Week of Dez 26th

  • 04º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    04º Domingo do Advento - Ano B [atualizado]

    24 de Dezembro, 2023

    ANO B - 4.º DOMINGO DO ADVENTO

    Tema do 4.º Domingo do Advento

    Neste último Domingo do Advento, a liturgia coloca-nos, uma vez mais, frente a frente com o projeto de salvação que Deus tem para oferecer a todos os seus filhos e filhas. Esse projeto, anunciado já no Antigo Testamento, torna-se uma realidade concreta, tangível e plena com a Encarnação de Jesus.

    A primeira leitura apresenta a “promessa” de Deus a David. Deus anuncia, pela boca do profeta Natã, que nunca abandonará o seu Povo nem desistirá de o conduzir pelos caminhos da história. A “promessa” de Deus irá concretizar-se num “filho” de David, através do qual Deus oferecerá ao seu Povo a estabilidade, a segurança, a paz, a abundância, a fecundidade, a felicidade sem fim.

    A segunda leitura chama ao projeto de salvação, preparado por Deus desde sempre, “o mistério”; e garante que, em Jesus, esse projeto se manifestou a todos os povos, a fim de que a humanidade inteira integre a família de Deus.

    O Evangelho refere-se ao momento em que Jesus encarna na história dos homens, a fim de lhes trazer a salvação e a vida definitivas… E mostra como a concretização do projeto de Deus só é possível quando os homens e as mulheres que Ele chama estão disponíveis para dizer “sim”, acolher Jesus e apresentá-l’O ao mundo.

     

    LEITURA I – 2 Samuel 7,1-5.8b-12.14a.16

     

    Quando David já morava em sua casa
    e o Senhor lhe deu tréguas de todos os inimigos que o rodeavam,
    o rei disse ao profeta Natã:
    «Como vês, eu moro numa casa de cedro,
    e a arca de Deus está debaixo de uma tenda».
    Natã respondeu ao rei:
    «Faz o que te pede o teu coração,
    porque o Senhor está contigo».
    Nessa mesma noite, o Senhor falou a Natã, dizendo:
    «Vai dizer ao meu servo David: Assim fala o Senhor:
    Pensas edificar um palácio para Eu habitar?
    Tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos,
    para seres o chefe do meu povo de Israel.
    Estive contigo em toda a parte por onde andaste
    e exterminei diante de ti todos os teus inimigos.
    Dar-te-ei um nome tão ilustre
    como o nome dos grandes da terra.
    Prepararei um lugar para o meu povo de Israel:
    e nele o instalarei para que habite nesse lugar,
    sem que jamais tenha receio
    e sem que os perversos tornem a oprimi-lo como outrora,
    quando Eu constituía juízes no meu povo de Israel.
    Farei que vivas seguro de todos os teus inimigos.
    O Senhor anuncia que te vai fazer uma casa.
    Quando chegares ao termo dos teus dias
    e fores repousar com teus pais
    estabelecerei em teu lugar um descendente que há de nascer de ti
    e consolidarei a tua realeza.
    Ele construirá um palácio ao meu nome
    e Eu consolidarei para sempre o teu trono real.
    Serei para ele um pai e ele será para Mim um filho.
    A tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente,
    e o teu trono será firme para sempre».

     

    CONTEXTO

    Os Livros de Samuel testemunham acontecimentos históricos centrais na vida do Povo de Deus. É durante a época a que os Livros de Samuel aludem que, pela primeira vez na sua história, as tribos do Norte (Israel) e do Sul (Judá) se reúnem em torno de um único rei (David) e em torno de uma capital comum (Jerusalém). Estamos nos finais do séc. XI e princípios do séc. X a.C.

    David tornou-se rei de Judá (Sul) por volta de 1012 a.C.; e, alguns anos depois, foi convidado pelas tribos de Israel (Norte) para reinar também sobre elas. Reuniu, portanto, sobre a sua cabeça as duas coroas – a de Israel (Norte) e a de Judá (Sul). Após a união de todas as tribos, David teve de eleger uma capital para o seu reino. Foi preciso encontrar, para sede desse reino unificado, uma cidade estrategicamente situada, neutra, que não despertasse rivalidades mútuas entre as distintas tribos. Ora Jerusalém, a cidade inexpugnável dos jebuseus, oferecia as condições exigidas… David reuniu, portanto, um comando de guerreiros profissionais, prescindindo intencionalmente do exército oficial de Israel e de Judá, a fim de que nenhum dos dois reinos reivindicasse o título de propriedade sobre a nova cidade. A cidade de Jerusalém foi conquistada aos jebuseus por volta do ano 1005 a.C. (cf. 2 Sm 5,6-12) e tornou-se, desde então, a “cidade de David”. Mais tarde, David fez transportar para Jerusalém a “Arca da Aliança” (o sinal visível da presença de Deus no meio do seu Povo), convertendo assim a nova capital do reino em cidade santa para todas as tribos (cf. 2 Sm 6,1-23).

    Ora, uma vez em Jerusalém, a “Arca” pedia um Templo adequado para lhe dar abrigo. David pensou em construir esse Templo; mas o profeta Natã, inspirado por Javé, segundo o teólogo deuteronomista, opôs-se. Encontramos aqui o eco de uma disputa que dividirá durante muito tempo o Povo de Deus… Para alguns ambientes proféticos, o Templo era uma ofensa a Deus, uma tentativa de encerrá-l’O, em vez de deixar-se guiar por Ele. Javé é visto pelos teólogos do Povo de Deus como um Deus “nómada”, que acompanha o seu Povo pelos caminhos da vida e da história e que não tem um lugar fixo, limitado, fechado, para se encontrar com os homens.

    MENSAGEM

    David não irá construir um Templo para Deus habitar. Mas se David não pode dar “estabilidade” ao Senhor, este pode dar estabilidade a David e ao Povo de Deus. Jogando com o duplo significado da palavra hebraica “bait” (“casa”), que pode usar-se para definir a casa de pedra (“Templo”) e a casa real (“família”, “dinastia”), o teólogo deuteronomista explica que, se David não vai construir uma “casa” (Templo) para Deus, Deus vai construir uma “casa” (família) para David (“o Senhor anuncia que te vai fazer uma casa” – vers. 11). Trata-se da “Aliança davídica”, que constitui a família de David como depositária das promessas divinas e garantia de um futuro de estabilidade, de segurança, de paz para o Povo de Deus.

    Esta “Aliança” garante – quer a David, quer a todo o Povo de Deus – quatro elementos fundamentais: em primeiro lugar, garante uma relação especial entre Javé e a descendência de David, expressa em termos de filiação (“serei para ele um pai e ele será para mim um filho” – 2 Sm 7,14a); em segundo lugar, garante que, através dos reis descendentes de David, o próprio Javé cuidará do seu Povo e o conduzirá pelos caminhos da vida e da história (cf. 2 Sm 7,8.12.16; em terceiro lugar, garante a prosperidade, a paz e a justiça para o Povo de Deus (cf. 2 Sm 7,10); em quarto lugar, garante a eternidade da dinastia e da nação (cf. 2 Sm 7,16). Trata-se de uma “promessa” que põe em relevo a fidelidade de Deus ao seu Povo, o seu amor nunca desmentido e mil vezes provado na história, a sua vontade de cuidar do seu Povo, de o libertar e de o conduzir ao encontro da salvação e da vida. Nesta “promessa”, Javé revela-se como esse Deus peregrino, permanentemente a caminho com o seu Povo e que, ao longo dessa caminhada, se vai revelando como a rocha segura e firme na qual o Povo de Deus encontra a salvação.

    A profecia de Natã constitui o ponto de partida do chamado “messianismo régio”: a promessa de Deus rapidamente extravasa o filho e sucessor de David (Salomão), para se dirigir a uma figura de rei “ideal”, que dará cumprimento a todas as aspirações e esperanças que o Povo depositava na dinastia davídica.

    Esta “profecia/promessa” tornar-se-á, com o passar do tempo, um dos artigos fundamentais da fé de Israel. Sobretudo em épocas dramáticas de crise e de angústia nacional, a “Aliança davídica” será um “capital de esperança” que ajudará o Povo a enfrentar as vicissitudes da história. O Povo de Deus passará, então, a sonhar com um Messias, da descendência de David, que oferecerá ao Povo de Deus um futuro de liberdade, de abundância, de fecundidade, de paz e de bem-estar sem fim.

    INTERPELAÇÕES

    • A questão fundamental que o texto coloca é a da atitude de Deus diante dos seres humanos e do mundo. O autor deste texto está seguro de que Javé, o Senhor da história, se preocupa com o caminho que os homens percorrem e encontra sempre forma de derramar o seu amor e a sua bondade sobre o Povo que ele próprio elegeu. Numa época em que a cultura dominante parece apostada em decretar a “morte” de Deus, ou em torná-lo uma inofensiva figura de cera arrumada no velho museu das experiências pré-racionais, é importante para nós, crentes, não esquecermos esta certeza que a Palavra de Deus nos deixa: o nosso Deus preside à história humana, vem continuamente ao encontro dos homens, faz com eles uma Aliança, oferece-lhes a paz e a justiça e aponta-lhes o caminho para a verdadeira vida, a verdadeira liberdade, a verdadeira salvação.
    • Se é Deus quem conduz a história humana, não temos razões para vivermos paralisados pelo medo e pela angústia. Mesmo que a humanidade insista em inventar mecanismos de violência, de injustiça, de opressão, de exploração, Deus saberá conduzir a história dos homens e do mundo a bom porto, de acordo com o seu projeto de amor e de salvação. Conscientes do amor e da solicitude de Deus, temos de encarar a vida com otimismo, com esperança e com confiança, mesmo quando as forças da morte parecerem controlar a nossa história e levantar obstáculos no nosso caminho.
    • Nestes dias que antecedem o Natal, é preciso ter consciência de que a promessa de Deus a David se concretiza em Jesus. Ele é esse “rei” da descendência de David que Deus enviou ao nosso encontro para nos apontar o caminho para o reino da justiça, da paz, do amor e da felicidade sem fim. Que acolhimento é que esse “rei” encontra no nosso coração e na nossa vida? Na nossa vida, sempre tão cheia e tão ocupada, há espaço para Jesus?
    • Mais uma vez, a Palavra deixa claro que Deus intervém no mundo e concretiza os seus projetos de salvação através de homens a quem Ele confia determinada missão (“tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos, para seres o chefe do meu povo de Israel”). Estou disponível para que Deus, através de mim, possa continuar a oferecer a salvação aos meus irmãos, particularmente aos pobres, aos humildes, aos marginalizados, aos excluídos do mundo?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 88 (89)

    Refrão 1:  Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor.

    Refrão 2:  Senhor, cantarei eternamente a vossa bondade.

     

    Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor
    e para sempre proclamarei a sua fidelidade.
    Vós dissestes: «A bondade está estabelecida para sempre»,
    no céu permanece firme a vossa fidelidade.

     

    «Concluí uma aliança com o meu eleito,
    fiz um juramento a David meu servo:
    ‘Conservarei a tua descendência para sempre,
    estabelecerei o teu trono por todas as gerações’».

     

    «Ele Me invocará: ‘Vós sois meu Pai,
    meu Deus, meu Salvador’.
    Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor,
    a minha aliança com ele será irrevogável».

     

    LEITURA II – Rom 16,25-27

     

    Irmãos:
    Seja dada glória a Deus,
    que tem o poder de vos confirmar,
    segundo o Evangelho que eu proclamo,
    anunciando Jesus Cristo.
    Esta é a revelação do mistério
    que estava encoberto desde os tempos eternos,
    mas agora foi manifestado
    e dado a conhecer a todos os povos
    pelas escrituras dos Profetas,
    segundo a ordem do Deus eterno,
    dado a conhecer a todos os gentios
    para que eles sejam conduzidos à obediência da fé.
    A Deus, o único sábio,
    por Jesus Cristo,
    seja dada glória pelos séculos dos séculos. Amen.

     

    CONTEXTO

    No final da década de 50 (a Carta aos Romanos apareceu por volta de 57/58), multiplicavam-se as “crises” entre os cristãos oriundos do mundo judaico e os cristãos oriundos do mundo pagão. Uns e outros tinham perspetivas diferentes da salvação e da forma de viver o compromisso com Jesus Cristo e com o seu Evangelho. Os cristãos de origem judaica consideravam que, além da fé em Jesus Cristo, era necessário cumprir as obras da Lei (nomeadamente a prática da circuncisão) para ter acesso à salvação; mas os cristãos de origem pagã recusavam-se a aceitar a obrigatoriedade das práticas judaicas. Era uma questão “quente”, que ameaçava a unidade da Igreja. Este problema também era sentido pela comunidade cristã de Roma.

    Neste cenário, Paulo vai mostrar a todos os crentes (a Carta aos Romanos, mais do que uma carta para a comunidade cristã de Roma, é uma carta para as comunidades cristãs, em geral) a unidade da revelação e da história da salvação: judeus e não judeus são, de igual forma, chamados por Deus à salvação; o essencial não é cumprir a Lei de Moisés – que nunca assegurou a ninguém a salvação; o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a todos, por Jesus Cristo.

    O texto que nos é proposto apresenta-nos os últimos versículos da Carta aos Romanos. Trata-se de uma solene doxologia final que não parece, contudo, ser de Paulo (ainda que os conceitos sejam paulinos, a terminologia é diferente). Provavelmente, constituía o remate final do epistolário paulino, numa antiga edição do mesmo. Trata-se de um texto maduramente refletido e trabalhado, sem dúvida fruto de uma profunda reflexão teológica levada a cabo no seio da comunidade cristã. O seu autor foi, certamente, um cristão dos finais do século I ou dos princípios do séc. II. Profundo conhecedor da teologia paulina e absolutamente comprometido com a Igreja a que pertencia, este cristão procurou sintetizar nestes versículos toda a doutrina do apóstolo Paulo.

    MENSAGEM

    Paulo termina a Carta aos Romanos dando glória a Deus. A palavra “mistério” (mystêrion”) é central não só nesta doxologia, mas em toda a teologia paulina, referindo-se ao plano de salvação que Deus tem para o para o mundo e para os seres humanos. Oculto durante muitos séculos, o “mistério” foi plenamente manifestado em Cristo, nas suas palavras, nos seus gestos, sobretudo na sua morte e na sua ressurreição; revelado aos apóstolos e aos profetas pelo Espírito Santo, o “mistério” foi depois transmitido a todos os povos – nomeadamente aos pagãos – para fazer deles membros de um único corpo (o “Corpo de Cristo”) e para associá-los à herança de Cristo (cf. 1 Cor 2,1.7; Ef 1,9;3,3-10;6,19; Col 1,26-27;2,2;4,3).

    Diante da iniciativa salvadora de Deus concretizada através dos tempos e agora desvelada, como é que o crente deve reagir? Reconhecendo o amor e a solicitude de Deus, bem evidentes na sua ação salvadora, o crente agradece, louva, honra e adora. E a comunidade acolhe e apoia esta sugestão, respondendo: “amen” (vers. 27).

    INTERPELAÇÕES

    • A segunda leitura reitera a mensagem fundamental da primeira: Deus tem um projeto de salvação em nosso favor. O facto de esse projeto existir “desde os tempos eternos” mostra que a preocupação e o amor de Deus pelos seus filhos não são um facto acidental ou uma moda passageira, mas algo que faz parte do ser de Deus e que está desde sempre no plano de Deus. Não esqueçamos isto: não somos seres abandonados à nossa sorte, perdidos e à deriva num universo sem fim; mas somos seres amados por Deus, pessoas únicas e irrepetíveis que Deus ama, cuida e guia pela história. A meta final para onde Ele nos conduz é a vida plena, a felicidade sem fim, a salvação. Esta convicção deve encher os nossos corações de alegria, de esperança e de gratidão.
    • A leitura deixa ainda claro que esse projeto de salvação foi totalmente revelado em Jesus Cristo, no seu amor até ao extremo, nos seus gestos de bondade e de misericórdia, na sua atitude de doação e de serviço, no seu anúncio do Reino de Deus. Prepararmo-nos para o Natal significa preparar o nosso coração para acolher Jesus, para aceitar os seus valores, para compreender o seu jeito de viver, para aderir ao projeto de salvação que, através d’Ele, Deus Pai nos oferece.

    ALELUIA – Lucas 1,38

     

    Aleluia. Aleluia.

    Eis a escrava do Senhor:
    faça-se em mim segundo a vossa palavra.

     

    EVANGELHO – Lucas 1,26-38

    Naquele tempo,
    o Anjo Gabriel foi enviado por Deus
    a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,
    a uma Virgem desposada com um homem chamado José,
    que era descendente de David.
    O nome da Virgem era Maria.
    Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo:
    «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
    Ela ficou perturbada com estas palavras
    e pensava que saudação seria aquela.
    Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria,
    porque encontraste graça diante de Deus.
    Conceberás e darás à luz um Filho,
    a quem porás o nome de Jesus.
    Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
    O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
    reinará eternamente sobre a casa de Jacob,
    e o seu reinado não terá fim».
    Maria disse ao Anjo:
    «Como será isto, se eu não conheço homem?»
    O Anjo respondeu-lhe:
    «O Espírito Santo virá sobre ti
    e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
    Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
    E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice,
    e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril;
    porque a Deus nada é impossível».
    Maria disse então:
    «Eis a escrava do Senhor;
    faça-se em mim segundo a tua palavra».
    E o anjo retirou-se de junto dela.

     

    CONTEXTO

    O texto de Lucas que nos é proposto neste quarto domingo do advento pertence ao chamado “Evangelho da Infância”. Ora, os “Evangelhos da Infância de Jesus” (quer o de Mateus, quer o de Lucas) enquadram-se num género literário próprio, que recorre às técnicas do midrash haggádico (uma técnica de leitura e de interpretação do texto sagrado usada pelos rabis judeus) para nos apresentar o mistério de Jesus. A preocupação dos evangelistas que nos legaram os “Evangelhos da Infância” não é apresentar um relato factual dos acontecimentos dos primeiros anos de Jesus, mas sim oferecer às suas comunidades uma catequese que proclame determinadas realidades salvíficas (que Jesus é o Messias, que Ele vem de Deus, que Ele é o “Deus connosco”). Com recurso a tipologias (correspondência entre certos factos e pessoas do Antigo Testamento e outros factos e pessoas do Novo Testamento), a manifestações apocalípticas (anjos, aparições, sonhos) e a outros recursos literários, Mateus e Lucas tecem as suas catequeses sobre Jesus, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens. O Evangelho que nos é hoje proposto deve ser entendido a esta luz e neste enquadramento.

