Week of Mai 26th

  • Solenidade da Santíssima Trindade - Ano B [atualizado]

    Solenidade da Santíssima Trindade - Ano B [atualizado]

    26 de Maio, 2024

    ANO B

    SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE

     

    Tema da Solenidade da Santíssima Trindade

    Quem é Deus? Como é Ele? A liturgia da Solenidade da Santíssima Trindade convida-nos a mergulhar no mistério de Deus e a contemplar o Deus que, sendo unidade, é família de três Pessoas em perfeita comunhão de amor. Por isso, chamamos-Lhe “Santíssima Trindade”. Por amor, Ele criou os homens e as mulheres; e, por amor, Ele convida-os a vincularem-se com essa comunidade de amor que é a família trinitária.

    Na primeira leitura, Moisés convida Israel a descobrir o rosto e o coração de Deus a partir da contemplação das ações por Ele feitas na história. O Deus em que Israel acredita é o Deus libertador e salvador, que ama os seus filhos e que está sempre disponível para os libertar de tudo aquilo que os escraviza. Ele acompanha cada passo do seu Povo e deixa-lhe indicações seguras para ser feliz e ter Vida em abundância.

    Na segunda leitura, o autor da Carta aos Romanos pede os que receberam o batismo que se deixem conduzir sempre pelo Espírito de Deus. Animados pelo dinamismo do Espírito, eles serão membros da família de Deus e poderão chamar a Deus “Abbá”. Deus será para eles o Pai cheio de amor, em cujo colo se sentirão sempre amados, protegidos e cuidados.

    No Evangelho, Jesus despede-se dos discípulos e envia-os a todas as nações como testemunhas da salvação de Deus. Eles deverão ensinar tudo o que aprenderam de Jesus e batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo todos os que se mostrarem disponíveis para integrar a família de Deus, a comunidade trinitária.

     

    LEITURA I – Deuteronómio 4,32-34.39-40

    Moisés falou ao povo, dizendo:
    «Interroga os tempos antigos que te precederam,
    desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra.
    Dum extremo ao outro dos céus,
    sucedeu alguma vez coisa tão prodigiosa?
    Ouviu-se porventura palavra semelhante?
    Que povo escutou como tu a voz de Deus
    a falar do meio do fogo
    e continuou a viver?
    Qual foi o deus que formou para si
    uma nação no seio de outra nação,
    por meio de provas, sinais, prodígios e combates,
    com mão forte e braço estendido,
    juntamente com tremendas maravilhas,
    como fez por vós o Senhor vosso Deus no Egipto,
    diante dos vossos olhos?
    Considera hoje e medita no teu coração
    que o Senhor é o único Deus,
    no alto dos céus e cá em baixo na terra,
    e não há outro.
    Cumprirás as suas leis e os seus mandamentos,
    que hoje te prescrevo,
    para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti,
    e tenhas longa vida
    na terra que o Senhor teu Deus te vai dar para sempre».

     

    CONTEXTO

    O Livro do Deuteronómio (“segunda Lei”) é o “livro da Lei” ou “livro da Aliança”, cujo achamento no Templo de Jerusalém, na época do rei Josias, é referido no segundo livro dos Reis (cf. 2 Re 22,3-13). Este livro teve origem no reino do Norte (Israel), em pleno séc. VIII a.C., quando alguns teólogos de Israel, descontentes com os cultos religiosos estrangeiros que pululavam por todo o lado, se dedicaram a uma reflexão sobre os compromissos de Israel no âmbito da Aliança. Dessa reflexão saiu a primeira versão do livro do Deuteronómio. Mais tarde, quando a Samaria estava para cair nas mãos dos Assírios (722/721 a.C.), esses teólogos refugiaram-se no sul (Reino de Judá) e levaram com eles as suas ideias religiosas. O livro do Deuteronómio, enquanto expressão dessas ideias, despertou algum interesse nos ambientes religiosos de Jerusalém; mas alguns decénios depois, na altura em que Judá foi governado pelos reis ímpios Manassés (687 a 642 a.C.) e Amon (642 a 640 a.C.), o livro do Deuteronómio foi retirado de circulação. Só em 622 a.C. foi encontrado em Jerusalém, a tempo de servir de motor à grande reforma religiosa levada a cabo pelo rei Josias (cf. 2 Re 23,1-14). A teologia deste livro gira à volta de algumas coordenadas fundamentais: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Javé. A partir das ideias e da teologia do livro do Deuteronómio constituiu-se uma “escola” de reflexão e de pensamento teológico, a que os modernos biblistas chamam “escola deuteronomista”. Diversos livros do Antigo Testamento nasceram a partir das ideias desta “escola”.

    Literariamente, o livro do Deuteronómio apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, antes de o Povo atravessar o rio Jordão e entrar na Terra Prometida. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua Aliança com Javé.

    O texto que hoje nos é proposto é parte do primeiro desses discursos (cf. Dt 1,6-4,43).  Moisés começa, no referido discurso, por fazer um resumo da história do Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao monte Nebo, na Transjordânia, em frente a Jericó (cf. Dt 1,6-3,29); depois, Moisés propõe ao Povo um resumo da Aliança e das suas exigências (cf. Dt 4,1-43). Os teólogos deuteronomistas pretendem sugerir, com esta sequência, que o compromisso pedido a Israel se apoia nos acontecimentos históricos anteriormente expostos. A ação de Deus ao longo da caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao compromisso.

    É provável que o capítulo quatro do Livro do Deuteronómio não fizesse parte das primeiras edições da obra. A maior parte dos estudiosos veem-no como um texto redigido na fase final do Exílio na Babilónia. Mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando tentava afirmar a sua fé em Javé e celebrá-la através do culto, impressionado com o esplendor ritual e as solenidades do culto babilónico, o Povo de Deus corria o risco de trocar Javé pelos deuses babilónicos. É neste contexto que os teólogos da escola deuteronomista vão convidar o Povo, pela boca de Moisés, a olhar para a sua história, a redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Javé e a comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança.

     

    MENSAGEM

    No trecho que nos é proposto como primeira leitura na Solenidade da Santíssima Trindade, o autor deuteronomista começa por convidar Israel a contemplar a história “desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra”. Para quê? Para ver se, no longo caminho histórico percorrido pela humanidade, alguma vez apareceu um deus que tenha feito tanto por alguém como Javé tem feito pelo seu Povo.

    Para ajudar a reflexão, o próprio autor deuteronomista refere diversas ações de Deus em favor de Israel que não tiveram paralelo na história de outros povos. O acontecimento central da história de Israel – a maravilhosa saga da libertação da escravidão do Egito – tem aqui um lugar de destaque. O Senhor Deus escutou o clamor do seu Povo, condenado à morte pelo poder do faraó; falou a Moisés, do meio da sarça ardente e confiou-lhe a tarefa da libertação; realizou “tremendas maravilhas” para convencer o faraó a libertar os escravos hebreus; lançou todo o seu poder contra o faraó e derrotou-o (vers. 34).

    Mas a libertação do Egito não foi um acontecimento isolado. Deus continuou, depois disso, a multiplicar ações maravilhosas em benefício de Israel. No monte Sinai, o Senhor Deus fez ouvir a sua voz para instruir Israel e ajudá-lo a viver de forma sábia e justa (vers. 36); mais tarde, quando o Povo se aproximou da Terra Prometida, o Senhor Deus desalojou povos “mais numerosos e mais fortes” (vers. 38) para dar ao seu Povo um lar… Depois deste elenco de “obras de Deus”, a conclusão que o teólogo deuteronomista espera, como resposta à questão inicial que lançou, é obviamente esta: “não, realmente, nunca nenhum deus fez aquilo que nós vimos Javé fazer por nós”.

    Os extraordinários gestos de Deus em favor de Israel mostram um padrão, uma forma de ser e de agir: o Deus que atuou desta forma no passado, atuará sempre assim no futuro. Todas as intervenções de Javé na história definem-no como um Deus compassivo, cheio de misericórdia, que se interessa pelo seu Povo e que o acompanha no caminho, sempre disposto a intervir para salvar e dar Vida. O Deus de Israel é um Deus que quer estabelecer laços familiares com o seu Povo, que pretende criar com Israel uma história de amor e de relação.

    Como é que Israel se deve situar diante deste Deus? Como é que o Povo deve responder aos apelos de Deus? Na perspetiva do teólogo deuteronomista, Israel deve, em primeiro lugar, reconhecer que “só o Senhor é Deus, e que não há outro”. D’Ele e só d’Ele brotam a Vida, a salvação, a felicidade, a liberdade. Esta constatação convida o Povo a não colocar a sua esperança e a sua realização noutros deuses, noutras propostas ilusórias e enganadoras. Israel deve, em segundo lugar, viver de acordo com as leis e os mandamentos propostos por Deus. Este “caminho” aqui apontado aos crentes de Israel (e aos crentes de todas as épocas e lugares) não é um caminho de dependência e de servidão, mas é um caminho de felicidade. Deus não se imiscui na vida dos homens para os tornar dependentes, mas para os libertar e para os levar à Vida verdadeira, à felicidade plena.

     

    INTERPELAÇÕES

    • É frequente falar-se do nosso tempo, a propósito da proliferação de certas experiências religiosas, como um tempo de redescoberta do sagrado, de regresso do espiritual, de reencontro com o divino; e nós falamos disso com um certo ar de triunfo e de contentamento. Por detrás desse discurso está, muitas vezes, o nosso desejo de voltarmos a encher as nossas igrejas e de regressarmos ao tempo em que o fenómeno religioso era estruturante na construção do edifício social. Mas, será que todas as experiências religiosas ajudam a fazer uma descoberta positiva de Deus? Certas imagens de Deus apresentadas nos discursos das seitas religiosas são verdadeiramente libertadoras? O deus fundamentalista dos fanáticos, que exige que se mate em nome dele terá algo a ver com o Deus verdadeiro? O vago aroma espiritual que alguns encontram em determinadas experiências isotéricas conduzem a uma experiência profunda e verdadeira de Deus? A “onda espiritual” que nos dá tanta esperança não terá por base, em muitos casos, uma imagem profundamente deturpada de Deus? A Solenidade da Santíssima Trindade é, antes de mais, um convite a descobrirmos o verdadeiro rosto de Deus. Quem é Deus para nós? Como O vemos? Como O entendemos?
    • No texto do livro do Deuteronómio que hoje nos é proposto como primeira leitura, os catequistas de Israel referem-se a Javé, o Deus em quem acreditam, como um Deus compassivo, misericordioso, que vem ao encontro dos homens, que está permanentemente atento aos problemas dos homens, que intervém no mundo para libertar os seus filhos de tudo aquilo que os oprime, que nunca desiste de oferecer aos homens perspetivas de Vida plena e verdadeira. Como é que os catequistas de Israel chegaram a esta “definição” de Deus? Foi a partir da vida, da contemplação da ação de Deus na história. A forma de Deus atuar mostra, claramente, a sua essência, o seu ADN, o seu rosto, o seu coração: Javé é o Deus da Aliança, da relação, da comunhão, do amor nunca desmentido. Esta “retrato” de Deus que a catequese de Israel nos oferece diz-nos alguma coisa? Podemos confirmá-la a partir da nossa própria experiência?
    • Os catequistas de Israel garantem-nos que mais nenhum “deus” é capaz de fazer por alguém aquilo que Javé faz pelo seu Povo. Esta garantia convida-nos a refletir sobre o papel que outros “deuses” (bem mais falíveis, bem menos dignos de confiança) desempenham nas nossas apostas e no nosso percurso de vida. Em quem é que pomos a nossa esperança? Esses “deuses” que tantas vezes nos seduzem (o dinheiro, o poder, a fama, o sucesso, o reconhecimento social, os valores da moda), são verdadeiramente garantia de Vida e de felicidade? Esses “deuses” trazem-nos liberdade e esperança ou escravidão e alienação?
    • Os catequistas de Israel convidam o Povo a responder a Deus cumprindo as leis e os mandamentos que Ele propõe. Faz sentido: não servirá de muito que Deus se interesse por nós e que nos aponte caminhos de Vida e de felicidade se depois nós ignoramos as suas indicações e escolhemos caminhos de egoísmo e de autossuficiência que nos levam ao encontro de uma vida completamente falhada. Os mandamentos não são propostas destinadas a limitar a nossa liberdade e a prender-nos a um deus ciumento e castrador; mas são sugestões de um Deus que nos ama, que quer a nossa felicidade e que, no respeito absoluto pela nossa liberdade, não desiste de nos indicar o caminho para a verdadeira Vida. Estamos disponíveis para escutar as indicações de Deus e para conduzir a nossa vida na direção que Deus nos sugere?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 32 (33)

    Refrão: Feliz o povo que o Senhor escolheu para sua herança.

