Week of Fev 13th

  • VI Semana – Quarta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Quarta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    16 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 1, 19-27

    Caríssimos irmãos: 19cada um seja pronto para ouvir, lento para falar e lento para se irar, 20pois uma pessoa irada não faz o que é justo aos olhos de Deus. 21Rejeitai, pois, toda a imundície e todo o vestígio de malícia e recebei com mansidão a Palavra em vós semeada, a qual pode salvar as vossas almas. 22Mas tendes de a pôr em prática e não apenas ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos. 23Porque, quem se contenta com ouvir a palavra, sem a pôr em prática, assemelha-se a alguém que contempla a sua fisionomia num espelho; 24mal acaba de se contemplar, sai dali e esquece-se de como era. 25Aquele, porém, que medita com atenção a lei perfeita, a lei da liberdade, e nela persevera – não como quem a ouve e logo se esquece, mas como quem a cumpre – esse encontrará a felicidade ao pô-la em prática. 26Se alguém se considera uma pessoa piedosa, mas não refreia a sua língua, enganando assim o seu coração, a sua religião é vazia. 27A religião pura e sem mácula diante daquele que é Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo.

    Para receber eficazmente a Palavra de Deus, ou outro qualquer dom, é precisa disposição recta, com capacidade de escuta, autocontrolo da língua e dos impulsos do coração, que levam ao exibicionismo, ao aborrecimento ou à indignação. É preciso cultivar a moderação. A ira do homem não realiza a justiça de Deus, isto é, o que Lhe agrada, o que Ele aprova. O que salva é o acolhimento dócil da Palavra, isto é, do Evangelho semeado no coração dos crentes pela pregação. Essa palavra, para ser eficaz, deve ser permanentemente actualizada e aplicada às situações e relações concretas da vida. A fé deve levar à acção e caracterizá-la. Se assim não for, torna-se inútil. De nada serve mirar-se ao espelho, se não se limparem as manchas observadas no rosto por meio dele. Do mesmo modo, a Palavra torna-se inútil se não se traduzir em acção.
    A observância da lei cristã é caminho de felicidade, porque é a lei perfeita que gera a liberdade, e não jugula o homem. Mais ainda: a observância da lei manifesta-se na beneficência e na benevolência para com os necessitados e no esforço para levar uma vida pura neste mundo contaminado e secularizado.

    Evangelho: Marcos 8, 22-26

    Naquele tempo, 22Jesus e os seus discípulos chegaram a Betsaida e trouxeram-lhe um cego, pedindo-lhe que o tocasse. 23Jesus tomou-o pela mão e conduziu-o para fora da aldeia. Deitou-lhe saliva nos olhos, impôs-lhe as mãos e perguntou: «Vês alguma coisa?» 24Ele ergueu os olhos e respondeu: «Vejo os homens; vejo-os como árvores a andar.» 25Em seguida, Jesus impôs-lhe outra vez as mãos sobre os olhos e ele viu perfeitamente; ficou restabelecido e distinguia tudo com nitidez. 26Jesus mandou-o para casa, dizendo: «Nem sequer entres na aldeia.»

    A cura do cego de Betsaida, propositadamente colocada por Marcos num contexto onde se fala da cegueira dos fariseus e dos discípulos, encerra a «secção dos pães».
    Jesus, mais uma vez, usa a linguagem táctil, não à maneira dos magos, mas para que a pessoa, que recebe o prodígio, esteja consciente do que se passa. O milagre realiza-se em dois tempos: primeiro o cego vê confusamente: «Vejo os homens; vejo-os como árvores a andar» (v. 24); depois, quando a cura está completa, vê claramente: «ficou restabelecido e distinguia tudo com nitidez» (v. 25).
    Jesus não quer atitudes triunfalistas. Por isso, ao despedir o cego curado, recomenda-lhe que não entre na aldeia (v. 26). O verdadeiro crente crê nos milagres, e não por causa dos milagres. Os milagres vêm depois da fé, de tal modo que, se não há fé, ou se ela é fraca, nem sequer acontecem milagres. Além disso, os milagres nunca são enquadrados numa cristologia ou eclesiologia triunfalista. São testemunhos da vinda do Messias que hão-de ser contados de modo discreto por aqueles que os receberam. De qualquer modo, Marcos insiste na «reserva messiânica».
    Os crentes não têm que medir forças com os não-crentes. Por um lado, podem perfeitamente admitir que muitos «prodígios» foram efeitos de simples forças naturais desconhecidas pela razão humana; por outro lado, estão conscientes de que a sua fé não vem dos milagres, mas que os milagres a pressupõem. Mas também têm todo o direito a pressupor que certos acontecimentos são verdadeiros «prodígios», pois crêem na força «sobrenatural» de Deus, embora não a possam demonstrar racionalmente.