    A cena situa-nos numa aldeia da Galileia, chamada Nazaré. A Galileia, região a norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, era considerada pelos judeus uma terra longínqua e estranha, em permanente contacto com as populações pagãs e onde se praticava uma religião heterodoxa, influenciada pelos costumes e pelas tradições pagãs. Daí a convicção dos mestres judeus de Jerusalém de que “da Galileia não pode vir nada de bom”. Quanto a Nazaré, era uma aldeia pobre e ignorada, nunca nomeada na história religiosa judaica e, portanto (de acordo com a mentalidade judaica), completamente à margem dos caminhos de Deus e da salvação.

    Maria, a jovem de Nazaré que está no centro deste episódio, era “uma virgem desposada com um homem chamado José”. O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro (os “esponsais”); só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo (as cerimónias do matrimónio propriamente dito). Entre os “esponsais” e o rito do matrimónio, passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes podia voltar atrás, ainda que sofrendo uma penalidade. Durante os “esponsais”, os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um carácter estável, de tal forma que, se surgia um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da “prometida” como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (cf. Dt 22,23-27). E a união entre os dois “prometidos” só podia dissolver-se com a fórmula jurídica do divórcio. José e Maria estavam, portanto, na situação de “prometidos”: ainda não tinham celebrado o matrimónio, mas já tinham celebrado os “esponsais”.

     

    MENSAGEM

    Depois da apresentação do “ambiente” do quadro, Lucas apresenta o diálogo entre Maria e o anjo.

    A conversa começa com a saudação do anjo. Na boca deste, são colocados termos e expressões com ressonância vétero-testamentária, ligados a contextos de eleição, de vocação e de missão. Assim, o termo “ave” (em grego, “kaire”) com que o anjo se dirige a Maria é mais do que uma saudação: é o eco dos anúncios de salvação à “filha de Sião” – uma figura fraca e delicada que personifica o Povo de Israel, em cuja fraqueza se apresenta e representa essa salvação oferecida por Deus e que Israel deve testemunhar diante dos outros povos (cf. 2 Re 19,21-28; Is 1,8;12,6; Jer 4,31; Sof 3,14-17). A expressão “cheia de graça” significa que Maria é objeto da predileção e do amor de Deus. A outra expressão, “o Senhor está contigo”, é uma expressão que aparece com frequência ligada aos relatos de vocação no Antigo Testamento (cf. Ex 3,12 – vocação de Moisés; Jz 6,12 – vocação de Gedeão; Jer 1,8.19 – vocação de Jeremias) e que serve para assegurar ao “chamado” a assistência de Deus na missão que lhe é pedida. Estamos, portanto, diante do “relato de vocação” de Maria: a visita do anjo destina-se a apresentar à jovem de Nazaré uma proposta de Deus. Essa proposta vai exigir uma resposta clara de Maria.

    Qual é, então, o papel proposto a Maria no projeto de Deus?

    A Maria, Deus propõe que aceite ser a mãe de um “filho” especial… Desse “filho” diz-se, em primeiro lugar, que Ele se chamará “Jesus”, nome que significa “Deus salva”. Além disso, esse “filho” é apresentado pelo anjo como o “Filho do Altíssimo”, que herdará “o trono de seu pai David” e cujo reinado “não terá fim”. As palavras do anjo levam-nos a 2 Sm 7 e à promessa feita por Deus ao rei David através das palavras do profeta Natã. Esse “filho” é descrito nos mesmos termos em que a teologia de Israel descrevia o “Messias” libertador. O que é proposto a Maria é, pois, que ela aceite ser a mãe desse “Messias” que Israel esperava, o libertador enviado por Deus ao seu Povo para lhe oferecer a vida e a salvação definitivas.

    Como é que Maria responde ao projeto de Deus?

    A resposta de Maria começa com uma objeção… A objeção faz sempre parte dos relatos de vocação do Antigo Testamento (cf. Ex 3,11;6,30; Is 6,5; Jer 1,6). É uma reação natural de um “chamado”, assustado com a perspetiva do compromisso com algo que o ultrapassa; mas é, sobretudo, uma forma de evidenciar a grandeza e o poder de Deus que, apesar da fragilidade e das limitações dos “chamados”, faz deles instrumentos da sua salvação no meio dos homens e do mundo.

    Diante da “objeção”, o anjo garante a Maria que o Espírito Santo virá sobre ela e a cobrirá com a sua sombra. Este Espírito é o mesmo que foi derramado sobre os juízes (Oteniel – cf. Jz 3,10; Gedeão – cf. Jz 6,34; Jefté – cf. Jz 11,29; Sansão – cf. Jz 14,6), sobre os reis (Saul – cf. 1 Sm 11,6; David – cf. 1 Sm 16,13), sobre os profetas (cf. Maria, a profetisa irmã de Aarão – cf. Ex 15,20; os anciãos de Israel – cf. Nm 11,25-26; Ezequiel – cf. Ez 2,1; 3,12; o Trito-Isaías – cf. Is 61,1), a fim de que eles pudessem ser uma presença eficaz da salvação de Deus no meio do mundo. A “sombra” ou “nuvem” leva-nos também à “coluna de nuvem” (cf. Ex 13,21) que acompanhava a caminhada do Povo de Deus em marcha pelo deserto, indicando o caminho para a Terra Prometida da liberdade e da vida nova. O mesmo Deus que outrora acompanhou o seu Povo ao longo do caminho pelo deserto, vai estar com Maria e, através dela, fazer-se presente no caminho dos homens para os conduzir à salvação.

    O relato termina com a resposta final de Maria: “eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”. Afirmar-se como “serva” significa, mais do que humildade, reconhecer que se é um eleito de Deus e aceitar essa eleição, com tudo o que ela implica; no Antigo Testamento, ser “servo do Senhor” é um título de glória, reservado àqueles que Deus escolheu, que Ele reservou para o seu serviço e que Ele enviou ao mundo com uma missão (essa designação aparece, por exemplo, no Deutero-Isaías – cf. Is 42,1;49,3;50,10;52,13;53,2.11 – em referência à figura enigmática do “servo de Javé”). Desta forma, Maria reconhece que Deus a escolheu, aceita com disponibilidade essa escolha e manifesta a sua disposição de cumprir, com fidelidade, o projeto de Deus.

    INTERPELAÇÕES

    • Também o Evangelho deste domingo, na linha das outras duas leituras, afirma, de forma clara e insofismável, que Deus ama os homens e, na sua solicitude de Pai, tem um projeto de vida plena para lhes oferecer. Esta certeza tem de servir de âncora a toda a nossa vida e acompanhar cada passo que damos. Esta certeza muda a nossa perspetiva das coisas e permite-nos ver a vida com as cores da alegria, da confiança e da esperança.
    • Como é que esse Deus cheio de amor pelos seus filhos intervém na história humana e concretiza, dia a dia, a sua oferta de salvação? A história de Maria de Nazaré, bem como a de tantos outros “chamados”, responde, de forma clara, a esta questão: é através de homens e mulheres atentos aos projetos de Deus e de coração disponível para o serviço dos irmãos, que Deus atua no mundo, que Ele manifesta aos homens o seu amor, que Ele convida cada pessoa a percorrer os caminhos da felicidade e da realização plena. Já pensámos que é através dos nossos gestos de amor, de partilha e de serviço que Deus Se torna presente no mundo e transforma o mundo?
    • Neste domingo que precede o Natal de Jesus, a história de Maria mostra como é possível fazer Jesus nascer no mundo: através de um “sim” incondicional aos projetos de Deus. É preciso que, através dos nossos “sins” de cada instante, da nossa disponibilidade e entrega, Jesus possa vir ao mundo e oferecer aos nossos irmãos – particularmente aos pobres, aos humildes, aos infelizes, aos marginalizados – a salvação e a vida de Deus.
    • Outra questão é a dos instrumentos de que Deus se serve para realizar os seus planos… Maria era uma jovem mulher de uma aldeia obscura dessa “Galileia dos pagãos” de onde não podia “vir nada de bom”. Não consta que tivesse uma significativa preparação intelectual, extraordinários conhecimentos teológicos, ou amigos poderosos nos círculos de poder e de influência da Palestina de então. Apesar disso, foi escolhida por Deus para desempenhar um papel primordial na etapa mais significativa na história da salvação. A história vocacional de Maria deixa claro que, na perspetiva de Deus, não são o poder, a riqueza, a importância ou a visibilidade social que determinam a capacidade para levar a cabo uma missão. Deus age através de homens e mulheres, independentemente das suas qualidades humanas. O que é decisivo é a disponibilidade e o amor com que se acolhem e testemunham as propostas de Deus.

     

    • Diante dos apelos de Deus ao compromisso, qual deve ser a resposta do homem? É aí que somos colocados diante do exemplo de Maria… Confrontada com os planos de Deus, Maria responde com um “sim” total e incondicional. Naturalmente, ela tinha o seu programa de vida e os seus projetos pessoais; mas, diante do apelo de Deus, esses projetos pessoais passaram naturalmente e sem dramas a um plano secundário. Na atitude de Maria não há qualquer sinal de egoísmo, de comodismo, de orgulho, mas há uma entrega total nas mãos de Deus e um acolhimento radical dos caminhos de Deus. O testemunho de Maria é um testemunho que questiona e que nos interpela… Que atitude assumimos diante dos projetos de Deus: acolhemo-los sem reservas, com amor e disponibilidade, numa atitude de entrega total a Deus, ou assumimos uma atitude egoísta de defesa intransigente dos nossos projetos pessoais e dos nossos interesses particulares?
    • É possível alguém entregar-se tão cegamente a Deus, sem reservas, sem medir os prós e os contras? Como é que se chega a esta confiança incondicional em Deus e nos seus projetos? Naturalmente, não se chega a esta confiança cega em Deus e nos seus planos sem uma vida de diálogo, de comunhão, de intimidade com Deus. Maria de Nazaré foi certamente uma mulher para quem Deus ocupava o primeiro lugar e era a prioridade fundamental. Maria de Nazaré foi seguramente uma pessoa de oração e de fé, que fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a confiar totalmente n’Ele. No meio da agitação de todos os dias, encontro tempo e disponibilidade para ouvir Deus, para viver em comunhão com Ele, para tentar perceber os seus sinais nas indicações que Ele me dá?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4.º DOMINGO DO ADVENTO
    (adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

     

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 4.º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.

    - DAVID. Estamos habituados a viver o 4.º Domingo do Advento, bem próximo do Natal, com Maria. Este ano, a grande narração da Anunciação (Evangelho) pode centrar a nossa atenção na preparação da liturgia… Mas talvez possamos entrar neste domingo com outra chave de leitura, perguntando se Deus sempre quis ter necessidade dos homens. De facto, segundo a primeira leitura, é Ele que finalmente fará uma casa para David; mas David e o profeta Natã são homens que Deus escolheu entre o seu povo para O ajudar na sua missão de salvação.

    - MARIA. Esta escolha de Deus culmina em Maria, a humilde serva. Deus quer ter necessidade de uma mulher para trazer ao mundo o seu Filho bem-amado. Do mesmo modo que escolheu, desde sempre, homens para cumprir em seu nome missões particulares, Ele escolhe agora uma mulher para a missão suprema de trazer o corpo do seu Filho único. Este domingo celebra ao mesmo tempo a humildade de Deus e a humildade de Maria. Mais do que nunca, a sobriedade da liturgia deverá ser tida em conta. A narração da Anunciação é um dos relatos alegres do Evangelho… bem expressos pelos pintores ao longo dos tempos…

    - E NÓS? Celebrar este domingo, meditar a importantíssima missão confiada a Maria e a resposta tão generosa que não hesitou em dar ao Senhor convida-nos também a nos interrogarmos sobre a nossa própria missão: o que é que Deus, na nossa humilde medida, nos confia? Em quê, por quê, conta Ele com cada um de nós? Para que seja verdadeiramente Natal, dentro de alguns dias, na nossa terra, Ele tem sem dúvida necessidade dos discípulos do seu Filho… Professamos hoje a nossa fé num Deus que, diz São Paulo, tem o poder de nos confirmar (segunda leitura): acendendo a nossa quarta vela do Advento, que esta força seja verdadeiramente reavivada nos nossos corações.

     

    3. PALAVRA DE VIDA.

    Maria, humilde jovem de Nazaré, fervorosa crente judia, esperava a realização da promessa de Deus. Ela entra em diálogo com Deus, é a sua Anunciação. Deus, como sempre, toma a iniciativa: Ele vem, de improviso, ao encontro daquela que encheu de graças e com a qual Ele já está. Maria está perturbada porque Deus surpreende sempre. Deus tranquiliza-a, lembrando-lhe que é Ele que toma a iniciativa. Ele quer associar uma das suas criaturas ao seu projeto de salvação: o filho chamar-se-á “Jesus”, “Deus salva”. Maria interroga antes de dar a sua resposta: “Como será isso?” Ela procura esclarecer a sua fé. Deus responde-lhe, assegurando-lhe a sua presença pelo seu Espírito, e Ele dá-lhe um sinal, porque sabe que as suas criaturas precisam de sinais para crer: a sua prima conceberá na sua velhice. E Ele recorda-lhe que nada Lhe é impossível. Maria dá a sua resposta: a Palavra de Deus é segura, ela pode ter confiança. E esta Palavra torna-se carne na sua carne.

     

    4. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Fazer ressoar o Evangelho da Anunciação… Bem perto do Natal, a Anunciação dá o verdadeiro sentido da festa: vamos celebrar o mistério da Encarnação do Filho de Deus. Portanto, o Evangelho deverá ter um lugar central. Aliás, a oração da coleta, a primeira leitura e a oração sobre as oferendas evocam também o mesmo mistério. O Evangeliário pode ser trazido em procissão com solenidade e apresentado à assembleia, acompanhado de um cântico. Uma possibilidade de acolher o Evangelho pela oração será introduzir a “Ave-Maria” durante o Evangelho: lê-se o Evangelho até “o Senhor está contigo”; a assembleia reza a primeira parte da “Ave-Maria”; o leitor continua a leitura do Evangelho até ao fim e a assembleia reza a segunda parte da “Ave-Maria”. A homilia/meditação ajudará os fiéis a descobrir o papel de Maria no mistério do Natal.

     

    5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Tomar uma decisão que comprometa… Maria ajuda-nos a dar o salto da fé, ela é o nosso modelo, mas ao mesmo tempo é nossa Mãe: podemos, pois, ter confiança e encontrar junto dela todo o reconforto de que precisamos. Bem perto do Natal, com Maria, procuremos tomar uma decisão que comprometa a nossa fé, de encontrar um ritmo mais regular para a oração, de prever uma paragem espiritual (tempo de retiro, por breve que seja…) antes do Natal para fazer o ponto da situação da nossa vida com o Senhor.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

    Natal do Senhor - Missa da Meia-noite - Ano B [ATUALIZADO]

    Natal do Senhor - Missa da Meia-noite - Ano B [ATUALIZADO]

    24 de Dezembro, 2023

    ANO B

    NATAL DO SENHOR – MISSA DA MEIA-NOITE

     

    Tema da “Missa da Meia-noite”

    A liturgia desta noite envolve-nos nessa incrível história de amor que Deus quis viver com os homens. Fala-nos de um Deus que não hesita em vir ao encontro dos seus filhos peregrinos na terra para os abraçar, para fazer caminho com eles e para lhes dar Vida. Nesta noite, Deus apresenta-Se aos homens na figura de uma criança, frágil e indefesa, e pede-nos que o acolhamos no nosso coração e na nossa vida.

    Na primeira leitura, um profeta anuncia a chegada de “um menino”, da descendência de David, dom de Deus ao seu Povo; esse “menino” eliminará a guerra, o ódio, o sofrimento e inaugurará uma era de alegria, de felicidade e de paz sem fim.

    O Evangelho apresenta a realização da promessa profética: Jesus, o “Menino de Belém”, é o Deus que vem ao encontro dos homens para lhes oferecer – sobretudo aos pobres e marginalizados – a sua salvação. A oferta da salvação que, através desse “Menino” nos é feita, vem embrulhada com ternura e amor. Tem, portanto, o selo de Deus.

    A segunda leitura convida-nos a reconhecer a graça de Deus que nos foi manifestada com a vinda de Jesus; e propõe que respondamos a esse dom com uma vida autêntica e comprometida, que nos leve a identificar-nos com Cristo e a realizar as suas obras.

     

    LEITURA I – Isaías 9,1-6

     

    O povo que andava nas trevas viu uma grande luz;
    para aqueles que habitavam nas sombras da morte
    uma luz começou a brilhar.
    Multiplicastes a sua alegria,
    aumentastes o seu contentamento.
    Rejubilam na vossa presença,
    como os que se alegram no tempo da colheita,
    como exultam os que repartem despojos.
    Vós quebrastes, como no dia de Madiã,
    o jugo que pesava sobre o povo,
    o madeiro que ele tinha sobre os ombros
    e o bastão do opressor.
    Todo o calçado ruidoso da guerra
    e toda a veste manchada de sangue
    serão lançados ao fogo e tornar-se-ão pasto das chamas.
    Porque um menino nasceu para nós,
    um filho nos foi dado.
    Tem o poder sobre os ombros
    e será chamado «Conselheiro Admirável, Deus forte,
    Pai eterno, Príncipe da paz».
    O seu poder será engrandecido numa paz sem fim,
    sobre o trono de David e sobre o seu reino,
    para o estabelecer e consolidar por meio do direito e da justiça,
    agora e para sempre.
    Assim o fará o Senhor do Universo.

     

    CONTEXTO

    No Livro do profeta Isaías aparece um conjunto de oráculos ditos “messiânicos”, que falam desse mundo de justiça e de paz que Deus, num futuro sem data marcada, vai oferecer ao seu Povo. No entanto, não é seguro se esses textos provêm do profeta, ou se são oráculos posteriores, que o editor final da obra de Isaías enxertou no texto original do profeta… É o caso deste texto que nos é proposto.

