17º Domingo do Tempo Comum – Ano C [atualizado]

ANO C

17.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Tema do 17.º Domingo do Tempo Comum

Como nos relacionamos com Deus? Comunicamos com Ele? Sentimos necessidade de falar com Ele sobre a nossa vida, as nossas inquietações, dúvidas, alegrias e tristezas? Estamos interessados em escutar o que Deus tem para nos dizer? Como se processa o nosso diálogo com Deus? É sobre estas questões que a Palavra de Deus deste domingo nos fala.

Na primeira leitura o patriarca Abraão dirige-se ao Deus que veio visitá-lo e dialoga com Ele. Abraão expõe a Deus as suas inquietações, as suas dúvidas, as suas questões, num diálogo respeitoso, mas também frontal, sincero, confiante. Deus responde de forma franca às perguntas de Abraão e partilha com ele os planos que tem para o mundo e para os homens. É um diálogo honesto e verdadeiro de amigos que têm apreço um pelo outro e que se interessam pelo que o outro pensa e sente. Esta “conversa” pode ser modelo da nossa oração, do nosso diálogo com Deus.

No Evangelho Jesus conta aos discípulos a sua experiência de Deus e mostra-lhes como devem falar com Deus. Convida-os a verem Deus como um pai bom e cheio de amor, sempre disponível para escutar os seus filhos; pede-lhes que, quando falarem com esse Pai, procurem perceber e acolher os projetos que Ele tem para o mundo e para os homens; sugere-lhes que se entreguem nas mãos desse Pai e que confiem n’Ele incondicionalmente. Assim, cada momento de oração será uma experiência inolvidável de intimidade, de familiaridade e de comunhão.

Na segunda leitura Paulo, dirigindo-se aos cristãos da cidade de Colossos, recorda-lhes o papel e o lugar de Cristo no projeto salvador de Deus em favor dos homens; e convida-os a serem coerentes com os compromissos que assumiram no dia em que escolheram caminhar com Cristo.

 

LEITURA I – Génesis 18,20-32

Naqueles dias, disse o Senhor:
«O clamor contra Sodoma e Gomorra é tão forte,
o seu pecado é tão grave
que Eu vou descer para verificar
se o clamor que chegou até Mim
corresponde inteiramente às suas obras.
Se sim ou não, hei de sabê-lo».
Os homens que tinham vindo à residência de Abraão
dirigiram-se então para Sodoma,
enquanto o Senhor continuava junto de Abraão.
Este aproximou-se e disse:
«Irás destruir o justo com o pecador?
Talvez haja cinquenta justos na cidade.
Matá-los-ás a todos?
Não perdoarás a essa cidade,
por causa dos cinquenta justos que nela residem?
Longe de Ti fazer tal coisa:
dar a morte ao justo e ao pecador,
de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte!
Longe de Ti!
O juiz de toda a terra não fará justiça?»
O Senhor respondeu-lhe:
«Se encontrar em Sodoma cinquenta justos,
perdoarei a toda a cidade por causa deles».
Abraão insistiu:
«Atrevo-me a falar ao meu Senhor,
eu que não passo de pó e cinza:
talvez para cinquenta justos faltem cinco.
Por causa de cinco, destruirás toda a cidade?»
O Senhor respondeu:
«Não a destruirei se lá encontrar quarenta e cinco justos».
Abraão insistiu mais uma vez:
«Talvez não se encontrem nela mais de quarenta».
O Senhor respondeu:
«Não a destruirei em atenção a esses quarenta».
Abraão disse ainda:
«Se o meu Senhor não levar a mal, falarei mais uma vez:
talvez haja lá trinta justos».
O Senhor respondeu:
«Não farei a destruição, se lá encontrar esses trinta».
Abraão insistiu novamente:
«Atrevo-me ainda a falar ao meu Senhor:
talvez não se encontrem lá mais de vinte justos».
O Senhor respondeu:
«Não destruirei a cidade em atenção a esses vinte».
Abraão prosseguiu:
«Se o meu Senhor não levar a mal,
falarei ainda esta vez:
talvez lá não se encontrem senão dez».
O Senhor respondeu:
«Em atenção a esses dez, não destruirei a cidade».

 

CONTEXTO

Designados genericamente como “tradições patriarcais”, os capítulos 12 a 36 do livro do Génesis apresentam diversos relatos singulares, originalmente independentes uns dos outros e sem caráter de exatidão histórica. Nas “tradições patriarcais encontramos “mitos de origem” (relatos que contam como um qualquer “patriarca” chegou a um determinado lugar e tomou posse daquela terra), “lendas cultuais” (lendas ligadas a “lugares sagrados” que contam como um deus ali apareceu) e memórias diversas relativas à luta diária pela existência das tribos nómadas que circulavam pela Palestina no segundo milénio antes de Cristo. Os teólogos de Israel, muitos séculos mais tarde, soldaram esses materiais uns aos outros, enriqueceram-nos com as suas reflexões teológicas e apresentaram-nos aos crentes israelitas com o objetivo de fazer catequese.

Entre os materiais que compõem as “tradições patriarcais” está a memória de um cataclismo que atingiu e destruiu diversas povoações situadas nas margens do Mar Morto (cf. Gn 19). Sodoma foi uma das cidades destruídas (as outras teriam sido Gomorra, Adama, Seboim e Segor). Alguns estudiosos modernos têm procurado uma explicação para essa catástrofe na geologia da área: a região fica situada na falha do vale do Jordão, numa zona sujeita a terramotos e a atividades vulcânicas. Depósitos de betume e de petróleo têm sido descobertos nesta região; e alguns escritores antigos atestam a presença de gases que, uma vez inflamados, poderiam causar uma terrível destruição, do tipo relatado em Gn 19.

