04º Domingo do tempo da Quaresma – Ano B [atualizado]

ANO B

4.º DOMINGO DA QUARESMA

Tema do 4.º Domingo da Quaresma

A liturgia do 4.º Domingo da Quaresma coloca-nos diante do projeto salvador de Deus para o mundo e para os homens: é uma iniciativa de Deus que, independentemente dos nossos méritos, nos oferece a Vida eterna. Cada um de nós tem de decidir como acolhe essa oferta e que resposta lhe dá. A nossa resposta deve ser levada na alegria, marca essencial do Evangelho e deste Domingo da Quaresma, chamado o “Domingo da Alegria”.

A primeira leitura avisa que, quando o homem prescinde de Deus e escolhe caminhos de egoísmo e de autossuficiência, está a construir um futuro de dor e de morte. Mas garante, por outro lado, que Deus nunca desiste dos seus filhos: Ele dá-lhes sempre a possibilidade de reconstruir a vida, de começar de novo.

A segunda leitura diz-nos que, apesar da nossa condição de fragilidade e de pecado, Deus nos ofereceu, em Cristo, a Vida e a salvação. Não o fez em resultado dos nossos merecimentos; foi uma oferta totalmente gratuita, que resulta do amor que nos tem.

No Evangelho, João apresenta, em palavras do próprio Jesus, o projeto de salvação de Deus: por puro amor, Deus enviou ao nosso encontro o seu Filho Unigénito, que veio oferecer-nos a salvação. Quem “acreditar” em Jesus e aprender com Ele a lição do amor até ao extremo, nascerá para uma Vida nova, para a Vida plena e definitiva.

 

LEITURA I – 2 Crónicas 36,14-16.19-23

Naqueles dias,
todos os príncipes dos sacerdotes e o povo
multiplicaram as suas infidelidades,
imitando os costumes abomináveis das nações pagãs,
e profanaram o templo
que o Senhor tinha consagrado para Si em Jerusalém.
O Senhor, Deus de seus pais,
desde o princípio e sem cessar, enviou-lhes mensageiros,
pois queria poupar o povo e a sua própria morada.
Mas eles escarneciam dos mensageiros de Deus,
desprezavam as suas palavras e riam-se dos profetas,
a tal ponto que deixou de haver remédio,
perante a indignação do Senhor contra o seu povo.
Os caldeus incendiaram o templo de Deus,
demoliram as muralhas de Jerusalém.
Lançaram fogo aos seus palácios
e destruíram todos os objetos preciosos.
O rei dos caldeus deportou para Babilónia
todos os que tinham escapado ao fio da espada;
e foram escravos deles e de seus filhos,
até que se estabeleceu o reino dos persas.
Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pela boca de Jeremias:
«Enquanto o país não descontou os seus sábados,
esteve num sábado contínuo,
durante todo o tempo da sua desolação,
até que se completaram setenta anos».
No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia,
para se cumprir a palavra do Senhor,
pronunciada pela boca de Jeremias,
o Senhor inspirou Ciro, rei da Pérsia,
que mandou publicar, em todo o seu reino,
de viva voz e por escrito,
a seguinte proclamação:
«Assim fala Ciro, rei da Pérsia:
O Senhor, Deus do Céu, deu-me todos os reinos da terra
e Ele próprio me confiou o encargo
de Lhe construir um templo em Jerusalém, na terra de Judá.
Quem de entre vós fizer parte do seu povo ponha-se a caminho
e que Deus esteja com ele».

 

CONTEXTO

O Livro das Crónicas (dividido em duas partes) é uma obra de um autor anónimo, que se propõe contar a história de Israel, desde a criação do mundo, até à época do Exílio. O livro faz parte de um bloco com alguma unidade (em conjunto com os livros de Esdras e de Neemias) que se costuma designar como “Obra do Cronista”.

O autor privilegia, na sua obra, a história do reino do Sul (Judá), dando um especial destaque ao rei David e seus descendentes. Também dá algum relevo à tribo de Levi, pelo facto de esta tribo estar ligada às questões de âmbito litúrgico. Em contrapartida, ignora deliberadamente a história do reino do Norte (Israel).

