foi necessária a mão omnipotente de Deus para ajudar os seus esforços pessoais. Mas uma vez libertado, testemunhou a sua viva gratidão a Deus sem desfalecer até ao fim da sua vida. (Leão Dehon, OSP 4, p. 138).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «É eterna a sua misericórdia» (da Liturgia).

  • S. João Eudes, Presbítero

    S. João Eudes, Presbítero


    19 de Agosto, 2023

    S. João Eudes nasceu em França, em 1601. Tendo estudado num colégio dos Jesuítas, acabou por entrar no Oratório de Paris, em 1624, onde foi iniciado na espiritualidade por Bérulle e Condren. Dedicou-se à pregação de missões populares e ao ministério do confessionário. Em 1642 fundou a congregação dos Eudistas e a de Nossa Senhora da Caridade, que tiveram importante papel na divulgação da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. João Eudes foi o autor dos primeiros textos para a celebração litúrgica dos sagrados Corações de Jesus e de Maria. Faleceu em 1680.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 3, 14-19

    Irmãos: Eu dobro os joelhos diante do Pai, 15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.

    Toda a família, isto é, qualquer grupo que possamos imaginar, nos céus e na terra, tem por autor o mesmo e único Deus. O internacionalismo de Paulo é absoluto e universal. No império romano eram toleradas, e até apoiadas, todas as religiões, na condição de que não pretendessem ser internacionais. Paulo tinha consciência de ser instrumento de uma irrupção do divino, que o impelia a percorrer o caminho do universalismo absoluto. Mas desconhecia as consequências sociais e políticas da sua cosmovisão religiosa. O Apóstolo fala do "homem interior" que terá de ser "fortificado pelo Espírito". Vislumbra a grandiosidade da meta para a qual se dirige a partir da saída de si mesmo. Só através da fé os cristãos poderão "apreender qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade" (v. 18) de algo que é indizível, "o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento" (v. 19), até ficarem "repletos de toda a plenitude de Deus" (v. 19).

    Evangelho: da féria (ou do Comum)

    Meditatio

    O Padre Eudes, a maravilha do seu século, no dizer de M. Olier, depois de ter penetrado até ao mais íntimo das almas de Jesus e de Maria e depois de ter perscrutado os seus mistérios, tão tardou a encontrar um alimento para a sua piedade na devoção aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria. Esclarecido pelas luzes sobrenaturais da Irmã Maria des Vallées e provavelmente também pelas suas próprias revelações, não quis ter outra meta para o seu amor e para as suas homenagens senão estes Corações Sagrados, Resolveu consagrar a sua vida a estabelecer e a propagar o culto destes dois Corações, que uniu como fazendo um só todo moral, considerando-os como um mesmo Coração em unidade de espírito, de sentimento, de vontade e de afeto. Começa a sua propaganda em 1640, e a primeira grande revelação de Margarida Maria não data senão de 1673. «Ele foi, diz o Padre Regnault (diretor do Mensageiro do Sagrado Coração), um zelador excecional ao qual cabe a honra insigne de ter sido o primeiro a trabalhar na propagação do culto do Sagrado Coração». - «O Padre Eudes, diz o cardeal Perraud, foi suscitado por Deus para preparar o mundo cristão a receber a grande devoção da qual uma revelação miraculosa devia confiar mais tarde o apostolado à visitandina de Paray».
    O Padre Eudes começou por fundar duas congregações, consagradas aos sagrados Corações de Jesus e de Maria. A sua Congregação de Padres propagou esta devoção em várias dioceses. Depois erigiu confrarias dedicadas à mesma devoção e obteve para elas a aprovação da Santa Sé. Fundou várias capelas em honra dos dois Sagrados Corações. A de São Salvador, na diocese de Coutance, é designada numa bula de Clemente X sob o nome preciso de igreja do Coração de Jesus e de Maria. A sua construção deu lugar às ofertas mais generosas da parte de todas as classes da sociedade. O Padre Eudes preparava assim o público, em França, para receber as manifestações de Paray-le-Monial.
    Até 1670, o Padre Eudes tinha unido mais ou menos constantemente os dois Corações do Filho e da Mãe, considerando-os na sua união moral. A partir desta altura, faz de cada um destes Corações objeto de um culto especial.
    O Padre Eudes redige então esta missa deliciosa do Sagrado Coração que se chamou a missa do fogo tanto é animada por um amor ardente. Foi aprovada em várias dioceses. Escreve o seu belo ofício, que exprime tão bem o espírito suave e terno de Jesus, e que nos revela, como diz o Padre Le Doré, os tesouros de mansidão, de misericórdia e de bondade que encerra o Coração tão cheio de amor do divino Mestre. São como outros tantos jatos de fogo que se escapam uns atrás dos outros do Coração de Jesus e da alma que canta o seu amor, as suas grandezas e os seus encantos.
    Várias comunidades religiosas adotaram o ofício da missa, nomeadamente as beneditinas do Santíssimo Sacramento e a abadia de Montmartre.
    No seu livro sobre o Coração adorável de Jesus, publicado em 1670, o Padre Eudes exprime já todos os sentimentos que Margarida Maria devia receber diretamente do Coração de Jesus, pouco tempo depois.
    Como ela, une a reparação ao amor. Diz-nos que um dos sentimentos do Coração de Jesus que mais merece ser objeto da nossa devoção é esta imensa dor de que está penetrado desde a sua agonia até ao Calvário, e que o inundaria todos os dias, se a dor pudesse entrar no céu.
    Mostra-nos também no Coração de Jesus o altar de ouro do divino amor, a cidade de refúgio das almas provadas, e ensaiado já o tesouro de todas as graças e de todas as reparações. (Leão Dehon, OSP 4, p. 171s.).

    Oratio

    Senhor, com S. João Eudes, como com todos os apóstolos do vosso divino Coração, consagro-vos o meu coração, para o entregar ao vosso amor e à reparação que esperais dos vossos amigos. Ámen. (Leão Dehon OSP 4, p. 172).

    Contemplatio

    Jesus comunica-nos a sua vida divina unindo-se a nós pela graça: «Eu sou a vida, diz, e vim para a espalhar nas almas» (Jo 10, 10). - «Eu vivo e vós viveis da minha própria vida» (Jo 4, 19). - «Quem tem o Filho de Deus em si, tem a vida» (Jo 5, 12). É pelo seu Coração que Jesus nos comunica a sua vida divina. «Este Coração sagrado, diz o Padre Eudes, é o princípio da vida não só do Homem-Deus, mas da mãe e dos filhos de Deus. - O Coração espiritual de Jesus, isto é, a sua alma santíssima, unido à sua divindade, é o princípio da sua vida espiritual e moral. - É também o princípio da vida da Mãe de Deus. O Filho-Deus recebia de Maria a vida material e transmitia-lhe a vida espiritual e sobrenatural. - O Coração de Jesus é também o princípio da vida sobrenatural de todos os filhos de Deus. Como é a vida do chefe, é também a vida dos membros. Em Jesus, diz S. Tomás, está a plenitude da graça ou da vida das almas. Ela está depositada no seu Coração, como num reservatório universal, de onde ela corre para a humanidade a fim de a santificar». Nosso Senhor disse-nos isso várias vezes: «Se alguém me ama, o meu Pai amá-lo-á, e nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada» (Jo 14, 23). Jesus habita em nós pela sua graça, e o seu Coração une-se ao nosso coração para aí se tornar o princípio vivo da vida espiritual e divina em nós (Père Eudes: Le royaume de Jesus, et le coeur admirable de Marie). (Leão Dehon, OSP 3, p. 508).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Cristo habite, pela fé, nos vossos corações" (Ef 3, 17).

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    S. João Eudes, Presbítero (19 Agosto)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XIX Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XIX Semana - Sábado

    19 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira Leitura: Josué 24, 14-29

    Naqueles dias, Josué falou ao povo, dizendo: 14temei o Senhor, e servi-o com toda a rectidão e verdade. Afastai esses deuses a quem os vossos pais serviram do outro lado do rio e no Egipto, e servi o Senhor. 15E se vos desagrada servi-lo, então escolhei hoje aquele a quem quereis servir: os deuses a quem vossos pais serviram, do outro lado do rio, ou os deuses dos amorreus cuja terra ocupastes, porque eu e a minha casa serviremos o Senhor.» 16O povo respondeu, dizendo: «Longe de nós abandonarmos o Senhor para servir outros deuses! 17Pois o Senhor nosso Deus é que nos tirou, juntamente com nossos pais, da terra do Egipto, da casa da escravidão, e realizou aqueles maravilhosos prodígios aos nossos olhos; Ele guardou-nos ao longo de todo o caminho que tivemos de percorrer, e entre todos os povos pelos quais passámos. 18O Senhor expulsou diante de nós todas as nações e os amorreus que habitavam na terra: também nós serviremos o Senhor, porque Ele é o nosso Deus.» 19Josué disse, então, ao povo: «Vós não sereis capazes de servir o Senhor, porque Ele é um Deus santo, um Deus zeloso que não perdoará as vossas transgressões nem os vossos pecados. 20Quando abandonardes o Senhor para servir a deuses estranhos, Ele voltar-se-á contra vós e far-vos-á mal; há-de destruir-vos, após ter-vos feito bem.» 21O povo respondeu: «Não. É ao Senhor que queremos servir.» 22Josué disse-lhes então: «Sois testemunhas contra vós mesmos de que escolhestes o Senhor para o servir.» E eles responderam: «Somos testemunhas!» 23«Tirai, pois, os deuses estranhos que estão no meio de vós, e inclinai os vossos corações para o Senhor, Deus de Israel.» 24O povo respondeu a Josué: «Nós serviremos o Senhor nosso Deus, e obedeceremos à sua voz.» 25Naquele dia, Josué fez uma aliança com o povo e deu-lhe, em Siquém, leis e prescrições. 26Josué escreveu estas palavras no livro da Lei de Deus e, tomando uma grande pedra, erigiu-a ali como um monumento, sob o carvalho que se encontrava no santuário do Senhor. 27Disse a todo o povo: «Esta pedra servirá de testemunho entre nós, pois ela ouviu todas as palavras que o Senhor nos disse; ela servirá de testemunho contra vós, para que não renegueis o vosso Deus.» 28Então Josué despediu o povo, indo cada um para a sua herança. 29Depois disto, Josué, filho de Nun, servo do Senhor, morreu com a idade de cento e dez anos.

    A aliança de Siquém conclui-se com três momentos essenciais. Primeiro, é o convite de Josué ao povo para que adira totalmente ao Senhor, renunciando aos ídolos. O chefe dá exemplo em nome da sua casa e da sua tribo: «eu e a minha casa serviremos o Senhor» (v. 15). O povo responde com uma grande purificação da memória e com a renúncia colectiva aos ídolos para servir o Senhor. Segue-se o segundo momento: Josué anuncia a realeza do Deus de Israel, Deus da Aliança, que é santo e cioso, como demonstrou em diversos momentos ao longo da caminhada pelo deserto. Não falta uma ameaça: «Quando abandonardes o Senhor para servir a deuses estranhos, Ele voltar-se-á contra vós e far-vos-á mal; há-de destruir-vos, após ter-vos feito bem» (v. 20). Finalmente, num terceiro momento, por duas vezes, ecoa a profissão de fé do povo, com uma promessa de aliança concreta em palavras e obras: «Nós serviremos o Senhor nosso Deus, e obedeceremos à sua voz» (v. 24). A história sucessiva mostrará que, apesar desta força na adesão ao Senhor, a fraqueza humana virá ao de cima. Mas Deus será fiel.

    Evangelho: Mateus 19, 13-15

    Naquele tempo, 13Apresentaram a Jesus umas crianças, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas, mas os discípulos repreenderam-nos. 14Jesus disse-lhes: «Deixai as crianças e não as impeçais de vir ter comigo, pois delas é o Reino do Céu.» 15E, depois de lhes ter imposto as mãos, prosseguiu o seu caminho.

    Na época de Jesus, o rito da imposição das mãos e da bênção das crianças era frequentemente usado. Faziam-no os pais, mas também os rabinos famosos, a quem se pedia a bênção. É nesse contexto que se deve entender o episódio narrado hoje por Mateus, e que não deve ser confundido com o que ouvimos na terça-feira passada. Aí tratava-se do apelo à conversão, que exige tornar-se como crianças. Aqui fala-se de Jesus. Perante o "zelo" dos discípulos, Ele manifesta a intenção de não afastar ninguém do Reino. Quando diz «delas» (v. 14b), não se refere à idade, mas quer evidenciar «os que se assemelham a elas». Na antiguidade, as crianças não eram consideradas significativas na sociedade. Mas Jesus faz delas privilegiadas no reino de Deus, admite-as com agrado na comunidade cristã.
    A atitude dos discípulos em querer afastar as crianças revela a sua falta de compreensão pelo ministério de Cristo. Jesus é Aquele que acolhe os pequenos para lhes oferecer o Reino. A imposição das mãos sobre as crianças e a oração é um gesto de bênção (vv. 13.15). Mas é também um sinal de que a salvação é comunicada a todos os que podem identificar com elas: os pequenos, os pobres, os humildes...

    Meditatio

    O discurso de Josué ao povo, na assembleia de Siquém, deixa-nos perplexos. Primeiro, ordena-lhes que temam e sirvam o Senhor: «Temei o Senhor, e servi-o... Afastai esses deuses» (v. 14). Depois, deixa ao povo escolher a quem quer servir: «se vos desagrada servi-lo, então escolhei hoje aquele a quem quereis servir» (v. 15). Finalmente, quando o povo já tinha escolhido servir o Senhor, «serviremos o Senhor» (v. 18), Josué, em vez de aprovar a decisão, inicia um discurso dissuasivo: «Vós não sereis capazes de servir o Senhor» (v. 19). Será perigoso servi-l´O, porque, em caso de infidelidade, «voltar-se-á contra vós e far-vos-á mal» (v. 20).
    Como se explica esta atitude de Josué? Provavelmente porque quer evitar um compromisso superficial, por parte dos Israelitas, um compromisso que não resistiria à primeira dificuldade.
    Aceitar entrar em aliança com Deus não é coisa de pouca monta, não é uma simples formalidade. Tem consequências na vida que não podemos ignorar ou esquecer. É um compromisso que envolve toda a pessoa, em todas as suas actividades, em todos os seus pensamentos, em todas as suas aspirações. O homem é livre de optar por Deus ou por seguir outros caminhos. Deus não impõe compromissos, porque isso seria indigno do homem, e indigno do próprio Deus. Somos livres de escolher. Mas quem se compromete com Deus, deve fazê-lo seriamente. A dignidade da pessoa humana está precisamente na capacidade de assumir compromissos sérios. Assim foi renovada a aliança em Siquém.
    Os cristãos s&atild
    e;o chamados a renovar, cada ano, na Vigília Pascal, os próprios compromissos baptismais. São chamados a acolher a luz de Deus na própria vida, o desejo de Deus sobre a sua existência, o amor de Deus. Somos convidados a fundamentar tudo na nossa relação com Deus, que dá verdadeira liberdade interior, nos torna acolhedores, capazes de relações mais sinceras, mais cordiais com os outros.
    O evangelho apresenta-nos Jesus, que, sendo completamente disponível para o amor que provem do coração do Pai, é acolhedor com todos, particularmente com as crianças.
    Vivendo os nossos compromissos baptismais, vivendo como filhos de Deus, caminhamos na caridade de Cristo que nos amou e se entregou por nós.

    Oratio

    Derrama, Senhor, sobre mim, o teu Espírito. Abranda a dureza do meu coração, enche com o teu sopro divino o meu ser, para que possa oferecer-Te, com liberdade e sentido de gratidão, tudo o que sou, tudo o que tenho, tudo o que faço. Dá-me um coração de criança, totalmente confiante no teu plano de amor por mim, totalmente aberto às tuas inspirações. Amen.

    Contemplatio

    Depois que foi baptizado, Jesus saiu do rio. E enquanto a multidão se fazia baptizar e Jesus rezava sobre a margem, de repente os céus abriram-se, e o Espírito Santo desceu visivelmente, sob a figura de uma pomba, e repousou sobre Ele. Ao mesmo tempo, uma voz do céu fez ouvir esta palavra: «Este é o meu Filho bem-amado, no qual pus todas as minhas complacências». Eis a imagem do nosso baptismo, Jesus quis preparar os seus ritos. Ele foi mergulhado no Jordão, como para santificar a água simbólica da purificação. Rezou, o Espírito Santo veio, depois o testemunho da sua filiação divina. Assim acontece no nosso baptismo. A ablução exterior é acompanhada de orações, o Espírito Santo vem às nossas almas para aí permanecer, e Deus adopta-nos como seus filhos, sem no entanto o manifestar por outro milagre senão pela mudança dos costumes e pelas virtudes infusas que coloca nas nossas almas. Tal era o grande dom que Nosso Senhor nos preparava no Jordão, na cena tão grandiosa e tão comovedora do seu baptismo. Nós somos purificados neste sacramento do pecado e da pena que lhe é devida, somos feitos filhos de Deus e da Igreja e recebemos um direito à herança do céu, com a condição de sermos fiéis aos compromissos do nosso baptismo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 212).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Servirei o Senhor» (cf. Js 24, 18).

  • 20º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    20º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    20 de Agosto, 2023

    ANO A
    20º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 20º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 20º Domingo do Tempo Comum reflecte sobre a universalidade da salvação. Deus ama cada um dos seus filhos e a todos convida para o banquete do Reino.
    Na primeira leitura, Jahwéh garante ao seu Povo a chegada de uma nova era, na qual se vai revelar plenamente a salvação de Deus. No entanto, essa salvação não se destina apenas a Israel: destina-se a todos os homens e mulheres que aceitarem o convite para integrar a comunidade do Povo de Deus.
    O Evangelho apresenta a realização da profecia do Trito-Isaías, apresentada na primeira leitura deste domingo. Jesus, depois de constatar como os fariseus e os doutores da Lei recusam a sua proposta do Reino, entra numa região pagã e demonstra como os pagãos são dignos de acolher o dom de Deus. Face à grandeza da fé da mulher cananeia, Jesus oferece-lhe essa salvação que Deus prometeu derramar sobre todos os homens e mulheres, sem excepção.
    A segunda leitura sugere que a misericórdia de Deus se derrama sobre todos os seus filhos, mesmo sobre aqueles que, como Israel, rejeitam as suas propostas. Deus respeita sempre as opções dos homens; mas não desiste de propor, em todos os momentos e a todos os seus filhos, oportunidades novas de acolher essa salvação que Ele quer oferecer.

    LEITURA I - Is 56,1.6-7

    Leitura do Livro de Isaías

    Eis o que diz o Senhor:
    «Respeitai o direito, praticai a justiça,
    porque a minha salvação está perto
    e a minha justiça não tardará a manifestar-se.
    Quanto aos estrangeiros que desejam unir-se ao Senhor
    para O servirem, para amarem o seu nome e serem seus servos,
    se guardarem o sábado, sem o profanarem,
    se forem fiéis à minha aliança,
    hei-de conduzi-los ao meu santo nome,
    hei-de enchê-los de alegria na minha casa de oração.
    Os seus holocaustos e os seus sacrifícios
    serão aceites no meu altar,
    porque a minha casa
    será chamada casa de oração para todos os povos».

    AMBIENTE

    A primeira leitura deste domingo faz parte de um bloco de textos a que se convencionou chamar "Trito-Isaías" (cfr. Is 56-66). Para alguns, são textos de um profeta anónimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém, entre os retornados da Babilónia, nos anos 537-520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de uma pluralidade de autores, e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente entre os séc. VI e V a.C.). Estamos, em qualquer caso, na época pós-exílica.
    Não é uma época fácil. Os retornados estão desiludidos, pois a tarefa da reconstrução apresenta-se demorada e difícil. O país está arruinado, as cidades destruídas e desabitadas, os campos incultos e abandonados. Os ricos bem depressa começam a oprimir os pobres e a esmagar os humildes. Do ponto de vista religioso, o ambiente caracteriza-se pela incompreensão dos planos de Deus, pelo cepticismo e desconfiança, por um culto meramente exterior e pelo retorno às práticas idolátricas. Nesta fase, desempenham um papel fundamental o sacerdote Josué e o governador Zorobabel, responsáveis pelos trabalhos de reconstrução do Templo.
    Como é que os regressados a Jerusalém se relacionam, nesta fase, com os outros povos? A resposta não é clara, até porque não conhecemos bem este período da história do Povo de Deus. Alguns textos desta época mostram uma certa abertura à universalidade, sugerindo que o exílio, ao permitir o contacto com outras realidades culturais e religiosas, levou o Povo de Deus a uma certa tolerância para com as outras nações... No entanto, outros textos da época manifestam um fechamento cada vez mais acentuado (além da experiência dramática do exílio, a oposição dos povos vizinhos na altura em que os retornados tentam reconstruir Jerusalém aumenta a desconfiança em relação aos estrangeiros), que culminará na política xenófoba de Esdras e Neemias, na segunda metade do séc. V a.C. (os casamentos mistos entre judeus e estrangeiros são anulados e proibidos - cf. Esd 9,1-10,44; Nee 13,23-31).
    Não podemos situar exactamente, em termos cronológicos, o texto que nos é proposto. Provavelmente, ele aparece nos primeiros decénios após o exílio, quando a comunidade discute se os eunucos e os estrangeiros devem ou não integrar a comunidade do Povo de Deus (cf. Is 56,3). De qualquer forma, o texto leva-nos coloca-nos, sem dúvida, nesse ambiente - rico de desafios, mas cheio de contradições - da época pós-exílica.

    MENSAGEM

    A essa comunidade desiludida e decepcionada, o profeta anuncia que está para chegar um tempo novo. O que caracterizará essa nova era é a presença na comunidade do Povo de Deus da salvação e da justiça.
    A comunidade precisa, no entanto, de se preparar para receber o dom de Deus. Como? Guardando o direito e praticando a justiça ("mishpat" e "zedaqa" - as decisões justas dos tribunais, que fundamentam uma recta ordem social).
    Até aqui, a "promessa" não apresenta nada de verdadeiramente novo. A "justiça" foi pregada e anunciada, vezes sem conta (com estas mesmas palavras ou com outras semelhantes), por todos os profetas de Israel...
    A verdadeira novidade aparece a seguir... A salvação que Deus vai oferecer não se destina apenas a Israel, mas também aos estrangeiros. Trata-se de uma espantosa revolução no universo religioso do Povo de Deus.
    Para os autores do livro do Deuteronómio, os estrangeiros deveriam ser vencidos e votados à destruição; Israel não podia jamais fazer qualquer pacto, nem aceitar qualquer aliança matrimonial com eles. Os altares dos povos estrangeiros deveriam ser destruídos, os seus monumentos quebrados, os seus postes sagrados cortados, os seus ídolos queimados no fogo. Se Israel não procedesse dessa forma e tolerasse os estrangeiros, a cólera de Jahwéh inflamar-se-ia contra o seu Povo e exterminá-lo-ia rapidamente (cf. Dt 7,2-5).
    Agora, é o próprio Deus que quer oferecer a sua salvação a todos os povos, inclusive aos estrangeiros. O que é necessário aos estrangeiros para entrarem na comunidade do Povo de Deus ("os estrangeiros que desejam unir-se ao Senhor para O servirem, para amarem o seu nome e serem seus servos" - vers. 6)? Duas coisas: "guardarem o sábado, sem o profanarem" e serem "fiéis à Aliança". Serão, então, membros de pleno direito da comunidade do Povo de Deus. Participarão plenamente na vida litúrgica do Povo de Deus e o próprio Jahwéh os conduzirá ao Templo, onde poderão oferecer holocaustos e sacrifícios, como os israelitas. O Templo não será, então, um condomínio fechado a que só
    Israel tem acesso, mas será a "casa de oração para todos os povos" (esta perspectiva deve ter conhecido uma tal dificuldade para se firmar em Israel que, mesmo na época neo-testamentária, os estrangeiros que visitavam Jerusalém não podiam passar da esplanada exterior do Templo - o "átrio dos gentios" - e em nenhum caso podiam penetrar no "átrio dos israelitas").

