24 de Dezembro, 2022

Missa da meia-noite de Natal - Ano A

Missa da meia-noite de Natal - Ano A


24 de Dezembro, 2022

ANO A
SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR
– MISSA DA MEIA-NOITE

Tema da "Missa da meia-noite" de Natal

A liturgia desta noite fala-nos de um Deus que ama os homens; por isso, não os deixa perdidos e abandonados a percorrer caminhos de sofrimento e de morte, mas envia "um menino" para lhes apresentar uma proposta de vida e de liberdade. Esse "menino será "a luz" para "o povo que andava nas trevas".
A primeira leitura anuncia a chegada de "um menino", da descendência de David, dom de Deus ao seu Povo; esse "menino" eliminará a guerra, o ódio, o sofrimento e inaugurará uma era de alegria, de felicidade e de paz sem fim.
O Evangelho apresenta a realização da promessa profética: Jesus, o "menino de Belém", é o Deus que vem ao encontro dos homens para lhes oferecer - sobretudo aos pobres e marginalizados - a salvação. A proposta que Ele traz não será uma proposta que Deus quer impor pela força; mas será uma proposta que Deus oferece ao homem com ternura e amor.
A segunda leitura lembra-nos as razões pelas quais devemos viver uma vida cristã autêntica e comprometida: porque Deus nos ama verdadeiramente; porque este mundo não é a nossa morada permanente e os valores deste mundo são passageiros; porque, comprometidos e identificados com Cristo, devemos realizar as obras d'Ele.

LEITURA I - Is 9,1-6

Leitura do Livro de Isaías

O povo que andava nas trevas viu uma grande luz;
para aqueles que habitavam nas sombras da morte
uma luz começou a brilhar.
Multiplicastes a sua alegria,
aumentastes o seu contentamento.
Rejubilam na vossa presença,
como os que se alegram no tempo da colheita,
como exultam os que repartem despojos.
Vós quebrastes, como no dia de Madiã,
o jugo que pesava sobre o povo,
o madeiro que ele tinha sobre os ombros
e o bastão do opressor.
Todo o calçado ruidoso da guerra
e toda a veste manchada de sangue
serão lançados ao fogo e tornar-se-ão pasto das chamas.
Porque um menino nasceu para nós,
um filho nos foi dado.
Tem o poder sobre os ombros
e será chamado «Conselheiro admirável, Deus forte,
Pai eterno, Príncipe da paz».
O seu poder será engrandecido numa paz sem fim,
sobre o trono de David e sobre o seu reino,
para o estabelecer e consolidar por meio do direito e da justiça,
agora e para sempre.
Assim o fará o Senhor do Universo.

AMBIENTE

No Livro do profeta Isaías aparece um conjunto de oráculos ditos "messiânicos", que falam desse mundo de justiça e de paz que Deus, num futuro sem data marcada, vai oferecer ao seu Povo. No entanto, não é seguro se esses textos provêm do profeta, ou se são oráculos posteriores que o editor final da obra de Isaías enxertou no texto original do profeta... É o caso deste texto que nos é proposto.
Se for de Isaías, o nosso texto pertence, provavelmente, à fase final da vida do profeta... Estamos na época do rei Ezequias, no final do séc. VIII a.C.; o rei, desdenhando as indicações do profeta (para quem as alianças políticas são sintoma de grave infidelidade para com Jahwéh, pois significam colocar a confiança e a esperança nos homens), envia embaixadas ao Egipto, à Fenícia e à Babilónia, procurando consolidar uma frente contra a grande potência da época - a Assíria. A resposta de Senaquerib, rei da Assíria, não tarda: tendo vencido, sucessivamente, os membros da coligação, volta-se contra Judá, devasta o país e põe cerco a Jerusalém (701 a.C.). Ezequias tem de submeter-se e fica a pagar um pesado tributo aos assírios.
Desiludido com os reis e com a política, o profeta teria, então, começado a sonhar com um tempo novo, sem guerra nem armas, onde reinam a justiça, o direito e o "temor de Deus". Este texto pode ser dessa época.
O "menino" aqui referenciado, da descendência de David, pode também estar relacionado com o "Emanuel" de Is 7,14-17. Trata-se, em qualquer caso, de um texto que vai alimentar a esperança messiânica e que vai potenciar o sonho de um futuro novo, de paz e de felicidade para o Povo de Deus.