Os estudiosos não estão de acordo no que diz respeito à datação da obra do Cronista. No entanto, muitos falam de um processo de redação em várias etapas: por volta de 515 a.C. teria aparecido uma primeira edição da obra, com a finalidade de legitimar o culto no “segundo Templo” (isto é, no Templo reconstruído pelos judeus regressados do Exílio na Babilónia); entre 400 e 375 a.C., teria aparecido uma segunda edição, destinada a sublinhar a autoridade de Esdras como legislador e intérprete da Tora; entre 350 e 300 a.C., teria aparecido uma terceira edição, destinada a animar e a fortalecer e a consolidar a comunidade judaica frente à hostilidade dos vizinhos, particularmente dos samaritanos. O objetivo fundamental do autor parece ser o de propor a fidelidade a Deus e à Aliança. Essa fidelidade deve manifestar-se, segundo o Cronista, no cumprimento da Lei e no ritual do culto do Templo de Jerusalém.

O texto que nos é proposto como primeira leitura neste quarto domingo da Quaresma aparece na parte final do segundo volume do Livro das Crónicas. Neste texto, o Cronista refere dois factos históricos separados por quase 50 anos: a queda de Jerusalém nas mãos de Nabucodonosor (586 a.C.) e a autorização dada pelo rei persa Ciro para o regresso dos exilados a Jerusalém, após a queda da Babilónia (538 a.C.). Pelo meio, o Povo de Deus conheceu a dramática experiência do Exílio na Babilónia.

Contudo, o autor está muito mais interessado em dar-nos uma interpretação teológica dos factos do que em oferecer-nos uma descrição pormenorizada dos acontecimentos históricos. Não é um historiador ou um analista político a falar, mas sim um crente preocupado em ler a história à luz da fé e em tirar daí as conclusões que se impõem.

 

MENSAGEM

A destruição de Jerusalém, o incêndio do Templo e a deportação do Povo de Deus para a Babilónia são vistas pelo Cronista como o resultado lógico dos pecados da nação. “Os chefes de Judá, os sacerdotes e o Povo multiplicaram as suas infidelidades” (vers. 14); ignoraram os avisos enviados por Deus por intermédio dos profetas e desdenharam os seus apelos… Então, a ira do Senhor abateu-se sem remédio sobre o seu Povo (vers. 15-16).

A propósito, o Cronista cita uma profecia de Jeremias que fala de um castigo de Deus que se iria abater sobre a terra desolada de Judá e que duraria setenta anos (cf. Jr 25,11-14). O Cronista vê nos setenta anos do Exílio (na realidade, o Exílio não durou tanto tempo: setenta anos é um número simbólico, correspondente ao espaço de uma geração) um grande jubileu forçado por Deus, um tempo de compensação por todos os “anos sabáticos” que o Povo não respeitou e nos quais não cumpriu as suas obrigações para com Javé. A Lei de Deus previa que, de sete em sete anos, a terra fosse deixada um ano a descansar e que, depois de sete vezes sete anos (quarenta e nove anos), no quinquagésimo, se celebrasse um “ano jubilar”, isto é, um tempo acrescido de descanso para a terra e os seus habitantes (cf. Lv 25,8-13). Contudo, a ganância e o egoísmo fizeram com que o Povo nunca respeitasse essa lei e não deixasse a terra descansar. Mas Deus quis compensá-la e, ao enviar o Povo para o Exílio, fez com que a “terra de Deus”, martirizada pela injustiça e pelo pecado, ficasse a descansar durante setenta anos, até ser renovada e voltar a ser outra vez a “casa” do Povo de Deus (vers. 21).

Por detrás desta leitura da história, está um dos dogmas fundamentais da fé de Israel: o dogma da retribuição. Para os teólogos de Israel, Deus retribui ao homem conforme as ações que ele pratica. Se o Povo vive na fidelidade à Aliança e aos mandamentos, Deus oferece-lhe vida e felicidade; se o Povo é infiel aos compromissos assumidos, recebe em paga morte e desgraça.

Esta imagem de Deus que o Cronista apresenta surpreende-nos e choca-nos. Esse Deus “contabilista” que assenta os débitos e os créditos da pessoa para lhe pagar em conformidade, está longe do Deus da bondade e da misericórdia cujo rosto Jesus veio revelar-nos. Contudo, por detrás dessa ideia desfocada de Deus está uma intuição que tem algo de verdadeiro: as opções erradas que fazemos, mais tarde ou mais cedo resultam em sofrimento e infelicidade para nós e para os que caminham connosco.