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir dos seguintes dados:

    • Também nós vivemos num mundo de contradições. Por um lado, o intercâmbio de ideias, de experiências, de notícias, o contacto fácil, rápido e directo com qualquer pessoa, em qualquer canto do mundo, contribuem para nos abrir horizontes, para nos ensinar o respeito pela diferença, para nos fazer descobrir a riqueza de cada povo e de cada cultura... Por outro lado, o egoísmo, a auto-suficiência, o medo dos conflitos sociais, o sentimento de que um determinado estilo de vida pode estar ameaçado, provocam o racismo e a xenofobia e levam-nos a fechar as portas àqueles que querem cruzar as nossas fronteiras à procura de melhores condições de vida... Não é, evidentemente, uma questão simples e que possa ser objecto de demagogia... No entanto, o nosso Deus convida-nos a abrir o nosso coração à universalidade, à diferença. Os outros homens e mulheres - estrangeiros, diferentes, com outra cor de pele, com outra língua, com outros valores ou com outra religião - são irmãos nossos, que devemos acolher e amar.

    • A Igreja é a comunidade do Povo de Deus. Todos os seus membros são filhos do mesmo Deus e irmãos em Jesus, embora pertençam a raças diferentes, a culturas diferentes e a extractos sociais diferentes. No entanto: todos são lá acolhidos da mesma forma? O rico e o pobre são sempre tratados da mesma forma nas recepções das nossas igrejas? Aqueles que têm comportamentos considerados social ou religiosamente incorrectos são sempre tratados com amor e acolhidos com respeito nas nossas comunidades cristãs, ou são tratados como cristãos de segunda?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 66 (67)

    Refrão: Louvado sejais, Senhor, pelos povos de toda a terra.

    Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção,
    resplandeça sobre nós a luz do seu rosto.
    Na terra se conhecerão os vossos caminhos
    e entre os povos a vossa salvação.

    Alegrem-se e exultem as nações,
    porque julgais os povos com justiça
    e governais as nações sobre a terra.

    Os povos Vos louvem, ó Deus,
    todos os povos Vos louvem.
    Deus nos dê a sua bênção
    e chegue o seu temor aos confins da terra.

    LEITURA II - Rom 11,13-15.29-32

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    É a vós, os gentios, que eu falo:
    Enquanto eu for Apóstolo dos gentios,
    procurarei prestigiar o meu ministério
    a ver se provoco o ciúme dos homens da minha raça
    e salvo alguns deles.
    Porque, se da sua rejeição resultou a reconciliação do mundo,
    o que será a sua reintegração
    senão uma ressurreição de entre os mortos?
    Porque os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis.
    Vós fostes outrora desobedientes a Deus
    e agora alcançastes misericórdia,
    devido à desobediência dos judeus.
    Assim também eles desobedeceram agora,
    devido à misericórdia que alcançastes,
    para que, por sua vez,
    também eles alcancem agora misericórdia.
    Efectivamente, Deus encerrou a todos na desobediência,
    para usar de misericórdia para com todos.

    AMBIENTE

    Continuamos, com Paulo, a reflectir a questão posta pela segunda leitura do passado domingo... Israel, apesar de ser o Povo de eleito de Deus e o Povo da Promessa, recusou a salvação que Cristo veio oferecer. Que lhe acontecerá, então? Ficará, devido a essa recusa, à margem da salvação?
    Vimos como esse problema afectava Paulo e como o fazia sofrer. Na introdução a esta questão (cf. Rom 9,1-5), Paulo confessava a sua dor e tristeza ao ver o seu povo obstinado na recusa da vida nova de Deus. Paulo admitia, até, aceitar ser separado - ele próprio - de Cristo, se isso servisse para que o Povo judeu aceitasse a salvação que Deus não desiste de lhe oferecer.
    A desilusão e a tristeza de Paulo significarão a convicção de que não há mais saída, que Israel vai manter-se fechado aos dons de Deus e que está, definitivamente, à margem da salvação? Deus terá rejeitado o seu Povo?
    De modo nenhum. Paulo vai, aliás, constatar que a questão não está encerrada. Em primeiro lugar, porque uma parte (uma parte pequena, um "resto") de Israel aderiu a Jesus (cf. Rom 11,1-6) e entrou na comunidade do Reino (o próprio Paulo faz parte desse grupo); em segundo lugar, porque o endurecimento de Israel face à oferta de salvação feita por Deus já estava prevista na Escritura e insere-se, certamente, nos planos de Deus (cf. Rom 11,7-10).
    De resto, a recusa de Israel fez com que o Evangelho fosse proposto aos gentios (cf. Rom 11,11-12). Há males que vêm por bem; Deus escreve direito por linhas tortas...

    MENSAGEM

    Entretanto, Paulo continua o seu ministério entre os gentios, com a esperança de que os israelitas sintam ciúmes e acolham os dons de Deus (vers. 13-14).
    De resto, Paulo está convencido de que, um dia, todo o Israel será salvo. Assim será, não só porque está anunciado na Escritura (cf. Rom 11,26-27), mas sobretudo porque Deus permanece fiel às suas promessas.
    Da sua parte, os gentios não têm nada que se sentir superiores aos israelitas. Israel foi chamado por Deus desde os seus inícios e o chamamento de Deus é irrevogável (vers. 29). Os gentios, que antes estavam longe de Deus, agora tiveram acesso à sua graça; e os judeus, que agora se afastaram dos dons de Deus, hão-de também alcançar a graça. Parece enquadrar-se tudo no projecto salvífico de um Deus que permitiu que todos sejam rebeldes, a fim de sobre todos deixar cair a sua misericórdia. E Israel, o Povo eleito, chamado por Deus desde os seus inícios, não pode deixar de ser objecto especial da misericórdia de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, as seguintes propostas:

    • Em primeiro lugar, o nosso texto convida-nos a ter sempre presente que a misericórdia de Deus não abandona nenhum dos seus filhos, mesmo aqueles que numa determinada fase da caminhada rejeitam as suas propostas. Deus respeita sempre as opções livres dos homens; mas não desiste de propor oportunidades infindáveis de salvação, que só esperam o "sim" do homem.

    • Em segundo lugar, o nosso text
    o sugere que "Deus escreve direito por linhas tortas". Do mal, Ele é sempre capaz de retirar o bem (se os judeus - com a sua mentalidade fechada aos estrangeiros e com a sua mentalidade de que a salvação era uma proposta exclusiva, só a eles destinada - tivessem aderido em massa ao Evangelho, dificilmente teriam aceite que a proposta de salvação se tornasse universal). Aquilo que, muitas vezes, nos parece ilógico e sem sentido, talvez faça parte dos projectos de Deus - projectos que nem sempre conseguimos entender e enquadrar nos nossos esquemas mentais. Temos de aprender a confiar em Deus e na forma como Ele dirige a história, mesmo quando não conseguimos entender os seus projectos.

    • Em terceiro lugar, o nosso texto convida-nos - implicitamente - a não nos arvorarmos em juízes dos nossos irmãos. Por um lado, porque o comportamento tolerante de Deus nos convida a uma tolerância semelhante; por outro, porque aquilo que nos parece estranho e reprovável pode fazer parte, em última análise, dos projectos de Deus.

    ALELUIA - cf. Mt 4,2

    Aleluia. Aleluia.

    Jesus proclamava o evangelho do reino
    e curava todas as doenças entre o povo.

    EVANGELHO - Mt 15,21-28

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    Jesus retirou-Se para os lados de Tiro e Sidónia.
    Então, uma mulher cananeia, vinda daqueles arredores,
    começou a gritar:
    «Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim.
    Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio».
    Mas Jesus não lhe respondeu uma palavra.
    Os discípulos aproximaram-se e pediram-Lhe:
    «Atende-a, porque ela vem a gritar atrás de nós».
    Jesus respondeu:
    «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel».
    Mas a mulher veio prostrar-se diante d'Ele, dizendo:
    «Socorre-me, Senhor».
    Ele respondeu:
    «Não é justo que se tome o pão dos filhos
    para o lançar aos cachorrinhos».
    Mas ela replicou:
    «É verdade, Senhor;
    mas também os cachorrinhos
    comem das migalhas que caem da mesa de seus donos».
    Então Jesus respondeu-lhe:
    «Mulher, e grande a tua fé.
    Faça-se como desejas».
    E, a partir daquele momento, a sua filha ficou curada.

    AMBIENTE

    Continuamos na secção da "instrução sobre o Reino" (cf. Mt 13,1-17,27). Depois de apresentar a pregação sobre o Reino em parábolas (cf. Mt 13,1-52), Mateus descreve a resposta dos interlocutores de Jesus à proposta que lhes foi transmitida (cf. Mt 14,1-17,27).
    De uma forma geral, a comunidade judaica responde negativamente ao desafio apresentado por Jesus. Quer os nazarenos (cf. Mt 13,53-58), quer Herodes (cf. Mt 14,1-12), quer os escribas, quer os fariseus, quer os saduceus (cf. Mt 15,1-9; 16,1-4.5-12) recusam embarcar na aventura do Reino. Começa a tornar-se, cada vez mais claro, que a comunidade judaica não está disposta a acolher a proposta de Jesus.
    O episódio que nos é proposto é, precisamente, antecedido de um confronto entre Jesus, por um lado, os fariseus e doutores da Lei, por outro, por causa das tradições judaicas (cf. Mt 15,1-9). Em ruptura com os fariseus e os doutores da Lei, Jesus "retirou-Se dali e foi para os lados de Tiro e de Sídon". A recusa de Israel em acolher a proposta do Reino vai fazer com que a pregação de Jesus se dirija para fora das fronteiras de Israel. A comunidade dos discípulos - esse grupo que escutou atentamente a proposta do Reino e a acolheu - acompanha Jesus.
    O episódio narrado no Evangelho deste domingo situa-nos na "região de Tiro e Sídon". Diante de Jesus apresenta-se uma mulher "cananeia". O apelativo "cananeia" designa, no Antigo Testamento, uma mulher pagã (neste caso, trata-se de uma mulher fenícia, provavelmente residente na região de Tiro e Sídon).
    A Fenícia não era, aos olhos dos judeus, uma região "recomendável". De lá tinham vindo, frequentemente, exércitos inimigos; de lá tinham vindo, muitas vezes, influências religiosas nefastas, que afastavam os israelitas da fé em Jahwéh e os levavam a correr atrás dos deuses cananeus. A famosa Jezabel, mulher do rei Acab, que potenciou o culto a Baal e Asserá (meados do séc. IX a.C., na época do profeta Elias) e que tão má memória deixou entre os fiéis a Jahwéh era filha de um rei de Sídon. Não admira, portanto, que os fariseus e doutores da Lei, defensores intransigentes da Lei e da pureza da fé, considerassem os habitantes dessa zona como "cães" (designação que, para os judeus, tinha um sentido altamente pejorativo).
    O apelo da mulher fenícia vai no sentido de que ela possa, também, ter acesso a essa salvação que Jesus veio propor. Jesus passará por cima dos preconceitos religiosos dos judeus e oferecerá a salvação a esta pagã? Uma mulher fenícia (estrangeira, inimiga, oriunda de uma região com má fama e, ainda por cima, "mulher") merecerá a graça da salvação?

    MENSAGEM

    Consideremos, em primeiro lugar, a figura da mulher fenícia... As suas três intervenções mostram, por um lado, a sua ânsia de salvação; e, por outro, a fé firme e convicta que a anima (as designações "filho de David" - que equivale a "Messias" - e "Senhor" - "Kyrios" - com que ela se dirige a Jesus, lidas em contexto cristão, equivalem a uma confissão de fé). É uma figura que nos impressiona pela fé, pela humildade e também pelo sofrimento que transparece no seu apelo.
    Surpreende-nos depois, numa primeira leitura, a forma dura como Jesus trata esta mulher que pede ajuda. Ele começa por passar em silêncio, aparentemente insensível aos apelos da mulher (vers. 23). Depois, perante a insistência dos discípulos, responde: "não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel" (vers. 24). Finalmente, diante do dramático último apelo da mulher ("socorre-me, Senhor"), responde: "não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cães" (vers. 26).
    Como entender esta atitude rude e insensível do mestre galileu, sempre preocupado em traduzir em gestos concretos o amor e a misericórdia de Deus pelos homens? A reacção de Jesus será fruto da convicção de que, de acordo com o plano de Deus, a salvação devia derramar-se, em primeiro lugar, pelos judeus, antes de alcançar os gentios?
    A atitude de Jesus faz sentido, se a virmos como uma estratégia pedagógica, destinada a mostrar o sem sentido dos preconceitos judaicos contra os pagãos. Jesus conduziu o jogo de forma a demonstrar como eram ridículas as atitudes de discriminação dos pagãos, propostas pela catequese oficial judaica. Endurecendo progressivamente a sua atitude face ao apelo que
    lhe foi feito pela "cananeia", Jesus dá à mulher a possibilidade de demonstrar a firmeza e a convicção da sua fé e prova aos judeus que os pagãos são bem dignos - talvez mais dignos do que esses "santos" membros do Povo de Deus - de se sentar à mesa do Reino. Esta mulher, na sua humildade, nem sequer reivindica equiparar-se a esse Povo eleito, convidado por Deus para o banquete do Reino... Ela está disposta a ficar apenas com "as migalhas" que caem da mesa (vers. 27); mas pede insistentemente que lhe permitam ter acesso a essa salvação que Jesus traz. Ao contrário, os fariseus e doutores da Lei, fechados na sua auto-suficiência e nos seus preconceitos, rejeitam continuamente essa salvação que Jesus não cessa de lhes oferecer.
    No final de toda esta caminhada de afirmação da "bondade" e do "merecimento" desses pagãos que a teologia oficial de Israel desprezava, Jesus conclui: "Mulher, grande é a tua fé. Faça-se como desejas". A afirmação de Jesus significa: "na verdade tu estás disposta a acolher-Me como o enviado do Pai e a aceitar o pão do Reino, o pão com que Deus mata a fome de vida de todos os seus filhos. Recebe essa salvação que se destina a todos aqueles que têm o coração aberto aos dons de Deus".
    É possível que Mateus esteja, nesta catequese, a responder a uma situação concreta da sua comunidade... Nos finais do século primeiro (o Evangelho segundo Mateus aparece durante a década de oitenta), alguns judeo-cristãos ainda tinham dificuldade em aceitar a entrada dos pagãos na Igreja de Jesus. Mateus recorda-lhes, então, que para Jesus o que é decisivo não é a raça, a história, a eleição, mas a adesão firme e convicta à proposta de salvação que, em Jesus, Deus faz aos homens.
    O texto mostra que a proposta de Jesus é para todos. A comunidade de Jesus é, verdadeiramente, uma comunidade universal. Aquilo que é decisivo, no acesso à salvação, é a fé - isto é, a capacidade de aderir a Jesus e à sua proposta de vida.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir dos seguintes elementos:

    • A primeira questão que o nosso texto põe prende-se com a definição daquilo que é essencial na experiência cristã. Quem é que é cristão? Quem é que pode fazer parte da comunidade de Jesus? A resposta está implícita na história da mulher cananeia: torna-se membro da comunidade de Jesus quem aceita a sua oferta de salvação, quem acolhe o Reino, adere a Jesus e ao Evangelho. O que é determinante, para integrar a comunidade do Reino, não é a raça, a cor da pele, o local de nascimento, a tradição familiar, a formação académica, a capacidade intelectual, a visibilidade social, o cumprimento de ritos, a recepção de sacramentos, a amizade com o pároco, os serviços prestados à "fábrica da igreja", mas a fé (entendida como adesão a Jesus e à sua proposta de salvação). Para mim, o que é que é ser cristão? O que está no centro da minha experiência cristã é a pessoa de Jesus e a sua proposta de salvação? Em que é que se fundamenta a minha fé?

    • O exemplo da mulher cananeia leva-nos a pensar, por contraste, nesses "fariseus e doutores da Lei" que rejeitam a oferta de salvação que Deus lhes faz, em Jesus. Estão cheios de certezas, de convicções firmes, de preconceitos; mas não têm o coração aberto aos desafios que Deus lhes faz... Conhecem bem a Palavra de Deus, têm ideias definidas acerca do que Deus quer ou não quer, são orgulhosos e auto-suficientes porque se consideram um povo santo, eleito de Deus, mas não têm esse coração humilde e simples para acolher a novidade de Deus... Atenção: o verdadeiro crente é aquele que se apresenta diante de Deus numa atitude de humildade e simplicidade, acolhendo com um coração agradecido os dons de Deus e a graça da salvação. O verdadeiro crente não se barrica em certezas imutáveis ou em chavões doutrinais, mas procura descobrir, cada dia, com humildade e simplicidade, a verdade eterna de Deus e as suas propostas para o mundo e para os homens.

    • Teoricamente, ninguém põe em causa que a Igreja nascida de Jesus seja uma comunidade aberta a todos os homens e mulheres, de todas as raças, culturas, classes sociais, quadrantes políticos... Na prática, será que todos encontram na Igreja um espaço de comunhão, de amor, de fraternidade? Os homens e as mulheres, os casados e os divorciados, os pobres e os ricos, os instruídos e os analfabetos, os conhecidos e os desconhecidos, os bons e os maus, os novos e os velhos, todos são acolhidos na comunidade cristã sem discriminação e todos são convidados a pôr a render, para benefício dos irmãos, os talentos que Deus lhes deu? Independentemente do que os documentos da Igreja dizem, do que o Papa ou os bispos dizem, o que é que eu faço para que a minha comunidade cristã seja um espaço de fraternidade, onde todos se sentem acolhidos e amados?

    • Como a primeira leitura, também o Evangelho sugere uma reflexão sobre a forma como acolhemos o estrangeiro, o irmão diferente, o "outro" que, por razões políticas, económicas, sociais, laborais, culturais, turísticas, vem ao nosso encontro. Se Deus não discrimina ninguém, mas aceita acolher à sua mesa todos os homens e mulheres, sem distinção, porque não havemos de proceder da mesma forma? Particular cuidado e atenção devem merecer-nos os imigrantes que não falam a nossa língua, que não têm casa, que não têm trabalho, que sentem a ausência da família e dos amigos, que são perseguidos pelas redes que exploram o trabalho escravo... O convite que Deus nos faz é que vejamos em cada pessoa um irmão, independentemente das diferenças de cor da pele, de nacionalidade, de língua ou de valores.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 20º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 20º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. ACOLHER.
    Ainda em ambiente pela proximidade da Solenidade da Assunção, a liturgia deste domingo deve primar pela simplicidade. Procure-se dar uma atenção particular ao acolhimento. Dar atenção àqueles que participam nesta celebração e que habitualmente não estão, porque vieram doutras terras em tempo de férias. Se há estrangeiros, o celebrante procure dirigir-lhes algumas palavras na sua própria língua.

    3. FAVORECER O SILÊNCIO.
    Para favorecer os momentos de silêncio na liturgia da missa, procure-se, antes de cada leitura, deixar um tempo de silêncio entre a primeira leitura e o salmo, entre o salmo e a segunda leitura, entre a segunda leitura e a aclamação ao Evangelho, depois da homilia. Se há lugar a uma breve introdução antes de cada leitura, procure-se deixar um tempo de silêncio entre a introdução e a proclamação do texto bíblico, de modo a distinguir com clareza uma e outra.

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Nós Te bendizemos, Deus nosso Pai. Desde as primeiras alianças deste a conhecer o teu amor sem fronteiras. Ninguém está excluído da tua escolha, abres as portas do teu Reino a todo o homem justo.
    Dissipa dos nossos corações a tendência em seleccionar sem razão e em excluir injustamente, abre os nossos espíritos a todos os nossos irmãos.

    No final da segunda leitura:
    Deus, Pai da humanidade, os teus dons e o teu apelo são irrevogáveis, a tua misericórdia estende-se a todos os homens, Tu envias os teus profetas, os teus apóstolos e os teus missionários a todos os povos da terra. Nós Te bendizemos.
    Pelo teu Espírito Santo, volta para Ti os nossos corações, apoia os teus mensageiros, prepara os povos que ainda estão longe de Ti para escutar o teu Evangelho.

    No final do Evangelho:
    Jesus, irmão de todos os homens, o teu coração é acolhedor para todos os nossos sofrimentos, distribuis muito mais que migalhas, dás generosamente o pão da vida. Bendito sejas.
    Confirma a nossa confiança em Ti. Que o teu Espírito nos dê a audácia de nos confiar a Ti em qualquer circunstância, na alegria e no sofrimento.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística I das Assembleias com Crianças, que tem uma simplicidade de tom na sua intercessão que recorda a da cananeia.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Os "estrangeiros"... Na caminhada da próxima semana e das nossas férias, marcar os nossos comportamentos para com aqueles que são "estrangeiros" de uma maneira ou de outra: raça, cultura, meio social, religião... Verificar o lugar que lhes damos no segredo do nosso coração: como nossos irmãos diante do nosso Pai... ou como vagabundos de passagem que deverão contentar-se com as migalhas?...

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Segunda-feira

    21 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Juízes 2, 11-19

    Naqueles dias, os filhos de Israel fizeram o mal perante o Senhor e prestaram culto aos ídolos de Baal. 12Abandonaram o Senhor, Deus de seus pais, que os tinha libertado da terra do Egipto, e foram atrás dos deuses dos povos que os rodeavam; prostraram–se diante deles e ofenderam o Senhor. 13Abandonaram o Senhor e adoraram Baal e os ídolos de Astarté. 14Inflamou-se a ira do Senhor contra Israel e entregou-os nas mãos de salteadores que os espoliaram, e vendeu-os aos inimigos que os rodeavam. Eles já não foram capazes de lhes resistir. 15Para onde quer que saíssem, pesava sobre eles a mão do Senhor como um flagelo, conforme lhes havia dito e jurado; e foi muito grande a sua angústia. 16O Senhor suscitou, então, juízes que os libertaram dos seus espoliadores. 17Eles, porém, nem mesmo aos seus juízes deram ouvidos; prostituíram-se a deuses estranhos e prostraram-se diante deles. Depressa se desviaram dos caminhos que seus pais haviam trilhado, obedecendo aos preceitos do Senhor, não procederam como eles. 18Quando o Senhor lhes suscitava juízes, o Senhor estava com aquele juiz, libertando-os da mão dos seus inimigos durante toda a vida do juiz; é que o Senhor deixava-se comover pelos seus lamentos frente aos que os oprimiam e humilhavam. 19Mas, quando o juiz morria, eles voltavam a corromper-se, mais ainda que seus pais, seguindo deuses estranhos para os servir e adorar; não renunciavam aos seus crimes, nem à sua conduta pertinaz.

    O livro dos Juízes, que hoje começamos a escutar, narra a instalação de Israel em Canaã, com as mudanças que comportou: passagem do nomadismo ao sedentarismo, estabelecimento de relações com povos desconhecidos, que tinham estruturas religiosas, sociais e políticas consolidadas. Não era fácil encontrar espaço para a própria identidade como povo, para a guardar e aprofundar. A mistura e o convívio com outros povos eram provocação e convite à integração no seu sistema de vida. Era fundamental, para Israel, manter uma genuína transmissão e um sincero acolhimento do património constituído pelos eventos da sua história de povo de Deus. Mas essa memória foi-se apagando.
    O texto que hoje escutamos apresenta o quadro teológico em que é lida a história de Israel. O dom da terra devia avivar continuamente a consciência da aliança, da fidelidade a Javé, da pertença a Ele, como povo com uma missão. Mas a realidade foi bem diferente. À geração de Josué sucedeu «outra geração que não conhecia o Senhor, nem a obra que o Senhor havia feito em favor de Israel.» (Jz 2, 10). E, com um sentimento de profunda dor, ao autor sagrado acrescenta: «os filhos de Israel fizeram o mal perante o Senhor e prestaram culto aos ídolos de Baal. Abandonaram o Senhor, Deus de seus pais» (vv. 11ss). Ao pecado de idolatria, verdadeiro pecado original de Israel, segue-se uma lista de outros pecados como a desagregação do povo, as lutas internas, a depravação moral... E surgem consequências terríveis: sofrimento, perda da liberdade, novas escravidões. Nessas experiências, que sabem a castigos com função pedagógica, amadurece a exigência de conversão, de mudança de vida, e brota a prece de invocação a Deus para que salve o seu povo. Deus escuta as súplicas, e intervém, enviando um "juiz" (libertador, salvador).
    É neste quadro que emerge novamente o amor misericordioso de Deus, e a sua fidelidade, que Lhe permitem restabelecer a comunhão com o seu povo, para lhe dar vida, bênçãos, futuro.

    Evangelho: Mateus, 19, 16-22

    16Naquele tempo, aproximou-se de Jesus um jovem e disse-lhe: «Mestre, que hei-de fazer de bom, para alcançar a vida eterna?» 17Jesus respondeu-lhe: «Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só. Mas, se queres entrar na vida eterna, cumpre os mandamentos.» 18«Quais?» - perguntou ele. Retorquiu Jesus: Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho, 19honra teu pai e tua mãe; e ainda: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. 20Disse-lhe o jovem: «Tenho cumprido tudo isto; que me falta ainda?» 21Jesus respondeu: «Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.» 22Ao ouvir isto, o jovem retirou-se contristado, porque possuía muitos bens.

