Week of Jun 4th

  • Solenidade da Santíssima Trindade - Ano A

    Solenidade da Santíssima Trindade - Ano A

    4 de Junho, 2023

    ANO A
    SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE
    Tema do Domingo da Santíssima Trindade

    A Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas"; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
    Na primeira leitura, o Deus da comunhão e da aliança, apostado em estabelecer laços familiares com o homem, auto-apresenta-Se: Ele é clemente e compassivo, lento para a ira e rico de misericórdia.
    Na segunda leitura, Paulo expressa - através da fórmula litúrgica "a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco" - a realidade de um Deus que é comunhão, que é família e que pretende atrair os homens para essa dinâmica de amor.
    No Evangelho, João convida-nos a contemplar um Deus cujo amor pelos homens é tão grande, a ponto de enviar ao mundo o seu Filho único; e Jesus, o Filho, cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom total, até à morte na cruz, a fim de oferecer aos homens a vida definitiva. Nesta fantástica história de amor (que vai até ao dom da vida do Filho único e amado), plasma-se a grandeza do coração de Deus.

    LEITURA I - Ex 34,4b-6.8-9

    Leitura do Livro do Êxodo

    Naqueles dias,
    Moisés levantou-se muito cedo e subiu ao monte Sinai,
    como o Senhor lhe ordenara,
    levando nas mãos as tábuas de pedra.
    O Senhor desceu na nuvem, ficou junto de Moisés,
    que invocou o nome do Senhor.
    O Senhor passou diante de Moisés e proclamou:
    «O Senhor, o Senhor é um Deus clemente e compassivo,
    sem pressa para Se indignar
    e cheio de misericórdia e fidelidade».
    Moisés caiu de joelhos e prostrou-se em adoração.
    Depois disse:
    «Se encontrei, Senhor, aceitação a vossos olhos,
    digne-Se o Senhor caminhar no meio de nós.
    É certo que se trata de um povo de dura cerviz,
    mas Vós perdoareis os nossos pecados e iniquidades
    e fareis de nós a vossa herança».

    AMBIENTE

    O nosso texto faz parte das "tradições sobre a aliança do Sinai" - um conjunto de tradições de origem diversa, cujo denominador comum é a reflexão sobre um compromisso ("berit" - "aliança") que Israel teria assumido com Jahwéh.
    O texto situa-nos no deserto do Sinai, "em frente do monte" (cf. Ex 19,1). No texto bíblico, não temos indicações geográficas suficientes para identificar o "monte da aliança". Em si, o nome "Sinai" não designa um monte, mas uma enorme península de forma triangular, com mais ou menos 420 quilómetros de extensão norte/sul, estendendo-se entre o mar Mediterrâneo e o mar Vermelho (no sentido norte/sul) e o golfo do Suez e o golfo da Áqaba (no sentido oeste/este). A península é um deserto árido, de terreno acidentado e com várias montanhas que chegam a atingir 2400 metros de altura.
    Segundo alguns autores, este texto pode ter sido a primitiva versão jahwista da aliança do Sinai (séc. X a.C.); mas, na versão final do Pentateuco (sécs. V-IV a.C.), foi utilizado para descrever a renovação da primeira aliança, entretanto rompida pelo pecado do Povo. No estado actual do Pentateuco, o esquema é o seguinte: Israel comprometeu-se com Jahwéh (cf. Ex 19); mas, durante a ausência de Moisés, no cimo do monte, o Povo construiu um bezerro de ouro para representar Jahwéh - o que lhe estava interdito pelos mandamentos da aliança (cf. Ex 32,1-29); então, Moisés intercedeu pelo Povo e Deus renovou a aliança com Israel (cf. Ex 34,1-10).

    MENSAGEM

    Depois de ter obtido o perdão de Deus para o Povo, Moisés subiu sozinho à presença de Jahwéh. Consigo, levava as duas novas tábuas de pedra que havia talhado e sobre as quais seriam gravados os mandamentos da aliança.
    Precisamente aqui, o autor insere a teofania ("manifestação de Deus"). Deus aproxima-se de Moisés "na nuvem": a nuvem, que paira a meio caminho do céu e da terra, é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do Deus que vem ao encontro do homem; ao mesmo tempo a nuvem, simultaneamente, esconde e manifesta: sugere o mistério de Deus, escondido e presente, cujo rosto o homem não pode ver, mas cuja presença adivinha.
    A teofania continua, depois, com uma auto-apresentação do próprio Jahwéh. Como é, então, que o próprio Deus Se define? Que é que Ele diz de Si próprio?
    Nesta apresentação, Deus não menciona a sua grandeza e omnipotência, o seu poder e majestade; mas menciona as "qualidades" que fazem d'Ele o parceiro ideal na "aliança": Jahwéh é o "Deus clemente e compassivo, sem pressa para se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade" (vers. 6). Num desenvolvimento que aparece no texto bíblico, mas que a nossa leitura de hoje não conservou (vers. 7), Jahwéh fala ainda da sua misericórdia ("até à milésima geração"), que é ilimitada e desproporcional quando comparada com a sua ira ("até à terceira e à quarta geração"). Aqui, os números não significam nada e não devem ser tomados à letra: são apenas uma forma de representar a desproporcional misericórdia de um Deus, infinitamente mais inclinado para o perdão do que para o castigo. De resto, Israel é convidado a descobrir e a comprometer-se com esse Deus que é sempre fiel aos seus compromissos e solidário com todos aqueles que d'Ele necessitam.
    A questão essencial é esta: Deus ama o seu Povo e cuida dele com bondade e ternura. A sua misericórdia é ilimitada e, aconteça o que acontecer, irá sempre triunfar. Israel, o Povo da aliança, pode estar tranquilo e confiante, pois Jahwéh, o Deus do amor e da misericórdia, garante a sua eterna fidelidade a esses atributos que caracterizam o seu ser.
    Moisés responde a esta apresentação com as petições habituais: que Jahwéh continue a acompanhar o seu Povo em caminhada da terra da escravidão para a terra da liberdade; que Jahwéh entenda a dureza do coração do Povo e que perdoe os seus pecados; que Jahwéh renove a eleição (vers. 9).
    E Deus, confirmando a sua auto-apresentação (Deus de amor e de bondade, lento para a ira e rico de misericórdia), não só perdoa o Povo, como até lhe propõe a renovação da aliança (vers. 10).

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, ter em conta as seguintes linhas:

    • Deus é sempre, para o homem, o mistério que a "nuvem" esconde e revela: detectamos a sua presença, mas s
    em O ver; percebemos a sua proximidade, sem conseguirmos definir os contornos do seu rosto. A ânsia do homem em penetrar o mistério de Deus leva-o, com frequência, a inventar rostos de Deus; mas, muitas vezes, esses rostos são apenas a projecção dos sonhos, dos anseios, das necessidades e até dos defeitos dos homens e têm pouco a ver com a realidade de Deus. Para entrarmos no mistério de Deus, é preciso estabelecermos com Ele uma relação de proximidade, de comunhão, de intimidade que nos leve ao encontro da sua voz, dos seus valores, dos seus desafios ("subir ao monte"). Procuro, dia a dia, "subir ao monte" da "aliança" e estabelecer comunhão com Deus através do diálogo com Ele (oração) e da escuta da sua Palavra?

    • No nosso texto, Deus apresenta-Se. Fundamentalmente, Ele define-Se como o Deus da relação e da comunhão. Deixa claro que é um Deus "com coração" - e com um coração cheio de amor, de bondade, de ternura, de misericórdia, de fidelidade. Apesar de o seu Povo ter violado os compromissos que assumiu, Deus não só perdoa o pecado do Povo, mas propõe o refazer da "aliança": é que, acima de tudo, este Deus do amor preza a comunhão com o homem: o seu objectivo é integrar os homens na família de Deus. É este Deus em que eu acredito? É deste Deus que eu dou testemunho?

    • Deus, da sua parte, faz tudo para viver em comunhão com o homem. No entanto, respeita, de forma absoluta, a liberdade do homem. Eu sou livre de aceitar, ou não, a proposta de "aliança" que Deus me faz. Como é que eu respondo ao Deus da "aliança"? Eu aceito esta vontade que Ele manifesta de viver em relação de comunhão comigo? O que é que eu faço para responder a este desafio?

    SALMO RESPONSORIAL - Dan 3,52-256

    Refrão 1: Digno é o Senhor
    de louvor e de glória para sempre.

    Refrão 2: Louvor e glória ao Senhor para sempre.

    Bendito sejais, Senhor, Deus dos nossos pais:
    digno de louvor e de glória para sempre.
    Bendito o vosso nome glorioso e santo:
    digno de louvor e de glória para sempre.

    Bendito sejais no templo santo da vossa glória:
    digno de louvor e de glória para sempre.
    Bendito sejais no trono da vossa realeza:
    digno de louvor e de glória para sempre.

    Bendito sejais, Vós que sondais os abismos
    e estais sentados sobre os Querubins:
    digno de louvor e de glória para sempre.
    Bendito sejais no firmamento dos céus:
    digno de louvor e de glória para sempre.

    LEITURA II - 2 Cor 13,11-13

    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Sede alegres, trabalhai pela vossa perfeição,
    animai-vos uns aos outros,
    tende os mesmos sentimentos,
    vivei em paz.
    E o Deus do amor e da paz estará convosco.
    Saudai-vos uns aos outros com o ósculo santo.
    Todos os santos vos saúdam.
    A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus
    e a comunhão do Espírito Santo
    estejam convosco.

    AMBIENTE

    A Primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns membros da comunidade por atitudes pouco condizentes com os valores cristãos) provocou uma reacção extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar Paulo. Este, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus detractores. Depois, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar a reconciliação.
    Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.
    Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu apostolado, à qual juntou um apelo em favor de uma colecta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto é a nossa Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos nos anos 56/57.
    O texto que nos é proposto é, precisamente, a conclusão da Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Se compararmos esta despedida com a da Primeira Carta aos Coríntios (cf. 1 Cor 16,19-24), ela surpreende-nos pela brevidade, frieza e impessoalidade. Não parece a despedida de uma "carta de reconciliação", mas antes uma despedida entre partes que conservam uma certa tensão na sua relação.

    MENSAGEM

    Paulo começa por deixar algumas recomendações de carácter geral aos membros da comunidade. Pede-lhes que sejam alegres; que procurem, sem desistir, chegar à perfeição; e que, nas relações fraternas, se animem mutuamente, tenham os mesmos sentimentos e vivam em paz. São conselhos que devem ser entendidos no contexto das dificuldades e tensões vividas recentemente pela comunidade.
    O mais notável desta carta é, contudo, a fórmula final de saudação: "a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco". Esta fórmula - a mais claramente trinitária de todo o Novo Testamento - é, certamente de origem litúrgica. Provavelmente, era a fórmula que os cristãos utilizavam quando, no contexto da celebração eucarística, trocavam a saudação da paz.
    Esta fórmula constitui uma impressionante confissão de fé no Deus trino. Ela manifesta a fé dos crentes nesse Deus é amor e, portanto, que é "família", que é comunidade. Ao utilizarem esta fórmula, os crentes reconhecem-se como membros dessa "família de Deus"; e reconhecem também que ser "família de Deus" é fazerem todos parte de uma única família de irmãos. São, portanto, convocados para viverem em unidade: em comunhão com Deus e em união com todos os irmãos.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar:

    • A comunidade cristã é convidada a descobrir que Deus é amor. A fórmula "Pai, Filho e Espírito Santo" expressa essa realidade de Deus como amor, como família, como comunidade.

    • Os membros da comunidade cristã, que pelo baptismo aderiram ao projecto de salvação que Deus apresentou aos homens em Jesus e cuja caminhada é animada pelo Espírito, são convidados a integrarem esta comunidade de amor. O fim último da nossa caminhada é a pertença à família trinitária.

    • Esta "vocação" deve expressar-se na nossa vida comunitária. A nossa relação com os irmãos deve reflectir o amor, a ternura, a misericórdia, a bondade, o perdão, o serviço, que são as consequências práticas do nosso compromisso com a comunidade trinitária. É isso que acontece? As nossas relações comunitárias reflectem esse amor que é a marca da "família de Deus"?

    ALELUIA - cf. A
    p 1,8

    Aleluia. Aleluia.

    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    ao Deus que é, que era e que há-de vir.

    EVANGELHO - Jo 3,16-18

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    disse Jesus a Nicodemos:
    «Deus amou tanto o mundo
    que entregou o seu Filho Unigénito,
    para que todo o homem que acredita n'Ele
    não pereça, mas tenha a vida eterna.
    Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo
    para condenar o mundo,
    mas para que o mundo seja salvo por Ele.
    Quem acredita n'Ele não é condenado,
    mas quem não acredita n'Ele já está condenado,
    porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus».

    AMBIENTE

    O nosso texto pertence à secção introdutória do Quarto Evangelho (cf. Jo 1,19-3,36). Nessa secção, o autor apresenta Jesus e procura - através dos contributos dos diversos personagens que vão sucessivamente ocupando o centro do palco e declamando o seu texto - dizer quem é Jesus.
    Mais concretamente, o trecho que nos é proposto faz parte da conversa entre Jesus e um "chefe dos judeus" chamado Nicodemos (cf. Jo 3,1). Nicodemos foi visitar Jesus "de noite" (cf. Jo 3,2), o que parece indicar que não se queria comprometer e arriscar a posição destacada de que gozava na estrutura religiosa judaica. Membro do Sinédrio, Nicodemos aparecerá, mais tarde, a defender Jesus, perante os chefes dos fariseus (cf. Jo 7,48-52); também estará presente na altura em que Jesus foi descido da cruz e colocado no túmulo (cf. Jo 19,39).
    A conversa entre Jesus e Nicodemos apresenta três etapas ou fases.
    Na primeira (cf. Jo 3,1-3), Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus, graças às suas obras; mas Jesus acrescenta que isso não é suficiente: o essencial é reconhecer Jesus como o enviado do Pai.
    Na segunda (cf. Jo 3,4-8), Jesus anuncia a Nicodemos que, para entender a sua proposta, é preciso "nascer de Deus" e explica-lhe que esse novo nascimento é o nascimento "da água e do Espírito".
    Na terceira (cf. Jo 3,9-21), Jesus descreve a Nicodemos o projecto de salvação de Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O nosso texto pertence a esta terceira parte.

