19º Domingo do Tempo Comum – Ano C [atualizado]

ANO C

19.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Tema do 19.º Domingo do Tempo Comum

Necessitamos continuamente de redescobrir o nosso lugar e o nosso papel no projeto que Deus tem para nós e para o mundo. A Palavra de Deus que a liturgia deste domingo nos propõe lembra-nos isso mesmo. Diz-nos que viver de braços cruzados, numa existência de comodismo e resignação, é malbaratar a vida. Deus precisa de nós, Deus conta connosco; quer-nos despertos, atentos, comprometidos com a construção de um mundo mais justo, mais humano e mais feliz.

Na primeira leitura um “sábio” de Israel recorda a noite em que Deus libertou os hebreus da escravidão do Egito. Para os egípcios, foi uma noite de desolação e de morte; para os hebreus, foi uma noite de libertação e de glória. Os hebreus perceberam nessa noite, que caminhar com Deus e seguir as indicações que Ele deixa é fonte permanente de vida e de liberdade. É nessa direção que o “sábio” nos convida a construir a nossa vida.

No Evangelho Jesus lembra aos discípulos que foram escolhidos para levar o projeto do Reino de Deus ao encontro do mundo. Devem, portanto, viver para o serviço do Reino. Nesse sentido, têm de estar sempre atentos e vigilantes, cumprindo a cada instante as tarefas que Deus lhes pede, servindo o Reino com humildade e simplicidade.

Na segunda leitura um “catequista” cristão anónimo propõe-nos Abraão e Sara como modelos de fé. Eles confiaram incondicionalmente em Deus e não hesitaram em caminhar ao encontro dos bens prometidos. Essa “aposta” trouxe-lhes frutos: ultrapassando as limitações e a caducidade da vida presente, puderam alcançar os bens eternos.

 

LEITURA I – Sabedoria 18,6-9

A noite em que foram mortos os primogénitos do Egipto
foi dada previamente a conhecer aos nossos antepassados,
para que, sabendo com certeza
a que juramentos tinham dado crédito,
ficassem cheios de coragem.
Ela foi esperada pelo vosso povo,
como salvação dos justos e perdição dos ímpios,
pois da mesma forma que castigastes os adversários,
nos cobristes de glória, chamando-nos para Vós.
Por isso os piedosos filhos dos justos
ofereciam sacrifícios em segredo
e de comum acordo estabeleceram esta lei divina:
que os justos seriam solidários nos bens e nos perigos;
e começaram a cantar os hinos de seus antepassados.

 

CONTEXTO

O “Livro da Sabedoria” é o mais recente de todos os livros do Antigo Testamento. Pensa-se que terá sido redigido durante o séc. I, em língua grega (por ser escrito em grego, nunca chegou a integrar o cânone judaico). O seu autor terá sido um judeu culto, provavelmente nascido e educado na Diáspora.

O “berço” do livro da Sabedoria poderá ter sido Alexandria (no Egito). A brilhante cultura helénica marcava o ritmo de vida e impunha aos habitantes da cidade os valores dominantes. As outras culturas – nomeadamente a judaica – eram desvalorizadas e hostilizadas. A colónia judaica que vivia em Alexandria tinha sido obrigada a lidar, sobretudo nos reinados de Ptolomeu Alexandre (106-88 a.C.) e de Ptolomeu Dionísio (80-52 a.C.), com duras perseguições. Os sábios helénicos procuravam demonstrar, por um lado, a superioridade da cultura grega e, por outro, a incongruência do judaísmo e da sua proposta de vida… Os judeus eram encorajados a deixar a sua fé, a “modernizar-se” e a abrir-se aos brilhantes valores da cultura helénica.

Foi neste ambiente que o sábio autor do Livro da Sabedoria decidiu defender os valores da fé e da cultura do seu Povo. O seu objetivo era duplo: dirigindo-se aos seus compatriotas judeus (mergulhados no paganismo, na idolatria, na imoralidade), exortava-os a redescobrirem a fé dos pais e os valores judaicos; dirigindo-se aos pagãos, convidava-os a constatar o absurdo da idolatria e a aderir a Javé, o verdadeiro e único Deus… Para uns e para outros, o autor pretendia deixar esta ideia fundamental: só Javé garante a verdadeira “sabedoria” e a verdadeira felicidade.

O texto que neste domingo nos é proposto como primeira leitura integra a terceira parte do livro da Sabedoria (Sb 10,1-19,22). Aí, recorrendo a factos concretos e a exemplos de figuras tiradas da história, o autor exalta as maravilhas operadas pela “sabedoria” na história do Povo de Deus. Nos últimos capítulos desta terceira parte (Sb 16-19), passando do geral ao particular, o autor mostra como a própria natureza divinizada pelos ímpios se volta contra eles, enquanto que essa mesma natureza colabora com Deus na salvação dos israelitas: as pragas de animais castigaram os egípcios, mas as codornizes foram alimento para os israelitas (cf. Sb 16,1-4); as moscas e os gafanhotos atormentaram os egípcios, mas a serpente de bronze erguida por Moisés no deserto salvou o Povo de perecer (cf. Sb 16,5-15); as chuvas e a saraiva destruíram as culturas egípcias, mas o maná alimentou o Povo de Deus (cf. Sb 16,15-29); as trevas cegaram os egípcios que perseguiam os israelitas, mas a coluna de fogo iluminou a caminhada do Povo de Deus para a liberdade (cf. Sb 17,1-18,4); os primogénitos dos egípcios foram mortos, mas Deus salvou a vida do seu Povo (cf. Sb 18,5-25).

