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  • 18º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    18º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    1 de Agosto, 2021

    ANO B
    18º Domingo do Tempo Comum

    Tema do 18º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum repete, no essencial, a mensagem das leituras do passado domingo. Assegura-nos que Deus está empenhado em oferecer ao seu Povo o alimento que dá a vida eterna e definitiva.
    A primeira leitura dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A acção de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores.
    No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o "pão" da vida que desceu do céu para dar vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus pede que aceitem esse "pão" - isto é, que escutem as palavras que Ele diz, que as acolham no seu coração, que aceitem os seus valores, que adiram à sua proposta.
    A segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o "pão" que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.

    LEITURA I - Ex 16,2-4.12-15

    Leitura do Livro do Êxodo

    Naqueles dias,
    toda a comunidade dos filhos de Israel
    começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
    Disseram-lhes os filhos de Israel:
    «Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egipto,
    quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
    e comíamos pão até nos saciarmos.
    Trouxestes-nos a este deserto,
    para deixar morrer à fome toda esta multidão».
    Então o Senhor disse a Moisés:
    «Vou fazer que chova para vós pão do céu.
    O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
    Vou assim pô-lo à prova,
    para ver se segue ou não a minha lei.
    Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
    Vai dizer-lhes:
    'Ao cair da noite comereis carne
    e de manhã saciar-vos-eis de pão.
    Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus'».
    Nessa tarde apareceram codornizes,
    que cobriram o acampamento,
    e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
    em volta do acampamento.
    Quando essa camada de orvalho se evaporou,
    apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
    fina como a geada sobre a terra.
    Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
    «Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
    pois não sabiam o que era.
    Disse-lhes então Moisés:
    «É o pão que o Senhor vos dá em alimento».

    AMBIENTE

    A secção de Ex 15,22-18,27 desenvolve um dos grandes temas do Pentateuco: a marcha pelo deserto. Aqui estamos, ainda, na primeira etapa dessa marcha - a que vai desde a passagem do mar, até ao Sinai.
    Três dos episódios apresentados nesta secção tratam o tema da murmuração do Povo (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). O esquema é simples e é sempre o mesmo: o Povo desconfia e murmura diante das dificuldades, subleva-se contra Moisés e chega a acusar Deus pelos desconfortos da caminhada; quando estão prestes a sofrer o castigo pela sua revolta, Moisés intercede diante do Jahwéh e o Senhor perdoa o pecado do Povo; finalmente, apesar do pecado, Jahwéh concede ao Povo os bens de que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, com um crescendo de intensidade até ao desfecho final, que se apresenta sempre na forma de uma intervenção prodigiosa de Deus, em benefício do seu Povo.
    Provavelmente, estes relatos têm por base elementos de carácter histórico (dificuldades reais sentidas pelos hebreus que saíram do Egipto com Moisés, no seu caminho para a Terra Prometida, através do deserto do Sinai) e que ficaram na memória colectiva; no entanto, os catequistas bíblicos estão mais interessados em fazer catequese, do que em apresentar uma reportagem jornalística da viagem (o episódio mistura uma catequese "jahwista", do séc. X a.C. com uma catequese "sacerdotal", do séc. VI a.C). A catequese apresentada pretende sempre avisar o Povo contra a tentação de procurar refúgio e segurança fora de Jahwéh... Aqui, Israel fala em regressar ao Egipto, onde eram escravos, mas tinham pão e carne em abundância: o Egipto representa a tentação que o Povo sentiu, em tantas situações da sua história, de voltar atrás, de abandonar os valores e a vida de Deus, de se instalar comodamente em esquemas à margem de Deus. O catequista jahwista garante ao seu Povo que Deus o acompanha sempre ao longo da sua caminhada e que só ele oferece a Israel vida em abundância.
    O episódio que hoje nos é proposto - o episódio das codornizes e do maná - é situado no deserto de Sin, "que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a saída da terra do Egipto" (Ex 16,1). O deserto de Sin estende-se de Kadesh-Barnea para ocidente.
    A história das codornizes tem por base um fenómeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai muito cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve ter por base uma pequena árvore ("tamarix mannifera") existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada por um insecto, segrega uma substância resinosa e espessa que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (que chamam "man"), derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o pão.
    Vai ser com estes elementos - elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto - que os catequistas bíblicos vão "amassar" a catequese que nos transmitem no texto que nos é proposto.

    MENSAGEM

    1. O episódio começa com a murmuração do Povo "contra Moisés e contra Aarão" (vers. 2). Por estranho que pareça, Israel sente saudades do tempo em que passou no Egipto pois, apesar da escravidão, estava sentado "ao pé de panelas de carne" e comia "pão com fartura" (vers. 3). Ao longo da caminhada, vêm ao de cima as limitações e as deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de escravo, demasiado "verde" e sem maturidade, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo, ao comodismo, que prefere a escravidão à liberdade. Por outro lado, é um Povo que ainda não aprendeu a confiar no seu Deus, a segui-lo de olhos fechados, a responder sem hesitações às suas propostas, a segui-l'O incondicionalmente no caminho da fé.
    2. A resposta de Deus é "fazer chover pão do céu" (vers. 4) e dar ao Povo carne em abundância (vers. 12). O objectivo de Deus é, não só satisfazer as necessidades materiais do Povo, mas também revelar-Se como o Deus da bondade e do amor, que cuida do seu Povo, que está sempre ao seu lado ao longo da caminhada, que milagrosamente entrega de bandeja a Israel a possibilidade de satisfazer as suas necessidades mais básicas e de vencer as forças da morte que se ocultam nas areias do deserto. Dessa forma, o Povo pode fazer uma experiência de encontro e de comunhão com Deus, que se traduzirá em confiança, em amor, em entrega. O cuidado, a solicitude e o amor de Deus experimentados nesta "crise", não só ajudarão o Povo a sobreviver, mas irão permitir-lhe, também, superar mentalidades estreitas e egoístas, fazendo-o ver mais além, alargar os horizontes, tornar-se mais adulto, mais consciente, mais responsável e mais santo. Israel aprende, assim, a confiar em Deus, a entregar-se nas suas mãos, a não duvidar do seu amor e fidelidade... Israel aprende, neste percurso, que Jahwéh é a rocha segura em quem se pode confiar nas crises e dramas da vida.
    3. O facto de se dizer que Deus apenas dava ao Povo a quantidade de maná necessária "para cada dia" (vers. vers. 4) é uma bonita lição sobre desprendimento e confiança em Deus. Ensina o Povo a não acumular bens, a não viver para o "ter", a libertar o coração da ganância e do desejo de possuir sempre mais, a não viver angustiado com o futuro e com o dia de amanhã; ensina, também, a confiar em Deus, a entregar-se serenamente nas suas mãos, a vê-l'O como verdadeira fonte de vida.

    ACTUALIZAÇÃO

    • Mais uma vez, a Palavra de Deus que nos é proposta dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A acção de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores. Para Deus, "alimentar" o Povo é ajudá-lo a descobrir os caminhos que conduzem à felicidade e à vida verdadeira. O Deus em quem nós acreditamos é o mesmo Deus que, no deserto, ofereceu a Israel a possibilidade de libertar-se de uma mentalidade de escravo e de descobrir o caminho para a vida nova da liberdade e da felicidade... Ele vai connosco ao longo da nossa caminhada pelo deserto da vida, vê as nossas necessidades, conhece os nossos limites, percebe a nossa tendência para o egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos caminhos novos, convida-nos a ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à terra da liberdade e da vida verdadeira. Este texto fala-nos da solicitude e do amor com que Deus acompanha a nossa caminhada de todos os dias; convida-nos, também, a escutar esse Deus, a aceitar as propostas de vida que Ele faz e a confiar incondicionalmente n'Ele.

    • As "saudades" que os israelitas sentem do Egipto, onde estavam "sentados junto de panelas de carne" e tinham "pão com fartura", revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado tranquilamente numa vida sem perspectivas e sem saída, incapaz de arriscar, de enfrentar a novidade, de querer mais, de aceitar a liberdade que se constrói na luta e no risco. Esta mentalidade de escravidão continua, bem viva, no nosso mundo... É a mentalidade daqueles que vivem obcecados pelo "ter" e que são capazes de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a mentalidade daqueles que trocam valores importantes pelos "cinco minutos de fama" e de exposição mediática; é a mentalidade daqueles que têm como único objectivo na vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade daqueles que se instalam comodamente nos seus esquemas cómodos, nos seus preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade daqueles que vivem voltados para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos tempos; é a mentalidade daqueles que se resignam à mediocridade e que não fazem nenhum esforço para que a sua vida faça sentido... A Palavra de Deus que nos é proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de chegar à vida verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso encontro, desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a crescer e a dar passos firmes e seguros em direcção à liberdade e à vida nova... E, durante o caminho, nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso lado.

    • A ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a subsistência (proibindo "juntar" mais do que o necessário para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do "ter", da ganância, da ambição desmedida. É um convite, também a nós, a não nos deixarmos dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n'Ele devemos confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva ao encontro da vida definitiva.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 77 (78)

    Refrão: O Senhor deu-lhes o pão do céu.

    Nós ouvimos e aprendemos,
    os nossos pais nos contaram
    os louvores do Senhor e o seu poder
    e as maravilhas que Ele realizou.

    Deus ordens às nuvens do alto
    e abriu as portas do céu;
    para alimento fez chover o maná,
    deu-lhes o pão do céu.

    O homem comeu o pão dos fortes!
    Mandou-lhes comida com abundância
    e introduziu-os na sua terra santa,
    na montanha que a sua direita conquistou.

    LEITURA II - Ef 4,17.20-24

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor:
    Não torneis a proceder como os pagãos,
    que vivem na futilidade dos seus pensamentos.
    Não foi assim que aprendestes a conhecer a Cristo,
    se é que d'Ele ouvistes pregar e sobre Ele fostes instruídos,
    conforme a verdade que está em Jesus.
    É necessário abandonar a vida de outrora
    e pôr de parte o homem velho,
    corrompido por desejos enganadores.
    Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência
    e revesti-vos do homem novo, criado á imagem de Deus
    na justiça e santidade verdadeiras.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a Carta aos Efésios, essa "carta circular" que Paulo escreve enquanto está na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?) e que envia a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor. É uma carta (já o dissemos atrás) onde Paulo apresenta, de forma extremamente serena e reflectida, uma teologia amadurecida, completa, bem elaborada, sobre as exigências da vida nova em Cristo.
    A secção da Carta aos Efésios que vai de 4,1 a 6,20 (já o dissemos também no passado domingo) é um texto parenético, que tem por objectivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Baptismo e com o seu compromisso com Cristo. Depois de convidar os crentes a viverem na unidade do amor (cf. Ef 4,1-6) e de lhes apresentar uma reflexão sobre a comunidade, Corpo de Cristo formado por muitos membros (cf. Ef 4,7-13), Paulo exorta os cristãos a viverem de acordo com a sua condição de Homens Novos em Cristo (cf. 4,14-5,14). O texto que nos é hoje proposto como segunda leitura é parte dessa exortação.

    MENSAGEM

    O nosso texto é, fundamentalmente, um convite - feito com a veemência que Paulo usava sempre nas suas exortações - a deixar a vida antiga e os esquemas do passado, para abraçar definitivamente a vida nova que Cristo veio propor.
    Paulo usa duas expressões opostas para definir a realidade do homem antes do encontro com Cristo e depois do encontro com Cristo. O homem que ainda não aderiu a Cristo é, para Paulo, o homem velho, cuja vida é marcada pela mediocridade, pela futilidade (vers. 17), pela corrupção, pela escravidão aos "desejos enganadores" (vers. 22). O homem que já encontrou Cristo e que aderiu à sua proposta é o homem novo, que vive na verdade (vers. 21), na justiça e na santidade verdadeiras (vers. 24).
    O Baptismo - o momento da adesão a Cristo - é o momento decisivo da transformação do homem velho em homem novo. O próprio rito do Baptismo (o imergir na água significa o morrer para a vida antiga de pecado; o emergir da água significa o nascimento de um outro homem, purificado do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, do pecado) sugere a transformação e a ressurreição do homem para uma vida nova - a vida em Cristo. A partir daí, o homem devia adoptar uma nova maneira de pensar e de agir, consequência do seu compromisso com Cristo e com a proposta de vida que Cristo veio apresentar.
    Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de fragilidade... Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do pecado... O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no dia do seu Baptismo. O homem novo não é uma realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige um trabalho contínuo e uma constante renovação.

    ACTUALIZAÇÃO

    • O cristão é, antes de mais, alguém que encontrou Cristo, que escutou o seu chamamento, que aderiu à sua proposta. A consequência dessa adesão é passar a viver de uma forma diferente, de acordo com valores diferentes, e com uma outra mentalidade. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo. Antes de mais devemos tomar consciência de que também nós encontrámos Cristo, fomos chamados por Ele, aderimos à sua proposta e assumimos com Ele um compromisso. O momento do nosso Baptismo não foi um momento de folclore religioso ou uma ocasião para cumprir um rito cultural qualquer; mas foi um verdadeiro momento de encontro com Cristo, de compromisso com Ele e o início de uma caminhada que Deus nos chama a percorrer, com coerência, pela vida fora, até chegarmos ao homem novo.

    • Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a vida do homem velho... O homem velho é o homem dominado pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos, que vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o êxito, a moda...), que se deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos a nossa vida à margem das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores de Deus para abraçar outros valores que nos escravizam?

    • Paulo apela a que os crentes vivam a vida do homem novo. O homem novo é o homem continuamente atento às propostas de Deus, que aceita integrar a família de Deus, que não se conforma com a maldade, a injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na verdade, no amor, na justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o meu "projecto" de vida? Os meus gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um homem novo, que vive em comunhão com Deus e no amor aos irmãos?

    • Todos nós, no dia do nosso Baptismo, optámos pelo homem novo... É preciso, no entanto, termos consciência que a construção do homem novo nunca é um processo acabado... A monotonia, o cansaço, os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas "meias tintas", na não exigência, na acomodação; então, o homem velho espreita-nos a cada esquina e toma conta de nós... Precisamos de ter consciência de que em cada minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de Deus. O cristão não cruza os braços considerando que já atingiu um nível satisfatório de perfeição; mas está sempre numa atitude de vigilância e de conversão, para poder responder adequadamente, em cada instante, aos desafios sempre novos de Deus.

    ALELUIA - Mt 4,4b

    Aleluia. Aleluia.

    Nem só de pão vive o homem,
    mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
    EVANGELHO - Jo 6,24-35

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    quando a multidão viu
    que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
    subiram todos para as barcas
    e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
    Ao encontrá-l'O no outro lado do mar, disseram-Lhe:
    «Mestre, quando chegaste aqui?»
    Jesus respondeu-lhes:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    vós procurais-Me, não porque vistes milagres,
    mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
    Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
    mas pelo alimento que dura até à vida eterna
    e que o Filho do homem vos dará.
    A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
    marcou com o seu selo».
    Disseram-Lhe então:
    «Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?»
    Respondeu-lhes Jesus:
    «A obra de Deus
    consiste em acreditar n'Aquele que Ele enviou».
    Disseram-Lhe eles:
    «Que milagres fazes Tu,
    para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
    Que obra realizas?
    No deserto os nossos pais comeram o maná,
    conforme está escrito:
    'Deu-lhes a comer um pão que veio do céu'».
    Jesus respondeu-lhes:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
    meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
    O pão de Deus é o que desce do Céu
    para dar a vida ao mundo».
    Disseram-Lhe eles:
    «Senhor, dá-nos sempre desse pão».
    Jesus respondeu-lhes:
    «Eu sou o pão da vida:
    quem vem a Mim nunca mais terá fome,
    quem acredita em Mim nunca mais terá sede».

    AMBIENTE

    No passado domingo, João contou-nos como Jesus alimentou a multidão com cinco pães e dois peixes, na "outra" margem do Lago de Tiberíades (cf. Jo 6,1-15). Ao "cair da tarde" desse dia, Jesus e os discípulos voltaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).
    O episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no "dia seguinte" ao episódio da multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que ainda estava do "outro lado" do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e dirigiu-se ao seu encontro.
    A multidão encontra Jesus na sinagoga de Cafarnaum - uma cidade situada na margem ocidental do Lago e à volta da qual se desenrola uma parte significativa da actividade de Jesus na Galileia. Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso (cf. Jo 6,22-59) que explica o sentido do gesto precedente (a multiplicação dos pães e dos peixes).