Apesar de tudo, o Cronista está consciente de que o castigo não é a última palavra de Deus. Os últimos versículos (vers. 22-23, que são uma versão resumida de Esd 1,1-4) apontam no sentido da esperança e de um recomeço. Por detrás da referência à libertação operada por Ciro e ao édito que autoriza os habitantes de Judá a regressar à sua terra, está a ideia de um Deus que não abandona o seu Povo e que continua a dar-lhe, em cada momento da história, a possibilidade de recomeçar.

 

INTERPELAÇÕES

  • Embora usando elementos teológicos e formas de expressão típicas da sua época, o Cronista recorda-nos algo que é indesmentível: quando a pessoa prescinde de Deus e escolhe caminhos de egoísmo e de autossuficiência, está a construir um futuro sem horizontes e sem esperança. Na verdade, a nossa experiência de todos os dias mostra como a indiferença da pessoa face a Deus e às suas propostas gera violência, opressão, exploração, exclusão, solidão, sofrimento. Então, a culpa de muitos dos males que nos afligem não é de Deus, mas sim das opções erradas que fazemos. Estamos conscientes disto? Estamos disponíveis, neste tempo de Quaresma, para fazer um caminho de “conversão” que nos leve de regresso a Deus, dispostos a escutá-l’O e a acolher as indicações que Ele nunca desiste de nos dar?
  • A perspetiva de que a libertação do cativeiro é comandada por Deus e de que Deus oferece ao seu Povo a oportunidade de um novo começo aponta no sentido da esperança. Deus nunca desiste dos seus filhos. Ele abomina o pecado que destrói o nosso mundo e as nossas vidas, mas continua a amar-nos, apesar das nossas opções erradas. Dá-nos a possibilidade, continuamente renovada, de recomeçar, de refazer tudo, de reconstruir as nossas vidas. A certeza do amor de Deus deve iluminar cada instante da nossa vida nesta terra; e deve também ser um incentivo a abraçarmos uma vida nova: mais livre, mais fraterna, mais solidária, mais humana. Confiamos no amor de Deus? Estamos dispostos a aceitar, neste caminho que estamos a percorrer em direção à Páscoa, as oportunidades de renovação que esse amor nos oferece?

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 136 (137)

Refrão:  Se eu me não lembrar de ti, Jerusalém,
fique presa a minha língua.

Sobre os rios de Babilónia nos sentámos a chorar,
com saudades de Sião.
Nos salgueiros das suas margens,
dependurámos nossas harpas.

Aqueles que nos levaram cativos
queriam ouvir os nossos cânticos
e os nossos opressores uma canção de alegria:
«Cantai-nos um cântico de Sião».

Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor
em terra estrangeira?
Se eu me esquecer de ti, Jerusalém,
esquecida fique a minha mão direita.

Apegue-se-me a língua ao paladar,
se não me lembrar de ti,
se não fizer de Jerusalém
a maior das minhas alegrias.

 

LEITURA II – Efésios 2, 4-10

Irmãos:
Deus, que é rico em misericórdia,
pela grande caridade com que nos amou,
a nós, que estávamos mortos por causa dos nossos pecados,
restituiu-nos à vida em Cristo
– é pela graça que fostes salvos –
e com Ele nos ressuscitou
e nos fez sentar nos Céus com Cristo Jesus,
para mostrar aos séculos futuros
a abundante riqueza da sua graça
e da sua bondade para connosco, em Cristo Jesus.
De facto, é pela graça que fostes salvos, por meio da fé.
A salvação não vem de vós: é dom de Deus.
Não se deve às obras: ninguém se pode gloriar.
Na verdade, nós somos obra sua, criados em Cristo Jesus,
em vista das boas obras que Deus de antemão preparou,
como caminho que devemos seguir.

 

CONTEXTO

A cidade de Éfeso estava situada na costa ocidental da Ásia Menor. Era uma cidade grande e próspera, capital da Província Romana da Ásia. O seu porto de mar ligava o interior da Ásia Menor com todas as cidades do Mediterrâneo.