    Se for de Isaías, o nosso texto pertence, provavelmente, à fase final da vida do profeta… Estamos na época do rei Ezequias, no final do séc. VIII a.C.; o rei, desdenhando as indicações do profeta (para quem as alianças políticas são sintoma de grave infidelidade para com Javé, pois significam colocar a confiança e a esperança nos homens), envia embaixadas ao Egipto, à Fenícia e à Babilónia, procurando consolidar uma frente contra a grande potência daquela época – a Assíria. A resposta de Senaquerib, rei da Assíria, não tarda: tendo vencido, sucessivamente, os membros da coligação, volta-se contra Judá, devasta o país e põe cerco a Jerusalém (701 a.C.). Ezequias tem de submeter-se e fica a pagar um pesado tributo aos assírios.

    Desiludido com os reis e com a política, o profeta teria, então, começado a sonhar com um tempo novo onde a justiça, o direito e o “temor de Deus” se sobreporão à guerra, à injustiça, à prepotência dos poderosos. Este texto pode ser dessa época.

    O “menino” aqui referenciado, da descendência de David, pode também estar relacionado com o “Emanuel” de Is 7,14-17. Trata-se, em qualquer caso, de um texto que vai alimentar a esperança messiânica e que vai potenciar o sonho de um futuro novo, de paz e de felicidade para o Povo de Deus.

     

    MENSAGEM

    Para descrever a situação de opressão, de frustração, de desespero, de falta de perspetivas, de desconfiança em relação ao futuro em que a comunidade nacional estava mergulhada, o profeta fala de um “povo que andava nas trevas” e que habitava “nas sombras da morte”. O panorama é sombrio e parece não haver saída, pois os reis de Judá já provaram ser incapazes de conduzir o seu Povo em direção à felicidade e à paz.

    Mas, de repente, aparece uma “luz”. Essa luz acende outra vez a esperança e provoca uma explosão de alegria. Para descrever essa alegria, o profeta utiliza duas imagens extremamente sugestivas: é como quando, no fim das colheitas, toda a gente dança feliz celebrando a abundância dos alimentos; é como quando, após a caçada, os caçadores dividem a presa abundante.

    Mas porquê essa alegria e essa felicidade? Porque o jugo da opressão que pesava sobre o Povo foi quebrado e a paz deixou de ser uma miragem para se tornar uma realidade. No quadro que representa a vitória da paz, vemos os símbolos da guerra (o pesado calçado dos guerreiros e as roupas ensanguentadas) a serem destruídos pelo fogo. Quem é que provocou a alegria do Povo, derrotou a opressão, venceu a guerra, restaurou a paz? O autor não o diz claramente; mas ninguém duvida que tudo isso resulta da ação do Deus libertador.

    Como foi que Deus instaurou essa nova ordem? Foi através de “um menino”, enviado para restaurar o trono de David e para reinar no direito e na justiça (as palavras “mishpat” e “zedaqa”, utilizadas neste contexto, evocam uma sociedade onde as decisões dos tribunais fundamentam uma reta ordem social, onde os direitos dos pobres e dos oprimidos são respeitados e onde, enfim, há paz). O quádruplo nome desse “menino” evoca títulos de Deus ou qualidades divinas: o título “conselheiro maravilhoso” celebra a capacidade de conceber desígnios prodigiosos e é um atributo de Deus (cf. Is 25,1; 28,29); o título “Deus forte” é um nome do próprio Javé (cf. Dt 10,17; Jr 32,18; Sl 24,8); o título “príncipe da paz” leva também a Javé aquele que é “a paz” (cf. Is 11,6-9; Mi 5,4; Zac 9,10; Sl 72,3.7). Quanto ao título “Pai eterno”, é um título do rei (cf. 1 Sm 24,12 – e é um título dado ao faraó nas cartas de Tell el-Amarna). Fica, assim, claro que esse “menino” é um dom de Deus ao seu Povo e que, com Ele, Deus residirá no meio do seu Povo, oferecendo-lhe cada dia a justiça, o direito, a paz sem fim.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, o “Menino que nasceu para nós”, é quem dá sentido pleno a esta profecia messiânica de Isaías. Ele veio de Deus para nos ensinar a maneira de vencer as trevas e as sombras da morte; Ele fez-se nosso irmão para nos dizer, com linguagem dos homens, o que precisamos de fazer para que surja o mundo novo da justiça, da paz e da felicidade. O nascimento de Jesus significa que, efetivamente, este “Reino” chegou e encarnou no meio dos homens. Essa certeza deve iluminar esta noite e todas as noites que temos de atravessar no decurso da nossa peregrinação pela vida. Compete-nos, a cada momento e a cada passo, sermos arautos desta Boa Notícia.
    • Acolher Jesus, celebrar o seu nascimento, é aceitar esse projeto de justiça e de paz que Ele veio propor aos homens. Esforçamo-nos por tornar realidade o “Reino de Deus”? Como lidamos com a injustiça, a opressão, a guerra, a violência, o sofrimento que desfeia o mundo: com a indiferença de quem se acomodou e nada quer arriscar, ou com a inquietude profética que obriga ao compromisso com o “Reino de Deus”?
    • Em quê, ou em quem coloco eu a minha esperança e a minha segurança? Nesses líderes com pés de barro que me prometem tudo e se servem da minha ingenuidade para fins próprios? No dinheiro que me oferece bem estar material, mas não serve para comprar a paz do meu coração? Na satisfação que me dão os meus êxitos pessoais ou sociais, tantas vezes à custa de cedências aos valores em que acredito? Isaías diz que só podemos confiar em Deus e nesse “menino” que Ele mandou ao nosso encontro, se quisermos encontrar a “luz” e a paz.

     

    • Este texto de Isaías diz-nos algo de fundamental sobre Deus e o seu jeito de ser e de intervir na nossa história… Deus não se serve da força e do poder para mudar o mundo e para corrigir as nossas opções erradas; mas é através de um “menino” – símbolo máximo da fragilidade e da dependência – que Ele nos propõe o seu projeto de salvação. Temos consciência de que é na simplicidade e na humildade que Deus age no mundo? E nós seguimos os passos de Deus e respeitamos a sua lógica quando queremos propor algo aos nossos irmãos?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 95 (96)

    Refrão: Hoje nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor.

    Cantai ao Senhor um cântico novo,
    cantai ao Senhor, terra inteira,
    cantai ao Senhor, bendizei o seu nome.

    Anunciai dia a dia a sua salvação,
    publicai entre as nações a sua glória,
    em todos os povos as suas maravilhas.

    Alegrem-se os céus, exulte a terra,
    ressoe o mar e tudo o que ele contém,
    exultem os campos e quanto neles existe,
    alegrem-se as árvores das florestas.

    Diante do Senhor que vem,
    que vem para julgar a terra:
    Julgará o mundo com justiça
    e os povos com fidelidade.

     

    LEITURA II – Tito 2,1-14 

    Caríssimo:
    Manifestou-se a graça de Deus,
    fonte de salvação para todos os homens.
    Ele nos ensina a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos,
    para vivermos, no tempo presente,
    com temperança, justiça e piedade,
    aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória
    do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo,
    que Se entregou por nós,
    para nos resgatar de toda a iniquidade
    e preparar para Si mesmo um povo purificado,
    zeloso das boas obras.

     

    CONTEXTO

    Tito, o destinatário desta carta, é um cristão convertido por Paulo (cf. Tt 1,4), que acompanhou o apóstolo nalgumas missões importantes: participou com Paulo no Concílio de Jerusalém – cf. Ga 2,1-2; esteve com ele em Éfeso; por duas vezes, foi enviado a Corinto, a fim de resolver conflitos entre Paulo e essa comunidade – cf. 2 Cor 7,6-7; 8,16-17; e foi animador da Igreja de Creta (cf. Tt 1,5).

    No entanto, esta carta não parece ser de Paulo; parece, antes, ser um texto tardio, surgido quando a preocupação fundamental das comunidades cristãs já não se centrava na vinda iminente do Senhor, mas em definir a conduta dos cristãos no tempo presente. Estamos numa época de certo marasmo, em que muitos cristãos tinham perdido o entusiasmo inicial e estavam instalados numa fé morna e sem grandes exigências. Era preciso recordar os fundamentos da fé e exortar a uma vida cristã exigente e comprometida.

    Neste contexto, a preocupação fundamental do autor desta carta será reavivar o entusiasmo dos cristãos e apresentar-lhes conselhos práticos que os ajudem a viver, com coerência e com verdade, a sua fé.

     

    MENSAGEM

    Neste fragmento, verdadeiro centro e coração de toda a carta, o autor tenta dar aos cristãos razões válidas para viver uma vida cristã autêntica e comprometida. Quais são essas razões?

    A primeira é o amor (“kharis”) de Deus, que foi oferecido a todos os homens. A vinda de Jesus ao mundo – que nesta noite celebramos de forma especial – é a expressão por excelência desse amor. E é esse amor que possibilita, por um lado, a renúncia à impiedade e aos desejos deste mundo e, por outro lado, a vivência da temperança, da justiça e da piedade. Os discípulos de Jesus, destinatários desse amor renovador e transformador, devem estar sempre disponíveis para acolher o desafio de uma vida nova e comprometida com o Evangelho.

    A segunda é a esperança na manifestação gloriosa de Cristo, que convida os homens a perceber que a terra não é a sua pátria definitiva. Quem espera a segunda vinda de Cristo, percebe que só faz sentido olhar para os bens essenciais; consequentemente, desprezará os bens materiais, que só interessam a este mundo.

    A terceira é a obra redentora levada a cabo por Cristo. Cristo entregou-Se totalmente, até à morte, para nos salvar do egoísmo, do orgulho, do pecado e para fazer de nós homens novos. Ligados a Ele pelo batismo, tornamo-nos um com Ele e recebemos vida d’Ele… Se estamos ligados a Cristo e se recebemos d’Ele vida, essa vida tem de manifestar-se na nossa existência diária.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Temos consciência do amor de Deus e que a encarnação de Jesus é o sinal mais expressivo desse amor por nós? Sendo os destinatários de um tal amor, amamos Deus da mesma maneira? A nossa vida é uma resposta coerente ao amor de Deus – isto é, um compromisso autêntico com Deus, com os seus valores, com a sua forma de olhar para o mundo e para os outros homens e mulheres?
    • A nossa civilização ocidental institucionalizou e sacralizou uma série de valores efémeros (dinheiro, poder, êxito profissional, “status” social, bens de consumo…) e montou uma máquina de publicidade eficaz para os apresentar como a chave da verdadeira felicidade. No entanto, com frequência esses valores estão em absoluta contradição com os valores do Evangelho… Aprendemos, com Jesus, a ter um olhar crítico sobre os valores que o mundo nos propõe e a confrontar, dia a dia, a nossa vida com os valores do Evangelho?
    • É Cristo a nossa referência? É d’Ele que recebemos vida? O seu “jeito” de viver (no amor, na entrega, no dom da vida) foi assumido na nossa vida de todos os dias e na nossa relação com os irmãos que nos rodeiam?

     

    ALELUIA – Lucas 2,10-11

    Aleluia. Aleluia.

    Anuncio-vos uma grande alegria:
    Hoje nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor.

     

    EVANGELHO – Lucas 2,1-14 

    Naqueles dias,
    saiu um decreto de César Augusto,
    para ser recenseada toda a terra.
    Este primeiro recenseamento efetuou-se
    quando Quirino era governador da Síria.
    Todos se foram recensear, cada um à sua cidade.
    José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré,
    à Judeia, à cidade de David, chamada Belém,
    por ser da casa e da descendência de David,
    a fim de se recensear com Maria, sua esposa,
    que estava para ser mãe.
    Enquanto ali se encontravam,
    chegou o dia de ela dar à luz
    e teve o seu Filho primogénito.
    Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura,
    porque não havia lugar para eles na hospedaria.
    Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos
    e guardavam de noite os rebanhos.
    O Anjo do Senhor aproximou-se deles,
    e a glória do Senhor cercou-os de luz;
    e eles tiveram grande medo.
    Disse-lhes o Anjo: «Não temais,
    porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo:
    nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador,
    que é Cristo Senhor.
    Isto vos servirá de sinal:
    encontrareis um Menino recém-nascido,
    envolto em panos e deitado numa manjedoura».
    Imediatamente juntou-se ao Anjo
    uma multidão do exército celeste,
    que louvava a Deus, dizendo:
    «Glória a Deus nas alturas
    e paz na terra aos homens por Ele amados».

     

    CONTEXTO

    Nas primeiras linhas do evangelho que nos legou, Lucas avisa que investigou “cuidadosamente desde a origem” os factos relativos a Jesus, a fim de que os discípulos reconheçam “a solidez da doutrina” em que foram instruídos (Lc 1,3-4). Talvez isso explique a preocupação do evangelista em enquadrar, numa época e num espaço concreto, os acontecimentos que descreve: assim todos entenderão que os factos narrados não são lendas que se esfumam no nevoeiro dos séculos, mas sim acontecimentos reais, que podem situar-se num determinado momento da história dos homens.

    Há, no entanto, um problema… Lucas é um cristão de origem grega, que não conhece a Palestina e que tem noções muito básicas da história do Povo de Deus… Por isso, as suas indicações históricas e geográficas são, com alguma frequência, imprecisas e inexatas. Pode ser o caso das indicações fornecidas a propósito do cenário do nascimento de Jesus.

    De acordo com Lucas, Jesus nasceu em Belém de Judá, por altura de um recenseamento decretado por César Augusto (reinou entre 27 a.C. e 14 d.C.), quando Pôncio Sulpício Quirino era governador da Síria. Mas Quirino só assumiu o governo da Síria por volta do ano 6 d.C., isto é, vários anos após o nascimento de Jesus. É possível, contudo, que se trate do recenseamento ordenado por Sêncio Saturnino, prefeito da Síria entre os anos 9 e 6 a. C. (o que nos situa no arco de tempo em que podemos situar o nascimento de Jesus), e que se concluiu vários anos mais tarde, quando o governador da Síria era já Pôncio Sulpício Quirino.

    De qualquer forma, convém não esquecermos que o objetivo de Lucas não é escrever história, mas sim apresentar uma catequese sobre Jesus, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.

     

    MENSAGEM

    Uma primeira indicação importante vem da referência a Belém como o lugar do nascimento de Jesus… É uma indicação mais teológica do que geográfica: o objetivo do autor é sugerir que este Jesus é o Messias, da descendência de David (a família de David era natural de Belém), anunciado pelos profetas (cf. Miq 5,1). Fica, desta forma, claro que o nascimento de Jesus se integra no plano de salvação que Deus tem para os homens – plano que os profetas anunciaram e cuja realização o Povo de Deus aguardava ansiosamente.

    Uma segunda indicação importante resulta do “quadro” do nascimento. Lucas descreve com algum pormenor a pobreza e a simplicidade que rodeiam a vinda ao mundo do libertador dos homens: a falta de lugar na “sala” (o termo grego usado por Lucas pode designar uma “sala”, ou mesmo uma área de repouso das caravanas), a manjedoira dos animais a fazer de berço, os panos improvisados que envolvem o bebé, a visita dos pastores… É assim que Deus entra na nossa história. Esse Deus que vem ao nosso encontro para nos oferecer a salvação não se impõe pela força das armas, pelo poder do dinheiro ou pela eficácia de uma boa campanha publicitária; Ele apresenta-se aos homens na fragilidade de um recém-nascido e num cenário de simplicidade e de total despojamento. Um Deus assim, que se veste de simplicidade, de fragilidade e de ternura, nunca poderá ser uma ameaça para o homem. Ele não vem ao nosso encontro para nos submeter e dominar, mas sim para nos dizer o imenso amor que tem por nós.

    Uma terceira indicação é dada pela referência às “testemunhas” do nascimento: os pastores. Trata-se de gente considerada rude, violenta, marginal, que invadiam com os rebanhos as propriedades alheias e que tinham fama de se apropriar da lã, do leite e das crias do rebanho em benefício próprio. Eram, com frequência, colocados ao lado dos publicanos e dos cobradores de impostos pela rígida moral dos fariseus: uns e outros eram pecadores públicos, incapazes de reparar o mal que tinham feito, tantas eram as pessoas a quem tinham prejudicado. Ora, Lucas coloca, precisamente, esses marginais como as “testemunhas” que acolhem Jesus. O evangelista sugere, desta forma, que é para estes pecadores e marginalizados que Jesus vem; por isso, a chegada de um tal “salvador” é uma “boa notícia”: a partir de agora, os pobres, os débeis, os marginalizados, os pecadores são convidados a integrar a comunidade dos filhos amados de Deus. Eles vêm ao encontro dessa salvação que Deus lhes oferece, em Jesus, e são convidados a integrar a comunidade da nova aliança, a comunidade do “Reino”.