MENSAGEM

Para descrever a situação de opressão, de frustração, de desespero, de falta de perspectivas, de desconfiança em relação ao futuro em que a comunidade nacional estava mergulhada, o profeta fala de um "povo que andava nas trevas" e que habitava "nas sombras da morte". O panorama é sombrio e parece não haver saída, pois os reis de Judá já provaram ser incapazes de conduzir o seu Povo em direcção à felicidade e à paz.
Mas, de repente, aparece uma "luz". Essa luz acende a esperança e provoca uma explosão de alegria. Para descrever essa alegria, o profeta utiliza duas imagens extremamente sugestivas: é como quando, no fim das colheitas, toda a gente dança feliz celebrando a abundância dos alimentos; é como quando, após a caçada, os caçadores dividem a presa abundante.
Mas porquê essa alegria e essa felicidade? Porque o jugo da opressão que pesava sobre o Povo foi quebrado e a paz deixou de ser uma miragem para se tornar uma realidade. No quadro que representa a vitória da paz, vemos os símbolos da guerra (o pesado calçado dos guerreiros e as roupas ensanguentadas) a serem destruídos pelo fogo. Quem é que provocou a alegria do Povo, derrotou a opressão, venceu a guerra, restaurou a paz? O autor não o diz claramente; mas ninguém duvida que tudo isso é acção do Deus libertador.
Como foi que Deus instaurou essa nova ordem? Foi através de "um menino", enviado para restaurar o trono de David e para reinar no direito e na justiça (as palavras "mishpat" e "zedaqa", utilizadas neste contexto, evocam uma sociedade onde as decisões dos tribunais fundamentam uma recta ordem social, onde os direitos dos pobres e dos oprimidos são respeitados e onde, enfim, há paz). O quádruplo nome desse "menino" evoca títulos de Deus ou qualidades divinas (o título "conselheiro maravilhoso" celebra a capacidade de conceber desígnios prodigiosos e é um atributo de Deus - cf. Is 25,1; 28,29; o título "Deus forte" é um nome do próprio Jahwéh - cf. Dt 10,17; Jr 32,18; Sl 24,8; o título "príncipe da paz" leva, também, a Jahwéh, aquele que é "a paz" - cf. Is 11,6-9; Mi 5,4; Zac 9,10; Sl 72,3.7). Quanto ao título "Pai eterno", é um título do rei - cf. 1 Sm 24,12 - e é um título dado ao faraó nas cartas de Tell el-Amarna). Fica, assim, claro que esse "menino" é um dom de Deus ao seu Povo e que, com ele, Deus residirá no meio do seu Povo, oferecendo-lhe cada dia a justiça, o direito, a paz sem fim.

ACTUALIZAÇÃO

A reflexão deste texto pode fazer-se a parti
r dos seguintes elementos:

• É Jesus, o "menino de Belém", que dá sentido pleno a esta profecia messiânica de Isaías. Ele é "aquele que veio de Deus" para vencer as trevas e as sombras da morte que ocultavam a esperança e instaurar o mundo novo da justiça, da paz e da felicidade. O nascimento de Jesus que celebramos esta noite significa que, efectivamente, este "Reino" chegou e incarnou no meio dos homens. No entanto: Ele é hoje uma realidade instituída, viva, actuante na história humana? Porquê?

• Acolher Jesus, celebrar o seu nascimento, é aceitar esse projecto de justiça e de paz que Ele veio trazer aos homens. Esforçamo-nos por tornar realidade o "Reino de Deus"? Como lidamos com a injustiça, a opressão, a guerra, a violência: com a indiferença de quem sente que não tem nada a ver com isso, ou com a inquietação de quem se sente responsável pela instauração do "Reino de Deus"?

• Em que ou em quem coloco a minha esperança e a minha segurança? Nos políticos que me prometem tudo e se servem da minha ingenuidade para fins próprios? No dinheiro que se desvaloriza e que não serve para comprar a paz do meu coração? Na situação sólida da minha empresa, que pode desfazer-se diante das próximas convulsões sociais ou durante a próxima crise energética? Isaías diz que só podemos confiar em Deus e nesse "menino" que Ele mandou ao nosso encontro, se quisermos encontrar a "luz" e a paz.

• Reparemos, ainda, no "jeito" de Deus: Ele não se serve da força e do poder para intervir na história e para mudar o mundo; mas é através de um "menino" - símbolo máximo da fragilidade e da dependência - que Deus propõe aos homens o seu projecto de salvação. Temos consciência de que é na simplicidade e na humildade que Deus age no mundo? E nós, seguimos os passos de Deus e respeitamos a sua lógica quando queremos propor algo aos nossos irmãos?

SALMO RESPONSORIAL - Salmo 95 (96)

Refrão: Hoje nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor.

Cantai ao Senhor um cântico novo,
cantai ao Senhor, terra inteira,
cantai ao Senhor, bendizei o seu nome.

Anunciai dia a dia a sua salvação,
publicai entre as nações a sua glória,
em todos os povos as suas maravilhas.

Alegrem-se os céus, exulte a terra,
ressoe o mar e tudo o que ele contém,
exultem os campos e quanto neles existe,
alegrem-se as árvores das florestas.

Diante do Senhor que vem,
que vem para julgar a terra:
julgará o mundo com justiça
e os povos com fidelidade.

LEITURA II - Tito 2,1-14

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo a Tito

Caríssimo:
Manifestou-se a graça de Deus,
fonte de salvação para todos os homens,
ensinando-nos a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos
para vivermos, no tempo presente,
com temperança, justiça e piedade,
aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória
do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo,
que Se entregou por nós,
para nos resgatar de toda a iniquidade
e preparar para Si mesmo um povo purificado,
zeloso das boas obras.