Quando Paulo chegou a Éfeso (cf. At 19,1), durante a sua terceira viagem missionária, encontrou alguns cristãos escassamente preparados. Paulo procurou instruí-los e dar-lhes uma adequada formação cristã. De acordo com o Livro dos Atos dos Apóstolos, Paulo permaneceu na cidade durante um longo período (mais de dois anos, segundo At 19,10), ensinando na sinagoga e, depois, na “escola de Tirano” (At 19,9). Assim, reuniu à sua volta um número considerável de pessoas convertidas ao “Caminho” (At 19,9.23). Ainda de acordo com o autor dos Atos, foi aos anciãos da Igreja de Éfeso que Paulo confiou, em Mileto (cf. At 20,17-38), o seu testamento espiritual, apostólico e pastoral, antes de ir a Jerusalém, onde acabaria por ser preso. Tudo isto faz supor uma relação muito estreita entre Paulo e a comunidade cristã de Éfeso.

Curiosamente, a carta aos Efésios é bastante impessoal e não reflete essa relação. Alguns dos comentadores dos textos paulinos duvidam, por isso, que esta carta venha de Paulo. Outros, porém, acreditam que o texto que chegou até nós com o nome de “Carta aos Efésios” é um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, inclusive à comunidade cristã de Éfeso.

Em qualquer caso, a Carta aos Efésios apresenta-se como uma carta escrita por Paulo, numa altura em que o apóstolo está na prisão (em Roma?). O seu portador teria sido um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60. Trata-se de um texto com uma grande riqueza temática, de uma reflexão amadurecida e completa onde o autor apresenta uma espécie de síntese da teologia paulina.

O texto que a liturgia deste quarto domingo da Quaresma nos propõe como segunda leitura integra a parte dogmática da carta (cf. Ef 1,3-3,21). Propõe uma reflexão sobre o papel de Cristo na salvação do homem. O autor começa por constatar a situação de pecado em que o homem vive e da qual, por si só, não pode sair (cf. Ef 2,1-3). O homem estará, portanto, condenado à escravidão do pecado e à morte?

 

MENSAGEM

Deus é rico em misericórdia e ama os seus filhos e filhas com um amor imenso. Por isso, à nossa situação pecadora, Deus responde com a sua graça (vers. 4). O amor salvador e libertador de Deus não é um amor condicional, que só se derrama sobre os homens se e quando eles se convertem; mas é um amor incondicional, que atinge os seres humanos mesmo quando eles continuam a percorrer caminhos de pecado e de morte (vers. 5).

Aos homens, orgulhosos e autossuficientes, instalados no egoísmo e no pecado, Deus ofereceu, por meio de Cristo, uma nova vida. Tornados membros de Cristo, eles ressuscitaram com Cristo e sentaram-se com Ele nos céus (vers. 6). Repare-se neste pormenor: o autor da Carta aos Efésios não se refere à ressurreição do homem e à sua glorificação como uma coisa futura, mas como uma coisa passada (usa o tempo grego do aoristo, que tem significado de passado). No entanto, essa ação passada afeta o presente e tem implicações no presente: unido a Cristo, o cristão já ressuscitou e já foi glorificado; ele continua a viver na terra, sujeito à finitude e às limitações da vida presente mas é já, aqui e agora, um cidadão do céu. Na verdade, Deus já introduziu na débil e frágil natureza humana os dinamismos da vida eterna. A vida do cristão está, consequentemente, marcada pela dupla condição da fragilidade e da eternidade. Apesar dos seus limites e da sua debilidade, o cristão tem de testemunhar e anunciar essa vida nova que Deus já lhe ofereceu nesta terra.

Em toda esta exposição há um elemento incontornável e ao qual o autor da Carta aos Efésios dá uma grande importância: a gratuidade da ação salvadora de Deus. A salvação não é uma conquista nossa, nem resulta das nossas obras ou dos nossos méritos, mas é puro dom de Deus, fruto do seu amor incondicional. Portanto, não há aqui lugar para qualquer sentimento de orgulho ou para qualquer atitude de autoglorificação. A salvação é uma oferta gratuita que Deus faz aos seus filhos e filhas, mesmo que eles a não mereçam (vers. 9).

Da oferta de salvação que Deus nos faz, deve nascer uma nova humanidade, que pratica boas obras. As boas obras não são a condição para se receber a salvação, mas o resultado da ação dessa graça que Deus, no seu amor e na sua bondade, derrama gratuitamente sobre nós (vers. 10).