    O encontro de Jesus com o jovem rico é referido pelos três Sinópticos com algumas diferenças. Por exemplo, Mateus fala de um «jovem» que se apresenta a Jesus e lhe chama simplesmente «Mestre». Marcos e Lucas falam de «um homem» que se dirige a Jesus, chamando-lhe «bom Mestre».(cf. Mc 10, 17ss.; Lc 10, 25ss.) Também a resposta de Jesus é diferente. Enquanto Mateus, como é habitual, evita pronunciar o nome de Deus: e escreve «Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só» (v. 17), Marcos e Lucas escrevem: «Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só: Deus».
    Todo o homem anseia pela vida e felicidade eterna, e todo o homem se interroga sobre o modo para as alcançar. Já os discípulos de João Baptista o interrogaram sobre essa questão (cf. Lc 3, 10). No dia do Pentecostes, os ouvintes de Pedro hão-de fazer-lhe a mesma pergunta (cf Act 2, 37). No nosso texto, é um jovem que anda à procura, que quer fazer algo para alcançar a vida eterna. Jesus fica agradado com a sua boa vontade e, pouco a pouco, procura orientá-lo.
    Com a pergunta: «Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só» (v. 17), Jesus insinua que, procurar a vida eterna é, ao fim e ao cabo, procurar Alguém, que tem um rosto concreto, e não algo de abstracto. Posto isto, Jesus indica-lhe o tradicional caminho da prática dos mandamentos. O jovem não fica satisfeito com essa resposta demasiado óbvia, e até estava convencido de sempre ter «cumprido tudo isso» (v. 20). Procurava, pois, algo mais. Então, Jesus lança-lhe uma proposta: «Se queres ser perfeito...» (v. 21). Jesus aprecia a boa vontade, o esforço de quem quer ir mais longe. Já tinha apontado uma meta sem limites, ao dizer: «sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste» (Mt 5, 48). O caminho para essa meta é dar tudo aos pobres e pôr-se a seguir Jesus. É o que o «Mestre» diz ao jovem, porque os bens, quando não são partilhados com os pobres, afastam o homem do Bem supremo, que é Deus: «onde está o teu tesouro, aí está o teu coração» (Mt 6, 21). Para seguir a Cristo, é preciso ter o coração no lugar certo. Não era o caso deste jovem, que tinha muitos bens, e se foi embora triste (cf. v. 22).

    Meditatio

    A história de Israel, durante o período dos Juízes, é uma história de infidelidade do povo e de fidelidade de Deus. É essa a perspectiva geral que nos oferece, logo desde o início, o livro dos Juízes.
    A infidelidad
    e do povo manifesta-se de várias formas: «os filhos de Israel fizeram o mal perante o Senhor» (v. 11), diz o livro. Esta frase é uma espécie de refrão que vai sendo repetido ao longo do livro. Mas o principal pecado foi o da idolatria: «prestaram culto aos ídolos de Baal» (v. 11). Os Israelitas, em vez de manifestarem gratidão para com Deus, procuraram outros deuses, os deuses cananeus, mais prontos a satisfazer os seus desejos. A ira de Deus não tardou a manifestar-se: «Inflamou-se a ira do Senhor contra Israel e entregou-os nas mãos de salteadores que os espoliaram» (v. 14). Deste modo, o povo de Deus voltou a uma situação de opressão e de escravidão, por sua culpa. No meio dos seus sofrimentos, voltou a recordar-se de Deus e a implorar misericórdia. O Senhor deixou-se comover e enviou-lhes os "juízes", chefes inspirados por Ele, que tomaram conta da situação e venceram os opressores. Deus «estava com aquele juiz, libertando-os da mão dos seus inimigos» (v. 18). Infelizmente o esquema repetia-se depois da morte de cada juiz: pecado, especialmente o de idolatria, sofrimentos diversos e opressão pelos inimigos, gemidos de súplica ao Senhor, que novamente usa de misericórdia, e envia outro juiz. Assim Deus procura educar o seu povo à conversão e à confiança n´Ele, mesmo nas situações de pecado. A fidelidade de Deus leva sempre a melhor, mesmo diante da infidelidade do homem.
    O evangelho mostra-nos que a fidelidade humana, mesmo quando existe, precisa de um complemento divino. O jovem, que vai ao encontro de Jesus, deseja conhecer o bom caminho para chegar à vida eterna. Jesus diz-lhe: «Se queres entrar na vida eterna, cumpre os mandamentos» (v. 17). É a fidelidade humana para alcançar a vida eterna. O jovem tinha-a observado desde sempre e pergunta: «Que me falta ainda?» (v. 20). Que falta a uma fidelidade completa? A resposta de Jesus, como acontece outras vezes, é paradoxal: «Vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me» (v. 22). É como quem diz: «Não te falta nada. Tens demasiado. Falta-te tornar-te pobre de bens materiais para estares disponível para o amor divino».
    O segredo para uma vida em plenitude é desfazer-se de tudo para dar lugar aos verdadeiros tesouros. É desfazer-se até de si mesmo para acolher a Cristo e a sua vida em nós: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20).
    Cristo «convida-nos à bem-aventurança dos pobres, no abandono filial ao Pai» (Cst 44; cf. Mt 5, 3). Viver a bem-aventurança da pobreza é permitir a Cristo viver a Sua pobreza em nós. É, numa palavra, «viver... Cristo» (Fl 1, 21). Realiza-se a parábola do «tesouro escondido» no campo: «Um homem encontra-o e esconde-o de novo; depois, vai, cheio de alegria, vende tudo o que tem e compra aquele campo» (Mt 13, 44); a parábola da «pérola de grande valor»: o comerciante «vai, vende tudo o que tem, e compra-a» (Mt 13, 46).
    O «tesouro escondido», a «pérola de grande valor» é o Cristo das bem-aventuranças, vividas na nossa vida. Por isso, «recordaremos o seu insistente convite: «Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres; depois vem e segue-Me" (Mt 19,21)» (Cst 44).

    Oratio

    Senhor, como o teu povo em Canaã, também eu hoje vivo no meio de uma sociedade dominada por culturas que Te ignoram ou se opõem a Ti, uma cultura cheia de ídolos que me parecem mais adequados a satisfazer os meus desejos. Que jamais esqueça o teu amor e tudo quanto tens feito por mim. Que jamais me prostitua perante os ídolos dominantes. Mas, se alguma vez cair em tentação, lembra-Te da tua misericórdia, e vem em meu auxílio. Guarda-me, e guarda a tua Igreja! Alimenta nos teus fiéis o fogo que ardia no coração do teu Filho. Amen.

    Contemplatio

    Foi no Carmelo que Elias realizou os seus mais belos milagres. Foi lá que ele provocou os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal que tinham os favores de Acab e da ímpia Jesabel. Os falsos profetas solicitaram em vão o fogo do céu para as suas vítimas; Elias conseguiu este milagre imediatamente. Depois, rezou para obter a chuva, depois de uma seca desolante de três anos. Enquanto rezava enviou sete vezes um discípulo observar do lado do mar. Na sétima vez, o discípulo viu ao longe uma pequena nuvem que se elevava. Esta nuvem fecunda é considerada por vários Padres da Igreja como a figura de Maria, a qual nos deu o Coração de Jesus, a fonte de todas as graças. (Leão Dehon, OSP 4, p. 63).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Vai, vende o que tens... Depois, vem e segue-me» (Mt 19, 22).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Quarta-feira

    22 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Juízes 9, 6-15

    Naqueles dias, 6juntaram-se todos os senhores de Siquém e toda a casa de Milo, e foram proclamar rei Abimélec, junto do terebinto do monumento que está em Siquém. 7Isto foi comunicado a Jotam. E ele foi colocar-se no cimo do monte Garizim; ergueu a voz e gritou; depois, disse-lhes: «Ouvi-me, senhores de Siquém, e que Deus vos oiça! 8As árvores puseram-se a caminho para ungirem um rei para si próprias. Disseram, então, à oliveira: 'Reina sobre nós.' 9Disse-lhes a oliveira: 'Irei eu renunciar ao meu óleo, com que se honram os deuses e os homens, para me agitar por cima das árvores?' 10As árvores disseram, depois, à figueira: 'Vem tu, então, reinar sobre nós.' 11Disse-lhes a figueira: 'Irei eu renunciar à minha doçura e aos meus bons frutos, para me agitar sobre as árvores?' 12Disseram, então, as árvores à videira: 'Vem tu reinar sobre nós.' 13Disse-lhes a videira: 'Irei eu renunciar ao meu mosto, que alegra os deuses e os homens, para me agitar sobre as árvores?' 14Então, todas as árvores disseram ao espinheiro: 'Vem tu, reina tu sobre nós.' 15Disse o espinheiro às árvores: 'Se é de boa mente que me ungis rei sobre vós, vinde, abrigai-vos à minha sombra; mas, se não é assim, sairá do espinheiro um fogo que há-de devorar os cedros do Líbano!'

    Tanto as grandes potências do Médio Oriente, o Egipto e a Mesopotâmia, como os pequenos povos, filisteus, arameus, Amon, Moab, Edom, Fenícia, estavam organizados em monarquias. Israel continuava em regime tribal. Cada tribo tinha autonomia e administração próprias, e só em situações de emergência se uniam duas ou mais tribos, sob a direcção de um juiz-libertador, para enfrentar o perigo. Houve várias tentativas para estabelecer a monarquia, mas esta não conseguia impor-se. A corrente antimonárquica era poderosa e fundamentava-se sobre um princípio teológico que lemos em Jz 8, 22-23. Gedeão, convidado a tornar-se rei, responde: «Não reinarei sobre vós, nem eu nem meu filho; o Senhor é que será vosso rei» (8, 23). «O Senhor é que será vosso rei». Temia-se que, interpondo uma figura humana, um rei, entre Javé e o povo, resfriasse a fidelidade de Israel para com Deus. Foi o que efectivamente aconteceu, quando se estabeleceu a monarquia em Israel. O próprio povo sofrerá bastante com muitos dos seus reis. Só o senhorio de Deus garante plena dignidade e satisfaz os desejos de paz e de liberdade do seu povo.

    Evangelho: Mateus, 20, 1-16a

    «Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: Reino do Céu é semelhante a um proprietário que saiu ao romper da manhã, a fim de contratar trabalhadores para a sua vinha. 2Ajustou com eles um denário por dia e enviou-os para a sua vinha. 3Saiu depois pelas nove horas, viu outros na praça, que estavam sem trabalho, 4e disse-lhes: 'Ide também para a minha vinha e tereis o salário que for justo.' 5E eles foram. Saiu de novo por volta do meio-dia e das três da tarde, e fez o mesmo. 6Saindo pelas cinco da tarde, encontrou ainda outros que ali estavam e disse-lhes: 'Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?' 7Responderam-lhe: 'É que ninguém nos contratou.' Ele disse-lhes: 'Ide também para a minha vinha.' 8Ao entardecer, o dono da vinha disse ao capataz: 'Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até aos primeiros.' 9Vieram os das cinco da tarde e receberam um denário cada um. 10Vieram, por seu turno, os primeiros e julgaram que iam receber mais, mas receberam, também eles, um denário cada um. 11Depois de o terem recebido, começaram a murmurar contra o proprietário, dizendo: 12'Estes últimos só trabalharam uma hora e deste-lhes a mesma paga que a nós, que suportámos o cansaço do dia e o seu calor.' 13O proprietário respondeu a um deles: 'Em nada te prejudico, meu amigo. Não foi um denário que nós ajustámos? 14Leva, então, o que te é devido e segue o teu caminho, pois eu quero dar a este último tanto como a ti. 15Ou não me será permitido dispor dos meus bens como eu entender? Será que tens inveja por eu ser bom?' 16Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.

    «Muitos dos primeiros serão os últimos, e muitos dos últimos serão os primeiros», afirmou Jesus (Mt 20, 16ª). A parábola de hoje, esclarece esta afirmação. Esta parábola, contada por Jesus com tanta vivacidade, é um aviso ao povo de Irael, o primeiro a ser chamado, para que se alegre com o surpreendente uso que o Senhor faz da liberdade em relação aos «últimos», os pagãos, os publicanos, os pecadores. Mas é também um aviso a nós, cristãos de hoje, para que nos convertamos aos critérios de Deus. Não são os ricos e poderosos que entram, ou têm precedência no reino de Deus, mas os pobres e fracos. O reino de Deus não se conquista por méritos próprios, mas é um dom gratuito, a acolher com humildade e gratidão. Já pelo profeta Isaías, Deus avisara: «Os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos - oráculo do Senhor. Tanto quanto os céus estão acima da terra, assim os meus caminhos são mais altos que os vossos, e os meus planos, mais altos que os vossos planos» (Is 55, 8-9). Se ao jovem rico era exigido um salto de qualidade, a todos é pedido que se desembaracem da própria justiça, baseada em cálculos exactos, para usufruir da bondade infinita de Deus e da superabundância da sua graça.

    Meditatio

    A primeira leitura, o apólogo de Jotam apresenta-nos a monarquia de modo depreciativo, e até sarcástico. As árvores queriam um rei. Procuram uma árvore nobre, com grandes qualidades e capacidades, porque, para rei, não serve qualquer um. Dirigem-se à oliveira, que produz o azeite que alimenta, alumia e serve para preparar perfumes. Mas a oliveira recusa ser rei. Não queria «agitar-se por cima das árvores» (v. 9). Dirigem-se então à figueira, que produz tão saborosos frutos. Mas também a figueira recusa ser rei. Imploram, então, à videira: «Vem tu, então, reinar sobre nós» (v. 10). Ouvem a mesma resposta das outras árvores: não quero. Enquanto o povo tinha um alto conceito da monarquia, estas árvores tinham dela um conceito muito baixo: o rei não passava de uma árvore que se agitava sobre as outras!
    A oliveira respondeu: «Irei eu renunciar ao meu óleo, com que se honram os deuses e os homens, para me agitar por cima das árvores?» (v. 9). A figueira também respondeu: «Irei eu renunciar à minha doçura e aos meus bons frutos, para me agitar sobre as árvores?» (v. 11). Assim é descrita a função do rei, a sua posição: agit
    ar-se sobre os outros. E assim temos uma grande lição de humildade para aqueles que ambicionam o poder para estarem sobre os outros. Ser rei, ser chefe, ser superior, é uma posição de relativa esterilidade, uma vez que "mandar" não é, em si mesma, uma função produtiva. Se não houver quem trabalhe, quem faça o que é preciso, de pouco serve mandar. Mas, por outro lado, são indispensáveis administradores, dirigentes, chefes, superiores, para que os esforços produtivos dos outros contribuam para o bem comum, e não se percam, ou se oponham entre si. A autoridade deve ser um serviço efectivo à comunidade, e não um vão agitar-se sobre os outros. Nenhum grupo humano pode sobreviver sem uma cooperação recíproca, sem uma coordenação da actividade dos seus membros, sem um responsável por esta cooperação e por esta coordenação que tome, nem clima de diálogo, decisões atempadas, em ordem ao bem comum. É próprio do serviço da autoridade coordenar, controlar, decidir, caso contrário, o grupo desagrega-se na anarquia e na desordem. É por isso que as nossas Constituições afirmam: «O Superior, não sendo embora o único responsável, é o primeiro servidor desse bem comum. Estimula a fidelidade religiosa e apostólica das pessoas e da comunidade, a exemplo de Cristo-Servo que unia os seus no serviço comum ao desígnio do Pai» (Cst 56).

    Oratio

    Senhor Jesus, faz-me compreender que a autoridade é um serviço, e que a verdadeira grandeza consiste em servir com humildade e por amor. Foi essa a tua grandeza. Não quiseste usar em teu favor a tua igualdade com Deus, mas, por amor, humilhaste-te a Ti mesmo, obedecendo até à morte e morte de cruz. Humilhaste-te para Te pôr ao serviço de todos, para dar a tua vida em resgate de todos, para seres o Servo de Javé, tornar-te nosso Senhor e nosso irmão, graças a esse serviço. Obrigado, Senhor. Bendito sejas! Amen.

    Contemplatio

    Pedro é o continuador de Cristo, o substituto, o vigário de Cristo. É de certo modo o Cristo velado, como na Eucaristia. O seu ensino é o de Cristo. É o órgão do Sagrado Coração. Nosso Senhor preparou e figurou esta união com Pedro. Há várias barcas em Cafarnaum, mas é sobre a de Pedro que Jesus sobe para ensinar o povo. Há mais do que um pescador no lago, mas é a Pedro que Nosso Senhor manda fazer a pesca milagrosa, que simbolizava a propagação da Igreja. Nosso Senhor prometeu antecipadamente a Pedro a sua primazia, que é a continuação do poder de Cristo: «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as potências do inferno não prevalecerão contra ela» (Mt 16, 18). «Dar-te-ei as chaves do reino dos céus: tudo o que ligares será ligado e tudo o que desligares será desligado» (Mt 16, 19). «Quando fores convertido, confirmarás os teus irmãos» (Lc 22, 32). Quando chegou o dia, Nosso Senhor realiza a sua promessa. Transmite a Pedro a sua autoridade de pastor: «Pedro, porque me amas muito, porque me amas mais do que os outros, apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas». Pedro, pastor supremo da Igreja, é depositário e administrador de todos os dons do Coração de Jesus. Preside à administração dos sacramentos. Da sua autoridade brotam a ordem e a jurisdição na Igreja. Detém a chave das indulgências. Abre e fecha o tesouro do Coração de Jesus. Que respeito, que obediência devo a Pedro e aos seus sucessores! (Leão Dehon, OSP 3, p. 704s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Quem for grande no meio de vós, aquele que mandar,
    seja como aquele que serve..» (cf. Lc 22, 26).

    A Virgem Santa Maria

    A Virgem Santa Maria


    22 de Agosto, 2023

    A festa litúrgica de "A Virgem Santa Maria, Rainha", ou da realeza de Maria, foi auspiciada por alguns congressos marianos a partir do ano de 1900. Em 1925, Pio XI instituiu a festa de Cristo Rei. Em 1954, na conclusão do centenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, Pio XII anunciou esta festa para o dia 31 de Maio. Na reforma do calendário, promovida pelo Vaticano II, a festa foi fixada na oitava da Assunção de Nossa Senhora, a 22 de Agosto, para manifestar a conexão que existe entre a realeza de Maria e a sua Assunção ao céu.

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 9, 1-6

    O povo que andava nas trevas viu uma grande luz;habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles. 2Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo; alegram-se diante de ti como os que se alegram no tempo da colheita, como se regozijam os que repartem os despojos. 3Pois Tu quebraste o seu jugo pesado, a vara que lhe feria o ombro e o bastão do seu capataz, como na jornada de Madian.4Porque a bota que pisa o solo com arrogância e a capa empapada em sangue serão queimadas e serão pasto das chamas.5Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz. 6Dilatará o seu domínio com uma paz sem limites, sobre o trono de David e sobre o seu reino. Ele o estabelecerá e o consolidará com o direito e com a justiça, desde agora e para sempre. Assim fará o amor ardente do Senhor do universo.

    O nosso texto, expressão da esperança messiânica de Israel, pode ser interpretado sob o ponto de vista cristológico-mariano. Proclamado por Isaías depois do ano 740 a. C., tem um tom de festa e encorajamento, apesar das nuvens negras que pairam sobre Israel. Os vv. 5ss podem ser lidos segundo a chave que a festa de hoje nos sugere. A realeza de Maria permanece ligada e subordinada à realeza do Messias, Cristo Senhor. O Libertador esperado é o menino que "nasceu para nós: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz" (v. 5). Estas imagens aplicadas à realeza de Cristo são alegóricas, porque o seu reino não é deste mundo, e a sua paz é diferente da que o mesmo mundo nos pode dar. Jesus é manso e humilde de coração. O mesmo se pode dizer da realeza de Maria, humilde serva do Senhor.

    Evangelho: Lucas 1, 26-38

    Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,27a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. 28Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo.» 29Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. 30Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. 31Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus.32Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, 33reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» 34Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» 35O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. 36Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril,37porque nada é impossível a Deus.» 38Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela.

    Em toda esta bela cena, Deus é o principal ator: fala pelo seu anjo, age de modo criador por meio do Espírito, atualiza-se no "Filho", que nasce de Maria. Maria é expressão da humildade que se mantém aberta ao mistério de Deus, é enriquecida pelo mesmo Deus, e concretiza a esperança de Israel. Isabel terá toda a razão quando proclamar, dirigindo-se a Maria: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. 43E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor?" (Lc 1, 43). O apelativo "bendita" oferece-nos uma pequena janela que nos permite entrever a senhoria ou realeza de Maria. De fato, é "Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor!" (Lc 19, 37) e "Bendito seja o que vem em nome do Senhor! Bendito o Reino do nosso pai David que está a chegar." (Mc 11, 9s.). Jesus é o fruto "bendito" do ventre de Maria. O clarão que ilumina a consciência de Maria remete para a senhoria do filho concebido por obra do Espírito Santo, e não tanto para qualquer sua soberania pessoal. Por isso, exulta em Deus, seu salvador (cf. Lc 1, 46ss.).

    Meditatio

    Hoje, somos chamados a contemplar Aquela que, sentada à direita do rei dos séculos, resplandece como rainha e intercede por nós como mãe. A figura da rainha-mãe permanece em muitas culturas populares como protótipo de solenidade, de senhoria, de cordialidade, de benevolência. O culto e a própria iconografia representam espontaneamente Maria na postura de uma rainha, revestida de beleza e de glória, muitas vezes sentada e coroada de estrelas, feita, ela mesma, trono do filho que tem nos braços, o Menino Jesus. A liturgia contempla esse ícone de Maria, mãe e rainha. Contempla a ligação de Maria serva a Senhor Deus como participação na realeza de Cristo. Trata-se de uma realeza que é serviço, colaboração com Cristo na salvação da humanidade. A obra de Cristo exigiu a sua morte no Calvário. Junto dele estava a sua mãe. A realeza de Cristo custou-lhe a Paixão e a Morte. A de Maria custou-lhe as dores que a Paixão e a Morte de Jesus lhe causaram.
    O povo cristão costuma invocar Maria como Rainha da Paz. Trata-se de uma conotação com o oráculo de Isaías que fala do "príncipe da paz". Jesus Cristo é a nossa paz, afirma Paulo (cf. Ef 2, 14). Maria é mãe do príncipe da paz. O Menino que nasceu para nós é o fruto bendito do ventre de Maria, é o Senhor, fonte da paz. A paz é sonho e utopia, que convidam ao acolhimento do Senhor da Paz, Jesus Cristo, filho de Maria. Ela é a Virgem pacificada e operadora de paz. O sonho e a utopia convidam-nos a acreditar em Jesus e a realizar obras de paz, que são testamento seu e dom do Espírito.
    O privilégio da maternidade divina de Maria, fonte e a causa das suas grandezas, das suas graças, do seu poder e da sua glória, faz dela a Rainha de todas as criaturas. Veneremo-la, tenhamos confiança nela, amemo-la.

    Oratio

    Salve, Virgem Santa Maria, mãe generosa do Senhor do universo, rei de paz e de justiça. Mulher humilde, acolhida já no céu pelo amor do Pai, inspira o nosso serviço na edificação do reino de Cristo. Mãe feliz, que acreditaste, fica connosco para nos ajudar a guardar e a alimentar a lâmpada da nossa fé. Esposa do Espírito Santo, ensina-nos a perseverar nas obras de misericórdia, de justiça, de paz. Ámen.