As marcas desse cataclismo ainda eram visíveis muitos séculos depois (como, aliás, são visíveis ainda hoje); por isso, é natural que os israelitas se interrogassem sobre as razões de uma tão terrível devastação. Os teólogos israelitas compreenderam que essa memória oferecia uma oportunidade para fazer catequese. A destruição de Sodoma e das cidades à volta do Mar Morto foi então apresentada, pela catequese de Israel, como o castigo de Deus para o pecado dos homens. Os crentes israelitas eram assim convidados a descobrir que o pecado leva o homem por caminhos sem saída e sem futuro. Simultaneamente, os teólogos de Israel aproveitaram o “diálogo” entre Deus e Abraão sobre Sodoma para propor aos crentes um ensinamento sobre o “peso” do justo nas “contas” de Deus (cf. Gn 18,16-33).

 

MENSAGEM

Depois de ter experimentado a hospitalidade de Abraão (cf. Gn 18,1-15), Deus dispõe-se a enviar os seus mensageiros a Sodoma, a cidade pecadora, para saber, de fonte segura, se a conduta dos habitantes da cidade corresponde “ao brado” que chegou até Ele (cf. Gn 18,20-22). Entretanto, Deus demora-se a conversar com Abraão sobre os seus planos para Sodoma.

É precisamente aí que o autor javista resolve inserir a pergunta fundamental que o inquieta: que acontecerá se a “investigação” de Deus revelar a existência na cidade de um pequeno grupo de “justos”? Deus vai castigar todos os habitantes da cidade, incluindo os “justos”? Será que um punhado de “justos” vale tanto que, por amor deles, Deus esteja disposto a perdoar o castigo a uma multidão de culpados?

A ideia de que um punhado de “justos” possa salvar a cidade pecadora é, em pleno séc. X a.C. (a época do javista), uma ideia revolucionária. Para a mentalidade religiosa dos israelitas dessa altura, todos os membros de uma comunidade (família, cidade, nação) eram solidários no bem e no mal; se alguém falhasse, o castigo devia, invariavelmente, atingir toda a comunidade. Apesar disso, os teólogos javistas atrevem-se a sugerir que talvez a “justiça” de uns tantos seja, para Deus, mais importante do que o pecado da maioria.

O problema que Abraão procura resolver é, portanto, se aos olhos de Deus um grupo de “justos” tem tal peso que, por amor deles, Deus esteja disposto a suspender o castigo que pesa sobre toda a comunidade. Quantos “justos” serão necessários para que Deus suspenda o castigo? Os números sucessivamente avançados por Abraão (em forma descendente, de cinquenta até dez) fazem parte do folclore do “regateio”, procedimento habitual nos mercados do Médio Oriente; mas servem, também, para pôr em relevo a misericórdia e a “justiça de Deus”: a descida até aos dez “justos” e as sucessivas declarações de Deus manifestando-se disponível para suspender o castigo mostram que, n’Ele, a misericórdia é maior do que vontade de castigar, a vontade de salvar é infinitamente maior do que a vontade de condenar.

Definida a questão fundamental, reparemos agora na forma como se desenrola a “conversa” entre Abraão e Deus. Deus faz questão de não ocultar nada ao seu amigo Abraão (cf. Gn 18,17-19). Explica-lhe francamente o que está em causa e desvela-lhe o seu plano, se se confirmar a culpa dos habitantes de Sodoma (cf. Gn 18,20-21). É muito sugestiva a ideia de que Deus, apesar da sua grandeza e omnipotência, quer manter o homem a par dos projetos que tem para o mundo. Abraão, por sua vez, apresenta-se com humildade e respeito, pois sente-se “pó e cinza” diante da grandeza de Deus; no entanto, à medida que o diálogo avança e percebe que pode contar com a benevolência de Deus, vai ganhando confiança. A certa altura ficamos mesmo com a sensação de que Abraão está mesmo a ser importuno na sua insistência e ousado no seu regateio. No papel do “orante” que intercede pela cidade pecadora, Abraão atreve-se a apelar à misericórdia e a “lembrar” a Deus que a inocência de alguns deve ter mais valor do que a culpabilidade de muitos. Em nenhum momento Deus se recusa a escutar Abraão ou contesta as observações do seu amigo.

O diálogo franco, confiante, insistente, ousado, familiar, que Abraão estabelece com Deus poderá ser visto como um modelo de oração para todo o crente. Afinal, o Deus de Abraão (que é também o nosso) é um Deus que se dispõe a vir ao encontro do homem, a entrar na tenda do homem, a sentar-se à mesa com o homem, a estabelecer comunhão com o homem, a contar ao homem os seus projetos, a escutar tudo aquilo que o homem lhe quiser dizer. Um Deus que Se revela dessa forma é um Deus com quem o homem pode dialogar, com amor e sem temor.