 

MENSAGEM

A reflexão do “sábio” detém-se, por momentos, na noite em que morreram os primogénitos dos egípcios (“aconteceu que, no meio da noite, o Senhor feriu todos os primogénitos na terra do Egito, desde o primogénito do faraó, que havia de sentar-se no seu trono, até ao primogénito do prisioneiro, que está na prisão, e todos os primogénitos dos animais” – Ex 12,29). O “sábio” vê nessa noite (cf. Sb 18,5), a resposta de Deus ao decreto do faraó que tinha ordenado a matança das crianças hebreias do sexo masculino (cf. Ex 1,22). Para os egípcios, foi uma noite trágica, de ruína, de pesadelo, de destruição, de morte e de luto; para os hebreus, foi uma noite de salvação, porque o faraó cedeu, no “braço de ferro” que mantinha com Deus (e com Moisés) e autorizou que os escravos hebreus partissem em direção à liberdade (cf. Ex 12,31-32).

Ora, segundo o “sábio”, os acontecimentos dessa noite foram previamente revelados aos “pais” (cf. Sb 18,6). Quem são estes “pais”? Provavelmente, Abraão e Moisés. Alguns séculos antes, Deus tinha prometido a Abraão libertar os seus descendentes da escravidão do Egito (“fica desde já a saber que os teus descendentes habitarão como estrangeiros numa terra que não é deles, que serão reduzidos à escravidão e hão de oprimi-los durante quatrocentos anos. Mas Eu próprio julgarei também a nação que os escravizar, e sairão depois com grandes riquezas dessa terra” – Gn 15,13-14). Mais recentemente Deus também tinha revelado a Moisés a morte dos primogénitos egípcios e a libertação dos hebreus (cf. Ex 11,4-8). Portanto, o que aconteceu nessa noite não foi um acidente fruto do acaso, mas foi a concretização do projeto de Deus no sentido de salvar “os justos” e derrotar “os ímpios” (cf. Sb 18,7). Nessa noite, Israel cobriu-se de glória, porque descobriu que Deus o chamava a ser o seu povo eleito (cf. Sb 18,8), a ter e a viver uma especial relação de comunhão com Javé.

Os israelitas (os “piedosos filhos dos justos” Abraão e Moisés), para agradecer a Deus o que Ele fez nessa noite da salvação, ofereceram “sacrifícios em segredo” e cantaram “os hinos dos seus antepassados” (Sb 18,9). O “sábio” está certamente a referir-se à imolação do cordeiro pascal, comido pelas famílias dos hebreus nas suas casas (“em segredo”), na noite da saída do Egito, e à recitação dos salmos tradicionais da ceia pascal, o Hallel (Sl 113-118).

Foi à volta dessa experiência de libertação que aquele grupo de escravos alicerçou a sua identidade. A partir dessa noite, sentiram-se “o Povo de Deus”. Já não eram um grupo de escravos sem eira nem beira, sem presente e sem futuro, mas eram um povo salvo por Deus e reunido à volta de Deus; e todos os membros deste povo, irmanados por esta experiência salvadora, sentiam-se ligados por laços fraternos com os outros membros do “Povo de Deus” (“de comum acordo estabeleceram esta lei divina: que os justos seriam solidários nos bens e nos perigos”).

Para o “sábio”, a conclusão de tudo isto é óbvia: enquanto que os egípcios – que divinizavam a natureza e que corriam atrás dos deuses falsos – se deixaram conduzir por esquemas de opressão e de injustiça e receberam de Javé o justo castigo, os israelitas – fiéis a Javé e à Lei, que sempre louvaram Deus e Lhe agradeceram seus dons e benefícios – viram Deus a atuar em seu favor e encontraram a liberdade e a paz. O homem justo vive voltado para Deus, constrói a sua vida de acordo com as indicações de Deus, vive para concretizar o projeto de Deus.

 