    MENSAGEM

    Depois de explicar a Nicodemos que o Messias tem de "ser levantado ao alto", como "Moisés levantou a serpente" no deserto (a referência evoca o episódio da caminhada pelo deserto em que os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma serpente de bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam - cf. Nm 21,8-9), a fim de que "todo aquele que n'Ele acredita tenha vida definitiva" (Jo 3,14-15), Jesus explica como é que a cruz se insere no projecto de Deus. A explicação vem em três passos...
    O primeiro (vers. 16) refere-se ao significado último da cruz. Esse Homem que vai ser levantado na cruz veio ao mundo, incarnou na nossa história humana, correu o risco de assumir a nossa fragilidade, partilhou a nossa humanidade; e, como consequência de uma vida gasta a lutar contra as forças das trevas e da morte que escravizavam os homens, foi preso, torturado e morto numa cruz. A cruz é o último acto de uma vida vivida no amor, na doação, na entrega.
    Ora, esse Homem é o "Filho único" de Deus. A expressão evoca, provavelmente, o "sacrifício de Isaac" (cf. Gn 22,16): Deus comporta-Se como Abraão, que foi capaz de desprender-se do próprio filho por amor (no caso de Abraão, amor a Deus; no caso de Deus, amor aos homens)... A cruz é, portanto, a expressão suprema do amor de Deus pelos homens. O quadro dá-nos a dimensão do incomensurável amor de Deus por essa humanidade a quem Ele quer oferecer a salvação.
    Qual é o objectivo de Deus ao enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É libertá-los do egoísmo, da escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a vida eterna. Com Jesus - o Filho único que morreu na cruz - os homens aprendem que a vida definitiva está na obediência aos planos do Pai e no dom da vida aos homens, por amor.
    O segundo (vers. 17) deixa claro que a intenção de Deus, ao enviar ao mundo o seu Filho único, não era uma intenção negativa. Jesus veio ao mundo porque o Pai ama os homens e quer salvá-los. O Messias não veio com uma missão judicial, nem veio excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio oferecer aos homens - a todos os homens - a vida definitiva, ensinando-os a amar sem medida e dando-lhes o Espírito que os transforma em Homens Novos.
    Reparemos neste facto notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de homens perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens pecadores, egoístas, auto-suficientes, a fim de lhes apresentar uma nova proposta de vida... E foi o amor de Jesus - bem como o Espírito que Jesus deixou - que transformou esses homens egoístas, orgulhosos, auto-suficientes e os inseriu numa dinâmica de vida nova e plena.
    O terceiro (vers. 18) descreve as duas atitudes que o homem pode tomar, diante da oferta de salvação que Jesus faz: quem aceita a proposta de Jesus, adere a Ele, recebe o Espírito, vive no amor e na doação, escolhe a vida definitiva; mas quem prefere continuar escravo de esquemas de egoísmo e de auto-suficiência, auto-exclui-se da salvação. A salvação ou a condenação não são, nesta perspectiva, um prémio ou um castigo que Deus dá ao homem pelo seu bom ou mau comportamento; mas são o resultado da escolha livre do homem, face à oferta incondicional de salvação que Deus lhe faz. A responsabilidade pela vida definitiva ou pela morte eterna não recai assim sobre Deus, mas sobre o homem.
    De acordo com a perspectiva de João, também não existe um julgamento futuro, no final dos tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para ver se os há-de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende da atitude que o homem assume diante da proposta de Jesus.
    Em resumo: porque amava a humanidade, Deus enviou o seu Filho único ao mundo com uma proposta de salvação. Essa oferta nunca foi retirada; continua aberta e à espera de resposta. Diante da oferta de Deus, o homem pode escolher a vida eterna, ou pode excluir-se da salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar os seguintes pontos:

    • João é o evangelista abismado na contemplação do amor de um Deus que não hesitou em enviar ao mundo o seu Filho, o seu único Filho, para apresentar aos homens uma proposta de felicidade plena, de vida definitiva; e Jesus, o Filho, cumprindo o mandato do Pai, fez da sua vida um dom, até à morte na cruz, para mostrar aos homens o "caminho" da vida eterna... No dia em que celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade, somos convidados a conte
    mplar, com João, esta incrível história de amor e a espantar-nos com o peso que nós - seres limitados e finitos, pequenos grãos de pó na imensidão das galáxias - adquirimos nos esquemas, nos projectos e no coração de Deus.

    • O amor de Deus traduz-se na oferta ao homem de vida plena e definitiva. É uma oferta gratuita, incondicional, absoluta, válida para sempre; mas Deus respeita absolutamente a nossa liberdade e aceita que recusemos a sua oferta de vida. No entanto, rejeitar a oferta de Deus e preferir o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, é um caminho de infelicidade, que gera sofrimento, morte, "inferno". Quais são as manifestações desta recusa da vida plena que eu observo, na vida das pessoas, nos acontecimentos do mundo, e até na vida da Igreja?

    • Nós, crentes, devíamos ser as testemunhas desse Deus que é amor; e as nossas comunidades cristãs ou religiosas deviam ser a expressão viva do amor trinitário. É isso que acontece? Que contributo posso eu dar para que a minha comunidade - cristã ou religiosa - seja sinal vivo do amor de Deus no meio dos homens?

    • A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de "um em três". Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família - pai, mãe e filho - é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas diferentes de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é, também, negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue "dizer" o indizível, não consegue definir o mistério de Deus.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Santíssima Trindade, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. EM NOME DO PAI E DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO.
    Procure-se valorizar o sinal da Cruz, no início da celebração. Pode-se cantar também as epicleses e a doxologia final da oração eucarística. Utilizar também uma bênção final mais solene, escolhida do Missal Romano ou do Livro de Bênçãos...

    3. VALORIZAR A PROFISSÃO DE FÉ.
    Neste Domingo da Santíssima Trindade, pode-se cantar um dos credos habituais ou o "credo baptismal".

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Nós Te bendizemos, Deus Pai, porque Te deste a conhecer desde todas as gerações. Manifestaste-Te a Abraão, a Moisés, a Josué, a David. Bendito sejas porque encontrámos graça diante de Ti.
    Deus terno e misericordioso, nós Te suplicamos: purifica-nos do mal que subsiste no teu povo e o torna cúmplice das injustiças do nosso mundo.

    No final da segunda leitura:
    Deus de amor e de paz, nós Te louvamos pela comunhão do Espírito Santo na qual nos uniste a Ti, pelo teu Filho Jesus.
    Nós Te pedimos ainda: que a comunhão do Espírito Santo traga frutos às nossas comunidades e a cada um de nós. Que ela nos una no respeito por cada pessoa, na paz e na alegria.

    No final do Evangelho:
    Benditas sejas, nosso Pai, porque tanto nos amaste e nos deste o teu Filho único. Bendito sejas pela vida eterna que n'Ele nos concedes. Bendito sejas, Pai, Tu que tanto desejas salvar o mundo.
    Nós Te suplicamos: faz crescer em nós a fé em Jesus teu Filho, que Ele nos liberte de todas as formas de morte e nos oriente para a vida em Ti.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que percorre todo o plano de salvação, desde a criação até à vinda de Cristo, situando-a sob o signo da Aliança que é comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Um Lar incandescente! Um "Braseiro de Amor", que tem como característica comunicar-se e nos tornar participantes do seu Amor, da sua Vida. «Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho Unigénito", diz-nos S. João. Quanto a Paulo, propõe-nos alguns pontos de atenção para que os nossos diferentes lugares de vida - família, trabalho, bairro - se tornem verdadeiros "lares de amor": sem pretensão, mas à imagem da Trindade!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Segunda-feira

    5 de Junho, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Tobite 1, 3; 2, 1b-9

    Eu, Tobite, andei sempre pelos caminhos da verdade e da justiça, durante todos os dias da minha vida, dando muitas esmolas aos meus irmãos, os da minha nação que comigo tinham sido levados cativos para a terra dos assírios, em Nínive. Pela festa do Pentecostes, que é a nossa festa das Semanas, mandei preparar um bom almoço e reclinei-me para comer. 2Mas, ao ver a mesa coberta com tantas comidas finas, disse a Tobias: «Filho, vai procurar, entre os nossos irmãos cativos em Nínive, um pobre que seja de coração fiel, e trá-lo para que participe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho.» 3Tobias saiu à procura de um pobre entre os nossos irmãos. Ao regressar disse: «Pai.» Eu respondi: «Eis-me aqui, meu filho.» Tobias continuou: «Pai, alguém da nossa linhagem está morto na praça pública, onde o estrangularam.» 4Levantei-me, então, sem nada ter comido e levei o cadáver da praça para um casebre, esperando o pôr do sol para o poder sepultar. 5A seguir, voltei, lavei-me e almocei com tristeza, 6recordando-me das palavras do profeta Amós, ditas sobre Betel: «As vossas festas converter-se-ão em luto e os vossos cantos, em lamentações.» E eu chorei. 7Quando mais tarde o sol se pôs, saí, cavei uma cova e sepultei-o. 8Os meus vizinhos, porém, zombavam de mim, dizendo: «Ainda agora não tem medo. Já o procuraram para o matar por causa disso e teve de fugir; contudo, ei-lo de novo a sepultar os mortos.»

    O livro de Tobite não é histórico, mas de carácter didáctico e para edificação dos fiéis. Trata-se de uma história fictícia e parabólica, onde abundam passagens maravilhosas e exortações morais. Tobite é apresentado como modelo do israelita piedoso que, apesar do cisma, ocorre pontualmente ao templo de Jerusalém, paga os dízimos, vive uma vida matrimonial exemplar, pratica a caridade e observa a pureza legal. O livro de Tobite é uma pregação viva dos chamados três pilares do judaísmo: oração, esmola e jejum.
    O nome de Tobite significa literalmente "a minha bondade". Mas pode tratar-se da abreviatura de uma frase em que o sujeito é Deus. Nesse caso, poderá significar: "o Senhor é bom", ou "o Senhor é o meu bem". De qualquer modo, mais do que de Tobite, o livro fala de Deus, que não abandona os seus fiéis e que, se os põe à prova, é para lhes dar o prémio. Tobite é um desses fiéis que, durante o exílio em Nínive, no tempo de Salmanansar, não abandona "os caminhos da verdade e da justiça" (v. 1), mantém firme a sua identidade moral e religiosa, e continua a respeitar as tradições dos pais.
    O texto que hoje escutamos, refere um belo episódio, que ilustra a piedade de Tobite. Quando, durante uma das solenidades de Israel, já se encontrava à mesa, onde sempre havia lugar para alguns pobres, vêm dizer-lhe que um hebreu fora estrangulado e que o seu cadáver jazia na praça da cidade. Tobite ergue-se imediatamente, vai recolher o cadáver e dar-lhe condigna sepultura. Trata-se de um gesto corajoso, pois já fora ameaçado de morte por causa de gestos semelhantes. Os familiares criticam-no. Mas Tobite prefere obedecer a Deus que ao rei. Cumprir a Lei de Deus é mais importante do que a própria vida.

    Segunda leitura: Marcos 12, 1-12

    Naquele tempo, 1Jesus começou a falar-lhes em parábolas: «Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e construiu uma torre. Depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. 2A seu tempo enviou aos vinhateiros um servo, para receber deles parte do fruto da vinha. 3Eles, porém, prenderam-no, bateram-lhe e mandaram-no embora de mãos vazias. 4Enviou-lhes, novamente, outro servo. Também a este partiram a cabeça e cobriram de vexames. 5Enviou outro, e a este mataram-no; mandou ainda muitos outros, e bateram nuns e mataram outros. 6Já só lhe restava um filho muito amado. Enviou-o por último, pensando: 'Hão-de respeitar o meu filho'. 7Mas aqueles vinhateiros disseram uns aos outros: 'Este é o herdeiro. Vamos matá-lo e a herança será nossa'. 8Apoderaram-se dele, mataram-no e lançaram-no fora da vinha. 9Que fará o dono da vinha? Regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros. 10Não lestes esta passagem da Escritura:A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. 1Tudo isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos?» 12Eles procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se.

    A alegoria usada por Jesus só se percebe se tivermos em conta o «cântico da vinha», que lemos em Is. 5, e o seu contexto histórico, isto é, a recusa da salvação pelos chefes de Israel, os «agricultores», que matam os profetas. Deus é o dono da vinha e o construtor do edifício, que é Israel. Surpreendentemente, aparece como «estrangeiro» no meio do povo de Israel. Deus não está vinculado às vicissitudes de um povo. Confiou uma tarefa aos responsáveis pela vinha israelita e foi-se embora, porque está noutro lado... Os servos são os numerosos profetas e homens de Deus enviados ao longo da história do povo escolhido. O filho recusado e morto, mas depois tornado pedra angular, é Jesus. A alegoria faz tocar os extremos: o amor de Deus Pai, que envia o seu Filho, e a recusa do chefes de Israel, que O matam.
    À volta de Jesus, e do mistério da sua morte e ressurreição, hoje, como no passado, decide-se, para cada um de nós, o acolhimento ou a recusa da salvação. Não há direitos de progenitura, ou de eleição preferencial, que nos valham. O pretenso monopólio dos israelitas sobre a salvação está votado ao fracasso: «O dono regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros» (v. 9). O importante é que, no confronto com Jesus e com o seu mistério pascal, nos abramos a Ele, livre e responsavelmente, para sermos salvos. E Deus premiará a nossa coragem.

    Meditatio

    As leituras, que hoje escutamos, apresentam-nos dois ícones de atitudes e comportamentos com que, também nós, naturalmente nos confrontamos sempre que temos de tomar certas decisões: Tobias, homem generoso e serviçal, que não teme expor-se aos maiores perigos para ser fiel à Lei de Deus e às tradições do seu povo; os vinhateiros, homens egoístas, que tudo querem para si, não olhando a meios para alcançar o que pretendem, incluindo o homicídio.
    Também nós, muitas vezes, somos chamados a fazer opções. Podemos deixar-nos guiar por critérios idênticos aos dos vinhateiros, querendo apoderar-nos de tudo para satisfazermos o nosso egoísmo. Mas convém deixar-nos orientar pelos critérios de Tobite, homem de coração grande, sempre orientado para o bem. Ele não faz caso do juízo dos hom
    ens, e age com liberdade e rectidão. Não se sente feliz sozinho, e faz seu o drama do povo. Não hesita perante os riscos que corre, e está disposto a pagar pessoalmente pela sua fidelidade. Pratica com assiduidade o acolhimento, a misericórdia e a benevolência pela dignidade dos seus irmãos. Escolhendo a generosidade de Tobite, estamos na linha de Cristo, que veio para servir. A parábola evangélica que escutamos evoca efectivamente a paixão de Jesus e a sua ressurreição. Reflectindo sobre ela, descobrimos a atitude do Pai, que nos ajuda a amar e a honrar o Filho: «O Pai ama o Filho», diz Jesus (Jo 3, 35; 5, 20). Na parábola, o amor do Pai é revelado por um adjectivo: «Já só lhe restava um filho muito amado» (v. 6). Se amamos a Jesus, estamos na linha do Pai, e correspondemos ao seu desejo manifestado nesta parábola: «Hão-de respeitar o meu filho» (v. 6). Estas palavras revelam o amor do Pai e a intenção que tinha ao enviar ao mundo o Filho muito amado: «Hão-de respeitar o meu filho». Meditemos estas palavras. Rezemo-las. O Pai, nesta parábola, manifesta-se como o primeiro reparador, se entendermos a reparação como amor a Jesus, como correspondência ao seu amor. A Palavra de Deus faz-nos entrever o mistério de Cristo como manifestação de uma reparação iniciada pelo próprio Pai. À extrema humilhação de Jesus infligida pelos homens, o Pai responde com a glorificação da Pedra que os construtores regeitaram: «A pedra que os construtores rejeitaram transformou-se em pedra angular? Isto é obra do Senhor» (Mt 21, 42). A primeira reparação é «obra do Senhor», de Deus Pai.
    Depois da morte e da ressurreição de Jesus, o desejo do Pai - «Hão-de respeitar o meu filho» - há-de ser levado muito a sério por cada um de nós, cristãos, porque Jesus deu a vida por nós, tornando-se fundamento da nossa fé e do nosso amor. Deixemo-nos, pois, guiar até Jesus pelo amor do Pai.
    Uma das dimensões da reparação indicadas pelas nossas Constituições, na linha da tradição espiritual que vem de S. Margarida Maria, é a correspondência ao amor de Cristo: «Entendemos a reparação como resposta ao amor de Cristo por nós» (Cst 23).

