Events in Agosto 2022

  • XVIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    1 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 28, 1-17

    1Naquele mesmo ano, no início do reinado de Sedecias, rei de Judá, ou seja, no quinto mês do quarto ano, Hananias, filho de Azur, profeta de Guibeon, no templo do Senhor e na presença dos sacerdotes e de todo o povo, falou-me nos seguintes termos: 2«Assim fala o Senhor do universo, Deus de Israel: 'Vou quebrar o jugo do rei da Babilónia! 3Dentro de dois anos, farei voltar a este lugar todos os objectos do templo do Senhor, que Nabucodonosor, rei da Babilónia, levou daqui e transportou para a Babilónia. 4Para este lugar farei voltar Jeconias, filho de Joaquim, rei de Judá e todos os exilados de Judá que foram para a Babilónia, porque vou quebrar o jugo do rei da Babilónia'» - oráculo do Senhor. 5O profeta Jeremias respondeu ao profeta Hananias, na presença dos sacerdotes e do povo que se aglomerava no templo do Senhor: 6«Assim seja! Que o Senhor o permita! Realize o Senhor a tua profecia e traga de volta para este lugar o tesouro do templo, e todos os exilados cativos da Babilónia. 7Contudo, ouve o que te vou dizer, a ti e a todo o povo: 8Os profetas que nos precederam a mim e a ti, anunciaram a numerosos países e a poderosos reinos, guerra, fome e peste. 9Quanto ao profeta que profetiza a paz, somente quando se realizar o seu oráculo é que se poderá saber se ele é realmente um enviado do Senhor.» 10Então, o profeta Hananias retirou o jugo do pescoço do profeta Jeremias e, partindo-o, 11exclamou na presença de todo o povo: «Oráculo do Senhor: 'Assim, decorridos dois anos, quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei da Babilónia e retirá-lo-ei do pescoço de todas as nações!'» Então, o profeta Jeremias retirou-se. 12Depois que o profeta Hananias quebrou e retirou o jugo do pescoço de Jeremias, a palavra do Senhor foi dirigida a Jeremias, nestes termos: 13«Vai dizer a Hananias: Isto diz o Senhor: 'Quebraste jugos de madeira, mas, em vez deles, farei jugos de ferro.' 14Porque isto diz o Senhor do universo: 'Eu ponho um jugo de ferro ao pescoço de todas estas nações, a fim de que se submetam a Nabucodonosor, rei da Babilónia. Ficar-lhe-ão submetidas, e até lhe darei poder sobre os animais selvagens.'» 15E Jeremias acrescentou, dirigindo-se ao profeta Hananias:«Escuta a minha voz, Hananias! O Senhor não te enviou. És tu que levas o povo a crer na mentira! 16Por isso, eis o que diz o Senhor: 'Vou retirar-te da face da terra. Morrerás ainda este ano, porque pregaste a revolta contra o Senhor!'» 17E o profeta Hananias morreu naquele ano, no sétimo mês..

    Este texto, tirado do livro de Jeremias, deve situar-se por volta de 594/593 a. C. Nele se põe a questão sobre a verdadeira e a falsa profecia. Como distinguir um verdadeiro de um falso profeta? A resposta não é dada de modo teórico, mas com uma narrativa biográfica escrita por Baruc, discípulo de Jeremias, e introduzida na obra do profeta.
    Em Jerusalém tinha havido uma coligação de reis de menor importância, para conspirarem contra Babilónia, que deportara um grupo de judeus, entre os quais o rei Jeconias, e levara o tesouro do templo (cf 2 Rs 24, 10s.). Hananias, profeta do culto e da corte, anuncia a libertação dos deportados e a restituição do tesouro. Para garantir as suas palavras, realiza uma acção simbólica: quebra o jugo que Jeremias levava ao pescoço, como sinal do pesado domínio imposto por Babilónia a Judá (cf. vv. 10; cf. Jr 27). Perante as palavras e a acção de Hananias, Jeremias recorda-lhe, e a todos os que viram a cena, que a profecia só é verdadeira quando se realiza (vv. 7-9; cf. Dt 18, 21s.; Jr 23, 16-18). Por sua parte, embora também deseje um futuro de liberdade e de paz, fica em silêncio e quieto, à espera que Deus lhe fale, para ser fiel à Sua palavra, ainda que tenha de sofrer por causa disso. Assim, dócil a Javé, Jeremias proclama a verdadeira palavra, por muito impopular que seja: Babilónia tornará ainda mais pesado o jugo com que oprime Judá, que não poderá escapar (vv. 12-14). Hananias, falso profeta, será castigado (vv. 15s.; cf. Dt 18, 20). A sua morte testemunhará a falsidade da sua profecia, e a autenticidade da de Jeremias (v. 17).

    Evangelho: Mateus 14, 13-21

    Naquele tempo, 13quando Jesus ouviu dizer que João Baptista tinha sido morto, retirou-se dali sozinho num barco, para um lugar deserto; mas o povo, quando soube, seguiu-o a pé, desde as cidades. 14Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos. 15Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.» 16Mas Jesus disse-lhes: «Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.» 17Responderam: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.» 18«Trazei-mos cá» - disse Ele. 19E, depois de ordenar à multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e pronunciou a bênção; partiu, depois, os pães e deu-os aos discípulos, e estes distribuíram-nos pela multidão. 20Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou, encheram doze cestos. 21Ora, os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

    A notícia da morte de João Baptista leva Jesus a afastar-se da multidão, para escapar à presumível tentativa de O matarem, também a Ele, já alvo de conjura por parte dos fariseus. Mas, fiel à missão que o Pai Lhe confiou, responde com amor à multidão, que Lhe pede gestos de salvação (vv. 13-14): cura os doentes, que Lhe são apresentados, e sacia a fome dos que O seguem. Mas exige a participação dos discípulos, que são chamados a dar-se a si mesmos, e a pôr em comum o que têm (vv. 16s.).
    A narrativa deste milagre antecipa, na intenção do evangelista, o da instituição da Eucaristia (cf. Mt 26, 26). Os discípulos serão ministros, distribuindo aos outros o pão que Jesus lhes dá (v. 19). Do mesmo modo que sobrou pão, quando Eliseu, com vinte pães saciou cem pessoas (cf. 2 Rs 4, 42-44), assim também, e de modo ainda mais significativo, sobraram doze cestos, depois da refeição miraculosa oferecida por Jesus (v. 20). Tinham chegado os dias messiânicos. Jesus, o Messias, satisfazia todas as necessidades humanas, fazendo curas e saciando os que tinham fome. Na comunidade escatológica, fundada por Jesus, desaparecem toda a doença e toda a necessidade.

    Meditatio

    Na Igreja, nunca faltou o carisma da profecia. Tiveram-nos muitos santos. Mas, nos nossos dias, muitos cristãos apresentam-se como profetas, e pretendem revelar o pensamento de Deus sobre os caminhos a seguir pela Igreja.
    Jeremias fala de verdadeiros e falsos profetas. Como podemos distingui-los? Como podemos tornar-nos profetas verdadeiros, uma vez que pertencemos a um povo de profetas? O verdadeiro profeta não pretende transmitir palavras agradáveis, mas palav
    ras que salvam. O verdadeiro profeta é uma pessoa livre interiormente. Não está preocupado com a audiência, mas com a fidelidade à vontade de Deus. Cada dia se constrói em Deus, se confronta com a Sua palavra, e está atento para não a atraiçoar. Paulo reconhece o carisma da profecia na Igreja, e dá uma regra para o seu uso correcto: «Temos dons que, consoante a graça que nos foi dada, são diferentes: se é o da profecia, que seja usado em sintonia com a fé» (Rm 12, 6). Alguns traduzem: «se é o da profecia, que seja usado na medida em que é creditado», isto é, do crédito que o próprio Deus dá ao crente profeta, uma vez que transmite, não as suas palavras, mas as de Deus. A primeira leitura apresenta-nos um caso, que ilustra a regra de Paulo. Apresenta-nos dois profetas, um que actua "na medida em que é creditado por Deus"; outro que actua para além desse limite. Hananias pretende transmitir uma mensagem muito agradável para Jerusalém, que tinha sido tomada por Nabucodonosor, que deportara a maior parte dos seus habitantes. Os que tinham ficado, viviam muito penosamente. Todos desejavam uma mudança da situação. Hananias anuncia-a como próxima. Mas não o fazia movido por autêntica inspiração. Jeremias intervém para afirmar que essa profecia, apesar de agradável, era oportunista, e sem qualquer valor, pois não correspondia ao desejo de Deus. Hananias insistiu com o gesto simbólico de quebrar o jugo que Jeremias carregava, e proclamando uma pretensa palavra do Senhor: «Assim, decorridos dois anos, quebrarei o jugo de Nabucodonosor» (v. 11). Quanto a Jeremias, retirou-se, seguindo o seu caminho. Mas eis que Deus lhe fala e o manda a Hananias para dizer: «Quebraste jugos de madeira, mas, em vez deles, farei jugos de ferro» (v. 13). E acrescentou, sempre em nome de Deus: «Vou retirar-te da face da terra. Morrerás ainda este ano, porque pregaste a revolta contra o Senhor!» (v. 16). E assim aconteceu. Hananias não respeitou a regra essencial do carisma da profecia: falar na medida em que se é creditado por Deus, isto é, transmitindo autênticas verdades divinas, e não as próprias ideias.
    A regra de Paulo continua actual. Ninguém deve ultrapassar os limites da graça recebida, caso contrário, em vez de contribuir para a edificação da Igreja, concorre para a sua ruína. Todos havemos de estar atentos para não despacharmos as nossas ideias como se fossem inspirações divinas. Em tudo é preciso muito discernimento e generosidade, para distinguir o que vem de Deus e o que não vem d´Ele.
    Feito esse discernimento, há que estar disponíveis para o serviço da profecia, isto é, para falar em nome de Deus, como Samuel («Eis-me aqui», 1 Sam 3, 4; Is 3, 4) e, sobretudo, como o próprio Cristo «Eis-me aqui!» (Hb 10, 5). Esta atitude de Cristo deve continuar no nosso "Ecce venio" de cada dia, unido ao d´Ele, porque somos chamados na Igreja a «ser profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo» (Cst 7), e a realizar, «como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (Cst 26) que, na fidelidade à Sua missão foi até à imolação, no Calvário. O nosso «Ecce venio», que também passa pelo exercício da nossa missão profética de cristãos e de dehonianos, «configura a nossa existência com a de Cristo, pela redenção do mundo e para Glória do Pai» (Cst 58).

    Oratio

    Senhor Jesus, quantas palavras, quanto barulho me rodeia e enche os ouvidos! Como distinguir as palavras com conteúdo, das que o não têm? Como distinguir as que promovem a vida, daquelas que a limitam e destroem? Como distinguir a tua Palavra, das que não são tuas? Como posso, então, exercer a minha missão profética neste mundo? Não corro o risco de proclamar as minhas próprias ideias, de ser mero repetidor de frases feitas, do que está na moda dizer?
    Dá-me, Senhor, a graça de parar, de fazer silêncio dentro de mim, para escutar a tua voz e poder falar do que me dizes, falar de Ti. Tu fizeste-Te Palavra para nós, e eu sou chamado a tornar-me palavra para os outros. Que não seja mais um rumor a acrescentar a tantos, mas palavra de vida, palavra-pessoa, palavra-dom-de-mim-mesmo, como Tu. Que eu seja, para todos, palavra que alimenta, que sacia o desejo de verdade e sentido. Amen.

    Contemplatio

    Simeão repete a Maria a profecia de Isaías: «O Cristo será para a santificação de muitos em Israel, mas será para outros uma pedra de escândalo» (Is 8,14). É manifesto. Cristo é causa de salvação e de ressurreição para aqueles que o reconhecem, que o amam e que o servem. É causa de ruína para aqueles que o rejeitam.
    A indiferença não é colocada aqui. Jesus é a vida. Todas as bênçãos são prometidas àqueles que o seguem e que o amam. É preciso estar com ele ou com o mundo. Os povos e as famílias, como os particulares, encontrarão o caminho da paz e dos favores divinos no seguimento de Jesus e no seu serviço.
    Estas palavras do profeta são graves. Há dois caminhos oferecidos à nossa escolha: de um lado o caminho das bênçãos, com o seu traçado marcado no Evangelho: «Bem-aventurados os pobres, bem-aventurados os puros, bem-aventurados os que choram, os que perdoam, os que sofrem perseguição». Do outro lado, o caminho que afasta de Cristo. Tem este traçado: amor pelo ouro, pelo luxo, pelo prazer e pelo mundo. - Sois vós quem eu escolhi, meu Salvador, é o vosso caminho, é o vosso amor, é o vosso Coração, mesmo que deva encontrar as contradições e as perseguições!
    Simeão predisse a Maria a dor e a espada. Ela terá uma grande parte na paixão de Jesus. Sofrerá, ela também, por nós e pela nossa salvação. (Leão Dehon, OSP 3, p. 127s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «O dom da profecia seja usado em sintonia com a fé» (cf. Rm 12, 6).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XVIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    2 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 30, 1-2.12-15.18-22

    1A palavra do Senhor foi dirigida a Jeremias nestes termos: 2«Assim fala o Senhor, Deus de Israel: 'Escreve num livro todas as palavras que Eu te disser. 12Assim fala o Senhor: «A tua ferida é incurável, maligna é a tua chaga. 13Ninguém quer tomar a tua defesa para curar o teu mal, para o qual não há remédio. 14Todos os teus amantes te esqueceram, não se preocupam contigo, porque te feri, como se fere um inimigo, com cruel castigo, por causa da gravidade da tua falta e do número dos teus pecados. 15Porque choras sobre a tua ferida? A tua chaga é incurável. Por causa da gravidade da tua falta e do número dos teus pecados é que Eu assim procedi. 18Mas, eis o que diz o Senhor: «Restaurarei as tendas de Jacob, e terei compaixão das suas moradas. A cidade será reconstruída das suas ruínas, e os palácios reedificados no seu lugar. 19Deles sairão cânticos de louvor e gritos de alegria. Multiplicá-los-ei e não mais diminuirão. Exaltá-los-ei, e não mais serão humilhados. 20Os seus filhos serão como eram outrora, a sua assembleia será restabelecida diante mim, mas castigarei todos os seus opressores. 21Dela surgirá o seu chefe, dela sairá o seu soberano. Mandarei buscá-lo e ele se aproximará de mim. Pois quem arriscaria a sua vida, aproximando-se de mim? - oráculo do Senhor. 22Vós sereis o meu povo, e Eu serei o vosso Deus.» 23Eis que a tempestade do Senhor, o seu furor impetuoso, qual tormenta se desencadeia e está prestes a cair sobre a cabeça dos ímpios.

    Jeremias queixara-se de Deus, que só parecia cumprir a parte trágica da promessa vocacional que lhe fizera, fazendo dele profeta da destruição e da desgraça. Mas Deus também cumpriu a outra parte da promessa: Jeremias também foi profeta de salvação e ressurgimento, como nos mostram os capítulos 30 e 31, o chamado "Livro da Consolação". Os oráculos destes capítulos, que claramente pertencem a Jeremias, remontam provavelmente ao primeiro período de actividade do profeta, que inicialmente os dirigiu ao reino de Israel, mas que, depois da queda de Jerusalém, os estendeu a Judá.
    Jeremias mostra o valor educativo do sofrimento por que passa o seu povo (vv. 12-15), obrigado ao exílio, e sob o domínio de um povo estrangeiro, havia um século. A aplicação da lei de Talião ao povo, de acordo com a doutrina da retribuição temporal, terá um efeito purificador: Israel irá perceber que o remédio para os seus males não vem das nações estrangeiras, cujo favor tenta obter, mas de Javé, que sempre cuida do seu povo e lhe garante a restauração. Os vv. 18-21 falam dessa restauração como efeito da compaixão de Deus (v. 18ª). As imagens utilizadas pelo profeta evocam uma cidade em festa: os edifícios em ruínas são restaurados (v. 18b), os seus habitantes são honrados por Deus e temidos pelos outros povos (vv. 19s.). Israel terá um rei bem aceite por Deus (cf. Dt 17, 15ª). Pode-se ver neste texto a esperança de Jeremias na reunificação do povo eleito, e na recuperação da sua soberania. A fórmula da aliança (v. 22) confirma a reencontrada liberdade, na fidelidade a Deus, auspiciada pelo profeta.

    Evangelho: Mateus 14, 22-36

    22Depois de ter saciado a fome à multidão, Jesus obrigou os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto Ele despedia as multidões. 23Logo que as despediu, subiu a um monte para orar na solidão. E, chegada a noite, estava ali só. 24O barco encontrava-se já a várias centenas de metros da terra, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. 25De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. 26Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. 27No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» 28Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» 29«Vem» - disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. 30Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» 31Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» 32E, quando entraram no barco, o vento amainou. 33Os que se encontravam no barco prostraram-se diante de Jesus, dizendo: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!» 34Após a travessia, pisaram terra em Genesaré. 35Ao reconhecerem-no, os habitantes daquele lugar espalharam a notícia por toda a região. Trouxeram-lhe todos os doentes, e pediam que os deixasse tocar ao menos na orla do seu manto. E quantos lhe tocaram foram completamente curados.

    Mateus coloca a narrativa da tempestade acalmada no contexto dos episódios orientados para a formação do grupo dos discípulos (Mt 14, 13-16, 20) e antes do grande "Discurso sobre a comunidade" (c. 18). Este facto confere ao texto uma particular caracterização eclesiológica.
    O evangelista já tinha narrado uma tempestade que surpreendera os discípulos enquanto o Mestre dormia (8, 23-27). Nessa ocasião, Jesus revelou-se como "Senhor do mar", o que suscitou a pergunta sobre a sua identidade mais profunda. Jesus aproveitou para reafirmar a necessidade da fé para quem O quisesse seguir (cf. 9, 19s.). No episódio de hoje, a tempestade surge quando os discípulos avançam sozinhos pelo mar, enquanto Jesus tinha ficado a «orar na solidão» (v. 23). A sua chegada milagrosa gera nos discípulos perturbação e medo (v. 26). Mas a sua palavra serena-os e dá-lhes coragem (v. 27). Pedro até se atreve a imitar o Mestre, descendo ao mar e tentando caminhar sobre as ondas (vv. 28ss). Mas a sua fé hesita, e Jesus tem de lhe estender a mão, e mostrar-lhe que, só apoiado n´Ele, pode chegar à salvação (vv. 30ss.). A mesma experiência de salvação é feita por todos aqueles que contactam com Jesus, que assim reconhecem a sua verdadeira identidade, e podem dizer, como Pedro: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!» (v. 32).

    Meditatio

    A vocação a que Deus chamara Jeremias tinha um duplo aspecto: «arrancar e demolir.. construir e plantar» (cf. Jr 31, 28). Nos primeiros anos da sua missão, o profeta teve de realizar, sobretudo, a primeira finalidade: proclamar mensagens de destruição. Depois da queda de Jerusalém, realizou a segunda finalidade: construir e plantar. A primeira letiura, que ainda começa com uma verificação negativa, pertence à segunda parte. Era certo que a destruição de Jerusalém, e a ruína do templo, punham os hebreus numa situação sem remédio: «A tua ferida é incurável, maligna é a tua chaga. Ninguém quer tomar a tua defesa para curar o teu mal, para o qual não há remédio» (vv. 12b-13). Mas o Senhor, pelo
    seu profeta, reanima a esperança, restabelece a confiança. Os castigos não visavam uma destruição definitiva, mas apenas purificar o povo infiel à Aliança. Para libertar Jerusalém pecadora, não havia outro meio senão permitir a sua destruição. Uma vez que isso tinha acontecido, era possível realizar a obra positiva. E Deus promete-a: «Restaurarei as tendas de Jacob, e terei compaixão das suas moradas. A cidade será reconstruída das suas ruínas, e os palácios reedificados no seu lugar» (v. 18). E haverá festas: «deles sairão cânticos de louvor e gritos de alegria» (v. 19). E surge uma inesperada referência ao novo chefe do povo eleito: «Dela surgirá o seu chefe, dela sairá o seu soberano. Mandarei buscá-lo e ele se aproximará de mim... oráculo do Senhor» (v. 21).
    A liturgia de hoje sugere uma relação entre este oráculo sobre o chefe do povo de Deus e a vocação de Pedro. O evangelho mostra-nos o apóstolo que, inspirado, está disposto a arriscar a vida para se aproximar de Jesus, que caminhava sobre o mar: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas» (v. 28). E, «Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus» (v. 30). À palavra de Jesus, não hesitou em arriscar a vida.
    É precisa coragem para arriscar a vida na tentativa de se aproximar de Jesus. E quantos o fizeram ao longo da história! Mas, quem tem responsabilidades na Igreja, há-de estar disposto para isso. Ainda lembramos, comovidos e edificados, o Papa João Paulo II que, depois do atentado na praça de S. Pedro, não se fechou no Vaticano, mas continuou a procurar o Senhor na vida da Igreja e na vida dos homens, percorrendo incansavelmente o mundo, fiel à sua missão, certo da ajuda do Senhor. Só uma fé menos viva, ou frouxa, nos pode pôr em perigo: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» (v. 31).

    Oratio

    Senhor, como os teus apóstolos, tenho madrugadas tempestuosas. Se Te aproximas de mim, também eu penso tratar-se de um fantasma. A tua presença nem sempre é de todo compreensível, porque a tua lógica é diferente da minha. Tenho os meus padrões, os meus esquemas sobre o modo como Te deves apresentar. Por isso, nem sempre Te vejo onde estás. Queria ver-te como resolução dos meus problemas, como antídoto contra as minhas desgraças! Mas Tu revelas-Te, como e quando queres, embora estejas sempre comigo. Porque hesito tantas vezes? Porque a salvação que me ofereces envolve toda a minha humanidade, e quer transfigurá-la à tua imagem e semelhança, o que me causa vertigens. Estende-me a tua mão misericordiosa para que, Contigo, caminhe sobre as ondas alterosas deste mundo, e chegue à segura e feliz quietude da eternidade a que me chamas. Amen.

    Contemplatio

    Encontro no Coração de Jesus um lugar de refúgio, um porto seguro, uma cidadela de protecção contra os inimigos da minha salvação.
    «Este Coração adorável é um delicioso retiro onde viveremos ao abrigo de todas as tempestades», diz-nos Margarida Maria. - Encontrei o lugar do meu repouso. Sei onde poderei gozar a paz, é no Coração de Jesus. «Encontrei o meu bem amado, aquele que dá paz ao meu coração. Agarro-me a ele e não mais o deixarei ir-se embora» (Cântico dos Cânticos). (Leão Dehon, OSP 4, p. 56).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» (Mt 14, 31).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XVIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    3 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 31, 1-7

    1«Naquele tempo, - diz o Senhor - Eu serei o Deus de todas as tribos de Israel, e elas serão o meu povo» - oráculo do Senhor. 2Assim fala o Senhor:«Encontrou graça no deserto o povo que tinha escapado à espada. Israel caminha para o seu repouso. 3De longe, o Senhor se lhe manifestou: Amei-te com um amor eterno. Por isso, dilatei a misericórdia para contigo. 4Hei-de reconstruir-te, e serás restaurada, ó donzela de Israel! Ainda te hás-de adornar dos teus tamborins e participar em alegres danças. 5De novo plantarás vinhas nas colinas da Samaria, e os cultivadores recolherão os frutos, 6porque há-de chegar o dia em que as sentinelas gritarão sobre os montes de Efraim: 'Levantai-vos! Subamos a Sião, ao Senhor, nosso Deus.'» 7Porque isto diz o Senhor: «Soltai gritos de júbilo por Jacob. Aclamai a primeira das nações! Fazei ressoar louvores, exclamando: 'Ó Senhor salva o teu povo, o resto de Israel'.

    Jeremias, cheio de entusiasmo, anuncia o regresso dos exilados, tingindo a sua linguagem de um colorido folclórico. Israel já não está divido em dois reinos, mas reunificado sob a soberania de Javé (vv. 2s.). O Seu amor gratuito e fiel, a sua ternura para com o povo eleito, fê-lo regressar (cf. v. 3). A memória do deserto, da libertação do Egipto, símbolo de todos os desterros e libertações, volta agora a ser o lugar em que todos os que escaparam à espada, os que constituem o «resto», encontrarão a graça, ou, mais precisamente, Javé. Deus forma a identidade do seu povo, dá-lhe uma cidade onde habitar, terra para cultivar e dela tirar o sustento (vv. 4ª.5; cf. Js 24, 13; Sl 107, 35-37). De todos estes dons, brota a alegria, manifestada ao som de instrumentos e de danças (v. 4bc). Esta alegria de Israel vai contagiar as nações vizinhas, que hão-de convergir para Jerusalém, centro restabelecido do culto javista. Aí louvarão a Deus pela salvação, inesperada pelo pequeno grupo dos sobreviventes à deportação, mas maravilhosamente realizada pelo poder divino (v. 6s.; cf. Sl 105, 12-15.43-45; Is 52, 7-10)..

    Evangelho: Mateus 15, 21-28

    Naquele Tempo, 21Jesus partiu dali e retirou-se para os lados de Tiro e de Sídon. 22Então, uma cananeia, que viera daquela região, começou a gritar: «Senhor, Filho de David, tem misericórdia de mim! Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio.» 23Mas Ele não lhe respondeu nem uma palavra. Os discípulos aproximaram-se e pediram-lhe com insistência: «Despacha-a, porque ela persegue-nos com os seus gritos.» 24Jesus replicou: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.» 25Mas a mulher veio prostrar-se diante dele, dizendo: «Socorre-me, Senhor.» 26Ele respondeu-lhe: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorros.» 27Retorquiu ela: «É verdade, Senhor, mas até os cachorros comem as migalhas que caem da mesa de seus donos.» 28Então, Jesus respondeu-lhe: «Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas.» E, a partir desse instante, a filha dela achou-se curada.

    A mulher cananeia, de que nos fala o texto, é designada por «siro-fenícia» em Marcos (7, 24-30). O que ambos os evangelistas pretendem indicar é que se trata de uma mulher pagã, não judia. A cena, sob o ponto de vista literário, está construída no esquema pedido-recusa, num crescendo que, partindo do silêncio de Jesus à primeira interpelação da mulher, continua com a referência à sua missão, que teria por alvo unicamente o povo judeu, e culmina com a distinção brutal entre filhos e cachorrinhos. Tanto Mateus como Marcos coincidem em que a missão de Jesus, durante o seu ministério terreno, se limitou ao povo judeu. Mas também coincidem em que Jesus, neste caso, abriu uma excepção. Para Mateus, a razão da excepção foi a grande fé da mulher, o que é omitido por Marcos. O encontro entre Jesus e a mulher cananeia anuncia, e já realiza, o encontro entre a salvação e o paganismo. Sem negar a escolha preferencial de Israel, «filho primogénito» (v. 24; cf. Os 11, 1; Mt 10, 5ss.), a missão salvífica de Jesus é dirigida a todos os povos. Será, também essa, a característica da acção da Igreja, por mando específico do seu Senhor e Mestre (cf. Mt 28, 18-20).
    A luta que a mulher cananeia trava com Jesus, para alcançar o que pede, é um exemplo concreto do que Jesus mandou: «Pedi... procurai... batei...» (cf. Lc 11, 9).

    Meditatio

    Os dons de Deus são gratuitos, são manifestação do seu amor, da sua misericórdia. Podemos e devemos pedi-los. Mas não temos qualquer direito a eles.
    Assim aconteceu com Israel. Era um povo pequeno, fraco, humilhado e perseguido. Mas Deus, pela sua misericórdia, resolveu escolhê-lo para ser o seu povo: «Encontrou graça no deserto o povo que tinha escapado à espada... De longe, o Senhor se lhe manifestou: Amei-te com um amor eterno. Por isso, dilatei a misericórdia para contigo. (vv. 2-3). Nós não somos hebreus, mas havemos de estar igualmente gratos ao Senhor, que usou de misericórdia para connosco: «Eu serei o Deus de todas as tribos de Israel, e elas serão o meu povo» (v. 1). «O Senhor salva o seu povo...», diz ainda o profeta Jeremias. Mas Isaías vira todos os povos subirem ao Monte Sião, e falara do templo de Jerusalém como casa de oração para todos os povos. Esta universalização do amor de Deus, em favor de todos os povos, constituiu um grave problema para os hebreus. Jesus reforça essa mensagem da salvação para todos os povos. Por isso, muitos judeus se sentiram ofendidos, e não aderiram à mensagem de Jesus. Paulo escreveu que, nem judeus nem gregos, podiam gabar-se de direitos diante de Deus porque Ele «encerrou a todos na desobediência, para com todos usar de misericórdia» (Rm 11, 32).
    O episódio da mulher cananeia ilustra estas verdades. Ela pede a Jesus a cura da filha. Mas, escreve o evangelista, «Ele não lhe respondeu nem uma palavra» (v. 32). Depois dá uma resposta em que parece querer desembaraçar-se daquela mulher: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel» (v. 24). Foi como se lhe dissesse: «Vai-te embora; não tens direito!». Mas a mulher insistiu, e prostrou-se diante dele... Jesus dá-lhe uma resposta, à primeira vista, cruel: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorros» (v. 26). Mas a humildade e a fé desta mulher pagã leva a melhor sobre a aparente dureza de Jesus: «Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas» (v. 28). Era aí que Jesus queria chegar! Não basta ser judeu para obter os favores de Deus. Pode-se ser pagão! Qualquer homem, desde que tenha fé, desde que aceite Jesus como Senhor e Mestre, po
    de ser salvo.
    Diante de Deus, o que conta é a fé, «adesão a Cristo, nascida do íntimo do coração» (Cst 5), a humildade, o reconhecimento, porque é gratuitamente que Ele nos enche de alegria e de amor: a alegria de sermos amados por Ele e chamados a testemunhar a todos o seu amor, a ser «profetas do amor» (Cst 7).

    Oratio

    Senhor, faz-me perceber que a minha relação Contigo não pode ser medida em termos de receber e dar, mas que há-de ser resposta a uma surpresa: a de descobrir que me amas... com um amor "exagerado", que escapa às medidas do espaço e do tempo. Aliás, amas todos os homens eternamente, em todo o lado, por tua livre iniciativa, sem condicionares o teu amor à sua resposta. Nunca Te cansaste, nem cansarás, de oferecer, de oferecer-Te: estávamos longe de Ti, e vieste procurar-nos; estávamos em perigo de morte, e vieste salvar-nos; tínhamos perdido a esperança, e vieste reacendê-la na nossa vida; estávamos cansados de gritar, e respondeste-nos, e ouviste-nos. Agora, sei que me amas desde sempre, e para sempre. Obrigado Senhor! Cantarei eternamente as tuas misericórdias, Senhor. Amen.

    Contemplatio

    Há cena mais comovente do que a cura da filha da Cananeia? É uma mulher pagã que tem confiança em Jesus e que lhe vem implorar pela sua filha possuída do demónio. Nosso Senhor obriga-a a esperar, experimenta a sua fé, depois deixa-se tocar: «Ó mulher, diz, a tua fé é grande, vai, a tua filha está curada».
    Para salvar os jovens, dispomos de alguns meios: a Eucaristia e a união com Jesus. O Salvador, que ama S. João, seu jovem discípulo, e que quer guardá-lo puro e santo, dá um cuidado particular à sua primeira comunhão, recebe-o sobre o seu Coração.
    Nosso Senhor indica também assim que a devoção ao Sagrado Coração é para os jovens uma salvaguarda especial. A sua idade especial tem necessidade de afeição, o apego ao Coração de Jesus é a fonte da pureza. (Leão Dehon, OSP 4, p. 142).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Amei-te com um amor eterno» (Jr 31, 3).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XVIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    4 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 31, 31-34

    31Dias virão, diz o Senhor, em que firmarei uma nova aliança com a casa de Israel e a casa de Judá - oráculo do Senhor. 32Não será como a aliança que estabeleci com seus pais, quando os tomei pela mão para os fazer sair da terra do Egipto, aliança que eles não cumpriram, embora Eu fosse o seu Deus - oráculo do Senhor. 33Esta será a Aliança que estabelecerei, depois desses dias, com a casa de Israel - oráculo do Senhor: Imprimirei a minha lei no seu íntimo e gravá-la-ei no seu coração. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo. 34Ninguém ensinará mais o seu próximo ou o seu irmão, dizendo: 'Aprende a conhecer o Senhor!' Pois todos me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno, porque a todos perdoarei as suas faltas, e não mais lembrarei os seus pecados» - oráculo do Senhor.

    O texto que hoje escutamos é o testemunho espiritual de Jeremias, síntese do seu pensamento e da sua obra e, de certo modo, síntese de toda a literatura profética. Declara que a intervenção de Javé, que permite ao povo regressar do cativeiro, marca uma mudança de rumo na história. O regresso de Israel à sua terra, a recuperação de uma existência livre e harmoniosa, atinge o auge no estabelecimento de uma «nova aliança» (v. 31). Javé, o Senhor, inclinara-se sobre Israel, erguera-o para Si (cf. Dt 32, 11; Os 11, 4) e, pela aliança sinaítica fizera dele sua propriedade (cf. Dt 32, 9). Israel, todavia, mostrara-se incapaz de observar os mandamentos - lei de vida - faltando ao compromisso assumido (cf. Ex 24, 3; Js 24, 24). O pecado da infidelidade tinha marcado a sua existência e a sua história. Sobreveio o exílio. Mas Deus teve compaixão do seu povo e fê-lo regressar, como num novo êxodo. E, maravilha das maravilhas, oferece-lhe uma nova aliança, em que a lei já não será escrita em tábuas de pedra, mas no próprio coração (v. 33). Será uma lei interior a observar, não com ritos formais, mas pela interiorização de valores como a obediência e o amor, postos em prática. Javé, ao perdoar os pecados de todos, sem distinção, também lhes dá capacidade para cumprirem os preceitos da nova aliança. Cada um poderá conhecer a vontade de Deus, impressa no seu coração e de cumpri-la (cf. v. 34ª). Há um reconhecimento radical da pessoa de cada um. E, por dom da misericórdia divina, Deus pertencerá a cada um e cada um pertencerá a Deus (v. 33c.)

    Evangelho: Mateus 16, 13-23

    Naquele tempo, 13Jesus ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» 14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.» 15Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» 16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.» 17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. 19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.» 20Depois, ordenou aos discípulos que a ninguém dissessem que Ele era o Messias. 21A partir desse momento, Jesus Cristo começou a fazer ver aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar. 22Tomando-o de parte, Pedro começou a repreendê-lo, dizendo: «Deus te livre, Senhor! Isso nunca te há-de acontecer!» 23Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: «Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens!»

    Quem é este homem a quem o vento e o mar obedecem? Quem é Jesus? Quem dizem os homens que Ele é? E, vós, quem dizeis que Eu sou? Pedro toma a palavra e responde em nome da comunidade dos discípulos: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo» (v. 16). Verificada a compreensão que os discípulos têm de Jesus, o Evangelho de Mateus dá uma volta decisiva. Se as obras e as palavras de Jesus tinham revelado a sua missão messiânica, de modo que o povo acreditasse n´Ele (vv. 13ss.), à excepção dos nazarenos (cf. 13, 53-58), os discípulos pela boca de Pedro, reconhecem também a sua natureza divina (v. 16). Pedro assume grande relevo nesta cena: se, por um lado, professa a fé no Filho de Deus, por outro lado recusa que Ele seja o Servo Sofredor (v. 21); se primeiro recebe de Jesus plena autoridade sobre a comunidade dos discípulos (vv. 18ss.), logo depois é chamado «Satanás» porque o seu ponto de vista se opõe ao de Deus, e é obstáculo para Jesus cumprir a vontade do Pai (v. 23).
    As contradições que assinalam o discipulado de Pedro (cf. Mc 14, 26-31) evidenciam a obra da graça divina na fragilidade humana: é o mistério da Igreja, cujo chefe é tal, não por mérito próprio, mas porque Deus lhe confia o serviço que o faz referência para os irmãos. Só Deus é garantia de salvação da comunidade na luta do mal e da morte contra o bem e a vida (v. 18). A comunidade pode confiar em Pedro, porque as suas decisões serão assumidas por Deus (v. 19). Mas a salvação e a glória terão de passar pela cruz (v. 21).

    Meditatio

    Escutamos hoje o texto que, provavelmente, é o cume mais elevado de todo o Antigo Testamento: o oráculo da nova Aliança, no «Livro da Consolação» de Jeremias. Esta profecia revela uma inspiração profunda, uma pureza perfeita. Outros oráculos misturam perspectivas de prosperidade terrena, de riquezas materiais à da relação com Deus. Este oráculo centra tudo na relação pessoal com Deus. A nova Aliança será diferente da primeira, a do Sinai: «Não será como a aliança que estabeleci com seus pais, quando os tomei pela mão para os fazer sair da terra do Egipto» (v. 32). Efectivamente há várias diferenças. A primeira é que, enquanto no Sinai as leis foram escritas em tábuas de pedra, eram leis exteriores, que não mudavam o coração do homem, agora são escritas no coração da pessoa, são leis interiores: «Imprimirei a minha lei no seu íntimo e gravá-la-ei no seu coração» (v. 33). A lei de Deus será entendida na sua intenção de amor, porque a vontade de Deus é sempre vontade de amor. Deus não manda para complicar, para oprimir, para obrigar, mas para estabelecer uma rela&
    ccedil;ão de amor. É pois uma lei que se aceita voluntariamente, livremente. Porque é uma lei interior, permite uma relação íntima com Deus: «Serei o seu Deus e eles serão o meu povo» (v. 33). Esta promessa já se encontrava, várias vezes, no Antigo Testamento. Mas não se podia realizar, porque o coração do homem era mau. Agora, depois da nova Aliança, essa intimidade recíproca já era possível, porque já não era entre Deus e o povo, mas entre Deus e cada um: era uma relação pessoal: «Ninguém ensinará mais o seu próximo ou o seu irmão, dizendo: 'Aprende a conhecer o Senhor!' Pois todos me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno» (v. 34). Já não são precisas exortações como as de Jeremias porque, na nova Aliança, haverá uma relação pessoal, a consciência pessoal de cada um diante do Senhor. Esta nova aliança fundamenta-se na miserericórdia infinta de Deus, manifestada em Jesus Cristo, e que não parecia possível no tempo de Jeremias. Será Jesus a revelar o modo como Deus havia de realizar a nova Aliança. E como toda a aliança pressupõe um sacrifício, será Jesus a oferecê-lo - o sacrifício da nova Aliança - bem diferente dos antigos sacrifícios. Será Jesus a concretizá-lo através da oferta de Si mesmo, do seu coração, do seu corpo, do seu sangue, de toda a sua humanidade.
    No evangelho de hoje, Jesus já prevê esse sacrifício, quando diz aos discípulos «que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar» (v. 21). Foi a oblação perfeita de Cristo que selou a nova e eterna Aliança. A Eucaristia permite-nos progredir nessa aliança nova, e recebê-la cada vez mais e melhor no nosso coração: «Chamados a participar todos os dias neste sacrifício da Nova Aliança, unimo-nos à oblação perfeita que Cristo oferece ao Pai, para fazê-la nossa, pelo sacrifício espiritual das nossas vidas: «Exorto-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus: tal é o culto espiritual que lhe deveis prestar» (Rom 12,1) (Cst 81).

    Oratio

    Obrigado, Senhor, por não desistires, por me ofereceres sempre o teu amor, a tua misericórdia. Obrigado por estares sempre comigo, por Te interessares por mim. Obrigado por me quereres junto de Ti, por me ofereceres a tua amizade, a intimidade Contigo. Obrigado por saberes o que tem valor eterno e o que é transitório, e agires em consequência. Obrigado por Te declarares abertamente, por não retirares a palavra dada. Obrigado por amares sempre. Obrigado por aceitares sofrer e morrer, para ser fiel ao amor para com o Pai e para comigo. Que eu saiba permanecer, sempre, no teu amor. Amen.

    Contemplatio

    A última páscoa, que devia pôr fim à antiga Aliança estava terminada; uma páscoa nova devia suceder à páscoa antiga e inaugurar uma nova aliança; a realidade devia suceder à figura, e o verdadeiro Cordeiro pascal devia ser o alimento das nossas almas. Mas Jesus queria preparar os seus Apóstolos para a instituição da santa Eucaristia e para a sua recepção através de uma cerimónia sensacional, símbolo da purificação interior, que era requerida para participar dignamente no festim do Cordeiro.
    Jesus, portanto, como tinha amado os seus que estavam neste mundo, amou-os até ao fim, e preparou-se para lhes dar um sinal supremo da ternura do seu coração, a Eucaristia. Mas, tomando por um momento, as funções de um escravo, pôs-se a lavar os seus pés. S. Pedro revoltou-se, mas Jesus disse-lhe: Se não te lavar os pés, não terás parte comigo, porque a tua alma não estará bem disposta para receber a Eucaristia.
    Nosso Senhor queria ensinar-nos que é preciso purificar as nossas almas tão perfeitamente quanto possível para receber a Eucaristia. Disse a Pedro: Aquele que já está lavado não precisa de lavar o pó dos seus pés para estar inteiramente puro: isto é, no sentido espiritual, aquele que, como vós, já está em estado de graça, já não tem necessidade de se purificar das manchas leves que desfiguram a sua alma, e é o que vou fazer a vosso respeito com esta acção simbólica que vos purificará nomeadamente de um resto de vaidade e de amor-próprio que ainda manifestastes agora mesmo. Que lição para mim, que me preparo tão negligentemente para a santa comunhão! (Leão Dehon, OSP 3, p. 265s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Serei o seu Deus e eles serão o meu povo» (Jr 31, 33).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XVIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    5 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Naum 2, 1.3; 3, 1-3.6-7.

    1Eis sobre os montes os pés do mensageiro que traz notícias de paz. Celebra as tuas festas, ó Judá, cumpre os teus votos, porque o ímpio não passará mais pela tua terra; está completamente destruído. 3Porque o Senhor restabelece o esplendor de Jacob, assim como o esplendor de Israel; pois os saqueadores despojaram e destruíram os seus sarmentos. 1Ai da cidade sanguinária, cheia de fraude, de violência e de contínuas rapinas! 2Ruído de chicotes, barulho de rodas, cavalos a galope, movimento de carros! 3Ginetes ao assalto, espadas que reluzem, lanças que cintilam, multidão de feridos! Mortos em massa, cadáveres sem fim! Tropeça-se nos seus cadáveres. 6Cobrir-te-ei de imundície e de infâmia, hei-de expor-te como espectáculo. 7Todos os que te virem, fugirão de ti, dizendo: «Nínive está devastada! Quem se compadecerá dela? Onde irei buscar quem te reconforte?»

    O pequeno livro de Naum não apresenta as características da literatura profética, tais como oráculos condenatórios e salvíficos, chamamentos à conversão, ou anúncios de castigo. Trata-se de poemas exultantes de militarismo e vingança, a propósito da queda de Nínive. Terror dos povos vizinhos, incluindo Israel e Judá, o império assírio caía, no Verão de 612, às mãos de babilónios e medos. O povo de Israel e Judá celebrou com alegria a salvação e a paz reencontradas (2, 1). Javé concedera-lhas, humilhando o opressor, que usara a mentira, a rapina, os carros de guerra e o furor homicida dos seus soldados para semear violência e morte. O profeta vê o fim de tanto horror, e pode oferecer ao seu povo uma mensagem de alegria e consolação. Nínive, pelo contrário, não tem quem a console (3, 7).

    Evangelho: Mateus 16, 24-28

    Naquele tempo, então, 24Jesus disse aos discípulos: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. 25Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la. 26Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Ou que poderá dar o homem em troca da sua vida? 27Porque o Filho do Homem há-de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um conforme o seu procedimento. 28Em verdade vos digo: alguns dos que estão aqui presentes não hão-de experimentar a morte, antes de terem visto chegar o Filho do Homem com o seu Reino.»

    Depois da confissão de Pedro, Jesus confirmou a sua identidade de Messias e de Filho de Deus, e indicou o carácter doloroso do seu messianismo (cf. Mt 16, 16-17.21). Agora fala dos que O pretendem seguir. A sorte dos discípulos não será diferente da do Mestre (cf. 10, 24s.). E toda a atitude e toda a opção do discípulo terá sentido na sua relação com o Mestre. A escala de prioridades e valores é definida pela relação com Jesus, cujo percurso histórico marcado pelo sofrimento vivido no amor, será assumido pelo discípulo (v. 24). Este experimentará o paradoxo de «perder para encontrar», de «morrer para viver» (v. 25). As suas obras hão-de manifestar a opção por Jesus como centro da sua existência. Tal opção será recompensada no dia do juízo (v. 27). De facto, o Messias Sofredor é também o Juiz escatológico. O Messias humilhado é também o Rei glorioso.