INTERPELAÇÕES

  • A reflexão que a sabedoria de Israel nos propõe nesta leitura coloca-nos, talvez de uma forma algo arcaica, diante de uma questão bem atual: num mundo que gira a uma velocidade estonteante e onde a cada instante surgem novas modas, novas teorias, novos valores, novas propostas de realização e de felicidade, que papel tem e que lugar ocupa Deus nas nossas vidas? O homem do séc. XXI sente alguma relutância em incluir a transcendência no seu cenário de vida. Vive indiferente a Deus e olha para as propostas de Deus como algo que não cabe numa compreensão moderna da existência. Substitui Deus por “deuses” efémeros, define como meta da sua vida objetivos fúteis e contenta-se com ilusões de felicidade. Corre atrás de bens materiais que lhe asseguram bem-estar material e que lhe dão uma sensação de segurança, mas sente a cada momento uma sede de vida e de realização que não consegue saciar. Como construir uma vida que valha a pena? O “sábio” que escutamos na primeira leitura deste décimo nono domingo comum, garante-nos que só Deus pode encher de significado a nossa existência e oferecer-nos a salvação que ansiosamente procuramos. Que sentido faz isto para nós? Deus tem um lugar primordial na nossa vida? Vemos as propostas de Deus como indicações imprescindíveis para chegarmos à vida eterna?
  • Os escravos hebreus que foram salvos por Deus da escravidão do Egito, sentiram que essa experiência foi o marco fundamental das suas vidas. Passaram a identificar-se como o “Povo eleito” de Deus. Sentiram que tinham de viver em comunhão com esse Deus e de caminhar sempre de acordo com as suas indicações. Por outro lado, essa experiência cimentou os laços que os uniam entre eles. Tornaram-se “irmãos”, membros de uma mesma família, uma comunidade solidária e cordial onde cada um se sentia responsável pelo seu “irmão”. Hoje, esta comunidade salva por Deus e que se identifica como “Povo de Deus”, chama-se “Igreja”. Todos nós que fomos batizados em Cristo, passamos a integrar esta família. Como o povo salvo da escravidão do Egito, também nós nos sentimos “Povo de Deus”, procuramos viver em comunhão com Deus, construímos a nossa história de vida à volta de Deus, deixamo-nos conduzir por Deus? Nós que partilhamos a experiência de ter sido salvos por Deus, sentimo-nos membros de uma comunidade de “irmãos”? A forma como nos relacionamos uns com os outros, constitui um “Evangelho vivo” que dá testemunho da misericórdia e do amor de Deus?
  • Na ceia ritual da Páscoa, os israelitas faziam memória da libertação da escravidão do Egito. O “sábio” vê no sacrifício do cordeiro pascal, comido durante a ceia, e na recitação dos salmos tradicionais (o “Hallel” – Sl 113-118), uma forma de agradecer a Deus pela sua intervenção libertadora em favor do seu Povo. Também nós, novo Povo de Deus, nos reunimos à volta de uma mesa, no “dia do Senhor”, com Jesus (o “cordeiro”) no meio de nós, rezamos, agradecemos e celebramos a nossa libertação. A participação na eucaristia faz parte da nossa vida e da nossa experiência de fé? Sentimos que a eucaristia constrói a comunidade dos que foram “salvos” por Deus e fortalece os laços que nos unem a todos os membros da comunidade? Lembramo-nos de agradecer a Deus por tudo o que Ele faz por nós, pela libertação que nos oferece, pela vida que nos dá?

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 32 (33)

Refrão: Feliz o povo que o Senhor escolheu para sua herança.

Justos, aclamai o Senhor,
os corações retos devem louvá-l’O.
Feliz a nação que tem o Senhor por seu Deus,
o povo que Ele escolheu para sua herança.

Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,
para os que esperam na sua bondade,
para libertar da morte as suas almas
e os alimentar no tempo da fome.

A nossa alma espera o Senhor,
Ele é o nosso amparo e protetor.
Venha sobre nós a vossa bondade,
porque em Vós esperamos, Senhor.

 

LEITURA II – Hebreus 11,1-2.8-19

Irmãos:
A fé é a garantia dos bens que se esperam
e a certeza das realidades que não se veem.
Ela valeu aos antigos um bom testemunho.
Pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento
e partiu para uma terra que viria a receber como herança;
e partiu sem saber para onde ia.
Pela fé, morou como estrangeiro na terra prometida,
habitando em tendas, com Isaac e Jacob,
herdeiros, como ele, da mesma promessa,
porque esperava a cidade de sólidos fundamentos,
cujo arquiteto e construtor é Deus.
Pela fé, também Sara recebeu o poder de ser mãe
já depois de passada a idade,
porque acreditou na fidelidade d’Aquele que lho prometeu.
É por isso também que de um só homem
– um homem que a morte já espreitava –
nasceram descendentes tão numerosos como as estrelas do céu
e como a areia que há na praia do mar.
Todos eles morreram na fé,
sem terem obtido a realização das promessas.
Mas vendo-as e saudando-as de longe,
confessaram que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra.
Aqueles que assim falam
mostram claramente que procuram uma pátria.
Se pensassem na pátria de onde tinham saído,
teriam tempo de voltar para lá.
Mas eles aspiravam a uma pátria melhor,
que era a pátria celeste.
E como Deus lhes tinha preparado uma cidade,
não Se envergonha de Se chamar seu Deus.
Pela fé, Abraão, submetido à prova,
ofereceu o seu filho único Isaac,
que era o depositário das promessas,
como lhe tinha sido dito:
«Por Isaac será assegurada a tua descendência».
Ele considerava que Deus pode ressuscitar os mortos;
por isso, numa espécie de prefiguração,
ele recuperou o seu filho.

 

CONTEXTO

O escrito a que chamamos “Carta aos Hebreus” parece ser, mais do que uma carta, um sermão ou discurso destinado a ser proclamado oralmente. Não sabemos quem foi o seu autor. A tradição das Igrejas do oriente atribui-o a Paulo; mas as Igrejas do ocidente há muito que descartaram a autoria paulina deste documento: a forma literária, a linguagem, o estilo, a maneira de citar o Antigo Testamento e mesmo a doutrina exposta, estão bastante longe de qualquer outro escrito paulino. Pensa-se que teria sido elaborado por um cristão anónimo, talvez um discípulo de Paulo.

A tradição antiga põe os “hebreus” como destinatários deste escrito; porém, não há qualquer indicação, ao longo do escrito, de que o texto se destinasse especificamente a cristãos oriundos do mundo judaico. É verdade que refere constantemente o Antigo Testamento; mas o Antigo Testamento já era, por essa altura, património comum de todos os cristãos, seja os de origem judaica, seja os de origem pagã. Tratava-se, em qualquer caso, de comunidades cristãs em situação difícil, expostas a perseguições e que viviam num ambiente hostil à fé… Os membros dessas comunidades tinham perdido o fervor inicial pelo Evangelho, estavam desanimados e começavam a ceder à sedução de certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos… O objetivo do autor deste “discurso” é estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a crescer na fé. A Carta aos Hebreus foi provavelmente escrita nos anos que antecederam a destruição da cidade de Jerusalém (que ocorreu no ano 70), uma vez que o autor refere-se à liturgia do Templo como uma realidade ainda atual. É provável, portanto, que tenha aparecido por volta do ano 67, muito perto da altura em que Paulo e Pedro foram martirizados em Roma.