    Meditatio

    Tiago dá-nos um conselho muito simples e claro, mas muito prático e útil: «cada um seja pronto para ouvir, lento para falar e lento para se irar». Esta serenidade nas relações com os irmãos, à primeira vista, só parece ter a ver com as boas maneiras naturalmente apreciadas por todos. Mas, quando é uma atitude interior de respeito e aceitação do outro, só pode brotar de um coração pacificado, dum coração que acolheu a Palavra nele semeada. Todavia é fácil iludir-nos, pensando que somos acolhedores e ouvintes fiéis da Palavra. A prova real de que a ouvimos e acolhemos é pô-la em prática. A Palavra acolhida é Palavra que incarna.
    A Palavra de Deus, «que pode salvar as nossas almas» foi semeada em nós, é verdade. Mas continuamos a precisar da graça para ver claramente a «glória do Filho de Deus», para termos uma «religião pura e sem mácula diante daquele que é Deus» (v. 17).
    O milagre de hoje, de certo modo, surpreende-nos. Estamos habituados a ver Jesus curar os doentes com uma só palavra, e não por fases. Hoje, Marcos faz-nos ver Jesus que põe saliva nos olhos do cego, lhe impõe as mãos e lhe pergunta: «Vês alguma coisa?» (v. 23). O homem começa a ver e diz o que vê: «Vejo os homens; vejo-os como árvores a andar» (v. 24). Jesus repete o gesto da imposição das mãos sobre os olhos e «ele viu perfeitamente; ficou restabelecido e distinguia tudo com nitidez» (v. 24).
    Marcos não colocou ao acaso as curas de cegos no seu evangelho. Colocou-os em momentos especiais. O milagre que hoje escutamos vem imediatamente antes do episódio de Cesareia de Filipe, onde Jesus pede aos discípulos que declarem quem ele é. A outra cura de um cego encontra-se no termo do caminho para Jerusalém, antes do grande mistério da Paixão. Jesus quer levar os discípulos a compreender que, para terem a luz, precisam duma intervenção dele. Só quem é tocado por Jesus pode compreender quem ele é. Só uma graça especial de Jesus permite entrar no mist&e
    acute;rio da sua Paixão. Resumindo: os discípulos precisavam de contactar com a humanidade de Jesus. Ele quis servir-se do seu corpo humano para realizar a obra de Deus. Por isso, usa a saliva, impõe as mãos… O cego é curado em fases sucessivas. É também através do contacto sucessivo com Jesus que os discípulos avançam, pouco a pouco, na luz. Para sermos iluminados, precisamos do contacto com Jesus e aceitar que a iluminação aconteça por etapas.
    Como tudo isto é importante para nossa caminhada de fé! Vivemos na era do «digital» e queremos tudo depressa e de uma só vez. Mas não é essa a pedagogia de Deus, como verificamos nas autobiografias dos santos. A serenidade que provém de um coração pacificado, a iluminação interior, exigem repetidos e prolongados contactos com o Senhor. E paciência para aceitar o seu ritmo!
    Se a pusermos em prática a Palavra, com a ajuda do Espírito Santo, experimentaremos uma profunda serenidade interior, seremos criaturas de paz, de alegria, de bondade e de mansidão. E, na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco, mostraremos que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela queremos ser fiéis servidores (cf. Cst 65).

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me a graça de escutar a Palavra e de a pôr em prática, fixando o olhar na lei perfeita, na lei da liberdade, permanecendo-lhe fiel e deixando que ela mude em mim o que encontrar disforme. Sei que a luz é um dom teu, e que também é dom teu colaborar com a graça que nos impele a mudar. Que eu descubra, ao espelho da tua Palavra, as minhas más inclinações naturais, os meus desejos e impulsos, mas também os saiba corrigir e rectificar para me abrir aos teus. Numa palavra: que eu saiba servir-me do espelho, que é a tua Palavra, com humildade, com sinceridade, com grande confiança, porque ela é a lei da liberdade, que nos dás por amor, a fim de podermos crescer. Amen.

    Contemplatio

    Devemos receber cada inspiração como uma palavra de Deus, que procede da sua sabedoria, da sua misericórdia, da sua bondade infinita, e que pode operar em nós maravilhosos efeitos, se não lhe pusermos nenhum obstáculo.
    Consideremos o que uma palavra de Deus pôde fazer; ela criou o céu e a terra, tirou todas as coisas do nada tornando-as participantes no ser de Deus, porque não encontrou resistência no nada. Ela operaria em nós algo de mais se não lhe resistíssemos. Tirar-nos-ia do nada moral para a participação sobrenatural da santidade de Deus no estado da graça, e a participação da felicidade de Deus no estado da glória; e por bagatelas, por algumas satisfações do amor-próprio ou dos sentidos, impedimos estes grandes efeitos da palavra de Deus, das suas inspirações e das impressões do seu Espírito. Depois disso, não havemos de confessar que a sabedoria teve razão ao dizer que o número dos loucos é infinito?
    As inspirações de Deus permanecem na superfície da nossa alma, por causa da oposição que encontram em nós; mas penetram docemente nas almas que são possuídas por Deus e enchem-nas desta admirável paz que acompanha sempre o Espírito de Deus (Leão Dehon, OSP3, p. 546).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Recebei com mansidão a Palavra em vós semeada» (Tg 1, 21).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VI Semana – Quinta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Quinta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    17 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 2, 1-9

