Week of Out 17th

  • 29º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    29º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    16 de Outubro, 2022

    ANO C

    29º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 29º Domingo do Tempo Comum

    A Palavra que a liturgia de hoje nos apresenta convida-nos a manter com Deus uma relação estreita, uma comunhão íntima, um diálogo insistente: só dessa forma será possível ao crente aceitar os projectos de Deus, compreender os seus silêncios, respeitar os seus ritmos, acreditar no seu amor.
    O Evangelho sugere que Deus não está ausente nem fica insensível diante do sofrimento do seu Povo... Os crentes devem descobrir que Deus os ama e que tem um projecto de salvação para todos os homens; e essa descoberta só se pode fazer através da oração, de um diálogo contínuo e perseverante com Deus.
    A primeira leitura dá a entender que Deus intervém no mundo e salva o seu Povo servindo-Se, muitas vezes, da acção do homem; mas, para que o homem possa ganhar as duras batalhas da existência, ele tem que contar com a ajuda e a força de Deus... Ora, essa ajuda e essa força brotam da oração, do diálogo com Deus.
    A segunda leitura, sem se referir directamente ao tema da relação do crente com Deus, apresenta uma outra fonte privilegiada de encontro entre Deus e o homem: a Escritura Sagrada... Sendo a Palavra com que Deus indica aos homens o caminho da vida plena, ela deve assumir um lugar preponderante na experiência cristã.

    LEITURA I - Ex 17,8-13a

    Leitura do Livro do Êxodo

    Naqueles dias,
    Amalec veio a Refidim atacar Israel.
    Moisés disse a Josué:
    «Escolhe alguns homens
    e amanhã sai a combater Amalec.
    Eu irei colocar-me no cimo da colina,
    com a vara de Deus na mão».
    Josué fez o que Moisés lhe ordenara e atacou Amalec,
    enquanto Moisés, Aarão e Hur subiram ao cimo da colina.
    Quando Moisés tinha as mãos levantadas,
    Israel ganhava vantagem;
    mas quando as deixava cair, tinha vantagem Amalec.
    Como as mãos de Moisés se iam tornando pesadas,
    trouxeram uma pedra e colocaram-no por debaixo
    para que ele se sentasse,
    enquanto Aarão e Hur, um de cada lado,
    lhe seguravam as mãos.
    Assim se mantiveram firmes as suas mãos até ao pôr do sol
    e Josué desbaratou Amalec e o seu povo ao fio da espada.

    AMBIENTE

    A primeira leitura de hoje situa-nos no contexto da caminhada dos hebreus pelo deserto (antes da entrada na Terra Prometida) e no quadro de um confronto violento entre os hebreus e um grupo de habitantes do deserto.
    Os inimigos que, neste episódio, os hebreus tiveram de enfrentar são designados como "Amalek". As listas de Gn 36,12.16 ligam-nos à descendência de Esaú, o que os torna etnicamente aparentados com os hebreus... Seja como for, trata-se de tribos nómadas, violentas e agressivas (Dt 25,17-19 faz referência a uma emboscada montada pelos amalecitas aos hebreus em marcha pelo deserto e ao assassínio de alguns membros da comunidade do Povo de Deus que, sedentos e esgotados, caminhavam na retaguarda da coluna), que habitavam o Negev (cf. Nm 13,29; Jz 1,16) e que se opuseram, desde o início, à penetração israelita na Terra Prometida. Mais tarde, estes mesmos amalecitas aparecerão como adversários de Saúl (cf. 1 Sm 15) e de David (cf. 1 Sm 30). Para os hebreus, são os inimigos por excelência. Segundo a Melkhita sobre o Êxodo, rabi Eliézer dizia: "Deus jurou pelo trono da sua glória que, se qualquer uma das nações viesse para se fazer prosélita, seria recebida; mas Amalek nunca seria recebida na sua casa".
    Para entendermos cabalmente o texto que aqui nos é proposto, convém ainda recordar que as tradições sobre a libertação (Ex 1-18) têm como objectivo primordial fazer uma catequese sobre o Deus libertador, que salvou o seu Povo da opressão e da morte, que o fez atravessar a pé enxuto o mar Vermelho e o encaminhou através do deserto... Não interessa aqui a reportagem jornalística do acontecimento; importa a catequese sobre esse Deus a quem Israel é convidado - pela história fora - a agradecer a sua vida e a sua liberdade.

    MENSAGEM

    A nossa história narra, pois, um confronto entre os hebreus em marcha pelo deserto e os amalecitas; enquanto o Povo chefiado por Josué combatia contra os inimigos, Moisés, no cimo de um monte, rezava e implorava a ajuda de Deus... De acordo com os catequistas de Israel, enquanto Moisés mantinha as mãos levantadas, os hebreus levavam vantagem sobre os inimigos; mas logo que Moisés, vencido pelo cansaço, deixava cair as mãos, eram os amalecitas que dominavam. A solução foi colocar Aarão e Hur ao lado de Moisés, amparando-lhe as mãos: assim, os hebreus levaram de vencida os inimigos.
    Não interessa, aqui, perguntar se a história se passou exactamente assim, ou se Deus estava mesmo do lado dos hebreus, ajudando-os a massacrar os amalecitas... Temos de entender este texto como uma página de catequese, através da qual os teólogos de Israel pretendem educar o seu Povo; e aquilo que esta catequese pretende ensinar é que a libertação se deve, mais do que aos esforços do Povo, à acção de Deus.
    Por outro lado, a catequese que o texto nos propõe sublinha a importância da oração. Os teólogos de Israel sabem (e pretendem deixar essa mensagem) que é preciso invocar o Deus libertador com perseverança e insistência. Para vencer as duras batalhas que a vida nos apresenta, é preciso ter a ajuda e a força de Deus; e essa ajuda e essa força brotam de um diálogo contínuo, nunca interrompido e nunca acabado, do crente com Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes coordenadas:

    • O que nós temos no Livro do Êxodo não é o retrato de um Deus injusto e parcial, que ajuda um Povo a derrotar e a chacinar outros povos; mas é uma catequese em que um Povo, olhando para a sua história numa perspectiva de fé, constata a presença e a acção de Deus nesse processo de libertação que os trouxe da escravidão para a liberdade. Os teólogos de Israel quiseram ensinar - embora servindo-se de formas de expressão típicas da sua época - que Deus não ficou de braços cruzados diante do sofrimento do seu Povo e que, por isso, veio ao seu encontro, conduziu-o, deu-lhe forças e permitiu-lhe ser senhor do seu destino... Portanto, é a Deus que Israel deve agradecer a sua salvação. Hoje, somos convidados a percorrer um caminho semelhante e a descobrir o Deus libertador vivo e actuante na nossa história, agindo no coração e na vida de todos aqueles que lutam por um mundo mais justo, mais livre e mais humano. Israel descobriu que, no plano de Deus, aquilo que oprime e destrói os homens não tem lugar; e que, sempre que alguém luta para ser livre, Deus está com essa pessoa e age nela.

    • É exactamente por a ajuda de Deus ser decisiva na luta por um mundo mais livre e mais humano que os catequistas de Israel sublinham o papel da oração... Quem sonha com um mundo melhor e luta por ele, tem de
    viver num diálogo contínuo, profundo, com Deus: é nesse diálogo que se percebe o projecto de Deus para o mundo e se recebe d'Ele a força para vencer tudo o que oprime e escraviza o homem. A oração que dá sentido e conteúdo à intervenção no mundo faz parte da minha vida?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 120 (121)

    Refrão: O nosso auxílio vem do Senhor,
    que fez o céu e a terra.

    Levanto os meus olhos para os montes:
    donde me virá o auxílio?
    O meu auxílio vem do Senhor,
    que fez o céu e a terra.

    Não permitirá que vacilem os teus passos,
    não dormirá Aquele que te guarda.
    Não há-de dormir nem adormecer
    aquele que guarda Israel.

    O Senhor é quem te guarda,
    o Senhor está a teu lado, Ele é o teu abrigo.
    O sol não te fará mal durante o dia,
    nem a luz durante a noite.

    O Senhor te defende de todo o mal,
    o Senhor vela pela tua vida.
    Ele te protege quando vais e quando vens,
    agora e para sempre.

    LEITURA II - 2 Tim 3,14-4,2

    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo

    Caríssimo:
    Permanece firme no que aprendeste
    e aceitaste como certo,
    sabendo de quem o aprendeste.
    Desde a infância conheces as Sagradas Escrituras;
    elas podem dar-te a sabedoria que leva à salvação,
    pela fé em Cristo Jesus.
    Toda a Escritura, inspirada por Deus,
    é útil para ensinar, persuadir, corrigir
    e formar segundo a justiça.
    Assim o homem de Deus será perfeito,
    bem preparado para todas as boas obras.
    Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo,
    que há-de julgar os vivos e os mortos,
    pela sua manifestação e pelo seu reino:
    Proclama a palavra,
    insiste a propósito e fora de propósito,
    argumenta, ameaça e exorta,
    com toda a paciência e doutrina.

    AMBIENTE

    A segunda leitura oferece-nos, mais uma vez, um trecho da Segunda Carta a Timóteo. Recordamos (outra vez) que a redacção desta carta deve ser colocada nos finais do séc. I ou princípios do séc. II, numa altura em que as comunidades cristãs se debatiam com as perseguições organizadas, a falta de entusiasmo dos crentes e as falsas doutrinas... O autor desta carta pretende convidar os crentes em geral (e os animadores das comunidades, em particular) a redescobrirem o entusiasmo pelo Evangelho e a defenderem-se de tudo aquilo que punha em causa a verdade recebida de Jesus, através dos apóstolos.

    MENSAGEM

    No geral, o trecho que nos é proposto é uma exortação a Timóteo, no sentido de permanecer fiel à verdadeira doutrina aprendida da Tradição e da Escritura. Insinuam-se já, aqui, os critérios de discernimento adoptados no séc. II para distinguir a verdadeira da falsa doutrina: a posse da verdade está garantida quando aquele que ensina é um sucessor legítimo dos apóstolos (deles recebeu a autoridade para animar e pastorear a Igreja) e quando ele transmite fielmente a verdade recebida dos apóstolos, em conformidade com a Escritura.
    A Palavra transmitida na Escritura é "inspirada por Deus" (o termo grego "théopneustos", aqui utilizado, tem sentido passivo e sugere que, na composição dos livros que formam a Escritura, interveio, além do autor humano, o próprio Deus); por isso, nela está "a sabedoria que leva à salvação" (3,15). A utilidade da Escritura é descrita através de quatro verbos fortes: "ensinar", "persuadir", "corrigir" e "formar". Fica assim claro que a Escritura é a fonte para toda a formação e educação cristã, para fazer aparecer o "homem perfeito" (3,17).
    Nos últimos versículos do nosso texto (4,1-2), continua a exortação a Timóteo no sentido de que cumpra a sua tarefa de animador da comunidade cristã de forma adequada e entusiasta. Em tom solene e patético, o autor desta carta convida Timóteo a proclamar a Palavra "a propósito e fora de propósito" (a expressão utilizada indica que a Palavra deve ser proclamada mesmo quando a ocasião não parece muito propícia, sem medo, sem respeitos humanos, sem falsos pudores), "com toda a paciência e doutrina" (isto é, com uma adequada pedagogia pastoral).

