18º Domingo do Tempo Comum – Ano B

ANO B

18.º Domingo do Tempo Comum

Tema do 18.º Domingo do Tempo Comum

O nosso caminho de todos os dias é feito, tantas vezes, entre privações e carências que nos deixam um travo de insatisfação e de desencanto. Tudo parece tão precário e insatisfatório… Quem saciará a nossa fome de Vida verdadeira e eterna? As leituras deste domingo dizem-nos: Deus sempre fará tudo para saciar a nossa fome de Vida; Ele prepara e distribui por nós o “pão” que nos alimenta no caminho e que “dura até à Vida eterna”.

Na primeira leitura conta-se como Deus distribuiu ao seu Povo o maná, o alimento diário de que o Povo necessitava para enfrentar as dificuldades da caminhada entre a terra da opressão e a terra da liberdade. Esse “pão”, além de satisfazer a fome física do Povo e de lhe permitir sobreviver no deserto, também o ajudou a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a encarar a vida com fé e confiança em Deus.

O Evangelho garante-nos que Jesus é o “pão de Deus que desce do céu para dar a Vida ao mundo”. É em Jesus e através de Jesus que Deus responde à fome dos homens e lhes oferece a Vida em plenitude. Para que esse “pão” nos alcance, nos alimente e nos transforme, temos de “acreditar” em Jesus.

A segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o “pão” que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.

 

LEITURA I – Êxodo 16,2-4.12-15

Naqueles dias,
toda a comunidade dos filhos de Israel
começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
Disseram-lhes os filhos de Israel:
«Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egipto,
quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
e comíamos pão até nos saciarmos.
Trouxestes-nos a este deserto,
para deixar morrer à fome toda esta multidão».
Então o Senhor disse a Moisés:
«Vou fazer que chova para vós pão do céu.
O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
Vou assim pô-lo à prova,
para ver se segue ou não a minha lei.
Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
Vai dizer-lhes:
‘Ao cair da noite comereis carne
e de manhã saciar-vos-eis de pão.
Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus’».
Nessa tarde apareceram codornizes,
que cobriram o acampamento,
e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
em volta do acampamento.
Quando essa camada de orvalho se evaporou,
apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
fina como a geada sobre a terra.
Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
«Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
pois não sabiam o que era.
Disse-lhes então Moisés:
«É o pão que o Senhor vos dá em alimento».

 

CONTEXTO

A secção de Ex 15,22-18,27 desenvolve um dos grandes temas do Pentateuco: a marcha pelo deserto dos hebreus libertados da escravidão no Egito. Aqui estamos, ainda, na primeira etapa dessa marcha, a que vai desde a passagem do mar (cf. Ex 14,15-31), até ao Sinai.

Ao longo desta etapa, o tema da murmuração do Povo contra Moisés e contra Deus aparece em três episódios (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). Em geral, esta temática desenvolve-se à volta de um esquema semelhante: diante das dificuldades que encontra no caminho, o Povo murmura, revolta-se contra Moisés e acusa Deus pelos desconfortos da caminhada; Moisés intervém e intercede junto de Deus; finalmente, Deus acaba por conceder ao Povo os bens de que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, num crescendo de intensidade até ao desfecho final. Invariavelmente, a “crise” resolve-se com uma intervenção prodigiosa de Deus em benefício do seu Povo.

Provavelmente, estes relatos têm por base dificuldades concretas sentidas pelos hebreus no seu caminho pelo deserto em direção à Terra Prometida. Essas dificuldades ficaram na memória coletiva; e, mais tarde, foram utilizadas pelos teólogos de Israel com um objetivo catequético. O objetivo dos catequistas que nos legaram estes relatos nunca foi apresentar uma reportagem factual dos acontecimentos do caminho, mas sim fazer catequese. Percebe-se nas entrelinhas que a grande preocupação de quem compôs estes relatos é pôr o Povo de sobreaviso contra a tentação de procurar refúgio e segurança longe de Javé.