    Meditatio

    Naum apresenta-nos dois cenários contrastantes: de um lado, o pequeno e oprimido reino de Judá, que, no século VI a. C. se encontrava em situação muito precária; de outro lado, Nínive, a esplendorosa capital do poderoso império assírio. No Magnificat, Maria proclama que Deus, exercendo a força do seu braço, derruba os poderosos dos seus tronos e exalta os humildes. Foi o que aconteceu, segundo Naum, à Assíria e à sua capital, destruídas pelos babilónios e medos, enquanto Judá, pequena nação, escuta uma promessa cheia de alegria: «Eis sobre os montes os pés do mensageiro que traz notícias de paz» (v. 1). E vem o convite à festa, à acção de graças «porque - diz o Senhor- o ímpio não passará mais pela tua terra; está completamente destruído» (v. 1). Pelo contrário, Nínive, «cidade sanguinária, cheia de fraude, de violência e de contínuas rapinas!» (2, 1), será devastada. O profeta descreve poeticamente a desgraça de Nínive: «Ruído de chicotes, barulho de rodas, cavalos a galope, movimento de carros! Ginetes ao assalto, espadas que reluzem, lanças que cintilam...» (vv. 2-3). Segue a ameaça de cobrir Nínive «de imundície e de infâmia, hei-de expô-la como espectáculo (2, 6). E «todos os que te virem, fugirão de ti, dizendo: «Nínive está devastada!» (2, 7). E o profeta conclui: «Quem se compadecerá dela? Onde irei buscar quem te reconforte?» (2, 7). A resposta vem noutro texto: «Todos os que ouvirem notícias tuas baterão as palmas contra ti; pois, sobre quem é que não passou a tua contínua maldade?» (3, 19). A destruição de Nínive é considerada um evento alegre, porque põe fim à opressão, à crueldade.
    Ao longo da história, e mesmo nos nossos dias, assistimos à queda de tantos regimes despóticos e opressores, e à alegria que esses eventos trouxeram a tantos países e povos. Ainda, há poucos anos, assistimos espantados ao desmoronar-se de um desses colossos. Quem poderia imaginar que tal iria acontecer? Mas aconteceu. Outros «impérios» cairão! Deus continua a reger o mundo. O seu ritmo nem sempre corresponde à nossa impaciência, mas está activo. Há que ter confiança: «No mundo, tereis tribulações; mas, tende confiança: Eu já venci o mundo!» (Jo 16, 33).
    Em muitas situações, o discípulo é chamado a carregar a cruz, com o Senhor, até ao Calvário, até à morte. Mas o Senhor garante-nos «quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la» (v. 25). A lógica de Deus não inclui triunfos idênticos aos dos poderosos deste mundo, que até acabam por se revelar transitórios. Mas inclui perder a própria vida, gastá-la ao serviço dos outros, sem recusar os sofrimentos que daí podem vir, e continuando sempre a amar. Que viver assim, torna-se uma testemunha silenciosa, mas eficaz, da verdadeira libertação.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, porque não me obrigas a seguir-Te, mas apenas me fazes o convite. Quero acolhê-lo e, cada dia, carregar a minha cruz, seguir os teus passos. Só o teu caminho leva à vida, porque Tu és o Caminho e a Vida. Sei que caminhar Contigo, e como Tu, implica sofrimento. Amar como Tu, significa dar a vida. Isso assusta-me. Preferia u
    m amor mais fácil. Mas compreendo que o amor que não se dá totalmente, não é mais do que uma cópia camuflada do egoísmo.
    Infunde em mim o teu Espírito Santo, para que eu viva o amor oblativo, o amor que se dá, sem condições, até ao fim. Que eu aprenda, definitivamente, a sabedoria do teu amor crucificado. Amen.

    Contemplatio

    Somos baptizados na cruz. Devemos morrer com Jesus para ressuscitarmos com Ele (Rm 8,17). Membros de Jesus Cristo, devemos ter a mesma sorte que o nosso chefe. Ser-lhe parecidos, essa é a nossa glória. Indicou-nos a via da salvação, é preciso segui-la. «Suplico-vos, dizia S. Paulo, que façais dos vossos corpos uma hóstia viva, santa e agradável a Deus» (Rom 12,1). A cruz, diz a Imitação, é a salvação, é a vida, é a fonte das doçuras celestes.
    Que farei para me unir à divina vítima? Que penitência hei-de impor-me? Que sacrifícios me pede a graça divina? Não tenho cuidados excessivos com o meu corpo? No sono, nas refeições, nos descansos, não tenho nada a cortar? «Aqueles que pertencem a Jesus Cristo, diz S. Paulo, crucificaram os seus corpos com as suas cobiças» (Gl 5,24). Devo propor-me alguma prática de mortificação interior e exterior. Devo também abandonar-me à vontade divina e aceitar as cruzes que a divina Providência me enviar. «Que aquele que quiser seguir-me (e amar-me), disse o bom Mestre, renuncie a si mesmo e tome a sua cruz». (Leão Dehon, OSP 3, p. 230).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la» (Mt 16, 25).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XVIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XVIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XVIII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Habacuc 1, 12-2, 4

    12Não és Tu, Senhor, desde o princípio, o meu Deus e o meu santo? Nós não morreremos. Tu estabeleceste, Senhor, os caldeus para exercerem a justiça, como uma rocha, Tu os constituíste para castigar. 13Os teus olhos são demasiado puros para ver o mal, não podes contemplar a opressão. Porque contemplas, em silêncio, os traidores, quando devoram os que são mais justos do que eles? 14Tratas os homens como peixes do mar, como répteis que não têm dono. 15Eles pescam-nos a todos no anzol, arrastam-nos com a sua rede, recolhem-nos em seu cesto e depois alegram-se e exultam. 16Por isso, oferecem sacrifícios às suas artes de pesca, e incenso à sua rede, porque, graças a elas, recolhem gordas porções e suculentos manjares. 17Continuarão eles a esvaziar a sua rede, massacrando povos sem piedade? 1Vou ficar de pé no meu posto de guarda, vou colocar-me sobre a muralha, vou ficar à espreita para ver o que Ele me diz, que resposta dá à minha queixa. 2Então o Senhor respondeu-me: «Escreve a visão, grava-a em tabuínhas, para que possa ser lida facilmente. 3Porque é uma visão para um tempo fixado: ela aspira pelo seu termo e não falhará. Se tardar, espera por ela igualmente; que ela cumprir-se-á, com toda a certeza não falhará. 4Eis que sucumbe o que não tem a alma recta,mas o justo viverá pela sua fidelidade.»

    Para além do nome que aparece no início do escrito, nada sabemos deste profeta. Pensa-se que terá sido um profeta cultual, contemporâneo de Naum, e com uma missão e uma teologia semelhantes. Mas, enquanto Naum canta euforicamente a queda de Nínive, Habacuc mostra-se frio e céptico no diálogo com Deus no templo, chegando à ousadia de Lhe pedir contas, de lhe perguntar a razão de castigar o malvado por meio de outro pior do que ele. O malvado, neste caso, seria o império assírio. O pior seria o império neo-babilónico. Mas há quem prefira ver Judá como o malvado, e qualquer dos seus opressores como pior. No fundo, é a questão do mal numa das suas principais implicações: «Porque contemplas, em silêncio, os traidores, quando devoram os que são mais justos do que eles?» (v. 13). Deus parece conivente com os malvados (1, 14). Parece partilhar o sadismo do pescador que se alegra com os peixes apanhados e mortos (1, 15-17). No espírito do profeta avança uma inquietante hipótese: a insinuação da serpente acerca do ciúme de Deus em relação ao homem (cf. Gn 3, 4), terá algum fundamento? À falta de respostas verificáveis sobre as intenções de Deus, Habacuc reanima a sua fé (2, 1). Não se assusta com o silêncio "obstinado" de Deus perante as suas interrogações. Sabe que pode apoiar a sua existência nas promessas divinas, eternamente válidas (2, 3). O profeta acaba por compreender que a fé é a raiz profunda que garante a vida e a estabilidade. Quem presumir erguer-se como centro e fim da sua existência, ficará prisioneiro do seu orgulho, ficará instável (2, 4). Esta verdade há-de ser conhecida por todos (2, 2).

    Evangelho: Mateus 17, 14-20

    Naquele tempo, 14 aproximou-se de Jesus um homem, ajoelhou-se a seus pés e 15disse-lhe: «Senhor, tem piedade do meu filho. Ele tem ataques e está muito mal. Cai frequentemente no fogo e muitas vezes na água. 16Apresentei-o aos teus discípulos, mas eles não puderam curá-lo.» 17Disse Jesus: «Geração descrente e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando vos hei-de suportar? Trazei-mo cá.» 18Jesus falou severamente ao demónio, e este saiu do jovem que, a partir desse momento, ficou curado. 19Então, os discípulos aproximaram- se de Jesus e perguntaram-lhe em particular: «Porque é que nós não fomos capazes de expulsá-lo?» 20Disse-lhes Ele: «Pela vossa pouca fé. Em verdade vos digo: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: 'Muda-te daqui para acolá', e ele há-de mudar-se; e nada vos será impossível.

    Mateus está agora preocupado em transmitir os ensinamentos de Jesus aos seus discípulos. Mas não deixa de contar mais um milagre, inserindo aqui a narrativa da cura de um epiléptico. É mais um sinal do poder de Jesus. Mas as dificuldades, que, por vezes, encontravam os exorcistas da Igreja nascente, também podem explicar esta inclusão.
    O pedido do pai, para obter a cura do filho epiléptico, dá ocasião a Jesus para mais uns ensinamentos sobre a necessidade de acreditar n´Ele. Os discípulos não conseguem realizar o milagre porque o poder taumatúrgico não é deles. Pertence unicamente ao Mestre, que o concede àqueles que participam na sua missão (cf. 10, 1). Estes, que são os discípulos, devem aderir a Ele pela fé (cf. v. 20).
    «Geração descrente e perversa!» Esta expressão de Jesus manifesta a resistência que os seus contemporâneos, duros de coração, Lhe opõem. Em união com Ele, os discípulos podem fazer maravilhas e comunicar a salvação oferecida por Deus. Mas, a falta de fé, que os separa da união com Jesus, torna-lhes impossível essa missão.

    Meditatio

    Habacuc vive numa época de angústia para os Israelitas que, libertados da Assíria, eram agora dominados pelos caldeus. O profeta olha para Deus, e olha para o seu povo. Começa por ver e proclamar a santidade de Deus: «Não és Tu, Senhor, desde o princípio, o meu Deus e o meu santo?» (v. 12). O domínio caldeu é, portanto, um meio que Deus usa para castigar os pecadores, e fazer justiça: «Tu estabeleceste, Senhor, os caldeus para exercerem a justiça» (v. 12). Mas os caldeus cometem excessos, opõem uma opressão intolerável. Então, o profeta ergue novamente o olhar para Deus: «Os teus olhos são demasiado puros para ver o mal, não podes contemplar a opressão. Porque contemplas, em silêncio, os traidores, quando devoram os que são mais justos do que eles?» (v. 13). Quantas vezes fazemos perguntas semelhantes a esta. Impressionam-nos vivamente a injustiça e a violência que alastram pelo mundo. Habacuc compara os caldeus a pescadores sádicos: «Tratas os homens como peixes do mar, como répteis que não têm dono. Eles (os caldeus) pescam-nos a todos no anzol, arrastam-nos com a sua rede, recolhem-nos em seu cesto e depois alegram-se e exultam» (vv. 14-15). E Deus parece conivente com o sadismo dos idólatras que: «oferecem sacrifícios às suas artes de pesca, e incenso à sua rede» (v. 16). E o profeta pergunta a Deus: «Continuarão eles a esvaziar a sua rede, massacrando povos sem piedade» (v. 17).
    As situações de extrema necessidade requerem um esforço de reflexão e de oração. É o que faz Habacuc: «Vou ficar de pé no meu posto de guarda, vou colocar-me sobre a muralha, vou ficar à espreita pa
    ra ver o que Ele me diz, que resposta dá à minha queixa» (Hab 2, 1). Deus responde com solenidade, exigindo que a sua promessa seja posta por escrito, o que quer dizer que não se trata de algo de imediato, mas que terá um valor duradoiro: «Escreve a visão, grava-a em tabuínhas, para que possa ser lida facilmente. Porque é uma visão para um tempo fixado: ela aspira pelo seu termo e não falhará» (Hab 2, 2-3). É preciso ter paciência e esperança. Deus faz o que promete: «Se tardar, espera por ela igualmente; que ela cumprir-se-á, com toda a certeza não falhará» (Hab 2, 3). E, qual é a mensagem? Esta: «Eis que sucumbe o que não tem a alma recta, mas o justo viverá pela sua fidelidade» (v. 4). Nas situações difíceis da vida, há que insistir na relação com o Senhor, em apegar-se à sua mão salvadora, para resistir às tempestades e não se afogar. A fé é adesão firme e segura ao Senhor. Só ela nos faz vencedores: «Se tiverdes fé como um grão de mostarda, - diz o Senhor - direis a este monte: 'Muda-te daqui para acolá', e ele há-de mudar-se; e nada vos será impossível» (v. 20). Uma fé viva transforma ocasiões difíceis em graças preciosas. Em lugares e situações difíceis, muitos, pela fé viva, se tornaram santos, enquanto outros, com uma fé frouxa, permaneceram na mediocridade!

    Oratio

    Senhor, onde está a tua providência, o teu amor? Se Te questiono, por me pareceres andar a monte, é porque experimentei que, viver sem Ti, é condenar-se ao vazio. Onde estás, Senhor, para não veres a onda de crimes e de morte, que parece cobrir toda a terra? Onde estás? Onde estás?
    Mas, eis que me parece escutar a tua voz, que me interroga: afinal, que Deus procuras? Aquele que te resolve os problemas? Aquele que te oferece soluções pré-fabricadas? Eu sou Deus-amor. Quem ama, não cria marionetas ou eternas crianças, mas homens livres. O sofrimento é o preço da liberdade! Se o jogo das liberdades pode transformar a vida humana num cadinho, tu és para Mim o metal precioso que, purificado, se torna reluzente. Podes crer no meu amor, pelo qual eu atravessei, até ao fim, o cadinho da vida humana. Podes crer no meu amor, pelo qual te uni a Mim no "impossível" da ressurreição!
    Obrigado, Senhor! Obrigado! Amen.

    Contemplatio

    Madalena dá-nos um grande exemplo de fidelidade e de perseverança no amor de Nosso Senhor. Ela não tem repouso, não pode viver longe do seu Bem-Amado. Faz-lhe falta o seu Deus, procurá-lo-á. O seu tesouro está no sepulcro, lá também está o seu coração. As provações não extinguiram as chamas do seu amor: Águas caudalosas não puderam apagar o amor (Ct 8).
    O seu amor foi purificado no cadinho dos sofrimentos. É preciso que a sua fidelidade reduplique: o seu Bem-Amado foi tão cruelmente traído, abandonado! É preciso que a sua dedicação seja verdadeiramente reparadora.
    Logo que a lei de Deus o permite, sai com as outras duas Maria para comprar perfumes (Mc 16, 1). Por modéstia, não sai sozinha, consulta Pedro, João e Maria, como lhes irá prestar contas quando tiver encontrado o túmulo vazio. A obediência à Igreja e a união a Maria são as marcas do verdadeiro espírito de Deus. Depois da compra dos perfumes, Madalena faz uma visita ao sepulcro com uma só companhia: Terminado o sábado, ao romper do primeiro dia da semana, Maria de Magdala e a outra Maria foram visitar o sepulcro (Mt 28, 1). Toma o caminho do Calvário, ainda é escuro, revê em espírito todas as cenas da sexta-feira. Tem medo de pisar o precioso sangue. A cruz está ainda lá, é terrível no meio das sombras da noite. O sepulcro está solitário, os guardas dormitam. Madalena senta-se e chora. A hora da consolação não chegou. Nosso Senhor deixa-a nas suas angústias e, todavia, fortifica a sua coragem. Volta para a casa de dor, não encontrou o seu Bem-Amado: Toda a noite, procurei aquele que o meu coração ama; procurei-o e não o encontrei (Ct 3, 1). Quando tivermos perdido a presença de Nosso Senhor, procuremo-lo assiduamente como Madalena. (Leão Dehon, OSP 3, p. 688s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se o Senhor tardar, espera» (cf. Habac 3, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 19º Domingo do Tempo Comum – Ano C

    19º Domingo do Tempo Comum – Ano C


    7 de Agosto, 2022

    ANO C
    19º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 19º Domingo do Tempo Comum

    A Palavra de Deus que a liturgia de hoje nos propõe convida-nos à vigilância: o verdadeiro discípulo não vive de braços cruzados, numa existência de comodismo e resignação, mas está sempre atento e disponível para acolher o Senhor, para escutar os seus apelos e para construir o “Reino”.
    A primeira leitura apresenta-nos as palavras de um “sábio” anónimo, para quem só a atenção aos valores de Deus gera vida e felicidade. A comunidade israelita – confrontada com um mundo pagão e imoral, que questiona os valores sobre os quais se constrói a comunidade do Povo de Deus – deve, portanto, ser uma comunidade “vigilante”, que consegue discernir entre os valores efémeros e os valores duradouros.
    A segunda leitura apresenta Abraão e Sara, modelos de fé para os crentes de todas as épocas. Atentos aos apelos de Deus, empenhados em responder aos seus desafios, conseguiram descobrir os bens futuros nas limitações e na caducidade da vida presente. É essa atitude que o autor da Carta aos Hebreus recomenda aos crentes, em geral.
    O Evangelho apresenta uma catequese sobre a vigilância. Propõe aos discípulos de todas as épocas uma atitude de espera serena e atenta do Senhor, que vem ao nosso encontro para nos libertar e para nos inserir numa dinâmica de comunhão com Deus. O verdadeiro discípulo é aquele que está sempre preparado para acolher os dons de Deus, para responder aos seus apelos e para se empenhar na construção do “Reino”.

    LEITURA I – Sab 18,6-9

    Leitura do Livro da Sabedoria

    A noite em que foram mortos os primogénitos do Egipto
    foi dada previamente a conhecer aos nossos antepassados,
    para que, sabendo com certeza
    a que juramentos tinham dado crédito,
    ficassem cheios de coragem.
    Ela foi esperada pelo vosso povo,
    como salvação dos justos e perdição dos ímpios,
    pois da mesma forma que castigastes os adversários,
    nos cobristes de glória, chamando-nos para Vós.
    Por isso os piedosos filhos dos justos
    ofereciam sacrifícios em segredo
    e de comum acordo estabeleceram esta lei divina:
    que os justos seriam solidários nos bens e nos perigos;
    e começaram a cantar os hinos de seus antepassados.

    AMBIENTE

    O “Livro da Sabedoria” é uma obra de um autor anónimo, redigida na primeira metade do séc. I a.C., provavelmente em Alexandria – um dos centros culturais mais importantes da Diáspora judaica. Dirigindo-se aos judeus (que vivem mergulhados num ambiente de idolatria e de imoralidade), o autor faz o elogio da “sabedoria” israelita, a fim de animar os israelitas fiéis e fazer voltar ao bom caminho os que tinham abandonado os valores da fé judaica; dirigindo-se aos pagãos, o autor (que se exprime em termos e concepções do mundo helénico, para que a sua mensagem chegue a todos) apresenta-lhes a superioridade da cultura e da religião israelitas, ridicularizando os ídolos e convidando, implicitamente, à adesão a essa fé mais pura que é a fé judaica.
    O texto que nos é proposto pertence à terceira parte do livro (Sab 10,1-19,22). Aí, recorrendo a factos concretos e a exemplos de figuras tiradas da história, o autor exalta as maravilhas operadas pela “sabedoria” na história do Povo de Deus. Nos últimos capítulos desta terceira parte (Sab 16-19), passando do geral ao particular, o autor mostra como a própria natureza divinizada pelos ímpios se volta contra eles, enquanto que essa mesma natureza se torna salvação para o Povo de Deus… O cenário desta reflexão é a comparação entre o que um dia (na altura do Êxodo) aconteceu aos egípcios e o que, em contrapartida, aconteceu ao Povo de Deus: as pragas de animais castigaram os egípcios, mas as codornizes foram alimento para os israelitas (cf. Sab 16,1-4); as moscas e gafanhotos atormentaram os egípcios, mas a serpente de bronze erguida por Moisés no deserto salvou o Povo de perecer (cf. Sab 16,5-15); as chuvas e a saraiva destruíram as culturas egípcias, mas o maná alimentou o Povo de Deus (cf. Sab 16,15-29); as trevas cegaram os egípcios que perseguiam os israelitas, mas a coluna de fogo iluminou a caminhada do Povo de Deus para a liberdade (cf. Sab 17,1-18,4); os primogénitos dos egípcios foram mortos, mas Deus salvou a vida do seu Povo (cf. Sab 18,5-25)…

    MENSAGEM

    O nosso texto refere-se, em concreto, à noite em que foram mortos os primogénitos dos egípcios, à noite do êxodo (cf. Ex 12,29-30). O autor interpreta essa noite (cf. Sab 18,5) como a “resposta de Deus” ao decreto do faraó que ordenava a matança das crianças hebreias do sexo masculino (cf. Ex 1,22). Para os egípcios, foi uma noite trágica, de ruína, de pesadelo, de destruição, de morte e de luto; para os judeus, foi uma noite de salvação, de glória e de louvor do Deus libertador. Na perspectiva do autor deste texto, Deus não só esteve na origem da libertação mas, através de Moisés, fez saber com antecedência aos hebreus os acontecimentos da noite pascal (cf. Ex 12,21-28), a fim de que eles ganhassem ânimo. Tudo isto foi entendido pelo Povo como acção de Deus.
    Confrontado com a actuação de Deus em favor do seu Povo, Israel encontrou forma de responder a Jahwéh e de Lhe manifestar o seu louvor e agradecimento: os sacrifícios (aqui faz-se alusão ao sacrifício do cordeiro pascal, entendido como celebração da libertação operada por Deus), a solidariedade (o autor faz remontar a este momento do Êxodo as leis sobre a participação de todas as tribos na conquista – cf. Nm 32,16-24 – e sobre a partilha igual dos despojos – cf. Nm 31,27; Jos 22,8), o cântico de hinos (alusão ao Hallel – Sal 113-118 – cantados todos os anos durante a ceia pascal) definem a resposta do Povo à acção de Deus.
    A conclusão é óbvia: enquanto que os egípcios – que divinizavam a natureza e que corriam atrás dos deuses falsos – se deixaram conduzir por esquemas de opressão e de injustiça e receberam de Jahwéh o justo castigo, os israelitas – fiéis a Jahwéh e à Lei, que sempre louvaram Deus e Lhe agradeceram seus dons e benefícios – viram Deus a actuar em seu favor e encontraram a liberdade e a paz.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar os seguintes desenvolvimentos:

    • A leitura chama a atenção para a diferença que há entre o viver de acordo com os valores da fé e o viver de acordo com propostas quiméricas de felicidade e de bem-estar… O “sábio” que nos fala na primeira leitura assegura que só a fidelidade aos caminhos de Deus gera vida e libertação; e que a cedência aos deuses do egoísmo e da injustiça gera sofrimento e morte. Hoje, como ontem, nem sempre parece fazer sentido trilhar o caminho do bem, da verdade, do amor, do dom da vida… Na realidade, onde é que está o caminho da verdadeira felicidade? Na cedência ao mais fácil, à moda, ao “politicamente correcto”, ou na fidelidade aos valores duradouros, aos valores do Evangelho, ao projecto de Jesus? Como é que eu me situo face às pressões que, todos os dias, a opinião pública ou a moda me impõem?

    • O tema da liturgia deste domingo gira à volta da “vigilância”. Não se trata de estar sempre com “a alminha em paz”, “na graça de Deus” para que a morte não me surpreenda e eu não seja atirado, sem querer, para o inferno; trata-se de eu saber o que quero, de ter ideias claras quanto ao sentido da minha vida e de, em cada instante, actuar em conformidade. É esta “vigilância” serena, de quem sabe o que quer e está atento ao caminho que percorre, que me é pedida. É esse o caminho que eu tenho vindo a percorrer? A minha vida tem sido uma busca atenta do que Deus quer de mim?

    • O autor do “Livro da Sabedoria” descreve a resposta do Povo à acção libertadora de Deus como celebração, solidariedade, louvor e acção de graças. Diante do Deus libertador, que todos os dias intervém na minha vida e que me aponta caminhos de vida plena e de felicidade, sinto também a vontade de celebrar, de amar, de comungar, de louvar, como resposta ao amor de Deus?

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 32 (33)

    Refrão: Feliz o povo que o Senhor escolheu para sua herança.

    Justos, aclamai o Senhor,
    os corações rectos devem louvá-l’O.
    Feliz a nação que tem o Senhor por seu Deus,
    o povo que Ele escolheu para sua herança.

    Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,
    para os que esperam na sua bondade,
    para libertar da morte as suas almas
    e os alimentar no tempo da fome.

    A nossa alma espera o Senhor,
    Ele é o nosso amparo e protector.
    Venha sobre nós a vossa bondade,
    porque em Vós esperamos, Senhor.

    LEITURA II – Heb 11,1-2.8-19

    Leitura da Epístola aos Hebreus

    Irmãos:
    A fé é a garantia dos bens que se esperam
    e a certeza das realidades que não se vêem.
    Ela valeu aos antigos um bom testemunho.
    Pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento
    e partiu para uma terra que viria a receber como herança;
    e partiu sem saber para onde ia.
    Pela fé, morou como estrangeiro na terra prometida,
    habitando em tendas, com Isaac e Jacob,
    herdeiros, como ele, da mesma promessa,
    porque esperava a cidade de sólidos fundamentos,
    cujo arquitecto e construtor é Deus.
    Pela fé, também Sara recebeu o poder de ser mãe
    já depois de passada a idade,
    porque acreditou na fidelidade d’Aquele que lho prometeu.
    É por isso também que de um só homem
    – um homem que a morte já espreitava –
    nasceram descendentes tão numerosos como as estrelas do céu
    e como a areia que há na praia do mar.
    Todos eles morreram na fé,
    sem terem obtido a realização das promessas.
    Mas vendo-as e saudando-as de longe,
    confessaram que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra.
    Aqueles que assim falam
    mostram claramente que procuram uma pátria.
    Se pensassem na pátria de onde tinham saído,
    teriam tempo de voltar para lá.
    Mas eles aspiravam a uma pátria melhor,
    que era a pátria celeste.
    E como Deus lhes tinha preparado uma cidade,
    não Se envergonha de Se chamar seu Deus.
    Pela fé, Abraão, submetido à prova,
    ofereceu o seu filho único Isaac,
    que era o depositário das promessas,
    como lhe tinha sido dito:
    «Por Isaac será assegurada a tua descendência».
    Ele considerava que Deus pode ressuscitar os mortos;
    por isso, numa espécie de prefiguração,
    ele recuperou o seu filho.

    AMBIENTE

    A Carta aos Hebreus é um texto anónimo, escrito nos anos que antecederam a destruição do Templo de Jerusalém (ano 70). Destina-se a comunidades cristãs (de origem judaica?) em que a generosidade dos inícios dera lugar ao cansaço, ao tédio, ao desinteresse e que, por causa das perseguições e da hostilidade dos não crentes, estavam expostas ao desalento e ao retrocesso na sua caminhada cristã. Neste contexto, o autor pretende apresentar aos crentes um estímulo, no sentido de aprofundar a vocação cristã, até à identificação total com Cristo.
    A carta apresenta – recorrendo à linguagem da teologia judaica – o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência – através de quem os homens têm acesso livre a Deus e são inseridos na comunhão real e definitiva com Deus. O autor aproveita, na sequência, para reflectir nas implicações desse facto: postos em relação com o Pai por Cristo/sacerdote, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a experiência de fé, enfraquecida pela acomodação e pela perseguição.
    O texto que nos é proposto está incluído na quarta parte da epístola (cf. Heb 11,1-12,13). Nessa parte, o autor insiste em dois aspectos básicos da vida cristã: a fé e a constância ou perseverança. No que diz respeito à fé, o autor convida a percorrer o caminho dos “antigos” (cf. Heb 11,1-40); no que diz respeito à constância, exorta a aceitar com paciência os sofrimentos que a vida do cristão comporta, pois esses sofrimentos fazem parte das provas pedagógicas através das quais Deus nos faz chegar à perfeição (cf. Heb 12,1-13).

    MENSAGEM

    A exposição começa com a descrição da fé, aqui entendida como a “garantia dos bens que se esperam e a certeza das realidades que não se vêem” (Heb 11,1). A “fé” é, nesta perspectiva, posta em relação com a esperança; ela dirige-se ao futuro e ao invisível. Alguns autores entendem esta “garantia” (“hypóstasis”) no sentido de “firme confiança” (Lutero, Erasmo e numerosos autores recentes). A fé seria, nesta perspectiva, a firme confiança na possessão dos bens futuros, invisíveis por agora. É uma perspectiva diferente (embora complementar) da que transparece nos textos paulinos, onde a fé é, sobretudo, a adesão a Jesus – quer dizer, o estabelecimento de uma relação pessoal entre os crentes e o Senhor.
    Na sequência, o autor vai apresentar uma autêntica galeria de figuras vétero-testamentárias que, por terem vivido na fé e da fé, são modelo para todos os crentes.
    Em concreto, o nosso texto apresenta-nos as figuras de Abraão e de Sara. Pela fé, Abraão acolheu o chamamento de Deus, deixou a sua casa e partiu ao encontro do desconhecido e do incómodo; pela fé, Abraão aceitou estabelecer-se numa terra estranha e aí habitar; pela fé, Sara pôde conceber e dar à luz Isaac, apesar da sua avançada idade; pela fé, Abraão não duvidou quando Deus o mandou sacrificar, no alto de um monte, o filho Isaac, o herdeiro das promessas e o continuador da descendência… Abraão não viu concretizar-se a promessa da posse da terra, nem a promessa de um povo numeroso; mas, pela fé, ele contemplou antecipadamente a realização das promessas de Deus, “saudando-as de longe”. Assim, Abraão assumiu a sua condição de peregrino e estrangeiro, ansiando constantemente pela cidade futura, e caminhando ao encontro do céu, a sua pátria definitiva. É precisamente esse exemplo que o autor da carta quer propor a esses cristãos perseguidos e desanimados: vivam na fé, esperando a concretização dos dons futuros que Deus vos reserva e caminhem pela vida como peregrinos, sem desanimar, de olhos postos na pátria definitiva.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar os seguintes desenvolvimentos:

    • O autor deste texto convida o crente a confiar firmemente na possessão dos bens futuros, anunciados por Deus, mas invisíveis para já. A nossa caminhada nesta terra está marcada pela finitude, pelas nossas limitações, pelo nosso pecado; mas isso não pode fazer-nos desanimar e desistir: viver na fé é, apesar disso, apontar à vida plena que Deus nos prometeu e caminhar ao seu encontro. É esta esperança que nos anima e que marca a nossa caminhada, sobretudo nos momentos mais difíceis, em que tudo parece desmoronar-se e as coisas deixam de fazer sentido?

    • A nossa tendência vai, tantas vezes, do “oito ao oitenta”, da euforia ao desânimo total. Num dia, tudo faz sentido; no outro, a tristeza e a dúvida afogam-nos e deixam-nos mergulhados no mais negro pessimismo… No entanto, o cristão deve ser o homem da serenidade e da paz; ele sabe que a sua existência não se conduz ao sabor das marés, mas que o sentido da vida está para além dos êxitos ou dos fracassos que o dia a dia traz. Guiado pela fé, ele tem sempre diante dos olhos essas realidades últimas, que dão sentido pleno àquilo que aqui acontece.

    ALELUIA – Mt 24, 42a.44

    Aleluia. Aleluia.

    Vigiai e estai preparados,
    porque na hora em que não pensais
    virá o Filho do homem.

    EVANGELHO – Lc 12,32-48

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
    «Não temas, pequenino rebanho,
    porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o reino.
    Vendei o que possuís e dai-o em esmola.
    Fazei bolsas que não envelheçam,
    um tesouro inesgotável nos Céus,
    onde o ladrão não chega nem a traça rói.
    Porque onde estiver o vosso tesouro,
    aí estará também o vosso coração.
    Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas.
    Sede como homens
    que esperam o seu senhor voltar do casamento,
    para lhe abrirem logo a porta, quando chegar e bater.
    Felizes esses servos, que o senhor, ao chegar,
    encontrar vigilantes.
    Em verdade vos digo:
    cingir-se-á e mandará que se sentem à mesa
    e, passando diante deles, os servirá.
    Se vier à meia-noite ou de madrugada,
    felizes serão se assim os encontrar.
    Compreendei isto:
    se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão,
    não o deixaria arrombar a sua casa.
    Estai vós também preparados,
    porque na hora em que não pensais
    virá o Filho do homem».
    Disse Pedro a Jesus:
    «Senhor, é para nós que dizes esta parábola,
    ou também para todos os outros?»
    O Senhor respondeu:
    «Quem é o administrador fiel e prudente
    que o senhor estabelecerá à frente da sua casa,
    para dar devidamente a cada um a sua ração de trigo?
    Feliz o servo a quem o senhor, ao chegar,
    encontrar assim ocupado.
    Em verdade vos digo
    que o porá à frente de todos os seus bens.
    Mas se aquele servo disser consigo mesmo:
    ‘o meu senhor tarda em vir’;
    e começar a bater em servos e servas,
    a comer, a beber e a embriagar-se,
    o senhor daquele servo
    chegará no dia em que menos espera
    e a horas que ele não sabe;
    ele o expulsará e fará que tenha a sorte dos infiéis.
    O servo que, conhecendo a vontade do seu senhor,
    não se preparou ou não cumpriu a sua vontade,
    levará muitas vergastadas.
    Aquele, porém, que, sem a conhecer,
    tenha feito acções que mereçam vergastadas,
    levará apenas algumas.
    A quem muito foi dado, muito será exigido;
    a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá».

    AMBIENTE

    Continuamos a percorrer o “caminho de Jerusalém”. Desta vez, Jesus dirige-Se explicitamente ao grupo dos discípulos (designado como “pequeno rebanho” – cf. Lc 12,32). Nas catequeses anteriores, Jesus falou sobre o desprendimento face aos bens da terra (cf. Lc 12,13-21) e sobre o abandono nas mãos de Deus (cf. Lc 12,22-34); agora, Jesus vai mostrar o que é necessário fazer para que o “Reino” seja sempre uma realidade presente na vida dos discípulos e para que os “tesouros” deste mundo não sejam a prioridade: trata-se de estar sempre vigilante, à espera da vinda do Senhor. Na realidade, Lucas junta aqui parábolas que devem ter aparecido em contextos diversos; mas todas estão ligadas pelo tema da vigilância.

    MENSAGEM

    O nosso texto começa com uma referência ao “verdadeiro tesouro” que os discípulos devem procurar e que não está nos bens deste mundo (vers. 33-34): trata-se do “Reino” e dos seus valores. A questão fundamental é: como descobrir e guardar esse “tesouro”? A resposta é dada em três quadros ou “parábolas”, que apelam à vigilância.
    A primeira parábola (vers. 35-38) convida a ter os rins cingidos e as lâmpadas acesas (o que parece aludir a Ex 12,11 e à noite da primeira Páscoa, celebrada de pé e “com os rins cingidos”, antes da viagem para a liberdade), como homens que esperam o senhor que volta da sua festa de casamento. Os crentes são, assim, convidados a estarem preparados para acolher a libertação que Jesus veio trazer e que os levará da terra da escravidão para a terra da liberdade; e são também convidados a acolherem “o noivo” (Jesus) que veio propor à “noiva” (os homens) a comunhão plena com Deus (a “nova aliança”, representada na teologia judaica através da imagem do casamento).
    A segunda parábola (vers. 39-40) aponta para a incerteza da hora em que o Senhor virá. A imagem do ladrão que chega a qualquer hora, sem ser esperado, é uma imagem estranha para falar de Deus; mas é uma imagem sugestiva para mostrar que o discípulo fiel é aquele que está sempre preparado, a qualquer hora e em qualquer circunstância, para acolher o Senhor que vem.
    A terceira parábola (vers. 41-48) parece dirigir-se (é nesse contexto que a pergunta de Pedro nos coloca) aos responsáveis da comunidade. Nas palavras originais de Jesus, a parábola devia ser uma crítica aos responsáveis do Povo de Israel; mas, na interpretação de Lucas, a parábola dirige-se aos animadores da comunidade cristã, que devem permanecer fiéis às suas tarefas de animação e de serviço: se algum deles descuida as suas responsabilidades no serviço aos irmãos e usa as funções que lhe foram confiadas de forma negligente ou em benefício próprio, será castigado. Nos dois últimos versículos, o castigo diversifica-se de acordo o tipo de desobediência: os que desobedeceram intencionalmente serão mais castigados; os que desobedeceram não intencionalmente serão menos castigados. A referência às “vergastadas” deve ser entendida no contexto da linguagem dos pregadores da época e manifesta a repulsa de Deus por aqueles que negligenciam a missão que lhes foi confiada. Provavelmente Lucas tem diante dos olhos o exemplo de alguns animadores cristãos que, pela sua preguiça ou pela sua maldade, perturbavam seriamente a vida das comunidades a que presidiam. Em qualquer caso, estas linhas sublinham a maior responsabilidade daqueles que, na Igreja, desempenham funções de responsabilidade… A última afirmação (“a quem muito foi dado, muito será exigido, a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá – vers. 48b) é claramente dirigida aos responsáveis da comunidade; mas pode aplicar-se a todos os que receberam dons materiais ou espirituais.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão e a partilha da Palavra, considerar os seguintes dados:

    • A vida dos discípulos de Jesus tem de ser uma espera vigilante e atenta, pois o Senhor está permanentemente a vir ao nosso encontro e a desafiar-nos para nos despirmos das cadeias que nos escravizam e para percorrermos, com Ele, o caminho da libertação. O que é que nos distrai, que nos prende, que nos aliena e que nos impede de acolher esse dom contínuo de vida?

    • Ser cristão não é um trabalho “das nove às cinco”, ou um “hobby” de fim-de-semana; mas é um compromisso a tempo inteiro, que deve marcar cada pensamento, cada atitude, cada opção, vinte e quatro horas por dia… Estou consciente dessa exigência e suficientemente atento para marcar, com o selo do meu compromisso cristão, todas as minhas acções e palavras?

    • Estou suficientemente atento e disponível para acolher e responder aos apelos que Deus me faz e aos desafios que Ele me apresenta através das necessidades dos irmãos? Estou suficientemente atento e disponível para escutar os sinais, através dos quais Deus me apresenta as suas propostas?

    • Por vezes, os discípulos de Jesus manifestam a convicção de que tudo vai de mal a pior, que esta “geração rasca” está perdida e que não é possível fazer mais nada para tornar o mundo mais humano e mais feliz… Isso não será, apenas, uma forma de mascararmos o nosso egoísmo e comodismo e de recusarmos ser protagonistas empenhados na construção desse “Reino” que é o tesouro mais valioso?

    • A Palavra de Deus que hoje nos é proposta contém uma interpelação especial a todos aqueles que desempenham funções de responsabilidade, quer na Igreja, quer no governo, quer nas autarquias, quer nas empresas, quer nas repartições… Convida cada um a assumir as suas responsabilidades e a desempenhar, com atenção e empenho as funções que lhe foram confiadas. A todos aqueles a quem foi confiado o serviço da autoridade, a Palavra de Deus pergunta sobre o modo como nos comportamos: como servos que, com humildade e simplicidade cumprem as tarefas que lhes foram confiadas, ou como ditadores que manipulam os outros a seu bel-prazer? Estamos atentos às necessidades – sobretudo dos pobres, dos pequenos e dos débeis – ou instalamo-nos no egoísmo e no comodismo e deixamos que as coisas se arrastem, sem entusiasmo, sem vida, sem desafios, sem esperança?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 19º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. ESCOLHER O RITO DE ASPERSÃO.
    Para marcar a nossa pertença ao novo Israel libertada pela Páscoa de Cristo, em memória do nosso Baptismo, pode-se fazer o rito da aspersão durante o momento penitencial.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    “Deus fiel, desde o tempo de Moisés e dos profetas, o teu povo Te dá graças pela libertação pascal. Outrora foi pela saída do Egipto e a entrada na Terra Prometida. Hoje, é pela Páscoa de Jesus, a Ressurreição.
    Nós Te pedimos pelos pastores das nossas comunidades, pelos catequistas e pelas equipas litúrgicas, encarregados de reavivar a fé pascal em cada domingo”.

    No final da segunda leitura:
    “Pai, nós Te bendizemos por Abraão, Sara e todas as testemunhas da fé ao longo dos séculos. Nós Te damos graças porque Te revelaste a eles, fizeste-Te próximo, anunciaste-lhes e renovaste as tuas promessas.
    Nós Te pedimos para confirmar a fé nas nossas comunidades. Que o teu Espírito nos guie e nos inspire, quando damos conta da nossa fé diante dos jovens”.

    No final do Evangelho:
    “Nosso Pai, nós Te bendizemos, porque nos deste o teu Reino. Ele é para nós o tesouro inesgotável. Nós Te damos graças pelo teu Filho, nosso Mestre, porque Ele veste o fato de serviço para nos acolher à sua mesa.
    Nós Te pedimos: pelo teu Espírito, prende os nossos corações ao teu Reino, que Ele nos mantenha na vigilância, atentos a preparar o teu regresso”.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Há felicidade em receber… Se Jesus declara felizes os servidores que esperam para estarem prontos para servir, é porque vão beneficiar de um privilégio extraordinário: em lugar de servir, vão ser servidos, e logo pelo seu Mestre. O facto de esperar muda totalmente a situação. Jesus recomenda para se vigiar porque é uma atitude daquele que espera e assim manifesta que a pessoa esperada tem um preço a seus olhos. No momento em que Lucas escreve o seu Evangelho, os cristãos estão um pouco adormecidos e desanimados, pois parece que o Mestre tarda a voltar, como havia prometido. Terão eles esquecido que Ele tinha prometido o seu regresso de imprevisto? A sua felicidade depende da sua espera activa…

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Decididamente, Jesus não Se cansa de chamar os seus discípulos a uma vida de pobreza, no Evangelho deste domingo e do domingo passado. Mas Ele próprio sabia bem que o dinheiro é necessário para viver. O grupo dos apóstolos tinha uma bolsa comum. São Paulo fará um peditório, que dará uma grande soma, para a Igreja de Jerusalém. Segundo o Evangelho, a pobreza não é a miséria. Já domingo passado Jesus nos convidava a sermos ricos em vista de Deus e não a amealharmos para nós mesmos. Hoje, diz uma pequena frase muito esclarecedora: “Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino”. O Pai quer encher-nos com a sua plenitude. Mas isso supõe, da nossa parte, uma atitude de despojamento para nos tornarmos disponíveis e acolhedores do dom de Deus. Recordemos que somos apenas criaturas. Não somos a nossa própria origem. Desde o início da nossa existência, devemos primeiramente tudo receber, a começar pela vida. Numa palavra, devemos, em primeiro lugar, ser amados para podermos aprender a amar. A verdadeira pobreza consiste em reconhecer a ligação de dependência no amor e na vida. Se a recusamos, fechamo-nos em nós mesmos, numa riqueza que poderá asfixiar-nos. Dito de outro modo, somos convidados a nunca esquecer que tudo o que temos e somos é sempre, antes de mais, um dom. Não somos proprietários da vida. Dela temos apenas usufruto. O nosso Pai confia-nos a vida, para que a façamos frutificar em aventura de amor. Isso deveria preservar-nos do “espírito de possessão” e abrir o nosso coração para aprender sem cessar a receber e podermos, por nossa vez, dar.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que recorda a longa história da aliança. Ou, se houver uma grande número de crianças na assembleia, pode-se optar pela Oração Eucarística I para Crianças, que permite, no meio do verão, um belo louvor pela Criação.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
    Incidir sobre os verdadeiros valores… O nosso tesouro terrestre ocupa muitas vezes todas as nossas energias e a nossa vigilância. Acontece o mesmo com o tesouro que somos convidados a constituir em vista do Reino? Se o Mestre viesse hoje, como nos encontraria? Prontos a servir, prontos a acolhê-lo?… A nossa fé, como a de Abraão, é bastante viva para incidir sobre os verdadeiros valores?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehnianos.org – www.dehonianos.org

  • XIX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    8 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 1, 2-5.24-28

    2No quinto dia do mês - era o quinto ano do cativeiro do rei Joiaquin - 3a palavra de Deus foi dirigida a Ezequiel, filho do sacerdote Buzi, na Caldeia, nas margens do rio Cabar, e a mão do Senhor estava sobre ele. 4Olhando vi que do norte soprava um vento fortíssimo: uma nuvem espessa acompanhada de um clarão e uma massa de fogo resplandecente à volta; no meio dela, via-se algo semelhante ao aspecto de um metal resplandecente. 5E ao centro, distinguia-se a imagem de quatro seres viventes, todos com aspecto humano. 24Eu escutava o ruído das asas como o barulho das grandes torrentes, como a voz do Omnipotente, quando eles avançavam, ou como o ruído do campo de batalha; quando paravam, as asas baixavam. 25E, por cima da abóbada, que ficava sobre as suas cabeças, fazia-se um grande ruído; quando paravam, as asas baixavam. 26Pela parte de cima da abóbada, que ficava sobre as suas cabeças, estava uma coisa semelhante a pedra de safira, em forma de trono, e sobre esta espécie de trono, no alto, pela parte de cima, um ser com aspecto humano. 27E verifiquei que, do que parecia ser da cintura para cima, tinha como que um brilho vermelho, algo como fogo, à sua volta; e da cintura para baixo, vi como que fogo, espalhando um clarão à sua volta. 28O esplendor à sua volta parecia o arco-íris que aparece nas nuvens nos dias de chuva. Era algo que tinha o aspecto da glória do Senhor. Contemplei e prostrei-me com o rosto por terra. E ouvi uma voz que falava.