    A palavra do Senhor é reta,
    da fidelidade nascem as suas obras.
    Ele ama a justiça e a retidão:
    a terra está cheia da bondade do Senhor.

    A palavra do Senhor criou os céus,
    o sopro da sua boca os adornou.
    Ele disse e tudo foi feito,
    Ele mandou e tudo foi criado.

    Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,
    para os que esperam na sua bondade,
    para libertar da morte as suas almas
    e os alimentar no tempo da fome.

    A nossa alma espera o Senhor:
    Ele é o nosso amparo e protetor.
    Venha sobre nós a vossa bondade,
    porque em Vós esperamos, Senhor.

     

    LEITURA II – Romanos 8,14-17

    Irmãos:
    Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus
    são filhos de Deus.
    Vós não recebestes um espírito de escravidão
    para recair no temor,
    mas o Espírito de adoção filial,
    pelo qual exclamamos: «Abba, Pai».
    O próprio Espírito dá testemunho,
    em união com o nosso espírito,
    de que somos filhos de Deus.
    Se somos filhos, também somos herdeiros,
    herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo;
    se sofrermos com Ele,
    também com ele seremos glorificados.

     

    CONTEXTO

    A Carta aos Romanos é um texto sereno e amadurecido, escrito por Paulo por volta do ano 57/58, no final da sua terceira viagem missionária, e no qual o apóstolo apresenta uma síntese do seu pensamento teológico. O motivo invocado por Paulo para o envio desta carta é comunicar aos cristãos de Roma a sua próxima passagem pela cidade, a caminho de Espanha (cf. Rm 15,23-24): o apóstolo sente que terminou a sua missão no oriente e quer anunciar o Evangelho de Jesus no ocidente.

    Muito provavelmente esse “motivo” é apenas um pretexto a que Paulo recorre para se dirigir aos Romanos e para lhes expor as suas ideias acerca da salvação. Na comunidade cristã de Roma – como, aliás, em quase todas as comunidades cristãs de então – havia divergências entre cristãos vindos do judaísmo e cristãos vindos do paganismo acerca do caminho cristão. Para os judeo-cristãos, a salvação dependia, além da fé em Cristo, da prática da Lei de Moisés; para os pagano-cristãos, a adesão a Cristo bastava. Cada um dos grupos evocava as suas raízes e considerava que o caminho que propunha era a única via para aceder à salvação. A uns e a outros, Paulo vai apresentar o essencial da mensagem cristã. Insiste, sobretudo, no facto de a salvação não ser uma conquista do homem (que resulta dos atos ou dos méritos do homem), mas um dom do amor de Deus. Na verdade, todos os homens – judeus e romanos – vivem mergulhados no pecado, pois o pecado é uma realidade universal (cf. Rm 1,18-3,20); mas Deus, na sua bondade, a todos “justifica” e salva (cf. Rm 3,1-5,11); e essa salvação é oferecida por Deus ao homem através de Jesus Cristo; ao homem, resta aderir a essa proposta de salvação, na fé (cf. Rm 5,12-8,39). Se os cristãos de Roma tiverem sempre isto em mente, não deixarão que as diferenças de perspetiva os ponham uns contra os outros.

    O texto que hoje nos é oferecido como segunda leitura faz parte de um capítulo em que Paulo reflete sobre a Vida nova que Deus oferece ao batizado e à qual Paulo chama “a vida no Espírito”. O pensamento teológico de Paulo atinge, neste capítulo, um dos seus pontos culminantes, pois todos os grandes temas paulinos (o projeto salvador de Deus em favor dos homens; a ação libertadora de Cristo, através da sua vida de doação, da sua morte e da sua ressurreição; a nova vida que faz dos crentes Homens Novos e os torna filhos de Deus), se cruzam aqui.

    Paulo procura, de forma especial, mostrar que os cristãos, libertos da Lei, do pecado e da morte por Jesus Cristo, deixaram a vida velha da “carne” (que é viver em oposição a Deus, numa vida de egoísmo, de autossuficiência, de orgulho, de fechamento) para viverem a vida nova do Espírito (que é viver em comunhão com Deus, escutando as suas propostas e acolhendo os seus projetos).

     

    MENSAGEM

    Deus, não quer ver-nos viver “na carne”, pois isso significa andarmos por caminhos que não nos realizam nem nos levam ao encontro da verdadeira felicidade. Assim, movido pelo seu amor, enviou-nos o seu Filho Jesus com uma proposta de salvação e de Vida nova. Quem adere a essa proposta que Jesus trouxe e recebe o batismo, passa a viver a partir de um dinamismo novo. É a vida “no Espírito”, uma vida que nos situa na órbita de Deus. Passamos a viver – como Jesus sempre viveu – em comunhão com Deus, atentos às suas indicações e projetos, em total obediência à sua vontade.

    Então, Deus passa a ser para nós um Pai que continuamente nos recria e nos dá Vida. Passamos a integrar a “família de Deus”. Já não somos escravos que vivem no medo de um patrão ciumento e exigente, que castiga e condena; mas somos “filhos” queridos, que Deus ama com amor infinito. Profundamente agradecidos pela nossa nova situação, com o coração inundado de ternura e de amor, dirigimo-nos a Deus e chamamos-lhe “Abbá” – a palavra com que, familiarmente, as crianças se dirigem ao pai e que pode traduzir-se como “papá” –, expressão de intimidade filial, que define uma relação marcada pela familiaridade, pelo amor, pela confiança, pelo carinho.

    A condição de “filhos queridos de Deus” equipara-nos com Cristo. Tornamo-nos assim “herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo”. Qual é essa “herança” que nos está reservada? É a Vida plena e definitiva que Deus oferece àqueles que aceitaram a sua proposta de salvação e se propuseram percorrer, com Cristo, o caminho do amor, da doação, da entrega da vida.

    É muito bela esta “fotografia” de Deus que Paulo de Tarso nos deixa nesta página da Carta aos Romanos. Descreve-nos um Deus que nos ama profundamente e que nos quer plenamente integrados na sua família. E nós, embalados pela sua ternura, cheios de confiança e de admiração, voltamo-nos para Ele e dizemos-lhe: “Abbá”. Que extraordinário retrato de família!

     

    INTERPELAÇÕES

    • Paulo de Tarso era judeu. Conhecia bem a história do seu Povo e aquilo que a catequese de Israel contava sobre a ação libertadora e salvadora de Deus, concretizada na história em tantos gestos inesquecíveis. Ele, como os outros judeus piedosos, ouvira falar de Javé como o Deus da Aliança, da relação, da comunhão; e acreditava n’Ele. Mas, no texto da Carta aos Romanos que a liturgia deste dia nos propõe como segunda leitura, Paulo vai bem mais longe do que a fé tradicional do seu Povo e fala de Deus como um “Abbá”, um Pai querido, cheio de ternura e amor, preocupado em reunir à sua volta todos os seus filhos para lhes dar Vida. Provavelmente foi com Jesus que Paulo aprendeu a ver Deus como “Abbá”. Jesus e Paulo convidam-nos a olhar para Deus com a confiança, a familiaridade, o carinho, a admiração de uma criança pequenina que se sente profundamente amada, cuidada e protegida pelo seu pai. É deste jeito que nós vemos Deus? É desta forma que falamos de Deus aos nossos irmãos que O procuram?
    • Deus não se limitou a criar-nos. Ele continua a acompanhar-nos ao longo do caminho e a dar-nos Vida a cada instante. No entanto, não se impõe nem nos obriga a aceitar o seu dom; respeita sempre a nossa liberdade, as nossas opções. Cabe-nos a nós responder à oferta de Vida que Deus nos faz. É claro que, se preferirmos viver “segundo a carne” e trilhar caminhos de egoísmo, de orgulho e de autossuficiência, estamos a recusar os dons de Deus e a construir uma vida sem sentido e sem objetivo; mas se optarmos por viver “segundo o Espírito”, tornamo-nos herdeiros da vida eterna. Em que situação é que nos colocamos, perante a oferta de Vida que Deus nos faz?
    • Fazer parte de uma família que tem Deus como Pai, como “Abbá”, é frequentar a escola do amor. Com Deus aprendemos a amar os nossos irmãos, a amar sem condições, a amar de forma ilimitada. A relação que temos com os outros homens e mulheres que caminham connosco deve espelhar o amor, a ternura, a misericórdia, a bondade, o perdão, o serviço, que aprendemos com o nosso Pai do céu e com Jesus, nosso irmão mais velho. É isso que acontece? As nossas relações comunitárias refletem esse amor que é a marca da “família de Deus”?

     

    ALELUIA – Ap 1,8

    Aleluia. Aleluia.

    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    ao Deus que é, que era e que há-de vir.

     

    EVANGELHO – Mateus 28,16-20

    Naquele tempo,
    os onze discípulos partiram para a Galileia,
    em direção ao monte que Jesus lhes indicara.
    Quando O viram, adoraram-n’O;
    mas alguns ainda duvidaram.
    Jesus aproximou-Se e disse-lhes:
    «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra.
    Ide e fazei discípulos de todas as nações,
    batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
    ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei.
    Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».

     

    CONTEXTO

    O texto situa-nos na Galileia, após a ressurreição de Jesus (embora não se diga se é muito ou pouco tempo após a descoberta do túmulo vazio). De acordo com Mateus, Jesus, pouco antes de ser preso, havia marcado encontro com os discípulos na Galileia (cf. Mt 26,32); e na manhã da Páscoa, tanto o anjo que apareceu às mulheres no sepulcro (cf. Mt 28,7), como o próprio Jesus, vivo e ressuscitado (cf. Mt 28,10), renovam o convite para que os discípulos se dirijam à Galileia, a fim de lá encontrar o Senhor.

    A Galileia, território setentrional da Palestina, era uma região próspera e bem povoada, de solo fértil e bem cultivado. A sua situação geográfica fazia desta região o ponto de encontro de muitos povos; por isso, um número importante de pagãos fazia parte da sua população. A coabitação de populações pagãs e não pagãs fazia com que os judeus da Galileia vivessem a religião de uma maneira diferente dos judeus da Judeia, e de Jerusalém em particular: a presença diária dos pagãos levava os galileus a suavizar a sua prática da Lei e a interpretar de forma menos rígida as regras que se referiam, por exemplo, às impurezas rituais contraídas pelo contacto com os não judeus. No entanto, isto fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os galileus e considerassem que da Galileia “não podia sair nada de bom”.

    No entanto, foi na Galileia que Jesus começou a anunciar o Reino de Deus (cf. Mt 4,12-17); foi na Galileia que Ele reuniu à sua volta um grupo de discípulos (cf. Mt 4,12-22); foi na Galileia que Ele, ao longo de quase três anos, propôs o Reino com palavras e gestos. Depois, Jesus foi até Jerusalém para enfrentar as autoridades e para morrer; mas, vencida a violência do sistema e vencida a morte, voltou à Galileia para retomar o projeto do Reino. Ao atribuir esta centralidade à Galileia, Mateus está provavelmente a sugerir que o anúncio libertador de Jesus tem uma dimensão universal: destina-se a judeus e pagãos. De acordo com a conceção teológica de Mateus, é na Galileia e a partir da Galileia que o Evangelho de Jesus irá ao encontro do mundo.

    O encontro final entre Jesus ressuscitado e os discípulos acontece num “monte que Jesus lhes indicara”. No entanto, Mateus não identifica o “monte” em questão. O “monte” é sempre, na cultura bíblica, o lugar onde Deus se revela aos homens. No entanto, o “monte” também aparece, nos Evangelhos sinóticos, como o lugar onde Jesus reúne os discípulos para lhes dar a sua “lei” ou para lhes apresentar as suas diretrizes, como aconteceu no “monte das Bem-aventuranças” (cf. Mt 5-7) ou no “monte da Transfiguração” (cf. Mt 17,1-13). Esse “monte” não identificado para onde Jesus ressuscitado convoca os discípulos será o “monte do Envio”: aqui os discípulos recebem o mandato de ir anunciar o Reino ao mundo inteiro.

     

    MENSAGEM

    De acordo com Mateus, os discípulos cumpriram a indicação que receberam e dirigiram-se para a Galileia. Foi aí, no cimo de um monte, que Jesus ressuscitado se lhes manifestou.

    Quando se encontraram face a face com Jesus, os discípulos adoraram-no – diz Mateus. A adoração traduz o reconhecimento de Jesus como o “Kyrios”, o Senhor que tem soberania sobre o mundo e sobre a história (vers. 17). A ressurreição, a vitória sobre a morte, confirmou essa soberania. Mas, ao lado dessa adoração, Mateus refere um outro elemento que ainda subsiste na mente dos discípulos: a dúvida (“alguns ainda duvidaram”). A reação dos discípulos a Jesus – a adoração e a dúvida – traduzem, muito provavelmente, aquilo que muitos da comunidade de Mateus sentiam diante do mistério de Jesus. De facto, a ressurreição de Jesus é um mistério inacessível e incrível à luz da lógica humana. Só faz sentido à luz da lógica de Deus.