AMBIENTE

Tito, o destinatário desta carta, é um cristão convertido por Paulo (cf. Tt 1,4), que acompanhou o apóstolo em algumas missões importantes (participou, com Paulo, no concílio de Jerusalém - cf. Ga 2,1-2; esteve com ele em Éfeso; por duas vezes, foi enviado a Corinto, a fim de resolver conflitos entre Paulo e essa comunidade - cf. 2 Cor 7,6-7; 8,16-17) e que foi animador da Igreja de Creta (cf. Tt 1,5).
No entanto, esta carta não parece ser de Paulo; parece, antes, ser um texto tardio, surgido quando a preocupação fundamental das comunidades cristãs já não se centrava na vinda iminente do Senhor, mas em definir a conduta dos cristãos no tempo presente. Estamos numa época de certo marasmo, em que os cristãos perderam o entusiasmo inicial e em que muitos aparecem instalados, acomodados numa fé morna e sem grandes exigências. Era preciso recordar os fundamentos da fé e exortar a uma vida cristã exigente e comprometida. Neste contexto, a preocupação fundamental do autor desta carta será apresentar uma série de conselhos práticos que ajudem os cristãos a viver, com coerência e com verdade, a sua fé no meio do mundo.

MENSAGEM

Neste fragmento, verdadeiro centro e coração de toda a carta, o autor tenta dar aos cristãos razões válidas para viver uma vida cristã autêntica e comprometida. Quais são essas razões?
A primeira é o amor ("kharis") de Deus, que foi oferecido a todos os homens. É esse amor que possibilita a renúncia à impiedade e aos desejos deste mundo e a vivência da temperança, da justiça e da piedade; sendo os destinatários desse amor transformador e renovador, temos de viver uma vida nova e comprometida com o Evangelho.
A segunda é a esperança na manifestação gloriosa de Cristo, que convida os homens a perceber que a terra não é a sua pátria definitiva; quem espera a segunda vinda de Cristo, percebe que só faz sentido olhar para os bens essenciais; consequentemente, desprezará os bens materiais, que só interessam a este mundo.
A terceira é a obra redentora levada a cabo por Cristo. Cristo entregou-Se totalmente, até à morte, para nos salvar do egoísmo, do orgulho, do pecado e para fazer de nós homens novos. Ligados a Ele pelo baptismo, tornamo-nos um com Ele e recebemos vida d'Ele... Se estamos ligados a Cristo e se recebemos d'Ele vida, essa vida tem de manifestar-se na nossa existência diária.

ACTUALIZAÇÃO

A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes questões:

• Temos consciência do amor de Deus e que a incarnação de Jesus é o sinal mais expressivo desse amor por nós? Sendo os destinatários de um tal amor, amamos Deus da mesma maneira? A nossa vida é uma resposta coerente ao amor de Deus - isto é, um compromisso autêntico com Deus e com os seus valores?

• A nossa civilização ocidental institucionalizou e sacralizou uma série de valores efémeros (dinheiro, poder, êxito profissional, "status" social, bens de consumo...) e montou uma máquina de publicidade eficaz para os apresentar como a chave da verdadeira felicidade. No entanto, com frequência esses valores estão em absoluta contradição com os valores do Evangelho... Aprendemos, com Jesus, a ter um olhar crítico sobre os valores que o mundo nos propõe e a confrontar, dia a dia, a nossa vida com os valores do Evangelho?

• É Cristo a nossa referência? É d'Ele que recebemos vida? O seu "jeito" de viver (no amor, na entrega, no dom da vida) foi assumido na nossa vida de todos os dias e na nossa relação com os irmãos que
nos rodeiam?

ALELUIA - Lc 2,10-11

Aleluia. Aleluia.

Anuncio-vos uma grande alegria:
Hoje nasceu o nosso salvador, Jesus Cristo, Senhor.

EVANGELHO - Lc 2,1-14

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto,
para ser recenseada toda a terra.
Este primeiro recenseamento efectuou-se
quando Quirino era governador da Síria.
Todos se foram recensear, cada um à sua cidade.
José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré,
à Judeia, à cidade de David, chamada Belém,
por ser da casa e da descendência de David,
a fim de se recensear com Maria, sua esposa,
que estava para ser mãe.
Enquanto ali se encontravam,
chegou o dia de ela dar à luz
e teve o seu Filho primogénito.
Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura,
porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos
e guardavam de noite os rebanhos.
O Anjo do Senhor aproximou-se deles
e a glória do Senhor cercou-os de luz;
e eles tiveram grande medo.
Disse-lhes o Anjo: «Não temais,
porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo:
nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador,
que é Cristo Senhor.
Isto vos servirá de sinal:
encontrareis um Menino recém-nascido,
envolto em panos e deitado numa manjedoura».
Imediatamente, juntou-se ao Anjo
uma multidão do exército celeste,
que louvava a Deus, dizendo:
«Glória a Deus nas alturas
e paz na terra aos homens por Ele amados».