 

INTERPELAÇÕES

  • A vida do ser humano sobre a terra está marcada pela debilidade, pela finitude, pelas limitações inerentes à nossa condição humana. A doença, o sofrimento, o egoísmo, o pecado são realidades que acompanham a nossa existência, que nos mantêm prisioneiros e que nos roubam a esperança. Parece que, por nós próprios, nunca conseguiremos superar os nossos limites e alcançar essa realidade de vida plena, de felicidade total com que permanentemente sonhamos. Por isso, certos filósofos contemporâneos referem-se à futilidade da existência, à náusea que acompanha a vida da pessoa, à inutilidade da busca da felicidade, ao fracasso que é a vida condenada à morte… Este quadro seria desesperante se não existisse o amor de Deus. É precisamente isso que o autor da Carta aos Efésios nos recorda: Deus ama-nos com um amor total, incondicional, desmedido; e é esse amor que nos levanta da nossa condição, que nos faz vencer os nossos limites, que nos oferece esse mundo novo de vida plena e de felicidade sem fim a que aspiramos. Não somos pobres criaturas derrotadas, condenadas ao fracasso, limitadas por um horizonte sem sentido, mas somos filhos amados a quem Deus oferece a vida plena, a salvação. Nós, crentes, que conhecemos e confiamos no amor de Deus, somos capazes de oferecer aos nossos irmãos – cansados, desiludidos e magoados pelas feridas da vida – um testemunho de esperança?
  • Segundo o autor da Carta aos Efésios, Deus introduziu na nossa realidade humana dinamismos de superação e de vida nova que apontam para o Homem Novo, livre das limitações, da debilidade e da fragilidade. Aqueles homens e mulheres que acolheram o dom de Deus são chamados a dar testemunho de um mundo novo, livre do sofrimento, da injustiça, do egoísmo, do pecado. Por isso, os crentes têm de anunciar e de construir um mundo mais justo, mais fraterno, mais humano. Eles são testemunhas, nesta terra, de uma realidade nova de felicidade sem fim e de vida eterna. Nós, discípulos de Jesus, procuramos ser arautos desse mundo novo?
  • A vida nova de Deus manifesta-se nas nossas palavras, nos nossos gestos de partilha e de serviço, nas nossas atitudes de tolerância e de perdão, na nossa solidariedade com os irmãos esquecidos e abandonados, nos nossos esforços para construir pontes de entendimento e de diálogo… Convém, no entanto, não esquecer este facto essencial: é Deus que, através de nós, age no mundo e na vida dos homens. O mérito das coisas boas que fazemos não é nosso, mas sim de Deus. Temos consciência de que somos apenas os instrumentos frágeis através dos quais Deus manifesta ao mundo e aos homens a sua misericórdia e o seu amor?

 

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – João 3,16

(escolher um dos 7 refrães)

  1. Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
  2. Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
  3. Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
  4. Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
  5. Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
  6. Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
  7. A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho Unigénito:
quem acredita n’Ele tem a vida eterna.

 

EVANGELHO: João 3, 14-21

Naquele tempo,
disse Jesus a Nicodemos:
«Assim como Moisés elevou a serpente no deserto,
também o Filho do homem será elevado,
para que todo aquele que acredita
tenha n’Ele a vida eterna.
Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito,
para que todo o homem que acredita n’Ele
não pereça, mas tenha a vida eterna.
Porque Deus não enviou o Filho ao mundo
para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por Ele.
Quem acredita n’Ele não é condenado,
mas quem não acredita já está condenado,
porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus.
E a causa da condenação é esta:
a luz veio ao mundo
e os homens amaram mais as trevas do que a luz,
porque eram más as suas obras.
Todo aquele que pratica más ações
odeia a luz e não se aproxima dela,
para que as suas obras não sejam denunciadas.
Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz,
para que as suas obras sejam manifestas,
pois são feitas em Deus.

 

CONTEXTO

Jesus tinha ido a Jerusalém para a celebração da Páscoa (cf. Jo 2,13). Foi lá que se encontrou e conversou com um fariseu chamado Nicodemos, que era “uma autoridade entre os judeus” (Jo 3,1).

