1. O Culto ao Coração de Jesus

O povo cristão, desde há séculos, gosta de contemplar e de prestar culto ao Coração de Jesus, particularmente durante o mês de junho. Mas, que queremos dizer ao falar de Coração de Jesus e ao prestar-lhe culto?

Segundo o Padre Dehon, essa contemplação e esse culto, são uma graça para quem sabe descobrir “o amor de Nosso Senhor sob a exterioridade dos seus mistérios.” (CAM-Paixão, p. 305s.). Por isso, ao falarmos do Coração de Jesus, não nos referimos ao músculo cardíaco do Senhor, conquanto seja adorável, porque “unido substancialmente ao Verbo de Deus”, como rezamos na ladainha. Ao falar do Coração de Jesus referimo-nos ao amor de Deus encarnado, na Pessoa humano-divina de Jesus, ao amor de Jesus por nós, àquilo que há de mais profundo na sua humanidade assumida. O Coração é o “ponto” onde a humanidade de Cristo se funde com a sua divindade, concretizando a união hipostática, o grande mistério de Deus feito homem. O Coração de Jesus é a sala nupcial onde foram celebradas as núpcias do “filho do Rei” com a carne nascida da Virgem Maria e, por meio dela, com toda a Igreja (cf. Mt 22, 2; Ef 5, 32). Se toda a humanidade de Jesus é o sacramento primordial da salvação, o seu Coração é-o de modo muito especial.

As imagens que mostram Jesus com o coração na mão ou sobre o peito prestam-se a equívocos e podem induzir-nos em erro, levando-nos a pensar que o culto ao Coração de Jesus se dirige ao seu músculo cardíaco. O coração deve estar dentro do peito, que é o seu lugar natural. Quando falamos de Coração de Jesus, referimo-nos a Jesus, à sua pessoa humano-divina, fixando a nossa atenção nos seus sentimentos profundos, especialmente no seu amor.

Ao falar do Coração de Jesus, referimo-nos ao seu amor oblativo, ao amor que O leva a dar-se até ao fim, e para além do fim. Falamos do seu amor até à morte e para além da morte: “vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados abriu-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água” (Jo 19, 33-34). O sangue e a água são manifestação do Espírito que o Senhor, ao morrer, doa a todos nós: “entregou o espírito” (Jo 19, 30). São símbolos do Batismo, que nos purifica e nos regenera para a vida nova em Cristo, e da Eucaristia que alimenta essa vida. O Coração aberto do Senhor é verdadeiramente o berço onde todos nascemos: do Coração de Cristo aberto na cruz, nasceu o homem novo, animado de um espírito novo, na comunidade que é a Igreja. “Todos lá nascemos. Todas as nossas fontes estão em ti”, como diz um salmo ao falar do monte Sião (Sl 87). Em sentido muito mais forte, podemos dizer o mesmo do Coração de Jesus aberto na cruz.

Outro salmo diz que “os pensamentos de Deus vão de geração em geração” (cf. Sl 33). Esses pensamentos somos nós. Os pensamentos do coração de Deus não são ideias abstratas e inconsistentes como as nossas: “os meus pensamentos não são como os vossos” (Is 55, 8). Os pensamentos de Deus são sempre realidades. Deus pensa e tudo existe. Deus pensou em nós, com amor, e nós passámos a existir. Somos pensamentos de Deus revestidos de carne que, no Coração de Jesus, nos tornámos filhos de Deus. Filhos no Filho!

Fernando Fonseca, SCJ