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, ao morreres na Cruz por nosso amor, e ao seres ressuscitado pelo Pai, derramaste sobre a Humanidade o Espírito Santo que renova todas as coisas e regenera o coração dos homens, reparando neles os efeitos do pecado, e reunindo-os na comunidade de amor que é a Igreja.
    Dispõe-nos a acolher o mesmo Espírito, e a deixar-nos conduzir por Ele, para correspondermos ao teu amor, e darmos Glória e Alegria ao Pai que Te enviou ao mundo para nos salvar. Amen.

    Contemplatio

    O amor não pode desenvolver-se nos corações egoístas e frios. A generosidade é a condição do amor verdadeiro. Recordemo-nos das palavras de Nosso Senhor a Margarida Maria. Dizia-lhe: «Participa nas amarguras do meu Coração, derrama lágrimas sobre a insensibilidade destes corações que tinha escolhido para os consagrar ao meu amor. Venho ao coração que te dei, para que pelo seu ardor tu repares as injúrias que recebi destes corações tíbios e lassos que me desonram. Esta alma que te dei, oferecê-la-ás a Deus meu Pai, para desviar as penas que estas almas infiéis mereceram... Farás isso pelo meu povo escolhido». Consideremos como dito a nós mesmos o que Nosso Senhor dizia ainda a Margarida Maria acerca do apostolado do seu amor: «Quero que me sirvas de instrumento para atrair todos os corações ao meu amor». Eis o ideal da nossa vida: reparar muito, muito, para que isso baste pela nossa alma e por outras almas que Nosso Senhor quer salvar por nosso meio; amar muito também para que o nosso amor nos dê influência sobre o Coração de Jesus e para que inspire o nosso zelo no apostolado que temos para fazer. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 245s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Hão-de respeitar o meu filho» (Mc 12, 6)

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Terça-feira

    6 de Junho, 2023

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tobite 2, 9-14

    Eu, Tobite, naquela noite de Pentecostes, depois de ter enterrado o cadáver, lavei-me, entrei no pátio da casa e deitei-me junto do muro, deixando a face descoberta por causa do calor. 10Não sabia que havia pássaros no muro por cima de mim e, tendo os olhos abertos, os pássaros deixaram cair nos meus olhos excremento quente, dando origem a umas manchas brancas. Procurei os médicos para me tratarem. Contudo, quanto mais me aplicavam medicamentos, mais se me cegavam os olhos por causa das escamas, até que perdi totalmente a vista. Fiquei cego quatro anos. Todos os meus irmãos se afligiam por minha causa e Aicar sustentou-me por dois anos, antes de partir para Elimaida. 11Nessa época, Ana, minha mulher, trabalhava em labores femininos, tecendo a lã 12que depois mandava aos patrões recebendo em seguida o pagamento. Ora, no sétimo dia do mês de Distro, cortou o tecido que confeccionara e mandou-o aos que o tinham encomendado; estes pagaram-lhe o preço devido e ainda lhe ofereceram um cabrito pelo tecido. 13Quando o cabrito chegou a casa, começou a balir. Chamei, então, Ana e disse-lhe: «De onde veio este cabrito? Não terá sido furtado? Devolve-o aos seus donos, porque não nos é lícito comer coisa alguma furtada.» 14Disse-me ela: «Foi-me dado de presente, além do meu salário.» Contudo, não acreditando nela, mandei que o devolvesse aos donos, envergonhando-me do seu procedimento. Porém, ela respondeu: «Onde estão as tuas esmolas? Onde estão as tuas boas obras? Aí tens, agora, o resultado».

    Apesar de ser fiel à Lei, Tobite nem sempre recebeu de Deus a correspondente recompensa. Foi mesmo submetido a duras provações: tiraram-lhe todos os bens, e o rei procurava dar-lhe a morte. A última grande provação foi a da cegueira, que durou quatro anos, e o sujeitou ao escárnio e às críticas da própria esposa, Ana. É claro o paralelismo com a figura de Job. S. Jerónimo diz que ambos são exemplos de paciência, de humildade e de mansidão, de fé e de temor de Deus no meio das humilhações e abatimentos.
    É o que frequentemente acontece com o justo na provação. À dor da desgraça, junta-se a da solidão. E surge a tentação: terá sido inútil ser fiel? Os amigos, que deviam apoiá-lo, também se colocam contra ele. Mas é nestes momentos que se verifica a solidez da fé e a força da paciência. A paciência é a virtude da rocha: pode ser pisada, martelada, mas não se deixa modificar. Assim é a fé de Tobite. Por isso, morrerá em paz e cheio de anos (Tb 11 e 14). O livro de Tobite ainda não conhece a ressurreição dos mortos.

    Segunda leitura: Marcos 12, 13-17

    Naquele tempo, 13foram enviados a Jesus alguns fariseus e partidários de Herodes, a fim de o apanharem em alguma palavra. 14Aproximando-se, disseram-lhe: «Mestre, sabemos que és sincero, que não te deixas influenciar por ninguém, porque não olhas à condição das pessoas mas ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade. Diz-nos, pois: é lícito ou não pagar tributo a César? Devemos pagar ou não?» 15Jesus, conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu: «Porque me tentais? Trazei-me um denário para Eu ver.» 16Trouxeram-lho e Ele perguntou: «De quem é esta imagem e a inscrição?» Responderam: «De César.» 17Jesus disse: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» E ficaram admirados com Ele.

    Alguns fariseus e partidários de Herodes, que se consideravam nacionalistas, mas colaboravam com os romanos, fingindo sinceridade, fazem a Jesus uma pergunta armadilhada. Queriam embaraçá-lo, tornando-O malvisto pelas autoridades romanas ou pela multidão. Jesus evita a armadilha, e aproveita a ocasião para oferecer um importante critério para a vida cristã: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (v. 17). Deus e César não se opõem, nem se colocam ao mesmo nível. O primado de Deus não retira ao Estado os seus direitos. O cristão deve obedecer a Deus, mas também aos homens. Em qualquer caso, obedece por causa de Deus e não por causa dos homens, porque toda a autoridade humana tem as suas raízes no Eterno. Este princípio está na origem da liberdade de consciência, afasta da idolatria do poder, leva a acolher a soberania da Igreja, mas também a do Estado.
    Esta mensagem de liberdade surpreende os adversários de Jesus: «Ficaram admirados com Ele» (v. 17b). A opção a fazer não é entre Deus e César, mas entre Deus e todo o movimento humano, ainda que chamado libertador, ainda que seja o dos zelotas. Os movimentos libertadores, mais tarde ou mais cedo, pretendem tornar-se absolutos. É por isso que o profeta mantém a devida distância, em relação a eles.

    Meditatio

    Impressiona-nos a atitude de um homem, como Tobite, que, atingido pela cegueira, agradece a Deus: na «desgraça da cegueira que o tinha atingido, Tobite deu graças ao Senhor todos os dias da sua vida». É a atitude do verdadeiro crente na provação: em vez de se escandalizar com Deus, continua a dar-Lhe graças, porque sabe que o Senhor não o abandona e continua a enchê-lo de bens. Quantas vezes vemos à nossa volta pessoas boas que sofrem duramente! Quantas vezes, nós mesmos, mergulhamos na dor! Diante das nossas reacções de murmuração e revolta, diante dos nossos gritos de desânimo e de angústia, diante do vacilar da nossa fé, a resposta de Tobite desconcerta-nos. As suas palavras soam a música de outro mundo: «Deu graças ao Senhor!» Os amigos riem-se dele, a mulher insulta-o, a cegueira incapacita-o, a incompreensão e as mofa dos vizinhos atormentam-no. Mas Tobite bendiz a Deus.
    Tobite é figura de Jesus que, na última ceia, antes da sua paixão, bendiz o Pai ao tomar o pão que estava para se tornar seu corpo entregue por nós. Jesus reconheceu na paixão um dom do Pai. Depois de Jesus, cada provação é uma possibilidade, uma ocasião de amor e de união a todos os que sofrem. Por isso, é justo que se dê graças a Deus pelo amor que nos quer comunicar.
    A resposta de Jesus à pergunta insidiosa dos fariseus é simultaneamente simples e complexa, podendo explicar-se de várias maneiras. Hoje, sublinho o sentido de coerência que Jesus quer ensinar aos adversários, que apenas procuravam ocasião para o acusar: «Trazei-me um denário para Eu ver», diz Jesus. Trouxeram-lho. Assim mostraram que, eles mesmos, usavam a moeda romana, negociando e obtendo lucros com ela. Estavam, pois, comprometidos com a estrutura criada pelo poder dos pagãos. Por isso, deviam pagar os impostos. Ao recusar o pagamento, faziam-no por motivações religiosas, com pretextos religiosos, ou simplesmente pelo desejo de independência dos romanos. Mas Jesus evidencia-lhes a incoerência. Se aceitam a imagem de César para o que lhes interessa, deverão aceitá-la também para pagar
    os impostos: «Dai a César o que é de César». Mas logo acrescenta: «Dai a Deus o que é de Deus». O fundamental é dar a Deus o que a Deus pertence. Mas isso não exclui os outros deveres.
    Na vida social, na vida civil, nem tudo é lógico e coerente. Os cristãos hão-de ter coragem para recusar situações e leis que não correspondem ao bem dos cidadãos. Mas também hão-de contribuir leal e rectamente para o bem do país e das pessoas, mesmo quando perseguidos. Assim participam na bondade de Deus.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pelas provações da nossa vida. Ilumina-nos e fortalece-nos com o teu Espírito, para que permaneçamos firmes na fé e na esperança. Quando o sofrimento, a solidão, o peso da vida e o cansaço nos oprimirem, ensina-nos a deixar-nos conduzir e apoiar por Ti, a unir-nos mais fortemente a Ti, sem fazermos perguntas, sem exigirmos explicações. Então, brilhará a tua luz no nosso céu escurecido e ameaçador, então florirá a esperança que não engana, então entoaremos o cântico silencioso de acção de graças a Ti, Deus bom, providente e fiel. Amen.

    Contemplatio

    Tobite, o pai de Tobias, estava cativo em Nínive. Fiel a Deus, assiste os seus irmãos infelizes, socorre os pobres, visita os doentes, sepulta os mortos. Duras provações o assaltam. Um dia em que tinha adormecido de fadiga junto de um muro, depois das suas corridas de caridade, dejectos caídos de um ninho cegam-no. Os seus familiares insultavam a sua infelicidade como os de Job. Já não tinha a consolação de ir assistir aos seus irmãos infelizes. A penúria fazia-se sentir em sua casa. Queria enviar o seu filho para recuperar um empréstimo em casa de um familiar no país dos Medos, mas era preciso um companheiro para ir tão longe. Tobias, o filho, sai para procurar um guia, e encontra um belo jovem que se oferece para o acompanhar. É o grande arcanjo, velado sob a aparência de um homem. Não somos nós demasiado negligentes para com o nosso anjo da guarda? Pensamos nele, invocamo-lo em todas as nossas dificuldades? (Pe. Dehon, OSP4, p. 389).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Bendito seja Deus e bendito o seu grande nome!» (Tb 11, 9).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Quarta-feira

    7 de Junho, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Tobite 3, 1-11 a. 16-17 a.

    Naqueles dias, eu, Tobite, 1entristeci-me, chorei, e com aflição orei, dizendo: 2«Tu és justo, Senhor! Todas as tuas obras são justas e todos os teus caminhos são misericórdia e verdade; Tu és o juiz do mundo. 3Agora, Senhor, recorda-te de mim, olha para mim. Não me castigues, por causa dos meus pecados e dos meus erros, nem pelos pecados que os meus pais cometeram contra ti. 4Violando os teus mandamentos, nós pecámos diante de ti. Por isso, Tu permitiste que nos roubassem os nossos bens e abandonaste-nos ao cativeiro e à morte. Fizeste de nós objecto de escárnio e injúria de todos os gentios, entre os quais nos dispersaste. 5Agora, trata-me segundo as minhas culpas e as culpas dos meus pais, porque todos os teus juízos são verdadeiros e porque nós não observámos os teus mandamentos, e não caminhámos diante de ti na verdade. 6Assim, faz comigo o que quiseres. Dá ordem para que a minha vida me seja tirada, de forma que eu desapareça da face da terra e me converta em pó; porque para mim é melhor morrer do que viver, pois tive de ouvir ultrajes e mentiras, e uma grande tristeza me acabrunha. Senhor, permite que eu seja libertado desta angústia, faz-me chegar à morada eterna e não afastes de mim, Senhor, a tua face, pois para mim é melhor morrer do que ter sempre diante de mim esta angústia e ter de ouvir os insultos!» 7Naquele mesmo dia, aconteceu que Sara, filha de Raguel, estando em Ecbátana, na Média, teve de ouvir também ela, injúrias de uma das escravas de seu pai. 8Ela fora dada como esposa a sete maridos. Mas Asmodeu, um demónio maligno, matara-os, antes que se pudessem aproximar dela como esposa. Disse-lhe, pois, a serva: «És tu que matas os teus maridos! Já foste dada a sete homens e com nenhum até agora ficaste casada. 9Porque nos espancas por terem morrido os teus maridos? Vai-te embora com eles, e não vejamos de ti nem filho nem filha, por toda a eternidade!» 10Naquele dia, a alma de Sara encheu-se de tristeza e ela pôs-se a chorar. Subiu, então, ao quarto de seu pai, com intenção de se enforcar. Todavia, reflectiu de novo e disse para consigo: «Não posso fazer tal coisa. Poderiam escarnecer de meu pai e dizer-lhe: 'Tiveste uma filha única, muito querida, e ela enforcou-se, por causa das suas desgraças'. Assim, levaria eu para a região dos mortos a velhice de meu pai, consumida pelo luto. É melhor, então, que não me enforque, mas peça ao Senhor a morte, para que nunca mais ouça insultos em toda a minha vida.» 11Naquele instante, Sara estendeu os braços para a janela e orou. 16Na mesma hora, foi ouvida a oração de ambos na presença da glória de Deus. 17Por isso, foi enviado Rafael para os curar.

    Enquanto o justo Tobite sofria em Nínive e invocava o Senhor, em Ecbátana, Sara, filha de Raguel, provada com a morte sucessiva dos seus sete maridos (1, 1-3, 15), ultrapassa a tentação do suicídio, e invoca confiadamente o Senhor. As orações de Tobite e de Sara são muito belas. A oração de Tobite é a prece de um homem banhado em lágrimas e desencorajado, que não enxerga futuro à sua frente, mas que se coloca diante de Deus na sua verdade, porque continua a acreditar na justiça, na misericórdia e na lealdade do Senhor. Na sua aflição, pede a Deus a única coisa que ainda lhe parece possível: a morte. Também Elias fez esse mesmo pedido (1 Rs 19). Mas Deus é capaz de ir mais além daquilo que os homens Lhe pedem. Por isso, não dá a Tobite a morte, mas a vida. Para Deus não há becos sem saída: "A Deus tudo é possível" (Mt 19, 26; Mc 10, 27).
    A oração de Sara é o grito de uma mulher desesperada e insultada, com uma vida sem futuro. Mas também ela não se deixa dominar pelo desespero. Diante do Senhor, banhada em lágrimas, pede para ser libertada da sua desgraça, daquela espécie de maldição que fez com que os sete maridos com quem casou tivessem morrido logo na noite de núpcias. Ao contrário de Tobite, não pede a morte mas a libertação.
    As orações de Tobite e de Sara, apesar do aparente desespero, deixam transparecer fé, humildade, conformidade com a vontade de Deus. Deus corresponde aos seus pedidos, enviando o seu anjo para os socorrer. Tudo acaba bem. Mas nem sempre Deus responde deste modo. Muitos santos fizeram experiência do silêncio de Deus, experiência semelhante à de Jesus na Cruz.