    Contemplatio

    O Profeta real repete o seu admirável cântico: «Vejo à vossa direita, ó meu Príncipe, uma Rainha vestida com um manto de ouro todo adornado de bordados. As virgens, depois dela, apresentam-se ao meu Rei com santa alegria» (Sl 44). - Isaías, transportado pelo espírito de Deus, canta num arroubamento sublime: «Eis a Virgem que devia conceber e dar à luz um Filho». A voz de Deus domina todas as exclamações de alegria: «Vinde minha esposa, diz, vinde, minha bem-amada, vinde do Líbano para ser coroada» (Cântico). A Santíssima Trindade concede a Maria a auréola do Martírio, do doutoramento e da virgindade, ornamenta a sua augusta fronte com a coroa real. Eis a Rainha de glória, mas também Rainha de bondade e de misericórdia. Vinde a ela vós todos que estais em dificuldade. O seu poder não tem outros limites que os do amor que o seu Filho tem por ela. Ela é o asilo dos pecadores, a protetora dos justos, a esperança e o sustentáculo da Igreja, o refúgio dos povos e dos reis. Os espíritos celestes são os seus ministros, o género humano os seus súbditos, as três Igrejas o seu reino. Ela é três vezes Rainha. - O segredo do seu poder é o amor que lhe leva o Coração de Jesus. Se o Coração de Jesus é a fonte das graças e o tesouro do céu, quem melhor do que Maria pode ir até a esta fonte e abrir este tesouro? Este coração, não é feito do sangue e da carne de Maria? Rainha do Sagrado Coração, abençoai-nos - se o Sagrado Coração de Jesus é o sol da cidade celeste, o Coração de Maria é como a lua brilhante que nos transmite os seus raios. (Leão Dehon, OSP 4, p. 159s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Bendita a Mãe do meu Senhor!" (cf. Lc 1, 42s).

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    A Virgem Santa Maria (22 Agosto)

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Quinta-feira

    23 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Juízes 11, 29-39a

    Naqueles dias, 29o espírito do Senhor desceu sobre Jefté; Jefté atravessou Guilead e Manassés; depois, Mispá de Guilead; de Mispá de Guilead atravessou a fronteira dos amonitas. 30Jefté fez um voto ao Senhor, dizendo: «Se realmente entregas nas minhas mãos os amonitas, 31pertencerá ao Senhor quem quer que saia das portas da minha casa para me vitoriar pelo meu regresso a salvo da terra dos amonitas; eu oferecê-lo-ei em holocausto.» 32Então, Jefté marchou contra os amonitas e travou combate contra eles; o Senhor entregou-os nas suas mãos. 33Derrotou-os desde Aroer até às proximidades de Minit, tomando-lhes vinte cidades, e até Abel-Queramim; foi uma derrota muito grande; deste modo, os amonitas foram humilhados pelos filhos de Israel. 34Quando Jefté regressou a sua casa em Mispá, eis que sua filha saiu para o vitoriar, dançando e tocando tamborim; ela era filha única; não tinha mais filhos nem filhas. 35Ao vê-la, rasgou as suas vestes e disse: «Ai, minha filha! Tu fazes-me lançar no desespero! Tu és a minha desgraça! Eu falei demais na presença do Senhor; agora não posso tornar atrás.» 36Ela disse-lhe: «Meu pai, tu falaste demais na presença do Senhor; faz comigo segundo o que saiu da tua boca, pois o Senhor deu-te a vingança contra os teus inimigos, os amonitas.» 37Depois, disse a seu pai: «Concede-me o seguinte: deixa-me sozinha durante dois meses para que eu vá vaguear pelas montanhas, chorando a minha virgindade, eu e as minhas companheiras.» 38Ele disse: «Vai.» E deixou-a partir durante dois meses; ela foi com as suas companheiras e chorou sobre as montanhas a sua virgindade. 39Ao fim de dois meses, voltou para junto de seu pai; este cumpriu nela o voto que havia feito.

    A página que hoje escutamos é das mais enigmáticas da Bíblia e pode mesmo causar-nos mal-estar e arrepios.
    O povo mergulhara, mais uma vez no pecado: «Os filhos de Israel continuaram a fazer o mal diante do Senhor: adoraram os ídolos...e abandonaram o Senhor, negando-se a servi-lo. Inflamou-se, então, a ira do Senhor contra Israel, entregando-os nas mãos dos filisteus e nas mãos dos amonitas. Estes oprimiram e vexaram, naquele ano, os filhos de Israel; durante dezoito anos, esmagaram os filhos de Israel ...» (cf. Jz 10, 6-8). O povo clamou ao Senhor, reconhecendo o seu pecado (cf. 10, 15s.). Deus escolheu, como Juiz-libertador, Jefté, filho de uma prostitua, chefe de um grupo de aventureiros... Mas «o espírito do Senhor desceu sobre Jefté» (11, 29) que venceu e humilhou os Amonitas (cf. v. 33).
    O voto, feito ao Senhor por Jefté, e que o leva a sacrificar a filha, desconcerta-nos. A Lei proibia sacrifícios humanos. Mas a contaminação com costumes dos pagãos, com quem Israel convivia, levaram Jefté a este acto horrível. Ainda havia muito caminho a fazer, até que o povo de Deus se libertasse de formas de religiosidade perigosas e equívocas, que não respeitavam a pessoa humana nem a relação com o Deus da aliança do Sinai.

    Evangelho: Mateus, 22, 1-14

    Naquele tempo, Jesus dirigiu-se de novo aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo e, falando em parábolas, disse-lhes: 2«O Reino do Céu é comparável a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. 3Mandou os servos chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram comparecer. 4De novo mandou outros servos, ordenando-lhes: 'Dizei aos convidados: O meu banquete está pronto; abateram-se os meus bois e as minhas reses gordas; tudo está preparado. Vinde às bodas.' 5Mas eles, sem se importarem, foram um para o seu campo, outro para o seu negócio. 6Os restantes, apoderando-se dos servos, maltrataram-nos e mataram-nos. 7O rei ficou irado e enviou as suas tropas, que exterminaram aqueles assassinos e incendiaram a sua cidade. 8Disse, depois, aos servos: 'O banquete das núpcias está pronto, mas os convidados não eram dignos. 9Ide, pois, às saídas dos caminhos e convidai para as bodas todos quantos encontrardes.' 10Os servos, saindo pelos caminhos, reuniram todos aqueles que encontraram, maus e bons, e a sala do banquete encheu-se de convidados. 11Quando o rei entrou para ver os convidados, viu um homem que não trazia o traje nupcial. 12E disse-lhe: 'Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?' Mas ele emudeceu. 13O rei disse, então, aos servos: 'Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.' 14Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.»

    Na tradição bíblica, o banquete de núpcias é a mais alta expressão de festa. Jesus compara o reino de Deus exactamente a um banquete de núpcias. Mais ainda, compara-o ao banquete que um rei preparou para o casamento do seu filho. Era de esperar uma enorme e bem sucedida festa. Mas, surgem imprevistos. Os convidados recusam participar. Na perspectiva teológica de Mateus, esta parábola refere-se a Israel, desde os seus princípios até à vinda do Messias. Foi sempre um povo rebelde, e acabou por recusar o Messias, com os seus dons. Mas Deus, que tem «tudo pronto», abre o banquete a outros convidados. Os novos comensais formam o novo Israel, a Igreja, santa, mas sempre carecida de conversão, e que, por isso, precisa sempre de estar atenta para conservar a veste nupcial.
    Esta parábola ensina-nos que o convite para a festa do banquete é uma graça, um dom que envolve e compromete seriamente toda a nossa vida, que a faz nova. Podemos acolhê-lo ou recusá-lo. Quem o recusa, encontra sempre desculpas e justificações, que não são mais do que auto-enganos. Quem entra na sala nupcial também não deve pensar que tem a salvação garantida. Ainda que a entrada seja gratuita e oferecida a todos, exige dos participantes a veste nupcial e as disposições correspondentes, especialmente «revestir-se de Cristo» (Rm 13, 14; Gl 3, 27).

    Meditatio

    A primeira leitura apresenta-nos um exemplo da pedagogia divina para corrigir práticas religiosas defeituosas. Jefté, que combatia os Amonitas, desejava uma vitória clamorosa, que afastasse de vez o perigo que eles constituíam para Israel. Por isso, faz um voto ao Senhor: se Deus lhe conceder a vitória sobre os inimigos, sacrificará a primeira pessoa que encontrar, ao voltar da batalha. Este voto reflecte a mentalidade do Jefté e dos seus contemporâneos: para agradecer a Deus grandes graças, é preciso oferecer-Lhe coisas muito difíceis e custosas. O profeta Miqueias manifesta este modo de ver, quando escreve: «Com que me apresentarei ao Senhor, e me prostrarei diante do Deus excelso? Irei à sua presença com holocaustos, com novilhos de um ano? Porventura o Senhor receberá com agrado milhares de carneiros ou miríades de torrentes de azeite?» (Mq 6, 6s.). São presentes de gente grande: torrentes de azeite, milhares de carneiros... Parece-lhe que, desse modo, poderá manifestar a sua gratidão para com Deus.
    Mas havia outra possibilidade, ainda mais difícil: «Hei-de sacrificar-lhe o meu primogénito pelo meu crime, o fruto das minhas entranhas pelo meu próprio
    pecado?» (Mq 6, 7). Oferecer o primogénito era uma ideia considerada positiva. Abraão mostrara-se disposto a fazer esse sacrifício. Deus não lho permitira, mas Abraão foi louvado por estar disposto a fazê-lo.
    Jefté tinha, pois, uma disponibilidade semelhante à de Abraão: «Se realmente entregas nas minhas mãos os amonitas, pertencerá ao Senhor quem quer que saia das portas da minha casa para me vitoriar pelo meu regresso a salvo da terra dos amonitas; eu oferecê-lo-ei em holocausto» (v. 30s.). Tratava-se, evidentemente, de um erro da consciência religiosa, porque não agrada a Deus o sacrifico de uma pessoa humana. Deus quer a vida, não a morte. É o homem vivo que dá glória a Deus, dirá S. Ireneu de Lião.
    Para corrigir uma ideia tão errada, Deus permitiu que a primeira pessoa a vir ao encontro de Jefté fosse a sua própria filha, que ainda por cima era única: «Não tinha mais filhos nem filhas», diz-nos o texto sagrado (v. 34). Ao fazer o seu voto, Jefté não previra uma tal possibilidade. Por isso, logo que a viu, exclamou: «Ai, minha filha! Tu fazes-me lançar no desespero! Tu és a minha desgraça! Eu falei demais na presença do Senhor; agora não posso tornar atrás» (v. 35). Na verdade, fora ele a arruinar a filha. E, mais uma vez, a sua consciência religiosa errada, não lhe permitia ver que podia ser dispensado de cumprir um tal voto. Quando se promete a Deus algo de errado, não só podemos, mas devemos deixar de cumprir a promessa. Os crentes do Antigo Testamento pensavam que, uma vez prometida uma coisa ao Senhor, não havia outro remédio senão cumpri-la. A história de Jefté visava corrigir uma tal consciência errada. Infelizmente, parece que esta consciência errada ainda subsiste em muitos cristãos, que, por vezes, fazem promessas que Deus não pode aceitar, mas que teimam em fazê-las.

    Oratio

    Senhor, pelo teu profeta Miqueias, ensinaste-me que o que é bom aos teus olhos, o que me pedes, é que pratique a justiça, ame a piedade, e caminhe humildemente na tua presença. À primeira vista, não são coisas que causem grande impressão, ou que revelem muita generosidade. São coisas simples, obrigatórias: praticar a justiça, amar a piedade, e caminhar humildemente na tua presença. Mas é esse o caminho seguro, o sacrifício que Te agrada. Afasta-me, pois, de buscar coisas extraordinárias, que podem lançar-me em caminhos de perdição. Que, dia a dia, com dedicação e constância, eu procure viver na justiça, na piedade, na humildade. Amen.

    Contemplatio

    Felizes aqueles que, como S. (João) Berchmanns, encontraram durante a sua vida na oração a Maria, na cruz do seu Deus, do seu mestre e esposo, no cumprimento das suas santas regras e de todos os seus deveres, a sua alegria, as suas delícias, o seu apoio, o seu todo. Felizes os que na pureza do corpo, da alma e do coração, na humildade e na desconfiança de si mesmos, no amor puro, sobrenatural, se esquecem a si mesmos e não procurando senão a glória de Deus e a salvação das almas, serviram o seu Deus, seguiram Jesus, o seu Senhor e Mestre, na via da cruz, dos sofrimentos e do sacrifício! Semelhante morte é preciosa aos olhos de Deus. Escutam então da parte de Deus este convite: «Vinde, bom e fiel servidor, porque fostes fiel nas pequenas coisas, estabelecer-vos-ei sobre maiores; entrai na alegria do vosso Senhor». (Pe. Dehon, OSP 4, p. 154s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Felizes os convidados para as núpcias do Cordeiro» (Ap 19, 9)

  • S. Bartolomeu, Apóstolo

    S. Bartolomeu, Apóstolo


    24 de Agosto, 2023

    S. Bartolomeu é um dos Doze escolhidos por Jesus (cf. Mt 1, 11ss.; Lc 6, 12) para andarem com Ele, serem dotados dos seus poderes e enviados em missão. Identificado com Natanael, amigo de Filipe (cf. Jo 1, 43-51; 22, 2), era natural de Caná. Pouco sabemos sobre Bartolomeu e sobre a sua missão. De acordo com Jo 1, 43ss., era um homem simples e reto, aberto à esperança de Israel. Diversas tradições colocam-no em diferentes regiões do mundo, o que pode indicar um raio de ação muito vasto. Segundo uma dessas tradições, foi esfolado vivo na Pérsia, coroando a sua laboriosa vida missionária com a glória do martírio.

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 21, 9b-14

    O Anjo falou-me dizendo: Vou mostrar-te a noiva, a esposa do Cordeiro.» 10E transportou-me, em espírito, a uma grande e alta montanha e mostrou-me a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus. 11Tinha o resplendor da glória de Deus: brilhava como pedra preciosa, como pedra de jaspe cristalino; 12tinha uma grande e alta muralha com doze portas; nas portas havia doze anjos e em cada uma estava gravado o nome de uma das doze tribos de Israel: 13ao oriente havia três portas, ao norte três portas, ao sul três portas e ao ocidente três portas. 14A muralha da cidade tinha doze alicerces, nos quais estavam gravados doze nomes, os nomes dos doze Apóstolos do Cordeiro.

    A Igreja, no Apocalipse, é a cidade santa, que recolhe as doze tribos de Israel, isto é, o novo Israel de Deus. Os seus muros apoiam-se sobre doze colunas, que são os doze apóstolos. No nosso texto, a Igreja é também chamada "noiva", "a noiva, a esposa do Cordeiro" (v. 9), para evidenciar o vínculo de amor com que Deus Se ligou à humanidade, e Cristo se uniu à Igreja. Cada um dos apóstolos participa e testemunha este amor no seu ministério e, finalmente, no martírio. Por isso, os Doze são também chamados "Apóstolos do Cordeiro" (v. 14). De fato, não só exercem o ministério que Jesus hes confiou, mas também, e principalmente, participam no seu mistério pascal, bebendo com Ele o cálice (cf. Mt 20, 22).

    Evangelho: João 1, 45-51

    Naquele tempo, Filipe encontrou Natanael e disse-lhe: «Encontrámos aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os Profetas: Jesus, filho de José de Nazaré.» 46Então disse-lhe Natanael: «De Nazaré pode vir alguma coisa boa?» Filipe respondeu-lhe: «Vem e verás!»47Jesus viu Natanael, que vinha ao seu encontro, e disse dele: «Aí vem um verdadeiro israelita, em quem não há fingimento.» 48Disse-lhe Natanael: «Donde me conheces?» Respondeu-lhe Jesus: «Antes de Filipe te chamar, Eu vi-te quando estavas debaixo da figueira!» 49Respondeu Natanael: «Rabi, Tu és o Filho de Deus! Tu és o Rei de Israel!»50Retorquiu-lhe Jesus: «Tu crês por Eu te ter dito: 'Vi-te debaixo da figueira'? Hás-de ver coisas maiores do que estas!» 51E acrescentou: «Em verdade, em verdade vos digo: vereis o Céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo por meio do Filho do Homem.»

    Jesus dirige a Natanael um elogio que o deixa surpreendido: "Aí vem um verdadeiro israelita, em quem não há fingimento." (v. 47). Com efeito, as palavras de Jesus incluíam a verificação que nos deixa entrever um pouco mais o espírito de Natanael: o seu amor pela verdade. O apóstolo era um homem que procurava a verdade. A sua inteligência abre-se ao mistério que se revela. É o que também se verificará quando da primeira aparição de Jesus ressuscitado. Da procura passa à fé. Por isso, este apóstolo é um ícone do verdadeiro crente que, iluminado pela Palavra, agudiza a sua capacidade visiva interior e que, pela fé, reconhece em Jesus o Salvador esperado.

    Meditatio

    Jesus conhece o coração do homem. Por isso, pode chamar, com autoridade, aqueles que quer mais perto de si. O Senhor chama para pôr os homens em relação com o céu, para revelar o seu ser, que está em completa relação com o Pai e connosco, ponto de convergência do movimento de Deus rumo aos homens e do anseio dos homens por Deus: Filho do homem e Filho de Deus. Na verdade, quem se aproxima de Jesus vê o céu aberto e os anjos de Deus subir e descer sobre o Filho do homem.
    Os Doze estão com Jesus porque devem ver o Pai agir e permanecer no Filho do homem, numa união que se manifestará plenamente na paixão de Jesus, quando for erguido na cruz e novamente introduzido na glória do Pai. Então se realizará p sonho de Jacob.
    Todos somos chamados a esta profunda revelação. Na Eucaristia revivemos o mistério da morte e da glorificação de Jesus, sacerdote e vítima da nova aliança entre o Pai e os homens. E, com Ele, queremos ser também sacerdotes e vítimas fazendo a oblação de nós mesmos, para glória e alegria de Deus e para salvação da humanidade. O Senhor revela-se a nós como aos Apóstolos, os doze alicerces, sobre os quais se apoia a muralha da cidade, "a noiva, a esposa do Cordeiro" (v. 9).

    Oratio

    Senhor, reacende a nossa fé na contemplação dos mistérios que nos revelas, na festa do apóstolo Bartolomeu. Nós te agradecemos por nos teres reunido na Igreja. Nós te agradecemos por todos aqueles e aquelas que, de coração sincero, continuam a difundir no mundo inteiro, apoiados pelo teu Espírito Santo, a fé e o amor dos Apóstolos. Ámen.

    Contemplatio

    Deus compraz-se naqueles que caminham diante dele na simplicidade do seu coração (Prov. 11). Deus detesta os corações duplos e hipócritas. Aqueles que usam a dissimulação e a astúcia provocam a sua cólera (Job 36). O Espírito Santo retira-se daqueles que são duplos e dissimulados (Sab 1, 5). Natanael ganhou o coração de Nosso Senhor pela simplicidade e retidão do seu coração (Jo 1, 47). Deus não desprezará nunca a simplicidade, diz Job. Não rejeitará aqueles que se aproximam dele com simplicidade (Job 8,10). O Espírito Santo assegura-nos que os cumulará com os seus dons e as suas bênçãos (Prov. 28,10). O simples é bem sucedido nos seus desígnios e Deus abençoa-O. Segue os caminhos de Deus; pode caminhar com confiança (Prov. 10,9 e 29). Deus frustrará os que são dúplices e dará as suas graças aos humildes (Prov. 3,34). Os simples são acarinhados, estimados por Jesus, como aquelas crianças do Evangelho que Jesus atraía apesar dos seus apóstolos. «É imitando esta inocência e esta candura de crianças, dizia Jesus, que vos haveis de tornar agradáveis ao meu coração» (Mt 18). Como é que havemos de hesitar em amar e em praticar a simplicidade?(Leão Dehon, OSP 3, p. 48s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Rabi, Tu és o Filho de Deus! Tu és o Rei de Israel!" (Jo 1, 49).

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    S. Bartolomeu, Apóstolo (24 Agosto)

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Sexta-feira

    25 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Rute 1, 1-2a.3-6.14b-16.22

    1No tempo em que os Juízes governavam, uma fome assolou o país. Certo homem de Belém de Judá emigrou para os campos de Moab com sua mulher e seus dois filhos. 2Esse homem chamava-se Elimélec; sua mulher, Noemi; e os dois filhos, Maalon e Quilion. 3Entretanto, Elimélec, esposo de Noemi, morreu, deixando-a com os seus dois filhos. 4Eles tomaram para si mulheres moabitas, uma chamada Orpa e outra Rute. Viveram ali cerca de dez anos. 5Morrendo Maalon e Quilion, Noemi ficou só, sem os seus dois filhos e sem o marido. 6Então levantou-se, na companhia das duas noras, para regressar dos campos de Moab, pois ouvira dizer que o Senhor tinha visitado o seu povo e lhes tinha dado pão. 14Entretanto, Orpa beijou a sua sogra e retirou-se, mas Rute permaneceu na sua companhia. 15Noemi disse-lhe: «Vês, a tua cunhada voltou para o seu povo e para os seus deuses. Vai tu também com a tua cunhada.» 16Mas Rute respondeu: «Não insistas para que te deixe, pois onde tu fores, eu irei contigo e onde pernoitares, aí ficarei; o teu povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus. 22Foi assim que Noemi voltou, e com ela a sua nora, Rute, que era originária dos campos de Moab. E chegaram a Belém, no início da colheita da cevada.

    O livro de Rute é, não só um cântico à providência divina, mas também uma resposta a possíveis dúvidas e escrúpulos sobre a origem de David. É certo que na sua ascendência há uma mulher moabita, mas o livro insinua que esse facto foi querido e disposto por Deus.
    A narrativa leva delicadamente o leitor a seguir os passos interiores de Rute, as opções que a levam a partilhar a fé de Noemi e do seu povo. Rute dará uma descendência à família de Elimélec. Esta "estrangeira" será antepassada de David, porque o seu filho, Obed será pai de Jessé, pai de David. Mateus insere Rute na geneologia que leva a José: «o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus chamado Cristo» (Mt 1, 5.16). Tudo nasce do respeito e do amor de duas criaturas, Rute e Noemi, quase sinal do resto de Israel fiel ao seu Senhor, e da decisão de Rute de abandonar o seu povo para ir para onde o Senhor a conduz: «o teu povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus» (v. 16).
    Rute causa-nos admiração pela sua dignidade como pessoa, mas também pelo seu amor para com Noemi. É também sinal do amor universal de Deus, que todos envolve na realização do seu projecto de salvação.

    Evangelho: Mateus, 22, 34-40

    Naquele tempo, os fariseus, ouvindo dizer que Jesus reduzira os saduceus ao silêncio, reuniram-se em grupo. 35E um deles, que era legista, perguntou-lhe para o embaraçar: 36«Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?» 37Jesus disse-lhe:Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. 38Este é o maior e o primeiro mandamento. 39O segundo é semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. 40Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.»

    Depois da questão sobre o tributo a César (22, 15-22), da questão sobre a ressurreição dos mortos (22, 23-33), postas pelos saduceus, ricos e poderosos, entram em cena os fariseus, doutos e observantes. Estes perguntam qual é o maior mandamento da Lei. Perdidos na floresta das leis, aparentemente, queriam saber qual o princípio supremo que tudo justifica e unifica. Mas eram movidos por uma intenção que não era recta: interrogaram Jesus «para o embaraçar» (v. 35). Tinham resumido as muitas leis da Tora em 613 preceitos, 365 proibições e 248 mandamentos positivos. Mas, ainda assim, fazia sentido procurar saber «qual é o maior mandamento da Lei» (v. 36). Na sua resposta, Jesus não se coloca na lógica da hierarquia dos mandamentos. Prefere ir à essência da Lei, orientando para o princípio que a inspira e para a disposição interior com que deve ser observada: o amor, na sua dupla vertente, isto é, para com Deus e para com o próximo (vv. 37ss.). Jesus refere-se a Dt 6, 5, onde são sublinhadas a totalidade, a intensidade e a autenticidade do amor a Deus: «com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente» (v. 37). Ao lado do amor a Deus, e ao mesmo nível, Jesus coloca o amor ao próximo. Não se podem separar as duas dimensões do mandamento que sintetiza «toda a Lei e os Profetas» (v. 40).

    Meditatio

    A vida de Rute foi construída nos eventos normais do quotidiano: constituiu uma família, sofreu a perda de pessoas queridas, e tornou-se emigrante em terra estrangeira, como acontecera com Noemi. Deus está presente na sua história, e actua nela como na do povo de Israel e na dos outros povos. Noemi, pelo seu testemunho, torna-se para Rute mediação de um apelo de Deus, para que deixasse as suas tradições, a sua cultura, o seu povo, os seus deuses, para viver uma nova vida, ainda desconhecida, mas que faz parte dos desígnios insondáveis de Deus. Na sua caminhada, Rute irá conhecer novas alegrias e novos sofrimentos, a incompreensão, os conflitos, as incertezas e o sofrimento íntimo de um povo que se tornou seu. Rute acredita, responde e parte, isto é, segue o Deus da aliança a que agora pertence por dom. O Senhor escolheu-a como escolheu outras mulheres de Israel, e de outros povos, para preparar a geração de que havia de nascer o Messias. Rute terá um filho, que será testemunha de que Deus provê o seu povo, porque o ama.
    A história de Rute preparou a lição do evangelho, porque demonstra como uma estrangeira, que não fazia parte do povo de Deus, e até pertencia a povo desprezado pelos Israelitas, os Moabitas, movida pelo afecto fiel e generoso pela sogra viúva e desolada, se encontrou, por isso mesmo, em relação privilegiada com Deus, tornando-se antepassada de David e, portanto, de Cristo. O amor do próximo e o amor de Deus encontraram-se estreitamente ligados. A fidelidade generosa de Rute aos afectos humanos pô-la em profunda relação com a fidelidade de Deus. O amor do próximo e o amor de Deus estão indissoluvelmente unidos.