    Ezequiel aparece entre os primeiros exilados para Babilónia, por Nabucodonosor, no ano 597 a. C. Aí vive e escuta o chamamento para a missão profética. O nosso texto apresenta-nos a teofania em que Deus se revela e manifesta a sua «glória» (v. 28) ao profeta. Com imagens espectaculares, muito fora do nosso modo de pensar e de dizer, Ezequiel refere a sua experiência de Deus, junto do rio Cabar. A «glória» de Deus transfere-se do templo de Jerusalém para junto dos desterrados. Deus não é propriedade de um povo, não está eternamente ligado nem ao templo nem à terra prometida, como provavelmente pensava o povo de Israel. Deus é força, é luz... Os «seres viventes» (vv 5ss.) significam algumas prerrogativas divinas: a inteligência, a força, o poder, a rapidez. A tradição cristã medieval verá essas imagens, retomados no Apocalipse, símbolos dos quatro evangelistas.
    Deus manifesta-se onde está o homem, onde está o povo, mesmo no exílio. Revela-se com «com aspecto humano» (v. 26), como que a dizer que está próximo dos homens, que tem um rosto, um coração... Ezequiel convida a ver a presença e a acção de Deus nas vicissitudes da história dos homens. Onde tudo parece ruína, Ele está presente para salvar, para libertar o homem.
    Ao ver a glória de Deus, Ezequiel cai «com o rosto por terra» (v. 28), manifestando consciência de estar na presença de Deus.

    Evangelho: Mateus 17, 22-27

    Naquele tempo, 22estando os discípulos reunidos na Galileia, Jesus disse-lhes: «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens, 23que o matarão; mas, ao terceiro dia, ressuscitará.» E eles ficaram profundamente consternados. 24Entrando em Cafarnaúm, aproximaram-se de Pedro os cobradores do imposto do templo e disseram-lhe: «O vosso Mestre não paga o imposto?» 25Ele respondeu: «Paga, sim». Quando chegou a casa, Jesus antecipou-se, dizendo: «Simão, que te parece? De quem recebem os reis da terra impostos e contribuições? Dos seus filhos, ou dos estranhos?» 26E como ele respondesse: «Dos estranhos», Jesus disse-lhe: «Então, os filhos estão isentos. 27No entanto, para não os escandalizarmos, vai ao mar, deita o anzol, apanha o primeiro peixe que nele cair, abre-lhe a boca e encontrarás lá um estáter. Toma-o e dá-lho por mim e por ti.»

    Na primeira parte do nosso texto, a paixão paira sobre Jesus como algo próximo e inevitável. Jesus vê agora, não com os olhos do «eu» pessoal, que tem de se inclinar perante uma vontade superior (cf Mt 16, 21-27), mas com os olhos do Filho do homem para quem nada está oculto. Um só dos verbos, utilizados nesta parte, está na voz activa: o matarão (v. 23). Todos os outros estão na voz passiva: «ser entregue» (v. 22) nas mãos dos homens (em geral), nas mãos «dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei» (16, 21), isto é, das instituições religiosas hebraicas; «será ressuscitado» (talvez seja melhor traduzir assim do que «ressuscitará»- v. 23), indica a esperança de Jesus na acção do Pai.
    Jesus sabe para onde caminha. O seu destino está anunciado nas antigas profecias. Fala de Si como «Filho do homem», representante do povo dos santos que, depois da perseguição, há-de receber todo o poder (Dn 7): «Todo o poder me foi dado no céu e na terra», dirá o Ressuscitado (Mt 28, 18). A paixão, entrega na mão de todos os homens, torna-se entrega nas mãos do Pai, manifestação da sua glorificação.
    A segunda parte do texto evangélico refere um episódio relacionado com a questão do pagamento do imposto do templo. Em Mt 22, 15-22 surgirá a questão do pagamento de impostos aos dominadores pagãos, problema que continuará a afligir a comunidade cristã (cf. Rm 13, 6s.). Tem de pagar imposto para o templo quem é «maior que o templo»? (cf. Mt 12, 6), quem é «o Filho de Deus vivo»? (16, 18). Paga para não escandalizar. A hora da reedificação do novo templo ainda não chegou.

    Meditatio

    Iniciamos a leitura do livro do profeta Ezequiel, um homem que teve impressionantes visões de Deus. Hoje, escutamos a primeira dessas visões, em que o profeta recebeu a vocação. Mais uma vez, verificamos que a vocação profética está ligada a uma forte experiência de Deus. Tudo acontece durante uma grandiosa teofania, junto ao rio Cabar, a sul de Babilónia. O profeta começa por ver quatro seres misteriosos e, depois, no firmamento, a «glória do Senhor» (v. 28). Tomado de um temor sagrado, cai por terra, e ouve «a palavra de Deus» (v. 3), que «tem a mão sobre ele» (v. 3).
    Se nos lembrarmos da narrativa da vocação de Isaías (Is 6), verificamos semelhanças e diferenças com a de Ezequiel. Isaías vê Javé sentado num trono, no interior do templo, casa de Deus, rodeado de serafins que O aclamam, dizendo: «Santo, santo, santo...» (v. 3). Deus revela-se a Isaías no templo, que é a sua casa, e em Jerusalém, que é a cidade santa. Mas, a Ezequiel, revela-se em terra pagã, mostrando que a sua presença não está condicionado a um lugar consagrado, à terra santa. Deus pode manifestar-se em qualquer lugar, onde estiver o homem, particularmente o que sofre, mesmo em terra pagã. Isto constitui uma grande novidade para a mentalidade hebraica. Mas há mais: enqu
    anto a visão de Isaías é estática - Deus está sentado num trono, no templo - a de Ezequiel é dinâmica: «Olhando vi que do norte soprava um vento fortíssimo: uma nuvem espessa acompanhada de um clarão e uma massa de fogo resplandecente à volta; no meio dela, via-se algo semelhante ao aspecto de um metal resplandecente» (v. 4). Que há de mais dinâmico que uma trovoada? Num resplendor de fogo, Ezequiel, além dos quatro animais, vê também rodas que podem mover-se em quatro direcções, isto é, para todo o lado (cf. Ez 1, 15-20). Mas a leitura de hoje ainda fala de mais movimentos: «Eu escutava o ruído das asas como o barulho das grandes torrentes, como a voz do Omnipotente, quando eles avançavam, ou como o ruído do campo de batalha; quando paravam, as asas baixavam.» (v. 24).
    A experiência do exílio não trouxe só desgraças. Trouxe também graças espirituais, particularmente uma revelação mais profunda de Deus. Os hebreus passaram a ver a Deus, não apenas como divindade da Terra santa, donde não se movia, que não se podia encontrar noutro lado, mas como Deus de todos os povos. Depois do exílio o universalismo bíblico cresceu notavelmente. Nas nossas provações, também não faltam graças, que havemos de acolher com gratidão e alegria. Quando vivemos os sofrimentos da vida unidos a Cristo, crescemos na confiança em Deus, na comunhão com Ele, e tornamo-nos mais solidários com os que sofrem. «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo: "Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja" (Col 1,24) (Cst 24).
    Hoje, pela segunda vez, Jesus anuncia a sua paixão «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens» (v. 22). Vai «ser entregue» por Judas, pelos chefes do povo, pelo Pai. Ele mesmo se entrega «nas mãos dos homens» (v. 22). Todos podem acolher o dom que Jesus faz de se Si mesmo. Jesus tem consciência do que está para acontecer, e não tenta escapar. Sabe que é o Filho isento e livre, mas aceita pagar o tributo do escravo. Sabe que, fazendo assim, nos liberta de sermos como que "estranhos" a Deus, nos faz filhos de Deus, e nos isenta de qualquer dívida a alguém, ainda que seja uma autoridade religiosa ou civil. Esta liberdade, que resulta da nova condição, de sermos filhos de Deus no Filho, não nos afasta da vida e das obrigações para com os outros. Se ainda devemos sentir-nos devedores, é da caridade e por causa da caridade, «para não os escandalizarmos» (v. 27).

    Oratio

    Senhor, meu Deus, como são complexos os teus caminhos! Revelas-Te onde, quando e como queres, porque estás em toda a parte, és desde sempre e para sempre, e sabes adaptar-te às capacidades de cada homem. Como são insondáveis os teus desígnios! No meio das maiores provações, estás connosco, e ofereces-nos os teus dons. Assim foi com o teu primeiro povo eleito, em Babilónia. Assim foi com os discípulos do teu Filho, quando se debatiam com a tempestade no mar da Galileia. Assim foi com o teu próprio Filho, quando O pescaste da morte. Assim tem sido com a tua Igreja, ao longo dos séculos, tantas vezes perseguida e massacrada.
    Faz-me compreender que queres fazer o mesmo comigo, desde que me mantenha unido a Jesus, teu Filho, Morto e Ressuscitado, vivo no meio de nós, até ao fim dos tempos. Nele, que entregámos à morte, encontramos o sentido para os nossos sofrimentos, e a liberdade, que nos permite clamar: «Abbá! Pai!». Obrigado, Senhor! Amen.

    Contemplatio

    S. Paulo dá-nos o amor de Nosso Senhor pela cruz como um exemplo e um encorajamento nas nossas provas: Nosso Senhor pegou na cruz com alegria (proposito sibi gaudio), desprezando as humilhações (Heb 12). Levava a cruz considerando os motivos que podiam autorizá-lo a encontrar nela alegria. Estes motivos eram, com a alegria que daí derivava para o seu Pai, o avanço da obra da nossa redenção. Cada passo que dava no caminho do Calvário, pagava uma parte da nossa dívida e quebrava um anel da nossa cadeia. Como é que não se teria alegrado, se nos amava? Era somente sobre a cruz que devia ter acabado de pagar a nossa dívida. Era lá que devia rasgar e pregar o documento dos nossos compromissos (Col 2,14).
    A cada passo que dava neste caminho, as potências das trevas recuavam. Avançava para a vitória definitiva do Calvário, como não teria estado alegre e triunfante? «Avança com confiança, diz S. Paulo, triunfando em si mesmo, porque despoja os principados e as potências do inferno» (Col 2,15).
    Se o amamos, se desejamos avançar o reino do seu Coração, se queremos fazer recuar o demónio, apagar os nossos pecados, enriquecer-nos com graças e contribuir para a salvação das almas, para a libertação dos defuntos que expiam, levemos generosamente a nossa cruz quotidiana. A nossa cruz, é a de Nosso Senhor da qual nos deixou uma pequena parte, para que possamos provar-lhe o nosso amor e participar na sua glória: «Completo o que falta à Paixão de Cristo», diz S. Paulo (Col 1,24).
    Regozijai-vos, portanto, no Senhor, mesmo no tempo da provação e do sofrimento. Porque estas são as verdadeiras causas de uma verdadeira e santa alegria. Os sacrifícios e os sofrimentos são outros tantos passos que nos conduzem ao nosso fim, que nos tornam semelhantes a Nosso Senhor e que nos aproximam do seu Coração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 248).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «O Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens; mas, ao
    terceiro dia, ressuscitará» (Mt 17, 22-23)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    9 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 2, 8-3,4

    Eis o que diz o Senhor: 8«Tu, filho de homem, escuta o que te digo. Não sejas rebelde como aquela gente rebelde. Abre a boca e come o que te vou dar.» 9Olhei e vi uma espécie de mão que se dirigia para mim, segurando um manuscrito enrolado. 10Abriu-o diante de mim: estava escrito nas duas faces; e lia-se: «Lamentações, gemidos e choros.»
    1Disse-me: «Filho de homem, come aquilo que te é apresentado, come este manuscrito e vai falar à casa de Israel.» 2Abri então a boca e Ele deu-me o manuscrito a comer. 3E disse-me: «Filho de homem, alimenta-te e sacia-te com este manuscrito que agora te dou.» Comi-o e ele foi, na minha boca, doce como o mel. 4Então, disse-me: «Filho de homem, dirige-te à casa de Israel, e leva-lhes as minhas palavras.

    O sacerdote Ezequiel, que caíra de rosto por terra, fulminado pela glória de Javé, ergue-se, agora, em virtude da força do Espírito que nele entrou. De pé, consciente das suas faculdades, escuta três palavras de Deus: «Filho de homem» (v. 8), «vai falar» (3, 1), «à casa de Israel» (3, 1). O apelativo «Filho de homem» está cheio de sentido da transcendência divina, que Ezequiel experimenta fortemente, na sua fragilidade. O carisma profético é um dom absolutamente gratuito de Deus. Jesus usará o mesmo apelativo, «Filho de homem», para indicar o modo de estar connosco e de estar diante de Deus.
    Como aconteceu com outros grandes profetas, uma acção simbólica mostra como a palavra de Deus está na boca de um homem. Enquanto os lábios de Isaías foram purificados com uma brasa (cf. Is 6, 3-7), enquanto Deus introduziu a sua linguagem na garganta de Jeremias (cf. Jr 1, 9), agora dá-a num livro a Ezequiel, que já vive na civilização da escrita. Ezequiel come essa palavra, digere-a, assimila a vontade divina. Essa vontade revela-se na palavra divina, mas também na visão que o profeta tem das realidades. Para comunicar a palavra de Deus é preciso, primeiro, alimentar-se dela (3, 3).
    Em Ezequiel, o profetismo dá um passo em frente: o profeta não é chamado a "repetir" a palavra de Deus, mas a "repropor" o que recebeu d´Ele, a "repensar" a "traduzir" por palavras suas, a palavra de Deus. Só assim a mensagem divina pode chegar aos homens numa linguagem que eles entendam.
    A mensagem divina, que Ezequiel é chamado a comunicar, é muito vasta (cf. 2, 9b) e dolorosa: «Lamentações, gemidos e choros» (v. 10). Tira todas as ilusões àqueles que pensavem que Jerusalém, apesar de enfraquecida, havia de resistir aos invasores caldeus. Mas, para além da cólera de Deus, há-de manifestar-se a sua imensa misericórdia.

    Evangelho: Mateus 18, 1-5.10.12-14

    1Naquela hora, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: «Quem é o maior no Reino do Céu?» 2Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles 3e disse: «Em verdade vos digo: Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. 4Quem, pois, se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu. 5Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe.» 10«Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus anjos, no Céu, vêem constantemente a face de meu Pai que está no Céu. 12Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? 13E, se chegar a encontrá-la, em verdade vos digo: alegra-se mais com ela do que com as noventa e nove que não se tresmalharam. 14Assim também é da vontade de vosso Pai que está no Céu que não se perca um só destes pequeninos.»

    O c. 18 contém o quarto discurso, dos cinco à volta dos quais gira o evangelho de Mateus. É o "Discurso eclesial", no qual Jesus traça as características fundamentais da comunidade dos discípulos. Estes revelam a mentalidade comum, a daqueles que vêem a vida em sociedade como uma permanente tentativa de subir, mesmo à custa dos outros, para ocupar os lugares cimeiros, os postos de comando. É nesse contesto que interrogam Jesus: «Quem é o maior no Reino do Céu?» (v. 1). Jesus mostra-lhes o que realmente tem mais valor diante de Deus e ensina uma nova forma de vivência em comunidade. Como os antigos profetas, faz um gesto (o de colocar no centro uma criança), cujo sentido depois revela. Jesus recolhe a ideia da inversão das sortes no reino futuro, já amadurecida no rabinismo: põe no centro, não um adulto, ou uma pessoa tida por importante, mas uma criança. A criança precisa de tudo, depende dos grandes; é a «ovelhinha tresmalhada», que o pastor procura e cuida «mais do que as noventa e nove que não se tresmalharam» (v. 13). O discípulo deve ser como a criança, isto é, converter-se mudar de mentalidade e de comportamento. Deve saber "abaixar-se" e não tentar empoleirar-se nos primeiros lugares. O discípulo deve também acolher os pequeninos e não os desprezar, porque têm a dignidade do Senhor, são seu sacramento (v. 5). Há que procurá-los, para que nenhum se perca.

    Meditatio

    A primeira leitura sugere que, se queremos ser válidas testemunhas de Deus, precisamos de nos alimentar da sua Palavra. Ezequiel transmite-nos esta mensagem com uma espécie de parábola: Deus «disse-me: «... come aquilo que te é apresentado, come este manuscrito e vai falar à casa de Israel.» ... Deu-me o manuscrito a comer... Comi-o...Então, disse-me: «... dirige-te à casa de Israel, e leva-lhes as minhas palavras» (cf. 3, 1-4). Para levar a mensagem divina ao coração das pessoas, não é suficiente conhecê-la só com a inteligência. Precisamos de nos alimentar com ela, de a meditar, de a rezar. Precisamos de mastigar, de ruminar, a Palavra de Deus. Precisamos que ela passe da mente e do coração à nossa vida. Só então, está plenamente assimilada. Só então podemos pregá-la, testemunhá-la com eficácia.
    É um privilégio, uma graça, poder meditar a palavra, saboreá-la, contemplar a sua beleza, a sua profundidade: «na minha boca, foi doce como o mel», escreve o profeta (v. 3). O Apocalipse acrescente que a Palavra, doce como o mel na boca, se torna amarga nas entranhas (10, 9), pois leva consigo exigências nem sempre fáceis de cumprir, especialmente o testemunho, que exige esforço e, muitas vezes, sofrimento. No rolo oferecido ao profeta, estavam escritos «Lamentações, gemidos e choros» (v. 10). A Palavra de Deus, doce na boca, e amarga nas entranhas, transmite a plenitude da alegria e da vida.
    Na comunidade, o testemunho da Palavra há-de passar, sobretudo, pelo testemunho de uma vida sem pretensões, uma vida semelhante à das crianças, que aceitam a sua pequenez, a sua impotência perante a vida, a necessidade que t&eci
    rc;m dos outros, particularmente dos pais. O melhor testemunho é o da simplicidade e o do serviço humilde. Mas ambos são fruto da alegria de sermos, e nos sentirmos, filhos de Deus (Mt 5, 3s.; 11, 25). A missão pode e deve ser realizada já pela simples presença e pelo testemunho vivo da vida cristã, isto é, de uma vida à imagem da de Cristo que sendo «o Primeiro» (Cl 1, 18), se fez o último, o servo de todos.

    Oratio

    Senhor, como estou longe da simplicidade e da humildade que recomendas aos teus discípulos! Gosto de mandar, de submeter os outros à minha vontade, de ser o primeiro. Toma-me nos teus braços, no teu Coração, para que aprenda a ser como as crianças na minha relação Contigo e com os meus irmãos. Que eu saiba abandonar-me, entregar-me confiantemente a Ti; que eu saiba colocar-me no meu lugar, para servir com simplicidade e com amor os meus irmãos. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor amava também a simplicidade dos seus discípulos. Não era eu próprio, pode Jesus dizer-nos, de uma grande simplicidade com os meus apóstolos, para os encorajar a fazerem o mesmo. Vivia com eles familiarmente, tomando parte em todos os pormenores da sua vida: orações, refeições, conversas, repouso; interessando-me pelas suas alegrias e pelas suas mágoas. Chamei-os meus amigos, e disse-lhes o motivo, é que um amigo diz tudo aos seus amigos.
    O que eu fui com eles, quero sê-lo com os meus discípulos de todos os tempos, quero sê-lo convosco.
    Examinai-vos agora sobre a vossa maneira de agir comigo. Viestes a mim habitualmente com simplicidade? Tendes sido para mim o que um amigo é pelo seu amigo?
    Vós, sobretudo, que sois consagrados ao meu Coração, não deveis imitar mais particularmente a simplicidade confiante dos meus amigos, de Madalena, que se conservava sentada aos meus pés, de João que repousava a sua cabeça sobre o meu peito? (Leão Dehon, OSP 3, p. 46).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Come este manuscrito e vai falar à casa de Israel» (Ez 3, 1).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    10 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Quarta-feira
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 9, 1-7; 10, 18-22

    1O Senhor gritou com voz forte aos meus ouvidos, nestes termos: «Aproximai-vos, vós que guardais a cidade, cada um com o seu instrumento de destruição na mão.» 2Eis que seis homens avançaram da porta superior que dá para norte; cada um tinha na mão o seu instrumento de destruição. No meio deles havia um homem vestido de branco que tinha à cintura os apetrechos de escriba. Entraram e colocaram-se junto ao altar de bronze. 3A glória do Deus de Israel tinha-se levantado dos querubins, sobre os quais se encontrava, e dirigiu-se para a entrada do templo. Então, chamou o homem que estava vestido de branco e tinha à cintura os apetrechos de escriba. 4O Senhor disse-lhe: «Vai pela cidade, atravessa Jerusalém e marca uma cruz na fronte dos homens que gemem e se lamentam por causa das abominações que nela se praticam.» 5E aos outros ouvi-o dizer: «Ide pela cidade atrás dele e feri os seus habitantes. Que o vosso olhar não poupe ninguém nem tenha piedade. 6Velhos, jovens, virgens, meninos e mulheres, matai-os a todos e exterminai toda a gente; mas não toqueis naqueles que foram marcados na fronte. Começai pelo meu santuário.» E começaram, então, pelos velhos que estavam diante do templo. 7Depois disse-lhes: «Profanai o templo, enchei de mortos o vestíbulo e saí.» Depois, eles saíram e feriram os que estavam na cidade. 18Saiu, então, da soleira do templo a glória do Senhor e colocou-se sobre os querubins. 19Os querubins estenderam as asas e elevaram-se da terra, à minha vista, quando saíram, e as rodas juntamente com eles.Pararam à entrada da porta oriental do templo do Senhor, e a glória do Deus de Israel estava sobre eles, pelo lado de cima. 20Eram os seres viventes que eu tinha visto sob o Deus de Israel, junto ao rio Cabar, e reconheci que eram querubins. 21Cada um tinha quatro faces e cada um tinha quatro asas; e havia sob as suas asas algo como mãos humanas. 22Quanto ao aspecto das suas faces, eram semelhantes às que eu tinha visto junto do rio Cabar. Cada um seguia direito diante de si.

    Ezequiel dirige-se aos exilados, pintando, com tons dramáticos, a destruição de Jerusalém e do templo, que eles julgavam salvaguardados pela presença do Senhor. Assim acaba também com as suas vãs esperanças de regresso. O profeta testemunha os desacatos e as profanações realizadas no templo e, depois, a condenação da cidade, mas também a salvação dos que permaneceram fiéis.
    O castigo da cidade pecadora começa com a acção dos sete seres misteriosos, que percorrem a cidade para exterminar os pecadores, a começar pelos ansiãos do templo. Segundo o princípio da retribuição pessoal (cf. c. 18), cada um é tratado pelo que é e pelo que faz. Mas não é Deus que pune! São os acontecimentos humanos que recaiem sobre quem os provoca. Deus salva quem permaneceu fiel à Lei (Torah), apesar dos sofrimentos por que passam, devidos à maldade e à violência. São assinalados pela letra "T" (Tau), a primeira de "Torah", e preservados da desgraça. São tantos os mortos, que chegam a contaminar o interior do templo, obrigando a «glória de Deus» a afastar-se de um lugar tornado impuro, e a sair porta oriental, a mesma por onde sairam os exilados. Mas, Deus acaba por se revelar como salvador dos que escutam a sua palavra e levam impresso no corpo o sinal de a terem escutado, isto é, o "T" de "Torah", mesmo em terra estrangeira.

    Evangelho: Mateus 18, 15-20

    Naquele tempo, disse Jesus aos discípulos: 15«Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão. 16Se não te der ouvidos, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. 17Se ele se recusar a ouvi-las, comunica-o à Igreja; e, se ele se recusar a atender à própria Igreja, seja para ti como um pagão ou um cobrador de impostos. 18Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na Terra será desligado no Céu.» 19«Digo-vos ainda: Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedir qualquer coisa, hão-de obtê-la de meu Pai que está no Céu. 20Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles.»

    Jesus continua a tratar das relações dos discípulos com os irmãos, isto é, os pequenos, os pecadores, os colaboradores. A questão central, hoje, é a seguinte: como deve a comunidade cristã comportar-se perante o pecado e o escândalo (18, 3-11), e perante o pecador?
    Mateus já convidou à misericórdia, ao contar a parábola da ovelha tresmalhada. Agora, apresenta um itinerário que leva ao perdão: aproximar do pecador, a sós (v. 15); repreendê-lo diante de duas ou três testemunhas (v. 16); interpelá-lo na assembleia (v. 17). Jesus confere aos seus discípulos um poder especial, para realizar esta pedagogia (v. 18).
    O irmão só pode ser condenado quando teimar permanecer no mal, recusando a conversão e o perdão (vv. 15-17). Nesse caso, Deus ractifica o agir da Igreja.
    A correcção fraterna deve ser realizada, com extrema delicada e espírito fraterno, num ambiente de união e de oração, que garante a presença do Ressuscitado.

    Meditatio

    Mais uma vez, Ezequiel contempla a «glória de Deus», como acontecera no dia do seu chamamento à vida profética (Ez 1). O cenário da teofania, desta vez, é o templo de Jerusalém. Mas a «glória de Deus» está de partida: «A glória do Deus de Israel tinha-se levantado dos querubins, sobre os quais se encontrava, e dirigiu-se para a entrada do templo» (v. 3). Quem teria pensado que Deus podia deixar o templo? Tal foi possível, diz o profeta, porque «o pecado da casa de Israel e de Judá é enorme; a terra está cheia de sangue e a cidade, de violência» (Ez 9, 9). Deus não pode mais tolerar tanta iniquidade, até para não parecer conivente com ela. Por isso, prepara-se para abandonar o templo. E vai fazê-lo pela porta que dá para o oriente, para o exílio. Vendo bem, os exilados até estão em melhor situação que os que ainda ficaram em Jerusalém e em Judá, porque têm Deus com eles. De facto, Deus é Aquele que está sempre em relação com as pessoas, onde quer que se encontrem. Não se deixa encerrar num determinado espaço, e só não pode estar com aqueles que O recusam.
    O evangelho mostra-nos uma importante condição para a presença de Deus, junto de nós: «onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (v. 20). Não está obrigatoriamente nos edifícios ou templos edificados em seu nome. Mas está onde estiverem dois ou três dos seus discípulos, reunidos em seu nome. A morada de Deus, no Novo Testamento, é, sobretudo,
    a comunidade dos crentes reunida na caridade. O edifício material é secundário.
    A comunidade, lugar da presença e da acção de Deus, deve viver reconciliada e em fraternidade. Se irmão ofende outro irmão, é preciso fazer tudo para restabelecer a comunhão. Jesus recomenda que se proceda com descrição, para «ganhar o irmão». Se o irmão resiste, deve-se procurar outra solução, a presença de algumas testemunhas. Se continuar a resistir, envolva-se a comunidade, para tentar encontrar juntos o remédio. Só quando o irmão culpado recusa toda a comunidade, pode ser abandonado à sua sorte.
    João Crisóstomo escreveu: «Sejamos muito solícitos para com os nossos irmãos. Será a maior prova da nossa fé: «Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos:se vos amardes uns aos outros» (Mt13, 35).
    «Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores» (Cst 65).

    Oratio

    «Onde estiverem dois ou três... Eu estou». Obrigado, Senhor, pela tua presença na minha comunidade. Ajuda-nos a permanecer unidos no teu amor. Ajuda-nos a ter e a conservar «um só coração e uma só alma», partilhando as alegrias e os sofrimentos, tendo particular atenção e cuidado para com os doentes, os idosos, os que estão sós, os carenciados. Que cada um de nós se torne um evangelho vivido, onde todos possam ler o teu amor, e a beleza da vida cristã. Amen.

    Contemplatio

    Deus dizia ao seu povo, em Isaías: «Não te esquecerei, inscrevi o teu nome nas minhas mãos, para o ter sempre presente» (Is 49, 16). Nosso Senhor não pode dizer também: «Marquei as minhas mãos com um sinal que me recorda sempre o vosso nome, as vossas necessidades e o meu afecto por vós?».
    Disse a Margarida Maria: «Aqueles que forem consagrados ao meu Sagrado Coração terão o seu nome escrito na própria chaga deste divino Coração e nunca mais dele será apagado».
    Afeição e confiança, eis o que nos ensinam as divinas chagas. Amemos aquele que quis guardar nas suas mãos e no seu Coração os sinais do seu amor por nós. Remetamo-nos com confiança nas mãos daquele que marcou as suas mãos com este sinal de amor.
    Podemos também inspirar-nos numa passagem do profeta Zacarias. «Que chagas são essas que tendes nas mãos?», pergunta o profeta ao Salvador, e responde: «Recebi-as na casa dos meus amigos». O Salvador é ferido espiritualmente por aqueles mesmos que deviam ser seus amigos. Disse-o muitas vezes a Margarida Maria, mostrando-se a ela coberto de chagas e pedindo-lhe reparação.
    As chagas do bom Mestre pedem-nos reparação pelos pecados do mundo e pela ingratidão do povo escolhido. Beijemos as suas chagas, façamos-lhe pública retractação e reparação, e pelas nossas orações mudemos as suas chagas em fontes de graças para estas almas ingratas. (Leão Dehon, OSP 3, p. 389).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome,
    Eu estou no meio deles» (Mt 18, 20)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    11 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Quinta-feira
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 12, 1-12

    1O Senhor dirigiu-me a palavra nestes termos: 2«Filho de homem, tu moras no meio desta raça de gente rebelde que tem olhos para ver e não vê, ouvidos para ouvir e não ouve; porque são gente rebelde. 3Tu, filho de homem, prepara a tua bagagem de emigrante e sai de dia, à vista deles. Sai do lugar onde te encontras, para outro lugar à vista deles. Talvez eles vejam; porque são gente rebelde. 4Prepararás as tuas coisas como bagagem de exilado, de dia, à vista deles; e sairás à tarde, à vista deles, como saem os exilados. 5Faz um buraco na parede, à vista deles, e sai através dele. 6À vista deles, põe a bagagem aos ombros e sai na obscuridade. Cobre o rosto para não poderes ver o país, porque Eu faço de ti um símbolo para a casa de Israel.» 7Procedi conforme me foi ordenado; preparei as minhas coisas como bagagem de exilado e, à tarde, fiz um buraco na parede com a mão. Saí na obscuridade e carreguei a bagagem, à vista deles. 8Foi-me dirigida a palavra do Senhor, de manhã, nestes termos: 9«Filho de homem, não te perguntou a casa de Israel, a gente rebelde: 'Que fazes?' 10Responde-lhes: Assim fala o Senhor Deus: 'Este oráculo de ameaça é dirigido ao chefe de Jerusalém e a toda a casa de Israel que nela habita.' 11Diz: 'Eu sou para vós um sinal. Como eu fiz, assim vos será feito.' Eles irão para o exílio, para o cativeiro. 12O príncipe que se encontra no meio deles carregará a bagagem ao ombro, na obscuridade, e sairá pelo muro, no qual será feito um buraco. Ele cobrirá o rosto para não ser visto por ninguém nem poder contemplar o país.

    A visão do êxodo da glória do Senhor tinha tranquilizado o povo cativo em Babilónia que, todavia, continuava dominado pela ideia de uma especial presença de Javé no templo e, por conseguinte, da sua imunidade. Ainda que os tivesse acompanhado para o exílio, não tinha deixado Jerusalém e, em breve, os acompanharia de volta à pátria. Mas, Ezequiel, com uma acção simbólica, volta a anunciar o próximo fim de Jerusalém, e a deportação do resto do povo para a Mesopotâmia. Realiza a sua acção diante dos seus olhos, mas eles não vêem, porque são uma «raça de gente rebelde» (v. 2). Então, o profeta, carregando a bagagem de exilado, sai, na obscuridade do entardecer, de rosto coberto para não ver nada, através de um buraco aberta na muralha da cidade. É uma acção-mensagem para o rei e para os seus concidadãos. Os versículos 11 e seguintes, talvez acrescentados mais tarde, aludem claramente aos factos históricos. Durante o último cerco a Jerusalém, o rei Sedecias tenta fugir de noite com alguns combatentes. Mas é apanhado e, depois de assistir à morte dos seus filhos, um a um, são-lhe furados os olhos. Deportado para Babilónia, lá ficou prisioneiro (2 Rs 25, 4-7). A realeza "bateu no fundo". É para aí que leva a cegueira religiosa, a presunção diante das mensagens divinas, a rebeldia contra o senhorio de Deus. Com estas palavras, Ezequiel afunda por completo as ilusões dos exilados, convidando-os a confiar, não em deuses construídos pelas mãos dos homens, mas no Deus vivo.

    Evangelho: Mateus 18, 21-19, 1

    Naquele tempo, 21Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» 22Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23Por isso, o Reino do Céu é comparável a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. 24Logo ao princípio, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. 25Não tendo com que pagar, o senhor ordenou que fosse vendido com a mulher, os filhos e todos os seus bens, a fim de pagar a dívida. 26O servo lançou-se, então, aos seus pés, dizendo: 'Concede-me um prazo e tudo te pagarei.' 27Levado pela compaixão, o senhor daquele servo mandou-o em liberdade e perdoou-lhe a dívida. 28Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários. Segurando-o, apertou-lhe o pescoço e sufocava-o, dizendo: 'Paga o que me deves!' 29O seu companheiro caiu a seus pés, suplicando: 'Concede-me um prazo que eu te pagarei.' 30Mas ele não concordou e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto lhe devia. 31Ao verem o que tinha acontecido, os outros companheiros, contristados, foram contá-lo ao seu senhor. 32O senhor mandou-o, então, chamar e disse-lhe: 'Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque assim mo suplicaste; 33não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?' 34E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos até que pagasse tudo o que devia. 35Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração.» 1Quando acabou de dizer estas palavras, Jesus partiu da Galileia e veio para a região da Judeia, na outra margem do Jordão.

    Depois de ter falado do modo como a comunidade há-de tratar os irmãos pecadores, e da necessidade de os voltar a ganhar, bem como da oração comum, trata agora do comportamento que há-de ter quem se sentir pessoalmente ofendido pelos outros. O judaísmo já conhecia o dever de perdoar as ofensas. Mas tinha elaborado uma espécie de "tarifário", que variava de escola para escola. Assim compreendemos a pergunta de Pedro a Jesus: queria saber qual era o seu tarifário, se era exigente como a escola que exigia o perdão até sete vezes (18, 21). A resposta de Jesus é dada em fórmula de parábola, que liberta o perdão de qualquer tarifa, para fazer dele o sinal da presença do Reino na terra. A parábola apresenta a figura de um rei e do seu devedor, que lhe devia dez mil talentos. Alguns pormenores evocam o juízo final: o rei, cair aos pés do rei, prostrar-se, ter piedade... A desproporção entre os dez mil talentos e os cem denários, realça as diferenças entre as concepções humanas e divinas da dívida e da justiça. Finalmente, também a pena aplicada ao servo, que durará até que tenha pago tudo, lembra o suplício eterno.
    A chave de leitura e de compreensão está no último versículo: «Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração» (v. 35). Deus perdoa-nos se também nós soubermos perdoar. Mas, enquanto a nossa capacidade de misericórdia é limitada, a de Deus é infinita. Há que aproximar da misericórdia de Deus a nossa misericórdia para com os irmãos, porque Deus é extremamente generoso connosco.

    Meditatio

    Ezequiel realiza mais uma acção simbólica, uma parábola em acção, para indicar a próxima queda de Jerusalém às mãos dos caldeus, retirando as esperanças de regre
    sso aos que já se encontram cativos em Babilónia. A pedagogia de Deus, em ordem à conversão do povo, e ao seu futuro feliz, passa pelo castigo. Mas triunfará a misericórdia.
    O evangelho também nos apresenta uma parábola narrada por Jesus, para tratar um tema que tinha muito a peito: o perdão do irmão pecador. Deus é Aquele que perdoa generosamente. A vinda de Jesus tornou claramente perceptível esse perdão. Para Mateus, toda a obra de Jesus é caracterizada pela remissão dos pecados: cura do paralítico (9, 2-7); o seu sangue é «entregue para a remissão dos pecados» (26, 28). Na cruz, Jesus reza pelos seus algozes: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34).
    O perdão de Deus, dado com toda a generosidade e misericórdia, torna-se normativo para as relações entre os discípulos: «não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?» (v. 33). A experiência do perdão de Deus há-de levar-nos a perdoar aos irmãos. O nosso comportamento com os outros deve reflectir o modo como Deus se comporta connosco. O que Ele fez por nós ensina-nos o que havemos de fazer pelos outros.
    Na doutrina de Jesus, há alguns «como» a que nem sempre damos a devida atenção: «Ama o teu próximo como a ti mesmo» (Mt 22, 39; Gl 5, 14), «como Eu vos amei» (Jo 15, 12), «como amo o Pai» (Jo 14, 31) ... O mesmo Jesus nos ensina a rezar: «perdoa as nossas ofensas,como nós perdoámos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12). Jesus não ensina que o preço para sermos perdoados é perdoar, que esse perdão é a única coisa a fazer para sermos perdoados, ou que, uma vez que perdoámos, temos direito ao perdão. O perdão de Deus não é simples eco do nosso espírito de perdão. Pelo contrário: o pensamento da grandeza do perdão de Deus deve sensibilizar o nosso coração, para agirmos de modo semelhante, e sabermos perdoar aos nossos irmãos.
    As nossas relações fraternas hão-de ser marcadas pelo amor, pela confiança e pela estima. Mas, se nos irmãos nem tudo merece estima e confiança, o amor jamais há-de faltar sob a forma de tolerância do irmão, de aceitação, de compreensão, de misericórdia e de perdão: na comunhão fraterna, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco, queremos e devemos mostrar que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus Cristo, e dela queremos ser fiéis servidores (cf. Cst 65).

    Oratio

    Senhor, nós somos os servos da parábola generosamente perdoados por Ti, mas nem sempre igualmente generosos com os irmãos que nos ofendem. Temos memória curta, e depressa esquecemos que nos perdoaste, tornando-nos credores exigentes, que querem pagamento imediato, até ao último cêntimo. Livra-nos, Pai misericordioso, de tanta arrogância e esquecimento, Tu que tanto nos perdoaste. Dá-nos um coração semelhante ao teu. Amen.

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Perdoa as nossas ofensas,
    como nós perdoámos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    12 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Sexta-feira
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 16, 1-15.60.63

    1O Senhor dirigiu-me a palavra, dizendo: 2«Filho de homem, dá a conhecer a Jerusalém as suas abominações e diz: 3Assim fala o Senhor Deus a Jerusalém: Pelas tuas origens e pelo teu nascimento, és da terra do cananeu. O teu pai era amorreu e a tua mãe hitita. 4No dia em que nasceste, não te cortaram o cordão umbilical, não foste lavada em água para seres purificada, não te friccionaram com sal nem te envolveram em faixas. 5Nenhum olhar teve piedade de ti, para te fazer uma só destas coisas, por compaixão por ti; mas deitaram-te em campo aberto, por repugnância de ti, no dia em que nasceste.» 6«Passei, então, junto de ti e vi que te agitavas em teu sangue. E disse-te: 'Vive em teu sangue.' 7Fiz-te crescer como a erva dos campos; e ficaste grande; e cresceste, adquiriste uma beleza perfeita; os teus seios formaram-se e chegaste à puberdade; mas tu estavas nua, completamente nua. 8Então, passei de novo perto de ti e vi-te; e eis que o teu tempo era o tempo dos amores. Estendi sobre ti a ponta do meu manto e cobri a tua nudez. Fiz, então, um juramento e estabeleci contigo uma aliança - oráculo do Senhor Deus. E ficaste a ser minha. 9Banhei-te em água, lavei o sangue que te cobria e ungi-te com azeite. 10Vesti-te com vestes bordadas, calcei-te sandálias de cabedal fino, cingi-te a cabeça com um véu de linho e cobri-te de seda. 11Ornei-te de jóias, pus-te braceletes nos pulsos e um colar ao pescoço. 12Coloquei-te um anel no nariz, brincos nas orelhas e uma coroa de ouro na cabeça. 13Ficaste, assim, ornada de ouro e prata; o teu vestido era de linho fino, de seda e recamado de bordados. Como alimento, tinhas a flor de farinha, o mel e o azeite. Tornaste-te extraordinariamente bela e chegaste à dignidade real. 14O teu nome espalhou-se entre as nações, graças à tua beleza; porque ela era perfeita, por causa do esplendor de que Eu te havia adornado» - oráculo do Senhor Deus. 15«Mas tu confiaste na tua beleza; serviste-te da tua fama para te prostituíres com os que passavam. 60Eu, pelo contrário, lembrar-me-ei da aliança que fiz contigo, no tempo da tua juventude e estabelecerei contigo uma aliança eterna, 63a fim de que te lembres de mim e sintas vergonha, e não abras mais a boca no meio da tua confusão, quando Eu te perdoar tudo o que fizeste» - oráculo do Senhor Deus.

    Ezequiel, com pormenores e com um realismo que ultrapassam o bom gosto, e dando mostras de um sadismo quase mórbido, relata, alegoricamente, a história de Jerusalém na qual tinham posto todas as esperanças, quer os seus habitantes, quer os exilados. É uma sintética e profunda meditação sobre a história da cidade e da sua visão da instauração do reino de Deus no mundo, em estilo midráshico. Serve-se do simbolismo do matrimónio, tão ao gosto dos profetas, para falar da relação entre Deus e o seu povo.
    Na sua origem, Jerusalém era como uma menina abandonada pelos pais e privada de tudo. Quando os hebreus ocupam a Palestina, não se interessam por Jerusalém. Só com David o Senhor entrou na cidade, fazendo dela sua esposa (vv. 8-13) e beneficiária da glória inaudita do reino de Salomão (cf. v. 14).
    Mas, encantada consigo mesma, Jerusalém quebra o pacto de amor com Deus, tornando-se como uma prostituta: «serviste-te da tua fama para te prostituíres com os que passavam» (v. 59). Nenhuma outra cidade conhecera o amor de Deus como Jerusalém o conheceu. Por isso, será castigada como se castiga uma adúltera, e de modo mais pesado do que foi castigada Sodoma e outras cidades pagãs (vv. 35-52, que não foram incluídos no texto litúrgico). Mas Deus continua a amar a esposa infiel, e prepara-lhe um futuro de conversão e de regresso a Ele. Uma nova aliança será selada por Deus em favor do seu povo.

    Evangelho: Mateus 19, 3-12

    3Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns fariseus para O porem à prova e disseram-lhe: «É permitido a um homem divorciar-se da sua mulher por qualquer motivo?» 4Ele respondeu: «Não lestes que o Criador, desde o princípio, fê-los homem e mulher, 5e disse: Por isso, o homem deixará o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e serão os dois um só? 6Portanto, já não são dois, mas um só. Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem.» 7Eles, porém, objectaram: «Então, porque é que Moisés preceituou dar-lhe carta de divórcio, ao repudiá-la?» 8Respondeu Jesus: «Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assim. 9Ora Eu digo-vos: Se alguém se divorciar da sua mulher - excepto em caso de união ilegal - e casar com outra, comete adultério.» 10Os discípulos disseram-lhe: «Se é essa a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se!» 11Respondeu-lhes Jesus: «Nem todos compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado. 12Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos pela interferência dos homens e há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos, por amor do Reino do Céu. Quem puder compreender, compreenda.»

    As discussões sobre o divórcio são mais velhas que o Evangelho, e tão antigas como o homem. No tempo de Jesus, a questão era polarizada por duas escolas: a representada pelo rabino Hillel, permissiva, era do parecer que um homem, que encontrasse uma mulher mais atraente do que a sua esposa, e tivesse problemas por causa disso, podia repudiar esta para voltar a casar com aquela. Os rigoristas, representados pela escola do rabino Shammai, entendiam que a excepção do Deuteronómio se referia unicamente ao caso de adultério. A questão, posta a Jesus pelos fariseus, não é mais do que uma cilada: querem obrigá-lo a tomar posição por uma corrente. Mas Jesus esquiva-se declarando-se contrário ao divórcio. Justifica a sua posição com dois textos da Escritura: Gn 1, 27 e 2, 24. Deus quer que marido e mulher permaneçam unidos como «uma só carne» (Mt 19, 5s.). Não separe o homem o que Deus uniu, mesmo que seja Moisés (v. 6b). O matrimónio é um contrato entre duas pessoas, é verdade. Mas, esse contrato também implica a vontade de Deus inscrita na complementaridade dos sexos. O divórcio não tem em conta uma das partes do matrimónio, o próprio Criador.
    Na segunda parte do texto, os discípulos, a sós com Jesus, manifestam perplexidade e dificuldade em assumir tão graves responsabilidades do matrimónio. Mas Jesus afirma que só a responsabilidade pela difusão do Reino dos céus torna louvável a renúncia ao matrimónio. Nem todos compreenderão as palavras de Jesus. Hão-de compreendê-las «aqueles a quem isso é dado» (v. 11). Trata-se de uma inspiração interior dada aos apóstolos e àqueles que acreditam (Mt 11, 25 e 16, 17).