 

INTERPELAÇÕES

  • O diálogo entre Deus e Abraão sobre a sorte dos “justos” que habitavam na cidade de Sodoma, expõe um “dogma” que a catequese de Israel muito cedo percebeu e integrou na sua reflexão: Deus é clemente e compassivo; a sua misericórdia é muito maior do que a sua vontade de castigar a maldade. Deus até – diz a catequese de Israel – está disposto a perdoar uma cidade pecadora se nela houver apenas dez “justos”! Contudo, trinta séculos depois, ainda há quem acredite num Deus cuja principal ocupação é “tomar nota” das maldades dos homens e retaliar contra aqueles que desafiaram as suas “ordens”. Como vemos e entendemos Deus? Caminhamos pela vida esmagados pelo medo da “vingança” de um deus justiceiro e castigador, ou confiantes na misericórdia e na compaixão de um Deus que ama os seus filhos com amor de pai?
  • O Deus que conta a Abraão os seus planos para a cidade de Sodoma não é um Deus distante e inacessível, que vive alheado da realidade e da história dos homens; mas é um Deus que se atreve a vir ao encontro do homem, que aceita a hospitalidade que o homem lhe oferece e que até discute com o homem os projetos que tem para o mundo. Esse Deus da relação, do diálogo, do encontro, da comunhão, é um Deus com quem podemos falar, com quem podemos partilhar as nossas dúvidas, inquietações, sonhos e esperanças. Quando vemos Deus desta forma, o nosso encontro com Ele torna-se diálogo de amigos ou, noutra dimensão, diálogo de um filho com o seu pai. Então, começamos a perceber que esse Deus nos “faz falta”. Sentimos continuamente vontade de “conversar” com Ele, de lhe dizer o que nos vai no coração, de escutar os seus conselhos e indicações, de passar tempo com Ele. É essa a “experiência de Deus” que fazemos?
  • O diálogo de Abraão com Deus poderia servir de modelo para a oração de qualquer crente: é um diálogo humilde, reverente, respeitoso, mas também confiante, ousado, verdadeiro. Não é uma repetição de palavras ocas ou de fórmulas estereotipadas, gravadas e repetidas por um qualquer aparelho mecânico ou uma mente acrítica, mas um diálogo espontâneo e sincero, no qual o crente se expõe e coloca diante de Deus tudo aquilo que lhe enche o coração. As nossas orações são um diálogo espontâneo, vivo, confiante com Deus, ou são repetições fastidiosas de fórmulas fixas, mastigadas à pressa, sem significado e sem alma?

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 137 (138)

Refrão: Quando Vos invoco, sempre me atendeis, Senhor.

De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças,
porque ouvistes as palavras da minha boca.
Na presença dos Anjos hei de cantar-Vos
e adorar-Vos, voltando para o vosso templo santo.

Hei de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade,
porque exaltastes acima de tudo o vosso nome e a vossa promessa.
Quando Vos invoquei, me respondestes,
aumentastes a fortaleza da minha alma.

O Senhor é excelso e olha para o humilde,
ao soberbo conhece-o de longe.
No meio da tribulação Vós me conservais a vida,
Vós me ajudais contra os meus inimigos.

A vossa mão direita me salvará,
o Senhor completará o que em meu auxílio começou.
Senhor, a vossa bondade é eterna,
não abandoneis a obra das vossas mãos.

 

LEITURA II – Colossenses 2,12-14

Irmãos:
Sepultados com Cristo no batismo,
também com Ele fostes ressuscitados
pela fé que tivestes no poder de Deus
que O ressuscitou dos mortos.
Quando estáveis mortos nos vossos pecados
e na incircuncisão da vossa carne,
Deus fez que voltásseis à vida com Cristo
e perdoou-nos todas as nossas faltas.
Anulou o documento da nossa dívida,
com as suas disposições contra nós;
suprimiu-o, cravando-o na cruz.

 

CONTEXTO

A cidade de Colossos pertencia à província romana da Ásia e estava situada na Frígia, a leste de Éfeso, a poucos quilómetros de Hierápolis e Laodiceia. A comunidade cristã de Colossos nasceu do trabalho missionário de Epafras, discípulo de Paulo (cf. Cl 1,7; 4,12-13). Era constituída maioritariamente por cristãos vindos do paganismo, embora também incluísse um certo número de judeo-cristãos.

Quando escreveu esta carta, Paulo estava na prisão (talvez em Roma, nos anos 61 a 63). Epafras tinha ido visitá-lo e tinha-lhe falado dos problemas que a comunidade cristã de Colossos estava a enfrentar. Esses problemas resultavam da presença em Colossos de pregadores cristãos que propunham doutrinas pouco consentâneas com o Evangelho de Jesus. Misturando elementos judaicos com elementos sincretistas de origem diversa, esses pregadores exigiam a circuncisão (Cf. Cl 2,11-13), a observância do sábado, a celebração de certas festas religiosas (cf. Cl 2,16), a abstinência de determinados alimentos (cf. Cl 2,16.20-22); sublinhavam o papel e o lugar dos poderes cósmicos que governavam os astros; recomendavam o culto dos anjos; propunham rituais de iniciação e o exercício de diversas práticas ascéticas destinadas a comunicar aos fiéis um conhecimento superior dos mistérios.

Paulo percebeu que estes erros eram graves, pois ameaçavam subalternizar o lugar central de Cristo, único salvador e redentor do homem. Paulo, procurando esclarecer os cristãos de Colossos, exorta-os a não darem ouvidos a esses pregadores e a não se deixarem enredar em filosofias vazias e enganadoras, fundadas em tradições humanas e não em Cristo (cf. Cl 2,8). Garante-lhes que Cristo basta, pois é n’Ele que reside a plenitude da divindade; Cristo é a cabeça de todo o principado e potestade e foi Ele que nos redimiu com a sua morte (cf. Col 2,9-15).

