31 de Dezembro, 2023

Festa da Sagrada Família - Ano B [ATUALIZADO]

Festa da Sagrada Família - Ano B [ATUALIZADO]

31 de Dezembro, 2023

ANO B - FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ

Tema da Festa da Sagrada Família

O Deus que se vestiu de menino frágil e se apresentou aos homens no presépio de Belém encontrou abrigo numa família humana, a família de José e de Maria, dois jovens esposos de Nazaré, uma aldeia situada nas colinas da Galileia. Neste domingo, ainda em contexto de celebração do Natal do Senhor, a liturgia convida-nos a olhar para essa Sagrada Família; e propõe-nos que a vejamos como exemplo e modelo das nossas comunidades familiares.

O Evangelho leva-nos, com a Sagrada Família, até ao Templo de Jerusalém, onde Jesus vai ser apresentado a Deus, conforme a Lei judaica determinava (cf. Nm 18,15-16). O quadro, profundamente interpelador, mostra uma família fiel e crente, que escuta a Palavra de Deus, que procura concretizá-la na vida e que consagra a Deus os seus membros.

A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos dos que vivem “em Cristo” e aceitaram o convite para ser “Homem Novo”. Esse amor deve atingir, de forma muito especial, todos os que connosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.

A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais… É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.

 

LEITURA I – Ben-Sirá 3,3-7.14-17a [versão grega: 3,2-6.12-14] 

Deus quis honrar os pais nos filhos

e firmou sobre eles a autoridade da mãe.

Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados,

e acumula um tesouro quem honra sua mãe.

Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos

e será atendido na sua oração.

Quem honra seu pai terá longa vida,

e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe.

Filho, ampara a velhice do teu pai

e não o desgostes durante a sua vida.

Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele

e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida,

porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida

e converter-se-á em desconto dos teus pecados.

 

CONTEXTO

 

O Livro de Ben Sirá (chamado, na sua versão grega, “Eclesiástico”) é um livro de carácter sapiencial que, como todos os livros sapienciais, tem por objetivo deixar aos aspirantes a “sábios” indicações práticas sobre a arte de bem viver e de ser feliz. O seu autor é um tal Jesus Ben Sirá, um “sábio” israelita que viveu na primeira metade do séc. II a.C.

A época de Jesus Ben Sirá é uma época conturbada para o Povo de Deus. Os selêucidas (uma família descendente de Seleuco Nicator, general de Alexandre Magno, que herdou parte do império de Alexandre, o Grande, quando este morreu, em 323 a.C.) dominavam a Palestina e procuravam impor aos judeus, mesmo pela força, a cultura helénica. Muitos judeus, seduzidos pelo brilho da cultura grega, abandonavam os valores tradicionais e a fé dos pais e assumiam comportamentos mais consentâneos com a “modernidade”. A identidade cultural e religiosa do Povo de Deus corria, assim, sérios riscos… Neste contexto, Jesus Ben Sirá, um “sábio” judeu apegado às tradições dos seus antepassados, escreve para preservar as raízes do seu Povo. No seu livro, apresenta uma síntese da religião tradicional e da “sabedoria” de Israel e procura demonstrar que é no respeito pela sua fé, pelos seus valores, pela sua identidade que os judeus podem descobrir o caminho seguro para serem um Povo livre e feliz.

 

MENSAGEM

 

O texto apresenta uma série de indicações práticas que os filhos devem ter em conta nas relações com os pais.

A palavra que preside a este conjunto de conselhos do “sábio” Ben Sirá é a palavra “honrar” (repete-se cinco vezes, nestes poucos versículos). O que é que significa, exatamente, “honrar os pais”?

A expressão leva-nos ao Decálogo do Sinai (“honra teu pai e tua mãe” – Ex 20,12). Aí, o verbo utilizado é o verbo “kabad”, que costuma traduzir-se como “dar glória”, “dar peso”, “dar importância”. Assim, “honrar os pais” é dar-lhes o devido valor e reconhecer a sua importância; é que eles são os instrumentos de Deus, fonte de vida.

Ora, reconhecer que os pais são os instrumentos através dos quais Deus concede a vida deve conduzir os filhos à gratidão; e a gratidão não é apenas uma declaração de intenções, mas um sentimento que implica certas atitudes práticas. Jesus Ben Sirá aponta algumas: “honrar os pais” significa ampará-los na velhice e não os desprezar nem abandonar; assisti-los materialmente – sem inventar qualquer desculpa – quando já não podem trabalhar (cf. Mc 7,10-11); não fazer nada que os desgoste; escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; ser indulgente para com as limitações que a idade ou a doença trazem…

Dado o contexto da época em que Ben Sirá escreve, é natural que, por detrás destas indicações aos filhos, esteja também a preocupação com o manter bem vivos os valores tradicionais, esses valores que os mais antigos preservam cuidadosamente e que os mais jovens por vezes, com alguma ligeireza, negligenciam.