O episódio que hoje nos é proposto – o episódio em que Deus oferece ao seu Povo codornizes e maná como alimento – é situado no deserto de Sin, “que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a saída da terra do Egipto” (Ex 16,1). Os estudiosos identificam o referido espaço geográfico com o território que vai de Kadesh Barnea para ocidente, nomeadamente para noroeste, onde está o Wadi El Arish.

A história das codornizes tem por base um fenómeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve ter por base a secreção de uma pequena árvore (“tamarix mannifera”) existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada por um inseto, segrega uma substância granulosa e aguada, de cor branca e com sabor a mel, que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (a que chamam “man”), derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o pão.

Vai ser com estes elementos – elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto – que os catequistas bíblicos vão “amassar” a catequese que nos transmitem no texto da primeira leitura deste décimo oitavo domingo comum.

 

MENSAGEM

Depois de algumas semanas de caminhada pelo deserto, os hebreus estão cansados das privações e das carências que a cada passo enfrentam. A reação a esse cansaço vem na forma de murmuração “contra Moisés e contra Aarão” (vers. 2). Veladamente, a crítica também atinge Deus, o responsável último pela saída do Egito desse grupo de escravos.

O narrador explica que eles sentiam saudades do Egito onde, apesar da escravidão, estavam sentados “ao pé de panelas de carne” e comiam “pão com fartura” (vers. 3). Podemos ver, neste “materialismo”, as limitações e as deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de escravo, demasiado “verde” e sem maturidade, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo, ao comodismo, que prefere a escravidão à liberdade. Por outro lado, é um Povo que, apesar de tudo o que Javé já fez em seu benefício, ainda não aprendeu a confiar no seu Deus, a responder sem hesitações às suas propostas, a segui-l’O incondicionalmente no caminho da fé. Este quadro repetir-se-á indefinidamente, ao longo da história, na vida do Povo de Deus.

A resposta de Deus à murmuração é “fazer chover pão do céu” (vers. 4) e dar ao Povo carne em abundância (vers. 12). O aparecimento do “maná” (do hebraico “man-hú”, que significa “o que é isto?”) e das codornizes no caminho feito pelos hebreus, pode explicar-se por fatores naturais. Mas não é a explicação natural que o narrador pretende fornecer-nos. O objetivo do “catequista” é oferecer-nos uma catequese sobre a solicitude de Deus, que está presente em todos os momentos do caminho que o Povo percorre.

A verdade é que aqueles escravos libertados do Egito foram fazendo, enquanto caminhavam da terra da escravidão para a terra da liberdade, uma intensa experiência de Deus. No deserto, espaço de carência e de privação, cada grama de comida e cada gota de água são um “milagre” de Deus. Aquelas pessoas que atravessaram o deserto viram no maná, nas codornizes e noutros dons que cobriram as suas necessidades básicas, sinais do amor previdente de Deus, do seu cuidado, da sua solicitude. Nessa experiência de Deus, Israel descobriu o Deus do encontro e da comunhão, e aprendeu a confiar incondicionalmente n’Ele.

A experiência vivida irá ajudar o Povo superar uma mentalidade estreita, egoísta, materialista, a mentalidade do “escravo” que caminha de olhos postos no chão; irá abrir-lhe horizontes mais vastos e torná-lo, mais adulto, mais consciente, mais responsável e mais santo. Israel aprende, enquanto caminhava pelo deserto, a confiar em Deus, a entregar-se nas suas mãos, a não duvidar do seu amor e fidelidade.

O facto de se dizer que Deus apenas dava ao Povo a quantidade de maná necessária “para cada dia” (vers. 4) é uma bonita lição sobre desprendimento e confiança em Deus. Ensina o Povo a não acumular bens, a não viver para o “ter”, a libertar o coração da ganância e do desejo de possuir sempre mais, a não viver angustiado com o futuro e com o dia de amanhã; ensina, também, a confiar em Deus, a entregar-se serenamente nas suas mãos, a vê-l’O como verdadeira fonte de vida.

