PÓRTICO

João Nélio Simões (Superior Provincial)

Caros amigos

Neste tempo especial de Quaresma, fazemos chegar às vossas mãos mais um número da nossa revista, agora com a participação de um maior número de colaboradores e com uma nova configuração.

Vivemos no nosso tempo circunstâncias muito particulares de tragédias humanas que nos comovem, como é o caso das vítimas da guerra na Ucrânia e das vítimas do sismo na Síria e na Turquia, mas também somos testemunhas de sinais felizes e concretos de fraternidade, que vão fazendo a diferença no meio deste mundo e deste tempo complexo em que vivemos.

Como discípulos de Jesus, somos convidados a olhar e a contemplar o seu caminho como uma escola de vida, onde a esperança, a humildade, a solidariedade e o perdão marcam presença contínua e provam o Amor de um Deus sempre presente e ativo precisamente onde se manifestam as maiores fraquezas e sofrimentos humanos.

No meio das incertezas deste mundo em profunda transformação, sentimos continuamente a consolação das palavras e do testemunho do Papa Francisco que nos desinstalam das rotinas e de uma forma acabada de ser discípulo de Jesus. A celebração dos 10 anos de pontificado do Papa Francisco convidam a fazer uma retrospetiva desta década, marcada por gestos únicos e cheios de sentido, por uma linguagem profundamente humana, que nasce da vida concreta, e por um desejo profundo de dialogar com o mundo, com os povos, culturas e religiões.

O Papa Francisco tem-nos convidado a ser Igreja em saída, com as mãos na massa, que se abre enquanto hospital de campanha, sempre pronto a acolher para sarar e dar mais vida e que só tem sentido enquanto cumpre essa missão. Esta atitude do Papa faz-nos recordar a sensibilidade do nosso Fundador Padre Leão Dehon que, já há mais de um século, nos convidava a sair das sacristias vazias e tristes, para irmos ao encontro dos irmãos, na sua existência concreta e real onde eles experimentavam as suas verdadeiras alegrias e dramas, porque só aí poderíamos ouvir os seus gritos e pedidos de ajuda.

Na Igreja em Portugal, vivemos também tempos muito difíceis, devido ao drama dos abusos sexuais, cometidos por membros da Igreja Católica ao longo dos últimos setenta anos. Cada testemunho enunciado é uma história imensa de sofrimento que o silêncio do tempo não ajudou a curar; pelo contrário, acabou por prolongá-lo e aumentá-lo na incapacidade de compreender a razão pela qual a Igreja em vez de ser casa e de ser mãe, foi espaço de abuso e de desrespeito pela dignidade dos mais frágeis.

Enquanto Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus, sentimos repúdio e condenamos todas as formas de abuso, sobretudo os abusos sexuais cometidos contra crianças na Igreja Católica. Como Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, ao sermos referenciados no relatório da Comissão Independente por dois testemunhos recebidos e por outros dois comunicados por nós, sentimos uma profunda vergonha e tristeza pelo comportamento de alguns dos nossos membros, visto que essa atitude trai a nossa missão, enquanto colaboradores com Cristo na reparação do mundo e da Humanidade.

Às pessoas vítimas que se sentiram ofendidas na sua dignidade pelo comportamento indigno dos nossos confrades referenciados deixo, em nome da Província, um profundo e humilde pedido de perdão. Pedimos perdão por não termos sido capazes de evitar que tal comportamento tivesse acontecido, pedimos perdão por não nos termos apercebido dos abusos cometidos e por não termos ajudado as vítimas quando elas tentavam interpretar sozinhas o que tinha acontecido. Como Superior Provincial manifesto a minha disponibilidade para ir ter com as vítimas de tais abusos, para as escutar e ajudar a superar o sofrimento silenciado.

Quero agradecer, em nome da Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus, pelo estudo feito pela Comissão Independente sobre os abusos sexuais cometidos contra crianças na Igreja Católica, por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa e manifestar o nosso compromisso sério de averiguar as situações ocorridas nos nossos espaços, de responsabilizar os que cometeram tais abusos e de zelar para que as nossas Instituições sejam espaços credíveis de fraternidade e de respeito pela dignidade de cada pessoa, especialmente pelos mais frágeis.

Vivemos esta Quaresma com um sentido penitencial. Reconhecemos e confessamos o nosso pecado, esperando que a Graça de Deus nos converta em cada dia e possamos realmente ser os profetas do amor e servidores da reconciliação que somos chamados a ser na Igreja e no mundo.

Votos de uma santa Páscoa para todos e bem-haja por continuardes a estar connosco nesta missão.

 

João Nélio Simões

(Superior Provincial)

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