Como recompensa desta atitude de “honrar os pais”, Jesus Ben Sirá promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus. Numa altura em que a noção de “vida eterna” ainda não entrou na catequese de Israel, a referida recompensa é vista como a forma de Deus gratificar o comportamento do homem justo, enquanto filho que cumpre os seus deveres para com os pais.

 

INTERPELAÇÕES

 

  • Os nossos pais foram, em nosso favor, instrumentos do Deus criador. Através deles, Deus chamou-nos à vida. Sentimo-nos gratos aos nossos pais por eles terem aceitado colaborar com Deus, dando-nos vida e cuidando de nós ao longo do caminho que temos vindo a percorrer? Lembramo-nos de lhes demonstrar, com ternura e amor, a nossa gratidão?

 

  • Apesar da sensibilidade moderna aos direitos humanos e à dignidade das pessoas, a nossa civilização cria, com frequência, situações de abandono, de marginalização, de solidão, cujas vítimas são, muitas vezes, aqueles que já não têm uma vida considerada produtiva, ou aqueles a quem a idade ou a doença trouxeram limitações. No entanto, do ponto de vista de Deus, nenhum ser humano é “descartável”, ou estará alguma vez fora do prazo de validade. Não podemos admitir – com a nossa indiferença ou com o nosso silêncio cúmplice – que as pessoas em situação de fragilidade sejam abandonadas na berma da estrada, sempre que o mundo caminha a um ritmo que elas não podem acompanhar. Tenho consciência disto?

 

  • É verdade que a vida de hoje é muito exigente a nível profissional e que nem sempre é possível a um filho estar presente ao lado de um pai que precisa de cuidados continuados ou de acompanhamento especializado. No entanto, se alguma vez as circunstâncias impuserem a necessidade de afastamento de um pai idoso ou descapacitado do ambiente familiar, isso não pode significar abandono e condenação à solidão. Seremos sempre responsáveis por aqueles que cativamos, e ainda mais por aqueles que foram, para nós, instrumentos do Deus criador e fonte de vida.

 

  • O capital de maturidade e de sabedoria de vida que os mais idosos possuem é considerado por nós uma riqueza ou um desafio ridículo à nossa modernidade e às nossas certezas?

 

  • Face à invasão contínua de valores estranhos que, tantas vezes, põem em causa a nossa identidade cultural e religiosa (quando não a nossa humanidade), o que significam os valores que recebemos dos nossos pais? Avaliamos com maturidade a perenidade desses valores, ou estamos dispostos a renegá-los ao primeiro aceno dos “valores da moda”?

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)

 

Refrão 1:    Felizes os que esperam no Senhor,

                   e seguem os seus caminhos.

 

Refrão 2:    Ditosos os que temem o Senhor,

                   ditosos os que seguem os seus caminhos.

 

Feliz de ti, que temes o Senhor

e andas nos seus caminhos.

Comerás do trabalho das tuas mãos,

serás feliz e tudo te correrá bem.

 

Tua esposa será como videira fecunda

no íntimo do teu lar;

teus filhos serão como ramos de oliveira

ao redor da tua mesa.

 

Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.

De Sião te abençoe o Senhor:

vejas a prosperidade de Jerusalém

todos os dias da tua vida.

 

LEITURA II – Colossenses 3, 12-21

 

Irmãos:

Como eleitos de Deus, santos e prediletos,

revesti-vos de sentimentos de misericórdia,

de bondade, humildade, mansidão e paciência.

Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente,

se algum tiver razão de queixa contra outro.

Tal como o Senhor vos perdoou,

assim deveis fazer vós também.

Acima de tudo, revesti-vos da caridade,

que é o vínculo da perfeição.

Reine em vossos corações a paz de Cristo,

à qual fostes chamados para formar um só corpo.

E vivei em ação de graças.

Habite em vós com abundância a palavra de Cristo,

para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros

com toda a sabedoria;

e com salmos, hinos e cânticos inspirados,

cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão.

E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras,

seja tudo em nome do Senhor Jesus,

dando graças, por Ele, a Deus Pai.

Esposas, sede submissas aos vossos maridos,

como convém no Senhor.

Maridos, amai as vossas esposas

e não as trateis com aspereza.

Filhos, obedecei em tudo a vossos pais,

porque isto agrada ao Senhor.

Pais, não exaspereis os vossos filhos,

para que não caiam em desânimo.