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e partilha podem fazer-se de acordo com as seguintes linhas:

    • Dizer que a Escritura é inspirada por Deus significa que ela contém as palavras que Deus quer dirigir-nos, a fim de nos indicar o caminho para a vida plena... No dizer de Leão XIII, a Escritura é "uma carta outorgada pelo Pai celeste ao género humano viandante longe da sua pátria, e que os autores sagrados nos transmitiram" (Providentissimus Deus, nº 4). A Escritura deve, pois, assumir um lugar preponderante na nossa vida pessoal e na vida das nossas comunidades cristãs. Isso acontece? Que lugar ocupa a leitura, a reflexão e a partilha da Palavra de Deus na minha vida? Que lugar ocupa a Palavra de Deus na vida e na experiência das nossas comunidades cristãs? O que é que assume um valor mais determinante na experiência cristã: as práticas rituais, as devoções particulares, as leis e os códigos, ou a Palavra de Deus?

    • Porque a Palavra de Deus aparece envolta em roupagens e géneros literários típicos de uma época e de uma cultura determinada, é preciso estudá-la, aprender a conhecer o mundo e a cultura bíblica, compreender o enquadramento e o ambiente em que o autor sagrado escreve... As nossas comunidades cristãs têm o cuidado de organizar iniciativas no campo da informação e do estudo bíblico, de forma a proporcionar aos nossos cristãos uma informação adequada para compreender melhor a Palavra de Deus? E quando há essa informação, os nossos cristãos têm o cuidado de a aproveitar? Porquê?

    • A leitura que nos foi proposta chama, também, a atenção daqueles que estão ao serviço da Palavra: eles devem anunciá-la em todas as circunstâncias, sem respeito humano, sem jogos de conveniências, sem atenuarem a radicalidade da Palavra; e devem, também, preparar-se convenientemente, a fim de que a Palavra se torne atraente e chegue ao coração dos que a escutam... É assim que procedem aqueles a quem a Igreja confia o serviço da Palavra?

    ALELUIA - Heb 4,12

    Aleluia. Aleluia.

    A palavra de Deus é viva e eficaz,
    pode discernir os pensamentos e intenções do coração.

    EVANGELHO - Lc 18,1-8

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    Jesus disse aos seus discípulos uma parábola
    sobre a necessidade de orar sempre sem desanimar:
    «Em certa cidade vivia um juiz
    que não temia a Deus nem respeitava os homens.
    Havia naquela cidade uma viúva
    que vinha ter com ele e lhe dizia:
    'Faz-me justiça contra o meu ad
    versário'.
    Durante muito tempo ele não quis atendê-la.
    Mas depois disse consigo:
    'É certo que eu não temo a Deus nem respeito os homens;
    mas, porque esta viúva me importuna,
    vou fazer-lhe justiça,
    para que não venha incomodar-me indefinidamente'».
    E o Senhor acrescentou:
    «Escutai o que diz o juiz iníquo!...
    E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos,
    que por Ele clamam dia e noite,
    e iria fazê-los esperar muito tempo?
    Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa.
    Mas quando voltar o Filho do homem,
    encontrará fé sobre esta terra?»

    AMBIENTE

    O Evangelho apresenta-nos mais uma etapa do "caminho de Jerusalém". O texto que hoje nos é proposto vem na sequência do discurso escatológico sobre a vinda gloriosa do Filho do Homem (cf. Lc 17,20-37). A parábola do juiz e da viúva deve, pois, ser entendida neste ambiente.
    Trata-se de um texto que não tem paralelo noutro evangelista; no entanto, é similar à parábola do amigo importuno que vem pedir pão a meio da noite e que é atendido por causa da sua insistência (cf. Lc 11,5-8).
    Não esqueçamos que Lucas escreveu o terceiro Evangelho durante a década de 80... É uma época em que as comunidades cristãs sofrem por causa da hostilidade dos judeus e dos pagãos e em que já se anunciam as grandes perseguições que dizimaram as comunidades cristãs no final do séc. I. Os cristãos estão inquietos, desanimados e anseiam pela segunda vinda de Cristo - isto é, pela intervenção definitiva de Deus na história para derrotar os maus e salvar o seu Povo.

    MENSAGEM

    O nosso texto consta de uma parábola e da sua aplicação teológica.
    Os personagens centrais da parábola (vers 2-5) são uma viúva e um juiz. A viúva, pobre e injustiçada (na Bíblia, é o protótipo do pobre sem defesa, vítima da prepotência dos ricos e dos poderosos), passava a vida a queixar-se do seu adversário e a exigir justiça; mas o juiz, "que não temia Deus nem os homens", não lhe prestava qualquer atenção... No entanto, o juiz - apesar da sua dureza e insensibilidade - acabou por fazer justiça à viúva, a fim de se livrar definitivamente da sua insistência importuna.
    Apresentada a parábola, vem a sua aplicação teológica (vers. 6-8). Se um juiz prepotente e insensível é capaz de resolver o problema da viúva por causa da sua insistência, Deus (que não é, nem de perto nem de longe, um juiz prepotente e sem coração) não iria escutar os "seus eleitos que por Ele clamam dia e noite e iria fazê-los esperar muito tempo?"
    Naturalmente, estamos diante de uma pergunta retórica. É evidente que, se até um juiz insensível acaba por fazer justiça a quem lhe pede com insistência, com muito mais motivo Deus - que é rico em misericórdia e que defende sempre os débeis - estará atento às súplicas dos seus filhos.
    Dado o contexto em que a parábola aparece, é certo que Lucas pretende dirigir-se a uma comunidade cristã cercada pela hostilidade do mundo, que começava a ver no horizonte próximo o espectro das perseguições e que estava desanimada porque, aparentemente, Deus não escutava as súplicas dos crentes e não intervinha no mundo para salvar a sua Igreja. A resposta que Lucas deixa aos seus cristãos é a seguinte: ao contrário do que parece, Deus não abandonou o seu Povo, nem é insensível aos seus apelos; Ele tem o seu projecto, o seu plano e o seu tempo próprio para intervir... Aos crentes resta moderar a sua impaciência e confiar em que Ele não deixará de intervir para os libertar.
    Que é que tudo isto tem a ver com a oração? Porque é que esta é uma parábola sobre a necessidade de rezar ("Jesus disse-lhes uma parábola sobre a necessidade de orar sempre, sem desanimar" - vers. 1)? Lucas pede aos cristãos a quem a mensagem se destina que, apesar do aparente silêncio de Deus, não deixem nunca de dialogar com Ele. É nesse diálogo que entendemos os projectos e os ritmos de Deus; é nesse diálogo que Deus transforma os nossos corações; é nesse diálogo que aprendemos a entregar-nos nas mãos de Deus e a confiar n'Ele. Sobretudo, que nada (nem o desânimo, nem a desconfiança perante o silêncio de Deus) nos leve a desistir de uma verdadeira comunhão e de um profundo diálogo com Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, podem ser considerados os seguintes aspectos:

    • Porque é que Deus permite que tantos milhões de homens sobrevivam em condições tão degradantes? Porque é que os maus e injustos praticam arbitrariedades sem conta sobre os mais débeis e nenhum mal lhes acontece? Como é que Deus aceita que 2.800 milhões de pessoas (cerca de metade da humanidade) vivam com menos de três euros por dia? Como é que Deus não intervém quando certas doenças incuráveis ameaçam dizimar os pobres dos países do quarto mundo, perante a indiferença da comunidade internacional? Onde está Deus quando as ditaduras ou os imperialismos maltratam povos inteiros? Deus não intervém porque não quer saber dos homens e é insensível em relação àquilo que lhes acontece? É a isto que o Evangelho de hoje procura responder... Lucas está convicto de que Deus não é indiferente aos gritos de sofrimento dos pobres e que não desistiu de intervir no mundo, a fim de construir o novo céu e a nova terra de justiça, de paz e de felicidade para todos... Simplesmente, Deus tem projectos e planos que nós, na nossa ânsia e impaciência, não conseguimos perceber. Deus tem o seu ritmo - um ritmo que passa por não forçar as coisas, por respeitar a liberdade do homem... A nós resta-nos respeitar a lógica de Deus, confiar n'Ele, entregarmo-nos nas suas mãos.

    • Para que Deus e os seus projectos façam sentido ou, pelo menos, para que a aparente falta de lógica dos planos de Deus não nos lancem no desespero e na revolta, é preciso manter com Ele uma relação de comunhão, de intimidade, de diálogo. Através da oração, percebemos quem Deus é, percebemos o seu amor e a sua misericórdia, descobrimos a sua bondade e a sua justiça... E, dessa forma, constatamos que Ele não é indiferente à sorte dos pobres e que tem um projecto de salvação para todos os homens. A oração é o caminho para encontrarmos o amor de Deus.

    • O diálogo que mantemos com Deus não pode ser um diálogo que interrompemos quando deixamos de perceber as coisas ou quando Deus parece ausente; mas é um diálogo que devemos manter, com perseverança e insistência. Quem ama de verdade, não corta a relação à primeira incompreens&ati
    lde;o ou à primeira ausência. Pelo contrário, a espera e a ausência provam o amor e intensificam a relação.

    • A oração não é uma fórmula mágica e automática para levar Deus a fazer-nos as "vontadinhas"... Muitas vezes, Deus terá as suas razões para não dar muita importância àquilo que Lhe pedimos: às vezes pedimos a Deus coisas que nos compete a nós conseguir (por exemplo, passar nos exames); outras vezes, pedimos coisas que nos parecem boas, mas que a médio prazo podem roubar-nos a felicidade; outras vezes, ainda, pedimos coisas que são boas para nós, mas que implicam sofrimento e injustiça para os outros... É preciso termos consciência disto; e quando parece que Deus não nos ouve, perguntemos a nós próprios se os nossos pedidos farão sentido, à luz da lógica de Deus.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 29º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 29º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA CELEBRADA NA EUCARISTIA.
    A Palavra de Deus não se limita ao tempo da proclamação e da escuta da Palavra. Na preparação da celebração, procurar que algumas expressões da liturgia da Palavra estejam presentes no momento penitencial, nalguma intenção da oração dos fiéis, num momento de acção de graças...

