Week of Set 18th

  • 25º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    25º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    18 de Setembro, 2022

    ANO C
    25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 25º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia sugere-nos, hoje, uma reflexão sobre o lugar que o dinheiro e os outros bens materiais devem assumir na nossa vida. De acordo com a Palavra de Deus que nos é proposta, os discípulos de Jesus devem evitar que a ganância ou o desejo imoderado do lucro manipulem as suas vidas e condicionem as suas opções; em contrapartida, são convidados a procurar os valores do "Reino".
    Na primeira leitura, o profeta Amós denuncia os comerciantes sem escrúpulos, preocupados em ampliar sempre mais as suas riquezas, que apenas pensam em explorar a miséria e o sofrimento dos pobres. Amós avisa: Deus não está do lado de quem, por causa da obsessão do lucro, escraviza os irmãos. A exploração e a injustiça não passam em claro aos olhos de Deus.
    O Evangelho apresenta a parábola do administrador astuto. Nela, Jesus oferece aos discípulos o exemplo de um homem que percebeu como os bens deste mundo eram caducos e precários e que os usou para assegurar valores mais duradouros e consistentes... Jesus avisa os seus discípulos para fazerem o mesmo.
    Na segunda leitura, o autor da Primeira Carta a Timóteo convida os crentes a fazerem do seu diálogo com Deus uma oração universal, onde caibam as preocupações e as angústias de todos os nossos irmãos, sem excepção. O tema não se liga, directamente, com a questão da riqueza (que é o tema fundamental da liturgia deste domingo); mas o convite a não ficar fechado em si próprio e a preocupar-se com as dores e esperanças de todos os irmãos, situa-nos no mesmo campo: o discípulo é convidado a sair do seu egoísmo para assumir os valores duradouros do amor, da partilha, da fraternidade.

    LEITURA I - Am 8,4-7

    Leitura da Profecia de Amos

    Escutai bem, vós que espezinhais o pobre
    e quereis eliminar os humildes da terra.
    Vós dizeis:
    «Quando passará a lua nova,
    para podermos vender o nosso grão?
    Quando chegará o fim de sábado,
    para podermos abrir os celeiros de trigo?
    Faremos a medida mais pequena,
    aumentaremos o preço,
    arranjaremos balanças falsas.
    Compraremos os necessitados por dinheiro
    e os indigentes por um par de sandálias.
    Venderemos até as cascas do nosso trigo».
    Mas o Senhor jurou pela glória de Jacob:
    «Nunca esquecerei nenhuma das suas obras».

    AMBIENTE

    Amós, o "profeta da justiça social", exerceu o seu ministério profético no reino do Norte (Israel) em meados do séc. VIII a.C., durante o reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade económica e de tranquilidade política: as conquistas de Jeroboão II alargaram consideravelmente os limites do reino e permitiram a entrada de tributos dos povos vencidos; o comércio e a indústria (mineira e têxtil) desenvolveram-se significativamente... As construções da burguesia urbana atingiram um luxo e magnificência até então desconhecidos.
    A prosperidade e o bem-estar das classes favorecidas contrastavam, porém, com a miséria das classes baixas. O sistema de distribuição estava nas mãos de comerciantes sem escrúpulos que, aproveitando o bem-estar económico, especulavam com os preços. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, as famílias de menores recursos endividavam-se e acabavam por se ver espoliadas das suas terras em favor dos grandes latifundiários. A classe dirigente, rica e poderosa, dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que o tribunal fizesse justiça aos mais pobres e defendesse os direitos dos menos poderosos.
    É neste contexto que aparece o profeta Amós. Natural de Técua (uma pequena aldeia situada no deserto de Judá), Amós não é profeta profissional; mas, chamado por Deus, deixa a sua terra e parte para o reino vizinho para gritar à classe dirigente a sua denúncia profética. A rudeza do seu discurso, aliada à integridade e afoiteza da sua fé, traz algo do ambiente duro do deserto e contrasta com a indolência e o luxo da sociedade israelita da época.

    MENSAGEM

    O oráculo que nos é proposto é uma denúncia das actividades desses que "espezinham o pobre" e querem "eliminar os humildes da terra". Quem são, em concreto, esses que o profeta denuncia?
    Trata-se de comerciantes sem escrúpulos, dominados pelo espírito do lucro, em cujos olhos só brilham cifrões. Eles compram aos agricultores os produtos da terra a preços irrisórios e revendem-nos aos pobres a preços exorbitantes, especulando com as necessidades dos humildes; roubam os clientes pobres, usando pesos, medidas e balanças falsas; aldrabam a qualidade dos produtos, misturando as cascas com o trigo; nos dias de sábado e de lua nova (dias sagrados, em que as actividades lucrativas eram suspensas), em lugar de se preocuparem com o louvor de Deus, eles estão ansiosos por recomeçarem os seus negócios de especulação e de exploração do pobre, a fim de aumentarem os seus lucros.
    Que é que Deus tem a ver com isto? Tudo isto configura uma violação grosseira dos mandamentos da aliança. Jahwéh não está disposto a ser cúmplice da injustiça e da exploração do pobre. Qualquer crime cometido contra os pobres é um crime contra Deus... Por isso, Amós anuncia que Deus não esquece (quer dizer, não deixa passar em claro) este comportamento; ora, dizer que Deus não esquece significa que Deus vai intervir e acabar com a exploração e a injustiça. A fórmula solene de juramento ("o Senhor jura pelo orgulho de Jacob" - vers. 7) exprime o carácter irrevogável da decisão de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para reflectir, considerar as seguintes questões:

    • Os esquemas de exploração descritos por Amós não são uma infeliz recordação de um passado que não volta; pelo contrário, trata-se de uma realidade que os pobres dos nossos dias conhecem bem... A única coisa que é diferente é a sofisticação das técnicas utilizadas pelos maníacos do lucro. De resto, especula-se com bens de primeira necessidade, que as multinacionais vendem a preços exorbitantes (basta pensar naquilo que se passa em relação a certos medicamentos, indispensáveis para combater certas doenças e que são vendidos a peso de ouro aos países do quarto mundo); basta pensar na publicidade, que gera necessidades nos pobres, que lhes promete paraísos ilusórios, que os leva a endividarem-se até porem em causa o seu futuro; basta pensar nos produtos adulterados, impróprios, que são introduzidos pelos especuladores na cadeia alimentar e que põem em causa a saúde pública e a vida das pessoas...

    • Amós garante: Deus não esquece este quadro e não pactua com quem explora as necessidades dos outros, a miséria, o sofrimento, a ignorância. Na realidade, o nosso Deus não suporta a injustiça e a opressão. Ele não está do lado dos opressores, mas dos oprimidos; e qualquer crime contra o irmão é um crime contra Deus. Se há entre os cristãos quem explora estes esquemas desumanos de lucro, quem oprime e explora os pobres (embora ao domingo vá à missa, faça parte do conselho económico da paróquia e dê quantias significativas para as obras da Igreja), convém que tenha isto em conta.

    • Que podemos fazer para denunciar estes esquemas desumanos? Hoje fala-se cada vez mais em boicotar os produtos de certas multinacionais que se distinguem pelo seu envolvimento em questões injustas... Não será um caminho possível? Somos sensíveis a estas questões e estaremos dispostos a dar o nosso contributo? A Igreja não devia ter uma voz clara e firme (tão clara e tão firme como a que usa para denunciar outras situações, nem sempre tão graves) para gritar aos homens que a exploração e o lucro desmedido não fazem parte do projecto de Deus?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 112 (113)

    Refrão 1: Louvai o Senhor, que levanta os fracos.

    Refrão 2: Louvai o Senhor, que exalta os humildes.

    Refrão 3: Aleluia.

    Louvai, servos do Senhor,
    louvai o nome do Senhor.
    Bendito seja o nome do Senhor,
    agora e para sempre.

    O Senhor domina sobre todos os povos,
    a sua glória está acima dos céus.
    Quem se compara ao Senhor nosso Deus, que tem o seu trono nas alturas
    e Se inclina lá do alto a olhar o céu e a terra.

    Levanta do pó o indigente
    e tira o pobre da miséria,
    para o fazer sentar com os grandes,
    com os grandes do seu povo.

    LEITURA II - 1 Tim 2,1-8

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo

    Caríssimo:
    Recomendo, antes de tudo,
    que se façam preces, orações, súplicas e acções de graças
    por todos os homens, pelos reis e por todas as autoridades,
    para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica,
    com toda a piedade e dignidade.
    Isto é bom e agradável aos olhos de Deus, nosso Salvador;
    Ele quer que todos os homens se salvem
    e cheguem ao conhecimento da verdade.
    Há um só Deus
    e um só mediador entre Deus e os homens,
    o homem Jesus Cristo,
    que Se entregou à morte pela redenção de todos.
    Tal é o testemunho que foi dado a seu tempo
    e do qual fui constituído arauto e apóstolo
    – digo a verdade, não minto –
    mestre dos gentios na fé e na verdade.
    Quero, portanto, que os homens rezem em toda a parte,
    erguendo para o Céu as mãos santas,
    sem ira nem contenda.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a Primeira Carta a Timóteo. Recordamos aquilo que já dissemos no passado domingo: este Timóteo, nascido em Listra, de pai grego e de mãe judeo-cristã, é um companheiro inseparável de Paulo, a quem Paulo confiou importantes missões e a quem encarregou da responsabilidade pastoral das Igrejas da Ásia Menor. Segundo a tradição, foi o primeiro bispo da comunidade cristã de Éfeso.
    Esta carta - já o dissemos, também, no passado domingo - dificilmente provirá de Paulo (a linguagem, o estilo, a teologia sugerem que este texto está longe de Paulo; além disso, há um factor mais decisivo: esta carta apresenta um modelo de organização da Igreja que é, claramente, posterior a Paulo); no entanto, apresenta-se como escrita por Paulo a Timóteo, instruindo-o acerca da forma de organizar a comunidade cristã e a vida cristã dos fiéis.

    MENSAGEM

    Nos versículos que hoje nos são propostos, o autor da carta dá a Timóteo normas sobre a oração litúrgica. Começa com um convite a rezar por todos os homens (vers. 1), particularmente pelos que estão investidos de autoridade: deles depende o bem-estar social e a paz, condições necessárias para que os cristãos possam viver com tranquilidade, na fidelidade à sua fé (vers. 2).
    De resto, a oração dos cristãos deve ser universal, pois é universal a proposta da salvação que Deus oferece: todos - judeus e gregos, escravos e livres, homens e mulheres, maus e bons - são convidados por Deus a fazer parte da comunidade da salvação (vers. 3-4). Duas razões apoiam este universalismo: a unicidade de Deus, criador de todos e a mediação universal de Cristo, que derramou o seu sangue por todos... A propósito, o autor da carta insere uma fórmula (vers. 5-6a) que parece reproduzir uma confissão de fé, em uso na comunidade primitiva, e que proclama essas verdades (há um só Deus, e Cristo - o único mediador entre Deus e os homens - trouxe, pela sua morte, a redenção a todos).
    Dando-Se em redenção por todos, Jesus deu testemunho do projecto de salvação que Deus tem e que se destina a todos os homens; e Paulo sente que foi escolhido por Deus para continuar a anunciar aos homens esse testemunho que Jesus deu (vers. 6b-7).
    O texto termina com um apelo a que esta oração universal se faça em todo o lugar onde o Evangelho é anunciado, "erguendo para o céu as mãos santas, sem cólera nem disputa" (vers. 8) - o que pode fazer referência a uma condição que, na perspectiva de Jesus, era necessária para rezar: estar em paz com todos, estar verdadeiramente reconciliado com os irmãos ("se fores apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai, primeiro, reconciliar-te com o teu irmão; depois volta, para apresentar a tua oferta" - Mt 5,23-24).

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e partilha podem fazer-se a partir das seguintes linhas:

    • O autor da Primeira Carta a Timóteo deixa claro que a oração não pode ser a expressão de uma vida vivida em "circuito fechado", em que o crente apresenta a Deus, exclusivamente, os seus problemas, as suas questões, os seus desejos, os seus pedidos, e em que, eventualmente, lembra a Deus aqueles que lhe são próximos; mas a oração tem de ser a expressão da comunhão e da solidariedade do crente com todos os irmãos espalhados pelo mundo inteiro - conhecidos e desconhecidos, amigos e inimigos, bons e maus, negros e brancos... Todo o crente, no seu diálogo com Deus, tem de deixar transparecer a ilimitada capacidade de amar e de ser solidário com todos os homens. É assim a nossa oração?