 

CONTEXTO

 

A Igreja de Colossos, destinatária desta carta, foi fundada por Epafras, um amigo de Paulo, pelos anos 56/57. Tanto quanto sabemos, Paulo nunca visitou a comunidade…

Hoje, não é claro para todos que Paulo tenha escrito esta carta (o vocabulário utilizado e o estilo do autor estão longe das cartas indiscutivelmente paulinas; também a teologia apresenta elementos novos, nunca usados nas outras cartas atribuídas a Paulo); por isso, é um pouco difícil definirmos o ambiente em que este texto apareceu…

Para os defensores da autoria paulina, contudo, a carta foi escrita quando Paulo estava prisioneiro, possivelmente em Roma (anos 61/63). Epafras teria visitado o apóstolo na prisão e deixado notícias alarmantes: os Colossenses corriam o risco de se afastar da verdade do Evangelho, por causa das doutrinas ensinadas por certos doutores de Colossos. Essas doutrinas misturavam práticas legalistas (o que parece indicar tendências judaizantes) com especulações acerca do culto dos anjos e do seu papel na salvação; exigiam um ascetismo rígido e o cumprimento de certos ritos de iniciação, destinados a comunicar aos crentes um conhecimento mais adequado dos mistérios ocultos e levá-los, através dos vários graus de iniciação, à vivência de uma vida religiosa mais autêntica.

Sem refutar essas doutrinas de modo direto, o autor da carta afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar proeminente na criação e na redenção dos homens.

O texto que nos é hoje proposto pertence à segunda parte da carta. Depois de constatar a supremacia de Cristo na criação e na redenção (primeira parte), o autor avisa os Colossenses de que a união com Cristo traz consequências a nível de vivência prática (segunda parte): implica a renúncia ao “homem velho” do egoísmo e do pecado e o “revestir-se do Homem Novo” (Cl 3,9-11).

 

MENSAGEM

 

Os filhos e filhas amados de Deus devem imitar o ser de Deus, que lhes foi revelado em Cristo. Cristo, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens, é a referência fundamental à volta da qual se desenrola e se constrói a vida dos discípulos. Quem adere a Cristo e se dispõe a segui-l’O, deve vestir a mesma “roupa” que Cristo vestia – quer dizer, deve apresentar-se no mundo como Ele apresentava, dispor-se a viver ao jeito d’Ele, realizar as obras que Ele realizava.

O estilo de vida do seguidor de Cristo deve, portanto, estar marcado por atitudes de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência; deve privilegiar, na relação com os irmãos, o perdão, a compreensão, a indulgência… Aquele que está unido a Cristo, que vive “em Cristo”, deve ser capaz de, em todas as circunstâncias, amar sem medida, amar a fundo perdido, amar até ao dom total de si, como Cristo fez.

Catálogos de exigências semelhantes apareciam também nos discursos éticos dos gregos… O que é novo aqui é a fundamentação: tais exigências resultam da íntima relação do cristão com Cristo; viver “em Cristo” implica viver, como Ele, no amor total, no serviço, na disponibilidade, no dom da vida.

Uma vez apresentado o ideal da vida cristã nas suas linhas gerais, o autor da carta aplica o que acabou de dizer ao âmbito mais concreto da vida familiar. Às mulheres, recomenda o respeito para com os maridos (a referência à submissão das esposas deve ser vista tendo em conta o contexto e a prática da época); aos maridos, convida a amar as esposas, excluindo qualquer atitude de domínio tirânico sobre elas; aos filhos, recomenda a obediência aos pais; aos pais, com intuição pedagógica, pede que não sejam excessivamente severos para com os filhos, pois isso pode impedir o normal desenvolvimento das suas capacidades e da sua autonomia… Numa palavra, é a “caridade” (“agapê”) – entendida como amor de doação, de entrega, a exemplo de Jesus que amou até ao dom da vida – que deve presidir às relações entre os membros de uma família. Também no espaço familiar se deve manifestar o Homem Novo, o homem transformado por Cristo e que vive segundo Cristo.

 

INTERPELAÇÕES

 

  • A nossa vida de todos os dias é, a cada instante, marcada por tensões, ansiedades, conflitos e problemas que mexem com o nosso equilíbrio e a nossa harmonia. Perdemos o controlo, tornamo-nos quezilentos e conflituosos, criticamos os outros com palavras que magoam, assumimos poses de arrogância e de superioridade, enchemos as redes sociais com comentários infelizes… Talvez nos faça bem cada dia, em jeito de exame de consciência, reservar um momento para olhar para Jesus e para confrontar os nossos gestos, as nossas palavras, as nossas escolhas com os gestos, as palavras e as suas opções. Esse “confronto” pode ajudar-nos a situar as perspetivas e a recentrar a nossa vida nesse viver “em Cristo” que é a vocação do cristão.

 

  • A nossa primeira responsabilidade vai, evidentemente, para aqueles que connosco partilham, de forma mais chegada, a vida do dia a dia (a nossa família). Esse amor, que deve revestir-nos sempre, traduz-se numa atenção contínua àquele que está ao nosso lado, às suas necessidades e preocupações, às suas alegrias e tristezas, aos seus sorrisos e às suas lágrimas? Traduz-se em gestos sentidos e partilhados de carinho e de ternura? Traduz-se num respeito absoluto pela liberdade e pelo espaço do outro, por deixar o outro crescer sem o sufocar? Traduz-se na vontade de servir o outro, sem nos servirmos dele?