A Carta aos Hebreus apresenta – recorrendo à linguagem da teologia judaica – o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência – através de quem os homens têm acesso livre a Deus e são inseridos na comunhão real e definitiva com Deus. O autor aproveita, na sequência, para refletir nas implicações desse facto: postos em relação com o Pai por Cristo/sacerdote, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela acomodação e pela perseguição.

O texto que nos é proposto está incluído na quarta parte da epístola (cf. Heb 11,1-12,13). Nessa parte, o autor insiste em dois aspetos básicos da vida cristã: a fé e a constância ou perseverança. No que diz respeito à fé, o autor convida a olhar para o testemunho dos “antigos” (cf. Heb 11,1-40); no que diz respeito à constância, exorta a aceitar com paciência os sofrimentos que a vida do cristão comporta, pois esses sofrimentos fazem parte das provas pedagógicas através das quais Deus nos faz chegar à perfeição (cf. Heb 12,1-13).

 

MENSAGEM

Um dos vetores fundamentais à volta do qual se constrói a vida cristã é a fé. O que é a fé? Para o autor da Carta, a fé é “a garantia dos bens que se esperam e a certeza das realidades que não se veem” (vers. 1). Entendida desta forma, a fé aparece de mãos dadas com a esperança. Tem fé quem confia plenamente na posse dos bens futuros, ainda invisíveis por agora, e caminha decidido no encalço desses bens. É uma perspetiva diferente, embora complementar, da que aparece nos textos paulinos, onde a fé é, sobretudo, a adesão a Jesus e implica o estabelecimento de uma relação pessoal entre o crente e o Senhor. Para iluminar a sua reflexão, o autor da Carta vai apresentar o exemplo de figuras do Antigo Testamento que, por terem vivido na fé e da fé, são modelo para todos os crentes (vers. 2).

No trecho que a leitura deste domingo nos apresenta, referem-se duas figuras que foram modelos de fé: Abraão e a sua esposa Sara. Foi pela fé que Abraão acolheu o chamamento de Deus, deixou a sua casa e partiu em direção ao desconhecido (vers. 8), confiando totalmente na promessa de Deus; pela fé, Abraão montou a sua precária tenda numa terra estrangeira, confiando que Deus lhe iria preparar “a cidade de sólidos fundamentos” onde poderia estabelecer a sua morada permanente (vers. 9-10). Pela fé Sara, apesar da sua idade avançada, pôde conceber e dar à luz Isaac, o prometido de Deus, que daria a Abraão uma descendência tão numerosa “como as estrelas do céu e como a areia que há na praia do mar” (vers. 11-12); pela fé, Abraão não duvidou quando Deus o mandou sacrificar o filho Isaac, o herdeiro das promessas e o continuador da descendência, confiando que Deus, o Senhor da vida, pode até “ressuscitar os mortos” (vers. 17-19).

Abraão e Sara não viram a concretização plena das promessas de Deus; mas, pela fé, contemplaram-nas antecipadamente, “saudando-as de longe” (vers. 13). Nunca desistiram e nunca voltaram para trás. Embora vivendo como peregrinos e estrangeiros, avançaram sempre em frente; e, enquanto caminhavam e enfrentavam as vicissitudes e as crises da vida, tinham os olhos postos na realização plena das promessas. O autor da Carta aos Hebreus vê nesse caminhar sereno e confiante dos patriarcas, de olhos postos nas realidades futuras, uma parábola que define o sentido último da vida do homem: caminhamos pelo mundo como estrangeiros ao encontro da nossa pátria definitiva, da cidade celeste, da verdadeira “terra prometida” onde encontraremos a nossa realização plena e onde poderemos descansar em paz nos braços de Deus (vers. 14-16). A fé permite-nos peregrinar pela terra de olhos postos no céu.

É precisamente esse exemplo que o autor da Carta, em meados dos anos sessenta do primeiro século, quer propor aos cristãos perseguidos por causa da sua fidelidade a Jesus e ao Evangelho. Com sentido profético, diz-lhes: não importam as vicissitudes e as perseguições que tiverdes de enfrentar; vivei na fé, esperai a concretização dos dons futuros que Deus vos reserva, caminhai sem medo nem desânimo, de olhos postos na pátria definitiva.

 

INTERPELAÇÕES

  • No caminho da nossa vida, fazemos a cada instante uma experiência de precariedade, de debilidade, de incerteza. Confiamos nas pessoas e as pessoas desiludem-nos; apoiamo-nos nas instituições e as instituições defraudam as nossas expetativas; sentimo-nos seguros pela abundância dos bens materiais e eles fogem-nos como areia por entre as mãos; acreditamos em verdades que rapidamente ficam fora de prazo de validade; sentimo-nos cheios de vida e de saúde e, de um instante para o outro, experimentamos a doença ou temos de enfrentar a morte… Haverá na nossa vida alguma realidade fiável, que não nos desiluda e sobre a qual possamos construir uma vida com sentido? Abraão e Sara confiaram incondicionalmente em Deus. Arriscaram tudo para correr atrás das indicações de Deus. Deus pareceu-lhes sempre “fiável”, mesmo quando as suas promessas pareciam “improváveis”. Para nós, Deus é fiável? Estamos dispostos a “pormo-nos a caminho” para seguir as indicações de Deus, mesmo que isso signifique abandonar a nossa zona de conforto, enfrentar a incomodidade dos caminhos ou a hostilidade dos homens?
  • Quando decidimos que Deus é fiável, passamos a caminhar de olhos postos em realidades que ultrapassam a nossa debilidade, a nossa finitude, e até mesmo a nossa compreensão. O nosso olhar dirige-se para os bens futuros, para a vida eterna, para o encontro com Deus. Compreendemos, sem dramas nem angústias, que o tempo que vivemos na terra é um tempo de passagem a caminho da nossa pátria definitiva. Isso dá-nos uma outra perspetiva das coisas. Ajuda-nos a relativizar os bens materiais, a repensar as nossas apostas, a rever os nossos valores, a refazer o nosso olhar sobre as coisas, a ter uma outra perspetiva dos nossos êxitos e dos nossos fracassos, talvez até a aproveitar de uma forma diferente a nossa existência terrena. Temos consciência de que a vida verdadeira, a vida eterna, não é aqui? Que consequências é que isso tem na forma como vivemos? A consciência de que caminhamos ao encontro da pátria celeste é para nós motivo de angústia e medo, ou de alegria e paz?