    Segunda leitura: Marcos 12, 18-27

    Naquele tempo, 18vieram ter com Ele os saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: 19«Mestre, Moisés prescreveu-nos que se morrer o irmão de alguém, deixando a mulher e não deixando filhos, seu irmão terá de casar com a viúva para dar descendência ao irmão. 20Ora havia sete irmãos, e o primeiro casou e morreu sem deixar filhos. 21O segundo casou com a viúva e morreu também sem deixar descendência, e o mesmo aconteceu ao terceiro; 22e todos os sete morreram sem deixar descendência. Finalmente, morreu a mulher. 23Na ressurreição, de qual deles será ela mulher? Porque os sete a tiveram por mulher.» 24Disse Jesus: «Não andareis enganados por desconhecer as Escrituras e o poder de Deus? 25Quando ressuscitarem de entre os mortos, nem eles se casarão, nem elas serão dadas em casamento, mas serão como anjos no Céu. 26E acerca de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça, como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? 27Não é um Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito enganados.»

    Os saduceus, frios e calculistas, querem desfazer-se de Jesus, que consideram um homem perigoso, mas não perdem a calma. Limitam-se a procurar meter Jesus a ridículo diante do povo, levando até ao absurdo as suas ideias sobre a ressurreição. Jesus aproveita para apresentar correctamente o sentido da vida para além da morte.
    No tempo de Jesus, eram várias as posições diante do tema da ressurreição: os saduceus negavam-na; os rabinos fariseus afirmavam-na, mas com uma certa liberdade interpretativa: ressuscitariam só os justos, ou só os Judeus, ou todos os homens, os ressuscitados voltariam à sua corporalidade original, incluindo as enfermidades; os helenistas pagãos, influentes quando Marcos escreve o seu evangelho, preferiam falar da imortalidade do espírito, capaz de sobreviver por si mesmo ao corpo, e de se libertar da prisão. Jesus responde a todos, pondo no centro a verdade do amor de Deus: se Deus ama o homem, não pode abandoná-lo ao poder da morte, mas há-de uni-lo a Si, fonte de vida, tornando-o imortal.
    Como será a vida além-túmulo? Para Jesus, será uma vida que escapa aos esquemas do mundo presente: será divina, eterna, comparável à dos anjos, de tal modo que o matrimónio e a reprodução serão supérfluos. Não será um prolongamento desta vida, mas uma existência nova, resultante de uma misteriosa transformação, fruto
    da fidelidade do Eterno, que envolverá o homem todo, e não só o espírito.

    Meditatio

    Provavelmente já todos fizemos experiências semelhantes às de Tobite e de Sara: já todos nos encontrámos em situações de grande sofrimento, quase nos limites do que julgamos possível sofrer, sem perdermos a cabeça, sem desesperarmos. Mas, talvez, nem sempre tivemos reacções semelhantes às de Tobite e de Sara. Por vezes, vivemos o sofrimento como algo que nos envolve e sufoca. Então reagimos como peixes fora da água, ou lançados na areia da praia. Gritamos, fazemos perguntas, exigimos respostas. Procuramos saídas, buscando distracções, calmantes e outras drogas, acusando presumíveis culpados da situação. Se nos lembramos de Deus, é para O interrogar, talvez mesmo para O acusar e exigir remédio. Tobite e Sara comportam-se de modo diferente. Observemo-los para aprendermos com eles. Ambos rezam, ambos se abrem a Deus, porque ambos se reconhecem criaturas limitadas e cheias de carências. Dirigem-se a Deus, em primeiro lugar, não para narrar os sofrimentos, mas para O bendizerem, para O adorarem, para manifestarem espanto pela sua grandeza e justiça. Afirmam a esperança e a confiança que os animam diante do Senhor. Confessam os seus pecados. Sabem que Deus tem um coração grande, que é o Deus da vida. Na sua oração não pensam só em si mesmos, mas têm em conta o drama do seu povo exilado. Que belo exemplo para nós, que tantas vezes nos fechamos nos nossos problemas, esquecendo ou não dando a devida atenção aos dos outros.
    A oração angustiada de Tobite faz-nos compreender o verdadeiro sentido do evangelho. Faz-nos compreender que a fonte da ressurreição é a oração de Jesus. A ressurreição não é um fenómeno material, um corpo que volta a vida. É um evento de ordem espiritual. Para alcançar a ressurreição, Jesus transformou a sua morte pela oração. A sua ressurreição é fruto da sua paixão, e não o resultado de um qualquer automatismo. Como Tobite e Sara, Jesus mergulhou no sofrimento e na própria morte. O seu coração sentiu fortemente a angústia, levando-o a afundar-se na tristeza: «A minha alma está triste até à morte» (Mc 14, 34; Mt 26, 38). "Na angústia" rezava mais intensamente e o suor tornou-se-lhe como gotas de sangue que banhavam a terra (cf. Lc 22, 44). Teve de transformar a angústia, e a própria morte, pela oração, pela união ao Pai. Teve de lutar na oração para que o caminho da morte se transformasse em caminho de ressurreição e de vida. Jesus lutou contra a morte, não revoltando-se, mas transformando-a em sacrifício, em oferta, em abertura ao Espírito Santo, em acto de obediência filial ao Pai, sabendo que Ele podia transformar a morte em passagem para a vida.
    Sabendo que a morte dá sentido à vida, e é a sua síntese, queremos considerá-la em relação ao «nosso carisma profético» (Cst 27), à vida de união «à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens» (Cst 6). S. Paulo diz-nos que devemos ser conformes a Cristo «na morte com a esperança de alcançar a ressurreição dos mortos» (Fl 3, 10-11).
    O Sacerdote do Coração de Jesus, que vive a sua vida «a procurar e a realizar, como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (Cst 26), experimenta a doença, a velhice, como um tempo de «eminente e misteriosa comunhão» à oblação sofredora de Cristo, como um tempo de «disponibilidade pura» e de «pura oblação». Assim se prepara para o supremo acto de oblação, para o último apostolado, o da morte. Que Jesus nos faça penetrar nas profundezas do seu coração para que, também nós, possamos transformar o sofrimento, a "via-sacra" da nossa vida, em caminho de ressurreição.

    Oratio

    Pai Santo, cuja Palavra é verdade e cujo Amor é vida, Vós nos chamastes em Cristo para sermos santos e imaculados na Caridade. Vós nos atraís, pelo Coração do vosso Filho; nos unis ao seu Amor salvador, numa vida de oblação; nos associais ao mistério da sua Morte e Ressurreição e à acção reparadora que este mistério suscita na Igreja.
    Santificai-nos na Verdade. Transformai-nos em Cristo, Servo dos homens, na mansidão do seu Coração. Fazei com que também nós, pelo seu exemplo e pela sua graça, sejamos oferecidos e estejamos disponíveis para anunciar a vossa misericórdia e trabalhar pelo advento do vosso Reino. Ámen.

    Contemplatio

    A calma na qual se encontra uma alma que escapou ao demónio pode fazer nascer uma segurança perigosa, se não estiver atenta a alimentar com cuidado as intenções sobrenaturais nas quais reside a sua força de resistência. A tentação é às vezes uma prova querida ou permitida por Nosso Senhor para provar a virtude. Foi assim que Tobias foi tentado, porque era agradável a Deus. Mas a maior parte das vezes a origem da tentação e os seus desenvolvimentos vêm da falta de vigilância. Esta tentação é a mais comum e a mais perigosa. Nosso Senhor mandou-nos rezar ao seu Pai para que nos preserve: «Não nos deixeis cair em tentação».
    Nosso Senhor advertiu-nos bem: «Vigiai e rezai para que não entreis em tentação». É preciso rezar sempre e nunca desfalecer, disse ainda, porque não sabeis a que hora virá o ladrão (Mt 24, 43). Estas são advertências solenes muitas vezes repetidas pela Sagrada Escritura.
    Trata-se da salvação eterna. É para a alma uma questão de vida ou de morte, porque ninguém pode prever as terríveis consequências de uma queda grave e, por mais forte razão, de uma recaída. (Pe. Dehon, OSP 4, p. 347s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Senhor, os teus caminhos são misericórdia e verdade!» (Tb 3, 2).

  • Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo - Ano A

    Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo - Ano A

    8 de Junho, 2023

    ANO A

    SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO

    Nota:
    Não tendo sido possível preparar os habituais comentários para a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, após os textos litúrgicos colocamos alguns apoios para meditação: as homilias de Bento XVI para o Ano A desta Solenidade em 2005, 2008 e 2011; as recentes catequeses do Papa Francisco sobre a Eucaristia.

    LEITURA I - Deut 8, 2-3.14b-16a

    Leitura do Livro do Deuteronómio

    Moisés falou ao povo, dizendo:
    «Recorda-te de todo o caminho
    que o Senhor teu Deus te fez percorrer
    durante quarenta anos no deserto,
    para te atribular e pôr à prova,
    a fim de conhecer o íntimo do teu coração
    e verificar se guardarias ou não os seus mandamentos.
    Atribulou-te e fez-te passar fome,
    mas deu-te a comer o maná que não conhecias
    nem teus pais haviam conhecido,
    para te fazer compreender que o homem não vive só de pão,
    mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor.
    Não te esqueças do Senhor teu Deus,
    que te fez sair da terra do Egito, da casa de escravidão,
    e te conduziu através do imenso e temível deserto,
    entre serpentes venenosas e escorpiões,
    terreno árido e sem águas.
    Foi Ele quem, da rocha dura, fez nascer água para t
    e, no deserto, te deu a comer o maná,
    que teus pais não tinham conhecido».

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 147

    Refrão 1: Jerusalém, louva o teu Senhor.

    Refrão 2: Aleluia.

    Glorifica, Jerusalém, o Senhor,
    louva, Sião, o teu Deus.
    Ele reforçou as tuas portas
    e abençoou os teus filhos.

    Estabeleceu a paz nas tuas fronteiras
    e saciou-te com a flor da farinha.
    Envia à terra a sua palavra,
    corre veloz a sua mensagem.

    Revelou a sua palavra a Jacob,
    suas leis e preceitos a Israel.
    Não fez assim com nenhum outro povo,
    a nenhum outro manifestou os seus juízos.

    LEITURA II - 1 Cor 10, 16-17

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Não é o cálice de bênção que abençoamos
    a comunhão com o Sangue de Cristo?
    Não é o pão que partimos
    a comunhão com o Corpo de Cristo?
    Visto que há um só pão,
    nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo,
    porque participamos do único pão.

    ALELUIA - Jo 6, 51

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o pão vivo descido do Céu, diz o Senhor.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.

    EVANGELHO - Jo 6, 51-58

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    disse Jesus à multidão:
    «Eu sou o pão vivo descido do Céu.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.
    E o pão que Eu hei de dar é a minha Carne
    pela vida do mundo».
    os judeus discutiam entre si:
    «Como pode Ele dar-nos a sua Carne a comer?»
    Jesus disse-lhes:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    Se não comerdes a Carne do Filho do homem
    e não beberdes o seu Sangue,
    não tereis a vida em vós.
    Quem come a mina Carne e bebe o meu Sangue
    tem a vida eterna;
    e Eu o ressuscitarei no último dia.
    A minha Carne é verdadeira comida
    e o meu Sangue é verdadeira bebida.
    Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue
    permanece em Mim, e Eu nele.
    Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo Pai,
    também aquele que me come viverá por Mim.
    Este é o pão que desceu do Céu;
    não é como aquele que os vossos pais comeram, e morreram;
    quem comer deste pão viverá eternamente».