 

INTERPELAÇÕES

  • Peregrinar pelos caminhos desolados do deserto e experimentar privações e carências de todo o tipo não é uma realidade improvável para nós, gente sedentária e acomodada que vive no séc. XXI e que tem mais ou menos garantidas as respostas às necessidades mais prementes. Também nós, à medida que caminhamos, experimentamos a precariedade da existência, o cansaço da caminhada, a expetativa do que nos espera lá para a frente, a instabilidade que os problemas de todos os dias trazem, a tentação de nos acomodarmos e de ficarmos para trás, o medo de deixarmos a nossa tranquila zona de conforto… E também nós, como os escravos hebreus que Javé salvou do Egito e acompanhou no caminho para a liberdade, experimentamos a presença de Deus, desse Deus libertador e salvador que nos acompanha com solicitude e amor, dando-nos a mão, pegando-nos ao colo e oferecendo-nos, com ternura, o “alimento” que nos fortalece e que nos permite continuar a caminhar. Temos consciência da presença de Deus ao nosso lado no caminho que fazemos todos os dias? Vamos reparando no seu amor previdente que nos cerca, que nos protege e que nos salva? A presença salvadora e amorosa de Deus ao nosso lado é incentivo e alimenta a nossa esperança?
  • As “saudades” que os israelitas sentem do Egipto, onde estavam “sentados junto de panelas de carne” e tinham “pão com fartura”, revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado tranquilamente numa vida sem perspetivas e sem saída, incapaz de enfrentar a novidade, de querer mais, de arriscar a liberdade que se constrói na luta e no compromisso. Esta mentalidade de escravidão continua, nos nossos dias, a marcar a vida e as opções de muita gente… É a mentalidade dos que vivem obcecados pelo “ter” e que são capazes de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a mentalidade dos que trocam valores importantes pelos “cinco minutos de fama” e de exposição mediática; é a mentalidade dos que têm como único objetivo na vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade dos que se instalam comodamente nos seus esquemas cómodos, nos seus preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade dos que vivem voltados para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos tempos; é a mentalidade dos que se resignam à mediocridade e que não fazem nenhum esforço para que a sua vida faça sentido… A Palavra de Deus que nos é proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos; Ele vem ao nosso encontro, desafia-nos a ir mais além, convida-nos a crescer e a dar passos firmes em direção à liberdade e à Vida nova… Como nos enquadramos em tudo isto? Vivemos agarrados às velhas certezas e seguranças, de olhos postos no chão, ou vivemos de cabeça levantada, sempre à procura da novidade de Deus e dispostos a confrontar-nos com os desafios sempre novos que a vida traz?
  • A ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a subsistência (proibindo “juntar” mais do que o necessário para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do “ter”, da ambição desmedida. É um convite a não nos deixarmos dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n’Ele devemos confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva ao encontro da Vida definitiva. Onde está a nossa esperança? Como é que está organizada a nossa escala de prioridades e qual o lugar que Deus ocupa nela?

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 77 (78)

Refrão: O Senhor deu-lhes o pão do céu.

Nós ouvimos e aprendemos,
os nossos pais nos contaram
os louvores do Senhor e o seu poder
e as maravilhas que Ele realizou.

Deus ordens às nuvens do alto
e abriu as portas do céu;
para alimento fez chover o maná,
deu-lhes o pão do céu.

O homem comeu o pão dos fortes!
Mandou-lhes comida com abundância
e introduziu-os na sua terra santa,
na montanha que a sua direita conquistou.

 

LEITURA II – Efésios 4,17.20-24

Irmãos:
Eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor:
Não torneis a proceder como os pagãos,
que vivem na futilidade dos seus pensamentos.
Não foi assim que aprendestes a conhecer a Cristo,
se é que d’Ele ouvistes pregar e sobre Ele fostes instruídos,
conforme a verdade que está em Jesus.
É necessário abandonar a vida de outrora
e pôr de parte o homem velho,
corrompido por desejos enganadores.
Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência
e revesti-vos do homem novo, criado á imagem de Deus
na justiça e santidade verdadeiras.