    1Meus irmãos, não tenteis conciliar a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo glorioso com a acepção de pessoas. 2Suponhamos que entra na vossa assembleia um homem com anéis de ouro e bem trajado, e entra também um pobre muito mal vestido, 3e, dirigindo-vos ao que está magnificamente vestido, lhe dizeis: «Senta-te tu aqui, num bom lugar», e dizeis ao pobre: «Tu, fica aí de pé»; ou «Senta-te no chão, abaixo do meu estrado.» 4Não é verdade que, então, fazeis distinções entre vós mesmos e julgais com critérios perversos? 5Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? 6Mas vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? 7Não são eles os que blasfemam o belo nome que sobre vós foi invocado? 8Se cumpris a lei do Reino, de acordo com a Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo, procedeis bem; 9mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis um pecado e a lei condena-vos como transgressores.

    A autenticidade da fé manifesta-se nas obras. Tiago inculca esta verdade com um exemplo muito concreto tirado da vida das comunidades cristãs. Fazer acepção de pessoas é um pecado, porque vai contra a fé abraçada pelos cristãos. Há que lembrar-se de Cristo que se esvaziou e rebaixou a si mesmo (Fl 2, 6ss.). Os discípulos de Cristo não têm qualquer razão para estabelecer distinções entre as pessoas. Se o fizerem estão a agir contra Cristo, tornando-se semelhantes ao juiz sem consciência que se deixa levar por parcialidades e favoritismos ao pronunciar sentenças injustas. Se Deus escolheu os pobres segundo o mundo, a Igreja e os membros que a integram não podem conceder especiais atenções e privilégios aos ricos como faz a sociedade secular. É verdade que o mandamento do amor é universal. Mas uma coisa é amar e outra é prestar honras a alguém por ser rico ou por ocupar determinada posição social. Essas pessoas, por vezes, tornam-se opressoras. Por isso, nada de servilismos. Além do mais, são contra a lei da liberdade que deve regular o comportamento humano.

    Evangelho: Marcos 8, 27-33

    Naquele tempo, 27Jesus partiu com os discípulos para as aldeias de Cesareia de Filipe. No caminho, fez aos discípulos esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?» 28Disseram-lhe: «João Baptista; outros, Elias; e outros, que és um dos profetas.» 29«E vós, quem dizeis que Eu sou?» – perguntou-lhes. Pedro tomou a palavra, e disse: «Tu és o Messias.» 30Ordenou-lhes, então, que não dissessem isto a ninguém.
    31Começou, depois, a ensinar-lhes que o Filho do Homem tinha de sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser morto e ressuscitar depois de três dias. 32E dizia claramente estas coisas. Pedro, desviando-se com Ele um pouco, começou a repreendê-lo. 33Mas Jesus, voltando-se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo-lhe: «Vai-te da minha frente, Satanás, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens.»

    O texto que escutamos é central na teologia do segundo evangelho. Aqui se opõe claramente uma cristologia do filho do homem a uma cristologia e a uma eclesiologia triunfalista, inspirada no conceito político-imperialista do Messias. O povo interrogava-se: «Quem é este?». Agora é o próprio Jesus que pergunta aos discípulos o que é que se diz sobre Ele. Em síntese, os discípulos informam que o povo O vê, não só como um profeta, mas como maior dos profetas, o precursor dos tempos messiânicos. Mas Jesus quer ir mais longe, e interpela directamente os discípulos: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» (v. 29). Pedro responde em nome da comunidade: «Tu és o Messias» (v. 29). Mas Jesus impõe-lhes novamente o chamado «segredo messiânico» e começa a falar-lhes do mistério da cruz, que está no centro da sua messianidade: Ele é o Servo sofredor que veio carregar sobre si os nossos pecados para nos fazer passar da morte à vida. E quem quiser ser seu discípulo tem de seguir o mesmo caminho da cruz. Pedro parece perceber tudo muito bem, e é o primeiro a reagir ao escândalo da cruz. Mas Jesus chama-o à ordem: «Vai-te da minha frente» (v. 33), isto é, põe-te atrás de Mim se segue-Me.
    Pôr-se atrás de Jesus, e segui-Lo como discípulos, é a posição correcta que havemos de tomar para sermos salvos.