    Quando Jesus toma a palavra é para confirmar aos discípulos – e à comunidade de Mateus – que é, de facto, o “Kyrios”, o Senhor da história que derrotou a morte e o mal (vers. 18) e que tem poder universal (“todo o poder Me foi dado no céu e na terra”). Naturalmente, Jesus considera que foi o Pai que Lhe outorgou esse “poder”; e Ele não pretende exercer esse “poder” para dominar e reinar, mas sim para concretizar o plano salvador do Pai. A sua missão passa por conduzir ao Pai todos os homens e mulheres.

    É no exercício desse “poder” que Jesus envia os discípulos em missão pelo mundo: “ide” (vers. 19-20). A Igreja é, essencialmente, uma comunidade de enviados, cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação que Jesus veio trazer. No entanto, esses “enviados” devem estar conscientes de que não podem perder a sua referência a Jesus: têm de continuar sempre ligados a Ele como os ramos à videira. Só assim poderão anunciar o que Jesus lhes mandou e não doutrinas ou opiniões próprias, distantes do Evangelho.

    A missão confiada aos discípulos não está delimitada por fronteiras de qualquer espécie: destina-se a “todas as nações”, a todas as gentes, a todos os corações. Tem uma dimensão universal, pois o objetivo de Deus é reunir na sua família todos os homens e mulheres, sem exceção. Faz sentido que este anúncio seja feito na Galileia, terra onde judeus e pagãos são capazes de viver lado a lado.

    Jesus define também o “método” que os discípulos vão usar na concretização da missão: devem começar por ensinar; depois, devem batizar aqueles que escutaram e acolheram o que lhes foi proposto. São as fases da iniciação cristã conhecidas da comunidade de Mateus: primeiro a catequese, cujo conteúdo eram as palavras e os gestos de Jesus; depois o batismo, quando aqueles que eram interpelados pela Palavra proclamada estavam devidamente informados sobre a proposta de Jesus. Quem é batizado “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” passa a estar vinculado com a comunidade trinitária. Concretiza-se assim o desígnio de Deus: oferecer a todos os homens e mulheres a possibilidade de se integrarem na família de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. A missão dos “enviados” é a continuação da “obra” de Jesus: reunir na “casa” de Deus, no coração da Trindade, a humanidade inteira.

    A derradeira afirmação de Jesus é para garantir aos discípulos que estará com eles “até ao fim dos tempos”. No início do seu Evangelho (cf. Mt 1,23), Mateus tinha apresentado Jesus como o “Emanuel”, o “Deus connosco”; agora, na última cena do seu Evangelho, Mateus garante que essa presença se torna uma realidade permanente, pois Jesus irá estar sempre com a sua Igreja que caminha na história (“Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos” – vers. 20). A comunidade de Jesus, enviada ao mundo para lhe apresentar o projeto salvador do Pai, contará sempre com a presença vivificante e reconfortante de Jesus para a ajudar a superar as crises e as dificuldades da caminhada.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Esta página final do Evangelho segundo Mateus, lida em contexto da celebração da Solenidade da Santíssima Trindade, tem um sabor especial. Convida-nos a levantar os olhos daquelas questões rasteiras e materiais que todos os dias atraem a nossa atenção e a contemplar aquilo que está no final do nosso caminho: a comunhão plena com Deus, a integração na família de Deus. Jesus veio ao nosso encontro, enviado pelo Pai, para nos convidar a integrar a família de Deus; e, quando concluiu a sua missão entre nós e voltou para o Pai, confiou aos seus discípulos a missão de levarem a todos os homens e mulheres esse mesmo convite. A proposta de Jesus também nos chegou; e nós aceitamos o convite que nos foi feito e fomos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ficamos vinculados à família trinitária. A nossa vida tem sido coerente com o compromisso que assumimos no momento do nosso batismo? Como é que sentimos, vivemos e testemunhamos esse privilégio de integrar a família de Deus?
    • O papel dos discípulos é continuar a missão de Jesus, testemunhar o amor de Deus pelos homens e convidar os homens a integrar a família de Deus. Os irmãos e irmãs com quem nos cruzamos diariamente recebem essa mensagem? As nossas palavras e os nossos gestos testemunham esse amor com que Deus ama todos os homens? As nossas comunidades são a imagem viva da família de Deus e apresentam um convite credível e convincente aos homens para que integrem a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo?
    • A missão que Jesus confiou aos discípulos – introduzir todos os homens na família de Deus – é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de culturas, não podem ser obstáculo para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo. Todos os homens e mulheres, sem exceção, têm lugar na família de Deus. Temos consciência de que Jesus nos envia a todos os homens – sem distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou económicas – a anunciar-lhes o amor de Deus e a convocá-los para integrar a comunidade trinitária? As nossas comunidades cristãs são “casa de acolhimento” onde todos têm lugar e onde todos podem fazer a experiência de integrar a família de Deus?
    • Num mundo onde Deus nem sempre faz parte dos planos e das preocupações dos homens, testemunhar o amor de Deus e apresentar aos homens o convite para integrar a família de Deus é um enorme desafio. O confronto com um mundo indiferente a Deus gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustração e desencanto. Jesus sabia isso quando enviou os discípulos. Por isso garantiu-lhes: “Eu estarei convosco até ao fim dos tempos”. Estamos conscientes da presença vivificante e reconfortante de Jesus ao nosso lado nesses caminhos cheios de obstáculos que temos de percorrer? A certeza de que Jesus vai ao nosso lado sustenta o nosso testemunho e transparece nas nossas palavras e gestos?
    • A celebração da Solenidade da Trindade convida-nos a mergulhar no mistério de Deus. Fala-nos de um Deus que é amor. Diz-nos que Deus não é um ente solitário, afastado dos homens, apenas ocupado em dirigir a máquina do universo; mas é uma família onde o amor está sempre presente. Em Deus coexistem a unidade e a comunhão de pessoas. Nós dizemos, na nossa linguagem imperfeita, que Deus é um em três pessoas. Mas Deus escapa a todas as fórmulas dos teólogos para ser, apenas, um mistério de amor, uma família de três Pessoas em perfeita comunhão. E, melhor que tudo, Deus convida-nos a integrar essa comunidade de amor que Ele forma com o Filho e com o Espírito: a família de Deus, a Trindade, está sempre aberta para acolher novos filhos. Muitas vezes dizemos, pessoal e comunitariamente, “eu creio em Deus”: qual é e como é o Deus em que acreditamos?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’eujcurd’hui”}

     

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade da Santíssima Trindade, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus…

     

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Se na montanha da Galileia alguns dos onze tiveram dúvidas, é talvez porque eles pensavam tomar a iniciativa do encontro com o Ressuscitado, só contavam com eles para acreditar: a sua inteligência procurava compreender, os seus olhos queriam ver, as suas mãos procuravam tocar, o seu coração desejava amar, mas não esqueciam então que era o Ressuscitado que tinha a iniciativa? Então Jesus assegura-lhes, é Ele que os envia: “Ide!” É em nome de Deus Pai, Filho e Espírito que deverão batizar; e os mandamentos que farão observar são os mesmos que o próprio Jesus lhes deu. Enfim, Jesus não reprova as suas dúvidas, apenas lhes assegura: “Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos”. Duvidar, não será falta de confiança? Ter medo, não será esquecer uma presença?

     

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Trindade, Movimento de Amor! Um mais um igual a um! As matemáticas divinas não obedecem à nossa lógica! Para além da expressão um pouco técnico da palavra, a fé na Trindade é o coração absoluto do cristianismo. Está na conceção mais fundamental que temos de Deus. Quando São Mateus escreve: “Batizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, utiliza uma antiga fórmula batismal muito precisa. Trata-se de ser mergulhado, imerso num movimento, aquele que diz o próprio Nome de um Deus que é Pai, Filho e Espírito. São João diz também, no final do seu prólogo, que “o Filho único está no seio do Pai”. Longe de ficar estático, “instalado”, o Filho só encontra a verdade última do seu ser na medida em que está ligado ao Pai por um movimento de amor. Com efeito, a grande revelação que Cristo veio trazer, é que “Deus é Amor”. O Ser de Deus é o Amor em estado puro, mais precisamente ainda, é amar. Deus nada pode fazer senão amar. Ora, o amor não existe se não for movimento, reciprocidade, dom e acolhimento. Deus, Aquele que Jesus chama “Abba”, “papá”, só pode existir como fonte de amor. Ele não se pode definir unicamente como o “Ser Supremo”. O Pai é a fonte que Se dá, eternamente, gratuitamente. O Filho surge deste dom como a perfeita Imagem do Pai. Quanto ao Espírito, Ele é este mesmo Movimento de Amor que liga eternamente o Pai e o Filho. O Espírito é o “peso” que, brotando do Coração do Pai, O faz “abanar” no dom total de Si mesmo ao Filho. Isto só se pode aceitar na fé, proclamando um Deus que só é Amor e nada mais. É neste Movimento que são mergulhados os batizados. A vida dos cristãos não é uma realidade estática, nem simples conformidade aos mandamentos. É movimento de amor, aberto aos outros, no próprio movimento de amor que é Deus. “Assim como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros”.

     

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE

    Ver em cada um… Não é preciso questionarmo-nos muito tempo sobre como fazer para amar os outros… Basta ver Jesus em todo o ser humano, junto de cada um, e saber que o Reino se constrói nos gestos humildes de hoje!

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • VIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    27 de Maio, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Pedro 1, 3-9

    3Bendito seja Deus, Pai do Nosso Senhor Jesus Cristo, que na sua grande misericórdia nos gerou de novo - através da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos - para uma esperança viva, 4para uma herança incorruptível, imaculada e indefectível, reservada no Céu para vós, 5a quem o poder de Deus guarda, pela fé, até alcançardes a salvação que está pronta para se manifestar no momento final. 6É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações; 7deste modo, a qualidade genuína da vossa fé - muito mais preciosa do que o ouro perecível, por certo também provado pelo fogo - será achada digna de louvor, de glória e de honra, na altura da manifestação de Jesus Cristo. 8Sem o terdes visto, vós o amais; sem o ver ainda, credes nele e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante, 9alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas.

    A Primeira Carta de Pedro começa com um hino de louvor a Deus pela obra da regeneração da humanidade realizada na ressurreição de Cristo. Este hino é também uma espécie de credo abreviado, que dava ânimo e optimismo aos cristãos, no seu esforço de fidelidade, quando enfrentavam as primeiras dificuldades. Deus precedera-os nesse esforço, - tinha-os regenerado pela ressurreição de Cristo de entre os mortos (cf. v. 4) - estava com eles, e tinha-lhes reservada nos céus uma herança incorruptível (cf. v. 4). A regeneração para uma «esperança viva», realizada por Deus, permitia-lhes perseverar no bem (cf. 4, 119) e dar um bom testemunho de Cristo, tanto na alegria como na dor.
    A fé introduz-nos no domínio de Deus omnipotente, que protege e apoia na batalha os que estão encaminhados para a salvação, para a manifestação do Senhor da glória (1, 9). A linha de continuidade e a distinção entre a regeneração já acontecida e já presente como herança em Cristo glorioso, e a manifestação que acontecerá quando Ele se manifestar, estrutura o tempo da fé. Este tempo caracteriza-se pela não-visão, entretecida de esperança na caridade. Amar e acreditar sem ver é um caminho que leva à purificação da fé e do amor, a nível pessoal e comunitário.

    Evangelho: Marcos 10, 17-27

    Naquele tempo, 17Jesus ia Jesus pôr-se a caminho, quando um homem correu para Ele e se ajoelhou, perguntando: «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» 18Jesus disse: «Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão um só: Deus. 19Sabes os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes, honra teu pai e tua mãe.» 20Ele respondeu: «Mestre, tenho cumprido tudo isso desde a minha juventude.» 21Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele e disse: «Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.» 22Mas, ao ouvir tais palavras, ficou de semblante anuviado e retirou-se pesaroso, pois tinha muitos bens. 23Olhando em volta, Jesus disse aos discípulos: «Quão difícil é entrarem no Reino de Deus os que têm riquezas!» 24Os discípulos ficaram espantados com as suas palavras. Mas Jesus prosseguiu: «Filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! 25É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus.» 26Eles admiraram-se ainda mais e diziam uns aos outros: «Quem pode, então, salvar-se?» 27Fitando neles o olhar, Jesus disse-lhes: «Aos homens é impossível, mas a Deus não; pois a Deus tudo é possível.»