    Meditatio

    Amor &
    eacute; fidelidade. Porque Deus nos ama, quer que o amemos e, portanto, vivamos na fidelidade.
    Deus ama Jerusalém gratuitamente, com um amor de compaixão. A cidade santa era como uma menina abandonada, que Deus encontrou: «Nenhum olhar teve piedade de ti» (v. 5), - diz o Senhor - «Passei, então, junto de ti e vi que te agitavas em teu sangue. E disse-te: 'Vive!'» (v. 6). Deus teve compaixão de Jerusalém, e foi generoso com ela. Ezequiel descreve os dons com que o Senhor a cumulou e, sobretudo, como a fez sua esposa: «Fiz, então, um juramento e estabeleci contigo uma aliança... E ficaste a ser minha» (v. 8). Depois, purificou-a e adornou-a: «Banhei-te em água... Vesti-te com vestes bordadas... Ornei-te de jóias» (cf. vv. 9-11). A um amor tão terno e generoso, Jerusalém respondeu com a infidelidade. Aproveita os dons do seu esposo para Lhe ser infiel, volta-se para outros deuses e viola a aliança nupcial. Deus protesta. Não pode aceitar tal ofensa. Mas promete trazer, Ele mesmo, remédio para a escandalosa situação: «Eu lembrar-me-ei da aliança que fiz contigo... e estabelecerei contigo uma aliança eterna» (v. 60). O fruto de tanta generosidade há-de ser a conversão de Jerusalém. Depois de experimentar as consequências da sua infidelidade, estará pronta para ser libertada do mal, e poderá viver um amor reconhecido.
    Jesus, interrogado sobre os motivos que podiam tornar lícito o repúdio da esposa, coloca-se acima das controvérsias dos teólogos, e, pondo em causa a autoridade de Moisés, apela para a lei da Criação: «Por causa da dureza do vosso coração, Moisés permitiu que repudiásseis as vossas mulheres; mas, ao princípio, não foi assim» (v. 8). No princípio, Deus criou o homem e a mulher, e disse: «Serão os dois uma só carne» (Gn 2, 24). E Jesus acrescentou: «Não separe o homem o que Deus uniu» (Mt 19, 6). A fidelidade é essencial para o nosso bem, pois permite o crescimento permanente no amor generoso, semelhante ao do Criador. O verdadeiro remédio para as dificuldades está no amor capaz de as superar. A nossa dignidade revela-se no facto de termos sido criados para viver como Deus e com Deus, no amor fiel.
    Jesus exalta a castidade voluntária, os «eunucos» que se fizeram tais, livremente «por causa do Reino dos Céus» (Mt 19, 12), tal como Ele também Se fizera. «Pelo voto de celibato consagrado, dom de Deus para quem o compreende (cf. Mt 19,11), comprometemo-nos diante de Deus a viver a castidade perfeita no celibato pelo Reino e a seguir a Cristo no seu amor a Deus e aos irmãos e em seu modo de estar presente no meio dos homens» (Cst 41).

    Oratio

    É difícil, Senhor, compreender o que significa casar ou viver no celibato, sobretudo neste tempo em que somos bombardeados com tantos projectos e acossados por tantos "intelectuais" que pretendem ter a última palavra sobre os temas. A tua palavra, hoje, faz-nos compreender que tudo está sob o sinal da tua graça, e que precisamos da luz do teu Espírito. Manda-nos, Senhor o teu Espírito de amor generoso, de unidade e de fidelidade. Manda-O iluminar e purificar os nossos corações, os nossos sentimentos, as nossas mentes, as nossas fantasias, os nossos pequenos e grandes projectos. Manda-nos o teu Espírito, que é força para arriscar, para confiar, para realizar aquele projecto que é teu, antes de ser nosso. Amen.

    Contemplatio

    Jesus está prostrado, com o rosto por terra. Abaixa a sua majestade diante do seu Pai. Tem os olhos banhados de choros. Está tomado de uma terrível angústia, dos apertos da agonia: experimenta, uns após outros, o medo, o desgosto, o abatimento. Nunca alma humana suportou semelhante opressão. É o martírio do Coração.
    Tomou a responsabilidade de todos os crimes da terra: os sacrilégios, as blasfémias, o orgulho, a impureza, a injustiça sob todas as suas formas; as ingratidões também, a cobardia, a tibiez dos seus preferidos. A vergonha penetra-o, que repugnância a sua alma santa sente por todos estes horrores! Está na iminência de perder a vida... O sangue, acumulado à volta do seu coração divino pela violência das suas emoções, rompe as veias inchadas e inunda a terra.
    Escutemos as suas palavras: A minha alma está numa tristeza de morte, a ponto de morrer de tristeza. Permanecei aqui e vigiai comigo. Vigiai e rezai. Mas os apóstolos dormem. Que ingratidão, depois do dom da Eucaristia! Que indelicadeza! Que crueldade! Infelizmente, temos nós um coração melhor? Jesus é ainda traído na Eucaristia; é abandonado; repara; tem uma tristeza mística. Onde estamos? Que fazemos? Não somos discípulos, apóstolos, preferidos do Salvador? Onde estão o nosso reconhecimento e a nossa fidelidade? (Leão Dehon, OSP 3, p. 138).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Estabelecerei contigo uma aliança eterna» (Ez 16, 60).

     

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XIX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    13 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIX Semana - Sábado
    Lectio

    Primeira Leitura: Ezequiel, 18, 1-10.13.30-32

    1O Senhor dirigiu-me a palavra, dizendo: 2«Porque proferis este provérbio à casa de Israel: 'Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que ficaram embotados'? 3Pela minha vida, diz o Senhor Deus, não deveis repetir este provérbio em Israel. 4Todas as vidas me pertencem, tanto a vida do pai como a do filho, todas me pertencem. O que pecou é que morrerá.» 5«Se alguém é justo, observa o direito e a justiça, 6não come nos lugares altos, não levanta os olhos para os ídolos da casa de Israel, não desonra a mulher do seu próximo, não se aproxima de uma mulher durante o tempo da sua impureza; 7não oprime ninguém, restitui o que recebeu em fiança, não comete furtos, distribui pão aos famintos, cobre o nu; 8não empresta com usura e não recebe juros, afasta a mão do mal, e julga entre os homens segundo a verdade; 9se segue as minhas leis e observa os meus preceitos, tal homem é verdadeiramente justo e viverá» - oráculo do Senhor Deus. 10«Mas, se ele gera um filho violento e sanguinário e que faz alguma destas coisas que o pai não fazia. 13Empresta com usura e recebe juros, este, seguramente, não viverá. Depois de ter cometido todos estes crimes abomináveis, deverá morrer e o seu sangue cairá sobre ele.» 30«Por isso, Eu vos julgarei a cada um segundo a sua maneira de agir, casa de Israel - oráculo do Senhor Deus. Convertei-vos e afastai-vos dos vossos pecados; que não haja mais entre vós ocasião de pecado. 31Rejeitai todos os pecados que cometestes contra mim e criai um coração novo e um espírito novo. Porque quereis morrer, casa de Israel? 32Pois Eu não me comprazo com a morte de quem quer que seja - oráculo do Senhor Deus. Convertei-vos e vivei.»

    O grande tema de Ez.18 é o da «responsabilidade pessoal». Ezequiel mostra-se pastor, teólogo, sacerdote e profeta. Como que recapitula as leis do culto, as leis morais, os ensinamentos e cerimónias do templo, as reflexões deuteronómicas e as proclamações proféticas. Ezequiel mostra-se filho da tradição judaica. Para compreendê-lo melhor, temos de nos situar nos anos de exílio, após a queda de Jerusalém. Não há que procurar desculpas para os pecados próprios, nem que atribuir culpas a outros, como alguns faziam, apoiando-se em textos da Escritura (Dt 5, 9; 29, 18-21; Ex 20, 5), ou em provérbios como os que o profeta cita (18, 2): cada um é responsável pelos seus actos, e receberá, por eles, a devida retribuição.
    Ainda que, desde o princípio se conhecesse uma responsabilidade individual (cf. Gn 18, 25), predominava o conceito da responsabilidade colectiva (Js 7). Ezequiel torna-se o teórico da responsabilidade individual, contra o fatalismo dos que diziam: de que vale converter-nos, se pagamos as culpas dos nossos antepassados? O profeta mostra como a Lei apela à responsabilidade pessoal. A salvação de cada um não depende dos seus antepassados, nem dos seus vizinhos (18, 10-18), nem do próprio passado (vv. 21-23). Quem foi mau, pode converter-se e alcançar a vida (vv. 30-32).

    Evangelho: Mateus 19, 13-15

    Naquele tempo, 13Apresentaram a Jesus umas crianças, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas, mas os discípulos repreenderam-nos. 14Jesus disse-lhes: «Deixai as crianças e não as impeçais de vir ter comigo, pois delas é o Reino do Céu.» 15E, depois de lhes ter imposto as mãos, prosseguiu o seu caminho.

    Na época de Jesus, o rito da imposição das mãos e da bênção das crianças era frequentemente usado. Faziam-no os pais, mas também os rabinos famosos, a quem se pedia a bênção. É nesse contexto que se deve entender o episódio narrado hoje por Mateus, e que não deve ser confundido com o que ouvimos na terça-feira passada. Aí tratava-se do apelo à conversão, que exige tornar-se como crianças. Aqui fala-se de Jesus. Perante o "zelo" dos discípulos, Ele manifesta a intenção de não afastar ninguém do Reino. Quando diz «delas» (v. 14b), não se refere à idade, mas quer evidenciar «os que se assemelham a elas». Na antiguidade, as crianças não eram consideradas significativas na sociedade. Mas Jesus faz delas privilegiadas no reino de Deus, admite-as com agrado na comunidade cristã.
    A atitude dos discípulos em querer afastar as crianças revela a sua falta de compreensão pelo ministério de Cristo. Jesus é Aquele que acolhe os pequenos para lhes oferecer o Reino. A imposição das mãos sobre as crianças e a oração é um gesto de bênção (vv. 13.15). Mas é também um sinal de que a salvação é comunicada a todos os que podem identificar com elas: os pequenos, os pobres, os humildes...

    Meditatio

    A Bíblia apresenta-nos uma forte solidariedade na família, na tribo, no povo. Deus declara a Moisés que o seu favor, sobre aqueles que observam os mandamentos, se estende por mil, enquanto castiga a culpa dos pais nos filhos, e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração (cf. Ex 20, 5-6; 34, 7). As nossas acções incidem sobre a vida do próximo. Mas Deus faz que prevaleça a incidência do bem sobre a do mal. Mas, esta última não deixa de impressionar. Os hebreus exprimiam-na com o provérbio citado por Ezequiel: «Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que ficaram embotados» (v. 2). Por isso, achavam que não valia a pena converter-se e viver na justiça, porque tinham de sofrer os castigos merecidos pelas culpas de outros.
    Ezequiel combate essa mentalidade, afirmando claramente o princípio da responsabilidade individual: «Eu vos julgarei a cada um - diz o Senhor - segundo a sua maneira de agir, casa de Israel - oráculo do Senhor Deus» (v. 30). E o profeta explica que o justo, aquele que observa os mandamentos, viverá: «Mas se ele gera um filho violento e sanguinário e que faz alguma destas coisas que o pai não fazia... esse filho não viverá» (vv. 10.13), apesar dos méritos do pai. De modo inverso, se um pai praticar o mal, será ele o castigado, e não o filho, se for bom. E Ezequiel conclui: «Convertei-vos e afastai-vos dos vossos pecados; que não haja mais entre vós ocasião de pecado» (v. 30). Vale a pena converter-se, porque Deus é justo, e não castiga quem não cometeu o mal. Esta certeza, porém, não nos há-de levar ao isolamento individualista. Jesus lutou contra essa atitude e ensinou-nos a solidariedade com todos, também com os pecadores. Cristo assumiu a dor, o pecado, a desolação dos homens, na solidariedade do sacerdócio universal (cf. Heb 5, 9.10.14). Ser solidário com os pecadores, como Cristo, é procurar reparar o pecado e as suas consequências na Igreja e no mundo... com toda a nossa vida, orações, trabalhos, sofrimentos e alegrias; é prestar a Jesus
    o culto de amor e de reparação que o seu Coração deseja (Leão Dehon, NQ XXV, 5) (Cst 7).

    Oratio

    Pai santo, nós Te damos graças porque a nossa vida, unida à oblação de Cristo, é já por si mesma apostolado. Esta manhã, em comunhão com o teu Filho Jesus, a exemplo do Pe. Dehon, queremos oferecer-Te a nossa solidariedade, afectiva e efectiva, em favor de todos os nossos irmãos, particularmente dos mais desfavorecidos. Sabemos que a causa mais profunda dos males da sociedade está na recusa do amor de Cristo. Possuídos por esse amor, queremos corresponder-lhe com uma íntima união ao seu Coração e com a instauração do seu Reino nas almas e nas sociedades. Amen.

    Contemplatio

    Jesus foi verdadeiramente um cordeiro pacífico. Na sua paixão, permaneceu mudo e doce no meio das torturas, «semelhante a um cordeiro diante daquele que o tosquia» (Is 53, 7). Exerceu o seu ministério apostólico na paz e na doçura, como o profeta o tinha anunciado, «sem contenção, sem gritos, sem lutas, sem partir a cana inclinada» (Is 42, 1 e Mt 12, 18).
    S. Paulo ensina a prática da paz: «Adverte os nossos irmãos, diz a Tito, que não difamem ninguém, que fujam dos processos e das querelas, que sejam equitativos, testemunhando a maior doçura por todos os homens; /55 porque nós mesmos éramos outrora insensatos, incrédulos, perdidos, submetidos a todas as espécies de paixões e de volúpias, dignos de sermos odiados e odiando-nos uns aos outros» (Tit 3, 1).
    A alma na qual reside a paz sabe perdoar uma ofensa, não rebater uma palavra que fere, deixar passar um procedimento que choca, sacrificar-se em silêncio.
    Esta alma é, na sua família ou na sua comunidade, um anjo de paz, de reconciliação e de união.
    «Como estão afastados deste espírito aqueles que se comprazem em confundir os outros, diz Bossuet; aqueles que, por más relações, muitas vezes falsas em tudo, muitas vezes aumentadas nas suas circunstâncias, dizendo o que seria preciso calar, despertando a recordação daquilo que era preciso deixar esquecer, ou por palavras picantes e desdenhosas, azedam os seus irmãos, já emocionados e enfermos, pela sua cólera».
    Conselhos de paz: «Não vos deixeis levar à tristeza» (Eccli. 38, 21). Senti-vos com mau humor? Sorri, se puderdes. - Sentis-vos tentados a vos zangardes? Por amor de Jesus, sede doces e pacientes. - Estais para vos vingardes? Dai o bem pelo mal. - Estais para dizer mal de alguém? Dizei bem ou então calai-vos. - Estais para lhe falardes duramente? Falai-lhe docemente, cordialmente. (Leão Dehon, OSP 4, p. 55).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Dai-me, Senhor, um coração puro».

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 20º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    20º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    14 de Agosto, 2022

    ANO C

    20º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 20º Domingo do Tempo Comum

    TEMA

    A Palavra de Deus que hoje nos é servida convida-nos a tomar consciência da radicalidade e da exigência da missão que Deus nos confia. Não há meios-termos: Deus convida-nos a um compromisso, corajoso e coerente, com a construção do "novo céu" e da "nova terra". É essa a nossa missão profética.

    A primeira leitura apresenta-nos a figura do profeta Jeremias. O profeta recebe de Deus uma missão que lhe vai trazer o ódio dos chefes e a desconfiança do Povo de Jerusalém: anunciar o fim do reino de Judá. Jeremias vai cumprir a missão que Deus lhe confiou, doa a quem doer. Ele sabe que a missão profética não é um concurso de popularidade, mas um testemunhar, com verdade e coerência, os projectos de Deus.

    O Evangelho reflecte sobre a missão de Jesus e as suas implicações. Define a missão de Jesus como um "lançar fogo à terra", a fim de que desapareçam o egoísmo, a escravidão, o pecado e nasça o mundo novo - o "Reino". A proposta de Jesus trará, no entanto, divisão, pois é uma proposta exigente e radical, que provocará a oposição de muitos; mas Jesus aceita mesmo enfrentar a morte, para que se realize o plano do Pai e o mundo novo se torne uma realidade palpável.

    A segunda leitura convida o cristão a correr de forma decidida ao encontro da vida plena - como os atletas que não olham a esforços para chegar à meta e alcançar a vitória. Cristo - que nunca cedeu ao mais fácil ou ao mais agradável, mas enfrentou a morte para realizar o projecto do Pai - deve ser o modelo que o cristão tem à frente e que orienta a sua caminhada.

    LEITURA I - Jer 38,4-6.8-10

    Naqueles dias, os ministros disseram ao rei de Judá: «Esse Jeremias deve morrer,

    porque semeia o desânimo entre os combatentes que ficaram na cidade e também todo o povo com as palavras que diz.

    Este homem não procura o bem do povo, mas a sua perdição». O rei Sedecias respondeu: «Ele está nas vossas mãos; o rei não tem poder para vos contrariar». Apoderaram-se então de Jeremias

    e, por meio de cordas, fizeram-no descer à cisterna do príncipe Melquias, situada no pátio da guarda.

    Na cisterna não havia água, mas apenas lodo, e Jeremias atolou-se no lodo. Entretanto, Ebed-Melec, o etíope, saiu do palácio e falou ao rei:

    «Ó rei, meu senhor, esses homens procederam muito mal tratando assim o profeta Jeremias:

    meteram-no na cisterna, onde vai morrer de fome, pois já não há pão na cidade».

    Então o rei ordenou a Ebed-Melec, o etíope: «Leva daqui contigo três homens e retira da cisterna o profeta Jeremias, antes que ele morra».

    AMBIENTE

    A época em que Jeremias exerce a sua missão profética (a partir de 627 e até bem depois da queda de Jerusalém, em 586 a.C) é uma época muito complicada em termos históricos... Após o reinado de Josias (morto em Meggido em combate contra os egípcios, em 609 a.C.), o reino de Judá, servido por reis medíocres, conheceu um período de grande instabilidade. A inconsciência dos líderes e seu aventureirismo político (que os leva a alianças efémeras e pouco consistentes com as potências da época) preparam a ruína da nação.

    O texto que nos é proposto situa-nos em Jerusalém, durante o reinado de Sedecias, por volta de 586 a.C.. Algum tempo antes (588 a.C.), Sedecias, pressionado pelo partido egiptófilo de Jerusalém, negara o tributo aos babilónios. Na sequência, Nabucodonosor pôs cerco a Jerusalém. Um exército egípcio, vindo em socorro da cidade, provocou grande euforia; mas Jeremias apressou-se a avisar que essa euforia não tinha qualquer razão de ser, pois o cerco iria recomeçar, em condições ainda mais duras. De facto, o exército babilónio refez o assédio à cidade; e Jeremias, convencido de que tinha chegado o castigo para o pecado de Judá e de que Deus tinha entregado Jerusalém nas mãos dos babilónios, aconselhou a não resistência aos invasores e a rendição.

    MENSAGEM

    Os chefes do partido da resistência (quatro dos nomes desses chefes são referenciados em Jer 38,1) mobilizam-se para se opor ao discurso derrotista do profeta e propõem a sua eliminação. Sedecias, o rei, parece hesitante; mas, prisioneiro do poder dos seus generais, consente que o profeta seja silenciado. Colocado numa cisterna cheia de lodo e sem nada para comer, Jeremias chega a correr risco de vida; é um escravo núbio - Ebed-Melec - que morava no palácio real, que intercede por Jeremias e o salva.

    Toda a vida de Jeremias é um arriscar a vida por causa da Palavra de Deus e da missão profética. De natureza cordial e sensível, Jeremias não foi feito para o confronto, para a agressão, para a violência das palavras ou dos gestos... Mas Jahwéh chama-o nessa fase dramática da história de Judá e confia-lhe a missão de "arrancar e destruir, arruinar e demolir" (Jer 1,10), predizer desgraças e anunciar violência e morte; e o profeta, assaltado pela força de Deus, procura concretizar a sua missão com uma força e uma convicção que nos impressionam. Deus seduziu Jeremias e o profeta pôs-se, incondicionalmente, ao serviço da Palavra, mesmo que isso tenha significado violentar a sua própria maneira de ser, viver à margem, afastarse dos familiares, dos amigos, dos conhecidos, afrontar o ódio dos poderosos.

    Jeremias é o protótipo do profeta que dá a sua vida para que a Palavra de Deus ecoe no mundo e na vida dos homens. Ele não pensa em si, no seu comodismo, no seu bem-estar, no seu êxito social ou profissional, no seu triunfo diante da opinião pública; ele pensa, apenas, em anunciar com fidelidade os projectos de Deus aos homens, a fim de que os homens possam construir a história na perspectiva de Deus.

    Na parte final deste texto, cumpre-se a promessa de Deus, expressa no relato da vocação de Jeremias: "não tenhas medo, Eu estarei contigo para te libertar" (Jer 1,8). Através do sentido de justiça e da coragem de um escravo estrangeiro, Deus intervém e salva Jeremias. Desta forma, mostra-se como Deus está sempre ao lado daqueles que anunciam fielmente a sua Palavra e como não abandona os profetas perseguidos e marginalizados pelo mundo e pelos poderosos.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes linhas:

    ¨ A história de Jeremias não é um caso isolado, mas é, um pouco, a história de todos aqueles a quem
    Deus chama a testemunhar, com fidelidade, os seus projectos e os seus valores. Ser profeta não é um percurso fácil, nem uma carreira recheada de êxitos humanos, nem um caminho atapetado pelo entusiasmo e pelas palmas das multidões; mas é um caminho de cruz, de sofrimento, de incompreensão e, tantas, vezes, de morte. Implica o confronto com a injustiça, com a alienação, com a opressão, com o poder daqueles que pretendem construir o mundo sobre valores de egoísmo, de prepotência, de orgulho, de morte. O mundo de hoje - o mundo de sempre - continua a não saber lidar com a profecia... Basta pensar em D. Óscar Romero, em Gandhi, em Martin Luther King, ou em tantos profetas anónimos que, todos os dias, continuam a ser vilipendiados, insultados, perseguidos, marginalizados, por uma opinião pública que pretende salvaguardar a sua liberdade construindo o mundo à margem dos valores de Deus. No entanto, o profeta, convocado e enviado por Deus, pode renunciar à missão e deixar que o mundo continue a construir-se, alegremente, sobre valores efémeros que apenas geram sofrimento, escravidão e morte?

    ¨ A história de Jeremias mostra claramente que, mesmo incompreendido, humilhado, esmagado, abandonado, o profeta não está só; Deus está sempre ao seu lado, como presença amiga e reconfortante, como garantia de que a missão profética não está condenada ao malogro e ao fracasso. A garantia de Deus ("estarei contigo para te libertar") deve dar ao profeta a confiança e a coragem para levar até ao fim a missão que Deus lhe confiou, em benefício dos homens e do mundo.

    ¨ Sinto-me profeta, investido por Deus da missão de construir um mundo de justiça e de paz? Sou coerente com a minha vocação profética e procuro, com fidelidade, ser testemunha de Deus e dos seus valores? Tenho consciência - sobretudo nos momentos mais dramáticos - de que não estou sozinho, e de que Deus luta ao meu lado?

    ¨ Como são tratados e escutados aqueles que na minha comunidade se esforçam por tornar realidade os valores do Evangelho e que dão um testemunho coerente e sincero daquilo em que acreditam?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 39 (40)

    Refrão: Senhor, socorrei-me sem demora.

    Esperei no Senhor com toda a confiança e Ele atendeu-me. Ouviu o meu clamor e retirou-me do abismo e do lamaçal, assentou os meus pés na rocha e firmou os meus passos.

    Pôs em meus lábios um cântico novo, um hino de louvor ao nosso Deus. Vendo isto, muitos hão-de temer e pôr a sua confiança no Senhor.

    Eu sou pobre e infeliz:

    Senhor, cuidai de mim.

    Sois o meu protector e libertador: ó meu Deus, não tardeis.

    LEITURA II - Heb 12,1-4

    Irmãos:

    Estando nós rodeados de tão grande número de testemunhas, ponhamos de parte todo o fardo e pecado que nos cerca e corramos com perseverança para o combate

    que se apresenta diante de nós, fixando os olhos em Jesus, guia da nossa fé e autor da sua perfeição. Renunciando à alegria que tinha ao seu alcance, Ele suportou a cruz, desprezando a sua ignomínia, e está sentado à direita do trono de Deus. Pensai n'Aquele           que suportou contra Si tão grande hostilidade da parte dos pecadores, para não vos deixardes abater pelo desânimo. Vós ainda não resististes até ao sangue, na luta contra o pecado.

    AMBIENTE

    A Carta aos Hebreus dirige-se a cristãos (de origem judaica ou que, ao menos, estavam bastante marcados pelo influxo cultural dos judeo-cristãos) em situação difícil, que vivem mergulhados num ambiente hostil e que sofrem a forte oposição dos seus concidadãos. Por isso, são também cristãos expostos ao desalento e ao desânimo, na sua fé e na sua vida cristã... Alguns dados da carta sugerem também que se trata de cristãos cansados, sem o entusiasmo dos inícios e instalados no comodismo e na mediocridade. Há, ainda, referências à cedência a doutrinas estranhas, pouco consentâneas com a fé original, recebida dos apóstolos.

    O texto que nos é proposto pertence à quarta parte da carta (cf. Heb 11,1-12,13). Aí, temos um apelo à fé e à constância ou perseverança - o que se entende perfeitamente, no contexto em que estes cristãos vivem.

    MENSAGEM

    Nos versículos anteriores (cf. Heb 11,1-40), o autor apresentou uma galeria de figuras - desde Abraão a Moisés - que, pela firmeza e fortaleza da sua fé, tiveram êxito e deixaram uma memória imorredoira, apesar das dificuldades que tiveram de vencer; agora, o autor da carta convida os cristãos a imitar tais exemplos e a perseverar na fé. Em concreto, os quatro versículos que a leitura nos apresenta contêm uma exortação à constância ou perseverança. A exortação começa com a imagem (clássica, na catequese cristã dos primeiros tempos - veja-se 1 Cor 9,24-27; Ga 2,2; Flp 2,16; 3,1314; 2 Tim 2,5) da corrida (vers. 1): os cristãos devem ser como atletas que correm de forma decidida e empenhada e que dão provas de coragem, de força, de vontade de vencer; as figuras antes nomeadas como modelos de fé são os espectadores que, nas bancadas do estádio, observam e animam o esforço e a perseverança dos crentes... Para que nada atrapalhe essa "corrida" para a vitória, os cristãos devem despojar-se do fardo do pecado (o egoísmo, o comodismo, a auto-suficiência), pois esse peso acrescido será um obstáculo que impedirá o atleta de chegar vitorioso à meta. Nessa "corrida", o modelo fundamental do crente é Cristo (vers. 2). Ele, renunciando a um caminho de facilidade e de triunfo humano, enfrentou a cruz e venceu a morte; como resultado, foi exaltado e "sentou-Se à direita do trono de Deus". Dessa forma, Ele abriu para os crentes o caminho e mostrou-lhes como proceder. O seu exemplo deve estimular continuamente os cristãos na sua caminhada em direcção à vitória (vers. 3).

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, as seguintes linhas:

    ¨ O caminho do cristão não é um passeio fácil e descomprometido, mas um caminho duro e difícil, que não se compadece com "meias tintas" nem com compromissos mornos e a "meio gás". Exige coragem para vencer os obstáculos, capacidade de luta para enfrentar a oposição, compromissos profundos e radicais. Muitas vezes, os obstáculos que é preciso vencer resultam de factores internos: a nossa preguiça, o nosso egoísmo, o nosso comodismo desarmam a nossa vontade de vivermos, com coerência, a nossa fé e as exigências do Evangelho; outras vezes, os obstáculos que temos de enfrentar resultam de factores externos: são os ataques injustificados e irracionais, os insultos, a incompreensão de um mundo que cultiva o comodismo e a faci
    lidade e que, tantas vezes, se sente incomodado com o testemunho dos profetas... Quais são os principais obstáculos que eu tenho de vencer para viver, com fidelidade e coerência, a minha fé? Como é que eu respondo a essas dificuldades: com coragem e decisão ou com cedências e facilidades?

    ¨ O cristão é convidado a não perder de vista o exemplo de Cristo. Apesar da tentação, ele nunca cedeu ao mais fácil, ao mais cómodo, ao mais agradável... Para ele, o critério fundamental era o plano do Pai; e o caminho do Pai passava pelo amor radical, pelo dom da vida, pela cruz. No entanto, ele demonstrou que o caminho da entrega da vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena... É este o quadro que o cristão deve ter sempre diante dos olhos.

    ALELUIA - Jo 10,27 Aleluia. Aleluia.

    As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor; Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.

    EVANGELHO - Lc 12,49-53

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:

    «Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber um baptismo e estou ansioso até que ele se realize.

    Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra?

    Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três.

    Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».

    AMBIENTE

    Os "ditos" que o Evangelho de hoje nos apresenta são dos textos mais obscuros e difíceis de interpretar de todo o Novo Testamento. Particular dificuldade oferece o vers. 49, formado com palavras estranhas ao vocabulário de Lucas. Poderia ser um "dito" independente, recolhido por Lucas... Desconhecendo-se o contexto primitivo deste "dito" e as circunstâncias em que Jesus o pronunciou, é impossível determinar o seu significado e saber qual o "fogo" de que Jesus falava.

    De qualquer forma, Lucas apresenta este material no contexto do "caminho para Jerusalém" - esse caminho que conduz Jesus ao dom total da vida. No horizonte próximo está, cada vez mais, o confronto final com a instituição judaica e a morte na cruz. Na perspectiva de Lucas, estes "ditos" fazem parte da catequese que prepara os discípulos para entender a missão de Jesus, a radicalidade do "Reino" e as exigências que daí brotam para quem adere às propostas de Jesus.

    MENSAGEM

    A caminho de Jerusalém e da cruz, Jesus dá aos discípulos algumas indicações para entender a missão que o Pai Lhe confiou (missão que os discípulos devem, aliás, continuar nos mesmos moldes). O texto divide-se em duas partes:

    Na primeira parte (vers. 49-50), entrelaçam-se os temas do fogo e do baptismo. Jesus começa por dizer que veio trazer o fogo à terra. Que quer isto dizer?

    O "fogo" possui um significado simbólico complexo... No Antigo Testamento começa por ser um elemento teofânico (cf. Ex 3,2; 19,18; Dt 4,12; 5,4.22.23; 2 Re 2,11), usado para representar a santidade divina. A manifestação do divino provoca no homem, simultaneamente, atracção e temor; ora, explorando a relação entre o fogo e o temor que Deus inspira, a catequese de Israel vai fazer do fogo um símbolo da intransigência de Deus em relação ao pecado... Por isso, os profetas usam a imagem do fogo para anunciar e descrever a ira de Deus (cf. Am 1,4; 2,5). O fogo aparece, assim, como imagem privilegiada para pintar o quadro do castigo das nações pecadoras (cf. Is 30,27.30.33) e do próprio Israel. No entanto, ao mesmo tempo que castiga, o fogo também faz desaparecer o pecado (cf. Is 9,17-18; Jer 15,14; 17,4.27): o fogo aparece, assim, como elemento de purificação e transformação (cf. Is 6,6; Ben Sira 2,5; Dan 3). Na literatura apocalíptica, o fogo é a imagem do juízo escatológico (Is 66,15-16): o "dia de Jahwéh" é como o fogo do fundidor (cf. Mal 3,2); será um dia, ardente como uma fornalha, em que os arrogantes e os maus arderão como palha (cf. Mal 3,19) e em que a terra inteira será devorada pelo fogo do zelo de Deus (cf. Sof 1,18; 3,8). Desse fogo devorador do pecado, purificador e transformador, nascerá o mundo novo, sem pecado, de justiça e de paz sem fim.

    O símbolo do fogo, posto na boca de Jesus, deve ser entendido neste enquadramento. Jesus veio revelar aos homens a santidade de Deus; a sua proposta destina-se a destruir o egoísmo, a injustiça, a opressão que desfeiam o mundo, a fim de que surja, das cinzas desse mundo velho, o mundo novo de amor, de partilha, de fraternidade, de justiça. Como é que isso vai acontecer? Através da Palavra e da acção de Jesus, certamente; mas Lucas estará, especialmente a pensar no Espírito enviado por Jesus aos discípulos - e que Lucas vai, aliás, representar através da imagem das línguas de fogo.

    Quanto à imagem do baptismo: ela refere-se, certamente, à morte de Jesus (cf. Mc

    10,38, onde Jesus pergunta a João e Tiago se estão dispostos a beber do cálice que Ele vai beber e a receber o baptismo que Ele vai receber). Para que o "fogo" transformador e purificador se manifeste, é necessário que Jesus faça da sua vida um dom de amor, até à cruz. Só então nascerá o mundo novo.

    Na segunda parte (vers. 51-53), Jesus confessa que não veio trazer a paz, mas a divisão. Lucas deixou expresso, frequentemente, que "a paz" é um dom messiânico (cf. Lc 2,14.29; 7,50; 8,48; 10,5-6; 11,21; 19,38.42; 24,36) e que a função do Messias será guiar os passos dos homens "no caminho da paz" (Lc 1,79). Que sentido fará, agora, dizer que Jesus não veio trazer a paz, mas a divisão?

    O "dito" faz, certamente, referência às reacções à pessoa de Jesus e à proposta que Ele oferece. A proposta de Jesus é questionante, interpeladora, e não deixa os homens indiferentes. Alguns acolhem-na positivamente; outros rejeitam-na. Alguns vêem nela uma proposta de libertação; outros não estão interessados nem em Jesus nem nos valores que Ele propõe... Como consequência, haverá divisão e desavença, às vezes mesmo dentro da própria família, a propósito das opções que cada um faz face a Jesus. Este quadro devia reflectir uma realidade que a comunidade de Lucas conhecia bem...

    Jesus veio trazer a paz, mas a paz que é vida plena vivida com exigência e coerência; essa paz não se faz com "meias tintas", com meias verdades, com jogos de equilíbrio que não chateiam ninguém, mas também não transformam nada. A proposta de Jesus é exigente e radical; assim, não pode deixar de criar divisão.

    ACTUALIZAÇÃO

    Re
    flectir a partir das seguintes questões:

    ¨ O Evangelho mostra que o objectivo de Jesus não passava por conservar intacto o que já existia, pactuando com essa paz podre que não questiona o mal, a injustiça, a escravidão; mas o objectivo de Jesus passava por "incendiar o mundo", pondo em causa tudo aquilo que escraviza o homem e o priva de vida. Como é que eu me situo face a tudo aquilo que põe em causa o projecto de Deus para o mundo? Como é que eu me situo face a tudo aquilo que cria opressão, injustiça, medo e morte? Com o conformismo e a indiferença de quem, acima de tudo, não está para se chatear com coisas que não lhe dizem directamente respeito, ou com a coragem e o empenho de quem se sente profeta e enviado de Deus a construir o novo céu e a nova terra?

    ¨ O "fogo" que Jesus veio atear - fogo purificador e transformador - já atingiu o meu coração e já transformou a minha vida? Animado pelo Espírito de Jesus ressuscitado, eu já renunciei, de verdade, à vida de egoísmo, de fechamento em mim próprio, de comodismo, para fazer da minha vida um compromisso com o "Reino", se necessário até ao dom da vida?

    ¨ A proposta de Jesus não passa pela manutenção de uma paz podre, que não questiona nem incomoda ninguém, mas por opções radicais, que interpelam e que obrigam a decisões arriscadas. No entanto, a Igreja de Jesus aceita muitas vezes abençoar as ideologias que escravizam e oprimem, para manter uma certa paz social (a paz dos cemitérios?), para "defender a civilização cristã" (como se pudessem ser cristãos aqueles que constroem máquinas de injustiça e de morte) ou para manter determinados privilégios. Quando isto acontece (e tão acontecido demasiadas vezes, ao longo da história), a Igreja estará a ser fiel a esse Jesus, que veio lançar o fogo à terra e que não veio trazer a paz, mas a divisão?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 20º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 20º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    BILHETE DE EVANGELHO.

    Jesus era um apaixonado de Deus, seu Pai, e dos homens, seus irmãos. Como qualquer apaixonado, vem abrasar os que estão à sua volta com o fogo da sua paixão: as suas palavras aquecem, os seus gestos queimam, o seu projecto de mundo novo destrói o mundo antigo. Então, Ele gostaria tudo se iluminasse, que tudo se abrasasse, que tudo aquecesse. Porém, Ele encontra o tédio; alguns gostariam de apagar este fogo mesmo antes de ser acendido. O baptismo de que fala é a sua Passagem, a sua Páscoa, este momento em que dará a maior prova do seu amor. Alguns gostariam de O impedir de falar ou de agir, mas Ele prosseguirá o seu caminho, este caminho que o levará ao calvário. Então, compreendemos quanto lhe custa esperar para dizer e manifestar até onde pode ir o Amor de Deus pela humanidade...

    ESCUTA DA PALAVRA.

    Como é estranho este Jesus, cuja missão consiste em fazer a paz e em reconciliar os homens com Deus e entre eles, este Jesus que dirá aos seus apóstolos "deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz" e que, aparecendo aos seus discípulos na tarde de Páscoa, dir-lhes-á: "Paz para todos". E eis que hoje Ele declara: "Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão". Reconheçamos, primeiro, que Jesus não pensava necessariamente segundo a lógica cartesiana. A sua mentalidade semítica ignorava certas "nuances", não tinha receio daquilo que nós chamamos contradições. Na realidade, tal maneira de falar obriga-nos a ultrapassar as aparentes contradições, a encontrar o "ponto nodal" do nosso pensamento. Segundo os homens, a paz pode ser um equilíbrio do medo, ou uma ordem que o mais forte impõe ao mais fraco ("pax romana", imposta pelas armas romanas), ou ainda a paz dos cemitérios. Ela pode ser também a obra da justiça e esta paz já é bem mais difícil de realizar. Quando fala de paz, Jesus precisa que não é a paz como a compreendemos muitas vezes. A sua paz, não a dá como o mundo a dá. Ultrapassa os critérios humanos. A sua paz é, a realidade, o fruto do amor, mas de um amor desconcertante pelas suas exigências: "amai os vossos inimigos". O amor que Jesus nos veio revelar e dar é o amor do Pai. Na medida em que aceitamos ir até aí, podemos entrever a paz segundo Jesus. Dito de outro modo, diante de Jesus, é preciso escolher: ou acolher o seu amor que faz saltar todas as nossas estreitezas, ou fecharmo-nos em nós mesmos pelo egoísmo ou pela indiferença. Na realidade, Jesus vem pôr a nu o nosso coração. Escolher por ou contra Jesus: inevitavelmente, surgirão conflitos. O fogo que Jesus traz à terra é o fogo do amor que desmascara as nossas recusas e, ao mesmo tempo, as purifica.

    ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

    Pode-se escolher a Oração Eucarística da Reconciliação nº 2.

    PALAVRA PARA O CAMINHO

    Deus, meu libertador. Com a confiança do salmista, podemos pedir esta semana a Deus para nos ajudar a libertar de tudo aquilo que entrava a nossa liberdade, tudo aquilo que nos impede de ser simplesmente felizes ao longo dos dias... A oração do Salmo 39, retomada todos os dias, pode ser um meio...

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehnianos.org – www.dehonianos.org

  • Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria


    15 de Agosto, 2022

    Tema da Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

    Bendita és tu, Maria! Hoje, Jesus ressuscitado acolhe a sua mãe na glória do céu... Hoje, Jesus vivo, glorificado à direita do Pai, põe sobre a cabeça da sua mãe a coroa de doze estrelas...
    Primeira leitura: Maria, imagem da Igreja. Como Maria, a Igreja gera na dor um mudo novo. E como Maria, participa na vitória de Cristo sobre o Mal.
    Salmo: Bendita és tu, Virgem Maria! A esposa do rei é Maria. Ela tem os favores de Deus e está associada para sempre à glória do seu Filho.
    Segunda leitura: Maria, nova Eva. Novo Adão, Jesus faz da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para todos os homens.
    Evangelho: Maria, Mãe dos crentes. Cheia do Espírito Santo, Maria, a primeira, encontra as palavras da fé e da esperança: doravante todas as gerações a chamarão bem-aventurada!

    LEITURA I - Ap 11,19a;12,1-6a.10ab

    Leitura do Apocalipse de São João

    O templo de Deus abriu-se no Céu
    e a arca da aliança foi vista no seu templo.
    Apareceu no Céu um sinal grandioso:
    uma mulher revestida de sol,
    com a lua debaixo dos pés
    e uma coroa de doze estrelas na cabeça.
    Estava para ser mãe
    e gritava com as dores e ânsias da maternidade.
    E apareceu no Céu outro sinal:
    um enorme dragão cor de fogo,
    com sete cabeças e dez chifres
    e nas cabeças sete diademas.
    A cauda arrastava um terço das estrelas do céu
    e lançou-as sobre a terra.
    O dragão colocou-se diante da mulher que estava para ser mãe,
    para lhe devorar o filho, logo que nascesse.
    Ela teve um filho varão,
    que há-de reger todas as nações com ceptro de ferro.
    O filho foi levado para junto de Deus e do seu trono
    e a mulher fugiu para o deserto,
    onde Deus lhe tinha preparado um lugar.
    E ouvi uma voz poderosa que clamava no Céu:
    «Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus
    e o domínio do seu Ungido».

    BREVE COMENTÁRIO

    As visões do Apocalipse exprimem-se numa linguagem codificada. Elas revelam que Deus arranca os seus fiéis de todas as formas de morte. Por transposição, a visão o sinal grandioso pode ser aplicada a Maria.
    O livro do Apocalipse foi composto no ambiente das perseguições que se abatiam sobre a jovem Igreja, ainda tão frágil. O profeta cristão evoca estes acontecimentos numa linguagem codificada, em que os animais terrificantes designam os perseguidores. A Mulher pode representar a Igreja, novo Israel, o que sugere o número doze (as estrelas). O seu nascimento é o do baptismo que deve dar à terra uma nova humanidade. O Dragão é o perseguidor, que põe tudo em acção para destruir este recém-nascido. Mas o destruidor não terá a última palavra, pois o poder de Deus está em acção para proteger o seu Filho.
    Proclamando esta mensagem na Assunção, reconhecemos que, no seguimento de Jesus e na pessoa de Maria, a nova humanidade já é acolhida junto de Deus.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 44 (45)

    Refrão 1: À vossa direita, Senhor, a Rainha do Céu,
    ornada do ouro mais fino.

    Refrão 2: À vossa direita, Senhor, está a Rainha do Céu.

    Ao vosso encontro vêm filhas de reis,
    à vossa direita está a rainha, ornada com ouro de Ofir.

    Ouve, minha filha, vê e presta atenção,
    esquece o teu povo e a casa de teu pai.

    Da tua beleza se enamora o Rei;
    Ele é o teu Senhor, presta-Lhe homenagem.

    Cheias de entusiasmo e alegria,
    entram no palácio do Rei.

    LEITURA II - 1 Cor 15,20-27

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Cristo ressuscitou dos mortos,
    como primícias dos que morreram.
    Uma vez que a morte veio por um homem,
    também por um homem veio a ressurreição dos mortos;
    porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram,
    assim também em Cristo serão todos restituídos à vida.
    Cada qual, porém, na sua ordem:
    primeiro, Cristo, como primícias;
    a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda.
    Depois será o fim,
    quando Cristo entregar o reino a Deus seu Pai
    depois de ter aniquilado toda a soberania, autoridade e poder.
    É necessário que Ele reine,
    até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés.
    E o último inimigo a ser aniquilado é a morte,
    porque Deus tudo colocou debaixo dos seus pés.
    Mas quando se diz que tudo Lhe está submetido
    é claro que se exceptua Aquele que Lhe submeteu todas as coisas.

    BREVE COMENTÁRIO

    A Assunção é uma forma privilegiada de Ressurreição. Tem a sua origem na Páscoa de Jesus e manifesta a emergência de uma nova humanidade, em que Cristo é a cabeça, como novo Adão.
    Todo o capítulo 15 desta epístola é uma longa demonstração da ressurreição. Na passagem escolhida para a festa da Assunção, o apóstolo apresenta uma espécie de genealogia da ressurreição e uma ordem de prioridade na participação neste grande mistério. O primeiro é Jesus, que é o princípio de uma nova humanidade. Eis porque o apóstolo o designa como um novo Adão, mas que se distingue absolutamente do primeiro Adão; este tinha levado a humanidade à morte, ao passo que o novo Adão conduz aqueles que o seguem para a vida.
    O apóstolo não evoca Maria, mas se proclamamos esta leitura na Assunção, é porque reconhecemos o lugar eminente da Mãe de Deus no grande movimento da ressurreição.

    ALELUIA
    Aleluia. Aleluia.

    Maria foi elevada ao Céu;
    alegra-se a multidão dos Anjos.