    Meditatio

    Na primeira leitura, Tiago sempre muito realista e concreto, evidencia a incoerência de quem julga os outros segundo os critérios do mundo e não segundo os pensamentos de Deus, que «escolheu os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam» (v. 5). Quantas vezes, também nós, nos deixamos levar por essas reacções espontâneas!
    O episódio da confissão de Pedro, que hoje escutamos, está no centro do evangelho de Marcos. Até agora, Jesus foi guiando progressivamente os discípulos para se aproximarem do seu mistério. Agora interroga-os sobre a sua identidade: «Quem dizem os homens que Eu sou» (v. 27). Pedro responde em nome do grupo: «Tu és o Messias» (v. 29). O mesmo é dizer: «Tu és Nosso Senhor Jesus Cristo, o «Senhor da glória», como sugere a carta de Tiago. Mateus informa-nos que Jesus declarou Pedro bem-aventurado por causa desta confissão: «feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu» (Mt 16, 17).
    Mas não basta dizer: «Senhor, Senhor». Reconhecê-lo como Senhor da nossa vida, quer dizer também acreditar que está vivo e presente nos irmãos. O Filho de Deus, o Dominador do universo por quem tudo foi criado, quis assumir por nosso amor o rosto do Servo sofredor, do Homem das dores, «sem figura nem beleza» (Is 53, 2). E assim nos revelou a nossa incomparável grandeza.
    Também a nós, como a Pedro, pode ser dado intuir, em alguns momentos de graça, o mistério do Deus vivo no seu esplendor. Mas a prova da nossa fé só se realiza quando não nos deixamos vencer – como Pedro – pelo escândalo da cruz. Reconhecer o Senhor Jesus, implica saber que o seu caminho passa inevitavelmente pelo Calvário, e que também nós temos de passar por lá, abraçando a nossa cruz. Ele vai à nossa frente, marcando o caminho com as suas pegadas vermelhas de sangue, até consumar a sua oblação na imolação. Não caminha como alguém que enfrenta de má vontade um destino inevitável, uma fatalidade. Caminha como um homem livre, que vive plenamente o Seu ser de Filho, que faz da vontade e, portanto, do amor do Pai o seu alimento (cf. Jo 4, 34), que livre
    mente realiza, não só a Sua missão de Messias, mas também a de Servo de Javé: «Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize» (Lc 12, 50). Jesus refere-se ao Seu baptismo de sangue (cf. Mc 10, 38). Lucas apresenta-nos Jesus que avança «à frente dos outros subindo para Jerusalém» (19, 28), com a mesma decisão com que tinha começado a sua última viagem: «Como estavam a chegar os dias de ser levado deste mundo, Jesus dirigiu-Se resolutamente para Jerusalém» (Lc 9, 51) e tudo isto com a máxima liberdade: «Por isto, o Pai ama-Me, porque dou a Minha vida, para tornar a tomá-la. Ninguém Ma tira; sou Eu que a dou por Mim mesmo» (Jo 10, 17-18).

    Oratio

    Senhor Jesus, livra-me da incoerência de Pedro, para que aceite serenamente os momentos de graça em que nos revelas o teu mistério de modo esplendoroso, mas também aqueles em que nos manifestas os aspectos de sofrimento e de morte desse mesmo mistério. Ninguém, nem o próprio Pai, me dá uma luz melhor que a tua. Como o cego de Betsaida foi curado, pouco a pouco, também Pedro precisou de aceitar por etapas todo o teu mistério. Dá-me a luz do teu Espírito para que, também eu, pouco a pouco, consiga ultrapassar os limites das minhas perspectivas humanas. Amen.

    Contemplatio

    «E vós, diz então Nosso Senhor, vós que sois meus discípulos, que viveis comigo, que sois as testemunhas diárias dos meus milagres e do cumprimento das profecias, estais ainda cegos como este povo? Estais suficientemente esclarecidos para que vos faça os pregadores do meu Evangelho? Numa palavra, «quem dizeis que Eu sou?».
    Simão Pedro, antecipando-se a todos os outros pelo ardor da sua fé, apressou-se a responder: «Senhor, vós sois o Cristo, vós sois o Filho de Deus; sois o Messias libertador prometido pelos profetas, sois mais do que o Filho do homem, sois o Filho do Deus vivo, o Filho único do Pai eterno».
    Nosso Senhor apressa-se a louvar esta confissão de fé tão cordial: «És feliz, diz, Simão filho de João, porque não foi nem a carne nem o sangue que te revelaram estes profundos mistérios», tu os compreendeste graças a uma luz superior; foi o meu Pai que está nos céus quem te revelou o que a razão humana, entregue às suas próprias forças, nunca teria compreendido.
    Pedro falou aqui por todos os apóstolos e em nome de todos, e assim será em todos os séculos. Terá merecido esta graça pela simplicidade da sua fé, pela docilidade da sua alma. Que lição para nós, que temos uma fé tão fraca e tão adormecida! (Leão Dehon, OSP4, p. 291s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Tu és o Messias» (Mc 8, 29).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VI Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    18 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 2, 14-24.26

    14Meus irmãos, de que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? 15Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, 16e um de vós lhes disser: «Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome», mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? 17Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. 18Mais ainda: poderá alguém alegar sensatamente: «Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé. 19Tu crês que há um só Deus? Fazes bem. Também o crêem os demónios, mas enchem-se de terror.» 20Queres tu saber, ó homem insensato, como é que a fé sem obras é estéril? 21Não foi porventura pelas obras que Abraão, nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaac? 22Repara que a fé cooperava com as suas obras e que, pelas obras, a sua fé se tornou perfeita. 23E assim se cumpriu a Escritura que diz: Abraão acreditou em Deus e isso foi-lhe contado como justiça, e foi chamado amigo de Deus. 24Vedes, pois, como o homem fica justificado pelas obras e não somente pela fé. 26Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a fé sem obras está morta.