 

  • A expressão “esposas, sede submissas aos vossos maridos” é, evidentemente, uma expressão anacrónica, que deve ser devidamente contextualizada no universo cultural e social do séc. I, mas que hoje não faz sentido. Para os que vivem “em Cristo”, o valor que preside às relações é o amor… E o amor não comporta submissão ou superioridade, mas igualdade fundamental em dignidade e direitos. O mesmo Paulo dirá, noutras circunstâncias, que para os que vivem “em Cristo” “não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher”, porque todos são um só em Cristo Jesus (Gl 3,28). É este o horizonte que deve estar sempre diante dos nossos olhos.

 

ALELUIA – Colossenses 3,15a.16a

 

Aleluia. Aleluia.

 

Reine em vossos corações a paz de Cristo,

habite em vós a sua palavra.

 

EVANGELHO – Lucas 2,22-40

 

Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés,

Maria e José levaram Jesus a Jerusalém,

para O apresentarem ao Senhor,

como está escrito na Lei do Senhor:

«Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor»,

e para oferecerem em sacrifício

um par de rolas ou duas pombinhas,

como se diz na Lei do Senhor.

Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão,

homem justo e piedoso,

que esperava a consolação de Israel;

e o Espírito Santo estava nele.

O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria

antes de ver o Messias do Senhor;

e veio ao templo, movido pelo Espírito.

Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino,

para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito,

Simeão recebeu-O em seus braços

e bendisse a Deus, exclamando:

«Agora, Senhor, segundo a vossa palavra,

deixareis ir em paz o vosso servo,

porque os meus olhos viram a vossa salvação,

que pusestes ao alcance de todos os povos:

luz para se revelar às nações

e glória de Israel, vosso povo».

O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados

com o que d’Ele se dizia.

Simeão abençoou-os

e disse a Maria, sua Mãe:

«Este Menino foi estabelecido

para que muitos caiam ou se levantem em Israel

e para ser sinal de contradição;

– e uma espada trespassará a tua alma –

assim se revelarão os pensamentos de todos os corações».

Havia também uma profetisa,

Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser.

Era de idade muito avançada

e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela

e viúva até aos oitenta e quatro.

Não se afastava do templo,

servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações.

Estando presente na mesma ocasião,

começou também a louvar a Deus

e a falar acerca do Menino

a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.

Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor,

voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré.

Entretanto, o Menino crescia,

tornava-Se robusto e enchia-Se de sabedoria.

E a graça de Deus estava com Ele.

 

CONTEXTO

 

O interesse fundamental dos primeiros cristãos não se centrou na infância de Jesus, mas na sua mensagem e proposta; por isso, a catequese cristã dos primeiros tempos interessou-se, de forma especial, por conservar as memórias da vida pública e da paixão do Senhor.

Só num estádio posterior houve uma certa curiosidade acerca dos primeiros anos da vida de Jesus. Coligiram-se, então, algumas informações históricas sobre a infância de Jesus; e esse material foi, depois, amassado e trabalhado, de forma a transmitir aquilo que a catequese primitiva ensinava sobre Jesus e o seu mistério. O chamado “Evangelho da Infância” (de que faz parte o texto que nos é hoje proposto) assenta nessa base; parte de algumas indicações históricas e desenvolve uma reflexão teológica para explicar quem é Jesus. Nesta secção do Evangelho, Lucas está muito mais interessado em dizer quem é Jesus, do que em contar-nos factos memoráveis da sua infância.

Lucas propõe-nos, hoje, o quadro da apresentação de Jesus no Templo. Segundo a Lei de Moisés, todos os primogénitos (tanto dos homens como dos animais) pertenciam a Javé e deviam ser oferecidos a Javé (cf. Ex 13,1-2.11-16). O costume de oferecer aos deuses os primogénitos é um costume cananeu que, no entanto, Israel transformou no que dizia respeito aos primogénitos humanos: estes não deviam ser oferecidos em sacrifício, mas resgatados por um animal, que seria imolado ao Senhor.

De acordo com Lv 12,6-8, quarenta dias após o nascimento de uma criança, esta devia ser apresentada no Templo, onde a mãe oferecia um ritual de purificação. Nessa cerimónia, devia ser oferecido um cordeiro de um ano (para as famílias mais abastadas) ou então duas pombas ou duas rolas (para as famílias de menores recursos). É precisamente neste cenário que o Evangelho de hoje nos situa.

 

MENSAGEM

 

A cena da apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém apresenta uma catequese bem amadurecida e bem refletida, que procura dizer quem é Jesus e qual a sua missão no mundo.