 

CONTEXTO

A controversa carta de Paulo aos Efésios é tradicionalmente incluída nas “cartas do cativeiro”. Teria sido escrita por Paulo quando estava na prisão (em Cesareia Marítima? Em Roma?). No entanto, há quem a considere obra de um discípulo do apóstolo, que a escreveu no último terço do séc. I (depois da morte de Paulo) para combater doutrinas judaico-gnósticas que ameaçavam algumas comunidades cristãs da Ásia Menor. Embora reconhecendo que a Carta apresenta uma linguagem, um estilo e até alguns desenvolvimentos teológicos diferentes dos que encontramos nas cartas genuinamente paulinas, muitos consideram, contudo, que a Carta aos Efésios poderá ser uma “carta circular” escrita por Paulo e endereçada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor, incluindo a de Éfeso. Convencido de que tinha concluído o seu trabalho missionário no oriente, Paulo apresenta, de forma serena e refletida, uma amadurecida síntese do seu pensamento e da sua teologia. O autor da Carta expõe “o Mistério”, isto é, o projeto salvador de Deus, oculto durante séculos até ser finalmente revelado em Cristo e concretizado no testemunho e na vida da Igreja, Corpo de Cristo. Da execução desse projeto nasce um novo Povo de Deus, um Povo de Homens novos que vivem do Espírito.

A secção da Carta aos Efésios que vai de 4,1 a 6,20 é um texto parenético, que tem por objetivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo. Depois de convidar os crentes a viverem na unidade do amor (cf. Ef 4,1-6) e de lhes apresentar uma reflexão sobre a comunidade, Corpo de Cristo formado por muitos membros (cf. Ef 4,7-13), o autor da Carta exorta os cristãos a viverem de acordo com a sua condição de Homens Novos em Cristo (cf. 4,14-5,14). O texto que nos é proposto como segunda leitura neste décimo oitavo domingo comum é parte dessa exortação.

 

MENSAGEM

Os que optaram por acolher a proposta de Jesus passaram a integrar o “Corpo de Cristo”. Ora, isso implica viver de uma forma diferente. Os cristãos não podem “proceder como os pagãos, que vivem na futilidade dos seus pensamentos” (vers. 17).

Paulo usa duas expressões opostas para definir a realidade do homem antes do encontro com Cristo e depois do encontro com Cristo. O homem que ainda não aderiu a Cristo é, para Paulo, o “homem velho”, cuja vida é marcada pela mediocridade, pela futilidade (vers. 17), pela corrupção, pela escravidão aos “desejos enganadores” (vers. 22). A vida do “homem velho” é uma vida marcada pelo pecado; e o pecado embota a sensibilidade e o entendimento e não deixa o homem ser tocado pelo que é belo, justo e verdadeiro. Em contrapartida, o homem que já encontrou Cristo e que acolheu o seu Evangelho recebe uma luz nova, que lhe permite ver e abraçar os valores verdadeiros. É o “Homem novo”, regenerado por Cristo, que vive animado pelo Espírito e adota uma nova forma de pensar e de atuar; o “homem novo” faz obras de verdade (vers. 21), de justiça e de santidade (vers. 24).

O Batismo – o momento da adesão a Cristo – é o momento decisivo da transformação do “homem velho” em “homem novo”. O próprio rito do Batismo sugere a transformação e a ressurreição do homem para uma vida nova, a vida em Cristo: quando imerge na água, o homem morre para a vida antiga de pecado; mas quando emerge da água, renasce como “homem novo”, purificado do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência. A partir desse momento, o homem vive para Cristo e por Cristo. A sua vida deve ser coerente com a sua nova situação.

Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de fragilidade… Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de regressar ao “homem velho” do egoísmo, do orgulho, do pecado… O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no dia do seu Batismo. O “homem novo” não é uma realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige uma contínua conversão e uma constante renovação.

 