    Tiago continua a sua reflexão sobre a relação fé e obras. A fé sem obras é morta, afirma, parecendo responder a alguém que afirmava o contrário. De facto, no tempo de Tiago havia pessoas que, sob a influência de várias filosofias de origem grega, centravam toda a sua atenção e interesse no «conhecimento de Deus», descuidando absolutamente a moral e as boas obras. Provavelmente também havia quem interpretava mal as afirmações de Paulo sobre a justificação pela fé, sem as obras da lei (cf. Gal 3). Recorrendo à diatribe, Tiago responde a estas questões envolvendo os seus ouvintes. Não é um absurdo despedir os irmãos necessitados sem lhes dar o que precisam? Também a fé sem obras é um absurdo, é um cadáver. A fé e as obras são inseparáveis. Não é suficiente proclamar a fé com palavras. Para ser cristãos, não é suficiente acreditar. Também os demónios acreditam… por conhecimento intelectual. Uma fé unicamente intelectual é «diabólica». O verdadeiro crente, tal como Abraão, confirma nas obras aquilo que conhece. A fé sem obras é morta, é um corpo sem alma.
    Sabemos as controvérsias que este texto suscitou a partir da leitura que dele fez Lutero e que contrapunha o pensamento de Tiago ao de Paulo. Os exegetas actuais vêem nestes textos formulações complementares, que nascem de mentalidades e de posições diferentes. Paulo tinha diante de si judeo-cristãos que procuravam a salvação nas «obras da lei», contrapondo-lhes a salvação realizada por Cristo e acolhida na fé (cf. Rm 4, 2ss. E 3, 28). Tiago sublinha a necessidade de que a fé não permaneça apenas teórica, mas se manifeste de modo activo e em obras. É esta a mensagem que a Palavra hoje nos traz.

    Evangelho: Marcos 8, 34 – 9, 1

    Naquele tempo, 34Jesus, chamando a si a multidão, juntamente com os discípulos, disse-lhes: «Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. 35Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la. 36Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? 37Ou que pode o homem dar em troca da sua vida? 38Pois quem se envergonhar de mim e das minhas palavras entre esta geração adúltera e pecadora, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai, com os santos anjos.» 1Disse-lhes também: «Em verdade vos digo que alguns dos aqui presentes não experimentarão a morte sem terem visto o Reino de Deus chegar em todo o seu poder.»

    Jesus quer afastar definitivamente a tentação de uma cristologia e de uma eclesiologia «satânicas», isto é, de uma cristologia e de uma eclesiologia que não aceitassem Jesus como filho do homem, que pretendessem «salvar a vida» por outros caminhos que não o da cruz. Por isso, chama, não só os «discípulos», mas também «a multidão» (v. 34). Estando Jesus nas imediações de Cesareia de Filipe, esta multidão era formada sobretudo por pagãos. Parece, pois, que Jesus queria deixar bem claro, para todos, o futuro que os esperava como discípulos. Quem quiser seguir Jesus não pode pretender para si o lugar central, mas há-de cedê-lo a Jesus, dando-Lhe o primado em tudo, também sobre a própria vida. Há que tomar a cruz e, seguindo os passos de Jesus, sair com Ele da cidade, rumo ao suplício. Só ganha a Vida – que é Jesus – quem estiver disposto a renunciar a si mesmo. E para que serve ter tudo, se não se ganha a Vida?
    É agora, durante a nossa vida terrena, «entre esta geração adúltera e pecadora» (v. 37), que somos chamados a dar testemunho de Cristo. Se não nos envergonharmos dele, nem das suas palavras, também Ele não se envergonhará de nós e nos reconhecerá como seus.