    Uma quarta indicação aparece nos títulos dados a Jesus pelos anjos que anunciam o nascimento: Ele é “o salvador, Cristo Senhor”. O título “salvador” era usado, na época de Lucas, para designar o imperador ou os deuses pagãos; Lucas, ao chamar Jesus desta forma, apresenta-O como a única alternativa possível a todos os absolutos que o homem cria… O título “Cristo” equivale a “Messias”: aplicava-se, no judaísmo palestinense do séc. I, a um rei, da descendência de David, que viria restaurar o reino ideal de justiça e de paz da época davídica; dessa forma, Lucas sugere que o “Menino de Belém” é esse rei esperado. O título “Senhor” expressa o carácter transcendente da pessoa de Jesus e o seu domínio sobre a humanidade. Com estes três títulos, a catequese lucana apresenta Jesus aos homens e define o seu papel e a sua missão.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O Menino de Belém leva-nos a contemplar o incrível amor de um Deus que Se preocupa até ao extremo com a vida e a felicidade dos homens e que envia o próprio Filho ao mundo para apresentar aos homens um projeto de salvação/libertação. Nesse Menino de Belém, Deus grita-nos a radicalidade do seu amor por nós. Nesta noite, deixemos que esta Boa Notícia invada o nosso coração e ilumine com as cores da esperança todo o horizonte onde nos movemos e existimos.
    • O presépio apresenta-nos a lógica de Deus que não é, tantas vezes, igual à lógica dos homens: a salvação de Deus não se manifesta nos encontros internacionais onde os donos do mundo decidem o destino dos homens, nem nos gabinetes ministeriais, nem nos conselhos de administração das multinacionais, nem nos salões onde se concentram as estrelas do jet-set, mas numa gruta de pastores onde brilha a fragilidade, a dependência, a ternura, a simplicidade de um bebé recém-nascido. Qual é a lógica com que abordamos o mundo: a lógica de Deus, ou a lógica dos homens?
    • A presença libertadora de Jesus neste mundo é uma “boa notícia” que devia encher de felicidade os pobres, os débeis, os marginalizados e dizer-lhes que Deus os ama, que quer caminhar com eles e que quer oferecer-lhes a salvação. É essa proposta que nós, os seguidores de Jesus, passamos ao mundo? Nós, Igreja, não estaremos demasiado ocupados a discutir questões laterais, esquecendo o essencial – o anúncio libertador aos pobres?
    • Jesus – o Jesus da justiça, do amor, da fraternidade e da paz – já nasceu, de forma efetiva, na vida de cada um de nós, nos nossos lares, nas nossas casas religiosas, nas nossas comunidades cristãs, no nosso mundo?
    • Nós, os que acolhemos Jesus e a proposta que Ele veio trazer, que fazemos para calar o ruído das armas e o derramamento de sangue, o choro das crianças vítimas da violência e da exploração, o silêncio ensurdecedor dos idosos condenados à solidão, o grito dos oprimidos e dos pobres que todos os dias são abandonados na berma do caminho que a humanidade vai percorrendo?

     

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    Tempo do Advento - Novena do Natal - Dia 24 Dezembro

    Tempo do Advento - Novena do Natal - Dia 24 Dezembro


    24 de Dezembro, 2023

    Tempo do Advento - Novena do Natal - Dia 24 Dezembro

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Samuel 7, 1-5. 8b-12. 14a. 16

    1 *Quando o rei se instalou em sua casa, e o SENHOR lhe deu paz, livrando-o dos seus inimigos, 2disse David ao profeta Natan: «Não vês que eu moro num palácio de cedro, enquanto a arca de Deus está abrigada numa tenda?» 3Natan respondeu¬lhe: «Pois bem, faz o que te dita o coração, porque o SENHOR está contigo!» 4Mas, naquela mesma noite, o SENHOR falou a Natan, dizendo-lhe: 5*«Vai dizer ao meu servo David: Diz o SENHOR: "És tu que me vais construir uma casa para Eu habitar?

    8*Eu tirei-te das pastagens onde apascentavas as tuas ovelhas, para fazer de ti o chefe de Israel, meu povo. 9Estive contigo em toda a parte por onde andaste; exterminei diante de ti todos os teus inimigos e fiz o teu nome tão célebre como o nome dos grandes da terra. 10*Fixarei um lugar para Israel, meu povo; nele o instalarei, e ali habitará, sem jamais ser inquietado; e os filhos da iniquidade não mais o oprimirão, como outrora, 11 *no tempo em que Eu estabelecia juízes sobre o meu povo, Israel. A ti concedo uma vida tranquila, livrando-te de todos os teus inimigos. Além disso, o SENHOR faz hoje saber que será Ele próprio quem edificará uma casa para ti. 12*Quando chegar o fim dos teus dias, e repousares com teus pais, manterei depois de ti a descendência que nascerá de ti e consolidarei o seu reino.

    14Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho.

    16*A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre".»

    Natan exerce a sua missão profética num período em que o reino de Judá goza de paz e de notável prosperidade. David vive num palácio luxuoso e pretende construir uma «casa» para Deus, uma casa onde acolher a Arca da Aliança. O profeta opõe-se a esse projecto, porque Deus tem um plano bem maior para David e para a sua descendência. O próprio Deus dará a David, não uma casa de pedra, mas uma casa estável e duradoura, uma estirpe real: «o SENHOR faz hoje saber que será Ele próprio quem edificará uma casa para ti .. A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre» (w. 11.16).

    O Senhor recorda a David quanto fez por ele e promete à sua dinastia uma duração perene: chamou-o do meio dos rebanhos de Isaí para fazer dele pastor de Israel (cf. 1 Sam 16, 11-13); fê-lo vitorioso sobre os inimigos e estará sempre com ele; a sua glória, e a da sua descendência, serão grandes porque terá uma progenitura divina; o rei e o povo serão abençoados pelo senhor e terão uma «casa» estável e tranquila, uma dinastia que durará séculos.

    A mensagem é clara: a salvação não vem de um templo construído com pedras ou por mãos humanas, mas da aliança com Deus, a Quem tudo pertence, o homem e a história.

    Evangelho: Lucas 1, 67-79

    Naquele tempo, 67*Zacarias,pai de João Baptista, ficou cheio do Espírito Santo e profetizou com estas palavras: 68*«Bendito o Senhor, Deus de Israel, que visitou e redimiu o seu povo 69*e nos deu um Salvador poderoso na casa de David, seu servo, 70conforme prometeu pela boca dos seus santos, os profetas dos tempos antigos; 71 para nos libertar dos nossos inimigos e das mãos de todos os que nos odeiam, 72*para mostrar a sua misericórdia a favor dos nossos pais, recordando a sua sagrada aliança; 73*e o juramento que fizera a Abraão, nosso pai, que nos havia de conceder esta graça: 74de o servirmos um dia, sem temor, livres das mãos dos nossos inimigos, 75em santidade e justiça, na sua presença, todos os dias da nossa vida. 76*E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás à sua frente a preparar os seus caminhos, 77para dar a conhecer ao seu povo a salvação pela remissão dos seus pecados, 78*graças ao coração misericordioso do nosso Deus, que das alturas nos visita como sol nascente, 79*para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e dirigir os nossos passos no caminho da paz.»

    o cântico de Zacarias exalta a realização das promessas feitas por Deus.

    Zacarias, sacerdote da Antiga Lei, mas cheio de Espírito Santo, entoa um cântico cheio de reminiscências bíblicas. Bendiz o Senhor por ter visitado o seu povo, por ter inaugurado a Nova Aliança, que terá João como precursor e que satisfaz séculos de expectativas.

    O cântico divide-se em duas partes: a primeira sintetiza a história da salvação, evidenciando a misericórdia de Deus para com os pais e a sua perene fidelidade à Aliança, que se realizará plenamente no Messias (vv. 68-75); a segunda refere-se à figura do Baptista, «profeta do Altíssimo» (v. 76), destinado a preparar o caminho ao Senhor com a pregação da redenção e da salvação universal, que se actuará na pessoa de Jesus, por meio do perdão dos pecados, fruto da sua imensa bondade.

    O cântico exalta a Cristo, sol da ressurreição, gerado antes da aurora, que ilumina todos os que estão nas trevas e nas sombras da morte. Ele é a paz destinada aos que sabem dar louvor e glória a Deus. Ele, Verbo do Pai, é a luz e a vida dos homens.

    Meditatio

    Estamos na vigília do Natal. A Igreja lê e medita as profecias rnessrarucas, dando graças e louvando a Deus pela iminente chegada do Salvador. O dom que estamos para receber do Pai foi preparado com grande amor, durante muito tempo.

    Há que viver intensamente esta vigília, não nos deixando dispersar por coisas certamente interessantes, mas secundárias. A vinda histórica do Messias confirma que Deus escolheu a sua «casa» no meio de nós, no corpo de Jesus, seu Filho (cf. Jo 1, 14). Agora vive com o seu povo, não de modo passageiro, mas de modo estável (cf. Apoc 7, 15; 12,2; 13,6; 21, 3). Se, no Antigo Testamento, o seu lugar ideal era o templo e a tenda (cf. Ex 25, 8; 40, 35; Ez 37,27), agora a sua presença concretiza-se na própria vida do homem e na carne visível de Jesus, que a comunidade do primeiros discípulos tocou e contemplou na fé (cf. 1 Jo 1, 1-4).

    Cristo é a revelação e a luz do Pai, mas de modo escondido e humilde; algo de interior que, apenas os homens de fé, como os profetas, os santos e Maria, podem compreender. A sua glória há-de manifestar com poder apenas quando, elevado na cruz, atrair a Si todos os homens (cf. Jo 12, 32). Isto pode parecer um paradoxo, mas tudo se torna luminoso se pensarmos que «Deus é emor» (1 Jo 4, 10) e a sua maior manifestação acontece quando se revela o maior amor.

    Jesus é para nós o centro da história, a nossa morada e a plenitude de todas as nossas mais profundas aspirações. Com Maria, e com a sua intercessão, abramos o coração ao Dom que Deus nos quer dar esta noite.

    O dom do Pai, no Natal, perpetua-se na Eucaristia, sacramento da presença de Cristo no meio de nós, sob as espécies simples do pão e do vinho, e por meio das pala
    vras, ainda mais simples: "Isto é o Meu corpo ... Isto é o Meu sangue ... " (cf. Mt 26, 26.28). A Eucaristia, para além de actualizar no tempo a Última Ceia e o Sacrifício da cruz, perpetua a Incarnação, de que é substancial continuidade e expansão sacramental. A Eucaristia torna presente na terra, insere na história do mundo e na nossa vida o Cristo glorioso e sempre em estado de vítima. O sacerdócio de Cristo é eterno: "Um sacerdócio eterno" (Heb 7, 24).

    Oratio

    Senhor, nosso Deus, Tu és verdadeiramente amor, amor gratuito, amor oblativo. Manifestas esse amor a David e ao povo de Israel. É um amor forte, um amor preocupado, não em receber, mas em dar. David, pobre e fraco, tornou-se um rei rico e poderoso, bem instalado no seu palácio. Quis retribuir-te com o presente de uma «casa» para habitares, um templo sumptuoso que substituísse a tenda que acolhia a Arca da Aliança. Não aceitaste, porque és um Deus-Amor, um Deus que não previu receber, mas apenas dar. Por isso, prometeste a David um dom ainda maior, uma casa estável e duradoura, uma estirpe real, um filho que será simultaneamente «Filho do Altíssimo», Jesus Cristo, Senhor.

    Tudo isso acontece em Maria, no mistério da Incarnação. Dá-nos a graça de descobrirmos, cada vez mais, esse inefável mistério para o contemplarmos e adorarmos, como o contemplou e adorou Maria, quando gerou Cristo no seu seio e O deu à luz no presépio de Belém. Amen.

    Contemplatio

    A presença eucarística de Nosso Senhor é uma extensão da Incarnação

    Não se encontrando mais sobre esta terra a humanidade santa, a fonte da graça parece esgotada, ou transportada para uma distância incomensurável de nós. Porque, saibamo-lo bem, toda a graça é o produto do Sagrado Coração de Jesus, brota d' Ele como o sangue material; identifica-se com o seu sangue e o seu amor. Mas, se este Coração se afastava de nós, mesmo que nos deixasse os outros sacramentos, que solidão nos seria feita aqui em baixo! Que isolamento! Que vazio! O nosso terno irmão, o nosso amigo já não estaria lá connosco! O seu Coração de homem já não escutaria de perto os nossos suspiros e as nossas lágrimas! Em que nos tornaríamos?

    Mas o seu terno Coração soube tudo arranjar, e a fim de permanecer sempre connosco, inventou o sacramento do amor. Não vemos Jesus, mas Ele está lá; só as fracas aparências eucarísticas nos separam d'Ele, e temos a fé para as penetrar, e temos um coração que voa para o Coração de Jesus, tornado mais do que nunca o Coração do nosso irmão e do nosso amigo. É assim que o Coração de Jesus cumpre a sua promessa: «Não vos deixarei órfãos». É assim que a Eucaristia continua o mistério da Incarnação e multiplica por toda a parte Belém e Nazaré. A Eucaristia torna mesmo Nosso Senhor mais perto de nós do que o mistério da Incarnação, e quando reflectimos bem nisto vemos que Ele não se afastou do homem pela Ascensão senão para estar mais perto dele pela Eucaristia, porque as condições da vida mortal não permitiam ao Salvador tornar-se presente em todos os pontos do espaço, em todo o coração que o amasse e que desejasse a sua visita, mas a sua vida gloriosa permite¬lhe a omnipresença do amor; o seu Coração está em toda a parte, encontramo-lo em todos os santuários, e se a nossa ligeireza e a nossa indiferença não impedissem as efusões deste amor insaciável no dom de si mesmo, ser-nos-ia permitido como aos primeiros crentes de o guardar nas nossas casas e de o levar sempre no nosso coração. Tal teria sido a condescendência deste Coração generoso, se a Igreja não tivesse tomado, de algum modo contra Ele mesmo, o cuidado do respeito que Lhe é devido.

    Mas se este privilégio não nos é concedido, nós podemos sem grande fadiga, e quando queremos, a toda a hora do dia e da noite, aproximar-nos do Coração eucarístico, falar-lhe, abrir-lhe todo o nosso coração, atraí-lo a nós e fazer d'Ele tudo o que quisermos. Porque, na santa Eucaristia, o seu Coração tornou-se dependente de nós, mais ainda do que não o era em Belém e em Nazaré. É certamente fácil pegar numa criança, abraçá-Ia e acariciá-Ia, mas é ainda bem mais fácil pegar num bocadinho de pão, colocá-lo onde se quiser. E quando se pensa que sob esta débil aparência o Coração de Jesus mesmo está lá; quando se pensa neste amor que quis até este ponto tornar-se dependente de nós, como não chorar, como fazia o santo Cura de Ars exclamando: «Faço d' Ele o que quero, coloco-o onde quero!» Porque o privilégio de dispor da humanidade santa tornou-se um dos mais preciosos privilégios que possam ter as mãos sacerdotais. Mas é meditando na vida eucarística escondida que nos será dado aprofundar este prodígio de amor. Para hoje, basta-nos verificar este primeiro ponto.

    Pela santa Eucaristia, a Incarnação multiplica-se sobre todos os pontos da terra habitável; em toda a parte aonde nos é dado dirigir os nossos passos, encontramos o Coração do nosso irmão e do nosso amigo, sempre pronto a nos receber, sempre pronto a nos consolar, sempre pronto a nos cumular de graças, a nos iluminar, a nos levantar e a nos perdoar. Assim, nesta Incarnação nova, é sobretudo o Coração de Jesus que está presente; Ele esconde todo o resto, a sua divindade, a sua humanidade, a fim de melhor deixar ver o seu Coração; e se os olhos do corpo não podem ver, como o vêem os olhos do coração e como sabem penetrar os véus que o envolvem! Ah! Porque não nos é dado multiplicar também o nosso coração para o dar a este Coração que se multiplica por nós! Pelo menos, arranquemos os nossos pensamentos, as nossas afeições ao mundo, a nós mesmos, para os dar todos ao único Coração que nos ama, e se não podemos superá-lo nem mesmo igualá-lo em amor, ao menos que todo o nosso amor lhe pertença, todo, absolutamente todo; e ainda, depois disto, digamos que não somos senão servos inúteis (Pe. Dehon, OSP 2, p.419).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Bendito o Senhor, Deus de Israel, que visitou e redimiu o seu povo». (Lc 1, 68).

  • Natal do Senhor - Missa do Dia - Ano B [ATUALIZADO]

    Natal do Senhor - Missa do Dia - Ano B [ATUALIZADO]

    25 de Dezembro, 2023

    ANO B - NATAL DO SENHOR – MISSA DO DIA

    Tema da “Missa do Dia”

    A liturgia deste dia é, toda ela, um hino ao amor de Deus. Canta a iniciativa desse Deus que, por amor, se vestiu da nossa humanidade e “estabeleceu a sua tenda entre nós”. Em Jesus, o menino nascido em Belém, Deus veio ter connosco e falou-nos, com palavras e gestos humanos, para nos oferecer a Vida plena e para nos elevar à dignidade de “filhos de Deus”.

    Na primeira leitura, Isaías anuncia a chegada do Deus libertador. Ele é o rei que traz a paz e a salvação, proporcionando ao seu Povo uma era de felicidade sem fim. O profeta convida, pois, a substituir a tristeza pela alegria, o desalento pela esperança.

    A segunda leitura apresenta, em traços largos, o plano salvador de Deus. Insiste, sobretudo, que esse projeto alcança o seu ponto mais alto com o envio de Jesus, a “Palavra” de Deus que os homens devem escutar e acolher.

    O Evangelho desenvolve o tema esboçado na segunda leitura e apresenta a “Palavra” viva de Deus, tornada pessoa em Jesus. Sugere que a missão do Filho, “Palavra” viva de Deus, é completar a criação primeira, eliminando tudo aquilo que se opõe à vida e criando condições para que nasça o Homem Novo, o homem da vida em plenitude, o homem que vive uma relação filial com Deus.

     

    LEITURA II – Isaías 52,7-10

    Como são belos sobre os montes
    os pés do mensageiro que anuncia a paz,
    que traz a boa nova, que proclama a salvação
    e diz a Sião: «O teu Deus é Rei».
    Eis o grito das tuas sentinelas que levantam a voz.
    Todas juntam soltam brados de alegria,
    porque veem com os próprios olhos
    o Senhor que volta para Sião.
    Rompei todas em brados de alegria, ruínas de Jerusalém,
    porque o Senhor consola o seu povo,
    resgata Jerusalém.
    O Senhor descobre o seu santo braço à vista de todas as nações,
    e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.

     

    CONTEXTO

    Entre 586 e 539 a.C., o Povo de Deus experimenta a dura prova do Exílio na Babilónia. À frustração pela derrota e pela humilhação nacional, juntam-se as saudades de Jerusalém e o desespero por saber a cidade de Deus – orgulho de todo o israelita – reduzida a cinzas. Aos exilados, parece que Deus os abandonou definitivamente e que desistiu de Judá; alguns perguntam mesmo se Javé será o Deus libertador – como anunciava a teologia de Israel – ou será um “bluff”, incapaz de proteger o seu Povo e de salvar Judá. Rodeado de inimigos, perdido numa terra estranha, ameaçado na sua identidade, sem perspetivas de futuro, com a fé abalada, Judá está desolado e abandonado e não vê saída para a sua triste situação. Quando, já na fase final do Exílio, as vitórias de Ciro, rei dos Persas, anunciam o fim da Babilónia, os exilados começam a ver uma pequenina luz ao fundo do túnel; mas, então, a libertação aparece-lhes como o resultado da ação de um rei estrangeiro e não como resultado da intervenção libertadora de Deus… Ora, isso agrava ainda mais a crise de confiança em Javé por parte dos exilados.