 

MENSAGEM

No dia em que aderiu a Cristo e recebeu o batismo, o crente incorporou-se em Cristo e identificou-se com Cristo. A vida de Cristo passou a circular nele. Revivificado por essa vida, o crente morreu para o pecado e ressuscitou para uma vida nova, para uma vida totalmente outra (“sepultados com Cristo no batismo, também com Ele fostes ressuscitados pela fé que tivestes no poder de Deus que O ressuscitou dos mortos” – vers. 12). Portanto, quem escolheu Cristo, libertou-se de todas as cadeias que o tolhiam e lhe roubavam a vida. Não precisa de recorrer a outras filosofias, a outros “poderes”, a outras propostas (anjos, poderes cósmicos, leis véterotestamentários, práticas ascéticas rígidas) para ter acesso à salvação. É Cristo que salva; Cristo basta.

Para explicitar, através de uma imagem gráfica, a intervenção salvadora de Cristo, Paulo refere-se a um “documento de dívida” que a morte de Cristo teria “anulado” (vers. 14). Em que é que o autor da carta está a pensar quando refere esse documento? Não sabemos exatamente. Pode ser uma alusão à lei de Moisés que, com as suas leis, exigências e prescrições impossíveis de cumprir na totalidade, constituía uma “acusação” contra as falhas dos homens; ou pode também evocar certas tradições judaicas da época, que falavam de um “registo” onde Deus inscreveria as “contas” dos homens (cf. Sl 139,16). Seja como for, o crente já não precisa de viver no medo do castigo. Cristo, com a sua entrega na cruz, anulou o documento que listava os débitos do homem. Agora esses débitos estão saldados.

Enxertado em Cristo, vivificado pela comunhão com Cristo, o crente é um Homem Novo. Pode caminhar a passos largos em direção à vida em plenitude.

 

INTERPELAÇÕES

  • É frequente termos, nas nossas experiências de vida, momentos que consideramos decisivos, que marcam e definem o sentido do nosso caminho. Para Paulo, o momento decisivo da sua vida foi o seu encontro com Cristo na estrada de Damasco (cf. At 9,1-18; 22,4-21; 26,9-18). Desde esse instante, Paulo percebeu que queria Cristo no centro da sua vida. Passou a construir toda a sua existência à volta de Cristo e da sua proposta de salvação. Considerou fundamental tudo aquilo que o aproximava de Cristo e o punha em comunhão com Cristo, e secundário tudo aquilo que não o ajudava a chegar a Cristo. Tudo isso aparece bem evidente na reflexão e nos desafios que Paulo deixa aos cristãos de Colossos. Também nós, como Paulo de Tarso, nos encontramos com Cristo num determinado momento do nosso caminho; também nós aderimos a Cristo e nos dispusemos a caminhar com Ele; também nós vimos no Evangelho anunciado por Cristo uma proposta de salvação capaz de mudar o mundo e de dar um sentido pleno às nossas vidas. Cristo tem-se mantido no centro das nossas vidas, ou substituímo-lo por outras figuras e interesses? O Evangelho proposto por Cristo é a lei fundamental à volta da qual construímos o nosso projeto de vida?
  • O nosso batismo foi, para cada um de nós, o momento do compromisso com Cristo. Nesse dia, renunciámos ao pecado e comprometemo-nos a caminhar sempre atrás de Cristo no caminho da doação, do serviço simples e humilde, da entrega da vida por amor; fomos ungidos com o óleo do crisma e enviados ao mundo como testemunhas da salvação de Deus; recebemos a luz de Cristo e fomos desafiados a iluminar o mundo com a verdade de Cristo. É este “caminho” que temos vindo a percorrer? A nossa vida, as nossas opções, as nossas palavras, os nossos gestos e o nosso testemunho têm sido coerentes com os compromissos que assumimos no dia em que fomos batizados e começamos a caminhar com Cristo?
  • Paulo fala de um “documento da nossa dívida” que Cristo “suprimiu, cravando-o na cruz”. É uma imagem muito expressiva para dizer que Cristo, oferecendo a sua vida até ao dom total de si mesmo, nos libertou do egoísmo, do orgulho, da ambição, da violência, da autossuficiência, da maldade, do medo, de tudo o que leva à morte. Agora, libertos de todo esse “lastro” que nos prendia e nos impedia de dar sentido pleno à nossa existência, podemos viver como Homens Novos, que caminham decididos em direção à vida verdadeira. A consciência de que Cristo nos libertou é para nós fonte de alegria e de esperança ao longo do caminho que vamos fazendo todos os dias? Estamos decididos a mantermo-nos livres, seguindo os passos e as indicações de Cristo?

 

ALELUIA – Romanos 8,15bc

Aleluia. Aleluia.

Recebestes o espírito de adoção filial;
nele clamamos: «Abba, ó Pai».