    O diálogo entre Jesus e o homem rico é referido pelos três sinópticos. Mas a versão de Marcos apresenta alguns pormenores interessantes: o homem ajoelha-se diante de Jesus (v. 17); Jesus verifica que se trata de um homem religiosamente sincero e, por isso, sente afeição por ele e fala-lhe (v. 21); tendo ouvido as palavras de Jesus, o homem ficou de semblante anuviado e retirou-se pesaroso (v. 22).
    Jesus está a caminho de Jerusalém. A pergunta deste israelita praticante é séria. Mas Jesus apresenta-lhe uma proposta mais vasta: despojar-se dos seus bens e aderir à comunidade dos discípulos. Assim daria prova da sinceridade com que buscava a vida eterna. Mas o homem, que «tinha muitos bens» (v. 22), não é capaz de dar essa prova. Jesus aproveita a ocasião para sublinhar que as riquezas são um grave obstáculo para entrar no reino de Deus, porque impedem de centrar o coração e os afectos em Deus, de tender para Ele, que é o fim de todos e cada um dos mandamentos e prescrições. Os discípulos ficam espantados, pois sabem que Jesus não quer uma comunidade de esfarrapados Mas o Senhor repete a afirmação servindo-se da riqueza metafórica oriental: «É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus» (v. 25). «Quem pode, então, salvar-se?» (v. 26), perguntam os discípulos. Então, Jesus acrescenta: «Aos homens é impossível, mas a Deus não; pois a Deus tudo é possível» (v. 27). É a «teologia da gratuidade», característica do segundo e evangelho, e em consonância com o pensamento paulino (cf. Rm 11, 6; Ef 2, 5; 1 Cor 15, 10; etc.). Jesus coloca-se numa posição oposta ao «automatismo farisaico», que supunha que o cumprimento de certas regras de pobreza assegurava a vida eterna. Mas nada deve ser absolutizado. Só Deus é absoluto.

    Meditatio

    No começa da sua primeira Carta, Pedro fala-nos da vida celeste. Ocupados e preocupados com tantas coisas, nem sempre temos presente essa «esperança viva» que Deus acendeu em nós pela ressurreição do seu Filho Jesus Cristo. O Apóstolo exulta, e não encontra adjectivos suficientes para qualificar essa «herança incorruptível... reservada no Céu para nós» (v. 4).
    No evangelho, Jesus promete esse tesouro ao homem rico, que deseja alcançá-lo: «vai, vende tudo o que tens...; depois, vem e segue-me» (v. 21). Mas este homem não estava animado pela «esperança viva», nem disposto a obedecer a Jesus Cristo e receber a aspersão do seu sangue (cf. 1 Pe 1, 2). Confiava mais em si mesmo, no seu voluntarismo, no seu próprio projecto de santidade, do que no dom gratuito da regeneração realizada pela ressurreição do Senhor. Por isso, não teve coragem para deixar tudo e seguir Jesus. Retirou-se «de semblante anuviado» (v. 22). Jesus, a quem o Pai quer que obedeçamos, é Aquele que nos alimenta com o seu sangue e nos pede que O sigamos para que se cumpra o desígnio de Deus. Esse desígnio, realizado na pessoa de Jesus, avan&ccedil
    ;a agora no seu Corpo Místico, que é a igreja peregrina na terra, até ao seu regresso glorioso, no fim dos tempos. Seguir a Jesus é caminhar na comunidade de salvação que o seu Espírito vivifica.
    Para ser verdadeiro discípulo, preciso de discernir o Caminho por onde avança o povo de Deus, obedecer àqueles que foram designados para autenticar a rota e as suas exigências concretas, trabalhar e colaborar no projecto comum, pôr ao serviço de todos os dons e carismas recebidos. Ninguém vive para si mesmo e ninguém morre para si mesmo. Ser discípulo implica fé em Cristo, o «pastor» invisível do rebanho (1 Pe 5, 4), e docilidade para caminhar com Ele. Obedecer é alimentar-se do seu sangue, que recebemos na Igreja, e perseverar na partilha da missão comum. A única riqueza do crente é Jesus.
    As nossas Constituições lembram-nos Cristo que Se fez pobre, para nos enriquecer a todos com a sua pobreza: «Conheceis a generosidade de N. S. Jesus Cristo: que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer pela sua pobreza» (2 Cor 8,9). Cristo convida-nos à bem-aventurança dos pobres, no abandono filial ao Pai (cf. Mt 5,3). Recordaremos o seu insistente convite: «Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres; depois vem e segue-Me» (Mt 19,21)» (n. 44). A pobreza de Cristo foi uma "graça" ("karis") para nós (cf. 2 Cor 8, 9); também nós havemos de nos tornar uma «graça» para Deus e para os irmãos: uma «graça... em favor dos santos» (cf. 2 Cor 8, 2-4).

    Oratio

    Senhor, hoje quero pedir-te a graça de procurar a esperança viva que me ofereceste na tua Ressurreição. Que essa esperança viva me dê forças para ultrapassar as dificuldades, para me desapegar alegremente de tudo quanto me impede ou dificulta caminhar para a herança incorruptível, imaculada e indefectível que me reservas no Céu. Dá-me, sobretudo, a graça de me desapegar de mim mesmo: dos meus pensamentos, dos meus projectos, dos meus desejos para assumir os teus. Então serei repleto da alegria indizível e gloriosa de que fala o teu Apóstolo Pedro, essa alegria que vem de Ti, meu bom Jesus, fonte viva de felicidade eterna. Amen.

    Contemplatio

    Desde o sermão da montanha, Nosso Senhor tinha indicado os conselhos de perfeição: «Há, dizia, um caminho estreito, mas são raros os que o encontram». Propunha já a pobreza voluntária: «Não acumuleis tesouros sobre a terra, onde a traça e os vermes os corroem, onde os ladrões escavam e roubam. Vendei o que tendes e fazei esmolas. Preparai tesouros no céu... Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração» (Mt 6).
    Depois vem a aplicação. Um jovem de nobre família vem lançar-se aos pés de Jesus, perguntando-lhe qual é o melhor caminho a seguir. O Coração de Jesus é tocado, observa com afecto o jovem, ama-o, propõe-lhe os conselhos de perfeição. É uma vocação: «vai, diz-lhe, vende o que tens, dá-o aos pobres, e vem comigo. Que graça insigne! Ser chamado por Jesus a viver com ele, abandonando-se à sua providência!
    «Mas ele, ouvindo aquilo, afligido com esta palavra foi-se embora triste, porque era muito rico. E Jesus, vendo-o triste, olhou à sua volta e disse aos seus discípulos: Ah! Como é difícil àqueles que têm grandes bens entrar no reino dos céus!» - Ficou triste, porque era convidado a caminhar no desprezo das coisas temporais, a seguir mais de perto, na pobreza, o seu Mestre pobre. A via real da cruz abre-se diante dele, mas falta-lhe a coragem. As riquezas têm tanto poder sobre o coração humano! Jesus viu-o ir-se embora e ficou triste também; como este olhar de Jesus devia ser pungente! Mas este jovem não se voltou para trás, não olhou para Jesus, teria sido tocado. Ter-se-ia tornado um discípulo bem amado, um discípulo do Coração de Jesus, como S. João. Este jovem tem um coração puro e bom, mas sem coragem, porque não está desapegado.
    Jesus suspirou e disse: «Ah! Como é difícil aos ricos entrar no reino dos céus!»
    Pedro estava lá com os outros. Tinha seguido tudo com os olhos. Experimentou uma alegria nova por ter deixado a sua barca e as suas redes: «Nós, Senhor, diz, deixámos tudo por vós, dar-nos-eis, não é, este reino dos céus, e o que será?»
    Nós deixámos tudo! Este tudo é pouca coisa: um pouco de fortuna? Mas o pão não nos faltará, e teremos menos cuidados; - a liberdade? Mas ela é tantas vezes perigosa e funesta; - o mundo? É tão vão, tão enganador, tão cheio de injustiças; - a amizade? É muitas vezes tão efémera; - os laços de família? São tão cedo rompidos pela morte! - Ah! Deixemos tudo, de coração ou na realidade, por Jesus, para ser tudo para Ele, ao seu serviço, ao seu amor, ao seu divino Coração. Senhor, eis-me aqui, quero deixar tudo por vós (Leão Dehon, OSP4, p. 105s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Bendito seja Deus que nos regenerou para uma esperança viva» (1 Pe 1, 3).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    28 de Maio, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    VIII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Pedro 1, 10-16

    Caríssimos: 10A salvação foi objecto das buscas e averiguações dos profetas, que predisseram a graça que vos estava destinada. 11Eles investigavam a época e as circunstâncias indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles morava e que profetizava os padecimentos reservados a Cristo e a glória que se lhes seguiria. 12Foi-lhes revelado - não para seu proveito, mas para vosso - que eles estavam ao serviço destas realidades que agora vos foram anunciadas por aqueles que vos pregaram o Evangelho, em virtude do Espírito Santo enviado do Céu; as mesmas que os Anjos avidamente contemplam. 13Por isso, de ânimo preparado para servir e vivendo com sobriedade, ponde a vossa esperança na dádiva que vos vai ser concedida com a manifestação de Jesus Cristo. 14Como filhos obedientes, não vos conformeis com os antigos desejos do tempo da vossa ignorância; 15mas, assim como é santo aquele que vos chamou, sede santos, vós também, em todo o vosso proceder, 16conforme diz a Escritura: Sede santos, porque Eu sou santo.

    Toda a revelação de Deus constitue uma unidade. O mesmo Espírito que falava em Cristo, falou também através dos Profetas do Antigo Testamento, e continua a falar naqueles que proclamam a salvação oferecida a todos na ressurreição de Cristo. Os primeiros cristãos tiveram plena consciência desta realidade e, por isso, para descobrirem todo o alcance e toda a dimensão da vida de Jesus, investigaram as Escrituras e encontraram nelas a chave do mistério cristão. Iluminados pelo Espírito, mandado sobre eles depois da ressurreição de Jesus, os pregadores cristãos, particularmente os evangelistas, descobriram essa chave e ofereceram-na aos leitores do Evangelho para os introduzir no mistério de Cristo. O Senhor ressuscitado está presente e actua na história para dar pleno cumprimento à obra da regeneração da humanidade realizada na Ressurreição.
    A beleza deste anúncio, proclamado pelos arautos do Evangelho, provoca alegria e admiração entre os próprios anjos, e leva os fiéis a viverem em clima de páscoa, isto é, de «ânimo preparado para servir e vivendo com sobriedade» (v. 13), estando vigilantes à espera da graça que lhes será dada na parusia, quando Jesus se manifestar na sua glória. Tendo passado da ignorância ao conhecimento de Deus, os discípulos de Jesus já não se podem conformar com os antigos desejos vãos, mas querem viver como filhos obedientes ao Pai, que os regenerou em Jesus, e portar-se como santos. A vida de santidade é possível a quantos, tendo sido baptizados, se tornaram participantes de vida de Cristo, da vida divina.

    Evangelho: Marcos 10, 28-31

    Naquele tempo, 28Pedro começou a dizer-lhe: «Aqui estamos nós que deixámos tudo e te seguimos.» 29Jesus respondeu: «Em verdade vos digo: quem deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por minha causa e por causa do Evangelho, 30receberá cem vezes mais agora, no tempo presente, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, juntamente com perseguições, e, no tempo futuro, a vida eterna. 31Muitos dos que são primeiros serão últimos, e muitos dos que são últimos serão primeiros.»

    O discurso de Jesus, depois do colóquio com o homem rico, deixou os discípulos apavorados. Pedro toma a palavra para tentar clarificar a confusão que se abatera sobre todos: que será de nós que «deixámos tudo e te seguimos»? (v. 28). Jesus garante-lhes que Deus não se deixa vencer em generosidade. Acolherá na vida eterna aqueles que, deixando tudo, O seguem; mas também lhes permite usufruir, desde já, da riqueza dos seus dons, e está com eles para os apoiar nas perseguições. Marcos faz uma lista detalhada dos bens de que os discípulos podem, desde já, usufruir, e conclui com a máxima sobre os primeiros e os últimos no Reino (cf. Mt 19, 30; 20, 26; Lc 13, 30). Há que estar atento contra as falsas seguranças, e empenhar-se num permanente esforço de conversão.