Antes de mais, o autor sublinha repetidamente a fidelidade da família de Jesus à Lei do Senhor (vers. 22.23.24), como se quisesse deixar claro que Jesus, desde o início da sua caminhada entre os homens, viveu na escrupulosa fidelidade aos mandamentos e aos projetos do Pai. A missão de Jesus no mundo passa por aí – pelo cumprimento rigoroso da vontade e do projeto do Pai.

No Templo, duas personagens acolhem Jesus: Simeão e Ana. Eles representam esse Israel fiel que espera ansiosamente a sua libertação e a restauração do reinado de Deus sobre o seu Povo.

De Simeão diz-se que era um homem “justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel” (vers. 25). As palavras e os gestos de Simeão são particularmente sugestivos… Simeão toma Jesus nos braços e apresenta-O ao mundo, definindo-O como “a salvação” que Deus quer oferecer “a todos os povos”, “luz para se revelar às nações e glória de Israel” (vers. 28-32). Jesus é, assim, reconhecido pelo Israel fiel como esse Messias libertador e salvador, a quem Deus enviou – não só ao seu povo, mas a todos os povos da terra. Aqui desponta um tema muito querido a Lucas: o da universalidade da salvação de Deus… Deus não tem já um Povo eleito, mas a sua salvação é para todos os povos, independentemente da sua raça, da sua cultura, das suas fronteiras, dos seus esquemas religiosos. As palavras que Simeão dirige a Maria (“este menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; e uma espada trespassará a tua alma” – vers. 34-35) aludem, provavelmente, à divisão que a proposta de Jesus provocará em Israel e ao resultado dessa divisão – o drama da cruz.

Ana é também uma figura do Israel pobre e sofredor (“viúva”), que se manteve fiel a Javé (não se voltou a casar, após a morte do marido – vers. 37), que espera a salvação de Deus. Depois de reconhecer em Jesus a salvação anunciada por Deus, ela “falava do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (vers. 38). A palavra utilizada por Lucas para falar de libertação é a palavra grega “lustrosis” (“resgate”), utilizada no Êxodo para falar da libertação da escravidão do Egipto (cf. Ex 13,13-15; 34,20; Nm 18,15-16). Jesus é, assim, apresentado por Lucas como o Messias libertador, que vai conduzir o seu Povo do domínio da escravidão para o domínio da liberdade. A apresentação no Templo de um primogénito celebrava precisamente a libertação do Egipto e a passagem da escravidão para a liberdade (cf. Ex 13,11-16).

O texto termina com uma referência ao resto da infância de Jesus e ao crescimento do menino em “sabedoria” e “graça”. Trata-se de atributos que lhe vêm do Pai e que atestam, portanto, a sua divindade (vers. 40).

 

INTERPELAÇÕES

 

  • Lucas apresenta-nos uma família – a Sagrada Família – em que Deus é a referência fundamental. Por quatro vezes (vers. 22.23.24.27), Lucas refere, a propósito da família de Jesus, o cumprimento da Lei de Moisés, da Lei do Senhor ou da Palavra do Senhor. A família de Jesus, Maria e José é, portanto, uma família que escuta a Palavra de Deus e que constrói a sua existência ao ritmo da Palavra de Deus e dos desafios de Deus. Maria e José sabiam que uma família que escuta a Palavra de Deus e que procura responder aos desafios postos por essa Palavra é uma família com um projeto de vida com sentido; e sabiam que uma família que se deixa guiar pela Palavra de Deus é uma família que se constrói sobre a rocha firme dos valores eternos. Que importância é que Deus assume na vida das nossas famílias? Procuramos que cada membro das nossas famílias cresça numa progressiva sensibilidade à Palavra de Deus e aos desafios de Deus? Encontramos tempo para reunir a família à volta da Palavra de Deus e para partilhar, em família, a Palavra de Deus?

 

  • Quando numa família Deus “conta”, os valores de Deus passam a ser, para todos os membros daquela comunidade familiar, as marcas que definem o sentido da existência. O espaço familiar torna-se, então, a escola onde se aprende o amor, a solidariedade, a partilha, o serviço, o diálogo, o respeito, o cuidado, o perdão, a fraternidade universal, o cuidado da criação, a atenção aos mais frágeis, o sentido do compromisso, do sacrifício, da entrega e da doação… São esses valores – os valores de Deus – que procuramos cultivar na nossa comunidade familiar?