    3. BILHETE DE EVANGELHO.
    O juiz da parábola faz justiça, não para fazer respeitar a justiça, mas para ter a paz. É a perseverança da mulher que lhe faz obter o que ela pede. O que conta aos olhos do Senhor é a perseverança no pedido. Deus parece esperar a confiança daqueles que Lhe rezam. A confiança não tem limites... Mas Jesus coloca a terrível questão: "O Filho do Homem, quando vier, encontrará fé sobre a terra?" Não respondamos demasiado depressa... A nossa oração verifica a nossa fé, mas é necessário que ela se faça perseverança...

    4. À ESCUTA DA PALAVRA.
    "É preciso rezar sempre sem desencorajar". Jesus tomou o exemplo da viúva que pede obstinadamente que a justiça lhe seja feita, para ilustrar o seu convite a uma oração perseverante, também ela obstinada. Mas poderíamos esperar esta conclusão: "Se vós insistis sem cessar junto de Deus com a vossa oração, então, como o juiz, Ele acabará por ceder e atenderá o vosso pedido". Mas não! Jesus parece incoerente. Ele diz: "E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo? Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa". É preciso rezar longamente, com perseverança, sem desencorajar e então Deus escuta-nos depressa, sem tardar! Tudo isso não é muito lógico! Mas que quer Jesus dizer-nos? A palavra-chave é que "Deus faz-nos justiça". É uma palavra terrivelmente ambígua. A justiça entre os homens é indispensável. Consiste em dar a cada um o que lhe é devido, a reconhecer os deveres e os direitos de cada um. Há leis para dizer quais são esses direitos e deveres, há juízes para aplicar essas leis. Mas a justiça humana é sempre muito limitada e é preciso, muitas vezes, uma longa paciência para que ela seja, ao menos um pouco, aplicada! Com Deus, as coisas não são assim. Deus não é um juiz mais perfeito que os juízes terrestres, a justiça de Deus não é um decalque eterno da justiça humana. Jesus veio revelar-nos que Deus é Amor. Desde então, Deus é justo quando a sua acção é "ajustada" ao seu ser, é justo quando ama. O mais alto degrau da justiça é perdoar e fazer misericórdia, porque aí se manifesta em plena luz a verdadeira natureza de Deus, o seu amor totalmente gratuito. É precisamente isso que pedem os "eleitos", aqueles que compreenderam qual é a justiça de Deus: Ó Deus, dá-me o teu amor, o teu Espírito Santo, para que Ele ajuste o meu coração e toda a minha vida ao teu amor. Perdoa os meus pecados". Esta oração, Deus atende-a sem tardar, como fez ao bom ladrão: "Hoje, estarás comigo no Paraíso". Esta oração, posso e devo fazê-la todos os dias, sem me cansar, sem me desencorajar, porque é todos os dias que preciso de ser ajustado ao amor de Deus.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que recorda toda a história da salvação e está em harmonia com a perseverança pedida ao homem; é toda a Aliança...

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO DA VIDA...
    Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo... Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus: "o Senhor é quem te guarda... o Senhor vela pela tua vida..."; "proclama a palavra, insiste a propósito e fora de propósito, argumenta, ameaça e exorta, com toda a paciência e doutrina"; "...necessidade de orar sempre sem desanimar...". Procurar transformá-las em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida...

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • XXIX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    17 de Outubro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 2, 1-10
    Irmãos: 1Vós estáveis mortos pelas vossas faltas e pecados, 2aqueles em que vivestes outrora, de acordo com o curso deste mundo, de acordo com o príncipe que domina os ares, o espírito que agora actua nos rebeldes... 3Como eles, todos nós nos comportámos outrora: entregues aos nossos desejos mundanos, fazíamos a vontade dele, seguíamos os seus impulsos, de tal modo que estávamos sujeitos por natureza à ira divina, precisamente como os demais. 4Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo amor imenso com que nos amou, 5precisamente a nós que estávamos mortos pelas nossas faltas, deu-nos a vida com Cristo - é pela graça que vós estais salvos - 6com Ele nos ressuscitou e nos sentou no alto do Céu, em Cristo. 7Pela bondade que tem para connosco, em Cristo Jesus, quis assim mostrar, nos tempos futuros, a extraordinária riqueza da sua graça. 8Porque é pela graça que estais salvos, por meio da fé. E isto não vem de vós; é dom de Deus; 9não vem das obras, para que ninguém se glorie. 10Porque nós fomos feitos por Ele, criados em Cristo Jesus, para vivermos na prática das boas obras que Deus de antemão preparou para nelas caminharmos.
    Paulo, depois da magnífica oração contemplativa da realidade de Cristo, lembra, agora, aos efésios a experiência que fizeram de morte espiritual, seguindo Satanás. O Apóstolo inclui-se entre os «rebeldes», que seguiram Satanás, opondo-se a Deus porque, «entregues aos desejos mundanos», lhe faziam a vontade. Numa tradução mais literal, diz: «entregues aos desejos da carne». O termo «carne» é frequente no Novo Testamento e havemos de compreendê-lo bem. Por vezes significa a natureza humana nos seus aspectos de fragilidade; outras vezes, significa as paixões do homem inclinado para o mal; outras vezes ainda alude a um estilo de vida negativo que leva à morte espiritual. O que é certo é que, no Novo Testamento, este termo nunca se refere ao «corpo», ou à matéria em geral, como realidade negativa. Os «desejos da carne» são, pois, atitudes negativas do homem na sua totalidade, decorrentes do mau uso da sua liberdade. Daí que, tantos os israelitas como os pagãos, ou outros, eram «merecedores da ira». Não se trata de uma paixão destruidora de Deus, mas do seu justo juízo de condenação, uma vez que não pode aprovar o mal.
    Na sua argumentação, Paulo introduz um «mas» que realça o contraste entre o errar humano e a intervenção de Deus: «Mas, Deus, que é rico em misericórdia, pelo amor imenso com que nos amou» (v. 4), nos arrancou da morte para a vida, em Cristo Jesus. E, mais uma vez, sublinha que todo o processo da salvação (ser perdoado, regenerado, herdar o céu) acontece em Cristo e por Cristo. É pela fé que somos salvos e vivemos como salvos. Não pelos nossos méritos. A fé, todavia, não exclui as boas obras. Deus quer que as façamos e dá-nos possibilidades para isso (v. 10).

    Evangelho: Lucas 12, 13-21
    Naquele tempo, 13alguém do meio multidão disse a Jesus: «Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo.» 14Ele respondeu-lhe: «Homem, quem me nomeou juiz ou encarregado das vossas partilhas?» 15E prosseguiu: «Olhai, guardai-vos de toda a ganância, porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens.» 16Disse-lhes, então, esta parábola: «Havia um homem rico, a quem as terras deram uma grande colheita. 17E pôs-se a discorrer, dizendo consigo: 'Que hei-de fazer, uma vez que não tenho onde guardar a minha colheita?' 18Depois continuou: 'Já sei o que vou fazer: deito abaixo os meus celeiros, construo uns maiores e guardarei lá o meu trigo e todos os meus bens. 19Depois, direi a mim mesmo: Tens muitos bens em depósito para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te.' 20Deus, porém, disse-lhe: 'Insensato! Nesta mesma noite, vai ser reclamada a tua vida; e o que acumulaste para quem será?' 21Assim acontecerá ao que amontoa para si, e não é rico em relação a Deus.»
    Ao contar o episódio do pedido que alguém faz a Jesus para que resolva uma questão familiar, Lucas introduz a parábola do homem rico cujo campo produzira com abundância. Esse homem decide demolir os celeiros, construir outros e, depois de recolher todos os bens, pensa viver muitos anos sossegado a usufruir deles sozinho. Mas Deus não aceita a sua insensatez, fazendo-lhe ver que é Ele o senhor da vida e que, de um momento para o outro (sempre muito em breve!), o rico avarento será chamado a dar contas dela.
    O texto termina com uma afirmação sapiencial muito forte: «Assim acontecerá ao que amontoa para si, e não é rico em relação a Deus» (v. 21). Quem pensa acumular bens para enriquecer unicamente em vista de si mesmo é insensato; diante de Deus só se enriquece vivendo o preceito do amor. Só quem dá se torna verdadeiramente rico, recebendo o amor de Deus e a vida eterna.