    • A oração só faz sentido se for a expressão de uma vida de comunhão - comunhão com Deus e comunhão com os irmãos. Portanto, não é impossível rezar e, ao mesmo tempo, cultivar sentimentos de ódio, de intolerância, de racismo, de divisão. Como me situo face a isto?

    • Também fica claro, neste texto, que a salvação não é monopólio ou privilégio de alguns, mas um dom universal que Deus oferece a todos os homens, sem excepção. Esta universalidade acentua a nossa ligação a todos os homens, a nossa solidariedade com todos. Sinto-me, verdadeiramente, irmão de todos, responsável por todos? As dores e as esperanças de todos os homens - mesmo aqueles que eu nunca vi - são as minhas dores e esperanças?

    ALELUIA - 2 Cor 8,9

    Aleluia. Aleluia

    Jesus Cristo, sendo rico, fez-Se pobre,
    para nos enriquecer na sua pobreza.

    EVANGELHO - Lc 16,1-13

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    EVANGELHO - Lc 16,1-13

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Um homem rico tinha um administrador,
    que foi denunciado por andar a desperdiçar os seus bens.
    Mandou chamá-lo e disse-lhe:
    'Que é isto que ouço dizer de ti?
    Presta contas da tua administração,
    porque já não podes continuar a administrar'.
    O administrador disse consigo:
    'Que hei-de fazer,
    agora que o meu senhor me vai tirar a administração?
    Para cavar não tenho força,
    de mendigar tenho vergonha.
    Já sei o que hei-de fazer,
    para que, ao ser despedido da administração,
    alguém me receba em sua casa'.
    Mandou chamar um por um os devedores do seu senhor e disse ao primeiro:
    'Quanto deves ao meu senhor?'.
    Ele respondeu: 'Cem talhas de azeite'.
    O administrador disse-lhe:
    'Toma a tua conta: senta-te depressa e escreve cinquenta'.
    A seguir disse a outro: 'E tu quanto deves?'.
    Ele respondeu: 'Cem medidas de trigo'.
    Disse-lhe o administrador:
    'Toma a tua conta e escreve oitenta'.
    E o senhor elogiou o administrador desonesto,
    por ter procedido com esperteza.
    De facto, os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz,
    no trato com os seus semelhantes.
    Ora Eu digo-vos:
    Arranjai amigos com o vil dinheiro,
    para que, quando este vier a faltar,
    eles vos recebam nas moradas eternas.
    Quem é fiel nas coisas pequenas também é fiel nas grandes;
    e quem é injusto nas coisas pequenas também é injusto nas grandes.
    Se não fostes fiéis no que se refere ao vil dinheiro,
    quem vos confiará o verdadeiro bem?
    E se não fostes fiéis no bem alheio,
    quem vos entregará o que é vosso?
    Nenhum servo pode servir a dois senhores,
    porque, ou não gosta de um deles e estima o outro,
    ou se dedica a um e despreza o outro.
    Não podeis servir a Deus e ao dinheiro».

    AMBIENTE

    O Evangelho que nos é proposto apresenta-nos mais um passo do "caminho para Jerusalém". Desta vez, Jesus não Se dirige aos fariseus, mas aos discípulos e, através deles, aos crentes de todos os tempos... Com uma história que apresenta contornos de caso real, tirado da vida, Jesus instrui os discípulos acerca da forma como se hão-de situar face aos bens deste mundo.

    MENSAGEM

    A mensagem essencial aqui apresentada gira, portanto, à volta da sábia utilização dos bens deste mundo: eles devem servir para garantir outros bens, mais duradouros.
    Na primeira parte do nosso texto (vers. 1-9) apresenta-se a parábola de um administrador sagaz. A parábola conta-nos a história de um homem que é acusado de administrar de forma incompetente (possivelmente desonesta) os bens do patrão. Chamado a contas e despedido, este homem tem a preocupação de assegurar o futuro. Chama os devedores do patrão e reduz-lhes consideravelmente as quantias em dívida. Dessa forma - supõe ele - os devedores beneficiados não esquecerão a sua generosidade e, mais tarde, manifestar-lhe-ão a sua gratidão e acolhê-lo-ão em sua casa. Como justificar o proceder deste administrador, que assegura o futuro à custa dos bens do seu senhor? Porque é que o senhor, prejudicado nos seus interesses, não tem uma palavra de reprovação ao inteirar-se do prejuízo recebido? Como pode Jesus dar como exemplo aos discípulos as aldrabices de um tal administrador?
    Estas dificuldades desaparecem se entendemos esta história tendo em conta as leis e costumes da Palestina nos tempos de Jesus. O administrador de uma propriedade actuava em nome e em lugar do seu senhor; como não recebia remuneração, podia ressarcir-se dos seus gastos a expensas dos devedores.
    Habitualmente, ele fornecia um determinado número de bens, mas o devedor ficava a dever muito mais; a diferença era a "comissão" do administrador. Deve ser isso que serve de base à nossa história... Dos cem "baths" de azeite (uns 3.700 litros) consignados no recibo (vers. 6), só uns cinquenta haviam sido, na realidade, emprestados; os outros cinquenta constituíam o reembolso dos gastos do administrador e a exorbitante "comissão" que lhe devia ser paga pela operação. Provavelmente, o que este administrador sagaz fez foi renunciar ao lucro que lhe era devido, a fim de assegurar a gratidão dos devedores: renunciou a um lucro imediato, a fim de assegurar o seu futuro. Este administrador (se ele é chamado "desonesto" - vers. 8 - não o é por este gesto, mas pelos actos anteriores, que até levaram o patrão a despedi-lo) é um exemplo pela sua habilidade e sagacidade: ele sabe que o dinheiro tem um valor relativo e troca-o por outros valores mais significativos - a amizade, a gratidão. Jesus conclui a história convidando os discípulos a serem tão hábeis como este administrador (vers. 9): os discípulos devem usar os bens deste mundo, não como um fim em si mesmo, mas para conseguir algo mais importante e mais duradouro (o que, na lógica de Jesus, tem a ver com os valores do "Reino").
    Na segunda parte do texto (vers. 10-13), Lucas apresenta-nos uma série de "sentenças" de Jesus sobre o uso do dinheiro (originariamente, estas "sentenças" não tinham nada a ver com o contexto desta parábola). No geral, essas "sentenças" avisam os discípulos para o bom uso dos bens materiais: se sabemos utilizá-los tendo em conta as exigências do "Reino", seremos dignos de receber o verdadeiro bem, quando nos encontrarmos definitivamente com o Senhor ressuscitado. O nosso texto termina com um aviso de Jesus acerca da deificação do dinheiro (vers. 13): Deus e o dinheiro representam mundos contraditórios e procurar conjugá-los é impossível... Os discípulos são, portanto, convidados a fazer a sua opção entre um mundo de egoísmo, de interesses mesquinhos, de exploração, de injustiça (dinheiro) e um mundo de amor, de doação, de partilha, de fraternidade (Deus e o "Reino"). Onde é que estão, aqui, os valores eternos e duradouros?

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e partilha podem considerar as seguintes linhas:

    • O mundo em que vivemos decidiu que o dinheiro é o deus fundamental e que tudo deixa de ter importância, desde que se possam acrescentar mais uns números à conta bancária. Para ganhar mais dinheiro, há quem trabalhe doze ou quinze horas por dia, num ritmo de escravo, e prescinda da família e dos amigos; por dinheiro, há quem sacrifique a sua dignidade e apareça a expor, diante de uma câmara de televisão, a sua intimidade e a sua privacidade; por dinheiro, há quem venda a sua consciência e renuncie a princípios em que acredita; por dinheiro, há quem não tenha escrúpulos em sacrificar a vida dos seus irmãos e venda drogas e armas que matam; por dinheiro, há quem seja injusto, explore os seus operários, se recuse a pagar o salário do mês porque o trabalhador é ilegal e não se pode queixar às autoridades... Que pensamos disto? Ser escravo dos bens é algo que só acontece aos outros? Talvez não cheguemos, nunca, a estes casos extremos; mas até onde seríamos capazes de ir por causa do dinheiro?

    • Jesus avisa os discípulos de que a aposta obsessiva no "deus dinheiro" não é o caminho mais seguro para construir valores duradouros, geradores de vida plena e de felicidade. É preciso - sugere Ele - que saibamos aquilo em que devemos apostar... O que é, para nós, mais importante: os valores do "Reino" ou o dinheiro? Na nossa actividade profissional, o que é que nos move: o dinheiro, ou o serviço que prestamos e a ajuda que damos aos nossos irmãos? O que é que nos torna mais livres, mais humanos e mais felizes: a escravidão dos bens ou o amor e a partilha?

    • Todo este discurso não significa que o dinheiro seja uma coisa desprezível e imoral, do qual devamos fugir a todo o custo. O dinheiro (é preciso ter os pés bem assentes na terra) é algo imprescindível para vivermos neste mundo e para termos uma vida com qualidade e dignidade... No entanto, Jesus recomenda que o dinheiro não se torne uma obsessão, uma escravidão, pois Ele não nos assegura (e muitas vezes até perturba) a conquista dos valores duradouros e da vida plena.
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 25º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. EVITAR CULPABILIZAR.
    O dinheiro ou Deus... No momento penitencial, será bom evitar algumas tiradas de tipo culpabilizante e demasiado ligeiras contra o dinheiro que corrompe, que explora... A terceira fórmula do rito penitencial convida a aclamar o Deus bom e misericordioso.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Pai dos pobres, justiça dos oprimidos, nós Te bendizemos pelo teu Espírito Santo, que deste aos profetas, encarregando-os de proclamar sempre e em toda a parte as exigências da justiça.
    Nós Te pedimos: que o teu Espírito purifique os nossos pensamentos e os nossos corações. Somos testemunhas de tantas injustiças! Que Ele nos inspire as iniciativas que se impõem".

    No final da segunda leitura:
    "Deus nosso Pai, Tu que és o único Deus e queres que todos os homens sejam salvos e cheguem a conhecer a verdade, nós Te damos graças por Jesus, que nos revelaste como o único mediador fiável entre Ti e a humanidade.
    Unidos a todos os cristãos que elevam para Ti as suas mãos e Te dirigem as suas orações, intercedemos por todos os homens e pedimos-Te pela paz".

    No final do Evangelho:
    "Deus Pai, único mestre digno de ser servido, nós Te damos graças pela confiança que depositas em nós; Confias-nos o teu Reino, que é infinitamente mais precioso que todos os bens da terra.
    Nós Te pedimos: pelo teu Espírito, faz de nós filhos da luz, inspira-nos o bom uso dos bens da terra e a aptidão que convém ao teu Reino".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Quanto se trata de viver, e sobretudo de sobreviver, estamos prontos a tudo, todos os meios parecem bons para pôr a cabeça de fora. O administrador da parábola vai perder os seus meios de viver, procura a maneira de se sair. Reconhece que não tem a força de trabalhar, nem de mendigar. Então, tomando consciência que não pode conseguir sozinho, procura amigos a todo o preço, mesmo com o preço da desonestidade. O mestre faz o elogio, não da sua desonestidade, mas da sua habilidade. O objectivo da parábola é fazer reflectir aqueles que se reclamam cidadãos do Reino: estão dispostos a tudo para procurar o essencial e vivê-lo? A sua habilidade é também como a dos filhos deste mundo que, para as coisas materiais, estão dispostos a sacrificar a dimensão espiritual da sua vida? Jesus não pede para imitar o administrador nos seus gestos, mas para ser como Ele na procura do essencial.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Eis Jesus que Se põe a dissertar sobre a economia, mas uma economia que parece envolver falsários... Como compreender tal parábola na boca de Jesus? Podemos logo pensar que Ele não quer dar o administrador desonesto como exemplo, mesmo se o mestre deste faz o seu elogio. Jesus chama-o explicitamente "administrador desonesto, com esperteza". Jesus conhece o coração do homem, um coração perverso. Mas Jesus não fica nesta dimensão do coração do homem. Ele sabe que em todo o homem, por mais pervertido que seja, há sempre um cantinho positivo. Ele vê a prova de habilidade do administrador para conseguir safar-se. Esta habilidade é colocada ao serviço de um mal. Mas, em si mesma, pode ser posta ao serviço do bem. Então, diz Jesus, se vós, meus discípulos, que sois chamados "filhos da luz", sabeis ser tão habilidosos a respeito da vossa vida cristã, quantas coisas poderão mudar! Jesus aproveita para recordar o seu ensino constante sobre o dinheiro e a riqueza material. Não podemos viver sem dinheiro. Mas saibamos utilizá-lo com habilidade, para o bem. Que ele não se torne um mestre tirânico. Saibamos utilizá-lo, não para nos enriquecermos egoisticamente, mas para o pôr ao serviço do bem dos outros, a começar pelos mais pobres. Aqui, a nossa habilidade deve estar ao serviço do bem! Não levaremos dinheiro no nosso caixão. Mas o bem que com ele tivermos feito seguirá para além da morte, "nas moradas eternas". A lição continua sempre válida hoje!