 

  • Segundo a Lei judaica, todo o primogénito devia ser consagrado e dedicado ao Senhor. Também Jesus é apresentado no Templo e consagrado ao Senhor. Nas nossas famílias cristãs há normalmente uma legítima preocupação com o proporcionar a cada criança condições ótimas de vida, de educação, de acesso à instrução e aos cuidados essenciais… Haverá sempre uma preocupação semelhante no que diz respeito à formação para a fé e em proporcionar aos filhos uma verdadeira educação para a vida cristã e para os valores de Jesus Cristo? Os pais cristãos preocupam-se sempre em proporcionar aos seus filhos um exemplo de coerência com os compromissos assumidos no dia do Batismo? Preocupam-se em ser os primeiros catequistas dos próprios filhos, transmitindo-lhes os valores do Evangelho? Preocupam-se em acompanhar e em potenciar a formação e a caminhada catequética dos próprios filhos, em inseri-los numa comunidade de fé, em integrá-los na família de Jesus, em consagrá-los ao serviço de Deus?

 

  • Simeão e Ana, os dois anciãos que acolhem Jesus no Templo de Jerusalém, não são pessoas desiludidas da vida, que vivem voltadas para o passado sonhando com um tempo ideal que já não volta; mas são pessoas voltadas para o futuro, atentas ao Deus libertador que vem ao seu encontro, que sabem ler os sinais de Deus naquele menino que chega e que testemunham diante dos seus conterrâneos a presença salvadora e redentora de Deus no meio do seu Povo. Os anciãos – quer pela sua maturidade, sabedoria e equilíbrio, quer pelo tempo de que normalmente dispõem – podem ser testemunhas privilegiadas dos valores de Deus, intérpretes dos sinais de Deus, profetas credíveis que obrigam o mundo a confrontar-se com os desafios de Deus. É preciso que não vivam voltados para o passado, refugiados numa realidade que aliena, transformados em “estátuas de sal”, mas que vivam de olhos postos no futuro, de espírito aberto e livre, pondo a sua sabedoria e experiência ao serviço da comunidade humana e cristã, ensinando os mais jovens a distinguir entre o que é eterno e importante e o que é passageiro e acessório.

 

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA SAGRADA FAMÍLIA

(adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

 

  1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Sagrada Família, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

 

  1. PALAVRA DE VIDA.

Rosto de Deus, de Cristo e da Igreja… Filhos da Aliança, do Deus da promessa e da fidelidade, José e Maria acreditam, apresentam o seu Filho ao Senhor: mistério de glória e de dor, na profecia do velho Simeão; acreditam que só na fé total e forte podem reconhecer a luz do mundo. Com Simeão, a Igreja anuncia Cristo àqueles que lhe são próximos. Com Ana, a profetisa, a Igreja anuncia a libertação aos que esperam, àqueles que estão longe; ela desperta neles o desejo de conhecer Cristo. É neste desejo que a nossa fé ganha raiz…

 

  1. UM PONTO DE ATENÇÃO.

No ambiente do tempo de Natal, este domingo será uma ocasião para preparar uma celebração simples e sóbria, em ligação com o maior número possível de famílias. Pode-se implicar mais ativamente as crianças na participação: começar o hino de Glória com vozes e instrumentos de percussão; acompanhar algumas estrofes do Salmo através de gestos preparados; ficar junto ao ambão durante a leitura do Evangelho; preparar e ler algumas intenções da oração dos fiéis; participar na procissão das oferendas; ficar à volta do altar durante o Pai Nosso até à comunhão… Pela atenção às crianças nalguns momentos da celebração, valorizar o sentido de família onde todos têm papel ativo, seja qual for a idade…

 

  1. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

Nas palavras de envio ou de despedida da celebração, retomar as palavras do velho Simeão: “Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos…” Iluminadas pela Palavra de Deus e alimentadas pelo seu Pão, as famílias humanas são convidadas a retomar o caminho do quotidiano…

 

 

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org

 

Tempo do Natal - 7º dia da Oitava do Natal

Tempo do Natal - 7º dia da Oitava do Natal


31 de Dezembro, 2023

Tempo do Natal - 7º dia da Oitava do Natal

Lectio

Primeira leitura: 1 João 2, 18-21

18*Meus filhos, estamos na última hora. Ouvistes dizer que há-de vir um Anticristo; pois bem, já apareceram muitos anticristos; por isso reconhecemos que é a última hora. 19*Eles saíram de entre nós, mas não eram dos nossos, porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido connosco; mas aconteceu assim para que ficasse claro que nenhum deles é dos nossos. 20*Vós, porém, tendes uma unção recebida do Santo e todos estais instruídos. 21Não vos escrevi por não saberdes a verdade, mas porque a sabeis, e também que da verdade não vem nenhuma mentira.

S. João exorta a comunidade cristã à vigilância pela iminência da «última hora» da história, marcado por um violento ataque do «anticristo», símbolo de todas as forças hostis a Deus e personificadas nos heréticos. O tempo final da história não deve ser entendido em sentido cronológico mas teológico, isto, como tempo decisivo e último da vinda de Cristo, tempo de luta, de perseguição e de provação para a fé da comunidade. O agudizar das dificuldades indica que o fim está próximo. Vislumbra-se já no horizonte o perfil de um mundo novo. O sinal mais evidente vem dos heréticos que difundem a mentira. Embora tivessem pertencido à comunidade, mostram-se agora seus inimigos, ao abandonarem a Igreja e ao criar-lhe dificuldades.