    Oratio

    Senhor Jesus, contemplando o teu mistério hoje manifestado na vida e na experiência de Rute, brota do meu coração o Pai nosso, a oração que revela a beleza que salvará o mundo, o rosto do Pai, e a beleza da humanidade, onde descubro o teu próprio rosto, e os de tantos irmãos, filhos do mesmo Pai. Dá a graça de viver tudo isto na oração. Que saiba amar-te sobre todas as coisas, e amar os irmãos como a mim mesmo, como a Ti mesmo, porque Tu me amas. Que, na minha carne de filho, viva a tua paixão pelos homens, que, pelo teu sangue, se tornaram meus irmãos. Amen.

    Contemplatio

    A Igreja faz-nos ler hoje na Missa a genealogia de Nosso Senhor em S. Lucas: todas as gerações desde Adão. O Evangelho cita só as mulheres que representam a humanidade culpável: Tamar incestuosa, Rahab a cananeia, Rute a moabita; Betsabé, a esposa infiel. Mas termina com Maria, cuja incomparável dignidade tem a sua fonte na sua Maternid
    ade divina. Como Mãe do Salvador, Maria devia ser imaculada. Podemos pensar como Nosso Senhor foi feliz com este privilégio de Sua Mãe e como o agradeceu ao Seu Pai celeste. A carne de Maria devia ser a sua carne; o seu sangue devia ser tomado do sangue de Maria. A carne e o sangue que ela dava a Jesus deviam ser os instrumentos da redenção. Podiam ter sido maculados um só instante? Podiam ter pertencido ao demónio? Não, havia uma suprema conveniência a que fossem sempre puros. Deus Pai tinha-o prometido desde o começo: «Estabelecerei uma inimizade entre ti e uma mulher, entre a tua raça e a sua; ela esmagará a tua cabeça» (Gen 3, 15). Deste modo, Deus prometia a nova Eva sobre a qual o demónio não teria qualquer poder. Ao preservar a sua Mãe de toda a mácula, Nosso Senhor preparava o tabernáculo no qual queria descer: «O Altíssimo santificou o seu tabernáculo» (Sl 45). Nosso Senhor devia assim reencontrar, por assim dizer, o céu sobre a terra. A Sua Mãe devia ser para Ele um jardim cerrado, uma fonte selada, um lírio sem espinhos (Ct 4,12). (Pe. Dehon, OSP 4, p. 182).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Toda a Lei se cumpre na plenitude do amor» (cf. Gl 5, 14).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XX Semana - Sábado

    26 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Rute 2, 1-3.8-11; 4, 13-17

    1Noemi tinha um parente por parte do seu marido, Elimélec; era um homem poderoso e rico, chamado Booz. 2Rute, a moabita, disse a Noemi: «Por favor, deixa-me ir respigar nos campos de alguém que queira acolher-me com bondade.» E ela respondeu-lhe: «Vai, minha filha.» 3Ela foi e entrou num campo, respigando atrás dos ceifeiros. Aconteceu que aquele campo era propriedade de Booz, parente de Elimélec. 8Booz disse a Rute: «Já ouviste, minha filha. Não vás respigar noutro campo; não te afastes deste e junta-te às minhas servas. 9Repara no campo por onde vão a ceifar e vai atrás delas. Pois ordenei aos meus servos que não te incomodem. E se tiveres sede, vai à bilha e bebe da água que eles tiverem trazido.» 10Rute, prostrando-se por terra, disse-lhe: «Porque encontrei tal bondade da tua parte, tratando-me como natural, a mim que sou uma estrangeira?» 11Replicando, Booz disse-lhe: «Já me contaram tudo o que fizeste pela tua sogra, depois da morte do teu marido: como deixaste o teu pai, a tua mãe e a terra onde nasceste e vieste para um povo que há bem pouco nem conhecias. 13Booz tomou, pois, Rute, que se tornou sua mulher. Juntou-se a ela e o Senhor concedeu-lhe a graça de conceber e dar à luz um filho. 14As mulheres diziam a Noemi: «Bendito seja o Senhor, que não te recusou um parente de resgate, neste dia. Que o seu nome seja proclamado em Israel. 15Ele te dará a vida e será o arrimo da tua velhice, porque nasceu um menino da tua nora, que te ama e é para ti mais preciosa do que sete filhos.» 16Noemi recebeu o menino e colocou-o no seu regaço, tornando-se a sua ama. 17As suas vizinhas, congratulando-se com ela, diziam: «Nasceu um filho a Noemi.» E deram-lhe o nome de Obed. Este foi pai de Jessé e avô de David.

    Escutamos hoje um belíssimo texto bíblico, que revela o amor de Deus, que não faz acepção de pessoas, e quer tornar o seu povo participante do seu amor de Pai para com todos. A inserção de uma estrangeira numa família israelita, graças ao matrimónio por levirato, e, mais ainda, na linha davídica, traça um caminho pedagógico nessa direcção.
    O encontro com Booz, sugerido, não só pela necessidade, mas também pela intuição feminina (2, 1-11), está envolto pela força moral da moabita que encontra graça diante de Booz por causa do amor profundo demonstrado para com Noemi (v. 11). A narração do capítulo 3, onde transparece a responsabilidade de Noemi em relação a Rute, é o horizonte do que a liturgia nos propõe logo a seguir (4, 13-17). Esse capítulo ajuda também a compreender o desenrolar dos acontecimentos, guiados pela confiança no Senhor, que ilumina e inspira as opções. Estas levam ao casamento de Booz com a moabita, comparada a Raquel e a Lia, progenitoras da casa de Israel (4, 11). O texto, além de realçar as figuras de Booz e de Rute, cuja descendência continua no filho que «o Senhor lhe concedeu conceber», mas também realça Noemi, bendita pelo seu povo. A sua vida, e a da nora, são prova do amor fiel e da presença actuante de Deus no meio do seu povo.

    Evangelho: Mateus, 23, 1-12

    Naquele tempo, Jesus falou à multidão e aos seus discípulos, dizendo: 2«Os doutores da Lei e os fariseus instalaram-se na cátedra de Moisés. 3Fazei, pois, e observai tudo o que eles disserem, mas não imiteis as suas obras, pois eles dizem e não fazem. 4Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar. 5Tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens. Por isso, alargam as filactérias e alongam as orlas dos seus mantos. 6Gostam de ocupar o primeiro lugar nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. 7Gostam das saudações nas praças públicas e de serem chamados 'mestres' pelos homens. 8Quanto a vós, não vos deixeis tratar por 'mestres', pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai', porque um só é o vosso 'Pai': aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores', porque um só é o vosso 'Doutor': Cristo. 11O maior de entre vós será o vosso servo. 12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

    No texto, que hoje escutamos, atinge o auge a polémica entre Jesus e os escribas e fariseus, que vem crescendo desde o c. 21. Dirigindo-se directamente à multidão e aos discípulos, Jesus previne-os contra o perigo que o Evangelho sempre corre na história: a discrepância entre o dizer e o fazer, entre o ensinamento e o testemunho. Jesus não pretende esmagar pessoas, ou confundir doutrinas. Pretende apenas denunciar a hipocrisia, isto é, a interpretação e a prática aberrantes de uma doutrina, em si, correcta. Os fariseus e escribas apoderaram-se da autoridade de ensinar, legislaram para os outros, mas não cumprem o que dizem. Pelo contrário, «tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens» (v. 5). Nos versículos 8-12, Jesus passa a usar o «vós» para interpelar directamente os seus discípulos, de ontem e de hoje. A verdadeira grandeza dos cristãos está em ser pequeno, e a verdadeira glória, em ser humilde. Os títulos e as honras são relativos, porque «só é o vosso Mestre» e «um só é o vosso 'Pai».

    Meditatio

    Rute reconhece a sua indigência de viúva e de imigrante numa terra que não era a dela. Essa situação não a deprime. Com muita dignidade, procura ganhar o alimento para ela e para a sogra, Noemi. Para isso, pede-lhe que a autorize a ir respigar no campo de alguém que lho permita: «Deixa-me ir respigar nos campos de alguém que queira acolher-me com bondade» (v. 2). É humilhante ter que ir respigar, por não ter o necessário para viver. É humilhante estar em situação de dependência da compaixão dos outros. Rute aceita tudo com humildade, com simplicidade. Quando Booz se interessa por ela, não se mostra orgulhosa, mas prostra-se e diz: «Porque encontrei tal bondade da tua parte, tratando-me como natural, a mim que sou uma estrangeira?» (v. 10). Reconhece que não tem qualquer direito, que nada merece. Mas, por causa dessa atitude humilde, dá consigo no verdadeiro caminho para a glória divina. Tendo-se humilhado, será exaltada, terá a honra de ser mãe, e de ter como descendente David e, finalmente, Jesus Cristo.
    É assim que o Antigo Testamento nos coloca no caminho da humildade, que nos permite receber os dons de Deus, com pureza de coração, e de caminhar para a plenitude da vida.
    «Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado», diz Jesus no evangelho (v. 12). A humildade atrai a misericórdia de Deus. A soberba afasta-a. Jesus, tão misericordioso para com os pecadores que reconhecem a sua situação, mostra-se severo para com os orgulhosos, para com aqueles
    que se julgam justos. Os que reconhecem o seu pecado, abrem-se ao perdão e ao amor benevolente de Deus. Para aqueles que não o reconhecem, Deus nada pode fazer. A graça não consegue penetrar na auto-suficiência dos orgulhosos, dos convencidos dos seus próprios méritos.
    É por isso que Jesus critica os que fazem tudo para «se tornarem notados pelos homens» (v. 5), os que gostam dos lugares de honra, dos primeiros lugares, de serem cumprimentados... «Deus resiste aos soberbos», diz o livro dos Provérbios.

    Oratio

    Virgem Maria, humilde serva do Senhor, obtém-me a graça da humildade. Porque tenho consciência da minha fraqueza e do meu pecado, dá-me também a graça de ser coerente, aceitando as humilhações que o Senhor permitir caírem sobre mim. Desse modo, serei mais parecido com Jesus Cristo, teu filho, manso e humilde de coração. Amen.

    Contemplatio

    Maria encontra algumas honras no Templo, porque Deus compraz-se em exaltar os humildes. Mas ela não as procurou. Foi lá com a mais perfeita humildade. Vai purificar-se, ela, a Mãe de toda a pureza. Vai purificar-se, ela, cuja maternidade aumentou maravilhosamente a pureza em vez de a diminuir. Ela, a Virgem das virgens, tornada por milagre Mãe de Deus, faz-se purificar!... Ela que é bendita entre todas as mulheres e da qual foi dito profeticamente que o fruto das suas entranhas era santo... Não salvaguardou ela a sua virgindade, ao declarar ao anjo que preferia renunciar a toda a glória e a todo o privilégio antes que a perder? Podia pedir ao sumo sacerdote a dispensa desta cerimónia humilhante. Os milagres recentes de Belém teriam bastado para justificar o seu pedido. Mas não, ela avança humildemente despojada aos olhos dos homens da sua glória de Virgem Mãe, submete-se a uma lei que atingia todas as mães, excepto aquela que trazia ao mundo a verdadeira Purificação pelo seu Divino Filho. Cora por passar por uma Mãe como outra qualquer, mas vem. É tão bom obedecer e praticar um acto de humildade! Onde é que eu estou a respeito desta bela virtude da humildade que triunfa nos corações de Jesus e de Maria? Não se encontra muitas vezes ferida no meu? Em vez de procurar a humildade, por hábito, por virtude, sob a acção do Espírito Santo e na imitação de Jesus e de Maria, não é que eu procuro todas as satisfações da vaidade e do amor-próprio? (Pe. Dehon, OSP 3, p. 120s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Quem se exaltar será humilhado
    e quem se humilhar será exaltado» (Mc 23, 12).

  • 21º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    21º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    27 de Agosto, 2023

    ANO A
    21º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 21º Domingo do Tempo Comum

    No centro da reflexão que a liturgia do 21º Domingo do Tempo Comum nos propõe, estão dois temas à volta dos quais se constrói e se estrutura toda a existência cristã: Cristo e a Igreja.
    O Evangelho convida os discípulos a aderirem a Jesus e a acolherem-n'O como "o Messias, Filho de Deus". Dessa adesão, nasce a Igreja - a comunidade dos discípulos de Jesus, convocada e organizada à volta de Pedro. A missão da Igreja é dar testemunho da proposta de salvação que Jesus veio trazer. À Igreja e a Pedro é confiado o poder das chaves - isto é, de interpretar as palavras de Jesus, de adaptar os ensinamentos de Jesus aos desafios do mundo e de acolher na comunidade todos aqueles que aderem à proposta de salvação que Jesus oferece.
    A primeira leitura mostra como se deve concretizar o poder "das chaves". Aquele que detém "as chaves" não pode usar a sua autoridade para concretizar interesses pessoais e para impedir aos seus irmãos o acesso aos bens eternos; mas deve exercer o seu serviço como um pai que procura o bem dos seus filhos, com solicitude, com amor e com justiça.
    A segunda leitura é um convite a contemplar a riqueza, a sabedoria e a ciência de Deus que, de forma misteriosa e às vezes desconcertante, realiza os seus projectos de salvação do homem. Ao homem resta entregar-se confiadamente nas mãos de Deus e deixar que o seu espanto, reconhecimento e adoração se transformem num hino de amor e de louvor ao Deus salvador e libertador.

    LEITURA I - Is 22,19-23

    Leitura do Livro de Isaías

    Eis o que diz o Senhor a Chebna, administrador do palácio:
    «Vou expulsar-te do teu cargo, remover-te-ei do teu posto.
    E nesse mesmo dia chamarei o meu servo Eliacim,
    filho de Elcias.
    Hei-de revesti-lo com a tua túnica,
    hei-de pôr-lhe à cintura a tua faixa,
    entregar-lhe nas mãos os teus poderes.
    E ele será um pai para os habitantes de Jerusalém
    e para a casa de Judá.
    Porei aos seus ombros a chave da casa de David:
    há-de abrir, sem que ninguém possa fechar;
    há-de fechar, sem que ninguém possa abrir.
    Fixá-lo-ei como uma estaca em lugar firme
    e ele será um trono de glória para a casa de seu pai».

    AMBIENTE

    O profeta Isaías nasceu por de 760 a.C., muito provavelmente em Jerusalém. Bastante jovem, sentiu-se chamado por Deus para ser profeta ("no ano da morte do rei Ozias" - Is 6,1 - o que nos coloca por volta de 740-739 a.C.); e vai desempenhar essa missão durante um longo espaço de tempo (os seus últimos oráculos são de finais do séc. VIII ou princípios do séc. VII a.C.), sendo uma espécie de consciência crítica dos vários reis que, nessa fase, presidiram aos destinos do Povo de Deus. De família nobre, Isaías é um homem culto, decidido, enérgico, que frequenta os círculos de poder e faz parte dos notáveis do reino de Judá. Participa nas decisões relativas à condução do reino, fala com autoridade aos altos funcionários (cf. Is 22,15) e mesmo aos reis (cf. Is 7,10). No entanto, isso não significa que apoie as classes altas: os seus maiores ataques são dirigidos aos grupos dominantes - autoridades, juízes, latifundiários, políticos, mulheres da classe alta que vivem num luxo escandaloso (cf. Is 3,16-25)... Defende com paixão os oprimidos, os órfãos, as viúvas (cf. Is 1,17), o povo explorado e desencaminhado pelos governantes (Is 3,12-15). Convida continuamente o seu povo à conversão, pedindo-lhe que se volte para Jahwéh, que respeite os compromissos assumidos, que reaprenda a viver no âmbito da Aliança, que coloque outra vez Deus e os seus mandamentos no centro da vida e da história.
    O oráculo de Isaías que nos é hoje proposto leva-nos à época do rei Ezequias. Em 714 a.C., Ezequias atinge a maioridade e toma conta dos destinos de Judá. Movido pelo desejo de reforma religiosa e de independência política, Ezequias manifestará uma certa propensão para alinhar em alianças políticas contra os assírios (que, desde o reinado de Acaz, mantêm Judá sob a sua autoridade). Em resposta, Senaquerib volta-se contra Judá e devasta-a... Em 701 a.C., Jerusalém é cercada pelos assírios e Ezequias tem de aceitar uma submissão ainda mais onerosa do que a anterior.
    O episódio que nos é narrado, contudo, não se refere aos grandes acontecimentos políticos em que Judá, por esta altura, se vê envolvido. Refere-se, antes, a um episódio doméstico da vida do palácio. Quer Shebna, quer Elyaqîm, aqui referenciados, são altos funcionários de Ezequias, que o segundo livro dos Reis cita a propósito de um episódio relacionado com a invasão de Senaquerib (cf. 2 Re 18,18.26.37).

    MENSAGEM

    O nosso oráculo dirige-se, inicialmente, a Shebna, "administrador do palácio". Anuncia-lhe a expulsão do cargo e a sua substituição por Elyaqîm. Porquê? A razão aparece antes (num versículo que, contudo, o texto que nos é hoje proposto não conservou): Shebna talhou "para si um sepulcro no alto e cavou para si na rocha um mausoléu" (Is 22,16). Porque é que o erigir um monumento funerário é condenado? Talvez porque é sinal do orgulho de Shebna; ou talvez porque Shebna utilizou o dinheiro do povo ou despendeu dinheiro em futilidades num momento difícil para o povo.
    De qualquer forma, Shebna será substituído nas suas funções. Irá ser despojado das insígnias do seu poder (a túnica, o cinto, a chave do palácio), as quais serão revestidas por Elyaqîm.
    Elyaqîm receberá, pois, o "poder das chaves" do palácio. O simbolismo das chaves é particularmente sugestivo: o mordomo do palácio, entre outras coisas, conservava em seu poder as chaves do palácio real, administrava os bens do soberano, fixava a abertura e o fechamento das portas e definia quais os visitantes a introduzir junto do soberano.
    Isaías deposita grande esperança em Elyaqîm e na forma como ele desempenhará as suas funções. A expressão usada pelo profeta a propósito de Elyaqîm - "ele será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá" (vers. 21) - indica que Elyaqîm irá exercer o serviço da autoridade com solicitude, com amor, com justiça... A referência à "estaca" ("fixá-lo-ei como uma estaca num lugar firme" - vers. 23), revela que, na perspectiva de Isaías, Elyaqîm desempenhará as suas funções com grande firmeza.
    Num outro desenvolvimento que a leitura que nos é proposta não conservou, contudo, sugere-se que o "serviço" de Elyaqîm terminou mal... Um comentarista que conheceu a actividade ulterior
    de Elyaqîm retomou a imagem da "estaca" para construir uma crítica à sua venalidade: nessa "estaca" penduraram-se e apoiaram-se todos os familiares de Elyaqîm (os nobres que pertenciam à família, os filhos e os netos) e a "estaca" acabou por cair, arrastando na queda todos aqueles que a ela se seguravam (cf. Is 22,24-25).
    Porque é que esta história privada, este "fait divers" doméstico, nos é hoje proposto como Palavra de Deus? Uma dupla história de corrupção e de venalidade é assim tão importante?
    Ela prepara-nos para entender melhor o Evangelho que nos é hoje proposto. Define em que consiste o verdadeiro serviço "das chaves", o serviço da autoridade: ser um pai para aqueles sobre quem se tem responsabilidade e procurar o bem de todos com solicitude, com amor, com justiça.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir das seguintes questões:

    • O texto convida-nos a uma reflexão sobre a lógica e o sentido do poder... Sugere que o poder é um serviço à comunidade. Quem exerce o poder, deverá fazê-lo com a solicitude, o cuidado, a bondade, a compreensão, a tolerância, a misericórdia, e também com a firmeza com que um pai conduz e orienta os seus filhos. Nessa perspectiva, o serviço da autoridade não é uma questão de poder, mas é uma questão de amor. Será impensável considerar que alguém pode desempenhar com êxito cargos de responsabilidade, se não for guiado pelo amor. É esta mesma lógica que os cristãos devem exigir, seja no exercício do poder civil, seja no exercício do poder no âmbito da comunidade cristã.

    • O exercício do poder, quer para Shebna, quer para Elyaqîm, aparece associado à corrupção, à venalidade, ao aproveitamento do serviço da autoridade para a concretização de finalidades egoístas, interesseiras, pessoais. A Palavra de Deus que nos é proposta vai em sentido contrário: o exercício do poder só faz sentido enquanto está ao serviço do bem comunitário... O exercício de um cargo público supõe, precisamente, a secundarização dos interesses próprios em benefício do bem comum.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 137 (138)

    Refrão 1: Senhor, a vossa misericórdia é eterna:
    não abandoneis a obra das vossas mãos.

    Refrão 2: Pela vossa misericórdia,
    não nos abandoneis, Senhor.

    De todo o coração, senhor, eu Vos dou graças
    porque ouvistes as palavras da minha boca.
    Na presença dos Anjos Vos hei-de cantar
    e Vos adorarei, voltado para o vosso templo santo.

    Hei-de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade,
    porque exaltastes acima de tudo o vosso nome e a vossa promessa.
    Quando Vos invoquei, me respondestes,
    aumentastes a fortaleza da minha alma.

    O Senhor é excelso e olha para o humilde,
    ao soberbo conhece-o de longe.
    Senhor, a vossa bondade é eterna,
    não abandoneis a obra das vossas mãos.

    LEITURA II - Rom 11,33-36

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Como é profunda a riqueza, a sabedoria e a ciência de Deus!
    Como são insondáveis os seus desígnios
    e incompreensíveis os seus caminhos!
    Quem conheceu o pensamento do Senhor?
    Quem foi o seu conselheiro?
    Quem Lhe deu primeiro,
    para que tenha de receber retribuição?
    D'Ele, por Ele e para Ele são todas as coisas.
    Glória a Deus para sempre. Amen.

    AMBIENTE

    Nos capítulos 9-11 da Carta aos Romanos, Paulo reflecte sobre a questão do acesso de Israel à salvação. A questão aí abordada é a seguinte: Israel rejeitou oferta da salvação que Deus fez aos homens, através de Jesus Cristo; isso significa que Israel está, definitivamente, arredado da salvação?
    Paulo não concorda. Ele acha que Deus - esse Deus que prometeu a salvação a Israel - não pode ser infiel às suas promessas. Talvez Ele tenha deixado que Israel, num primeiro momento, recusasse a salvação, para que os gentios pudessem beneficiar dos dons de Deus... Deus "escreve direito por linhas tortas" e pode ter permitido algo de aparentemente mau, para daí tirar um bem maior.
    De resto, Israel foi, desde os primeiros instantes da sua existência, chamado a ser o Povo de Deus; e esse chamamento é irrevogável. O Povo eleito, chamado por Deus desde os seus inícios, não pode deixar de ser objecto especial da misericórdia de Deus.
    O texto que nos é hoje proposto é a conclusão da reflexão de Paulo. Trata-se de um belíssimo hino de louvor, de reconhecimento e de adoração que exalta o desígnio salvador de Deus.

    MENSAGEM

    Depois de reflectir sobre o projecto salvífico de Deus e de ter tentado perceber o lugar de Israel nesse projecto Paulo, abismado, contempla a riqueza de Deus, a sabedoria de Deus e a ciência de Deus (vers. 33). Estas três qualidades de Deus conduzem, depois, às exclamações e interrogações que preenchem o resto do hino (vers. 34-36).
    Fundamentalmente, Paulo reconhece que os desígnios de Deus são misteriosos e ultrapassam infinitamente a capacidade de compreensão e de entendimento do homem. Deus é sempre "mais" do que aquilo que o homem possa imaginar: mais sábio, mais poderoso, mais misericordioso... Ao homem resta reconhecer a sua própria pequenez, os seus próprios limites, a sua própria finitude, a sua própria incapacidade de compreender totalmente esse Deus desconcertante e incompreensível. Mesmo quando as coisas parecem não fazer sentido (porque a lógica de Deus é completamente diferente da lógica dos homens), ao homem resta atirar-se com confiança para os braços de Deus, acolher humildemente a sua Palavra e procurar seguir, com simplicidade e amor os seus caminhos...
    O verdadeiro crente é aquele que, mesmo sem entender o alcance total dos projectos de Deus, se entrega confiadamente nas suas mãos e deixa que o seu espanto, reconhecimento e adoração se transformem num hino de louvor: "glória a Deus para sempre. Amén".