AMBIENTE

Lucas é o evangelista mais preocupado com as referências históricas... O seu Evangelho está cheio de indicações que procuram situar com precisão os acontecimentos... No que diz respeito ao nascimento de Jesus, Lucas apresenta, também, algumas indicações que pretendem situar o acontecimento numa época e num espaço concreto... Dessa forma, Lucas dá a entender que não estamos diante de um facto lendário, mas de algo perfeitamente integrado na vida e na história dos homens.
Há, no entanto, um problema... Lucas é um cristão de origem grega, que não conhece a Palestina e que tem noções muito básicas da história do Povo de Deus... Por isso, as suas indicações históricas e geográficas são, com alguma frequência, imprecisas e inexactas. Pode ser o caso das indicações fornecidas a propósito do nosso texto, já que não é muito fácil explicá-las.
É duvidoso que Quirino, como governador, tenha ordenado um recenseamento na época em que Jesus nasceu (só por volta do ano 6 d.C. é que ele se tornou governador da Síria, embora possa ter sido "legado" romano na Síria entre 12 e 8 a.C.... Pode, realmente, nessa altura, ter ordenado um recenseamento que teve efeitos práticos na Palestina por volta de 6/7 a.C., altura do nascimento de Jesus).
De qualquer forma, convém ter em conta que Lucas não está a escrever história, mas a fazer teologia e a apresentar uma catequese sobre Jesus, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.

MENSAGEM

A primeira indicação importante vem da referência a Belém como o lugar do nascimento de Jesus... É uma indicação mais teológica do que geográfica: o objectivo do autor é sugerir que este Jesus é o Messias, da descendência de David (a família de David era natural de Belém), anunciado pelos profetas (cf. Miq 5,1). Fica, desta forma, claro que o nascimento de Jesus se integra no plano de salvação que Deus tem para os homens - plano que os profetas anunciaram e cuja realização o Povo de Deus aguardava ansiosamente.
Uma segunda indicação importante resulta do "quadro" do nascimento. Lucas descreve com algum pormenor a pobreza e a simplicidade que rodeiam a vinda ao mundo do libertador dos homens: a falta de lugar na hospedaria, a manjedoira dos animais a fazer de berço, os panos improvisados que envolvem o bebé, a visita dos pastores... É na pobreza, na simplicidade, na fragilidade, que Deus Se manifesta aos homens e lhes oferece a salvação. Os esquemas de Deus não se impõem pela força das armas, pelo poder do dinheiro ou pela eficácia de uma boa campanha publicitária; mas Deus escolhe vir ao encontro dos homens na simplicidade, na fraqueza, na ternura de um menino nascido no meio de animais, na absoluta pobreza. É assim que Deus entra na nossa história... É assim a lógica de Deus.
Uma terceira indicação é dada pela referência às "testemunhas" do nascimento: os pastores. Trata-se de gente considerada rude, violenta, marginal, que invadiam com os rebanhos as propriedades alheias e que tinham fama de se apropriar da lã, do leite e das crias do rebanho em benefício próprio. Eram, com frequência, colocados ao lado dos publicanos e dos cobradores de impostos pela rígida moral dos fariseus: uns e outros eram pecadores públicos, incapazes de reparar o mal que tinham feito, tantas eram as pessoas a quem tinham prejudicado. Ora, Lucas coloca, precisamente, esses marginais como as "testemunhas" que acolhem Jesus. O evangelista sugere, desta forma, que é para estes pecadores e marginalizados que Jesus vem; por isso, a chegada de um tal "salvador" é uma "boa notícia": a partir de agora, os pobres, os débeis, os marginalizados, os pecadores, são convidados a integrar a comunidade dos filhos amados de Deus. Eles vêm ao encontro dessa salvação que Deus lhes oferece em Jesus e são convidados a integrar a comunidade da nova aliança, a comunidade do "Reino".
Uma quarta indicação aparece nos títulos dados a Jesus pelos anjos que anunciam o nascimento: Ele é "o salvador, Cristo Senhor". O título "salvador" era usado, na época de Lucas, para designar o imperador ou os deuses pagãos; Lucas, ao chamar Jesus desta forma, apresenta-O como a única alternativa possível a todos os absolutos que o homem cria... O título "Cristo" equivale a "Messias": aplicava-se, no judaísmo palestinense do séc. I, a um rei da descendência de David, que viria restaurar o reino ideal de justiça e de paz da época davídica; dessa forma, Lucas sugere que o "menino de Belém" é esse rei esperado. O título "Senhor" expressa o carácter transcendente da pessoa de Jesus e o seu domínio sobre a humanidade. Com estes três títulos, a catequese lucana apresenta Jesus aos homens e define o seu papel e a sua missão.

ACTUALIZAÇÃO

A reflexão sobre este texto pode partir das seguintes indicações:

• O menino de Belém leva-nos a contemplar o incrível amor de um Deus que Se preocupa até ao extremo com a vida e a felicidade dos homens e que envia o próprio Filho ao mundo para apresentar aos homens um projecto de salvação/
libertação. Nesse menino de Belém, Deus grita-nos a radicalidade do seu amor por nós.