    Meditatio

    Na primeira leitura encontramos o célebre texto em que Tiago parece contradizer a Paulo, que afirmava a justificação só pela fé: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo?» (v. 14). Mas a contradição é só aparente. Paulo fala da fé como base da vida divina em nós, da justificação que Cristo nos alcançou ao morrer por nós pecadores e que nos comunica no Baptismo. É um absurdo pensar que nos salvamos pelas nossas obras. É Deus que, pelo seu amor, nos salva, e não as nossas obras. No Evangelho, Jesus exige sempre a fé em quem se dirige a Ele: «Credes que tenho poder para fazer isso?» (Mt 9, 27); «A tua fé te salvou!» (Mc 10, 40). Mas não podemos ficar por aqui. Tiago, tal como Paulo, afirma noutro lugar que a base é a fé, uma fé que transforma a vida; Paulo, por sua vez, também fala de obras, as obras de quem é dócil ao Senhor, da fé que actua na caridade. E apresenta-se, ele mesmo, como exemplo de uma fé operante: «São ministros de Cristo? – Falo a delirar – eu ainda mais: muito mais pelos trabalhos, muito mais pelas prisões, imensamente mais pelos açoites, muitas vezes em perigo de morte… Viagens a pé sem conta… trabalhos e duras fadigas…» (2 Cor 11, 23ss.). É esta a fé, que nos põem ao serviço de Deus e dos irm&a
    tilde;os, que também nos justifica e salva.
    No evangelho, Jesus ensina que não podemos viver como discípulos tímidos e descomprometidos. A fé é viva quando se concretiza em obras. Quem não sabe amar a Deus e aos irmãos, mais do que a si mesmo, quem não é capaz de tomar a cruz e de seguir a Cristo, passando, como Ele, pelo Calvário, acabará por se dar conta de que atravessou a vida sem a saborear, de que não conseguiu salvar os seus dias neste mundo. As palavras do Senhor são muito duras, mas dizem-nos claramente quais as obras de fé a realizar durante a nossa vida: «Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me» (v. 34). Há, pois, que carregar a cruz e segui-lo, para que se realize em nós o seu mistério até à morte e à ressurreição. Só assim a fé nos salvará e nos fará salvadores com Ele.
    A fé operante une-nos a Cristo missionário, a Cristo benfeitor da Humanidade, a Cristo sacerdote e vítima, para completarmos o que falta aos seus sofrimentos pelo Seu Corpo que é a Igreja (cf. Col 1, 24).

    Oratio

    Senhor, ensina-nos o que tem valor para a eternidade. Dá-nos uma fé viva, uma fé sincera, que se traduza em generosidade, em serviço incansável e humilde em prol da tua glória, e em favor dos irmãos. Dá-nos uma fé corajosa diante dos sofrimentos desta vida, uma fé que seja luz, uma fé que nos permita seguir a Cristo, teu Filho, carregando a nossa cruz de cada dia. Faz que, desde já, pela graça do teu Espírito, saboreemos a alegria do teu reino de amor. Amen.

    Contemplatio

    A cruz tornou-se na linguagem cristã sinónimo de sacrifício, de penitência, de reparação.
    Se a cruz nos grita que Nosso Senhor nos amou, ela diz-nos também que sofreu por nós, que expiou cruelmente os nossos pecados. Amou a cruz porque ela reparava a glória de seu Pai e porque pagava as nossas dívidas. Ele carregou-se com os nossos pecados, mas quis reservar-nos a honra de o seguirmos neste caminho. Não nos aplica os frutos das suas reparações, a não ser que neles tomemos alguma parte. Quer que partilhemos as suas disposições, os seus sentimentos. É preciso que tenhamos também o desejo, a vontade de reparar a glória do seu Pai e de pagar as nossas dívidas. É preciso, portanto, que, atrás da sua grande e dolorosa cruz, levemos a nossa pequena cruz: a cruz do trabalho quotidiano, da penitência, da obediência, do desapego; a cruz da paciência nas provações da vida. «Aquele que quiser vir atrás de mim e partilhar do meu reino, deve tomar a sua cruz e seguir-me». Aqui está o resumo do Evangelho. Nosso Senhor pregou a penitência e enviou os seus apóstolos a pregá-la em toda a terra. Não há outro caminho para ir ao céu. É preciso alguma coragem e boa vontade. O reino dos céus exige alguma força de alma e algum vigor da parte daqueles que o querem conquistar: O Reino dos céus sofre violência. (Leão Dehon, OSP3, p. 512s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se alguém quiser vir após mim, tome a sua cruz e siga-me» (Mc 8, 34).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VI Semana – Sábado – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Sábado – Tempo Comum – Anos Pares


    19 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 3, 1-10

    Meus irmãos, 1não haja muitos entre vós que pretendam ser mestres, sabendo que nós teremos um julga-mento mais severo, 2pois todos nós falhamos com frequência. Se alguém não peca pela palavra, esse é um homem perfeito, capaz também de dominar todo o seu corpo. 3Quando pomos um freio na boca do cavalo para que nos obedeça, dirigimos todo o seu corpo. 4Vede também os barcos: por grandes que sejam e fustigados por ventos impetuosos, são dirigidos com um pequeno leme para onde quer a vontade do piloto. 5Assim também a língua é um pequeno membro, e gloria-se de grandes coisas.Vede como um pequeno fogo pode incendiar uma grande floresta! 6Assim também a língua é fogo, é um mundo de iniquidade; entre os nossos membros, é ela que contamina todo o corpo e, inflamada pelo Inferno, incendeia o curso da nossa existência. 7Todas as espécies de animais selvagens, de aves, de répteis e de animais do mar se podem domar e têm sido domadas pelo homem. 8A língua, pelo contrário, ninguém a pode dominar: é um mal incontrolável, carregado de veneno mortal. 9Com ela bendizemos quem é Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. 10De uma mesma boca procedem a bênção e a maldição. Mas isto não deve ser assim, meus irmãos.