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar as seguintes questões:

    • Antes de mais, o nosso texto convida-nos a reflectir sobre Deus... Convida-nos a mergulhar no seu mistério, a reconhecer a sua riqueza, sabedoria e ciência; convida-nos a reconhecer a nossa incapacidade de entender cabalmente os seus projectos; convida-nos a perceber que Deus, na sua infinita sabedoria, nos ultrapassa completamente. Por isso, precisamos de ter cuidado com as imagens de Deus que criamos e que apresentamos... O nosso Deus não é um Deus "domesticado" pelo homem, previsível, fantoche, lógico pelos padrões humanos, que se encaixa nas teorias de uma qualquer igreja ou catequese... O verdadeiro crente n&a
    tilde;o é aquele que "sabe" tudo sobre Deus, que tem respostas feitas sobre Ele, que pretende conhecê-l'O perfeitamente e dominá-l'O; mas é aquele que, com honestidade e verdade, mergulha na infinita grandeza de Deus, abisma-se na contemplação do seu mistério, entrega-se confiadamente nas suas mãos... e deixa que o seu espanto e admiração se transformem num cântico de adoração e de louvor.

    • Esse Deus omnipotente, que nunca conseguiremos definir, controlar e explicar não é um concorrente ou um adversário do homem, preocupado em afirmar a sua grandeza e omnipotência à custa da humilhação do homem... Mas é um pai, preocupado com a felicidade dos seus filhos e com um projecto de salvação que Ele pretende que os homens acolham. É verdade que muitas vezes não percebemos o alcance desse projecto; mas se virmos em Deus, não um concorrente mas um pai cheio de amor, aprenderemos a não nos fecharmos no orgulho e na auto-suficiência e a acolhermos, com gratidão, os seus dons - como um menino que recebe do pai a vida, o alimento, o afecto, o amor.

    ALELUIA - Mt 16,18

    Aleluia. Aleluia.

    Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja
    e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

    Evangelho: Mt 16,13-20

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    Jesus foi para os lados de Cesareia de Filipe
    e perguntou aos seus discípulos:
    «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?»
    Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista,
    outros que é Elias,
    outros que é Jeremias ou algum dos profetas».
    Jesus perguntou: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
    Então, Simão Pedro tomou a palavra e disse:
    «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo».
    Jesus respondeu-lhe:
    «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas,
    porque não foram a carne e o sangue que to revelaram,
    mas sim meu Pai que está nos Céus.
    Também Eu te digo: Tu és Pedro;
    sobre esta pedra edificarei a minha Igreja
    e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
    Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus:
    tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus,
    e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».
    Então, Jesus ordenou aos discípulos
    que não dissessem a ninguém
    que Ele era o Messias.

    AMBIENTE

    O Evangelho deste domingo situa-nos no Norte da Galileia, perto das nascentes do rio Jordão, em Cesareia de Filipe (na zona da actual Bânias). A cidade tinha sido construída por Herodes Filipe (filho de Herodes o Grande) no ano 2 ou 3 a.C., em honra do imperador Augusto.
    O episódio que nos é proposto ocupa um lugar central no Evangelho de Mateus. Aparece num momento de viragem, quando começa a perfilar-se no horizonte de Jesus um destino de cruz. Depois do êxito inicial do seu ministério, Jesus experimenta a oposição dos líderes e um certo desinteresse por parte do Povo. A sua proposta do Reino não é acolhida, senão por um pequeno grupo - o grupo dos discípulos.
    É, então, que Jesus dirige aos discípulos uma série de perguntas sobre si próprio. Não se trata, tanto, de medir a sua quota de popularidade; trata-se, sobretudo, de tornar as coisas mais claras para os discípulos e confirmá-los na sua opção de seguir Jesus e de apostar no Reino.
    O relato de Mateus é um pouco diferente do relato do mesmo episódio feito por outros evangelistas (nomeadamente Marcos - cf. Mc 8,27-30). Mateus remodelou e ampliou o texto de Marcos, acrescentando a afirmação de que Jesus é o Filho de Deus e a missão confiada a Pedro.

    MENSAGEM

    O nosso texto pode dividir-se em duas partes. A primeira, de carácter mais cristológico, centra-se em Jesus e na definição da sua identidade. A segunda, de carácter mais eclesiológico, centra-se na Igreja, que Jesus convoca à volta de Pedro.
    Na primeira parte (vers. 13-16), Jesus interroga duplamente os discípulos: acerca do que as pessoas dizem dele e acerca do que os próprios discípulos pensam.
    A opinião dos "homens" vê Jesus em continuidade com o passado ("João Baptista", "Elias", "Jeremias" ou "algum dos profetas"). Não captam a condição única de Jesus, a sua novidade, a sua originalidade. Reconhecem, apenas, que Jesus é um homem convocado por Deus e enviado ao mundo com uma missão - como os profetas do Antigo Testamento... Mas não vão além disso. Na perspectiva dos "homens", Jesus é, apenas, um homem bom, justo, generoso, que escutou os apelos de Deus e que Se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens antes d'Ele (vers. 13-14). É muito, mas não é o suficiente: significa que os "homens" não entenderam a novidade do Messias, nem a profundidade do mistério de Jesus.
    A opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião comum. Pedro, porta-voz da comunidade dos discípulos, resume o sentir da comunidade do Reino na expressão: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (vers. 16). Nestes dois títulos resume-se a fé da Igreja de Mateus e a catequese aí feita sobre Jesus. Dizer que Jesus é "o Cristo" (Messias) significa dizer que Ele é esse libertador que Israel esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva. No entanto, para os membros da comunidade do Reino, Jesus não é apenas o Messias: é também o "Filho de Deus". No Antigo Testamento, a expressão "Filho de Deus" é aplicada aos anjos (cf. Dt 32,8; Sal 29,1; 89,7; Job 1,6), ao Povo eleito (cf. Ex 4,22; Os 11,1; Jer 3,19), aos vários membros do Povo de Deus (cf. Dt 14,1-2; Is 1,2; 30,1.9; Jer 3,14), ao rei (cf. 2 Sm 7,14) e ao Messias/rei da linhagem de David (cf. Sal 2,7; 89,27). Designa a condição de alguém que tem uma relação particular com Deus, a quem Deus elegeu e a quem Deus confiou uma missão. Definir Jesus como o "Filho de Deus" significa, não só que Ele recebe vida de Deus, mas que vive em total comunhão com Deus, que desenvolve com Deus uma relação de profunda intimidade e que Deus Lhe confiou uma missão única para a salvação dos homens; significa reconhecer a profunda unidade e intimidade entre Jesus e o Pai e que Jesus conhece e realiza os projectos do Pai no meio dos homens. Os discípulos são convidados a entender dessa forma o mistério de Jesus.
    Na segunda parte (vers. 17-20), temos a resposta de Jesus à confissão de fé da comunidade dos discípulos, apresentada pela voz de Pedro. Jesus começa por felicitar Pedro (isto é, a comunidade) pela clareza da fé que o anima. No entanto, essa fé não é mérito de Pedro, mas um dom de Deus ("não foram a carne e o sangue q
    ue to revelaram, mas sim o meu Pai que está nos céus" - vers. 17). Pedro (os discípulos) pertence a essa categoria dos "pobres", dos "simples", abertos à novidade de Deus, que têm um coração disponível para acolher os dons e as propostas de Deus (esses "pobres" e "simples" estão em contraposição com os líderes - fariseus, doutores da Lei, escribas - instalados nas suas certezas, seguranças e preconceitos, incapazes de abrir o coração aos desafios de Deus).
    O que é que significa Jesus dizer a Pedro que ele é "a rocha" (o nome "Pedro" é a tradução grega do hebraico "Kephâ" - "rocha") sobre a qual a Igreja de Jesus vai ser construída? As palavras de Jesus têm de ser vistas no contexto da confissão de fé precedente. Mateus está, portanto, a afirmar que a base firme e inamovível sobre a qual vai assentar a Ekklesia de Jesus é a fé que Pedro e a comunidade dos discípulos professam: a fé em Jesus como o Messias, Filho de Deus vivo.
    Para que seja possível a Pedro testemunhar que Jesus é o Messias Filho de Deus e edificar a comunidade do Reino, Jesus promete-lhe "as chaves do Reino dos céus" e o poder de "ligar e desligar". A entrega das chaves equivale à nomeação do "administrador do palácio" de que falava a primeira leitura: o "administrador do palácio", entre outras coisas, administrava os bens do soberano, fixava o horário da abertura e do fechamento das portas do palácio e definia quais os visitantes a introduzir junto do soberano... Por outro lado, a expressão "atar e desatar" designava, entre os judeus da época, o poder para interpretar a Lei com autoridade, para declarar o que era ou não permitido, para excluir ou reintroduzir alguém na comunidade do Povo de Deus. Assim, Jesus nomeia Pedro para "administrador" e supervisor da Igreja, com autoridade para interpretar as palavras de Jesus, para adaptar os ensinamentos de Jesus a novas necessidades e situações, e para acolher ou não novos membros na comunidade dos discípulos do Reino (atenção: todos são chamados por Deus a integrar a comunidade do Reino; mas aqueles que não estão dispostos a aderir às propostas de Jesus não podem aí ser admitidos).
    Trata-se, aqui, de confiar a um homem (Pedro) um primado, um papel de liderança absoluta (o poder das chaves, o poder de ligar e desligar) da comunidade dos discípulos? Ou Pedro é, aqui, um discípulo que dá voz a todos aqueles que acreditam em Jesus e que representa a comunidade dos discípulos? É difícil, a partir deste texto, fazer afirmações concludentes e definitivas. O poder de "ligar e desligar", por exemplo, aparece noutro contexto, confiado à totalidade da comunidade e não a Pedro em exclusivo (cf. Mt 18,18). Provavelmente, o mais correcto é ver em Pedro o protótipo do discípulo; nele, está representada essa comunidade que se reúne à volta de Jesus e que proclama a sua fé em Jesus como o "Messias" e o "Filho de Deus". É a essa comunidade, representada por Pedro, que Jesus confia as chaves do Reino e o poder de acolher ou excluir. Isso não invalida que Pedro fosse uma figura de referência para os primeiros cristãos e que desempenhasse um papel de primeiro plano na animação da Igreja nascente, sobretudo nas comunidades da Síria (as comunidades a que o Evangelho de Mateus se destina).

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar os seguintes dados:

    • Quem é Jesus? O que é que "os homens" dizem de Jesus? Muitos dos nossos conterrâneos vêem em Jesus um homem bom, generoso, atento aos sofrimentos dos outros, que sonhou com um mundo diferente; outros vêem em Jesus um admirável "mestre" de moral, que tinha uma proposta de vida "interessante", mas que não conseguiu impor os seus valores; alguns vêem em Jesus um admirável condutor de massas, que acendeu a esperança nos corações das multidões carentes e órfãs, mas que passou de moda quando as multidões deixaram de se interessar pelo fenómeno; outros, ainda, vêem em Jesus um revolucionário, ingénuo e inconsequente, preocupado em construir uma sociedade mais justa e mais livre, que procurou promover os pobres e os marginais e que foi eliminado pelos poderosos, preocupados em manter o "status quo". Estas visões apresentam Jesus como "um homem" - embora "um homem" excepcional, que marcou a história e deixou uma recordação imorredoira. Jesus foi, apenas, um "homem" que deixou a sua pegada na história, como tantos outros que a história absorveu e digeriu?

    • Para os discípulos, Jesus foi bem mais do que "um homem". Ele foi e é "o Messias, o Filho de Deus vivo". Defini-l'O dessa forma significa reconhecer em Jesus o Deus que o Pai enviou ao mundo com uma proposta de salvação e de vida plena, destinada a todos os homens. A proposta que Ele apresentou não é apenas uma proposta de "um homem" bom, generoso, clarividente, que podemos admirar de longe e aceitar ou não; mas é uma proposta de Deus, destinada a tornar cada homem ou cada mulher uma pessoa nova, capaz de caminhar ao encontro de Deus e de chegar à vida plena da felicidade sem fim. A diferença entre o "homem bom" e o "Messias, Filho de Deus", é a diferença entre alguém a quem admiramos e que é igual a nós, e alguém que nos transforma, que nos renova e que nos encaminha para a vida eterna e verdadeira.

    • "E vós, quem dizeis que Eu sou?" É uma pergunta que deve, de forma constante, ecoar nos nossos ouvidos e no nosso coração. Responder a esta questão não significa papaguear lições de catequese ou tratados de teologia, mas sim interrogar o nosso coração e tentar perceber qual é o lugar que Cristo ocupa na nossa existência... Responder a esta questão obriga-nos a pensar no significado que Cristo tem na nossa vida, na atenção que damos às suas propostas, na importância que os seus valores assumem nas nossas opções, no esforço que fazemos ou que não fazemos para o seguir... Quem é Cristo para mim?

    • É sobre a fé dos discípulos (isto é, sobre a sua adesão ao Cristo libertador e salvador, que veio do Pai ao encontro dos homens com uma proposta de vida eterna e verdadeira) que se constrói a Igreja de Jesus. O que é a Igreja? O nosso texto responde de forma clara: é a comunidade dos discípulos que reconhecem Jesus como "o Messias, o Filho de Deus". Que lugar ocupa Jesus na nossa experiência de caminhada em Igreja? Porque é que estamos na Igreja: é por causa de Jesus Cristo, ou é por outras causas (tradição, inércia, promoção pessoal...)?

    • A Igreja de Jesus não existe, no entanto, para ficar a olhar para o céu, numa contemplação estéril e inconsequente do "Messias, Filho de Deus"; mas existe para O testemunhar e para levar a cada homem e a cada mulher a proposta de salvação que Cristo veio oferecer. Temos consciência desta dimensão "profética" e missionária da Igreja? Os homens e as mulheres com quem contactamos no dia a dia - em casa, no emprego, na escola, na rua, no prédio, nos acontecimentos sociais - recebem de nós este anúncio e este convite a integrar a comunidade da salvação?

    • A comunidade dos discípulos é uma comunidade organizada e estruturada, onde existem pessoas que presidem e que desempenham o serviço da autoridade. Essa autoridade não é, no entanto, absoluta; mas é uma autoridade que deve, constantemente, ser amor e serviço. Sobretudo, é uma autoridade que deve procurar discernir, em cada momento, as propostas de Cristo e a interpelação que Ele lança aos discípulos e a todos os homens.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. ACLAMAR O FILHO DE DEUS VIVO.
    A Boa Nova deste domingo convida a dar uma atenção particular à profissão de fé. Poder-se-ia dar um maior destaque à aclamação ao Evangelho. O presidente apresenta o Evangeliário aberto à assembleia, dizendo: "Senhor Jesus, cremos que tens palavras de vida eterna!" A assembleia retoma o refrão, cantando: "Louvor e glória a Ti, Senhor Jesus" (ou outro refrão). Depois: "Senhor Jesus, cremos que és o Salvador de todos os homens" e refrão. E finalmente: "Senhor Jesus, cremos que és o Caminho, a Verdade e a Vida" e refrão.

    3. INSISTIR NA PROFISSÃO DE FÉ.
    Como eco ao texto do Evangelho (confissão de fé de Pedro), pode-se insistir particularmente na profissão de fé. Poder-se-á tomar a do tipo pergunta/resposta: profissão de fé baptismal ou uma das propostas no ritual da confirmação. Recorde-se que a resposta é sempre "CREIO" e não "cremos".

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Mestre do universo, nós Te louvamos porque em todo o tempo enviaste profetas. Iluminados pelo teu Espírito, eles perceberam os sinais dos tempos. Tornados fortes pelo teu Espírito, denunciaram o mal com coragem.
    Nós Te pedimos: torna-nos receptivos aos profetas do nosso tempo, suscita pastores para as nossas comunidades e para o nosso mundo.

    No final da segunda leitura:
    Deus, que ultrapassas infinitamente tudo o que possamos imaginar, com o apóstolo Paulo proclamamos a profundidade e a riqueza da tua sabedoria e da tua ciência. A Ti, glória eterna!
    Nós Te pedimos pelos pregadores, catequistas, teólogos e mensageiros da tua Palavra. Que o teu Espírito nos eduque para a acção de graças.

    No final do Evangelho:
    Jesus, nosso irmão, com o apóstolo Pedro proclamamos os títulos que revelam a tua natureza e a tua missão: Filho do homem, novo Elias, grande Profeta, Messias, Filho do Deus vivo. Nós Te bendizemos!
    Nós Te pedimos pela tua Igreja, pelo sucessor de Pedro e por todos os bispos a quem confias as chaves do teu Reino.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística I, que nomeia os Apóstolos e em particular Pedro, de quem o Evangelho de hoje fala da confissão de fé.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    «Para vós, quem sou Eu?» Tomemos tempo para colocar esta questão a nós mesmos, no real muito concreto das nossas existências. Quem é Jesus para nós? E que "dizemos" d'Ele - ou não dizemos - quando se apresenta ocasião para testemunhar a nossa fé?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

    S. Mónica

    S. Mónica


    27 de Agosto, 2023

    Santa Mónica nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 331 ou 332, no seio de uma família cristã e com boas condições sociais. Ainda adolescente, foi dada em casamento a Patrício, que possuía um modesto património e era membro do conselho municipal de Tagaste. Mónica é uma mulher africana, mãe de um dos maiores Padres da Igreja, S. Agostinho. «Era mulher no aspecto, mas viril na fé, anciã na pacatez, materna no amor, verdadeira cristã» - escreve Agostinho (Conf. IX, 4,8). Ganhou para Cristo o marido e o filho. Esteve presente no batismo de Agostinho, em Milão, e acompanhou de perto a sua primeira experiência monástica em Casissíaco. Quando voltava para África, com o filho e os amigos, morreu em Óstia Tiberina, perto de Roma, antes de 13 de Novembro de 387.

    Lectio

    Primeira leitura: Ben-Sirá: 26, 1-4.13-16

    Feliz o homem que tem uma virtuosa mulher, porque será dobrado o número dos seus anos. 2A mulher forte é a alegria do marido; derramará paz nos anos da sua vida. Uma mulher virtuosa é uma sorte excelente, é o prémio dos que temem o Senhor.4Rico ou pobre, o seu coração será feliz, e o seu rosto ver-se-á sempre alegre. 13A graça de uma mulher deleita o marido, e seu bom proceder revigora-lhe os ossos. 14É dom do Senhor uma mulher silenciosa; nada é comparável a uma mulher bem educada. 15A mulher honesta é uma graça inestimável; não há preço comparável a uma alma casta. 16Como o sol se eleva nas alturas do Senhor, assim a beleza de uma mulher virtuosa é ornamento da sua casa.

    Esta leitura realça a especificidade da mulher de cuja bondade e virtude depende a felicidade do homem. Na casa, a mulher é mediadora e incarnação da beleza de Deus. O homem pode, não só contemplar essa beleza, mas também desposá-la. A felicidade, a alegria, a serenidade, a boa sorte, a paz, a vida longa, o vigor e, enfim, a graça, são como que veiculados por esse tipo de mulher que incarna em si os atributos da virtude. A mulher virtuosa do Ben-Sirá, ou a mulher perfeita dos Provérbios, é a própria Sabedoria

    Evangelho: Lucas 7, 11-17

    Naquele tempo, dirigia-se Jesus para uma cidade chamada Naim, indo com Ele os seus discípulos e uma grande multidão. 12Quando estavam perto da porta da cidade, viram que levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que era viúva; e, a acompanhá‑la, vinha muita gente da cidade. 13Vendo‑a, o Senhor compadeceu­-se dela e disse‑lhe: «Não chores.» 14Aproximan­do-se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam. Disse então: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta‑te!» 15O morto sentou‑se e começou a falar. E Jesus entregou‑o à sua mãe. 16O temor apoderou‑se de todos, e davam glória a Deus, dizendo: «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» 17E a fama deste milagre espalhou‑se pela Judeia e por toda a região.

    O centro desta narrativa de Lucas é o encontro de Jesus com aquela mulher, uma viúva, só, sem amor, mãe de um filho, a que deu a vida, mas que agora não pode arrancar da morte. Temos aqui alguns paralelismos com a paixão e ressurreição de Jesus: o encontro, que acontece «perto da porta da cidade» de Naim, portanto, fora dela, e a sua crucifixão fora das portas de Jerusalém; o «caixão» e o seu «sepulcro»; o «levantar-se, ressuscitar» do jovem e a Sua ressurreição (de Jesus). Lucas revela aqui a identidade de Jesus: o Ressuscitado, o Vencedor da morte é também o Senhor de misericórdia. Ele assume em si os sentimentos maternos daquela mulher: todo o seu espírito se envolve numa co-moção profunda, visceral, como acontece com as «vísceras maternas», que se abrem para acolher uma nova criatura no acto de dar lugar, de con-sentir (alegria e dor), com alguém que está nelas (cfr. Lc 15, 20). Jesus dá à mulher uma ordem paradoxal: «não chores!» É uma palavra que leva em si a força e a ternura de uma promessa - «Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Porque as primeiras coisas passaram.» (Ap 21, 4) - uma promessa de felicidade, que vai para além da morte. Aqui encontramos todo o sentido da incarnação, sinteticamente expresso no gesto de Jesus que «toca» o caixão e pronuncia, ali onde o homem se encontra no fim, a Palavra que o faz recomeçar: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta‑te!»
    No contacto com Jesus e com a sua palavra, o filho morto é novamente dado à vida. Da escuridão do sem sentido e do isolamento, é restituído à relação vital com os outros e com o mundo. Adquire novamente a capacidade de falar e de comunicar. E Jesus, com um gesto de grande delicadeza, «entregou‑o à sua mãe».

    Meditatio

    Mónica é uma «santa» e, portanto, uma «mulher» verdadeira. Nela convergem e incarnam a beleza da «mulher virtuosa» do Ben-Sirá e a materna com-paixão da «viúva» do Novo Testamento, que faz da sua vida uma intercessão pelo filho. A santidade de Mónica leva-nos ao coração da vocação e da missão da mulher. Mónica realizou até ao fim a missão de «guarda do homem». Enfrentou com grande dignidade e inteligência, com a genialidade própria da mulher, as dificuldades da vida matrimonial com um homem «pagão» de carácter muito difícil, «a quem - diz cruamente Agostinho - foi entregue». Sem jamais perder o gosto pelo bem, mesmo nas adversidades, «esforçou-se por ganhá-lo para Ti, falando-lhe de Ti com as suas virtudes com que a embelezaste e por meio das quais lhe merecias o seu afecto respeitoso e admirado» (S. Agostinho, Confissões IX, 9, 19).
    Servindo-se das grandes forças do espírito feminino apoiou, com as lágrimas e a oração de uma vida toda consagrada a Deus, a verdadeira luta pela fé do seu filho Agostinho. Esta luta é «a luta pelo homem, pelo seu verdadeiro bem, pela sua salvação».
    De Mónica, Agostinho escreverá mais tarde: «Creio, sem qualquer dúvida que, pelas tuas lágrimas, mãe, Deus concedeu-me não querer, não pensar, não amar outra coisa senão alcançar a verdade». Mónica é, pois, mãe numa dupla maternidade: «Deu-me à luz na carne, para que eu nascesse para a luz temporal, e deu-me à luz no espírito para que eu nascesse para a luz eterna»» (Conf IX, 8s.). Se a mulher na relação homem-Deus representa o ponto de encontro da humanidade com Deus, mesmo pela maternidade de que é portadora, em Mónica, no seu ser mãe em plenitude, a paternidade de Deus pôde agir numa admirável aliança.

    Oratio

    Pai santo, na sua vida mortal, o vosso Filho Jesus passou fazendo o bem e socorrendo todos os que eram prisioneiros do mal. Ainda hoje, como bom samaritano, vem ao encontro de todos os homens atribulados no corpo ou no espírito e derrama sobre as suas feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança. Nós vos louvamos e bendizemos pelo que, por meio de Cristo, fizestes em Santa Mónica e no seu filho Agostinho. Por intercessão da mãe e do filho, dai-nos a graça de chorarmos os nossos pecados para alcançarmos o vosso perdão. Ámen.