    EVANGELHO - Lc 1,39-56
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naqueles dias,
    Maria pôs-se a caminho
    e dirigiu-se apressadamente para a montanha,
    em direcção a uma cidade de Judá.
    Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
    Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
    o menino exultou-lhe no seio.
    Isabel ficou cheia do Espírito Santo
    e exclamou em alta voz:
    «Bendita és tu entre as mulheres
    e bendito é o fruto do teu ventre.
    Donde me é dado
    que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
    Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos
    a voz da tua saudação,
    o menino exultou de alegria no meu seio.
    Bem-aventurada aquela que acreditou
    no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito
    da parte do Senhor».
    Maria disse então:
    «A minha alma glorifica o Senhor
    e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
    porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
    de hoje em diante me chamarão bem-aventurada
    todas as gerações.
    O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas:
    Santo é o seu nome.
    A sua misericórdia se estende de geração em geração
    sobre aqueles que O temem.
    Manifestou o poder do seu braço
    e dispersou os soberbos.
    Derrubou os poderosos de seus tronos
    e exaltou os humildes.
    Aos famintos encheu de bens
    e aos ricos despediu de mãos vazias.
    Acolheu a Israel, seu servo,
    lembrado da sua misericórdia,
    como tinha prometido a nossos pais,
    a Abraão e à sua descendência para sempre».
    Maria ficou junto de Isabel cerca de três meses
    e depois regressou a sua casa.

    BREVE COMENTÁRIO

    O cântico de Maria descreve o programa que Deus tinha começado a realizar desde o começo, que ele prosseguiu em Maria e que cumpre agora na Igreja, para todos os tempos.
    Pela Visitação que teve lugar na Judeia, Maria levava Jesus pelos caminhos da terra. Pela Dormição e pela Assunção, é Jesus que leva a sua mãe pelos caminhos celestes, para o templo eterno, para uma Visitação definitiva. Nesta festa, com Maria, proclamamos a obra grandiosa de Deus, que chama a humanidade a se juntar a ele pelo caminho da ressurreição.
    Em Maria, Ele já realizou a sua obra na totalidade; com ela, nós proclamamos: "dispersou os soberbos, exaltou os humildes". Os humildes são aqueles que crêem no cumprimento das palavras de Deus e se põem a caminho, aqueles que acolhem até ao mais íntimo do seu ser a Vida nova, Cristo, para o levar ao nosso mundo. Deus debruça-se sobre eles e cumpre neles maravilhas.

    Rezar por Maria.
    Frequentemente, ouvimos a expressão: "rezar à Virgem Maria"... Esta maneira de falar não é absolutamente exacta, porque a oração cristã dirige-se a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os nossos irmãos protestantes que, contrariamente ao que se pretende, por vezes têm a mesma fé que os católicos e os ortodoxos na Virgem Maria Mãe de Deus, recordam-nos que Maria é e se diz ela própria a Serva do Senhor.
    Rezar por Maria é pedir que ela reze por nós: "Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte!" A sua intervenção maternal em Caná resume bem a sua intercessão em nosso favor. Ela é nossa "advogada" e diz-nos: "Fazei tudo o que Ele vos disser!"

    Rezar com Maria.
    Ela está ao nosso lado para nos levar na oração, como uma mãe sustenta a palavra balbuciante do seu filho. Na glória de Deus, na qual nós a honramos hoje, ela prossegue a missão que Jesus lhe confiou sobre a Cruz: "Eis o teu Filho!" Rezar com Maria, mais que nos ajoelharmos diante dela, é ajoelhar-se ao seu lado para nos juntarmos à sua oração. Ela acompanha-nos e guia-nos na nossa caminhada junto de Deus.

    Rezar como Maria.
    Aprendemos junto de Maria os caminhos da oração. Na escola daquela que "guardava e meditava no seu coração" os acontecimentos do nascimento e da infância de Jesus, nós meditamos o Evangelho e, à luz do Espírito Santo, avançamos nos caminhos da verdade. A nossa oração torna-se acção de graças no eco ao Magnificat. Pomos os nossos passos nos passos de Maria para dizer com ela na confiança: "que tudo seja feito segundo a tua Palavra, Senhor!"

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE MARIA
    (tópicos inspirados em "Signes d'aujourd'hui")

    1. A liturgia meditada ao longo da semana.
    Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade da Assunção de Maria, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. Confiar o Magnificat a uma voz de mulher.
    No Evangelho, excepcionalmente, porque não confiar o "Magnificat" a uma voz de mulher que poderia lê-lo ou cantá-lo?

    3. Pensar na participação das crianças.
    Uma festa é bem conseguida quando se consegue congregar todas as gerações. Seria bom pensar em particular na participação das crianças: ficarem à volta da estátua de Nossa Senhora durante a procissão do ofertório; fazerem uma oração a Nossa Senhora no final da celebração...

    4. Oração na lectio divina.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Pai do céu, juntamos as nossas vozes à que nos vem do céu para proclamar: Eis agora a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus e o poder do seu Cristo. Glória a Ti, Deus de vida.
    Nós Te pedimos pelas tuas Igrejas, ameaçadas pelos «dragões» da nossa época: a indiferença, as religiosidades desviadas e as perseguições".

    No final da segunda leitura:
    "Deus Pai, nós Te damos graças pela ressurreição que manifestaste pelo teu Filho Jesus, o novo Adão, e pela assunção na vida gloriosa que revelas em Maria, mãe do teu Filho.
    Nós Te confiamos os nossos defuntos e as famílias em luto. Releva-nos pela promessa da ressurreição. Transformas as nossas penas em esperança".

    No final do Evangelho:
    "Nós Te bendizemos, Deus do universo, porque pelo teu Filho ainda pequeno e pela sua mãe, Maria, visitaste o teu povo, vieste até nós. Felizes aqueles que acreditam no cumprimento da tua Palavra.
    Nós Te pedimos pelas nossas comunidades cristãs, encarregadas, como Maria, de levar Cristo ao mundo. Como fizeste por ela, guia-nos pelo teu Espírito Santo".

    5. Oração Eucarística.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, em que a primeira intercessão exprime bem o mistério deste dia.

    6. Palavra para o caminho.
    Um tríplice segredo... A meio do verão, eis uma festa para nos fazer parar junto de Maria e receber dela um tríplice segredo: o segredo da fé sem falha tão bem ajustada a Deus ("Eis a serva do Senhor"...); o segredo da sua esperança confiante em Deus ("nada é impossível a Deus"...); o segredo da sua caridade missionária ("Maria pôs-se a caminho apressadamente"...). E nós podemos pedir-lhe para nos acompanhar no caminho das nossas vidas...

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • XX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    16 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 28, 1-10

    1Foi-me dirigida a palavra do Senhor nestes termos: 2«Filho de homem, diz ao príncipe de Tiro: Eis o que diz o Senhor Deus: Tu te encheste de orgulho, dizendo: 'Eu sou um deus, estou sentado no trono de Deus, no coração do mar', não sendo tu um deus mas apenas um homem; e, contudo, julgas-te igual a Deus. 3Consideras-te mais sábio do que Daniel: nenhum mistério te é obscuro. 4Foi pela tua sabedoria e inteligência que adquiriste riqueza e amontoaste ouro e prata em teus tesouros. 5Pela tua perícia para o comércio, acrescentaste as riquezas, e o teu coração ensoberbeceu-se. 6Por causa disto, assim fala o Senhor Deus: Já que te julgas deus, 7por isso, eis que farei vir contra ti estrangeiros, os mais bárbaros dos povos. Eles desembainharão a espada contra a tua sabedoria e macularão o teu esplendor. 8Far-te-ão descer à cova; morrerás de morte violenta no coração dos mares. 9Dirás ainda, à vista dos teus carrascos: 'Eu sou um deus', quando é evidente que não és senão um homem e não um deus, na mão do teu assassino. 10Morrerás da morte dos incircuncisos, aos golpes dos estrangeiros. Sou Eu quem o afirma» - oráculo do Senhor Deus.

    Os capítulos 25 a 32 de Ezequiel reúnem vários oráculos contra as nações que manifestaram orgulho diante de Javé e foram permanente tentação para Israel se afastar do Senhor, seu Deus. Hoje escutamos o único desses oráculos que a Liturgia utiliza. É o oráculo contra o príncipe de Tiro e o seu reino. O juízo pronunciado é irónico e muito severo. O príncipe da grande potência marítima tinha-se atrevido a usurpar prerrogativas divinas, pretendendo dominar, não só a ilha, mas também o vasto mar que a rodeia. Exalta a sua inteligência, sabedoria e versatilidade diplomática. Depois vangloria-se da sua capacidade para obter riquezas. Assim, atenta contra Javé, único Deus, Criador e Senhor do universo, o único digno de louvor e de adoração. Por isso, morrerá, e o seu reino será aniquilado.
    Orgulho, auto-exaltação, auto-divinização, é o «pecado deitado à porta» (Gn 4, 7), desde o princípio da humanidade. Há uma clara interdependência entre esta passagem e o relato do Génesis. É a mesma história de exaltação e queda, vivência colectiva e individual de todo o género humano.

    Evangelho: Mateus 19, 23-30

    23Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: «Em verdade vos digo que dificilmente um rico entrará no Reino do Céu. 24Repito-vos: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu.» 25Ao ouvir isto, os discípulos ficaram estupefactos e disseram: «Então, quem pode salvar-se?» 26Fixando neles o olhar, Jesus disse-lhes: «Aos homens é impossível, mas a Deus tudo é possível.»
    27Tomando a palavra, Pedro disse-lhe: «Nós deixámos tudo e seguimos-te. Qual será a nossa recompensa?» 28Jesus respondeu-lhes: «Em verdade vos digo: No dia da regeneração de todas as coisas, quando o Filho do Homem se sentar no seu trono de glória, vós, que me seguistes, haveis de sentar-vos em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. 29E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna. 30Muitos dos primeiros serão os últimos, e muitos dos últimos serão os primeiros.»

    Depois de o jovem ter ido embora triste, também Jesus, entristecido, aproveita o ensejo para se pronunciar sobre a questão das riquezas. Fá-lo com o célebre provérbio do camelo e da agulha. O homem, por si mesmo, não tem possibilidade de se salvar, tal como o camelo não pode passar pelo fundo da agulha. Só o poder de Deus e a sua obra salvadora nos dão essa possibilidade. Noutras circunstâncias, Jesus já tinha dito «não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6, 24), e tinha proclamado bem-aventurados os «pobres em espírito» (Mt 5, 3). A imagem do camelo e da agulha dá maior realce a estes ensinamentos.
    Os discípulos ficam compreensivelmente chocados e desorientados. Tinham percebido muito bem que, para seguir radicalmente Jesus, não bastam as forças humanas. Jesus, que se apercebeu da situação, lembra-lhes que a obra não é deles, mas de Deus, a Quem «nada é impossível» (cf. v. 26). É então que Pedro, sempre muito franco e impulsivo, se dá conta de que a situação dele e dos outros discípulos era bem diferente da do jovem rico. Receberam a força de Deus, abandonaram tudo... E agora? Jesus não é um político de promessas fáceis, ou um feirante que apregoa receitas para tudo, a bom preço. Mas conhece o coração do homem, que precisa de segurança e de coragem. Por isso, afirma: «vós, que me seguistes, haveis de sentar-vos em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna» (vv. 28-29). O prémio ultrapassará todas as expectativas. Mas, cuidado «Muitos dos primeiros serão os últimos, e muitos dos últimos serão os primeiros» (v. 30).

    Meditatio

    A primeira leitura e o evangelho de hoje alertam-nos para o perigo das riquezas. Depois da partida do jovem rico, Jesus diz aos discípulos: «Em verdade vos digo que dificilmente um rico entrará no Reino do Céu. Repito-vos: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu» (vv. 23s.). Os Apóstolos ficam espantados com tal afirmação, e perguntam: «Então, quem pode salvar-se?» (v. 25). A riqueza é uma vantagem na vida. Quem a tem pode fazer o que quer, e até dar generosas ofertas para o culto de Deus. Como é que pode tornar-se um empecilho para entrar no Reino?
    Na verdade, as riquezas são insidiosas, como se vê no oráculo de Ezequiel contra o príncipe e a cidade comercial de Tiro, que, em tudo procura juntar riqueza à riqueza: «pela tua sabedoria e inteligência, adquiriste riqueza e amontoaste ouro e prata em teus tesouros. Pela tua perícia para o comércio, acrescentaste as riquezas» (vv. 4-5). Tiro teve sucesso nos seus negócios e tornou-se uma cidade poderosa. Mas o resultado espiritual foi mau: «o teu coração ensoberbeceu-se» (v. 5); «Já que te julgas deus, por isso, eis que farei vir contra ti estrangeiros, os mais bárbaros dos povos. Eles desembainharão a espada contra a tua sabedoria e macularão o teu esplendor». (vv. 6-7). Não há orgulho nem soberba maiores.
    As nossas Cst, inspirando-se na Evangelica Testificatio, de Paulo VI, falam de &qu
    ot;metanoia" ou "conversão" (cf. Cst 17), como exigência típica da reparação (cf. Cst 23), especialmente nos nossos dias, quando, como afirmou João Paulo II, a parábola bíblica do rico avarento e do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31) assumiu dimensões mundiais (RH 31). Os ricos avarentos esquecem-se de Deus, ou pretendem ocupar o lugar, que só a Ele pertence. Além disso, a política egoísta das nações ricas arruína a sociedade humana, onde os ricos se tornam cada vez mais ricos e fartos, e os pobres se tornam cada vez mais pobres, famintos, endividados. É uma situação social cada vez mais explosiva que, só a "solidariedade" dos países ricos para com os países pobres, só maior colaboração e partilha de bens, podem desarmar.

    Oratio

    Senhor, como cristão e particularmente como consagrado, pus-Te no centro da minha vida. Livra-me da tentação de alguma vez pensar, como o príncipe de Tiro: «sou deus». Mas livra-me também da presunção de me julgar grande e merecedor de prémios, só porque renunciei aos bens materiais, por causa de Ti. Reconheço que tudo o que sou, e tudo o que tenho, me veio de Ti. Por isso, hoje, nada quero pedir, mas simplesmente agradecer. Acolhe a minha gratidão, que é o tímido dom de quem sabe nada ter para dar. Amen.

    Contemplatio

    Jesus encontrou o jovem rico, que falhou na sua vocação e talvez na sua salvação. «Ai dos ricos», diz-lhes. Está impressionado e eles também: os discípulos ficaram estupefactos. «Os favores do céu, acrescenta, são para aqueles que deixam tudo: parentes, casa e propriedades». E avança severamente. Estão emocionados e temerosos: stupebant et sequentes timebant. Prediz-lhes então toda a sua paixão. (Leão Dehon, OSP 2, p. 406).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Quem tiver deixado tudo, por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna» (cf. Mt 19, 29).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    17 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 34, 1-11

    1Foi-me dirigida a palavra do Senhor nestes termos: 2«Filho de homem, profetiza contra os pastores de Israel, profetiza e diz a esses pastores: Assim fala o Senhor Deus: 'Ai dos pastores de Israel, que se apascentam a si mesmos! Não devem os pastores apascentar o rebanho?
    3Vós, porém, bebestes o leite, vestistes-vos com a sua lã, matastes as rezes mais gordas e não apascentastes as ovelhas. 4Não tratastes das que eram fracas, não cuidastes da que estava doente, não curastes a que estava ferida; não reconduzistes a transviada; não procurastes a que se tinha perdido; mas a todas tratastes com violência e dureza. 5Por isso, à falta de pastor, elas dispersaram-se e, na sua debandada, tornaram-se a presa de todos os animais dos campos. 6As minhas ovelhas vagueiam por toda a parte, pelas montanhas e pelas colinas elevadas; o meu rebanho anda disperso por sobre toda a superfície do país; ninguém se preocupa nem as vai procurar.' 7Por isso, pastores, ouvi a palavra do Senhor: 8'Pela minha vida - oráculo do Senhor Deus: porque as minhas ovelhas ficaram entregues à pilhagem e se tornaram a presa de todos os animais dos campos, por falta de pastor; porque os meus pastores não se preocupam com o meu rebanho, porque eles se apascentam a si mesmos e não apascentam o meu rebanho' 9por isso, pastores, ouvi a palavra do Senhor. 10Assim fala o Senhor Deus: 'Aqui estou Eu contra os pastores! Vou tirar as minhas ovelhas das suas mãos, e não permitirei que apascentem mais as minhas ovelhas; e eles não se apascentarão mais a si mesmos. Da sua boca arrancarei as minhas ovelhas, e elas nunca mais serão uma presa para eles.'» 11Porque assim fala o Senhor Deus: «Eis que Eu mesmo cuidarei das minhas ovelhas e me interessarei por elas.

    Ezequiel abre, hoje, uma nova perspectiva aos cativos de Babilónia. Depois de interpelar duramente os reis, e todos os que exerceram algum cargo em Israel, considerados culpados pela queda de Jerusalém, e pela deportação, o profeta dá aos exilados a boa notícia de que o próprio Deus irá cuidar do seu povo: «Eis que Eu mesmo cuidarei das minhas ovelhas e me interessarei por elas» (v. 11). Procura, assim, reacender neles a esperança, exortando-os à confiança e à fidelidade a Deus, que permanece fiel. Os últimos governantes de Israel - reis, sacerdotes, anciãos, etc. - não foram fiéis à sua missão. Deixaram-se conduzir pelo egoísmo, abusando do poder e explorando o povo em proveito próprio. «Ai dos pastores de Israel, que se apascentam a si mesmos!», era o grito acusador do profeta. Apascentavam-se a si mesmos, em vez de se porem ao serviço do rebanho, para o defender das feras, o guiar a boas pastagens, procurar as ovelhas perdidas e cuidar das fracas (vv. 3s.). E sobreveio a tragédia: a queda de Jerusalém, o exílio. Agora, Deus pede-lhes contas pelos danos causados e vai retirar-lhes o poder sobre o povo, encarregando-se, Ele mesmo, de cuidar delas.

    Evangelho: Mateus, 20, 1-16a

    1«Naquele tempo, dise Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: Reino do Céu é semelhante a um proprietário que saiu ao romper da manhã, a fim de contratar trabalhadores para a sua vinha. 2Ajustou com eles um denário por dia e enviou-os para a sua vinha. 3Saiu depois pelas nove horas, viu outros na praça, que estavam sem trabalho, 4e disse-lhes: 'Ide também para a minha vinha e tereis o salário que for justo.' 5E eles foram. Saiu de novo por volta do meio-dia e das três da tarde, e fez o mesmo. 6Saindo pelas cinco da tarde, encontrou ainda outros que ali estavam e disse-lhes: 'Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?' 7Responderam-lhe: 'É que ninguém nos contratou.' Ele disse-lhes: 'Ide também para a minha vinha.' 8Ao entardecer, o dono da vinha disse ao capataz: 'Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até aos primeiros.' 9Vieram os das cinco da tarde e receberam um denário cada um. 10Vieram, por seu turno, os primeiros e julgaram que iam receber mais, mas receberam, também eles, um denário cada um. 11Depois de o terem recebido, começaram a murmurar contra o proprietário, dizendo: 12'Estes últimos só trabalharam uma hora e deste-lhes a mesma paga que a nós, que suportámos o cansaço do dia e o seu calor.' 13O proprietário respondeu a um deles: 'Em nada te prejudico, meu amigo. Não foi um denário que nós ajustámos? 14Leva, então, o que te é devido e segue o teu caminho, pois eu quero dar a este último tanto como a ti. 15Ou não me será permitido dispor dos meus bens como eu entender? Será que tens inveja por eu ser bom?' 16Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.

    «Muitos dos primeiros serão os últimos, e muitos dos últimos serão os primeiros», afirmou Jesus (Mt 20, 16ª). A parábola de hoje, esclarece esta afirmação. Esta parábola, contada por Jesus com tanta vivacidade, é um aviso ao povo de Irael, o primeiro a ser chamado, para que se alegre com o surpreendente uso que o Senhor faz da liberdade em relação aos «últimos», os pagãos, os publicanos, os pecadores. Mas é também um aviso a nós, cristãos de hoje, para que nos convertamos aos critérios de Deus. Não são os ricos e poderosos que entram, ou têm precedência no reino de Deus, mas os pobres e fracos. O reino de Deus não se conquista por méritos próprios, mas é um dom gratuito, a acolher com humildade e gratidão. Já pelo profeta Isaías, Deus avisara: «Os meus planos não são os vossos planos,os vossos caminhos não são os meus caminhos - oráculo do Senhor. Tanto quanto os céus estão acima da terra, assim os meus caminhos são mais altos que os vossos, e os meus planos, mais altos que os vossos planos» (Is 55, 8-9). Se ao jovem rico era exigido um salto de qualidade, a todos é pedido que se desembaracem da própria justiça, baseada em cálculos exactos, para usufruir da bondade infinita de Deus e da superabundância da sua graça.

    Meditatio

    A imagem do pastor e do rebanho é frequente no Médio Oriente. Ainda que a criação de ovelhas não seja para benefício delas, mas dos homens, cria-se entre o pastor e o rebanho uma relação onde não falta o afecto e a dedicação. É baseando-se nessa relação que a Bíblia exorta os reis e chefes do povo a servir bem o seu rebanho.
    Na primeira leitura escutamos as invectivas de Ezequiel contra os pastores de Israel, «que se apascentam a si mesmos», em vez de «apascentarem o rebanho?» Pela boca do profeta, Deus repreende os pecados de egoísmo dos pastores que, em vez de cuidarem do rebanho, buscam vantagens para si, leite, isto é, vantagens materiais, e lã, isto é, honras segundo a interpretação que S. Agostinho faz deste texto. Mas Deus também censura os pecados de omissão, o desleixo e a pregui&cc
    edil;a: «não tratastes das que eram fracas, não cuidastes da que estava doente, não curastes a que estava ferida; não reconduzistes a transviada; não procurastes a que se tinha perdido» (v. 4). A irresponsabilidade dos pastores leva Deus a pronunciar um juízo severo e radical: «Aqui estou Eu contra os pastores! Vou tirar as minhas ovelhas das suas mãos, e não permitirei que apascentem mais as minhas ovelhas; e eles não se apascentarão mais a si mesmos» (v. 10).
    Esta profecia atingirá a sua máxima realização em Jesus, o Bom Pastor, que veio para servir e não para ser servido, que chegou ao extremo de dar a vida pelo seu rebanho. S. Pedro convida os que dirigem a Igreja, os presbíteros, a serem, como Cristo, bons pastores: «Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, governando-o não à força, mas de boa vontade, tal como Deus quer; não por um mesquinho espírito de lucro, mas com zelo; não com um poder autoritário sobre a herança do Senhor, mas como modelos do rebanho» (1 Pe 5, 2-3). O verdadeiro apóstolo deve actuar com generosidade, desinteresse e humildade. Mas todo o cristão deve evitar as atitudes denunciadas por Ezequiel e seguir o exemplo de Cristo e de Pedro.
    O evangelho revela-nos o coração grande do nosso Deus, que nos ama com absoluta gratuidade. É também com um coração grande que havemos de O acolher e anunciar.

    Oratio

    Senhor, dá-nos um coração grande para amar. Dá-nos um coração capaz de ver a grandeza, encontrar a beleza e saborear a bondade de tudo quanto criastes. Dá-nos um coração capaz de se admirar, de louvar e de agradecer. Dá-nos um coração onde haja espaço para as alegrias e os sofrimentos dos irmãos. Dá-nos um coração capaz de abarcar a história, e de guardar na meditação os acontecimentos, como Maria. Dá-nos um coração, onde possas habitar, Tu, nosso Deus, imenso e cheio de generosidade. Amen.

    Contemplatio

    O que Deus fez pela humanidade, fá-lo por cada alma. Chama-nos nas diversas idades da nossa vida: educação cristã, vocação, retiros, acontecimentos providenciais. Chama-nos cada dia pelos exercícios piedosos da nossa regra. O belo ofício da septuagésima exprime isto colocando-nos sob os olhos em cada uma das horas canónicas os apelos da parábola: «Ide para a vinha. - Porque permaneceis assim ociosos?»
    Vou decidir-me a um trabalho activo, zeloso, contínuo pela minha santificação e pelo apostolado do Sagrado Coração, ao qual sou chamado?
    ...O bom Mestre no-lo dará, se tivermos trabalhado. «Chamai os trabalhadores, diz Ele à tarde aos seus ministros, e dai-lhes o salário». Notemos, de passagem, que Nosso Senhor dá aqui uma lição de justiça e de caridade a todos os senhores. É preciso dar um salário equitativo e dá-lo sem demora. É bom mesmo ir além da justiça e por caridade dar mais do que se deve àqueles que não puderam trabalhar muito, aos infelizes, aos indigentes, aos impotentes. Mas nós, sob que condição teremos o salário? O ofício do dia no-lo recorda mandando-nos reler nos capítula os conselhos vigorosos de S. Paulo. A vida cristã, diz, é um estádio. Nem todos ganham os prémios, mas somente aqueles que correm com vigor, aqueles que não se divertem e que não se atrasam no caminho. Os lutadores do círculo, diz S. Paulo, abstêm-se de tudo o que os amolece. E nós, fazemo-lo? O (Leão Dehon, OSP 3, pp. 129.130s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Eu mesmo cuidarei das minhas ovelhas
    e me interessarei por elas» (Ez 34, 11).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    18 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 36, 23-28

    Eis o que diz o Senhor: 23Quero santificar o meu santo nome, que vós aviltastes, profanastes entre as nações, para que eles saibam que Eu sou o Senhor - oráculo do Senhor Deus - quando a seus olhos for santificado por vós. 24Eu vos retirarei de entre as nações, recolher-vos-ei de todos os países e vos reconduzirei à vossa terra. 25Derramarei sobre vós uma água pura e sereis purificados; Eu vos purificarei de todas as manchas e de todos os pecados. 26Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo: arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. 27Dentro de vós porei o meu espírito, fazendo com que sigais as minhas leis e obedeçais e pratiqueis os meus preceitos. 28Habitareis no país que dei a vossos pais; sereis o meu povo e Eu serei o vosso Deus.

    O nome de Deus foi blasfemado entre os povos por causa da culpa colectiva e individual de Israel. Por isso, Ezequiel estava plenamente convicto da justeza do castigo que caíra sobre o seu povo. Mas não estava menos convicto da vontade salvífica de Deus, que irá inverter a situação. Por amor do seu nome, e para mostrar o seu poder e fidelidade entre os povos, vai fazer regressar Israel do exílio. Haverá um novo êxodo, uma nova libertação. Vai purificar radicalmente o seu povo e, sobretudo, transformá-lo a partir de dentro, fazendo dele uma nova criatura: «arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne» (v. 26). Jeremias já tinha usado a imagem do «coração novo» (Jr 31, 31-34). Entre os semitas, o coração era considerado a sede do pensamento, da vontade, do sentimento, da vida moral, da decisão radical, aquilo que hoje chamamos o «eu» profundo. O «coração de pedra», duro, insensível e pesado, será substituído por um «coração de carne», isto é, um coração capaz de amar e de ser amado, dócil, acolhedor, vivo, em sintonia com o coração de Deus. Para que não volte a endurecer, o coração novo será animado por um espírito novo. Animado pelo Espírito, Israel poderá observar, interiormente e por amor, a aliança sinaítica, sem se limitar a exterioridades legalistas.

    Evangelho: Mateus, 22, 1-14

    1Naquele tempo, Jesus dirigiu-se de novo aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo e, falando em parábolas, disse-lhes: 2«O Reino do Céu é comparável a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. 3Mandou os servos chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram comparecer. 4De novo mandou outros servos, ordenando-lhes: 'Dizei aos convidados: O meu banquete está pronto; abateram-se os meus bois e as minhas reses gordas; tudo está preparado. Vinde às bodas.' 5Mas eles, sem se importarem, foram um para o seu campo, outro para o seu negócio. 6Os restantes, apoderando-se dos servos, maltrataram-nos e mataram-nos. 7O rei ficou irado e enviou as suas tropas, que exterminaram aqueles assassinos e incendiaram a sua cidade. 8Disse, depois, aos servos: 'O banquete das núpcias está pronto, mas os convidados não eram dignos. 9Ide, pois, às saídas dos caminhos e convidai para as bodas todos quantos encontrardes.' 10Os servos, saindo pelos caminhos, reuniram todos aqueles que encontraram, maus e bons, e a sala do banquete encheu-se de convidados. 11Quando o rei entrou para ver os convidados, viu um homem que não trazia o traje nupcial. 12E disse-lhe: 'Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?' Mas ele emudeceu. 13O rei disse, então, aos servos: 'Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.' 14Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.»

    Na tradição bíblica, o banquete de núpcias é a mais alta expressão de festa. Jesus compara o reino de Deus exactamente a um banquete de núpcias. Mais ainda, compara-o ao banquete que um rei preparou para o casamento do seu filho. Era de esperar uma enorme e bem sucedida festa. Mas, surgem imprevistos. Os convidados recusam participar. Na perspectiva teológica de Mateus, esta parábola refere-se a Israel, desde os seus princípios até à vinda do Messias. Foi sempre um povo rebelde, e acabou por recusar o Messias, com os seus dons. Mas Deus, que tem «tudo pronto», abre o banquete a outros convidados. Os novos comensais formam o novo Israel, a Igreja, santa, mas sempre carecida de conversão, e que, por isso, precisa sempre de estar atenta para conservar a veste nupcial.
    Esta parábola ensina-nos que o convite para a festa do banquete é uma graça, um dom que envolve e compromete seriamente toda a nossa vida, que a faz nova. Podemos acolhê-lo ou recusá-lo. Quem o recusa, encontra sempre desculpas e justificações, que não são mais do que auto-enganos. Quem entra na sala nupcial também não deve pensar que tem a salvação garantida. Ainda que a entrada seja gratuita e oferecida a todos, exige dos participantes a veste nupcial e as disposições correspondentes, especialmente «revestir-se de Cristo» (Rm 13, 14; Gl 3, 27).

    Meditatio

    Ezequiel retoma e aprofunda os temas de Jeremias relativos à nova aliança, e acrescenta outros. Começa por anunciar a promessa do perdão, que apresenta como purificação: «Derramarei sobre vós uma água pura e sereis purificados; Eu vos purificarei de todas as manchas e de todos os pecados» (v. 25). Para o povo, que se sente manchado pelo pecado, é uma promessa atraente. A água pura e purificadora vem de Deus. Por isso, é eficaz, realizando o que o homem, por si mesmo, não pode realizar. E cada um poderá apresentar-se dignamente diante de Deus.
    Depois do primeiro anúncio, surge outro, onde Ezequiel retoma o adjectivo «novo», já usado por Jeremias: «Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo» (v. 26). Como sabemos, a nova aliança estava prometida como uma aliança interior. Em Jeremias, Deus prometia escrever a sua lei no coração. Em Ezequiel, será mudado o próprio coração. Deus dará um coração novo e um espírito novo, para animar esse coração; arrancará o coração de pedra e dará um coração de carne. A nova lei, escrita sobre um coração de pedra, não teria grande utilidade. Por isso, Deus promete dar «um coração de carne», um coração compassivo e dócil, um coração aberto ao Senhor. O «espírito novo» prometido é o espírito próprio de Deus: «Dentro de vós porei o meu espírito» (v. 27). Este espírito, não é a mente, mas um impulso, um sopro, o sopro de Deus que dá vida e dinamismo. Este dinamismo permite alcançar o que a lei estática, escrita sobre pedras, não podia: a completa docilidade, motivada pelo amor, à vontade
    de Deus: «Dentro de vós porei o meu espírito, fazendo com que sigais as minhas leis e obedeçais e pratiqueis os meus preceitos» (v. 27). Graças ao Espírito Santo, a relação com Deus torna-se viva, profunda e dinâmica. E a docilidade torna-se alegria.
    O evangelho de hoje mostra-nos que esta promessa é universal: todos são convidados para o banquete de núpcias. O rei manda os seus servos «às saídas dos caminhos» (v. 9) e ordena: «convidai para as bodas todos quantos encontrardes» (v. 9). A única condição é receber e usar a veste nupcial, tal como em Ezequiel era deixar-se purificar. Sem a purificação oferecida por Deus, não é possível ser admitido à nova aliança, ao banquete de núpcias do Filho do rei: «No amor de Cristo, que aceita a morte como doação suprema da sua vida pelos homens e como obediência filial ao Pai, o Padre Dehon vê a própria fonte da salvação. Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja» (Cst 3; cf. Léon Dehon, Études sur le Sacré-Coeur, I, p. 114).

    Oratio

    Senhor, a salvação que ofereces, é uma novidade maravilhosa: coração novo, veste nupcial. Não se trata, pois, de simplesmente reparar o que estava estragado, ou de reajustar o que estava desajustado. Trata-se de uma nova criação, de um tornar novas todas as coisas, de surpresa em surpresa, até que surjam os novos céus e a nova terra. E tudo isto se realiza, não só nos grandes acontecimentos, mas também íntimo de cada coração humano. Obrigado, Senhor, por teres deixado abrir o teu Coração, no alto da cruz. Que saibamos deixar-nos purificar e saciar pelo sangue e pela água que dele brotam, para nos tornarmos homens novos, na comunidade de amor, que é a tua Igreja. Amen.

    Contemplatio

    O Coração de Jesus é a fonte e o modelo da vida sobrenatural. Em Jesus, não se trata de vida de fé. Jesus tem mais do que a fé, tem a visão das coisas sobrenaturais. Está unido a seu Pai pela clara visão, como nós lhe estamos unidos pela fé. Ele é o homem espiritual por excelência. Os filhos de Adão, terrestres por natureza, elevam-se com dificuldade à vida sobrenatural, pela fé e pela graça. «O primeiro homem, saído da terra, era terrestre, diz S. Paulo, e os seus filhos são-lhe semelhantes» (1Cor 15). A graça levanta-os e eles voltam a cair: «Até quando, diz o salmista, tereis um coração pesado, que volta a cair sem cessar na vaidade e na mentira?» (Sl 4). Jesus vem, é a luz do mundo, ilumina a nossa fé... «Quem me segue, diz, não caminha nas trevas» (Jo 8). Ezequiel tinha-o predito: «O Salvador dá-nos um coração novo», ou, se quisermos, liberta o nosso coração do seu peso e da sua dureza (Ez 36). «Senhor, fazei que eu veja» (Mc 10). Fazei que eu considere todas as coisas com os olhos da fé. Dai-me um coração puro e um espírito recto! Mas é preciso que eu concorra com esta graça mantendo-me sem cessar unido a vós, ó meu Deus. Quero fazê-lo, ajudai-me. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 111s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «A esposa está preparada:
    felizes os convidados para as núpcias do Cordeiro» (cf. Apoc 19, 7-9)

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    19 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 37, 1-14

    1A mão do Senhor desceu sobre mim; então, conduziu-me em espírito e colocou-me no meio de um vale que estava cheio de ossos. 2Fez-me passar junto deles, à sua volta, e eis que eles eram muitos sobre o solo do vale; e estavam completamente ressequidos. 3O Senhor disse-me: «Filho de homem, estes ossos poderão voltar à vida?» Eu respondi: «Senhor Deus, só Tu o sabes.» 4Ele disse-me: «Profetiza sobre estes ossos e diz-lhes: Ossos ressequidos, ouvi a palavra do Senhor. 5Assim fala o Senhor Deus a estes ossos: Eis que vou introduzir em vós o sopro da vida para que revivais. 6Dar-vos-ei nervos, farei crescer a carne que revestirei de pele e depois dar-vos-ei o sopro da vida, para que revivais. Sabereis assim, que Eu sou o Senhor.» 7Profetizei, segundo a ordem recebida. E aconteceu que, enquanto eu profetizava, ouviu-se um ruído, depois um tumulto ensurdecedor; entretanto, os ossos iam-se juntando uns aos outros. 8Olhei e eis que se formavam nervos, a carne crescia, e a pele cobria-os por cima; mas neles não havia espírito. 9Então, Ele disse-me: «Profetiza! Profetiza, filho de homem, e diz ao espírito: Assim fala o Senhor Deus: 'Espírito, vem dos quatro ventos, sopra sobre estes mortos, para que eles recuperem a vida'.» 10Profetizei como me era ordenado e, imediatamente, o espírito penetrou neles. Retomando a vida, endireitaram-se sobre os pés; era um exército muito numeroso. 11Ele disse-me: «Filho de homem, esses ossos são toda a casa de Israel. Eles dizem: 'Os nossos ossos estão completamente ressequidos, a nossa esperança desvaneceu-se; ficámos reduzidos a isto.' 12Profetiza, por conseguinte, e diz-lhes: Assim fala o Senhor Deus: Eis que abrirei as vossas sepulturas e vos farei sair delas, meu povo, e vos reconduzirei à terra de Israel. 13Então, reconhecereis que Eu sou o Senhor Deus, quando abrir as vossas sepulturas e vos fizer sair delas, ó meu povo. 14Introduzirei em vós o meu espírito e vivereis; estabelecer-vos-ei na vossa terra. Então, reconhecereis que Eu, o Senhor, falei e agi» - oráculo do Senhor.

    A impressionante visão dos ossos ressequidos e reanimados torna-se uma parábola para responder às queixas de Israel. O texto é composto por duas partes: a visão (vv. 1-10) e a sua explicação (vv. 11-14). A visão acontece em Babilónia, talvez na planície onde viviam os israelitas exilados, e onde Ezequiel já tinha visto a «glória de Deus». O profeta vê um espectáculo desolador: um montão de ossos ressequidos e calcinados, ossos de muitos dias, morte por toda a parte. O Senhor faz a Ezequiel uma pergunta aparentemente absurda: «poderão estes ossos voltar à vida?». O profeta responde: «Senhor Deus, só Tu o sabes» (v. 3). Então, o Senhor manda Ezequiel profetizar sobre os ossos. Aqueles resíduos humanos têm de "ouvir", mais uma vez, a palavra divina e "saber" que Ele é o Senhor (v. 4). O profeta usa uma linguagem concreta e cheia de dinamismo: ruah-vento-espírito, sopro animador nas quatro direcções, vida por toda a parte: «o espírito penetrou neles. Retomando a vida, endireitaram-se sobre os pés» (v. 10). A palavra de Deus torna-se realidade. Estamos no eixo central da visão, da parábola e da teologia desta passagem do livro de Ezequiel.
    Depois, vem a explicação, dada pelo Senhor: os ossos são os exilados, privados de vida e de esperança (vv. 11s.). Deus garante-lhes que irá realizar o prodígio da sua restauração. À imagem dos ossos revitalizados, Deus acrescenta outras para reforçar a ideia do seu poder (v. 13). Para o poder divino não há situações desesperadas, irreversíveis.

    Evangelho: Mateus, 22, 34-40

    34Naquele tempo, os fariseus, ouvindo dizer que Jesus reduzira os saduceus ao silêncio, reuniram-se em grupo. 35E um deles, que era legista, perguntou-lhe para o embaraçar: 36«Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?» 37Jesus disse-lhe:Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. 38Este é o maior e o primeiro mandamento. 39O segundo é semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. 40Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.»

    Depois da questão sobre o tributo a César (22, 15-22), da questão sobre a ressurreição dos mortos (22, 23-33), postas pelos saduceus, ricos e poderosos, entram em cena os fariseus, doutos e observantes. Estes perguntam qual é o maior mandamento da Lei. Perdidos na floresta das leis, aparentemente, queriam saber qual o princípio supremo que tudo justifica e unifica. Mas eram movidos por uma intenção que não era recta: interrogaram Jesus «para o embaraçar» (v. 35). Tinham resumido as muitas leis da Tora em 613 preceitos, 365 proibições e 248 mandamentos positivos. Mas, ainda assim, fazia sentido procurar saber «qual é o maior mandamento da Lei» (v. 36). Na sua resposta, Jesus não se coloca na lógica da hierarquia dos mandamentos. Prefere ir à essência da Lei, orientando para o princípio que a inspira e para a disposição interior com que deve ser observada: o amor, na sua dupla vertente, isto é, para com Deus e para com o próximo (vv. 37ss.). Jesus refere-se a Dt 6, 5, onde são sublinhadas a totalidade, a intensidade e a autenticidade do amor a Deus: «com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente» (v. 37). Ao lado do amor a Deus, e ao mesmo nível, Jesus coloca o amor ao próximo. Não se podem separar as duas dimensões do mandamento que sintetiza «toda a Lei e os Profetas» (v. 40).

    Meditatio

    Ezequiel apresenta-nos o quadro horripilante de uma planície coberta de ossos ressequidos e calcinados. Deus manda-lhe profetizar sobre esses ossos, para lhes anunciar uma surpreendente transformação. À palavra do profeta, esses ossos entram em movimento, organizando-se em esqueletos e cobrindo-se de nervos, de carne e de pele. Mas ainda são apenas cadáveres, porque não respiram. Então é ordenado a Ezequiel que volte a profetizar, para invocar o Espírito: «Profetiza! Profetiza, filho de homem, e diz ao espírito: Assim fala o Senhor Deus: 'Espírito, vem dos quatro ventos, sopra sobre estes mortos, para que eles recuperem a vida'» (v. 9). O Espírito de Deus, veio, penetrou nos corpos e reanimou-os: «Retomando a vida, endireitaram-se sobre os pés; era um exército muito numeroso» (v. 10).
    Deus começou por perguntar ao profeta: «Filho de homem, estes ossos poderão voltar à vida?»(v. 3). A resposta mais espontânea seria: «Não. Não é possível». Mas Ezequiel, que conhecia o poder de Deus, e que só Ele toma a decisão definitiva, respondeu: «Senhor Deus, só Tu o sabes» (v. 3). Deus é capaz de dar nova vida a um povo desfalecido e sem esperança, ainda que as circunstâncias não o deixem prever: «Assim fala o Senhor Deus: Eis que abrirei as vossas sepulturas e vos farei sair dela
    s, meu povo, e vos reconduzirei à terra de Israel. Então, reconhecereis que Eu sou o Senhor Deus, quando abrir as vossas sepulturas e vos fizer sair delas, ó meu povo» (v. 12-13). A ressurreição de que fala este texto á apenas metafórica. Apesar de ser um prodígio do poder de Deus, não é ainda a ressurreição dos mortos, que decorrerá da Ressurreição de Cristo. Mas aponta para ela, uma vez que um oráculo profético não se esgota nas interpretações imediatas.
    A resposta de Jesus sobre o maior dos mandamentos não soou a muito nova e original, aos ouvidos do doutor da lei, que interrogou Jesus «para o embaraçar» (v. 35). Mas será que o doutor entendeu a resposta? As noções, que não são vitalmente assumidas, podem comparar-se aos ossos ressequidos da visão de Ezequiel: são tantas que enchem um vale. Mas são áridas, calcinadas, amontoadas desordenadamente, sem carne nem nervos, sem espírito de vida.
    A profecia de Ezequiel realiza-se perfeitamente com a vinda de Cristo. É Ele que revitaliza a humanidade ressequida e calcinada pelo pecado e pelas suas consequências. É Ele o homem de coração novo. Para nos dar a vida nova, Cristo pregou na Sua cruz o nosso homem velho: «Sabemos bem que o nosso homem velho foi crucificado com Ele, para que... não fôssemos escravos do pecado» (Rm 6, 6) e, em Cristo ressuscitado, fôssemos revestidos do homem novo, «criado segundo Deus na santidade verdadeira» (Ef 4, 24). O homem novo foi dotado do Espírito: «O amor de Deus foi derramado nos nossos corações, por meio do Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). Assim pode viver a vida nova, em Cristo, o Homem novo.

    Oratio

    Senhor, derrama sobre nós o teu Espírito, para que não permaneçamos ossos ressequidos, corpos sem vida na sociedade, na comunidade, na família. A superficialidade, a banalidade, o frenesim, que tantas vezes nos caracterizam, apenas escondem o vazio que nos preenche. Manda o teu Espírito, para que não desfaleçamos no tédio, na frieza, nas relações estéreis, entre as ruínas de ideologias desmoronadas, e entre os farrapos dos nossos sonhos desfeitos. Viestes para nos dar a vida, e dá-la em abundância. De Ti a esperamos! Amen.

    Contemplatio

    Jesus é a vida da nossa alma. - No cristão há duas vidas: a vida natural e puramente humana, vinda de uma fonte natural e humana e cujas operações e destinos são apenas naturais e humanos. Faz de nós filhos dos homens. Chama-se também a vida terrestre ou o velho homem. Mas há também a vida sobrenatural e divina, vinda de Deus pelo Espírito Santo, merecida e dada às nossas almas pelo sangue do Coração de Jesus; as suas operações e os seus destinos são sobrenaturais e divinos. Faz de nós filhos de Deus. Chama-se também a vida espiritual, a vida celeste, a vida nova, o homem novo (Jo 1, 12). Esta vida é derramada nas nossas almas pelo Espírito Santo que a vem formar em nós no baptismo, e que permanece em nós para a guardar e para a desenvolver até à formação do homem perfeito. É pela sua misericórdia, diz S. Paulo, que Deus nos faz renascer pelo baptismo, renovando-nos no Espírito Santo. Este Espírito, derramou-o sobre nós com abundância, por Jesus Cristo Nosso Senhor, a fim de que, justificados pela sua graça, sejamos, segundo a nossa esperança, herdeiros da vida eterna (Tit 3,5). (Pe. Dehon, OSP 4, p. 182).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Eu sou a ressurreição e a vida» (Jo 11, 25).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    20 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XX Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel, 43, 1-7ª.

    1O Anjo do Senhor conduziu-me ao pórtico, ao pórtico que dá para oriente. 2E eis que a glória do Deus de Israel chegava do lado do oriente. Um ruído a acompanhava, semelhante ao ruído de grandes águas, e a terra resplandecia com a sua glória. 3Esta visão recordava-me a que eu tinha tido, quando viera para destruir a cidade, e também o que eu tinha visto junto ao rio Cabar. Então, caí com o rosto por terra. 4A glória do Senhor entrou no templo pelo pórtico que dá para Oriente. 5O espírito conduziu-me e levou-me para o átrio interior. E eis que a glória do Senhor enchia o templo. 6Eu ouvi que alguém me falava, no templo; e o homem estava de pé junto a mim. 7E disse-me: «Filho de homem, aqui é o lugar do meu trono, o lugar onde coloco a planta dos meus pés, a minha residência definitiva entre os filhos de Israel, para sempre.