    Tiago continua a passar em revista a causa mais profunda dos problemas eclesiais do seu tempo. Hoje detém-se a tratar do controlo da língua. É coisa bem difícil. Mas é sobretudo das qualidades daquele que pretende ser mestre que o apóstolo trata. Os mestres gozavam de grande estima, tanto na Sinagoga como na Igreja. Por isso, havia quem pretendesse sê-lo, sem ter as devidas qualidades. Tiago sublinha a grande responsabilidade daqueles que eram considerados os autênticos intérpretes da lei e da vontade divina (cf. Mt 23, 6-7; 1 Cor 12, 28-29; Ef 4, 11; Heb 13, 7). Os «doutores» devem controlar a própria língua. A fé manifesta-se nas obras, mas também nas palavras. Falar com verdade e coerência é sinal de uma fé sincera. A severidade do juízo sobre as palavras, de que nos será pedida conta, é sinal da importância da língua, cujo bom uso é sinal de perfeição, entendida como autocontrolo e como correcta relação com os outros. Os exemplos do freio e do leme, aplicados à língua, são eficazes: como eles, a língua, órgão bem pequeno, pode guiar o homem. A língua descontrolada torna-se terrivelmente destruidora. A ambiguidade da linguagem é como um fogo, uma chama infernal que, quando penetra em nós, destrói a nossa vida. É impressionante a veemência com que o apóstolo apresenta o aspecto negativo da «indomável» língua, chamada «rebelde» e «carregada de veneno mortal» (v. 7). É um verdadeiro espanto que, com a mesma língua, possamos bendizer a Deus e amaldiçoar os irmãos!

    Evangelho: Marcos 9, 2-13

    Naquele tempo, Jesus, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e levou-os, só a eles, a um monte elevado. E transfigurou-se diante deles. 3As suas vestes tornaram-se resplandecentes, de tal brancura que lavadeira alguma da terra as poderia branquear assim. 4Apareceu-lhes Elias, juntamente com Moisés, e ambos falavam com Ele. 5Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: «Mestre, bom é estarmos aqui; façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias.» 6Não sabia que dizer, pois estavam assombrados. 7Formou-se, então, uma nuvem que os cobriu com a sua sombra, e da nuvem fez-se ouvir uma voz: «Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o.» 8De repente, olhando em redor, já não viram ninguém, a não ser só Jesus, com eles. 9Ao descerem do monte, ordenou-lhes que a ninguém contassem o que tinham visto, senão depois de o Filho do Homem ter ressuscitado dos mortos. 10Eles guardaram a recomendação, discutindo uns com os outros o que seria ressuscitar de entre os mortos.
    11E fizeram-lhe esta pergunta: «Porque afirmam os doutores da Lei que primeiro há-de vir Elias?» 12Jesus respondeu-lhes: «Sim; Elias, vindo primeiro, restabelecerá todas as coisas; porém, não dizem as Escrituras que o Filho do Homem tem de padecer muito e ser desprezado? 13Pois bem, digo-vos que Elias já veio e fizeram dele tudo o que quiseram, conforme está escrito.»

    Pedro professou a sua fé, em nome da Igreja. Jesus anunciou a cruz como seu destino e daqueles que O quisessem seguir. Agora intervém o Pai para confirmar a missão do Filho. Jesus vai a caminho de Jerusalém onde irá dar a sua vida para glória do Pai e nossa salvação. A Transfiguração confirma a justeza da sua decisão e da decisão dos discípulos em segui-l´O.
    Na narração encontramos os elementos típicos das teofanias: o monte alto, a glória, a nuvem luminosa, as tendas, a voz. A presença de Moisés e de Elias confirmam que Jesus é o profeta definitivo, o Messias esperado. A voz que se ouve é dirigida, não só ao Filho, mas também a todos quantos a ouvem e é a apresentação oficial que o Pai faz aos discípulos chamados a ser testemunhas da agonia. O destino de Jesus está a realizar-se. O segredo messiânico será completamente revelado na Ressurreição.
    Mas os discípulos, testemunhas privilegiadas da intimidade filial entre Jesus e o Pai, e com os grandes amigos de Deus do Antigo Testamento, não conseguem acreditar que o Messias deva morrer e ressuscitar. Jesus tem de intervir para afirmar que Elias já veio na pessoa de João Baptista, e que já passou pelo sofrimento e pela morte, que são passagem obrigatória para quem pretende alcançar a glória.