 

ALELUIA – Mateus 24, 42a.44

Aleluia. Aleluia.
Vigiai e estai preparados,
porque na hora em que não pensais
virá o Filho do homem.

 

EVANGELHO – Lucas 12,32-48

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
«Não temas, pequenino rebanho,
porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o reino.
Vendei o que possuís e dai-o em esmola.
Fazei bolsas que não envelheçam,
um tesouro inesgotável nos Céus,
onde o ladrão não chega nem a traça rói.
Porque onde estiver o vosso tesouro,
aí estará também o vosso coração.
Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas.
Sede como homens
que esperam o seu senhor voltar do casamento,
para lhe abrirem logo a porta, quando chegar e bater.
Felizes esses servos, que o senhor, ao chegar,
encontrar vigilantes.
Em verdade vos digo:
cingir-se-á e mandará que se sentem à mesa
e, passando diante deles, os servirá.
Se vier à meia-noite ou de madrugada,
felizes serão se assim os encontrar.
Compreendei isto:
se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão,
não o deixaria arrombar a sua casa.
Estai vós também preparados,
porque na hora em que não pensais
virá o Filho do homem».
Disse Pedro a Jesus:
«Senhor, é para nós que dizes esta parábola,
ou também para todos os outros?»
O Senhor respondeu:
«Quem é o administrador fiel e prudente
que o senhor estabelecerá à frente da sua casa,
para dar devidamente a cada um a sua ração de trigo?
Feliz o servo a quem o senhor, ao chegar,
encontrar assim ocupado.
Em verdade vos digo
que o porá à frente de todos os seus bens.
Mas se aquele servo disser consigo mesmo:
‘o meu senhor tarda em vir’;
e começar a bater em servos e servas,
a comer, a beber e a embriagar-se,
o senhor daquele servo
chegará no dia em que menos espera
e a horas que ele não sabe;
ele o expulsará e fará que tenha a sorte dos infiéis.
O servo que, conhecendo a vontade do seu senhor,
não se preparou ou não cumpriu a sua vontade,
levará muitas vergastadas.
Aquele, porém, que, sem a conhecer,
tenha feito ações que mereçam vergastadas,
levará apenas algumas.
A quem muito foi dado, muito será exigido;
a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá».

 

CONTEXTO

Jesus, acompanhado pelos discípulos, dirige-se para Jerusalém. Vai confrontar as autoridades judaicas da capital. Está consciente de que os líderes judaicos não estão disponíveis para acolher a Boa Notícia do Reino de Deus. Conhecendo a sorte habitual dos profetas, perseguidos e assassinados por causa da sua fidelidade a Deus, Jesus adivinha aquilo que o espera em Jerusalém. A sombra da cruz paira sobre todo o caminho.

Jesus aproveita a viagem para ir preparando os discípulos, ensinando-os a funcionar segundo a lógica do Reino de Deus. Eles deverão, após a morte de Jesus, ser os arautos da salvação de Deus em todos os lugares do mundo aonde a vida os levar. A missão que o Pai confiou a Jesus ficará, então, na mão dos discípulos; e eles devem estar preparados para a concretizar.

A viagem para Jerusalém torna-se, mais do que uma viagem geográfica, uma “viagem” de amadurecimento espiritual, de aprendizagem na “escola de Jesus”. Ao longo do caminho, Jesus vai deixando aos discípulos as mais diversas lições. À medida que se aproximam de Jerusalém, os discípulos vão “despindo” as suas visões pessoais, as suas ilusões e projetos egoístas, os seus sonhos de grandeza e poder, para “vestir” os valores de Jesus.

Lucas reuniu, neste relato de “viagem” materiais muito diversos e que noutros evangelhos aparecem ligados a outros ambientes e situações. A diversidade de materiais, por vezes artificialmente colados uns aos outros, é evidente. Os temas sucedem-se: o texto assume, por vezes, o aspeto de uma coleção de “ditos” ou máximas sapienciais, apresentados segundo o modelo do paralelismo judio. Isso está bem evidente no texto que a liturgia nos propõe neste domingo.