    ANEXO 1
    Homilia de Bento XVI para a Solenidade do Corpo de Deus em 2005

    Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
    Queridos irmãos e irmãs!
    Na festa de Corpus Christi, a Igreja revive o mistério da Quinta-Feira Santa à luz da Ressurreição. Também a Quinta-Feira Santa conhece uma sua procissão eucarística, com a qual a Igreja repete o êxodo de Jesus do Cenáculo para o monte das Oliveiras. Em Israel, celebrava-se a noite de Páscoa em casa, na intimidade da família. Fazia-se assim memória da primeira Páscoa, no Egipto da noite em que o sangue do cordeiro pascal, aspergido na arquitrave e nos portais das casas, protegia contra o exterminador. Jesus, naquela noite, sai e entrega-se ao traidor, ao exterminador e, precisamente assim, vence a noite, vence as trevas do mal. Só desta forma, o dom da Eucaristia, instituída no Cenáculo, encontra o seu cumprimento: Jesus entrega realmente o seu corpo e o seu sangue. Atravessando o limiar da morte, torna-se pão vivo, verdadeiro maná, alimento inexaurível para todos os séculos. Acarne torna-se pão de vida.
    Na procissão da Quinta-Feira Santa, a Igreja acompanha Jesus ao monte das Oliveiras: a Igreja orante sente um desejo profundo de vigiar com Jesus, de não o deixar sozinho na noite do mundo, na noite da traição, na noite da indiferença de muitos. Na festa de Corpus Christi, retomamos esta procissão, mas na alegria da Ressurreição. O Senhor ressuscitou e precedeu-nos. Nas narrações da Ressurreição há uma característica comum e fundamental; os anjos dizem: o Senhor "vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis" (Mt 28, 7). Considerando isto mais de perto, podemos dizer que este "preceder" de Jesus exige uma dupla direção. A primeira é como ouvimos a Galileia. Em Israel, a Galileia era considerada como a porta que se abre para o mundo dos pagãos.
    E na realidade precisamente na Galileia, no monte, os discípulos veem Jesus, o Senhor, que lhes diz: "Ide... fazei discípulos de todos os povos" (Mt 28, 19). A outra direção do preceder, por parte do Ressuscitado, aparece no Evangelho de São João, nas palavras de Jesus a Madalena: "Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai..." (Jo 20, 17). Jesus precede-nos junto do Pai, eleva-se à altura de Deus e convida-nos a segui-lo. Estas duas direções do caminho do Ressuscitado não se contradizem, mas indicam ao mesmo tempo o caminho do seguimento de Cristo. A verdadeira meta do nosso caminho é a comunhão com Deus o próprio Deus é a casa com muitas moradas (cf. Jo 14, 2s.). Mas só podemos subir a esta morada indo "em direção à Galileia" indo pelos caminhos do mundo, levando o Evangelho a todas as nações, levando o dom do seu amor aos homens de todos os tempos. Por isso o caminho dos apóstolos prolongou-se até aos "confins da terra" (cf. Act 1, 6s.); assim São Pedro e São Paulo foram até Roma, cidade que na época era o centro do mundo conhecido, verdadeira "caput mundi".
    A procissão da Quinta-Feira Santa acompanhou Jesus na sua solidão, rumo à "via cr
    ucis". A procissão de Corpus Christi, ao contrário, responde de maneira simbólica ao mandamento do Ressuscitado: precedo-vos na Galileia. Ide até aos confins do mundo, levai o Evangelho a todas as nações. Sem dúvida, para a fé, a Eucaristia é um mistério de intimidade. O Senhor instituiu o Sacramento no Cenáculo, circundado pela sua nova família, pelos doze apóstolos, prefiguração e antecipação da Igreja de todos os tempos. Por isso, na liturgia da Igreja antiga, a distribuição da sagrada comunhão era introduzida com as palavras: Sancta sanctis o dom sagrado destina-se aos que são tornados santos. Deste modo, respondia-se à admoestação dirigida por São Paulo aos Coríntios: "Portanto, examine-se cada um a si próprio e só então coma deste pão e beba deste vinho..." (1 Cor 11, 28). Contudo, desta intimidade, que é dom muito pessoal do Senhor, a força do sacramento da Eucaristia vai além das paredes das nossas Igrejas. Neste Sacramento, o Senhor está sempre a caminho no mundo. Este aspeto universal da presença eucarística sobressai na procissão da nossa festa. Nós levamos Cristo, presente na figura do pão, pelas estradas da nossa cidade. Nós confiamos estas estradas, estas casas a nossa vida quotidiana à sua bondade. Que as nossas estradas sejam de Jesus! Que as nossas casas sejam para Ele e com Ele! A nossa vida de todos os dias estejam penetradas da sua presença. Com este gesto, colocamos sob o seu olhar os sofrimentos dos doentes, a solidão dos jovens e dos idosos, as tentações, os receios toda a nossa vida. A procissão pretende ser uma bênção grande e pública para a nossa cidade: Cristo é, em pessoa, a bênção divina para o mundo o raio da sua bênção abranja todos nós!
    Na procissão de Corpus Christi, acompanhamos o Ressuscitado no seu caminho pelo mundo inteiro como dissemos. E, precisamente fazendo isto, respondemos também ao seu mandamento: "Tomai e comei... Bebei todos" (Mt 26, 26s.). Não se pode "comer" o Ressuscitado, presente na figura do pão, como um simples bocado de pão. Comer este pão é comunicar, é entrar em comunhão com a pessoa do Senhor vivo. Esta comunhão, este ato de "comer", é realmente um encontro entre duas pessoas, é deixar-se penetrar pela vida d'Aquele que é o Senhor, d'Aquele que é o meu Criador e Redentor. A finalidade desta comunhão, deste comer, é a assimilação da minha vida à sua, a minha transformação e conformação com Aquele que é Amor vivo. Por isso, esta comunhão exige a adoração, requer a vontade de seguir Cristo, de seguir Aquele que nos precede. Por isso, a adoração e a procissão fazem parte de um único gesto de comunhão; respondem ao seu mandamento: "Tomai e comei".
    A nossa procissão termina diante da Basílica de Santa Maria Maior, no encontro com Nossa Senhora, chamada pelo querido Papa João Paulo II "Mulher eucarística". Verdadeiramente Maria, a Mãe do Senhor, ensina-nos o que significa entrar em comunhão com Cristo: Maria ofereceu a própria carne, o próprio sangue a Jesus e tornou-se tenda viva do Verbo, deixando-se penetrar no corpo e no espírito pela sua presença. Pedimos a Ela, nossa santa Mãe, para que nos ajude a abrir, cada vez mais, todo o nosso estar na presença de Cristo; para que nos ajude a segui-lo fielmente, dia após dia, pelos caminhos da nossa vida. Amém!

    ANEXO 2
    Homilia de Bento XVI para a Solenidade do Corpo de Deus em 2008

    Queridos irmãos e irmãs!
    Depois do tempo forte do ano litúrgico, que centrando-se sobre a Páscoa se prolonga por três meses primeiro os quarenta dias da Quaresma, depois os cinquenta dias do Tempo pascal a liturgia faz-nos celebrar três festas que ao contrário têm um carácter "sintético": a Santíssima Trindade, depois o Corpus Christi, e por fim o Sagrado Coração de Jesus. Qual é exatamente o significado da solenidade de hoje, do Corpo e do Sangue de Cristo? A própria celebração que estamos a realizar no-lo diz, no desenvolvimento dos gestos fundamentais: antes de tudo reunimo-nos em volta do altar do Senhor, para estar na sua presença; em segundo lugar faremos a procissão, isto é, o caminhar com o Senhor; e por fim, o ajoelharmo-nos diante do Senhor, a adoração, que já inicia na Missa e acompanha toda a procissão, mas tem o seu ápice no momento final da bênção eucarística, quando todos nos prostraremos diante d'Aquele que se inclinou até nós e deu a vida por nós. Detenhamo-nos brevemente sobre estas três atitudes, para que sejam verdadeiramente expressão da nossa fé e da nossa vida.
    Portanto, o primeiro ato é o de reunir-se na presença do Senhor. É o que antigamente se chamava "statio". Imaginemos por um momento que em toda a cidade de Roma haja só este único altar, e que todos os cristãos da cidade sejam convidados a reunir-se aqui, para celebrar o Salvador morto e ressuscitado. Isto dá-nos a ideia daquilo que foi, nas origens, a celebração eucarística em Roma, e em muitas outras cidades onde chegava a mensagem evangélica: havia em cada Igreja particular um só Bispo e à sua volta, em volta da Eucaristia por ele celebrada, constituía-se a Comunidade, única porque era uno o Cálice abençoado e um o Pão partido, como ouvimos das palavras do apóstolo Paulo na segunda Leitura (cf. 1 Cor 10, 16-17). Vem à mente a outra célebre expressão paulina: "Não há judeu nem grego; não há servo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo" (Gl 3, 28). "Todos vós sois um só"! Sente-se nestas palavras a verdade e a força da revolução cristã, a revolução mais profunda da história humana, que se experimenta precisamente em volta da Eucaristia: reúnem-se aqui na presença do Senhor pessoas diversas por idade, sexo, condição social, ideias políticas. A Eucaristia nunca pode ser um facto privado, reservado a pessoas que se escolheram por afinidades ou por amizade. A Eucaristia é um culto público, que nada tem de esotérico, de exclusivo. Também aqui, esta tarde, não fomos nós que escolhemos com quem nos encontrarmos, viemos e encontramo-nos uns ao lado dos outros, irmanados pela fé e chamados a tornarmo-nos um único corpo partilhando o único Pão que é Cristo. Estamos unidos independentemente das nossas diferenças de nacionalidade, de profissão, de camada social, de ideias políticas: abrimo-nos uns aos outros para nos tornarmos um só a partir d'Ele. Foi esta, desde os inícios, uma característica do cristianismo realizada visivelmente em volta da Eucaristia, e é necessário vigiar sempre para que as tentações frequentes de individualismo, mesmo se em boa fé, de facto não vão em sentido oposto. Portanto, o Corpus Christi recorda-nos antes de tudo isto: que ser cristãos significa reunir-se de todas as
    partes para estar na presença do único Senhor e tornar-se n'Ele um só.
    O segundo aspeto constitutivo é o caminhar com o Senhor. É a realidade manifestada pela procissão, que viveremos juntos depois da Santa Missa, quase como um seu prolongamento natural, movendo-nos atrás d'Aquele que é a Via, o Caminho. Com a doação de Si mesmo na Eucaristia, o Senhor Jesus liberta-nos das nossas "parálises", faz-nos levantar e faz-nos "proceder", isto é, faz-nos dar um passo em frente, e depois outro, e assim põe-nos a caminho, com a força deste Pão da vida. Como aconteceu ao profeta Elias, que se tinha refugiado no deserto por receio dos seus inimigos, e tinha decidido deixar-se morrer (cf. 1 Rs 19, 1-4). Mas Deus despertou-o do sono e fez-lhe encontrar ao lado um pão cozido: "Levanta-te e come disse-lhe porque ainda tens um caminho longo a percorrer" (1 Rs 19, 5.7). A procissão do Corpus Christi ensina-nos que a Eucaristia nos quer libertar de qualquer abatimento e desencorajamento, quer fazer-nos levantar, para que possamos retomar o caminho com a força que Deus nos dá mediante Jesus Cristo. É a experiência do povo de Israel no êxodo do Egipto, a longa peregrinação através do deserto, da qual nos falou a primeira Leitura. Uma experiência que para Israel é constitutiva, mas resulta exemplar para toda a humanidade. De facto, a expressão "nem só de pão vive o homem, mas... de tudo o que sai da boca do Senhor" (Dt 8, 3) é uma afirmação universal, que se refere a todos os homens enquanto homens. Cada um pode encontrar o próprio caminho, se encontrar Aquele que é Palavra e Pão de vida e se deixar guiar pela sua presença amiga. Sem o Deus-connosco, o Deus próximo, como podemos enfrentar a peregrinação da existência, quer individualmente quer em comunidade e família de povos? A Eucaristia é o Sacramento do Deus que não nos deixa sozinhos no caminho, mas se coloca ao nosso lado e nos indica a direção. De facto, não é suficiente ir em frente, é preciso ver para onde se vai! Não é suficiente o "progresso", se não há critérios de referência. Aliás, se se andar fora do caminho, corre-se o risco de cair num precipício, ou contudo de se afastar mais rapidamente da meta. Deus criou-nos livres, mas não nos deixou sozinhos: Ele mesmo se fez "via" e veio caminhar juntamente connosco, para que a nossa liberdade tenha também o critério para discernir o caminho justo e percorrê-lo.
    E a este ponto não se pode deixar de pensar no início do "decálogo", os dez mandamentos, onde está escrito: "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair do Egipto, de uma casa de escravidão. Não terás outro Deus além de Mim" (Êx 20, 2-3). Encontramos aqui o sentido do terceiro elemento constitutivo do Corpus Christi: ajoelhar-se em adoração diante do Senhor. Adorar o Deus de Jesus Cristo, que se fez pão repartido por amor, é o remédio mais válido e radical contra as idolatrias de ontem e de hoje. Ajoelhar-se diante da Eucaristia é profissão de liberdade: quem se inclina a Jesus não pode e não deve prostrar-se diante de nenhum poder terreno, mesmo que seja forte. Nós, cristãos, só nos ajoelhamos diante do Santíssimo Sacramento, porque nele sabemos e acreditamos que está presente o único Deus verdadeiro, que criou o mundo e o amou de tal modo que lhe deu o seu Filho único (cf. Jo 3, 16). Prostramo-nos diante de um Deus que foi o primeiro a inclinar-se diante do homem, como Bom Samaritano, para o socorrer e dar a vida, e ajoelhou-se diante de nós para lavar os nossos pés sujos. Adorar o Corpo de Cristo significa crer que ali, naquele pedaço de pão, está realmente Cristo, que dá sentido verdadeiro à vida, ao imenso universo como à menor criatura, a toda a história humana e à existência mais breve. A adoração é a oração que prolonga a celebração e a comunhão eucarística na qual a alma continua a alimentar-se: alimenta-se de amor, de verdade, de paz; alimenta-nos de esperança, porque Aquele diante do qual nos prostramos não nos julga, não nos esmaga, mas liberta-nos e transforma-nos.
    Eis por que reunir-nos, caminhar, adorar nos enche de alegria. Fazendo nossa a atitude adorante de Maria, que neste mês de Maio recordamos de modo particular, rezemos por nós e por todos; rezemos por todas as pessoas que vivem nesta cidade, para que Te possam conhecer, ó Pai, e Àquele que Tu enviaste, Jesus Cristo. E desta forma ter a vida em abundância. Amém.