    MENSAGEM

    A cena inicial (vers. 24) parece sugerir, à primeira vista, que a pregação de Jesus alcançou um êxito total: a multidão está entusiasmada, procura Jesus com afã e segue-O para todo o lado. Aparentemente, a missão de Jesus não podia correr melhor.
    Contudo, Jesus percebe facilmente que a multidão está equivocada e que O procura pelas razões erradas. Na verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço; mas a multidão não foi sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se pelas aparências e só percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pão em abundância. Assim, o facto de a multidão procurar Jesus e Se dirigir ao seu encontro não significa que tenha aderido à sua proposta; significa, apenas, que viu em Jesus um modo fácil e barato de resolver os seus problemas materiais.
    Na verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes gerou um perigoso equívoco. Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal-entendido. Por isso, nem sequer responde à pergunta inicial que Lhe põem ("Mestre, quando chegaste aqui?" - vers. 25); mas, mal se encontra diante da multidão, procura esclarecer coisas bem mais importantes do que a hora da sua chegada a Cafarnaum... As palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o problema da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução dos seus problemas materiais (vers. 26). Trata-se de uma procura interesseira e egoísta, que é absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou passar-lhes. Depois de identificar o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é preciso esforçar-se por conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento que sacia a fome de vida que todo o homem tem. A multidão, ao preocupar-se apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o essencial - o alimento que dá vida definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio Jesus que o traz (vers. 27).
    O que é preciso fazer para receber esse pão? - pergunta-se a multidão (vers. 28). A resposta de Jesus é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projecto (vers. 28). Na cena da multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projecto de Jesus (que falava de amor, de partilha, de serviço); apenas correu atrás do profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância... Mas, para receber o alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros homens. É acolhendo e interiorizando esse "pão" que se adquire a vida que não acaba.
    Os interlocutores de Jesus não estão, no entanto, convencidos de que esse "pão" garanta a vida definitiva. Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do amor, do serviço, da partilha. O que é que garante, perguntam eles, que esse seja um caminho verdadeiro para a vida definitiva (vers. 30)? Qual a prova de que a realização plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? Porque é que Jesus não realiza um gesto espectacular - como Moisés, que fez chover do céu o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada - para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora de vida (vers. 31)?
    Jesus responde pondo a questão da seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse "pão" que sacia a fome de vida eterna do homem. Só Deus dá aos homens, de forma contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não veio ao encontro dos homens através de Moisés, mas através de Jesus (vers. 32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espectaculares, que deslumbram e impressionam mas não mudam nada; mas é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.
    A última frase do nosso texto identifica o próprio Jesus, já não com o "portador" do pão, mas como o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida (vers. 35). "Comê-lo" será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida (como Jesus fez) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa "qualidade" de vida que o leva à sua realização plena, à vida eterna.

    ACTUALIZAÇÃO

    • O caminho que percorremos nesta terra é sempre um caminho marcado pela procura da nossa realização, da nossa felicidade, da vida plena e verdadeira. Temos fome de vida, de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de transcendência e procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade e de realização, em valores efémeros, em propostas que parecem sedutoras mas que só geram escravidão e dependência... Na verdade, o dinheiro, o poder, a realização profissional, o êxito, o reconhecimento social, os prazeres, os amigos são valores efémeros que não chegam para "encher" totalmente a nossa vida e para lhe dar um sentido pleno. Como podemos "encher" a nossa vida e dar-lhe pleno significado? Onde encontrar o "pão" que mata a nossa fome de vida?

    • Jesus de Nazaré é o "pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo". É esta a questão central que o Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus sacia a fome e a sede dos homens e lhes oferece a vida em plenitude. Isto leva-nos às seguintes questões: que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? Ele é, verdadeiramente, a coordenada fundamental à volta da qual construímos a nossa existência? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um homem excepcional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude? Ele é "mais uma" das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?

    • O que é preciso fazer para ter acesso a esse "pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo"? De acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir ("acreditar") a Jesus, o "pão" que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens. Aderir a Jesus é escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e interiorizar os seus valores, segui-l'O no caminho do amor, da partilha, do serviço, da entrega da vida a Deus e aos irmãos. Trata-se de uma adesão que deve ser consequente e traduzir-se em obras concretas. Não chegam declarações de boas intenções, ou actos institucionais que nos fazem constar dos livros de registo da nossa paróquia; aderir a Jesus é assumir o seu estilo de vida e fazer da própria vida um dom de amor, até à morte.

    • No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo... É um equívoco procurar o Baptismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco celebrar o matrimónio na Igreja porque, assim, a cerimónia é mais espectacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos auto-promovermos ou para resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida cómoda e tranquila; é um equívoco praticarmos certos actos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de desgraças, nos pague resolvendo algumas das nossas necessidades materiais... A nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que só Ele é o "pão" que nos dá vida.

    • A recusa de Jesus em realizar gestos espectaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua presença no mundo; mas Deus actua na vida do homem de forma discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projecto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha, do serviço. Convém que nos familiarizemos com os métodos de Deus, para o conseguirmos perceber e encontrar, no caminho da nossa vida.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

  • 19º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    19º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    8 de Agosto, 2021

    ANO B
    19º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 19º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 19º Domingo do Tempo Comum dá-nos conta, uma vez mais, da preocupação de Deus em oferecer aos homens o "pão" da vida plena e definitiva. Por outro lado, convida os homens a prescindirem do orgulho e da auto-suficiência e a acolherem, com reconhecimento e gratidão, os dons de Deus.
    A primeira leitura mostra como Deus Se preocupa em oferecer aos seus filhos o alimento que dá vida. No "pão cozido sobre pedras quentes" e na "bilha de água" com que Deus retempera as forças do profeta Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo.
    O Evangelho apresenta Jesus como o "pão" vivo que desceu do céu para dar a vida ao mundo. Para que esse "pão" sacie definitivamente a fome de vida que reside no coração de cada homem ou mulher, é preciso "acreditar", isto é, aderir a Jesus, acolher as suas propostas, aceitar o seu projecto, segui-l'O no "sim" a Deus e no amor aos irmãos.
    A segunda leitura mostra-nos as consequências da adesão a Jesus, o "pão" da vida... Quando alguém acolhe Jesus como o "pão" que desceu do céu, torna-se um Homem Novo, que renuncia à vida velha do egoísmo e do pecado e que passa a viver no caridade, a exemplo de Cristo.

    LEITURA I - 1 Re 19,4-8

    Leitura do Primeiro Livro dos Reis

    Naqueles dias,
    Elias entrou no deserto e andou o dia inteiro.
    Depois sentou-se debaixo de um junípero
    e, desejando a morte, exclamou:
    «Já basta, Senhor. Tirai-me a vida,
    porque não sou melhor que meus pais».
    Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero.
    Nisto, um Anjo do Senhor tocou-lhe e disse:
    «Levanta-te e come».
    Ele olhou e viu à sua cabeceira
    um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água.
    Comeu e bebeu e tornou a deitar-se.
    O Anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-lhe e disse:
    «Levanta-te e come,
    porque ainda tens um longo caminho a percorrer».
    Ele levantou-se, comeu e bebeu.
    Depois, fortalecido com aquele alimento,
    caminhou durante quarenta dias e quarenta noites
    até ao monte de Deus, Horeb.

    AMBIENTE

    Elias actua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX a.C., num tempo em que a fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros (especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de Israel. Provavelmente, estamos diante de uma tentativa de abrir Israel a outras culturas, a fim de facilitar o intercâmbio cultural e comercial... Mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. O ministério profético de Elias desenvolve-se sobretudo durante o reinado de Acab (873-853 a.C.), embora a sua voz também se tenha feito ouvir no reinado de Ocozias (853-852 a.C.).
    Elias é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh. Ele aparece como o representante dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma apresentação teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre os fiéis a Jahwéh e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.
    Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot): ele representa os pobres de Israel, na sua luta sem tréguas contra uma aristocracia e uns comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.
    Após o massacre dos 400 profetas de Baal no monte Carmelo, Acab e a sua esposa fenícia juraram matar Elias; e o profeta fugiu para o sul, a fim de salvar a vida. Chegado à zona de Beer-Sheba, Elias internou-se no deserto. É precisamente nesse contexto que o episódio do Livro dos Reis que hoje nos é proposto nos situa.

    MENSAGEM

    A cena apresenta-nos um Elias abatido, deprimido e solitário face à incompreensão e à perseguição de que é alvo. O profeta sente que falhou, que a sua missão está condenada ao fracasso e que a sua luta o conduziu a um beco sem saída; sente medo e está prestes a desistir de tudo... O pedido que o profeta faz a Deus no sentido de lhe dar a morte (vers. 4) reflecte o seu profundo desânimo, desilusão, angústia e desespero. É uma cena tocante, que nos recorda que o profeta é um homem e que está, por isso, condenado a fazer a experiência da sua fragilidade e da sua finitude.
    No entanto, Deus não está longe e não abandona o seu profeta. O nosso texto refere, neste contexto, a solicitude e o amor de Deus, que oferece a Elias "pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água" (vers. 6). É a confirmação de que o profeta não está perdido nem abandonado por Deus, mesmo quando é incompreendido e perseguido pelos homens. A cena garante-nos a presença contínua de Deus e o seu cuidado com aqueles que chama e a quem dá o alimento e o alento para serem fiéis à missão, mesmo em contextos adversos. Repare-se como Deus não anula a missão do profeta, nem elimina os perseguidores; mas limita-Se a dar ao profeta a força para continuar a sua peregrinação.
    Alimentado pela força de Deus, o profeta caminha durante "quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, o Horeb" (vers. 8). A referência aos "quarenta dias e quarenta noites" alude certamente à estadia de Moisés na montanha sagrada (cf. Ex 24,18), onde se encontrou com Deus e onde recebeu de Jahwéh as tábuas da Lei; também pode aludir à caminhada do Povo durante quarenta anos pelo deserto, até alcançar a Terra Prometida. Em qualquer caso, esta peregrinação ao Horeb - o monte da Aliança - é um regresso às fontes, uma peregrinação às origens de Israel como Povo de Deus... Perseguido, incompreendido, desesperado, Elias necessita revitalizar a sua fé e reencontrar o sentido da sua missão como profeta de Jahwéh e como defensor dessa Aliança que Deus ofereceu ao seu Povo no Horeb/Sinai.

    ACTUALIZAÇÃO

    • No quadro que o texto nos apresenta, Elias aparece como um homem vencido pelo medo e pela angústia, marcado pela decepção e pelo desânimo, que experimentou dramaticamente a sua impotência no sentido de mudar o coração do seu Povo e que, por isso, desistiu de lutar; a sua desilusão é de tal forma grande, que ele prefere morrer a ter de continuar. "Este" Elias testemunha essa condição de fragilidade e de debilidade que está sempre presente na experiência profética. É um quadro que todos nós conhecemos bem... A nossa experiência profética está, muitas vezes, marcada pelas incompreensões, pelas calúnias, pelas perseguições; outras vezes, é o sentimento da nossa impotência no sentido de mudar o mundo que nos angustia e desanima; outras vezes ainda, é a constatação da nossa fragilidade, dos nossos limites, da nossa finitude que nos assusta... Como responder a um quadro deste tipo e como encarar esta experiência de fragilidade e de debilidade? A solução será baixar os braços e abandonar a luta? Quem pode ajudar-nos a enfrentar o drama da desilusão e da decepção?

    • O nosso texto garante-nos que Deus não abandona aqueles a quem chama a dar testemunho profético. No "pão cozido sobre pedras quentes" e na "bilha de água" com que Deus retempera as forças de Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo. Quando tudo parece cair à nossa volta e quando a nossa missão parece condenada ao fracasso, é em Deus que temos de confiar e é n'Ele que temos de colocar a nossa segurança e a nossa esperança.

    • Como nota marginal, atentemos na forma de actuar de Deus: Ele não resolve magicamente os problemas do profeta, nem Se substitui ao profeta... O profeta deve continuar a sua missão, enfrentando os mesmos problemas de sempre; mas Deus "apenas" alimenta o profeta, dando-lhe a coragem para continuar a sua missão. Por vezes, pedimos a Deus que nos resolva milagrosamente os problemas, com um golpe mágico, enquanto nós ficamos, de braços cruzados, a olhar para o céu... O nosso Deus não Se substitui ao homem, não ocupa o nosso lugar, não estimula com a sua acção a nossa preguiça e a nossa instalação; mas está ao nosso lado sempre que precisamos d'Ele, dando-nos a força para vencer as dificuldades e indicando-nos o caminho a seguir.

    • A "peregrinação" de Elias ao Horeb/Sinai, para se reencontrar com as origens da fé israelita e para recarregar as baterias espirituais, sugere-nos a necessidade de, por vezes, encontrarmos momentos de "paragem", de reflexão, de "retiro", de reencontro com Deus, de redescoberta dos fundamentos da nossa missão... Essa "paragem" não será nunca um tempo perdido; mas será uma forma de recentrarmos a nossa vida em Deus e de redescobrirmos os desafios que Deus nos faz, no âmbito da missão que nos confiou.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 33 (34)

    Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

    A toda a hora bendirei o Senhor,
    o seu louvor estará sempre na minha boca.
    A minha alma gloria-se no Senhor:
    escutem e alegrem-se os humildes.

    Enaltecei comigo o Senhor
    e exaltemos juntos o seu nome.
    Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
    libertou-me de toda a ansiedade.

    Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
    o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
    Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
    salvou-o de todas as angústias.

    O Anjo do Senhor protege os que O temem
    e defende-os dos perigos.
    Saboreai e vede como o Senhor é bom:
    feliz o homem que n'Ele se refugia.

    LEITURA II - Ef 4,30-5,2

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Não contristeis o Espírito Santo de Deus,
    que vos assinalou para o dia da redenção.
    Seja eliminado do meio de vós
    tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência
    e toda a espécie de maldade.
    Sede bondosos e compassivos uns para com os outros
    e perdoai-vos mutuamente,
    como Deus também vos perdoou em Cristo.
    Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados.
    Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo,
    que nos amou e Se entregou por nós,
    oferecendo-Se como vítima agradável a Deus.

    AMBIENTE

    A nossa segunda leitura apresenta-nos, mais uma vez, um texto dessa "carta circular" que Paulo escreveu a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor (inclusive aos cristãos de Éfeso), enquanto estava na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?). Esta carta (escrita na fase final da vida de Paulo) é uma carta onde o apóstolo expõe aos cristãos, de forma serena e reflectida, as principais exigências da vida nova que resulta do Baptismo.
    Na secção que vai de 4,1 a 6,20, temos uma "exortação aos baptizados": é um texto parenético, que tem por objectivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Baptismo e com o seu compromisso com Cristo. A perícopa de 4,14-15,14 (que inclui o nosso texto) deve ser entendida como um convite a viver de acordo com a condição de Homem Novo, que o cristão adquiriu no dia do seu Baptismo.

    MENSAGEM

    Pelo Baptismo, cada cristão tornou-se morada do Espírito; e ao acolher o Espírito, recebeu um sinal ou selo que prova a sua pertença a Deus. Tem, portanto, de viver em consequência e de expressar, nas suas acções concretas, a vida nova do Espírito. A exortação a "não contristar" o Espírito (4,30) deve entender-se como "não decepcioneis o Espírito que habita em vós, continuando a viver de acordo com o homem velho".
    Em concreto, o que é que implica ser "morada do Espírito"?
    Significa, por um lado, que os vícios do "homem velho" (o azedume, a irritação, a cólera, o insulto, a maledicência e toda a espécie de maldade - 4,31) devem ser eliminados da vida do cristão. Repare-se como todos estes "vícios" dizem respeito ao mundo da relação com os irmãos: o cristão deve evitar qualquer acção que se oponha ao amor.
    Significa, por outro lado, pautar toda a vida por atitudes de bondade, de compaixão, de perdão, de amor, tendo Cristo como o modelo de vida (4,32).
    O que fundamenta todas estas exortações é o facto de os crentes serem "filhos bem amados de Deus"; por isso, devem imitar a perfeição, a bondade e o amor de Deus. Como exemplo concreto, os crentes têm diante dos olhos Cristo, o Filho bem amado de Deus que, cumprindo os projectos do Pai, ofereceu a sua vida por amor aos homens (5,1-2).