    Meditatio
    Havemos de nos preocupar em enriquecer, não de bens materiais, mas de caridade aos olhos de Deus. Jesus censura o homem rico, que se alegra com as riquezas, sem saber que está muito próximo da morte, pensando apenas em si mesmo, não se lembrando dos pobres.
    Precisamos de enriquecer aos olhos de Deus, em caridade. Na carta aos efésios encontramos hoje um exemplo de caridade. S. Paulo escreve a pagãos convertidos ao cristianismo e celebra a unidade realizada por Deus, em Cristo, entre os Judeus, o povo eleito, e os pagãos: «Irmãos: Vós estáveis mortos pelas vossas faltas e pecados» (v. 1). O Apóstolo não mistifica a realidade: estavam em pecado. Mas continua imediatamente: «Como eles, todos nós nos comportámos outrora...de tal modo que estávamos sujeitos por natureza à ira divina, precisamente como os demais» (v. 3).
    Paulo insiste sobre a sua indignidade diante de Deus. Poderia ter acumulado tesouros para si, sublinhando a riqueza religiosa dos Judeus em relação à miséria dos pagãos, e isso seria verdade, porque os judeus tinham uma vida religiosa e moral melhor do que os pagãos. Mas não o fez: pôs-se, pelo contrário, ao mesmo nível dos pagãos, com todo o seu povo, para juntamente com eles receber a graça de Deus. Isto é caridade. Escreve o Apóstolo: «Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo amor imenso com que nos amou, precisamente a nós que estávamos mortos pelas nossas faltas, deu-nos a vida com Cristo é pela graça que vós estais salvos» (vv. 4-5). Deus é rico em misericórdia e, diante d´Ele, estamos todos ao mesmo nível.
    Deste modo, Paulo manifesta, em relação aos pagãos convertidos, uma caridade delicada, uma caridade que é difícil quando nos sentimos superiores aos outros que, segundo o nosso modo de ver, não fazem coisas boas (deixando subentendido: &la
    quo;como as que fazemos nós»). E abandonamo-nos a um instintivo sentimento de soberba, pensando: nós não somos assim! «Obrigado, Senhor, porque não sou como os outros homens!» - rezava o fariseu (cf. Lc 18, 13).
    A caridade, pelo contrário, aproxima-nos dos outros. Também nós somos capazes de fazer o mal, como e mais do que os outros e, se não o cometemos, foi por infinita bondade e misericórdia de Deus para connosco.
    «Implicados no pecado, mas participantes na graça redentora..., queremos unir-nos a Cristo presente na vida do mundo e, em solidariedade com Ele e com toda a humanidade e a criação inteira, oferecer-nos ao Pai como oblação viva, santa e agradável (cf. Rm 12,1).
    A nossa vocação de oblatos e reparadores, torna-nos solidários com todos os homens, também com os pecadores, em cujo número nos incluímos. Mas também queremos tornar-nos solidários com Cristo, e com os nossos irmãos na fé, para colaborarmos na sua promoção, na sua evangelização e no seu crescimento humano e espiritual. A nossa "solidariedade", tal como a de Cristo, não deve ser somente "afectiva": «Vendo as multidões, sentiu compaixão por elas, porque eram como ovelhas sem pastor» (Mt 9, 36); mas "efectiva": Jesus multiplica os pães (cf. Mc 8, 1-9), cura os doentes (cf. Mt 15, 30), «anuncia a Boa Nova aos pobres» (Lc 4, 18).
    Temos consciência da graça redentora, fruto do amor incomensurável de Deus para connosco. E, tal como o Pe. Dehon, queremos corresponder-lhe «com uma união íntima ao Coração de Cristo e com a instauração do seu Reino nas almas e nas sociedades» (Cst. 4), isto é, servindo o Reino e servindo os homens concretos que nos rodeiam. Este propósito há-de levar-nos ao compromisso pessoal, à acção, à "disponibilidade" para com os irmãos em necessidade. Só assim poderemos reviver a experiência do Pe. Dehon «sensível ao pecado que enfraquece a Igreja», aos «males da sociedade", de que «descobre a causa mais profunda... na recusa do amor de Cristo». Mas também há que praticar a partilha, como nos ensina: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como estará nele o amor de Deus? Meus filhinhos, não amemos com palavras, nem com a língua, mas por acções e em verdade» (1 Jo 3, 17-18; cf. Tg 2, 14-17). A insensatez do homem rico consistiu em não abrir o coração e os celeiros aos outros...

    Oratio
    Senhor, dá-me a luz do teu Espírito para discernir em mim os desejos bons e os desejos maus, a vontade boa e a vontade má. Então saberei gerir correctamente os teus dons, tanto materiais como espirituais. Então hei-de lembrar-me que a vida passa como a flor do feno e que a ganância é insensatez.
    Dá-me, Senhor, um coração livre do apego e da avidez pelo «ter»: ter coisas, ter títulos, ter cargos, ter prestígio... Que me preocupe mais em «ser» tal como me criaste, e a tornar-me, cada vez, adulto, à tua imagem. Tu és Amor, Amor solidário connosco! Que eu saiba ser amor solidário contigo e, como tu, solidário com os homens meus irmãos. Amen.

    Contemplatio
    Ousarei, ó Jesus, interpretar aqui o vosso pensamento? Vós dissestes a vós mesmo desde toda a eternidade: «Se Eu, a Verdade infinita, Eu, o Verbo, afirmasse aos homens pecadores que os amo com um amor imenso; se lhes afirmasse que a sua alma, chamada à alegria divina e eterna é de um valor inestimável; se lhes dissesse quanto o céu é deslumbrante, como o inferno é medonho, não acreditariam em mim, não acreditariam no meu amor. Se lhes dissesse estas coisas incarnado, vivendo entre eles no poder e na riqueza, na alegria e na glória, e instruindo-os eu mesmo, na sua linguagem, acerca destas verdades, ainda assim não se sentiriam tocados. Em vão, afirmar-lhes-ia o meu amor pela Criação, pela Incarnação, pelo Evangelho, não responderiam. «Dir-lhes-ei, portanto, que os amo, numa linguagem que eles não poderão entender, que há-de tocar e arrebatar os seus corações. Depois de ter vivido na fraqueza, nos trabalhos, na obscuridade, nos sofrimentos, morrerei na cruz por eles, Eu, o Filho de Deus. Por eles, multiplicarei por toda a terra e eternizarei o meu sacrifício; então acreditarão que os amo». E eis porque o Coração de Jesus não quis exercer somente um sacerdócio pacífico no louvor e na acção de graças, mas um sacerdócio completo na imolação de si mesmo, como hóstia de amor e de reparação (Leão Dehon, OSP 2, p. 541).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O que preparaste, para quem será?» (Lc 12, 20).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    18 de Outubro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 2, 12-22
    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
    Irmãos: No tempo em que éreis pagãos, vós estáveis sem Cristo, privados do direito de cidadania em Israel e alheios às alianças da promessa divina, sem esperança e sem Deus no mundo. Foi em Cristo Jesus que vós, outrora longe de Deus, vos aproximastes d’Ele, graças ao sangue de Cristo. Cristo é, de facto, a nossa paz. Foi Ele que fez de judeus e gregos um só povo e derrubou o muro da inimizade que os separava, anulando, pela imolação do seu corpo, a Lei de Moisés com as suas prescrições e decretos. E assim, de uns e outros, Ele fez em Si próprio um só homem novo, estabelecendo a paz. Pela cruz reconciliou com Deus uns e outros, reunidos num só Corpo, levando em Si próprio a morte à inimizade. Cristo veio anunciar a boa nova da paz, paz para vós, que estáveis longe, e paz para aqueles que estavam perto. Por Ele, uns e outros, podemos aproximar-nos do Pai, num só Espírito. Por isso, já não sois estrangeiros nem hóspedes, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, que tem Cristo como pedra angular. Em Cristo, toda a construção, bem ajustada, cresce para formar um templo santo do Senhor; e em união com Ele, também vós sois integrados na construção, para vos tornardes, no Espírito Santo, morada de Deus.
    Palavra do Senhor.

    Paulo sublinha a grande pobreza dos Efésios, quando pagãos, por não terem Cristo. Não ter Cristo significa estar longe de Deus. Mais ainda: nem sequer eram israelitas, povo de Deus, com direito às promessas. Agora, graças ao sangue de Cristo, tudo mudou.
    A afirmação central da perícopa é: «Cristo é a nossa paz» (v. 1ss.). "Paz" significa duas coisas: abolição daquilo que separava judeus e pagãos; reconciliação de todo o homem com Deus, uma vez que foi eliminado o pecado. E tudo foi obra de Cristo. A separação era muito profunda. Era como que se houvesse um «muro» entre Deus e os homens, e um «muro» entre os próprios homens. A observância da Lei tornara-se formalismo legalista que impedia a obediência a Deus. Agora é possível obedecer, graças à pacificação realizada pela Incarnação do Verbo e pela sua morte e ressurreição. Graças a essa paz, nasceu o «homem novo» (v. 16). Agora, o caminho que leva ao Pai, tanto para quem vem do judaísmo, como para quem vem do paganismo, é uma serena caminhada no Espírito.
    Ao terminar, Paulo define a nossa identidade como Igreja: somos «concidadãos dos santos e membros da casa de Deus» (v. 19), solidamente edificados sobre os Apóstolos e Profetas. A nossa pedra angular é Jesus. Dele nos vem a possibilidade de evoluir espiritualmente até nos tornarmos, caminhando com os irmãos, verdadeiro templo de Deus, sua habitação, graças ao Espírito Santo.

    Evangelho: Lucas 12, 35-38

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 35«Estejam apertados os vossos cintos e acesas as vossas lâmpadas. 36Sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor ao voltar da boda, para lhe abrirem a porta quando ele chegar e bater. 37Felizes aqueles servos a quem o senhor, quando vier, encontrar vigilantes! Em verdade vos digo: Vai cingir-se, mandará que se ponham à mesa e há-de servi-los. 38E, se vier pela meia-noite ou de madrugada, e assim os encontrar, felizes serão eles.
    «Estejam apertados os vossos cintos e acesas as vossas lâmpa¬das» (v. 35). Este convite do Senhor é seguido de uma bem-aventurança: «Felizes aqueles servos» (v. 37). Esta bem-aventurança está colocada entre duas parábolas: a dos servos que esperam o seu senhor, e a do senhor que, ao regressar, em vez de se alimentar e descansar, convida os servos para a mesa e os serve. Ele mesmo!
    E vem o tema da vigilância tão frequente no ensino de Jesus. A imagem das lâmpadas lembra a parábola das 10 virgens (Mt 25, 1-13) e tem o seu contraponto no sono de Pedro, Tiago e João no jardim das Oliveiras. Eles dormiam porque «os seus olhos estavam pesados» (Mc 14, 40). O convite de Jesus: «Vigiai e orai, para não cederdes à tentação» (Mc 14, 38) tinha caído em saco roto.
    Os cintos apertados e as lâmpadas acesas indicam a atitude de estar prontos a permanecer ou a partir, conforme as ordens do senhor. Inspirando-se nos costumes da sua terra, Jesus aponta a vigilância espiritual como uma atitude importante para o cristão. Lucas regista outro convite de Jesus: «Tende cuidado convosco: que os vossos corações não se tornem pesados com a devassidão» (Lc 21, 34). A devassidão entorpece os olhos do coração, dificulta o crescimento e ilude a vida. O torpor espiritual faz perder o sentido da vida actual e futura. A certa altura o cristão já não sabe por que razões viver a sua fé... O que é dramático!