    A história de Israel, marcada pela infidelidade ao Senhor, com os inevitáveis castigos recebidos, terá um fim feliz. Os capítulos 40-48 terão como tema central o regresso da «Glória do Senhor» ao novo templo, na nova Jerusalém. O ponto culminante desta história encontra-se precisamente no capítulo 48 onde se lê: «Desde esse dia, o nome da cidade (de Jerusalém) será: O-Senhor-está-lá» (48, 35).
    Ezequiel narra uma visão. Encontra-se no átrio externo e vê chegar a «Glória do Senhor». A Glória divina, com um novo movimento fragoroso e fulgurante está de volta. Tinha-se afastado do seu santuário em direcção ao oriente, permanecendo com os cativos. Agora volta, com o mesmo fulgor com que o profeta a contemplara junto ao rio Cabar, penetrando no templo pela porta oriental, por onde saíra. No átrio interior do templo, Ezequiel vê uma nuvem luminosa encher o templo, como acontecera no êxodo (Ex 40, 32-36) e no momento da consagração do templo de Salomão (1 Rs 8, 10). Deus volta a reinar em Israel, restabeleceu no templo o seu trono. A restauração de Israel é para sempre, e a presença de Javé no meio do seu povo é «definitiva» (v. 7).
    Ao contrário de Ezequiel, nós sabemos que a história não acaba aqui. A presença verdadeiramente definitiva de Deus, no meio do seu povo, não será num templo, mas na carne humana de Jesus Cristo, o Emanuel, o «Deus connosco».

    Evangelho: Mateus, 23, 1-12

    1Naquele tempo, Jesus falou à multidão e aos seus discípulos, dizendo: 2«Os doutores da Lei e os fariseus instalaram-se na cátedra de Moisés. 3Fazei, pois, e observai tudo o que eles disserem, mas não imiteis as suas obras, pois eles dizem e não fazem. 4Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar. 5Tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens. Por isso, alargam as filactérias e alongam as orlas dos seus mantos. 6Gostam de ocupar o primeiro lugar nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. 7Gostam das saudações nas praças públicas e de serem chamados 'mestres' pelos homens. 8Quanto a vós, não vos deixeis tratar por 'mestres', pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai', porque um só é o vosso 'Pai': aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores', porque um só é o vosso 'Doutor': Cristo. 11O maior de entre vós será o vosso servo. 12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

    No texto, que hoje escutamos, atinge o auge a polémica entre Jesus e os escribas e fariseus, que vem crescendo desde o c. 21. Dirigindo-se directamente à multidão e aos discípulos, Jesus previne-os contra o perigo que o Evangelho sempre corre na história: a discrepância entre o dizer e o fazer, entre o ensinamento e o testemunho. Jesus não pretende esmagar pessoas, ou confundir doutrinas. Pretende apenas denunciar a hipocrisia, isto é, a interpretação e a prática aberrantes de uma doutrina, em si, correcta. Os fariseus e escribas apoderaram-se da autoridade de ensinar, legislaram para os outros, mas não cumprem o que dizem. Pelo contrário, «tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens» (v. 5). Nos versículos 8-12, Jesus passa a usar o «vós» para interpelar directamente os seus discípulos, de ontem e de hoje. A verdadeira grandeza dos cristãos está em ser pequeno, e a verdadeira glória, em ser humilde. Os títulos e as honras são relativos, porque «só é o vosso Mestre» e «um só é o vosso 'Pai».

    Meditatio

    Ezequiel, que anos antes anunciara que a Glória do Senhor ia abandonar Jerusalém, proclama, agora, a alegre notícia do seu regresso. O Senhor revelou-lha numa visão que acabava de ter e era semelhante à primeira: «Esta visão recordava-me a que eu tinha tido, quando viera para destruir a cidade, e também o que eu tinha visto junto ao rio Cabar» (v. 3). Deus vai regressar a Jerusalém, habitar o novo templo, e viver no meio do seu povo. A Glória do Senhor encherá o templo. Ezequiel vê antecipadamente a realização dessa promessa: «O espírito conduziu-me e levou-me para o átrio interior. E eis que a glória do Senhor enchia o templo» (v. 5). Esta palavra corresponde à que lemos no Êxodo: «Moisés já não pôde entrar na tenda da reunião, porque a nuvem pairava sobre ela, e a glória do Senhor enchia o santuário» (Ex 40, 35). O mesmo aconteceu quando da dedicação do templo de Salomão: «Logo que Salomão terminou esta prece, o fogo desceu do céu e consumiu o holocausto e as vítimas, e a glória do Senhor encheu o templo. Por isso, os sacerdotes não podiam entrar no templo do Senhor, porque a sua glória o enchia completamente» (2 Cr 7, 1-2). Deus prometeu habitar no meio de Israel para sempre: «Filho de homem, aqui é o lugar do meu trono, a minha residência definitiva entre os filhos de Israel, para sempre» (v. 7). Na verdade, o templo material, ainda não era a morada definitiva de Deus no meio dos homens. Ao mesmo tempo que Ezequiel proclamava a sua profecia, outro profeta, também no exílio, afirmava: «Eis o que diz o Senhor: «O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés. Que templo podereis construir-me, ou que lugar para Eu repousar? Tudo quanto existe é obra das minhas mãos, tudo me pertence - oráculo do Senhor» (Is 66, 1-2). O verdadeiro templo não pode ser material. O templo de que fala Ezequiel também será destruído. Ao fim e ao cabo, Deus prometia um templo mais perfeito, a humanidade de Cristo, verdadeiro santuário, onde Deus se torna presente ao homem, e o homem pode encontrar a Deus. Escreve João: «Quem confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus perman
    ece nele e ele em Deus» (1 Jo 4, 15).

    Oratio

    Senhor, perdoa-nos se, também nós, como os escribas e fariseus, por vezes, ainda que inconscientemente, pretendemos ocupar o lugar de Moisés, ou, pior, ocupar o lugar que só a Ti pertence. Livra-nos de pretendermos ensinar com orgulho, legislar com arrogância, e impor pesados fardos sobre os nossos irmãos e irmãs. Livra-nos de nos apoderarmos da tua palavra de salvação, para a transformar em leis frias e áridas. Ensina-nos a servir por amor e com humildade, como Tu fizeste por nós, no lava-pés. Perdoa-nos, Senhor, e transforma os nossos corações e as nossas estruturas, tantas vezes opressivas. Amen.

    Contemplatio

    «Se alguém me ama e guarda a minha palavra, diz ainda Nosso Senhor, meu Pai amá-lo-á e faremos nele a nossa morada... Aquele que me ama e que o prova observando os meus mandamentos, será amado por meu Pai, e eu amá-lo-ei e manifestar-me-ei a ele... E então compreendereis que estou em meu Pai, e sentireis que estou em vós e vós em mim».
    Ó admirável união! «Estareis unidos a mim, diz Nosso Senhor, pela vida da graça, pelos sentimentos do coração e pelo acordo das vontades... Estarei unido a vós pela influência das minhas luzes e das minhas direcções, pela consolação da minha presença sensível e do meu amor».
    Posso, portanto, viver no Coração de Jesus e Jesus quer viver no meu coração: «Vós em mim e eu em vós», diz-nos. Ó divino Coração de Jesus, sede daqui em diante a minha morada. Em vós rezarei eficazmente, em vós pedirei conselho sem medo de me enganar, em vós contemplarei o modelo de todas as virtudes.
    Sei o meio de habitar em vós, é conformar-me à minha regra e a todas as vossas vontades.
    Agora, posso dizer com David: «Como são amáveis os vossos tabernáculos, ó meu Deus!... Um dia de repouso e de vida sobrenatural na vossa casa, isto é, no vosso Coração, vale mais que mil anos passados entre os pecadores». (Pe. Dehon, OSP 3, p. 452).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Estou no meio de vós como quem serve» (Lc 22, 27).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 21º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    21º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    21 de Agosto, 2022

    ANO C

    21º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 21º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo propõe-nos o tema da "salvação". Diz-nos que o acesso ao "Reino" - à vida plena, à felicidade total ("salvação") - é um dom que Deus oferece a todos os homens e mulheres, sem excepção; mas, para lá chegar, é preciso renunciar a uma vida baseada nesses valores que nos tornam orgulhosos, egoístas, prepotentes, auto-suficientes, e seguir Jesus no seu caminho de amor, de entrega, de dom da vida.
    Na primeira leitura, um profeta não identificado propõe-nos a visão da comunidade escatológica: será uma comunidade universal, à qual terão acesso todos os povos da terra, sem excepção. Os próprios pagãos serão chamados a testemunhar a Boa Nova de Deus e serão convidados para o serviço de Deus, sem qualquer discriminação baseada na raça, na etnia ou na origem.
    No Evangelho, Jesus - confrontado com uma pergunta acerca do número dos que se salvam - sugere que o banquete do "Reino" é para todos; no entanto, não há entradas garantidas, nem bilhetes reservados: é preciso fazer uma opção pela "porta estreita" e aceitar seguir Jesus no dom da vida e no amor total aos irmãos.
    A segunda leitura parece, à primeira vista, apresentar um tema um tanto deslocado e marginal, em relação ao que nos é proposto pelas outras duas leituras; no entanto, as ideias propostas são uma outra forma de abordar a questão da "porta estreita": o verdadeiro crente enfrenta com coragem os sofrimentos e provações, vê neles sinais do amor de Deus que, dessa forma, educa, corrige, mostra o sem sentido de certas opções e nos prepara para a vida nova do "Reino".

    LEITURA I - Is 66,18-21

    Leitura do Livro de Isaías

    Eis o que diz o Senhor:
    «Eu virei reunir todas as nações e todas as línguas,
    para que venham contemplar a minha glória.
    Eu lhes darei um sinal
    e de entre eles enviarei sobreviventes às nações:
    a Társis, a Fut, a Luc, a Mosoc, a Rós, a Tubal e a Java,
    às ilhas remotas que não ouviram falar de Mim
    nem contemplaram ainda a minha glória,
    para que anunciem a minha glória entre as nações.
    De todas as nações, como oferenda ao Senhor,
    eles hão-de reconduzir todos os vossos irmãos,
    em cavalos, em carros, em liteiras,
    em mulas e em dromedários,
    até ao meu santo monte, em Jerusalém - diz o Senhor –
    como os filhos de Israel trazem a sua oblação
    em vaso puro ao templo do Senhor.
    Também escolherei alguns deles para sacerdotes e levitas».

    AMBIENTE

    Os capítulos 56-66 do livro de Isaías (conhecidos genericamente como "Trito-Isaías") são atribuídos pela maior parte dos estudiosos actuais a diversos autores, vinculados espiritualmente ao Deutero-Isaías. Sobre estes autores não sabemos rigorosamente nada, a não ser que apresentaram a sua mensagem nos últimos anos do séc. VI e princípios do séc. V a.C. (as temáticas abordadas situam-nos, claramente, num contexto pós-exílico).
    Dentro das fronteiras do antigo reino de Judá temos, por esta época, uma comunidade heterodoxa, que agrupa judeus regressados do Exílio, judeus que ficaram no país após a catástrofe de 586 a.C., estrangeiros que se estabeleceram em Jerusalém durante o Exílio e outros que, após o regresso dos exilados, vieram oferecer a sua mão-de-obra. Em relação aos estrangeiros, o problema põe-se da seguinte forma: em que medida esses estrangeiros, cada vez mais numerosos, podem ser integrados no Povo de Deus? A questão não é fácil, pois a comunidade regressada do Exílio, ameaçada por inimigos internos (as gentes que ficaram no país e que não entendem o zelo religioso dos retornados) e por inimigos externos (sobretudo os samaritanos), tem tendência a fechar-se. Esdras e Neemias - os grandes líderes desta fase - favoreceram, aliás, uma política xenófoba, proibindo até os casamentos mistos (cf. Esd 9-10; Ne 13,23-27).
    Os textos do Trito-Isaías abordam o problema dos estrangeiros e, como colectânea de textos de autores e pregadores diversos, manifestam, a este respeito, uma vasta gama de atitudes, que vão desde o apelo ao aniquilamento das nações que se obstinam no mal (cf. Is 63,3-6; 64,1; 66,15-16), até à admissão de estrangeiros no seio do Povo de Deus. No geral, domina a perspectiva universalista... É, aliás, nessa perspectiva aberta e tolerante para com os outros povos que o nosso texto nos coloca.

    MENSAGEM

    O autor deste texto considera que todas as nações são chamadas a integrar o Povo de Deus. É nessa perspectiva que ele compõe a visão de carácter escatológico que o nosso texto nos apresenta: no mundo novo que vai chegar, todos são convocados por Deus para integrar o seu Povo.
    O esquema apresenta várias etapas: primeiro, Deus virá para dar início ao processo de reunião das nações (vers. 18); depois, dará um sinal e enviará missionários (escolhidos de entre os povos estrangeiros), a fim de que anunciem a glória do Senhor - mesmo às nações mais distantes (vers. 19); em seguida, as nações responderão ao sinal do Senhor e dirigir-se-ão ao monte santo de Jerusalém (Jerusalém é, na teologia judaica, o "umbigo" do mundo, o lugar onde Deus reside no meio do seu Povo e onde irá irromper a salvação definitiva), trazendo como oferenda ao Senhor os israelitas dispersos no meio das nações (vers. 20); finalmente, o Senhor escolherá de entre os que chegam (dos judeus regressados da Diáspora e dos pagãos que escutaram o convite do Senhor para integrar a comunidade da salvação) sacerdotes e levitas para o servirem (vers. 21).
    Estamos num contexto político em que não era fácil ter uma visão tolerante sobre as outras nações. Dizer que todos os povos são convocados por Deus e que Deus a todos oferece a salvação já é algo de escandaloso para os judeus da época; porém, é algo de inaudito dizer que Jahwéh escolherá de entre eles missionários, a fim de os enviar ao encontro das nações; e é absolutamente inconcebível dizer que Deus vai escolher, de entre os pagãos, sacerdotes e levitas que entrem no espaço sagrado e reservado do Templo (onde, recorde-se, qualquer pagão que entrasse era réu de morte) para o serviço do Senhor.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar as seguintes linhas, para a reflexão:

    ¨ Não é novidade nenhuma dizer que "ao novo Povo de Deus, todos os homens são chamados" (Concílio Vaticano II, Lumen Gentium 13). No Povo de Deus não é decisivo nem a raça, nem o sexo, nem a posição social, nem a
    preparação intelectual, mas sim a adesão a Jesus e o compromisso com o projecto de salvação que o Pai oferece, em Jesus. As nossas comunidades são, não só em teoria mas também na prática, espaços de igualdade e de fraternidade? Há algum tipo de discriminação na minha comunidade cristã, nomeadamente em relação a pessoas que se entende levarem vidas desregradas e moralmente fracassadas? Se há, que sentido é que isso faz?

    ¨ Que sentido é que fazem, neste contexto, certas afirmações e atitudes de cristãos empenhados que reflectem, na prática, um entranhado racismo? A xenofobia é consentânea com a vida de um crente? Por exemplo, dizer que "Portugal é dos portugueses; os outros que voltem para a sua terra" é colaborar na construção dessa comunidade universal, que é o projecto de Deus?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 116 (117)

    Refrão: Ide por todo o mundo, anunciai a boa nova.

    Louvai o Senhor, todas as nações,
    aclamai-O, todos os povos.

    É firme a sua misericórdia para connosco,
    a fidelidade do Senhor permanece para sempre.

    LEITURA II - Heb 12,5-7.11-13

    Leitura da Epístola aos Hebreus

    Irmãos:
    Já esquecestes a exortação que vos é dirigida,
    como a filhos que sois:
    «Meu filho, não desprezes a correcção do Senhor,
    nem desanimes quando Ele te repreende;
    porque o Senhor corrige aquele que ama
    e castiga aquele que reconhece como filho».
    É para vossa correcção que sofreis.
    Deus trata-vos como filhos.
    Qual é o filho a quem o pai não corrige?
    Nenhuma correcção, quando se recebe,
    é considerada como motivo de alegria, mas de tristeza.
    Mais tarde, porém,
    dá àqueles que assim foram exercitados
    um fruto de paz e de justiça.
    Por isso, levantai as vossas mãos fatigadas
    e os vossos joelhos vacilantes
    e dirigi os vossos passos por caminhos direitos,
    para que o coxo não se extravie,
    mas antes seja curado.

    AMBIENTE

    Voltamos à Carta aos Hebreus. O texto que hoje nos é proposto é a continuação do que lemos no passado domingo. Estamos na segunda secção da quarta parte da carta (cf. Heb 12,1-13), onde o autor faz um veemente apelo à constância e a perseverar na fé. Recordemos que esta carta se destina a uma comunidade (ou grupo de comunidades) que já perdeu o entusiasmo inicial e que se arrasta numa fé instalada, cómoda e sem grandes exigências; recordemos também que esta comunidade começa a conhecer as tribulações e as perseguições e corre o risco da apostasia. É neste contexto que temos de situar o apelo que o texto nos apresenta.

    MENSAGEM

    Depois de apelar aos crentes no sentido de se esforçarem, como atletas, para chegar à vitória, a exemplo de Cristo (cf. Heb 12,1-4), o autor convida os cristãos a aceitar as correcções e repreensões de Deus, como actos pedagógicos de um Pai preocupado com a felicidade dos filhos.
    A questão fundamental gira à volta do sentido do sofrimento e das provas que os crentes têm que suportar (nomeadamente, as perseguições e incompreensões que os cristãos sofrem). Uma certa mentalidade religiosa popular considerava o sofrimento como um castigo de Deus para o pecado do homem (cf. Jo 9,1-3); mas, para o autor da Carta aos Hebreus, o sofrimento não é um castigo, mas sim uma medicina, uma pedagogia, que Deus utiliza para nos amadurecer e ensinar a viver. Deus serve-Se desses meios para nos mostrar o sem sentido de certos comportamentos; dessa forma, Ele demonstra a sua solicitude paternal. Como sinais do amor que Deus nos tem, os sofrimentos são uma prova da nossa condição de "filhos de Deus".
    Além de nos mostrarem o amor de Deus, as provas aperfeiçoam-nos, transformam-nos, levam-nos a mudar a nossa vida. Por essa transformação, vamo-nos fazendo interiormente capazes da santidade de Deus, aptos para recebê-la. Por isso, quando chegam, devem ser consideradas como parte do projecto salvador de Deus para nós, portadoras de paz e de salvação... E devem levar-nos ao agradecimento.
    A conclusão apresenta-se em forma de exortação. Citando Is 35,3, o autor da Carta aos Hebreus convida os crentes a confiar e a vencer o temor que desalenta e paralisa.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, ter em conta os seguintes elementos:

    ¨ Com frequência, encontramos pessoas que põem em causa Deus, a partir da questão do sofrimento e do seu sentido: se Deus existe, porque é que deixa que o sofrimento marque a vida do homem, inclusive a vida dos justos e inocentes? Porque é que Deus prova o justo? O Povo de Deus formulou de várias formas estas questões e não encontrou respostas plenamente satisfatórias; mas uma das respostas passa pela constatação de que "Deus escreve direito por linhas tortas" e que Se serve dos acontecimentos mais dramáticos para nos ajudar a redescobrir o sentido da vida e das nossas opções. O sofrimento não é bom em si; mas ajuda-nos a perceber o sem sentido de certos caminhos que seguimos e a corrigir o rumo da nossa vida.

    ¨ No fundo, os sofrimentos e as provas que temos de enfrentar não põem em causa esta certeza fundamental: Deus ama-nos e quer salvar-nos; o sofrimento e as provas permitem-nos, muitas vezes, descobrir essa realidade.

    ¨ Apesar das crises, o cristão nunca deve esquecer o amor de Deus e agradecer por isso. Diante dos sofrimentos, resta-nos agradecer a preocupação desse Deus que, servindo-se dos dramas da vida, nos manifesta o seu amor e nos salva.

    ALELUIA - Jo 14,6

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o caminho, a verdade e a vida, diz o Senhor:
    ninguém vai ao Pai senão por Mim.

    EVANGELHO - Lc 13,22-30

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    Jesus dirigia-Se para Jerusalém
    e ensinava nas cidades e aldeias por onde passava.
    Alguém Lhe perguntou:
    «Senhor, são poucos os que se salvam?»
    Ele respondeu:
    «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita,
    porque Eu vos digo
    que muitos tentarão entrar sem o conseguir.
    Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta,
    vós ficareis fora e batereis à porta, dizendo:
    'Abre-nos, senhor';
    mas ele responder-vos-á: 'Não sei donde sois'.
    Então começareis a dizer:
    'Comemos e bebemos contigo
    e tu ensinaste nas nossas praças'.
    Mas ele responderá:
    'Repito que não sei donde sois.
    Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade'.
    Aí haverá choro e ranger de dentes,
    quando virdes no reino de Deus
    Abraão, Isaac e Jacob e todos os Profetas,
    e vós a serdes postos fora.
    Hão-de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul,
    e sentar-se-ão à mesa do reino de Deus.
    Há últimos que serão dos primeiros
    e primeiros que serão d
    os últimos».

    AMBIENTE

    O episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta recorda-nos que continuamos, com Jesus e com os discípulos, a percorrer o "caminho de Jerusalém". O interesse central desta "viagem" continua a ser descrever os traços do autêntico crente e apontar o caminho do "Reino" à comunidade cristã, herdeira do projecto de Jesus.
    O texto de Lc 13,22-30 é constituído por materiais de distintas procedências, aqui agrupados por razões de interesse temático. Inicialmente, eram "ditos" de Jesus (pronunciados em contextos distintos) sobre a entrada no "Reino" (Mateus apresenta os mesmos "ditos" sob formas e em contextos diferentes - cf. Lc 13,23-24 e Mt 7,13-14; Lc 13,25 e Mt 25,10-12; Lc 13,26-27 e Mt 7,22-23; Lc 13,28-29 e Mt 8,12; Lc 13,30 e Mt 19,30). Lucas aproveita-os para mostrar as diferenças entre a teologia dos judeus e a de Jesus, a propósito da salvação.

    MENSAGEM

    Na perspectiva da catequese que, hoje, Lucas nos apresenta, as palavras de Jesus são uma reflexão sobre a questão da salvação. A catequese é despoletada por uma questão posta na boca de alguém não identificado: "Senhor, são poucos os que se salvam?"
    A questão da salvação era, na realidade, uma questão muito debatida nos ambientes rabínicos. Para os fariseus da época de Jesus, a "salvação" era uma realidade reservada ao Povo eleito e só a ele; mas, nos círculos apocalípticos, dominava uma visão mais pessimista e sustentava-se que muito poucos estavam destinados à felicidade eterna. Jesus, no entanto, falava de Deus como um Pai cheio de misericórdia, cuja bondade acolhia a todos, especialmente os pobres e os débeis. Fazia, portanto, sentido saber o que pensava Jesus acerca da questão...
    Jesus não responde directamente à pergunta. Para Ele, mais do que falar em números concretos a propósito da "salvação", é importante definir as condições para pertencer ao "Reino" e estimular nos discípulos a decisão pelo "Reino". Ora, na óptica de Jesus, entrar no "Reino" é, em primeiro lugar, esforçar-se por "entrar pela porta estreita" (vers. 24). A imagem da "porta estreita" é sugestiva para significar a renúncia a uma série de fardos que "engordam" o homem e que o impedem de viver na lógica do "Reino". Que fardos são esses? A título de exemplo, poderíamos citar o egoísmo, o orgulho, a riqueza, a ambição, o desejo de poder e de domínio... Tudo aquilo que impede o homem de embarcar numa lógica de serviço, de entrega, de amor, de partilha, de dom da vida, impede a adesão ao "Reino".
    Para explicitar melhor o ensinamento acerca da entrada do "Reino", Lucas põe na boca de Jesus uma parábola. Nela, o "Reino" é descrito na linha da tradição judaica, como um banquete em que os eleitos estarão lado a lado com os patriarcas e os profetas (vers. 25-29). Quem se sentará à mesa do "Reino"? Todos aqueles que acolheram o convite de Jesus à salvação aderiram ao seu projecto e aceitaram viver, no seguimento de Jesus, uma vida de doação, de amor e de serviço... Não haverá qualquer critério baseado na raça, na geografia, nos laços étnicos, que barre a alguém a entrada no banquete do "Reino": a única coisa verdadeiramente decisiva é a adesão a Jesus. Quanto àqueles que não acolheram a proposta de Jesus: esses ficarão, logicamente, fora do banquete do "Reino", ainda que se considerem muito santos e tenham pertencido, institucionalmente, ao Povo eleito. É evidente que Jesus está a falar para os judeus e a sugerir que não é pelo facto de pertencerem a Israel que têm assegurada a entrada no "Reino"; mas a parábola aplica-se igualmente aos "discípulos" que, na vida real, não quiserem despir-se do orgulho, do egoísmo, da ambição, para percorrer, com Jesus, o caminho do amor e do dom da vida.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para reflectir e partilhar, considerar os seguintes dados:

    ¨ Em primeiro lugar, é preciso ter a consciência de que o "Reino" não está condicionado a qualquer lógica de sangue, de etnia, de classe, de ideologia política, de estatuto económico: é uma realidade que Deus oferece gratuitamente a todos; basta que se acolha essa oferta de salvação, se adira a Jesus e se aceite entrar pela "porta estreita". Tenho consciência de que a comunidade de Jesus é a comunidade onde todos cabem e onde ninguém é excluído e marginalizado?

    ¨ "Entrar pela porta estreita" significa, na lógica de Jesus, fazer-se pequeno, simples, humilde, servidor, capaz de amar os outros até ao extremo e de fazer da vida um dom. Por outras palavras: significa seguir Jesus no seu exemplo de amor e de entrega. Quando Tiago e João pretenderam reivindicar lugares privilegiados no "Reino", Jesus apressou-Se a dizer-lhes que era necessário primeiro partilhar o destino de Jesus e fazer da vida um dom ("beber o cálice") e um serviço ("o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida"). Jesus é, portanto, o modelo de todos os que querem "entrar pela porta estreita". É o seu exemplo que é proposto a todos os discípulos.

    ¨ Já constatámos todos que esta "porta estreita" não é, hoje, muito popular. A este propósito, os homens de hoje têm perspectivas bem diferentes de Jesus... A felicidade, a vida plena encontra-se, para muitos dos nossos contemporâneos, no poder, no êxito, na exposição social, nos cinco minutos de fama que a televisão proporciona, no dinheiro (afinal, o novo deus que move o mundo, que manipula as consciências e que define quem tem ou não êxito, quem é ou não feliz). Como nos situamos face a isto? As nossas opções vão mais vezes na linha da "porta larga" do mundo, ou da "porta estreita" de Jesus?

    ¨ É preciso ter consciência de que o acesso ao "Reino" não é, nunca, uma conquista definitiva, mas algo que Deus nos oferece cada dia e que, cada dia, nós aceitamos ou rejeitamos. Ninguém tem automaticamente garantido, por decreto, o acesso ao "Reino", de forma que possa, a partir de uma certa altura, ter comportamentos pouco consentâneos com os valores do "Reino". O acesso à salvação é algo a que se responde - positiva ou negativamente - todos os dias e que nunca é um dado totalmente seguro e adquirido.

    ¨ Para nós, assumidamente cristãos, onde está a salvação? Jesus dizia que, no banquete do "Reino", muitos apareceriam a dizer: "comemos e bebemos contigo e tu ensinaste nas nossas praças"; mas receberiam como resposta: "não sei de onde sois; afastai-vos de mim todos os que praticai
    s a iniquidade". Este aviso toca de forma especial aqueles que conheceram bem Jesus, que se sentaram com Ele à mesa (da Eucaristia), que escutaram as suas palavras, que fizeram parte do conselho pastoral da paróquia, que foram fiéis guardiães das chaves da igreja ou dos cheques da conta bancária paroquial, que até, se calhar, se sentaram em tronos episcopais ou papais... mas que nunca se preocuparam em entrar pela "porta estreita" do serviço, da simplicidade, do amor, do dom da vida. Esses - Jesus é perfeitamente claro e objectivo - não terão lugar no "Reino".

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. FIÉIS DE TODA A PARTE.
    As igrejas situadas em lugares turísticos acolhem, neste mês de Agosto, fiéis vindos de toda a parte. No início da celebração, pode-se convidar os membros da assembleia a dizer de que país ou de que região vêm e sublinhar que esta diversidade prefigura o Reino.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Deus, Pai de todos os homens e de todas as nações, nós Te damos graças pela preferência mundial que manifestaste desde o tempo dos profetas. Tu convidas todos os povos da terra a conhecer-Te.
    Nós Te pedimos pelas nossas organizações sociais e políticas. Afasta dos nossos espíritos qualquer pensamento de segregação e que os nossos votos sejam conformes ao ensinamento do teu Filho".

    No final da segunda leitura:
    "Deus nosso Pai, nós Te damos graças porque nos enviaste o teu Filho Jesus, para endireitar os caminhos de infelicidade em caminhos para a ressurreição.
    Nós Te confiamos todos os nossos irmãos e irmãs duramente provados e que se revoltam contra os seus sofrimentos. Que nós possamos convencê-los que as infelicidades e as provações não são punições que vêm de Ti".

    No final do Evangelho:
    "Deus nosso Pai, nós Te damos graças pela porta da tua casa, que Tu nos abres convidando-nos ao festim no teu Reino com os povos de toda a terra.
    Nós Te pedimos por todos os nossos contemporâneos que se encontram nos maus caminhos e procuram outras portas para atingir a felicidade".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    A salvação é um dom de Deus. Ele tomou a iniciativa de nos dar o seu Filho, que deu a sua vida para fazer de nós salvos. Mas é necessário ainda que participemos nesta salvação. Fomos baptizados, catequizados, talvez fomos também fiéis praticantes, mas isso não basta para entrar no Reino. Será preciso que manifestemos pelos actos a nossa adesão à salvação proposta por Cristo. Deus quer salvar-nos, contando connosco. É sobre este amor que seremos julgados: "Vinde a Mim, benditos de meu Pai, vós que destes de comer ou beber, vós que visitastes o prisioneiro ou o doente, vós que vestistes aquele que estava nu..." Aqueles que terão feito o mal serão afastados do Reino. Aqueles que terão feito o bem estarão no número dos eleitos.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Eis uma questão que fez correr muita tinta ao longo da história da Igreja: "Senhor, são poucos os que se salvam?" Uma corrente como o jansenismo - que não é só do passado! - acreditava no pequeno número dos eleitos. Poderíamos encontrar sem dificuldade outros exemplos desta tentação. Sem dúvida, outras palavras de Jesus parecem ir no mesmo sentido: as que falam do largo e espaçoso caminho que leva à perdição, em que muitos se comprometem; as que falam da porta estreita que leva à Vida, em que poucos a encontram. Mas, em contraponto, Jesus declarou aos seus apóstolos: "Na casa de meu Pai, há muitas moradas". Notemos, primeiro, que São Lucas escreve o seu Evangelho quando os cristãos são já perseguidos e as tensões se tornam cada vez mais vivas entre as comunidades cristãs e o judaísmo. A ruptura não está longe de ser dolorosamente consumada. O evangelista recorda-se aqui de um aspecto em que Jesus quer despertar a atenção dos seus compatriotas. Abraão, Isaac e Jacob e todos os profetas souberam escutar a palavra de Deus. Os seus longínquos descendentes fecham-se à palavra de Deus. Jesus não responde à questão do seu ouvinte sobre o número dos eleitos. Mas alarga o debate. É preciso dar um salto na fé para O escutar, ter n'Ele confiança. Isto, certamente, não é fácil, porque o caminho que Jesus deverá percorrer vai conduzi-l'O à cruz e os seus discípulos deverão tomar, por seu vez, esse caminho para ter lugar no festim do reino de Deus. Jesus vê, então, a multidão dos pagãos que acolherão a sua palavra, que virão "do oriente e do ocidente, do norte e do sul". A sua mensagem ultrapassa todas as fronteiras, a salvação não é reservada apenas a um só povo, mesmo sendo o da primeira Aliança. "Os primeiros que serão os últimos" são os contemporâneos de Jesus que recusam escutá-l'O. "Os últimos que serão os primeiros" são o povo da Nova Aliança selada no seu sangue. Então, a palavra de Jesus atinge-nos, ainda hoje. Não tenhamos a pretensão de acreditar que, por sermos cristãos, teremos "direito" à salvação. Jesus é o Salvador de todos os homens. Haverá muitas surpresas "do outro lado"!

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística I para a Reconciliação.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    Tomar o Evangelho a sério... Corrida ao poder, às situações de privilégio, às relações de prestígio, às melhores aplicações bancárias, aos primeiros lugares de todos os géneros... Estamos muito ocupados para conseguir os nossos negócios aqui na terra.
    E eis uma página do Evangelho que vem alterar tudo. Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros. Forte convite a tomar o Evangelho a sério e conformar com ele as nossas vidas... antes que a porta do Reino se feche!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehnianos.org - www.dehonianos.org

  • XXI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    22 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Tessalonicenses 1, 1-5.11b-12

    Início da Segunda Epístola do apóstolo S. Paulo aos Tessalonicences. 1Paulo, Silvano e Timóteo à Igreja de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica. 2Graça e paz a vós da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo.
    3Devemos dar continuamente graças a Deus por vós, irmãos, como é justo, pois que a vossa fé cresce extraordinariamente e a caridade recíproca superabunda em cada um e em todos vós, 4a ponto de nós próprios nos gloriarmos de vós nas igrejas de Deus, pela vossa constância e fé em todas as perseguições e tribulações que suportais. 5Elas são o indício do justo juízo de Deus, para que sejais considerados dignos do reino de Deus pelo qual padeceis. O nosso Deus vos torne dignos da vocação e, com o seu poder, a vossa vontade de bem e a actividade da vossa fé atinjam a plenitude, 12de modo que seja glorificado em vós o nome de Nosso Senhor Jesus e vós nele, segundo a graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.

    A Segunda Carta de Paulo aos Tessalonicenses começa com uma saudação e acção de graças idênticas às da Primeira Carta. O Apóstolo augura «graça e paz» (v. 2), um binómio caro a Paulo, agora inserido nos ritos introdutórios da celebração eucarística. Depois, vem a acção de graças, como também é habitual nas cartas paulinas. O Apóstolo indica três razões específicas para essa acção de graças: a fé, a caridade e a paciência em suportar as tribulações (vv. 3b-5), que são inevitáveis num mundo adverso ao Evangelho. O Apóstolo também sofreu tribulações (thlípsis) (cf 1 Ts 3, 3). Fé, caridade, paciência, são elementos interligados, porque a vitalidade da fé se manifesta na caridade e torna forte a comunidade para enfrentar desafios e sofrimentos. Tudo culmina na oração. Paulo intercede pelos tessalonicenses, para que o Senhor lhes sustente a boa vontade na prática do bem. O Apóstolo está convencido de que toda a existência cristã está sob o signo do dom de Deus oferecido em Jesus Cristo.

    Evangelho: Mateus 23, 13-22

    Naquele tempo, disse Jesus: 13Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque fechais aos homens o Reino do Céu! Nem entrais vós nem deixais entrar os que o querem fazer. 14Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que devorais as casas das viúvas, com o pretexto de prolongadas orações! Por isso, sereis mais rigorosamente julgados. 15Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito e, depois de o terdes seguro, fazeis dele um filho do inferno, duas vezes pior do que vós! 16Ai de vós, guias cegos, que dizeis: 'Se alguém jura pelo santuário, isso não tem importância; mas, se jura pelo ouro do santuário, fica sujeito ao juramento.' 17Insensatos e cegos! Que é o que vale mais? O ouro ou o santuário, que tornou o ouro sagrado? 18Dizeis ainda: 'Se alguém jura pelo altar, isso não tem importância; mas, se jura pela oferta que está sobre o altar, fica sujeito ao juramento.' 19Cegos! Qual é o que vale mais? A oferta ou o altar, que torna sagrada a oferta? 20Portanto, jurar pelo altar é o mesmo que jurar por ele e por tudo o que está sobre ele; 21jurar pelo santuário é jurar por ele e por aquele que nele habita; 22jurar pelo Céu é jurar pelo trono de Deus e por aquele que nele está sentado.

    Jesus prossegue as denúncias contra os escribas e fariseus. Embora fossem representantes oficiais da religiosidade, tinham-se convertido em sério obstáculo para a fé. Por isso, Aquele que se definiu como «manso e humilde de coração», que se comove diante do sofrimento dos outros, que é afável com os pecadores, terno com os pobres e pequenos, que chora pensando na destruição de Jerusalém, condena agora, em tom severo, a hipocrisia religiosa dos fariseus. Os «Ai de vós», na linguagem profética, exprimem uma ameaça de castigo e de juízo, mas também a dor de quem deve falar por causa do mal deplorável.
    Um dos «Ai de vós» dirige-se aos escribas e fariseus que, recusando Jesus e a sua mensagem, também impedem outros de entrar no Reino. O segundo «Ai de vós» dirige-se contra o proselitismo dos judeus, que apenas visa subtrair pessoas à salvação, para as tornar fechadas, rígidas, fanáticas e perigosas como eles, e mais do que eles. O terceiro «Ai de vós» dirige-se aos «guias cegos» que, com as subtilezas da sua casuística, obscurecem o sentido profundo da lei. Invertem a hierarquia de valores: o ouro vale mais que o templo, e a oferta mais que o altar. Falta-lhes o discernimento e a interioridade.

    Meditatio

    O Apóstolo Paulo, quando era fariseu, tinha as atitudes e comportamentos que Jesus verbera no evangelho de hoje. Também ele fechava aos homens o Reino do céu (cf. 13). Mas, uma vez convertido, assumiu atitude e comportamento completamente diferentes: abriu a Igreja a todos os homens de boa vontade, pagãos ou hebreus. Em Tessalónica, converteu muitos pagãos e, nas suas cartas, dá graças a Deus pela fé, esperança e caridade que demonstram. O apóstolo agradece pelos dons da fé e da caridade, concedidos aos tessalonicenses: «Devemos dar continuamente graças a Deus por vós, irmãos... pois que a vossa fé cresce extraordinariamente e a caridade recíproca superabunda em cada um e em todos vós» (v. 3). E acrescenta uma intrigante frase: «Elas são o indício do justo juízo de Deus, para que sejais considerados dignos do reino de Deus pelo qual padeceis (v. 5). Que indício é esse? Qual é o sinal da benevolência de Deus? É a constância e a fé com que enfrentam as perseguições e tribulações. Sem a graça do Senhor, isso não seria possível. Com a graça, as perseguições e tribulações tornam-se ocasiões para crescer na fé e na caridade.
    O evangelho ensina-nos que a evangelização é algo de bem diferente do proselitismo opressor. Quem anuncia o Evangelho, tem consciência de ser um vaso de barro, que leva um tesouro (cf. 2 Cor4, 7). Quem leva esse tesouro ao coração dos outros, há-de fazê-lo com a atitude com que Moisés se aproximou da sarça ardente. O coração humano é terreno sagrado. Antes de se aproximar dele, há que descalçar as sandálias, com receio de o profanar.
    Deus confiou-nos o anúncio do seu Reino. Podemos entrar nele e ajudar os outros a entrar. Mas também podemos não entrar, e impedir que os outros entrem. Os outros não podem se tratados como se fossem "cópias" de nós mesmos. Não podemos impor-lhes a nossa imagem e semelhança. A evangelizaç&a
    tilde;o não pode nem deve ser uma tentativa de "clonagem espiritual". Infelizmente continua a haver «guias cegos» e também cegos que se deixam guiar, tornando-se pessoas sem rosto, enquadrados, nivelados, homologados aos ideais vigentes, sufocados por etiquetas. Onde está a libertação trazida pelo acolhimento da Boa Nova?

    Oratio

    Senhor, obrigado pela obra que realizas na vida dos teus fiéis. Que todos saibamos estar abertos e colaborar nas maravilhas que fazes em nós. Assim, poderemos também cooperar para que outros se abram ao dom do Reino e nele entrem. Que jamais façamos algo, mesmo inconscientemente, que os impeça de entrar.
    Faz-nos testemunhas dignas de Ti e do teu Reino. Que as palavras do profeta Zacarias se tornem realidade para nós, cristãos de hoje: «Naqueles dias, dez homens de todas as línguas das nações tomarão um judeu pela dobra do seu manto e dirão: 'Nós queremos ir convosco, porque soubemos que Deus está convosco´» (Zc 8, 23). Que assim seja, Senhor! Amen!

    Contemplatio

    Vós, diz-nos Nosso Senhor, dareis testemunho de mim. O Espírito Santo dar-vos-á as luzes e as graças para cumprirdes a vossa missão de apóstolos do Sagrado Coração. Dar-vos-á a inteligência e o gosto dos mistérios do meu coração, do meu amor e da minha imolação. Dar-vos-á a força e o zelo para trabalhardes no cumprimento da vossa missão, expandindo esta vida de amor e de imolação segundo a vossa graça. Dar-vos-á a conhecer o caminho que eu segui, o caminho da cruz, do sacrifício e da imolação. Conduzir-vos-á seguindo os meus traços, fará de vós o que deveis ser, vítimas do meu coração.
    Dareis testemunho de mim, se estiverdes unidos a mim e instruídos na minha ciência sagrada pela oração, se os vossos pensamentos forem os meus, se os vossos desejos, as vossas alegrias, as vossas tristezas forem conformes aos desejos, às alegrias, às dores do meu coração.
    Dareis testemunho de mim em palavras, se a vossa conversação for sobrenatural, se falardes como homens de Deus, como padres, como religiosos consagrados ao meu coração.
    Dareis testemunho de mim pelos vossos actos, se fizerdes a vontade de meu Pai e a minha, se agirdes como meus verdadeiros discípulos, como os amigos e as vítimas do meu Coração sagrado, na regularidade, na humildade, no sacrifício e na caridade. (Leão Dehon, OSP 3, p. 431s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O nosso Deus vos torne dignos da vocação» (2 Ts 1, 5).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    23 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Tessalonicenses 2, 1-3a.14-17

    Acerca da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e da nossa reunião junto dele, pedimo-vos, irmãos, 2que não percais tão depressa a presença de espírito, nem vos aterrorizeis com uma revelação profética, uma palavra ou uma carta atribuída a nós, como se o Dia do Senhor estivesse iminente. 3Ninguém, de modo algum, vos engane. 14A isto Ele vos chamou por meio do nosso Evangelho: à posse da glória de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    15Portanto, irmãos, estai firmes e conservai as tradições nas quais fostes instruídos por nós, por palavra ou por carta. 16O próprio Senhor Nosso Jesus Cristo e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu, pela sua graça, uma consolação eterna e uma boa esperança, 17consolem os vossos corações e os confirmem em toda a obra e palavra boa.

    A comunidade de Tessalónica andava muito preocupada com a questão da iminente parusia de Cristo. Paulo vai directo à questão. Começa por rebater ideias erradas, espalhadas por falsos profetas, para acalmar o entusiasmo sonhador e a agitação da comunidade. Quando será Dia do Senhor? Nem Paulo o sabe ao certo. Como qualquer cristão, está à espera. Por isso, escreve: «não percais tão depressa a presença de espírito, nem vos aterrorizeis com uma revelação profética, uma palavra ou uma carta atribuída a nós, como se o Dia do Senhor estivesse iminente» (v. 2). A questão da data nem é importante. Há que não cair no ridículo de a querer marcar, porque «o dia do Senhor chega de noite como um ladrão» (1 Ts 5, 2). O importante é ter em conta os fundamentos da vocação cristã: a eleição, a salvação, a santificação do Espírito, a chamada por meio do Evangelho, a esperança da glória. Por graça de Deus, os cristãos já estão inseridos neste projecto que se está a realizar na história e que atingirá a plenitude no fim. Há, pois, que permanecer firmes nas tradições, que guardam a memória viva de Jesus testemunhada pelos primeiros apóstolos, que, enquanto tais, são garantia de verdade.

    Evangelho: Mateus 23, 23-26

    Naquele tempo, disse Jesus 23Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho e desprezais o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade! Devíeis praticar estas coisas, sem deixar aquelas. 24Guias cegos, que filtrais um mosquito e engolis um camelo! 25Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade! 26Fariseu cego! Limpa antes o interior do copo, para que o exterior também fique limpo.

    A religião é uma questão de interioridade, de coração, na relação com Deus e com o próximo. Se assim não for, converte-se em algo de acrescentado e sobreposto ao homem, algo que esmaga e asfixia, que escraviza. Por isso, Jesus pronuncia mais dois «Ai de vós» contra o legalismo exterior dos doutores da lei e dos fariseus e escribas, que os leva a desprezar o essencial da lei: «a justiça, a misericórdia e a fidelidade!» (v. 23). Também estes são «guias cegos», que se perdem em formalidades: «filtrais um mosquito e engolis um camelo!» (v. 24) - diz Jesus, esquecendo que, o mais importante, é ter o «coração puro»: «limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade!» (v. 25). Só a pureza do coração permite ver a Deus (cf. Mt 5, 8).