INTERPELAÇÕES

  • A interpelação de Paulo atinge-nos especialmente a nós que fomos batizados em Cristo. É possível que não guardemos memória do dia do nosso batismo, desse momento decisivo em que o “homem velho” que existia em nós ficou sepultado na água e nasceu o “homem novo”, animado e conduzido pelo Espírito. No entanto, a opção que nesse dia fomos convidados a fazer tornou-se explícita mais tarde e, possivelmente, foi renovada em diversos momentos do nosso caminho. Talvez hoje seja um dia propício para revisitarmos o nosso batismo e para nos apercebermos das suas implicações… A celebração do nosso batismo não foi um momento de folclore religioso ou uma ocasião de cumprimento de um ritual cultural qualquer; foi o momento do nosso encontro com Cristo e da nossa adesão ao seu Evangelho; foi o momento em que aderimos à família de Deus e passamos a integrá-la; foi o momento em que recebemos o Espírito e aceitamos que a nossa vida fosse animada pelo Seu dinamismo. Temos vivido de forma coerente com essa opção?
  • Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a vida do “homem velho”. O “homem velho” é o homem dominado pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos, que vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o êxito, o bem-estar…), que se deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos a nossa vida à margem das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores de Deus para abraçar valores que nos escravizam?
  • Paulo apela a que os crentes vivam a vida do “homem novo”. O “homem novo” é o homem continuamente atento às propostas de Deus, que aceita integrar a família de Deus, que não se conforma com a maldade, a injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na verdade, no amor, na justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o nosso “projeto” de vida? Os nossos gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um “homem novo”, que vive em comunhão com Deus, que é “sal da terra e luz do mundo, que testemunha o amor e a bondade de Deus na vida dos seus irmãos?
  • Mesmo que a nossa opção fundamental por Deus e pelos seus valores tenha sido há muito plenamente assumida, não podemos esquecer que a construção do “homem novo” nunca é um processo terminado… A monotonia, o cansaço, os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas “meias tintas”, na não exigência, na acomodação. O “homem velho” espreita-nos a cada esquina e, na primeira oportunidade, volta a assumir o controle das nossas vidas. Precisamos de ter consciência de que em cada minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de Deus. Vivemos de braços cruzados, considerando que já atingimos um nível satisfatório de perfeição, ou vivemos numa atitude de vigilância e de conversão, questionando a cada passo a direção que a nossa vida vai tomando?

 

ALELUIA – Mateus 4,4b

Aleluia. Aleluia.

Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.

 

EVANGELHO – João 6,24-35

Naquele tempo,
quando a multidão viu
que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
subiram todos para as barcas
e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe:
«Mestre, quando chegaste aqui?»
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
vós procurais-Me, não porque vistes milagres,
mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
mas pelo alimento que dura até à vida eterna
e que o Filho do homem vos dará.
A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
marcou com o seu selo».
Disseram-Lhe então:
«Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?»
Respondeu-lhes Jesus:
«A obra de Deus
consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou».
Disseram-Lhe eles:
«Que milagres fazes Tu,
para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
Que obra realizas?
No deserto os nossos pais comeram o maná,
conforme está escrito:
‘Deu-lhes a comer um pão que veio do céu’».
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
O pão de Deus é o que desce do Céu
para dar a vida ao mundo».
Disseram-Lhe eles:
«Senhor, dá-nos sempre desse pão».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu sou o pão da vida:
quem vem a Mim nunca mais terá fome,
quem acredita em Mim nunca mais terá sede».

 

CONTEXTO

Depois da partilha dos pães e dos peixes Jesus, “sabendo que estavam prestes a vir apoderar-se dele para o fazer rei, retirou-se sozinho para o monte” (Jo 6,15). Provavelmente demorou-se por lá em oração, pois no final de cada dia Ele sentia necessidade de conversar longamente com o Pai. Os discípulos, por sua vez, meteram-se no barco dispostos a voltar a Cafarnaum. Navegaram sozinhos durante algum tempo, até que Jesus veio ter com eles, caminhando sobre o mar. Depois de Jesus ter entrado no barco, logo chegaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).

O episódio que o Evangelho deste décimo oitavo domingo comum nos apresenta situa-nos em Cafarnaum (cf. Jo 6,59), no dia imediatamente a seguir aos factos anteriormente narrados. Passada a noite, a multidão que tinha sido agraciada com os pães e os peixes, não encontrando Jesus e os discípulos, conjeturou que eles tinham voltado a Cafarnaum e dirigiu-se para lá. Cafarnaum, a cidade de pescadores situada na margem ocidental do Mar da Galileia, era a cidade onde Jesus se tinha instalado depois de deixar Nazaré. A sua importância advinha de estar ao lado da estrada onde passavam as caravanas provenientes da Síria. De Cafarnaum Jesus podia facilmente dirigir-se a qualquer aldeia ou cidade da Galileia para proclamar a chegada do Reino de Deus. Alguns dos discípulos de Jesus – Simão e seu irmão André, Tiago e seu irmão João – viviam em Cafarnaum.