• O presépio apresenta-nos a lógica de Deus que não é, tantas vezes, igual à lógica dos homens: a salvação de Deus não se manifesta nos encontros internacionais onde os donos do mundo decidem o destino dos homens, nem nos gabinetes ministeriais, nem nos conselhos de administração das multinacionais, nem nos salões onde se concentram as estrelas do jet-set, mas numa gruta de pastores onde brilha a fragilidade, a dependência, a ternura, a simplicidade de um bebé recém-nascido. Qual é a lógica com que abordamos o mundo: a lógica de Deus ou a lógica dos homens?

• A presença libertadora de Jesus neste mundo é uma "boa notícia" que devia encher de felicidade os pobres, os débeis, os marginalizados e dizer-lhes que Deus os ama, que quer caminhar com eles e que quer oferecer-lhes a salvação. É essa proposta que nós, os seguidores de Jesus, passamos ao mundo? Nós, Igreja, não estaremos demasiado ocupados a discutir questões laterais, esquecendo o essencial, o anúncio libertador aos pobres?

• Jesus - o Jesus da justiça, do amor, da fraternidade e da paz - já nasceu, de forma efectiva, na vida de cada um de nós, nas nossas famílias, nas nossas casas religiosas, nas nossas comunidades cristãs?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DE NATAL ("Missa da meia-noite")
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao Dia de Natal, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

2. UMA ASSEMBLEIA EXCEPCIONAL.
Com vigília de Natal ou não, é preciso não esquecer que grande parte da assembleia nesta missa é composta por cristãos que só vêm à igreja uma vez por ano: precisamente nesta noite! É preciso que também eles se encontrem nesta liturgia de Natal... e não sejam "enxotados" por só virem à igreja uma vez no ano. A atitude de acolhimento passa por aí... talvez a partir dessa atitude possa haver mais participação na vida da Igreja.

3. EVANGELIÁRIO LEVADO DO PRESÉPIO.
O Evangeliário pode estar no presépio, na penumbra. Antes do Evangelho, o presidente da assembleia (precedido de crianças com lamparinas acesas) vem buscá-lo solenemente e leva-o em procissão até ao lugar da proclamação do Evangelho. No final, o Evangelho é levado de novo (com o grupo de crianças à frente com lamparinas acesas na mão) em procissão para o presépio, agora iluminado, e coloca-o aí: nesta noite, o Verbo fez-Se carne.

4. BILHETE DE EVANGELHO.
É a noite em que é belo acreditar na luz... Eram muitos a caminhar na noite... A noite da espera por Maria e José com as suas questões, os seus medos, mas também a sua fé no futuro. A noite da pobreza para os pastores. A noite da interrogação para os magos vindos do Oriente. Ora, da noite jorra a luz. Uma luz que preenche a espera: "chegaram os dias em que ela devia dar à luz". Uma luz que ilumina os pobres: "a glória do Senhor envolveu-os com a sua luz". Uma luz que guia os peregrinos: "a estrela que tinham visto levantar-se precedia-os". No coração da nossa noite, ergamos os olhos, há uma luz a jorrar...

5. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Jesus, Filho de Deus e Filho de David, em Ti o povo que caminhava nas trevas da noite viu erguer-se uma grande luz; criança que nos é dada, Tu és o Deus forte, o Príncipe da Paz, Conselheiro admirável.
Tantos povos e pessoas habitam ainda países das sombras. Guia-os nos caminhos da vida, da luz, do direito e da paz.

No final da segunda leitura:
Bendito sejas, Deus Nosso Pai, porque em Jesus, teu Filho, a tua graça tornou-se visível e manifestou-se para a salvação de todos os homens.
Purifica-nos das paixões egoístas desta terra, faz de nós um povo ardente que irradie a justiça e o bem. Que o teu Espírito nos inspire a viver no mundo presente como homens razoáveis, justos e religiosos.

No final do Evangelho:
Jesus, Messias, nosso irmão, Tu que Te tornaste criança e que foste colocado num presépio, Tu que o Pai glorificou pela ressurreição, glória a Ti no mais alto dos céus. Com os anjos, prostramo-nos diante de Ti.
Que a tua presença no meio de nós traga de novo a Paz ao mundo, que o teu Espírito faça de nós portadores de Luz, de Paz e de Alegria.

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II, com as variantes próprias da Festa de Natal. O presidente pode cantar a parte da narração da instituição.

7. PALAVRA EXPLICADA: GLORIA IN EXCELSIS DEO.
As nossas assembleias retomam as aclamações e hinos celestes que nos são revelados na Bíblia, como "Santo, Santo, Santo é o Senhor, o céu e a terra estão cheios da vossa glória" (Is 6,3; Ap 4,8). A estas palavras celestes acrescentamos as aclamações e invocações dos Evangelhos: "Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo" (mensagem de João Baptista, Jo 1,29), "Bendito o que vem em nome do Senhor" (entrada de Jesus em Jerusalém, Jo 12,13). Certas aclamações fazem parte de todas as celebrações eucarísticas, como "Santo, Santo, Santo é o Senhor". Nas mais antigas fórmulas da liturgia eucarística romana, o "Glória a Deus no mais alto dos céus" (Lc 2,14) só era proclamado no Natal, por causa do Evangelho desta festa. Depois, a sua proclamação foi estendida a outras festas. No missal actual, faz parte das aclamações dominicais, mas é omitido durante dois períodos de tonalidade penitencial (cor roxa), o Advento e a Quaresma.