    Meditatio

    Os primeiros cristãos viviam na expectativa do iminente fim dos tempos, já em acção desde a ressurreição de Jesus. Em breve voltaria o Senhor, seria o juízo universal, a ressurreição dos mortos e a glória celeste. Mas também havia palavras que afirmavam que o regresso do Senhor não tinha hora marcada: «Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor» (Mt 24, 42). A situação era, pois, incerta, e provocava alguma efervescência e agitação «acerca da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e da nossa reunião junto dele» (2 Ts 2, 1). Alguns cristãos deixaram mesmo de trabalhar e de se interessar pelas coisas comuns da vida, confundidos e perturbados com alguma carta sensacionalista atribuída a Paulo. O Apóstolo toma posição contra essa situação e pede aos tessalonicenses que não se deixem confundir e perturbar tão facilmente por «uma revelação profética, uma palavra ou uma carta atribuída a nós, como se o Dia do Senhor estivesse iminente» (v. 2). Em certo sentido, o dia do Senhor está sempre iminente. Mas nem por isso devemos deixar de viver com generosidade e alegria a vida cristã. O cristão deve viver numa atmosfera de paz, de paciência e de perseverança no trabalho e na luta, e não ávido de revelações ou de acontecimentos extraordinários. O melhor modo de esperar o Senhor é estar ocupado no cumprimento dos próprios deveres e no exercício da caridade. As palavras de Paulo continuam muito actuais.
    «Irmãos, estai firmes e conservai as tradições nas quais fostes instruídos por nós, por palavra ou por carta» (v. 15). No começo da Igreja, já existem tradições a observar, para manter uma vida cristã autêntica, e não se deixar levar pelas seduções enganadoras do mal. Não se trata de fechar-se no passado, esquivos à novidade. Paulo é um homem muito aberto. Escreve aos filipenses: «De resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é respeitável, tudo o que possa ser virtude e mereça louvor, tende isso em mente» (Fl 4, 8). Mas, abertura não quer dizer acolhimento indiscriminado de tudo. É precisa sabedoria e discernimento. «Caríssimos, não deis fé a qualquer espírito, mas examinai se os espíritos são de Deus, pois muitos falsos profetas apareceram no mundo», escreve João (1 Jo 4, 1). Ao falar de tradição, Paulo não está a pensar na miudeza e na rigidez da tradição farisaica, mas na memória de Jesus vivida `com fidelidade criativa nas diferentes situações históricas.
    O caminho de Cristo é o caminho do cristão, e é também o nosso caminho de dehonianos (cf. Cst 12). Por isso, há que manter bem viva a memória de Jesus, transmitida pela Igreja ao longo dos séculos. No caminho de Jesus, que contemplamos particularmente caracterizado pelo abandono à vontade do Pai, pela oblação de amor, somos guiados e apoiados pelo Espírito (cf. Cst 16), que no-lo faz reviver, na fidelidade dinâmica, a exemplo do P. Deh
    on.
    Oratio

    Senhor, vivemos num mundo fortemente agitado pela falta de uma cultura bem definida, de uma tradição comum aceite por todos, de uma clara hierarquia de valores e normas de referência. Esmagados pela pressa e pela busca da eficácia, muitas vezes nos deixamos conduzir por critérios de discernimento baseados na funcionalidade, na utilidade, na eficiência. Como os escribas e fariseus, facilmente trocamos o essencial pelo marginal, o importante pelo urgente, o aparecer pelo ser. Cuidamos do exterior, e descuidamos a pureza e a beleza do coração. Fala-nos, Senhor, e guia-nos pela tua Palavra, pela tradição viva da Igreja, da história, dos acontecimentos, das pessoas. Fala-nos pelo teu Espírito. Que o fragor dos mass media não nos tornem surdos à tua voz. Amen.

    Contemplatio

    Os dois elementos da vida espiritual são a purificação do coração e a direcção do Espírito Santo. Aqui estão os dois pólos de toda a espiritualidade. Por estas duas vias, chegamos à perfeição segundo o grau de pureza que adquirimos, e a proporção de fidelidade que tivemos em cooperar com os movimentos do Espírito Santo e em seguirmos a sua condução.
    Toda a nossa perfeição depende desta fidelidade, e podemos dizer que o resumo da vida espiritual consiste em notar as vias e os movimentos do Espírito de Deus na nossa alma, e em fortificar a nossa vontade na resolução de os seguirmos, empregando para o efeito todos os nossos exercícios e todos os nossos actos religiosos, a oração, a leitura, os sacramentos, a prática das virtudes e das boas obras.
    O fim ao qual devemos aspirar, depois que nos tivermos longamente exercitado na pureza do coração, é estarmos de tal modo possuídos e governados pelo Espírito Santo, que seja ele o único que conduza todas as nossas potências e todos os nossos sentidos, e que regule todos os nossos movimentos interiores e exteriores como dirigia a santa humanidade do Salvador, e que nos abandonemos inteiramente a ele por uma renúncia espiritual das nossas vontades e das nossas próprias satisfações. Assim, não viveremos mais em nós mesmos, mas em Jesus Cristo e segundo o seu Coração, por uma fiel correspondência às operações do seu divino Espírito, e por uma perfeita submissão de todas as nossas rebeliões ao poder da sua graça. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 545).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «As tuas palavras, Senhor, são espírito e vida» (Jo 6, 63).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    24 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Tessalonicenses 3, 6-10.16-18

    6Ordenamo-vos, irmãos, no nome do Senhor Jesus Cristo, que vos afasteis de todo o irmão que leva uma vida desordenada e oposta à tradição que de nós recebestes. 7Com efeito, vós próprios sabeis como deveis imitar-nos, pois não vivemos desordenadamente entre vós, 8nem comemos o pão de graça à custa de alguém, mas com esforço e canseira, trabalhámos noite e dia, para não sermos um peso para nenhum de vós. 9Não é que não tivéssemos esse direito, mas foi para nos apresentarmos a nós mesmos como modelo, para que nos imitásseis. 10Na verdade, quando ainda estávamos convosco, era isto que vos ordenávamos: se alguém não quer trabalhar também não coma. 16O Senhor da paz, Ele próprio, vos dê a paz, sempre e em todos os lugares. O Senhor esteja com todos vós. 17A saudação é do meu punho, de Paulo. É este o sinal em todas as Cartas. É assim que eu escrevo. 18A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós.

    Antes de terminar, Paulo faz mais uma recomendação contra aqueles que poderíamos chamar «beatos». São alguns cristãos, que andam de um lado para o outro, divulgando mexericos, em vez de se dedicarem a um trabalho que os retire da triste condição de alcoviteiros espirituais, que vivem à custa dos outros, como verdadeiros parasitas da comunidade: «a estes tais ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo a que ganhem o pão que comem, com um trabalho tranquilo» (3, 12). Outro vício dos «beatos» era perturbar os outros com boatos e falsas profecias. As tensões na comunidade são inevitáveis por causa dos temperamentos, dos pontos de vista. Mas, quando há agitadores "profissionais", tudo se complica. Há que separá-los, para ver se se convertem. O Apóstolo termina pedindo a Deus que dê paz às suas comunidades, o maior dom que se pode desejar a quem se ama.

    Evangelho: Mateus 23, 27-32

    «Naquele tempo, disse Jesus: 27Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície! 28Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. 29Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos profetas e adornais os túmulos dos justos, 30dizendo: 'Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!' 31Deste modo, confessais que sois filhos dos que assassinaram os profetas. 32Acabai, então, de encher a medida dos vossos pais!

    Chegamos aos últimos dos sete «Ai de vós» dirigidos aos escribas e fariseus hipócritas. A crítica de Jesus ao legalismo não tem por alvo a lei, mas aqueles que, a coberto da lei, pretendem iludir as suas exigências profundas. A antítese exterior/interior, tratada nos versículos anteriores, está eloquentemente expressa na imagem dos «sepulcros caiados» (v. 27). São aqueles que cuidam do exterior, para que seja agradável à vista, enquanto no seu interior reina a decomposição e a morte. Jesus já pôs de sobreaviso os discípulos, quando lhes mandou disse «Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por ele» (Mt 6, 1). O que conta é aquilo que cada um é diante de Deus, e não o que aparece diante dos outros.
    O último «ai de vós» é contra aqueles que são falsos, não só diante de Deus e dos outros, mas também diante da história (vv. 29-32). Edificam sepulcros aos profetas e justos, dizendo que, se tivessem vivido no tempo dos que os mataram, não teriam sido coniventes com tais crimes. Sentem-se inocentes por acusarem os seus pais! Mas não se dão conta de que, se não escutarem os profetas, continuam a matá-los. E a sua falta será mais grave do que a dos seus pais.

    Meditatio

    Somos todos mais ou menos propensos a confundir espiritualidade com fantasia, e, influenciados pelas tendências humanas, a tirar conclusões erradas de princípios certos. São as ilusões para que nos alertam os mestres de vida espiritual.
    Paulo já sentiu a necessidade de pôr de sobreaviso os tessalonicenses para esse tipo de coisas. Muitos, usavam a esperança no regresso do Senhor para concluir que não era preciso trabalhar. Para quê preocupar-se em organizar a vida neste mundo, se o Senhor está próximo? Paulo tenta contrariar essa atitude com uma decisão corajosa. Ainda que soubesse que tinha direito a ser mantido pela comunidade que servia, renunciou a tal direito e pôs-se a trabalhar para ganhar o seu sustento: «vós próprios sabeis como deveis imitar-nos, pois não vivemos desordenadamente entre vós, nem comemos o pão de graça à custa de alguém, mas com esforço e canseira, trabalhámos noite e dia, para não sermos um peso para nenhum de vós» (vv. 7-8). Pelo Livro dos Actos, sabemos que o Apóstolo fabricava tendas, um trabalho bastante pesado. E dá aos tessalonicenses uma regra nada espiritualista, mas muito concreta: «se alguém não quer trabalhar também não coma» (v. 15). Todo o cristão tem o dever de trabalhar, na medida das suas forças. Se não trabalhar para si, por não precisar, trabalhe para os que precisam. A vida espiritual não pertence ao mundo da fantasia. O amor cristão é realista. Não se alimenta nem vive de sonhos. Empenha-se no serviço efectivo. E assim cresce, se torna sólido, consistente. Ainda que espere o céu, vive na terra, e nela prepara o reino de Deus, com uma caridade efectiva. «Como poderíamos, efectivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, senão amando como Ele em obras e em verdade?» (Cst 18).

    Oratio

    Senhor, liberta-me de ilusões; defende-me de uma pretensa vida religiosa feita de evasões, de atitudes vaporosas, de comportamentos alienantes. Que a minha fé seja como o fermento na massa da vida real. Que o amor impregne a minha actividade, fazendo dela um serviço generoso para bem dos que me são próximos e de todo o mundo.
    Manda o teu Espírito Santo, que me ajude a tomar consciência do meu pecado, e a confessar sinceramente diante de Ti: «Matei-te!» Penso que será muito útil sentir-me, ao menos uma vez, digno de condenação, para melhor compreender o teu infinito e gratuito amor. Amen.

    Contemplatio

    S. Paulo copia Nosso Senhor, é ardente no trabalho manual, como é zeloso no trabalho espiritual. Consagra as suas vigílias a ganhar o seu pão e as suas jornadas a evangelizar. «Trabalhámos dia e noite, diz aos Tessalonicenses, para não vos ser pesados» (1Tes 2). É ele que não gosta dos preguiçosos! «Quem não trabalha, diz, não merece comer» (2Tes 3). Estimula-nos com o exemplo de algu
    mas pessoas do mundo. «Vêde, diz, com que fadiga não se aplicam para ganharem o pão temporal, e vós, vós tendes em perspectiva uma coroa eterna!» S. João recorda-nos no Apocalipse que as nossas obras nos seguirão no juízo de Deus (Ap 14); mas somente as nossas boas obras terão valor, e todas as nossas obras são boas quando são santificadas, quando são feitas segundo a regra, com pureza de intenção, com cuidado, com zelo. Todos os santos amaram o trabalho assíduo e santificado. S. João Berchmanns aplicava-se, como ele mesmo dizia, a fazer as coisas ordinárias e comuns de uma maneira não comum. (Leão Dehon, OSP 3, p. 112).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Se alguém não quer trabalhar também não coma» (2 Ts 3, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    25 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 1, 1-9

    Irmãos: 1Paulo, chamado por vontade de Deus a ser apóstolo de Cristo Jesus, e Sóstenes, nosso irmão, 2à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos, com todos os que em qualquer lugar invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: 3graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
    4Dou incessantemente graças ao meu Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi concedida em Cristo Jesus. 5Pois nele é que fostes enriquecidos com todos os dons, tanto da palavra como do conhecimento. 6Assim, foi confirmado em vós o testemunho de Cristo, 7de modo que não vos falta graça alguma, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo. 8É Ele também que vos confirmará até ao fim, para que sejais encontrados irrepreensíveis no Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo. 9Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo Nosso Senhor.

    Paulo permaneceu afectivamente ligado à comunidade que fundou em Corinto. Já em Éfeso, onde viveu do ano 55 ao ano 57, aproximadamente, teve notícias dessa comunidade que muito o preocuparam. A disciplina tinha-se relaxado por influência dos libertinos. Mas também havia rigoristas que criavam problemas. E, no meio de alguma desorganização, até havia quem, como na Galácia, punha em causa a autenticidade do seu apostolado. Paulo procura intervir por meio de uma visita, que falhou, e de algumas cartas, duas das quais chegaram até nós. Na 1 Cor, Paulo apresenta-se como «apóstolo», isto é, como "enviado" (v. 1), sublinhando que essa identidade deriva de um chamamento de Deus. Paulo manifesta esta auto-consciência em quase todas as suas cartas. Também a expressão «à igreja de Deus que está em Corinto» (v. 2) tem um significado teológico denso. Toda a comunidade local, ainda que fundada por homens, é obra de Deus. Os membros dessas comunidades, em comunhão com a igreja universal, foram santificados por Jesus, e estão em permanente tensão para a santidade plena, que será realizada em diferentes formas de vida. Na acção de graças, transparece o entusiasmo do Apóstolo pela riqueza dos dons de Deus aos coríntios (vv. 4s.). Menciona particularmente a «palavra» e a «ciência», os dons mais estimados e procurados pelos coríntios. Tendo recebido tantos dons, os coríntios não podem considerar-se ainda perfeitos, mas simplesmente a caminho da plena manifestação da glória do Senhor.

    Evangelho: Mateus 24, 42-51

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 42Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. 43Ficai sabendo isto: Se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a casa. 44Por isso, estai também preparados, porque o Filho do Homem virá na hora em que não pensais.» 45«Quem julgais que é o servo fiel e prudente, que o senhor pôs à frente da sua família para os alimentar a seu tempo? 46Feliz esse servo a quem o senhor, ao voltar, encontrar assim ocupado. 47Em verdade vos digo: Há-de confiar-lhe todos os seus bens. 48Mas, se um mau servo disser consigo mesmo: 'O meu senhor está a demorar', 49e começar a bater nos seus companheiros, a comer e a beber com os ébrios, 50o senhor desse servo virá no dia em que ele não o espera e à hora que ele desconhece; 51vai afastá-lo e dar-lhe um lugar com os hipócritas. Ali haverá choro e ranger de dentes.»

    Em Mateus, a parábola do servo, ou administrador (cf. Lc 12, 41ss.) responsável encontra-se no último grande discurso de Jesus, o "Discurso escatológico" (cc. 24 e25), dominado pelas tribulações de Jerusalém e pelas perseguições à Igreja nascente, pelo anúncio da crise cósmica que precederá o fim e pela consequente necessidade de vigilância. Este discurso não visa assustar, mas encorajar. O mundo e a história caminham, não para o fim, mas para a plena realização. Haverá catástrofes. Mas abrir-se-á uma nova beleza. É neste contexto que Jesus exorta à vigilância, com quatro belas parábolas. Hoje, escutamos a primeira, cujas palavras-chave são: «Vigiai!», «Estai preparados!» A vinda do Senhor é certa. Mas a hora é incerta. A imagem do «ladrão» (v. 43) é muito expressiva e bem conhecida na igreja primitiva. Deve vigiar a casa o dono, mas também os servos, que são seus amigos e estimam a casa. O «servo fiel e prudente» (v. 45) faz as vezes de dono da casa e trata bem os seus companheiros. O «mau servo» (v. 48) aproveita da ausência do dono para desperdiçar os bens e maltratar os companheiros. Naturalmente terão fins diferentes, quando regressar o dono. Os dirigentes da Igreja hão-de ser servos fiéis e prudentes, e não maus servos, como eram os chefes de Israel, no tempo de Jesus.

    Meditatio

    Paulo escreve aos coríntios, garantindo-lhes a fidelidade de Deus: «Ele vos confirmará até ao fim, para que sejais encontrados irrepreensíveis no Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 8). Estas palavras são importantes também para nós, por vezes angustiados com as dificuldades que nos rodeiam e com a nossa própria fraqueza: «conseguirei ser fiel até ao fim?» - interrogamo-nos. O Apóstolo afirma que é o próprio Senhor quem garante e confirma a nossa perseverança na fidelidade a Deus. A parábola evangélica ensina-nos o que significa ser «irrepreensíveis» até ao fim. O Senhor põe diante de nós duas certezas: a nossa vida terá um fim; devemos dar conta da nossa vida. Cada um de nós é como o servo a quem o Senhor confiou determinado serviço, uma responsabilidade de que pedirá contas, quando voltar. Por isso, há que estar vigilantes sobre nós mesmos, para não corrermos o risco de que, à chegada do senhor, nos encontre desprevenidos e expostos a castigo.
    Na primeira leitura, Paulo ensina-nos que o melhor modo para vivermos a nossa responsabilidade com confiança e obediência, é darmos graças a Deus pelos seus dons, por nada nos ter deixado faltar para vivermos na feliz esperança da sua vinda. O Apóstolo escreve aos coríntios: «Dou incessantemente graças ao meu Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi concedida em Cristo Jesus. 5Pois nele é que fostes enriquecidos com todos os dons, tanto da palavra como do conhecimento... de modo que não vos falta graça alguma, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo» (vv. 4-7).
    A visão da generosidade de Deus, que enche de alegria o Apóstolo, deve encher-nos de alegria também a nós. A certeza da bondade de Deus, a verificação das suas graças, devem dar-nos entusiasmo em servi-lo, para O glorificarmos com a nossa vida e as nossas obras.
    Deus é fiel. Se aderirmos a Ele, será Ele mesmo a tornar-nos fiéis, para nos encontrar «irrepreensíveis no Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 8).
    «Sob as suas diversas formas, o nosso trabalho, retribuído ou não, faz-nos participar verdadeiramente na vida e condição dos homens do nosso tempo e é também expressão da nossa pobreza ao serviço do Reino» (Cst 48). O trabalho é parte integrante da pobreza religiosa. O trabalho é uma participação efectiva na insegurança típica dos pobres, dos assalariados; é reparação por quem se serve do trabalho só para ganhar de modo egoísta, por quem ergue como lei suprema o proveito e se torna escravo do super potente dinheiro, e procura obter cada vez mais ganhos, para dominar, para explorar.
    Pelo trabalho, além do mais, colaboramos na obra do Criador, damos o nosso pequeno contributo pessoal para a transformação do mundo e para a realização do projecto de Deus na história (cf. GS 34).

    Oratio

    Senhor, obrigado por me lembrares que não sou dono absoluto da minha vida, nem dos bens que puseste à minha disposição, mas apenas administrador. Terei que prestar contas de tudo, sem usar de artimanhas. As minhas responsabilidades, como as do servo da parábola, são várias: terei que dar conta dos meus irmãos, particularmente dos que estão directamente confiados ao meu cuidado; terei que dar contas dos bens que me confiaste. Dá-me, Senhor, a tua graça para que me apresente irrepreensível diante de Ti, diante dos outros servos, diante da casa que é o nosso mundo e diante da nossa história. Tu o mereces! Amen.

    Contemplatio

    A melhor condição para a salvação é a das pessoas modestas que têm de trabalhar para ganhar a sua vida, e as riquezas não deveriam dispensar do trabalho para se entregarem a uma vida ociosa.
    O trabalho é bom para a saúde da alma.
    Os ricos correm o risco de se perderem, porque têm demasiada facilidade para satisfazerem as suas inclinações naturais para a vaidade, para a sensualidade, para a moleza. Nosso Senhor disse que para eles é mais difícil entrar no reino dos céus. (Leão Dehon, OSP 3, p. 37)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com seu Filho» (1 Cor 1, 9).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    26 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios, 1, 17-25

    Irmãos: 17Cristo não me enviou a baptizar, mas a pregar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria da linguagem, para não esvaziar da sua eficácia a cruz de Cristo. 18A linguagem da cruz é certamente loucura para os que se perdem mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus. 19Pois está escrito:Destruirei a sabedoria dos sábios
    e rejeitarei a inteligência dos inteligentes. 20Onde está o sábio? Onde está o letrado? Onde está o investigador deste mundo? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? 21Pois, já que o mundo, por meio da sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que crêem, pela loucura da pregação. 22Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria, 23nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. 24Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus. 25Portanto, o que é tido como loucura de Deus, é mais sábio que os homens, e o que é tido como fraqueza de Deus, é mais forte que os homens.

    Paulo não despreza o baptismo, mas apenas insiste em que a sua vocação é pregar o Evangelho. É absurdo baptizar uma pessoa, sem antes lhe dar a conhecer Jesus. Além disso, na ordem cronológica e da graça, a pregação precede a fé e, portanto, também o baptismo (cf. Rm 10, 14s.).
    Paulo prega Jesus, mas não com discursos eloquentes e sabedoria humana. Talvez se lembre do recente "fracasso" da sua pregação no Areópago de Atenas. Para ele, pregar é anunciar Cristo crucificado, único salvador. A palavra de Deus, especialmente «a palavra da cruz» é viva e eficaz por si mesma (cf. Hb 4, 12), não precisa de apoios humanos, que até a podem ofuscar.
    Citando o Antigo Testamento, e a sua arte retórica, Paulo insiste naquilo que é verdadeiramente decisivo: Cristo crucificado é «escândalo» para os judeus, pois, pendendo do madeiro, era considerado maldito (cf. Dt 21, 23); Cristo é «loucura» para os pagãos, porque lhes repugnava uma divindade que se deixasse crucificar. Mas é na cruz que Cristo manifesta o seu poder. Os cristãos, de qualquer origem, devem sintonizar com a lógica divina, e viver de acordo com a sabedoria da cruz.

    Evangelho: Mateus 25, 1-13

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 1«O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: 'Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!' 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.' 9Mas as prudentes responderam: 'Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.' 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta.

    Mateus continua tratar o tema da segunda vinda de Cristo, cujo momento se desconhece, pelo que é preciso estar vigilantes e prontos: «Vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora» (v. 13). Na parábola, que hoje escutamos, o quadro é diferente: não se espera o dono, mas o esposo; quem espera também não é o servo prudente ou o servo mau, mas são cinco virgens prudentes e cinco virgens insensatas. E há mesmo pormenores que podem chocar: a reacção fortemente severa e desproporcionada do esposo, a atitude pouco caridosa das virgens prudentes, etc. Mas o significado global da parábola é claro. A Igreja está toda à espera da vinda de Cristo. Mas é de loucos não prever a hipótese de que demore. Quando se ouvir, no meio da noite, o grito: «Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!» (v. 6), os cristãos hão-de estar prontos, com a lâmpada bem acesa pelo azeite das boas obras realizadas com amor. O esposo esperado pode revelar-se um juiz severo para quem tiver o amor apagado no coração.

    Meditatio

    Ambas as leituras, de modo diferente, nos falam de sabedoria e de loucura. Paulo sublinha o contraste entre sabedoria humana e sabedoria divina. Os coríntios, como os gregos em geral, eram ávidos de sabedoria humana e, por isso, muito interessados em "investigação filosófica". Isso levou-os a aderir a diferentes pregadores do Evangelho, conforme a sua maior ou menor capacidade de expressar atraentemente a doutrina de Cristo. Por isso, Paulo sentiu-se no dever de os avisar: «Cristo não me enviou a baptizar, mas a pregar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria da linguagem, para não esvaziar da sua eficácia a cruz de Cristo» (v. 17). E realçou o contraste entre a sabedoria da cruz e a sabedoria humana: «A linguagem da cruz é certamente loucura para os que se perdem mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus» (v. 18). E aponta duas linhas de interesse, a do mundo hebreu e a do mundo helenista: «Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria...». De facto, várias vezes, no evangelho, os judeus pedem a Jesus sinais para acreditarem que Ele é o Enviado de Deus. Os gregos, pelo contrário, procuram discursos eloquentes, convincentes, razoáveis. Mas Paulo afirma: «nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios» (v. 23). O Apóstolo acha que Deus não está disposto a acomodar-se às exigências de judeus e de gregos, «o que é tido como loucura de Deus, é mais sábio que os homens, e o que é tido como fraqueza de Deus, é mais forte que os homens» (v. 25). À luz da teologia paulina, a cruz é a revelação mais poderosa e sábia do amor de Deus. Aceitar por amor as humilhações, os sofrimentos, a morte, é amor puro, forte, generoso. Não amor maior do que esse.
    «Fiéis à escuta da Palavra, e à fracção do Pão, somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração e a anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento. "Cristo habite pela fé, nos vossos corações de sorte que, enraizados e fundados no amor, possais compreender, com todos os Santos, qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer, enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para serdes repletos da plenitude de Deus" (Ef 3,17-19) (Cst 17). O modo para conhecer «cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração», para «anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento» (Cst 17) é, em primeiro lugar, a f&
    eacute; entendida como adesão total da nossa pessoa e da nossa vida a Cristo; esvaziando-nos do egoísmo, para Lhe deixar cada vez maior espaço interior.

    Oratio

    Senhor, ensina-me a procurar-Te a Ti, e não aos teus milagres, aos teus dons, porque és o Filho de Deus que, por amor, morreste na cruz, para me salvar. Que eu Te procure sempre, procurando-Te, Te encontre e, encontrando-Te, Te procure ainda mais, como rezava o teu servo Agostinho de Hipona. Faz-me ouvir o convite que dirigiste aos teus primeiros discípulos: «Vinde e vede» (Jo 1, 39). E, se, por motivos que só Tu sabes, não quiseres ser encontrado logo, se retardares a tua visita, ajuda-me a vigiar pacientemente, de lâmpada acesa, alimentada pelo amor. Quando bateres à minha porta, faz-me correr ao teu encontro; quando eu bater à tua porta, abre-me, Senhor da minha vida! Amen.

    Contemplatio

    Como são raras as almas que amam a Nosso Senhor com amor puro e desinteressado! Quantas almas, mesmo consagradas, que Nosso Senhor diariamente cumula de benefícios e que, apesar disso, são ingratas, pensam pouco n'Ele, passam o tempo a ocupar-se de si próprias, das suas satisfações corporais e espirituais; ou então ocupam-se das criaturas, procurando agradar-lhes e satisfazê-las.
    ... Poderá o Esposo das nossas almas ficar totalmente satisfeito e convencido do amor e da fidelidade das suas esposas, quando estas, cumprindo embora os seus deveres O tratam com indiferença, insensibilidade e frieza?
    Haec est virgo sapiens quam Dominus vigilantem ínvenit. Esta é a Virgem sábia que o Senhor encontrou vigilante (Comum das Virgens). Nosso Senhor encontra-nos vigilantes e fiéis, quando temos o hábito de manter continuamente a nossa intenção, as nossas inclinações, os nossos pensamentos e as nossas aspirações orientados para o objecto do nosso amor. É a disposição da esposa do Cântico dos Cânticos: Dormio sed cor meum vigilat. Eu durmo, mas o meu coração vigia: (Cant. 5, 2).
    Mas mesmo que o corpo esteja ocupado com outra coisa, legitimamente entregue ao sono, ao repouso, nem por isso o coração, o espírito e a vontade estão dispensados de dirigir-se para Nosso Senhor que é o nosso fim último, a meta suprema, o centro de todas as coisas.
    Nosso Senhor pede-nos precisamente este amor constante, que não se move, não opera e não age senão n'Ele, por Ele e para Ele; e nós tantas vezes Lho retiramos, depois de Lho termos dado por alguns instantes: Praebe, fili mi, cor tuum mihi. Meu filho, dá-me o teu coração (Prov 23, 26), o teu amor, a tua vontade, as tuas intenções, que dão valor, aos olhos de Deus, às grandes acções como às mais pequenas. É o que S. Agostinho queria exprimir por estas palavras: «Ama e faz o que quiseres». (Directório Espiritual, 7).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Meu filho, dá-me o teu coração» (Prov 23, 26),

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXI Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXI Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    27 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXI Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 1, 26-31

    Irmãos, 26Considerai a vossa vocação: humanamente falando, não há entre vós muitos sábios, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. 27Mas o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. 28O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa. 29Assim, ninguém se pode vangloriar diante de Deus. 30É por Ele que vós estais em Cristo Jesus, que se tornou para nós sabedoria que vem de Deus, justiça, santificação e redenção, 31a fim de que, como diz a Escritura, aquele que se gloria, glorie-se no Senhor.

    Paulo convida os coríntios a olharem para a sua comunidade, onde havia exemplos eloquentes da sabedoria e da loucura da cruz. Com algumas excepções, a igreja de Corinto era formada por pessoas de humilde condição social e de baixo nível cultural. Deus tem o gosto estranho de preferir os pobres e os fracos aos ricos e poderosos. É a lógica coerente com o que fez por meio do seu Filho crucificado. Ninguém pode presumir o que quer que seja diante de Deus: «ninguém se pode vangloriar diante de Deus» (v. 29). A grandeza do homem deriva unicamente do dom de Deus em Cristo. Temos o Cristo todo (3, 21-23), e, tudo o que temos, recebemo-lo d´Ele (4, 6). Por isso, se alguém pretende gloriar-se «glorie-se no Senhor» (v. 31).

    Evangelho: Mateus 25, 14-30

    1Naquele Tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 14«Será também como um homem que, ao partir para fora, chamou os servos e confiou-lhes os seus bens. 15A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade; e depois partiu. 16Aquele que recebeu cinco talentos negociou com eles e ganhou outros cinco. 17Da mesma forma, aquele que recebeu dois ganhou outros dois. 18Mas aquele que apenas recebeu um foi fazer um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. 19Passado muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e pediu-lhes contas. 20Aquele que tinha recebido cinco talentos aproximou-se e entregou-lhe outros cinco, dizendo: 'Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que eu ganhei.' 21O senhor disse-lhe: 'Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.' 22Veio, em seguida, o que tinha recebido dois talentos: 'Senhor, disse ele, confiaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que eu ganhei.' 23O senhor disse-lhe: 'Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.' 24Veio, finalmente, o que tinha recebido um só talento: 'Senhor, disse ele, sempre te conheci como homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. 25Por isso, com medo, fui esconder o teu talento na terra. Aqui está o que te pertence.' 26O senhor respondeu-lhe: 'Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho onde não espalhei. 27Pois bem, devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e, no meu regresso, teria levantado o meu dinheiro com juros.' 28'Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. 29Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30A esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.'»

    A espera de Cristo há-de ser dinâmica e fecunda. Os talentos recebidos não podem ser enterrados, inutilizados. Hão-de render. Estes talentos não são apenas os dotes naturais recebidos por cada um. São, mais do que isso, a salvação, o amor do Pai, a vida em abundância, o Espírito. São tesouros a multiplicar e a partilhar até ao seu regresso, ainda que demore «muito tempo» (v. 19ª). Os dons também são responsabilidades de que é preciso dar contas.
    Na parábola, há dois «servos bons e fiéis» e um «servo mau». Os servos bons e fiéis são louvados e premiados com a participação na alegria do senhor (vv. 20-23). O servo mau é severamente punido. A desculpa apresentada «Senhor, sempre te conheci como homem duro» (v. 24), acaba por ser virada contra ele. A atitude de escravo tímido assumida pelo servo mau «Aqui está o que te pertence» (v.25), também não ajuda, mas complica. Para ele, talento não foi um dom recebido, mas uma dívida contraída. Por isso, ao restituí-lo ao dono, não faz um acto de justiça, mas um insulto. E recebe o castigo adequado: «Tirai-lhe o talento, e dai-o ao que tem dez talentos... a esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes» (vv. 28-29).

    Meditatio

    «Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor» (1 Cor 1, 31). Estas palavras lembram-nos a atitude de Maria, no Magnificat. Ao fazer memória da sua vida, a Virgem reconhece-se feliz pelos maravilhosos dons que Deus tinha semeado na sua humilde serva. Gloriando-se no Senhor, Maria magnifica-O, isto é, torna-O grande. O Magnificat é um encontro entre gratuidade pura e gratidão sincera.
    O servo mau da parábola, pelo contrário, apoucou ao seu senhor. Ele mede e julga o seu senhor com a medida da sua mesquinhez, com a tacanhez do seu coração. Em vez de estar grato pelo talento recebido, em vez de agradecer a ocasião, que lhe foi dada, para desenvolver as suas capacidades, fecha-se na sua inércia, no seu medo, na sua tristeza. Vem-nos espontaneamente à memória um outro homem, o primeiro homem. Quando Deus lhe pergunta: «Onde estás?», responde: «Tive medo... escondi-me» (Gn 3, 9s.). Não estará na raiz do pecado uma suspeita mesquinha da imensa bondade de Deus? Deus ofereceu-nos generosamente os seus dons, e nós podemos viver de coração dilatado pela alegria. Somos pessoas amados por Deus, às quais deu muito. Só espera que voltemos para Ele com o que soubemos ganhar, usando os seus dons. Quando realizámos tudo o que podíamos para fazer render os dons de Deus, estamos verdadeiramente ricos, e realizados, conforme o seu desejo. Podemos levar-Lhe uma vida cheia, que Ele ainda enriquecerá mais.
    Todos os cristãos têm dons e carismas para o serviço de Deus e dos irmãos. Os consagrados têm dotes notáveis em determinadas áreas, que hão-de fazer render, para serem fiéis à sua vocação e missão. Cada um, e cada instituição, hão-de reconhecer esses dons, porque são talentos, que provêm do bom Deus, para bem de toda a comunidade: «Todo o carisma, todo o dom perfeito provém do alto e desce do Pai das luzes» (Tg 1, 17) e o superior, como bom pai da sua comunidade, agradece ao Senhor por ter pessoas certas nos lugares certos.
    Os carismas, que não são postos a render, tornam-se títulos de condenação para quem os recebeu. Há pois que fazê-los rende
    r. Lembram-nos as Constituições: «Como todo o carisma na Igreja, o nosso carisma profético coloca-nos ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje (cf. LG 12) (Cst 27).

    Oratio

    Senhor, ensina-nos a glorificar o Pai como Tu e como Maria, tua Mãe, O glorificaram. Ao veres os teus discípulos regressarem da missão «cheios de alegria», porque puderam multiplicar os seus talentos, e colher os frutos visíveis da sua actividade missionária, disseste ao Pai: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado» (Lc 10, 21). Contagiado pela alegria dos teus discípulos, e movido pelo Espírito, também Tu exultaste. Contemplando a grandeza do Pai e a sua ternura para com os pequenos e humildes, o teu coração encheu-se de espanto, e a tua boca de belas palavras.
    Deixa-nos, Jesus, comungar na tua oração de louvor, como nos deixas comungar na oração do Pai nosso. Alegra-te também por nós, teus discípulos de hoje, quando, por tua graça, conseguirmos fazer render os talentos que o Pai nos deu, considerando-nos entre os pequenos pelos quais glorificaste o Pai. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor dá às almas consagradas ao seu Coração dons especiais, mas pede também delas algumas virtudes especiais. Devem também praticar as virtudes ordinárias segundo o seu estado e a sua vocação, mas algumas virtudes devem brilhar especialmente nelas. A primeira, simbolizada pelo ouro, é o amor puro, verdadeiro e sincero.
    Nosso Senhor pede de nós o ouro do amor puro nas suas intenções, de uma fé viva e de uma confiança filial inabalável. Quando o ouro é fino e puro, é possível observar-se o traço do mínimo toque, um sopro enfraquece o seu brilho. É um ouro puro que Nosso Senhor pede dos amigos do seu Coração. É um amor puro, fiel e delicado. Esta perfeição não é demais para o dom a oferecer ao Rei dos corações. Pode aí chegar-se cooperando fielmente com a graça divina que é dada em abundância aos amigos do Sagrado Coração. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 32).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor» (1 Cor 1, 31).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 22º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    22º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    28 de Agosto, 2022

    ANO C

    22º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 22º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo propõe-nos uma reflexão sobre alguns valores que acompanham o desafio do "Reino": a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado.
    O Evangelho coloca-nos no ambiente de um banquete em casa de um fariseu. O enquadramento é o pretexto para Jesus falar do "banquete do Reino". A todos os que quiserem participar desse "banquete", Ele recomenda a humildade; ao mesmo tempo, denuncia a atitude daqueles que conduzem as suas vidas numa lógica de ambição, de luta pelo poder e pelo reconhecimento, de superioridade em relação aos outros... Jesus sugere, também, que para o "banquete do Reino" todos os homens são convidados; e que a gratuidade e o amor desinteressado devem caracterizar as relações estabelecidas entre todos os participantes do "banquete".
    Na primeira leitura, um sábio dos inícios do séc. II a.C. aconselha a humildade como caminho para ser agradável a Deus e aos homens, para ter êxito e ser feliz. É a reiteração da mensagem fundamental que a Palavra de Deus hoje nos apresenta.
    A segunda leitura convida os crentes instalados numa fé cómoda e sem grandes exigências, a redescobrir a novidade e a exigência do cristianismo; insiste em que o encontro com Deus é uma experiência de comunhão, de proximidade, de amor, de intimidade, que dá sentido à caminhada do cristão. Aparentemente, esta questão não tem muito a ver com o tema principal da liturgia deste domingo; no entanto, podemos ligar a reflexão desta leitura com o tema central da liturgia de hoje - a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado - através do tema da exigência: a vida cristã - essa vida que brota do encontro com o amor de Deus - é uma vida que exige de nós determinados valores e atitudes, entre os quais avultam a humildade, a simplicidade, o amor que se faz dom.
    LEITURA I - Sir 3,19-21.30-31

    Leitura do Livro do Ben-Sirá

    Filho, em todas as tuas obras procede com humildade
    e serás mais estimado do que o homem generoso.
    Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te
    e encontrarás graça diante do Senhor.
    Porque é grande o poder do Senhor
    e os humildes cantam a sua glória.
    A desgraça do soberbo não tem cura,
    porque a árvore da maldade criou nele raízes.
    O coração do sábio compreende as máximas do sábio
    e o ouvido atento alegra-se com a sabedoria.

    AMBIENTE

    Estamos no início do séc. II a.C., quando os selêucidas dominavam a Palestina. O helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Muitos judeus - incluindo membros de famílias de origem sacerdotal - deixavam-se seduzir pelo brilho da cultura helénica, começavam a abandonar os valores dos pais e a aderir aos valores da cultura invasora...
    Jesus Ben Sira é, no entanto, um judeu tradicional, orgulhoso da sua fé e dos valores israelitas. Consciente de que o helenismo ameaçava as raízes do seu Povo, vai escrever para defender o património religioso e cultural do judaísmo. Procura convencer os seus compatriotas de que Israel possui, na sua "Torah" revelada por Deus, a verdadeira "sabedoria" - uma "sabedoria" muito superior à "sabedoria" grega. Aos israelitas seduzidos pela cultura grega, Jesus Ben Sira lembra a herança comum, procurando sublinhar a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega.
    O texto que nos é proposto pertence à primeira parte do livro (cf. Ben Sira 1,1-23,38). Aí fala-se da "sabedoria", criada por Deus e oferecida a todos os homens. Nesta parte, dominam os "ditos" e "provérbios" que ensinam a arte de bem viver e de ser feliz.

    MENSAGEM

    O texto apresenta-se como uma "instrução" que um pai dá ao seu filho. O tema fundamental desta "instrução" é o da humildade.
    Para Jesus Ben Sira, a humildade é uma das qualidades fundamentais que o homem deve cultivar. Garantir-lhe-á estima perante os homens e "graça diante do Senhor". Não se trata de uma forma de estar e de se apresentar reservada aos mais pobres e menos preparados; mas trata-se de algo que deve ser cultivado por todos os homens, a começar por aqueles que são considerados mais importantes. O autor não entra em grandes pormenores; limita-se a afirmar a importância da humildade e a propô-la, sem grandes desenvolvimentos nem explicações. O "sábio" autor destas "máximas" não tem dúvida de que é na humildade e na simplicidade que reside o segredo da "sabedoria", do êxito, da felicidade.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão e partilha, considerar os seguintes dados:

    ¨ Ser humilde significa assumir com simplicidade o nosso lugar, pôr a render os nossos talentos, mas sem nunca humilhar os outros ou esmagá-los com a nossa superioridade. Significa pôr os próprios dons ao serviço de todos, com simplicidade e com amor. Quando somos capazes de assumir, com simplicidade e desprendimento, o nosso papel, todos reconhecem o nosso contributo, aceitam-nos, talvez nos admirem e nos amem... É aí que está a "sabedoria", quer dizer, o segredo do êxito e da felicidade.

    ¨ Ser soberbo significa que "a árvore da maldade criou raízes" no homem. O homem que se deixa dominar pelo orgulho torna-se egoísta, injusto, auto-suficiente e despreza os outros. Deixa de precisar de Deus e dos outros homens; olha todos com superioridade e pratica, com frequência, gestos de prepotência que o tornam temido, mas nunca admirado ou amado. Vive à parte, num egoísmo vazio e estéril. Embora seja conhecido e apareça nas colunas sociais, está condenado ao fracasso. É o "anti-sábio".

    ¨ É preciso que os dons que possuímos não nos subam à cabeça, não nos levem a poses ridículas de orgulho, de superioridade, de desprezo pelos nossos irmãos. É preciso reconhecer, com simplicidade, que tudo o que somos e temos é um dom de Deus e que as nossas qualidades não dependem dos nossos méritos, mas do amor de Deus.
    SALMO REPONSORIAL - Salmo 67 (68)

    Refrão: Na vossa bondade, Senhor,
    preparastes uma casa para o pobre.

    Os justos alegram-se na presença de Deus,
    exultam e transbordam de alegria.
    Cantai a Deus, entoai um cântico ao seu nome;
    o seu nome é Senhor: exultai na sua presença.

    Pai dos órfãos e defensor das viúvas,
    é Deus na sua morada santa.
    Aos abandonados Deus prepara uma casa,
    conduz os cativos à liberdade.

    Derramastes, ó Deus, uma chuva de bênçãos,
    restaurastes a vossa herança enfraquecida.
    A vossa grei estabeleceu-se numa terra
    que a vossa bondade, ó Deus, preparara ao oprimido.
    LEITURA II - Heb 12,18-19.22-24a

    Leitura da Epístola aos Hebreus

    Irmãos:
    Vós não vos aproximastes de uma realidade sensível,
    como os israelitas no monte Sinai:
    o fogo ardente, a nuvem escura,
    as trevas densas ou a tempestade,
    o som da trombeta e aquela voz tão retumbante
    que os ouvintes suplicaram que não lhes falasse mais.
    Vós aproximastes-vos do monte Sião,
    da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste,
    de muitos milhares de Anjos em reunião festiva,
    de uma assembleia de primogénitos inscritos no Céu,
    de Deus, juiz do universo,
    dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição
    e de Jesus, mediador da nova aliança.

    AMBIENTE

    Estamos na quinta parte da Carta aos Hebreus (cf. 12,14-13,19). Depois de pedir a perseverança e a constância nas provas (cf. Heb 12,1-13), o autor vai pedir uma conduta consequente com a fé cristã: os crentes são exortados a manter e cultivar relações harmoniosas, adequadas, justas, para com os homens e para com Deus.
    Neste texto, em concreto, o autor convida os destinatários da carta à fidelidade à vocação cristã. Para isso, estabelece um paralelo entre a antiga religião (que os destinatários da carta conheciam bem) e a nova proposta de salvação que Cristo veio apresentar. Os crentes são, assim, convidados a redescobrir a novidade do cristianismo - essa novidade que, um dia, os atraiu e motivou - e a aderir a ela com entusiasmo... Recordemos - para que as coisas façam sentido - que o escrito se destina a uma comunidade instalada, preguiçosa, que precisa descobrir os fundamentos reais da sua fé e do seu compromisso, a fim de enfrentar - com coragem e com êxito - os tempos difíceis de perseguição e de martírio que se aproximam.