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III para Assembleias com Crianças... Parte da oração ilustra a situação evocada pelo Evangelho.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    Deus ou o dinheiro? Amós e Lucas convidam-nos a um sério exame de consciência sobre a nossa maneira de praticar a justiça social e de utilizar o dinheiro. Quantos pobres, hoje no mundo, são explorados com meia dúzia de euros por alguns que enriquecem sobre a sua miséria? Não acusemos ninguém! Nesta semana, retomemos estes textos para fazer o ponto da situação em toda a verdade. A que mestre estamos amarrados: a Deus ou ao dinheiro?
    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehnianos.org - www.dehonianos.org

  • XXV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    19 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Provérbios 3, 27-35
    Meu filho: 27Não negues um benefício a quem dele precisa, se estiver nas tuas mãos oder concedê-lo. 28Não digas ao teu próximo: «Vai, e volta depois, amanhã te darei», quando o puderes logo atender. 29Não maquines o mal contra teu próximo, quando ele deposita confiança em ti. 30Não litigues contra ninguém, sem motivo, quando não te fez mal algum. 31Não invejes o homem violento, nem adoptes o seu procedimento, 32porque o Senhor abomina o homem perverso, mas reserva para os rectos a sua intimidade. 33A maldição do Senhor cai sobre a casa do ímpio, mas Ele abençoa a morada dos justos. 34Ele escarnece dos escarnecedores, mas concede a sua graça aos humildes. 35A glória será a herança dos sábios, mas os insensatos suportarão a ignomínia.
    O Livro dos Provérbios, cobre vários séculos de história, durante os quais os sábios se dedicaram à reflexão sapiencial. Por isso, se nota um certo progresso doutrinal. Aparentemente trata-se de um livro humilde. Perpassa nele a convicção de que a sabedoria presente no mundo, nas coisas e nos homens, é um traço da sabedoria de Deus. As próprias formas da sabedoria humilde e quotidiana - as do bom senso, da razão, da experiência - vêm de Deus. Segui-las é obedecer a Deus; ignorá-las é atraiçoar o projecto de Deus. A esta, luz profundamente religiosa, é que devemos compreender as máximas do Livro dos Provérbios, reconhecendo o valor de imperativo moral, não só às palavras dos profetas, mas também ao significado das coisas e à força da experiência.
    O texto de hoje insiste nas relações com o próximo: não negar um benefício, não dizer «amanhã to darei» (v. 28), não adiar, não litigar, não invejar, não seguir o perverso (vv. 29-32). No meio destes imperativos, aparece, repentinamente, uma afirmação muito bonita: «Deus reserva para os rectos a sua intimidade» (v. 32b). Fica assim traçado o esboço do sábio nas suas coordenadas fundamentais: a correcção e a benevolência nas relações com o próximo, a convicção de que a amizade de Deus vale mais do que tudo.

    Evangelho: Lucas 8, 16-18
    Naquele tempo, Jesus disse à multidão: 16«Ninguém acende uma candeia para a cobrir com um vaso ou para a esconder debaixo da cama; mas coloca-a no candelabro, para que vejam a luz aqueles que entram. 17Porque não há coisa oculta que não venha a manifestar-se, nem escondida que não se saiba e venha à luz. 18Vede, pois, como ouvis, porque àquele que tiver, ser-lhe-á dado; mas àquele que não tiver, ser-lhe-á tirado mesmo o que julga possuir.»
    A perícopa que escutamos inclui três pequenas unidades, recolhidas por Lucas, e incluídas numa sessão (8, 4-21) que tem por tema a Palavra de Deus. É nesta perspectiva que as lemos.
    A primeira unidade (v. 16) parece temer o risco do anonimato: não se põe a luz debaixo da cama. É uma advertência aos cristãos que - por medo ou porque julgam inútil fazê-lo - não se expõe publicamente. A Palavra é pública e visível: escondê-la é fazê-la morrer. A segunda unidade (v. 17) parece temer o risco do segredo. É uma advertência aos grupos de cristãos que se fecham em si mesmos, anunciando a Palavra em segredo, apenas aos iniciados. Mas a Palavra é para todos, pela sua natureza missionária. A terceira unidade (v. 18) é mais difícil. É certo que chama a atenção para a importância da escuta, ou para o modo como se escuta: «Vede, pois, como ouvis». Há quem não escuta, mas também há quem escuta mal. Que significa a expressão: «porque àquele que tiver, ser-lhe-á dado; mas àquele que não tiver, ser lhe á tirado mesmo o que julga possuir»? E que significa o "porque"? (v. 18) que condiciona o crescimento ou a perda da palavra? Significa talvez que é preciso escutar bem, porque é a escuta que enriquece. Quem não escuta ou escuta mal, empobrece. Não só não cresce, mas também perde o que julga possuir. A escuta da Palavra é, pois, o caminho necessário para crescer na fé. Se falta a escuta, a fé definha e morre.

    Meditatio
    Com a primeira leitura de hoje, iniciamos o Livro dos Provérbios. Jesus também usa provérbios susceptíveis de várias aplicações. «Não há coisa oculta que não venha a manifestar-se, nem escondida que não se saiba e venha à luz», lemos no evangelho de hoje. É necessário iluminar. Mas, antes, é preciso acender o candeeiro. O discípulo deve iluminar o mundo. Mas só o pode fazer com a luz que vem de Cristo Senhor, pois não tem luz própria. Se assim não for, corre-se o risco de confundir as ideias próprias, os gostos próprios, as opções próprias com as de Cristo e de propor coisas e realidades que nada têm a ver com o Senhor. É preciso acender, cada dia, a própria lâmpada, na lâmpada de Cristo. É o lumen Christi (luz de Cristo) que ilumina o mundo, não a minha luz. A minha luz só ilumina se for reflexo da de Cristo.
    Notemos também que a luz de que fala Cristo não é só doutrina, mas também testemunho, isto é, doutrina que se torna vida, que transforma a vida: que toca o meu modo de ser, de julgar as coisas. Eu sou luz quando difundo a luz de Cristo, com os critérios de Cristo, isto é, com humildade e pobreza. Quando, por exemplo, não falo de humildade a partir de uma posição de poder, quando não anuncio a pobreza com meios que revelam abundância de bens... Sou luz sobre o candelabro quando represento, o mais aproximadamente possível, o modo de ser, de agir, de pensar, de falar de Jesus. É bom pensarmos nisto, porque podemos cair em grandes ilusões. Pensar que iluminamos só porque repetimos palavras de Jesus, sem deixar iluminar a nossa vida pela de Jesus, é como cobrir a lâmpada com um alqueire. É doutrinar, não evangelizar.
    Os Santos são aqueles que melhor reflectem a luz de Cristo. As nossas Constituições recordam-nos a vocação à santidade. Recordam-na numa perspectiva ampla e eclesial: «Com todos os nossos irmãos cristãos...» (Cst 13). A vocação à santidade é universal (Cf. 1 Tes 4, 7; 1 Pe 2, 21; LG 40). Mas nós, religiosos, devemos ser as testemunhas, os "especialistas" da santidade junto dos nossos irmãos cristãos. Mergulhados nas preocupações da vida de cada dia, do trabalho, das necessidades diárias, facilmente esquecem a sua vocação à santidade. Por "vocação", por "um dom particular" (n. 13), nós religiosos devemos brilhar diante deles com a santidade da nossa vida: «Brilhe a vossa luz diante dos
    homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus» (Mt 5, 16), para que se lembrem da sua meta suprema: a transformação em Cristo da sua vida.

    Oratio
    Senhor, olha como estou mais preocupado em transmitir doutrina, do que em testemunhá-la com a minha vida. Olha como esqueço o teu modo de ser, que tanto impacto deu às tuas palavras, pensando que evangelizar, que guiar os meus irmãos e irmãs, é questão de conhecimentos e de transmissão de ideias.
    Mas és tu que deves viver em mim, para que eu possa dizer as tuas palavras e guiar os outros. Se Tu, meu amigo e Senhor, não viveres em mim, as tuas palavras sairão sem efeito dos meus "lábios impuros", porque o meu coração não será semelhante ao teu, e os meus critérios, não serão os teus. Que eu Te encontre, antes de procurar as tuas palavras; que eu me torne semelhante a Ti, antes de Te usar para dizer aquilo que devo dizer.
    É por isso que preciso de Te sentir junto a mim, mais íntimo, mais amigo, mais familiar, mais presente na minha vida. Não me abandones, não me deixes nas minhas ilusões, não me deixes perder nos atalhos, na tentação de Te reduzir a uma ideia ou a simples mensagem. Amen.

    Contemplatio
    Instruir e exortar não era suficiente; era preciso ainda ganhar os corações e prender os homens a Deus por um laço de amor. Aqui estava a obra própria do Coração sacerdotal de Jesus. É verdade que Jesus tinha a seu favor o encanto da sua pessoa e da sua beleza divina. Ele semeava os milagres e distribuía os benefícios. Mas também expunha muitas vezes toda a bondade de Deus no mistério da redenção e é isto que nós podemos imitar. Todo o ensinamento de Jesus se resume na palavra Evangelho que significa «a boa nova»; prega o evangelho do reino, isto é, a feliz notícia da salvação pela redenção, de todos os benefícios da misericórdia divina. S. João reteve melhor que os outros estes apelos do Coração sacerdotal de Jesus. Repete-os várias vezes. «Deus amou de tal modo o mundo, que enviou o seu Filho único para o salvar» (Jo 3, 16). «Como o meu Pai me amou, eu vos amo; permanecei no nosso amor» (Jo 15, 9). Como Nosso Senhor mesmo o disse, era o seu Coração que falava pela sua boca: Ex abundantia cordis os loquitur (Mt 12, 34); e o seu Coração ganhava todos os corações. Cabe a nós mostrar também como a bondade divina resplandece nos mistérios da Incarnação e da Redenção. É isto pregar o Sagrado Coração. Esta era a força de S. Paulo. Quantas vezes repete: «Cristo amou-me até ao ponto de se entregar por mim!» Preguemos o Sagrado Coração e ganharemos as almas para Jesus Cristo. (Leão Dehon, OSP 2, p. 554).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Vede como ouvis» (Lc 8, 18).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    20 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura Provérbios 21, 1-6.10-13
    1O coração do rei é como água corrente nas mãos do Senhor,Ele o dirigirá para onde quiser. 2Os caminhos do homem parecem-lhe sempre rectos, mas é o Senhor quem pesa os corações. 3A prática da justiça e da equidade é mais agradável ao Senhor que os sacrifícios. 4Olhares altivos, coração soberbo: a lâmpada dos ímpios é o pecado. 5Os projectos do homem diligente têm êxito, mas quem se precipita cai certamente na ruína. 6Os tesouros adquiridos pela mentira são vaidade passageira e laço de morte. 10A alma do ímpio deseja o mal; não terá compaixão do seu próximo. 11Com o castigo do insolente, o ingénuo ficará mais sábio; quando se adverte o sábio, ele adquire mais saber. 12O justo está atento à família do ímpio, e precipita os maus na desventura. 13Aquele que se faz surdo ao clamor do pobre, também um dia clamará e não será ouvido.
    O Livro dos Provérbios é uma ampla recolha de máximas e de sentenças, independentes entre si, sem qualquer espécie de fio condutor ideológico, onde está depositada a sabedoria das várias gerações de Israel. O seu objectivo é fazer de todo o israelita um verdadeiro homem: forte, senhor de si mesmo, interiormente livre, trabalhador, hábil, leal. Não é ainda o retrato do homem evangélico. Mas é a base para o ser. Não nos tornamos discípulos sem ser homens. Está aqui o valor deste livro. É bom fazer esta verificação porque, à primeira vista, muitos provérbios poderiam deixar-nos desiludidos. Que valer têm hoje? Há muitos, que espelham o simples bom-senso e que continuam actuais. Mas é importante, sobretudo, o seu valor global. Sugerem comportamentos próprios da fase anterior à Aliança e à sua moral. Mas estamos perante um são humanismo que tem por objectivo criar um homem apto para as opções morais e para os compromissos da Aliança.
    As virtudes sugeridas no texto de hoje são as habituais: não presumir de si mesmo, nem da própria rectidão; praticar a justiça, a humildade e a diligência; não ser mentiroso nem violento nos negócios, não fechar os ouvidos ao grito dos pobres. Na Bíblia, o grito do pobre é sempre dirigido ao Senhor. Escutá-lo é, pois, responder em nome do Senhor.