8. ATENÇÃO ÀS CRIANÇAS: UMA NOITE DE FESTA.
Vai-se dormir tarde esta noite! Tem-se mesmo o direito de dançar nesta noite! Seria bom que, com as crianças presentes, se possa viver um verdadeiro momento de alegria, de festa, de cântico. Envolver as crianças à volta da Palavra (primeira leitura), no cântico do Salmo, no cântico do Glória... louvando a Deus, com gestos.

9. PALAVRA PARA O CAMINHO.
Uma Criança! Nas trevas e no caos de uma sociedade que só crê na força, na violência, na guerra..., Natal é a inversão destes valores. «Deus connosco" numa Criança! Estamos preparados para arriscar com Ele nesta aventura, a única capaz de inverter a espiral infernal do Mal? Natal é isso! E levantar-se-á sobre o mundo uma grande Luz!

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

Tempo do Advento - Novena do Natal - Dia 24 Dezembro

Tempo do Advento - Novena do Natal - Dia 24 Dezembro


24 de Dezembro, 2022

Tempo do Advento - Novena do Natal - Dia 24 Dezembro

Lectio

Primeira leitura: 2 Samuel 7, 1-5. 8b-12. 14a. 16

1 *Quando o rei se instalou em sua casa, e o SENHOR lhe deu paz, livrando-o dos seus inimigos, 2disse David ao profeta Natan: «Não vês que eu moro num palácio de cedro, enquanto a arca de Deus está abrigada numa tenda?» 3Natan respondeu¬lhe: «Pois bem, faz o que te dita o coração, porque o SENHOR está contigo!» 4Mas, naquela mesma noite, o SENHOR falou a Natan, dizendo-lhe: 5*«Vai dizer ao meu servo David: Diz o SENHOR: "És tu que me vais construir uma casa para Eu habitar?

8*Eu tirei-te das pastagens onde apascentavas as tuas ovelhas, para fazer de ti o chefe de Israel, meu povo. 9Estive contigo em toda a parte por onde andaste; exterminei diante de ti todos os teus inimigos e fiz o teu nome tão célebre como o nome dos grandes da terra. 10*Fixarei um lugar para Israel, meu povo; nele o instalarei, e ali habitará, sem jamais ser inquietado; e os filhos da iniquidade não mais o oprimirão, como outrora, 11 *no tempo em que Eu estabelecia juízes sobre o meu povo, Israel. A ti concedo uma vida tranquila, livrando-te de todos os teus inimigos. Além disso, o SENHOR faz hoje saber que será Ele próprio quem edificará uma casa para ti. 12*Quando chegar o fim dos teus dias, e repousares com teus pais, manterei depois de ti a descendência que nascerá de ti e consolidarei o seu reino.

14Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho.

16*A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre".»

Natan exerce a sua missão profética num período em que o reino de Judá goza de paz e de notável prosperidade. David vive num palácio luxuoso e pretende construir uma «casa» para Deus, uma casa onde acolher a Arca da Aliança. O profeta opõe-se a esse projecto, porque Deus tem um plano bem maior para David e para a sua descendência. O próprio Deus dará a David, não uma casa de pedra, mas uma casa estável e duradoura, uma estirpe real: «o SENHOR faz hoje saber que será Ele próprio quem edificará uma casa para ti .. A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre» (w. 11.16).

O Senhor recorda a David quanto fez por ele e promete à sua dinastia uma duração perene: chamou-o do meio dos rebanhos de Isaí para fazer dele pastor de Israel (cf. 1 Sam 16, 11-13); fê-lo vitorioso sobre os inimigos e estará sempre com ele; a sua glória, e a da sua descendência, serão grandes porque terá uma progenitura divina; o rei e o povo serão abençoados pelo senhor e terão uma «casa» estável e tranquila, uma dinastia que durará séculos.

A mensagem é clara: a salvação não vem de um templo construído com pedras ou por mãos humanas, mas da aliança com Deus, a Quem tudo pertence, o homem e a história.

Evangelho: Lucas 1, 67-79

Naquele tempo, 67*Zacarias,pai de João Baptista, ficou cheio do Espírito Santo e profetizou com estas palavras: 68*«Bendito o Senhor, Deus de Israel, que visitou e redimiu o seu povo 69*e nos deu um Salvador poderoso na casa de David, seu servo, 70conforme prometeu pela boca dos seus santos, os profetas dos tempos antigos; 71 para nos libertar dos nossos inimigos e das mãos de todos os que nos odeiam, 72*para mostrar a sua misericórdia a favor dos nossos pais, recordando a sua sagrada aliança; 73*e o juramento que fizera a Abraão, nosso pai, que nos havia de conceder esta graça: 74de o servirmos um dia, sem temor, livres das mãos dos nossos inimigos, 75em santidade e justiça, na sua presença, todos os dias da nossa vida. 76*E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás à sua frente a preparar os seus caminhos, 77para dar a conhecer ao seu povo a salvação pela remissão dos seus pecados, 78*graças ao coração misericordioso do nosso Deus, que das alturas nos visita como sol nascente, 79*para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e dirigir os nossos passos no caminho da paz.»

o cântico de Zacarias exalta a realização das promessas feitas por Deus.