    ANEXO 3
    Homilia de Bento XVI para a Solenidade do Corpo de Deus em 2011

    Queridos irmãos e irmãs!
    A festa do Corpus Christi é inseparável da Quinta-Feira Santa, da Missa in Caena Domini, na qual se celebra solenemente a instituição da Eucaristia. Enquanto na tarde de Quinta-Feira Santa se revive o mistério de Cristo que se oferece a nós no pão partido e no vinho derramado, hoje, na celebração do Corpus Christi, este mesmo mistério é proposto à adoração e à meditação do Povo de Deus, e o Santíssimo Sacramento é levado em procissão pelas estradas das cidades e das aldeias, para manifestar que Cristo ressuscitado caminha no meio de nós e nos guia para o Reino do céu. O que Jesus nos doou na intimidade do Cenáculo, hoje manifestamo-lo abertamente, porque o amor de Cristo não está destinado a alguns, mas a todos. Na Missa in Caena Domini da passada Quinta-Feira Santa ressaltei que na Eucaristia se realiza a transformação dos dons desta terra — o pão e o vinho — finalizada a transformar a nossa vida e a inaugurar assim a transformação do mundo. Esta tarde gostaria de retomar esta perspetiva.
    Poder-se-ia dizer que tudo parte do coração de Cristo, que na Última Ceia, na vigília da sua paixão, agradeceu e louvou a Deus e, deste modo, com o poder do seu amor, transformou o sentido da morte que se estava a aproximar. O facto que o Sacramento do altar tenha assumido o nome «Eucaristia» — «ação de graças» — expressa precisamente isto: que a transformação da substância do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo é fruto do dom que Cristo fez de si mesmo, dom de um amor mais forte do que a morte, Amor divino que o fez ressuscitar dos mortos. Eis por que a Eucaristia é alimento de vida eterna, Pão da vida. Do coração de Cristo, da sua «oração eucarística» na vigília da paixão, brota aquele dinamismo que transforma a realidade nas suas dimensões cósmica, humana e histórica. Tudo procede de Deus, da omnipotência do seu Amor Uno e Trino, encarnado em Jesus. Neste amor está imerso o coração de Cristo; por isso Ele sabe agradecer e louvar a Deus também perante a traição e a violência, e desta forma muda as coisas, as pessoas e o mundo.
    Esta transformação é possível graças a uma comunhão mais forte que a divisão, a comunhão do próprio Deus. A palavra «comunhão», que usamos tamb&ea
    cute;m para designar a Eucaristia, resume em si a dimensão vertical e a horizontal do dom de Cristo. É bonita e muito eloquente a expressão «receber a comunhão» referida ao gesto de comer o Pão eucarístico. Com efeito, quando realizamos este gesto, entramos em comunhão com a própria vida de Jesus, no dinamismo desta vida que se doa a nós e por nós. De Deus, através de Jesus, até nós: é uma única comunhão que se transmite na sagrada Eucaristia. Ouvimo-lo há pouco, na segunda Leitura, das palavras do apóstolo Paulo, dirigidas aos cristãos de Corinto: «O cálice da bênção que benzemos não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão» (1 Cor 10, 16-17).
    Santo Agostinho ajuda-nos a compreender a dinâmica da comunhão eucarística, quando faz referência a uma espécie de visão que teve, na qual Jesus lhe disse: «Eu sou o alimento dos fortes. Cresce e receber-me-ás. Tu não me transformarás em ti, como o alimento do corpo, mas és tu que serás transformado em mim» (Confissões VII, 10, 18). Portanto, enquanto o alimento corporal é assimilado pelo nosso organismo e contribui para o seu sustento, no caso da Eucaristia trata-se de um Pão diferente: não somos nós que o assimilamos, mas é ele que nos assimila a si, de tal modo que nos tornamos conformes com Jesus Cristo, membros do seu corpo, um só com Ele. Esta passagem é decisiva. Com efeito, precisamente porque é Cristo que, na comunhão eucarística, nos transforma em si, neste encontro a nossa individualidade é aberta, libertada do seu egocentrismo e inserida na Pessoa de Jesus, que por sua vez está imersa na comunhão trinitária. Assim a Eucaristia, enquanto nos une a Cristo, abre-nos também aos outros, tornando-nos membros uns dos outros: já não estamos divididos, mas somos um só nele. A comunhão eucarística une-me à pessoa que está ao meu lado e com a qual, talvez, eu nem sequer tenho um bom relacionamento, mas também aos irmãos distantes, em todas as regiões do mundo. Portanto daqui, da Eucaristia, deriva o profundo sentido da presença social da Igreja, como testemunham os grandes santos sociais, que foram sempre grandes almas eucarísticas. Quem reconhece Jesus na Hóstia sagrada, reconhece-O no irmão que sofre, que tem fome e sede, que é estrangeiro, está nu, doente, prisioneiro; e está atento a cada pessoa, empenha-se de modo concreto por todos aqueles que se encontram em necessidade. Portanto, do dom de amor de Cristo provém a nossa especial responsabilidade de cristãos na construção de uma sociedade solidária, justa e fraterna. Especialmente no nosso tempo, em que a globalização nos torna cada vez mais dependentes uns dos outros, o Cristianismo pode e deve fazer com que esta unidade não se edifique sem Deus, ou seja, sem o verdadeiro Amor, o que daria espaço à confusão, ao individualismo e à prepotência de todos contra todos. O Evangelho visa desde sempre a unidade da família humana, uma unidade não imposta do alto, nem por interesses ideológicos ou económicos, mas sim a partir do sentido de responsabilidade recíproca, porque nos reconhecemos membros de um único corpo, do corpo de Cristo, porque aprendemos e continuamos a aprender constantemente do Sacramento do Altar, que a partilha, o amor é o caminho da verdadeira justiça.
    Voltemos agora ao gesto de Jesus na Última Ceia. O que aconteceu naquele momento? Quando Ele disse: isto é o meu corpo, que é entregue por vós; isto é o meu sangue, derramado por vós e pela multidão, o que acontece? Neste gesto, Jesus antecipa o acontecimento do Calvário. Por amor, Ele aceita toda a paixão, com a sua dificuldade e a sua violência, até à morte de cruz; aceitando-a deste modo, transforma-a num gesto de doação. Esta é a transformação de que o mundo tem mais necessidade, porque o redime a partir de dentro, abrindo-o às dimensões do Reino dos céus. Mas esta renovação do mundo, Deus quer realizá-la sempre através do mesmo caminho percorrido por Cristo, aliás, o caminho que é Ele mesmo. Não há nada de mágico no Cristianismo. Não existem atalhos, mas tudo passa através da lógica humilde e paciente do grão de trigo que se abre para dar vida, a lógica da fé que move as montanhas com a força mansa de Deus. Por isso, Deus quer continuar a renovar a humanidade, a história e o cosmos através desta cadeia de transformações, cujo sacramento é a Eucaristia. Mediante o pão e o vinho consagrados, nos quais estão realmente presentes o seu Corpo e o seu Sangue, Cristo transforma-nos, assimilando-nos a Ele: compromete-nos na sua obra de redenção tornando-nos capazes, pela graça do Espírito Santo, de viver segundo a sua própria lógica de entrega, como grãos de trigo unidos a Ele e nele. É assim que se semeiam e amadurecem nos sulcos da história a unidade e a paz, que constituem o fim para o qual tendemos, segundo o desígnio de Deus.
    Sem ilusões, sem utopias ideológicas, nós caminhos pelas veredas do mundo, trazendo dentro de nós o Corpo do Senhor, como a Virgem Maria no mistério da Visitação. Com a humildade de saber que somos simples grãos de trigo, conservemos a certeza firme de que o amor de Deus, encarnado em Cristo, é mais forte que o mal, a violência e a morte. Sabemos que Deus prepara para todos os homens céus novos e uma nova terra, onde reinam a paz e a justiça — e na fé entrevemos o mundo novo, que é a nossa verdadeira pátria. Também esta tarde, enquanto o sol se põe sobre esta nossa amada cidade de Roma, pomo-nos a caminho: connosco está Jesus-Eucaristia, o Ressuscitado, que disse: «Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28, 20). Obrigado, Senhor Jesus! Obrigado pela vossa fidelidade, que sustém a nossa esperança. Permanecei connosco, porque está a anoitecer. «Bom Pastor, Pão verdadeiro, ó Jesus, tende piedade de nós; alimentai-nos, defendei-nos e conduzi-nos para os bens eternos, na terra dos vivos!». Amém.

    ANEXO 4
    Catequeses do Papa Francisco sobre a Eucaristia

    Catequese 1.
    Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
    Hoje, falar-vos-ei da Eucaristia. A Eucaristia insere-se no âmago da «iniciação cristã», juntamente com o Batismo e a Confirmação, constituindo a nascente da própria vida da Igreja. Com efeito, é deste Sacramento do Amor que derivam todos os caminhos autênticos de fé, de comunhão e de testemunho.
    O que vemos quando nos congregamos para celebrar a Eucaristia, a Missa, já nos faz intuir o que estamos prestes a viver. No centro do espaço destinado à celebração encontra-se o altar, que é uma mesa coberta com uma toalha, e isto faz-nos pensar num banquete. Sobre a mesa há uma cruz, a qual indica que naquele altar se oferece o sacrifício de Cristo: é Ele o alimento espiritual que ali recebemos, sob as espécies do pão e do vinho. Ao lado da mesa encontra-se o ambão, ou seja o lugar de onde se proclama a Palavra de Deus: e ele indica que ali nos reunimos para ouvir o Senhor que fala mediante as Sagradas Escrituras, e portanto o alimento que recebemos é também a sua Palavra.
    Na Missa, Palavra e Pão tornam-se uma coisa só, como na Última Ceia, quando todas as palavras de Jesus, todos os sinais que Ele tinha realizado, se condensaram no gesto de partir o pão e de oferecer o cálice, antecipação do sacrifício da cruz, e naquelas palavras: «Tomai e comei, isto é o meu corpo... Tomai e bebei, isto é o meu sangue».
    O gesto levado a cabo por Jesus na Última Ceia é a extrema ação de graças ao Pai pelo seu amor, pela sua misericórdia. Em grego, «ação de graças» diz-se «eucaristia». É por isso que o Sacramento se chama Eucaristia: é a suprema ação de graças ao Pai, o qual nos amou a tal ponto que nos ofereceu o seu Filho por amor. Eis por que motivo o termo Eucaristia resume todo aquele gesto, que é de Deus e ao mesmo tempo do homem, gesto de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
    Por conseguinte, a celebração eucarística é muito mais do que um simples banquete: é precisamente o memorial da Páscoa de Jesus, o mistério fulcral da salvação. «Memorial» não significa apenas uma recordação, uma simples lembrança, mas quer dizer que cada vez que nós celebramos este Sacramento participamos no mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo. A Eucaristia constitui o apogeu da obra de salvação de Deus: com efeito, fazendo-se pão partido para nós, o Senhor Jesus derrama sobre nós toda a sua misericórdia e todo o seu amor, a ponto de renovar o nosso coração, a nossa existência e o nosso próprio modo de nos relacionarmos com Ele e com os irmãos. É por isso que geralmente, quando nos aproximamos deste Sacramento, dizemos que «recebemos a Comunhão», que «fazemos a Comunhão»: isto significa que, no poder do Espírito Santo, a participação na mesa eucarística nos conforma com Cristo de modo singular e profundo, levando-nos a prelibar desde já a plena comunhão com o Pai, que caracterizará o banquete celestial, onde juntamente com todos os Santos teremos a felicidade de contemplar Deus face a face.
    Estimados amigos, nunca daremos suficientemente graças ao Senhor pela dádiva que nos concedeu através da Eucaristia! Trata-se de um dom deveras grandioso e por isso é tão importante ir à Missa aos domingos. Ir à Missa não só para rezar, mas para receber a Comunhão, o pão que é o corpo de Jesus Cristo que nos salva, nos perdoa e nos une ao Pai. É bom fazer isto! E todos os domingos vamos à Missa, porque é precisamente o dia da Ressurreição do Senhor. É por isso que o Domingo é tão importante para nós! E com a Eucaristia sentimos esta pertença precisamente à Igreja, ao Povo de Deus, ao Corpo de Deus, a Jesus Cristo. Nunca compreenderemos todo o seu valor e toda a sua riqueza. Então, peçamos-lhe que este Sacramento possa continuar a manter viva na Igreja a sua presença e a plasmar as nossas comunidades na caridade e na comunhão, segundo o Coração do Pai. E fazemos isto durante a vida inteira, mas começamos a fazê-lo no dia da nossa primeira Comunhão. É importante que as crianças se preparem bem para a primeira Comunhão e que cada criança a faça, pois trata-se do primeiro passo desta pertença forte a Jesus Cristo, depois do Batismo e do Crisma.

    Catequese 2.
    Caros irmãos e irmãs, bom dia!
    Na última catequese elucidei o modo como a Eucaristia nos introduz na comunhão real com Jesus e o seu mistério. Agora podemos formular algumas interrogações a propósito da relação entre a Eucaristia que celebramos e a nossa vida, como Igreja e como simples cristãos. Como vivemos a Eucaristia? Quando vamos à Missa aos domingos, como a vivemos? É apenas um momento de festa, uma tradição consolidada, uma ocasião para nos encontrarmos, para estarmos à vontade, ou então é algo mais?
    Existem sinais muito concretos para compreender como vivemos tudo isto, como vivemos a Eucaristia; sinais que nos dizem se vivemos bem a Eucaristia, ou se não a vivemos muito bem. O primeiro indício é o nosso modo de ver e considerar os outros. Na Eucaristia Cristo oferece sempre de novo o dom de si que já concedeu na Cruz. Toda a sua vida é um gesto de partilha total de si mesmo por amor; por isso, Ele gostava de estar com os discípulos e com as pessoas que tinha a oportunidade de conhecer. Para Ele, isto significava partilhar os seus desejos, os seus problemas, aquilo que agitava as suas almas e vidas. Pois bem, quando participamos na Santa Missa encontramo-nos com homens e mulheres de todos os tipos: jovens, idosos e crianças; pobres e abastados; naturais do lugar e estrangeiros; acompanhados pelos familiares e pessoas sós... Mas a Eucaristia que eu celebro leva-me a senti-los todos verdadeiramente como irmãos e irmãs? Faz crescer em mim a capacidade de me alegrar com quantos rejubilam, de chorar com quem chora? Impele-me a ir ao encontro dos pobres, dos enfermos e dos marginalizados? Ajuda-me a reconhecer neles o rosto de Jesus? Todos nós vamos à Missa porque amamos Jesus e, na Eucaristia, queremos compartilhar a sua paixão e ressurreição. Mas amamos, como deseja Jesus, os irmãos e irmãs mais necessitados? Por exemplo, nestes dias vimos em Roma muitas dificuldades sociais, ou devido às chuvas, que causaram prejuízos enormes para bairros inteiros, ou devido à falta de trabalho, consequência da crise económica no mundo inteiro. Pergunto-me, e cada um de nós deve interrogar-se: eu que vou à Missa, como vivo isto? Preocupo-me em ajudar, em aproximar-me, em rezar por quantos devem enfrentar este problema? Ou então sou um pouco indiferente? Ou, talvez, preocupo-me em tagarelar: reparaste como se veste esta pessoa, ou como está vestida aquela? Às vezes é isto que se faz depois da Missa, mas não podemos comportar-nos assim! Devemos preocupar-nos com os nossos irmãos e irmãs que têm necessidade por causa de uma doença, de um problema. Hoje, far-nos-á bem pensar nos nossos irmãos e irmãs que devem enfrentar estes problemas aqui em Roma: problemas devidos à tragédia provocada pelas chuvas, questões sociais e de trabalho. Peçamos a Jesus, que recebemos na Eucaristia, que nos ajude a ajudá-los!
    Um segundo indício, muito importante, é a graça de nos sentirmos perdoados e prontos para perdoar. Por vezes, alguém pergunta: «Por que deveríamos ir à igreja, visto que quem participa habitualmente na Santa Missa é pecador como os outros?». Quantas vezes ouvimos isto! Na realidade, quem celebra a Eucaristia não o faz porque se considera ou quer parecer melhor do que os outros, mas precisamente porque se reconhece sempre necessitado de ser acolhido e regenerado pela misericórdia de Deus, que se fez carne em Jesus Cristo. Se não nos sentirmos necessitados da misericórdia de Deus, se não nos sentirmos pecadores, melhor seria não irmos à Missa! Nós vamos à Missa porque somos pecadores e queremos receber o perdão de Deus, participar na redenção de Jesus e no seu perdão. Aquele «Confesso» que recitamos no início não é um «pro forma», mas um verdadeiro ato de penitência! Sou pecador e confesso-o: assim começa a Missa! Nunca devemos esquecer que a Última Ceia de Jesus teve lugar «na noite em que Ele foi entregue» (1 Cor 11, 23). Naquele pão e naquele vinho que oferecemos, e ao redor dos quais nos congregamos, renova-se de cada vez a dádiva do corpo e do sangue de Cristo, para a remissão dos nossos pecados. Temos que ir à Missa como pecadores, humildemente, e é o Senhor que nos reconcilia.
    Um último indício inestimável é-nos oferecido pela relação entre a celebração eucarística e a vida das nossas comunidades cristãs. É preciso ter sempre presente que a Eucaristia não é algo que nós fazemos; não é uma nossa comemoração daquilo que Jesus disse e fez. Não! É precisamente uma ação de Cristo! Ali, é Cristo quem age, Cristo sobre o altar! É um dom de Cristo, que se torna presente e nos reúne ao redor de Si, para nos alimentar com a sua Palavra e a sua vida. Isto significa que a própria missão e identidade da Igreja derivam dali, da Eucaristia, e ali sempre adquirem forma. Uma celebração pode até ser impecável sob o ponto de vista exterior, maravilhosa, mas se não nos levar ao encontro com Jesus corre o risco de não oferecer alimento algum ao nosso coração e à nossa vida. Através da Eucaristia, ao contrário, Cristo quer entrar na nossa existência e permeá-la com a sua graça, de tal modo que em cada comunidade cristã haja coerência entre liturgia e vida.
    O coração transborda de confiança e de esperança, pensando nas palavras de Jesus, citadas no Evangelho: «Quem comer a minha carne e beber o meu sangue terá a vida eterna; e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia» (Jo 6, 54). Vivamos a Eucaristia com espírito de fé, de oração, de perdão, de penitência, de júbilo comunitário, de solicitude pelos necessitados e pelas carências de numerosos irmãos e irmãs, na certeza de que o Senhor cumprirá aquilo que nos prometeu: a vida eterna. Assim seja!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Quinta-feira

    8 de Junho, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Tobite 6, 10-11a; 7, 1.9-17; 8, 4-9 a.