    Evangelho: Lucas 8, 19-21
    Naquele tempo, 19sua mãe e seus irmãos vieram ter com Ele, mas não podiam aproximar-se por causa da multidão. 20Anunciaram-lhe: «Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem ver-te.» 21Mas Ele respondeu-lhes: «Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática.»
    Lucas apresenta-nos um quadro de rara finura e profundidade. Não denota polémica em relação à família de Jesus, como acontece nos textos paralelos de Mateus e de Marcos. A atenção de Lucas vai para aquilo que, de facto, interessa: a escuta e a prática da Palavra, que criam e definem o verdadeiro sentido de família de Jesus.
    Um dia, «Sua mãe e seus irmãos vieram ter com Ele» (v. 19). Lucas usa um verbo que exprime o desejo de ver Jesus. A forma singular realça a figura da Mãe, que é o sujeito. Para o evangelista, a vinda dos familiares é uma ocasião que permite a Jesus pronunciar a sentença sobre os seus verdadeiros parentes: a escuta e a prática da Palavra cria laços mais fortes do que os do sangue. Esta possibilidade, todavia, não exclui os parentes que vieram visitá-l´O. Lucas exalta a família gerada pela Palavra. Mas não menospreza os laços com a família de sangue.

    Meditatio
    As palavras de Jesus dirigidas àqueles que Lhe anunciam a chegada da sua mãe e dos seus familiares, parecem duras. Mas explicam-se com a sua missão de semeador da Palavra de Deus. Naquele momento, mais do que atender àqueles que Lhe são familiares pelos laços do sangue, o Mestre queria sublinhar os laços que realizam a sua nova «família»: a escuta da Palavra, e o pô-la em prática. São essas atitudes que produz o milagre de nos tornar mãe, irmãos e irmãs de Jesus. Tal como Maria escutou a Palavra e, depois, de tornou Mãe, o mesmo pode acontecer comigo hoje, se acolher a Palavra que me é dirigida. Jesus quer crescer no mundo e o caminho privilegiado sou eu, porque quer crescer em mim, quer que a minha existência seja cada vez mais cristiforme, quer que eu O represente cada vez melhor. Se acolho a sua Palavra, se a contemplo, se a conservo, se lhe deixo espaço, se procuro não esquece-la durante o dia, se faço dela a luz dos meus caminhos, Jesus cresce em mim, à minha volta, no mundo. E posso adquirir a dignidade de Maria, porque O gerarei novamente para o nosso tempo. Quero, pois, ser devoto da Virgem, para que me ensine a receber a Palavra, a dar-lhe carne, a dar-lhe vida, a transformar toda a minha acção em nova geração, em novo crescimento de Jesus em mim e à minha volta.
    Maria é o modelo de como se escuta e acolhe na vida a Palavra e: «Feliz d´Aquela que acreditou no cumprimento das palavras do Senhor...» (Lc 1, 45). É a primeira bem-aventurança que ecoa no Evangelho e desce sobre Maria, por meio da palavra de Isabel, cheia de Espírito Santo; é a bem-aventurança da fé, que acolhe a Palavra de Deus e adere a ela com toda a vida. É a bem-aventurança que Jesus, um dia, proclamará: «Felizes... aqueles que escutam a Palavra de Deus e a põe em prática!» (Lc 11, 28); é a «melhor parte» que Maria de Betânia escolheu, sentada aos pés do Senhor, na escuta da sua palavra, e que não lhe será tirada (cf. Lc 10, 38-42).
    Não é suficiente escutar a Palavra, é preciso guardá-la e pô-la em prática, como fez a Virgem Maria: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a Tua palavra» (Lc 1, 38). «Sede daqueles que põem em prática a palavra - exorta S. Tiago - e não apenas ouvintes, enganando-vos a vós mesmos» (1, 22). É inútil ver-se ao espelho, ver o próprio rosto e depois esquecer-se dele (cf. Tg 1, 23-24).
    "Escutar", em sentido bíblico, é "compreender", "acolher" na vida, "ir a Jesus"; é "acreditar", "guardar no coração"; é "obedecer" e "fazer". A verdadeira "escuta da Palavra" realiza-se quando se ama, não por palavras, mas "com obras e em verdade" (1 Jo 3, 18).

    Oratio
    Quero, suplicar-Te, hoje, ó Virgem Santa Maria, que me ajudes a receber a Palavra para lhe dar carne, para lhe dar vida. Sabes como estou longe deste ideal de ver a minha vida como geração de Jesus no mundo. Eu, pobre pecador, mergulhado em tantas coisas, posso aproximar-me de Ti, Mãe do meu Salvador, e tornar-me também "mãe" d&acut
    e;Aquele que me salva! Parece-me um ideal demasiado elevado, inatingível!
    Conduz-me docemente por esse mistério, abre os meus olhos para que vejam as maravilhas que a Palavra pode realizar em mim; dá-me um coração capaz de compreender este mundo novo em que são introduzidos os ouvintes da Palavra. Fica junto a mim, ó Mãe, para que possa continuar, sem medo nem tremor, mas com espanto e gratidão, a tua obra, no começo do novo milénio. Amen.

    Contemplatio
    O abandono a Deus e à vontade divina é a regra de vida de Maria e nós vemo-la na perturbação e na dúvida fixar-se nesta disposição: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra». Estas palavras exprimem o abandono, a docilidade à graça, a conformidade à vontade divina, o sacrifício e a imolação. Com esta resposta, com o seu consentimento, Maria aceitava a dignidade e a honra da maternidade divina, mas ao mesmo tempo também os sofrimentos, os sacrifícios que lhe estavam ligados. Declarava-se pronta a cumprir a vontade de Deus em tudo como sua serva. Era como um voto de vítima e de abandono. Esta disposição é a mais perfeita, é a fonte dos maiores méritos e das melhores graças. Maria proclamou-o mesmo no seu Magnificat: A minha alma louva o Senhor, porque olhou com favor a humildade da sua serva. Deus encontrou muita alegria nesta disposição de Maria. Ela acrescentava: Todas as gerações me hão-de proclamar bem-aventurada.
    Durante a sua vida mortal, poucas pessoas a proclamaram bem-aventurada, excepto Isabel e aquela mulher que ergueu a voz no meio do povo, e à qual Jesus respondeu: Bem-aventurados são aqueles que escutam a minha palavra e que a praticam.
    A felicidade de Maria durante a sua vida mortal era o sacrifício com Jesus, por Jesus e pelas almas. Ela não era, como o seu Filho, senão um objecto de desprezo, de humilhação e de ignomínia da parte dos inimigos de Deus. Para aqueles que estavam bem dispostos, era um objecto de compaixão e de piedade. O ecce Ancilla era a disposição do seu coração em todos os sacrifícios que teve de fazer: quando da Apresentação no Templo, quando ofereceu o seu Filho em sacrifício e escutou a profecia do velho Simeão; na fuga para o Egipto e assim por diante, em todas as ocasiões, até debaixo da cruz do seu Filho moribundo. Do mesmo modo para o resto da sua vida, consentiu em ser a mãe da Igreja nova fundada no sangue do seu Filho.
    A sua graça e os seus méritos aumentavam sempre pela sua fiel cooperação, pela sua pureza, pelo santo e perfeito amor com o qual cumpria a missão que se tornara a sua. (Leão Dehon, OSP 3, p. 328 s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 8, 21).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Mateus, Apóstolo

    S. Mateus, Apóstolo


    21 de Setembro, 2022

    S. Mateus era um cobrador de impostos, profissão pouco bem conceituada. Jesus chamou-o a segui-lo. É o próprio Mateus que, de modo muito simples, nos conta a sua conversão (cf. Mt 9, 1-9). Lucas evidencia o banquete oferecido por Mateus, em que Jesus está presente e revela o seu amor misericordioso pelos pecadores. Dotado de certa cultura, Mateus foi o primeiro a recolher por escrito os acontecimentos da vida de Jesus, que testemunhara, agrupando-lhe nesse quadro os ensinamentos do Mestre. O seu evangelho, escrito entre os anos 62 e 70, é especialmente destinado aos seus compatriotas judeus. Apresenta Jesus como o novo Moisés, aquele que dá ao novo Povo de Deus a nova lei do amor. Mateus dá também grande atenção à Igreja que Jesus convoca, salva e institui.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 4, 1-7.11-13

    Eu, o prisioneiro no Senhor, exorto-vos, pois, a que procedais de um modo digno do chamamento que recebestes; 2com toda a humildade e mansidão, com paciência: suportando-vos uns aos outros no amor, 3esforçando-vos por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. 4Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança; 5um só Senhor, uma só fé,um só baptismo;  6um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos. 7Mas, a cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de Cristo. 11E foi Ele que a alguns constituiu como Apóstolos, Profetas, Evangelistas, Pastores e Mestres, 12em ordem a preparar os santos para uma actividade de serviço, para a construção do Corpo de Cristo, 13até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa da plenitude de Cristo.

    Paulo exorta os cristãos a uma vida digna da sua vocação, formando "um só corpo" em Cristo Jesus. A condição de prisioneiro dava-lhe maior autoridade para fazer uma tal exigência. A harmonia, a paz, são indispensáveis para viver em unidade. Esta unidade espiritual entre os cristãos é motivada pela sociabilidade e comunitariedade próprias da vida cristã: a Igreja é "um só corpo" animado por "um só Espírito" e por "uma só esperança" na salvação eterna a que a fé em Cristo nos convida. "Um só" é o Senhor, Jesus, que derrubou o muro da separação e da inimizade, e deu a todos a fé e o batismo, como meios de salvação. Acima de tudo, está a única paternidade divina: há "um só Deus e Pai de todos" (v. 6).

    Evangelho: Mateus 9, 9-13
    Naquele tempo, Jesus ia a passar quando viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me!» E ele levantou-se e seguiu-o. 10Encontrando-se Jesus à mesa em sua casa, numerosos cobradores de impostos e outros pecadores vieram e sentaram-se com Ele e seus discípulos. 11Os fariseus, vendo isto, diziam aos discípulos: «Porque é que o vosso Mestre come com os cobradores de impostos e os pecadores?»12Jesus ouviu-os e respondeu-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. 13Ide aprender o que significa: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.

    Meditatio

    Ao narrar o seu chamamento por Jesus, o primeiro evangelista, conforme observa S. Jerónimo, usa o seu próprio nome, Mateus. Os outros três evangelistas, ao narrarem o mesmo episódio, chamam-no Levi, o seu segundo nome, provavelmente menos conhecido, talvez para esconder o seu nome de publicano. Mateus, pelo contrário, reconhece-se como publicano, um grupo de pessoas pouco honestas e desprezadas, porque colaboradores dos ocupantes romanos. Mas, Jesus chamou-o, com escândalo de muitos "bem-pensantes".
    Mateus apresenta-se como um publicano perdoado e chamado por Jesus. A vocação de apóstolo não se baseia em méritos pessoais, mas unicamente na misericórdia do Senhor. Só quem se dá conta da sua pobreza, da sua pequenez, aceitando-a como o "lugar" onde Deus derrama a sua misericórdia infinita, está em condições de se tornar apóstolo, de tocar as almas em profundidade, porque comunica o amor de Deus, o seu amor misericordioso: "Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores." (v. 13). Como diz Paulo, o verdadeiro apóstolo está cheio de humildade, de mansidão, de paciência, uma vez que experimentou em si mesmo a paciência, a mansidão e a humildade divina, que se inclina sobre os pecadores e os ergue com paciência da sua situação.
    O Deus revelado pela palavra e pela ação de Jesus é um Deus misericordioso, que acolhe os que andam perdidos, oferecendo-lhes uma nova ocasião para se reconstruírem, por meio da graça, até atingirem a perfeita unidade da fé, que na primeira leitura é a "medida completa da plenitude de Cristo".