    ACTUALIZAÇÃO

    • Pelo Baptismo, os cristãos tornam-se filhos amados de Deus e passam a integrar a comunidade de Deus. O Baptismo não é, portanto, uma tradição familiar, um rito cultural, ou uma obrigação social; mas é um momento sério de opção por Deus e de compromisso com os valores de Deus. Tenho consciência de que me comprometi com a família de Deus e que devo viver como filho de Deus? Tenho consciência de que assumi o compromisso de testemunhar no mundo, com os meus gestos e atitudes, os valores de Deus? Tenho consciência de que devo, portanto, procurar ser perfeito "como o Pai do céu é perfeito" (cf. Mt 5,48)?

    • Para os baptizados, o modelo do "Filho amado de Deus" que cumpre absolutamente os planos do Pai, é Jesus... A vida de Jesus concretizou-se na contínua escuta dos projectos do Pai e no amor total aos homens. Esse amor (que teve a sua expressão máxima na cruz) expressou-se sempre em gestos de entrega aos homens, de serviço humilde aos irmãos, de dom de Si próprio, de acolhimento de todos os marginalizados, de bondade sem fronteiras, de perdão sem limites... Dessa forma, Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o modelo que Deus propõe a todos os outros seus filhos. Como é que me situo face a esse "modelo" que é Jesus? Como Ele, vivo numa atenção constante às propostas de Deus e disposto a responder positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou disposto a despir-me do egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida um dom total aos irmãos?

    • Seguir Cristo e ser um Homem Novo implica, na perspectiva de Paulo, assumir uma nova atitude nas relações com os irmãos. O apóstolo chega a especificar que o azedume, a irritação, os rancores, os insultos, as violências, a má-língua, a inveja, os orgulhos mesquinhos devem ser totalmente banidos da vida dos cristãos. Esses "vícios" são manifestações do "homem velho" que não cabem na existência de um "filho de Deus", cuja vida foi marcada com o selo do Espírito. É necessário que estejamos cientes desta realidade: quando na nossa vida pessoal ou comunitária nos deixamos levar pelo rancor, pelo ciúme, pelo ódio, pela violência, pela mesquinhez e magoamos os irmãos que nos rodeiam, estamos a ser incoerentes com o compromisso que assumimos no dia do nosso Baptismo e a cortar a nossa relação com a família de Deus.

    ALELUIA - Jo 6,51

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o pão vivo que desceu do Céu, diz o Senhor;
    quem comer deste pão viverá eternamente.

    EVANGELHO - Jo 6,41-51

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito:
    «Eu sou o pão que desceu do Céu».
    E diziam: «Não é ele Jesus, o filho de José?
    Não conhecemos o seu pai e a sua mãe?
    Como é que Ele diz agora: 'Eu desci do Céu'?»
    Jesus respondeu-lhes:
    «Não murmureis entre vós.
    Ninguém pode vir a Mim,
    se o Pai, que Me enviou, não o trouxer;
    e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia.
    Está escrito no livro dos Profetas:
    'Serão todos instruídos por Deus'.
    Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino
    vem a Mim.
    Não porque alguém tenha visto o Pai;
    só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.
    Em verdade, em verdade vos digo:
    Quem acredita tem a vida eterna.
    Eu sou o pão da vida.
    No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram.
    Mas este pão é o que desce do Céu
    para que não morra quem dele comer.
    Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.
    E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne,
    que Eu darei pela vida do mundo».

    AMBIENTE

    No seu "Livro dos Sinais" (cf. Jo 4,1-11,56), João apresenta-nos um conjunto de cinco catequeses sobre Jesus; e, em cada uma delas, usando diferentes símbolos, Jesus é apresentado como o Messias que veio ao mundo para cumprir o plano do Pai e fazer aparecer um Homem Novo. Todas essas catequeses ("Jesus, a água que dá a vida" - cf. Jo 4,1-5,47; "Jesus, o verdadeiro pão que sacia todas as fomes" - cf. Jo 6,1-7,53; "Jesus, a luz que liberta o homem das trevas" - cf. Jo 8,12-9,41; "Jesus, o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas" - cf. Jo 10,1-42; "Jesus, vida e ressurreição para o mundo" - cf. Jo 11,1-56) terminam com uma secção onde se manifesta a oposição dos judeus a essa vida nova que Jesus veio propor aos homens. João vai, dessa forma, preparando os seus leitores para aquilo que vai acontecer em Jerusalém no final da caminhada histórica de Jesus: a morte na cruz.
    O texto que nos é hoje proposto apresenta-nos uma dessas histórias de confronto entre Jesus e os judeus. No final do discurso explicativo da multiplicação dos pães e dos peixes, pronunciado na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,22-40), Jesus propusera-Se como "o Pão da vida" e convidara os seus interlocutores a aderirem à sua proposta para nunca mais terem fome. O nosso texto é a sequência desse episódio. Refere a murmuração dos judeus a propósito das palavras de Jesus e descreve a controvérsia que se seguiu.

    MENSAGEM

    Os interlocutores de Jesus não aceitam a sua pretensão de Se apresentar como "o pão que desceu do céu". Eles conhecem a sua origem humana, sabem que o seu pai é José, conhecem a sua mãe e a sua família; e, na sua perspectiva, isso exclui uma origem divina (vers. 41). Em consequência, eles não podem aceitar que Jesus Se arrogue a pretensão de trazer aos homens a vida de Deus.
    Em lugar de discutir a questão da sua origem divina, Jesus prefere denunciar aquilo que está por detrás da atitude negativa dos judeus face à proposta que lhes é feita: eles não têm o coração aberto aos dons de Deus e recusam-se a aceitar os desafios de Deus... O Pai apresenta-lhes Jesus e pede-lhes que vejam em Jesus o "pão" de Deus para dar vida ao mundo; mas os judeus, instalados nas suas certezas, amarrados às suas seguranças, acomodados a um sistema religioso ritualista, estéril e vazio, já decidiram que não têm fome de vida e que não precisam para nada do "pão" de Deus. Não estão, portanto, dispostos, a acolher Jesus, "o pão que desceu do céu" (vers. 43-46). Eles não escutam Jesus, porque estão instalados num esquema de orgulho e de auto-suficiência e, por isso, não precisam de Deus.
    Para aqueles que, efectivamente, O querem aceitar como "o pão de Deus que desceu do céu", Jesus traz a vida eterna. Ele "é", de facto, o "pão" que permite ao homem saciar a sua fome de vida ("Eu sou o pão da vida" - vers. 48). A expressão "Eu sou" é uma fórmula de revelação (correspondente ao nome de Deus - "Eu sou aquele que sou" - tal como aparece em Ex 3,14) que manifesta a origem divina de Jesus e a validade da proposta de vida que Ele traz. Quem adere a Jesus e à proposta que Ele veio apresentar ("quem acredita" - vers. 47) encontra a vida definitiva. O que é decisivo, neste processo, é o "acreditar" - isto é, o aderir efectivamente a Jesus e aos valores que Ele veio propor.
    Essa vida que Jesus está disposto a oferecer não é uma vida parcial, limitada e finita; mas é uma vida verdadeira e eterna. Para sublinhar esta realidade, Jesus estabelece um paralelo entre o "pão" que Ele veio oferecer e o maná que os israelitas comeram ao longo da sua caminhada pelo deserto... No deserto, os israelitas receberam um pão (o maná) que não lhes garantia a vida eterna e definitiva e que nem sequer lhes assegurava o encontro com a terra prometida e com a liberdade plena (alimentada pelo antigo maná, a geração saída da escravidão do Egipto nunca conseguiu apropriar-se da vida em plenitude e nem sequer chegou a alcançar essa terra da liberdade que buscavam); mas o "pão" que Jesus quer oferecer ao homem levará o homem a alcançar a meta da vida plena (vers. 49-50). "Vida plena" não indica aqui, apenas, um "tempo" sem fim; mas indica, sobretudo, uma vida com uma qualidade única, com uma qualidade ilimitada - uma vida total, a vida do homem plenamente realizado.
    Jesus vai dar a sua "carne" ("o pão que Eu hei-de dar é a minha carne" - vers. 51) para que os homens tenham acesso a essa vida plena, total, definitiva. Jesus estará aqui a referir-se à sua "carne" física? Não. A "carne" de Jesus é a sua pessoa - essa pessoa que os discípulos conhecem e que se lhes manifesta, todos os dias, em gestos concretos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia. Essa "pessoa" revela-lhes o caminho para a vida verdadeira: nas atitudes, nas palavras de Jesus, manifesta-se historicamente ao mundo o Deus que ama os homens e que os convida, através de gestos concretos, a fazer da vida um dom e um serviço de amor.

    ACTUALIZAÇÃO

    • Repetindo o tema central do texto que reflectimos no passado domingo, também o Evangelho que hoje nos é proposto nos convida a acolher Jesus como o "pão" de Deus que desceu do céu para dar a vida aos homens... Para nós, seguidores de Jesus, esta afirmação não é uma afirmação de circunstância, mas um facto que condiciona a nossa existência, as nossas opções, todo o nosso caminho. Jesus, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, com o seu amor, com a sua proposta, veio dizer-nos como chegar à vida verdadeira e definitiva. Que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? É à volta d'Ele que construímos a nossa existência? O projecto que Ele veio propor-nos tem um real impacto na nossa caminhada e nas opções que fazemos em cada instante?

    • "Quem acredita em Mim, tem a vida eterna" - diz-nos Jesus. "Acreditar" não é, neste contexto, aceitar que Ele existiu, conhecer a sua doutrina, ou elaborar altas considerações teológicas a propósito da sua mensagem... "Acreditar" é aderir, de facto, a essa vida que Jesus nos propôs, viver como Ele na escuta constante dos projectos do Pai, segui-l'O no caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos irmãos; é fazer da própria vida - como Ele fez da sua - uma luta coerente contra o egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo o que desfeia a vida dos homens e traz sofrimento ao mundo. Eu posso dizer, com verdade e objectividade, que "acredito" em Jesus?

    • No seu discurso, Jesus faz referência ao maná como um alimento que matou a fome física dos israelitas em marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a vida definitiva, não lhes transformou os corações, não lhes assegurou a liberdade plena e verdadeira (só o "pão" que Jesus oferece sacia verdadeiramente a fome de vida do homem). O maná pode representar aqui todas essas propostas de vida que, tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a revelar-se falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão nem geram vida plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa esperança e a nossa segurança no "pão" que não sacia a nossa fome de vida definitiva; é necessário aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno; é preciso aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas propostas de realização e de felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos manipular, aceitando como "pão" verdadeiro os valores e as propostas que a moda ou a opinião pública dominante continuamente nos oferecem...

    • Porque é que os judeus rejeitam a proposta de Jesus e não estão dispostos a aceitá-l'O como "o pão que desceu do céu"? Porque vivem instalados nas suas grandes certezas teológicas, prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num sistema religioso imutável e estéril e perderam a faculdade de escutar Deus e de se deixar desafiar pela novidade de Deus. Eles construíram um Deus fixo, calcificado, previsível, rígido, conservador, e recusam-se a aceitar que Deus encontre sempre novas formas de vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer vida em abundância. Esta "doença" de que padecem os líderes e "fazedores" de opinião do mundo judaico não é assim tão rara... Todos nós temos alguma tendência para a acomodação, a instalação, o aburguesamento; e quando nos deixamos dominar por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos preconceitos, das ideias política ou religiosamente correctas, de catecismos muito bem elaborados mas parados no tempo, das elaborações teológicas muito coerentes e muito bem arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério de Deus e para os desafios sempre novos que Deus nos faz. É preciso aprendermos a questionar as nossas certezas, as nossas ideias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que nos instalamos comodamente; é preciso termos sempre o coração aberto e disponível para esse Deus sempre novo e sempre dinâmico, que vem ao nosso encontro de mil formas para nos apresentar os seus desafios e para nos oferecer a vida em abundância.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 19º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Antes de nos pormos a caminho para receber o Pão da Vida, Jesus recorda-nos que, antes de mais, somos convidados, que é Deus que dá o primeiro passo: "Felizes os convidados para a ceia do Senhor!" De seguida, pede-nos que façamos um acto de fé: "Dizei uma palavra e serei salvo!" Crer n'Aquele que Deus enviou... Crer, isto é, ter confiança nas suas palavras e nos seus gestos. Aquele que tem confiança sabe que não ficará decepcionado. O que Cristo quer é que vivamos plenamente, enquanto vamos ao seu encontro: a sua palavra é alimento, a sua carne (a sua pessoa) é alimento, com Ele ficamos saciados. Ele vem até nós para que vivamos d'Ele e, por Ele, a nossa vida ganhe sentido, os nossos gestos possam dar a vida, as nossas palavras possam exprimir a ternura, a nossa oração se torne relação filial com o Pai.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Os judeus recriminavam Jesus: "Esse homem não é Jesus, filho de José? Conhecemos bem seu pai e sua mãe. Como pode dizer «Eu desci do céu»?" Os adversários de Jesus discutiam a sua origem e a sua pretensão exorbitante. Devemos reconhecer que a dificuldade dos compatriotas não era pequena. Jesus não tinha nada de extraterrestre. Se estivéssemos lá, talvez tivéssemos a mesma atitude... Ora, para descobrir o mistério profundo de Jesus, é preciso ir para além das aparências. Para conhecer Jesus, é preciso acolher a luz que vem da Palavra de Deus, ter o olhar da fé. A fé é uma "luz obscura", pede um salto numa "confiança nocturna", na noite. Isso verifica-se já nas nossas relações humanas de amor e de amizade. A fé-confiança não é uma evidência "científica" que leva a uma adesão imediata da inteligência. A fé só se pode aceitar e viver numa relação de amor, de amizade. Para além das aparências... Só podemos aceitar a Palavra de Jesus se nos abrirmos a Deus. Jesus pede aos seus discípulos para terem confiança: "Crede em Deus, crede também em Mim". A fé é uma graça, um dom gratuito. Mas é também um combate, segundo São Paulo: "Combati até ao fim o bom combate... guardei a fé". Em definitivo, somos reenviados a uma escolha que, certamente, não suprime as exigências da nossa razão, mas ultrapassa-as, porque aceitamos entrar numa relação de amor e de amizade com Jesus, "o filho de José", que reconhecemos também como "o Filho de Deus".

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Saborear Deus, saborear a bondade da Criação... O verão presta-se muito particularmente, em qualquer lugar onde estivermos, a fazer-nos saborear a bondade do Senhor através da beleza da sua Criação. Paisagens, elementos naturais, animais, astros, etc... E, no cume, as pessoas que encontramos, todas criadas à imagem do Criador!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
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  • Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria


    15 de Agosto, 2021

    Tema da Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Bendita és tu, Maria! Hoje, Jesus ressuscitado acolhe a sua mãe na glória do céu... Hoje, Jesus vivo, glorificado à direita do Pai, põe sobre a cabeça da sua mãe a coroa de doze estrelas...
    Primeira leitura: Maria, imagem da Igreja. Como Maria, a Igreja gera na dor um mudo novo. E como Maria, participa na vitória de Cristo sobre o Mal.
    Salmo: Bendita és tu, Virgem Maria! A esposa do rei é Maria. Ela tem os favores de Deus e está associada para sempre à glória do seu Filho.
    Segunda leitura: Maria, nova Eva. Novo Adão, Jesus faz da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para todos os homens.
    Evangelho: Maria, Mãe dos crentes. Cheia do Espírito Santo, Maria, a primeira, encontra as palavras da fé e da esperança: doravante todas as gerações a chamarão bem-aventurada!