    Naqueles dias, tendo eles chegado à Média, quando se aproximavam de Ecbátana, 11Rafael disse ao jovem: «Tobias, irmão!» Este respondeu: «Eis-me aqui.» Ele, então, disse-lhe: «Esta noite devemos ficar em casa de Raguel. Este homem é teu parente e tem uma filha chamada Sara» ? O anjo conduziu-o à casa de Raguel. Encontraram-no sentado à porta do pátio e cumprimentaram-no. Raguel respondeu-lhes: «Eu vos saúdo, irmãos! De todo o coração, sede bem-vindos com saúde.» E introduziu-os em casa. 9Ora, tendo-se eles lavado e sentado para comer, Tobias disse a Rafael: «Irmão Azarias, pede a Raguel que me dê por esposa, Sara, minha irmã.» 10Raguel ouviu estas palavras, e respondeu a Tobias: «Come e bebe e passa a noite tranquilo, pois não há ninguém a quem toque tomar por esposa minha filha Sara, a não ser tu, irmão, pois nem mesmo eu tenho o direito de a entregar a outro homem senão a ti, porque és o meu parente mais próximo. Devo contudo, dizer-te a verdade, filho: 11Já a dei a sete maridos, escolhidos entre os nossos irmãos, e todos morreram na mesma noite em que dela se aproximaram. Contudo, meu filho, come e bebe agora, o Senhor providenciará em vosso favor.» 12Tobias, porém, replicou: «Não comerei nem beberei antes que resolvas a minha situação.» Respondeu Raguel: «Assim o farei. Ela te é dada segundo a lei de Moisés, e já que o Céu assim o determinou, então, que ela te seja dada. Toma-a desde este momento, segundo a Lei. Doravante serás seu irmão e ela tua irmã; é-te dada a partir de hoje, por toda a eternidade. E o Senhor do céu vos faça felizes, esta noite, meu filho, e derrame sobre vós misericórdia e paz!» 13A seguir, Raguel chamou Sara, sua filha. Quando ela se aproximou, tomou-lhe a mão e entregou-a a Tobias, dizendo: «Leva-a conforme a Lei de Moisés, a qual manda que te seja dada por esposa. Toma-a, pois, e leva-a alegremente, para a casa de teu pai. Que o Deus do céu vos guie em paz!» 14Chamou depois a mãe, mandou trazer uma tabuinha e escreveu o contrato matrimonial, declarando que dava Sara por esposa a Tobias, conforme a sentença da Lei de Moisés, e selou-o. Foi então que começaram a comer e a beber. 15Mais tarde, Raguel chamou Edna, sua esposa, e disse-lhe: «Irmã, prepara outro quarto, e leva para lá Sara.» 16Edna entrou no outro aposento e preparou-o, como o marido lhe dissera, e levou sua filha para o aposento nupcial e chorava por ela. Mas, enxugando as lágrimas, dizia-lhe: 17«Coragem, filha! O Senhor do céu te dê alegria em lugar da tua tristeza! Coragem, filha!» E saiu.4Entretanto, os pais de Sara tinham saído e fechado a porta do quarto. Tobias, então, ergueu-se do leito e disse à esposa: «Irmã, levanta-te; vamos orar para que o Senhor nos conceda a sua misericórdia e salvação.» 5Levantaram-se ambos e puseram-se a orar e a implorar que lhes fosse enviada a salvação, dizendo:«Bendito sejas, Deus dos nossos pais, e bendito seja o teu nome, por todas as gerações; louvem-te os céus e todas as tuas criaturas, por todos os séculos. 6Tu criaste Adão e deste-lhe Eva, sua esposa, como amparo valioso, e de ambos procedeu a linhagem dos homens. Com efeito, disseste: Não é bom que o homem esteja só; façamos-lhe uma auxiliar semelhante a ele. 7Agora, Senhor, Tu bem sabes que não é com paixão depravada que agora tomo por esposa a minha irmã, mas é com intenção pura. Permite, pois, que eu e ela encontremos misericórdia, e cheguemos juntos à velhice.» 8E ambos responderam ao mesmo tempo: «Ámen, Ámen!» 9Depois, deitaram-se para passar a noite.

    Neste texto, encontramos duas orações, uma mais breve, que acompanha a celebração do matrimónio, e outra mais longa, que é a oração dos esposos no quarto nupcial. Em Israel, o matrimónio era celebrado de modo muito simples e em família, sem a mediação de sacerdotes ou de qualquer acto litúrgico. Havia apenas uma pequena oração a implorar a paz para o novo lar. Assim foi celebrado o casamento de Tobias e Sara: «Raguel chamou Sara, sua filha. Quando ela se aproximou, tomou-lhe a mão e entregou-a a Tobias, dizendo: «Leva-a conforme a Lei de Moisés, a qual manda que te seja dada por esposa. Toma-a, pois, e leva-a alegremente, para a casa de teu pai. Que o Deus do céu vos guie em paz!» À primeira vista, o matrimónio, em Israel, era um acontecimento leigo e profano, mas, na verdade, era um evento profundamente religioso, que renovava a acção criadora de Deus. A dimensão religiosa do matrimónio não vem de ritos exteriores, mas da sua íntima estrutura criacional: o amor humano entre um homem e uma mulher é lugar do Amor de Deus.
    Uma vez sós, os esposos rezam. Sabem que não estão sós, que Deus está com eles. Sabem que o projecto que querem realizar não é deles, mas de Deus. Deus não pode ser excluído da relação matrimonial. Importa que a família, comunidade de amor, também seja comunidade de oração. É interessante ver Tobias e Sara que rezam e sabem como rezam: pedem para ser salvos da morte e para que o seu amor chegue até à idade mais avançada.
    O matrimónio é uma estrutura de amor: do amor dos esposos um pelo outro, mas também do amor de Deus por eles e do amor de ambos por Deus. Todo o verdadeiro amor tem origem em Deus, também aquele com que os esposos se amam.

    Segunda leitura: Marcos 12, 28b-34

    Naquele tempo, 28aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» 29Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; 30amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. 31O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» 32O escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e não existe outro além dele; 33e amá-lo com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» 34Vendo que ele respondera com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais ousava interrogá-lo.

    Depois dos fariseus, herodianos e saduceus, aparece um escriba de boa vontade, que faz uma pergunta simplesmente teórica, sem armadilhas mais ou menos camufladas. Era uma questão clássica e frequentemente debatida. A resposta de Jesus também não era completamente nova. Na verdade trata-se de uma questão central para Jesus e para todos os crentes. A resposta mais completa será dada com toda a sua vida.
    Jesus oferece ao escriba honesto uma resposta rigorosamente bíblica: remete-o para Dt 6, 4s. e para Lv 19, 18.
    Mas a compreensão plena da resposta só se obtém à luz da revelação, segundo a qual o nosso amor a Deus e ao próximo supõe um facto precedente e fundante: o amor de Deus para connosco. O amor de Deus é a medida com que se deve confrontar todo o amor humano. Se este nascer daquele, estender-se-á a toda a humanidade, a todo o homem sem distinções, e será um amor com toda a humanidade de que dispomos: o coração, a mente e a vontade. Este amor supera todo e qualquer acto de culto, sobretudo aquele que está separado do amor ao próximo. Notemos também a afirmação clara e incisiva do monoteísmo (vv. 29.32), em polémica com o ambiente pagão em que vivia a comunidade para quem Marcos escreveu o seu evangelho.

    Meditatio

    A primeira leitura parece nada ter a ver com os tempos actuais e com as realidades que vivemos ou verificamos à nossa volta, concretamente no que se refere ao matrimónio. Na publicidade de um qualquer produto, não falta, muitas vezes, o sexo misturado com um qualquer ingrediente, transformado em moeda, infelizmente já muito desvalorizada, de negócios e transacções. Em nome da liberdade, da maturidade e da autonomia do homem, quando se quer alcançar algum efeito "picante", recorre-se à apresentação de imagens e cenas, no mínimo, de mau gosto.
    A primeira leitura apresenta-nos um belo exemplo de educação ao amor. O amor do homem pela mulher, e da mulher pelo homem, é um dom de Deus, que pôs em nós esta profunda tendência. Mas este amor, no estado de decadência em que o pecado nos colocou, está terrivelmente viciado pelo egoísmo. O desejo sexual é um acto de amor. Mas, noutro sentido, pode tornar-se um grave obstáculo, quando se busca no outro apenas a satisfação própria. Tobias e Sara estão conscientes disso, e mostram-se fiéis ao amor. Tobias diz a Sara: «Sara, levanta-te; vamos orar ao Senhor...Somos filhos de santos, e não podemos unir-nos à maneira daqueles que não conhecem a Deus...» E, ao rezar a Deus: «Senhor, Tu bem sabes que não é com paixão depravada que agora tomo por esposa a minha irmã, mas é com intenção pura (o desejo de ter descendência). Esta história dramática mostra-nos como o dinamismo que nos leva ao amor pode precisar de purificação.
    Tudo isto é verdade no amor matrimonial, mas também nas outras relações interpessoais. Temos sempre alguma tendência para instrumentalizar os outros em vista dos nossos objectivos, para os "usar" em vez de os amar, para procurar neles o que nos agrada, o que satisfaz as nossas necessidades mais ou menos conscientes.
    Por outro lado, o amor precisa de ser fortalecido, diante das muitas dificuldades que se lhe opõem. Quantas vezes sentimos dificuldade em amar, porque não nos sentimos amados, compreendidos, correspondidos. Mas, se queremos amar, havemos de estar dispostos a enfrentar sacrifícios e renúncias. Precisamos de ser generosos, para enfrentarmos dificuldades e desânimos. Por isso, temos de escutar frequentemente o mandamento: «Amarás!... Amarás!... » Este mandamento, que já encontramos no Antigo Testamento, foi retomado por Jesus, que o praticou pessoalmente e no-lo deu para que os pratiquemos também. "Amar como Jesus amou" é refrão de uma conhecida canção de inspiração religiosa. Mas, para amar como Jesus amou, precisamos de um coração semelhante ao d´Ele, de um coração purificado. Amar como Jesus amou é estar disposto a viver um amor extremanete puro e forte, um amor que não hesita perante o sofrimento e a morte. Por isso, precisamos de um verdadeiro "transplante cardíaco": renunciar ao nosso coração (de pedra) e substituí-lo pelo Coração de Jesus, coração de carne, coração novo prometido em Ezequiel, que nos foi oferecido quando da instituição da Nova Aliança, na Páscoa de Cristo. Aceitemos esse Coração, e deixemo-lo viver em nós.

    Oratio

    Dá-nos, Senhor, um coração novo à imagem do Teu Coração e, no mais íntimo de nós mesmos, infunde um espírito novo que nos mantenha efectivamente abertos a Deus nosso Pai, acolhendo e correspondendo ao seu amor, e disponíveis para o serviço dos nossos irmãos, que queremos amar como Tu nos amas e os amas a eles. Torna-nos instrumentos de salvação, dá-nos ardor, dá-nos força e coragem para que, com tudo aquilo que temos e somos, possamos colaborar na salvação do mundo, ateando em todos os corações o amor com que nos amas, para que todos Te amem e dêem glória ao Pai. Ámen.

    Contemplatio

    Bem-aventurados os que amam com o amor que foram beber ao Coração de Jesus. Nesta fonte, nesta escola, vamos encontrar todos os recursos do amor: a palavra consoladora para a alma que sofre, a palavra de encorajamento para a alma abatida ou perturbada, o sorriso do perdão para a alma culpada. O coração que ama gosta de fazer a esmola de um sorriso, de proporcionar às almas um pouco de alegria e de bondade. Sejamos como um raio de sol de primavera, entre as contrariedades, os sofrimentos, as mil mágoas da vida, que afligem os nossos irmãos; como um raio que ilumina, que aquece, que dissipa as nuvens, que alegra o pobre, o doente, o abandonado. A alma que ama penetra tudo com a sua beneficente influência: é uma força, um poder, nada lhe resiste; possui a terra, ganhando o coração daqueles que a envolvem para os levar a Deus. É um apóstolo! Com o amor e a doçura tornamo-nos melhores. Quantas almas de esposos, de irmãos, de pais, devem a sua salvação à inalterável e paciente doçura de uma companheira, de uma irmã, de uma filha! Quantas almas desencaminhadas foram ganhas pelo amor de uma alma fraterna e amiga! (cf. Pe. Dehon, OSP 4, p. 607s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Amarás o Senhor, teu Deus,
    e o teu próximo como a ti mesmo» (cf. Mc 12, 30-31).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Sexta-feira

    9 de Junho, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Tobite 11, 5-17

    Naqueles dias, Ana estava sentada e olhava para o caminho, procurando descobrir o filho. 6Quando o viu, ao longe, disse ao marido: «Repara, aí vem o nosso filho, e com ele o seu companheiro.» 7Antes, porém, que Tobias chegasse junto do pai, disse-lhe Rafael: «Sei, com certeza, que os seus olhos se abrirão de novo. 8Unge-lhos com o fel do peixe: ao sentir ardor, esfregá-los-á, as cataratas desprender-se-ão e ele verá.» 9Ana deitou a correr e lançou-se ao pescoço do filho, dizendo: «Volto a ver-te, meu filho. Agora, já posso morrer!» E pôs-se a chorar. 10Tobite, tropeçando, encaminhou-se para a porta do pátio. 11Então o filho correu ao seu encontro, agarrou-o e derramou-lhe o fel nos seus olhos, dizendo: «Coragem, pai !» 12Enquanto lhe ardiam os olhos, esfregou-os, e as escamas desprenderam-se. 13Ao ver o filho, Tobite lançou-se-lhe ao pescoço e, chorando, disse: «Vejo-te, filho, tu que és a luz dos meus olhos!» 14E continuou:«Bendito seja Deus e bendito o seu grande nome! Benditos os seus santos anjos! Que seu nome esteja sobre nós e benditos sejam todos os seus anjos, pelos séculos sem fim! Ele puniu-me, mas eis que volto a ver Tobias o meu filho.»
    15Tobias entrou, cheio de alegria, e glorificou a Deus. Contou ao pai todas as maravilhas que tinham acontecido na sua viagem; disse-lhe que trazia o dinheiro e que tomara Sara, filha de Raguel, por esposa: «Ela já aí vem, está muito perto das portas de Nínive. 16Ao ouvir isto, Tobite, cheio de alegria e louvando a Deus, foi às portas de Nínive, ao encontro da nora. Vendo-o andar assim, com toda a segurança e sem ninguém o guiar pela mão, os habitantes de Nínive admiraram-se. Tobite, então, anunciava-lhes em alta voz que Deus fora misericordioso para com ele e lhe abrira os olhos. 17Assim que Tobite se encontrou com Sara, esposa do seu filho Tobias, abençoou-a e disse-lhe: «Sê bem-vinda, minha filha! Bendito seja Deus, que te trouxe para junto de nós e bendito seja o teu pai! Bendito seja Tobias, meu filho, e bendita sejas tu, filha! Entra e sê bem-vinda à tua casa; entra em bênção e alegria, filha!»

    A liturgia faz-nos escutar uma página edificante, que embeleza o discurso bíblico. Como outras páginas edificantes da Bíblia, tem a sua verdade e a sua poesia. O sonho faz parte da nossa relação com o mundo e com Deus. Além disso, é verdade que o justo nunca fica sem recompensa, se não do modo que esperava, de outro que Deus julga mais importante. Como cristãos, sabemos que nem sempre recebemos a recompensa da nossa fidelidade neste mundo.
    Voltando ao texto, contemplamos uma família que exulta de alegria, bendiz a Deus e dá-Lhe graças pelo regresso do filho e pela cura de Tobite. Quando o Senhor põe à prova os seus fiéis, não é para os castigar, mas para os purificar e lhes dar ainda mais.