    Meditatio

    Tiago adverte-nos, de modo quase irritante, para os perigos da língua, pequeno músculo capaz de provocar grandes danos. É como que uma arma mortífera, poderosa e sempre pronta a espalhar veneno letal. É muito fácil pecar com ela. Por isso, há que pôr-lhe freio. Há que saber falar, mas também que saber calar. Isto é particularmente importante para quem recebeu o ministério de ensinar, de guiar, de orientar os outros. Saber controlar a própria língua é sinal de perfeição: «Se alguém não peca pela palavra, esse é um homem perfeito» (v. 2).
    O evangelho também nos fala de palavra e de silêncio. Marcos comenta a proposta de Pedro – construir três tendas – afirmando que ele «não sabia que dizer» (v. 6). E, de modo categórico, Jesus renova aos seus discípulos a ordem de não falarem do que viram no alto monte, até que Ele tenha ressuscitado dos mortos. Como interpretar esta ordem? Terá sido apenas uma medida de prudência ligada às circunstâncias, ou é também uma indicação para nós? O Pai disse: «Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o» (v. 7). A escuta de Jesus fundamenta, para o
    cristão, tanto o silêncio como a palavra. Se permanecermos em constante escuta do Verbo, seremos verdadeiros mestres. As palavras que brotarem do nosso coração serão autênticas e não atraiçoarão o mistério de Jesus. No silêncio escutaremos, acolheremos e ofereceremos o Verbo, como fez Maria, a mulher do silêncio.
    Mas o próprio Jesus gostava de se entreter com o Pai, em momentos de solidão e silêncio, para O ouvir e Lhe falar. Também nós havemos de reservar momentos semelhantes para nos deixarmos renovar na intimidade com Cristo e nos unirmos ao seu amor pelos homens (cf. Cst 79).
    Lucas é o evangelista que mais se compraz em apresentar Jesus em oração sobre os montes e em lugares solitários: «Jesus… foi conduzido pelo Espírito ao deserto» (Lc 4, 1; cf. Mt 4, 1; Mc 1, 12); «Jesus retirava-se para lugares solitários a fim de rezar» (Lc 5, 16; cf. 9, 18; 11, 1; 22, 40-46); «Jesus subiu ao monte para rezar e passou toda a noite em oração» (Lc 6, 12; cf. 9, 28; Mc 6, 46; Jo 6, 15).
    Marcos também nos diz que Jesus, «depois de ter despedido a multidão, foi orar para o monte» (Mc 6, 46). É evidente a predilecção de Jesus pelo silêncio e pela solidão, a fim de escutar o Pai e Lhe falar, a fim mergulhar na contemplação. A oração é o lugar do Seu repouso e de encontro com o Pai. Podemos pensar numa oração muito simples, feita de amoroso silêncio, com uma única invocação: “Abbá, Pai”.

    Oratio

    Senhor Jesus, quero hoje pedir-te a graça da contemplação. Ver a tua beleza, o teu esplendor, prepara-me para Te escutar melhor, para me tornar mais disponível, para crescer no desejo de Te seguir. Dá-me, Senhor, a graça da contemplação, mas dá-me, sobretudo, o desejo de ser fiel à tua palavra, para me tornar cada vez mais semelhante a Ti, para me unir cada vez mais a Ti, para ter em mim os teus sentimentos de Filho e de Bom Samaritano da humanidade. Amen.

    Contemplatio

    Jesus toma os seus três preferidos, quer fortificar a sua fé, antes de os expor ao escândalo da sua agonia. Chegado ao cume do Tabor, retira-se à parte para orar. Qual foi o objecto da sua oração? Sem dúvida as suas provações próximas e a sua paixão, que foram também o objecto da sua conversa com Moisés e Elias. Ofereceu-se de novo ao seu Pai como vítima pela salvação dos homens. Repete o seu Ecce venio. E como a sua oferenda glorificava o seu Pai, o seu Pai glorificou-o por sua vez. A glória da sua transfiguração foi a recompensa da sua humilhação, da sua oblação voluntária; era assim que Ele tinha sido glorificado pelo seu Pai, quando se humilhou sob a mão de João Baptista no dia do seu baptismo.
    Foi enquanto rezava, que a mudança se manifestou no seu exterior. O seu rosto resplandecia como o sol; as suas vestes pareceram resplandecentes de luz e brancas como a neve. Era a alegria e a felicidade do seu Coração que se reflectiam para o exterior. Ele exultava de alegria porque ia começar o ano do sacrifício.
    Que lição para mim! Não teria esta alegria maravilhosa, mas teria pelo menos uma alegria profunda e a paz sobrenatural que ultrapassa todo o sentimento, se rezasse bem, se me oferecesse generosamente ao Coração de Jesus como vítima de amor e de reparação (Leão Dehon, OSP3, p. 250).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o» (Lc 9, 7).

    | Fernando Fonseca, scj |

plugins premium WordPress