    LEITURA I - Ap 11,19a;12,1-6a.10ab

    Leitura do Apocalipse de São João

    O templo de Deus abriu-se no Céu
    e a arca da aliança foi vista no seu templo.
    Apareceu no Céu um sinal grandioso:
    uma mulher revestida de sol,
    com a lua debaixo dos pés
    e uma coroa de doze estrelas na cabeça.
    Estava para ser mãe
    e gritava com as dores e ânsias da maternidade.
    E apareceu no Céu outro sinal:
    um enorme dragão cor de fogo,
    com sete cabeças e dez chifres
    e nas cabeças sete diademas.
    A cauda arrastava um terço das estrelas do céu
    e lançou-as sobre a terra.
    O dragão colocou-se diante da mulher que estava para ser mãe,
    para lhe devorar o filho, logo que nascesse.
    Ela teve um filho varão,
    que há-de reger todas as nações com ceptro de ferro.
    O filho foi levado para junto de Deus e do seu trono
    e a mulher fugiu para o deserto,
    onde Deus lhe tinha preparado um lugar.
    E ouvi uma voz poderosa que clamava no Céu:
    «Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus
    e o domínio do seu Ungido».

    BREVE COMENTÁRIO

    As visões do Apocalipse exprimem-se numa linguagem codificada. Elas revelam que Deus arranca os seus fiéis de todas as formas de morte. Por transposição, a visão o sinal grandioso pode ser aplicada a Maria.
    O livro do Apocalipse foi composto no ambiente das perseguições que se abatiam sobre a jovem Igreja, ainda tão frágil. O profeta cristão evoca estes acontecimentos numa linguagem codificada, em que os animais terrificantes designam os perseguidores. A Mulher pode representar a Igreja, novo Israel, o que sugere o número doze (as estrelas). O seu nascimento é o do baptismo que deve dar à terra uma nova humanidade. O Dragão é o perseguidor, que põe tudo em acção para destruir este recém-nascido. Mas o destruidor não terá a última palavra, pois o poder de Deus está em acção para proteger o seu Filho.
    Proclamando esta mensagem na Assunção, reconhecemos que, no seguimento de Jesus e na pessoa de Maria, a nova humanidade já é acolhida junto de Deus.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 44 (45)

    Refrão 1: À vossa direita, Senhor, a Rainha do Céu,
    ornada do ouro mais fino.

    Refrão 2: À vossa direita, Senhor, está a Rainha do Céu.

    Ao vosso encontro vêm filhas de reis,
    à vossa direita está a rainha, ornada com ouro de Ofir.

    Ouve, minha filha, vê e presta atenção,
    esquece o teu povo e a casa de teu pai.

    Da tua beleza se enamora o Rei;
    Ele é o teu Senhor, presta-Lhe homenagem.

    Cheias de entusiasmo e alegria,
    entram no palácio do Rei.

    LEITURA II - 1 Cor 15,20-27

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Cristo ressuscitou dos mortos,
    como primícias dos que morreram.
    Uma vez que a morte veio por um homem,
    também por um homem veio a ressurreição dos mortos;
    porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram,
    assim também em Cristo serão todos restituídos à vida.
    Cada qual, porém, na sua ordem:
    primeiro, Cristo, como primícias;
    a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda.
    Depois será o fim,
    quando Cristo entregar o reino a Deus seu Pai
    depois de ter aniquilado toda a soberania, autoridade e poder.
    É necessário que Ele reine,
    até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés.
    E o último inimigo a ser aniquilado é a morte,
    porque Deus tudo colocou debaixo dos seus pés.
    Mas quando se diz que tudo Lhe está submetido
    é claro que se exceptua Aquele que Lhe submeteu todas as coisas.

    BREVE COMENTÁRIO

    A Assunção é uma forma privilegiada de Ressurreição. Tem a sua origem na Páscoa de Jesus e manifesta a emergência de uma nova humanidade, em que Cristo é a cabeça, como novo Adão.
    Todo o capítulo 15 desta epístola é uma longa demonstração da ressurreição. Na passagem escolhida para a festa da Assunção, o apóstolo apresenta uma espécie de genealogia da ressurreição e uma ordem de prioridade na participação neste grande mistério. O primeiro é Jesus, que é o princípio de uma nova humanidade. Eis porque o apóstolo o designa como um novo Adão, mas que se distingue absolutamente do primeiro Adão; este tinha levado a humanidade à morte, ao passo que o novo Adão conduz aqueles que o seguem para a vida.
    O apóstolo não evoca Maria, mas se proclamamos esta leitura na Assunção, é porque reconhecemos o lugar eminente da Mãe de Deus no grande movimento da ressurreição.

    ALELUIA
    Aleluia. Aleluia.

    Maria foi elevada ao Céu;
    alegra-se a multidão dos Anjos.

    EVANGELHO - Lc 1,39-56
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naqueles dias,
    Maria pôs-se a caminho
    e dirigiu-se apressadamente para a montanha,
    em direcção a uma cidade de Judá.
    Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
    Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
    o menino exultou-lhe no seio.
    Isabel ficou cheia do Espírito Santo
    e exclamou em alta voz:
    «Bendita és tu entre as mulheres
    e bendito é o fruto do teu ventre.
    Donde me é dado
    que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
    Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos
    a voz da tua saudação,
    o menino exultou de alegria no meu seio.
    Bem-aventurada aquela que acreditou
    no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito
    da parte do Senhor».
    Maria disse então:
    «A minha alma glorifica o Senhor
    e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
    porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
    de hoje em diante me chamarão bem-aventurada
    todas as gerações.
    O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas:
    Santo é o seu nome.
    A sua misericórdia se estende de geração em geração
    sobre aqueles que O temem.
    Manifestou o poder do seu braço
    e dispersou os soberbos.
    Derrubou os poderosos de seus tronos
    e exaltou os humildes.
    Aos famintos encheu de bens
    e aos ricos despediu de mãos vazias.
    Acolheu a Israel, seu servo,
    lembrado da sua misericórdia,
    como tinha prometido a nossos pais,
    a Abraão e à sua descendência para sempre».
    Maria ficou junto de Isabel cerca de três meses
    e depois regressou a sua casa.

    BREVE COMENTÁRIO

    O cântico de Maria descreve o programa que Deus tinha começado a realizar desde o começo, que ele prosseguiu em Maria e que cumpre agora na Igreja, para todos os tempos.
    Pela Visitação que teve lugar na Judeia, Maria levava Jesus pelos caminhos da terra. Pela Dormição e pela Assunção, é Jesus que leva a sua mãe pelos caminhos celestes, para o templo eterno, para uma Visitação definitiva. Nesta festa, com Maria, proclamamos a obra grandiosa de Deus, que chama a humanidade a se juntar a ele pelo caminho da ressurreição.
    Em Maria, Ele já realizou a sua obra na totalidade; com ela, nós proclamamos: "dispersou os soberbos, exaltou os humildes". Os humildes são aqueles que crêem no cumprimento das palavras de Deus e se põem a caminho, aqueles que acolhem até ao mais íntimo do seu ser a Vida nova, Cristo, para o levar ao nosso mundo. Deus debruça-se sobre eles e cumpre neles maravilhas.

    Rezar por Maria.
    Frequentemente, ouvimos a expressão: "rezar à Virgem Maria"... Esta maneira de falar não é absolutamente exacta, porque a oração cristã dirige-se a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os nossos irmãos protestantes que, contrariamente ao que se pretende, por vezes têm a mesma fé que os católicos e os ortodoxos na Virgem Maria Mãe de Deus, recordam-nos que Maria é e se diz ela própria a Serva do Senhor.
    Rezar por Maria é pedir que ela reze por nós: "Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte!" A sua intervenção maternal em Caná resume bem a sua intercessão em nosso favor. Ela é nossa "advogada" e diz-nos: "Fazei tudo o que Ele vos disser!"

    Rezar com Maria.
    Ela está ao nosso lado para nos levar na oração, como uma mãe sustenta a palavra balbuciante do seu filho. Na glória de Deus, na qual nós a honramos hoje, ela prossegue a missão que Jesus lhe confiou sobre a Cruz: "Eis o teu Filho!" Rezar com Maria, mais que nos ajoelharmos diante dela, é ajoelhar-se ao seu lado para nos juntarmos à sua oração. Ela acompanha-nos e guia-nos na nossa caminhada junto de Deus.

    Rezar como Maria.
    Aprendemos junto de Maria os caminhos da oração. Na escola daquela que "guardava e meditava no seu coração" os acontecimentos do nascimento e da infância de Jesus, nós meditamos o Evangelho e, à luz do Espírito Santo, avançamos nos caminhos da verdade. A nossa oração torna-se acção de graças no eco ao Magnificat. Pomos os nossos passos nos passos de Maria para dizer com ela na confiança: "que tudo seja feito segundo a tua Palavra, Senhor!"

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE MARIA
    (tópicos inspirados em "Signes d'aujourd'hui")

    1. A liturgia meditada ao longo da semana.
    Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade da Assunção de Maria, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. Confiar o Magnificat a uma voz de mulher.
    No Evangelho, excepcionalmente, porque não confiar o "Magnificat" a uma voz de mulher que poderia lê-lo ou cantá-lo?

    3. Pensar na participação das crianças.
    Uma festa é bem conseguida quando se consegue congregar todas as gerações. Seria bom pensar em particular na participação das crianças: ficarem à volta da estátua de Nossa Senhora durante a procissão do ofertório; fazerem uma oração a Nossa Senhora no final da celebração...

    4. Oração na lectio divina.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Pai do céu, juntamos as nossas vozes à que nos vem do céu para proclamar: Eis agora a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus e o poder do seu Cristo. Glória a Ti, Deus de vida.
    Nós Te pedimos pelas tuas Igrejas, ameaçadas pelos «dragões» da nossa época: a indiferença, as religiosidades desviadas e as perseguições".

    No final da segunda leitura:
    "Deus Pai, nós Te damos graças pela ressurreição que manifestaste pelo teu Filho Jesus, o novo Adão, e pela assunção na vida gloriosa que revelas em Maria, mãe do teu Filho.
    Nós Te confiamos os nossos defuntos e as famílias em luto. Releva-nos pela promessa da ressurreição. Transformas as nossas penas em esperança".

    No final do Evangelho:
    "Nós Te bendizemos, Deus do universo, porque pelo teu Filho ainda pequeno e pela sua mãe, Maria, visitaste o teu povo, vieste até nós. Felizes aqueles que acreditam no cumprimento da tua Palavra.
    Nós Te pedimos pelas nossas comunidades cristãs, encarregadas, como Maria, de levar Cristo ao mundo. Como fizeste por ela, guia-nos pelo teu Espírito Santo".

    5. Oração Eucarística.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, em que a primeira intercessão exprime bem o mistério deste dia.

    6. Palavra para o caminho.
    Um tríplice segredo... A meio do verão, eis uma festa para nos fazer parar junto de Maria e receber dela um tríplice segredo: o segredo da fé sem falha tão bem ajustada a Deus ("Eis a serva do Senhor"...); o segredo da sua esperança confiante em Deus ("nada é impossível a Deus"...); o segredo da sua caridade missionária ("Maria pôs-se a caminho apressadamente"...). E nós podemos pedir-lhe para nos acompanhar no caminho das nossas vidas...

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
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  • 21º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    21º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    22 de Agosto, 2021

    ANO B
    21º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 21º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 21º Domingo do Tempo Comum fala-nos de opções. Recorda-nos que a nossa existência pode ser gasta a perseguir valores efémeros e estéreis, ou a apostar nesses valores eternos que nos conduzem à vida definitiva, à realização plena. Cada homem e cada mulher têm, dia a dia, de fazer a sua escolha.
    Na primeira leitura, Josué convida as tribos de Israel reunidas em Siquém a escolherem entre "servir o Senhor" e servir outros deuses. O Povo escolhe claramente "servir o Senhor", pois viu, na história recente da libertação do Egipto e da caminhada pelo deserto, como só Jahwéh pode proporcionar ao seu Povo a vida, a liberdade, o bem estar e a paz.
    O Evangelho coloca diante dos nossos olhos dois grupos de discípulos, com opções diversas diante da proposta de Jesus. Um dos grupos, prisioneiro da lógica do mundo, tem como prioridade os bens materiais, o poder, a ambição e a glória; por isso, recusa a proposta de Jesus. Outro grupo, aberto à acção de Deus e do Espírito, está disponível para seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida; os membros deste grupo sabem que só Jesus tem palavras de vida eterna. É este último grupo que é proposto como modelo aos crentes de todos os tempos.
    Na segunda leitura, Paulo diz aos cristãos de Éfeso que a opção por Cristo tem consequências também ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja.

    LEITURA I - Jos 24,1-2a.15-17.18b

    Leitura do Livro de Josué

    Naqueles dias,
    Josué reuniu todas as tribos de Israel em Siquém.
    Convocou os anciãos de Israel,
    os chefes, os juízes e os magistrados,
    que se apresentaram diante de Deus.
    Josué disse então a todo o povo:
    «Se não vos agrada servir o Senhor,
    escolhei hoje a quem quereis servir:
    se os deuses que os vossos pais serviram no outro lado do rio,
    se os deuses dos amorreus em cuja terra habitais.
    Eu e a minha família serviremos o Senhor».
    Mas o povo respondeu:
    «Longe de nós abandonar o Senhor para servir outros deuses;
    porque o Senhor é o nosso Deus,
    que nos fez sair, a nós e a nossos pais,
    da terra do Egipto, da casa da escravidão.
    Foi Ele que, diante dos nossos olhos,
    realizou tão grandes prodígios
    e nos protegeu durante o caminho que percorremos
    entre os povos por onde passámos.
    Também nós queremos servir o Senhor,
    porque Ele é o nosso Deus».

    AMBIENTE

    O Livro de Josué (de onde é tirada a nossa primeira leitura) abarca uma parte do séc. XII a.C., desde a época da entrada na Terra Prometida das tribos do Povo de Deus libertadas do Egipto, até à morte de Josué. O livro oferece-nos uma visão muito simplificada da ocupação de Canaan: as doze tribos, unidas sob a liderança de Josué, realizaram várias expedições militares fulgurantes e apoderaram-se, quase sem oposição, de todo o território anteriormente nas mãos dos cananeus... Historicamente, contudo, as coisas não se passaram nem de forma tão fácil, nem de forma tão linear: é mais verosímil a versão apresentada no Livro dos Juízes e que fala de uma conquista lenta e difícil (cf. Jz 1), incompleta (cf. Jz 13,1-6; 17,12-16), que não foi obra de um povo unido à volta de um chefe único, mas de tribos que fizeram a guerra isoladamente.
    O Livro de Josué, antes de ser um livro de história, é um livro de catequese. O objectivo dos autores deuteronomistas que o escreveram era destacar o poder imenso de Jahwéh, posto ao serviço do seu Povo: foi Deus (e não a capacidade militar das tribos) que, com os seus prodígios, ofereceu a Israel a Terra Prometida; ao Povo resta-lhe aceitar os dons de Deus e responder-Lhe com a fidelidade à Aliança e aos mandamentos.
    O texto que nos é hoje proposto situa-nos na fase final da vida de Josué. Sentindo aproximar-se a morte, Josué teria reunido em Siquém (no centro do país) os líderes das diversas tribos do Povo de Deus e ter-lhes-ia proposto uma renovação do seu compromisso com Jahwéh. De acordo com Jos 24,15, Josué teria colocado as coisas da seguinte forma: "escolhei hoje a quem quereis servir... porque eu e a minha casa serviremos o Senhor".
    Na versão do autor deuteronomista a quem devemos esta notícia, Josué parece dirigir-se a um grupo de tribos que partilha uma fé comum em Jahwéh. Estaremos diante de uma assembleia que reúne essas "doze tribos" que, mais tarde (na época de David) vão constituir uma unidade nacional? Alguns biblistas pensam que não. Entre as tribos presentes não estaria certamente a tribo de Judá, já que os contactos entre Judá e a "casa de José" só se estabeleceram na época do rei David. A "casa" de Josué a que o texto se refere é certamente constituída pelas tribos do centro do país - Efraim, Benjamim e Manassés - que há muito tempo tinham aderido a Jahwéh e à Aliança. E as outras tribos, convidadas a comprometer-se com Jahwéh? Provavelmente, o convite a escolher entre "o Senhor" e os outros deuses (cf. Jos 24,14) dirige-se às tribos do norte do país que, sem dúvida, não abandonaram a Palestina desde a época dos patriarcas (e que, portanto, não viveram a experiência do Egipto, nem fizeram a experiência de encontro com Jahwéh, o Deus libertador).
    Talvez a "assembleia de Siquém" referida em Jos 24 seja a primeira tentativa histórica de estabelecer laços entre as tribos do centro da Palestina (Efraim, Benjamim e Manassés - as tribos que viveram a experiência do Egipto, a libertação, a caminhada pelo deserto e a Aliança com Jahwéh) e as tribos do norte (Issacar, Zabulón, Neftali, Asher e Dan - tribos que nem sequer estiveram no Egipto). A ligação far-se-ia à volta de uma fé comum num mesmo Deus. A união das diversas tribos do norte e do centro não se deu, contudo, de uma vez; mas foi uma caminhada lenta e progressiva, que só se completou muito tempo depois de Josué.
    O ponto de partida para o texto que nos é proposto é o facto histórico em si (provavelmente, uma assembleia em Siquém, onde Josué propôs às tribos do norte que aceitassem Jahwéh como seu Deus). No entanto, o autor deuteronomista responsável por este texto pegou na notícia histórica e transformou-a numa catequese sobre o compromisso que Israel assumiu para com Jahwéh. O seu objectivo é convidar os israelitas da sua época (séc. VII a.C.) a não se deixarem seduzir por outros deuses e a manterem-se fiéis à Aliança.