 

EVANGELHO – Lucas 11,1-13

Naquele tempo,
Estava Jesus em oração em certo lugar.
Ao terminar, disse-Lhe um dos discípulos:
«Senhor, ensina-nos a orar,
como João Baptista ensinou também os seus discípulos».
Disse-lhes Jesus:
«Quando orardes, dizei:
‘Pai,
santificado seja o vosso nome;
venha o vosso reino;
dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência;
perdoai-nos os nossos pecados,
porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende;
e não nos deixeis cair em tentação’».
Disse-lhes ainda:
«Se algum de vós tiver um amigo,
poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer:
‘Amigo, empresta-me três pães,
porque chegou de viagem um dos meus amigos
e não tenho nada para lhe dar’.
Ele poderá responder lá de dentro:
‘Não me incomodes;
a porta está fechada,
eu e os meus filhos estamos deitados
e não posso levantar-me para te dar os pães’.
Eu vos digo:
Se ele não se levantar por ser amigo,
ao menos, por causa da sua insistência,
levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa.
Também vos digo:
Pedi e dar-se-vos-á;
procurai e encontrareis;
batei à porta e abrir-se-vos-á.
Porque quem pede recebe;
quem procura encontra
e a quem bate à porta, abrir-se-á.
Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe,
em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente?
E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião?
Se vós, que sois maus,
sabeis dar coisas boas aos vossos filhos,
quanto mais o Pai do Céu
dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».

 

CONTEXTO

Jesus percorre com os discípulos o caminho que leva da Galileia a Jerusalém (cf. Lc 9,51-19,28). No esquema teológico de Lucas esse caminho é, mais do que um caminho geográfico, um caminho espiritual, ao longo do qual os discípulos vão interiorizando os valores do Reino de Deus e crescendo na adesão a Jesus. No caminho para Jerusalém, os discípulos recebem as lições que os habilitam para continuarem, no “tempo da Igreja”, a obra de Jesus.

Desta vez, a lição é sobre a oração. O narrador leva-nos até um lugar – possivelmente isolado – onde Jesus está em oração. Os discípulos estão um pouco afastados. Não ousam interrompê-lo, mas estão impressionados com a forma como Ele se relaciona com Deus. Quando Jesus termina a sua oração, pedem-lhe que que os ensine a rezar, pois também eles querem seguir o seu exemplo e aproximar-se desse Pai bom do qual tanto ouvem falar.

Lucas dá grande importância à oração de Jesus. Ele refere a oração de Jesus em diversas situações, nomeadamente no Batismo (cf. Lc 3,21), antes da eleição dos Doze (cf. Lc 6,12), antes do primeiro anúncio da paixão (cf. Lc 9,18), no contexto da transfiguração (cf. Lc 9,28-29), após o regresso dos discípulos da missão (cf. Lc 10,21), na última ceia (cf. Lc 22,32), no Getsemani (cf. Lc 22,40-46) e na cruz (cf. Lc 23,34.46). Lucas pretende insinuar que Jesus, antes de tomar decisões fundamentais, fala com o Pai e procura, pela oração, discernir a vontade do Pai.

A oração do “Pai nosso” – a oração que Jesus ensinou aos seus discípulos – aparece também, embora noutro contexto, no Evangelho de Mateus (cf. Mt 6,9-13). As fórmulas usadas por um e outro evangelista apresentam significativas diferenças. Isso significa, provavelmente, que Lucas e Mateus colheram as suas fórmulas do “Pai nosso” em tradições litúrgicas distintas. A versão de Mateus condiz com um meio judeo-cristão, enquanto que a de Lucas – mais breve e com menos embelezamentos litúrgicos – poderá estar mais próxima da fórmula original proposta por Jesus.

 

MENSAGEM

Como é que os discípulos de Jesus devem rezar? Jesus refere-se a dois aspetos que devem ser considerados no diálogo com Deus. O primeiro diz respeito à “forma”: deve ser um diálogo como o de um filho com o seu pai; o segundo diz respeito ao “assunto”: esse diálogo incidirá na realização do plano do Pai para o mundo e para os homens.

Os discípulos de Jesus devem experimentar Deus como um pai e dirigir-se a Ele como a um pai (“quando orardes, dizei: ‘Pai’” – vers. 2). Ver Deus como um “pai” não é, para os contemporâneos de Jesus, uma novidade. No Antigo Testamento, Deus é “o pai” que manifesta amor e solicitude pelo seu Povo (Os 11,1-9; cf. Dt 32,6; Is 63,16; 64,7-8; Jr 3,19; 31,9; Mal 2,10); mas na época de Jesus não era habitual os crentes usarem este título na oração individual para se dirigirem a Deus.

No entanto, Jesus usava-o (cf. Lc 10,21; 23,34). É provável até que utilizasse a palavra aramaica “abba” (“Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice!” – Mc 14,36), um termo do mundo das crianças que expressa a ternura, a simplicidade, a dependência, a confiança de um filho pequenino quando se dirige ao seu “papá” (a comunidade cristã primitiva, “tocada” pela utilização que Jesus fez da palavra, recolheu-a e utilizou-a, por sua vez, para referir-se a Deus – cf. Rm 8,15; Gl 4,6). Para Jesus, Deus era o “Abbá”, o Pai muito querido. Jesus sentia-se intimamente ligado a esse Pai, experimentava a ternura desse Pai, confiava plenamente nesse Pai. Era dessa forma que Ele experimentava e sentia Deus.

Ao pedir aos discípulos que tratem Deus por “Pai”, Jesus admite-os à comunhão que existe entre Ele e Deus. Identificados com Jesus, os discípulos estabelecem com Deus uma relação íntima, única, familiar. Passam a ser irmãos de Jesus e entram na família de Deus. Tornam-se “filhos de Deus”.

Sentir-se “filho” de Deus significa, por outro lado, reconhecer a fraternidade, a comunhão com uma imensa família que reúne homens e mulheres de todas as raças, culturas e nações. Dizer a Deus “Pai” implica sair do individualismo que aliena, superar as divisões e destruir as barreiras que impedem de amar e de ser solidários com os outros irmãos, filhos queridos do mesmo “Pai”.