Dizer que Nicodemos era fariseu é dizer que ele era um homem da Lei. Os fariseus distinguiam-se pela sua adesão e fidelidade à Lei de Moisés. Os membros deste partido tinham grande influência entre o povo pela sua fama de observância e de prática religiosa. Mas João diz-nos também que Nicodemos era uma autoridade entre os judeus. Isso significa, provavelmente, que era membro do Sinédrio, um representante do judaísmo oficial. O encontro de Nicodemos com Jesus dá-se “de noite”. A indicação pode significar que ele não queria ser visto com Jesus para não prejudicar a sua posição, ou pode ter a ver com o hábito que os fariseus tinham de estudar a Lei à noite. Também pode significar que, nessa altura, Nicodemos ainda está às escuras, pois ainda não foi iluminado pela luz de Jesus. É bem possível que Nicodemos fizesse parte de um grupo, dentro do judaísmo erudito, que se interessava por Jesus e que queria compreendê-lo. Nicodemos aparecerá, mais tarde, a defender Jesus, perante os chefes dos fariseus (cf. Jo 7,50-52). Também estará presente na altura em que Jesus foi descido da cruz e colocado no túmulo (cf. Jo 19,39).

A conversa daquela noite entre Jesus e Nicodemos apresenta três momentos significativos. No primeiro (cf. Jo 3,1-3), Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus, graças às obras poderosas que Ele faz; mas Jesus acrescenta que isso não é suficiente, pois o essencial é reconhecê-l’O como o enviado do Pai, como aquele que veio do alto para revelar Deus. No segundo (cf. Jo 3,4-8), Jesus explica a Nicodemos que, para entender a proposta que Ele traz, é preciso “nascer de Deus”; e explica-lhe que esse novo nascimento é o nascimento “da água e do Espírito”. No terceiro (cf. Jo 3,9-21), Jesus descreve a Nicodemos o projeto de salvação de Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O extrato da conversa que escutamos neste quarto domingo da Quaresma pertence a esta terceira parte. É um texto carregado de densidade teológica.

 

MENSAGEM

A missão de Jesus consiste em mostrar aos homens o amor de Deus e em ensinar os homens a viver no amor. Ora será na cruz que Ele mostrará, de forma superlativa, tudo isso. Por isso, Jesus diz a Nicodemos que o Messias tem de “ser levantado ao alto”, como “Moisés levantou a serpente” no deserto. A referência evoca o episódio da caminhada pelo deserto quando os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma serpente de bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam (cf. Nm 21,8-9). Essa serpente de bronze, levantada ao alto, oferecia a vida, a salvação. Do mesmo modo, Jesus tem de ser levantado na cruz para ser fonte de vida e de salvação para aqueles que o contemplarem. É na cruz que Jesus manifesta o seu amor até ao extremo e que indica aos homens o caminho que eles devem percorrer para alcançar a salvação, a Vida definitiva (vers. 14). Nicodemos pensava que a Lei dava Vida; no entanto, a Vida plena brota do amor de Deus, expresso naquela cruz onde Jesus se oferece por amor até à última gota de sangue. Quem acredita naquele Homem levantado na cruz, quem adere a Ele e à sua proposta de Vida, quem aprende com Ele a fazer da própria vida dom total a Deus e aos irmãos, esse terá Vida eterna (vers. 15). Poderá, então, integrar a comunidade do Reino.

Depois destas considerações de caráter geral, o autor do Quarto Evangelho vai entrar em afirmações mais detalhadas sobre o plano de salvação de Deus oferecido aos homens em Jesus.

Jesus, o “Filho único” de Deus enviado pelo Pai ao encontro dos homens para lhes trazer a vida definitiva, é o grande dom do amor de Deus à humanidade. A expressão “Filho único” evoca, provavelmente, o “sacrifício de Isaac” (cf. Gn 22,16): Deus comporta-Se como Abraão, que foi capaz de desprender-se do próprio filho por amor (no caso de Abraão, amor a Deus; no caso de Deus, amor aos homens). Jesus, o “Filho único” de Deus, veio ao mundo para cumprir os planos do Pai em favor dos homens. Para isso, encarnou na nossa história humana, correu o risco de assumir a nossa fragilidade, partilhou a nossa humanidade; e, como consequência de uma vida gasta a lutar contra as forças das trevas e da morte que escravizam os homens, foi preso, torturado e morto numa cruz. A cruz é o último ato de uma vida vivida no amor, na doação, na entrega. A cruz é, portanto, a expressão suprema do amor de Deus pelos homens. Ela dá-nos a dimensão do incomensurável amor de Deus pela humanidade (vers. 16).

Qual é o objetivo de Deus ao enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É libertá-los do egoísmo, da escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a Vida eterna.