    MENSAGEM

    Estamos, portanto, em Siquém, com "todas as tribos de Israel" (vers. 1) reunidas à volta de Josué. Na interpelação que dirige às tribos, Josué começa por elencar alguns momentos capitais da história da salvação, mostrando ao Povo como Jahwéh é um Deus em quem se pode confiar; as suas acções salvadoras e libertadoras em favor de Israel são uma prova mais do que suficiente do seu poder e da sua fidelidade (cf. Jos 24,2-13).
    Depois dessa introdução, Josué convida os representantes das tribos presentes a tirarem as devidas consequências e a fazerem a sua opção. É necessário escolher entre servir esse Senhor que libertou Israel da opressão, que o conduziu pelo deserto e que o introduziu na Terra Prometida, ou servir os deuses dos mesopotâmios e os deuses dos amorreus. Josué e a sua família já optaram: eles escolheram servir Jahwéh (vers. 15).
    A resposta do Povo é a esperada. Todos manifestam a sua intenção de servir o Senhor, em resposta à sua acção libertadora e à sua protecção ao longo da caminhada pelo deserto (vers. 16-18). Israel compromete-se a renunciar a outros deuses e a fazer de Jahwéh o seu Deus.
    A aceitação de Jahwéh como Deus de Israel é apresentada, não como uma obrigação imposta a um grupo de escravos, mas como uma opção livre, feita por pessoas que fizeram uma experiência de encontro com Deus e que sabem que é aí que está a sua realização e a sua felicidade. Depois de percorrer com Jahwéh os caminhos da história, Israel constatou, sem margem para dúvidas, que só em Deus pode encontrar a liberdade e a vida em plenitude.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O problema fundamental posto pelo autor do nosso texto é o das opções: "escolhei hoje a quem quereis servir" - diz Josué ao Povo reunido. É uma questão que nunca deixará de nos ser posta... Ao longo da nossa caminhada pela vida, vamos fazendo a experiência do encontro com esse Deus libertador e salvador que Israel descobriu na sua marcha pela história; mas encontramo-nos também, muito frequentemente, com outros deuses e outras propostas que parecem garantir-nos a vida, o êxito, a realização, a felicidade e que, quase sempre, nos conduzem por caminhos de escravidão, de dependência, de desilusão, de infelicidade. A expressão "escolhei hoje a quem quereis servir" interpela-nos acerca da nossa servidão ao dinheiro, ao êxito, à fama, ao poder, à moda, às exigências dos valores que a opinião pública consagrou, ao reconhecimento público... Naturalmente, nem todos os valores do mundo são geradores de escravidão ou incompatíveis com a nossa opção por Deus... Temos, no entanto, que repensar continuamente a nossa vida e as nossas opções, a fim de não corrermos atrás de falsos deuses e de não nos deixarmos seduzir por propostas falsas de realização e de felicidade. O verdadeiro crente sabe que não pode prescindir de Deus e das suas propostas; e sabe que é nesse Deus que nunca desilude aqueles que n'Ele confiam que pode encontrar a sua realização plena.

    ¨ Israel aceitou "servir o Senhor" e comprometer-se com Ele, não por obrigação, mas pela convicção de que era esse o caminho para a sua felicidade. Por vezes, Deus é visto como um concorrente do homem e os seus mandamentos como uma proposta que limita a liberdade e a independência do homem... Na verdade, o compromisso com Deus e a aceitação das suas propostas não é um caminho de servidão, mas um caminho que conduz o homem à verdadeira liberdade e à sua realização plena. O caminho que Deus nos propõe - caminho que somos livres de aceitar ou não - é um caminho que nos liberta do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, da escravidão dos bens materiais e que nos projecta para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida, para a verdadeira felicidade.

    ¨ Josué, o líder da comunidade do Povo de Deus, tem um papel fundamental no sentido de interpelar o Povo e de testemunhar a sua opção por Deus. Não é um líder que diz belas palavras e apresenta belas propostas, mas que desmente com a vida aquilo que diz... É um líder plenamente comprometido com Deus e que testemunha, com a própria vida, essa opção. Josué poderia ser um exemplo para todos aqueles que têm responsabilidades na condução da comunidade do Povo de Deus em marcha pela história. O seu exemplo convida aqueles que presidem à comunidade do Povo de Deus a serem uma voz de Deus que interpela e que questiona aqueles que caminham ao seu lado; e convida também os responsáveis pelas comunidades cristãs a testemunharem com a própria vida aquilo que ensinam ao Povo.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 33 (34)

    Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

    A toda a hora bendirei o Senhor,
    o seu louvor estará sempre na minha boca.
    A minha alma gloria-se no Senhor:
    escutem e alegrem-se os humildes.

    Os olhos do Senhor estão voltados para os justos
    e os ouvidos atentos aos seus rogos.
    A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
    para apagar da terra a sua memória.

    Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
    livrou-os de todas as suas angústias.
    O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
    e salva os de ânimo abatido.

    Muitas são as tribulações do justo,
    mas de todas elas o livra o Senhor.
    Guarda todos os seus ossos,
    nem um só será quebrado.

    A maldade leva o ímpio à morte,
    os inimigos do justo serão castigados.
    O Senhor defende a vida dos seus servos,
    não serão castigados os que n'Ele se refugiam.

    LEITURA II - Ef 5,21-32

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

    Irmãos:
    Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo.
    As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor,
    porque o marido é a cabeça da mulher,
    como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo,
    do qual é o Salvador.
    Ora, como a Igreja se submete a Cristo,
    assim também as mulheres
    se devem submeter em tudo aos maridos.
    Maridos, amai as vossas mulheres,
    como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela.
    Ele quis santificá-la,
    purificando-a no baptismo da água pela palavra da vida,
    para a apresentar a Si mesmo como Igreja cheia de glória,
    sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante,
    mas santa e imaculada.
    Assim devem os maridos amar as suas mulheres,
    como os seus corpos.
    Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo.
    Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo,
    antes o alimenta e lhe presta cuidados,
    como Cristo à Igreja;
    porque nós somos membros do seu Corpo.
    Por isso, o homem deixará pai e mãe,
    para se unir à sua mulher,
    e serão dois numa só carne.
    É grande este mistério,
    digo-o em relação a Cristo e à Igreja.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a parte moral e parenética da Carta aos Efésios (cf. Ef 4,1-6,20). Nessa parte, Paulo lembra aos crentes a opção que fizeram no dia do seu Baptismo e que os obriga a viver como Homens Novos, à imagem de Jesus.
    A vida desse Homem Novo que deixou as trevas e escolheu a luz deve traduzir-se em atitudes concretas. Por isso, Paulo enumera, a dado passo da sua reflexão, um conjunto de normas de conduta, através das quais se deve manifestar a opção que o crente assumiu no dia do seu Baptismo.
    Na secção de Ef 5,21-6,9 (a que o texto que hoje nos é proposto pertence), Paulo apresenta as normas que devem reger as relações familiares. De forma especial, Paulo refere-se aos deveres dos esposos, seguramente porque vê na sua união uma figura da união de Cristo com a sua Igreja. Trata-se de um dos temas mais importantes da teologia desenvolvida na Carta aos Efésios.

    MENSAGEM

    O nosso texto começa com um princípio geral que deve regular as relações entre os diversos membros da família cristã: "sede submissos uns aos outros no temor de Cristo" (Ef 5,21). O "ser submisso" expressa aqui a condição daquele que está permanentemente numa atitude de serviço simples e humilde, sem deixar que a sua relação com o irmão seja dominada pelo orgulho ou marcada por atitudes de prepotência. A expressão "no temor de Cristo" recorda aos crentes que o Cristo do amor, do serviço, da partilha é o exemplo e o modelo que eles devem ter sempre diante dos olhos.
    Depois, Paulo dirige-se aos vários membros da família e propõe-lhes normas concretas de conduta. O texto que nos é proposto, contudo, apenas conservou a parte que se refere à relação dos esposos um com o outro (na continuação, Paulo falará também da conduta dos filhos para com os pais, dos pais para com os filhos, dos senhores para com os escravos e dos escravos para com os senhores - cf. Ef 6,1-9).
    Às mulheres, Paulo pede a submissão aos maridos, porque "o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo" (vers. 23). Esta afirmação - que, à luz da nossa sensibilidade e dos nossos esquemas mentais modernos parece discriminatória - deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, onde o homem aparece como a referência suprema da organização do núcleo familiar. De qualquer forma, a "submissão" de que Paulo fala deve ser sempre entendida no sentido do amor e do serviço e não no sentido da escravidão.
    Aos maridos, Paulo recomenda que amem as suas esposas, "como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela" (vers. 25). Não se trata de um amor qualquer, mas de um amor igual ao de Cristo pela sua comunidade - isto é, de um amor generoso e total, que é capaz de ir até ao dom da própria vida. Para Paulo, portanto, o amor dos maridos pelas esposas deve ser um amor completamente despido de qualquer sinal de egoísmo e de prepotência; e deve ser um amor cheio de solicitude, que se manifesta em atitudes de generosidade, de bondade e de serviço, que se faz dom total à pessoa a quem se ama.
    Neste contexto, Paulo desenvolve a sua teologia da relação entre Cristo e a Igreja, para depois tirar daí as devidas consequências para a união dos esposos cristãos... Cristo santificou a Igreja, purificando-a "no baptismo da água pela palavra da vida" (vers. 26). Há aqui, certamente, uma alusão ao baptismo cristão (inspirada, provavelmente, nas cerimónias preparatórias do matrimónio, que contemplavam o "banho" da noiva antes de se apresentar diante do noivo), pelo qual Cristo edifica a sua comunidade e a purifica do pecado. O Baptismo é o momento em que Cristo oferece a vida plena à sua Igreja e em que a Igreja se compromete com Cristo numa comunidade de amor. A partir desse momento, Cristo e a Igreja formam um só corpo... Como Cristo e a Igreja formam um só corpo, do mesmo modo marido e esposa, comprometidos numa comunidade de amor, formam um só corpo: "por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua mulher e serão dois numa só carne" (vers. 31). A expressão "uma só carne" aqui usada por Paulo não alude só à união carnal dos esposos, mas a toda a sua vida conjugal, feita de um empenho quotidiano na vivência do amor, da fidelidade e da partilha de toda a existência.
    Este paralelismo estabelecido por Paulo entre a união de Cristo e da Igreja e o amor que une os esposos dá um significado especial ao casamento cristão: a vocação dos esposos é anunciar e testemunhar, com o seu amor e a sua união, o amor de Cristo pela sua Igreja. Dito de outra forma: a união dos esposos cristãos deve ser, aos olhos do mundo, um sinal e um reflexo do "mistério" de amor que une Cristo e a Igreja.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O compromisso com Jesus e com a proposta de vida nova que Ele veio apresentar mexe com a totalidade da vida do homem e tem consequências em todos os níveis da existência, nomeadamente ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser também o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja. "Os esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afecto e de pensamento e com mútua santidade de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição" (Gaudium et Spes, 52).

    ¨ Para Paulo, o amor que une o marido e a esposa deve ser um amor como o de Cristo pela sua Igreja. Desse amor devem, portanto, estar ausentes quaisquer sinais de egoísmo, de prepotência, de exploração, de injustiça... Deve ser um amor que se faz doação total ao outro, que é paciente, que não é arrogante nem orgulhoso, que compreende os erros e as falhas dos outro, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13,4-7).

    ¨ Para Paulo, o amor que une a esposa e o marido deve ser um amor que se faz serviço simples e humilde. Não se trata de exigir submissão de um a outro, mas trata-se de pedir que os crentes manifestem total disponibilidade para servir e para dar a vida, sem esperar nada em troca. Trata-se de seguir o exemplo de Cristo que não veio para afirmar a sua superioridade e para ser servido, mas para servir e dar vida. O matrimónio cristão não pode tornar-se uma competição para ver quem tem mais direitos ou mais obrigações, mas uma comunhão de vida de pessoas que, a exemplo de Cristo, fazem da sua existência uma partilha e um serviço a todos os irmãos que caminham ao seu lado.

    ¨ Paulo utiliza, neste texto, a propósito das mulheres, uma palavra que não devemos absolutizar: "submissão". Esta palavra deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, em que o marido era considerado a referência fundamental da ordem familiar. É claro que, nos dias de hoje, Paulo não teria usado este termo para falar da relação da esposa com o marido. A afirmação de Paulo não pode servir para fundamentar qualquer tipo de discriminação contra as mulheres... Aliás, Paulo dirá, noutras circunstâncias, que "não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus" (Gal 3,28).

    ALELUIA - cf. Jo 6,63c.68c

    Aleluia. Aleluia.

    As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida:
    Vós tendes palavras de vida eterna.

    EVANGELHO - Jo 6,60-69

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram:
    «Estas palavras são duras.
    Quem pode escutá-las?»
    Jesus, conhecendo interiormente
    que os discípulos murmuravam por causa disso,
    perguntou-lhes:
    «Isto escandaliza-vos?
    E se virdes o Filho do homem
    subir para onde estava anteriormente?
    O espírito é que dá vida,
    a carne não serve de nada.
    As palavras que Eu vos disse são espírito e vida.
    Mas, entre vós, há alguns que não acreditam».
    Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início,
    quais eram os que não acreditavam
    e quem era aquele que O havia de entregar.
    E acrescentou:
    «Por isso é que vos disse:
    Ninguém pode vir a Mim,
    se não lhe for concedido por meu Pai».
    A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se
    e já não andavam com Ele.
    Jesus disse aos Doze:
    «Também vós quereis ir embora?»
    Respondeu-Lhe Simão Pedro:
    «Para quem iremos, Senhor?
    Tu tens palavras de vida eterna.
    Nós acreditamos
    e sabemos que Tu és o Santo de Deus».

    AMBIENTE

    Estamos no final do episódio que começou com a multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Jo 6,1-15) e que continuou com o "discurso do pão da vida" (cf. Jo 6,22-59). Trata-se de um episódio atravessado por diversos equívocos e onde se manifesta a perplexidade e a confusão daqueles que escutam as palavras de Jesus... A multidão esperava um messias rei que lhe oferecesse uma vida confortável e pão em abundância e Jesus mostrou que não veio "dar coisas", mas oferecer-Se a Ele próprio para que a humanidade tivesse vida; a multidão esperava de Jesus uma proposta humana de triunfo e de glória e Jesus convidou-a a identificar-se com Ele e a segui-l'O no caminho do amor e do dom da vida até à morte... Os interlocutores de Jesus perceberam claramente que Jesus os tinha colocado diante de uma opção fundamental: ou continuar a viver numa lógica humana, virada para os bens materiais e para as satisfações mais imediatas, ou o assumir a lógica de Deus, seguindo o exemplo de Jesus e fazendo da vida um dom de amor para ser partilhado. Instalados nos seus esquemas e preconceitos, presos a aspirações e sonhos demasiado materiais, desiludidos com um programa que lhes parecia condenado ao fracasso, os interlocutores de Jesus recusaram-se a identificar-se com Ele e com o seu programa.
    O nosso texto mostra-nos a reacção negativa de "muitos discípulos" às propostas que Jesus faz. Nem todos os discípulos estão dispostos a identificar-se com Jesus ("comer a sua carne e beber o seu sangue") e a oferecer a sua vida como dom de amor que deve ser partilhado com toda a humanidade. Temos de situar esta "catequese" no contexto em que vivia a comunidade joânica, nos finais do séc. I... A comunidade cristã era discriminada e perseguida; muitos discípulos afastavam-se e trilhavam outros caminhos, recusando-se a seguir Jesus no caminho do dom da vida. Muitos cristãos, confusos e perplexos, perguntavam: para ser cristão é preciso percorrer um caminho tão radical e de tanta exigência? A proposta de Jesus será, efectivamente, um caminho de vida plena, ou um caminho de fracasso e de morte? É a estas questões que o "catequista" João vai tentar responder.