    Oratio

    Pai misericordioso, concede-nos a graça de reconhecer na nossa história pessoal o chamamento fundamental da vida, que o teu Filho e nosso Senhor nos dirige com amor. Que te respondamos com um "sim" pronto e generoso, nas pequenas e grandes ocasiões da nossa vida. Assim poderemos concretizar aquela obra pessoal e comunitária que devemos realizar na Igreja. Que o nosso testemunho de cristãos e de Igreja possa contribuir para a conversão do nosso mundo ao teu amor misericordioso. Ámen.

    Contemplatio

    Mateus/Levi era publicano ou cobrador de impostos. Os homens desta profissão eram muito desprezados entre os Judeus, abusavam muito das suas funções para oprimirem as populações! Nosso Senhor quis, no entanto, escolher um dos seus apóstolos de entre eles. Levi estava no seu escritório, junto do lago de Genesaré, quando Jesus dele se apercebeu e lhe disse para o seguir. O publicano abandonou imediatamente o lugar lucrativo que ocupava, para se ligar a Nosso Senhor. Todo feliz e reconhecido pela sua vocação, convidou o divino Salvador e os seus discípulos para virem tomar uma refeição em sua casa. Convidou ao mesmo tempo vários publicanos seus amigos para os atrair a Jesus. Os fariseus ficaram escandalizados e disseram aos discípulos do Salvador: «Porque é que o vosso mestre come com os publicanos e os pecadores?». Jesus, ouvindo as suas murmurações, deu esta bela resposta: «Os médicos são para os doentes, e não para aqueles que estão de boa saúde. Eu vim chamar, não os justos, mas os pecadores». Palavra encorajadora caída do Coração de Jesus! Não percamos confiança, embora sejamos pecadores. (L. Dehon, OSP 4, p. 275).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Eu não vim chamar os justos,
    mas os pecadores" (Mt 9, 13).

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    S. Mateus, Apóstolo (21 Setembro)

    XXV Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    21 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura Provérbios 30, 5-9

    5Toda a palavra de Deus é provada ao fogo, é um escudo para aqueles que confiam ele. 6Nada acrescentes às suas palavras, para que não te repreenda e sejas achado mentiroso. 7Peço-te duas coisas, não mas negues antes da minha morte: 8Afasta de mim a falsidade e a mentira, não me dês pobreza nem riqueza, concede-me o pão que me é necessário, 9para que, saciado, não te renegue, e não diga: «Quem é o Senhor?» Ou, empobrecido, não roube e não profane o nome do meu Deus.
    A nossa leitura começa com uma reflexão sobre a palavra de Deus. Depois, vem uma prece sapiencial que tem por tema a pobreza e a riqueza. O Livro dos Provérbios reflecte atentamente sobre a pobreza e sobre a riqueza. O ideal da sabedoria não é a pobreza, mas o bem-estar, que é uma bênção de Deus. Procurá-lo é um dever. O Livro dos Provérbios condena duramente a preguiça e a falta de empenho. Mas, se o bem-estar é uma bênção, não quer dizer que o pobre seja um maldito ou castigado. São muitas, no Livro dos Provérbios as recomendações em favor dos pobres. Ajudá-los é um dever. É preciso também lembrar que a felicidade não se encontra só na riqueza, mas na riqueza acompanhada pelo temor de Deus, pela justiça e pela concórdia: «Na casa do justo há riqueza abundante; mas o rendimento dos maus é fonte de perturbação» (15, 6). Finalmente, o Livro dos Provérbios admite que a excessiva riqueza pode trazer grandes perigos morais, tais como a auto-suficiência, que julga não precisar de Deus nem dos outros. A riqueza material facilmente se torna riqueza de espírito. Por isso, o sábio pede a Deus que, nem lhe dê a miséria que leva à rebelião nem lhe dê excessiva riqueza que leva a esquecê-l´O.

    Evangelho: Lucas 9, 1-6
    Naquele tempo, Jesus, 1tendo convocado os Doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demónios e para curarem doenças. 2Depois, enviou-os a proclamar o Reino de Deus e a curar os doentes, 3e disse-lhes: «Nada leveis para o caminho: nem cajado, nem alforge, nem pão, nem dinheiro; nem tenhais duas túnicas. 4Em qualquer casa em que entrardes, ficai lá até ao vosso regresso. 5Quanto aos que vos não receberem, saí dessa cidade e sacudi o pó dos vossos pés, para servir de testemunho contra eles.» 6Eles puseram-se a caminho e foram de aldeia em aldeia, anunciando a Boa-Nova e realizando curas por toda a parte.
    Jesus pregou a conversão, expulsou demónios e curou os doentes. Essa é também a tarefa do discípulo missionário (v. 1s.).
    Antes de mais nada, Jesus ordena ao missionário que leve consigo apenas o estritamente necessário, e nada mais (v. 3). É um convite à pobreza entendida como liberdade (deixar para seguir) e fé (o próprio Senhor tomará conta dos seus discípulos). Depois, vem uma norma de bom senso: o discípulo itinerante não ande de casa em casa, mas escolha uma casa digna e hospitaleira, ficando nela o tempo necessário (v. 4). Finalmente, uma sugestão sobre o comportamento em caso de recusa. A recusa está, de facto, prevista: é confiado ao discípulo uma missão; mas não lhe é garantido o sucesso. Diante da recusa, deve comportar-se como Jesus: quando é recusado num lugar, vai para outro (v. 5). «Sacudir o pó» é um gesto de juízo, não de maldição: serve para sublinhar a gravidade da recusa, da ocasião perdida.

    Meditatio
    O Livro dos Provérbios ensina-nos, hoje, a pedir a Deus o dom da verdade, da sinceridade: «afasta de mim a falsidade e a mentira» (v. 8). Ensina-nos também a pedir o dom da moderação, que não exige privilégios espectaculares, nem presume dispensar os dons de Deus: «não me dês pobreza nem riqueza» (v. 8). O sábio está consciente da sua fragilidade e dos perigos da riqueza, mas também dos perigos da pobreza. Por isso, pede o pão da cada dia, para que não chegue a renegar a Deus nem se torne ladrão. Uma bela oração, cheia de equilíbrio, de bom senso. Tudo o que pedirmos a Deus há-de ter por objectivo aumentar a nossa união com Ele!
    Felizes os Doze que tinham «poder e autori¬dade sobre todos os demónios e para cura¬rem doenças». E nós, por que razão temos tão pouco poder e autoridade? Talvez porque levamos connosco demasiadas coisas? Não estará o poder do Senhor amarrado por tantas coisas de que nos rodeamos e nas quais confiamos mais do que n´Ele? Ate onde deve ir a nossa confiança em Deus? Onde começa o nosso empenho pessoal? São questões que nos deixam pensativos e que parecem sem resposta, a não ser que surja uma lufada do Espírito Santo. Uma coisa é certa: fazer apostolado não é fácil, uma vez que estamos expostos a tantos ventos e marés, a tantas modas e tentações. Se nos sentimos fracos, somos tentados a lançar mão de apoios humanos ou a refugiar-nos em falsas seguranças. Se a acção apostólica é "poderosa", facilmente caímos na auto-complacência, como se tudo fosse mérito nosso. É fácil deprimir-se nos fracassos e exaltar-se nos sucessos. A nossa fraqueza está, talvez, no individualismo: só o que eu faço é bem feito, só o que eu penso está certo. Uma comunidade, com que nos confrontemos, pode ajudar-nos a crescer e a avaliar a qualidade evangélica das nossas acções, não de modo abstracto, mas na realidade do dia a dia.
    Jesus realiza a missão na pobreza. Aliás, a sua pobreza é em vista da missão. Ele vive em efectivo despojamento voluntário: «que não tem onde reclinar a cabeça» (Lc 9, 58) e é no absoluto despojamento da cruz que é professado como Filho de Deus (cf. Mc 15, 39).
    Longe de depender do ter, o poder do homem, é, antes mais, dom do Pai a quem é suficientemente pobre para o receber: «Eu Te bendigo, ó Pai, porque revelaste estas coisas aos pobres...» (Mt 11, 25ss).
    Quanto à importância da comunidade, na missão, as nossas Constituições lembram-nos que, na escolha dos compromissos apostólicos concretos, devem ser salvaguardadas duas exigências: a comunhão com a própria comunidade: «cada um, na sua função, tenha consciência de ser o enviado da sua comunidade e que todos se considerem interessados e comprometidos na actividade e na missão de cada um, sobretudo quando uma comunidade deve assumir diversos serviços» (n. 62); a comunhão com os responsáveis da Igreja local: realizamos assim «o nosso serviço do Evangelho na Igreja universal, em comunhão com os responsáveis das Igrejas locais» (n. 34).
    São princípios muito genéricos, mas que é importante ter presentes para nos inserirmos com o «nosso carisma profético» na «missão salvífica do Povo de Deus n
    o mundo de hoje» (Cst. 27), para a realização da «nossa oblação reparadora» (Cst. 6). É também assim que acolhemos o Espírito (cf. Cst. 23), que é uno e é princípio de unidade, para a «edificação do Corpo de Cristo», «para Glória e Alegria de Deus» (Cst. 25).

    Oratio
    Senhor, olha como nós, teus discípulos nos sentimos desarmados diante do mundo. Sentimo-nos desorientados, não sabemos por onde começar, nem sempre somos tomados a sério, especialmente quando dizemos as tuas palavras. Os nossos grupos de catequese, os nossos grupos de jovens são muito reduzidos. A maior parte dos adolescentes e jovens preferem outras ocupações à catequese, preferem outros conhecimentos ao conhecimento de Ti. Os que vêm, muitas vezes não se apresentam com verdadeiro interesse. Vêm porque são mandados, porque querem receber um sacramento, que dá direito a uma festa de família. Não nos deixes cair na tentação do desânimo. Dá-nos o dom do discernimento, para que saibamos descobrir a tua vontade nas próprias dificuldades que se nos apresentam, e encontrar os meios para tornar cativante a apresentação da tua Palavra. Mais do que de meios técnicos, precisamos de Ti, do teu Espírito. Que a nossa voz, ao anunciarmos a tua ressurreição, tenha o timbre da do Anjo do sepulcro vazio.
    Livra-nos da tentação do sucesso humano. Ilumina-nos! Salva-nos! Faz-nos instrumentos eficazes da tua salvação. Amen.

    Contemplatio
    «Ide, diz aos seus discípulos, anunciai o reino de Deus. Não leveis nem ouro nem dinheiro. Confiai-vos à Providência. Se não vos receberem, sacudi o pó das vossas sandálias, e passai adiante... Abençoarei aqueles que vos receberem em meu nome, nem que vos dessem apenas um copo de água... Tende confiança, Deus cuida dos pardais, terá cuidado de vós» (Mt 10).
    E ainda: «Não podeis procurar ao mesmo tempo Deus e o dinheiro. Não estejais inquietos com o que haveis de comer, nem com o vestuário que levareis. Deus alimenta os pássaros e dá às flores o seu vestido. Deixai os pagãos viver para o dinheiro. O vosso Pai celeste sabe o que vos faz falta. Procurai antes de mais o reino de Deus e a sua justiça, e o resto vos será dado por acréscimo» (Mt 6, 24 ss).Jesus põe em prática o que aconselha. Vai pelas cidades e pelas aldeias a pregar o reino de Deus. Os seus doze apóstolos estão com Ele. Levam pouca coisa consigo: algumas provisões para comerem nos lugares desertos, e uma pequena bolsa mais para fazer esmola do que para comprar víveres. Pessoas generosas oferecem-lhes o necessário. Há também algumas benfeitoras.
    Algumas mulheres que tinha curado, diz S. Marcos, Maria Madalena, Joana, mulher de Cusa procurador de Herodes, Susana e várias outras seguiam o Mestre e os seus apóstolos para os escutarem, e ajudavam-nos com os seus bens (cf. Mc 8). (Leão Dehon, OSP 2, pp. 573s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Nada leveis nada para o caminho» (Lc 8, 21).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • Beato João Maria de Cruz, Presbítero e Mártir

    Beato João Maria de Cruz, Presbítero e Mártir


    22 de Setembro, 2022

    Padroeiro das Vocações Dehonianas

    (Próprio de Congregação dos SCJ, Dehonianos)
    No dia 25 de setembro de 1891 nasceu em Santo Esteban de los Patos (Ávila) Mariano Garcia Méndez. A sua família era simples, mas rica em virtudes e profundamente cristã. Aos 10 anos de idade, sentiu-se chamado por Cristo para o sacerdócio. Viveu o seu sacerdócio, primeiro como pároco e, depois de muita busca, também como religioso da nossa Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, Dehonianos, tomando o nome de João Maria da Cruz. Dotado de profundo zelo apostólico e foi também o "anjo protetor" do Seminário Dehoniano de Puente La Reina e promotor vocacional da Congregação em Espanha. A Guerra Civil Espanhola levou-o a testemunhar a fé e sua condição de sacerdote, protestando fortemente contra o incêndio da igreja dos Santos Juanes, em Valência. Preso, permaneceu um mês no cárcere, onde exerceu um intenso apostolado. No dia 23 de Agosto de 1936, era já noite, foi fuzilado em Silla (Valência). Reconhecidas as suas virtudes e o seu martírio pela Igreja, foi beatificado pelo Papa João Paulo II, no dia 11 de março de 2001.