Ao enviar ao mundo o seu “Filho único”, Deus não tinha uma intenção negativa, mas uma intenção positiva. O Messias não veio com uma missão judicial, nem veio excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio oferecer aos homens – a todos os homens – a Vida definitiva, ensinando-os a amar sem medida e dando-lhes o Espírito que os transforma em Homens Novos (vers. 17). Reparemos neste facto notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de homens perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens pecadores, egoístas, autossuficientes, a fim de lhes apresentar uma nova proposta de Vida… E foi o amor de Jesus – bem como o Espírito que Jesus deixou – que transformou esses homens egoístas, orgulhosos, autossuficientes e os inseriu num dinamismo de vida nova e plena.

Diante da oferta de salvação que Deus faz, a pessoa tem de fazer a sua escolha. Quando aceita a proposta de Jesus e adere a Ele, escolhe a vida definitiva; mas quando prefere continuar escrava de esquemas de egoísmo e de autossuficiência, rejeita a proposta de Deus e autoexclui-se da salvação. A salvação ou a condenação não são, nesta perspetiva, um prémio ou um castigo que Deus dá à pessoa pelo seu bom ou mau comportamento; mas são o resultado da escolha livre da pessoa, face à oferta incondicional de salvação que Deus lhe faz. Em qualquer caso, a oferta de salvação, por parte de Deus, nunca foi retirada; continua aberta e à espera da resposta da pessoa. A responsabilidade pela Vida definitiva ou pela morte eterna não recai, assim, sobre Deus, mas sobre a pessoa (vers. 18). De acordo com a perspetiva de João, também não existe um julgamento futuro, no final dos tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para ver se os há de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende da atitude que a pessoa assume diante da proposta de Jesus.

Na parte final do nosso texto (vers. 19-21), João repete o tema da opção pela Vida (Jesus, “a Luz”) ou pela morte (“as trevas”). Ele constata que, por vezes, os homens rejeitam a proposta de Deus e preferem a escravidão e as trevas. Essa opção constitui uma sentença e são os homens que a pronunciam. Os que assim procedem rejeitam a Vida. Mas há outros homens que conseguem ver a beleza do amor: esses escolhem a luz e passam a viver no amor. São animados pelo Espírito de Jesus. São sinais de Deus no mundo. As suas obras refletem o amor e traduzem-se em gestos de serviço simples e humilde, de cuidado, de entrega, de doação. Esses são os que “nasceram de novo, os que nasceram do alto (da contemplação do Homem levantado na cruz), os que nasceram da água e do Espírito.

 

INTERPELAÇÕES

  • João é o evangelista abismado na contemplação do amor de um Deus que não hesitou em enviar ao mundo o seu Filho, o seu único Filho, para apresentar aos homens uma proposta de felicidade plena, de vida definitiva. O Evangelho deste domingo convida-nos a contemplar, com João, esta incrível história de amor e a espantar-nos com o peso que nós – seres limitados e finitos, pequenos grãos de pó na imensidão das galáxias – adquirimos nos esquemas, nos projetos e no coração de Deus. Temos consciência desse amor, estamos gratos por esse amor, aceitamos que esse amor nos indique o caminho que devemos percorrer e a forma como devemos viver?
  • O amor de Deus traduz-se na oferta ao homem de Vida plena e definitiva. É uma oferta gratuita, incondicional, absoluta, válida para sempre e que não discrimina ninguém. Aos homens – dotados de liberdade e de capacidade de opção – compete decidir se aceitam ou se rejeitam o dom de Deus. Às vezes, os homens acusam Deus pelas guerras, pelas injustiças, pelas arbitrariedades que trazem sofrimento e morte que pintam as paredes do mundo com a cor do desespero… O texto, contudo, é claro: Deus ama a pessoa e oferece-lhe a vida. O sofrimento e a morte não vêm de Deus, mas são o resultado das escolhas erradas feitas pelo ser humano que se obstina na autossuficiência e que prescinde dos dons de Deus. Temos consciência de que alguns dos males do nosso mundo poderão resultar do nosso egoísmo, do nosso orgulho, do nosso comodismo, dos nossos preconceitos, da nossa recusa em ouvir Deus e em seguir caminhos que Ele nos aponta? O que é que precisamos de mudar, nas nossas vidas, para sermos sinais e arautos do amor de Deus?
  • O evangelista João define claramente o caminho que todo o homem deve seguir para chegar à vida eterna: trata-se de “acreditar” em Jesus. “Acreditar” em Jesus não é uma mera adesão intelectual ou teórica a certas verdades da fé; mas é escutar Jesus, acolher a sua mensagem e os seus valores, segui-l’O no caminho do amor e da entrega ao Pai e aos irmãos. “Acreditar” significa olhar para aquele homem levantado na cruz e aprender com Ele o amor até ao extremo, o amor que ultrapassa todo o egoísmo e é dom total. Jesus é para nós essa referência fundamental, que procuramos seguir a cada instante e que nos aponta o caminho? Estamos dispostos a confiar incondicionalmente n’Ele, mesmo quando as suas indicações parecem estar contra a cultura ambiente, os ditames da moda, as doutrinas vigentes, ou as regras do socialmente correto?
  • Alguns cristãos vivem obcecados e assustados com esse momento final em que Deus vai julgar a pessoa, depois de pesar na balança as suas ações boas e as suas ações más… João garante-nos que Deus não é um contabilista, a somar os débitos e os créditos da pessoa para lhes pagar em conformidade… O cristão não vive no medo, pois ele sabe que Deus é esse Pai cheio de amor que oferece a todos os seus filhos a vida eterna. Não é Deus que nos condena; somos nós que escolhemos entre a vida eterna que Deus nos oferece ou a eterna infelicidade. Vivemos no medo de Deus, ou temos consciência de que somos nós que, com liberdade, fazemos as nossas opções? E, quando optamos, sabemos o que estamos a construir e para onde caminhamos?