    Meditatio
    Redescobrir Jesus como «a nossa paz» é uma urgente necessidade para o nosso mundo actual. São muitas as propostas de paz no hipermercado da sociedade de consumo em que vivemos... Podemos deixar-nos seduzir por produtos errados e falsas seguranças, na tentativa de nos defendermos do sofrimento e da morte, caindo no torpor espiritual. Em vez de tomarmos consciência de que esta vida é apenas "preparação" daquela vida de amor e felicidade, que Deus nos preparou em Cristo, absolutizamos a vida presente, como se o bem-estar actual fosse tudo.
    Quando não se obtém o resultado esperado, e se fica feridos e desiludidos, nada mais resta do que recorrer aos psico-fármacos e a outros paliativos... E, então, revela-se a necessidade existencial de viver Cristo como «nossa paz», pedindo-lhe que destrua dentro de nós a inimizade que impede aceitar-nos a nós mesmos e à nossa história pessoal, que nos impede olhar a cruz de Cristo como a única que dá sentido ao esforço e beleza à nossa existência. Contemplando o mistério pascal do Senhor, teremos bem acesa a lâmpada da fé, que se torna confiança em todas as circunstâncias, e nos torna vigilantes, acordados e prontos para realizar a tarefa que o Senhor nos confia. É preciso estar a cumpri-la, quando o Senhor vier. É essa a atitude humana digna do verdadeiro discípulo de Cristo: estar disponível, pronto, com toda a confiança. O senhor saberá compensar esse servo, introduzindo-o no banquete onde a vida será uma festa eterna.
    Em Jesus, nossa paz, como cristãos e como dehonianos, devemos trabalhar para que os homens restabeleçam os laços de amor com o Pai, eliminando o pecado e cooperando para a superação das inimizades e das divisões, das oposições e marginalizações entre os homens. Em Jesus, nossa paz, devemos comprometer-nos a viver relações sempre autênticas na Igreja, na nossa comunidade, no mundo, por meio do diálogo, da compreensão, da cooperação; queremos valorizar a vida de acordo com as exigências da caridade, que é disponibilidade, serviço, oblação de amor.

    Oratio
    Senhor Jesus, Tu és a nossa paz. Ajuda-nos a acolher-te como nossa paz e a dar testemunho de Ti como Príncipe da paz. Tu és a nossa paz, porque és plenitude de vida, totalidade, consolação, fecundidade, bênção, salvação.
    Torna-nos "obreiros de paz", como nos convidas nas bem-aventuranças. Faz-nos servidores da reconciliação, como é próprio da nossa missão apostólica, como pessoas e como comunidade.
    Que jamais caiamos no torpor espiritual ou nos deixemos dominar pelo legalismo ou pelo formalismo.
    Dá-nos um coração sereno, vigilante e pronto para cumprirmos tudo o que o Pai quer de nós. Amen.

    Contemplatio
    O grande sinal do amor verdadeiro e fervoroso, é o pensamento daquele que se ama, é o cuidado de tudo lhe oferecer e de tudo fazer com coração por amor dele. Quanto mais alguém ama mais é pressionado pela necessidade de tudo oferecer como uma marca de amor: Qui edunt me adhuc esurient et qui bibunt me adhuc sitient. Esta necessidade torna atento a fazer bem tudo o que faz. Torna delicado nas pequenas coisas. Esta delicadeza toca muito Nosso Senhor, porque é a marca de um amor profundamente enraizado. A estas almas que o amor tornou assim atentas a lhe agradar até nos mínimos pormenores da sua vida, reserva ternuras particulares. É a elas que se aplicam estas palavras do Esposo: «Tu feriste o meu coração, ó minha irmã e minha esposa, com o teu olhar e com a tua cabeleira: Vulnerasti cor meum, soror mea sponsa, in uno oculorum tuorum et in uno crine colli tui». Que marca de amor haveria num trabalho de que alguém se desobrigaria como de uma estopada enfadonha?
    Finalmente, a grande vantagem deste hábito de sempre pensar em Jesus e de sempre lhe oferecer as suas acções como uma garantia de amor, é de realizar várias práticas ao mesmo tempo, de as resumir, de as concentrar numa só, que conduz directamente à perfeição. Agir em espírito de fé, agir mantendo-se na presença de Deus, agir com uma grande pureza de intenção, tudo isto se encontra reunido num só acto inspirado pelo coração: Agir por puro amor pelo Coração de Jesus. (Leão Dehon, OSP 2, p. 77).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Senhor Jesus, és a minha paz»
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    19 de Outubro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 3, 2-12
    Irmãos: 2Com certeza, ouvistes falar da graça de Deus que me foi dada para vosso benefício, a fim de realizar o seu plano: 3que, por revelação, me foi dado conhecer o mistério, tal como antes o descrevi resumidamente. 4Lendo-o, podeis fazer uma ideia da compreensão que tenho do mistério de Cristo, 5que, não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, em gerações passadas, como agora foi revelado aos seus santos Apóstolos e Profetas, no Espírito: 6os gentios são admitidos à mesma herança, membros do mesmo Corpo e participantes da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho. 7Dele me tornei servidor, pelo dom da graça de Deus que me foi dada, pela eficácia do seu poder. 8A mim, o menor de todos os santos, foi dada a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo 9e a todos iluminar sobre a realização do mistério escondido desde séculos em Deus, o criador de todas as coisas 10para que agora, por meio da Igreja, seja dada a conhecer, aos Principados e às Autoridades no alto do Céu, a multiforme sabedoria de Deus, 11de acordo com o desígnio eterno que Ele realizou em Cristo Jesus Senhor nosso. 12Em Cristo, mediante a fé nele, temos a liberdade e coragem de nos aproximarmos de Deus com confiança.
    Paulo, em estilo confidencial, apresenta aos Efésios o ministério recebido de Deus: anunciar o mistério de Cristo aos pagãos. O Apóstolo está consciente da grandeza desse mistério, só agora plenamente revelado em Cristo. Por isso, anuncia e celebra a eficácia de um poder que não vem dele, mas das insondáveis riquezas de Cristo, em favor do Efésios (v. 8). Eles, tal como os judeus, são chamados a formar o mesmo corpo místico de Jesus que é a Igreja, a participar das mesmas promessas, à mesma herança que é a vida eterna. É verdade: os pagãos, como todos os homens, por vontade do Altíssimo, são chamados a usufruir da magnanimidade de Deus, no Qual desde há séculos estava escondido o mistério da salvação total que agora, ele mesmo, o mais pequeno dos santos, isto é, dos crentes, tem a missão de anunciar.
    Mais ainda: inesgotável riqueza do mistério de Cristo não diz respeito só aos homens, mas também às realidades angélicas (principados, potestades) em ordem à multiforme sabedoria de Deus (v. 10) que, pelo mistério de Cristo - incarnado, morto e ressuscitado por nós - guia a história para a salvação. É isto que, para Paulo, cria em nós uma fé verdadeira, que se torna total confiança no Senhor.

    Evangelho: Lucas 12, 39-48
    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 39Ficai a sabê-lo bem: se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão, não teria deixado arrombar a sua casa. 40Estai preparados, vós também, porque o Filho do Homem chegará na hora em que menos pensais.» 41Pedro disse-lhe: «Senhor, é para nós que dizes essa parábola, ou é para todos igualmente?» 42O Senhor respondeu: «Quem será, pois, o administrador fiel e prudente a quem o senhor pôs à frente do seu pessoal para lhe dar, a seu tempo, a ração de trigo? 43Feliz o servo a quem o senhor, quando vier, encontrar procedendo assim. 44Em verdade vos digo que o porá à frente de todos os seus bens. 45Mas, se aquele administrador disser consigo mesmo: 'O meu senhor tarda em vir' e começar a espancar servos e servas, a comer, a beber e a embriagar-se, 46o senhor daquele servo chegará no dia em que ele menos espera e a uma hora que ele não sabe; então, pô-lo-á de parte, fazendo-o partilhar da sorte dos infiéis. 47O servo que, conhecendo a vontade do seu senhor, não se preparou e não agiu conforme os seus desejos, será castigado com muitos açoites. 48Aquele, porém, que, sem a conhecer, fez coisas dignas de açoites, apenas receberá alguns. A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito será pedido.»
    Esta parábola alerta-nos para o perigo de vivermos uma vida adormentada, não tendo em consideração que não seremos avisados da hora em que o Senhor Jesus há-de vir pedir-nos contas. É, mais uma vez, o tema da vigilância. Pedro, em vez de se deixar provocar positivamente, pergunta se a parábola é para os discípulos ou também para todos. Parece insinuar que os que seguem Jesus, os crentes e praticantes, possam viver tranquilos. Porque, então, dirigir-lhes um discurso tão inquietante? Pedro parece não ter gostado nada das palavras de Jesus.
    Em vez de lhe responder, Jesus, como noutras ocasiões, faz outra pergunta: «Quem será, pois, o administrador fiel e prudente?» (v. 42). Jesus é um provocador! E conta mais uma parábola em que manifesta a satisfação do senhor (que é o "Senhor!") que, ao regressar, encontra os servos a cumprir fielmente os seus deveres. Premeia-os generosamente (vv. 43s.). Mas os servos infiéis aos seus deveres, malcomportados e violentos, serão castigados severamente (vv. 45s.). E a maior severidade será para aqueles que, conhecendo melhor o Senhor e a sua vontade, em vez de a cumprirem amorosamente, se comportam de modo infiel (vv. 47s.).

    Meditatio
    O amor de Deus por nós é exigente e, por isso, a nossa vida não pode decorrer no desinteresse e na preguiça. Mas, como evitar aquela espécie de sonolência que, por vezes, tanto dificulta a nossa vida espiritual?
    A primeira atitude será abrir bem os olhos do coração para as maravilhosas riquezas da nossa vocação, que liberta em nós uma grande força de admiração e de amor. Escreve Paulo: «A mim, o menor dos menores de todos os santos, foi dada esta graça» (v. 8ª). O Apóstolo está consciente da largueza e da profundidade desse chamamento, radicado no mistério de Cristo. Por isso, se enche de espanto e dá testemunho dele, convencendo-me de que o desígnio de Deus - realizado em Cristo por nosso amor - é de tal ordem que posso aproximar-me dele com total confiança (cfr. v. 12). O mais importante é não descuidar esta dimensão contemplativa que, pela graça do Espírito em nós, abre os olhos do nosso coração para os horizontes ricos e maravilhosos da nossa fé.
    Se encho os meus olhos cada dia, na contemplação das «insondáveis riquezas de Cristo», não me deixarei de tal modo invadir por ocupações e preocupações, que me afogue na euforia dos sucessos ou me deprima nas planícies do insucesso. Se me deixar cativar pelo maravilhoso mistério de Cristo que, dia a dia, a Palavra me revela e narra, não serei como o servo descuidado e esquecido do regresso do Senhor, não me deixarei perder nos caminhos do egoísmo ou dos desvarios. Pelo contrário, avançarei pelas vias da acção confiante na grande força que Jesus me dá para viver e fazer brilhar aos olhos dos irmãos as maravilhas do seu amor.
    É este testemunho que devemos dar na Igreja, como «Oblatos-Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus» (Cst. 6). O Pe. Dehon insistia em que os seus religiosos fossem arautos das insondáveis riquezas de Cristo (cf. Ef 3, 8). Também a nós, que somos os menores «entre todos os santos, foi concedida», como a S. Paulo, a «graça de anunciar... as insondáveis riquezas de Cristo» (Ef 3, 8). Anunciá-las especialmente aos pequenos, aos humildes, aos operários, aos pobres (cf. Cst. 31) «inspirando-lhes uma terna devoção» ao divino Coração e estimulando-os a ser para com Ele «amigos e reparadores», como lemos nas Constituições de 1885 (c. I, nn. 1-2). Nas Memórias (NHV) de Março de 1912, o Pe. Dehon exorta-nos a «continuar a difundir, a tornar mais intenso» o seu apostolado de «conduzir os sacerdotes e os fiéis ao Coração de Jesus, para Lhe oferecer um tributo quotidiano de adoração e de amor» (LC. n. 387 e n. 386).
    Para alargar este apostolado é que o Pe. Dehon escreveu quase todos os seus livros de espiritualidade: Retiro do Sagrado Coração" (1896), Mês do Sagrado Coração (1901), Coroas de amor ao Sagrado Coração (1905), O Coração Sacerdotal de Jesus (1907), Ano com o Sagrado Coração (1919), Estudos sobre o Sagrado Coração de Jesus (1922-1923).