    Lectio

    Primeira leitura: Romanos 8, 31b-39

    Irmãos: Se Deus está por nós, quem pode estar contra nós? 32Ele, que nem sequer poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não havia de nos oferecer tudo juntamente com Ele? 33Quem irá acusar os eleitos de Deus? Deus é quem nos justifica!34Quem irá condená-los? Jesus Cristo, aquele que morreu, mais, que ressuscitou, que está à direita de Deus é quem intercede por nós. 35Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? 36De acordo com o que está escrito: Por causa de ti, estamos expostos à morte o dia inteiro, fomos tratados como ovelhas destinadas ao matadouro.37Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou. 38Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, 39nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso.

    Depois de ter explicado vários aspetos da vida nova em Cristo e as motivações que fundamentam a fé cristã, Paulo conclui esta secção da sua carta com um hino ao amor de Deus. O hino brota-lhe do coração como uma torrente, provocada pela sua experiência do amor de Deus na sua vida e na da comunidade dos santos. Conhecedor do desígnio do Pai, o Apóstolo canta o papel de Cristo Salvador e Senhor. Nada poderá afastar o cristão do amor que Cristo tem por nós: nem tribulação, nem a angústia, nem a perseguição, nem a a fome, nem a nudez, nem o perigo, a espada. Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou. (cf. v. 36s.). Nenhuma força terrena e nenhum espírito hostil ao homem poderá separar-nos do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus. O amor é o fundamento indestrutível da vida e da esperança cristãs.

    Evangelho: João 15, 18-21

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me odiou a mim. 19Se viésseis do mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, como não vindes do mundo, pois fui Eu que vos escolhi do meio do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. 20Lembrai-vos da palavra que vos disse: o servo não é mais que o seu senhor. Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós. Se cumpriram a minha palavra, também hão-de cumprir a vossa. 21Mas tudo isto vos farão por causa de mim, porque não reconhecem aquele que me enviou.

    Jesus acabara de falar do amor que havia entre Ele e os discípulos, e que devia haver também entre eles (Jo 15, 9-17). Mas os discípulos vivem no mundo que odeia Jesus e odiará os seus discípulos. Amados por Jesus, e amigos de Jesus, são odiados pelo mundo.
    A primeira experiência da Igreja foi a perseguição iniciada pelos judeus e prosseguida pelos gentios. A perseguição é algo de normal na vida dos cristãos, porque não são do mundo, não lhe pertencem, e estão acima dele porque dão testemunho contra ele, contra os seus pecados. Além disso, "o servo não é mais do que o seu senhor". Não pode ter melhor sorte.

    Meditatio

    Quem ama, imita. O melhor modo de corresponder ao amor de Cristo é imitá-lo. Os mártires seguiram-no até à efusão do sangue, até assemelhar-se a Ele na paixão. Foram muitos que, ao longo dos séculos, como supremo testemunho da sua fé em Jesus Cristo e no seu Evangelho, derramaram o seu sangue. Foi o que aconteceu também em Espanha, entre 1936 e 1939, durante a guerra civil, que ensanguentou aquele país. Uma das vítimas foi o P. João Maria da Cruz, da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos. Nas suas cartas, conversas e comentários, o P. João falava das dificuldades que encontrava durante a guerra civil, quando andava de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, a pedir ajudas e a procurar vocações. Nas suas notas pessoais verifica-se claramente que se preparava para o martírio: "oxalá pudesse ser mártir", dizia ele a uma senhora idosa de Puente la Reina, onde era muito popular e conhecido como o "santinho". A 10 de Agosto de 1936, poucos dias antes de ser fuzilado, escrevia, do Cárcere Modelo de Valência, ao Superior Geral da Congregação, P. L. Philippe: "Deus seja bendito! Cumpra-se em tudo a sua santíssima vontade. Considero-me muito feliz por poder sofrer alguma coisa por Ele, que tanto sofreu por mim, pobre pecador... Seja tudo pelo Coração Sacratíssimo de Jesus e pela sua Santíssima Mãe, em espírito de amor e de reparação".
    O P. João tinha experimentado o amor de Deus revelado co Coração trespassado de Cristo. Nada o assustava. O seu desejo íntimo era deixar-se imolar a si mesmo, em união com Cristo, como oblação santa e agradável a Deus, "em espírito de amor e de reparação".
    O sacrifício de Cristo não pode permanecer isolado, não partilhado. Pelo contrário, o martírio do Senhor Jesus é um apelo ao nosso martírio. É por isso que Paulo, na carta aos Romanos, escreve: "Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos (isto é, vós mesmos) como sacrifício, vivo, santo e agradável a Deus; é este o vosso culto espiritual" (Rom 12, 1). Cristo foi consagrado e imolado ao Pai, em favor dos homens. Também os cristãos, e particularmente os religiosos e sacerdotes são consagrados e imolados, para se tornarem, com Cristo, construtores do Reino de Deus entre os homens, isto é, reparadores com Cristo reparador. Como dehonianos, é assim que estamos abertos ao "acolhimento do Espírito", damos "uma resposta ao amor de Cristo por nós", estamos em "comunhão no Seu amor pelo Pai" e cooperamos "na sua obra redentora no coração do mundo" (Cst 23).

    Oratio

    Pai santo, que deste ao Beato João Maria da Cruz a graça do sacrifício de amor unitivo, infunde em nós o Espírito Santo. Animados pela sua força divina, queremos corresponder ao teu amor, e dar a nossa vida por aqueles que devem ser edificados. Assim testemunharemos a nossa piedade para com todos, e confessaremos a nossa fé em Jesus Cristo, Senhor. Acolhendo o martírio quotidiano, ou o martírio do sangue, queremos ser advogados e consoladores, oblatos e intercessores, em favor dos nossos irmãos e da humanidade inteira. Ámen.

    Contemplatio

    O bom Mestre propõe aos seus discípulos motivações para sofrerem corajosamente as provações e o próprio martírio, se tal acontecer. Estas motivações são, ainda hoje, a força dos nossos missionários, que, com tanta boa vontade, enfrentam todos os perigos, com o secreto desejo de derramarem o seu sangue pelo Salvador. O primeiro encorajamento que nos dá o bom Mestre é o seu próprio exemplo: «O discípulo, diz, não está acima do Mestre; se me perseguiram, também vos hão-de perseguir a vós». Depois do exemplo de Nosso Senhor, diz S. Bernardo, já não há perseguições nem sofrimentos que possam assustar um cristão; torná-lo participante do cálice do seu divino Filho é uma honra que Deus lhe faz. Nosso Senhor acrescenta que não devemos temer, porque a verdade sairá sempre vitoriosa da mentira e da calúnia; e, aliás, se os nossos inimigos podem atingir o nosso corpo, são impotentes contra a nossa alma e não podem separá-la de Deus. Além disso, a Providência divina vela sobre os seus servos e em particular sobre os apóstolos do Evangelho. Nosso Senhor confessará e glorificará diante de seu Pai os que o tiverem confessado sobre a terra. O último encorajamento e o mais tocante é a alta dignidade dos apóstolos, que são os representantes de Nosso Senhor e outros Ele mesmo. Ele vingá-los-á contra os seus inimigos, tal como recompensará os que os receberem, os que lhes testemunharem respeito e dedicação. (L. Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?" (Rm 8, 35).

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    Beato João Maria de Cruz, Presbítero e Mártir, Padroeiro das Vocações Dehonianas (22 Setembro)

    XXV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    22 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Qohélet 1, 2-11
    2Ilusão das ilusões - disse Qohélet- ilusão das ilusões: tudo é ilusão. 3Que proveito pode tirar o homem de todo o esforço que faz debaixo do Sol? 4Uma geração passa, outra vem; e a terra permanece sempre. 5O Sol nasce e o Sol põe-se e visa o ponto donde volta a despontar. 6O vento vai em direcção ao sul, depois ruma ao norte; e gira, torna a girar e passa, e recomeça as suas idas e vindas. 7Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche. Para onde sempre correram, continuam os rios a correr. 8Todas as palavras estão gastas, o homem não consegue já dizê-las. A vista não se sacia com o que vê, nem o ouvido se contenta com o que ouve. 9Aquilo que foi é aquilo que será; aquilo que foi feito, há-de voltar a fazer-se: e nada há de novo debaixo do Sol! 10Se de alguma coisa alguém diz: «Eis aí algo de novo!», ela já existia nas eras que nos precederam. 11Não há memória das coisas antigas; e também não haverá memória do que há-de suceder depois; nem ficará disso memória entre aqueles que hão-de vir mais tarde.
    Ao interrogar-se sobre o sentido da vida, o Livro de Qohélet responde: «Tudo é ilusão» (v. 2), ou, mais exactamente, «vacuidade». As traduções gregas e latinas da Bíblia escrevem «vaidade». Mas a palavra hebraica hevel, traduzida em português por ilusão, ou por vaidade, significa neblina, fumo, algo de vácuo, de inconsistente: ao longe pode encantar, mas, ao perto, desilude. Tal é a vida do homem: realidade enganosa, caduca, absurda. O Qohélet é realmente drástico e provocador. Porquê? Porque, de facto, é grande o contraste entre a precariedade do homem e o permanecer da natureza: «Uma geração passa, outra vem; e a terra permanece sempre» (v. 4). Todos dizem que o homem é mais importante do que as coisas; mas as coisas permanecem e o homem passa. Se olharmos para além das aparências, verificamos que o homem como que se debate dentro de um círculo do qual não consegue sair. Tudo se move, mas tudo continua igual. Tudo volta ao ponto de partida, tal como o sol no seu movimento diurno, tal como o vento ou a água dos rios. Também o afadigar-se do homem é como que um rodopiar à volta de si mesmo, fazendo e desfazendo, sem jamais chegar à meta definitiva. O mundo novo que o homem procura construir escapa-lhe continuamente das mãos, como areia por entre os dedos.
    Talvez Qohélet esteja a falar da própria esperança messiânica. Era uma esperança religiosa, mas rodeada de muitas conotações terrenas. Por isso Qohélet a contesta. Haverá sempre o limite da morte. O homem jamais se saciará de ver, de ouvir. Sempre lhe escapará o sentido do conjunto. Portanto, tudo é vaidade? O Novo Testamento irá esclarecer-nos devidamente: tudo é vaidade, excepto a caridade.

    Evangelho: Lucas 9, 7-9
    Naquele tempo, 7o tetrarca Herodes ouviu dizer tudo o que se passava; e andava perplexo, pois alguns diziam que João ressuscitara dos mortos; outros, 8que Elias aparecera, e outros, que um dos antigos profetas ressuscitara. 9Herodes disse: «A João mandei-o eu decapitar, mas quem é este de quem oiço dizer semelhantes coisas?» E procurava vê-lo.
    Herodes está perplexo: quem é Jesus de quem todos falam? Fazem-se diversas conjecturas: é João ressuscitado, é Elias, é um profeta. O povo apercebe-se da grandeza de Jesus. Mas erra ao compará-lo com figuras do passado. Jesus é uma novidade absoluta. Para compreendê-lo é preciso olhar para Ele, e mais ninguém.
    Herodes é um homem culto e prático. Quer encontrar Jesus e dar-se pessoalmente conta da sua identidade. Se fosse movido por boas intenções, como no caso de Zaqueu (cf. Lc 19, 3), seria uma atitude positiva. Mas não era esse o caso. Já o confessar a si mesmo, cinicamente e sem remorsos, ter matado João Baptista, para calar a sua voz incómoda, mostra como a sua vontade de ver Jesus era apenas curiosidade superficial. Tudo isso ficará claro na narrativa da paixão (cf. Lc 23, 8-10). Herodes representa o homem curioso que não quer tornar-se discípulo de Jesus, mas apenas quer ver fenómenos extraordinários, talvez até realizados por Jesus. É o prurido de ouvir novidades, que também Paulo condenará.