Definida a “atitude”, falta definir o “assunto” ou o “tema” da oração. Jesus sugere diversas “petições” que podem entrar no diálogo dos seus discípulos com o “Pai”.

A primeira tem a ver com a santificação do nome de Deus (“santificado seja o vosso nome”). O crente expressa o desejo de que Deus se manifeste como Salvador aos olhos de todos os povos e todos reconheçam a grandeza e a soberania de Deus sobre o mundo e sobre a história. Reconhecendo a autoridade de Deus, os homens passarão a viver na obediência aos seus preceitos e mandamentos. Será o fim de todas as injustiças e o início de uma nova realidade.

A segunda refere-se à vinda do Reino de Deus (“venha o vosso reino”). O “Reino de Deus” é o grande tema e a grande “paixão” de Jesus. Jesus, sentindo que esse era o projeto do Pai, anuncia e propõe um mundo que funcione de acordo com os valores de Deus: um mundo de paz, de justiça, de fraternidade, de igualdade entre todos os homens. Esse “Reino de Deus” opõe-se aos grandes impérios deste mundo, construídos sobre injustiças, violências, ambições, guerras e mortes. Para Jesus, faz todo o sentido pedir a Deus que o “Reino” se torne uma realidade na vida do mundo e dos homens.

A terceira implora o pão quotidiano para todos os filhos de Deus (“dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência” – vers. 3). Jesus via todos os dias desfilar pelos caminhos da Galileia homens sem trabalho, que não tinham pão para dar aos seus filhos. É provável que, ao passar por zonas despovoadas e pobres, Ele próprio e os discípulos nem sempre encontrassem o pão de que necessitavam para se alimentar. No entanto, Ele sabia que Deus tinha alimentado o seu povo ao longo da caminhada pelo deserto e fazia em cada ano florescer as sementes nos campos. O pão, necessário para subsistir em cada dia, é um dom de Deus; é Deus que provê às necessidades dos seus filhos. Assim, é necessário pedir a Deus o pão de cada dia. E esse pão que Deus distribui é “nosso” (não “meu”); destina-se à subsistência de todos os filhos de Deus e não apenas daquele que reza. A visão egoísta e açambarcadora dos bens dados por Deus não cabe nesta oração.

A quarta pede a Deus o perdão dos pecados (“perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende” – vers. 4a). O pedido para que Deus perdoe os pecados é frequente nas orações dos judeus. Também para os discípulos que rodeavam Jesus, o pedido para que o Pai perdoasse os “pecados” fazia todo o sentido: apesar das boas intenções que tinham, eles deixavam-se dominar a cada passo do caminho por medos e receios, por invejas e ciúmes, por ambições e projetos egoístas. Necessitavam do perdão de Deus. No entanto, na oração ensinada por Jesus havia algo novo: a sugestão de um compromisso com o perdão aos irmãos. Quem quiser experimentar o perdão de Deus que cura e regenera, deve comprometer-se a perdoar aos seus irmãos. Ninguém pode sentir-se em paz com o Pai se não se sentir em paz com o seu irmão.

A quinta e última (“não nos deixeis cair em tentação” – vers. 4b) solicita a ajuda de Deus para que os discípulos não se deixem seduzir pelo apelo das felicidades ilusórias, dos caminhos fáceis que não levam a lado nenhum, das lógicas que afastam dos valores do Evangelho, das solicitações de um mundo materialista, violento, injusto e desumano.

Embora seja uma oração breve, o “Pai nosso” sintetiza tudo o que Jesus viveu e sentiu a propósito de Deus e dos seus projetos. Constitui também um resumo de tudo o que Jesus disse e ensinou, um verdadeiro compêndio do Evangelho. Faz todo o sentido, portanto, que esta seja a oração dos discípulos de Jesus; faz todo o sentido que, sempre que os discípulos se reúnem à volta da mesa eucarística, rezem “a oração que Jesus ensinou”.

A lição de Jesus sobre a oração, no caminho para Jerusalém, conclui-se com duas parábolas. Na primeira (vers. 5-8), há um “amigo importuno” que pede insistentemente pães emprestados, e um outro amigo que se levanta da cama a horas impróprias para entregar ao primeiro os pães que ele reclama. O acento não deve ser posto na insistência do “amigo importuno”, mas sim na ação do amigo que satisfaz o pedido que lhe é feito. O que Jesus sugere parece claro: se os homens são capazes de escutar o apelo de um amigo importuno, muito mais Deus atenderá generosamente aqueles que se Lhe dirigem. A segunda parábola (vers. 9-13) convida à confiança em Deus. Um pai escuta sempre os pedidos do seu filho e não o defraudará. Da mesma forma, Deus conhece-nos bem, escuta os nossos pedidos e sabe do que necessitamos. Seja qual for a “resposta” de Deus, de uma coisa podemos estar certos: Ele nunca dará nada que nos faça mal. Nos momentos mais complicados da nossa vida, a oração insistente fará com que o Pai nos dê o seu Espírito. Animados e fortalecidos pela força de Deus, podemos enfrentar todas as crises e dificuldades.