    Meditatio

    A vida das comunidades, que avançam pelos caminhos do Senhor, preanunciada pelos Profetas, e na qual os pregadores do evangelho pedem perseverança, está permeada de alegrias e de sofrimentos. É um caminho de purificação e de confiança. Jesus promete àqueles que O seguem, não só a vida eterna no futuro, mas também, já agora, o cêntuplo das coisas deixadas, com perseguições à mistura. A vocação cristã não é apenas renúncia, mas privilégio: «quem deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, no tempo presente, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, juntamente com perseguições, e, no tempo futuro, a vida eterna» (vv. 29-30). O cêntuplo, com perseguições, porque a terra ainda não é o céu!
    Que é a vida eterna prometida por Jesus? É aquele de que fala João, quando escreve: «Esta é a vida eterna: que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem Tu enviaste» (Jo 17, 3). É uma vida que começa na fé e termina na visão. A pobreza por causa de Cristo é condição para possuir tudo.
    «Como filhos obedientes, não vos conformeis com os antigos desejos do tempo da vossa ignorância; mas, assim como é santo aquele que vos chamou, sede santos, vós também, em todo o vosso proceder, conforme diz a Escritura: Sede santos, porque Eu sou santo» (vv. 15-16). É Deus que nos chama à santidade. Mas, se não nos abrirmos a esse chamamento, não darão fruto as graças que diariamente recebemos de Deus com essa finalidade. E não nos pode tornar santos.
    A Santidade é a finalidade para a qual tende a nossa cristã, toda a nossa vida religiosa: «Com todos os nossos irmãos cristãos, somos levados a seguir os passos de Cristo, para alcançar a santidade (cf. 1 Tes 4,7). «Para isto fostes chamados: o próprio Cristo sofreu por vós e deixou-vos o exemplo para seguirdes os seus passos"»(1 Pd 2,21). Radicada no Baptismo e na Confirmação, a nossa vocação religiosa é um dom particular em ordem à glória de Deus e para testemunhar o primado do Reino» (Cst 13). Que a Virgem Maria nos ajude!

    Oratio

    Senhor, faz-me compreender que a vida no Reino não está privada de consolações dignas da minha condição humana. Viver em Ti, que vives na tua Igreja, é partilhar a tua condição de «pedra angular», preciosa para o Pai, mas rejeitada pela humanidade. Viver em Ti, é beber o teu cálice, receber o teu baptismo, participar na tua Paixão, mas também participar na glória da tua Ressurreição!
    Tudo depende do modo como acolho o teu m
    istério pascal, na sua totalidade, e me situo nele. Deste-nos duas mãos: se numa escrever zero e noutra um, terei um, ou terei dez, conforme as colocar.
    Assim as alegrias e sofrimentos da minha vida podem servir para me perder ou para me santificar. Tudo depende do modo como os encaro e situo na vivência do teu mistério pascal. Que a minha decisão contribua sempre para enriquecer a santidade da tua Igreja. Amen.

    Contemplatio

    Roma é o coração da Igreja, e o Coração de Jesus está em Roma, junto do coração da sua esposa.
    Roma é a cidade santa. Nosso Senhor deu-lhe os seus três grandes apóstolos para a formar: S. Pedro, S. Paulo e S. João. S. João chama-a a Igreja senhora, Senhora eleita (2Jo 1,1). S. Paulo felicita-a pela sua fé, que recebeu de Pedro e da qual fez o elogio no mundo inteiro. (Rom 1,8).
    Convinha, diz S. Leão, que a cidade que era a capital material do mundo se tornasse também a sua capital espiritual e - podia acrescentar - «o seu coração» (Lições da festa).
    «Tu és Pedro, disse Nosso Senhor, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja». A pedra foi levada pelos acontecimentos de Jerusalém a Antioquia e de Antioquia a Roma. Foi lá que ela parou e que se tornou a pedra angular da Igreja. Foi selada lá com o sangue de Pedro e consagrada pela sua fé e pela sua caridade.

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Sede santos, porque Eu sou santo» (1 Pe 1, 16)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    29 de Maio, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    VIII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Pedro 1, 18-25

    Caríssimos: 18sabendo que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver herdada dos vossos pais, não a preço de bens corruptíveis, prata ou ouro, 19mas pelo sangue precioso de Cristo, qual cordeiro sem defeito nem mancha, 20predestinado já antes da criação do mundo e manifestado nos últimos tempos por causa de vós; 21vós, que por meio dele tendes a fé em Deus, que o ressuscitou dos mortos e o glorificou, a fim de que a vossa fé e a vossa esperança estejam postas em Deus.
    22Já que purificastes as vossas almas pela obediência à verdade que leva a um sincero amor fraterno, amai-vos intensamente uns aos outros do fundo do coração, 23como quem nasceu de novo, não de uma semente corruptível, mas de um germe incorruptível, a saber, por meio da palavra de Deus, viva e perene. 24De facto, todo o mortal é como a erva e toda a sua glória como a flor da erva. Seca-se a erva e cai a flor, 25mas a palavra do Senhor permanece para sempre. Esta é a palavra que vos foi anunciada como boa-nova.

    Pedro, falando do presente, do passado e do futuro, apresenta-nos algumas verdades sobre a relação de Jesus Cristo connosco e sobre a nossa relação com Ele. O Pai escolheu-O, ainda antes da criação do mundo, para libertar a humanidade da «vã maneira de viver herdada dos vossos pais» (v. 18). O presente cheio de esperança dos cristãos, radica no passado da acção de Deus em Cristo para nosso benefício. Deus escolheu a Cristo, «qual cordeiro sem defeito nem mancha» (v. 19) para, «pelo seu sangue precioso» (v. 19), nos resgatar. Pertencemos a Deus porque Ele nos resgatou, nos comprou, «não a preço de bens corruptíveis, prata ou ouro» (v. 18), mas «pelo sangue precioso de Cristo» (v. 19)». Acreditamos em Deus, acreditamos que Ele ressuscitou Jesus de entre os mortos, e temos a possibilidade de ancorar a nossa fé e a nossa esperança no Pai, por efeito da missão, da ressurreição e da glorificação de Jesus Cristo. O mistério pascal de Cristo garante-nos que Deus está do nosso lado, que é a nossa favor. O nosso presente encaminha-se para um futuro esperançoso. É possível viver a moral cristã e realizar a missão porque, a nossa relação com Jesus, e, por Ele, com o Pai, no Espírito, estrutura a nossa vida pessoal e comunitária, e dinamiza a missão.

    Evangelho: Marcos 10, 32-45

    Naquele tempo, 32Jesus e os discípulos iam a caminho, subindo para Jerusalém, e Jesus seguia à frente deles. Estavam espantados, e os que seguiam estavam cheios de medo.Tomando de novo os Doze consigo, começou a dizer-lhes o que lhe ia acontecer: 33«Eis que subimos a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei, e eles vão condená-lo à morte e entregá-lo aos gentios. 34E hão-de escarnecê-lo, cuspir sobre Ele, açoitá-lo e matá-lo. Mas, três dias depois, ressuscitará.» 35Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram: «Mestre, queremos que nos faças o que te pedimos.» 36Disse-lhes: «Que quereis que vos faça?» 37Eles disseram: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda.» 38Jesus respondeu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu bebo e receber o baptismo com que Eu sou baptizado?» 39Eles disseram: «Podemos, sim.» Jesus disse-lhes: «Bebereis o cálice que Eu bebo e sereis baptizados com o baptismo com que Eu sou baptizado; 40mas o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não pertence a mim concedê-lo: é daqueles para quem está reservado.» 41Os outros dez, tendo ouvido isto, começaram a indignar-se contra Tiago e João. 42Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis como aqueles que são considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e como os grandes exercem o seu poder. 43Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo 44e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos. 45Pois também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos.»

    O texto evangélico que escutámos refere diversos episódios ocorridos durante a caminhada de Jesus para Jerusalém. Jesus avança rodeado de discípulos apavorados e de pessoas cheias de medo. Pela terceira vez, fala da paixão, que se aproxima. Fá-lo com muitos pormenores (vv. 33ss.). Mas os discípulos parecem nada compreender. Os filhos de Zebedeu continuam interessados em alcançar uma boa posição no Reino: um quer ficar à direita de Jesus e outro à esquerda (v. 37). Em Mateus, é a mãe que pede esses lugares para os filhos (cf. Mt 20, 20). Os outros discípulos estão preocupados com assuntos que nada têm a ver com os do Senhor. Mas Jesus revela aspectos centrais relativos ao discipulado: o essencial é a docilidade a Deus e ao seu projecto. Ele próprio decidirá a posição de cada um no Reino. Em Mateus será o Pai a tomar tal decisão (cf. Mt 20, 23).
    Ser discípulo de Jesus é ser, como Ele, dócil ao Pai, partilhar a missão que o Pai Lhe confiou: beber o mesmo cálice, mergulhar no mesmo baptismo. É seguir o caminho do servo sofredor (Is 52, 13-53, 12), servir a todos até ao dom da própria vida em resgate de muitos... O resgate (lýtron) é o preço a pagar por um prisioneiro de guerra, por um escravo. Este resgate é pago, não a Deus, mas ao príncipe deste mundo (Jo 12,31; 1 Jo 5, 19), ao deus deste mundo (2 Cor 4, 4), que mantém escrava a humanidade. E Jesus resgata a humanidade, não para se tornar Ele mesmo um «rei» opressor, mas paradoxalmente um «rei» servo. Também os cristãos não podem contrapor ao «poder demoníaco» um «poder cristão», mas colocar-se de modo amoroso e humilde ao serviço da humanidade.

    Meditatio

    A Palavra que hoje escutamos incita-nos à conversão, isto é, a seguir o exemplo de Jesus Cristo, que padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigamos os seus passos (cf. 1 Pe 2, 21). Jesus foi enviado pelo Pai para nos revelar a sua misericórdia. A Palavra de Jesus remete-nos para o mistério escondido do Pai. O Pai procura a humanidade, e põe-na à procura dele, por meio do exemplo de Cristo e daqueles que vivem nele. Jesus não actua pela força, mas pelo amor; não influe pelo poder, mas pelo serviço. Não se trata de um caminho fraco, mas cheio daquela força do amor que vence a morte. O reino do Pai é composto por pessoas cuja criatividade é inspirada na misericórdia que não se deixa vencer pelo mal, mas o vence na humildade e na docilidade, e que desmascara a ignorância dos estultos. A Igreja só ajuda a libertar a humanidade se tiver esta atitude de serva, e não se deixar apanhar pelo cancro do poder, nem eclesiás
    tico nem civil. Apenas como comunidade de servos, sem ambições políticas, poderá ajudar eficazmente a humanidade a libertar-se das forças que a oprimem.
    Para o dehoniano, a ajuda e o serviço aos irmãos, tal como o apostolado são actos de culto, são liturgia, na qual Cristo oferece os homens como vítimas ao Pai. Assim era para Paulo (cf. Rom 15, 16; Fil 2, 17). O exemplo de Paulo é muito significativo. Ele não punha em primeiro plano a organização da sua obra de evangelização, em Corinto, as suas fadigas, o ter-se «feito tudo para todos» (1 Cor 9, 23). A eficácia do seu apostolado vinha do seu assemelhar-se a Cristo, do reviver o Seu sacrifício, a sua fraqueza. Assim compreendemos como o Apóstolo, e, por conseguinte, todo o cristão, toda a Igreja, todo o dehoniano, só alcance eficácia para o seu trabalho apostólico na graça de Cristo, por meio do Espírito (cf. 2 Cor 12, 9-10; cf. Fil 2, 17). Quem salva o mundo não é o homem, pelas suas forças, mas é Deus, em Cristo Jesus, pobre e servo. É o escândalo da Cruz que salva o mundo (cf. 1 Cor 1, 22-23); o Reino de Deus constrói-se com meios humanos pobres: com a fraqueza do amor, com a fé, com a esperança, com a oblação, com a imolação, com a reparação. Os «pequenos» e os «pobres» têm a primazia, não só como destinatários da salvação, mas como protagonistas e colaboradores dela, da construção do Reino, unidos a Jesus Cristo.