    Meditatio
    Como compreender a página do Qohélet, que hoje escutamos? Essa compreensão não dependerá da situação em que nos encontramos. Se estamos cheios de forças, ou empenhados em tarefas muito absorventes, parece-nos amarga e até inoportuna. Se nos sentimos desconfortáveis, em fase de avaliação da nossa existência, parece-nos impiedosamente verdadeira. Mas, para além dos estados de espírito, revela-se uma página realista e necessária, porque fotografa a situação do que existe e está destinado a passar, a desvanecer-se, a não deixar rasto. Trata-se de uma página que os poetas e pensadores retomaram, e muitas vezes actualizaram com acentos tocantes, por vezes, desesperados. Mas, para o cristão é apenas o primeiro passo, necessariamente seguido pelo segundo: a certeza de que é a partir deste nada, que se pode construir tudo, se o recebermos de Deus e o usarmos de acordo com a sua vontade. Podemos pois fazer uma dupla meditação: sobre o nada e sobre o tudo; sobre o modo como não nos deixarmos absorver pelo nada e sobre o modo como dar consistência a estas aparências tão frágeis. Esta meditação é possível com o concurso do realismo da razão e do realismo da fé. O livro do Qohélet é importante para a formação da consciência cristã. Desde que não seja o único. O mistério pascal, fundamento da fé, junta a morte e a ressurreição, derrota e vitória, fracasso e reconhecimento da perenidade de quem permanece fiel a Deus.
    O texto evangélico mostra-nos como Jesus suscitava interrogações à sua volta. Levanta-se até a questão da ressurreição: terá João ressuscitado dos mortos? Terá aparecido Elias? Terá ressuscitado um dos antigos profetas? Estamos perante um conceito de ressurreição que daria razão a Qohélet: seria um regresso a coisas já vistas. Os profetas voltariam a viver a vida que já viveram. Mas a ressurreição de Cristo é algo de completamente novo e abre-nos a uma esperança nova. Não voltaremos à vida mortal, mas seremos transformados pela força do Espírito que ressuscitou Jesus: «Se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou; eis que sugiram coisas novas» (2 Cor 5, 17).
    O Qohélet dizia que não havia novidades sobre a terra. No nosso tempo até há muitas novidades: viagens interplanetárias, descobertas científicas, novos meios de comunicação e transporte.... Mas o homem continua o mesmo, e usa tudo isso
    para objectivos que são os de sempre: afirmar-se, dominar os outros, acumular bens para si, que acabam por ser roubados, apodrecer ou ser deixados a outros que nada fizeram por eles... Mas há uma novidade maravilhosa, que dá gosto à vida, que dá optimismo e alegria ao coração e nos enche de profunda confiança: Jesus Cristo ressuscitado, Coração da Humanidade e do Mundo, Princípio de um Mundo Novo! Conhecendo esta novidade, capaz de transformar o mundo, temos o dever de a comunicar a todos os que, como o Qohélet proclamam: «tudo é ilusão» (v. 2). Cristo Ressuscitado é uma novidade maravilhosa, que dá gosto novo à vida e enche o coração de optimismo, de alegria, de confiança.

    Oratio
    Senhor, são muitas as ocasiões que pões ao meu dispor para meditar na "infinita vaidade de todas as coisas". Não queres que me agarre a nada porque, fora de Ti, tudo é inconsistente. Agradeço-te porque, hoje, Te serviste do Qohélet para mo lembrar. Quero louvar-te e dar-te graças por tudo quanto me ofereces na natureza e nos irmãos. Quero louvar-te e dar-te graças por tudo quanto de bom pões ao meu dispor. Mas só Tu és a minha verdadeira e definitiva riqueza, a minha verdadeira e única felicidade.
    Faz-me sentir o teu amor eterno, para que não me detenha em nada deste mundo, e mantenha o olhar fixo em Ti, origem e fim de todas as coisas. Não me deixes cair no pessimismo em que a caducidade das coisas e da vida me podem induzir. Se me fizeres sentir a vacuidade de quanto me rodeia, que eu busque preenchê-la em Ti, e só de Ti, que és o meu Ontem, o meu Hoje e o meu Amanhã! Amen.

    Contemplatio
    O que é o pó e a cinza? É o sinal da destruição; é o selo que o tempo, o incêndio e a morte imprimem nas coisas da terra. Que resta dos monumentos mais famosos da antiguidade, das capitais mais ilustres, da Roma antiga, de Atenas, de Tebas, de Babilónia? Cinza e pó. Onde estão estes edifícios sumptuosos, estas obras-primas da arte que se chamava as maravilhas do mundo? Cinza e pó. Onde estão os restos dos heróis e dos sábios de outrora? Cinza e pó.
    A Igreja quer que... nos recordemos da vaidade das coisas humanas; mas quer sobretudo que meditemos sobre a nossa origem, sobre a nossa criação, sobre o pecado do primeiro homem e das suas consequências: «Lembra-te que saíste do pó e que a ele tornarás». É a sentença divina depois da queda. O homem foi tirado do barro, não devia voltar a ele. Devia ser confirmado em graça e glorificado no seu corpo tal como na alma. Pecou e com o pecado a morte entrou no mundo: Per peccatum, mors (Rom 5, 12). Que estragos! ... Que sou eu? Cinza e pó. O pó é levado pelo vento. Assim acontece com a minha pobre natureza. Sou acessível a todo o vento da tentação. A minha vontade é tão móvel como o pó. Em que é então que me posso orgulhar? Que lição de humildade!
    Porque é que o barro e a cinza se orgulham, pergunta o Sábio (Eccli 10, 8). Todos os homens, diz ainda, são apenas terra e cinza (17, 31). Os povos, depois de um rápido brilho, são como um amontoado de cinza depois do incêndio, diz Isaías (33, 12).
    A nossa vida desaparecerá como se extingue uma faúlha, diz o Sábio, e o nosso corpo cairá feito em cinzas (Sab 2, 3).
    Abraão dizia: «Ousarei falar a Deus, eu que não sou senão cinza e pó?» (Gen 18, 27). No entanto, falou a Deus com humildade e confiança... Sou apenas nada, no entanto irei ter com Deus... Irei com a consciência da minha fraqueza, mas mesmo assim confiante, porque Deus é bom, porque o Filho de Deus tomou um coração para me amar... (Leão Dehon, OSP 2, pp. 195 ss.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Dai-me, Senhor, a sabedoria do coração» (Lc 8, 21).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    23 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Qohélet 3, 1-11
    1Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu: 2tempo para nascer e tempo para morrer, tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou, 3tempo para matar e tempo para curar, tempo para destruir e tempo para edificar, 4tempo para chorar e tempo para rir, tempo para se lamentar e tempo para dançar, 5tempo para atirar pedras e tempo para as ajuntar, tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço, 6tempo para procurar e tempo para perder, tempo para guardar e tempo para atirar fora, 7tempo para rasgar e tempo para coser, tempo para calar e tempo para falar, 8tempo para amar e tempo para odiar, tempo para guerra e tempo para paz. 9Que proveito tira das suas fadigas aquele que trabalha? 10Eu vi a tarefa que Deus impôs aos filhos dos homens para que dela se ocupem. 11Todas as coisas que Deus fez, são boas a seu tempo. Até a eternidade colocou no coração deles, sem que nenhum ser humano possa compreender a obra divina do princípio ao fim.
    A primeira leitura, que hoje escutamos, é, para alguns autores, uma meditação sobre a morte, que marca antecipadamente toda a nossa vida, ou, para outros, uma meditação sobre o «tempo propício» para cada coisa. Outros ainda acham que se trata de uma reflexão sobre a irreversibilidade do curso do tempo, com o seu carácter fatídico e incoerente. Não há dúvida que Qohélet está impressionado com o mistério do tempo. Tudo tem a sua duração e para tudo há o momento próprio, a ocasião propícia... Mas, como conhecer esse momento, essa ocasião? O homem parece incapaz de influir na engrenagem do tempo. No fundo, a existência é simples, feita de poucas atitudes de base que se repropõem permanentemente; nascer e morrer, amar e odiar, sofrer e gozar, juntar-se e separar-se, calar e falar, salvar e perder, etc... O homem, com todo o seu afã e desejos, está encerrado na trama destas situações que se sucedem irreversivelmente. A existência humana está encerrada num círculo inquebrável.
    Haverá um sentido para tudo, mas o homem não o alcança. Deus pôs-lhe no coração a exigência de uma visão de conjunto e a necessidade de se interrogar sobre a sua existência, para além da caducidade dos momentos que se sucedem. Mas é um anseio que continuar por satisfazer. Há contradições de que o homem se dá conta. O presente nem sempre corresponde ao passado. Sonha-se e deseja-se antecipar o futuro, mas ele escapa-nos. Resta confiar em Deus. Nisso consiste, para o Qohélet, o temor de Deus. Mas é uma atitude sábia não perder o presente, o único tempo que possuímos. O passado é passado; o futuro ainda não é nosso.

    Evangelho: Lucas 9, 18-22
    18Um dia, quando Jesus orava em particular, estando com Ele apenas os discípulos, perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?» 19Responderam-lhe: «João Baptista; outros, Elias; outros, um dos antigos profetas ressuscitado.» 20Disse-lhes Ele: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e respondeu: «O Messias de Deus.»
    Lucas apresenta-nos um dos relatos mais centrais da tradição cristã. Para isso, retoma o tema do evangelho de ontem. A pergunta é idêntica. Agora, porém, é o próprio Jesus que a faz aos discípulos. Quem é Jesus? A resposta do povo é variada: anda no ar a suspeita de um qualquer "mistério", mas não há quem consiga sair dos esquemas religiosos comuns. Também os discípulos respondem de modo incompleto: pelo menos, a sua resposta pode ser mal entendida; por isso, Jesus lhes proíbe falar cf. V. 21). De facto, não é suficiente reconhecer Jesus como Messias. Que Messias? Só a cruz afastará qualquer mal-entendido. «O Filho do Homem tem de sofrer muito» (v. 22): a cruz não foi um acidente de percurso, mas de querido, de planeado por Deus. É esta a novidade inesperada e que escandalizará tanta gente. A presença de Deus manifestou no caminho da cruz, isto é, no dom de Si mesmo, não por uma qualquer imposição, mas por um amor que aceita ser contradito e derrotado. Se esse dom de Si tivesse sido inútil e definitivamente derrotado, não seria certamente um sinal de Deus. Mas a ressurreição fez dele esse sinal. É no dom de Si mesmo, que não recua perante o sofrimento e a morte, que está encerrada a vitória de Deus.

    Meditatio
    Qohélet continua a reflectir, com um sentido de desilusão, sobre a vaidade das coisas. Na Terra não há estabilidade: ao tempo de alegria, segue o tempo de sofrimento, ao nascimento segue a morte. E assim acontece com todas as coisas, situações, acções. A sorte humana sofre alternância: um dia está em cima, outro está em baixo; um dia há prosperidade, e no outro há carestia; num dia é-se aclamado, e noutro é-se esquecido. Os ecrãs da televisão são palco deste tipo de vaidade: pessoas aplaudidas e invejadas são lançadas à lama de um momento para o outro. Os rostos aparecem e desaparecem. Novos rostos fazem esquecer os anteriores, que talvez até lhes preparam o caminho. De vez em quando, chega a notícia da morte deste ou daquela. Há uns momentos de comoção e... o espectáculo continua! Terá valido a pena aparecer tanto, para desaparecer tão rapidamente? O circo dos meios de comunicação social precisa de mitos para exaltar e esquecer; precisa de personagens novas e interessantes, que respondam aos gostos do momento e mudem quando os gostos mudarem. A mobilidade dos sentimentos marca igualmente a mobilidade da sorte de quem os acaricia. Quantas vezes nos sentimos ridículos por nos termos deixado levar por este ou por aquele sentimento. Queira Deus que, um dia, não seja obrigado a rever o filme da minha vida, com as minhas vaidades e o meu auto comprazimento. Por isso, é bom reflectir sobre a fragilidade e a fugacidade do que é humano, para nos aproximarmos um pouco da sabedoria do coração.
    A fé diz-nos que o mistério pascal, com os seus diferentes tempos, ilumina todos os tempos da vida humana. O Filho do homem «ressuscitará ao terceiro dia» e o projecto de Deus irá realizar-se. Em todas as peripécias humanas há sempre o tempo da graça, porque o mistério de Cristo em todas colocou graças profundas. Caminhemos pois na luz, unidos ao seu mistério de morte e de vida, para a eternidade feliz que o nosso coração deseja e Ele já nos conquistou.
    Qohélet oferece-nos pensamentos salutares sobre a caducidade das coisas e sobre a nossa própria caducidade que tem a sua máxima expressão na morte. Assim nos podemos tornar pensadores e sábios, sem ficarmos desconsolados ou, pior ainda, desesperados, porque «fomos salvos na esperança» (Rm 8, 24), e «a esperança não desilude» (Rm 5, 5). Cristo em nós é «esperança da glória» (Col 1, 27). Nós vivemos «em vista da esperança que (nos) espera nos c&
    eacute;us» (Col 1, 5).