    MENSAGEM

    O autor estabelece um profundo contraste entre a experiência de comunhão com Deus que Israel fez no Sinai e a experiência cristã.
    A experiência do Sinai é descrita como uma experiência religiosa que gerou medo, opressão, mas não relação pessoal, proximidade, amor, comunhão, intimidade, confiança - nem com Deus, nem com os outros membros da comunidade do Povo de Deus. O quadro da revelação do Sinai é um quadro terrífico, que não fez muito para aproximar os homens de Deus, num verdadeiro encontro alicerçado no amor e na confiança. Por isso, não há que lamentar o desaparecimento de um tal sistema.
    Na experiência cristã, em contrapartida, não há nada de assustador, de terrível, de opressivo. Pelo Baptismo, os cristãos aproximaram-se do próprio Deus, numa experiência de proximidade, de comunhão, de intimidade, de amor verdadeiro... A experiência cristã é, portanto, uma experiência festiva, de verdadeira alegria. Por essa experiência, os cristãos associaram-se a Deus, o santo, o juiz do universo, mas também o Deus da bondade e do amor; foram incorporados em Cristo, o mediador da nova aliança, irmanados com Ele, tornados co-herdeiros da vida eterna; associaram-se aos anjos, numa existência de festa, de louvor, de acção de graças, de adoração, de contemplação; associaram-se aos outros justos que atingiram a vida plena, numa comunhão fraterna de vida e de amor.
    A questão que fica no ar - mesmo se não é formulada explicitamente - é: não vale a pena apostar incondicionalmente nesta experiência e vivê-la com entusiasmo?

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a actualização podem fazer-se a partir das seguintes linhas:

    ¨ A questão fundamental deste texto e do ambiente que o enquadra é propor-nos uma redescoberta da nossa fé e do sentido das nossas opções, a fim de superarmos a instalação, o comodismo e a preguiça que nos levam, tantas vezes, a uma caminhada cristã morna, sem exigências, sem compromissos, que facilmente cede e recua quando aparecem as dificuldades e os desafios...

    ¨ Jesus intimou-nos a superar a perspectiva de um Deus terrível, opressor, vingativo, de Quem o homem se aproxima com medo; em seu lugar, Ele apresentou-nos a religião de um Deus que é Pai, que nos ama, que nos convoca para a comunhão com Ele e com os irmãos e que insiste em associar-nos como "filhos" à sua família. Tenho consciência de que este é o verdadeiro rosto de Deus e que o Deus terrível, de quem o homem não se pode aproximar, é uma invenção dos homens?
    ALELUIA - Mt 11,29ab

    Aleluia. Aleluia.

    Tomai o meu jugo sobre vós, diz o Senhor,
    e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração.
    EVANGELHO - Lc 14,1.7-14

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    Jesus entrou, a um sábado,
    em casa de um dos principais fariseus
    para tomar uma refeição.
    Todos O observavam.
    Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares,
    Jesus disse-lhes esta parábola:
    «Quando fores convidado para um banquete nupcial,
    não tomes o primeiro lugar.
    Pode acontecer que tenha sido convidado
    alguém mais importante que tu;
    então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer:
    'Dá o lugar a este';
    e ficarás depois envergonhado,
    se tiveres de ocupar o último lugar.
    Por isso, quando fores convidado,
    vai sentar-te no último lugar;
    e quando vier aquele que te convidou, dirá:
    'Amigo, sobre mais para cima';
    ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados.
    Quem se exalta será humilhado
    e quem se humilha será exaltado».
    Jesus disse ainda a quem O tinha convidado:
    «Quando ofereceres um almoço ou um jantar,
    não convides os teus amigos nem os teus irmãos,
    nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos,
    não seja que eles por sua vez te convidem
    e assim serás retribuído.
    Mas quando ofereceres um banquete,
    convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos;
    e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te:
    ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.

    AMBIENTE

    Esta etapa do "caminho de Jerusalém" põe Jesus à mesa, em dia de sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus. Deve tratar-se da refeição solene de sábado, que se tomava por volta do meio-dia, ao voltar da sinagoga. Para ela deviam convidar-se os hóspedes; durante a refeição, continuava-se a discussão sobre as leituras escutadas durante o ofício sinagogal.
    Lucas é o único evangelista que mostra os fariseus tão próximos de Jesus que até o convidam para casa e se sentam à mesa com Ele (cf. Lc 7,36; 11,37). É provável que se trate de uma realidade histórica, embora Marcos e Mateus apresentem os fariseus como os adversários por excelência de Jesus (Mateus apresenta tal quadro influenciado, sem dúvida, pelas polémicas da Igreja primitiva com os fariseus).
    Os fariseus formavam um dos principais grupos religioso-políticos da sociedade palestina desta época. Dominavam os ofícios sinagogais e estavam presentes em todos os passos religiosos dos israelitas. A sua preocupação fundamental era transmitir a todos o amor pela Torah, quer escrita, quer oral. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus; mas, ao absolutizarem a Lei, esqueciam as pessoas e passavam por cima do amor e da misericórdia. Ao considerarem-se a si próprios como "puros" (porque viviam de acordo com a Lei), desprezavam o "am aretz" (o "povo do país") que, por causa da ignorância e da vida dura que levava, não podia cumprir integralmente os preceitos da Lei. Conscientes das suas capacidades, da sua integridade, da sua superioridade, não eram propriamente modelos de humildade. Isso talvez explique o ambiente de luta pelos lugares de honra que o Evangelho refere.
    Convém, também, ter em conta que estamos no contexto de um "banquete". O "banquete" é, no mundo semita, o espaço do encontro fraterno, onde os convivas partilham do mesmo alimento e estabelecem laços de comunhão, de proximidade, de familiaridade, de irmandade. Jesus aparece, muitas vezes, envolvido em banquetes, não porque fosse "comilão e bêbedo" (cf. Mt 11,19), mas porque, ao ser sinal de comunhão, de encontro, de familiaridade, o banquete anuncia a realidade do "reino".

    MENSAGEM

    O texto apresenta duas partes. A primeira (vers. 7-11) aborda a questão da humildade; a segunda (vers 12-14) trata da gratuidade e do amor desinteressado. Ambas estão unidas pelo tema do "Reino": são atitudes fundamentais para quem quiser participar no banquete do "Reino".
    As palavras que Jesus dirigiu aos convidados que disputavam os lugares de honra não são novidade, pois já o Antigo Testamento aconselhava a não ocupar os primeiros lugares (cf. Prov 25,6-7); mas o que aí era uma exortação moral, nas palavras de Jesus converte-se numa apresentação do "Reino" e da lógica do "Reino": o "Reino" é um espaço de irmandade, de fraternidade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os outros; quem quiser entrar nele, tem de fazer-se pequeno, simples, humilde e não ter pretensões de ser melhor, mais justo, ou mais importante que os outros. Esta é, aliás, a lógica que Jesus sempre propôs aos seus discípulos: Ele próprio, na "ceia de despedida", comida com os discípulos na véspera da sua morte, lavou os pés aos discípulos e constituiu-os em comunidade de amor e de serviço - avisando que, na comunidade do "Reino", os primeiros serão os servos de todos (cf. Jo 13,1-17).
    Na segunda parte, Jesus põe em causa - em nome da lógica do "Reino" - a prática de convidar para o banquete apenas os amigos, os irmãos, os parentes, os vizinhos ricos. Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus convidados para a mesa. Nas suas refeições, não convinha haver alguém de nível menos elevado, pois a "comunidade de mesa" vinculava os convivas e não convinha estabelecer obrigatoriamente laços com gente desclassificada e pecadora (por exemplo, nenhum fariseu se sentava à mesa com alguém pertencente ao "am aretz", ao "povo da terra", desclassificado e pecador). Por outro lado, também os fariseus tinham a tendência - própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas - de convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma... A questão é que, dessa forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor desinteressado.
    Jesus denuncia - em nome do "Reino" - esta prática; mas vai mais além e apresenta uma proposta verdadeiramente subversiva... Segundo Ele, é preciso convidar "os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos". Os cegos, coxos e aleijados eram considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus, e por isso estavam proibidos de entrar no Templo (cf. 2 Sm 5,8) para não profanar esse lugar sagrado (cf. Lv 21,18-23). No entanto, são esses que devem ser os convidados para o "banquete". Já percebemos que, aqui, Jesus já não está simplesmente a falar dessa refeição comida em casa de um fariseu, na companhia de gente distinta; mas está já a falar daquilo que esse "banquete" anuncia e prefigura: o banquete do "Reino".
    Jesus traça aqui, portanto, os contornos do "Reino". Ele é apresentado como um "banquete", onde os convidados estão unidos por laços de familiaridade, de irmandade, de comunhão. Para esse "banquete", todos - sem excepção - são convidados (inclusive àqueles que a cultura social e religiosa tantas vezes exclui e marginaliza). As relações entre os que aderem ao banquete do "Reino" não serão marcadas pelos jogos de interesses, mas pela gratuidade e pelo amor desinteressado; e os participantes do "banquete" devem despir-se de qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, para se colocarem numa atitude de humildade, de simplicidade, de serviço.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes linhas:

    ¨ Na nossa sociedade, agressiva e competitiva, o valor da pessoa mede-se pela sua capacidade de se impor, de ter êxito, de triunfar, de ser o melhor... Quem tem valor é quem consegue ser presidente do conselho de administração da empresa aos trinta e cinco anos, ou o empregado com mais índices de venda, ou o condutor que, na estrada, põe em risco a sua vida, mas chega uns segundos à frente dos outros... Todos os outros são vencidos, incapazes, fracos, olhados com comiseração. Vale a pena gastar a vida assim? Estes podem ser os objectivos supremos, que dão sentido verdadeiro à vida do homem?

    ¨ A Igreja, fruto do "Reino", deve ser essa comunidade onde se torna realidade a lógica do "Reino" e onde se cultivam a humildade, a simplicidade, o amor gratuito e desinteressado. É-o, de facto?

    ¨ Assistimos, por vezes, a uma corrida desenfreada na comunidade cristã pelos primeiros lugares. É uma luta - para alguns de vida ou de morte - em que se recorre a todos os meios: a intriga, a exibição, a defesa feroz do lugar conquistado, a humilhação de quem faz sombra ou incomoda... Para Jesus, as coisas são bastante claras: esta lógica não tem nada a ver com a lógica do "Reino"; quem prefere esquemas de superioridade, de prepotência, de humilhação dos outros, de ambição, de orgulho, está a impedir a chegada do "Reino". Atenção: isto talvez não se aplique só àquela pessoa da nossa comunidade que detestamos e cujo nome nos apetece dizer sempre que ouvimos falar em gente que só gosta de mandar e se considera superior aos outros; isto talvez se aplique também em maior ou menor grau, a mim próprio.

    ¨ Também há, na comunidade cristã, pessoas cuja ambição se sobrepõe à vontade de servir... Aquilo que os motiva e estimula são os títulos honoríficos, as honras, as homenagens, os lugares privilegiados, as "púrpuras", e não o serviço humilde e o amor desinteressado. Esta será uma atitude consentânea com a pertença ao "Reino"?

    ¨ Fica claro, na catequese que Lucas hoje nos propõe, que o tipo de relações que unem os membros da comunidade de Jesus não se baseia em "critérios comerciais" (interesses, negociatas, intercâmbio de favores), mas sim no amor gratuito e desinteressado. Só dessa forma todos - inclusive os pobres, os humildes, aqueles que não têm poder nem dinheiro para retribuir os favores - aí terão lugar, numa verdadeira comunidade de amor e de fraternidade.

    ¨ Os cegos e coxos representam, no Evangelho que hoje nos é proposto, todos aqueles que a religião oficial excluía da comunidade da salvação; apesar disso, Jesus diz que esses devem ser os primeiros convidados do "banquete do Reino". Como é que os pecadores notórios, os marginais, os divorciados, os homossexuais, as prostitutas são acolhidos na Igreja de Jesus?
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 22º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 22º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. FAZER ECO DA PALAVRA.
    Depois da comunhão (a mesa onde os pobres são reis...), poder-se-ia reler, em fundo musical, algumas passagens da liturgia da Palavra. Por exemplo: "cumpre todas as coisas com humildade..."; "vai sentar-te no último lugar..."; "convida aqueles que não têm nada para te retribuir..."

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Deus criador e mestre do universo, proclamamos a grandeza do teu poder e, ao mesmo tempo, a humildade do teu Filho Jesus. Ele tornou-se pequeno para nascer entre os homens e aceitou a humilhação suprema, a da cruz.
    Nós Te pedimos pelas nossas sociedades onde triunfam os dominadores e os poderosos. Que o teu Espírito nos impregne, que Ele nos livre do orgulho".

    No final da segunda leitura:
    "Deus vivo, nós Te damos graças por Jesus, o mediador da nova Aliança, que nos introduziu na Jerusalém celeste e na assembleia dos santos e que inscreveu o nosso nome nos céus.
    Nós Te confiamos todas as comunidades cristãs desencorajadas pela modéstia dos seus efectivos e pela falta de consideração".

    No final do Evangelho:
    "Pai, Tu que nos convidas à mesa de teu Filho, nós Te damos graças porque nos chamas a avançar mais alto e nos elevas pela confiança que nos fazes e a estima que nos concedes, a nós que somos pecadores.
    Nós Te recomendamos as nossas irmãs e irmãos que se ocupam das nossas sociedades, preparando-lhes a mesa e dando-lhes a sua dignidade".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Jesus pode falar de gratuidade porque a sua vinda à terra é um dom gratuito de Deus, é uma graça, este amor gratuito, gracioso de Deus. E Deus não nos ama porque merecemos, mas porque não pode senão amar-nos, pois Ele é Amor. Então, Jesus pede ao homem, criado à imagem de Deus, para amar como Deus ama, isto é, gratuitamente, esperando ser declarado justo na ressurreição dos mortos. Trata-se de uma verdadeira revolução nas relações entre eles: pôr o dom em primeiro lugar e ter em resposta apenas a alegria de ter dado. Jesus vai mesmo ao ponto de declarar felizes aqueles que têm o sentido do gratuito nas suas relações humanas.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Há muitos "manuais de boas maneiras" para saber como organizar uma festa, uma recepção, para que cada convidado se encontre à vontade à mesa, não se sinta ferido na sua honra - ou na sua vaidade! Hoje, Jesus dá-nos indicações de protocolo: "Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante que tu; então, aquele que vos convidou a ambos terá de te dizer: 'Dá o lugar a este'; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar". Jesus não quer que soframos uma humilhação! Não vai longe o tempo em que, na Igreja, se dizia: "Para crescer em humildade, é preciso suportar humilhações!" Mas suportar humilhações leva geralmente a ser humilhado, mas não a se tornar humilde! Ora Jesus, precisamente, não quer que sejamos humilhados. Deseja mesmo que sejamos honrados. Ele veio para que cada um ganhe de novo a sua verdadeira dignidade, volte a manter-se de pé. Mas, evidentemente, Jesus não se contenta em nos ensinar como nos comportarmos em sociedade. Ele convida-nos, na realidade, a um exercício de lucidez sobre nós próprios. Todos desejamos dar de nós mesmos uma imagem positiva, valorizadora. Mas o que os outros percebem de mim não corresponde necessariamente ao que gostaria que eles vissem. E eu próprio vejo os outros a partir das minhas próprias impressões e sentimentos. Então, seguindo o meu temperamento, terei, por exemplo, um complexo de inferioridade, pensando ser um eterno compreendido. Desvalorizar-me-ei aos meus próprios olhos. Sentir-me-ei mal na própria pele. Ou terei um complexo de superioridade, seguro do meu valor. Procurarei mostrar-me, fazer-me ver, ocupar os primeiros lugares, com o risco de esmagar os outros e humilhá-los. Isso é da psicologia elementar? Mas Jesus sabe bem que a psicologia é importante. Somente vai mais longe. Convida-nos a juntarmo-nos ao olhar de Deus sobre nós, sobre os outros. Só Ele é capaz de amar cada ser humano como ele é, porque só Ele nos olha unicamente e sempre à luz do seu amor. Colocarmo-nos nesta luz é ainda a melhor maneira de nos amarmos humildemente a nós mesmos para amar os outros em verdade.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística II para Assembleias com Crianças.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    Difícil questão... Com que critérios estabelecemos a lista dos nossos convidados quando preparamos uma refeição festiva? Decididamente, uma vez mais, a lógica de Jesus não é a nossa. Acontece convidarmos à nossa mesa pobres, estropiados, sem-abrigo, crianças perdidas nas ruas... mais que a nossa família, os amigos, as nossas relações de negócios? Difícil questão, que evitamos talvez tomar demasiado a sério. E se nesta semana a deixássemos ressoar um pouco em nós mesmos?
    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • XXII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    29 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 2, 1-5

    Irmãos: 1Eu mesmo, quando fui ter convosco, irmãos, não me apresentei com o prestígio da linguagem ou da sabedoria, para vos anunciar o mistério de Deus. 2Julguei não dever saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. 3Estive no meio de vós cheio de fraqueza, de receio e de grande temor. 4A minha palavra e a minha pregação nada tinham dos argumentos persuasivos da sabedoria humana, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, 5para que a vossa fé não se baseasse na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus.

    Paulo chama a atenção da comunidade de Corinto, ameaçada na sua fé por princípios da mentalidade greco-pagã, para a centralidade do mistério pascal de Cristo. O essencial para a salvação é acreditar em Cristo, morto e ressuscitado: «Julguei não dever saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado». A mediação histórica para acolher a salvação é a pregação, que se caracteriza pela fraqueza humana: «Estive no meio de vós cheio de fraqueza, de receio e de grande temor». É a fé, como acolhimento da Palavra da cruz, que revela o poder de Deus que salva. Não há outro caminho. Paulo afirma-o com a força da sua autoridade, procurando reconduzir ao bom caminho os cristãos de Corinto que tinham assumido práticas contrárias ao que é próprio da fé em Cristo. Os eventos salvíficos ordenam-se do seguinte modo: Cristo crucificado, pregação apostólica, fé como adesão a Cristo e ao seu mistério pascal.

    Evangelho: Lucas 4, 16-30

    Naquele tempo, Jesus 16Veio a Nazaré, onde tinha sido criado. Segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler. 17Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito: 18«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, 19a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.» 20Depois, enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 21Começou, então, a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» 22Todos davam testemunho em seu favor e se admiravam com as palavras repletas de graça que saíam da sua boca. Diziam: «Não é este o filho de José?» 23Disse-lhes, então: «Certamente, ides citar-me o provérbio: 'Médico, cura-te a ti mesmo.' Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaúm, fá-lo também aqui na tua terra.» 24Acrescentou, depois: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria. 25Posso assegurar-vos, também, que havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra; 26contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas sim a uma viúva que vivia em Sarepta de Sídon. 27Havia muitos leprosos em Israel, no tempo do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi purificado senão o sírio Naaman.» 28Ao ouvirem estas palavras, todos, na sinagoga, se encheram de furor. 29E, erguendo-se, lançaram-no fora da cidade e levaram-no ao cimo do monte sobre o qual a cidade estava edificada, a fim de o precipitarem dali abaixo. 30Mas, passando pelo meio deles, Jesus seguiu o seu caminho.

    A pregação de Jesus começa com um rito na sinagoga: levanta-se, vai ler, é-Lhe dado o rolo, abre-o... É um momento solene que Lucas sublinha. Jesus proclama a página profética e interpreta-a: «Cum¬priu se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» Jesus é o profeta prometido. O tempo presente é o Kairós - o tempo providencial - que é preciso acolher. Os ouvintes reagem manifestando espanto pelas palavras de Jesus e pelo modo como as pronuncia: palavras repletas de graça. Alguns reagem negativamente, de modo crítico e mesmo agressivo contra Jesus. A proposta da salvação provoca reacções diferentes e, por vezes, opostas.

    Meditatio

    Os Coríntios tinham caído naquilo a que se chama o culto da personalidade, ou de várias personalidades, criando divisões na comunidade. Para tentar remediar a situação, Paulo recorda-lhes que a fé não se baseia nas habilidades retóricas deste ou daquele pregador, nem sobre a capacidade dialéctica de um pensador, mas na intervenção de Deus na história humana. É certo que a pregação é essencial para desencadear a caminhada da fé, que leva à salvação. Mas ela é, antes de mais, um evento de graça.
    Como os habitantes de Corinto, como os contemporâneos de Elias e de Eliseu, como os contemporâneos de Jesus, também nós somos postos perante um evento que não é simplesmente humano pois, apesar da sua simplicidade, ou mesmo da sua fraqueza, traz consigo uma mensagem e uma graça que vem de Deus. A pregação cristã apoia-se nas profecias do Antigo Testamento, mas assenta no presente histórico: «Cum-priu se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» A referência ao passado é memória actualizante de algumas profecias que contêm uma promessa divina. Do mesmo modo, a referência ao presente histórico não é violência à liberdade de cada um, mas convite a não desperdiçar, por preguiça ou superficialidade, a palavra de Deus. A pregação apostólica está no começo de toda a caminha da fé. Paulo dá pistas para essa caminha nos primeiros capítulos da 1Tess. Será oportuno lê-los. De qualquer modo, aqui fica um trecho: «Damos continuamente graças a Deus, porque, tendo recebido a palavra de Deus, que nós vos anunciámos, vós a acolhestes não como palavra de homens, mas como ela é verdadeiramente, palavra de Deus, a qual também actua em vós que acreditais» (1 Tess 2, 13).
    A escuta-acolhimento da pregação, leva a acreditar, isto é, à fé-adesão a Cristo, o Filho de Deus: "A vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim" (Gal 2, 20). Esta "fé do Filho de Deus" é a fonte da "experiência de fé do Pe. Dehon", disposto a fazer em tudo a vontade do Pai e a realizar a missão que lhe foi confiada. O "Ecce venio" (Heb 10, 7) é o mote preferido pelo Pe. Dehon. Pronuncia-o em todos os momentos da sua vida, particularmente nos mais dolorosos, quando é chamado a viver o mistério da paixão e da morte. Anima-o uma intensa contemplação do Coração de Jesus. Vê n´Ele «a expressão mais evocadora de um amor, cuja presença activa experimenta na s
    ua vida» (Cst 2) e «a própria fonte da salvação» (Cst 2).
    Também para nós, a pregação há-de levar-nos à fé, isto é uma "adesão" que nos conduza à identificação com Cristo, à vivência da sua vida, dos seus "mistérios", dos seus sentimentos até podermos dizer como Paulo: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20).

    Oratio

    Senhor Jesus, ontem falaste mas, surdos à tua mensagem de salvação, «todos, na sinagoga, se encheram de furor». Hoje, voltas a falar para proclamar o amor do Pai que liberta da opressão, mas poucos Te escutam e aceitam. Falarás amanhã e novamente as tuas palavras serão incómodas, e muitos procurarão afastar-Te. Porquê?
    A tua Palavra, Senhor, só é acolhida por corações abertos ao Espírito e à surpresa do teu Evangelho. Que, ao anunciar-Te, eu tenha um coração impregnado de verdade, livre de medos, de interesses pessoais, de pressões inúteis. Que e minha única preocupação seja dar a conhecer o Pai e o seu amor sem limites pela humanidade. Suscita naqueles a quem sou enviado o desejo de Te conhecer. A tua Palavra tem o poder de curar, de transformar e de fazer maravilhas.
    Que o meu coração, e o coração de todos os homens, a quem me envias a semear a Palavra, se tornem terra boa, onde ela cresça e dê muito fruto. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor ensina-no-la (a sua doutrina) aplicando a si mesmo estas palavras de Isaías: «Spiritus Domini super me, eo quod unxit me (Lc 5, 18); o espírito de força e de amor repousa sobre mim, e encheu o meu coração com uma unção inefável». Portanto, a pregação do Sagrado Coração está cheia de caridade, deste amor inefável, tão terno e tão forte, que entusiasmava todos aqueles que o escutavam e levava-os a dizer: «Ninguém falou como este homem». «Speciosus forma prae filiis hominum; diffusa est gratia in labiis tuis: Este homem é entre todos amável; a graça está nos seus lábios». Entremos, portanto, no Sagrado Coração, tomemos o seu amor pata pregarmos o amor aos homens. Imitemos neste ponto, como em todos os outros, o apóstolo João.
    Isaías descreve-nos o apostolado do Salvador: «Evangelizare pauperibus misit me». Pregar aos pobres! Eis o que deseja este Coração que ama os pequenos, os fracos e as crianças. Ou qual é a qualidade que daí segue, senão a simplicidade? Simplicidade na expressão, simplicidade na ideia, o que não exclui a grandeza; que de mais simples e de mais sublime do que o Evangelho? Nós devemos, portanto, abandonar a eloquência mundana e teatral dos pregadores modernos para tomar a do Santo Evangelho e dos Padres.
    «Sanare contritos corde», isto é, consolar os aflitos. Aqui está um ponto de vista que a nossa pregação dura e mundana ignora absolutamente, mas que o Sagrado Coração, que é a consolação por excelência, não saberia ignorar. E como consolar os aflitos? Não é com banalidades, mas abrindo-lhes o Sagrado Coração, inspirando-lhes uma confiança n'Ele absoluta, inteira e inalterável.
    «Praedicare captivis remissionem et caecis visum, dimittere confractos in remissionem: Pregar a libertação aos cativos, aos feridos a cura». Com estas palavras, Nosso Senhor designa a classe inumerável dos pecadores. Trata-se de quebrar pela palavra as cadeias dos cativos, de abrir os olhos dos cegos, de dar a saúde aos doentes. Ah! A grande a nobre missão! Procuremos inspirar aos pecadores o desejo de amar o Sagrado Coração, impelamo-los à oração, a gemer diante d'Ele por causa das suas misérias, e a sua graça será mais poderosa do que todas as nossas palavras.
    «Praedicare annum Domini acceptum et diem retributionis». Pregar o grande jubileu do amor e da misericórdia, é a devoção ao Sagrado Coração que nos é necessário anunciar a todos de maneira que ela inflame os corações de todos. É para nós o primeiro dos deveres, que nós cumpriremos bem, se nós mesmos, estivermos cheios de um amor terno e generoso para com o Sagrado Coração (Sl 61). (Leão Dehon, OSP 2, p. 260s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» (Lc 7, 16).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    30 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 2, 10b-16

    Irmãos: o Espírito tudo penetra, até as profundidades de Deus. 11Quem, de entre os homens, conhece o que há no homem, senão o espírito do homem que nele habita? Assim também, as coisas que são de Deus, ninguém as conhece, a não ser o Espírito de Deus. 12Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, para podermos conhecer os dons da graça de Deus. 13E deles não falamos com palavras que a sabedoria humana ensina, mas com as que o Espírito inspira, falando de realidades espirituais em termos espirituais. 14O homem terreno não aceita o que vem do Espírito de Deus, pois é uma loucura para ele. Não o pode compreender, pois só de modo espiritual pode ser avaliado. 15Pelo contrário, o homem espiritual julga todas as coisas e a ele ninguém o pode julgar. 16Pois quem conheceu o pensamento do Senhor, para poder instruí-lo? Mas nós temos o pensamento de Cristo.

    Paulo afirma que ninguém, pelas suas próprias forças, pode conhecer a Deus e o mistério da salvação que oferece a todos. Tudo é graça, e só pela graça podemos participar na salvação. A revelação do Pai tornou possível conhecermos a Deus e ao seu desígnio de salvação. Por Cristo, ficámos a conhecer os segredos de Deus e, com a ajuda do Espírito Santo, conseguimos balbuciar algo do que se refere à vida em Deus. Recebemos o Espírito que vem de Deus, o dom por excelência, que traz consigo o dom da sapiência. Assim, podemos entrar em sintonia com a mensagem revelada. Quem não acolher esse dom, não poderá saborear nem compreender o mistério, os segredos de Deus. E pode mesmo escandalizar-se. O que seria sabedoria, torna-se simplesmente loucura. Finalmente também temos «o pensamento do Senhor», isto é, somos iluminados pelo Evangelho acerca daquilo que agrada a Deus. Tudo isso se realizou em Cristo Jesus: na sua vida terrena e concretamente na sua morte e ressurreição.

    Evangelho: Lucas 4, 31-37

    Naquele tempo, Jesus 31desceu a Cafarnaúm, cidade da Galileia, e a todos ensinava ao sábado. 32E estavam maravilhados com o seu ensino, porque falava com autoridade. 33Encontrava-se na sinagoga um homem que tinha um espírito demoníaco, o qual se pôs a bradar em alta voz: 34«Ah! Que tens que ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus!» 35Jesus ordenou-lhe: «Cala-te e sai desse homem!» O demónio, arremessando o homem para o meio da assistência, saiu dele sem lhe fazer mal algum. 36Dominados pelo espanto, diziam uns aos outros: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!» 37A sua fama espalhou-se por todos os lugares daquela região.

    A distância entre Nazaré e Cafarnaúm é relativamente curta. Jesus percorre-a para a anunciar e curar. Para Lucas, são esses os modos como Jesus mostra a autoridade de que está revestido. A palavra de Jesus é eficaz: realiza o que significa. Os gestos terapêuticos de Jesus levam conforto e vida a todos os que deles precisam.
    Palavras e gestos são os elementos que ligam todo o Evangelho (cf. Lc 24, 19 onde se fala de «Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo»; Act 1,1: «No meu primeiro livro, ó Teófilo, narrei as obras e os ensinamentos de Jesus, desde o princípio»). Esta página, que se refere ao início do ministério público de Jesus, confirma-o. Jesus quer se escutado e acolhido por todos e cada um dos homens: por isso lhes fala ao coração e lhes cura o corpo. É uma intervenção libertadora que revela a eficácia da palavra de Jesus. O texto de hoje apresenta-nos um pobre doente que é libertado de um espírito maligno. Começa o choque frontal entre Jesus e o demónio. Esse choque é preciso para que Jesus se revele como salvador, isto é, como aquele que redime os que estão sob o domínio de Satanás e resgata para Deus e para o seu reino.
    A intervenção de Jesus tem dois efeitos colaterais: suscita espanto em alguns e faz com que a sua fama se espalhe na região.

    Meditatio

    Que significa a expressão: Mas nós temos o pensamento de Cristo. Será que conhecemos o seu pensamento? À luz de Is 40, 13, ninguém pode dizer que conhece o pensamento do Senhor-Deus. Estamos aqui diante da teologia apofática - que prefere calar do que dizer coisas sobre Deus - cultivada pelos místicos e contemplativos. Mas a referência a Is. 64, 3, que encontramos em 2, 9, faz-nos saber que Deus preparou (isto é, revelou) coisas que jamais alguém viu ou ouviu, para aqueles que O amam. A benevolência divina tornou possível ao homem o que era impossível. Abre-se diante de nós um caminho novo de conhecimento. Os dons de Jesus, especialmente o dom do seu Espírito, rasga um novo horizonte em que podemos saber o que agrada a Deus e reconhecê-lo com alegria interior. Como filhos no Filho, como ouvintes da Palavra, como discípulos do Evangelho, podemos dizer com S. Paulo: nós temos o pensamento de Cristo. Não o descobrimos engenhosamente. Acolhemo-lo com alegria. Na linha de Is. 55, 9, podemos dizer que os pensamentos de Cristo não são os nossos pensamentos e que os nossos caminhos não são os seus caminhos. Todavia, apoiando-nos em Paulo, podemos ter certezas mais sólidas do que a rocha.
    Há tempos, na nossa vida, que são particularmente propícios para acolher e se deixar conduzir pelo Espírito Santo, e adquirir certezas que sejam fundamento sólido para toda a nossa vida cristã, religiosa, sacerdotal, para o nosso apostolado. Pode ser o tempo de férias, o tempo dedicado a um retiro espiritual, o tempo de formação à vida religiosa, ao sacerdócio. Para os religiosos tem particular importância o noviciado. As certezas, que todos procuramos, por vezes com angústia, não se adquirem com cálculos humanos ou garantias exteriores. Elas são fruto do Espírito que o Pai dá «àqueles que lho pedem!» (Lc 11, 13). É o Espírito de amor, o Espírito Santo, que realiza a promessa de Jesus: «Ele há-de ensinar-vos todas as coisas e há-de recordar-vos tudo aquilo que eu vos disse» (Jo 14, 26); «Há-de guiar-vos para a verdade perfeita... Ele há-de glorificar-me, porque tomará do que é Meu e vo-lo anunciará» (Jo 16, 13-14).
    Só o Espírito nos pode ensinar «todas as coisas», também sobre o mistério do pensamento de Cristo. Só Ele nos pode conduzir à «verdade perfeita». Só Ele nos pode «recordar», isto é, actualizar na nossa vida, tudo quanto Jesus ensinou e fez.
    O Espírito está na origem da nossa Congregação (Cst. 1), está presente no seu desenvolvimento (Cst. 15); faz-nos penetrar no mistério de Cristo (Cst. 16), faz-nos realizar a nossa missão de amor e de reparação (Cst. 23). O nosso cel
    ibato é abertura ao Espírito (Cst. 42), a nossa obediência é atenção ao Espírito (Cst. 57), a nossa vida comunitária é dom do Espírito (Cst. 59), a nossa oração é acolhimento do Espírito (Cst. 78).
    Que mais te dizem as Leituras de hoje, no momento e na situação em que te encontras? Que luz dão à tua vida, às tuas preocupações, aos teus sonhos e projectos?

    Oratio

    Senhor, os teus desígnios são insondáveis! Escolheste um assassino, como Paulo, para anunciar o teu nome, tomaste um pecador como Pedro para o tornar chefe da Igreja, socorreste uma adúltera para manifestar a tua misericórdia. Como são misteriosos os teus caminhos, ó Senhor! Agostinho permanece um exemplo de conversão para aqueles que estão atormentados e empedernidos no mal; Francisco, de libertino, torna-se promotor de paz.
    Ó Senhor, os teus gestos são loucos para a sabedoria humana! Assumes a fraqueza de uma criança para destruir os poderosos; dás a outra face a quem te bate e perdoas a quem Te ofende; morres para dar a vida e a salvação.
    Também eu, na situação concreta em que me encontro, à luz do teu Espírito, posso dar-me conta do teu amor e dizer-Te: «Tudo é graça». Amen.

    Contemplatio

    Para aquele que compreende, para aquele que o Espírito Santo ilumina, vigilanti, como diz Santo Agostinho, é a porta da vida que se abre, é o segredo de Deus que é revelado. O Coração ferido de Jesus significa que é por amor por nós, unicamente por amor, que Ele fez tudo o que fez, que viveu entre nós, que morreu por nós e que ainda vive por nós no céu e na santa Eucaristia. A lança repete à sua maneira aquilo que o Salvador tinha dito a Nicodemos: «Sic Deus dilexit mundum ut Filium suum unigenitum daret: Deus amou-nos até ao ponto de nos dar o seu Filho único». Fê-lo nossa propriedade; tudo nos pertence, os seus méritos, os seus mistérios, a sua vida, a sua morte, a sua graça, a sua glória e sobretudo o seu amor. Porque, repete ainda S. João, aqueles que Jesus amou, amou-os até ao fim, isto é, sem fim e sem medida.
    Eis porque a lança abriu o seu Coração material, a fim de nos fazer conhecer a ferida do seu Coração espiritual, do seu amor que foi o obreiro da nossa salvação e da nossa Redenção. No momento da morte do Salvador, o véu do Santo dos Santos rasgou-se. Isto significava o mesmo mistério que o golpe da lança.
    Jesus Cristo é o templo de Deus e o seu Coração é o Santo dos Santos, o altar do amor onde se operaram todos os mistérios e todos os sacrifícios. Tal é o significado primeiro da abertura do Coração adorável de Jesus. Este mistério ultrapassa todos os outros, porque a todos os contém. Que seria a oblação do Salvador, a sua vida, a sua imolação sobre a cruz, a sua morte mesma, se estes augustos mistérios não tirassem toda a sua seiva do seu Coração? (Leão Dehon, OSP 2, p. 380).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Nós temos o pensamento de Cristo» (1 Cor 2, 16).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    31 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 3, 1-9

    Irmãos: 1Quanto a mim, irmãos, não pude falar-vos como a simples homens espirituais, mas como a homens carnais, como a criancinhas em Cristo. 2Foi leite que vos dei a beber e não alimento sólido, que ainda não podíeis suportar. Nem mesmo agora podeis, visto que sois ainda carnais. 3Pois se há entre vós rivalidades e contendas, não é porque sois carnais e procedeis de modo meramente humano? 4Quando um diz: «Eu sou de Paulo»; e outro: «Eu sou de Apolo», não estais a proceder como simples homens? 5Pois, quem é Apolo? Quem é Paulo? Simples servos, por cujo intermédio abraçastes a fé, e cada um actuou segundo a medida que o Senhor lhe concedeu. 6Eu plantei, Apolo regou, mas foi Deus quem deu o crescimento. 7Assim, nem o que planta nem o que rega é alguma coisa, mas só Deus, que faz crescer. 8Tanto o que planta como o que rega formam um só, e cada um receberá a recompensa, conforme o seu próprio trabalho. 9Pois, nós somos cooperadores de Deus, e vós sois o seu terreno de cultivo, o edifício de Deus.

    Para Paulo, homens carnais são pessoas que se orientam pelas suas próprias forças, por critérios meramente humanos. Pode dizer-se que essas pessoas estão espiritualmente "subdesenvolvidas"; mesmo humanamente, ainda não experimentaram a plenitude da vida. Pelo contrário, homens espirituais são aqueles que livremente e conscientemente entraram numa nova mentalidade, num estilo de vida que partilha a novidade de Cristo.
    Como se manifesta o ser carnais de alguns cristãos? Manifesta-se no criar facções, divisões, no semear discórdias e invejas. Em vez de contribuírem para construir a comunidade, tendem a destruí-la com os pensamentos que alimentam e, sobretudo, com as obras que praticam.
    O Apóstolo garante que a todos é possível comportar-se como homens espirituais, desde que compreendam bem quem é Apolo e quem é Paulo: ambos são ministros, isto é, servos, simples colaboradores de Deus. Só Deus tem a iniciativa de salvar; só a Ele pertence o mérito e a honra. Há que reconhecê-lo como verdadeiro e único protagonista da salvação. Só Ele faz crescer o que os servos plantaram e regaram. Só Ele salva aqueles que, pela pregação da Palavra, se abrem ao diálogo que leva a descobrir a verdade.
    Notar ainda que só Deus está sempre em primeiro lugar. Só depois vêm todos os outros. Por seu lado, Paulo está disposto a ocupar o último lugar.

    Evangelho: Lucas 4, 38-44

    Naquele tempo, Jesus 38deixando a sinagoga, entrou em casa de Simão. A sogra de Simão estava com muita febre, e intercederam junto dele em seu favor. 39Inclinando-se sobre ela, ordenou à febre e esta deixou-a; ela erguendo-se, começou imediatamente a servi-los. 40Ao pôr do sol, todos quantos tinham doentes, com diversas enfermidades, levavam-lhos; e Ele, impondo as mãos a cada um deles, curava-os. 41Também de muitos saíam demónios, que gritavam e diziam: «Tu és o Filho de Deus!» Mas Ele repreendia-os e não os deixava falar, porque sabiam que Ele era o Messias. 42Ao romper do dia, saiu e retirou-se para um lugar solitário. As multidões procuravam-no e, ao chegarem junto dele, tentavam retê-lo, para que não se afastasse delas. 43Mas Ele disse-lhes: «Tenho de anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado.» 44E pregava nas sinagogas da Judeia.

    Notamos, nesta página, dois momentos distintos: a cura da sogra de Simão; as palavras sobre a consciência que Jesus tinha da sua missão evangelizadora (v. 43). O primeiro momento revela-nos que a cura habilita ao serviço. Também nos diz que as curas dos doentes se tornam ocasião de verdadeiras profissões de fé em Cristo, mesmo que elas saíam da boca dos demónios...
    Na segunda parte de texto, Lucas faz-se intérprete de dois eventos fundamentais: do facto de que a evangelização seja uma característica essencial do cristianismo e da consciência messiânica de Jesus que explode sobretudo na necessidade que lhe incumbe de anunciar o reino de Deus. Trata-se de uma necessidade providencial, porque está inscrita no projecto salvífico de Deus. Jesus não pode eximir-se a esse preciso dever, até porque qualifica a sua missão: «Para isso fui enviado» (4, 8; cfr. também Lc 10, 16).

    Meditatio

    Fala-se muito, hoje, de evangelização e nova evangelização, de evangelização das culturas, de inculturação da fé. Cada cristão deve estar consciente do indeclinável dever de dar testemunho do Evangelho, onde quer que viva, se encontre, trabalhe. O Vaticano II fundamenta esse dever no evento sacramental do baptismo (cfr. LG 10 e AA 3).
    «É preciso que eu evangelize o reino de Deus». O objecto da missão não é a Igreja, mas o reino de Deus. A palavra "Reino de Deus" não deve ser entendida em sentido meramente local, como se devêssemos entrar num certo local, em recinto bem definido, mas em sentido espiritual para indicar, antes de mais, a soberania de Deus a que nos submetemos e a comunidade de salvação que caminha para o Reino.
    «Para isso fui enviado»: é como dizer que não há evangelização sem missão. Não é indispensável uma missão apostólica. É suficiente referir-nos ao baptismo e à vocação que abraçámos. Ele dão-nos o direito não só de sermos servidores da Palavra aqui e agora, mas também as forças espirituais necessárias para essa missão.
    «Evangelizar, para a Igreja, é levar a Boa Nova de Cristo a todos os sectores da Humanidade e, graças ao seu influxo, transformar a partir de dentro, tornar nova a própria humanidade» ( Paulo VI, Evangelii Nuntiandi 18).
    Se a nossa experiência pessoal de fé um dia nos fez enamorar por Cristo, e demos a nossa adesão total à Sua Pessoa (cf. Cst 14), a consequência de tudo isso devia ser «o zelo pela casa do Senhor devora-nos»; toda a actividade, todo o ministério, toda a presença em qualquer ambiente deveria tornar-se evangelização convicta.
    Os documentos da Congregação lembram-nos que viver a nossa Regra de vida significa viver a nossa espiritualidade como missão apostólica e que a vida religiosa, como vida comunitária, como vivência dos votos, da espiritualidade e do nosso serviço apostólico, é missão» (cf. Documenta XII, p. 51).
    A Carta circular sobre o contributo SCJ para a evangelização apresenta de modo muito eficaz e concreto a missão dehoniana na preciosa e humilde realidade da vida de cada dia: «Não só as zonas de fronteira são hoje terra de missão, mas todas as nossas actividades, onde devemos ter sempre a preocupação de dar o primeiro lugar anúncio do Evangelho: formação, escola, pastoral paroquial, animação vocaciona
    l, etc.; também os anciãos e doentes podem colaborar na missão da Igreja e da Congregação, vivendo a sua oblação e colaboração na difusão da Boa Nova de Cristo, conforme a variedade dos dons recebidos do Espírito (1 Cor 12, 4-6).
    Reconhecemos como parte importante da nossa missão reparadora todo o trabalho que desde os princípios da Congregação muitos de nós desenvolvem na actividade missionária, em vista do anúncio do Evangelho e em solidariedade com os povos, cuja situação é particularmente difícil»( Cf. Documenta XIV, n. 23, p. 102).

    Oratio

    Senhor, liberta-me da inveja que mina o meu crescimento e as minhas relações interpessoais. Desejar avidamente o que pertence aos outros cria divisões e rivalidades; liberta-me do ciúme, «icterícia da alma», sentimento que liberta frustração, cólera e rancor naqueles que desejam para si a atenção prestada aos outros.
    Dá-me aquela liberdade que não teme críticas nem pretender atrair louvores, que leva à largueza de vistas e é feita de humildade, tolerância e inteligência, que está privada de interesses egoístas e acredita que todos colaboram contigo, único e verdadeiro artista.
    Senhor, faz com que caminhe sempre diante de mim o teu lema trinitário: "Um por todos". E que isso aconteça, de modo particular, no serviço da evangelização. Amen.

    Contemplatio

    O Evangelho é, como a sagrada Eucaristia, o sacramento do Coração de Jesus. Este divino Coração está lá, sob a letra, escondido com o seu amor e os seus tesouros de graças; as suas palavras são espírito e vida. Nós devemos amar e estudar todos os Evangelhos, mas há um pelo qual nós nos devemos apaixonar: é o de S. João. Portanto, para ter bom resultado na pregação, o principal não é estudar Massillon, Bourdaloue e Bossuet, por maioria de razão os autores absolutamente profanos como Cícero ou Quintilino. É preciso estudar o Sagrado Coração no Evangelho: está tudo aí.
    Recordemo-nos das promessas feitas por Nosso Senhor àqueles que pregassem a devoção ao Sagrado Coração. Estas promessas são infalíveis. Tenhamos uma confiança absoluta. Esta confiança pode produzir milagres. «Aqueles que trabalham pela salvação das almas, dizia Nosso Senhor à Bem-Aventurada, terão a arte de tocar os corações mais endurecidos e trabalhar com um sucesso maravilhoso, se eles mesmos estiverem penetrados de uma terna devoção ao meu divino Coração».
    Meditemos e desenvolvamos as belas páginas de S. João ... sobre a ressurreição de Lázaro, sobre as bodas de Caná, sobre a conversão da Samaritana. Estudemos estas parábolas do Bom Mestre sobre o Bom Pastor, sobre a Vinha mística e as efusões do seu Coração no discurso depois da Ceia. Todos estes ensinamentos têm uma eficácia particular. Brotam directamente do Coração de Jesus.
    Alimentar-me-ei constantemente do Evangelho, sobretudo do de S. João. Lerei com preferência os escritos dos Santos que tiveram a missão de nos revelar o Sagrado Coração. É o Coração de Jesus que eu quero fazer conhecer e amar ao exercer o apostolado (Leão Dehon, OSP 2, pp. 262s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Somos colaboradores de Deus» (1 Cor 3, 9).

    | Fernando Fonseca, scj |

plugins premium WordPress