    Oratio
    Pai santo, dá-me o teu Espírito para que possa, como Paulo, como o teu discípulo amado, João, e como o Pe. Dehon, ver, contemplar, penetrar com um olhar de fé as insondáveis riquezas do mistério de Cristo, teu Filho, e do projecto de amor que, por ele realizaste, em favor dos judeus e dos pagãos, de toda a humanidade. Que essa contemplação me leve a acreditar, a aderir, com todo o meu ser, ao Crucificado de Lado aberto, e a dar testemunho dele diante de todos os homens, especialmente do mais pequenos e fracos, dos que sofrem no corpo ou na alma, do teu amor que redime e salva. Amen.

    Contemplatio
    Adorar com pleno conhecimento daquilo que Deus é, e ter o desejo íntimo, insaciável, de lhe dar tudo o que lhe é devido; não ver senão o seu Ser que está em tudo, e não ter movimento senão para se humilhar e se aniquilar na sua presença, a fim de honrar a majestade e a infinidade deste ser, que é o único ser verdadeiro, era o estado, as disposições sempre activas, o acto incessante e inexprimivelmente amoroso do Coração sacerdotal de Jesus. Acto amoroso, porque finalmente a religião, é o amor. A religião opera no amor, termina e consome-se no amor. O amor é a sua forma, a sua beleza, o seu ser. É o amor que adora, é o amor que louva, abençoa, suplica, expia e, aniquilando-se, encontra a união com o Ser que é o seu tudo. «O culto, diz Santo Agostinho, é todo amor: Non colitur Deus nisi amando» (Ep. 140, c. 18).
    A religião exterior de Jesus Cristo não era senão uma manifestação dos sentimentos do seu coração, do seu respeito, da sua gratidão, do seu amor, do seu zelo pelo seu Pai. Passava a noite na oração; - erguia os olhos para o seu Pai; - declarava que não vivia senão para o seu Pai; - o que agradava ao seu Pai, é o que fazia sempre. - Dizia ainda: «É preciso que o mundo saiba que amo o meu Pai; se dou a minha vida, é porque foi este o mandamento que recebi do meu Pai». - Depois da instituição da Eucaristia, diz um hino com os seus apóstolos. - No jardim das Oliveiras, prostra-se por terra diante da face do seu Pai, reza longamente dizendo sempre a mesma palavra: «Meu Pai, se é possível, que este cálice se afaste de mim; no entanto, que a vossa vontade seja feita e não a minha». - Antes de expirar, diz ao seu Pai: «Nas vossas mãos entrego o meu espírito».
    Que religião!... Estas homenagens exteriores são a expressão mais fiel do homem interior de todo o seu Coração à vontade, aos decretos, aos desígnios de Deus seu Pai. (Leão Dehon, OSP 2, p. 597s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Deus é o meu salvador; Ele fez maravilhas» (cfr. Is 12, 2.5).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    20 de Outubro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 3, 14-21
    Irmãos: 14Eu dobro os joelhos diante do Pai, 15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus. 20Àquele que pode fazer imensamente mais do que pedimos ou imaginamos, de acordo com o poder que eficazmente exerce em nós, 21a Ele a glória, na Igreja e em Cristo Jesus, em todas as gerações, pelos séculos dos séculos! Ámen.

    Depois de ter anunciado as maravilhas de Deus, Paulo irrompe numa oração vibrante de amor. Ajoelha diante do Pai, origem de toda a paternidade no céu e na terra (v. 15), e pede-lhe que os Efésios sejam fortificados interiormente pelo Espírito Santo (v. 16). No fundo, pede para eles uma fé robusta, para que Cristo habite nos seus corações e, desse modo, cresça neles o sinal típico de pertença a Cristo: a caridade.
    O Apóstolo sabe que, só quando estiverem «enraizados e alicerçados no amor» (v. 17), em comunhão com os outros crentes, serão capazes de compreender «a largura, o comprimento, a altura e a profundidade» daquele amor que ultrapassa todas as categorias humanas (v. 18). Assim é porque é de Deus e só com a força de Deus podemos realizar a nossa vocação: receber «a plenitude de Deus» (v. 19).
    Com entusiasmo, Paulo louva a Deus porque é capaz de realizar maravilhas muito maiores do que possamos pensar e desejar. Sentimos em todo o texto que o conhecimento do mistério de Deus não é fruto do nosso esforço intelectual, mas de amor admirado, que brota de uma atitude profundamente interior e contemplativa.

    Evangelho: Lucas 12, 49-53
    Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: 49«Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já se tivesse ateado! 50Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize! 51Julgais que Eu vim estabelecer a paz na Terra? Não, Eu vo-lo digo, mas antes a divisão. 52Porque, daqui por diante, estarão cinco divididos numa só casa: três contra dois e dois contra três; 53vão dividir-se: o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra.»

    Se a oração de Paulo nos levasse a um espiritualismo aéreo, o texto do evangelho encarregar-se-ia de nos fazer aterrar. Não estamos "naturalmente" prontos para acolher «toda a plenitude de Deus». Tal não acontece por uma dilatação espontânea do nosso coração às dimensões da vocação cristã. Só pelo combate espiritual se chega a tal plenitude. Jesus, que se declarou pela paz, é contra o pacifismo, aquele pacifismo falso e filho do equívoco, da confusão, da vilania e da tristeza.
    Vim estabelecer «a divisão» (v. 51). Como é possível? Não foi Jesus que, na última ceia, rezou para que todos tivessem «um só coração e uma só alma»? (cf. Jo 17). Não de trata de uma contradição mas de um aprofundamento. Para abrir o coração e o meio em que vive à paz de Cristo, o discípulo deve dissociar-se de todos quantos, na mente e no coração, pertencem ao mundo que «jaz sob o poder do Maligno» (1 Jo 5, 19). «Não é possível servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6, 24). Jesus usa o termo «mamona» que não significa só o dinheiro, mas todo e qualquer ídolo, anichado na mente e no coração de quem O quer seguir e fazer parte do Reino de Deus, fonte de paz e de amor.

    Meditatio
    No mundo cheio de confusão, de barulho e de superficialidade, precisamos de ser fortalecidos pelo Espírito. Corremos sempre o risco de nivelar por baixo os nossos ideais pessoais e comunitários, caindo numa vida opaca que pouco corresponde ao magnífico chamamento a sermos cheios da plenitude Deus. Sem o espanto e a alegria que provoca em nós a grandeza da nossa vocação, sem o Espírito - a pedir na oração perseverante - dar-nos-emos conta de que já não vivemos como filhos, mas como escravos.
    Por outro lado, para que brilhe em nós o tesouro adquirido e anunciado, é preciso que a dimensão contemplativa da Palavra, respirada e vivida, se torne realmente possível no nosso dia a dia. Só assim será possível não nos deixar seduzir pela mentalidade corrente, tantas vezes em contradição e em oposição aos princípios do Evangelho. É preciso cortar com essa mentalidade, como nos diz Jesus, ao falar de espada. Se a paz não for pacifismo, teremos, por vezes, que enfrentar contradições e oposições. Teremos que desagradar aos homens, para agradar a Deus. Mas se alinhamos num estilo de vida idêntico ao de quem não tem fé, se deixamos que os nossos projectos sejam construídos sobre princípios mundanos, podemos não ter que enfrentar dificuldades e lutas. Mas não estaremos em paz... Precisamos de tempos e espaços para o encontro silencioso e adorante com Cristo. Só assim teremos força para enfrentar a luta e o sofrimento que certas divisões necessárias para sermos fiéis a Cristo e à nossa consciência implicam.
    Mas, talvez com mais frequência, a espada terá que ser usada dentro de nós contra a mania de querermos ser sempre os primeiros, o centro das atenções, dos afectos e dos consensos; terá que ser usada dentro de nós contra a revolta das paixões que tornam pesados a mente e o coração, impedindo a alegria da contemplação, da vida verdadeira que, de certo modo, é já na terra bem-aventurança e experiência daquele amor que, na eternidade, não terá limites.
    A luta, exterior e interior, pode, por vezes, ser dura, mesmo usando a Palavra de Deus. Há que não esquecer que não estamos sós. Com a Palavra, torna-se presente o próprio Deus, para nos apoiar, com a força do seu Espírito. É o que sugere Paulo: «Àquele que pode fazer imensamente mais para além do que pedimos ou imaginamos (isto é, Deus), de acordo com o poder que eficazmente exerce em nós, a Ele a glória» (vv. 20-21ª). É Deus que nos guia no caminho para a plenitude e nos apoia «de acordo com o poder que eficazmente exerce em nós». Esse poder é o da Graça que já infundiu em nós pelo Espírito. Por isso podemos caminhar confiantes, e abrir-nos ao seu projecto de amor. Deus está em nós e orienta-nos firmemente para
    o conhecimento do amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento. É Ele próprio, pelo seu Espírito, que nos conduz ao conhecimento da Pessoa de Cristo e do mistério do seu Coração (cf. Cst 17).

    Oratio
    Eu Te bendigo e adoro, ó Pai, senhor do céu e da terra, porque me enches de todos os bens. Quero, hoje, pedir-te especialmente um, o teu santo Espírito, para que anime a minha fé-adesão a Cristo, teu Filho, e assim possa conhecer a sua Pessoa e o mistério do seu Coração. Assim compreenderei também o teu amor, que ultrapassa toda a capacidade humana de compreensão, e serei capaz de testemunhá-lo com firmeza e fidelidade na Igreja e no mundo, apesar das contrariedades e lutas.
    Cada dia procurarei admirar e venerar o teu amor sem limites. Dá-me a certeza de que Tu, pela força que já actua em mim e na Igreja, estás a realizar a tua glória. Que, pela fidelidade ao teu Espírito, eu próprio possa contribuir para a tua glória e alegria. Amen.

