4. O Coração de Jesus na Espiritualidade Dehoniana

Ao meditar na Paixão do Senhor, o Padre Dehon escreve: “Jesus Cristo é realmente, nos mistérios da Paixão, o livro escrito por fora e por dentro. Quais são as letras que vemos impressas nesse livro? Apenas estas: Amor. Os chicotes, os espinhos, os cravos escreveram-nas em caracteres de sangue sobre a sua carne divina; mas não nos contentemos em ler e em admirar exteriormente esta escritura divina; penetremos até ao Coração, e veremos uma maravilha bem maior: o amor inesgotável, que não tem em conta o que sofre, e se dá sem se cansar. A graça dos amigos do Sagrado Coração consiste em saber sempre descobrir o amor de Nosso Senhor sob a exterioridade dos seus mistérios.” (CAM-Paixão, 305s.)

O padre Dehon recebeu essa graça, e viu no Lado aberto e no Coração trespassado do Salvador a expressão mais evocadora do amor que experimentava na sua vida. O amor do Pai que nos entregou o seu Filho; o amor do Filho que, para nos salvar, se entregou até à morte e morte de Cruz. Esse amor de Cristo, que aceita a morte como doação suprema da sua vida pela vida dos homens, é a fonte da salvação.

Foi no Coração de Cristo, aberto na cruz, que nasceu o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja.

Toda a atividade do Padre Dehon no campo cultural e eclesial, no apostolado paroquial, social e missionário, na escrita e publicação de obras de animação espiritual, e para divulgação da doutrina social da Igreja, no seu compromisso em difundir o reino do Coração de Jesus nas almas e na sociedade, brota de uma visão clara dos males da Igreja e da sociedade do seu tempo. Leão Dehon estava convencido de que “a causa mais profunda” desses males está “na recusa do amor de Cristo”.

Daí a sua intensíssima exigência de ser apóstolo do amor do Coração de Jesus e da reparação até à entrega da sua vida no serviço do Reino. Nos misteriosos desígnios da Providência, ao aumento da incredulidade, do anticlericalismo e do ódio à Igreja, corresponde, no século XIX, um crescimento e aprofundamento do espírito de amor e de imolação, isto é, de entrega de si mesmo até ao sacrifício e, por vezes, até à morte para corresponder ao amor de Deus, amando e servindo os pequenos e pobres. Algumas almas são atraídas pela graça a completar, com os seus sofrimentos, o que falta à Paixão de Cristo em favor do seu corpo, que é a Igreja. Não só são impelidas a fazer reparação pelos pecadores, mas, considerando a grande miséria moral e espiritual destes, oferecem-se a Deus como “vítimas”, isto é, até ao sacrifício e à morte. É um ato heroico de caridade para com os irmãos espiritualmente mais necessitados. Muitas almas fazem reparação e oferecem-se como vítimas pela santidade da Igreja e do “povo eleito”. A expressão “povo eleito” é uma referência aos sacerdotes, religiosas e religiosos pecadores, infiéis aos seus compromissos para com Deus e para com a Igreja.

O Padre Leão Dehon vive e atua nessa corrente espiritual de oblação e de reparação. O Fundador reconheceu e acolheu o amor de Deus manifestado em Cristo, reconheceu e acolheu o amor de Cristo manifestado no seu Lado aberto e no seu Coração trespassado e quis corresponder-lhe com uma íntima união ao Coração de Cristo e com a instauração do seu Reino nas almas e na sociedade. Este Reino não é apenas interior e espiritual, mas deve concretizar-se na sociedade organizada de tal modo que nela reine a justiça e a caridade. Em primeiro lugar, a justiça… Mas também a caridade, porque a simples justiça nem sempre consegue resolver todos os problemas humanos e sociais.

Vemos como tudo isto continua atual na Igreja e no mundo. Precisamos de contemplar o Coração de Cristo para nos fortalecermos na nossa vocação de discípulos missionários do Senhor. O mistério pascal de Cristo foi como que um meteorito que caiu no charco da humanidade, dando origem a um movimento, a uma onda de amor redentor que nos envolve e nos impele a prosseguir esse mesmo movimento, a engrossar essa onda, para que todos sejam salvos. Como batizados, somos chamados a doar-nos aos irmãos com e como Cristo, para que a humanidade e a criação inteira se tornem uma oblação viva, santa e agradável a Deus: “Nisto conhecemos o amor: Ele deu a vida por nós. Também nós devemos dar a vida pelos irmãos” (1 Jo 3,16). “Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo, que nos amou e se entregou por nós, oferecendo-se como vítima agradável a Deus” (Ef 5, 2).

Estas palavras de S. João e de S. Paulo significam que, como batizados, somos chamados a “fazer da nossa vida uma missa permanente”, como dizia o Padre Dehon.

Fernando Fonseca, SCJ.

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