    Oratio
    Senhor, também eu sou tentado a lançar-me avidamente para aproveitar as ocasiões em que a vida parece poder dar-me algo que me satisfaz, ainda que momentaneamente, pois tudo parece caminhar para se desfazer como bola de sabão. Mas, hoje, apontas-me uma rocha segura a que me agarrar, a rocha de «Cristo Deus», perenemente proclamada por Pedro, no meio das ondas do tempo, das modas, dos pensamentos, da variedade das aventuras humanas. Tudo na vida pode mudar. Mas o teu Filho, «o Cristo de Deus», permanece. Contemplando-o, Cordeiro degolado, mas de pé, morto e ressuscitado, estou certo de que vale a pena viver.
    Imprime no meu coração a profissão de fé de Pedro. Vencerá as minhas angústias e os meus medos. Não me deixará afogar no turbilhão do inexorável fluir e do imprevisível correr de todas as coisas. Amen.

    Contemplatio
    O Coração de Jesus é o nosso doce refúgio. É desde os Padres da Igreja que a tradição interpreta neste sentido o nosso texto do Cântico dos Cânticos (Cant 2, 13-14). Santo Agostinho diz no seu Manual (c. 2): «Longuinhos abriu-me com a sua lança o lado de Jesus, e eu entrei e repouso lá em segurança». - S. Bernardo tem páginas deliciosas no seu tratado da Paixão (c. 3): «O vosso coração foi ferido, diz a Nosso Senhor, para que eu possa nele e em vós habitar... como é bom habitar neste coração!...». S. Boaventura dizia: «Penetrando nas chagas de Jesus, chego até ao fundo do seu amor... entremos lá todos inteiros, aí encontraremos o nosso repouso e uma inefável doçura» (Stim. Div. Amoris, c.1). Nosso Senhor dizia a Santa Matilde: «Dar-te-ei o meu coração como um lugar de refúgio». S. Francisco de Sales escrevia a uma visitandina (Carta 64): «Não sei onde estareis nesta Quaresma, segundo o corpo; segundo o espírito, espero que estejais na caverna da rola e no lado ferido de Nosso Senhor; quero esforçar-me por estar lá muitas vezes convosco; Deus, pela sua soberana bondade, nos faça essa graça!... Como este Senhor é bom, minha muito querida filha, como o seu coração é amável! Permaneçamos nesse santo domicílio!». O P. Cláudio de la Colombière tem portanto razão ao dizer que o Coração de Jesus é o retiro de todas as almas santas. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 195 ss.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O meu Coração é o teu refúgio» (Jesus a Santa Matilde).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    24 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Qohélet 11, 9-12,8
    9Jovem, regozija-te na tua mocidade e alegra o teu coração na flor dos teus anos. Segue os impulsos do teu coração e o que agradar aos teus olhos, mas sabe que, de tudo isso, Deus te pedirá contas. 10Lança fora do teu coração a tristeza, poupa o sofrimento ao teu corpo: também a meninice e a juventude são ilusão. 1Lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que venham os dias maus e cheguem os anos, dos quais dirás: «Não sinto neles prazer algum»; 2antes que escureçam o Sol e a luz, a Lua e as estrelas, e voltem as nuvens depois da chuva; 3quando os guardas da tua casa começarem a tremer, e os homens robustos, a vergar; quando as mós deixarem de moer por serem poucas, e se escurecer a vista dos que olham pela janela; 4quando se fecham as portas da rua, quando enfraquece a voz do moinho, quando se acorda com o piar de um pássaro e emudecem as canções. 5Então, também haverá o medo das subidas, e haverá sobressaltos no caminho, enquanto a amendoeira abre em flor, o gafanhoto engorda, e a alcaparra perde as suas propriedades. Então, o homem encaminha-se para a sua casa da eternidade, e as carpideiras percorrem as ruas; 6antes que se rompa o cordão de prata e se quebre a bacia de oiro; antes que se parta a bilha na fonte, e se desenrole a roldana sobre a cisterna. 7Então o pó voltará à terra de onde saiu e o espírito voltará para Deus que o concedeu. 8Ilusão das ilusões - disse Qohélet - tudo é ilusão.
    Que sentido tem a vida, se tudo corre tão depressa para a velhice e para a morte? É a questão posta por Qohélet, que descreve impiedosamente o irromper da velhice. Numa das páginas mais célebres, usa a imagem de um palácio nobre, outrora cheio de vida e actividade, e agora inexoravelmente em ruínas.
    Naturalmente a velhice também é um risco, e pode apresentar-se com um rosto dramático, sobretudo se for a conclusão de uma vida vazia, dispersa. Por isso, Qohélet começa por dizer: «Lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude» (12, 1). Não se trata de um carpe diem em sentido hedonístico e pagão. Mas sempre é verdade que a vida é uma só. É preciso vivê-la intensamente. Uma velhice que concluiu uma vida cheia é qualitativamente diferente de uma velhice que encerra uma vida vazia.
    Com maior profundidade, o homem bíblico, a começar por Qohélet, sabe que não só a velhice constitui uma situação de risco. O mesmo pode suceder com o resto da vida. A velhice está envolta num problema mais geral. É uma janela virada para a vida contemplada na sua verdade. A velhice não é isolável. Só se resolve o problema da velhice, se se resolver o problema da vida.

    Evangelho: Lucas 9, 43b-45
    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: 44«Prestai bem atenção ao que vou dizer-vos: o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens.» 45Eles, porém, não entendiam aquela linguagem, porque lhes estava velada, de modo que não compreendiam e tinham receio de o interrogar a esse respeito.
    O povo, e os próprios discípulos, estão admirados com as maravilhas que Jesus faz. Mas Ele interrompe a euforia dos mais próximos, os Apóstolos, para lhes falar novamente da cruz que O espera. A diferença é clamorosa: o que deve interessar aos discípulos não é a glória do Mestre, mas o seu «ser entregue nas mãos dos homens» (v. 44). É isso que devem compreender, sob pena de não perceberem correctamente a identidade de Jesus e a verdade da sua revelação. Compreender a cruz significa compreender o lado mais luminoso, novo e imprevisível do rosto de Deus revelado em Jesus. Não se trata de um qualquer pormenor, mas do centro, do essencial.

    Meditatio
    As leituras de hoje dão razão a S. Inácio de Loiola, que, no livro do Exercícios Espirituais, nos ensina que, no tempo da consolação, havemos de preparar o da desolação. Qohélet fala a um jovem e faz-lhe entrever a velhice, a morte, o juízo de Deus, com uma descrição cheia de melancolia. Jesus experimentou durante a sua vida tempos de consolação, por exemplo, quando todos se maravilhavam com as suas obras (cf. Lc 8, 12). Mas exactamente neles, pensava na sua paixão: «o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens» (v. 44).
    Mas também é certo que a brevidade da vida e a perspectiva de dias tristes não podem nem devem tirar-nos a capacidade de apreciar as pequenas e grandes alegrias, que havemos de receber com reconhecimento e gratidão. Joga-se aí muita da plausibilidade da nossa fé. O desafio com o novo paganismo joga-se também na questão da "felicidade": somos mais "felizes" com fé ou sem fé? Podemos apreciar melhor a criação, olhando o Criador, ou fixando-nos exclusivamente na criatura? Mais: existe, de verdade, "o bem-estar da fé"? O cristão está destinado a ser um eterno choramingas ou desmancha-prazeres, ou é chamado a espalhar a boa nova, a alegria de se sentir envolvido, acolhido e amado pelo Mistério adorável que o rodeia? A difusão e aceitação do Evangelho também dependem da capacidade do cristão em testemunhar alegria. Mas isso comporta uma correcta relação com as criaturas, uma capacidade de gozar com as coisas boas e belas que nos são dadas, de viver com espírito alegre, grato, exultante, louvando o Criador. Comporta a maturidade da fé, que não idolatra nem teme as criaturas, companheiras da nossa viagem rumo à plenitude.
    O texto evangélico mostra-nos, mais uma vez, que o sucesso da vida pública de Jesus é apenas a primeira etapa para o Reino de Deus. A vitória virá pela Paixão. No seu ministério, não procura o sucesso, mas a vontade de Deus, que hoje quer o sucesso e amanhã quer os sofrimentos e a morte. Por isso, quando chega «a sua hora», Jesus enfrenta-a com coragem e com o mesmo amor.
    Fixemo-nos, pois, nos valores fundamentais, e não nos superficiais e efémeros. Se procuramos observar o mandamento do amor de deus e do próximo, e progredir nesse amor, jamais seremos desiludidos.
    A radicalidade da nossa "adesão" a Cristo consiste em segui-l´O «virgem e pobre», ele «que, pela sua obediência até à morte de cruz, redimiu e santificou os homens (PC 1)»: casto (renuncia aos bens da pessoa), pobre (renuncia aos bens materiais), obediente (renuncia à própria livre vontade). Mas Jesus não nos quer pobres para ser pobres, mortificados para sofrermos. Não seria uma boa proposta! O homem que compra o campo com o tesouro escondido faz um bom negócio, tal como o mercador que compra a «pérola de grande valor», renunciam efectivamente a todos os seus "haveres" (Mt 13, 44-46). Mas sentem «grande alegria» (Mt 13, 44), porque obtêm algo de mais precioso. Evangelho é uma alegre notícia, não um anúncio fúnebre; é vid
    a e não morte. Jesus propõe-nos a renúncia a bens inferiores, transitórios, efémeros, para nos dar bens superiores, estáveis, eternos; propõe-nos que demos lugar ao que vale mais, ao melhor, ao Tudo, ao Amor: «Quem perder a sua vida por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á» (Mc 8, 35; Cf. Mt 10, 39; Lc 17, 33; Jo 12, 25).
    Escreve S. Paulo: «A paz de Deus (isto é, o conjunto de todos os bens messiânicos), que sobrepuja todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus» (Fil 4, 7).

    Oratio
    Obrigado, Senhor, pela beleza, pela grandeza e pela riqueza da tua criação. Ela fala-me de Ti. Obrigado porque «maravilhosamente criaste, e mais maravilhosamente renovaste» este nosso mundo. Louvo-te e admiro-te em cada criatura. Mas não quero deixar-me amargurar pelo facto de que tudo passa. Agradeço-te o que me dás, porque mo ofereces. Agradeço-te a alegria e a utilidade de quanto me dás. Que jamais me esqueça que tudo vem de Ti e me leva para Ti. Então, a minha felicidade será plena, porque participarei na tua alegria, agora e sempre. Amen.

    Contemplatio
    Lemos duas vezes no Evangelho que Jesus chorou e só lemos uma vez que se alegrou no Espírito Santo (Lc 10, 21). Chorou junto ao túmulo de Lázaro e sobre a ingrata Jerusalém. Alegrou-se dando graças ao seu Pai, porque tinha revelado os mistérios do seu reino aos humildes e aos pequenos.
    Também o padre terá mais motivos de tristeza do que de alegria, o discípulo não se encontra acima do seu mestre. Se o seu olhar esclarecido pela fé lhe descobre a torpeza dos pecados que se cometem no mundo e se tem um coração bastante compassivo para se emocionar perante o aspecto dos desastres que o pecado e a morte produzem nos corpos e nas almas, o padre participará necessariamente nas angústias do nosso divino Redentor.
    Mas trinta e três anos de mágoas interiores, misturadas com sofrimentos físicos e provações não tiveram por efeito tornar o nosso divino Mestre soturno ou melancólico. Os frutos do Espírito Santo enchiam-no em toda a sua amplitude, e estes frutos são «a caridade, a alegria e a paz» (Gal 5, 22). Jamais algum rosto humano brilhou de amor divino e de uma alegria celeste como o rosto do Homem-Deus. E nós não nos pareceríamos ao nosso Mestre, se o nosso espírito fosse sombrio e a nossa voz lúgubre. (Leão Dehon, OSP 2, p. 601).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Dai-me, Senhor, a verdadeira sabedoria» (da Liturgia).
    | Fernando Fonseca, scj |

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