    Oratio

    Senhor, às vezes, sinto-me indignado com Tiago e João. Tu revelavas-lhes o teu destino futuro, cheio de humilhações, e eles pediam-te privilégios. Mas reparo que, também eu, muitas vezes, caio no mesmo erro, que, também eu, me porto de modo inconsciente. Quando me explicas o teu mistério, digo logo que percebi. Mas, pouco depois, lá estou a pedir-te coisas completamente contrárias aos desígnios do Pai. Mais ainda: como os outros discípulos, fico indignado quando veja alguém cair no erro dos filhos de Zebedeu. E não é por virtude, mas porque, também eu, sou ambicioso e procuro lugares de honra, e temo que os dês a outros. Perdoa-me, Senhor. Ensina-me a humildade do serviço. Ensina-me a verdadeira grandeza que é sentir-me e actuar como último e como servo de todos. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor nada teve tanto a peito do que nos ensinar a humildade, que é a fonte de todas as graças, como o orgulho é a fonte de todos os pecados e da condenação. Fez-nos observar como a humildade era o cunho de toda a sua vida: «Aprendei de mim que sou doce e humilde de coração».
    S. Paulo resumiu assim toda a vida de Nosso Senhor na humildade: «Cristo humilhou-se fazendo-se obediente até à morte» (Fil 2, 8).
    Nosso Senhor recomendou a humildade nas suas parábolas: na dos fariseus e do publicano, na dos convidados para as bodas. Ensinou-a em toda a ocasião. Quando os apóstolos discutiam acerca do primado entre eles, disse-lhes: «Que o maior se faça o servo de todos. - Qui major est vestrum erit minister vester» (Mt 23, 11). Quando queriam afastar as crianças, disse-lhes: «Se não vos tornardes como criancinhas, não entrareis no reino dos céus».
    Também os livros sapienciais tinham recomendado tanto a humildade! Os provérbios dizem que ela é preferível à glória e à fortuna: Gloriam praecedit humilitas (Prov. 15, 33). Vale mais ser humilde com os que são doces do que partilhar o espólio com os orgulhosos (Prov. 16, 19).
    O Eclesiástico aconselha-a muito particularmente aos grandes e aos poderosos deste mundo: «Quanto maiores fordes, mais vos deveis humilhar e encontrareis graça diante de Deus. Só Deus é grande e a nossa humildade honra-o» (Eccli 3, 20) (Leão Dehon, OSP4, p. 556).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo» (Mc 10, 43).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VIII Semana – Quinta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VIII Semana – Quinta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    30 de Maio, 2024

    Tempo Comum – Anos Pares
    VIII Semana – Quinta-feira
    Lectio

    Primeira leitura: 1 Pedro 2, 2-5.9-12

    Caríssimos, 2como crianças recém-nascidas, ansiai pelo leite espiritual, não adulterado, para que ele vos faça crescer para a salvação, 3se é que já saboreastes como o Senhor é bom. 4Aproximando-vos dele, pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus, 5também vós – como pedras vivas – entrais na construção de um edifício espiritual, em função de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo. 9Vós, porém, sois linhagem escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido em propriedade, a fim de proclamardes as maravilhas daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável; 10a vós que outrora não éreis um povo, mas sois agora povo de Deus, vós que não tínheis alcançado misericórdia e agora alcançastes misericórdia. 11Caríssimos, rogo-vos que, como estrangeiros e peregrinos, vos abstenhais dos desejos carnais, que combatem contra a alma. 12Tende entre os gentios um comportamento exemplar, de modo que, ao acusarem-vos de malfeitores, vendo as vossas boas obras, acabem por dar glória a Deus no dia da sua visita.

    Pedro, para falar da nossa salvação, usou as categorias nascimento, regeneração, vida nova. Agora recorre a outra imagem cheia do sentido e da riqueza que lhe dava o ambiente cultural grego e judaico donde provinha: a criança cujo alimento é ainda o leite materno. Os que foram regenerados pela ressurreição (1, 3), pela Palavra viva e eterna do Evangelho (2, 23), são «como crianças recém-nascidas» (v. 2). A misericórdia do Pai regenera, não só no momento em que faz surgir em nós a vida de Cristo, mas durante todo o tempo que vivemos nele. O cristão é permanentemente regenerado em Cristo, Verbo do Pai, que, na vida trinitária, está sempre em geração. O baptismo faz-nos renascer em Cristo uma vez e para sempre. É o que Pedro afirma repetidas vezes nestas homilias baptismais.
    A mesma Palavra que nos regenera, também nos alimenta e faz crescer para a salvação. É um alimento semelhante ao leite genuíno e sadio. Jesus é Palavra viva; quando se saboreia a sua bondade, não se quer outro alimento. Jesus é a Pedra viva, escolhida e preciosa, posta pelo Pai como pedra angular da casa espiritual que constrói nele e por ele, para que se torne comunidade sacerdotal que lhe oferece sacrifícios agradáveis; quem a recusar, tropeça nela. Os baptizados caminham, avançam nele, quando se deixam constituir, construir, como pedras vivas, para a realização do desígnio do Pai em Jesus Cristo.

    Evangelho: Marcos 10, 46-52

    Naquele tempo, 46quando Jesus ia a sair de Jericó com os seus discípulos e uma grande multidão, um mendigo cego, Bartimeu, o filho de Timeu, estava sentado à beira do caminho. 47E ouvindo dizer que se tratava de Jesus de Nazaré, começou a gritar e a dizer: «Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim!» 48Muitos repreendiam-no para o fazer calar, mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem misericórdia de mim!» 49Jesus parou e disse: «Chamai-o.» Chamaram o cego, dizendo-lhe: «Coragem, levanta-te que Ele chama-te.» 50E ele, atirando fora a capa, deu um salto e veio ter com Jesus. 51Jesus perguntou-lhe: «Que queres que te faça?» «Mestre, que eu veja!» – respondeu o cego. 52Jesus disse-lhe: «Vai, a tua fé te salvou!» E logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.

    Quando Jesus passa por Jericó, um mendigo cego, chamado Bartimeu, procura ir ao encontro dele, apesar da oposição de muitos que rodeiam o Senhor. Mas Jesus apercebe-se da situação, manda chamá-lo e dialoga com ele. O cego dirige-se ao Senhor com a mesma palavra que Maria usou na manhã da páscoa: «Rabbuni», «Meu mestre» (v. 51; cf. Jo 20, 16). Esta expressão traduz estima, afecto.
    Jesus restitui a vista ao cego e atribui a cura à sua fé. De facto, o cego, uma vez curado, põe-se a seguir Jesus.
    Ao contar este episódio, pouco depois do terceiro anúncio da paixão, o evangelista quer esclarecer o que se entende por fé e o que implica seguir Jesus. Tal como aquele pobre homem, o discípulo deve ser um alguém que reza com perseverança, que invoca Jesus nas dificuldades, recebe encorajamento, vai ao seu encontro, deixa-se interrogar por Ele, deixa que lhe abra os olhos e O segue pelo caminho. Temos aqui um bom documento sobre a pedagogia da fé.

    Meditatio

    A nossa vida de cristãos há-de ser um perene louvor Àquele que nos chamou das trevas para a sua luz admirável, como nos recomenda Pedro. O evangelho ilustra o caso concreto de alguém que, pela misericórdia do Senhor, recuperou a vista. E Pedro acrescenta: «outrora não éreis um povo, mas sois agora povo de Deus, vós que não tínheis alcançado misericórdia e agora alcançastes misericórdia» (v. 10). O cego implorou com coragem e perseverança a misericórdia de Jesus: «Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim!» (v. 47). E ninguém o conseguiu calar.
    Este episódio acontece em Jericó. Jesus está para chegar a Jerusalém e, em breve, começará a sua paixão, o caminho da cruz, que o conduzirá à ressurreição. O cego, uma vez curado, põe-se a segui-lo, no caminho da oblação, que irá consumar-se no Calvário. Pedro sugere-nos uma atitude semelhante: «Aproximando-vos dele, pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus, também vós – como pedras vivas – entrais na construção de um edifício espiritual, em função de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo» (vv. 4-5).
    A cura do cego Bartimeu é toda uma cena em movimento, que vai da adoração, à cura, à oferta. É o movimento que encontramos na eucaristia. Começamos por implorar misericórdia: «Senhor, tende piedade de nós»; somos iluminados pela palavra; unimo-nos à oblação de Cristo. É também a dinâmica da vida cristã, dinâmica de oferta e de acção de graças em que a nossa vida, unida à de Cristo, se pode e deve tornar «eucaristia», uma eucaristia perene.
    Este texto petrino é central na doutrina do sacerdócio de toda a Igreja, o chamado sacerdócio comum dos fiéis. Sabemos a importância que estes textos têm na espiritualidade dehoniana. A experiência de vida teologal no Pe. Dehon, é descrita com duas expressões significativas: é «adesão a Cristo, nascida do mais íntimo do coração» (Cst. 5) (que) «se exprime e concentra no sacrifício eucarístico, transformando toda a sua vida numa missa permanente» (Cst. 5). O Pe. Dehon, iluminado por uma fé, que
    o leva a aderir cordialmente a Jesus, procura viver, em todos os momentos da sua vida, o acto mais sublime da oblação de Cristo ao Pai pelos homens, a missa, «o grande acto do dia, o holocausto do perfeito amor, o sacrifício reparador por excelência» (DSP, parte V, parágrafo 4).

    Oratio

    Senhor, que a minha vida se torne, cada vez mais, uma oferta de acção de graças ao Pai, uma eucaristia permanente. Para isso, abre-me os olhos da fé viva, para que saiba reconhecer os seus dons, as maravilhas que Ele realizou e continua a realizar. Muitas vezes, os meus olhos estão mais atentos para ver o que é obscuro do que para admirar a tua luz. «Abre os meus olhos, Senhor, às maravilhas do teu amor», para que a minha vida se torne oblação amorosa de tudo quanto me deste e vais dando cada dia. Que tudo quanto eu fizer, por palavras ou por obras, seja realizado em teu nome, dando graças, Contigo e por Ti, no Espírito Santo, a Deus Pai. Amen.

    Contemplatio

    O adorável sacrifício dos nossos altares é o dom por excelência do Coração de Jesus e do seu amor. É, no dizer de S. Francisco de Sales, o centro da religião, o coração da devoção, a alma da piedade, o mistério inefável que contém o abismo da caridade divina e pelo qual Deus nos comunica com suprema liberalidade as suas graças e benefícios.
    O Santo Sacrifício da Missa é, para todos os Sacerdotes do Coração de Jesus, o grande acto do dia, o holocausto de perfeito amor e o sacrifício reparador por excelência.
    Os Sacerdotes do Coração de Jesus, ao celebrar a Eucaristia, e os que não são padres, ao participar nela, compenetrar-se-ão com amor dos sentimentos e das intenções do Coração de Jesus. Unirão a oferta do seu coração à do Coração divino de Jesus para a maior glória de Deus e para a salvação das almas.
    Os Sacerdotes do Coração de Jesus terão gosto em celebrar Missas reparadoras. Procurarão também que os benfeitores as mandem celebrar, com fundações apropriadas. Celebrarão ao menos uma por mês em reparação de todas as Missas sacrílegas que entristecem profundamente o Coração do seu bom Mestre (DSP n. 128).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vós entrais na construção de um edifício espiritual,
    em função de um sacerdócio santo» (1 Pe 2, 5).

     

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    31 de Maio, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    VIII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Pe 4, 7-13

    Caríssimos, 7o fim de todas as coisas está próximo. Sede, portanto, sensatos e sóbrios para vos poderdes dedicar à oração. 8Acima de tudo, mantende entre vós uma intensa caridade, porque o amor cobre a multidão dos pecados. 9Exercei a hospitalidade uns com os outros, sem queixas. 10Como bons administradores das várias graças de Deus, cada um de vós ponha ao serviço dos outros o dom que recebeu. 11Se alguém tomar a palavra, que seja para transmitir palavras de Deus; se alguém exerce um ministério, faça-o com a força que Deus lhe concede, para que em todas as coisas Deus seja glorificado por Jesus Cristo. A Ele a glória e o poder por todos os séculos dos séculos. Ámen.

    Dando um salto notável, chegamos à secção conclusiva da Primeira Carta de Pedro. Depois de nos assegurar da graça com que fomos salvos (cf. 5, 12), o Apóstolo pede-nos que permaneçamos em Cristo. A ressurreição de Jesus introduziu-nos na última e definitiva fase da história, e exige de nós uma nova forma de existir cujas características se pode resumir em três palavras: amor, hospitalidade, serviço. O facto de encontrarmos estas mesmas palavras nas Cartas de Paulo, significa que eram temas importantes na pregação, nos primeiros tempos da Igreja. O amor, a hospitalidade e o serviço, por sua vez, devem ser alimentados pela oração. Quanto ao serviço, Pedro menciona concretamente o da transmissão da Palavra de Deus e a defesa do Evangelho, bem como as diversas formas de participação nas responsabilidades comunitárias, tais como o serviço litúrgico e a ajuda aos pobres. A multiforme graça de Deus, o dom peculiar de cada um, não deve redundar em glória própria, mas na glória de Deus que, por Cristo, enriqueceu extraordinariamente a comunidade de Cristo: «A Ele a glória e o poder por todos os séculos dos séculos. Ámen.» (v. 11). Esta doxologia dirigida ao Pai por Cristo, e ao próprio Cristo, é caso único no Novo Testamento.