    É neste contexto que aparece o testemunho profético do Deutero-Isaías. A sua mensagem nunca abandona o tom da consolação e da esperança (os capítulos que recolhem a palavra do Deutero-Isaías são, precisamente, conhecidos como “Livro da Consolação” – cf. Is 40-55); garante aos exilados que a libertação está próxima e é obra de Javé.

    O texto integra a segunda parte do “Livro da Consolação” (Is 49-55). Aí, o profeta, que na primeira parte (Is 40-48) havia, sobretudo, anunciado a libertação do cativeiro e um “novo êxodo” do Povo de Deus rumo à Terra Prometida, fala da reconstrução e da restauração de Jerusalém. O profeta garante que Deus não Se esqueceu da sua cidade em ruínas e vai voltar a fazer dela uma cidade bela e cheia de vida, como uma noiva em dia de casamento.

     

    MENSAGEM

    Para revitalizar a esperança dos exilados, o profeta põe-nos a contemplar um quadro, fictício, mas sugestivo quanto ao significado: à Jerusalém desolada e em ruínas, chega um mensageiro com uma “boa notícia”. Qual é essa “boa notícia”? Ele anuncia “a paz” (“shalom”: paz, bem-estar, harmonia, felicidade), proclama a “salvação” e promete o “reinado de Deus”. Deus assume-Se, portanto, como “rei” de Judá… Ele não reinará à maneira daqueles reis que conduziram o Povo por caminhos de egoísmo e de morte, de desgraça em desgraça até à catástrofe final do Exílio; mas Javé exercerá a realeza de forma a proporcionar a “salvação” ao seu Povo, isto é, inaugurando uma era de paz, de bem-estar, de felicidade sem fim.

    Num desenvolvimento muito belo, o profeta/poeta põe as sentinelas da cidade (alertadas pelo anúncio do “mensageiro”) a olhar na direção em que deve chegar o Senhor. De repente, soa o grito dessas sentinelas… Não é um grito de alarme, mas de alegria contagiante: elas veem o próprio Javé chegar e apresentar-se às portas da cidade, preparado para entrar. Com Deus, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, cheia de alegria e de festa. Finalmente, o profeta/poeta convida as próprias pedras da cidade em ruínas a cantar em coro, porque a libertação chegou. E a salvação que Deus oferece à sua cidade e ao seu Povo será testemunhada por toda a terra, como se o mundo estivesse de olhos postos na ação vitoriosa de Deus em favor de Judá.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A alegria pela libertação do cativeiro da Babilónia e pela “salvação” que Deus oferece ao seu Povo anuncia essa outra libertação, plena e total, que Deus vai oferecer ao seu Povo através de Jesus. É isso que celebramos hoje: o nascimento de Jesus significa que a opressão terminou, que chegou a paz definitiva, que o “reinado de Deus” alcançou a nossa história. Para que essa “boa notícia” se cumpra é, no entanto, necessário que nos disponibilizemos para acolher Jesus e para aderir ao “Reino” que Ele veio propor.
    • A alegria contagiante das sentinelas e os brados de contentamento das próprias pedras da cidade convidam-nos a acolher em festa o Deus que veio libertar-nos… Se temos consciência da opressão que, dia a dia, nos rouba a vida e nos impede de ser livres e felizes, certamente sentiremos um grande contentamento ao deparar com essa proposta de liberdade e de vida nova que Jesus veio trazer. Neste dia de Natal, a alegria que me enche o coração resulta da presença de Jesus na minha vida, ou resulta de valores mais efémeros e mais fúteis, ligados à vertigem consumista que alguns colam a esta festa?

     

    • As sentinelas atentas que, nas montanhas em redor de Jerusalém, identificam a chegada do Deus libertador são um modelo para nós: convidam-nos a ler atentamente os sinais da presença libertadora de Deus no mundo e a anunciar a todos os homens que Deus aí está, para reinar sobre nós e para nos oferecer a salvação e a paz. Somos sentinelas atentas que descobrem os sinais do Senhor nos caminhos da história e anunciam o seu “reinado”, ou somos sentinelas negligentes que não vigiam nem alertam e que, com a sua “demissão”, deixam que o Deus libertador seja acolhido com indiferença pelo povo da “cidade”?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)

    Refrão: Todos os confins da terra
                  viram a salvação do nosso Deus.

    Cantai ao Senhor um cântico novo
    pelas maravilhas que Ele operou.
    A sua mão e o seu santo braço
    Lhe deram a vitória.

    O Senhor deu a conhecer a salvação,
    revelou aos olhos das nações a sua justiça.
    Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
    em favor da casa de Israel.

    Os confins da terra puderam ver
    a salvação do nosso Deus.
    Aclamai o Senhor, terra inteira,
    exultai de alegria e cantai.

    Cantai ao Senhor ao som da cítara,
    ao som da cítara e da lira;
    ao som da tuba e da trombeta,
    aclamai o Senhor, nosso Rei.

     

    LEITURA II – Hebreus 1,1-6 

    Muitas vezes e de muitos modos
    falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas.
    Nestes dias, que são os últimos,
    falou-nos por seu Filho,
    a quem fez herdeiro de todas as coisas
    e pelo qual também criou o universo.
    Sendo o Filho esplendor da sua glória
    e imagem da sua substância,
    tudo sustenta com a sua palavra poderosa.
    Depois de ter realizado a purificação dos pecados,
    sentou-Se à direita da Majestade no alto dos Céus
    e ficou tanto acima dos Anjos
    quanto mais sublime que o deles
    é o nome que recebeu em herança.
    A qual dos Anjos, com efeito, disse Deus alguma vez:
    «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei»?
    E ainda: «Eu serei para Ele um Pai
    e Ele será para Mim um Filho»?
    E de novo,
    quando introduziu no mundo o seu Primogénito, disse:
    «Adorem-n’O todos os Anjos de Deus».

     

    CONTEXTO

    A Carta aos Hebreus é um escrito de autor anónimo e cujos destinatários, em concreto, desconhecemos (o título “aos hebreus” provém das múltiplas referências ao Antigo Testamento e ao ritual dos “sacrifícios” que a obra apresenta). É possível que se dirija a uma comunidade cristã constituída maioritariamente por cristãos vindos do judaísmo; mas nem isso é totalmente seguro, uma vez que o Antigo Testamento era um património comum, assumido por todos os cristãos – quer os vindos do judaísmo, quer os vindos do paganismo. Trata-se, em qualquer caso, de cristãos em situação difícil, expostos a perseguições e que vivem num ambiente hostil à fé… São também cristãos que facilmente se deixam vencer pelo desalento, que perderam o fervor inicial e que cedem às seduções de doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos… O objetivo do autor é estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a crescer na fé. Para isso, expõe o mistério de Cristo (apresentado, sobretudo, como “o sacerdote” da Nova Aliança) e recorda a fé tradicional da Igreja.

    O texto que nos é hoje proposto pertence ao prólogo do sermão. Nesse prólogo, o pregador apresenta a visão global e as coordenadas fundamentais que ele vai, depois, desenvolver ao longo da obra.

     

    MENSAGEM

    Temos aqui esboçadas, em traços largos, as coordenadas fundamentais da história da salvação. Deus é o protagonista principal dessa história…

    O texto alude ao projeto salvador de Deus. Esse projeto manifestou-se, numa primeira fase, através dos porta-vozes de Deus – os profetas; eles transmitiram aos homens a proposta salvadora e libertadora de Deus.

    Veio, depois, uma segunda etapa da história da salvação: “nestes dias que são os últimos”, Deus manifestou-Se através do próprio “Filho” – Jesus Cristo, o “menino de Belém”, a Palavra plena, definitiva, perfeita, através da qual Deus vem ao nosso encontro para nos “dizer” o caminho da salvação e da vida nova. O nosso texto reflete então – sem, contudo, desenvolver uma lógica muito ordenada – sobre a relação de Jesus com o Pai, com os homens e com os anjos (o que nos situa no ambiente de uma comunidade que dava importância significativa ao culto dos “anjos” e que lhes concedia um papel preponderante na salvação do homem).

    Como é que se define a relação de Jesus com o Pai? Para o autor da Carta aos Hebreus, Jesus, o “Filho”, identifica-Se plenamente com o Pai. Ele é o esplendor da glória do Pai, a imagem do ser do Pai, a reprodução exata e perfeita da substância do Pai: desta forma, o autor da carta afirma que Jesus procede do Pai e é igual ao Pai. N’Ele manifesta-Se o Pai; quem olha para Ele, encontra o Pai.

    Definida a relação de Jesus com Deus, o autor reflete sobre a relação de Jesus com o mundo… O Filho está na origem do universo e, portanto, também do homem; por isso, Ele tem um senhorio pleno sobre toda a criação. Essa soberania expressa-se, inclusive, na incarnação e redenção: Ele veio ao encontro do homem e purificou-o do pecado: dessa forma, completou a obra começada pela Palavra criadora de Deus, no início. É como “o Senhor” – isto é, Aquele que possui soberania sobre os homens e sobre o mundo – que os homens O devem ver e acolher.

    A igualdade fundamental do “Filho” com o Pai fá-lo muito superior aos anjos: os anjos não são “filhos”; mas Jesus é “o Filho” e o próprio Deus proclamou essa relação de filiação plena, real, perfeita. Não são os anjos que salvam, mas sim “o Filho”.

    Sendo a Palavra última e definitiva de Deus, Ele deve ser escutado pelos homens como o caminho mais seguro para chegar a essa Vida nova que o Pai nos quer propor. É tendo consciência desse facto que devemos acolher o “menino de Belém”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • No dia de Natal faz todo o sentido revisitarmos a história da salvação… Ao mergulhar nessa extraordinária história percebemos que, desde os primeiros passos da humanidade, Deus Se mostrou interessado em romper as distâncias, em aproximar-Se dos homens, em estabelecer com eles um diálogo, em mostrar-lhes o caminho que conduz à Vida verdadeira. Só o amor – o amor infinito que dedica aos seus filhos e filhas – explica esse envolvimento de Deus. É bom saber que não andamos sozinhos e sem rumo neste caminho nem sempre linear por onde peregrinamos. Deus vai connosco; Deus, com a criatividade do amor, está sempre a inventar formas de vir ao nosso encontro e de nos abraçar. Hoje é dia de nos sentirmos profundamente agradecidos pela sua presença amorosa de Deus nas nossas vidas.
    • Jesus Cristo é a Palavra viva e definitiva de Deus, que revela aos homens o verdadeiro caminho para chegar à salvação. Celebrar o seu nascimento é acolher essa Palavra viva de Deus… “Escutar” essa Palavra é acolher o projeto que Jesus veio apresentar e fazer dele a nossa referência, o critério fundamental que orienta as nossas atitudes e as nossas opções. A Palavra viva de Deus (Jesus) é, de facto, a nossa referência? O que Ele diz orienta e condiciona as minhas atitudes, os meus valores, as minhas tomadas de posição? Os valores do Evangelho são os meus valores? Vejo no Evangelho de Jesus a Palavra viva de Deus, a Palavra plena e definitiva através da qual Deus me diz como chegar à salvação, à vida definitiva?

     

    ALELUIA – João 1,1-18

    Aleluia. Aleluia.

    Santo é o dia que nos trouxe a luz.
    Vinde adorar o Senhor.
    Hoje, uma grande luz desceu sobre a terra.

     

    EVANGELHO – João 1,1-18 

    No princípio era o Verbo
    e o Verbo estava com Deus
    e o Verbo era Deus.
    No princípio, Ele estava com Deus.
    Tudo se fez por meio d’Ele
    e sem Ele nada foi feito.
    N’Ele estava a vida
    e a vida era a luz dos homens.
    A luz brilha nas trevas,
    e as trevas não a receberam.
    Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João.
    Veio como testemunha,
    para dar testemunho da luz,
    a fim de que todos acreditassem por meio dele.
    Ele não era a luz,
    mas veio para dar testemunho da luz.
    O Verbo era a luz verdadeira,
    que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem.
    Estava no mundo,
    e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu.
    Veio para o que era seu,
    e os seus não O receberam.
    Mas, àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome,
    deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.
    Estes não nasceram do sangue,
    nem da vontade da carne, nem da vontade do homem,
    mas de Deus.
    E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós.
    Nós vimos a sua glória,
    glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito,
    cheio de graça e de verdade.
    João dá testemunho d’Ele, exclamando:
    «Era deste que eu dizia:
    ‘O que vem depois de mim passou à minha frente,
    porque existia antes de mim’».
    Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos
    graça sobre graça.
    Porque, se a Lei foi dada por meio de Moisés,
    a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
    A Deus, nunca ninguém O viu.
    O Filho Unigénito, que está no seio do Pai,
    é que O deu a conhecer.

     

    CONTEXTO

    A Igreja primitiva recorreu, com frequência, a hinos para celebrar, expressar e anunciar a sua fé. O prólogo ao Evangelho segundo João é um desses hinos.

    Não sabemos ao certo se este hino foi composto por João, ou se o autor do Quarto Evangelho usou um primitivo hino cristão conhecido da comunidade joânica, adaptando-o de forma a que ele pudesse servir de prólogo à sua obra. O que é certo é que o hino cristológico que chegou até nós expressa, em forma de confissão, a fé da comunidade joânica em Cristo enquanto Palavra viva de Deus, a sua origem eterna, a sua procedência divina, a sua influência no mundo e na história, possibilitando aos homens que O acolhem e escutam tornarem-se “filhos de Deus”. Essas grandes linhas, enunciadas neste prólogo, vão depois ser desenvolvidas pelo evangelista ao longo da sua obra.

     

    MENSAGEM

    O prólogo ao Quarto Evangelho começa com a expressão “no princípio”: dessa forma, João enlaça o seu Evangelho com o relato da criação (cf. Gn 1,1), oferecendo-nos assim, desde logo, uma chave de interpretação para o seu escrito… Aquilo que ele vai narrar sobre Jesus está em relação com a obra criadora de Deus: em Jesus vai acontecer a definitiva intervenção criadora de Deus no sentido de dar vida ao homem e ao mundo… A atividade de Jesus, enviado do Pai, consiste em fazer nascer um homem novo; a sua ação coroa a obra criadora iniciada por Deus “no princípio”.

    João apresenta, logo a seguir, a “Palavra” (“Lógos”). A “Palavra” é, de acordo com o autor do Quarto Evangelho, uma realidade anterior ao céu e à terra, implicada já na primeira criação. Esta “Palavra” apresenta-se com as caraterísticas que o “Livro dos Provérbios” atribuía à “sabedoria”: pré-existência (cf. Pr 8,22-24) e colaboração com Deus na obra da criação (cf. Pr 8,24-30). No entanto, essa “Palavra” não só estava junto de Deus e colaborava com Deus, mas “era Deus”. Identifica-se totalmente com Deus, com o ser de Deus, com a obra criadora de Deus. É como que o projeto íntimo de Deus, que se expressa e se comunica como “Palavra”. Deus faz-Se inteligível através da “Palavra”. Essa “Palavra” é geradora de vida para o homem e para o mundo, concretizando o projeto de Deus.

    Essa “Palavra” veio ao encontro dos homens e fez-se “carne” (pessoa). João identifica claramente a “Palavra” com Jesus, o “Filho único cheio de amor e de verdade”, que veio ao encontro do homem. Nessa pessoa (Jesus), podemos contemplar o projeto ideal de homem, o homem que nos é proposto como modelo, a meta final da criação de Deus.

    Essa “Palavra” “estabeleceu a sua tenda entre nós”. O verbo “skênéô” (“montar a tenda”) aqui utilizado alude à “tenda do encontro” que, na caminhada pelo deserto, os israelitas montavam no meio ou ao lado do acampamento e que era o local onde Deus residia no meio do seu Povo (cf. Ex 27,21; 28,43; 29,4…). Agora, a “tenda de Deus”, o local onde Ele habita no meio dos homens é o Homem/Jesus. Quem quiser encontrar Deus e receber d’Ele vida em plenitude (“salvação”), é para Jesus que se tem de voltar.

    A função dessa “Palavra” está ligada ao binómio “vida/luz”: comunicar ao homem a vida em plenitude; ou, por outras palavras, trata-se de acender a luz que ilumina o caminho do homem, possibilitando-lhe encontrar a vida verdadeira, a vida plena.

    Jesus Cristo vai, no entanto, deparar-Se com a oposição à “vida/luz” que Ele traz. Ao longo do Evangelho, João irá contando essa história do confronto da “vida/luz” com o sistema injusto e opressor que pretende manter os homens prisioneiros do egoísmo e do pecado e que João identifica com a Lei; os dirigentes judeus que enfrentam Jesus e o condenam à morte são o rosto visível dessa Lei. Recusar a “vida/luz” significa preferir continuar a caminhar nas trevas, que se identificam com a mentira, a escravidão e a opressão, à margem de Deus; significa recusar chegar a ser homem pleno, livre, criação acabada e elevada à sua máxima potencialidade.

    Em contrapartida, o acolhimento da “Palavra” implica a participação na vida de Deus. João diz mesmo que acolher a “Palavra” significa tornar-se “filho de Deus”. Começa, para quem acolhe a “Palavra”/Jesus, uma nova relação entre o homem e Deus, aqui expressa em termos de filiação: Deus dá vida em plenitude ao homem, oferecendo-lhe, assim, uma qualidade de vida que potencia o seu ser e lhe permite crescer até à dimensão do homem novo, do homem acabado e perfeito. Isto é uma “nova criação”, um novo nascimento, que não provém da carne e do sangue, mas sim de Deus.