    Segunda leitura: Marcos 12, 35-37

    Naquele tempo, 35ensinando no templo, Jesus tomou a palavra e perguntou: «Como dizem os doutores da Lei que o Messias é filho de David? 36O próprio David afirmou, inspirado pelo Espírito Santo: Disse o Senhor ao meu Senhor: 'Senta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés'. 37O próprio David chama-lhe Senhor; como é Ele seu filho?» E a numerosa multidão ouvia-o com agrado.

    Terminado o diálogo com o escriba excepcionalmente honesto, o evangelista retoma a polémica com os outros escribas e fariseus para dar um ensinamento da máxima importância sobre o mistério da sua pessoa, e levantar muito discretamente o véu, que esconde o seu segredo messiânico. De acordo com a tradição judaica, fundada na promessa a Natan (2 Sam 7, 14), e confirmada pelos grandes profetas da esperança messiânica, o Messias devia ser um descendente de David. Mas, no Sl 110, 1, David chama «meu Senhor» ao Messias: «como é Ele seu filho» (v. 37). Com esta pergunta deixada em suspenso, Jesus rompe, mais uma vez, esquemas feitos e tidos por seguros, que parecem afastar o esforço por acreditar. Ao mesmo tempo incita-nos a reflectir, e a deixar-nos descobrir pelo mistério da sua pessoa, a não presumirmos saber tudo sobre Ele. Há que reflectir sempre sobre a «experiência de Deus» que já fizemos.
    Jesus não recusa a ascendência davídica do Messias, quer que ultrapassemos a lógica limitada da continuidade histórica dinástica, porque a promessa de Deus vai além dos critérios da sucessão hereditária. O dom do Pai, no Filho, vai muito além de tudo quanto a mente humana possa entender, porque será sempre um dom inédito e surpreendente.

    Meditatio

    A história de Tobias e de Sara aproxima-se do fim. Ana, que estivera a perscrutar o horizonte, anuncia a Tobite que o filho está de volta: «Aí vem o nosso filho, e com ele o seu companheiro» (v. 6). Há grande alvoroço na família. É a festa dos pobres de Israel, que vêem realizados, para além de toda a esperança, os seus anseios. Tobias regressa com Sara libertada do mau espírito. Tobite recupera a vista. A unidade familiar recompõe-se. É uma história com um fim realmente feliz, como poucas das que nos relatam os nossos meios de comunicação social. Parece até demasiadamente feliz, para ser verdadeira, como alguém pode pensar... A oração de Tobite, enquanto os seus olhos se abrem para o filho regressado, permite-nos penetrar para além das imagens vivas e ingénuas, para colhermos o seu significado profundo. É verdade: Deus ouviu a oração de Tobite, não desiludiu a sua confiança, que foi capaz de perseverar e crescer na provação. A vida de Tobite fora sacudida por uma tempestade de acontecimentos trágicos e destrutivos. Mas ele soube vê-los como provação mandada por Deus, para verificar a sua fidelidade. Tobite não desiludiu a Deus. Batido por ondas e ventos contrários, soube acreditar e confiar. A sua boca só se abriu para louvar e bendizer o Senhor. Agora é Deus que não desilude o seu humilde servo, e o recompensa generosamente.
    A vista verdadeira é-nos agora dada pelo "peixe", que na tradição cristã é símbolo de Cristo. Também o fel entra na vida de Cristo: «Deram-lhe a beber vinho misturado com fel» (Mt 27, 34). Este fel pode representar a amargura que Jesus provou na paixão, para que os nossos olhos se abrissem à beleza da vida nova, da nova luz.
    Agradeçamos ao Senhor que, cada dia, nos faz encontrar ajudas e solicitações para que nos abramos à sua luz, ao seu amor, e encontremos força para aceitar tudo da sua mão, também as provações. Estas entram no seu desígnio sobre nós. Portanto, havemos de vivê-las na fé e num confiante abandono. As nossas Constituições também chamam ao abandono "disponibilidade" para com Deus e para com os homens. É a atitude que está na raiz da oblação, termo caro ao Pe. Dehon. A palavra "abandono" exprime a atitude do crente, que caminha
    na presença de Deus, obedecendo aos seus apelos. O abandono confiante nas mãos de Deus Pai é a disposição fundamental de Cristo na sua obediência. Para nós, dehonianos, será busca de Deus e da sua vontade, procura do seu projecto de amor e dos novos caminhos pelos quais esse projecto se realiza. O abandono faz da nossa vida religiosa um sacrifício de amor a Deus, na paz e na alegria.

    Oratio

    Ó Jesus, Tu és o Caminho que leva ao Pai! Tu és o homem das dores, que bem conhece o sofrimento. Convidas-me a seguir-Te, colocando os meus passos incertos nas tuas pegadas seguras. Dá-me a graça de abraçar a cruz de cada dia, pronunciando o meu "sim", em atitude de completo abandono, sem medos nem hesitações, para me unir inteiramente à oblação com que nos remiste, reunindo e apresentando ao Pai os filhos que andavam dispersos. Amen.

    Contemplatio

    Os anjos louvam a Deus e servem-n'O. «Eles são milhares de milhares, diz Daniel, à volta do trono de Deus, ocupados em servi-l' O» (Dan 7, 10). «Anjos do céu, diz o salmo, bendizei o Senhor, vós que executais as suas ordens» (Sl 102). Deus envia-os para junto das criaturas. O seu nome significa «mensageiros». «São os enviados de Deus, diz S. Paulo, vêm ajudar os homens a realizar a sua salvação» (Heb 1, 14). Há os anjos das nações e os anjos de cada um de nós. Deus dizia ao seu povo por Moisés: «Enviarei o meu anjo diante de vós. Conduzir-vos-á, guardar-vos-á e dirigir-vos-á para a terra que vos prometi» (Ex 23). Deus acrescentava: «Honrai-o, escutai a sua voz quando vos fala por Moisés. Se lhe obedecerdes, sereis abençoados e triunfareis sobre os vossos inimigos. Se o desprezardes, sereis castigados» (Ibid.). «Deus ordenou aos seus anjos, diz o salmo, que vos guardassem em todos os vossos caminhos. Levar-vos-ão nas suas mãos para que eviteis as pedras do caminho» (Sl 90). Trata-se aqui dos anjos de cada um de nós. «Respeitai as crianças, diz Nosso Senhor, os seus anjos vêem constantemente a face de meu Pai» (Mt 18, 10). Os anjos vigiam particularmente as crianças. Quando Senaquerib cercava Jerusalém, o anjo de Deus feriu de morte um grande número de Assírios. É o anjo protector do povo de Deus (2Rs 19, 35). Mas quando David ofendeu a Deus, o mesmo anjo fez perecer de peste um bom número de Israelitas (2Sam 24, 16). Os anjos protectores conduzem Lot e os seus para fora de Sodoma (Gn 19). O anjo da guarda de Agar consola-a no deserto (Gn 21). O anjo de Elias desperta-o e mostra-lhe o pão e a água que o fortificarão (1Rs 19, 5). Transmite-lhe muitas vezes as ordens de Deus. Como a vida de Tobite e a viagem do seu filho estão cheias de mistérios e de figuras. Deus dá a esta família um poderoso protector, o arcanjo Rafael. Ele guia Tobias, salva-o dos apertos do peixe, dá a vista ao seu pai, e oferece as orações e as obras da família ao Senhor. O anjo desce com Daniel e os seus companheiros à fossa e à fornalha, e preserva-os do fogo e dos leões. Um anjo acorda Pedro, parte as cadeias e liberta-o da prisão. É o anjo S. Miguel, sem dúvida, o anjo da Igreja. Como deveríamos ser mais confiantes nos anjos! (Leão Dehon, OSP 4, p. 315s.)

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Bendito sejais, Senhor,
    que, depois de me teres provado, me curastes» (Tb 11, 17).

  • Santo Anjo da Guarda de Portugal

    Santo Anjo da Guarda de Portugal


    10 de Junho, 2023

    A devoção ao Anjo da Guarda é muito antiga em Portugal. Tomou, porém, incremento especial com as Aparições do Anjo, em Fátima, aos Pastorinhos. Pio XII aprovou a comemoração do Anjo de Portugal no Calendário Litúrgico de Portugal.

    Mensageiros de Deus, em momentos decisivos da História da Salvação, os Anjos estão encarregados da guarda dos homens (Mt 18, 10; At 12, 13) e da proteção da Igreja (Ap 12, 1-9). A fé cristã crê também possuir cada nação em particular um Anjo encarregado de velar por ela.

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel, 10, 2a, 5-6.12-14b

    Naqueles dias, levantando os olhos, vi um homem vestido de linho. Tinha sobre os rins uma cinta de ouro de Ufaz. 6O corpo era como que de crisólito; a face brilhava como o relâmpago, os olhos como fachos ardentes, os braços e os pés tinham o aspecto do bronze polido e a sua voz ressoava como o rumor de uma multidão. 12Disse-me: «Não tenhas medo, Daniel, porque, desde o primeiro dia em que te aplicaste a compreender e te humilhaste diante do teu Deus, a tua oração foi atendida e é por causa de ti que eu aqui venho. 13O príncipe do reino da Pérsia resistiu-me durante vinte e um dias; mas Miguel, um dos primeiros príncipes, veio em meu socorro. Deixei-o a bater-se com os reis da Pérsia, 14e aqui estou para te fazer compreender o que deve acontecer ao teu povo nos últimos dias."

    Nos capítulos 7 a 12 de Daniel, encontramos uma série de apocalipses ou revelações relacionados entre si, apesar de serem unidades independentes e autónomas. Abundam os elementos simbólicos: o grande mar, os quatro ventos, os quatro animais, o pequeno chifre, o ancião e o filho do homem, para além de outros pormenores de números e colorido. Para compreender todos estes símbolos, teríamos de nos colocar no mundo do autor e na sua mentalidade, simultaneamente judaica, profética e apocalítica. Estão em jogo a história e a mitologia, a tradição e o futuro messiânico. A finalidade é conseguir suscitar a convicção de que no fim dos tempos, que está próximo, o reino de Deus será entregue ao povo dos santos de Deus, o resto profético. O anjo de Deus defende esse povo. De modo semelhante, todos os povos e nações têm um Anjo encarregado por Deus de os proteger e defender em todos os perigos, de modo que a vida temporal se oriente para a eterna e todos os povos possam vir a formar o único Povo de Deus.

    Evangelho: Lucas 2, 8-14

    Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. 9Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. 10O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: 11Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. 12Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.» 13De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: 14«Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado.»

    Lucas leva-nos a Belém, cidade das promessas de Israel, para falar do nascimento de Jesus. Mas a verdade mais profunda do nascimento de Jesus é anunciada pelo anjo da força e da presença de Deus no meio dos homens, que quebra o silêncio da noite e proclama: "Nasceu-vos o Salvador" (2, 11). É a verdade da Boa Nova de um mundo novo, dirigida aos pastores, que vivem afastados e não têm lugar nas cidades dos homens, que não se ocupam das coisas da lei judaica (do cerimonial) e, por conseguinte, são impuros. A eles, e a todos os humildes da terra, é dirigida a mensagem da verdade salvadora: "Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor" (v. 11).

    Meditatio

    "A existência dos seres espirituais, não-corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé. P testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição" (Catecismo da Igreja Católica).
    Deus nunca deixa só o homem desorientado e desanimado. Do mesmo modo, protege os povos e nações, particularmente nos momentos de maiores dificuldades. Há uma criação visível que, pelo menos em parte, vemos com os olhos do corpo. Mas há também uma criação invisível que só podemos perceber através dos sentidos espirituais, através da fé, da oração, da iluminação interior que nos vem do Espírito Santo.
    Quem são, portanto, os anjos? São, em primeiro lugar, um sinal luminoso da Providência, da paterna bondade de Deus, que jamais deixa faltar aos filhos aquilo de que precisam. Intermediários entre a terra e o céu, os anjos são criaturas invisíveis postas à nossa disposição, e à disposição dos povos e nações, para nos guiar no caminho de regresso a casa do Pai. Vêm do Céu para nos reconduzir ao Céu. Fazem-nos, desde já, saborear algo das realidades celestes.
    O cuidado e a guarda dos nossos anjos podem, por vezes, experimentar-se de modo muito concreto e sensível, desde que saibamos reconhecê-los. Trata-se de encontros "casuais", que todavia se tornam fundamentais e determinantes na vida de uma pessoa ou de uma ajuda imprevista e inesperada em situações de perigo. Pode ser também uma intuição repentina que nos permite dar-nos conta de um erro, de um esquecimento. Como não sentir-nos guiados, protegidos e amavelmente socorridos? Os anjos protegem-nos de perigos de que nos damos conta, sobretudo, do perigo de nos tornarmos autossuficientes, surdos a Deus e desobedientes à sua palavra. Além disso, sugerem-nos pensamentos retos e humildes, bons sentimentos. Desde o seu começo até à morte, a vida humana é acompanha pela assistência e intercessão dos anjos: "Cada fiel tem a seu lado um anjo protetor e pastor para o guiar na vida" (S. Basílio Magno). De igual modo, "toda a vida da Igreja beneficia da ajuda misteriosa e poderosa dos anjos" (At 5, 18-20; 8, 26-29; 10, 3-8; 12, 6-11; 27, 23-25). Porque não pensar que acontece com os povos e nações o que acontece com cada homem e com a Igreja? Peçamos ao Anjo de Portugal que nos livre de todas as adversidades, nos defenda nas adversidades, dirija os nossos passos, como nação, no caminho da salvação e da paz.

    Oratio

    Senhor, Pai Santo, proclamamos a vossa imensa glória, que resplandece nos Anjos e nos Arcanjos, e, honrando estes mensageiros celestes, exaltamos a vossa infinita bondade, porque a veneração que eles merecem é sinal da vossa incomparável grandeza sobre as criaturas. Hoje, com a multidão dos Anjos, que celebram a vossa divina majestade, queremos adorar-vos e bendizer-vos. Ámen. (cf. Prefácio dos Anjos)

    Contemplatio

    Os Anjos louvam a Deus e servem-n'O. "Eles são milhares de milhares, diz Daniel, à volta do trono de Deus, ocupados em servi-l'O" (Dan 7, 10). "Anjos do céu, diz o salmo, bendizei o Senhor, vós que executais as suas ordens" (Sl 102). Deus envia-os junto das criaturas. O seu nome significa "mensageiros". "São os enviados de Deus, diz S. Paulo, vêm ajudar os homens a realizarem a sua salvação" (Heb 1, 14). Há os anjos das nações e os anjos de cada um de nós. Deus dizia ao seu povo por Moisés: "Enviarei o meu anjo diante de vós. Conduzir-vos-á, guardar-vos-á e dirigir-vos-á para a terra que vos prometi" (Ex 23). Deus acrescentava: "Honrai-o, escutai a sua voz quando vos fala por Moisés. Se lhe obedecerdes, sereis abençoados e triunfareis sobre os vossos inimigos. Se o desprezardes, sereis castigados" (Ibid.). "Deus ordenou aos seus anjos,para que te guardem em todos os teus caminhos. Eles hão-de elevar-te na palma das mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra." (Sl 90). Trata-se aqui dos anjos de cada um de nós. (Leão Dehon, OSP 4, p. 316).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Bendito seja o Senhor,
    que nos protege por meio do seu Anjo" (Judite 13, 20).

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    Santo Anjo da Guarda de Portugal  (10 Junho)

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