 

MENSAGEM

O pequeno grupo de discípulos que acompanham Jesus no caminho para Jerusalém (Jesus chama-lhe “pequenino rebanho”), é um grupo débil, insignificante, sem gente notável, aparentemente incapaz de agarrar o mundo e de transformar a história; mas aqueles discípulos foram escolhidos por Deus para acolher o Reino e para o levar ao encontro do mundo. São como o fermento que leveda toda a massa. É necessário que assumam sem medo e sem reticências o projeto de Deus (vers. 32). Deus confia-lhes o tesouro do Reino; eles têm de deixar em segundo outras propostas, outros interesses, outros bens, outros desafios. Devem ver o Reino de Deus como o valor mais precioso, pelo qual vale a pena renunciar a tudo o resto (vers. 33-34). Abraçando o projeto do Reino, adquirem um tesouro eterno, um tesouro inesgotável, que nunca passará de moda e que ninguém lhes poderá subtrair.

Serão eles capazes de agarrar esse tesouro e guardá-lo? O que necessitarão de fazer para abraçar o Reino e para se tornarem suas testemunhas diante dos homens? A resposta é dada em três quadros ou “parábolas”, que apelam à vigilância.

A primeira parábola (vers. 35-38), leva-nos até uma casa onde há diversos criados que esperam o regresso do seu senhor de uma festa de casamento. Os servos não sabem a que horas o seu senhor chegará; mas têm de estar sempre preparados para o receber. Devem ter as vestes cingidas (que era a maneira de vestir de quem estava pronto para o trabalho) e manter as lâmpadas acesas (para que a casa esteja iluminada e não mergulhada na escuridão que induz ao sono). Seja qual for a hora a que o senhor chega, os servos abrir-lhe-ão imediatamente a porta, dar-lhe-ão de comer se ele tiver fome, caminharão à sua frente com uma lâmpada de azeite para que ele entre no seu quarto sem tropeçar nos obstáculos. É possível que nesta imagem utilizada por Jesus – de um senhor que chega a casa a horas tardias – haja uma alusão à futura vinda do Messias, um acontecimento que a tradição judaica situava durante a noite. Aquele “senhor” que tinha ido a uma festa de casamento e que regressa a horas tardias é, evidentemente, Jesus; e a festa de casamento alude, provavelmente, à festa da Aliança, uma imagem usada pelos antigos profetas para falar da relação entre Deus e o seu povo (cf. Jo 2,1-11).

No final da parábola, Jesus declara “felizes” os servos que o senhor encontrar vigilantes: porque cumprem fielmente o seu dever e também porque a sua fidelidade será recompensada com um gesto magnânimo do senhor (vers. 37). Embora a imagem de um senhor que manda sentar os seus servos à mesa e os serve não seja uma imagem habitual, encaixa bem na lógica de Jesus (na última ceia, Ele ajoelha-se aos pés dos discípulos que estão à volta da mesa e lava-lhes os pés), a lógica do serviço simples e humilde que “o maior” deve prestar ao “mais pequeno”. É dessa forma que Jesus vê o banquete escatológico, quando todos os discípulos estiverem definitivamente reunidos à mesa do Reino e forem servidos pelo próprio Deus.

A segunda parábola (vers. 39-40) fala-nos do dono de uma casa que se mantém atento e vigilante noite e dia para não deixar que um ladrão lhe invada a casa e lhe subtraia os bens. A chegada desse ladrão a horas imprevisíveis é comparada com a vinda do “Filho do Homem”: Ele poderá aparecer a qualquer altura, sem aviso. Convenhamos que a imagem do ladrão utilizada por Jesus é uma imagem estranha para falar de Deus; mas também é verdade que se trata de uma imagem sugestiva para mostrar que o discípulo fiel é aquele que está sempre preparado, a qualquer hora e em qualquer circunstância, para acolher o Senhor que vem.

A terceira parábola (vers. 41-48) apresenta-se como a resposta de Jesus a uma questão posta por Pedro (“Senhor, é para nós que dizes esta parábola, ou também para todos os outros?” – vers. 41). A parábola original contada por Jesus seria, provavelmente, uma crítica aos responsáveis do Povo de Israel, chamados a conduzir o povo por caminhos de fidelidade à Aliança, mas que privilegiaram os seus interesses pessoais e negligenciaram o cuidado com esse povo que Deus lhes tinha confiado. Lucas, no entanto, transforma-a numa parábola dirigida aos animadores das comunidades cristãs, recordando-lhes que, enquanto esperam a segunda vinda de Jesus, devem permanecer fiéis às suas tarefas de animação e de serviço. Aqueles que desempenharem as suas tarefas de acordo com o mandato que receberam do senhor, serão recompensados; mas aqueles que foram negligentes e não cumpriram as indicações que lhes foram dadas, serão expulsos da casa do seu senhor e terão “a sorte dos infiéis”. Nos dois últimos versículos (vers. 47-48), o castigo diversifica-se de acordo o tipo de desobediência: os que desobedeceram intencionalmente serão mais castigados; os que desobedeceram não intencionalmente serão menos castigados. A referência às “vergastadas” que os infratores receberão faz parte da linguagem utilizada pelos pregadores da época. Manifesta a repulsa de Deus por aqueles que negligenciam a missão que lhes foi confiada. Provavelmente Lucas tem em vista alguns animadores cristãos da década de oitenta do primeiro século (a altura em que o evangelista redigiu o terceiro Evangelho) que, pela sua preguiça ou pela forma prepotente como agiam, perturbavam seriamente a vida das comunidades cristãs. A última afirmação (“a quem muito foi dado, muito será exigido, a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá – vers. 48b) pode aplicar-se, não somente àqueles que têm a responsabilidade de animar as comunidades, mas também a todos os que receberam dons materiais ou espirituais.

