Quaresma – Preparar a Páscoa

Desde a antiguidade que a Quaresma foi sempre vivida como tempo muito intenso de preparação para a Páscoa, tendo a Igreja em mente especialmente duas categorias de pessoas: os catecúmenos, na sua preparação para o baptismo, na Vigília Pascal; e os penitentes, aqueles cristãos que, por causa de pecados graves, especialmente públicos, deviam reparar o mal feito e dar sinais de arrependimento e de mudança de vida, que se preparavam para a reconciliação com a Igreja e para o perdão, em cerimónia que se realizava na Quinta-feira Santa.

Mas, em comunhão espiritual com eles, era toda a Igreja que se colocava em atitude de penitência, que se exprimia na oração, no jejum e na esmola, como forma de preparação para a Páscoa, onde o mistério da redenção, – que é a graça que o Senhor nos trouxe com a sua paixão, morte e ressurreição -, não dispensa, antes exige e pressupõe a colaboração do homem, portanto, uma disposição interior do coração que se manifesta exteriormente nesses exercícios quaresmais: a oração, o jejum, e a esmola.

Estes exercícios quaresmais são a tradução e o alargamento para todos os cristãos das mesmas atitudes de Jesus nos quarenta dias que Ele passou no deserto, em oração e em jejum, imediatamente a seguir ao seu baptismo e como preparação para a Sua vida pública, quando, com palavras e gestos cheios de autoridade, anunciou e mostrou já presente o Reino de Deus. Por isso, a Quaresma inspira-se nessa Quaresma de Jesus, a qual, por sua vez, recapitula a Quaresma (quarenta anos) do Povo de Deus peregrinando pelo deserto, e a Quaresma de Elias (quarenta dias) pelo deserto a caminho do Monte de Deus.

É muito importante que os católicos tomem consciência da importância deste tempo. Infelizmente hoje em dia, em que domina o que os antigos chamavam respeito humano, ou seja, aquela timidez ou acanhamento em manifestar publicamente a própria fé, o que hoje acontece sob uma outra etiqueta, do política e culturalmente correcto, do medo de ser acusado de fundamentalismo, no pressuposto da laicidade ou do laicismo do Estado e dos espaços públicos!… Ora é muito importante redescobrir e viver eu diria mesmo os rituais do tempo quaresmal, que nos convida ao jejum e à abstinência, à oração, à esmola, em suma, à penitência. Um sinal muito simples é respeitar a abstinência à sexta-feira (antigamente era mesmo jejum, às quartas, sextas e sábados, e até, durante todo o ano, antes de qualquer festa), quando não comer carne e optar por peixe significa uma atitude interior de quem procura viver não segundo a carne ou os critérios do mundo (segundo as belas expressões de S. Paulo e de S. João), mas segundo o pensamento de Deus e a sua lei.
Um dia, e isto fora da Quaresma, fui numa sexta-feira almoçar a um restaurante com amigos. Eu pedi evidentemente peixe; e verifiquei que um grupo relativamente numeroso tinha provocado um certo pânico na cozinha, porque, por ser sexta-feira, tinha pedido peixe, em vez de carne. São coisas simples, que da simplicidade consiste a nossa existência, que precisa de sinais.

O Santo Padre Bento XVI publicou no ano passado a sua obra Jesus de Nazaré, e ainda muito recentemente a sua segunda encíclica sobre a Esperança. Seria bom que, durante a Quaresma, lêssemos as suas meditações, que seria uma excelente companhia, para nos introduzirmos, com ele, no mistério de Jesus Cristo. S. Paulo tem uma frase que tudo sintetiza quando diz: Ele amou-me e entregou-se por mim (Gal 2, 20). E S. Francisco Xavier conta numa carta dirigida a Sto. Inácio o seu encontro com um nobre do Japão, do qual ficou amigo, o qual lhe perguntava: Mas tu deixaste o Colégio de Sta. Bárbara, em Paris, foste para Roma, de lá para Lisboa, de Lisboa para a Índia e até ao Japão, percorrendo milhares de milhas só para me dizeres que Deus me ama? Não há mais nada para me dizeres? Não há, respondeu o Santo!

Pois que a Quaresma, vivida no espírito que a Igreja nos recomenda, seja este tempo oportuno de graça e de verdade, para descobrirmos e sentirmos quanto Deus nos ama, sendo sinal disso o mistério de Cristo, cujos passos da Paixão seguimos e meditamos nestes dias.

José Jacinto Ferreira de Farias, scj
Joseffarias@netcabo.pt
 

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