 

INTERPELAÇÕES

  • Lucas faz questão de nos dizer que Jesus manteve, ao longo de toda a sua vida, um constante diálogo com o Pai. Depois de cada jornada gasta a percorrer as aldeias da Galileia, a curar as feridas dos homens, a contar parábolas que anunciavam a chegada iminente de um mundo novo, a experimentar a oposição dos líderes judaicos, a constatar a falta de fé dos habitantes das cidades do lago, a verificar a dificuldade dos discípulos em aceitar os valores do Reino, Jesus sentia necessidade de se afastar para um sítio isolado para passar tempo de qualidade com o Pai. Era nesse tempo que Ele contava ao Pai o que lhe ia no coração, experimentava a ternura do Pai, procurava discernir os projetos do Pai, recebia do Pai a força para enfrentar as oposições e servir o Reino de Deus. E nós, formados na “escola de Jesus”, também procuramos encontrar espaço, no final de cada dia, para dialogar com Deus? No meio da agitação e dos problemas que todos os dias nos visitam, encontramos tempo para “sentirmos o pulso” de Deus, para contarmos a Deus as nossas dúvidas e inquietações, para tentarmos perceber o projeto de Deus tem para nós e para o mundo?
  • Jesus sentia Deus como um pai bom, que acolhe com ternura e bondade os seus filhos, que os escuta interessadamente, que partilha com eles os seus projetos, que os apoia e abraça, que lhes dá a força necessária para enfrentarem os ventos e marés da vida e da história. Quando se experimenta Deus desse jeito, sentimo-nos bem a dialogar com Deus, a contar-lhe o que nos vai no coração, a procurar discernir o que Ele quer de nós, a fazer a sua vontade. Como vemos Deus? Ele é para nós, como o era para Jesus, o “papá” a quem amamos e por quem nos sentimos amados, em quem confiamos incondicionalmente, a quem recorremos confiadamente, com quem partilhamos tudo o que nos acontece, ou é o Deus distante, inacessível, indiferente, que facilmente deixamos de lado porque não tem qualquer lugar especial no nosso projeto de vida?
  • Jesus pede aos seus discípulos que, sempre que falarem com Deus, tenham presente o projeto de Deus para o mundo e para os homens. Para Jesus, a oração não é o momento para tentarmos pôr Deus ao serviço das nossas negociatas pessoais e dos nossos interesses mesquinhos; mas é o momento de olharmos para além de nós, para as necessidades do mundo e dos irmãos que partilham connosco o caminho da vida; é o momento de procurarmos perceber o que é que Deus quer de nós e qual o papel que nos destina na concretização dos seus planos. Quando falamos com Deus, o que lhe dizemos? Que questões pomos em cima da mesa? A nossa oração cinge-se ao âmbito restrito dos nossos interesses pessoais, ou contempla os interesses de Deus e dos homens nossos irmãos?
  • Dialogarmos com o nosso Pai do céu é tomarmos consciência de que fazemos parte de uma grande família, de uma família constituída por homens e mulheres de todas as raças e culturas. Tratar a Deus por “Pai” leva-nos à descoberta da fraternidade. A melhor forma de rezar o “Pai nosso” é de mãos dadas com os nossos irmãos. Quando rezamos o “Pai nosso”, temos consciência dos laços fraternos que nos unem a todos os homens e mulheres que se cruzam connosco nos caminhos da vida? Quando rezamos o “Pai nosso” sentimo-nos responsáveis por todos os nossos irmãos, sobretudo pelos mais frágeis, por aqueles que necessitam dos nossos cuidados, por aqueles que tantas vezes são abandonados nas bermas da estrada da vida?
  • Jesus não vê inconveniente que, no diálogo com Deus, lhe peçamos que cuide do “nosso pão” de cada dia. Não do “meu pão”, mas do “nosso pão”. Não fazemos este pedido para Deus não se esquecer de nos providenciar as coisas necessárias à subsistência dos seus filhos e filhas. Deus nunca poderia esquecer isso. Jesus convida-nos a fazer este pedido para nos lembrarmos, nós próprios, que tudo aquilo que Deus nos dá para a nossa subsistência pertence a todos os filhos e filhas de Deus e deve ser partilhado com todos os nossos irmãos. Como consideramos os bens que Deus coloca à nossa disposição? Como conquistas pessoais, que se destinam apenas a alimentar o nosso bem-estar pessoal, ou como “prendas” de Deus destinadas a todos os seus filhos e filhas, sem exceção?
  • Jesus convida os discípulos a pedir a Deus que compreenda as faltas que são inerentes à condição humana e perdoe os pecados que tiverem cometido. Mas também vincula, de algum modo, o perdão de Deus ao perdão que os seus discípulos devem oferecer uns aos outros. Aquele que se recusa a perdoar as fragilidades do seu irmão, não tem moral para pedir a Deus que lhe perdoe as suas próprias fragilidades. Poderemos rezar o “Pai nosso” e pedir a Deus que nos perdoe quando nos recusamos a abraçar um irmão que nos magoou ou a quem magoamos?
  • Jesus pede aos seus discípulos: “pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á”. No entanto, parece-nos muitas vezes que Deus não atende as nossas preces ou que as atende “fora de prazo”; e perguntamo-nos porquê… Será que Deus não é “fiável”? Será que, afinal, Deus se “está nas tintas” para aquilo que lhe pedimos? Jesus estava convicto de que Deus acolhe cada um dos nossos pedidos. Talvez o “tempo” de Deus não coincida com o “tempo” dos homens; talvez algumas das coisas que pedimos não encaixem nos projetos de Deus; talvez Deus tenha uma forma diferente da nossa de ver as coisas; talvez Deus saiba melhor do que nós aquilo que nos conduz à vida… Seja qual for a razão da (aparente) indiferença de Deus às solicitações que lhe fazemos, somos convidados por Jesus a confiar em Deus, no seu amor de Pai, no seu interesse pela nossa salvação. Estamos dispostos a confiar incondicionalmente em Deus, mesmo quando Ele parece ignorar a nossa vontade?