    A encarnação de Jesus significa, portanto, que Deus oferece à humanidade a possibilidade de se realizar plenamente, de chegar à Vida em plenitude. Sempre existiu no homem o anseio da vida plena, conforme o projeto original de Deus; mas, na prática, esse anseio fica, muitas vezes, frustrado pelo domínio que o egoísmo, a injustiça, a mentira – numa palavra, o “pecado” – exercem sobre o homem. Toda a obra de Jesus consistirá em capacitar o homem para a Vida nova, para a Vida plena, a fim de que ele possa realizar em si mesmo o projeto de Deus: a semelhança com o Pai.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A transformação da “Palavra” em “carne”, em “menino” do presépio de Belém, é a espantosa aventura de um Deus que ama até ao inimaginável e que, por amor, aceita revestir-Se da nossa fragilidade, a fim de nos dar Vida em plenitude. Deus desceu até nós e revestiu-se da nossa fragilidade para ficar ao nosso lado: neste dia, somos convidados a contemplar, numa atitude de serena adoração, esse incrível passo de Deus, expressão extrema de um amor sem limites. E essa adoração deve depois expressar-se em louvor e ação de graças. Que o dia de Natal seja o dia por excelência de agradecermos a Deus o seu amor.
    • Acolher a “Palavra” é deixar que Jesus nos transforme, nos dê a vida plena, a fim de nos tornarmos, verdadeiramente, “filhos de Deus”. O presépio que hoje contemplamos é apenas um quadro bonito e terno, ou uma interpelação a acolher a “Palavra”, de forma a crescermos até à dimensão do Homem Novo?
    • Hoje, como ontem, a “Palavra” continua a confrontar-se com os sistemas geradores de morte e a procurar eliminar, na origem, tudo o que rouba a vida e a felicidade da pessoa. Sensíveis à “Palavra”, embarcados na mesma aventura de Jesus – a “Palavra” viva de Deus – como nos situamos diante de tudo aquilo que rouba a vida da pessoa? Podemos pactuar com a mentira, o oportunismo, a violência, a exploração dos pobres, as limitações aos direitos e à dignidade do homem?
    • Jesus é para nós a “Palavra” suprema que dá sentido à nossa vida, ou deixamos que outras “palavras” nos condicionem e nos induzam a procurar a felicidade em caminhos de egoísmo, de alienação, de comodismo, de pecado? Quais são essas “palavras” que às vezes nos seduzem e nos afastam da “Palavra” eterna de Deus que ecoa no Evangelho que Jesus veio propor?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DIA DE NATAL
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Dia de Natal, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    É na noite que é belo acreditar na luz… Era a noite para este casal em viagem e, para mais, no momento em que a mulher devia dar à luz. Nunca há lugar para aqueles que incomodam. É então, na obscuridade de um estábulo, que a luz aparece para iluminar não somente este lugar bem sombrio, mas o mundo inteiro tantas vezes tão mergulhado na noite da dúvida e da violência. Era a noite para estes pastores em cuja palavra havia tanta dificuldade em acreditar, por estar muitas vezes longe da verdade. Ora, é a eles que a boa nova é anunciada para que ela não cesse de seguida de se transmitir de geração em geração. Uma luz rasga então a noite da Judeia, é a luz da glória do Senhor e o anúncio da paz sobre a terra aos homens que Deus ama. Não espanta que esta criança acabada de nascer proclame mais tarde: «Eu sou a luz do mundo». Esperar é levantar os olhos quando ainda é noite, para descobrir a luz mais forte que a noite.

    3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Valorizar o Glória a Deus. Pôr em realce o hino de Natal, o Glória a Deus, tomando tempo para cantá-lo com uma melodia que seja bem conhecida da assembleia. Outros elementos poderão intervir para dar à celebração um ar de festa: por exemplo, um acolhimento mais caloroso que o habitual, uma bonita decoração floral, a iluminação do presépio, um gesto de paz afetuoso, intenções de oração plenas de esperança, uma oração de louvor mais desenvolvida, etc. Esta pode ser feita quando os fiéis estiverem reagrupados à volta do presépio. Convém ter em atenção que, na missa da manhã de Natal, muitos não participaram na missa da noite. É, pois, a celebração do nascimento de Jesus que os reúne. Pode-se escolher, entre todos os textos que as três missas de Natal propõem, aqueles que são mais acessíveis e evocadores. Por exemplo, o Evangelho da noite, completado com o da aurora, pode convir mais que o Evangelho do dia.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    A presença de Deus diz-se e mostra-se. A presença de Deus mostra-se através de sinais de tolerância, de acolhimento, de partilha, que podemos facilmente ter à nossa volta. A presença de Deus fala através da ternura para com os mais pobres, os excluídos, os doentes, todos os que sofrem, as pessoas sós, em particular nestes dias de festa. A presença de Deus traduzir-se-á ainda através de toda a solicitude concedida gratuitamente àqueles que procuram, que duvidam, que têm necessidade de ser acompanhados na sua procura. A presença de Deus exprimir-se-á muitas vezes através do humilde testemunho da nossa vida habitada pelo seu amor: se Ele me enche com a sua alegria, se Ele me faz viver, se Ele me leva a ajudar os outros, é porque Ele está bem vivo!

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Tempo do Natal - 2º dia da Oitava do Natal

    Tempo do Natal - 2º dia da Oitava do Natal


    26 de Dezembro, 2023

    Tempo do Natal - 2º dia da Oitava do Natal

    Primeira leitura: Actos 6, 8-10; 7, 54-60

    Naqueles dias, Estêvão, 8*Cheio de graça e força, fazia extraordinários milagres e prodígios entre o povo. 9*Ora, alguns membros da sinagoga, chamada dos libertos, dos cireneus, dos alexandrinos e dos da Cilícia e da Ásia, vieram para discutir com Estêvão; 10mas era-lhes impossível resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava.

    54Ao ouvirem tais palavras, encheram-se intimamente de raiva e rangeram os dentes contra Estêvão. 55Mas este, cheio do Espírito Santo e de olhos fixos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé, à direita de Deus. 56«Olhai, disse ele, eu vejo os Céus abertos e o Filho do Homem de pé, à direita de Deus.» 57Eles, então, soltaram um grande grito e taparam os ouvidos; depois, à uma, atiraram-se a ele 58*e, arrastando-o para fora da cidade, começaram a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram as capas aos pés de um jovem chamado Saulo. 59*E, enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito.» 60Depois, posto de joelhos, bradou com voz forte: «Senhor, não lhes atribuas este pecado.» Dito isto, adormeceu.

    Estêvão foi um dos primeiros sete diáconos da Igreja. Como os seus companheiros, estava ao serviço da comunidade cristã, para que a comunhão se tornasse visível também na distribuição dos bens (cf. Act 6, 1-6). Foi uma ardorosa testemunha de Cristo, dotado de particulares dons do Espírito, tais como a sabedoria contemplativa na pregação e a força evangélica na evangelização. O corajoso discurso que faz diante dos anciãos e chefes do povo, e a narração do seu martírio são um magnífico exemplo de catequese bíblica. O discurso termina com a profissão de fé em Jesus, feita por Estêvão. Os seus inimigos acusam-no de blasfemar e pecar contra a Lei e o templo, condenando-o à morte.

    Ao narrar a lapidação de Estêvão, Lucas segue o esquema da narrativa da morte de Jesus. Como o seu Mestre, Estêvão morre confiando-se a Deus e perdoando aos seus algozes (cf. vv. 59-60; Lc 23, 34.46). Lucas mostra-nos, assim, que a vida de Cristo continua a na vida da Igreja: na disponibilidade ao Espírito, na pregação, na coerência evangélica e na própria morte.

    Jesus, com a sua morte e ressurreição, e com o dom do Espírito, inaugurou um tempo novo. Ele é a plenitude da Lei, e não há perseguição capaz de O destruir.

    Evangelho: Mateus 10, 17-22

    Naquele tempo, Jesus disse aos discípulos: 17*Tende cuidado com os homens: hão-de entregar-vos aos tribunais e açoitar-vos nas suas sinagogas; 18sereis levados perante governadores e reis, por minha causa, para dar testemunho diante deles e dos pagãos. 19Mas, quando vos entregarem, não vos preocupeis nem como haveis de falar nem com o que haveis de dizer; nessa altura, vos será inspirado o que tiverdes de dizer. 20Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós. 21O irmão entregará o seu irmão à morte, e o pai, o seu filho; os filhos hão-de erguer-se contra os pais e hão-de causar-lhes a morte. 22E vós sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo.

    Jesus dá alguns ensinamentos aos discípulos sobre as provações e sofrimentos que a Igreja há-de enfrentar ao longo dos tempos. Fá-lo com tanta clareza e abundância de

    Caixa de texto: Tempo do Natal 26|Dezembro > Festa de Santo Estêvão
    pormenores que parece descrever a situação da Igreja depois do ano 70, quando teve de enfrentar diversas provações internas e externas. Corria o risco de desanimar e perder a fé no seu Senhor. Jesus toma medidas para a continuação da Sua obra no tempo e no espaço, antecipando acontecimentos e sinais que a comunidade cristã teria de enfrentar. Queria preparar os discípulos para ultrapassarem o escândalo da cruz.

    Jesus procura animar os discípulos medrosos dizendo-lhe: «não vos preocupeis» (v. 19). O anúncio corajoso e alegre do Evangelho não pode ser feito por gente assustada e medrosa. Por isso, intervirá o Espírito Santo: «o Espírito do vosso Pai é que falará por vós» (v. 20).

    Meditatio

    Tempo de Natal. Ecoa aos nossos ouvidos, e nos nossos corações, a palavra de João: «O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós». Estêvão estava plenamente certo desta verdade. Deus tinha inaugurado uma nova forma de estar presente no meio dos homens. Ele, Estêvão, e cada um dos discípulos, eram templos de Deus. O templo de Jerusalém já não era preciso. Jesus destrui-lo-ia. Os anciãos e chefes acusam-no de blasfémia e sacrilégio. Condenam-no à lapidação e executam a condenação. Há uma impressionante ligação entre o mistério da Encarnação que ontem celebrámos, e continuamos a celebrar em toda a oitava do Natal, e o martírio de Estêvão.

    A morte de Estêvão, e a de tantas testemunhas da fé cristã, não será a última palavra sobre a vida destes discípulos de Jesus, porque Cristo é o Senhor da vida e da morte. A ressurreição de Jesus mostra a glória, como única realidade de verdadeira vida, para a qual todo o crente está encaminhado. Ela anuncia que a glória de Jesus, e a de todo o discípulo, passa pelo caminho do Calvário e pela morte na Cruz. A morte de Jesus, e a de Estêvão, oferecem um sinal que fala à nossa fé. O projecto de Deus é maior do que os projectos dos homens. O amor de Deus ultrapassa largamente todos os interesses de quem quer que se
    ja. Somente Jesus, sinal do amor de Deus pelos homens, é capaz de libertar o homem da morte e de fazer brotar no coração do discípulo a fé como resposta radical à salvação oferecida por Deus.

    Rezemos diante do presépio: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito», para que vivamos como filhos do Pai e teus irmãos, dando testemunho da tua Encarnação, Morte e Ressurreição.

    .

    Oratio

    Ó Bem-aventurado Santo Estêvão, valente soldado de Cristo, primeiro nas fileiras dos mártires; aceito alegremente que tu, ainda nesta terra, tenhas sido tão luminoso na santidade. Quando os teus inimigos se atiravam a ti, tu, de joelhos, rezavas: «Senhor, não lhes atribuas este pecado».

    Homem feliz, quanta esperança nos dás, a nós teus amigos pecadores, quando nos damos contas que estás tão preocupado com pecadores arrogantes! Quanta bondade usarás para com os humildes, agora que foste exaltado, tu que assim socorrias os soberbos, quando eras humilhado! Que é que te queimava o coração, para assim derramares exteriormente tantas doçuras? Estavas certamente cheio de todas, ornado de todas, aceso por todas.

    Eu te suplico, caridoso Estêvão, reza pela minha alma cheia de aridez, e enche-a de caridade generosa. Faz com que a minha alma insensível, por graça d´Aquele que a criou, seja incendiada pelo fogo da caridade. Amen. (oração inspirada num texto de Santo Anselmo de Aosta)

    Contemplatio

    Contemplo dois prisioneiros: O Menino Jesus em faixas e o seu primeiro mártir Santo Estêvão na prisão do Sinédrio: rapuerunt eum et adduxerunt in concilium (Actos 6, 12).

    Compreendo, divino Infante, que vos devo gratidão, amor, reparação, imitação: gratidão pelos vosso sofrimentos salutares, amor pelo vosso coração de menino totalmente entregue e generoso, reparação pela dureza de tantas almas que vos recebem sem amor. Quero, com o vosso santo mártir Estêvão, imitar a vossa paciência, a vossa mansidão, a vossa generosidade. (Leão Dehon, OSP 4, p. 591s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor Jesus, recebe o meu espírito»

  • Tempo do Natal - 3º dia da Oitava do Natal > Festa de S. João

    Tempo do Natal - 3º dia da Oitava do Natal > Festa de S. João


    27 de Dezembro, 2023

    Tempo do Natal - 3º dia da Oitava do Natal > Festa de S. João

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 1,1-4

    Caríssimos: 1*0 que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida, 2* de facto, a Vida manifestou-se; nós vimo-Ia, dela damos testemunho e anunciamo-vos a Vida eterna que estava junto do Pai e que se manifestou a nós- 3*0 que nós vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós estejais em comunhão connosco. E nós estamos em comunhão com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. 4*Escrevemo-vos isto para que a nossa alegria seja completa.

    No breve prólogo à sua Primeira Carta, S. João expõe os critérios para entrarmos em comunhão com Deus. Oferece-nos também um itinerário de fé, e indica as defesas a usar contra o pecado.

    João fundamenta a fé cristã no «Verbo da vida», de que dá testemunho, indicando, e descrevendo de modo sintético, as suas etapas essenciais. Mas, ao contrário do Prólogo do seu evangelho, onde acentua o «Verbo», aqui acentua a «vida», que Jesus possui e dá. Tudo começa com a experiência pessoal do apóstolo, no contacto com Jesus: «o que ouvimos, o que vimos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida» (v. 1). Esta experiência torna-se testemunho e exemplo coerente (v. 2), anúncio corajoso, que gera comunhão entre aqueles que o escutam e abraçam a fé, e comunhão com o próprio Pai e com o seu Filho Jesus (v. 3). Esta comunhão, por sua vez, gera a alegria do coração (v. 4).

    A palavra «nós» põe-nos diante da tradição da escola joânica, que desenvolve o testemunho do discípulo amado, fundado na «vida divina» tornada visível em Jesus.

    Evangelho: João 20, 2-8

    2*No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, o querido de Jesus, e disse-lhes: «O Senhor foi levado do túmulo e não sabemos onde o puseram.» 3pedro saiu com o outro discípulo e foram ao túmulo. 4Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. 5Inc/inou¬se para observar e reparou que os panos de linho estavam espalmados no chão, mas não entrou. 6*Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no túmulo e ficou admirado ao ver os panos de linho espalmados no chão, 7* ao passo que o lenço que tivera em volta da cabeça não estava espalmado no chão juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posição. 8Então, entrou também o outro discípulo, o que tinha chegado primeiro ao túmulo. Viu e começou a crer.

    João dá-nos neste texto uma síntese dos acontecimentos verificados na manhã da Páscoa, em que são protagonistas Maria Madalena, Pedro e ele próprio. A noite espiritual em que tinham mergulhado os apóstolos está para dar lugar à experiência de fé, que começa junto ao túmulo vazio, sinal da presença do Ressuscitado (v. 2). Ao receberem a notícia de que fora retirada a pedra do sepulcro, e de que o corpo de Jesus lá não estava, Pedro e João foram verificar o que sucedera. A sua corrida revela amor e veneração, e faz pensar na Igreja que procura sinais visíveis do Senhor, especialmente quando se encontra em dificuldade e não consegue vê-lo. João chega primeiro do que Pedro ao sepulcro, devido à sua intuição amorosa de discípulo amado, mas é Pedro quem entra por primeiro, devido à sua função eclesial (vv. 5- 7). Depois de observar a ordem das várias coisas que se encontravam no sepulcro, e a paz que nele reinava, o discípulo amado abre-se à visão da fé, acreditando nos sinais visíveis do Senhor: «Viu e começou a crer» (v. 8). Ainda não é a fé plena na Ressurreição. Isso só acontecerá quando o seu espírito se abrir à inteligência das Escrituras (cf. Lc 24, 45), quando vir a pessoa do Senhor e receber o dom do Espírito Santo, isto é, quando tiver percorrido todo o itinerário da fé.

    Meditatio

    S. João é uma figura de fundamental importância na Igreja primitiva. De facto, é o discípulo amado que ensina a contemplar em Jesus, o Filho de Deus feito homem, para nos revelar o rosto do Pai e o caminho que leva à comunhão com Ele. Por esta razão, João é chamado teólogo. Os seus escritos levam a acreditar em Jesus Messias e Filho de Deus (cf. Jo 20, 31). O seu símbolo é a águia porque, como refere uma sentença rabínica, a águia é a única ave que consegue fixar o sol sem cegar. Para João, o sol é Cristo. A sua presença na comunidade descobre-se pela contemplação e pela inteligência da Palavra de vida. A vida, na sua realidade mais profunda, é «a Vida eterna que estava junto do Pai e que se manifestou a nós». Jamais contemplaremos suficientemente este mistério de vida que se tornou perceptível para nós em Jesus, Filho de Deus, a vida eterna que estava junto do PaiO

    S. João faz-nos compreender quanta profundidade se encontra na pessoa do Filho, na sua união com o Pai, na sua comunhão com Eleffi Incarnação tem por objectivo tornar-nos participantes nessa comunhão divina: estamos «em comunhão com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo». A Incarnação aconteceu em vista da comunhão. Isto é espantoso. A carne é causa de divisão! Por causa dela, estamos num lugar e não noutro. Podemos chegar até às pessoas queridas pelo pensamento. Mas a carne impede-nos estar em comunhão com elas. E quantas discussões, litígios e divisões por causa dos bens materiais! O Filho de Deus, ao assumir a nossa carne, tornou-a meio de comunhão. Tudo o que assumiu se tornou instrumento de comunhão com Deus e entre nós. Na Eucaristia, onde a carne de Cristo se põe ao serviço da comunhão, fazemos a comunhão, isto é, recebemos a comunhão com o Pai e a comunhão entre nós. Para isso, Cristo teve de sacrificar a sua carne, teve de entregá-Ia aos inimigos, para fazer dela um sacrifício agradável, um sacrifício perfeito. Então, a vida mostrou toda a sua força.