    Evangelho: Marcos 10, 1-12

    Naquele tempo, 11Jesus, depois de ser aclamado pela multidão, chegou a Jerusalém e entrou no templo. Depois de ter examinado tudo em seu redor, como a hora já ia adiantada, saiu para Betânia com os Doze. 12Na manhã seguinte, ao deixarem Betânia, Jesus sentiu fome. 13Vendo ao longe uma figueira com folhas, foi ver se nela encontraria alguma coisa; mas, ao chegar junto dela, não encontrou senão folhas, pois não era tempo de figos. 14Disse então: «Nunca mais ninguém coma fruto de ti.» E os discípulos ouviram isto. Chegaram a Jerusalém; e, entrando no templo, Jesus começou a expulsar os que vendiam e compravam no templo; deitou por terra as mesas dos cambistas e os bancos dos vendedores de pombas, 16e não permitia que se transportasse qualquer objecto através do templo. 17E ensinava-os, dizendo: «Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões.» 18Os sacerdotes e os doutores da Lei ouviram isto e procuravam maneira de o matar, mas temiam-no, pois toda a multidão estava maravilhada com o seu ensinamento. 19Quando se fez tarde, saíram para fora da cidade. 20Ao passarem na manhã seguinte, viram a figueira seca até às raízes. 21Pedro, recordando-se, disse a Jesus: «Olha, Mestre, a figueira que amaldiçoaste secou!» 22Jesus disse-lhes: «Tende fé em Deus. 23Em verdade vos digo, se alguém disser a este monte: 'Tira-te daí e lança-te ao mar', e não vacilar em seu coração, mas acreditar que o que diz se vai realizar, assim acontecerá. 24Por isso, vos digo: tudo quanto pedirdes na oração crede que já o recebestes e haveis de obtê-lo.Quando vos levantais para orar, se tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe primeiro, 25para que o vosso Pai que está no céu vos perdoe também as vossas ofensas. 26Porque, se não perdoardes, também o vosso Pai que está no Céu não perdoará as vossas ofensas.»

    Depois de uma longa viagem, durante a qual anunciou o Reino e realizou prodígios, que manifestavam a sua presença, Jesus chega a Jerusalém. Entra no templo, examina a situação, e retira-se para Betânia, onde pernoita.
    No dia seguinte dá-se o episódio da maldição da figueira, um evento que tem dado aso a muitas discussões e hipóteses entre os exegetas. Não vamos entrar nelas. Mas, encorajados pela liturgia que nos faz ler hoje três episódios do ministério de Jesus em Jerusalém, - a madição da figueira (vv. 12-14), a expulsão dos profanadores do tempo (vv. 15-19), a exortação à fé (vv. 22-25), - vamos procurar descobrir a ligação que há entre eles. Jesus tem fome, procura figos na figueira e não os encontra. Marcos informa que «não era tempo de figos» (v. 14). Este evento inquadra-se no contexto da revelação que Jesus está a completar. O tempo da fé é salvífico, e não cronológico. Jesus revela que o Pai, n´Ele, tem fome e tem sede, não de alimento ou de bebida, mas de amor, de justiça, de rectidão; tem fome e sede de respeito pela sua morada, e não da profanação do templo santo, que somos cada um de nós. Para saciar esta fome e esta sede, todo o tempo e todo o lugar são bons. Israel perdera a sua fecundidade religiosa porque, explorando o povo simples no próprio templo de Deus, não amava a humanidade e não podia, por conseguinte, correr o risco da maravilhosa aventura da oração e da fé.

    Meditatio

    Pedro exorta-nos a viver segundo o dom que recebemos, actuando como bons administradores da graça de Deus (cf. v. 10).
    A fé revela-nos a imensa riqueza de graças que recebemos. A vida, as qualidades físicas, morais e espirituais, são enormes dons divinos. Somos dom de Deus, um dom generoso, um dom gratuito. E é fazendo-nos dom, a Deus e aos outros, que crescemos e nos realizamos. Os dons de Deus são para o serviço da comunidade, de cada um dos irmãos que a compõem. Quanto mais formos dom para os outros, mais receberemos do amor divino.
    Pedro dá dois exemplos: a Palavra e o serviço. «Se alguém tomar a palavra, que seja para transmitir palavras de Deus; se alguém exerce um ministério, faça-o com a força que Deus lhe concede» (v. 11). Não se fale por falar, mas para transmitir as palavras de Deus. O serviço aos irmãos faz-se com a força que vem de Deus. A verdadeira caridade, aquela que cobre a multidão dos pecados (v. 8), não tem origem em nós, mas em Deus. Amamos com o amor que recebemos de Deus, com o amor com que fomos amados. Por isso, a Palavra e o serviço hão-de ser para glória de Deus: «para que em todas as coisas Deus seja glorificado por Jesus Cristo» (v. 11). Mas só os humildes, os agradecidos, os generosos podem viver tão belo ideal.
    O evangelho apresenta-nos importantes lições de Jesus, na sua última ida a Jerusalém: a figueira estéril, símbolo da incredulidade judaica, oferece-lhe o ensejo de insistir numa fé intensa; a Casa de Deus serve para a oração e não para comércio; Deus só perdoa a quem perdoar ao seu próximo. Fechar-nos no nosso orgulho e ambições é, como aconteceu a Israel, lançar-nos a um caminho que leva à esterilidade e à seca. Fazer dos nossos templos, dos nossos santuários, lugares de oração, mas também de comércio e exploração, não é amar e servir como Deus quer, acima de qualquer holocausto e sacrifício. Para que a nossa oração alcance os resultados surpreendentes da fé, é necessário que, antes, se perdoe aos inimigos.
    Como todos os cristãos, nós, os dehonianos, queremos viver para a glória de Deus, acolhendo o Espírito, e agindo sob o influxo dos Seus dons, pondo o carisma recebido ao serviço dos irmãos. Assim, permitimos ao mesmo Espírito produzir em nós os seus frutos, principalmente o da caridade, o do amor oblativo (cf. Gl 5, 22). Paulo define os sinais da caridade, do amor oblativo: a alegria, a paz: ser criaturas de alegria e de paz; as manifestações: a paciência, a bondade, a benevolência. Mas também lhe indica as condições: ser fiéis a Cristo, imitar a mansidão e a humildade do Seu Coração e deixar-se guiar, não pelo nosso egoísmo, mas pelo Espírito de Deus.
    Somos louvor da glória de Deus quando vivemos as bem-aventuranças, quando a liturgia do rito (eucaristia) se torna, para nós, liturgia da vida, da história e a nossa existência, como afirma o Pe. Dehon, é "uma missa permanente" (C. A., III, 199) (Cst 5).

    Oratio

    Senhor, parece-me que não tenho alternativa: ou sou templo de oração, ou me torno espelunca de ladrões. Se não uso os talentos que me deste, se não os ponho ao serviço dos irmãos, sendo acolhedor, compreensivo, misericordioso, corro o risco de os desperdiçar, ainda que seja a satisfazer as necessidades cultuais dos teus fiéis. Se não trabalho para que em tudo seja o Pai glorificado, corro o risco de buscar a minha própria glorificação. Vivendo Contigo, não posso escolher entre Ti e a humanidade, mas viver com ambos. Só alcançarei o meu próprio bem na medida em que me ocupar das coisas do Pai Contigo, na medida em que caminhar pelos teus caminhos.
    Ensina-me a falar comigo mesmo e com os outros da Palavra que nos deste e a realizar o serviço que me confias. E que, em tudo, sejas glorificado. Amen.

    Contemplatio

    Se a união não for assim tão estreita, é a indolência; se a separação for consumada, é a morte; assim o ramo separado do cepo seca e já não serve senão para o fogo (Jo 15, 4).
    Que exemplos assustadores nos ensinamentos de Jesus: a árvore que não dá frutos, cortada e lançada ao fogo; a figueira estéril; a figueira seca; a nação infiel; os servos que não fazem frutificar a mina ou o talento!
    Mas também que promessas encorajadoras para os que são generosos!
    Com a graça de Jesus somos todo-poderosos: Omnia possum in eo qui me confortat (Fil 4,13).
    Deus opera em nós o poder e o querer, se o deixarmos fazer; solicita e sustém cada um dos nossos actos, sobrenaturais, interiores ou exteriores (Fil 2, 13).
    A graça não cessa de bater à nossa porta (Jo 5, 40). Se a aceitarmos, torna-se em nós uma fonte que brota para a vida eterna. As ondas de graça do Coração de Jesus vêm aos nossos corações, se os soubermos abrir.
    A graça une-nos sempre mais a Deus na luz, isto é, na verdade, no amor e na santidade (Jo 1, 6). Transforma gradualmente as nossas almas até à semelhança divina (2Cor 3, 18).
    «É pela graça de Deus que sou o que sou, diz S. Paulo, e a sua graça não foi estéril em mim» (1Cor 15, 10) (Leão Dehon, OSP4, p. 183s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Em todas as coisas Deus seja glorificado por Jesus Cristo» (1 Pe 4, 11).

    | Fernando Fonseca, scj |

    Visitação da Virgem Santa Maria

    Visitação da Virgem Santa Maria


    31 de Maio, 2024

    A Festa de Visitação começou a ser celebrada no século XIII, pelos Franciscanos. Bonifácio IX (1389-1384) introduziu-a no calendário universal da Igreja. Tradicionalmente celebrada a 2 de Julho, a festa foi antecipada pelo novo calendário para o dia 31 de Maio, ficando assim entre a Solenidade da Anunciação (25 de Março) e o Nascimento de João Batista (24 de Junho). Depois da Anunciação, Maria foi visitar a prima Isabel, partilhando com ela a alegria que experimentava perante as "maravilhas" n´Ela operadas pelo Senhor. Impele-a também a essa visita a sua caridade feita disponibilidade e discrição. Para Lucas, Maria é a verdadeira Arca da Aliança, a morada de Deus entre os homens. Isabel reconhece esse fato e reverencia-o. Toda a visitação de Maria é um acontecimento de Jesus.

    Lectio

    Primeira leitura: Sofonias 3, 14-18ª

    Rejubila, filha de Sião,solta gritos de alegria, povo de Israel! Alegra-te e exulta com todo o coração, filha de Jerusalém!15O Senhor revogou as sentenças contra ti, e afastou o teu inimigo. O Senhor, rei de Israel, está no meio de ti. Não temerás mais a desgraça. 16Naquele dia, dir-se-á a Jerusalém: «Não temas, Sião! Não se enfraqueçam as tuas mãos! 17O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa, 18como nos dias de festa.»

    O reinado de Josias (séc. VI a. C.) foi marcado por permanentes infidelidades de Israel a Deus. O povo, esquecendo a Aliança com Deus, fazia alianças humanas e deixava-se levar pelas modas, cedendo ao culto de deuses estrangeiros. Perante esta situação, Sofonias ergue a voz para proclamar "o dia terrível de Javé" em que o pecado dos povos, também de Judá, seria manifestado e julgado. Mas o profeta sabe que o juízo de Deus é sempre um convite à conversão. Assim, abre uma perspetiva de luz e de esperança. A "filha de Sião" deve alegrar-se com a perspetiva desse dia (cf. 16b), o dia messiânico, dia de misericórdia e de um amor novo entre Deus e o seu povo. A presença de Deus entre o seu povo será motivo de renovada esperança, porque Deus é "poderoso salvador" (v. 17).

    Evangelho: Lucas 1, 39-56

    Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia. 40Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42Então, erguendo a voz, exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.43E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? 44Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. 45Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor.» 46Maria disse, então: «A minha alma glorifica o Senhor47e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações. 49O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome.50A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem.51Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos.52Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. 53Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.54Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia,55como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.» 56Maria ficou com Isabel cerca de três meses. Depois regressou a sua casa.

    Maria e Isabel acolhem em si a ação de Deus. Maria acolhe-a de modo ativo, dando o seu consenso. Isabel acolhe-a de modo passivo. Ambas experimentam a ação poderosa do Espírito Santo. Isabel tem no ventre o Precursor. Graças a essa presença, pode já indicar, na Mãe, o Filho e proclamar bendita Aquela que "acreditou" (v. 45). Maria responde ao cântico de Isabel com o Magnificat, que revela a ação poderosa de Deus nela, aquela ação que realiza as promessas feitas a Abraão e à sua descendência. O Magnificat é a primeira manifestação pública de Jesus, ainda escondido, mas atuante naqueles que, como Maria, o acolhem na fé e com amor.

    Meditatio

    Maria ensina-nos a acolher o Senhor. Acolhe-o com louvor: "A minha alma glorifica o Senhor!" Assim fizera David que acolheu a Arca de Deus com exultação e a colocou na sua cidade, Jerusalém, no meio do júbilo do seu povo.
    Como David e, sobretudo, como Maria, precisamos de acolher a Deus e dar-lhe o lugar a que tem direito na nossa vida. Somos pequenos e fracos, é certo. Mas Deus chama-nos a acolhê-lo, a recebê-lo em nossa casa com alegria e disponibilidade. Não podemos deixá-lo à porta. Não podemos recebê-lo continuando fechados nas nossas preocupações, nos nossos interesses mais ou menos egoístas. Não podemos receber a Deus como se recebe alguém que vem negociar connosco, ou como se recebe um fornecedor, um cobrador, ou um qualquer serviçal. Há que recebê-lo com a honra a que tem direito, com alegria, com cânticos de júbilo, com exultação. Maria acolheu o Senhor, não para ser servida, mas para servir. Acolheu-o cantando: "A minha alma glorifica o Senhor!". Maria e Isabel ensinam-nos também a acolher os outros. Para acolher alguém, precisamos de sair de nós mesmos. Maria saiu fisicamente de sua casa e deslocou-se à montanha da Judeia para visitar Isabel. Isabel, para acolher a Maria, saiu de si mesma e reconheceu, na jovem mulher que a visitava, a Mãe do seu Senhor. Maria acolhera a palavra do Anjo acerca da prima e foi visitá-la como a alguém abençoado pelo Senhor. Acolher uma pessoa é sempre acolher aquilo que Deus realiza nessa pessoa, acolher a sua vocação profunda.
    Peçamos a Maria que, como o Pe. Dehon, e no seu "seguimento", saibamos contribuir para instaurar o reino da justiça e da caridade cristã no mundo (cf. Souvenirs XI). Um sinal dos tempos muito apreciado, pelos crentes e pelos não crentes, é a solidariedade com os carenciados, sejam eles da nossa família ou vivam mais perto ou mais longe de nós. O mesmo se diga da ajuda aos povos em vias de desenvolvimento, muitas vezes atormentados pela fome, causada por guerras crónicas ou por catástrofes e calamidades naturais (Cf. A.A., n. 14).