Voltemos à questão inicial: o que deverão fazer e como deverão viver aqueles a quem foi confiado o tesouro do Reino de Deus? Segundo Jesus, devem manter-se vigilantes, cumprindo a cada instante a missão que lhes foi confiada, sempre disponíveis para o serviço, como servos dedicados e atentos do Reino. Os que foram chamados a servir na animação das comunidades, têm responsabilidades especiais: compete-lhes servir os irmãos sem “tiques” de arrogância, de sobranceria, de autoritarismo, de prepotência; devem cumprir a missão que lhes foi confiada com amor, compaixão e misericórdia.

 

INTERPELAÇÕES

  • Vivemos numa época da história particularmente exigente. Sombras escuras pairam no horizonte e ameaçam o futuro do nosso mundo: as guerras, as injustiças, a crise climática, o atropelo dos mais elementares direitos humanos, as políticas que ignoram as necessidades dos mais desfavorecidos, a indiferença face ao sofrimento das pessoas abandonadas nas bermas da sociedade, a desumanização dos homens transformados em simples máquinas de produção ao serviço dos interesses materialistas dos senhores do mundo, o desencanto de tantos homens e mulheres que não encontram sentido para as suas vidas… Poderemos cruzar os braços, assumir uma atitude de resignação e de passividade e deixar que o mundo continue a ser construído sobre injustiças e sofrimentos? Jesus convida os seus discípulos a estar preparados, a cada instante, para fazer aquilo que Deus lhes pede para fazer. É hora de viver com responsabilidade e lucidez, sentindo-nos construtores de uma nova história e imprimindo ao nosso mundo um dinamismo de amor, de vida nova, de misericórdia, de compaixão. Como vivemos? Adormecidos e despreocupados, comodamente instalados no nosso conforto e segurança, ou como servidores humildes, atentos e comprometidos do Reino de Deus e da sua justiça?
  • Também na forma de viver a fé pode haver passividade, resignação, superficialidade. Podemos instalar-nos numa fé rotineira, que nos leva a repetir sempre os mesmos gestos, as mesmas orações, os mesmos ritos, as mesmas tradições, mas que não tem qualquer impacto na nossa vida e no nosso compromisso com a construção do Reino de Deus; podemos andar tão ocupados com os nossos trabalhos que não consigamos encontrar tempo para escutar Deus, para dialogar com Ele, para tentar perceber os projetos que Ele tem para nós e para o mundo; podemos instalar-nos comodamente numa prática religiosa “morna” e de “meias tintas”, que nos tranquiliza a consciência e nos faz sentir “em regra” com Deus, mas não nos leva a “sujar as mãos” com os nossos irmãos que necessitam do nosso cuidado, da nossa compaixão, do nosso amor. A nossa forma de viver a fé é marcada pela passividade e pelo conformismo, ou pelo compromisso com Deus e com os irmãos? Vivemos a nossa adesão a Cristo e à Igreja de forma ativa, lúcida e responsável? Somos meros “consumidores” de atos de culto, ou discípulos comprometidos com a construção de uma Igreja viva, missionária, fraterna, acolhedora, sinal e anúncio do amor de Deus no mundo?
  • Aos discípulos que vão com Ele no caminho para Jerusalém, Jesus diz: “Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino”. Aquele grupo de galileus que ia atrás de Jesus era, de facto, um grupo pequeno, aparentemente incapaz de interferir nos mecanismos de poder e de “causar mossa” nos interesses instalados; aqueles discípulos que Jesus tinha chamado não tinham perfil de influenciadores da opinião pública ou de figuras capazes de impor modas ou tendências. No entanto, Deus confiou-lhes o testemunho e a construção do Reino de Deus. Hoje, depois de séculos de “regime cristão”, nós, discípulos de Jesus, sentimo-nos uma minoria sem privilégios nem poder, um pouco perdidos num mundo que nem sempre entende a proposta que abraçamos. Por vezes, sentimos nostalgia dos tempos passados, quando a Igreja era uma força social reverenciada pelos grandes do mundo. Estamos pior agora? Não. Estamos melhor: livres de compromissos com o poder, podemos testemunhar o Evangelho de Jesus sem amarras nem cedências. O Evangelho não se impõe pela força. A nossa missão é viver ao estilo de Jesus, com simplicidade, contagiando o mundo; a nossa missão é sermos fermento que ninguém vê, mas que transforma e melhora o pão. Mesmo em minoria, mesmo lidando com a hostilidade e a incompreensão, dispomo-nos a testemunhar, com simplicidade e sem medo, o Evangelho de Jesus?
  • Jesus tinha uma ideia muito clara sobre o mal que o dinheiro pode fazer ao homem. Por isso dizia aos seus discípulos: “vendei o que possuís e dai-o em esmola. Fazei bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável nos Céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”. O dinheiro, uma vez que pode oferecer-nos segurança, bem-estar, importância social, prende o nosso coração e torna-se um “deus”; passamos a correr atrás dele, sentindo a necessidade de ter sempre mais e mais. Escravos do dinheiro, acabamos por subalternizar todos os outros valores. Tornamo-nos insensíveis à sorte dos homens e mulheres que caminham connosco, até mesmo da nossa família e amigos. Ignoramos o convite de Deus para sermos solidários, fraternos, misericordiosos, humanos; e fechamo-nos num egoísmo que seca e destrói toda a nossa vida. Como lidamos com os bens materiais? A cobiça, a ambição, a avareza, alguma vez nos impediram de acolher os valores do Reino de Deus? Vivendo no meio de uma sociedade que tem o coração posto nos bens materiais, somos capazes de dar testemunho de uma vida mais austera, mais simples, mais desprendida, mais fraterna, mais solidária?
  • As palavras de Jesus que o Evangelho deste domingo nos trouxe contêm uma interpelação especial a todos aqueles que desempenham funções de responsabilidade, quer na Igreja, quer no governo central do país, quer nas autarquias, quer nas empresas, quer nas repartições… Convida cada um a assumir as suas responsabilidades e a desempenhar, com atenção e empenho as funções que lhe foram confiadas. A todos aqueles a quem foi confiado o serviço da autoridade, a Palavra de Deus pergunta sobre o modo como se comportam: como servos que, com humildade e simplicidade cumprem as tarefas que lhes foram confiadas, ou como ditadores que manipulam os outros e que tratam com prepotência os pequenos e os humildes? Sempre que nos são confiadas tarefas de responsabilidade e de coordenação, entendemos a missão que nos foi confiada como serviço e acolhemos as pessoas com delicadeza, com doçura, com compaixão?