É duro verificar que Deus possa permitir a Satanás encontrar instrumentos da sua acção dentro da própria comunidade eclesial. Mas, a esses instrumentos, opõem-se os verdadeiros discípulos de Jesus, aqueles que receberam «a unção do Santo» (cf. v. 20), isto é, a palavra de Cristo e o seu Espírito que, pelo baptismo, lhes ensina a verdade completa (cf. Jo 14, 26). Essa verdade refere-se a Jesus, o Verbo de Deus feito carne, como professa o Apóstolo, e não um Jesus aparentemente humano, figura de uma realidade apenas espiritual, como dizem os hereges docetas.

Evangelho: João 1, 1-18

1*No princípio já existia o Verbo; o Verbo estava em Deus; o Verbo era Deus. 2No princípio Ele estava em Deus; 3*por Ele é que tudo começou a existir; sem Ele nada veio à existência. 4*Nele é que estava a Vida de tudo o que veio a existir. E a Vida era a Luz dos homens. 5A Luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a receberam. 6*Apareceu um homem enviado por Deus, que se chamava João. 7Este vinha como testemunha, para dar testemunho da Luz e todos crerem por meio dele. 8Ele não era a Luz, mas vinha para dar testemunho da Luz. 9*O Verbo era a luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina. 10*Ele estava no mundo e por Ele o mundo veio à existência, mas o mundo não o reconheceu. 11*Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. 12*Mas, a quantos o receberam, aos que nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. 13*Estes não nasceram de laços de sangue, nem de um impulso da carne, nem da vontade de um homem, mas sim de Deus. 14*E o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco. E nós contemplámos a sua glória,

Caixa de texto: Tempo do Natal 31|Dezembro
a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade. 15*João deu testemunho dele ao clamar: «Este era aquele de quem eu disse: 'O que vem depois de mim passou-me à frente, porque existia antes de mim.'» 16*Sim, todos nós participamos da sua plenitude, recebendo graças sobre graças. 17*É que a Lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram-nos por Jesus Cristo. 18*A Deus nunca ninguém o viu. O Filho Unigénito, que é Deus e que está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer.

Ao contrário dos evangelhos da infância, o prólogo de S. João não narra os acontecimentos históricos do nascimento e da infância de Jesus. De forma poética, descreve a origem do Verbo na eternidade de Deus e a sua pessoa divina no amplo quadro bíblico do projecto de salvação, que Deus traz para o homem.

Começa pela preexistência do Verbo (vv. 1-5), real e em comunhão de vida com o Pai; o Verbo pode falar-nos do Pai porque possui a eternidade, a personalidade e a divindade (v. 1). Depois fala da vinda histórica do Verbo para meio dos homens (vv. 6-13), de cuja luz deu testemunho João Baptista (vv. 6-8); a luz põe o homem perante a necessidade de fazer uma opção de vida: recusá-la ou acolhê-la, permanecer na incredulidade ou aderir à fé (vv. 9-11); o acolhimento favorável tem por consequência a filiação divina, que não procede da carne ou do sangue, isto é de possibilidades humanas (vv. 12-13). Finalmente, a Incarnação do Verbo (v. 14) como ponto central do prólogo. Este Verbo já tinha entrado na história humana por meio da criação, mas agora vem habitar entre os homens de um modo activo: «O Verbo fez-se homem», na fragilidade de Jesus de Nazaré, para mostrar o amor infinito de Deus. Nele, a humanidade crente pode contemplar a glória do Senhor, a glória de Jesus, o Revelador perfeito e escatológico da Palavra que nos faz livres, o verdadeiro Mediador humano-divino entre o Pai e humanidade, o único que nos manifesta Deus e no-lo faz conhecer (vv. 17-18).

Meditatio

«Todos nós participamos da sua plenitude, recebendo graças sobre graças», diz-nos João no Prólogo do seu evangelho. Vamos partir desta frase para n os colocarmos numa atitude de acção de graças, neste último dia do ano. Ao longo dele, fomos recebendo cada dia graça sobre graça, cada um segundo as suas necessidades e capacidades de receber. E, as graças que recebemos este ano, preparam as que havemos de receber no ano que vai começar.

Recebemos a graça do perdão misericordioso de Deus para os nossos pecados e para termos coragem de avançar no caminho da santidade. Recebemos luz para avançarmos, dia a dia no ano que termina. Essa luz também n&at
ilde;o deixará de brilhar sobre nós no ano que começa. A luz é o próprio Filho de Deus feito homem: «Eu sou a Luz do mundo». Essa luz é-nos dada como força e como amor, sobretudo na Eucaristia. Há que acolhê-la de coração aberto e disponível para todos os dons e surpresas de Deus.