Zacarias, sacerdote da Antiga Lei, mas cheio de Espírito Santo, entoa um cântico cheio de reminiscências bíblicas. Bendiz o Senhor por ter visitado o seu povo, por ter inaugurado a Nova Aliança, que terá João como precursor e que satisfaz séculos de expectativas.

O cântico divide-se em duas partes: a primeira sintetiza a história da salvação, evidenciando a misericórdia de Deus para com os pais e a sua perene fidelidade à Aliança, que se realizará plenamente no Messias (vv. 68-75); a segunda refere-se à figura do Baptista, «profeta do Altíssimo» (v. 76), destinado a preparar o caminho ao Senhor com a pregação da redenção e da salvação universal, que se actuará na pessoa de Jesus, por meio do perdão dos pecados, fruto da sua imensa bondade.

O cântico exalta a Cristo, sol da ressurreição, gerado antes da aurora, que ilumina todos os que estão nas trevas e nas sombras da morte. Ele é a paz destinada aos que sabem dar louvor e glória a Deus. Ele, Verbo do Pai, é a luz e a vida dos homens.

Meditatio

Estamos na vigília do Natal. A Igreja lê e medita as profecias rnessrarucas, dando graças e louvando a Deus pela iminente chegada do Salvador. O dom que estamos para receber do Pai foi preparado com grande amor, durante muito tempo.

Há que viver intensamente esta vigília, não nos deixando dispersar por coisas certamente interessantes, mas secundárias. A vinda histórica do Messias confirma que Deus escolheu a sua «casa» no meio de nós, no corpo de Jesus, seu Filho (cf. Jo 1, 14). Agora vive com o seu povo, não de modo passageiro, mas de modo estável (cf. Apoc 7, 15; 12,2; 13,6; 21, 3). Se, no Antigo Testamento, o seu lugar ideal era o templo e a tenda (cf. Ex 25, 8; 40, 35; Ez 37,27), agora a sua presença concretiza-se na própria vida do homem e na carne visível de Jesus, que a comunidade do primeiros discípulos tocou e contemplou na fé (cf. 1 Jo 1, 1-4).

Cristo é a revelação e a luz do Pai, mas de modo escondido e humilde; algo de interior que, apenas os homens de fé, como os profetas, os santos e Maria, podem compreender. A sua glória há-de manifestar com poder apenas quando, elevado na cruz, atrair a Si todos os homens (cf. Jo 12, 32). Isto pode parecer um paradoxo, mas tudo se torna luminoso se pensarmos que «Deus é emor» (1 Jo 4, 10) e a sua maior manifestação acontece quando se revela o maior amor.

Jesus é para nós o centro da história, a nossa morada e a plenitude de todas as nossas mais profundas aspirações. Com Maria, e com a sua intercessão, abramos o coração ao Dom que Deus nos quer dar esta noite.

O dom do Pai, no Natal, perpetua-se na Eucaristia, sacramento da presença de Cristo no meio de nós, sob as espécies simples do pão e do vinho, e por meio das pala
vras, ainda mais simples: "Isto é o Meu corpo ... Isto é o Meu sangue ... " (cf. Mt 26, 26.28). A Eucaristia, para além de actualizar no tempo a Última Ceia e o Sacrifício da cruz, perpetua a Incarnação, de que é substancial continuidade e expansão sacramental. A Eucaristia torna presente na terra, insere na história do mundo e na nossa vida o Cristo glorioso e sempre em estado de vítima. O sacerdócio de Cristo é eterno: "Um sacerdócio eterno" (Heb 7, 24).

Oratio

Senhor, nosso Deus, Tu és verdadeiramente amor, amor gratuito, amor oblativo. Manifestas esse amor a David e ao povo de Israel. É um amor forte, um amor preocupado, não em receber, mas em dar. David, pobre e fraco, tornou-se um rei rico e poderoso, bem instalado no seu palácio. Quis retribuir-te com o presente de uma «casa» para habitares, um templo sumptuoso que substituísse a tenda que acolhia a Arca da Aliança. Não aceitaste, porque és um Deus-Amor, um Deus que não previu receber, mas apenas dar. Por isso, prometeste a David um dom ainda maior, uma casa estável e duradoura, uma estirpe real, um filho que será simultaneamente «Filho do Altíssimo», Jesus Cristo, Senhor.