Jesus estava na sinagoga quando a multidão veio ao seu encontro. Naturalmente, os acontecimentos do dia anterior foram tema de conversa; e Jesus, sentindo que era necessário deixar as coisas bem claras, teve com aquela gente uma longa conversa. O que Ele disse nesse dia à multidão, na sinagoga de Cafarnaum, ficou conhecido como o “discurso do pão da vida” (cf. Jo 6,22-59).

 

MENSAGEM

A multidão que, nessa manhã, chega a Cafarnaum está entusiasmada. Quer, a todo o custo, reencontrar Jesus e ficar com Ele (vers. 24). À primeira vista parece que a atividade de Jesus está a dar frutos e que tudo corre às mil maravilhas. Contudo, Jesus percebe facilmente que muitas daquelas pessoas estão ali pelas razões erradas. Na verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes lançou aquela gente num perigoso equívoco; e Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal-entendido.

Sem responder à pergunta inicial que Lhe colocam (“Mestre, quando chegaste aqui?” – vers. 25), Jesus aborda logo a questão que o inquieta: “em verdade, em verdade vos digo: vós procurais-Me, não porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados” (vers. 26). A procura daquela gente é uma procura interesseira e egoísta, que vai em sentido contrário à mensagem que Jesus procurou passar-lhes quando lhes ofereceu comida em abundância. A divisão dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha, generosidade e serviço; mas aquela gente não foi sensível ao significado profundo do gesto, não entendeu o “sinal” de Jesus. Ficou-se pelas aparências e só registou que Jesus podia fornecer-lhe, de forma gratuita e fácil, pão em abundância. O que move aquela gente é um materialismo grosseiro, e não a vontade de abraçar o projeto do Reino.

Depois de identificar o problema, Jesus aponta a solução: “trabalhai, não tanto pela comida que se perde, mas pelo alimento que dura até à Vida eterna e que o Filho do homem vos dará” (vers. 27). Aquela gente deve esforçar-se por conseguir, não apenas o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento que sacia essa profunda fome de Vida que todo o homem sente e para a qual Jesus tem resposta. Viver de olhos no chão, agarrado a valores rasteiros e efémeros, com horizontes limitados, não pode ser a vocação do homem. Aquilo que dá sentido à existência é o pão imperecível que Jesus traz e que é preciso acolher para ter Vida verdadeira.

Os interlocutores de Jesus parecem interessados, mas querem mais esclarecimentos: o que é preciso fazer para ter acesso a esse pão? Que obras é necessário realizar (vers. 28)? Aparentemente, eles estão a pensar no cumprimento de mandamentos ou de práticas religiosas definidas na Lei judaica (“obras”). Mas a proposta de Jesus é outra: é preciso, simplesmente, “acreditar n’Aquele que Deus enviou” e acolher o projeto do Reino de Deus (vers. 29). No dia anterior, quando Jesus dividiu e distribuiu o pão e os peixes, aquelas pessoas não foram capazes de aprender a lição do amor, da partilha, do serviço; não foram capazes de ligar o que Jesus fez com os valores do Reino. Limitaram-se a correr atrás do profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância… Se quiserem acolher o pão que Jesus tem para oferecer, devem mudar a sua perspetiva das coisas e levar a sério as palavras e as propostas de Jesus; devem abraçar os valores do Reino, dispor-se a partilhar, disponibilizar-se para servir os irmãos com alma “de menino”, com humildade e generosidade.

No entanto, os interlocutores de Jesus não estão convencidos de que aquele seja o caminho que leva à Vida verdadeira (vers. 30): que autoridade tem Jesus para apresentar uma proposta deste tipo? Qual a prova de que a realização plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? E aquela gente desafia Jesus a provar a sua autoridade com um gesto espetacular, semelhante ao que Moisés fez quando proporcionou aos israelitas o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada (vers. 31). Eles buscam o portentoso, o espetacular, o que deslumbra, e não a Vida que se manifesta em gestos simples e quotidianos.