    MENSAGEM

    A perícopa divide-se em duas partes. A primeira (vers. 60-66) descreve o protesto de um grupo de discípulos face às exigências de Jesus; a segunda (vers. 67-69) apresenta a resposta dos Doze à proposta que Jesus faz. Estes dois grupos (os "muitos discípulos" da primeira parte e os "Doze" da segunda parte) representam duas atitudes distintas face a Jesus e às suas propostas.
    Para os "discípulos" de que se fala na primeira parte do nosso texto, a proposta de Jesus é inadmissível, excessiva para a força humana (vers. 60). Eles não estão dispostos a renunciar aos seus próprios projectos de ambição e de realização humana, a embarcar com Jesus no caminho do amor e da entrega, a fazer da própria vida um serviço e uma partilha com os irmãos. Esse caminho parece-lhes, além de demasiado exigente, um caminho ilógico. Confrontados com a radicalidade do caminho do Reino, eles não estão dispostos a arriscar.
    Na resposta à objecção desses "discípulos", Jesus assegura-lhes que o caminho que propõe não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um caminho destinado à glória e à vida eterna. A "subida" do Filho do Homem, após a morte na cruz, para reentrar no mundo de Deus, será a "prova provada" de que a vida oferecida por amor conduz à vida em plenitude (vers. 61-62). Esses "discípulos" não estão dispostos a acolher a proposta de Jesus porque raciocinam de acordo com uma lógica humana, a lógica da "carne"; só o dom do Espírito possibilitará aos crentes perceber a lógica de Jesus, aderir à sua proposta e seguir Jesus nesse caminho do amor e da doação que conduz à vida (vers. 63).
    Na realidade, esses discípulos que raciocinam segundo a lógica da "carne" seguem Jesus pelas razões erradas (a glória, o poder, a fácil satisfação das necessidades materiais mais básicas). A sua adesão a Jesus é apenas exterior e superficial. Jesus tem consciência clara dessa realidade. Ele sabe até que um dos "discípulos" O vai trair e entregar nas mãos dos líderes judaicos (vers. 64). De qualquer forma, Jesus encara a decisão dos discípulos com tranquilidade e serenidade. Ele não força ninguém; apenas apresenta a sua proposta - proposta radical e exigente - e espera que o "discípulo" faça a sua opção, com toda a liberdade.
    Em última análise, a vida nova que Jesus propõe é um dom de Deus, oferecido a todos os homens (vers. 65). O termo deste movimento que o Pai convida o "discípulo" a fazer é o encontro com Jesus e a adesão ao seu projecto. Se o homem não está aberto à acção do Pai e recusa os dons de Deus, não pode integrar a comunidade dos discípulos e seguir Jesus.
    A primeira parte da cena termina com a retirada de "muitos discípulos" (vers. 66). O programa exposto por Jesus, que exige a renúncia às lógicas humanas de ambição e de realização pessoal, é recusado... Esses "discípulos" mostram-se absolutamente indisponíveis para percorrer o caminho de Jesus.
    Confirmada a deserção desses "discípulos", Jesus pede ao grupo mais restrito dos "Doze" que façam a sua escolha: "também vós quereis ir embora?" (vers. 67). Repare-se que Jesus não suaviza as suas exigências, nem atenua a dureza das suas palavras... Ele está disposto a correr o risco de ficar sem discípulos, mas não está disposto a prescindir da radicalidade do seu projecto. Não é uma questão de teimosia ou de não querer dar o braço a torcer; mas Jesus está seguro que o caminho que Ele propõe - o caminho do amor, do serviço, da partilha, da entrega - é o único caminho por onde é possível chegar à vida plena... Por isso, Ele não pode mudar uma vírgula ao seu discurso e à sua proposta. O caminho para a vida em plenitude já foi claramente exposto por Jesus; resta agora aos "discípulos" aceitá-lo ou rejeitá-lo.
    Confrontados com esta opção fundamental, os "Doze" definem claramente o caminho que querem percorrer: eles aceitam a proposta de Jesus, aceitam segui-l'O no caminho do amor e da entrega. Quem responde em nome do grupo (uso do plural) é Simão Pedro: "Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna" (vers. 68). A comunidade reconhece, pela voz de Pedro, que só no caminho proposto por Jesus encontra vida definitiva. Os outros caminhos só geram vida efémera e parcial e, com frequência, conduzem à escravidão e à morte; só no caminho que Jesus acabou de propor (e que "muitos" recusaram) se encontra a felicidade duradoura e a realização plena do homem (vers. 68).
    É porque reconhece em Jesus o único caminho válido para chegar à vida eterna que a comunidade dos "Doze" adere ao que Ele propõe ("cremos" - vers. 69a). A "fé" (adesão a Jesus) traduz-se no seguimento de Jesus, na identificação com Ele, no compromisso com a proposta que Ele faz ("comer a carne e beber o sangue" que Jesus oferece e que dão a vida eterna).
    A resposta posta na boca de Pedro é precisamente a resposta que a comunidade joânica (a tal comunidade que vive a sua fé e o seu compromisso cristão em condições difíceis e que, por vezes, tem dificuldade em renunciar à lógica do mundo e apostar na radicalidade do Evangelho de Jesus) é convidada a dar: "Senhor, as tuas propostas nem sempre fazem sentido à luz dos valores que governam o nosso mundo; mas nós estamos seguros de que o caminho que Tu nos indicas é um caminho que leva à vida eterna. Queremos escutar as tuas palavras, identificar-nos contigo, viver de acordo com os valores que nos propões, percorrer contigo esse caminho do amor e da doação que conduz à vida eterna.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O Evangelho deste domingo põe claramente a questão das opções que nós, discípulos de Jesus, somos convidados a fazer... Todos os dias somos desafiados pela lógica do mundo, no sentido de alicerçarmos a nossa vida nos valores do poder, do êxito, da ambição, dos bens materiais, da moda, do "politicamente correcto"; e todos os dias somos convidados por Jesus a construir a nossa existência sobre os valores do amor, do serviço simples e humilde, da partilha com os irmãos, da simplicidade, da coerência com os valores do Evangelho... É inútil esconder a cabeça na areia: estes dois modelos de existência nem sempre podem coexistir e, frequentemente, excluem-se um ao outro. Temos de fazer a nossa escolha, sabendo que ela terá consequências no nosso estilo de vida, na forma como nos relacionamos com os irmãos, na forma como o mundo nos vê e, naturalmente, na satisfação da nossa fome de felicidade e de vida plena. Não podemos tentar agradar a Deus e ao diabo e viver uma vida "morna" e sem exigências, procurando conciliar o inconciliável. A questão é esta: estamos ou não dispostos a aderir a Jesus e a segui-l'O no caminho do amor e do dom da vida?

    ¨ Os "muitos discípulos" de que fala o texto que nos é proposto não tiveram a coragem para aceitar a proposta de Jesus. Amarrados aos seus sonhos de riqueza fácil, de ambição, de poder e de glória, não estavam dispostos a trilhar um caminho de doação total de si mesmos em benefício dos irmãos. Este grupo representa esses "discípulos" de Jesus demasiado comprometidos com os valores do mundo, que até podem frequentar a comunidade cristã, mas que no dia a dia vivem obcecados com a ampliação da sua conta bancária, com o êxito profissional a todo o custo, com a pertença à elite que frequenta as festas sociais, com o aplauso da opinião pública... Para estes, as palavras de Jesus "são palavras duras" e a sua proposta de radicalidade é uma proposta inadmissível. Esta categoria de "discípulos" não é tão rara como parece... Em diversos graus, todos nós sentimos, por vezes, a tentação de atenuar a radicalidade da proposta de Jesus e de construir a nossa vida com valores mais condizentes com uma visão "light" da existência. É preciso estarmos continuamente numa atitude de vigilância sobre os valores que nos norteiam, para não corrermos o risco de "virar as costas" à proposta de Jesus.

    ¨ Os "Doze" ficaram com Jesus, pois estavam convictos de que só Ele tem "palavras que comunicam a vida definitiva". Eles representam aqueles que não se conformam com a banalidade de uma vida construída sobre valores efémeros e que querem ir mais além; representam aqueles que não estão dispostos a gastar a sua vida em caminhos que só conduzem à insatisfação e à frustração; representam aqueles que não estão dispostos a conduzir a sua vida ao sabor da preguiça, do comodismo, da instalação; representam aqueles que aderem sinceramente a Jesus, se comprometem com o seu projecto, acolhem no coração a vida que Jesus lhes oferece e se esforçam por viver em coerência com a opção por Jesus que fizeram no dia do seu Baptismo. Atenção: esta opção pelo seguimento de Jesus precisa de ser constantemente renovada e constantemente vigiada, a fim de que o nível da coerência e da exigência se mantenha.

    ¨ Na cena que o Evangelho de hoje nos traz, Jesus não parece estar tão preocupado com o número de discípulos que continuarão a segui-l'O, quanto com o manter a verdade e a coerência do seu projecto. Ele não faz cedências fáceis para ter êxito e para captar a benevolência e os aplausos das multidões, pois o Reino de Deus não é um concurso de popularidade... Não adianta escamotear a verdade: o Evangelho que Jesus veio propor conduz à vida plena, mas por um caminho que é de radicalidade e de exigência. Muitas vezes tentamos "suavizar" as exigências do Evangelho, a fim de que ele seja mais facilmente aceite pelos homens do nosso tempo... Temos de ter cuidado para não desvirtuarmos a proposta de Jesus e para não despojarmos o Evangelho daquilo que ele tem de verdadeiramente transformador. O que deve preocupar-nos não é tanto o número de pessoas que vão à Igreja; mas é, sobretudo, o grau de radicalidade com que vivemos e testemunhamos no mundo a proposta de Jesus.

    ¨ Um dos elementos que aparece nitidamente no nosso texto é a serenidade com que Jesus encara o "não" de alguns discípulos ao projecto que Ele veio propor. Diante desse "não", Jesus não força as coisas, não protesta, não ameaça, mas respeita absolutamente a liberdade de escolha dos seus discípulos. Jesus mostra, neste episódio, o respeito de Deus pelas decisões (mesmo erradas) do homem, pelas dificuldades que o homem sente em comprometer-se, pelos caminhos diferentes que o homem escolhe seguir. O nosso Deus é um Deus que respeita o homem, que o trata como adulto, que aceita que ele exerça o seu direito à liberdade. Por outro lado, um Deus tão compreensivo e tolerante convida-nos a dar mostras de misericórdia, de respeito e de compreensão para com os irmãos que seguem caminhos diferentes, que fazem opções diferentes, que conduzem a sua vida de acordo com valores e critérios diferentes dos nossos. Essa "divergência" de perspectivas e de caminhos não pode, em nenhuma circunstância, afastar-nos do irmão ou servir de pretexto para o marginalizarmos e para o excluirmos do nosso convívio.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Não há dúvida que Pedro não tinha compreendido todas as palavras de Jesus sobre o Pão da Vida, mas, um dia, ele tinha deixado tudo para seguir este Mestre que falava e agia com autoridade. Ele tinha-Lhe dado toda a sua confiança sem reservas: as suas palavras eram palavras de vida, os seus gestos eram gestos de vida. Então porque não aceitar que toda a sua pessoa fosse doadora de vida eterna? Pedro não se vê, pois, a deixar Aquele que promete a vida em nome de Deus. Imagina-se o sofrimento de Jesus ao ver alguns dos seus discípulos deixarem de O seguir. Mas imagina-se também a sua alegria diante da confiança daqueles que não O deixarão, mesmo se vierem a conhecer abandono momentâneo, negação, dúvida... Estamos prontos a fazer o acto de fé de Pedro: "Senhor, para quem iremos nós?" Em Cristo, e somente n'Ele, nunca ficaremos decepcionados!

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    O escândalo não tardou em rebentar! "Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?" Desta vez, não são os escribas e os fariseus que se opõem violentamente a Jesus, mas a maior parte dos seus discípulos. No lugar de Jesus, teríamos, sem dúvida, tentado acalmar os espíritos dizendo, por exemplo, que comer o seu corpo, beber o seu sangue para ter a vida eterna, era uma imagem, certamente chocante, mas apenas uma imagem! Nada disso com Jesus! Ele não apenas não retira nenhuma das suas palavras, mas provoca os Doze: "Também vós quereis ir embora?" Ele aceitaria antes ver partir os seus discípulos mais próximos do que negar uma só das suas palavras! O desafio era capital, incontornável. Não podemos apagar estas palavras se queremos ser seus discípulos. Tudo à luz do acontecimento central da Morte e Ressurreição, celebrado na Eucaristia! Isso exige uma dupla atitude para entrarmos no mistério da Eucaristia: Reconhecemos verdadeiramente neste homem, Jesus de Nazaré, o Filho de Maria, o verdadeiro Filho único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, como dizemos no Credo? Cremos verdadeiramente que Jesus ressuscitou e é verdadeiramente vencedor da morte? Aí está o centro da nossa fé, onde tudo se decide! Quando comungamos o corpo e o sangue de Cristo, dizemos: "Ámen! Adiro a esta presença de Jesus ressuscitado com todas as fibras do meu ser!" Uma fé celebrada na Eucaristia a marcar toda a nossa existência... Não há meios-termos!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Qual é a minha fé? Cada um de nós pode interrogar-se: posso sinceramente dizer a minha fé com as palavras de Pedro? Se sim, terei, nos próximos dias, a força de a testemunhar junto de uma pessoa que duvida, que procura, ou que contesta a fé cristã? Quais são os meios que tenho para alimentar a minha fé?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • 22º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    22º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    29 de Agosto, 2021

    ANO B
    22º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 22º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 22º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre a "Lei". Deus quer a realização e a vida plena para o homem e, nesse sentido, propõe-lhe a sua "Lei". A "Lei" de Deus indica ao homem o caminho a seguir. Contudo, esse caminho não se esgota num mero cumprimento de ritos ou de práticas vazias de significado, mas num processo de conversão que leve o homem a comprometer-se cada vez mais com o amor a Deus e aos irmãos.
    A primeira leitura garante-nos que as "leis" e preceitos de Deus são um caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Por isso, o autor dessa catequese recomenda insistentemente ao seu Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela.
    No Evangelho, Jesus denuncia a atitude daqueles que fizeram do cumprimento externo e superficial da "lei" um valor absoluto, esquecendo que a "lei" é apenas um caminho para chegar a um compromisso efectivo com o projecto de Deus. Na perspectiva de Jesus, a verdadeira religião não se centra no cumprimento formal das "leis", mas num processo de conversão que leve o homem à comunhão com Deus e a viver numa real partilha de amor com os irmãos.
    A segunda leitura convida os crentes a escutarem e acolherem a Palavra de Deus; mas avisa que essa Palavra escutada e acolhida no coração tem de tornar-se um compromisso de amor, de partilha, de solidariedade com o mundo e com os homens.

    LEITURA I - Dt 4,1-2.6-8

    Leitura do Livro do Deuteronómio

    Moisés falou ao povo, dizendo:
    «Agora escuta, Israel,
    as leis e os preceitos que vos dou a conhecer
    e ponde-os em prática,
    para que vivais e entreis na posse da terra
    que vos dá o Senhor, Deus de vossos pais.
    Não acrescentareis nada ao que vos ordeno,
    nem suprimireis coisa alguma,
    mas guardareis os mandamentos do Senhor vosso Deus,
    tal como eu vo-los prescrevo.
    Observai-os e ponde-os em prática:
    eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência
    aos olhos dos povos,
    que, ao ouvirem falar de todas estas leis, dirão:
    'Que povo tão sábio e tão prudente é esta grande nação!'
    Qual é, na verdade, a grande nação
    que tem a divindade tão perto de si
    como está perto de nós o Senhor, nosso Deus,
    sempre que O invocamos?
    E qual é a grande nação
    que tem mandamentos e decretos tão justos
    como esta lei que hoje vos apresento?»