 

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 17.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(em parte adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 17.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. RECORDAR OS LUGARES DE ORAÇÃO.

Este domingo “da oração” pode ser ocasião para recordar os lugares de oração da paróquia (igreja, capela…), dalgum santuário próximo, dalguns lugares que são destino de férias… Pode-se colocar essas indicações à entrada da igreja, precisando os lugares, horários e todas as informações úteis. De qualquer modo, para além do lugar de culto, é bom recordar que o grande espaço de oração é o coração da própria pessoa, aberto a Deus, e a nossa casa-família.

3. O LIVRO DAS INTENÇÕES DE ORAÇÃO.

Pode-se colocar um livro à entrada da igreja, para quem quiser escrever uma intenção de oração. Todas essas orações (ou apenas algumas) podem ser proclamadas no momento da oração universal.

4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
“Deus de bondade, nós Te damos graças pelo teu Filho Jesus; inocente, aceitou morrer pelos pecadores.
Como é grande o clamor que sobe de todas as regiões atingidas pelos cataclismos, os da natureza divina e os de origem humana. Ilumina-nos sobre as formas de socorrer as vítimas”.

No final da segunda leitura:
“Deus da vida e da ressurreição, nós Te damos graças pelo nosso batismo. Estávamos votados à morte e Tu nos deste a vida, perdoaste os pecados da humanidade e apagaste os nossos.
Nós Te pedimos pelos jovens e os adultos que se preparam para o batismo e por aqueles que reencontram a fé, após períodos de abandono. Mantém-nos no caminho de conversão”.

No final do Evangelho:
“Pai Nosso, nós Te damos graças pela oração, porque Jesus teu Filho ensinou-nos a procurar-Te, a bater à tua porta, a pedir-Te o pão e a falar-Te diretamente e com confiança, como filhos a seu Pai.
Nós Te pedimos: que o teu nome seja santificado, que venha a nós o teu reino, dá-nos o teu pão de vida, perdoa, dá-nos o teu Espírito Santo”.

5. BILHETE DE EVANGELHO.

Nós não pedimos a mesma coisa a um pai, a um filho, a um amigo, a um vizinho, ao chefe da empresa. A oração dirige-se a Deus que chamamos “Pai” (“Abba” em arameu, palavra cuja melhor tradução seria “Paizinho querido”). Não se trata de pedir qualquer coisa sem mais ao nosso Pai. Jesus indica-nos os objetos do nosso pedido. Primeiro, que Deus seja reconhecido como Deus e que o seu projeto de amor sobre o mundo seja posto em ação. Em seguida, pedimos-lhe aquilo que é vital para nós: o alimento para viver, o perdão para amar, a liberdade para permanecer de pé. Eis os pedidos essenciais. Então, não hesitemos em insistir de todos os modos: se Lhe pedimos isso, Ele não pode ficar surdo.

6. À ESCUTA DA PALAVRA.

O “Pai Nosso” é a única oração que Jesus ensinou aos seus discípulos. É também a própria oração de Jesus. “Senhor, ensina-nos a orar”. Como ensinar os outros a rezar, se nós próprios não rezamos? Jesus foi buscar à sua experiência a oração que deu aos seus discípulos. Assim, dizemos palavras que o próprio Jesus diz connosco. A sua oração e a nossa oração são uma única e mesma súplica. Jesus está sempre vivo para interceder em nosso favor. Cada dia, Jesus reza connosco a seu Pai e nosso Pai. Hoje, coloca-se o acento numa oração de louvor e ação de graças. A oração de pedido não é tão valorizada. Porém, a oração que Jesus ensina aos seus discípulos é, antes de mais, uma oração de pedido. O verbo “pedir” aparece seis vezes na passagem de hoje (ver no Evangelho). A experiência parece dizer que os nossos pedidos não são atendidos. Mas Jesus dá-nos uma chave de leitura: é o Espírito Santo que o Pai nos quer dar, o Amor infinito. Trata-se, portanto, de pedir, antes de mais, que este Amor infinito nos modele cada vez mais profundamente, para que aprendamos a ver como Deus nos vê, a amar como Ele nos ama. Ora, entrar numa aventura de amor exige paciência, e também renúncia a nós mesmos para nos abrirmos cada vez mais ao outro. Na realidade, aí está todo o sentido da nossa vida. Nós somos muitas vezes impacientes, ficamos no imediato, na superfície das coisas. Deus olha o coração, vai além das aparências, numa confiança total. Caminho exigente, este que nos conduzirá para além de nós próprios, até à Casa do Nosso Pai.

7. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

Pode-se escolher a Oração Eucarística I para a Reconciliação. Ela recorda, de maneira significativa, a intercessão e a mediação de Cristo, de que fala a primeira leitura.

8. PALAVRA PARA O CAMINHO…

Como se fosse a primeira vez… Como os discípulos, coloquemo-nos sem cessar na escola de Jesus para rezar. Reaprender d’Ele o sentido e a força das palavras que Ele nos deixou. Redizê-las, saboreá-las e deixar que elas nos transformem… Nesta semana, procuremos rezá-las como se fizéssemos uma primeira descoberta recebendo-as da própria boca de Jesus. Rezar o Pai Nosso como se fosse a primeira vez…

 

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org