2. Porquê o Coração?

Porque nos propõe a Igreja o Coração de Jesus, como sinal concreto do seu amor por nós? Porque não nos propõe outro órgão da sua humanidade como as mãos, os pés, a cabeça?

Na cultura bíblica, o coração é a parte mais nobre e importante do homem. É o “núcleo íntimo da pessoa”, a sede da sua vida espiritual, o lugar por excelência do seu encontro com Deus. Jesus diz-nos que a verdadeira pureza é a do coração: “Felizes os puros de coração” (Mt 5, 8); mas também ensina que é do coração que vêm as maldades humanas: “Do coração procedem as más intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfémias.” (Mt 15, 19); e é no coração que se manifesta a verdadeira humildade: “aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29). O coração representa aquilo que hoje chamamos o nosso “eu” mais secreto ou, na linguagem dos psicólogos, o nosso “eu profundo”.

Pelo culto ao Coração de Jesus, abraçamos toda a pessoa do Redentor, atingindo a fonte dos seus sentimentos e das suas ações salvíficas: “bebereis com alegria das fontes da salvação” (Is 12, 3).

Esta concentração da nossa atenção no Coração de Jesus fundamenta-se nos evangelhos, particularmente no de S. João, que culmina na transfixão do Lado do Salvador. O evangelista termina o seu relato afirmando: “Hão de olhar para Aquele que trespassaram” (Jo 19, 34). Estas palavras são uma verdadeira profecia.

Os Padres e Doutores da Igreja deram efetivamente grande importância a esse episódio. Para S. Boaventura, como do lado de Adão dormente no paraíso nasceu Eva, assim do Lado de Cristo morto na cruz nasceu a Igreja.   

Historicamente, a devoção ao Coração de Jesus começou nos mosteiros medievais com mulheres e homens como Santa Gertrudes, Santa Matilde, São Bernardo e São Boaventura. Na contemplação das chagas do Crucificado, detiveram-se na do Lado e penetraram no Coração do Salvador. Mas a devoção desenvolveu-se e popularizou depois das aparições a Santa Margarida Maria, em finais do século XVII, tendo marcado profundamente a piedade cristã nos últimos três séculos.

Para nós, hoje, o coração já não tem o significado que tinha noutros tempos. É verdade que os namorados ainda desenham dois corações atravessados por uma seta, para dizerem o amor que têm um pelo outro. Ainda dizemos que aquela pessoa tem bom coração e que outra tem mau coração. Mas as funções mais nobres da pessoa são, hoje, atribuídas ao cérebro, à inteligência. Todavia, no nosso tempo, ainda encontramos algo que nos ajuda a compreender o significado do Coração de Jesus: o motor! O coração é o motor do corpo. A vida e a morte são assinaladas pelo coração que bate ou deixa de bater. Ao coração aflui o sangue carregado de detritos tóxicos que ele regenera e reenvia a todo o corpo carregado de oxigénio e de alimentos. É o que, a nível espiritual, faz o Coração de Jesus, no grande corpo que é a Igreja. No Coração de Jesus aconteceu a primeira purificação dos pecados, a regeneração da esperança e do amor humano. No Coração de Jesus conflui ainda hoje, em cada missa, todo o sangue “poluído”, todo o sangue envenenado, o nosso pecado para ser purificado. Daí que faça todo o sentido começarmos a missa com a confissão dos nossos pecados, no ato penitencial. Lançamos no alto forno, que é o Coração do Senhor, todo o nosso pecado, para sermos purificados, e recebermos o perdão, a graça, a boa inspiração, a esperança e alegria, os impulsos de comunhão e de unidade. O Coração de Jesus é “fonte de vida e de santidade”, é mina onde encontramos “todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (cf. Col 2, 3).

Fernando Fonseca, SCJ

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