    O evangelho de hoje leva-nos até à Páscoa, mostra-nos a meta alcançada: a vida venceu a morte e manifestou-se. O que João viu foi esta vitória da vida, manifestada no sepulcro pelas ligaduras, pelo sudário. O corpo de Cristo já não está no sepulcro, porque a vida triunfou. Mas Jesus incarnado está sempre connosco, porque a vitória sobre a morte foi alcançada para nós.

    Uma outra lição que podemos tirar do evangelho de hoje é o respeito pelos carismas, que são muitos na Igreja, para bem da mesma Igreja. João, que tem o carisma da profecia, é respeitado Pedro, que tem o carisma da instituição. O respeito pelo
    s carismas, e a partilha na busca comum dos dons do Espírito, permite-nos penetrar no mistério, reconhecer os sinais do Ressuscitado.

    Com S. João, também nós somos chamados a "conhecer", isto é, fazer experiência de vida e a "crer", isto é, a aderir com todo o coração e com toda a nossa pessoa, "ao amor que Deus nos tem"? (1 Jo 4, 16), amor manifestado no Verbo Incarnado. Esse inefável "amor que Deus nos tem ... !", de que João é «doutor», no dizer do Pe. Dehon, é o grande mistério para todo o cristão e, em particular, para todo o oblato-SCJ.

    É este mistério que queremos proclamar diante da Eucaristia, diante do Crucificado de Lado aberto, diante da nossa vocação de Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus.

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, que revelaste a João, teu discípulo amado, os misteriosos segredos da Palavra, dá-nos também a nós, hoje, e a toda a Igreja, uma nova inteligência espiritual das Escrituras. Assim poderemos iluminar, cada vez mais, a nossa vida espiritual, e aprender a tua ciência sublime.

    Concede à Igreja pastores sábios e santos, capazes de colher o sentido espiritual e profundo das Escrituras e introduzir o povo de Deus na tua intimidade. Assim todos poderemos conhecer o teu Coração, o teu pensamento, a profundidade do teu Espírito e o modo como conduzes a história da Igreja.

    Por intercessão do teu discípulo amado, faz-nos experimentar o amor do teu Coração, e torna-nos assíduos e delicados no teu serviço. Sempre, e em toda a parte, queremos, como S. João, realizar a tua vontade sobre nós. Ajuda-nos!

    Contemplatio

    S. João teve com Jesus os laços mais íntimos: foi seu parente, seu discípulo, seu amigo, seu herdeiro. Tiago e João eram filhos de Salomé, parente de Maria. Eram chamados irmãos de Jesus. Era costume chamar irmãos os parentes próximos. João deve ter conhecido Jesus menino.

    Ligou-se a Ele, primeiro como discípulo com Santo André (Jo 1, 37). Tendo ouvido João Baptista chamar Jesus Cordeiro de Deus, deleitou-se com esse nome, meditava-o sem cessar, e lembra-o muitas vezes no Apocalipse.

    S. João está sempre junto de Jesus. Quando Jesus toma aparte alguns apóstolos, para os mais belos milagres, para a transfiguração, para a agonia, S. João está sempre.

    Senta-se junto de Jesus. S. Pedro sabe bem que João é o amigo e que, por meio dele, pode conhecer os segredos que Jesus não revela a todos.

    S. João pode narrar em pormenor os discursos de Jesus depois da Ceia porque os ouviu melhor que os outros.

    S. João ama como é amado. Segue Jesus por todo o lado (Petrus vidit iI/um sequentem). Segui-Io-á até ao Calvário. Assiste à morte de Jesus, ao golpe misterioso da lança, à sepultura. Vê de perto o lado de Jesus aberto. Abraça-o, sem dúvida, como um dia havia de fazer S. Francisco (Haurietis aquas in gáudio).

    S. João é o herdeiro de Jesus, que lhe legou a sua mãe e necessariamente com ela as habitações de Nazaré e as lembranças.

    Jesus disse a Pedro que João devia esperá-lo e recebe-lo na terra. Hão rever-se em Patmos. João reencontrará lá o divino Cordeiro de lado aberto: Agnum occisum ... quem pupugerunt.

    Ó divina amizade, que merece contemplação e admiração eterna! (Leão Dehon, OSP 4, p. 591s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    « O Verbo fez carne, e nós vimos a sua glória» (Jo 1, 14).

  • Tempo do Natal - 4º dia da Oitava do Natal

    Tempo do Natal - 4º dia da Oitava do Natal


    28 de Dezembro, 2023

    Tempo do Natal - 4º dia da Oitava do Natal

    Lectio

    Primeira leitura: 1João 1, 5-2, 2

    Caríssimos:5*Eis a mensagem que ouvimos de Jesus e vos anunciamos: Deus é luz e nele não há nenhuma espécie de trevas. 6*Se dizemos que temos comunhão com Ele, mas caminhamos nas trevas, mentimos, e não praticamos a verdade. 7*Pelo contrário, se caminhamos na luz, do mesmo modo que Ele, que está na luz, então temos comunhão uns com os outros e o sangue do seu Filho Jesus purifica-nos de todo o pecado. 8*Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós. 9*Se confessamos os nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a iniquidade. 10Se dizemos que não somos pecadores, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.

    1*Filhinhos meus, escrevo-vos estas coisas para que não pequeis; mas, se alguém pecar, temos junto do Pai um advogado, Jesus Cristo, o Justo, 2*pois Ele é a vítima que expia os nossos pecados, e não somente os nossos, mas também os de todo o mundo.

    A festa dos Santos Inocentes, colocada tão perto do Natal, realça não só o dom do martírio, mas também a grande verdade que a morte do inocente revela: a maldade do pecador, como Herodes, semeia ódio e morte, enquanto o amor do justo inocente, como Jesus, traz frutos de vida e salvação. S. João também nos apresenta o mundo divido em duas partes: a luz, o mundo de Deus, e as trevas, o mundo de Satanás. Quem caminha na luz e pratica a verdade (cf. vv. 7-8), vive em comunhão com Deus e com os irmãos, e é purificado de todo o pecado pelo sangue de Jesus derramado na cruz. Quem, pelo contrário, caminhas nas trevas e não pratica a verdade (cf. vv. 6.8), engana-se a si mesmo, não vive em comunhão com Cristo nem com os irmãos, está longe da salvação. Os verdadeiros crentes reconhecem, diante de Deus, o seu pecado, confessam-nos e confiam no Senhor «fiel e justo» (v. 9), são salvos. Os maus, pelo contrário, que não reconhecem os seus pecados, tornam vão o sacrifício de Cristo, e a sua Palavra de vida não os pode transformar interiormente.

    Ao terminar, João exorta os cristãos a recorrerem a Jesus como advogado junto do Pai (cf. v. 1), porque é Ele que expia os pecados dos fiéis e os da humanidade inteira. O cristão não deve pecar, mas, se pecar, o melhor que tem a fazer é reconhecer o seu pecado e confiar na misericórdia d´Aquele que o pode livrar da pobreza moral e restituí-lo à comunhão com Deus.

    Evangelho: Mateus 2, 13-18

    13*Depois de os Magos partirem, o anjo do Senhor apareceu, em sonhos, a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egipto e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o menino para o matar.» 14*E ele levantou-se, de noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egipto, 15*permanecendo ali até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta: Do Egipto chamei o meu filho. 16*Então Herodes, ao ver que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o seu território, da idade de dois anos para baixo, conforme o tempo que, diligentemente, tinha inquirido dos magos. 17Cumpriu-se, então, o que o profeta Jeremias dissera: 18*Ouviu-se uma voz em Ramá, uma lamentação e

    Caixa de texto: Tempo do Natal 28|Dezembro > Festa dos Santos Inocentes
    um grande pranto: É Raquel que chora os seus filhos e não quer ser consolada, porque já não existem.

    Mateus narra uma das provações da família de Nazaré. Depois de os Magos partirem, advertidos pelo Anjo do Senhor, José e Maria tiveram de fugir com o Menino para o Egipto, para escaparem ao ódio de Herodes. Na sua loucura, tinha decidido matar todos os recém- nascidos em Belém (cf. vv. 14-16). A Sagrada Família vive uma dolorosa perseguição, que a leva a fugir da sua terra e a lança numa aventura cheia de incertezas.

    Mateus sugere que a Sagrada Família não goza de qualquer privilégio em relação às outras. Jesus é um Deus no meio de nós, mas a sua glória esconde-se numa aparente derrota. Não O buscam apenas os Magos. Também Herodes O procura. Mas suas intenções são diferentes: os Magos querem adorá-lo; Herodes quer matá-lo. Jesus é sinal de contradição desde o seu nascimento.

    Na realidade, a narrativa evangélica evidencia um outro tema: a aventura humana de Jesus, desde a sua infância, é lida à luz da história de Moisés e do seu povo. Tanto o nascimento de Moisés, como o de Jesus, coincidem com a matança de meninos hebreus inocentes (Ex 1, 8-2,10 e Mt 2, 13-14); ambos se dirigem para o Egipto (Ex 3, 10; 4, 19 e Mt 2, 13-14); ambos realizam a palavra: «do Egipto chamei o meu filho» (Ex 4, 22; Os 11, 1 e Mt 2, 15). Finalmente a profecia de Raquel que chora os seus filhos (Jer 31, 15) recorda-nos que Jesus permanece o Messias procurado e recusado, em quem se realizam as promessas de Deus e as esperanças dos homens.

    Meditatio

    Causa-nos um certo choque celebrar o martírio dos Inocentes apenas três dias depois do Natal, festa da família, da alegria e da paz. Mas esta festa ajuda-nos a compreender mais profundamente o Natal de Cristo.

    Contemplámos o Menino do presépio, que, como sabemos não é um menino qualquer. Pretende tornar-se rei de todos os corações; por isso, não pode deixar de encontrar resistência e oposição. Apresenta-se como Luz do mundo, mas as trevas não se deixam iluminar, sem luta, sem sofrimento. A festa dos Inocentes mostra-nos que essa luta começa muito cedo.

    Essa luta começa dentro de nós, como vemos na primeira leitura. Porque somos pecadores, estamos de algum modo do lado de Herodes, recusamos o Salvador e precisamos de conversão para acolhe
    r a luz que nos perturba. «Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós», escreve S. João. Hoje começa a obra da nossa salvação e a primeira coisa a fazer é reconhecer que precisamos de ser salvos.

    O evangelho narra precisamente a fuga da Sagrada Família para o Egipto e a matança dos Inocentes. Mateus, partindo dos dados históricos, recompõe-os, lendo-os na fé e transfigurando-os à luz do mistério que encerram: o Menino Jesus, que se entrega nas mãos dos homens, não é alguém que foge do inimigo por medo, mas é o verdadeiro vencedor, porque é na sua obediência livre que revela ao homem o rosto do Pai e o amor gratuito com que se entregou a nós. Se o mundo recusa a Cristo, o derrotado não é Cristo, mas o mesmo mundo. Se a recusa de Cristo e a sua marginalização são momentos de humilhação que revelam a sua fraqueza humana, são também o início do seu triunfo, por causa da glorificação que dará ao Pai.

    Também nós podemos recusar Cristo e ser culpados de pecado, renegando o amor de Deus. Mas acreditamos que, apesar de tudo, os nossos pecados não são um obstáculo permanente à comunhão com Deus, graças à sua misericórdia a que podemos recorrer.

    Sigamos o convite do Pe. Dehon: «Sigamos os pastores e vamos ao presépio beber uma vida nova, uma força nova para doravante seguirmos com coração a direcção da graça... Lancemos um olhar também para as pequenas vítimas imoladas por Herodes, os santos Inocentes. Deixemo-nos imolar pela espada do sacrifício, da obediência e da abnegação» (OSP 4, p. 598-599).

    Oratio

    Senhor Jesus, que por nós Te fizeste homem, que por nós morreste e ressuscitaste, Tu és o nosso único advogado junto do Pai quando pecamos e nos afastamos de Ti. Muitas vezes quebramos a Aliança contigo, e outras tantas a restabeleceste, sem Te cansar, manifestando a riqueza da tua bondade e do teu perdão. Não deixes de ser o nosso defensor. Sê também o defensor da nossa humanidade que massacra tantos inocentes, crianças, jovens, adultos e idosos, homens e mulheres.

    Tu, que experimentaste a situação dos refugiados, tem compaixão dos milhões de homens e mulheres que, ainda nos nossos dias, têm que abandonar as suas terras, os seus países, para escaparam às diferentes formas de perseguição, às guerras, aos massacres, aos genocídios.

    Pela tua Incarnação, pela tua Morte e Ressurreição, concede ao nosso mundo a graça de encontrar o caminho da justiça e da paz. Amen.

    Contemplatio

    Jesus menino quis distribuir as suas primeiras palmas a crianças. É um ramo de mártires em flores que ele colheu para si, quase no dia seguinte ao seu nascimento.

    O Coração de Jesus ama as crianças. Ele devia manifestá-lo solenemente mais tarde ao chamar para junto de si numerosas crianças para as abençoar, apesar da repugnância dos seus apóstolos. «Deixai vir a mim as criancinhas, devia dizer-lhes. Eu amo as crianças e aqueles que se lhes assemelham, e amaldiçoo aqueles que as escandalizam.

    Mas o Coração de Jesus tem modos de amor que a natureza não compreende sem o socorro da graça. Jesus menino sabe que a palma do martírio será uma das maios belas recompensas do seu céu. Ele entrevê antecipadamente esta guarda de honra cantada por S. João, e que estará vestida de branco com uma palma na mão e que há-de seguir por toda a parte o Cordeiro divino, o Rei dos mártires no céu. Ele quer inserir aí crianças, porque as ama, e permite a perseguição de Herodes e o massacre dos inocentes de Belém. É o primeiro grupo de santos do Novo Testamento, que vai esperar no Limbo a ressurreição de Jesus e a abertura do céu. As gotas de sangue da Circuncisão e as lágrimas do presépio fizeram germinar e florir este ramo de mártires.

    Oh! Como nós devemos amar sobrenaturalmente as crianças! Como as devemos amar para as formar na virtude e sobretudo para lhes ensinar a conhecer o Sagrado Coração de Jesus! (Pe. Dehon, OSP 2, p. 223).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O sangue de Jesus purifica-nos de todo o pecado» (1 Jo 1, 7).

  • Tempo do Natal - 5º dia da Oitava do Natal

    Tempo do Natal - 5º dia da Oitava do Natal


    29 de Dezembro, 2023

    Tempo do Natal - 5º dia da Oitava do Natal

    Lectio

    Primeira leitura: 1João 2, 3-11

    Caríssimos:3*Sabemos que o conhecemos por isto: se guardamos os seus mandamentos. 4*Quem diz: «Eu conheço-o», mas não guarda os seus mandamentos é um mentiroso, e a verdade não está nele; 5*ao passo que quem guarda a sua palavra, nesse é que o amor de Deus é verdadeiramente perfeito; por isto reconhecemos que estamos nele. 6*Quem diz que permanece em Deus também deve caminhar como Ele caminhou. 7*Caríssimos, não vos escrevo um mandamento novo, mas um mandamento antigo, que já tínheis desde o princípio: este mandamento antigo é a palavra que ouvistes. 8*É, contudo, um mandamento novo o que vos escrevo .o que é verdade nele e em vós. pois as trevas passaram e a luz verdadeira já brilha. 9*Quem diz que está na luz, mas tem ódio a seu irmão, ainda está nas trevas. 10Quem ama o seu irmão permanece na luz e não corre perigo de tropeçar. 11Mas quem tem ódio ao seu irmão está nas trevas e nas trevas caminha, sem saber para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos.

    O caminho para conhecer a Deus e permanecer nele é, pela negativa, «não pecar» (cf 1 Jo 1, 5-2,2) e, pela positiva, guardar os mandamentos, especialmente o do amor a Deus ( vv. 3-6) e aos irmãos 8vv. 8-11). O conhecimento de Deus comporta, pois, exigências de vida, ao contrário da gnose, filosofia religiosa popular do tempo de Jesus, que apenas exigia a libertação do mundo visível. Opondo-se a essa doutrina, que excluía o pecado e a existência de qualquer moral, João afirma que o verdadeiro conhecimento de Deus deve ser autenticado pela observância dos mandamentos. De facto, quem guardar a «sua palavra» (v. 5) experimenta o amor de Deus e mora nele, porque vive como Jesus viveu, e tem dentro de si uma realidade interior que o impele a imitar a Cristo, cujo exemplo de vida é precisamente o amor (v. 6).

    Este mandamento do amor é novo e antigo: «novo», porque gera vida nova e deve sempre redescobrir-se; «antigo», porque foi ensinado desde o início do anúncio cristão. O verdadeiro critério de discernimento do espírito de Deus é o amor fraterno, porque ninguém pode estar na luz de Deus e odiar o próprio irmão.

    Evangelho: Lucas 2, 22-35

    22*Quando se cumpriu o tempo da sua purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, 23*conforme está escrito na Lei do Senhor: Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor 24e para oferecerem em sacrifício, como se diz na Lei do Senhor, duas rolas ou duas pombas. 25*Ora, vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão; era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo estava nele. 26*Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor. 27Impelido pelo Espírito, veio ao templo e, quando os pais trouxeram o menino Jesus, a fim de cumprirem o que ordenava a Lei a seu respeito, 28Simeão tomou-o nos braços e bendisse a Deus, dizendo: 29*«Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, 30*porque meus olhos viram a Salvação 31que oferecestes a todos os povos, 32*Luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo.» 33Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele. 34*Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua

    Caixa de texto: Tempo do Natal 29|Dezembro
    mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; 35*uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações.»

    A apresentação de Jesus no templo tem como horizonte teológico o quadro da antiga aliança que dá lugar à nova aliança, pelo reconhecimento do menino Jesus como o Messias sofredor, o Salvador universal dos povos. A narrativa está cheia de referências bíblicas (cf. Ml 3; 2 Sam 6; Is 49, 6), e compõe-se de duas partes: a apresentação da cena (vv. 22-24) e a profecia de Simeão (vv. 25-35).