    Oratio

    Senhor, hoje, quero rezar-te com o P. Dehon: "A minha alma glorifica o Senhor por todos os seus benefícios: pela sua vinda na Incarnação, pelos seus ensinamentos luminosos, pela efusão do seu sangue, pela instituição da Eucaristia, pelo dom do seu Coração, sobretudo, e pelas graças pessoais com que me cumula todos os dias." (OSP 3, p. 22s.)

    Contemplatio

    Maria entoa o cântico de ação de graças que ficará como expressão de ação de graças de todos os filhos de Deus. Como dizer o enlevo do seu Coração? Ela atribui tudo à glória de Deus, esquecendo-se de si mesma. É o sentido de todo o cântico. Foi Deus quem fez nela grandes coisas. É a obra da sua misericórdia. Veio no poder do seu braço para humilhar os soberbos e para levantar os pequenos. Veio despojar os que se agarravam aos bens da terra e enriquecer com os seus dons os que estavam em necessidade. - Veio cumprir as promessas feitas aos patriarcas. Em todo este mistério da Visitação transbordam a caridade do Coração de Jesus que derrama as suas graças sobre aqueles que visita, e o humilde reconhecimento do coração de Maria, que nos ensina a dizer a Deus toda a nossa gratidão atribuindo-lhe fielmente todo o bem que opera em nós, seus pobres servidores bem humildes e bem pequenos. O Magnificat servir-nos-á de cântico de ação de graças para agradecermos ao Sagrado Coração de Jesus as suas visitas e a sua permanência em nós pela Eucaristia e pela graça. (Leão Dehon, OSP 3, p. 22).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "A minha alma glorifica o Senhor" (Lc 1, 46).

    ----
    Visitação da Virgem Santa Maria (31 Maio)

  • VIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    1 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    VIII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Judas 17.20-25

    Caríssimos, 17quanto a vós, caríssimos, lembrai-vos das coisas preditas pelos Apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo, 20Edificando-vos uns aos outros sobre o fundamento da vossa santíssima fé e orando ao Espírito Santo, 21mantende-vos no amor de Deus, esperando que a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vos conceda a vida eterna. 22Tratai com misericórdia aqueles que vacilam; 23a uns, procurai salvá-los, arrancando-os do fogo; a outros, tratai-os com misericórdia, mas com cautela, detestando até a túnica contaminada pelo seu corpo. 24Àquele que é poderoso para vos livrar das quedas e vos apresentar diante da sua glória, imaculados e cheios de alegria, 25ao Deus único, nosso Salvador, por meio de Jesus Cristo, Senhor nosso, seja dada a glória, a majestade, a soberania e o poder, antes de todos os tempos, agora e por todos os séculos. Ámen.

    O autor deste escrito, de que hoje meditamos a conclusão, apresenta-se como Judas «servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago» (v. 1). Deseja paz aos eleitos que vivem no amor de Deus Pai e foram preservados por Jesus Cristo (vv. 1s.). Judas está preocupado em salvaguardar a integridade e a beleza da fé (v. 3) e recorda àqueles a quem se dirige, provavelmente cristãos provenientes do paganismo, «as coisas preditas pelos Apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 17), incita-os a edificar-se uns aos sobre sobre o fundamento da fé (cf. v. 20) e a manter-se no amor de Deus (cf. v.21). Judas tem presente os perigos do gnosticismo. Havia que apoiar os vacilantes e ser misericordiosos e firmes com os que corriam o risco de se deixar envolver pelos seus erros.
    O autor termina com uma solene doxologia, certamente de matriz litúrgica, para louvar a Deus, único salvador, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. E conclui afirmando que só Deus tem poder para preservar das quedas e fazer comparecer na sua presença sem defeitos e cheios de alegria.

    Evangelho: Marcos 11, 27-33

    Naquele tempo, 27Jesus e os discípulos regressaram a Jerusalém e, andando Jesus pelo templo, os sumos sacerdotes, os doutores da Lei e os anciãos aproximaram-se dele 28e perguntaram-lhe: «Com que autoridade fazes estas coisas? Quem te deu autoridade para as fazeres?» 29Jesus respondeu: «Também Eu vos farei uma pergunta; respondei-me e dir-vos-ei, então, com que autoridade faço estas coisas: 30O baptismo de João era do Céu, ou dos homens? Respondei-me.» 31Começaram a discorrer entre si, dizendo: «Se dissermos 'do Céu', dirá: 'Então porque não acreditastes nele?' 32Se, porém, dissermos 'dos homens', tememos a multidão.» Porque todos consideravam João um verdadeiro profeta. 33Por fim, responderam a Jesus: «Não sabemos.»E Jesus disse-lhes: «Nem Eu vos digo com que autoridade faço estas coisas.»

    A atitude «subversiva» de Jesus no templo inquietou os chefes, que resolveram interrogá-lo. Dir-se-ia que se trata de um inquérito à margem do processo oficial. A resposta positiva de Jesus, à pergunta que lhe faziam, equivalia a declarar-se Messias, pois só Messias tem autoridade para tomar tais atitudes. E nada mais seria preciso para um processo oficial contra Ele. Com grande habilidade, Jesus responde com outra pergunta, que lança a confusão entre os seus adversários. Como não tiveram coragem para responder, e se escudaram num lacónico «não sabemos», Jesus despediu-os com uma expressão seca: «Nem Eu vos digo com que autoridade faço estas coisas» (v. 33).
    Talvez nos espante esta atitude de Jesus, tão atencioso e compassivo com Bartimeu. Mas o Senhor detesta a arrogância e a má vontade. É puro, mas não ingénuo. Além disso, a sua dureza podia levar os adversários a rever posições ou, pelo menos, a reconhecer que não procuravam a verdade, mas só desembaraçar-se dele.
    Jesus dá-nos exemplo de «ética profética». A sua autoridade está na linha da de João Baptista. Se os adversários de Jesus reconhecessem a autoridade de João, a sua resistência a Jesus seria menos grave. Mas não o fizeram. Acabaram por recusar Jesus, mas também por atraiçoar o Baptista, ignorando a confiança que o povo tinha nele, pois o considerava um verdadeiro profeta.

    Meditatio

    A Carta de Judas apresenta-nos uma preciosa exortação sobre dois pólos da vida recta: a santidade de vida e a solicitude pelas pessoas cuja fé corre perigo. A santidade cresce na relação com as Pessoas divinas cultivada na oração, na docilidade ao Espírito Santo, no amor a Deus Pai e na esperança na misericórdia de Jesus: «Edificando-vos uns aos outros sobre o fundamento da vossa santíssima fé e orando ao Espírito Santo, mantende-vos no amor de Deus, esperando que a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vos conceda a vida eterna» (vv. 20-21). Quanto à solicitude com os que correm perigo de vacilar na fé, há que ser misericordioso, mas também firme, sem descer a compromissos: «Tratai com misericórdia aqueles que vacilam; a uns, procurai salvá-los, arrancando-os do fogo; a outros, tratai-os com misericórdia, mas com cautela» (vv. 22-23).
    Judas apresenta, pois, um verdadeiro programa de vida, assente na rocha viva que é Jesus Cristo. Há que construir tudo sobre a fé, com simplicidade, correspondendo à graça de Deus, sem nos fiarmos no que é simplesmente humano, nem sequer em nós mesmos. O importante é praticar «a verdade na caridade» (Ef 4, 15).
    Os sumos-sacerdotes, os doutores da Lei e os anciãos de que nos fala o evangelho não agiam nem falavam com rectidão. É por isso que Jesus não responde à pergunta que Lhe fazem, mas, por sua vez, também os interroga acerca de João Baptista. A pergunta de Jesus visa fazê-los pensar e... converter-se. Mas, em vez de se deixarem tocar pela graça, entram em cálculos humanos: «Começaram a discorrer entre si, dizendo: «Se dissermos 'do Céu', dirá: 'Então porque não acreditastes nele?' Se, porém, dissermos 'dos homens', tememos a multidão» (vv. 31-32). Não lhes convinha dizer que o baptismo de João vinha «do céu»; mas também temeram dizer que vinha «dos homens». Escudaram-se no: «Não sabemos.». E assim se fecharam à fé.
    Também nós corremos o risco de dar respostas semelhantes quando resistimos às inspirações do Espírito Santo, ou deslizamos para soluções mais cómodas, menos empenhativas. Nos nossos exames de consciência havemos de nos interrogar: «Estes pensamentos, estes projectos, estas opções são motivadas pela minha fé, ou por outras razões mais ou menos conscientes?» Quais motivações me fazem falar, agir, caminhar? Certamente reconheceremos, com humildade e confiança, diante de Deus, que, nem sempre é por Ele que falamos, agi
    mos, optamos. Mas, reconhecê-lo, pedir perdão, e procurar emenda, é salvaguardar a nossa fé.

    Oratio

    Senhor, Jesus Cristo, não olhes para os nossos pecados, mas para a fé da tua Igreja. Dá-nos a graça de construirmos o nosso edifício espiritual sobre os fundamentos da fé e dos apóstolos. Perdoa as nossas hesitações e medos. Põe nos nossos caminhos pessoas compassivas, mas exigentes, que nos ajudem e superar as nossas misérias, mas não sejam coniventes com os nossos erros. Por vezes refilamos com as intervenções daqueles que, na tua Igreja, tem o serviço de vigiar pela integridade da fé e pela sã moral. A recordação de erros, ou de situações menos lineares e claras do passado, dão-nos ânimo para presumir respostas e rejeitar as intervenções e orientações dos nossos pastores.
    Dá-nos o teu Espírito Santo, Espírito de Conselho, para sabermos discernir as situações e ver quando é oportuno fazer-nos voz daqueles que não têm voz e quando, pelo contrário, as nossas recriminações são apenas fruto da nossa impiedade, e da dureza do nosso coração.
    Que sempre e em toda a parte, sejamos missionários misericordiosos da tua Verdade. Amen.

    Contemplatio

    S. Judas Tadeu era familiar de Nosso Senhor, um daqueles que chamavam seus irmãos, que o seguiam e o procuravam sempre. Era irmão de S. Tiago Menor, de S. Simão, bispo de Jerusalém, e de S. José, o justo, que foi proposto com S. Matias para substituir Judas, eram os filhos de Cléofas e de Maria, irmã da santa Virgem. Recebeu de sua mãe o amor de Jesus e de Maria e o espírito de reparação. Era do número dos discípulos mais amados de Jesus. Quando Jesus disse aos seus apóstolos: «Quem me ama e guarda os meus mandamentos será amado de meu Pai; eu o amarei também e me revelarei a ele», é S. Judas que toma a palavra e faz repetir a Nosso Senhor esta doce promessa! «Senhor, diz, de onde vem que vos revelareis a nós e não ao mundo?» Jesus respondeu-lhe: «É porque vós me amais e guardais a minha palavra, o meu Pai vos amará, e nós viremos a vós e faremos em vós a nossa morada» (Jo 14, 21). Ó bem-aventurado apóstolo, como invejo a vossa sorte! Mas não posso eu, se quiser, fazer-me amar também de Deus e de Nosso Senhor observando os mandamentos?
    S. Judas, na sua epístola, ensina o amor de Deus e do próximo: «Meus bem-amados, diz, tinha pressa em escrever-vos. Desejo-vos a misericórdia, a paz e a caridade divina... Mantende-vos fortemente agarrados a Jesus Cristo, e erguendo-vos a vós mesmos como um edifício espiritual sobre o fundamento da vossa santa fé, rezai por meio do Espírito Santo e conservai-vos no amor de Deus, aguardando a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo para obterdes a vida eterna» (Leão Dehon, OSP4, p. 401s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Mantende-vos no amor de Deus;
    tratai com misericórdia os que vacilam» (Jd vv. 21.22).

    | Fernando Fonseca, scj |

plugins premium WordPress