    AMBIENTE

    O Livro do Deuteronómio é aquele "livro da Lei" ou "livro da Aliança" descoberto no Templo de Jerusalém no 18º ano do reinado de Josias (622 a.C.) (cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas - originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios - apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
    Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de "testamento espiritual": lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
    O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do primeiro discurso de Moisés (cf. Dt 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso (cf. Dt 1,6-3,29), em estilo narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de Moisés um resumo da história do Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao monte Pisga, na Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt 4,1-43), o autor apresenta, em estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança e das suas exigências. Esta secção final do primeiro discurso de Moisés começa com a expressão "e agora, Israel...", que enlaça esta secção com a precedente: mostra-se que o compromisso que agora se pede a Israel se apoia nos acontecimentos históricos anteriormente expostos... A acção de Deus ao longo da caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao compromisso.
    O capítulo 4 do Livro do Deuteronómio é um texto redigido, muito provavelmente, na fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilónia. Perdido numa terra estrangeira e mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando tentava afirmar a sua fé em Jahwéh e celebrá-la através do culto, impressionado com o esplendor ritual e as solenidades do culto babilónico, o Povo bíblico corria o risco de trocar Jahwéh pelos deuses babilónicos. É neste contexto que os teólogos da escola deuteronomista vão convidar o Povo a olhar para a sua história (cf. Dt 1,6-3,29), a redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Jahwéh e a comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança.

    MENSAGEM

    Esse Deus que, no passado, interveio na história para salvar e libertar Israel é o mesmo Deus que agora oferece ao seu Povo leis e preceitos.
    Porque é que Israel deve acolher e praticar essas leis e preceitos que Deus lhe propõe? Em primeiro lugar, como forma de gratidão: é a resposta de Israel a esse Deus libertador, que mil vezes agiu no passado para salvar o seu Povo... Em segundo lugar, porque as leis e preceitos do Senhor são inquestionavelmente um caminho que conduz o Povo pela estrada da felicidade e da liberdade. Em qualquer caso, o viver de acordo com as leis e os preceitos de Jahwéh ajudará o Povo a concretizar todos os seus sonhos e esperanças - nomeadamente o grande sonho de se estabelecer numa terra, escapando aos perigos e incomodidades da vida nómada (vers. 1).
    Israel deve, contudo, ter cuidado para não adulterar as leis e preceitos que Deus lhe propõe. Há sempre o perigo de os homens adaptarem a Palavra de Deus, de forma a que ela sirva os seus interesses; há sempre o perigo de os homens suavizarem a Palavra de Deus, de forma a que ela não seja tão exigente; há sempre o perigo de os homens suprimirem da Palavra de Deus aquilo que os incomoda; há sempre o perigo de os homens acrescentarem algo à Palavra de Deus, atribuindo a Deus ideias e propostas com as quais Deus não tem nada a ver... Israel tem de resistir a estas tentações: a Palavra de Deus deve ser uma proposta sagrada, que o Povo se esforçará por cumprir integralmente (vers. 2).
    Na parte final do texto que nos é proposto, o catequista deuteronomista manifesta o seu orgulho pelo facto de Israel ser um Povo especial, o Povo eleito de Deus. Essa eleição manifesta-se na presença amorosa e libertadora de Jahwéh junto do seu Povo ("qual a grande nação que tem a divindade tão perto de si como está perto o Senhor nosso Deus sempre que O invocamos?" - vers. 7), no dom da Lei e na "sabedoria" presente nessas leis e preceitos que o Senhor deu a Israel, a fim de o conduzir pelos caminhos da história ("qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão justos como esta lei que hoje vos apresento?" - vers. 8).
    Israel, Povo "de dura cerviz", nem sempre acolheu e cumpriu as leis e os preceitos que o Senhor lhe propôs; mas os círculos religiosos de Israel preocuparam-se sempre em mostrar ao Povo que essa Lei era uma proposta segura para chegar à vida plena, à felicidade. É essa convicção que o nosso catequista deuteronomista deixa transparecer nesta "homilia" que nos propõe.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O autor deste texto é, antes de mais, um crente com um enorme apreço pela Palavra de Deus. Ele vê nas leis e preceitos de Deus um caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Por isso, recomenda insistentemente ao seu Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela. Que importância é que a Palavra de Deus assume na minha existência? Consigo encontrar tempo e disponibilidade para escutar, para meditar e interiorizar a Palavra de Deus, de forma a que ela informe os meus valores, os meus sentimentos e as minhas acções?

    ¨ Para muitos dos nossos contemporâneos, as leis e preceitos de Deus são um caminho de escravidão, que condicionam a autonomia e que limitam a liberdade do homem; para outros, as leis e preceitos de Deus são uma moral ultrapassada, que não condiz com os valores do nosso tempo e que deve permanecer, coberta de pó, no museu da história. Em contrapartida, para o catequista que nos oferece esta reflexão do Livro do Deuteronómio, a Palavra de Deus é um caminho sempre actual, que liberta o homem da escravidão do egoísmo e que o conduz ao encontro da verdadeira vida e da verdadeira liberdade. De facto, a escuta atenta e o compromisso firme com a Palavra de Deus é, para os crentes, uma experiência libertadora: salva-nos do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência e projecta-nos para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida.

    ¨ Uma das insistentes recomendações do nosso texto é a de não adulterar a Palavra de Deus, ao sabor dos interesses pessoais dos homens. Existe sempre o perigo, quer na nossa reflexão pessoal, quer na nossa partilha comunitária, de torcermos a Palavra ao sabor dos nossos interesses, de limarmos a sua radicalidade, de lhe cortarmos os aspectos mais questionantes, ou de a fazermos dizer coisas que não vêm de Deus... É preciso perguntarmo-nos constantemente se a Palavra que vivemos e anunciamos é a Palavra de Deus ou é a nossa "palavra", se ela transmite os valores de Deus ou os nossos valores pessoais, se ela testemunha a lógica de Deus ou a nossa lógica humana. Este processo de discernimento é mais fácil quando é feito em comunidade, no diálogo e no confronto com os irmãos que caminham connosco, que nos questionam e que partilham connosco a sua perspectiva das coisas.

    ¨ Nós os crentes comprometidos andamos sempre muito ocupados a fazer coisas bonitas no sentido de mudar o mundo, num activismo por vezes exagerado e que, aos poucos, nos vai fazendo perder o sentido da nossa acção e do nosso testemunho. No meio dessa actividade frenética, temos de encontrar tempo para escutar Deus, para meditar as suas propostas, para repensar as suas leis e preceitos, para descobrir o sentido da nossa acção no mundo. Sem a escuta da Palavra, a nossa acção torna-se um "fazer coisas" estéril e vazio que, mais tarde ou mais cedo, nos leva a perder o sentido do nosso testemunho e do nosso compromisso.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 14 (15)

    Refrão 1: Quem habitará, Senhor, no vosso santuário?

    Refrão 2: Ensinai-nos, Senhor:
    quem habitará em vossa casa?

    O que vive sem mancha e pratica a justiça
    e diz a verdade que tem no seu coração
    e guarda a sua língua da calúnia.

    O que não faz mal ao seu próximo nem ultraja o seu semelhante,
    o que tem por desprezível o ímpio,
    mas estima os que temem o Senhor.

    O que não falta ao juramento, mesmo em seu prejuízo,
    e não empresta dinheiro com usura,
    nem aceita presentes para condenar o inocente.
    Quem assim proceder jamais será abalado.

    LEITURA II - Tg 1,17-18.21-22.27

    Leitura da Epístola de São Tiago

    Caríssimos irmãos:
    Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto,
    descem do Pai das luzes,
    no qual não há variação nem sombra de mudança.
    Foi Ele que nos gerou pela palavra da verdade,
    para sermos como primícias das suas criaturas.
    Acolhei docilmente a palavra em vós plantada,
    que pode salvar as vossas almas.
    Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes,
    pois seria enganar-vos a vós mesmos.
    A religião pura e sem mancha,
    aos olhos de Deus, nosso Pai,
    consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações
    e conservar-se limpo do contágio do mundo.

    AMBIENTE

    A carta de onde foi extraída a nossa segunda leitura de hoje é um escrito de um tal Tiago (cf. Tg 1,1), que a tradição liga a esse Tiago "irmão" do Senhor, que presidiu à Igreja de Jerusalém e do qual os Evangelhos falam acidentalmente como filho de certa Maria (cf. Mt 13,55; 27,56). Teria morrido decapitado em Jerusalém no ano 62... No entanto, a atribuição deste escrito a tal personagem levanta bastantes dificuldades. O mais certo é estarmos perante um outro qualquer Tiago, desconhecido até agora (o "Tiago, filho de Alfeu" - de que se fala em Mc 3,18 e par. - e o "Tiago, filho de Zebedeu" e irmão de João - de que se fala em Mc 1,19 e par. - também não se encaixam neste perfil). É, de qualquer forma, um autor que escreve em excelente grego, recorrendo até, com frequência, à "diatribe" - um género muito usado pela filosofia popular helénica. Inspira-se particularmente na literatura sapiencial, para extrair dela lições de moral prática; mas depende também profundamente dos ensinamentos do Evangelho. Trata-se de um sábio judeo-cristão que repensa, de maneira original, as máximas da sabedoria judaica, em função do cumprimento que elas encontraram na boca e no ensinamento de Jesus.
    A carta foi enviada "às doze tribos que vivem na Diáspora" (Tg 1,1). Provavelmente, a expressão alude a cristãos de origem judaica, dispersos no mundo greco-romano, sobretudo nas regiões próximas da Palestina - como a Síria ou o Egipto; mas, no geral, a carta parece dirigir-se a todos os crentes, exortando-os a que não percam os valores cristãos autênticos herdados do judaísmo através dos ensinamentos de Cristo. Denuncia, sobretudo, certas interpretações consideradas abusivas da doutrina paulina da salvação pela fé, sublinhando a importância das obras; e ataca com extrema severidade os ricos (cf. Tg 1,9-11; 2,5-7; 4,13-17; 5,1-6).
    O nosso texto pertence à primeira parte da carta (cf. Tg 1,2-27). Aí, o autor apresenta, num conjunto de desenvolvimentos e de sentenças aparentemente sem ordem nem lógica, uma síntese ou guia breve da carta, pois oferece um breve panorama dos problemas que o preocupam e que ele vai tratar nos capítulos seguintes.

    MENSAGEM

    Os versículos da Carta de Tiago que nos são propostos como segunda leitura reflectem sobre a Palavra de Deus. O autor da carta não desenvolve um raciocínio continuada, mas vai elencando vários aspectos relacionados com a forma como os crentes devem ver e acolher a Palavra de Deus...
    1. Deus oferece continuamente ao homem os seus dons, a fim de lhe proporcionar vida e felicidade (vers. 17). A Palavra de Deus é um dom que o "Pai das luzes" oferece ao homem e destina-se a gerar uma nova humanidade. Os crentes, iluminados pela "Palavra da verdade" que lhes vem de Deus, podem caminhar em segurança em direcção à vida plena, à felicidade sem fim (vers. 18).
    2. Os crentes devem estar sempre disponíveis para acolher a Palavra de Deus. Não podem fechar-se no seu orgulho e auto-suficiência, ignorando as propostas de Deus; mas devem abrir o coração para que a Palavra lançada por Deus aí encontre lugar, aí possa lançar raízes e desenvolver-se (vers. 21b).
    3. A escuta e o acolhimento da Palavra têm, contudo, de conduzir à acção. A escuta da Palavra de Deus tem de conduzir à conversão, à mudança, ao abandono da vida velha do egoísmo e do pecado, a fim de abraçar uma vida segundo Deus. A escuta da Palavra de Deus também não pode fechar o homem num espiritualismo alienante e estéril, mas tem de conduzir a um compromisso efectivo com a transformação do mundo (vers. 22).
    4. No último versículo da nossa leitura (vers. 27), o autor da carta descreve a religião autêntica (por oposição à religião vazia, inoperante, morta, daqueles que falam muito mas não praticam acções coerentes com as suas palavras - vers. 26): "visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo". Ligando este versículo com o tema central do resto da leitura (a Palavra de Deus), podemos dizer que é a escuta atenta da Palavra de Deus que nos projecta para a acção e para o compromisso. A escuta da Palavra de Deus leva o crente a passar de uma religião ritual, legalista, externa, superficial, para uma religião de efectivo compromisso com a realização do projecto de Deus e com o amor dos irmãos.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ Na nossa sociedade, há uma tal super-abundância de palavras, que a palavra se desvalorizou. Todos dizem o que muito bem entendem, às vezes de uma forma pouco serena e pouco equilibrada, sem pesar as consequências. Habituamo-nos, portanto, a não levar demasiado a sério as palavras que escutamos e a não lhes conceder um crédito absoluto. O nosso texto, contudo, valoriza a Palavra de Deus e sublinha a sua importância no sentido de nos conduzir ao encontro da vida verdadeira e eterna. É preciso darmos à Palavra que Deus nos dirige um peso infinitamente superior às palavras sem nexo que todos os dias enchem os nossos ouvidos e que intoxicam a nossa mente... A Palavra de Deus é Palavra geradora de vida, de eternidade, de felicidade; por isso, deve ser por nós valorizada.

    ¨ O excesso de palavras (autêntica poluição sonora!) leva também à dificuldade em escutar com atenção. Não temos tempo nem paciência para escutar todos os disparates, todas as conversas sem sentido, toda a verborreia daqueles que gostam de se ouvir a si próprios, embora não digam nada de importante. Por outro lado, as exigências da vida moderna, o trabalho excessivo, o corre-corre do dia a dia, limitam muito a nossa disponibilidade para escutar. Criamos hábitos de não escuta e tornamo-nos surdos aos apelos que chegam até nós através da palavra. A nossa leitura convida-nos, entretanto, a encontrar tempo e disponibilidade para escutar o Deus que nos fala e que, através da Palavra que nos dirige, nos apresenta as suas propostas para nós e para o mundo.

    ¨ A Palavra de Deus que escutamos e que acolhemos no coração deve conduzir-nos à acção. Se ficamos apenas pela escuta e pela contemplação da Palavra, ela torna-se estéril e inútil. É preciso transformar essa Palavra que escutamos em gestos concretos, que nos levem à conversão e que tragam um acréscimo de vida para o mundo. A Palavra de Deus que escutamos tem de nos levar ao compromisso - à luta pela justiça, pela paz, pela dignidade dos nossos irmãos, pelos direitos dos pobres, por um mundo mais fraterno e mais cristão.

    ¨ A nossa religião, sem a escuta atenta e comprometida da Palavra de Deus, pode facilmente tornar-se o mero cumprimento de ritos, a fidelidade a certas práticas de piedade, uma tradição que herdámos e na qual nos instalámos, uma prática que torna mais fácil a nossa inserção num determinado meio social, uma alienação que nos faz esquecer certos dramas da nossa vida... É a Palavra de Deus que, propondo-nos uma escuta contínua de Deus e dos seus projectos e um compromisso continuamente renovado com a construção do mundo, dá sentido a toda a nossa experiência religiosa, transformando-a numa verdadeira experiência de vida nova, de vida autêntica.

    ALELUIA - Tg 1,18

    Aleluia. Aleluia.

    Deus Pai nos gerou pela palavra da verdade,
    para sermos como primícias das suas criaturas.