Na resposta que dá, Jesus põe a nu os limites estreitos em que aquela gente pretende encerrar a questão: é verdade que o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome de Vida eterna do homem. Só Deus dá aos homens, aos homens do mundo inteiro, de forma permanente, a Vida eterna; e esse dom do Pai não vem através de Moisés, mas através de Jesus (vers. 32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espetaculares, que deslumbram mas não mudam nada; o que é decisivo, para ter acesso ao pão que proporciona Vida eterna é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.

A última frase do nosso texto (“Eu sou o pão da vida: quem vem a Mim nunca mais terá fome, quem acredita em Mim nunca mais terá sede” – vers. 35) identifica o próprio Jesus, já não com o “portador” do pão, mas com o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de Vida. É necessário dirigir-se ao encontro de Jesus, acolher o seu projeto, assimilar os seus valores, interiorizar as suas palavras, assumir o seu estilo de vida, fazer da própria vida (como Jesus fez da sua) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa “qualidade” de vida que o leva à sua realização plena, à Vida eterna.

 

INTERPELAÇÕES

  • O pão de que necessitamos diariamente para saciar a nossa fome física é algo sem o qual não podemos viver; mas não é tudo. Temos sempre a impressão de que nos falta algo para que a nossa vida seja mais plena e mais realizada. Temos sempre “fome” de mais qualquer coisa: de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de liberdade, de realização, de verdade, de transcendência, até dessas coisas mais ou menos fúteis que nos asseguram bem-estar e segurança… Procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade, em valores efémeros, em propostas que parecem sedutoras mas que só geram escravidão e dependência. Por vezes, a nossa procura conduz-nos ao beco sem saída da frustração e do pessimismo; outras vezes, a nossa busca sempre repetida leva-nos ao cinismo ou ao cansaço… É esta também a nossa experiência? Como podemos “encher” a nossa vida e dar-lhe pleno significado? Onde encontrar o “pão” que mata a nossa fome de Vida?
  • O Evangelho que escutámos neste décimo oitavo domingo comum diz-nos que Jesus de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É em Jesus e através de Jesus que Deus responde à fome dos homens e lhes oferece a Vida em plenitude. Que papel desempenha Jesus na nossa vida? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um homem excecional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos Vida em plenitude? Ele é “mais uma” das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?
  • O que é preciso fazer para ter acesso a esse “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”? De acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir (“acreditar”) a Jesus, o “pão” que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens. Aderir a Jesus não é, no entanto, cumprir corretamente um código de práticas e observâncias rituais, ou termos os nossos nomes nos livros de registos de batismos, de crismas ou de casamentos na nossa paróquia; mas é criar uma ligação a Jesus, caminhar atrás d’Ele, escutar as suas palavras, aprender com os seus gestos, viver ao estilo d’Ele, identificar-se com Ele, pensar, sentir, amar, trabalhar, sofrer e viver como Ele. Como é que vivemos a nossa adesão a Jesus: como religião de crenças e de práticas externas, ou como uma religião de discípulos que seguem e vivem ao estilo do Mestre? Identificamo-nos realmente com Jesus e com o seu projeto?
  • No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo… É um equívoco procurar o Batismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco celebrar o matrimónio na Igreja porque, assim, a cerimónia é mais espetacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos autopromovermos ou para resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida menos problemática; é um equívoco praticarmos certos atos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de desgraças, nos resolva algumas das nossas necessidades materiais… Porque é que um dia aderimos a Jesus? Porque é que ainda mantemos a nossa adesão a Jesus? Estamos plenamente convictos de que só Jesus é o “pão” que sacia a nossa fome de Vida?
  • A recusa de Jesus em realizar gestos espetaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua autoridade e o seu poder; mas Deus atua na vida dos homens de forma discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projeto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha, do serviço. Procuramos ler todos os dias, nas páginas que registam a nossa caminhada pela terra, as indicações discretas que Deus vai colocando para que nós possamos chegar à Vida?

 

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org

 

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