    Contemplatio

    O Coração de Jesus é compassivo, não só com os doentes, mas também com todos os que sofrem e se encontram em dificuldade. Como é bom para com as almas provadas pela perda daqueles que lhe são caros, como Jairo, cujo filho bem-amado acabava de morrer. Como é bom para com a pobre viúva de Naim que leva o seu filho único à sepultura, para com Marta e Madalena que choram o seu irmão. Está emocionado até ao fundo da alma, chora. As suas lágrimas comovem os próprios judeus. Apela ao poder divino para ressuscitar os mortos. A sua compaixão para com Jerusalém é imensa: chora por causa das tribulações futuras desta cidade ingrata e culpada. Num movimento de compaixão sem medida, abre os seus braços a todos os infortunados: «Vinde a mim, diz, vós todos que sofreis e que sois esmagados sob o peso do trabalho e da dor; vinde e vos aliviarei». No caminho do calvário, esquece os seus próprios sofrimentos para se compadecer das filhas de Jerusalém e convidá-las a chorar pelos castigos que cairão em breve sobre a sua pátria. (L. Dehon, OSP 4, p. 139s.).

    Actio

    Repete com frequência e vive a expressão de Santo Agostinho:
    «Quem é feliz tem Deus» (De vita beata, II, 11).
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    S. Mónica (27 Agosto)

  • S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja

    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja


    28 de Agosto, 2023

    Santo Agostinho nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 354. A sua mãe, Santa Mónica, educou-o cristãmente. As suas qualidades intelectuais depressa se revelaram, apontando para um futuro brilhante como mestre de retórica. Apesar de tudo, enveredou por uma vida dissoluta. Mas não se apagou nele a sede nem a ânsia da verdade. Leu o Hortêncio, de Cícero, e a Sagrada Escritura. Não se entusiasmou e acabou por aderir ao racionalismo e ao materialismo dos Maniqueus. Rumando à Itália, conheceu o bispo Santo Ambrósio de Milão. Reviu as suas posições acerca da Igreja Católica, voltou a ler a Bíblia e abriu-se definitivamente à luz e à riqueza de Cristo. Batizado em 387, regressou a África e fundou a sua primeira comunidade monástica em Tagaste, organizando-a segundo o modelo das comunidades de que nos falam os Atos dos Apóstolos. Em 391 foi ordenado sacerdote pelo bispo Valério, a quem sucedeu no governo da diocese de Hipona, no ano 395. Transferiu a sua comunidade para a casa episcopal, e dedicou-se ao ministério da Palavra e à defesa da fé. Escreveu mais de duzentos livros, e quase um milhar de sermões e cartas. Morreu a 28 de Agosto de 430. S. Agostinho é um dos padroeiros da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 4, 7-16

    Caríssimos: Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. 8Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor. 9E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. 10É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. 11Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros. 12A Deus nunca ninguém o viu; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição em nós. 13Damos conta de que permanecemos nele, e Ele em nós, por nos ter feito participar do seu Espírito. 14Nós o contemplámos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. 15Quem confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus.

    "Deus é amor". Por isso, mais do que procurá-lo com os olhos ou a mente, há que procurá-lo com o coração. Além disso, só os puros de coração verão a Deus (cf. Mt 5, 8). Se queremos ver a Deus, também com os nossos olhos, há que purificá-los, afastando as imperfeições que nos impedem ver a Deus. "Deus é amor". Que rosto, forma, estatura, pés, mãos, tem o amor? Não sabemos dizê-lo. Mas dispomos de pés para ir à Igreja, de mãos para fazer o bem, os olhos para ver os necessitados. O campo para exercer o amor é a caridade fraterna. Podemos dizer que não vemos a Deus; mas não podemos dizer que não vemos os homens. Se amamos os irmãos, veremos a Deus, porque veremos a própria caridade, e Deus habita na caridade.(Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário a 1 Jo 9, 1; VII, 10; v. 7).

    Evangelho: Mateus 13, 8-12

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Não vos deixeis tratar por 'mestres', pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai', porque um só é o vosso 'Pai': aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores', porque um só é o vosso 'Doutor': Cristo. 11O maior de entre vós será o vosso servo.12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

    O amor precede a observância dos mandamentos. A amor é a causa geradora da observância dos mandamentos. Não se trata só de nos amarmos uns aos outros, mas também de amar a Deus. Se o amor é a plenitude da lei (cf. Rm 13, 10), onde há caridade nada mais pode haver. Pelo contrário, onde não há caridade, nada nos pode valer. O diabo acredita mas não ama; mas quem ama não pode deixar de acreditar. Só amando a Deus podemos amar a nós mesmos e aos outros como a nós mesmos. Havemos de amar a todos para que Deus seja tudo em todos. (Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário ao Ev. de João LXXX, 2,3; LXXXII, 2).

    Meditatio

    Santo Agostinho é uma verdadeira parábola de amor apaixonado. A inquietação do coração, a saudade, o desejo, que o enchem interiormente, manifestam-se na procura incansável da verdade e do amor, num clima de oração permanente. Agostinho procura a sua própria identidade, a semelhança divina. Abre completamente a Deus o seu passado, o seu presente e o seu futuro, na certeza de que só Deus é capaz de vencer as suas resistências, medos, fraquezas humanas e saciar a sua sede.
    "Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti" (Confissões 1, 1). À luz da verdade reencontrada, Agostinho vê claramente o seu pecado e a necessidade da graça, da intervenção divina, e dá-se conta da orgulhosa pretensão do seu eu. Mas tudo acontece, agora, no centro do seu perene diálogo com Deus. Foi Deus quem o despertou, porque o ama. Esta certeza é para Agostinho garantia de que a graça de Cristo vencerá o seu pecado. Será restaurado nele "a ordem do amor" e, com essa restauração, poderá experimentar a bem-aventurança da paz e da liberdade sem fim. "Chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez... Tocaste-me e agora desejo ardentemente a paz" (Confissões, 10, 27).

    Oratio

    Senhor, eu amo-te. Trespassaste o meu coração com a tua palavra e desde então amei-te. O céu e a terra dizem-me que devo amar-te e não cessam de o dizer a todos. Quando te amo, não amo uma beleza corporal, uma graça passageira, a claridade de uma luz amável, os sons de uma qualquer melodia, o perfume de flores, de unguentos ou aromas, do maná ou do mel, ou membros que se entregam ao abraço: nada disso amo quando amo o meu Deus. E todavia amo uma certa luz, uma certa voz, um certo perfume e alimento e amplexo quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, amplexo do meu homem interior, onde brilha na minha alma aquilo que nada contém... É isso que amo, quando amo o meu Deus" (inspirado em Santo Agostinho, Confissões X, 6.8).

    Contemplatio

    Santo Agostinho não conheceu o símbolo do Coração de Jesus saído do seu lado para significar o seu amor, mas em todo o resto pode chamar-se um santo do Sagrado Coração. Ninguém falou melhor do lado de Jesus aberto pela lança para daí deixar escapar o sangue e a água, símbolo dos sacramentos e da Igreja. Viu nas chagas de Jesus um refúgio para a nossa alma. As belas invocações da oração Anima Christi são tiradas das suas efusões de amor para com o Salvador: «Água do lado de Jesus, dizia, purificai-me. - Jesus, escondei-me nas vossas chagas». Quem melhor do que ele cantou o amor de Deus? - «Ó Deus, dizia, é possível a alguém saber que sois Deus e que vos não ame? - Ó beleza sempre antiga e sempre nova, tarde vos conheci, tarde vos amei! - Fizestes-nos para vós, Senhor, e o nosso coração está sempre agitado, enquanto não repousa em vós». A regra composta por ele para a sua ordem religiosa foi justamente chamada a regra de amor. Ela respeita o mais puro amor de Deus e do próximo. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Ama e faz o que queres" (S. Agostinho, Comentário a 1 Jo VII, 8).

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    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja (28 Agosto)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Segunda-feira

    28 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Tessalonicenses 1, 1-5.8b-10

    Paulo, Silvano e Timóteo à igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica. A vós, graça e paz. 2Damos continuamente graças a Deus por todos vós, recordando-vos sem cessar nas nossas orações; 3a vosso respeito, guardamos na memória a actividade da fé, o esforço da caridade e a constância da esperança, que vêm de Nosso Senhor Jesus Cristo, diante de Deus e nosso Pai, 4conhecendo bem, irmãos amados de Deus, a vossa eleição, 5pois o nosso Evangelho não se apresentou a vós apenas como uma simples palavra, mas também com poder e com muito êxito pela acção do Espírito Santo; vós sabeis como estivemos entre vós para vosso bem. 8bPor toda a parte se propagou a fama da vossa fé em Deus, de tal modo que não temos necessidade de falar disso. 9De facto, são eles próprios que contam o acolhimento que vós nos fizestes e como vos convertestes dos ídolos a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro 10e para aguardardes do Céu o seu Filho, que Ele ressuscitou de entre os mortos, Jesus, que nos livra da ira que está para vir.

    A primeira carta aos Tessalonicenses é a mais antiga das cartas atribuídas, com certeza, a Paulo. O Apóstolo começa por manifestar a sua alegria por poder reatar as suas relações com a comunidade de Tessalónica (1, 2-3-3, 13) e defende-se das más interpretações que alguns fizeram da sua saída repentina (2, 1-12.17-20). Mas este texto bíblico, que a liturgia nos fará ler nos próximos dias, de modo quase contínuo, é um testemunho essencial daquilo que fundamenta a nossa fé.
    Paulo encoraja, elogia, agradece; por vezes, repreende e chama à observância dos princípios fundamentais da fé em Cristo. Mas todo o texto está cheio da expectativa da vinda de Cristo na glória. Paulo baseia a sua fé na experiência do Espírito, comunicada através da pregação evangélica. A argumentação central do texto que hoje escutamos confirma o que dissemos. O anúncio do Evangelho, feito por Paulo deu aos Tessalonicenses, é a prova da presença e da acção do Espírito de Jesus ressuscitado. Essa presença e acção manifestaram-se nos prodígios e sinais miraculosos, e na «profunda convicção», ou seja, na plenitude de fé em Cristo com que Paulo falou e agiu. Esta fé, que une Paulo e os destinatários da carta, é objecto de «constante esperança», que pode orientar o compromisso quotidiano na comunidade, tanto o do Apóstolo, como o dos Tessalonicenses. A origem e o motor de tudo isto é o amor de Deus, amor de «eleição» (v. 4), e, portanto, livre e gratuito.

    Evangelho: Mateus 23, 13-22

    Naquele tempo, disse Jesus: 13Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque fechais aos homens o Reino do Céu! Nem entrais vós nem deixais entrar os que o querem fazer. 14Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que devorais as casas das viúvas, com o pretexto de prolongadas orações! Por isso, sereis mais rigorosamente julgados. 15Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito e, depois de o terdes seguro, fazeis dele um filho do inferno, duas vezes pior do que vós! 16Ai de vós, guias cegos, que dizeis: 'Se alguém jura pelo santuário, isso não tem importância; mas, se jura pelo ouro do santuário, fica sujeito ao juramento.' 17Insensatos e cegos! Que é o que vale mais? O ouro ou o santuário, que tornou o ouro sagrado? 18Dizeis ainda: 'Se alguém jura pelo altar, isso não tem importância; mas, se jura pela oferta que está sobre o altar, fica sujeito ao juramento.' 19Cegos! Qual é o que vale mais? A oferta ou o altar, que torna sagrada a oferta? 20Portanto, jurar pelo altar é o mesmo que jurar por ele e por tudo o que está sobre ele; 21jurar pelo santuário é jurar por ele e por aquele que nele habita; 22jurar pelo Céu é jurar pelo trono de Deus e por aquele que nele está sentado.

    Jesus prossegue as denúncias contra os escribas e fariseus. Embora fossem representantes oficiais da religiosidade, tinham-se convertido em sério obstáculo para a fé. Por isso, Aquele que se definiu como «manso e humilde de coração», que se comove diante do sofrimento dos outros, que é afável com os pecadores, terno com os pobres e pequenos, que chora pensando na destruição de Jerusalém, condena agora, em tom severo, a hipocrisia religiosa dos fariseus. Os «Ai de vós», na linguagem profética, exprimem uma ameaça de castigo e de juízo, mas também a dor de quem deve falar por causa do mal deplorável.
    Um dos «Ai de vós» dirige-se aos escribas e fariseus que, recusando Jesus e a sua mensagem, também impedem outros de entrar no Reino. O segundo «Ai de vós» dirige-se contra o proselitismo dos judeus, que apenas visa subtrair pessoas à salvação, para as tornar fechadas, rígidas, fanáticas e perigosas como eles, e mais do que eles. O terceiro «Ai de vós» dirige-se aos «guias cegos» que, com as subtilezas da sua casuística, obscurecem o sentido profundo da lei. Invertem a hierarquia de valores: o ouro vale mais que o templo, e a oferta mais que o altar. Falta-lhes o discernimento e a interioridade.

    Meditatio

    Paulo inicia a sua primeira carta aos Tessalonicenses com uma acção de graças a Deus por essa comunidade e por poder reatar relações, precipitadamente interrompidas com ela, quando teve de deixar a cidade por causa da reacção dos judeus à sua pregação: «Damos continuamente graças a Deus por todos vós» (v. 2). Esta acção de graças inicial dá o tom a toda a carta e demonstra-nos que, tudo quanto Paulo diz, é por ele considerado dom de Deus. O Apóstolo dá graças a Deus pelo empenho dos Tessalonicenses na fé, pelo seu compromisso na caridade, pela sua constância na esperança. São obras dos Tessalonicenses, mas, em última análise, são obra de Deus neles. A fé, a esperança e a caridade não são, em primeiro lugar, realizações humanas, mas "virtudes infusas", ou seja, dons de Deus, que nos põem em relação pessoal com Ele, embora não o mereçamos. Se os Tessalonicenses são generosos na vivência dessas virtudes, essa generosidade deve atribuir-se, acima de tudo, a Deus. É essa actuação de Deus, na comunidade de Tessalónica, que provoca a alegria de Paulo, e a sua acção de graças. O mesmo se diga da fecundidade apostólica do seu ministério. O Apóstolo não atribui a si mesmo o êxito obtido. Atribui-o a Deus: «O nosso Evangelho não se apresentou a vós apenas como uma simples palavra, mas também com poder e com muito êxito pela acção do Espírito Santo» (v. 5), escreve. &Eacute
    ; a acção divina que torna fecundo o ministério do Apóstolo.
    Que efeito poderia ter esta atitude de Paulo entre os Tessalonicenses? Certamente que também os levava à mesma atitude, isto é, a dar graças a Deus, a reconhecer que tudo é dom de Deus, que a vida cristã é um contínuo receber do amor de Deus, que é justo dar-lhe graças, ter para com Ele um amor reconhecido. Por outro lado, vendo o Apóstolo dar graças, sentiam o afecto de Paulo e sentiam-no não só como ligação entre eles e Paulo, mas como uma relação entre Deus, Paulo e eles mesmos. Uma relação a três!
    Como é a nossa oração? Como rezamos os nossos irmãos e as relações que existem entre nós? Damos graças a Deus pelas pessoas com quem mantemos relações de amizade, de serviço, de vizinhança? Damos graças a Deus por todos os dons e graças que elas recebem?
    Não nos limitemos a pedir para os outros saúde, sucesso, santificação. Demos graças ao Senhor por tudo quanto faz neles, por tudo quanto lhes dá, pelas graças que recebem. Então, a nossa relação será mais profunda e bela, porque será fundada sobre o amor reconhecido a Deus, nosso Pai.

    Oratio

    Pai santo, Tu não és um deus que se limita a separar, a catalogar, a classificar, como pretendia a religião formulada pelos fariseus e escribas. O dom do teu Filho Jesus Cristo subverteu todas as suas razoáveis previsões, porque Ele escolheu pôr-se do nosso lado, a ponto de se fazer uma só coisa connosco, assumindo a fraqueza da nossa carne. É esta a novidade de vida proclamada pelos autênticos discípulos, pelos verdadeiros missionários de Cristo. É este o caminho para o Reino, que os «guias cegos» queriam barrar, caminho de conversão, que é fruto do Espírito do Ressuscitado.
    Bendito és Tu, Pai, Deus vivo e verdadeiro. A Ti o louvor, pelos séculos. Amen.

    Contemplatio

    Jesus oferece também o sacrifício da acção de graças. Sente profundamente no seu coração tudo o que deve de reconhecimento ao seu Pai, pelas graças recebidas na sua humanidade. A própria existência é um dom de Deus, uma participação no ser divino. Mas a união hipostática é um dom infinitamente superior. A humanidade de Cristo é assim toda deificada e os seus actos tornam-se os actos de um Deus. Cristo recebeu também graças santificantes que ultrapassam todas aquelas que podem receber todas as criaturas juntas. Gozou também, desde a sua incarnação, da visão beatífica, da clara visão de Deus e das suas obras. Quantas graças reunidas! Como é que Cristo há-de agradecer ao seu Pai? Os seus aniquilamentos exprimem o seu reconhecimento bem como a sua adoração. A alma que recebe uma graça insigne entra numa espécie de confusão e, sob o olhar daquele que se digna honrá-la assim, prostra-se, abisma-se, quereria testemunhar o que experimenta de gratidão por uma espécie de aniquilamento de si mesma. É o que sente a alma da nossa vítima divina, de tal modo que a sua acção de graças teve toda a profundidade da sua adoração. Estende-se assim a tudo o que a liberalidade, a ternura, a providência, a misericórdia da Santíssima Trindade espalhou de bens sobre todas as criaturas. (Leão Dehon, OSP 3, p. 124).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Senhor, Tu és o Deus vivo e verdadeiro» (cf. 1 Ts 1, 9).

  • Martírio de S. João Baptista

    Martírio de S. João Baptista


    29 de Agosto, 2023

    O «maior nascido de mulher» morreu mártir por ter censurado a Herodes Agripa pela sua conduta desonesta e imoral. Foi vítima da fé e da missão que exerceu. A sua degolação aconteceu na fortaleza de Maqueronte, junto ao Mar Morto, lugar de férias de Herodes. O sangue de João Baptista sela o seu testemunho em favor de Jesus: com a sua morte, completou a missão de precursor. A Igreja celebra hoje o seu nascimento para o céu, talvez por, nesta data, foi dedicada em sua honra uma antiga basílica, erguida em Sebaste, na Samaria.

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 1, 17-19

    A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 17Tu, porém, cinge os teus rins, levanta-te e diz-lhes tudo o que Eu te ordenar. Não temas diante deles; se não, serei Eu a fazer-te temer na sua presença. 18E eis que hoje te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos sacerdotes e do povo da terra. 19Far-te-ão guerra, mas não hão-de vencer, porque Eu estou contigo para te salvar» -oráculo do Senhor.

    João Baptista ajuda-nos a compreender a missão de Jesus, e a vida de Jeremias ajuda-nos a compreender a missão de João Baptista. Seria interessante lembrar a vida de Jeremias para compreender o valor destas duas vidas paralelas. Mas esta leitura da missa evidencia particularmente a «coragem» do profeta em dizer «tudo», a sua fortaleza para resistir à prepotência dos poderosos e a sua fé, isto é, a certeza de vencer em nome do Senhor. São qualidades típicas dos verdadeiros profetas...

    Evangelho: Marcos 6, 17-29

    Naquele tempo, Herodes tinha mando prender João e pô-lo a ferros na prisão, por causa de Herodíade, mulher de Filipe, seu irmão, que ele desposara. 18Porque João dizia a Herodes: «Não te é lícito ter contigo a mulher do teu irmão.» 19Herodíade tinha-lhe rancor e queria dar-lhe a morte, mas não podia, 20porque Herodes temia João e, sabendo que era homem justo e santo, protegia-o; quando o ouvia, ficava muito perplexo, mas escutava-o com agrado. 21Mas chegou o dia oportuno, quando Herodes, pelo seu aniversário, ofereceu um banquete aos grandes da corte, aos oficiais e aos principais da Galileia. 22Tendo entrado e dançado, a filha de Herodíade agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: «Pede-me o que quiseres e eu to darei.» 23E acrescentou, jurando: «Dar-te-ei tudo o que me pedires, nem que seja metade do meu reino.» 24Ela saiu e perguntou à mãe: «Que hei-de pedir?» A mãe respondeu: «A cabeça de João Baptista.» 25Voltando a entrar apressadamente, fez o seu pedido ao rei, dizendo: «Quero que me dês imediatamente, num prato, a cabeça de João Baptista.» 26O rei ficou desolado; mas, por causa do juramento e dos convidados, não quis recusar. 27Sem demora, mandou um guarda com a ordem de trazer a cabeça de João. O guarda foi e decapitou-o na prisão; 28depois, trouxe a cabeça num prato e entregou-a à jovem, que a deu à mãe. 29Tendo conhecimento disto, os discípulos de João foram buscar o seu corpo e depositaram-no num sepulcro.

    Marcos coloca a narrativa do martírio de João Baptista no caminho de Jesus para Jerusalém, como uma etapa fundamental. Com ela, concluiu-se o ciclo da vida do profeta e preludia-se o martírio de Jesus.
    Não devemos deixar-nos impressionar apenas pelos pormenores narrativos, aliás muito sugestivos, desta página de Marcos. O evangelista não pretende evidenciar nem os vícios de Herodes nem a malícia de Herodíade e nem sequer a leviandade da filha. A sua intenção é dar o devido realce à figura de João Baptista, que é como que o «mentor» do Nazareno, e mostrar como este grande profeta leva a termo a sua vida do mesmo modo e pelos mesmos motivos que Jesus.
    Este é o «pequeno mistério pascal» de João Baptista que, depois de experimentar a adversidade dos inimigos do evangelho, conhece agora o silêncio do sepulcro, onde espera a ressurreição.

    Meditatio

    As memórias litúrgicas de João Baptista levam-nos a meditar sobre o dom da profecia e sobre a figura do profeta. Qual é a sua função no meio do povo de Deus? Quais são as características que o qualificam como profeta? De que modo se coloca perante os seus contemporâneos como sinal de uma presença superior, como porta-voz da Palavra divina?
    O profeta revela-se como tal pelo seu modo de falar, pelo estilo da sua pregação. A palavra não é tudo, mas é capaz de manifestar o sentido de uma presença, incómoda mas incontornável, com a qual todos se devem confrontar. O profeta manifesta-se também, e sobretudo, pelas suas opções de vida. Assim mostra ter percebido que o tempo em que se vive aquele em que Deus nos chama a ser-para-os-outros. O profeta não pode escapar a esse chamamento, sob pena de ser infiel à missão. Finalmente o profeta manifesta autenticidade da sua missão pela coragem em dar a vida por aquele que o chamou e por aqueles a quem é enviado. Ou se é profeta com a vida, a vida gasta por amor, ou não é profeta a sério.
    O Pe. Dehon quer que nós sejamos os "profetas" e os "servidores... em Cristo" do amor redentor de Deus. Só dando Cristo ao mundo, somos "profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens... em Cristo" (Cst. 7). Há que sê-lo pela nossa vida e pelas nossas opções de vida: "Uma vida serena, porque oferecida em sacrifício a Deus; uma vida alegre, porque somos testemunhas do amor de Cristo; uma vida empenhada, porque colaboramos no advento do Reino de Deus; uma vida disponível, porque dada ao próximo, a exemplo de Cristo; uma vida partilhada, porque queremos ser testemunhas de que a "a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65). Escreve o Fundador: «Não devem os homens apostólicos assemelhar-se muito particularmente ao Precursor? Como ele, devem preparar os caminhos de Nosso Senhor. Como ele, devem contribuir para a salvação dos pecadores pelas suas expiações e sacrifícios» (OSP 4, p. 562)

    Oratio

    Ó glorioso S. João Baptista, pregador corajoso e coerente da verdade, intercede por nós e por todos quantos, na Igreja, são chamados a exercer a missão profética. Que a exerçam com clareza, com coerência de vida, com coragem, dispostos a selar com o próprio sangue o seu testemunho. Que todos os homens apostólicos se assemelhem a ti, a fim de prepararem os caminhos do Senhor, entre os caminhos dos homens de hoje. Que o fogo da caridade divina arda em nossos corações, para sermos zelosos e perseverantes no testemunho do seu amor e no serviço da reconciliação. Ámen.