    EVANGELHO - Mc 7,1-8.14-15.21-23

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

    Naquele tempo,
    reuniu-se à volta de Jesus
    um grupo de fariseus e alguns escribas
    que tinham vindo de Jerusalém.
    Viram que alguns dos discípulos de Jesus
    comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar.
    – Na verdade, os fariseus e os judeus em geral
    não comem sem terem lavado cuidadosamente as mãos,
    conforme a tradição dos antigos.
    Ao voltarem da praça pública,
    não comem sem antes se terem lavado.
    E seguem muitos outros costumes
    a que se prenderam por tradição,
    como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre –.
    Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus:
    «Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos,
    e comem sem lavar as mãos?»
    Jesus respondeu-lhes:
    «Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas,
    como está escrito:
    'Este povo honra-Me com os lábios,
    mas o seu coração está longe de Mim.
    É vão o culto que Me prestam,
    e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos'.
    Vós deixais de lado o mandamento de Deus,
    para vos prenderdes à tradição dos homens».
    Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão
    e começou a dizer-lhe:
    «Ouvi-Me e procurai compreender.
    Não há nada fora do homem
    que ao entrar nele o possa tornar impuro.
    O que sai do homem é que o torna impuro;
    porque do interior dos homens é que saem os maus pensamentos:
    imoralidades, roubos, assassínios,
    adultérios, cobiças, injustiças,
    fraudes, devassidão, inveja,
    difamação, orgulho, insensatez.
    Todos estes vícios saem lá de dentro
    e tornam o homem impuro».

    AMBIENTE

    Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30), o autor apresenta Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Deslocando-se por toda a Galileia, Jesus anuncia a Boa Nova do Reino de Deus com as suas palavras e os seus gestos, propondo um mundo novo de vida, de liberdade, de fraternidade para todos os homens. A sua proposta provoca as reacções e as respostas mais diversas nos líderes judaicos, no povo e nos próprios discípulos.
    A cena que nos é hoje proposta no Evangelho mostra-nos, precisamente, a reacção dos fariseus e dos doutores da Lei à acção de Jesus. Pouco antes, Jesus tinha realizado a multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Mc 6,34-44), propondo, com o seu gesto, um mundo novo de fraternidade, de serviço e de partilha (o "Reino de Deus"); e os líderes judaicos, sem coragem para enfrentar-se directamente com Jesus e para pôr em causa a sua proposta, escolhem os discípulos como alvo das suas críticas... Naturalmente, esses fariseus, fanáticos da Lei, vão questionar os discípulos de Jesus acerca da forma deficiente como eles cumprem a "tradição dos antigos".
    Para os fariseus, a "tradição dos antigos" não se cingia às normas escritas contidas na Lei (Torah), mas abrangia um imenso conjunto de leis orais onde apareciam as decisões e as sentenças dos rabis acerca dos mais diversos temas. Na época de Jesus, essa "tradição dos antigos" constava de 613 leis (tantas quantas as letras do Decálogo dado a Moisés no Monte Sinai), das quais 248 eram preceitos de formulação positiva e 365 eram preceitos de formulação negativa. Essas leis - que o Povo tinha dificuldade em conhecer na sua totalidade e que tinha, ainda mais, dificuldade em praticar - eram, para os fariseus, o caminho para tornar Israel um Povo santo e para apressar a vinda libertadora do Messias. Vai ser, precisamente, à volta desta temática que se vai centrar a polémica entre Jesus e os fariseus que o Evangelho de hoje nos relata.
    Quando Marcos escreveu o seu Evangelho (durante a década de 60), a questão do cumprimento da Lei judaica ainda era uma questão "quente". Para os cristãos vindos do judaísmo, a fé em Jesus devia ser complementada com o cumprimento rigoroso das leis judaicas... No entanto, a imposição dos costumes judaicos levaria, certamente, ao afastamento dos cristãos vindos do paganismo. A questão que era preciso equacionar era a seguinte: o cumprimento da Lei de Moisés era importante, para a comunidade cristã? Para que o Reino que Jesus propôs se concretizasse, era necessário o cumprimento integral da Lei judaica? O Concílio de Jerusalém (por volta do ano 49) já havia dado uma primeira resposta à questão: para os cristãos, o fundamental é a pessoa de Jesus e o seu Evangelho; não é lícito impor aos cristãos vindos do paganismo o fardo da Lei de Moisés. No entanto, o problema continuou a colocar-se durante algumas décadas mais, nomeadamente a propósito dos tabus alimentares hebraicos e que os cristãos vindos do judaísmo pretendiam impor a toda a Igreja (cf. Rom 14,1-15,6).
    É, provavelmente, a esta temática que o evangelista Marcos quer responder.

    MENSAGEM

    Os povos antigos, em geral, e os judeus, em particular, sentiam um grande desconforto quando tinham de lidar com certas realidades desconhecidas e misteriosas (quase sempre ligadas à vida e à morte) que não podiam controlar nem dominar. Criaram, então, um conjunto abundante de regras que interditavam o contacto com essas realidades (por exemplo, os cadáveres, o sangue, a lepra, etc.) ou que, pelo menos, regulamentavam a forma de lidar com elas, de forma a torná-las inofensivas. No contexto judaico, quem infringia - mesmo involuntariamente - essas regras colocava-se a si próprio numa situação de marginalidade e de indignidade que o impedia de se aproximar do mundo divino (o culto, o Templo) e de integrar a comunidade do Povo santo de Deus. Dizia-se então que a pessoa ficava "impura". Para readquirir o estado de "pureza" e poder reintegrar a comunidade do Povo santo, o crente necessitava de realizar um rito de "purificação", cuidadosamente estipulado na "Lei".
    Na época de Jesus, as regras da "pureza" tinham sido absurdamente ampliadas pelos doutores da Lei. Na opinião dos rabis de Israel, existia uma lista imensa de coisas que tornavam o homem "impuro" e que o afastavam da comunidade do Povo santo de Deus. Daí a obsessão com os rituais de "purificação", que deviam ser cumpridos a cada passo da vida diária.
    Um desses ritos consistia na lavagem das mãos antes das refeições. Na sua origem está, provavelmente, a universalização do preceito que mandava os sacerdotes lavarem os pés e as mãos, antes de se aproximarem do altar para o exercício do culto (cf. Ex 30,17-21). Na perspectiva dos doutores da Lei, a purificação das mãos antes das refeições não era uma questão de higiene, mas uma questão religiosa... Em cada momento o crente corria o risco, mesmo sem o saber, de tropeçar com uma realidade impura e de lhe tocar; para evitar que a "impureza" (que lhe ficara agarrada às mãos) se introduzisse, juntamente com os alimentos, no corpo exigia-se a lavagem das mãos antes das refeições.
    Na Galileia, terra em permanente contacto com o mundo pagão e onde as normas de "pureza" não eram tão rígidas como em Jerusalém, não se dava demasiada importância ao ritual de lavar as mãos antes das refeições para evitar a ingestão da "impureza". Os fariseus vindos de Jerusalém, testemunhando como os discípulos comiam sem realizar o gesto ritual de purificação das mãos, ficaram escandalizados e referiram o caso a Jesus. Provavelmente, a história serviu aos fariseus para sondar Jesus e para averiguar a sua ortodoxia e o seu respeito pela tradição dos antigos.
    Para Jesus, a obsessão dos fariseus com os ritos externos de purificação é sintoma de uma grave deficiência quanto à forma de ver e de viver a religião; por isso, Jesus responde ao reparo dos fariseus com alguma dureza... Partindo da Escritura (vers. 6-8) e da análise da praxis dos judeus (vers. 9-13), Jesus denuncia essa vivência religiosa que aposta apenas na repetição de práticas externas e formalistas, mas que não se preocupa com a vontade de Deus ("este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim" - vers. 6) ou com o amor aos irmãos. Trata-se de uma religião vazia e estéril ("é vão o culto que Me prestam" - vers. 7), que não vem de Deus mas foi inventada pelos homens ("as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos" - vers. 7). Àqueles que apostam na religião dos ritos estéreis, Jesus chama "hipócritas" (vers. 6): interessa-lhes mais o "parecer" do que o "ser", a materialidade do que a essência das coisas... Eles cumprem as regras, mas não amam; vestem com fingimento a máscara da religião, mas não se preocupam minimamente com a vontade de Deus. Esta religião é uma mentira, uma hipocrisia, ainda que se revista de ares muito santos e muito piedosos.
    Depois, Jesus dirige-Se à multidão e formula o princípio decisivo da autêntica moralidade: "não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro; o que sai do homem é que o torna impuro" (vers. 15). Este princípio geral, à primeira vista enigmático e passível de várias interpretações, será explicado mais à frente: "do interior do homem é que saem os maus pensamentos: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem lá de dentro e tornam o homem impuro" (vers. 22-23). O dito de Jesus refere-se, naturalmente, a dois "circuitos" diversos: o do estômago (onde entram os alimentos que se ingerem) e o do coração (de onde saem os pensamentos, os sentimentos e as acções). Os alimentos que entram no estômago não são fonte de "impureza"; os pensamentos e as acções más que saem do coração do homem é que são fonte de "impureza": afastam o homem de Deus e da comunidade do Povo santo.
    Na antropologia judaica, o "coração" é o "interior do homem" em sentido amplo; é aí que está a sede dos sentimentos, dos desejos, dos pensamentos, dos projectos e das decisões do homem. É nesse "centro vital" de onde tudo parte que é preciso actuar. A verdadeira religião não passa, portanto, pelo cumprimento de regras externas, que regulam o que o homem come ou não come; mas passa por uma autêntica conversão do coração, que leve o homem a deixar a vida velha e a transformar-se num Homem Novo, que assume e que vive os valores do Reino. A preocupação com as regras externas de "pureza" é uma preocupação estéril, que não toca com o essencial - o coração do homem; pode até servir para distrair o crente do essencial, dando-lhe uma falsa segurança e uma falsa sensação de estar em regra com Deus. A verdadeira preocupação do crente deve ser moldar o seu coração, a fim de que os seus sentimentos, os seus desejos, os seus pensamentos, os seus projectos, as suas decisões se concretizem, no dia a dia, na escuta atenta dos desafios de Deus e no amor aos irmãos.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ O que é que é decisivo na experiência religiosa? Será o estrito cumprimento das leis definidas pela Igreja? Serão as manifestações exteriores de religiosidade que definem quem é bom ou mau, santo ou pecador, amigo ou inimigo de Deus?

    ¨ As "leis" têm o seu lugar numa experiência religiosa, enquanto sinais indicadores de um caminho a percorrer. No entanto, é preciso que o crente tenha o discernimento suficiente para dar à "lei" um valor justo, vendo-a apenas como um meio para chegar mais além no compromisso com Deus e com os irmãos. A finalidade da nossa experiência religiosa não é cumprir leis, mas aprofundar a nossa comunhão com Deus e com os outros homens sendo, eventualmente, ajudados nesse processo por "leis" que nos indicam o caminho a seguir.

    ¨ Se fizermos das leis algo de absoluto, elas podem tornar-se para nós um fim e não um caminho. Nesse caso, as "leis" serão, em última análise, uma forma de acalmar a nossa consciência, de nos julgarmos em regra com Deus, de sentirmos que Deus nos deve algo porque nós cumprimos todas as regras estabelecidas. Tornamo-nos orgulhosos e auto-suficientes, pois sentimos que somos nós que, com o nosso esforço para estar em regra, conquistamos a nossa salvação. Deixamos de precisar de Deus, ou só precisamos d'Ele para apreciar o nosso esforço e para nos dar aquilo que julgamos ser uma "justa recompensa". O culto que prestamos a Deus pode tornar-se, nesse caso, um processo interesseiro de compra e venda de favores e não uma manifestação do amor que nos enche o coração. A nossa religião será, nesse caso, uma mentira, uma negociata, que Deus não aprecia nem pode caucionar.

    ¨ De acordo com os ensinamentos de Jesus, não é muito religioso ou muito cristão quem aceita todas as "leis" propostas pela Igreja, ou quem cumpre escrupulosamente todos os ritos; mas é cristão verdadeiro aquele que, no seu coração, aderiu a Jesus e procura segui-l'O no caminho do amor e da entrega, que aceita integrar a comunidade dos discípulos, que acolhe com gratidão os dons de Deus, que celebra a fé em comunidade, que aceita fazer com os irmãos uma experiência de amor partilhado.

    ¨ É isso que Jesus quer dizer quando convida os seus discípulos a não se preocuparem com as leis e os ritos externos, mas a preocuparem-se com o que lhes sai do coração. É no interior do homem que se definem os sentimentos, os desejos, os pensamentos, as opções, os valores, as acções do homem. É daí que nascem os nossos gestos injustos, as discórdias e violências que destroem a relação, as tentativas de humilhar os irmãos, os rancores que nos impedem de perdoar e de aceitar os outros, as opções que nos fazem escolher caminhos errados e que nos escravizam a nós e àqueles que caminham ao nosso lado... A verdadeira religião passa por um processo de contínua conversão, no sentido de nos parecermos cada vez mais com Jesus e de acolhermos a proposta de Homem Novo que Ele nos veio fazer.

    ¨ É preciso mantermo-nos livres e críticos em relação às "leis" que nos são propostas, sejam elas leis civis ou religiosas... Elas servem-nos e devem ser consideradas se nos ajudarem a ser mais humanos, mais fraternos, mais justos, mais comprometidos, mais coerentes, mais "família de Deus"; elas deixam de servir se geram escravidão, dependência, injustiça, opressão, marginalização, divisão, morte. O processo de discernimento das "leis" boas e más não pode, contudo, ser um processo solitário; mas deve ser um processo que fazemos, com o Espírito Santo, na partilha comunitária, no confronto fraterno com os irmãos, numa procura coerente e interessada do melhor caminho para chegarmos à vida plena e verdadeira.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 22º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 22º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Só Deus pode ver o coração, enquanto os homens, esses, vêem as aparências. É, pois, com toda a confiança filial que podemos deixar Deus olhar-nos. Mas isso é exigente para nós, porque todas as nossas palavras e todos os nossos gestos devem estar em harmonia com o que o nosso coração quer exprimir. As nossas palavras e orações devem ser a expressão do nosso amor filial e fraternal. A lei de Deus está inscrita no nosso coração, conhecemos a sua vontade, sabemos muito bem o que Lhe agrada: cabe a nós pormo-nos de acordo sobre os nossos comportamentos e sobre esta vontade de Deus. Aliás, falta-nos pedir-Lhe: "Que a tua vontade seja feita!" Então, talvez Deus dir-nos-á: "Honras-Me com os lábios, fazes a minha vontade, mas o teu coração está longe de Mim".

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Os escribas e fariseus tinham enchido a Lei de Moisés com tantas interpretações que se acabou por sacralizá-la e torná-la intocável, sob o nome de "tradições dos antigos". A lei tinha-se tornado, em todos os detalhes da vida quotidiana, um fardo insuportável denunciado pelo próprio Jesus. Assim, era contrário à tradição dos antigos comer sem ter lavado as mãos. Regra de higiene elementar, sem dúvida, mas que se tinha intitulado de "purificação". Não se submeter a essa regra era tornar-se impuro aos olhos de Deus! O que faziam precisamente alguns discípulos de Jesus. Jesus aproveita para dar uma lição de moral... A palavra de Jesus tem todo o seu valor e vigor. Quantas interpretações dadas em Igreja, ao longo dos séculos, que acabámos por identificar com a Palavra de Deus! Multiplicaram-se leis, obrigações e proibições, dizendo: "É a tradição!" Nem pensar em mudar uma vírgula das regras litúrgicas ou morais! É, sem dúvida, uma atitude tranquilizadora, mas esconde muitas vezes medos e inseguranças. É a mesma reacção que a dos escribas e dos fariseus! Ora, não é protegendo a nossa fé com uma carapaça de leis que a tornamos mais sólida, mas por uma escuta sem cessar nova daquilo que "o Espírito diz às Igrejas". Mas é verdade que o Espírito Santo sempre teve tendência para mexer com os homens e provocá-los, para fazê-los avançar para o grande largo! O Espírito de Jesus quer construir-nos como seres vivos, com uma coluna vertebral interior e não com uma carapaça exterior, para que possamos manter-nos de pé, como ressuscitados!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Ter um objectivo... Não fiquemos pelas boas intenções... Não tenhamos demasiadas ambições... Cristo não nos pede grandes façanhas, Ele prefere a sinceridade do coração e a vontade de servir o nosso próximo. Vale mais ter um objectivo razoável (visitar determinada pessoa que está só, ajudar outra nas suas preocupações materiais) e tudo fazer para o atingir.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

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