    Maria e José, obedientes à lei hebraica, entram no templo como membros simples e pobres do povo de Deus, para oferecerem o primogénito ao Senhor e para purificação da mãe (cf. Ex 13, 2-16; Lv 12, 1-8). A oferta do Menino revelam confiança e abandono em Deus, antecipação da verdadeira oferta do Filho ao Pai, que se realizará no Calvário. O centro da cena é a profecia de Simeão, homem justo e piedoso que esperava a consolação de Israel (cf. v. 25). Guiado pelo Espírito, vai ao templo e, reconhecendo em Jesus o Messias esperado, saúda-o festivamente e faz uma confissão de fé: realizaram-se as antigas profecias; ele viu o Salvador, a glória de Israel, a luz e salvação de todos os povos. Mas essa luz terá o reflexo do sofrimento, porque Jesus há-de ser «sinal de contradição» (v. 34) e a própria Mãe será envolvida o destino de sofrimento do Filho (v. 35).

    Meditatio

    A contemplação do encontro de Simeão com o Menino Jesus, deixa-nos entrever a alegria imensa de quem vê realizar-se um desejo antigo, próprio e de todo o povo. Simeão contempla e recebe nos braços o Messias de Israel, Aquele que traz consolação, salvação, luz e glória a Israel.

    As palavras «impelido pelo Espírito, veio ao templo» podem trazer inspiração para a nossa vida. Simeão é um homem dócil ao Espírito Santo e, por isso, pode ter a alegria de encontrar o Messias, tomá-lo nos braços e bendizer a Deus. Homem justo e temente a Deus, observava, não os mandamentos, mas também as inspirações de Deus. Estava atento à voz do Espírito para, em todas as circunstâncias, fazer a vontade de Deus. Assim caminhava na luz, para conhecer a Jesus, como ensina S. João. Coube-lhe a honra de oferecer a Deus aquele menino. Fê-lo certamente com o arrebate que notamos no seu hino. Mas estava ain
    da longe de compreender plenamente o alcance do seu gesto. Escreve o Pe. Dehon: «Enquanto que o velho Simeão o oferece assim, Deus não vê nas mãos do sacerdote senão o Coração do seu Filho, que se oferece a si mesmo, este Coração animado de uma generosidade infinita, este Coração tão grande pelo amor, que é pequeno fisicamente. O santo ancião não compreende toda a excelência deste dom que ele faz a Deus da parte dos homens; adivinha-o um pouco, entrevê-o profeticamente. O Coração de Jesus compreende todo o valor desta oferenda, é ao mesmo tempo o doador e o dom, o Sacerdote e a oblação» (OSP 3, p. 218).

    Cristo entregava-se para glória e alegria do Pai e para salvação da humanidade. Amar a exemplo de Cristo, significa entregar-se, esquecer-nos de nós mesmos, procurar os interesses dos outros até ao sacrifício dos próprios interesses. A atitude evangélica de quem se coloca na verdade é o dom de si mesmo a Deus e aos irmãos. A vida cristã é amor que se dá a todos com generosidade.

    O fundamento deste amor é a própria Trindade, a comunhão que une o Pai e o Filho.

    Isto faz-nos compreender que o amor cristão não se limita à comunidade cristã, em que cada um de nós vive, porque o amor fundado sobre o amor do Pai e vivido em plenitude entre os irmãos na fé é um elemento de dinamismo apostólico. Com quanto maior profundidade se viver a fé e o amor, mais nos sentimos impelidos ao testemunho. Onde reinar esse amor recíproco, os discípulos tornam-se sinal histórico e concreto de Deus-Amor no mundo.

    Oratio

    Senhor Jesus, a tua vida escondida, e confundida com a da gente comum, é para nós um exemplo de simplicidade e de pobreza. Como qualquer primogénito do teu povo, quiseste ser apresentado ao templo e oferecido a Deus, para cumprires a Lei. Fizeste-te reconhecer como Salvador universal por Simeão, um homem justo e aberto à novidade do Espírito. É aos simples e aos humildes que Te costumas revelar, e não aos sábios e orgulhosos.

    Nós Te pedimos que, apesar da nossa miséria e da nossa incapacidade em nos darmos conta da passagem do teu Espírito na nossa vida, nos dês a graça de Te reconhecermos como nossa luz e como luz do mundo.

    Nós Te louvamos e bendizemos, com o velho Simeão, pela realização das tuas promessas. Ajuda-nos a viver tudo quanto nos ensinaste, especialmente o amor fraterno. E que toda a nossa vida seja oblação ao Pai, em favor da humanidade, pela qual Tu próprio Te ofereceste. Amen.

    Contemplatio

    Simeão, homem justo e temente a Deus, esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo, que estava nele, tinha-lhe dito que não morreria sem ver o Cristo do Senhor. Ele esperava, era a sua vida, e a sua confiança era inabalável.

    Mas será que eu peço e espero o reino de Nosso Senhor? Quão depressa fico sem coragem! Uma decepção, uma oração aparentemente infrutífera, uma demora da Providência, e deixo-me abater. Rezar, esperar, ter confiança, isto é a vida cristã.

    É um dia de alegria para Simeão. Naquele dia, os seus pressentimentos realizam-se. Vem ao Templo, encontra uma criança com a sua mãe. É o redentor! O vidente compreendeu- o.

    E quando recebe Jesus nos seus trémulos braços, não consegue conter as lágrimas: «Agora posso morrer, diz, vi a salvação...» A terra já não tem encanto para ele. Os seus olhos já não se interessariam por mais nada. Viu o Senhor, irá esperá-lo no silêncio dos limbos.

    Oh! Porque é que não sei esperar e perseverar na oração? Alegrias profundas viriam recompensar-me e encorajar-me.

    Como Simeão é belo quando, com os olhos banhados de lágrimas, ergue com os seus trémulos braços o menino Jesus para o céu, cantando o seu Nunc dimittis! Viu o Senhor, é ter vivido muito, é viver muito ainda. «Agora, diz, podeis, Senhor, deixar ir em paz o vosso servo... O túmulo não me assusta, certo como estou de já não estar muito tempo separado de vós... Permiti que vá anunciar aos vossos santos que já não têm muito tempo que esperar por vós, porque os meus olhos viram a salvação que preparastes para os povos, a luz que deve iluminar as nações e a glória de Israel vosso povo» (Leão Dehon, OSP 3, p. 126).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem ama o seu irmão permanece na luz» (1 Jo 2, 10).

  • Tempo do Natal - 6º dia da Oitava do Natal

    Tempo do Natal - 6º dia da Oitava do Natal


    30 de Dezembro, 2023

    Tempo do Natal - 6º dia da Oitava do Natal

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 2, 12-17

    12*Eu vo-lo escrevo, filhinhos: Os vossos pecados estão-vos perdoados pelo nome de Jesus. 13*Eu vo-lo escrevo, pais: Vós conheceis aquele que existe desde o princípio. Eu vo-lo escrevo, jovens: Vós vencestes o maligno. 14Eu vo-lo escrevi, filhinhos: Vós conhecestes o Pai. Eu vo-lo escrevi, pais: vós conheceis aquele que existe desde o princípio. Eu vo-lo escrevi, jovens: Vós sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e vós vencestes o Maligno. 15*Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. 16*Pois tudo o que há no mundo ..a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o estilo de vida orgulhoso . não vem do Pai, mas sim do mundo. 17*Ora, o mundo passa e também as suas concupiscências mas quem faz a vontade de Deus permanece para sempre.

    João dirige-se afectuosamente à comunidade cristã para que seja coerente com o projecto de salvação e com as opções que fez em relação a Deus e ao mundo. Assim poderá manifestar o seu amor para com Deus.

    Escrevendo aos filhos, exorta-os a reflectir sobre a situação actual de salvação em que vivem, pois obtiveram o perdão dos pecados (v. 12) e conheceram o Pai (v. 14ª). Escrevendo aos pais, recorda-lhes que conheceram Jesus, «aquele que existe desde o princípio» (v. 13), por meio da Palavra, pelo que se exige deles uma fé madura que não os deixe ser seduzidos pelo mundo. Aos jovens recorda que aderiram a Jesus e venceram o mal (v. 13), e que a sua fortaleza espiritual, reforçada pela palavra de Deus, os exclui de compromissos com as fáceis atracções do mundo (v. 14).

    Este projecto de vida espiritual resume-se numa vida separada da lógica do mundo, entendido como reino do mal que se opõe a Deus. Deus e mundo são duas realidades opostas. João menciona alguns aspectos que pertencem à transitoriedade do mundo, inimigo de Deus: «a concupiscência da carne», isto é, as tendências más que existem no homem decaído e inclinado ao pecado; «a concupiscência dos olhos», isto é, a cobiça que pode entrar pelos olhos, tal como a avidez pelos bens terrenos; «o estilo de vida orgulhoso», isto é, o orgulho fundado na concepção materialista da vida.

    A separação do mundo tem, para os cristãos, uma razão de ser: vivem no mundo, mas sabem que, enquanto o mundo passa, Deus permanece (v. 17).

    Evangelho: Lucas 2, 36-40

    36Quando os pais de Jesus levaram o Menino a Jerusalém, a fim de o apresentarem ao Senhor, estava no templo uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avançada. Depois de ter vivido casada sete anos, após o seu tempo de donzela, 37*ficou viúva até aos oitenta e quatro anos. Não se afastava do templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. 38*Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém. 39Depois de terem cumprido tudo o que a Lei do Senhor determinava, regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré. 40*Entretanto, o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele.

    Caixa de texto: Tempo do Natal 30|Dezembro
    O texto do evangelho que lemos hoje é a conclusão do episódio da apresentação de Jesus ao templo. Consta de duas partes: o testemunho da profetiza Ana (vv. 36-38) e o regresso da Sagrada Família a Nazaré (vv. 39-40).

    De acordo com a lei dos hebreus, para garantir a verdade de um facto, exigia-se a deposição de duas testemunhas. Depois do testemunho de Simeão, vem o de Ana. É outra "pobre de Deus", típica representante daqueles que aguardavam a redenção de Israel. Louva o Senhor porque reconheceu no Menino Jesus, apresentado ao templo, o Messias esperado, e espalhou a notícia entre aqueles que viviam disponíveis para o evento da salvação (v. 38).

    A cena conclui-se com a observação de Lucas sobre o crescimento de Jesus, em Nazaré: «o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele» (v. 40). Diz-se muito pouco sobre a vida oculta de Jesus. Mas, o pouco que se diz, é suficiente para captarmos o espírito e apreciarmos o ambiente onde viveu o Salvador: os seus pais eram obedientes e fiéis à Lei, Jesus crescia em sabedoria, cheio como estava dos dons da graça de que o Pai o cumulava (cf. v. 52; 1 Sam 2, 26). Estamos perante uma comunidade que se abre ao reino de Deus, no respeito pela vontade do Pai.

    Meditatio

    A profetiza Ana, uma anciã com 84 anos, número bíblico que simboliza a perfeição (resulta de 12×7), pois está no fim dos seus dias, sugere uma comparação com o ano civil que também está a terminar. Ana, depois de 7 anos de casamento, permaneceu no templo, servindo a Deus dia e noite com jejuns e orações. Por isso mereceu a graça do encontro com o Salvador. O nosso ano civil também está muito velho, e termina com o encontro do Senhor no Natal. Esse encontro é tanto mais belo e frutuoso quanto tiver sido cuidada a preparação. Mas, apesar de toda a nossa infidelidade, o Senhor, na sua infinita bondade e misericórdia, vem até nós, e dá-se a conhecer como nosso Salvador. Por isso, também nós, como Ana e, afinal, como Maria e todos os que esperavam a salvação de Israel, podemos entoar hinos de louvor e gratidão ao Senhor.

    Este encontro com o Senhor traz-nos a salvação, insere-nos numa nova forma de vida, com a qual havemos de ser coerentes, para manifestarmos o nosso amor a Deus. A vocação cristã, a que fomos chamados, compromete-nos a viver no mundo a serviço do homem, para testemunhar a Cristo e levar a todos a sua mensagem de salvação. Vivemos no mundo, mas sem nos confundirmos com ele, nem cedermos a compromissos
    com ele. Caso contrário, negamos o espírito de humildade, de pobreza, de caridade que deve animar a nossa vida de crentes. Só o coração que se esvaziar do mundo, das suas propostas de vida transitórias e da avidez pelos seus bens efémeros, podem ser cumulado do amor do Pai (cf. 1 Jo 2, 15).

    O discípulo de Jesus jamais será aceite pelo mundo, por causa da sua opção de vida, contrária às propostas e interesses mundanos. Os crentes, por causa da sua eleição e da sua opção de vida por Cristo, são considerados estranhos e inimigos do mundo. Por isso é que o homem de fé é odiado e recusado. O mundo recusa os discípulos porque não são seus. Perturbam a sua paz, desmascaram o seu orgulho, acusam o seu conformismo. Mas, se Cristo permanece sinal de contradição para quem segue a lógica do amor, também é certo que tanta oposição se torna critério de autenticidade e de solidez para os discípulos de Cristo.

    Como cristãos e, mais ainda, como religiosos, estamos "no mundo", mas não somos "do mundo" (cf. Jo 17, 11-14). As nossas Constituições dizem-nos que estamos inseridos no mundo, "segundo a nossa vocação específica" (n. 61), isto é, que devemos conservar e viver a nossa identidade de oblatos, servindo o Senhor noite e dia, e servindo os homens, segundo o nosso carisma específico e a missão a que somos chamados. Se assim não for, condenamo- nos à esterilidade em relação a nós mesmos, à Igreja, ao mundo, e esvaziamos de significado a nossa missão (cf. ET 52).

    A vivência da nossa vocação e missão não está livre de oposições. Sabemos quantas dificuldades o Pe. Dehon teve que enfrentar durante a sua longa vida e como elas acabaram por revelar a autenticidade e a solidez da sua santidade e do seu carisma. Escreve na meditação para o último dia do ano: «O ano teve, sem dúvida, sofrimentos e tristezas. Seria heróico agradecer a Deus essas provações que, nos seus desígnios sobre nós, têm a finalidade de nos purificar e santificar... Bendigamos a Deus e pensemos nas alegrias eternas que hão-de recompensar as provações actuais» (OSP 4, p. 604).

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu quiseste viver numa família humana sem aparência, prestígio ou riqueza, a tua experiência humana. A tua vida de criança foi marcada pela fragilidade e pelo crescimento normal. Trabalhaste para ganhar o pão de cada dia. Viveste no escondimento e na reflexão silenciosa a preparação para a vida pública. Assim experimentaste a condição humana e venceste o orgulho do mundo.

    Dá-nos a graça de acolhermos, com alegria e gratidão, a nossa fragilidade humana, a nossa história, a nossa família, a terra onde nascemos. Dá-nos a graça de aceitarmos a nossa fragilidade espiritual, sem todavia renunciarmos à busca permanente da tua sabedoria e da tua Palavra.

    Dá-nos a graça de sermos coerentes com a opção que fizemos por Ti, no Baptismo, na profissão religiosa. Que, jamais, a pretexto de inserção no mundo, nos deixemos confundir com ele, com os seus ideais e interesses. Que, a pretexto de não-violência, jamais desçamos a compromissos com o mundo, entendido como conjunto de forças que se opõem a Ti e ao teu Reino.

    Que, tendo-Te aceitado como Salvador e Senhor da nossa vida, aceitemos também partilhar um destino semelhante ao teu. Amen.

    Contemplatio

    Ana, filha de Fanuel, mulher venerável, cheia de anos e de graças, também estava lá. Tinha o costume de rezar longamente todos os dias no Templo, e esperava como Simeão a vinda do Messias.

    Como Simeão, ela reconheceu o menino divino e sua mãe, e isto foi para ela a mesma alegria e a mesma acção de graças. Exultava e anunciava a boa nova a todas as pessoas piedosas que esperavam a redenção de Israel.

    E eu, eu recebo Nosso Senhor na sagrada comunhão. Recebo-o mesmo mais intimamente que Simeão. Vem dar-me a sua graça. Qual é o meu fervor para o receber? Como é que lhe testemunhei até aqui a minha alegria, o meu respeito, o meu reconhecimento?

    Ana, toda entusiasmada, falava de Jesus a todas as pessoas: loquebatur de illo omnibus. Quais são as minhas conversas depois das minhas comunhões? São edificantes, caridosas, sobrenaturais?

    Transportado de amor depois das minhas comunhões, devia estar resolvido a viver glorificando Jesus e a morrer amando-o.

    Simeão repete a Maria a profecia de Isaías: «O Cristo será para a santificação de muitos em Israel, mas será para outros uma pedra de escândalo» (Is 8,14). É manifesto. Cristo é causa de salvação e de ressurreição para aqueles que o reconhecem, que o amam e que o servem. É causa de ruína para aqueles que o rejeitam.

    A indiferença não é colocada aqui. Jesus é a vida. Todas as bênçãos são prometidas àqueles que o seguem e que o amam. É preciso estar com ele ou com o mundo. Os povos e as famílias, como os particulares, encontrarão o caminho da paz e dos favores divinos no seguimento de Jesus e no seu serviço.

    Estas palavras do profeta são graves. Há dois caminhos oferecidos à nossa escolha: de um lado o caminho das bênçãos, com o seu traçado marcado no Evangelho: «Bem- aventurados os pobres, bem-aventurados os puros, bem-aventurados os que choram, os que perdoam, os que sofrem perseguição». Do outro lado, o caminho que afasta de Cristo. Tem este traçado: amor pelo ouro, pelo luxo, pelo prazer e pelo mundo. - Sois vós quem eu escolhi, meu Salvador, é o vosso caminho, é o vosso amor, é o vosso Coração, mesmo que deva encontrar as contradições e as perseguiç&otilde
    ;es!

    Simeão predisse a Maria a dor e a espada. Ela terá uma grande parte na paixão de Jesus. Sofrerá, ela também, por nós e pela nossa salvação. Ó Maria, como queria consolar-vos e partilhar das vossas mágoas para as aliviar! Até aqui, aumentei-as com as minhas faltas, perdoai-me. Vou-me esforçar por vos consolar com a minha paciência, com os meus sacrifícios e com as minhas mortificações.

    Com Simeão, alegro-me por possuir muitas vezes Jesus na sagrada comunhão. Agarro-me ao bom Mestre, que é sempre contradito. Contentarei o seu divino Coração com as minhas práticas quotidianas de reparação e de amor (Leão Dehon, OSP 3, p. 127s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Quem faz a vontade de Deus permanece para sempre» (1 Jo 2, 17).

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