Exercitar a cidadania

A sociedade de cristandade é hoje uma memória esbatida do passado. Os cristãos já não constituem a maioria na sociedade nem os seus valores são socialmente aceites sem passar por uma crítica corrosiva e feroz. A pandemia veio acelerar um processo de esvaziamento das nossas igrejas e porá a nu, mais tarde ou mais cedo, a realidade das comunidades cristãs: mais pequenas, mais pobres e mais expostas às intempéries.

A verdade cada vez mais evidente é que hoje somos uma minoria dentro da sociedade. Apesar de tudo, aquilo que pode soar como uma catástrofe aos ouvidos dos mais incautos, poderá não ser tão negativo quanto, sobretudo se abrir caminho a uma maior consciência e compromisso cristão. A pouca quantidade não é necessariamente sinal de pouca qualidade. Jesus não nos pediu que fôssemos a picanha, mas apenas o sal que a tempera…

Escrevo estas linhas em contexto de eleições em Portugal e penso naquilo que foi a campanha eleitoral, com os seus debates e arruadas, feitos de verborreias ruidosas e ausência de propostas sérias para o país, que todos dizem amar e querer servir com tanta paixão que até o mais ingénuo fica desconfiado. Fiquei a matutar no recorrente afastamento dos bons cristãos da vida política, mesmo se sobejaram as citações do papa Francisco, vindas dos quadrantes mais improváveis. Preocupa-me que o facto de que os bons cristãos se mostrarem tão pouco comprometidos na vida pública possa ser sinal duma fé espiritualista e desencarnada, uma fé etérea e pseudo-mística.

Parece que nos esquecemos que não é possível a promoção do bem comum sem um exercício convicto e firme da cidadania. A vocação laical está fortemente marcada por este compromisso com as realidades mundanas e pelo empenho em as orientar para Deus. Um Cristianismo meramente intimista e fechado sobre si mesmo torna-se irrelevante na construção de um mundo melhor. Como diz o papa Francisco, em contexto de reflexão ecológica, mas que vale também para este assunto: «se os cidadãos não controlam o poder político – nacional, regional e municipal –, também não é possível combater os danos ambientais» (LS 179). Jesus não nos pediu que fôssemos a massa, mas simplesmente um fermento capaz de a levedar por inteiro. Se a nossa fé não nos envia de encontro à sociedade, então expirou a sua validade. Aquilo que é pequeno e frágil pode conter uma fecundidade muito superior àquilo que é grande e forte.

Como conclusão ficam então as palavras pertinentes de Joan Chittister: “nunca toleres aquilo que não é, por si só, essencialmente bom, nem tenha sido concebido para transformar o mundo de toda a gente num lugar melhor, ou, em última análise, um lugar realmente bom para o teu próprio desenvolvimento. Violar alguma dessas coisas é violar a vontade de Deus em relação à criação”.

José Domingos Ferreira, scj

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