A falta dessa abertura levou alguns cristãos, logo na primitiva Igreja, à heresia. Não aceitavam que Deus se pudesse fazer homem e, mais ainda, homem pobre, homem frágil. Ao longo da história, e ainda em nossos dias, não faltam falsos profetas e mestres de falsidade, que se servem do nome de Cristo para propagar as suas ideias e doutrinas. Muitas vezes, provêm das próprias comunidades cristãs. Há que distinguir o verdadeiro do falso. A verdadeira doutrina traz alegria e paz interior.

O dom e o mistério de pertencer à Igreja têm como única garantia a fidelidade à Palavra de Cristo, em humilde e permanente busca da verdade. Recusar a Igreja é recusar a Cristo, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6). Recusar a Igreja é não acreditar no Evangelho e na Palavra de Jesus, é viver nas trevas, no não-sentido. O verdadeiro discípulo de Jesus é aquele que, tendo recebido a unção do Espírito Santo, se deixa conduzir suavemente pela sua acção e pela sua verdade, reconhecendo os caminhos de Deus, esperando a sua vinda sem alarmismos nem fantasias milenaristas. A Incarnação de Cristo impregnou toda a história e toda a vida dos homens, porque só nele reside a plenitude da vida e toda a aspiração de felicidade e o homem entrou de pleno direito entre os familiares de Deus.

O fim do ano civil recorda-nos que a história humana é guiada por Deus. Para Ele a nossa gratidão e a nossa súplica de vida nova que sempre nos quer oferecer.

Escreve o Pe. Dehon: «O fim do ano é imagem do fim da vida; lembra-nos esse fim. Entremos nos sentimentos de Ezequias, que vendo-se à beira da morte, se humilhava e

deplorava as suas faltas... Mas não será também preciso dar graças a Nosso Senhor pelos benefícios que recebemos este ano? Ele suportou-nos, perdoou-nos, abençoou as nossas obras. O seu Coração abriu-se largamente a nós. Não será justo sermos reconhecidos?» (Leão Dehon, OSP 4, p. 603s.).

Oratio

Senhor, quero hoje rezar-te com Ângela de Foligno:

«Meu Deus, faz-me digna de conhecer o altíssimo mistério da tua ardente caridade, o mistério profundíssimo da tua Incarnação. Fizeste-te homem por nós. Desta carne começa a vida da nossa eternidade... Ó amor que todo Te dás! Aniquilaste-te a Ti mesmo, desfizeste-te a Ti, para me fazeres a mim; assumiste os farrapos de um servo vilíssimo, para me dares o manto real e a veste divina...

Por isto que entendo, que compreendo com toda mim mesma - que Tu nasceste em mim - sê bendito, ó Senhor! Ó abismo de luz! Toda a luz está em mim, se eu vejo isto, se compreendo isto: que Tu nasceste em mim. Na verdade, esta inteligência é uma meta: a meta da alegria... Ó Deus, não criado, torna-me digna de me afundar neste abismo de amor, de sustentar em mim o ardor da tua caridade. Faz-me digna de compreender a inefável caridade que nos comunicaste quando, por meio da Incarnação, nos manifestas-te Jesus Cristo como teu Filho, quando Jesus Cristo Te manifestou a nós como Pai.

Ó abismo de amor! A alma que Te contempla eleva-se admiravelmente acima da terra, eleva-se acima de si mesma e paira, pacificada, no mar da serenidade».

Contemplatio

S. João é o pregador do amor. Todo o seu evangelho está neste espírito. A sua primeira página é uma elevação de amor para o Verbo incarnado. «Nós vimos, diz, o Filho de Deus cheio de graça e de glória». Só ele descreve as núpcias tocantes de Caná, o colóquio com a Samaritana, a grande promessa da Eucaristia, a parábola do bom Pastor, a ressurreição de Lázaro, o lava-pés e os discursos tão ternos do Bom Mestre durante a Ceia e depois da Ceia. Narra a abertura do Coração de Jesus.

As suas epístolas pregam a caridade: «Deus é caridade... amou-nos primeiro... deu- nos o seu Filho por nosso amor. Portanto, amemo-lo também da nossa parte». E sem cessar repete: «Amemo-nos uns aos outros».

Vivendo junto de Maria e da Eucaristia, caminha para a consumação do amor. Chega à união mística mais intensa com Nosso Senhor, às visões, às revelações. O céu está aberto para ele. Descreve-o inteiramente. Mas sobretudo o Cordeiro triunfante retém o seu olhar: o Cordeiro sempre ferido no Coração e imolado, o Cordeiro que é bem o laço de amor entre Deus e nós.

Avancemos humilde e progressivamente no amor com S. João (Leão Dehon, OSP 3, p. 404s.)

Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Participamos da plenitude do Verbo; dele recebemos graças sobre graças». (Jo 1, 16).

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