Tudo isso acontece em Maria, no mistério da Incarnação. Dá-nos a graça de descobrirmos, cada vez mais, esse inefável mistério para o contemplarmos e adorarmos, como o contemplou e adorou Maria, quando gerou Cristo no seu seio e O deu à luz no presépio de Belém. Amen.

Contemplatio

A presença eucarística de Nosso Senhor é uma extensão da Incarnação

Não se encontrando mais sobre esta terra a humanidade santa, a fonte da graça parece esgotada, ou transportada para uma distância incomensurável de nós. Porque, saibamo-lo bem, toda a graça é o produto do Sagrado Coração de Jesus, brota d' Ele como o sangue material; identifica-se com o seu sangue e o seu amor. Mas, se este Coração se afastava de nós, mesmo que nos deixasse os outros sacramentos, que solidão nos seria feita aqui em baixo! Que isolamento! Que vazio! O nosso terno irmão, o nosso amigo já não estaria lá connosco! O seu Coração de homem já não escutaria de perto os nossos suspiros e as nossas lágrimas! Em que nos tornaríamos?

Mas o seu terno Coração soube tudo arranjar, e a fim de permanecer sempre connosco, inventou o sacramento do amor. Não vemos Jesus, mas Ele está lá; só as fracas aparências eucarísticas nos separam d'Ele, e temos a fé para as penetrar, e temos um coração que voa para o Coração de Jesus, tornado mais do que nunca o Coração do nosso irmão e do nosso amigo. É assim que o Coração de Jesus cumpre a sua promessa: «Não vos deixarei órfãos». É assim que a Eucaristia continua o mistério da Incarnação e multiplica por toda a parte Belém e Nazaré. A Eucaristia torna mesmo Nosso Senhor mais perto de nós do que o mistério da Incarnação, e quando reflectimos bem nisto vemos que Ele não se afastou do homem pela Ascensão senão para estar mais perto dele pela Eucaristia, porque as condições da vida mortal não permitiam ao Salvador tornar-se presente em todos os pontos do espaço, em todo o coração que o amasse e que desejasse a sua visita, mas a sua vida gloriosa permite¬lhe a omnipresença do amor; o seu Coração está em toda a parte, encontramo-lo em todos os santuários, e se a nossa ligeireza e a nossa indiferença não impedissem as efusões deste amor insaciável no dom de si mesmo, ser-nos-ia permitido como aos primeiros crentes de o guardar nas nossas casas e de o levar sempre no nosso coração. Tal teria sido a condescendência deste Coração generoso, se a Igreja não tivesse tomado, de algum modo contra Ele mesmo, o cuidado do respeito que Lhe é devido.

Mas se este privilégio não nos é concedido, nós podemos sem grande fadiga, e quando queremos, a toda a hora do dia e da noite, aproximar-nos do Coração eucarístico, falar-lhe, abrir-lhe todo o nosso coração, atraí-lo a nós e fazer d'Ele tudo o que quisermos. Porque, na santa Eucaristia, o seu Coração tornou-se dependente de nós, mais ainda do que não o era em Belém e em Nazaré. É certamente fácil pegar numa criança, abraçá-Ia e acariciá-Ia, mas é ainda bem mais fácil pegar num bocadinho de pão, colocá-lo onde se quiser. E quando se pensa que sob esta débil aparência o Coração de Jesus mesmo está lá; quando se pensa neste amor que quis até este ponto tornar-se dependente de nós, como não chorar, como fazia o santo Cura de Ars exclamando: «Faço d' Ele o que quero, coloco-o onde quero!» Porque o privilégio de dispor da humanidade santa tornou-se um dos mais preciosos privilégios que possam ter as mãos sacerdotais. Mas é meditando na vida eucarística escondida que nos será dado aprofundar este prodígio de amor. Para hoje, basta-nos verificar este primeiro ponto.

Pela santa Eucaristia, a Incarnação multiplica-se sobre todos os pontos da terra habitável; em toda a parte aonde nos é dado dirigir os nossos passos, encontramos o Coração do nosso irmão e do nosso amigo, sempre pronto a nos receber, sempre pronto a nos consolar, sempre pronto a nos cumular de graças, a nos iluminar, a nos levantar e a nos perdoar. Assim, nesta Incarnação nova, é sobretudo o Coração de Jesus que está presente; Ele esconde todo o resto, a sua divindade, a sua humanidade, a fim de melhor deixar ver o seu Coração; e se os olhos do corpo não podem ver, como o vêem os olhos do coração e como sabem penetrar os véus que o envolvem! Ah! Porque não nos é dado multiplicar também o nosso coração para o dar a este Coração que se multiplica por nós! Pelo menos, arranquemos os nossos pensamentos, as nossas afeições ao mundo, a nós mesmos, para os dar todos ao único Coração que nos ama, e se não podemos superá-lo nem mesmo igualá-lo em amor, ao menos que todo o nosso amor lhe pertença, todo, absolutamente todo; e ainda, depois disto, digamos que não somos senão servos inúteis (Pe. Dehon, OSP 2, p.419).

Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Bendito o Senhor, Deus de Israel, que visitou e redimiu o seu povo». (Lc 1, 68).

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