 

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(em parte adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 19.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. ESCOLHER O RITO DE ASPERSÃO.

Para marcar a nossa pertença ao novo Israel libertada pela Páscoa de Cristo, em memória do nosso Batismo, pode-se fazer o rito da aspersão durante o momento penitencial.

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
“Deus fiel, desde o tempo de Moisés e dos profetas, o teu povo Te dá graças pela libertação pascal. Outrora foi pela saída do Egipto e a entrada na Terra Prometida. Hoje, é pela Páscoa de Jesus, a Ressurreição.
Nós Te pedimos pelos pastores das nossas comunidades, pelos catequistas e pelas equipas litúrgicas, encarregados de reavivar a fé pascal em cada domingo”.

No final da segunda leitura:
“Pai, nós Te bendizemos por Abraão, Sara e todas as testemunhas da fé ao longo dos séculos. Nós Te damos graças porque Te revelaste a eles, fizeste-Te próximo, anunciaste-lhes e renovaste as tuas promessas.
Nós Te pedimos para confirmar a fé nas nossas comunidades. Que o teu Espírito nos guie e nos inspire, quando damos conta da nossa fé diante dos jovens”.

No final do Evangelho:
“Nosso Pai, nós Te bendizemos, porque nos deste o teu Reino. Ele é para nós o tesouro inesgotável. Nós Te damos graças pelo teu Filho, nosso Mestre, porque Ele veste o fato de serviço para nos acolher à sua mesa.
Nós Te pedimos: pelo teu Espírito, prende os nossos corações ao teu Reino, que Ele nos mantenha na vigilância, atentos a preparar o teu regresso”.

4. BILHETE DE EVANGELHO.

Há felicidade em receber… Se Jesus declara felizes os servidores que esperam para estarem prontos para servir, é porque vão beneficiar de um privilégio extraordinário: em lugar de servir, vão ser servidos, e logo pelo seu Mestre. O facto de esperar muda totalmente a situação. Jesus recomenda para se vigiar porque é uma atitude daquele que espera e assim manifesta que a pessoa esperada tem um preço a seus olhos. No momento em que Lucas escreve o seu Evangelho, os cristãos estão um pouco adormecidos e desanimados, pois parece que o Mestre tarda a voltar, como havia prometido. Terão eles esquecido que Ele tinha prometido o seu regresso de imprevisto? A sua felicidade depende da sua espera ativa…

5. À ESCUTA DA PALAVRA.

Decididamente, Jesus não Se cansa de chamar os seus discípulos a uma vida de pobreza, no Evangelho deste domingo e do domingo passado. Mas Ele próprio sabia bem que o dinheiro é necessário para viver. O grupo dos apóstolos tinha uma bolsa comum. São Paulo fará um peditório, que dará uma grande soma, para a Igreja de Jerusalém. Segundo o Evangelho, a pobreza não é a miséria. Já domingo passado Jesus nos convidava a sermos ricos em vista de Deus e não a amealharmos para nós mesmos. Hoje, diz uma pequena frase muito esclarecedora: “Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino”. O Pai quer encher-nos com a sua plenitude. Mas isso supõe, da nossa parte, uma atitude de despojamento para nos tornarmos disponíveis e acolhedores do dom de Deus. Recordemos que somos apenas criaturas. Não somos a nossa própria origem. Desde o início da nossa existência, devemos primeiramente tudo receber, a começar pela vida. Numa palavra, devemos, em primeiro lugar, ser amados para podermos aprender a amar. A verdadeira pobreza consiste em reconhecer a ligação de dependência no amor e na vida. Se a recusamos, fechamo-nos em nós mesmos, numa riqueza que poderá asfixiar-nos. Dito de outro modo, somos convidados a nunca esquecer que tudo o que temos e somos é sempre, antes de mais, um dom. Não somos proprietários da vida. Dela temos apenas usufruto. O nosso Pai confia-nos a vida, para que a façamos frutificar em aventura de amor. Isso deveria preservar-nos do “espírito de possessão” e abrir o nosso coração para aprender sem cessar a receber e podermos, por nossa vez, dar.

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que recorda a longa história da aliança. Ou, se houver um grande número de crianças na assembleia, pode-se optar pela Oração Eucarística I para Crianças, que permite, no meio do verão, um belo louvor pela Criação.

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…

Incidir sobre os verdadeiros valores… O nosso tesouro terrestre ocupa muitas vezes todas as nossas energias e a nossa vigilância. Acontece o mesmo com o tesouro que somos convidados a constituir em vista do Reino? Se o Mestre viesse hoje, como nos encontraria? Prontos a servir, prontos a acolhê-lo?… A nossa fé, como a de Abraão, é bastante viva para incidir sobre os verdadeiros valores?

 

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org