    Contemplatio
    Como fazer amar Jesus, sem fazer conhecer as razões que temos para o amarmos? Estas razões, expomo-las bem aos outros, mas friamente e sem nos preocuparmos bastante de as saborearmos nós mesmos. Ou então concedemos a Jesus um amor de razão, ou mesmo de vontade, no qual o coração não tem nenhuma parte, como se fosse possível a alguém amar sem dar o próprio coração. Muitos permanecem assim, embora com boas intenções, frios servos, quando Jesus queria ver neles amigos. Porque se Jesus quer encontrar amigos em todos os seus discípulos, foi particularmente aos seus apóstolos e aos seus padres que disse: «Já não sois meus servos, mas amigos». As relações íntimas e diárias do Salvador com os seus padres, particularmente no santo altar, exigem esta amizade. O padre representa Jesus e continua a sua missão, deve haver entre eles esta comunhão de intenções e de sentimentos que é o próprio da amizade.
    O padre deve desposar todos os interesses de Jesus, partilhar todas as suas solicitudes, alegrar-se com as suas conquistas, entristecer-se com as suas perdas. Sto. Agostinho disse: «Sacerdos alter Christus», o padre é um outro Cristo. Dizemos também de um amigo: é um outro eu.
    A intimidade de Jesus com os seus apóstolos era o sinal da amizade. Quer ter a mesma amizade com os seus padres. Mas muitos não o compreendem inteiramente.
    Com estes é bem obrigado a contar para lhes dar as suas graças, porque contam com Ele. Não falamos aqui dos maus padres que fazem a desolação do divino Coração, mas dos servos exactos, capazes de uma certa dedicação, mas cujo ministério permanece pouco frutuoso porque lhe falta a vida do coração. (Leão Dehon, OSP 2, p. 71s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Tudo para glória e alegria de Deus» (cfr. Cst. 25).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    21 de Outubro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 4, 1-6
    Irmãos: 1Eu, o prisioneiro no Senhor, exorto-vos a que procedais de um modo digno do chamamento que recebestes; 2com toda a humildade e mansidão, com paciência: suportando-vos uns aos outros no amor, 3esforçando-vos por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. 4Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança; 5um só Senhor, uma só fé,um só baptismo; 6um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos.
    Depois da contemplação admirada do mistério de Deus, realizado em Jesus Cristo, em favor dos homens, Paulo passa à exortação. Tem autoridade para o fazer, não só porque é apóstolo, mas também porque está «prisioneiro» por causa da sua obediência às exigências da vocação cristã.
    Desta vez, a exortação não vai ao encontro de situações concretas. Trata-se de um apelo genérico ao cristão como tal, em qualquer situação sociopolítica e temporal em que se encontre. É também para nós, hoje. Paulo convida a uma resposta total e coerente à vocação que acabara de descrever. Notemos que as qualidades de uma vida empenhada na realização da vocação cristã têm em vista a unidade. A humildade, a mansidão, a paciência, a aceitação recíproca e cordial (v. 2) são elementos necessários na caminhada que é a obra de unificação realizada pelo Espírito em cada um e em todos, a todos os níveis: pessoal, comunitário e eclesial.
    O Apóstolo insiste no tema do «uno» em perspectiva trinitária, e não dos filósofos neoplatónicos. Uno é «o corpo» místico (= a Igreja); una é «a esperança» - horizonte de luz aberto em nós pela vocação -; uno é «o baptismo» e una é «a fé»; uno é «o Senhor» Jesus, uno é «o Espírito» e um só é «o Pai de todos», fonte de amor que actua em todos e por meio de todos. A unidade na Trindade é fundamento e exigência da unidade visível a que devem tender todos os cristãos, em todo o tempo e lugar.

    Evangelho: Lucas 12, 54-59
    Naquele tempo dizia Jesus às multidões: 54«Quando vedes uma nuvem levantar-se do poente, dizeis logo: 'Vem lá a chuva'; e assim sucede. 55E quando sopra o vento sul, dizeis: 'Vai haver muito calor'; e assim acontece. 56Hipócritas, sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu; como é que não sabeis reconhecer o tempo presente?» 57«Porque não julgais por vós mesmos, o que é justo? 58Por isso, quando fores com o teu adversário ao magistrado, procura resolver o assunto no caminho, não vá ele entregar-te ao juiz, o juiz entregar-te ao oficial de justiça e o oficial de justiça meter-te na prisão. 59Digo-te que não sairás de lá, antes de pagares até ao último centavo.»
    Jesus repreende os seus contemporâneos, que sabem distinguir os sinais meteorológicos, mas não o sinal que Ele mesmo é: o Filho unigénito enviado pelo Pai para salvação de todos. Compreender o tempo que vivemos é compreender as intenções de Deus que, em todo o tempo, sobretudo pelo mistério da Igreja e dos sacramentos, torna actual o mistério de Jesus com toda a sua eficácia salvífica.
    Saber fazer previsões do tempo, analisando os dados da meteorologia, implica uma atenção interessada. Se não estivermos realmente interessados e atentos para nos darmos conta da importância do tempo como tempo para exercer a justiça e a caridade, corremos sério risco. Há que reconciliar-se radialmente com aqueles com que estamos em conflito. Caso contrário, podemos cair no remoinho do não-perdão, donde não sairemos indemnes. É como se Jesus apontasse o sinal do tempo por excelência, que é Ele mesmo, como sinal de salvação, mas só para quem se compromete a viver como reconciliado, isto é, na paz, na justiça e na bondade.

    Meditatio
    É na história que podemos compreender as intenções de Deus, e não fora dela. Daí a atenção que devemos dar aos sinais dos tempos. Deus actua dentro do tempo. É também no tempo que responde às nossas interrogações. Quantas vezes Lhe fazemos perguntas na oração, e encontramos as respostas na vida.
    É, pois, no tempo que havemos de ler os sinais de salvação e de perdição. O sinal de salvação por excelência é sempre Cristo, com o seu mistério pascal. Ele salva-nos à medida que, lendo os sinais dos tempos e confrontando-os com a Palavra, deixamos que ela mesma, a Palavra, produza frutos em nós e no nosso tempo. Pondo em prática a Palavra, permitimos a Deus fazer muito mais do que podemos esperar.
    Um dos sinais do nosso tempo é a chamada globalização, em que passamos de um mundo dividido e fragmentado, àquilo a que M. McLuhan chamou a «aldeia global». Os meios de comunicação, que podem ser instrumentos de divisão e guerra, também podem e devem tornar-se instrumentos de união e de paz. Para isso, todos os homens de boa vontade, e particularmente nós, os crentes, havemos de superar a tentação do individualismo, que fragmenta, e dar espaço à unificação da nossa pessoa, e à união entre os homens. Como crentes, temos a certeza de que Cristo habita no nosso coração e que, fundados e radicados na sua caridade, podemos ser repletos da plenitude de Deus, e alcançar a unificação do coração e de todas as nossas faculdades e forças, a unificação da nossa pessoa. S. Paulo indica-nos os meios para isso: a humildade, a mansidão, a paciência, e a suportação amorosa dos nossos caracteres.
    A chave que temos ao alcance da mão, para contribuirmos para a unidade entre os homens, é procurar tudo o que une e deixar de parte tudo o que divide, como dizia e fazia João XXIII. Com essa chave chegaremos à unificação pessoal, comunitária, eclesial, social e... planetária. Vivendo e realizando esse projecto, o nosso tempo, que está sob o signo de Jesus, tornar-se-á um tempo de claridade, iluminado pela luz da salvação. E, com Cristo e como Cristo, tornar-nos-emos instrumentos de unidade e de paz. «A exemplo do Fundador, sintonizando com os sinais dos tempos e em comunhão com a vida da Igreja, queremos contribuir para instaurar o reino da justiça e da caridade cristã no mundo» (Cst n. 32); queremos participar «na construção da cidade terrena e na edificação do Corpo de Cristo... empenhando-nos sem reserva, no advento da nova humanidade...» (Cst nn. 38.39; cf. Cst nn. 35-37).

    Oratio
    Senhor Jesus, torna-me atento aos sinais do meu tempo, como o Pe. Dehon esteve atento aos sinais do seu tempo. Torna-me especialmente atento àquele sinal que é a aspiração à unidade entre os homens, unidade na diversidade. Torna-me atento, tolerante e solidário com todos os meus irmãos. Que a celebração e a adoração da Eucaristia me façam ver o teu amor e fidelidade, presentes no mundo de hoje, para que me una à tua acção de graças e à tua intercessão, e coloque toda a minha vida ao serviço da Aliança e da promoção da unidade na Igreja e entre todos os homens.
    Ajuda-me a amar a todos em Ti e contigo. Que saiba esquecer tudo o que causa divisão, e acolha e desenvolva tudo o que une no sinal do teu poder de salvação: a tua morte e ressurreição. Amen.