    Contemplatio

    Não devia o Precursor assemelhar-se a Nosso Senhor e preparar-lhe os caminhos? Nosso Senhor devia salvar-nos pela cruz, devia cumprir a sua missão pelo sofrimento: "Não devia Cristo padecer?" (Lc 24). Devia estabelecer a religião pela cruz e pelo sofrimento, e convinha que o seu Precursor passa-se pelo mesmo caminho e que se mostrasse heroico nas aflições e sofrimentos. Convinha que o mártir da sinagoga, que chegava ao fim, preparasse os caminhos ao Salvador, que devia abrir o céu pelos seus sofrimentos e pelo seu sangue. Nosso Senhor queria fazer partilhar a graça dos seus sofrimentos ao seu Precursor. Queria também preparar os espíritos para o Evangelho mostrando-lhe o que os justos têm a esperar dos homens. Queria também dar-nos um modelo para nos ensinar a bem sofrer... A coragem deste justo condena o nosso desleixo e incita-nos, a nós pecadores, a sofrer pacientemente pelos nossos pecados e por seu amor (Leão Dehon, OSP 4, p. 561.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Eu estou contigo para te salvar» (Jer 1, 19).

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    Martírio de S. João Baptista (29 Agosto)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Terça-feira

    29 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Tessalonicenses 2, 1-8

    1Irmãos, vós próprios bem sabeis que não foi vã a nossa estadia entre vós; 2mas, tendo sofrido e sido insultados em Filipos, como sabeis, sentimo-nos encorajados no nosso Deus a anunciar-vos o Evangelho de Deus no meio de grande luta. 3É que a nossa exortação não se inspirava nem no erro, nem na má fé, nem no engano. 4Como fomos postos à prova por Deus para nos ser confiado o Evangelho, assim falamos, não para agradar aos homens mas a Deus, que põe à prova os nossos corações. 5Por isso, nunca nos apresentámos com palavras de adulação, como sabeis, nem com pretextos de ambição. Deus é testemunha. 6Nem procurámos glória da parte dos homens, nem de vós, nem de outros. 7Quando nos poderíamos impor como apóstolos de Cristo, fomos, antes, afectuosos no meio de vós, como uma mãe que acalenta os seus filhos quando os alimenta. 8Tanta afeição sentíamos por vós, que desejávamos ardentemente partilhar convosco não só o Evangelho de Deus mas a própria vida, tão queridos nos éreis.

    Paulo lembra aos Tessalonicenses as dificuldades que encontrou para lhes anunciar o Evangelho. Como era seu costume, o Apóstolo começou por ir à sinagoga anunciar a Boa-Nova de Cristo. Alguns judeus acolheram a fé. Mas outros montaram contra ele e contra Silas, seu companheiro, um motim. O povo em fúria assaltou a casa de Jasão, à procura dos missionários. Como não os encontrassem, arrastaram Jasão à presença das autoridades, impressionando-as de tal modo que só foi libertado mediante uma caução.
    Depois, o Apóstolo lembra a sinceridade e a honestidade com que anunciou o Evangelho. Havia muitos que se apresentavam "em nome da verdade", a anunciar que o fim estava próximo, e a propor um qualquer caminho de salvação. Paulo afirma-se diferente desses filósofos ambulantes, pseudo-profetas: «a nossa exortação não se inspirava nem no erro, nem na má fé, nem no engano» (v. 3). Manifesta afecto pelos Tessalonicenses, mas pretende, sobretudo, agradar a Deus: «Falamos, não para agradar aos homens mas a Deus» (v. 4). O Apóstolo tem por modelo Cristo, e Cristo crucificado. Por isso, entrega-se a si mesmo ao ministério que lhe foi confiado, ao serviço da comunidade, sem nada reservar para si.

    Evangelho: Mateus 23, 23-26

    Naquele tempo, disse Jesus 23Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho e desprezais o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade! Devíeis praticar estas coisas, sem deixar aquelas. 24Guias cegos, que filtrais um mosquito e engolis um camelo! 25Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade! 26Fariseu cego! Limpa antes o interior do copo, para que o exterior também fique limpo.

    A religião é uma questão de interioridade, de coração, na relação com Deus e com o próximo. Se assim não for, converte-se em algo de acrescentado e sobreposto ao homem, algo que esmaga e asfixia, que escraviza. Por isso, Jesus pronuncia mais dois «Ai de vós» contra o legalismo exterior dos doutores da lei e dos fariseus e escribas, que os leva a desprezar o essencial da lei: «a justiça, a misericórdia e a fidelidade!» (v. 23). Também estes são «guias cegos», que se perdem em formalidades: «filtrais um mosquito e engolis um camelo!» (v. 24) - diz Jesus, esquecendo que, o mais importante, é ter o «coração puro»: «limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade!» (v. 25). Só a pureza do coração permite ver a Deus (cf. Mt 5, 8).

    Meditatio

    «Tendo sofrido e sido insultados em Filipos, como sabeis, sentimo-nos encorajados no nosso Deus a anunciar-vos o Evangelho de Deus no meio de grande luta», escreve Paulo aos Tessalonicenses (v. 2). Foram muitas as situações difíceis e as perseguições que teve de enfrentar. Paulo fala delas nas suas cartas e, concretamente, no texto que hoje escutamos. Lucas, nos Actos dos Apóstolos, também recorda várias situações difíceis por que passou Paulo. Em Filipos, Paulo e os seus companheiros foram presos, espancados, encarcerados: «A multidão amotinou-se contra eles; e os estrategos, arrancando-lhes as vestes, mandaram-nos açoitar. Depois de lhes terem dado muitas vergastadas, lançaram-nos na prisão, recomendando ao carcereiro que os tivesse sob atenta vigilância. Ao receber tal ordem, este meteu-os no calabouço interior e prendeu-lhes os pés no cepo» (vv. 22-24). Enquanto, durante a noite, Paulo e Silas cantavam hinos de acção de graças a Deus pela perseguição e pelo sofrimento por que passavam, foram libertados, graças a uma intervenção especial, um terramoto. Muitas vezes, aqueles que têm uma missão e encontram graves dificuldades, desanimam. Não foi o caso de Paulo: «sentimo-nos encorajados no nosso Deus», escreve o Apóstolo (v. 2). Paulo conhece a sua fragilidade e, por isso, reconhece que a sua coragem, e a sua integridade moral são um dom de Deus. É por isso que dá graças.
    «Como fomos postos à prova por Deus para nos ser confiado o Evangelho, assim falamos» (v. 4), escreve Paulo. Há quem, em vez de «postos à prova», traduza a expressão original de outros modos como "tornados dignos", "qualificados". A. Vanhoye prefere "qualificados". Antes de confiar um ministério a alguém, Deus prova-o, e, por meio da provação, melhora-o, torna-o capaz de cumprir a missão que lhe confia. Qualificado por Deus, Paulo está preocupado em permanecer nas disposições que Deus lhe deu, sem cair na adulação, na ambição, em manobras ambíguas, que seriam indignas do Evangelho. Por outro lado, Paulo empenha-se generosamente, com toda a sua afectividade no ministério apostólico. Não é como alguém que exerce uma função, mas vive como lhe apetece. A sua vida é coerente com o Evangelho que prega com todo o entusiasmo. Trata aqueles a quem se dirige com todo o respeito e afecto, como uma mãe trata os seus filhos: «Quando nos poderíamos impor como apóstolos de Cristo, fomos, antes, afectuosos no meio de vós, como uma mãe que acalenta os seus filhos quando os alimenta» (v. 7). Paulo usa um amor paterno e materno para com as comunidades que fundou: «Tanta afeição sentíamos por vós, que desejávamos ardentemente partilhar convosco não só o Evangelho de Deus mas a própria vida, tão queridos nos éreis» (v. 8). O afecto de Paulo é oblativo, é generoso. Está disposto a dar a vida por aqueles que ama.
    Que belos exemplos e estímulos recebemos do Apóstolos dos gentios.

    Oratio

    Pai santo, dá-me um
    coração semelhante ao de Paulo, um coração semelhante ao de Cristo, um coração que saiba unir a santidade e a caridade. Dá-me integridade pessoal, a perfeita pureza de intenção, a ausência de manobras ambíguas, para que possa caminhar na santidade, e empenhar-me, com todo o meu afecto, no serviço dos irmãos. Que todos, na Igreja, possamos compreender que a santidade não reduz o coração, mas o expande e lhe permite dar tudo para testemunhar a caridade de Cristo. Amen.

    Contemplatio

    S. Paulo... começa a pregar a divindade de Jesus Cristo. Será um dos mais poderosos apóstolos pela palavra e pelo sofrimento. «Escolhi-o, dizia Nosso Senhor, para levar o meu nome diante das nações e dos reis e dos filhos de Israel, e hei-de mostrar-lhe quanto terá de sofrer pelo meu nome». A sua conversão e a sua vocação são devidas à misericórdia do Coração de Jesus. O Coração de Jesus ama as almas ardentes, zelosas, dedicadas. Mas a oração de Santo Estêvão contribuiu para estas grandes graças. Santo Estêvão rezava pelos seus perseguidores, entre os quais S. Paulo era o mais ardente. Se soubermos rezar e sofrer pelas almas, obteremos grandes graças, ilustres conversões, vocações poderosas. Ofereçamos as nossas orações, as nossas cruzes, os nossos sofrimentos ao Coração de Jesus para que envie à sua Igreja, nestes tempos difíceis, apóstolos poderosos em palavras e em obras. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 90s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Falamos, não para agradar aos homens, mas a Deus» (1 Ts 2, 4).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Quarta-feira

    30 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Tessalonicenses 2, 9-13

    Na verdade, irmãos, recordais-vos dos nossos esforços e das nossas canseiras: trabalhando noite e dia para não sermos um peso a nenhum de vós, anunciámo-vos o Evangelho de Deus. 10Vós sois testemunhas, e Deus também, de como nos comportámos de modo recto, justo e irrepreensível para convosco, os que acreditastes. 11Sabeis que, tal como um pai trata cada um dos seus filhos, também a cada um de vós 12exortámos, encorajámos e advertimos a caminhar de maneira digna de Deus, que vos chama ao seu reino e à sua glória. 13Por isso, damos continuamente graças a Deus, porque, tendo recebido a palavra de Deus, que nós vos anunciámos, vós a acolhestes não como palavra de homens, mas como ela é verdadeiramente, palavra de Deus, a qual também actua em vós que acreditais.

    A pregação do Evangelho entre os Tessalonicenses tornou-se uma experiência comum de vida, uma espécie de "livro aberto" capaz de falar aos crentes a linguagem de Deus. O Apóstolo não precisa de recorrer a argumentações rebuscadas, como fazem os filósofos. Basta-lhe lembrar quanto sofreu e se cansou para anunciar a Boa-Nova aos irmãos da comunidade de Tessalónica, o desinteresse e a dedicação com que o fez, procurando não ser pesado a ninguém, trabalhando para subsistir. Tal como a vida e os milagres de Jesus foram "sinais" para as multidões, assim a vida e a acção de Paulo eram sinal para os Tessalonicenses. A gratidão e o louvor que brotam do coração de Paulo garantem a autenticidade da sua missão. O Apóstolo contempla a realização da obra divina nos trabalhos e sofrimentos com que procura restituir os homens à dignidade de filhos de Deus. Esta contemplação é a recompensa de que anuncia o Evangelho.

    Evangelho: Mateus 23, 27-32

    «Naquele tempo, disse Jesus: 27Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície! 28Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. 29Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos profetas e adornais os túmulos dos justos, 30dizendo: 'Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!' 31Deste modo, confessais que sois filhos dos que assassinaram os profetas. 32Acabai, então, de encher a medida dos vossos pais!

    Chegamos aos últimos dos sete «Ai de vós» dirigidos aos escribas e fariseus hipócritas. A crítica de Jesus ao legalismo não tem por alvo a lei, mas aqueles que, a coberto da lei, pretendem iludir as suas exigências profundas. A antítese exterior/interior, tratada nos versículos anteriores, está eloquentemente expressa na imagem dos «sepulcros caiados» (v. 27). São aqueles que cuidam do exterior, para que seja agradável à vista, enquanto no seu interior reina a decomposição e a morte. Jesus já pôs de sobreaviso os discípulos, quando lhes mandou disse «Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por ele» (Mt 6, 1). O que conta é aquilo que cada um é diante de Deus, e não o que aparece diante dos outros.
    O último «ai de vós» é contra aqueles que são falsos, não só diante de Deus e dos outros, mas também diante da história (vv. 29-32). Edificam sepulcros aos profetas e justos, dizendo que, se tivessem vivido no tempo dos que os mataram, não teriam sido coniventes com tais crimes. Sentem-se inocentes por acusarem os seus pais! Mas não se dão conta de que, se não escutarem os profetas, continuam a matá-los. E a sua falta será mais grave do que a dos seus pais.

    Meditatio

    Na primeira leitura, Paulo mostra-nos que a vida cristã deve ser conduzida na justiça e na santidade, diante de Deus: «Deus é testemunha de como nos comportámos de modo recto, justo e irrepreensível para convosco, os que acreditastes» (v. 10). Paulo procura corresponder plena e profundamente às exigências de Deus. Mas esta correspondência, sabe-o bem o Apóstolo, é dom divino. Por isso, prolonga por toda a carta o hino de acção de graças com que a iniciou.
    Também no texto de hoje encontramos a expressão do amor paterno de Paulo pelos Tessalonicenses e por todos quantos evangelizou: «Como um pai trata cada um dos seus filhos, também a cada um de vós exortámos, encorajámos e advertimos a caminhar de maneira digna de Deus, que vos chama ao seu reino e à sua glória» (vv. 11-12). É interessante ver como, na mesma carta, Paulo exprime, antes, um amor materno, oblativo, pronto a sacrificar a própria vida pelo bem dos filhos e, depois, um amor paterno, que se caracteriza pela ambição paterna. O amor materno é oblativo; o amor paterno é ambicioso, isto é, quer que os filhos se tornem pessoas maduras, com grandes qualidades e com grandes realizações. Como cada filho é importante para um pai, ainda que tenha muitos filhos, assim também Paulo, tendo uma grande geração, se preocupa com cada um pessoalmente: «a cada um de vós exortámos, encorajámos e advertimos». O que o Apóstolo deseja é que, cada um, se comporte «de maneira digna de Deus», que a todos «chama ao seu reino e à sua glória». É interessante dar atenção a este chamamento de Deus: Deus é ambicioso, não nos chama para uma qualquer coisa, mas «ao seu reino e à sua glória». É por isso que Paulo não poupa esforços para que todos correspondam ao chamamento de Deus. Também para ele se trata de uma ambição paterna muito forte, que revela a força da caridade divina.
    As recomendações de Paulo vão na linha da verdade, da autenticidade de vida que Jesus lamenta não encontrar nos doutores e fariseus. Mas não esqueçamos que todos estes avisos de Paulo e de Cristo são também para nós, cristãos do século XXI. Estamos efectivamente sujeitos às mesmas tentações dos doutores e dos escribas de que nos fala o evangelho, dos cristãos de Tessalónica, e de tantos outros ao longo dos séculos. Facilmente procuramos satisfações, estima dos outros, honras. Somos sempre tentados de superficialidade no que fazemos pelo Senhor, de nos contentarmos com as aparências de bondade, de santidade.
    Oratio

    Apóstolo Paulo, ensinai-me a ser coerente com a minha fé, com o evangelho que professo. Ensinai-me a viver de modo digno de Deus, para poder participar no seu reino e na sua glória. Alcançai-me a graça de acolher com disponibilidade a Palavra, que opera nos crentes e os transformar de acordo com o projecto de Deus Pai. Alcançai-me um zelo ardente para proclamar essa Palavra, que tem em si a força de realizar maravilhas, para que todos os homens possam tamb&eacu
    te;m chegar ao reino e à glória do Pai. Amen.

    Contemplatio

    Muitas vezes, segundo as aparências, faz-se muito, dá-se muito, mas é pelo ídolo da vaidade e do amor-próprio. Antes de tudo, é o coração, a boa e pura intenção que tem um valor aos olhos de Nosso Senhor, mas não é raro que o coração não esteja lá,; sem ele, todos os outros dons não têm valor. Quantos interesses mesquinhos ou satisfações pueris muitas vezes se tem em vista, mesmo nestas coisas santas! Não há mesmo ministros de Deus que se preocupam mais do que seria necessário com o calor e com a fadiga? No entanto, há por aqui e por ali na multidão uma alma verdadeiramente amante; são estas almas ignoradas e esquecidas que consolam o Sagrado Coração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 637s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Caminhai de maneira digna de Deus» (cf.1 Ts 2, 12).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Quinta-feira

    31 de Agosto, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Tessalonicenses 3, 7-13

    Irmãos: 7encontrámos reconforto em vós, graças à vossa fé, no meio de todas as nossas angústias e tribulações. 8Agora sentimo-nos com mais vida, porque estais firmes no Senhor. 9Que acção de graças poderemos nós dar a Deus por toda a alegria que gozamos, devido a vós, diante do nosso Deus? 10Nós que, noite e dia, insistentemente, pedimos para rever o vosso rosto e completar o que falta à vossa fé? 11Que o próprio Deus, nosso Pai, e Nosso Senhor Jesus nos encaminhem até vós. 12O Senhor vos faça crescer e superabundar de caridade uns para com os outros e para com todos, tal como nós para convosco; 13que Ele confirme os vossos corações irrepreensíveis na santidade diante de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus com todos os seus santos.

    Timóteo, regressado de Tessalónica, traz a Paulo notícias sobre os progressos dessa comunidade na fé. O Apóstolo, que andava angustiado, recupera a alegria, tal como acontece com um pai, que temendo o pior para os filhos, vem a saber que estão bem. Mas nem por isso desiste do desejo de visitar pessoalmente a comunidade, com quem interrompera o diálogo, quando teve de abandonar precipitadamente a cidade, por causa da hostilidade dos judeus. O amor que o anúncio do Evangelho suscitou no coração do Apóstolo é como que uma espada que o atravessa. Anda inquieto, noite e dia, por causa do bem que quer àqueles que a Palavra tinha regenerado para a vida da graça. Mas, agora, põe tudo nas mãos de Deus, dando graças e intercedendo pelos seus amados Tessalonicenses.

    Evangelho: Mateus 24, 42-51

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 42Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. 43Ficai sabendo isto: Se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a casa. 44Por isso, estai também preparados, porque o Filho do Homem virá na hora em que não pensais.» 45«Quem julgais que é o servo fiel e prudente, que o senhor pôs à frente da sua família para os alimentar a seu tempo? 46Feliz esse servo a quem o senhor, ao voltar, encontrar assim ocupado. 47Em verdade vos digo: Há-de confiar-lhe todos os seus bens. 48Mas, se um mau servo disser consigo mesmo: 'O meu senhor está a demorar', 49e começar a bater nos seus companheiros, a comer e a beber com os ébrios, 50o senhor desse servo virá no dia em que ele não o espera e à hora que ele desconhece; 51vai afastá-lo e dar-lhe um lugar com os hipócritas. Ali haverá choro e ranger de dentes.»

    Em Mateus, a parábola do servo, ou administrador (cf. Lc 12, 41ss.) responsável encontra-se no último grande discurso de Jesus, o "Discurso escatológico" (cc. 24 e25), dominado pelas tribulações de Jerusalém e pelas perseguições à Igreja nascente, pelo anúncio da crise cósmica que precederá o fim e pela consequente necessidade de vigilância. Este discurso não visa assustar, mas encorajar. O mundo e a história caminham, não para o fim, mas para a plena realização. Haverá catástrofes. Mas abrir-se-á uma nova beleza. É neste contexto que Jesus exorta à vigilância, com quatro belas parábolas. Hoje, escutamos a primeira, cujas palavras-chave são: «Vigiai!», «Estai preparados!» A vinda do Senhor é certa. Mas a hora é incerta. A imagem do «ladrão» (v. 43) é muito expressiva e bem conhecida na igreja primitiva. Deve vigiar a casa o dono, mas também os servos, que são seus amigos e estimam a casa. O «servo fiel e prudente» (v. 45) faz as vezes de dono da casa e trata bem os seus companheiros. O «mau servo» (v. 48) aproveita da ausência do dono para desperdiçar os bens e maltratar os companheiros. Naturalmente terão fins diferentes, quando regressar o dono. Os dirigentes da Igreja hão-de ser servos fiéis e prudentes, e não maus servos, como eram os chefes de Israel, no tempo de Jesus.

    Meditatio

    Paulo exulta com as boas notícias que Timóteo lhe traz de Tessalónica. A pequena comunidade, que evangelizara durante poucas semanas, e tivera de abandonar, por causa do motim levantado contra ele pelos judeus, resistia às oposições: «Agora que Timóteo voltou daí e nos trouxe boas notícias sobre a vossa fé e a vossa caridade, e porque conservais de nós uma grata recordação, desejando-nos ver tal como nós a vós, encontrámos reconforto em vós, irmãos, graças à vossa fé, no meio de todas as nossas angústias e tribulações. Agora sentimo-nos com mais vida, porque estais firmes no Senhor» (v. 6-8). Paulo revela o seu coração paternal, revela todo o seu amor por aqueles a quem tinha transmitido a nova vida pela pregação do Evangelho. A sua ligação aos Tessalonicenses baseava-se, não só na fé, mas também na relação humana de grande simpatia que estabelecera com essa comunidade. Por isso, não se contenta com as boas notícias, mas, por duas vezes, afirma querer revê-los. Agradece a Deus as boas notícias, mas reza para que o desejado reencontro aconteça o mais breve possível: «Noite e dia, insistentemente, pedimos para rever o vosso rosto» (v. 10). O Apóstolo deseja vivamente o contacto humano. A sua fé, e a sua vida espiritual, não lhe diminuíram a afectividade, mas aumentaram-na. Por outro lado, deseja completar o que iniciou e teve de interromper abruptamente. É maravilhoso observar esta ligação entre a afectividade humana e o zelo apostólico.
    O nosso texto termina com a oração de Paulo, que pede a Deus que faça os Tessalonicenses «crescer e superabundar de caridade» (v. 12). O Apóstolo explicita: caridade «uns para com os outros e para com todos», isto é, caridade fraterna no interior da comunidade e caridade universal aberta a todos. É na caridade e na santidade que os Tessalonicenses se hão-de preparar para a vinda do Senhor: «Que o Senhor confirme os vossos corações irrepreensíveis na santidade diante de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus com todos os seus santos» (v. 12).
    As nossas relações com os outros hão caracterizar-se pelo progresso na fé e no amor, na espiritualidade e na humanidade. As relações de fé exigem uma grande dose de cordialidade humana, crescer e abundar no amor recíproco e no amor universal.
    Que belo programa para todos nós, cristãos, particularmente os consagrados, os sacerdotes. É um ideal a alcançar com a graça de Deus, mas também com os nossos esforços de cada dia, a nossa perseverança, o nosso entusiasmo.

    Oratio

    Senhor, hoje quero agradecer-te porque me cumulaste de bens e confiaste aos meus cuidados tantos irmãos pequenos e fracos. Obrigado, Senhor, por teres confiado em mim. Administrar em teu lugar não é tarefa fácil. Que queres de mim, Senhor? Quer
    es certamente que ponha os olhos no teu Filho Jesus, na sua misericórdia e no seu sacrifício. Queres que recorde as tuas palavras: «Um servo não é maior do que o seu senhor... Dei-vos o exemplo para que, como eu fiz, façais vós também». Queres que, nesta solicitude fraterna, viva o tempo presente como coisa que não é nossa, até ao teu regresso. Ajuda-me, Senhor, a cumprir fielmente a minha missão. Amen.

    Contemplatio

    Quando Nosso Senhor enche um coração dedicado ao seu amor, brilha através deste coração e derrama à sua volta graças abundantes. Apraz-se em abençoar o ministério daqueles que ama. Sigamos, portanto, o conselho divino, subamos para o oceano das graças e nele havemos de encontrar todas as bênçãos. Mas antes de falar aos outros do Sagrado Coração, é preciso aproveitar para si mesmo os tesouros deste Coração divino. Quem quer estender o reino do Sagrado Coração deve primeiro dedicar-lhe toda a sua vida. É preciso que ele se torne o objecto único dos afectos, das preocupações daqueles que dedicam as suas vidas a dá-lo a conhecer, a fazê-lo amar. Há uma primeira vitória a alcançar sobre todos os nossos defeitos, antes de irmos combater contra os defeitos dos outros. A virtude do apóstolo produz mais frutos de graça do que o seu talento. Compreende-se que uma influência sobrenatural é facilmente exercida por aquele no qual habitam Nosso Senhor com o Espírito Santo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 202)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com seu Filho» (1 Cor 1, 9).

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