 

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4.º DOMINGO DA QUARESMA
(adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 4.º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. PALAVRA DE VIDA.

Depois da saída do Egipto, o povo de Deus sabe que Deus é um Deus libertador. Toda a história do povo eleito é a história de uma aliança entre um libertador e um povo libertado. E Jesus vem ao mundo não para o julgar mas para o salvar. Deus toma então, sempre, a iniciativa do encontro, mas a pessoa tem que fazer a sua parte… Outrora, para conhecer o país onde corria leite e mel, foi preciso que os hebreus deixassem o Egipto, terra da escravidão, e atravessassem o Mar Vermelho, depois o deserto, lugar de provação. Para serem salvos da mordedura da serpente venenosa, foi preciso que erguessem os olhos para a serpente de bronze. Jesus será também elevado, e os homens são convidados a erguer os olhos para O olhar, O escutar, seguir o seu exemplo, acolher a sua paz e a sua vida.

3. À ESCUTA DA PALAVRA.

O grande amor de Deus por nós… Estranha palavra de Jesus que se refere a uma também estranha história de serpente de bronze erguida por Moisés no deserto! As serpentes mordiam os Hebreus na sua travessia do deserto. Então, Deus diz a Moisés para fazer uma serpente de bronze. Olhando-a, os Hebreus eram salvos da morte. Um remédio de certo modo homeopático! Mas diz-nos Jesus que «a minha morte vai tornar-se o remédio que vos salvará da vossa morte». Como? Porque o Pai depositou em Jesus a plenitude do seu amor: «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu único Filho». Então, quando Jesus entra na morte que os homens esvaziaram de qualquer traço de amor – a morte na cruz –, Ele entranha em si esta plenitude de amor. Ele preenche o vazio da morte com este amor infinito. Não há mais vazio, a morte explode na Ressurreição. Apenas Deus, porque é Amor, era capaz de cumprir esta admirável alquimia, muito mais extraordinária que a serpente de bronze no deserto: fazer da morte mais atroz o lugar onde se manifestaria o poder do seu amor. Isso continua verdadeiro hoje. Ele é sempre capaz de pôr no mais profundo de todas as mortes, mesmo as mais atrozes, a presença do seu amor. Não o vemos ainda, tal como os discípulos só viram ao princípio um cadáver na cruz. Mas, graças a este imenso amor de Deus por nós, todas as nossas mortes rebentarão na vida eterna.

4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

Somos dignos da missão, da confiança que Jesus põe em nós? Isso não é assim tão difícil, na realidade. Basta, muitas vezes, a atenção a pequenas coisas. Comportar-se à maneira de Jesus junto de cada um destes pequenos que são os seus irmãos: por uma palavra de acolhimento, um serviço prestado, um pouco de entreajuda, um gesto de partilha, um momento de escuta… Empreender também, ao nível de responsabilidade que é a nossa, atitudes para mudar o que pode ser mudado, para que haja menos injustiça e exclusão. Preparar a Páscoa com os mais esquecidos…

 

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

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José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
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