    Contemplatio
    «Não vos deixarei órfãos, diz Nosso Senhor, deixar-vos-ei outro director, o Espírito de verdade». - «Iluminados por ele, diz-nos Nosso Senhor, reconhecereis que estou no meu Pai, que somos um só na unidade da essência divina; e vós estareis em mim, estareis unidos a mim pela vida da graça, pela docilidade do espírito; e eu estarei em vós para vos iluminar, para vos dirigir, para vos santificar».
    É o Espírito Santo que vos une ao Coração de Jesus.
    «Não vos podia dizer tudo por mim mesmo», diz-nos Nosso Senhor. A minha morte, a minha ressurreição, a minha ascensão deviam intervir para darem autoridade à minha palavra. Dou-vos o meu Espírito, para continuar o meu ensinamento. Tem de mim e de meu Pai toda a verdade. Ele há-de introduzir-vos depois de mim no santuário das verdades reveladas. Iluminará o vosso espírito, dar-vos-á a inteligência do que vos ensinei. Não vos há-de ensinar outra doutrina, porque recebe tudo de meu Pai e de mim. Nós somos um. Falo-vos pelo Espírito Santo, como meu Pai vos fala pela minha boca. Dará testemunho de mim. Ajudar-vos-á a compreender a minha divindade, os meus mistérios, a minha vida, o meu Coração, o meu amor por vós. (Leão Dehon, OSP 3, p. 431).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Que todos sejam um, na justiça e na caridade»
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    22 de Outubro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIX Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 4, 7-16
    Irmãos: 7A cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de Cristo. 8Por isso se diz: Ao subir às alturas, levou cativos em cativeiro, deu dádivas aos homens. 9Ora, este «subiu» que quer dizer, senão que também desceu às regiões inferiores da terra? 10Aquele que desceu é precisamente o mesmo que subiu muito acima de todos os céus, a fim de encher o universo. 11E foi Ele que a alguns constituiu como Apóstolos, Profetas, Evangelistas, Pastores e Mestres, 12em ordem a preparar os santos para uma actividade de serviço, para a construção do Corpo de Cristo, 13até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa da plenitude de Cristo. 14Assim, deixaremos de ser crianças, batidos pelas ondas e levados por qualquer vento da doutrina, ao sabor do jogo dos homens, da astúcia que maliciosamente leva ao erro; 15antes, testemunhando a verdade no amor, cresceremos em tudo para aquele que é a cabeça, Cristo. 16É a partir dele que o Corpo inteiro, bem ajustado e unido, por meio de toda a espécie de articulações que o sustentam, segundo uma força à medida de cada uma das partes, realiza o seu crescimento como Corpo, para se construir a si próprio no amor.
    Paulo falou da beleza de nos sentirmos participantes de um só corpo, a Igreja, e da importância da unidade. Agora fala também da variedade e da riqueza dos dons que, distribuídos por Cristo ao subir ao céu, são personalizados. O Apóstolo exemplifica dizendo que Jesus, ao subir ao mais alto, para tudo encher da sua vida e da sua graça, chamou alguns para serem Apóstolos, Profetas, Evangelistas, Pastores e Mestres. Cada um recebeu um dom em vista de uma missão específica. Mas tudo e todos estão ordenados para o bem do «corpo de Cristo» (v. 12), que é a Igreja. Na medida em que cada um gerir bem o carisma ou carismas recebidos, isto é, operando «a verdade na caridade» (v. 15), encontra a sua própria realização, crescendo até à «plena maturidade de Cristo» (v. 13), que vem do tender continuamente para Ele «que é a Cabeça» (. 15b).
    Alcançar essa maturidade, vivendo a solidariedade, é uma felicidade. E concorre para o crescimento de todo o corpo a que preside a Cabeça. Por isso Paulo avisa contra o perigo viver como «crianças, batidos e levados por qualquer vento da doutrina, ao sabor do jogo dos homens, da astúcia que maliciosamente leva ao erro» (v. 14). O Apóstolo retoma o tema dos carismas em 1 Cor 12, 4-21).

    Evangelho: Lucas 13, 1-9
    Naquele tempo: 1apareceram alguns a falar-lhe dos galileus, cujo sangue Pilatos tinha misturado com o dos sacrifícios que eles ofereciam. 2Respondeu-lhes:«Julgais que esses galileus eram mais pecadores que todos os outros galileus, por terem assim sofrido?
    3Não, Eu vo-lo digo; mas, se não vos converterdes, perecereis todos igualmente. 4E aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de Siloé, matando-os, eram mais culpados que todos os outros habitantes de Jerusalém? 5Não, Eu vo-lo digo; mas, se não vos converterdes, perecereis todos da mesma forma.» 6Disse-lhes, também, a seguinte parábola: «Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha e foi lá procurar frutos, mas não os encontrou. 7Disse ao encarregado da vinha: 'Há três anos que venho procurar fruto nesta figueira e não o encontro. Corta-a; para que está ela a ocupar a terra?' 8Mas ele respondeu: 'Senhor, deixa-a mais este ano, para que eu possa escavar a terra em volta e deitar-lhe estrume. 9Se der frutos na próxima estação, ficará; senão, poderás cortá-la.'»
    Jesus aproveita dois acontecimentos ocorridos em Jerusalém para dar alguns ensinamentos: Pilatos mandou matar alguns Galileus enquanto ofereciam sacrifícios no templo; cerca de 18 pessoas morreram devido à queda da torre de Siloé. Perante tais factos, conhecidos por todos, Jesus aponta a urgência da conversão (vv. 3-5). Caso contrário, é a perdição. Mas também ensina que Deus não é uma espécie de vigilante sempre à coca de qualquer falta da nossa parte para nos castigar. Não podemos, pois, ler as calamidades da vida - nossa ou dos outros - como punições divinas. O tempo da nossa vida é aquele que é. Não sabemos quando irá terminar. Portanto, é sempre tempo de dar frutos de boas obras... enquanto tivermos tempo.
    A parábola do dono que procura frutos na figueira plantada na sua vinha, completa o ensinamento sobre a conversão, evidenciando outro aspecto muito importante: a paciência de Deus, a sua imensa misericórdia e vontade de salvação. A figueira é certamente uma alusão a Israel que, afastando-se continuamente de Deus, não dá os frutos esperados (cf. Is 5, 1-7; Jr 8, 13). Mas o adiamento em abatê-la e os cuidados amorosos para ver se dá frutos expressam a mediação de salvação realizada por Jesus, com a sua intercessão junto do Pai. Esta acção de Jesus não é só em favor de Israel, mas de todos nós, hoje.

    Meditatio
    Só uma árvore que atingiu a maturidade pode dar frutos. Esta imagem faz-nos ver a ligação entre o evangelho de hoje e a primeira leitura, em que Paulo fala da conversão permanente em vista da plena maturidade cristã. Num mundo tornado opaco pelo egoísmo e fechado no mais mesquinho calculismo e no individualismo, é importante que cada um de nós descubra os «dons» que Deus nos fez. Então, dar-nos-emos conta de que somos amados e ricos de tudo o que é específico da nossa pessoa. Em vez de nos abandonarmos à lógica mundana do "faz o que te apetece", actualizaremos o convite a aproveitar os nossos dias e a misericórdia de Deus para nos convertermos. Converter-nos ao mistério de Cristo como corpo místico de que somos membros. Converter-nos à «verdade no amor» (v. 15), mas em solidariedade com os outros membros do corpo de Jesus, colaborando para o bem de todos com a força que o Espírito nos dá, reforçando os nossos dons naturais.
    Hoje, quero fazer o ponto da situação. Sou ainda como as «crianças», batido e levado «por qualquer vento da doutrina, ao sabor do jogo dos homens, da astúcia que maliciosamente leva ao erro»? (v. 14). Deixo-me levar pela lógica humana, ou deixo-me encher de graça, identificando bem qual é o meu chamamento pessoal na Igreja e contribuindo com os meus dons para o seu crescimento harmónico? E, em relação à minha comunidade? Não esqueçamos que a comunidade é para cada um de nós um "lugar teológico", onde o Pai nos manifesta o Seu amor, onde se realiza a nossa santidade, a nossa plena maturidade em Cristo, pela efusão dos dons do Espírito, pela prática dos carismas, pela irradiação dos frutos do Espírito, pela vivência das bem-aventuranças. Na comunidade, em co
    ntacto com os irmãos, a minha vida pode tornar-se uma «missa permanente» (Cst. 5). Assim a minha pobreza, e a dos meus irmãos, é repleta pela riqueza de Cristo e pelos dons do Espírito que me vêm directamente dele ou indirectamente, graças à partilha que fazem comigo os meus irmãos. E tudo em vista da edificação comum. A primeira razão pela qual vivemos em comunidade não é realizar este ou aquele serviço, mas ajudar-nos a adquirir a plena maturidade em Cristo. Se não dermos esse fruto, corremos o risco de um destino semelhante ao da figueira da parábola!

    Oratio
    Senhor, reconheço-me semelhante à figueira de que falaste no Evangelho. Não dou suficientes frutos de conversão. Agradeço a tua longa paciência e os teus amorosos cuidados. Mas, peço-to de todo o coração: concede-me um novo Pentecostes que sacuda a minha pusilanimidade, destroce as minhas protecções e me lance para o meio dos meus irmãos decidido e fortalecido para actuar «a verdade no amor».
    Faz-me crescer para Ti e contigo. Animado pelo teu Espírito romperei com a lógica deste mundo para me abrir à colaboração solidária com cada um dos irmãos que procura o bem. E, juntos, seremos fermento, sal e luz do mundo, para que o teu Reino cresça e chegue à plenitude.

    Contemplatio
    Alguns padres podem ter uma má morte. No apocalipse, o bom Mestre mostra-nos vários bispos ameaçados de uma má morte. Diz ao bispo de Éfeso: «Conheço as tuas obras e as tuas provações, mas tenho contra ti que decaíste da primeira caridade... Faz penitência e retoma as tuas primeiras obras, senão virei em breve e tirarei o teu candelabro do seu lugar».
    Ao bispo de Sardes: «Tu passas por vivo e tu estás morto; acorda, levanta as tuas obras que estão moribundas, porque não encontro as tuas obras suficientemente cheias de méritos diante de Deus. Faz penitência senão venho de improviso como um ladrão».
    Ao bispo de Laodiceia: «Conheço as tuas obras, mas porque tu és tíbio e não és nem quente nem frio, estou pronto para te vomitar da minha boca. Julgas-te rico e não vês que és pobre e miserável; compra-me ouro provado do fervor, reveste a túnica branca da pureza e coloca um colírio nos teus olhos para veres».
    Há o padre culpado, que é surpreendido pela morte sem ter a graça de se preparar. Muitos anos se passaram, que foram testemunhas das suas quedas, dos seus regressos e das suas recaídas, anos que lhe oferecem muitas ocasiões e meios de conversão, que ele perdeu por sua culpa; a raiz do mal enterrou-se sempre mais no seu coração, e a consciência deixou de fazer ouvir a sua voz.
    Há a morte do padre negligente, do padre tíbio e mundano. O interesse, a recriação, a vida fácil dominam o seu espírito. O carácter sacerdotal já não é sensível na sua vida. Já não sabe o que é a meditação. Despacha a sua missa em vinte minutos sem espírito interior. Depressa acabou também com a sua acção de graças. Recita o seu ofício sem pontualidade e sem piedade. A administração dos sacramentos aborrece-o; o jornal, os romances e o jogo são bem mais interessantes. Quando a morte o surpreende, não está preparado, e talvez os últimos sacramentos virão demasiado tarde. Não é a figueira estéril, o servo inútil que não fez frutificar o seu talento? (Leão Dehon, OSP 2, p. 609s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Se não vos converterdes, perecereis todos igualmente» (Lc 13, 3).
    | Fernando Fonseca, scj |

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